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IGREJA LUTERANA

Revista Semestral de Teologia

1
IGREJA LUTERANA

SEMINÁRIO
CONCÓRDIA

Diretor
Leonerio Faller

Professores
Acir Raymann, Anselmo Ernesto Graff, Clóvis Jair Prunzel, Leonerio Faller, Gerson
Luis Linden, Leopoldo Heimann, Paulo Proske Weirich, Paulo Wille Buss, Raul Blum,
Vilson Scholz

Professores Eméritos
Donaldo Schüler, Paulo F. Flor,
Norberto Heine

IGREJA LUTERANA
ISSN 0103-779X
Revista semestral de Teologia publicada em junho e novembro pela Faculdade de
Teologia do Seminário Concórdia, da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB),
São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil.

Conselho Editorial
Paulo P. Weirich (Editor), Gerson L. Linden e Acir Raymann

Assistência Administrativa
Ivete Terezinha Schwantes e Saulo P. Bledoffn

A Revista Igreja Luterana está indexada em Bibliografia Bíblica Latino-Americana


e Old Testament Abstracts.

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Revista Igreja Luterana
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2
SUMÁRIO

ARTIGO
FÓRMULA DE CONCÓRDIA 5
Cezar Squiavo Schuquel

AUXÍLIOS HOMILÉTICOS 12

IGREJA LUTERANA
Volume 73 – Junho 2014 - Número 1

3
ARTIGO

FÓRMULA DE CONCÓRDIA
ARTIGO I – Do Pecado Original
Cezar Squiavo Schuquel

INTRODUÇÃO

Ao finalizar o livro Cremos, por isso também falamos, Otto A.


Goerl afirma:

Doze homens levantam pedras e as carregam consigo. Repre-


sentam as doze tribos de Israel. O povo, sob a chefia de Josué,
acabara de atravessar o Jordão “a pé enxuto”. E cada repre-
sentante leva uma pedra sobre o ombro, tirada do leito seco do
rio. Assim Deus o quis. E para quê? As pedras deviam servir de
monumento. Elas “serão para sempre por memorial aos filhos
de Israel”. E, quando mais tarde os filhos iriam perguntar aos
pais: “Que vos significam estas pedras?”, então eles deveriam
contar-lhes os grandes feitos de Deus em favor do seu povo.
Nossos pais, os pais da Reforma, carregaram as pedras e delas
fizeram um memorial. Não queriam eles enaltecer a homens
e glorificar seus feitos. Queriam, isso sim, magnificar a miseri-
córdia de Deus e glorificar o seu santo nome.1

Essas palavras traduzem a importância das Confissões Luteranas


para a cristandade. Um memorial que aponta para o verdadeiro autor da
salvação, Jesus Cristo, e para a verdadeira rocha, na qual nos firmamos,
as Sagradas Escrituras, o Evangelho. A primeira “pedra” da Fórmula de
Concórdia trata de um dos temas centrais da fé cristã, o pecado origi-
nal. Onde não há uma visão correta desse tema também não é possível
visualizar a grandeza da obra de Jesus Cristo, como diz a Apologia da
Confissão: “Não podemos conhecer os benefícios de Cristo a menos que
entendamos nosso males”.2 Com esse estudo, pretendemos abordar o
Artigo I da Fórmula de Concórdia, buscando compreender seu contexto,
a posição dos confessores, bem como sua importância na prática pastoral
em nossos dias.

1
GOERL, Otto A. Fórmula de Concórdia: Cremos, por isso falamos. Porto Alegre: Con-
córdia, 1977, p.119.
2
LIVRO DE CONCÓRDIA: Apologia da Confissão, Artigo II, 50, p.109.

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IGREJA LUTERANA

CONTEXTUALIZANDO

Após a morte de Lutero, em 1546, o papa fez uma aliança com o


imperador Carlos V para “erradicar a erva daninha das doutrinas ímpias
espalhadas pelos hereges da Alemanha”. Por sua parte, João Frederico,
príncipe da Saxônia e o Landgrave Felipe de Hesse lideraram a liga de
Esmalcalde com objetivo de enfrentar as forças imperiais. Em abril de
1547, após serem traídos por Maurício da Saxônia, a liga foi derrotada
na batalha de Mühlberg.
Com a vitória sobre os luteranos e sendo abandonado pelo papa,
Carlos V forçou um acordo entre católicos e luteranos. Em 1548, na Dieta
de Augsburgo, o imperador determinou essa união. Grande parte dos
pastores luteranos não aceitou a determinação do Ínterim, sendo perse-
guida duramente. Com objetivo de apaziguar, Melanchton elaborou um
documento que foi estudado e aceito na Dieta de Leipzig, em dezembro
de 1548. Esse documento ficou conhecido como Ínterim de Leipzig. Esse
documento foi o estopim das dez controvérsias que se seguiram nos 30
anos seguintes.3
O Artigo I da Fórmula de Concórdia trata, na verdade, da quarta con-
trovérsia, conhecida como “Controvérsia Flaciana”.

1. Matthias Flacius Illyricus


Era um dos teólogos mais estudados e capazes de sua época. Os
historiadores o descrevem como o “mais expoente e defensor mais fiel,
dedicado, zeloso e capaz do luteranismo”.4
Na Controvérsia Adiaforística (1548-1555), foi um dos grandes defen-
sores da fé luterana. Repetidas vezes admoestava seus companheiros a
“morrer antes que negar e renunciar à verdade” (BENTE, p.135), deter-
minação essa que manteve até o fim da vida. Nessa controvérsia, foi de
Flacius a frase mais contundente: “Em caso de confissão e escândalo, nada
é adiáforo” (GOERL, p.21). Walther observa: “Foi uma grande pena que
Flacius, que até então fora um herói tão fiel da doutrina pura, se expôs
aos inimigos de tal forma” (BENTE, p.153).

2. A origem da Controvérsia Flaciana


Foi na Controvérsia Sinergista que Flacius tropeçou. Novamente, foi um
dos grandes defensores da fé luterana. Juntamente com Amsdorf, Wigand,
Hesshusius e outros teólogos proeminentes debateu com os sinergistas
na “Disputa de Weimar” (1560). E foi nessa disputa, na segunda sessão,
quando discutia com seu colega de universidade Viktorin Strigel, que Fla-

3
GOERL, Otto A., op. cit, pp. 18-23
4
BENTE, p.135.

6
FÓRMULA DE CONCÓRDIA

cius caiu nas armadilhas filosóficas do adversário. Strigel insistia em usar


definições filosóficas, em especial os termos “substância” e “acidente”,
enquanto Flacius firmava-se nas Escrituras. Foi nesse contexto que se
deu o seguinte diálogo:

Strigel perguntou a Flacius: “Negas que o pecado original é um


acidente?” Flacius respondeu: “Lutero nega expressamente que é
um acidente”. Strigel: “Julgas negar que pecado é um acidente?”
Flacius: “Eu disse que a Escritura e Lutero afirmam que é uma
substância”.5

Depois da sessão, seus companheiros tentaram demovê-lo da posição,


mas ele permaneceu irredutivel. Estava iniciada mais uma controvérsia
na igreja cristã.

3. O conteúdo da controvérsia
A questão da controvérsia é sobre a natureza do pecado original.
a. Strigel e os Sinergistas defendiam a ideia de que o pecado original
não faz parte da substância do ser humano, mas é apenas um
acidente. Na opinião deles, Deus não criou o pecado e dizer que o
mesmo é substância é dizer que Deus o criou. Já o livre arbítrio,
que pertence à substância e essência do ser humano, não pode ser
perdido sem aniquilar o próprio homem. Logo, o pecado original,
por ser um acidente, não pode eliminar o livre arbítrio, apenas
limitá-lo.
b. Flacius e seus seguidores afirmavam que o pecado original não era
um acidente, mas a substância do homem. Mais tarde, em um de
seus escritos, faz a seguinte afirmação:

Assim, por isso, creio e afirmo que o pecado original é uma


substância, porque a alma racional (como unida com Deus) e
em especial seus poderes substanciais mais nobres, a saber, o
intelecto e a vontade, que antes haviam sido formados de modo
tão glorioso que forma a própria imagem de Deus e a fonte de
toda justiça, retidão e piedade, e no conjunto essencialmente
semelhante a ouro e pedras preciosas, estão agora, pelo engano
de Satanás, tão completamente pervertidos que são a verdadeira
e viva imagem de Satanás e, por assim dizer, imundos ou antes
consistindo duma chama infernal, não diferente do que quando a
massa mais doce e pura, infectada pelo fermento mais venenoso,
é completa e substancialmente mudado e transformado numa
massa deste mesmo fermento.6

5
BENTE, p.135
6
BENTE, p. 138

7
IGREJA LUTERANA

E mais:

A maldade original não foi, como muitos pensam, infundida de


fora em Adão como quando veneno ou alguma outra substância
ruim é atirado ou derramado num líquido bom, assim que em
virtude da substância má que foi acrescentada também o resto se
torna nocivo, mas sim como quando um líquido bom ou o próprio
pão é pervertido assim que agora é ruim e, como tal, venenoso
ou, antes, veneno.7

Saliger e Fredeland, dois seguidores de Flacius, ensinaram que “o


pecado original é a própria substância do corpo e da alma do homem” e
que Cristo assumira “a carne duma outra espécie” do que a nossa (BEN-
TE, p.141).

ARTIGO I DA FÓRMULA DE CONCÓRDIA

1. Aspectos exegéticos:
Como resposta, a Fórmula de Concórdia, em seu primeiro artigo, traz
uma posição bíblica com relação ao tema. É interessante observar que
os confessores não se preocuparam com definições filosóficas de termos,
mas apenas apresentam o ensino bíblico sobre pecado original. Alguns
termos importantes a serem destacados:
a. Natureza – refere-se à essência, corpo e alma do ser humano,
criada por Deus.8
b. Pecado original – refere-se à profunda corrupção da natureza
do ser humano. Toda a natureza humana está corrompida até o
“fundamento”.9 Não criada por Deus.
c. Natureza corrupta e corrupção – são duas coisas distintas. Não po-
dem ser confundidas. A natureza não é o pecado original. Embora
estejam tão ligadas que apenas Deus possa separá-las, não podem
ser confundidas.
d. Propagação – Deus cria a natureza, não o pecado original. O pecado
original é propagado de semente pecaminosa, pela concepção e
nascimento carnais de pai e mãe.10 “Todavia, essa criatura e obra de
Deus é miseravelmente corrompida pelo pecado, porque a massa da
qual Deus agora plasma e faz o homem foi corrompida e pervertida
em Adão e assim nos é transmitida hereditariamente.”11

7
BENTE, p. 138
8
LIVRO DE CONCÓRDIA, op.cit., p.555, 51
9
Idem, p.555, 55 e 56
10
Ibidem, p.547,7
11
Ibidem, p.553, 38

8
FÓRMULA DE CONCÓRDIA

2. Base bíblica:
1. O pecado original não é simples mancha
a. É o pecado que herdamos de Adão: Rm 5.19; Sl 51.5
b. É a completa corrupção de toda a natureza humana: Rm 7.14;
Rm 7.18
c. É privada da justiça original: Rm 3.23; Sl 143.2
d. É inclinada para todo o mal: Gn 8.21
e. Não é simples mancha: Jr 2.22
f. É sujeita à condenação: Ef 2.3; Jo 3.5
2. O pecado original não faz parte da essência do homem
a. Deus é o criador do homem: Ml 2.10
b. Jesus tornou-se homem para nos salvar, assumindo a nossa
natureza: Rm 1.3; 2Co 5.21
c. Pela fé os crentes se tornam um templo de Deus, por ele mesmo
santificado e ornado com frutos do Espírito: 1Co 3.16
d. Nosso corpo mortal ressuscitará em glória e sem mácula: Fp 3.2112

A DOUTRINA DO PECADO ORIGINAL E O TRATAMENTO PASTORAL

Em seu artigo “The Distinction of Grades of Sin in the Book of Concord


and the Early Lutheran Fathers”, James D. Heiser cita a apologia que diz
“não podemos conhecer os benefícios de Cristo a menos que entendamos
nosso males”. Da mesma forma, Wengert, no livro “A Formula for Parish
Practice”, afirma:

Se ampliamos o pecado humano, a ponto de obscurecer a obra


de Deus, depreciamos a criação de Deus e colocamos a ressur-
reição do corpo em xeque. Se diminuímos o pecado e a realidade
humana, estamos, ao mesmo tempo, reduzindo a importância da
obra salvadora de Jesus, sua morte e ressurreição, e a obra do
Espírito Santo em declarar-nos justos e fazer-nos santos à vista
de Deus” (WENGERT, p.21).

Observamos, portanto, a centralidade da doutrina do pecado original


nas Confissões Luteranas. Não é por acaso que, apesar de ser a quarta
controvérsia, o pecado é o primeiro artigo da Fórmula de Concórdia. A
maioria das controvérsias são resultado da visão equivocada do ser humano
e sua realidade de pecador. Poderíamos afirmar que a doutrina do pecado
original é uma das doutrinas distintivas do luteranismo.

12
GOERL, op. cit. pp.48-50

9
IGREJA LUTERANA

Heiser afirma que, em toda a história da cristandade, o conceito de


pecado esteve sob ataque. O autor cita algumas evidências de que isso
tem acontecido em nosso tempo:
a. “A transformação do pastor, de um pai confessor em um psi-
cólogo amador, que muda seu foco de absolver pecados para
curar ansiedades”.

b. A abolição da confissão geral da igreja ou sua modificação,


reduzindo-a a uma simples lista de pecados atuais, o que
diminui a influência do pecado original que corrompe a alma
(HEISER, p.21).
O autor defende a importância da distinção entre pecado original e
pecado atual:

Se os cristãos conhecerem sua pecaminosidade apenas em termos


de atos discretos e individuais ao invés de entender que estão
completamente corrompidos pelo pecado, há o perigo de minimi-
zarem o pecado a ponto de considerá-lo como meros atos a serem
evitados. Onde há uma compreensão bíblica de pecado original,
os cristãos começam a entender a situação desesperadora do
pecador, longe de Jesus Cristo (HEISER, pp. 23-24).

Por essa razão, defende o uso da Confissão Geral tradicional, que reflete
uma compreensão bíblica da natureza da relação entre pecado original e
pecado atual. Para as Confissões, há um lugar específico para a confissão
de pecados individuais: a confissão particular.
Ao finalizar o seu artigo, Wengert apresenta como precisamos tratar
o pecado:
a. Batizando, pois é tudo o que precisamos para começar uma
nova vida com Deus;
b. E quando a pessoa cai em pecado, por sua natureza, precisa
rapidamente retornar à fonte do perdão pela Confissão e Ab-
solvição (WENGERT, p.28-29);
c. Ainda acrescentaríamos o convite incansável e amoroso para
a participação na Ceia do Senhor.

CONCLUSÃO

Como podemos ver pela palavra de Deus, claramente exposta na Fór-


mula de Concórdia, em seu primeiro artigo, o pecado original é um tema
fundamental na pregação cristã. Ignorar ou recusar essa realidade é negar
e rejeitar a obra salvadora de Jesus Cristo. Pois, se não nos reconhecemos
como “pobres e miseráveis pecadores”, jamais reconheceremos a impor-
tância da vida, morte e ressurreição de nosso Salvador em nossa vida.

10
FÓRMULA DE CONCÓRDIA

Por isso, é fundamental que os pastores tenham clareza sobre o ensino


do pecado original, pois “não podemos conhecer os benefícios de Cristo
a menos que entendamos nosso males”.
Assim, na pregação, no aconselhamento e em todos os momentos,
há a necessidade de se pregar o ensino escriturístico. Porque a grande
tentação do nosso tempo é seguirmos as ciências humanas, onde o ser
humano é colocado como uma vítima do contexto social e familiar e que
tem condições de mudar essa realidade através de terapias e tratamentos.
No entanto, sabemos que o único caminho para a humanidade é conhecer
a redenção conquistada por Cristo em sua obra vicária. Mas isso só en-
contra aquele que deixa de confiar em sua força e conhecimento e, pela
fé, se apega à mensagem do Evangelho.
Como dizem as confissões:

Por isso também jamais se ajudará à igreja de Deus a alcançar


paz permanente nessa controvérsia, mas antes se fortalecerá e
manterá a desunião, se os ministros da igreja ficam presos em
dúvida sobre se o pecado original é substância ou acidente, e
sobre se é correta e apropriadamente chamado assim.
Por essa razão, se a gente quer libertar as igrejas e escolas radical-
mente dessa controvérsia ofensiva e altamente prejudicial, é ne-
cessário que todos recebem a devida instrução nessa matéria.”13

REFERÊNCIAS

GOERL, Otto A. Fórmula de Concórdia: Cremos, por isso falamos.


Porto Alegre: Concórdia, 1977.
BENTE, Friedrich. Historical introductions to the symbolical books of
the Evangelical Lutheran Church / F. Bente. [S.l.] : s.n., [19--?]. 266 p.
HEISER, James D. The distinction of Grades of Sin in the Book of Concord
and the Early Fathers. Logia, Volume XI, n. 3, p.21-28.
WENGERT, Thimothy J. A Formula for Parish Practice: Using the
Formula of Concord in Congregations, Article Three: “But Babies
Are So Cute!” The Original Problem with Human Beings. Michigan (EUA):
Eerdmans Publishing Company, 2006.
LIVRO DE CONCÓRDIA. 5ª ed. Tradução Arnaldo Schuler. São Leopoldo:
Sinodal e Porto Alegre: Concórdia, 1997.

Cezar Squiavo Schuquel


São Leopoldo/RS
csschuquel@bol.com.br

13
LIVRO DE CONCÓRDIA, op.cit., p.556, 58 e 59

11
IAUXÍLIOS HOMILÉTICOS
GREJA LUTERANA

DOMINGO DA SANTÍSSIMA TRINDADE


15 de junho de 2014
Salmo 8; Gênesis 1.1-2.4a; Atos 2.14a, 22-36; Mateus 28.16-20

CONTEXTO LITÚRGICO

O Deus verdadeiro, Pai, Filho e Espírito Santo, é adorado, vivido e


anunciado em cada culto. Mas este domingo é especial, pois é uma opor-
tunidade ímpar de meditar sobre a dimensão do nosso Deus Trino e Uno.
As leituras bíblicas nos direcionam para a grande obra do nosso Deus, que
criou tudo, redimiu a humanidade e está presente todos os dias enquanto
esta sua obra continua sendo anunciada por cada cristão individual, e
através da igreja, de forma coletiva.
O Dia da Santíssima Trindade não é simplesmente um dia de estudo
exegético em busca de compreensão do mistério, mas um dia de alegria
percebendo a ação deste Deus que mantém a sua criação, tornando a
redenção acessível e conhecida por meio da atuação da igreja, e sendo
agente ativo de toda a vida e obra de salvação através da presença do
Santo Espírito.

Salmo 8: Contemplar a criação. Perceber a grandeza e complexidade


de uma simples semente e o seu processo de germinação, a preservação
da espécie e a produção de alimentos. A simplicidade de uma criança,
sua ingenuidade e amor verdadeiro; mas também sua fé, adoração e
louvor. Da mesma forma toda a atmosfera, os animais, as aves e os seres
marinhos. Uma criação fantástica, ampla, complexa e funcional. Tudo no
seu devido lugar. No meio disto estamos nós, os seres humanos, criados
inferiores somente a Deus.
Podemos perceber que, por obra de Deus, somos o ser privilegiado. Na
escala dos seres criados, o primeiro e mais importante. Cabe então uma
pergunta: como temos dimensionado o nosso amor e cuidado para com a
criação de Deus? Qual é o compromisso que temos para com a criação de
Deus, com a luta contra a extinção de espécies vegetais e animais, bem
como os elementos minerais renováveis e não renováveis? Como temos
nos posicionado sobre mutações genéticas (transgênicos) que visam ao
lucro e à concentração do capital nas mãos de poucas empresas do mun-
do, em total desrespeito ao ciclo natural e à preservação da multiforme
gama de espécies?
Deus nos colocou no centro da sua criação. Vamos colocar a criação
de Deus no centro das nossas ações para preservação e usufruto. Vamos

12
DOMINGO DA SANTÍSSIMA TRINDADE

buscar informações, formar opinião e fazer frente a tudo o que contradiz a


preservação da natureza e, em especial, das pessoas criadas por Deus.

Gênesis 1.1-2.4a: “E viu Deus que tudo o que havia feito era muito
bom” (Gn 1.31). Assim tudo foi criado, sendo o homem e a mulher criados
à imagem e semelhança de Deus.
Hoje vivemos consequências do pecado humano. Consequências indi-
viduais e coletivas. Aquecimento global, poluição das águas, escassez de
água potável e mudanças climáticas são assuntos relacionados ao meio
ambiente. Transgênicos, agrotóxicos e hábitos alimentares dizem respei-
to à saúde humana e dos animais. Violência, medo e morte nos tiram a
liberdade de usufruir da vida e da criação.
O que temos feito como cristãos e como temos agido como igreja em
defesa da criação de Deus, da vida do planeta e da criatura humana? Te-
mos lembrado que o trabalho de cuidar e cultivar a criação de Deus (Gn
2.15) foi instituído antes do pecado, portanto um privilégio, e não um ato
penoso? Como temos lidado em nossa casa com o destino dos resíduos
sólidos, a destinação adequada dos recicláveis, o consumo consciente e
a rejeição a alimentos não saudáveis, o agrotóxico e a transgenia? Esta-
mos percebendo que nós, cristãos, somos agentes de Deus para cultivar,
preservar e promover a vida – e vida em abundância?
Repito: Deus nos colocou no centro da sua criação. Vamos colocar a
criação de Deus no centro das nossas ações para preservação e usufruto.
Vamos buscar informações, formar opinião e fazer frente a tudo o que
contradiz a preservação da natureza e, em especial, das pessoas criadas
por Deus.
O pecado impôs múltiplos sofrimentos a toda a criação de Deus, mas a
Igreja, o povo chamado e escolhido, é um instrumento importante de Deus
para continuar cuidando e cultivando (Gn 2.15) o que Deus criou. Isto se
faz dentro de casa, na escolha do que consumimos, nos hábitos de cuidado
e cultivo da terra, na destinação do lixo urbano, e como nos envolvemos
direta e indiretamente nas causas ambientais e de preservação.

Atos 2.14a, 22-36: A salvação é obra do Deus Triúno. Para o anúncio


somos capacitados pelo Espírito Santo. Não podemos recuar diante de
teorias que destronam o Criador, muito menos daquelas que desqualifi-
cam a redenção.
Somos desafiados a pregar para o contexto de cada comunidade lo-
cal. É preciso ser claro, incisivo, e sempre mostrar com coragem onde
está o erro e onde buscar a reconciliação. Foi isto que Pedro fez no dia
de Pentecostes. Ele não pregou sobre coisas distantes dos seus ouvintes,
mas esclareceu aos seus ouvintes o que estava acontecendo e como isso

13
IGREJA LUTERANA

estava no Plano de Deus. Ele usou da sua capacidade de persuasão. Ele


chamou seus ouvintes à reflexão sobre os fatos e ensinou como Jesus
era o cumprimento de profecias e que seu sacrifício e ressurreição diziam
respeito à redenção de cada pecador. Pedro não usou de formas “politica-
mente corretas”, nem de “palavras enfeitadas,” mas foi claro em afirmar
no versículo 36: “Todo o povo de Israel deve ficar bem certo de que este
Jesus que vocês crucificaram é aquele que Deus tornou Senhor e Mes-
sias”. (grifo nosso).
Nossos tempos nos desafiam a pregações de ensino para a compreen-
são; pregações de confronto, para reflexão e posicionamento; pregações
que mostram a grandeza do amor de Deus a membros e visitantes, para
que todos queiram estar nesta comunhão para usufruir e viver a salvação
através de Jesus Cristo.

Mateus 28.16-20: Somos enviados para todas as dimensões da vida,


para todos os espaços do universo e para todas as pessoas para promover
a salvação, discipulando. Fazer discípulos é mais do que repassar conhe-
cimentos ou ensinos. Discipular significa preparar pessoas que possam,
assim como nós, discipular outras pessoas que novamente serão capazes
de fazer o mesmo na geração seguinte. Discipular é um processo de mul-
tiplicação onde o aprendiz se torna capaz de capacitar novos aprendizes.
O conteúdo do discipulado são os ensinos daquele que recebeu toda a
autoridade no céu e na terra – Jesus Cristo. O Evangelho revela o perdão
dos pecados e a salvação do pecador arrependido, mas os ensinos de
Jesus abrangem a vida em todas as dimensões (exemplo do Sermão do
Monte, em Mateus 5, 6 e 7).
No Evangelho em foco, duas formas de discipular estão evidenciadas:
o batismo e o ensino. Assim percebemos que a fé torna alguém discípulo.
Esta fé é dom do Espírito através do batismo, bem como através do ensino,
como diz 10.17: “a fé vem pelo ouvir a mensagem”.
Na análise do texto original grego, é facilmente compreensível que o
batismo torna discípulo, assim como o ensino torna discípulo. Desta forma
reforça-se o batismo infantil, logo após o nascimento, e o ensino como
processo de discipulado na vida. Da mesma forma, reforça-se também o
consolo sobre situações em que a pessoa ouviu o Evangelho e creu, mas
por algum motivo não teve oportunidade de batismo (leia também 1 Pe
3.21 e Jo 16.16).
Outra atenção especial neste trecho do Evangelho recai sobre o a forma
verbal, tradicionalmente conhecida como “IDE” que poderia ser entendido
como um evento pontual e com propósito específico, do tipo: ide, e ide
novamente. Mas a possibilidade da tradução “INDO” torna o discipulado
um processo contínuo, cotidiano, e que acontece na vida não como um

14
DOMINGO DA SANTÍSSIMA TRINDADE

evento específico, mas como parte integrante da vida do discípulo de Je-


sus, e assim o discipulado se dá em casa, no trabalho, no ônibus, na rua,
na igreja e na vida como um todo.
Este discipulado então se dá por meio de palavras e atitudes. Da mesma
forma possui a dimensão particular e coletiva. Cada um que tem fé em
Jesus Cristo é discipulador, mas todos em conjunto, como igreja, depar-
tamento ou grupo de ação são discipuladores que programam objetivos,
estratégias e ações em comum.

PROPOSTA HOMILÉTICA

Os textos reafirmam a obra de Deus em favor da sua criação, com


destaque para a salvação das pessoas. Da mesma forma, sinto nesta re-
velação uma vontade de responder com amor e fidelidade a tudo o que O
meu Deus, Pai, Filho e Espírito Santo fizeram, continuam fazendo e ainda
farão por mim. A sugestão de esboço vai nesta direção.

SUGESTÃO DE TEMA E ESBOÇO

Tema: Nosso Deus (Triúno) trabalha cuidando e salvando!

Introdução: A beleza da vida e de toda a criação

Toda a criação geme por causa do pecado


Mudanças climáticas
Posturas destruidoras
O papel dos cristãos dentro do Reino de Deus em preservar e recons-
truir a vida

Deus cuida e salva diretamente (imediato)


As leis da natureza
A obra redentora em Cristo
A obra do Espírito para conversão e salvação

Deus cuida e salva por meio dos seus filhos (mediato)


A vida e o serviço dos cristãos
O papel e o trabalho da Igreja
Como crerão se não há quem pregue? (a reconciliação)

Conclusão: A imagem e semelhança de Deus está em cada criatura


humana. Por isso Deus não desistiu e enviou o Filho para reconciliar.
Consumada a obra, Deus se faz Deus-Conosco através do Espírito Santo,

15
IGREJA LUTERANA

tornando-nos templos (moradas) do Espírito Santo. Assim percebemos


que Deus não desiste da sua obra. Perseveremos nós também em toda a
ação no Reino, com fé, esperança e amor ao próximo.

Airton S. Schroeder
Porto Alegre/RS
airtonschroeder@yahoo.com.br

16
SEGUNDO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
22 de junho de 2014
Salmo 91. 1-10 (11-16); Jeremias 20.7-13; Romanos 6.12-23;
Mateus 10. 5a, 21-23

INTRODUÇÃO

Muitas ideias estão relacionadas para este período muito especial


na vida da Igreja, em especial os temas propostos no Planejamento da
IELB. Por isso, para início da nossa reflexão, lembramos o tema geral
do Planejamento: “Vou viver e anunciar o que o Senhor tem feito!”.
Esse tema é baseado no versículo que era lema da vida do reformador
Martinho Lutero: “Não morrerei; antes viverei e contarei as obras do
Senhor!” (Sl 118.17) e também o tema que é o destaque desse ano:
“Vou viver e anunciar o que Senhor tem feito! Na vida a partir da graça
de Deus!”. Os dois temas estão intimamente relacionados com as leituras
desse fim de semana, com o período dentro do ano eclesiástico e com
a proposta temática.
Num primeiro momento, seguimos no embalo do dia de Pentecos-
tes, lembrando em especial que já fomos chamados à fé em Cristo. A
explicação do 3º artigo do Credo Apostólico no Catecismo Menor é ex-
tremamente importante aqui, pois: “Creio que por minha própria razão
ou força não posso crer em Jesus Cristo, meu Senhor, nem vir a ele.
Mas o Espírito me chamou pelo Evangelho, iluminou com os seus dons,
santificou e conservou na verdadeira e única fé”. Então, ao mesmo tempo
em que lembramos que fomos chamados por Deus para uma vida de fé e
confiança, a qual não é mérito nosso, mas ação e iniciativa de Deus em
nossa vida porque “[...] estáveis mortos em vossos delitos e pecados”
(Ef 2.1) e porque ninguém pode dizer “[...] Senhor Jesus senão pelo
Espírito Santo” (1 Co 12.3), também somos convidados a viver uma vida
na fé, pois somos nova criatura e fomos chamados por Deus: “Deus nos
salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras,
mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em
Cristo Jesus antes dos tempos eternos” (2 Tm 1.9). Na verdade, as duas
coisas não se separam, somos chamados para a fé e vivemos nessa fé
pela graça de Deus em Cristo, mas o destaque é importante dentro do
contexto de envio e apostolado para os quais estão dispostos e motivados
os que foram chamados pelo Senhor.
IGREJA LUTERANA

OS TEXTOS

Os textos relacionados para esse fim de semana nos mostram uma


situação de vida cristã tensa por causa do testemunho do Evangelho e ao
mesmo tempo urgente e compulsória para aquele que conhece a mensa-
gem da graça de Deus que nos redime do pecado. É como se você tivesse
descoberto a cura de uma doença grave, da qual você mesmo foi curado
e está extremamente feliz e agora se sente compelido e constrangido
a compartilhar essa boa notícia mesmo que muitos não a aceitem, não
acreditem em você e até o tratem mal por isso.
No texto do Antigo Testamento, percebemos nas palavras do profeta
Jeremias essa tensão e dualidade de sentimentos. Por um lado o profeta se
sente e foi persuadido, convencido pelo Senhor para uma missão especial
“mais forte foste do que eu” (Jr 20.7) e também “Quando pensei que não
me lembrarei dele e já não falarei no seu nome, então isso me foi no coração
como fogo ardente, encerrado nos meus ossos; já desfaleço de sofrer e não
posso mais” (Jr 20.9). Ele literalmente não pode deixar de falar da palavra
de Deus, ou como diz o apóstolo Paulo: “Se anuncio o evangelho, não tenho
de que me gloriar, pois sobre mim pesa essa obrigação; porque ai de mim
se não pregar o evangelho!” (1 Co 9.16). Assim como Paulo, o profeta foi
tomado e convencido pelo Espírito Santo a fazer isso, mesmo que a men-
sagem fosse de violência e destruição, mesmo que por causa dela ele fosse
perseguido e os seus amigos quisessem vingança. Por outro lado, o consolo
vem do reconhecimento e da constatação do cumprimento das promessas
de Deus. O profeta reconhece que não está sozinho (v.11): o Senhor está
com ele como um poderoso guerreiro, ele é o Senhor que prova o justo e
para o qual confiamos a nossa causa (v. 12), e esse é o Senhor que livra a
alma do necessitado das mãos dos malfeitores (v.13). O profeta sofre com o
anúncio dessa Palavra, mas ao mesmo tempo sabe que é a única forma de
Deus chamar o povo de volta ao arrependimento e oferecer a cura.
Nas palavras do Salmo temos a promessa de proteção, descanso e
segurança para aqueles que confiam no Senhor (v.2). Mesmo diante dos
muitos perigos ou diante da própria morte, podemos confiar que esse é o
Senhor que dá ordens aos seus anjos para que nos guardem em todos os
nossos caminhos, na certeza de que quem se apega com amor ao Senhor
será colocado a salvo (v.14) – de que na nossa angústia podemos invocar
o seu santo nome que Ele nos responderá (v.15) – e que recebemos dele a
promessa de uma vida que não termina mais e a salvação eterna (v. 16).
O Salmo não diz que é fácil passar por todas essas aflições, mas promete
que Deus estará conosco em todo o tempo, nos mantendo em sua graça
e nos presenteando com o mais importante.
Na leitura da epístola, Paulo nos lembra que fomos libertos da lei, e
que nessa liberdade, capacitados, queremos servir a Deus. Esse é um

18
SEGUNDO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

exercício que fazemos na fé em Cristo, de quem recebemos o perdão de


nossos pecados. Éramos escravos do pecado, mas agora somos servos
da justiça e nos oferecemos para uma vida de santificação. O versículo
23 “[...] porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de
Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor” nos lembra desse
presente que recebemos na fé.
Jesus, segundo a leitura do evangelho, faz uma constatação dramática
e urgente. Diante das enormes necessidades espirituais, emocionais e ma-
teriais levantadas por ele em seu ministério “[...] ensinando nas sinagogas,
pregando o evangelho do reino e curando toda a sorte de enfermidades.
Vendo ele as multidões, compadeceu-se delas, porque estavam aflitas e
exaustas como ovelhas que não têm pastor” (Mt 9.35,36). Ele constata que
o trabalho é grande, mas que os trabalhadores são poucos! Perguntamo-nos:
que trabalho é esse? Pode ser descrito como o de olhar para a necessidade,
carência e urgência do próximo e oferecer a mensagem do evangelho, o
consolo da graça, o suporte espiritual que nos dá a garantia de que Deus
está conosco, de que ele está ao nosso lado e de que Ele é por nós. Diante
da constatação de que falta gente para esse trabalho, é necessário orar
para que Deus envie mais “ceifeiros”. Na seqüência, o evangelista nomeia
os 12 apóstolos e Jesus os envia com instruções bem claras: “à medida
que seguirdes, pregai que está próximo o Reino dos céus. Curai enfermos,
ressuscitai mortos, purificai leprosos, expeli demônios” (Mt 10. 7,8). Nesse
apostolado Jesus não nos garante um caminho fácil, pelo contrário, ele ad-
verte que muitos não vão querer ouvir, que está nos enviando como ovelhas
para o meio dos lobos, que corremos o risco de sermos presos por conta
de nossa fé e testemunho, mas que podemos ser levados à presença de
autoridades para falar o que o Espírito nos der para falar naquele momento.
Ele nos adverte de que haverá divisões e ódio dentro de famílias por causa
do nome de Jesus, mas que devemos perseverar, ficar firmes e permanecer
sob a graça até o fim e assim seremos salvos.

PROPOSTA HOMILÉTICA

O discurso de Jesus não é para os que ainda não creem, mas para
a Igreja, para os que já foram chamados para a fé e agora vivem e são
capacitados para uma vida santificada.
Na contramão de “teologias” populares, Jesus não promete riquezas,
facilidades, e nem autoriza ninguém a “determinar” a Ele o que deve ser
feito; pelo contrário, no envio dos que foram chamados, são claras as suas
orientações, bem como os avisos dos percalços do caminho e as dificulda-
des embutidas na missão por conta da rejeição da graça e do próprio Cristo.
No entanto, a bênção prometida é muito melhor e maior, é ser salvo, não
por aquilo que fizermos, mas por aquilo que Deus fez por nós.

19
IGREJA LUTERANA

Somos chamados por Deus a perseverar firmes na graça e no amor – não


que isso venha de nós. Essa é uma obra de Deus em mim, meu trabalho é
não rejeitar a graça e nem a fé e me dispor a ser um instrumento em suas
mãos, porque como disse o profeta Jeremias, “essa palavra arde dentro de
mim,” e o apóstolo Paulo “ai de mim se não pregar o Evangelho”, ou ainda
como testemunharam Pedro e João diante do Sinédrio, após serem presos
por causa do anuncio do Evangelho: “Julgai se é justo diante de Deus ouvir-
vos antes a vós outros do que a Deus; pois não podemos deixar de falar
das coisas que vimos e ouvimos” (At 4.19,20). Creio que essa é a linha que
perpassa as leituras e que nos desafia e anima para o trabalho no Reino de
Deus. Diante disso, proponho como tema e partes o seguinte:

Tema: O Senhor nos mantém firmes na fé e por isso somos salvos!

Introdução

I – O Espírito Santo nos chamou pelo evangelho.


1. A minha impossibilidade: não posso passar a crer!
a. Éramos inimigos de Deus.
b. Estávamos afastados dEle.
2. Para Deus tudo é possível – Ele me faz crer.
3. Ele me chama pelo evangelho.
4. Na fé somos aceitos, salvos e perdoados e recebemos da parte
de Deus as vestes da justiça.

II – O Espírito Santo nos iluminou com os seus dons.


Somos enviados!
Não posso deixar de falar!
Ai de mim se não pregar!
Compartilhamos o que temos de mais caro.

III – O Espírito Santo nos santificou e conservou na fé verdadeira.


Completamente perdoados, salvos, redimidos.
Firmados na graça.
Nada pode nos afastar do seu amor.
Se Deus é por nós, quem será contra nós?
O maior presente de todos.
Capacitados por Deus, vivemos nova vida.

Rubens Ogg
São Leopoldo/RS
rubensogg@gmail.com

20
TERCEIRO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
29 de junho de 2014
Salmo 119.153-160; Jeremias 28.5-9; Romanos 7.1-13;
Mateus 10.34-42

LEITURAS

Salmo 119.153-160: Uma alusão ao comprometimento com a Palavra


acima de qualquer coisa. Percebe-se a disponibilidade de estar com Deus
a qualquer preço; a fidelidade está acima das ameaças impostas pelos
que não estão com Deus: “Tenho inimigos porque não deixo de seguir teus
ensinamentos, porém não deixo de te obedecer” (v.157).

Jeremias 28.5-9: Jeremias se vê diante da falsidade do profeta Hana-


nias e manifesta-se no sentido de que verdadeira paz será encontrada como
resultado da fidelidade. Hananias fala sobre a paz e bênção incondicionais.
Jeremias alerta que guerras, males e conflitos fazem parte da caminhada
do povo de Deus. O comportamento do povo traz tais desgraças.

Romanos 7.1-13: As notas de Martinho Lutero (Bíblia Sagrada com


Reflexões de Lutero) são importantes para o reconhecimento do texto no
contexto do evangelho proposto. “Paulo mostra como o Espírito e a carne
lutam um contra o outro na pessoa. Apresenta a si mesmo como exemplo
para que aprendamos a reconhecer bem a obra (matar o pecado em nós
mesmos). Mas a ambos ele chama de lei, tanto o Espírito como a carne,
e isto pela seguinte razão: assim como a lei divina tem a característica
de impelir e exigir, assim também a carne impele, exige e se agita com
violência contra o Espírito e quer satisfazer seu desejo. Por outro lado, o
Espírito investe contra a carne e procura satisfazer a sua vontade. Essa
luta perdura dentro de nós enquanto vivemos, nuns mais, noutros menos,
dependendo do que é mais forte, o Espírito ou a carne. E, mesmo assim,
a pessoa inteira é ela mesma ambas as coisas, Espírito e carne, lutando,
portanto, consigo mesma, até que fique inteiramente espiritual.”

Mateus 10.34-42: Este capítulo, em especial os versículos 32 a 36,


projetam uma nota de urgência em relação à mensagem de Cristo. Há um
destaque na situação e nos resultados. A mensagem de Cristo é eterna
na sua duração e nos seus propósitos e é dogmática quanto aos seus
caráteres único e insubstituível da pessoa de Cristo. Estar com Cristo vai
IGREJA LUTERANA

além de qualquer outro compromisso ou comprometimento. O cristão


precisa estar consciente desta urgência e não se dispor a abrir mão desta
condição de discípulo sob qualquer outro pretexto.
V. 34: “não vim trazer paz”. Aqui há uma alusão específica no sentido
do comodismo e ausência de conflitos. Enquanto o mundo não estiver em
comunhão plena com Deus, sempre haverá conflito entre o sagrado e o
secular. A verdadeira paz de espírito está na comunhão plena com Deus
(Jo 14.27).
V. 35: A vinda de Cristo prefigura contendas até mesmo em famílias.
Ainda que a vinda de Cristo traga paz ao coração (11.29), abraçar o evan-
gelho também torna a vida mais difícil em alguns aspectos. Jesus exige
fidelidade que tem prioridade sobre os laços naturais de vida familiar.
V. 37: Não é necessário abandonar a família para seguir a Cristo, mas
se ela simboliza um empecilho para servir a Cristo livremente, então servi-
lo deve ter caráter preeminente.
V. 38: Tomar a cruz não se trata de procurar sofrimento, mas de en-
frentar consequências desta decisão, mesmo que seja o sofrimento (Gl
2.20). O cristão tem esta resignação e não abandona a Cristo movido
por pressões ou sofrimentos impostos pelos que não o compreendem na
fé. Obediência e identificação com Cristo vão além de cumprir algumas
obrigações.
V. 39: A busca de vantagens da vida terrena coloca em risco a vida
concedida por Cristo (2Co 5.17).
Vv. 40-42: Jesus aponta para recompensas a todo e qualquer esforço
que o cristão fizer em favor do Reino de Deus (1Co 15.58; Gl 6.9; Mt
25.35-36).

Mateus 10: Jesus chama seus discípulos e discursa sobre a sua mis-
são destacando os seguintes pontos: instrução; admoestação; estímulo;
dificuldades e recompensas.
Nosso texto: dificuldades e recompensas.

As dificuldades
A vida cristã não é de paz terrena, pois sempre existem perturbações
e conflitos. Temos em nosso coração o pecado que nos leva a promover
perturbações e conflitos. Muitas vezes nós somos os próprios agentes do
desconforto que nos cerca. Por causa das nossas imperfeições, temos difi-
culdades em nossos relacionamentos. Deus nos dá meios para alcançarmos
uma paz diferente, a paz de estar em comunhão com ele.
O discípulo de Jesus será incompreendido sempre que ele quiser imitar
a Jesus na confiança, na oração, no perdão, na compreensão e no amor.
Sempre que combater o erro, o orgulho discriminatório, a soberba, o

22
TERCEIRO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

egoísmo, o indiferentismo ou o desinteresse, terá a incompreensão como


resultado. Estas são dificuldades reais que o cristão enfrenta. Neste sentido
podemos compreender a frase de Jesus: “não vim trazer paz”.
O verdadeiro discípulo consagrado muitas vezes estará sendo vítima da
incompreensão dos outros. As pessoas se dividirão em torno da mensagem
de Cristo. Até mesmo em família isto poderá acontecer. Na comunidade
de fé poderá haver conflitos por causa de Cristo. O fato de Cristo estar
no coração do cristão não garante a ele que este estará sempre em paz
com todos. A presença de Cristo na vida do cristão poderá levá-lo a fazer
coisas que o desaprovem diante daqueles que estão descomprometidos
com o evangelho. Assim, maridos e esposas, pais e filhos podem enfrentar
conflitos. Na família da fé isto pode ser mais recorrente; é comum per-
cebermos conflitos nas comunidades a ponto de levá-las a dissidências,
mesmo sendo todos cristãos (bem intencionados). As dificuldades podem
se estender a todas as áreas do relacionamento, trabalho, escola, namoro
e amizades. Permanecer com Cristo pode significar ficar sozinho.

As recompensas
“Quem abre mão da sua vida por mim – achará a vida.” Aquele que
opta por comprometer-se com o evangelho como mensageiro dele terá sua
recompensa do próprio Cristo. Serão abençoados não por merecimento,
mas, por dádiva de Deus, receberão o galardão.
A maior recompensa é ter vida plena e abençoada em Cristo – paz,
perdão e salvação são a recompensa dos seguidores fiéis. As recompen-
sas não são terrenas para motivar interesses terrenos; o desafio é servir
e comprometer-se com o evangelho movido pela fé. Pela fé servir. Pela
fé resistir. Pela fé continuar. Pela fé receber a recompensa: vida eterna
e salvação.

Alcione Eidam
Cachoeirinha/RS
alcione.eidam@gmail.com

23
QUARTO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
6 de julho de 2014
Salmo 145.1-14; Zacarias 9.9-12; Romanos 7.14-25a;
Mateus 11.25-30

COMENTÁRIOS SOBRE MATEUS 11.25-30

No evangelho do Terceiro Domingo após Pentecostes (Mt 11.25-30),


temos um gracioso convite para todos os pecadores. Ao falar sobre o v.
28 de Mateus, Lutero assim se expressa: “Vê, assim tu podes encarar o
teu pecado com segurança, fora da tua consciência. Vê, aí pecados não
são mais pecados. Estão vencidos e devorados em Cristo. Pois assim como
ele toma sobre si a tua morte e a afoga, para que ela não mais te faça
mal, se crês que ele faz isso por ti e se vês a tua morte nele, não em ti
mesmo, da mesma maneira ele também toma sobre si os teus pecados
e os vence para ti em sua justiça e pura graça. Se creres nisso, eles não
mais te farão mal. Assim Cristo, a imagem da vida e da graça, é nosso
consolo contra a imagem da morte e do pecado”. Ao longo dos séculos
este é um dos versículos mais queridos do Novo Testamento.
No v. 27 Jesus revela que tem um relacionamento único e incomparável
com o Pai. E por ter um relacionamento assim, sem mediações, ele tem
toda a autoridade para revelar o amor de Deus. Saber quem é o Filho
inclui saber por que ele veio ao mundo. O relacionamento entre o Pai e o
Filho é único e não tem igual.
O legalismo judaico colocava um pesado fardo de leis e obrigações
sobre as pessoas. Jesus cumpriu perfeitamente os rigores da lei em nos-
so lugar. Agora que estamos unidos a Jesus pela fé, ele tem conosco um
relacionamento aberto, livre e leal, conforme podemos observar no v.
30. Levar uma carga significa estar unido a outro para um trabalho em
conjunto. Quando estamos unidos a Cristo, a nossa vida e a nossa von-
tade estão submetidas à vontade de Deus e, então, com a força que ele
nos dá, vencemos as tentações da carne e encontramos descanso para
a nossa alma.

DESTAQUES NOS OUTROS TEXTOS DA PERÍCOPE

Salmo 145.1-14: Deus abençoa os seus filhos. A primeira ação de


Deus para com Adão e Eva foi abençoá-los. Quando nascem nossas crian-
ças, nós as levamos ao batismo para receber bênçãos de Deus (perdão, vida
e salvação). Nos tempos do Antigo Testamento, as pessoas ajoelhavam-se
QUARTO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

para receber palavras de bênção. Assim também hoje há ocasiões em que


nos ajoelhamos para sermos abençoados. As pessoas abençoadas louvam
a Deus. O v. 4 enfatiza a importância de se passar adiante o louvor a
Deus de uma geração para outra. O louvor deve ser ensinado aos nossos
filhos. Deus quer o louvor das crianças no culto. Quando Jesus diz: “Vinde
a mim”, está pensando também nas crianças. Costumo dizer que o choro
de uma criança no colo da mãe, no culto, é música que agrada a Deus.
Por isso, não deixar os filhos em casa, pensando que eles incomodam.
Não devemos pensar que as crianças vão crescer e desejar a Deus. Tudo o
que possuímos de bênção poderá perder-se em uma geração, cujos filhos
não são ensinados a fazer o mesmo.

Zacarias 9.9-12: Esta profecia, escrita há cerca de 400-500 anos


antes, cumpriu-se com a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. Vemos
nesse texto como os caminhos do Senhor são diferentes dos caminhos
humanos. Os seres humanos esperavam um rei conquistador, altivo e
exaltado, para livrar Jerusalém da escravidão, com um exército de homens
poderosos. Mas viram um homem chamado Jesus, humilde, montado
num jumentinho e acompanhado por um grupo de pessoas alegres. Esse
homem de aparência humilde é também verdadeiro Deus. Uma semana
depois, morrendo numa cruz e derramando o seu próprio sangue, ven-
ceu a maior de todas as batalhas, contra o pecado, a morte e o poder do
diabo. Ele convida a ir a ele todos nós, que também sofremos ameaças
de escravidão, com as frequentes quedas em pecado, com os pavores da
morte e com as tentações de Satanás. Quando Jesus voltar novamente,
receberá todos os que nele creem na Jerusalém Celestial, estabelecendo
o reino que não terá fim.

Romanos 7.14-25a: Nesse texto o apóstolo Paulo relata sua própria


experiência de fariseu cumpridor da lei para dizer que a lei não pode libertar
ninguém que está lutando contra o pecado. Paulo também mostra que na
vida cristã diária acontece uma luta diária entre a antiga e a nova natureza,
mas há um caminho para a vitória: Cristo nos liberta para vivermos no
poder do Espírito Santo. Mas, mesmo vivendo em Cristo, somos diaria-
mente tentados e frequentemente caímos em pecado. Essa luta cessará
somente quando Deus abrir para nós as portas do Paraíso.

SUGESTÃO DE ESBOÇO HOMILÉTICO

Introdução
Um dos maiores obstáculos que uma pessoa enfrenta, quando começa
a perceber, através da ação do Espírito Santo, que ela é pecadora, é a

25
IGREJA LUTERANA

oposição da sua carne ao ensino da Escritura dizendo que ela nada pode
fazer para salvar-se do julgamento e da ira de Deus. O orgulho e a carne
pecaminosa nos tentam a perguntar: Tem alguma coisa que eu possa fazer
para contribuir na salvação da minha alma? Não existe nada de bom em
mim? Sou realmente pior do que outras pessoas que eu conheço? Não
deveria conseguir algum crédito pelas coisas boas que faço? Tendo em
vista essas tentações, o nosso texto nos convida a meditar nas promessas
de perdão e descanso que Jesus faz.

Esboço do Sermão

O PERDÃO E O DESCANSO EM CRISTO

I. O ser humano tem muita dificuldade de aceitar que é um pecador e


completamente incapaz para resolver seu problema com Deus.
1. Acha difícil aceitar que todos nascem em pecado e são espiritu-
almente cegos, mortos e inimigos de Deus (Ef 2.1-3; João 3.7;
Rm 8.7).
2. Acha difícil aceitar que nada pode cooperar com suas ações para
merecer o perdão de Deus, mesmo que a velha natureza goste
de ser cobrada legalisticamente (1Co 2.14).

II. Também os que creem em Cristo continuam na condição de serem


ao mesmo tempo justos e pecadores.
1. O orgulho humano continua a corroer a convicção dos crentes de
que somente Jesus Cristo é a base e a fonte de vida espiritual
e salvação.
2. A velha natureza dos que creem gostaria de levá-los a pensar
que as observâncias de ritos e cerimônias, ou atos de serviço e
simpatia para com os semelhantes, de alguma forma deveriam
ser adicionados ao que Jesus Cristo fez por nós.

III. Nesse contexto precisamos ouvir as palavras e promessas de


Jesus.
A. Jesus nos convida diariamente com as palavras: “Vinde a mim”.
O Homem-Deus, Jesus Cristo, lembra-nos que ele fez o paga-
mento total e final por todos os nossos pecados.
B. Jesus nos assegura: “Eu lhes darei descanso”. Nosso Senhor nos
lembra que ele pagou o preço total pela nossa culpa diante de
Deus e triunfou sobre o pecado, a morte e os poderes do mal.
Jesus nos oferece descanso e refrigério como fez ao paralítico:
“Tem bom ânimo, meu filho; estão perdoados os teus pecados”

26
QUARTO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

(Mt 9.2). Ele continua a oferecer-nos sua garantia pessoal de


perdão completo através da Palavra e sacramentos. Suas pa-
lavras também apontam para o descanso que já temos aqui
na Igreja Militante, mas que será pleno e perfeito quando ele
nos buscar para a Igreja Triunfante – o Lar Celestial.
C. Jesus promete: “Meu jugo é suave e meu fardo é leve”. Nosso
Redentor levou sobre si a completa ira de Deus em nosso lugar.
Pela fé em Cristo somos libertos da maldição da lei. O seguidor
do Senhor Jesus é reanimado através do evangelho e acha des-
canso na certeza do completo perdão de seus pecados. Somos
livres para servir a Deus com alegria e boa vontade.
D. Jesus encoraja seus discípulos dizendo: “Aprendam de Mim”.
A liberdade cristã não é uma licença para viver como agrada
ao homem, mas viver como agrada a Deus. Num espírito de
liberdade cristã e de alegria, o crente em Cristo aceita o pri-
vilégio e a responsabilidade de ser um filho obediente ao Pai
celestial.
1. Ele tenta aprender tudo aquilo que o próprio Jesus mesmo en-
sinou, conforme está registrado nas Escrituras Sagradas.
2. Ele tenta testemunhar seu Deus e Salvador por palavras e
ações.
3. Ele traz a mensagem deste texto e passagens semelhantes
das Escrituras para aqueles que estão fisicamente e/ou
espiritualmente doentes.

Conclusão: No templo da Congregação Jesus Salvador, de Butiá, RS,


há uma bonita ilustração para o versículo “Vinde a mim todos os que estão
cansados e sobrecarregados, e eu os aliviarei.” Há o versículo escrito na
parede do templo à esquerda da cruz e, na sequência, a figura de uma
pessoa carregando um pesado fardo. Bem próximo à cruz há outra figura
dessa mesma pessoa que, não aguentado mais o peso do fardo, o coloca
no chão, aos pés da cruz de Cristo. Na sequência, à direita da cruz, o
ser humano caminha descansado e aliviado com o gracioso perdão. Esse
quadro ilustra muito bem o que Jesus significa para mim e para cada pe-
cador. E por isso louvo a Deus dizendo: “Grato sou por tanto amor, meu
bendito Redentor”. Amém

Obs.: Esboço homilético traduzido e adaptado do CTQ.

Arnildo Schneider
Tramandaí/RS
schneiderarnildo@gmail.com

27
QUINTO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
13 de julho de 2014
Salmo 65.(1-8) 9-13; Isaías 55.10-13; Romanos 8.12-17 (22-27);
Mateus 13.1-9, 18-23

CONTEXTO/ILUSTRAÇÃO

Jesus observava a natureza junto ao Mar da Galileia: apontou os cam-


pos floridos, multicores, e disse: “Vejam como crescem as flores do campo:
elas não trabalham, nem fazem roupas para si mesmas...” (6.28-30). E,
acrescentamos: nem precisam ser semeadas!
Em compaixão pelo povo, viu a seara e disse: “A colheita é grande
mesmo, mas os trabalhadores são poucos. Peçam ao dono... que mande
mais trabalhadores” (9.37,38).
Aqui vê campos cheios de trigo verdejante, e diz: “Escutem! Certo ho-
mem saiu para semear.” – Diferente de flores, o trigo carece ser cuidado:
semeado, colhido, armazenado.
Fala da mais especial semente: a mensagem do Reino (a Palavra de
Deus: Lc 8.11)! É semente espiritual, viva, vivificante! Por ela Jesus dá
origem ao Reino, cria a igreja cristã.
Pedro diz: “Fostes regenerados de semente incorruptível, mediante a pala-
vra de Deus, a qual vive e é permanente. Toda carne é como a erva; a palavra do
Senhor, porém, permanece eternamente.” (1 Pe 1.23,24 – ARA; cf Is 40.6-9).
A semente é especial! Jesus é o semeador por excelência (v. 37)! Seus
discípulos o são, sob ele e à sua semelhança (10.5ss.)! Com e como o
Senhor somos incansáveis semeadores da justiça e da paz (Is 52.7; Os
10.12; Zc 8.12; 9.10; Mt 10.11-13; At 10.36; Ef 2.17). – Por isso essa
parábola é tão importante; e a sua igreja precisa refletir sobre ela.

CONTEXTUALIZAÇÃO (PARALELOS, PONTOS DE CONTATO)

A parábola do semeador não faz análise estatístico-percentual da efi-


cácia da semente. Jesus deixa claro que a palavra de Deus aparenta ser
indefesa, frágil, daí a possibilidade de não frutificar. Tal como é o Messias/
Servo que ela proclama. E, que o Reino se mantém escondido na vida
comum das pessoas.
Jesus usa parábolas para dar aos discípulos visão mais ampla, clara
e perspicaz dele e do Reino cuja grandeza e preciosidade ímpares estão
presentes em Cristo. É o olhar penetrante que percebe sua presença; uma
compreensão profunda do seu agir paradoxal.
QUINTO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

REFLEXÃO – APLICAÇÃO

A Palavra é semente porque Jesus também é semente (Jo 12.23,24)!


O Reino de Deus está presente em Cristo; a Palavra é o seu sinal e o meio
pela qual Cristo o implanta.
Como o fermento é oculto na farinha para produzir efeito (v. 33), a
semente o é na terra, e a palavra de Deus na vida da pessoa! Quando a
semente não penetra no solo, como no chão batido da beira do caminho;
ou quando o solo é ralo, como entre as pedras, ou cheio de inço, como
na terra não lavrada, é certo que não produzirá frutos!
Logo, o problema não é a qualidade e eficácia da semente, mas a
natureza da terra em que é semeada! A palavra de Deus só encontra no
coração/natureza humanos lugar totalmente impróprio para frutificar. Pois
até a terra é maldita por causa do homem (Gn 3.17b).
A sentença é contra, condena o solo (o ouvinte); e não há como escapar
dela, enquanto há improdutividade/rejeição! A menos que o próprio Deus
o transforme em solo fértil pela ação do Espírito Santo através da mesma
Palavra! Por isso, a pregação da boa nova é precedida pela mensagem
de João Batista, que Jesus repete literalmente: “Arrependam-se dos seus
pecados porque o Reino de Deus está perto” (Mt 3.2; 4.17).*
O que os ouvintes pensaram da semeadura e sua relação com o Reino
de Deus? Para os judeus, rica colheita seria Israel produzir muitos frutos
da obediência à lei. – Vê-se aí por que não entenderam qual é a semente,
quem o semeador, e os solos improdutivos!
Os discípulos não permanecem na ignorância, preconceito e endu-
recimento de coração (vv. 12-15a); e temos o benefício da explicação!
Aceitam seu desafio: pedi-la a Jesus! E ouviram: por se “voltarem para
Deus e serem curados... são felizes seus olhos e ouvidos” (vv.15,16). O
entender parábolas (Mc 4.13), em essência, requer crer em Jesus, Se-
meador divino, e em sua Palavra, a semente do Reino. E, que o solo seja
preparado! (* acima)
Os fatores da não frutificação são muitos: dureza de coração, ação do
diabo (vv. 4,19,25), angústia, perseguição, escândalo, abandono da fé (vv.
5,20,21), cuidados e fascinação do mundo (vv. 7,22). Todos estão ligados
à atitude dos ouvintes de então e de hoje. A reação de muitos deles foi/é
a comprovação da verdade exposta na parábola!
Mesmo a terra boa não dá frutos na mesma medida, mas conforme
apraz ao Espírito. (Gl 3.2,14b; 6.8,9; Hb 2.4; 1Co 12.7-14; Ef 4.7,11-13).
Fica claro que não se trata de algo definitivo (predestinação) ou de traço
de caráter/temperamento; mas de disposição momentânea do coração.
O evangelho é proclamado para ser apropriado/recebido em ar-
rependimento e fé, pelo dom da submissão. Porém, ao ser rejeitado

29
IGREJA LUTERANA

com voluntária incredulidade e obstinação, é ouvido como repreensão/


condenação.
A rejeição da Palavra a torna uma acusação! A culpa e a consequência
se medem na grandeza do que é rejeitado: o Reino de Deus, tudo o que
realiza para a salvação da pessoa. Traz um juízo aqui e agora, misterioso
e temível, mais terrível que o eterno, por ser imperceptível, silencioso,
inexorável (2 Co 2.14-16a; Mt 10.25-30; 12.43-45; 13.10-17).
Mas não é um decreto final! A oportunidade de ouvir o evangelho
não é removida; só muda de forma: aparece em parábolas! (13.13).
Elas não são obscuras, difíceis, distantes da realidade; mas, concretas,
assimiláveis, realistas, relevantes à experiência humana.
Só confundem, endurecem o coração humano que se recusa a en-
tendê-las a partir da chave do correto entendimento: Jesus Cristo! Aí a
ação dele em suas vidas não é entendida na figura do semeador e sua
semente. A oposição a Cristo é a maior evidência do quanto ele está
ativo, é eficiente no confrontar os homens com a boa nova. [parábolas
(* abaixo)]
Esta (e as outras) parábola faz os discípulos serem sensatos, pruden-
tes, moderados, cientes que a graça de Deus e a fé que a ela responde
têm de ser tratadas com santo temor e tremor (Fp 2.12b). Não sem razão
Jesus lhes diz três vezes: “quem tem ouvidos, ouça” (11.15; 13.9,43).
E os consola! (vv. 16,17).
A parábola mostra como o Reino é vulnerável a fatores externos:
pássaros devoram a semente (a ação do diabo); e, quando a planta
germina, o sol a queima e os espinhos a sufocam (angústia, persegui-
ção, escândalo, cuidados e fascinação do mundo). E a fatores pessoais:
dureza de coração, abandono da fé, amor ao mundo.
O solo à beira do caminho é a atitude de, sem qualquer reflexão/
cuidado, repudiar a palavra. É estar constantemente dominado pelo mal
e endurecer o coração. Entre essas está a atitude dos fariseus de todos
os tempos em sua justiça própria.
O pedregoso é o fanatismo entusiasta que se move pela mera emoção,
sentimentalista e superficial; é agir sob o efeito da primeira impressão,
comover-se até às lágrimas e tomar boas decisões sem medir o tamanho
de sua carência. O coração não foi compungido/quebrantado, por isso
recaem na incredulidade; quando o reter a palavra revela o custo do
servir/obedecer ou vem o momento da provação, a nova vida falece.
O espinhoso é ter anseio pela salvação, mas, ao mesmo tempo, ter
mente materialista/terrena; o coração almeja o celestial/eterno, mas
agarra-se ao que é terreno (19.16,20-22). Quando suas expectativas de
ter na fé cristã só prazer falham, pois percebe que é preciso renunciar
e sofrer, se afastam, caem da graça de Deus.

30
QUINTO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

A terra boa é ter o coração arado/preparado pela palavra de Deus para


a semente do evangelho produzir abundante fruto. O menor resultado
(30 x 1) é surpreendente, o maior, extraordinário! É tomar a palavra
de Deus a sério, como fator decisivo em sua vida. São dons, fidelidade,
condições de vida. É ser semeador incansável desta semente e, apesar
das dificuldades, perseverar na realização do Reino; é, como fez Jesus,
esperar, confiar e semear/agir (Gl 6.9,10). ,

PROPOSTA

A semente do evangelho faz de nós a lavoura de Deus (1 Co 3.9b).


O arado (a lei) rasga a terra (sua vida); a chuva (o evangelho), que
Deus manda, a rega e fertiliza; a semente (a Palavra) nela plantada, cresce
e frutifica. Estas são figuras da palavra de Deus. “E vocês”, diz Paulo, “são
o terreno no qual Deus faz o seu trabalho”.
1. Por natureza sua vida só pode ser terra à beira do caminho,
solo pedregoso ou eivado de erva daninha (explicar o que cada
terreno significa e aplicar à situação das pessoas).
2. Pela graça de Deus e a ação do Espírito Santo através da palavra
de Deus ela se torna solo fértil que produz a trinta, sessenta
e cento por um (explicar o que isto significa e aplicar à vida
cristã).

Breno C. Thomé
Porto Alegre/RS
thomebreno@gmail.com

[Apêndice – 1. O uso de parábolas; 2. (A) Por quê? (B) Para que Jesus
as usou?
1. É a primeira, na primeira (Mt 13; Mc 4; Lc 8) de três séries de
parábolas (2ª: Lc 10.25-16.31; 18.1ss.; 3ª: Mt 18. 20-22,
24,25; Lc 19). Daí Jesus explicar aqui o uso delas! As sete
dividem-se em dois grupos: os ouvintes são o povo (4), os
discípulos (3); o Reino é semeado e cresce no coração das
pessoas (3), se desenvolve no mundo (4).
“A parábola é tanto graça da revelação como juízo diante da
obstinação.” “É modelo característico de toda a revelação de
Deus” (Rm 11.33). Elas mostram que do reino de Deus se
esconde em enganosa simplicidade. “A suprema parábola de
Deus... é a cruz onde a divindade é tanto encoberta na encar-
nação como totalmente revelada no esplendor do amor que em

31
IGREJA LUTERANA

muito supera o mais alto alcance do amor humano, de modo


que os homens só podem nomeá-lo como divino, crer nele e
adorá-lo” (M. Franzmann, p. 113).
Elas revelam o conflito e consequente agonia devido à contra-
dição a Cristo e à sua palavra. Mas “a igreja não pode evitar o
conflito, se é a igreja de Cristo... os homens devem assumir a
agonia do conflito e o choque da controvérsia, se são de Cristo”
(Franzmann, p. 118). Mas observo que a causa é o evangelho,
mais que a lei! (* acima)
Relutamos em lidar com conflito como Jesus, isto é, perseverar
no ensino do evangelho mudando seu modo de apresentação
para torná-lo mais questionador, provocativo. E, não logo,
apelar para a lei! Talvez seja esta a razão de uma visão ape-
quenada de Cristo e do Reino de Deus.
2. (A) Marcam nova fase de seu ministério; se deve à diabólica
oposição dos adversários e aos errôneos/divergentes interes-
ses do povo ao procurá-lo. São sua resposta à reação de seus
inimigos e do povo a seu ensino, obras e pessoa. Disto trata
esta primeira.
(B) Para falar de verdades fundamentais do Reino de Deus:
como é implantado, se desenvolve, de sua realidade, de seu
valor e como é reafirmado, vindicado. Por isso, servem para
advertir, instigar, exortar, ensinar e educar (Mc 4.11; 2 Tm
3.14)].

32
SEXTO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
20 de julho de 2014
Mateus 13.24-30,36-43

CENÁRIO HISTÓRICO

O Evangelho conforme Mateus retrata os círculos de pessoas que


rodeavam Jesus. Muito próximos a ele estavam os Doze (hói dodeka),
seguidos pelos discípulos (matetái) e em um círculo mais amplo, as
multidões (oxlói). Entre estes círculos faz-se notar também a presença
do opositor, os líderes judeus, cuja relação com Jesus fica mais con-
turbada à medida que o texto avança. Na interação com estes círculos
de pessoas, Jesus usa diversas linguagens. A que atinge as multidões
certamente é a linguagem dos milagres. Porém, Jesus não quer ser
confundido com um mágico ou milagreiro. A ele interessa “publicar coi-
sas ocultas desde a criação do mundo” (13.35). De fato, as parábolas
“faziam separação entre os que vinham apenas ver os milagres e os
seguidores sérios que realmente queriam entender o ensinamento de
Jesus”. (Manual Bíblico SBB, p. 562). Jesus demonstra que sua pre-
sença significa muito mais do que um lenitivo diante de problemas do
dia a dia (doenças, fome, etc.). Ele traz consigo a realidade do Reino.
Deste Reino ele fala por meio de parábolas. Quem tem ouvidos para
ouvir, ouça (13.9).

CENÁRIO LITÚRGICO

O tempo de Pentecostes lembra a caminhada da Igreja sob a cruz,


em fé e esperança pelo que há de vir. Os cristãos já vivem a realidade
do Reino, mas aguardam ansiosamente pela sua plenitude na vinda de
Cristo. Nesta vida, o bem e o mal se misturam. Cristãos e não cristãos
convivem e se relacionam. A caminhada da Igreja acontece no mundo e
ela não deve fugir disso. No entanto, os filhos de Deus mantêm os seus
olhos fixos naquele Dia quando Deus separará o seu povo e os “justos
resplandecerão como o sol” (13.43).

ANÁLISE DO TEXTO

V. 24: “O reino dos Céus é semelhante” – Esta expressão introduz seis


das sete parábolas registradas em Mateus 13, demonstrando a intenção
de Jesus com elas.
IGREJA LUTERANA

V. 25: “joio, no meio do trigo” – Esta parábola não se refere a des-


crentes na igreja visível. O campo é o mundo (v. 38). Assim, pessoas do
Reino convivem no mundo lado a lado com pessoas do maligno (Concordia
Self-Study Bible, p.1468).

PROPOSTA HOMILÉTICA

Moléstia: A tentação de confundir o Reino de Deus com um reino


político neste mundo, perseguindo e afastando os maus e tentando esta-
belecer algo como a “Cidade de Deus”. Ou incentivando a vida monacal e
o “retirar-se” do mundo.
Meio: A certeza, pela fé, de que chegará o dia em que Deus mesmo irá
separar o seu povo dos maus. Enquanto este dia não chega, ele nos dará
forças para caminhar sob a cruz, no serviço e testemunho ao próximo.
Objetivo: Demonstrar ao povo de Deus que estamos no mundo e
neste mundo somos sal e luz. Não nos compete julgar e condenar, mas
testemunhar do amor de Deus em Cristo.

Tema: Estamos no mundo, mas dele não somos!

Esboço:
I – Estamos no mundo... vivendo a realidade do Reino
• Crescendo, regados e alimentados pela Palavra
• Entre os maus, entregando a eles a mensagem da vida (Fp
2.15,16)

II – Mas dele não somos: esperamos com fé pela vinda de Cristo


• Que separará os crentes dos ímpios
• Fará os justos resplandecerem como o sol (v. 43)

Fernando E. Garske
Novo Hamburgo/RS
pastorfernando@gmail.com

34
SÉTIMO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
27 de julho de 2014
Salmo 125; Deuteronômios 7.6-9; Romanos 8.28-39;
Mateus 13.44-52

LEITURAS

Salmo 125: Se pudéssemos definir este salmo com apenas uma


palavra, esta com certeza seria: segurança. Deus dá segurança ao povo
que confia nele (v.1). Sião, rodeada por colinas, é uma imagem da pro-
teção que Deus dá ao seu povo.
Este salmo faz parte de uma sequência (120-134) chamada de
“Cântico Gradual” ou “Das Subidas”. Esse título se deve ao fato de que
esses salmos eram cantados pelos peregrinos que subiam a Jerusalém.
Estes peregrinos que subiam até Jerusalém, principalmente nas três
festas anuais (festa dos pães sem fermento, festa da colheita, festa das
barracas), cantavam o amor e a fidelidade de Deus.

Deuteronômio 7.6-9: Antes de entrarem na terra prometida,


Moisés fala para o povo sobre a maneira como Deus quer que ele viva
neste novo lugar. Moisés deixa claro que foi o próprio Deus quem os
amou e os escolheu. Ele não fez isso pelo povo ser numeroso ou por
qualquer outro atributo do povo, mas ele fez isso unicamente por seu
amor e por sua fidelidade. Ele cumpriu a promessa feita aos nossos
antepassados.
Este texto mostra o amor incondicional de Deus para com seu povo.
Deus mostra o seu amor a um povo que foi desobediente, idólatra, e que
cometeu muitos outros pecados contra ele. Mesmo assim Deus diz ao
povo: Eu os amo, eu os escolhi! Como é maravilhoso saber que temos um
Deus que nos ama incondicionalmente e que, apesar do nosso pecado,
nos oferece a Terra Prometida para habitarmos eternamente.

Mateus 13.44-52: O texto do evangelho se encontra dentro de uma


série de parábolas onde Jesus retrata de várias formas o Reino de Deus:
a semente de mostarda, o fermento, o tesouro escondido, a pérola e,
por fim, a parábola da rede. Dentro de nossa perícope encontram-se as
parábolas do tesouro escondido, a da pérola e a da rede. Nelas, Jesus fala
sobre a preciosidade do reino de Deus e também sobre o juízo final.
O ponto central das duas primeiras parábolas é que o reino de Deus
ultrapassa qualquer valor. Fazer parte do reino de Deus é estar seguro
IGREJA LUTERANA

de que nada pode nos afastar desse amor. Aqueles homens que acharam
o tesouro e a pérola estavam tão certos do valor dos achados que não
se importaram de se desfazer de tudo o que tinham para ficar com eles.
Fazer parte do reino de Deus é realmente precioso!

TEXTO PARA MENSAGEM: ROMANOS 8.28-39

Contexto histórico
A carta de Paulo aos Romanos foi escrita entre os anos 56 e 57 d.C.,
quando ele terminava as suas viagens missionárias. O lugar onde provavel-
mente ela foi escrita é a cidade de Corinto. Em suas viagens missionárias,
Paulo não vai até Roma, portanto ele escreve a carta sem conhecer aquele
povo e aquela terra. Somente depois, quando já está preso, é que Paulo
enfim é levado a Roma.
Na carta, Paulo elogia a fé e o empenho daquela igreja e também
aproveita a oportunidade para alertá-los sobre os perigos do pecado e da
imoralidade visíveis em Roma. Mas o principal motivo que levou Paulo a
escrever a epístola é deixar claro que a salvação que recebemos de Deus
é um dom gratuito. Por meio da fé em Cristo, tanto judeus como não-
judeus recebem a salvação.

A perícope
Em nosso texto, Paulo mostra o evangelho de forma simples e concre-
ta aos romanos. O texto nos deixa claro que é Deus quem nos chama,
separa, aceita, e também reparte a sua glória conosco (v.30 NTLH).
Ou seja, o ser humano é totalmente passivo na obra divina.
Nisso Deus mostra a sua fidelidade. A mesma fidelidade demonstrada
lá no Antigo Testamento (Dt 7.6-9) se mostra presente na vida dos ro-
manos. A promessa e a aliança que Deus faz com seu povo não pode ser
apagada, nem mesmo pelo pecado. Por esse motivo podemos dizer como
Paulo: se Deus é por nós, quem será contra nós? (v.31); quem poderá
nos acusar? (v.33); e ainda: quem poderá nos condenar? (v.34).
Tendo em vista todas estas perguntas e olhando para trás, para todo o
Pentateuco, passando pelos profetas e chegando ao evangelho, só pode-
mos dizer que realmente NADA pode nos separar do amor de Deus. Nem
sofrimentos, dificuldades, perseguição, fome, pobreza, perigo, morte,
vida, anjos (maus), autoridades ou poderes celestiais, o presente, o futuro
ou o mundo lá de baixo. Podemos perceber que Paulo cita de uma forma
geral tudo o que existe neste mundo, no céu e no inferno. E mesmo após
tudo isso, ele diz: NADA pode nos separar do amor de Deus.
Nós não podemos conquistá-lo com nossos méritos. Deus deu isso
a cada um de nós através de Cristo, e é por essa razão que Paulo deixa

36
SÉTIMO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

tão enfatizado que não há nada que possa nos separar desta salvação e
deste amor que são nossos por meio de Cristo.
A segurança que aqueles peregrinos tiveram ao ver os montes de
Sião, subindo até Jerusalém, o cristão hoje pode ter.

ENCAMINHAMENTO HOMILÉTICO

A igreja de hoje é a destinatária dessa carta de Paulo. Assim como a


igreja de Roma vivia em pecado, assim também nós vivemos. Estamos
dentro do simul iustus et peccator do qual Lutero fala. E é para esta igreja,
justa e pecadora, que Paulo encaminha sua carta.
Um grande tema teológico abordado neste texto é a eleição divina. Afinal
de contas, quem Deus escolheu? É importante deixarmos explícito para os
nossos ouvintes que a escolha divina se estende a todos! Mas, então, por
que nem todos serão salvos? Eis a aí a grande crux theologorum que todos
temos que carregar. Diante disso, poderíamos cruzar nossos braços e apenas
esperar! Mas vejo que aí há um grande incentivo à evangelização. Todos
devem saber sobre a obra redentora de Cristo em nosso favor.

Lei e evangelho
Em um texto onde o evangelho está tão explícito como este, podemos
nos perguntar: onde está a lei? A lei é encontrada em várias perspectivas,
mas vejo que podemos encontrá-la dentro da perspectiva de que nós so-
mos aquele povo romano que, por sua vez, precisa ser alertado contra os
perigos do mundo e da nossa própria carne (7.7-9). Nós vivemos a cada
dia uma luta contra o pecado.
O evangelho se encontra de forma escancarada no decorrer de todo
o texto, mostrando que não há realmente nada que possa nos separar
do amor que Deus nos deu através de Cristo. O apóstolo Paulo mostra
de uma forma surpreendente que aquilo que Cristo conquistou é meu.
Aquele tesouro inestimável, do qual Jesus fala no evangelho, me per-
tence. E não há nada, nem no céu, nem na terra, nem no inferno, em
lugar nenhum, não há nada que possa me separar daquilo que Cristo
conquistou por mim.

Objetivo
Mostrar que apesar do mundo querer nos afastar de Cristo e do seu
amor, não há nada que nos possa afastar dele. Aquilo que Jesus conquistou
com seu santo e precioso sangue é meu.

37
IGREJA LUTERANA

Tema
O que pode nos separar do amor de Deus?
- Será que existe algo que pode me separar desse amor?
- Sofrimentos/dificuldades?
- Pobreza/riqueza?
- Morte/vida?

Everaldo Teixeira
Ipumirim/SC
eve.teixeira@hotmail.com

38
OITAVO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
3 de agosto de 2014
Salmo 136.1-9 (23-26); Isaías 55.1-5; Romanos 9.1-5 (6-13)
Mateus 14.13-21

CONTEXTO LITÚRGICO (DEMAIS LEITURAS)

O Salmo 136 aponta a misericórdia/pena/compaixão/amor como um


tema central do domingo, lembrando as ações e intervenções de Deus na
história do povo hebreu: Deus, o Senhor, é bom e sua misericórdia (dsh)
dura para sempre. A bondade e amor divinos expressos na aliança no Sinal
(Êx 20.6; 34.6) perpassam toda a Escritura. Isaías reafirma que Deus se
revela muito superior ao ser humano, sua Palavra poderosa produz vida
e revela o perdão e a compaixão do Senhor (v.7) e é ele quem dá poder e
honra. A compaixão em ação, a dsh além da aliança com patriarcas, como
aspecto da natureza divina: Deus é bom! Ele é amor (1Jo). Ao oferecer
gratuitamente a salvação, ao ser rico em perdoar, revela um amor pro-
fundo e terno (~xr), que cuida, como um pai a seus filhos, e estabelece
um forte vínculo (cf. Sl 103.13 e Is 49.15). Na carta aos Romanos, Paulo
lamenta que seus compatriotas, apesar de conhecerem esse amor de Deus
(expresso na adoção, alianças e promessas, ou seja, na escolha amorosa
de Deus) não reconhecem no Cristo o Deus de amor encarnado para uma
nova e definitiva aliança.

CONTEXTO

No contexto imediatamente anterior, a morte de João Batista é re-


latada como a partir da crença de Herodes de que Jesus era o Batista
ressuscitado, com poder para realizar milagres. Sabendo da morte de
João Batista, Jesus sai (da região de Nazaré, v. 54). Jesus também
acabara de sofrer o desrespeito dos nazarenos, na sua própria casa.
No contexto imediatamente posterior, Jesus continua revelando que é
maior que o Batista, ao andar sobre as águas, salvar Pedro e realizar
mais curas em Genesaré.

O TEXTO

Este é o milagre que aparece, com pequenas variações, nos quatro


evangelhos. Segundo Gibbs, a multiplicação do alimento é ato contínuo
da compaixão com as pessoas. E nos lembra outros eventos cristológicos:
IGREJA LUTERANA

a Ceia e o próprio dia do Juízo, quando há, na presença do Senhor, um


banquete, providenciado por ele, de salvação.
Jesus, v. 13, já afrontado pelos da sua própria cidade (v.57), ouve dos
discípulos de João sobre a morte deste e da opinião de Herodes sobre ele.
Provavelmente Jesus ficou sabendo dos detalhes, da maneira humilhante
pela qual o Batista havia sido assassinado. Aquele que veio preparar o
caminho do Messias fora morto, humilhado. Em Mt 11.11 Jesus declara
a importância e apreço por João. Ao saber de sua morte, mas também
sabendo da opinião equivocada de Herodes sobre ele, sai sozinho. A NTLH
traz “ao saber o que havia acontecido”, e parece indicar que a saída de
Jesus deve-se especialmente ao relato sobre a morte de João. Já a ARA
“ouvindo isto”, mais literal (tendo ouvido), possibilita a interpretação de
que Jesus sai também ou porque Herodes o vê como uma ameaça, João
ressuscitado. Seja como for, o relato dos discípulos de João leva Jesus a
deixar o local. Apenas o evangelho de João não cita a opinião de Hero-
des, no entanto, descreve Jesus dando testemunho de si mesmo, citando
também João.
Jesus sai em um barco. É provável que tenha sido acompanhado por
alguns mais próximos e o relato de Lucas ajuda dizendo que os apóstolos o
acompanharam para Betsaida, atravessando o lago da Galileia (Jo 6.1).
Viu, com pena (v.14), com olhos de misericórdia (Sl 136), a multidão
que os seguiu pelas margens – evsplagcni,sqh (“compadeceu-se”). Mesmo
verbo em Lc 10.33 na descrição da visão do bom samaritano: vendo-o, teve
compaixão. Entre os significados: ter as entranhas movidas, ter grande
afeto e compaixão por alguém. E o afeto resulta em ajuda, em providência,
na cura dos doentes. Marcos enfatiza que as pessoas pareciam ovelhas
sem pastor (Mc 6.34) e que houve, ainda, o ensino como consequência,
como ação proveniente da pena/compaixão.
No v. 15, “a hora passou” e o lugar é deserto. O tempo não pode ser
comandado pelos discípulos. E há uma demanda de alimento. O pedido/
ordem dos discípulos parece bem usual: avpo,luson - “Mande essa gente
embora” (NTLH), “Despede” (ARA). Verbo usado também para “divor-
ciar”. Qual o motivo do “divórcio”? Que comprem comida para si mesmas
(avgora,swsin e`autoi/j). A provisão pensada como obra de nossas próprias
mãos, o senso comum, não errado se sob a visão de que, sob a bênção
e provisão de Deus, de que cada um deve providenciar seu sustento (2Ts
3.10: Quem não trabalha que não coma). O pedido dos discípulos trará
destaque ao milagre, ao Provedor.
Jesus não dispersa a multidão, v.16, e já causa reflexão sobre a fonte
da provisão – não há necessidade do “divórcio” com a multidão. E ordena
aos discípulos: “Dai-lhes vós mesmos” (imperativo). Os discípulos pensam
em que cada um compre, que há necessidade, sim, de que cada pessoa

40
OITAVO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

“se vire”. Mas Jesus aponta outra solução. Os discípulos, humanos, como
fonte da provisão, só podem argumentar com o que é visível e possível
para eles: v.17 – Só há cinco pães e peixes: a fonte visível de alimento,
a partir dos humanos, é limitada e escassa para tantas pessoas. O ser
humano, o discípulo, reconhece: “Não é possível, Senhor. A quantidade
de pessoas, de bocas, de corpos, é muito grande diante do que nós, dis-
cípulos, humanos, limitados, temos a oferecer”. No relato de Marcos, os
discípulos ainda argumentam que seriam necessárias duzentas moedas
de prata para comprar tanto pão.
“Mas”, v.18, diante do reconhecimento dos discípulos de sua limitação,
da impossibilidade de suprir a necessidade da multidão, o evangelista
apresenta o contraste no o` de. ei=pen\ Fe,rete, moi, na ação da Palavra de
Deus (Is 55.11), na ordem de Jesus que o alimento escasso fosse trazido
para ele. Ele solucionaria. “E ele (Jesus) disse”, o poderoso Homem-Deus
abre a boca para solucionar, para dar resposta ao improvável, impossível.
E no v.19, o milagre acontece. Naturalmente o gestual de Jesus quase que
imediatamente nos remete à instituição da Ceia: o dar graças/abençoar, o
partir do pão e o distribuir aos e através dos discípulos (Mt 26), até pela
não menção da distribuição dos peixes (Marcos, entretanto, o faz). Mateus,
inclusive, usa o mesmo verbo euvloge,w (abençoar/consagrar) em ambos
os relatos sobre o que Jesus faz com o simples pão. O milagre acontece,
mas não há um relato material detalhado do mesmo, se os pães iam se
refazendo, se surgiam novos no fundo do cesto. Há, sim, o olhar para o
alto, atitude clara de que o que está prestes a acontecer não faz parte
da ordem natural, e há também a bênção, a palavra pronunciada sobre o
pão. Por fim, a informação que prevalece é que Jesus é quem alimenta a
todos, que ordena que aconteça o que humanamente é impossível.
Por fim, vv. 20, 21, todos foram saciados, ou seja, a compaixão de
Jesus traz satisfação completa às pessoas. A abundância material do mi-
lagre destaca-se nos doze cestos que sobraram e no número de pessoas
alimentadas.

CONSIDERAÇÕES TEOLÓGICAS/CONTEXTUALIZAÇÃO

Diante de tantas promessas de prosperidade aos que caminharem


com Jesus, o texto nos mostra que é ele, o Senhor, quem decide sobre
sua bênção. A pretensão e o orgulho humanos de ordenar o milagre é
contrastado com as ordens de Jesus: comprem para todos, providenciem,
então. E diante da nossa incapacidade, ele, graciosamente, oferece sus-
tento. Quanto pão, quanto tempo de vida, quanto dinheiro, não como
prova de nossa fé, mas como amostra do amor de Deus! A fé do crente
não está baseada no quanto sobra dos cestos, ou quantos são alimenta-

41
IGREJA LUTERANA

dos, ou o valor de tanto pão e peixe em dinheiro, mas no próprio Cristo.


E, por isso, enfrenta também a escassez, humilhação e mesmo morte,
como João Batista; reconhece suas fraquezas, como Pedro. Afinal, crê no
todo-poderoso Filho de Deus.

PROPOSTA DE TEMAS/ABORDAGENS

Tendo em mente que o texto mostra o poder do Messias, filho de Deus,


pode-se nos temas abaixo propostos evidenciar as diferenças entre Jesus
e nós, lembrando como a sua misericórdia dura para sempre.

SOB ORDENS
1. Ordens humanas, dos discípulos, destacam a fragilidade, limi-
tação e impossibilidades do ser humano. Diferem da autoridade
divina (Is 55)
1.1 Despedem/separam (v.15).
1.2 Incentivam o individualismo (v. 15 “comprem para si”
avgora,swsin e`autoi/j)
1.3 Pretensiosas (v.15 – os discípulos ordenam Jesus agir -
avpo,luson) – possibilidade de pensar sobre Teologia Positiva,
etc., apontando para a morte de João Batista, ou para o quase
afogamento de Pedro.

2. Ordens divinas, de Jesus, destacam a verdadeira autoridade.


2.1 Revertem a lógica humana (v.16a – “não precisam ir embo-
ra”)
2.2 Destacam a limitação humana mesmo sob as ordens divinas
(v.16b – “dai-lhes vocês”)
- Provocam a reação/constatação dessa limitação (v.17).
2.3 Sugerem um novo caminho (v.18) – a partir do Provedor, sob
o Guia, aguardem (“reclinem-se”, v.19).
2.4 Produzem transformação (v.19) para o bem do limitado humano.
O Deus que age para trazer vida e providência é o Deus que se
entrega na cruz para mudar completamente nossa relação com
Deus. E o fruto é repartido para saciar a muitos.

O OLHAR DE JESUS
1. A multidão vista em mim
a. Que corro desesperado atrás de solução, de alívio (v.13b).
b. Que só enxergo poucos metros à frente, o deserto, a falta de
alimento, a escuridão que se aproxima (v.15).

42
OITAVO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

c. Que não tenho como suprir minhas próprias necessidade e do


outro sem a ação de Deus (1º Artigo Credo).

2. Eu visto na multidão
a. Sou objeto do olhar de Deus em Jesus (v.14)
a.1 Olhar compassivo, movido por amor.
a.2 Porque sou necessitado (Mc 6.34).
b. Tenho meu olhar modificado pela ação de Jesus
b.1 Sou saciado
- Bênçãos materiais (pão)
- Bênçãos espirituais (presença de Jesus, sentado com ele
na grama)

3. Eu em uma nova multidão


a. Parte da Igreja, do Rebanho do Pastor.
a.1 Reconheço o autor/provedor/criador.
b. Constantemente perdoado (Palavra e sacramentos). Sl 136 – seu
amor dura para sempre.
c. Esperando o banquete onde verei diretamente o olhar de Je-
sus.

BIBLIOGRAFIA

DICIONÁRIO INTERNACIONAL DE TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO.


Laird Harris, org. Trad. Márcio L. Redondo, Luiz A. T. Sayão, Carlos O. C.
Pinto. São Paulo: Vida Nova, 1998.
GIBBS, Jeffrey. Lectionary at Lunch. Saint Louis: Concordia Seminary,
2011. http://concordiatheology.org/lalp/ http://deimos3.apple.com/
WebObjects/Core.woa/FeedEnclosure/csl-public-dz.8965605363.089656
05365.22346187229/enclosure.mp3
LOUW, Johannes; NIDA, Eugene. Léxico Grego-Português do Novo
Testamento baseado em domínios semânticos. Trad. Vilson Scholz.
Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2013.

Fernando Henrique Huf


São Paulo/SP
fhhuf@hotmail.com

43
NONO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
10 de agosto de 2014
Salmo 18.1-6 (7-16); Jó 34.4-18; Romanos 10.5-17;
Mateus 14.22-33

CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

O pior mora dentro de nós mesmos. Bem que Jesus nos advertiu di-
zendo que é do coração que saem as sujeiras. Paulo exclama essa nossa
triste realidade: “Eu não entendo o que faço, pois não faço o que gostaria
de fazer. Pelo contrário, faço justamente aquilo que odeio. Pois eu sei que
aquilo que é bom não vive em mim, isto é, na minha natureza humana.
Porque, mesmo tendo dentro de mim a vontade de fazer o bem, eu não
consigo fazê-lo. Como sou infeliz! Quem me livrará deste corpo que me
leva para a morte?” (Romanos 7.15,18,24).
Parece que devíamos ter mais medo de nós mesmos. Teologicamente
falando, o pior inimigo não mora ao lado, mas dentro de nós. E somos
nós mesmos.
Além de lembrarmos o versículo 25 do revelador capítulo 7 de Romanos,
devemos sempre lembrar e relembrar o fato de que nós somos discípulos,
e isso significa aprendizes, estudantes da vida cristã.
Aprendizagem normalmente acontece por meio de um processo lento
e gradativo, composto de frustrações e vitórias. Pensemos no grupo de
Jesus com seus discípulos. Jesus os escolheu um a um, pessoalmente. E
pessoalmente Jesus os treinou, ensinou.
Eu nunca vi um milagre acontecer da forma que os discípulos viram
poucas horas antes desse episódio nas águas da Galileia. Já soube de
milagres e até já “vi”, mas nunca vi cinco pães e dois peixes serem
milagrosamente multiplicados a ponto de serem comida suficiente para
alimentar uma multidão de, sei lá, dez mil pessoas. Mas os discípulos
viram isso acontecer. Aliás, que ricas oportunidades tiveram esses doze
homens! E tudo fazia parte do plano de Jesus para fazê-los crer que Ele
era o Messias enviado por Deus. A religião de Jesus é a fé.

ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE O TEXTO

Jesus está orando por seus discípulos. Ele vê nossos perigos antes
mesmo que nós os experimentemos. Estranhamente o texto começa di-
zendo que Jesus “ordenou que os discípulos subissem no barco e fossem
na frente para o lado oeste do lago, enquanto Ele mandava o povo embo-
NONO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

ra.” Parece que Jesus mandou seus discípulos embora dali para que estes
não se unissem ao povo que desejava fazê-lo um mero “rei do pão”. O
relato de João nos ajuda neste sentido (Jo 6.15). No Pai Nosso Jesus ora
pedindo “afasta-os da tentação”. Aqui Jesus o faz com a estranha ordem
aos discípulos. Estranha mas amorosa. Protetora. Hoje Jesus está lá no
alto, à direita do Pai, de onde ora por nós, seus discípulos, seus alunos
(Rm 8.34, Hb 7.25).
Jesus é sempre o Salvador. Apesar (como eu gosto dessa palavra!)
do medo e do pavor dos seus discípulos, Jesus os amou. Ele os socorreu
de seus medos. Ele os socorreu de suas dúvidas da fé. Depois de terem
visto o que viram no final da tarde, como podiam agora exclamar: “É um
fantasma!?” “Fantasma? Como assim?” diria qualquer um de nós. Mas
Jesus amava seus alunos. Eram suas ovelhas e Ele não permitiria que
nenhuma delas fosse arrancada de seus braços (Jo 10.28). Apesar de
terem vivido aquela tarde fantástica e miraculosa, os discípulos, movidos
pelo medo e pela dúvida, experimentaram uma madrugada aterradora.
Ainda bem que, assim como o versículo 25 de Romanos 7, Jesus levou a
seus ouvidos e corações uma palavra de alívio.
Apesar do grito carregado de medo e de dúvida, Jesus se aproxima
para socorrer. Também nós precisamos que Jesus se aproxime. Também
nós precisamos daquela exclamação contida em Romanos 7.25 e daquela
certeza expressa por João. 1 João 2.1,2: “Temos um Advogado, temos
Alguém que nos defende de nós mesmos!”. Jesus está a caminho quando
tudo parece perdido para nós. Jesus havia terminado suas orações e o
evangelista Mateus nos diz que “na quarta vigília da noite”, na hora mais
escura da madrugada, entre as 3 e 6 horas da madrugada, Jesus foi até
onde seus discípulos estavam, andando em cima da água. As ondas eram
altas e batiam com força contra o barco, mas isso não impediu Jesus de
andar calmamente sobre elas.
Jesus sabia da necessidade que os discípulos tinham da sua presença
e por isso Ele foi até onde eles estavam, andando em cima da água. A
tempestade e as más condições de navegação fecharam os olhos dos
discípulos, de modo que eles não reconheceram a Jesus; e, pior que isto,
acharam que Jesus fosse um fantasma. O evangelista Mateus, que esta-
va junto no barco, nos diz que “os discípulos gritaram de medo!”. Doze
homens, na sua maioria pescadores acostumados com a vida no mar da
Galileia, gritaram de medo! Imaginaram que aquela aparição ali, na hora
mais escura da noite, só poderia piorar ainda mais as coisas.
A aproximação de Jesus torna-se real na Sua Palavra. Somente uma
coisa neste mundo inteiro pode nos dar segurança e aquietar nosso cora-
ção. E esta única coisa é a Palavra de Jesus. Essa mesma Palavra que os
discípulos puderam ouvir, no meio do mar da Galileia, na hora mais escura

45
IGREJA LUTERANA

da noite. Apesar de toda a gritaria, do medo, das dúvidas, do vento, do


barulho das ondas, fez-se ouvir a voz de Jesus. Nada pode silenciá-la. Ela
é mais poderosa do que tudo neste mundo (Hb 4.12). Após ouvir a voz de
Jesus, os discípulos sabiam que tudo terminaria bem naquela madrugada
escura, pois tinham ouvido a já conhecida voz do Mestre do amor.
Como pastores podemos testemunhar de nossa experiência pessoal
de como o poder da Palavra de Jesus tem chegado a nós através da ação
do Espírito Santo. Ela é o poder que salva (Rm 1.16). Há muitos corações
ansiosos e cheios de medo, de dúvidas e de angústias, e todos eles podem
ser silenciados e aquietados com a Palavra de Jesus.
Além da Palavra, Jesus ainda oferece Sua mão para ajudar. A mão foi
estendida para Pedro. E assim é estendida para todos. Mesmo que venham
a dúvida, o medo e a fraqueza da fé, e comecem a afundar, a mão de
Jesus está estendida, pronta para socorrer. A mão de Jesus ajudou Pedro
a subir no barco e ficou junto com Pedro no barco, pois “os dois subiram
no barco e o vento se acalmou”.

ALGUNS PONTOS DE CONTATO COM VISTAS AO SERMÃO

Jesus não nos enviou para dentro do mar da Galileia, mas Ele nos
enviou para dentro do mundo.
Quando Ele nos envia, já vai o problema junto, pois levamos junto o
pecado, levamos a nós mesmos.
No mundo também nos enchemos de medo, de pavor e passamos por
diversos sustos.
Há muito sofrimento e muita dor no mundo. O mundo precisa da Pa-
lavra e da mão de Jesus.
A Palavra e a mão de Jesus estão disponíveis para todos, assustados
ou não.

Nestor Duemes
Cuiabá/MT
nestorduemes@hotmail.com

46
DÉCIMO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
17 de agosto de 2014
Salmo 67; Isaías 56.1, 6-8; Romanos 11.1-2a; 13-15; 28-32;
Mateus 15.21-28

CONTEXTO (CENÁRIO LITÚRGICO, HISTÓRICO)

É empolgante estudarmos a cronologia bíblica e, mais especificamente,


o ministério de Jesus. Porém, é muito difícil estabelecer uma ordem cro-
nológica do ministério de Jesus com base nas informações proporcionadas
pelos evangelistas. Nenhum deles estava preocupado com uma cronolo-
gia, mas sim, em unir a mensagem proclamada com os fatos históricos a
respeito de Jesus Cristo.
Os marcos geográficos que os evangelistas utilizaram para nos for-
necer um esboço dos movimentos de Jesus durante seu ministério são
de grande proveito. Tendo o evangelho segundo Mateus como ponto de
referência, podemos ir com Jesus e seus discípulos por toda região da
Palestina testemunhando seus maravilhosos feitos.
É um momento crítico do ministério de Jesus, pois seus adversários,
vindos a mando das autoridades “eclesiásticas” de Jerusalém, o estavam
acusando de transgredir a tradição dos anciãos (não a lei de Moisés), e
espalhando que ele e seus discípulos eram imundos e profanos, pois não
observavam as leis cerimoniais tais como o lavar as mãos. A partir deste
ponto não haveria mais espaço para qualquer espécie de conciliação, e o
Senhor sabia disto. Assim Jesus prefere sair da região da Galileia, como
fizera anteriormente ao deixar a Judeia, para refugiar-se em território
gentílico.
O texto de Marcos (7.31) também confirma esta movimentação: “De
novo se retirou das fronteiras de Tiro, e foi por Sidom ao mar da Galileia”.
Sem qualquer dúvida Jesus penetrou no território gentílico e ali permane-
ceu o tempo necessário. O que não traz nenhuma contradição com o fato
de que sua missão era exclusivamente para os judeus (Mateus 15.24), pois
não fora para aquela região para exercer seu ministério (Marcos 7.24), o
que fica evidente no diálogo dele com aquela mãe fenícia, e quando teve
de manifestar seu poder, atraindo a atenção das multidões.
Tiro e Sidom, situadas na Fenícia (atual Líbano), ao norte da Galileia,
aproximadamente entre 65 e 95 quilômetros de Cafarnaum, fazem parte
da história antiga, quando os fenícios dominavam o mundo da navegação.
Possuíam baías naturais, que lhes proporcionavam excelentes defesas
naturais. A Fenícia estava anexada à Síria. Esta proximidade fronteiriça
IGREJA LUTERANA

tornava natural que um viajante da Galileia (como Jesus e seus discípulos)


atravessasse o território de Tiro.
Sidom sempre foi famosa pelo seu intenso comércio e por sua grande
riqueza, além de ser um centro das artes e das ciências. Era o mais antigo
mercado dos fenícios. A moderna cidade de Saída, no Líbano, assinala o
local da antiga cidade, a 32km ao sul da moderna cidade de Beirute.
Tiro é a mesma cidade cujos reis haviam feito uma aliança com Davi e
Salomão. Neste acordo eles forneceriam madeira e hábeis artesãos para Is-
rael, que por sua vez enviaria ao rei Hirão, e seus sucessores, mantimentos
(cereais) que a população de Tiro necessitava (1Reis 5; Atos 12.20). Mas as
consequências colaterais deste acordo comercial foram terríveis para a nação
israelita, pois foi a partir desta cidade que a adoração de Baal se introduziu em
Israel e lhes causou tantos males e por fim o juízo de Deus que desembocou
nos cativeiros Assírio (rei do Norte) e Babilônico (reino do Sul).
O propósito salvador de Deus, por meio de Jesus, nunca foi exclusivo
(apenas os judeus), mas sempre, desde as primeiras promessas redento-
ras, incluía todos os povos. O salmista (87.4) declara em alto e bom som
que chegaria o dia em que o povo de Tiro e circunvizinhança haveriam de
usufruir das bênçãos messiânicas.
Esta profecia começa a se cumprir quando as pessoas desta região
invadem a Galileia para ouvir os ensinos de Jesus e obter a cura de suas
enfermidades (Mateus 4.24,25; Marcos 3.8; Lucas 6.17). Agora é o próprio
Senhor Jesus quem se faz presente entre eles.

ÊNFASES, EXPRESSÕES QUE SE DESTACAM, ANÁLISE

O conflito enfrentado por Jesus ao ser acusado de transgredir as leis


dos anciãos era superficial. Ele demonstra que a má condição era da alma,
do homem interior, do caráter essencial da pessoa, e não dependia da
superficialidade como a lavagem das mãos ou a falta da mesma, o que
só quebrava uma lei cerimonial.
A mulher Cananeia chama Jesus de “Senhor, Filho de Davi...”, título
que indicava a missão messiânica de Jesus. Seu pedido foi também uma
oração de fé, porque ela clamou por misericórdia, estando profundamente
consciente da miséria de sua alma, bem assim do fato que sua ajuda,
qualquer que fosse, viria só da compaixão misericordiosa de Jesus.
Temos aqui um exemplo dum rogar persistente e importunador, não
só em seu próprio favor desejando que a angústia de sua alma fosse re-
movida, mas também por sua filha, que sofria de uma perversa possessão
demoníaca. Recebeu, porém, um forte impacto de desapontamento. O
Senhor, de início, não lhe deu a menor atenção, mas seguiu seu caminho
como se nem a tivesse escutado. Enquanto isto, ela, sem se deixar abalar

48
DÉCIMO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

no mínimo em seu favor, deve ter continuado em seus brados, pois os


discípulos sentem-se constrangidos a interceder por ela. O tom de voz
deles não é nada cortês. Ele deixa entrever que gostariam muito em ver-
se livre dela, pois o seu clamor persistente os incomodava. Como sempre,
não se saíram bem no teste. Jesus, de modo ríspido, mostrando-lhes que
teriam feito melhor se se preocupassem com suas próprias coisas, diz-lhes
que a preocupação específica de sua missão são unicamente os do povo
judeu. Esta foi a segunda rejeição. Diz Lutero que, em nenhum lugar dos
evangelhos, Jesus é pintado de modo tão duro como aqui.
Os discípulos foram dissuadidos e se conservaram calados. A mulher,
porém, redobra seu empenho. Depositou sua fé na palavra e nas obras
deste homem, o qual, segundo sua total certeza de fé, é o Messias. Ela se
nega desistir desta fé. Tomada de nova coragem, se joga aos pés de Jesus,
adorando-o como o Senhor do céu e insistindo por sua ajuda, atendendo
sua oração. Ela, caso não adiante orar e interceder, está pronta a tomar de
assalto o próprio céu. Cristo desfere o último golpe, dizendo de modo rude,
na força total de sua assumida indisposição: não é correto e não deve ser
feito tomar o pão dos filhos e atirá-lo aos cachorros. A implicação disso foi
que a mulher gentia e toda a sua família e povo não estavam no mesmo
nível dos israelitas, mas que, aos olhos de Deus, só podiam ser considerados
como cachorros, enquanto os judeus eram seus filhos. Pronunciado pelo
Senhor, este foi um juízo duro, não deixando a menor fagulha de esperança
para a mãe tão atribulada. Mas os olhos da fé enxergam luz onde outros
só encontram escuridão. Como escreve Lutero, na fala de Cristo há mais
“sim” do que “não”, ainda que bem no fundo parecesse só um “não”. Seu
pedido não fora negado redondamente, mas ainda havia um espaço para
um argumento. Além disso, Cristo não comparara a ela e sua família com
os cães de rua, mas com os cachorros de casa ou que convivem com seus
donos. Por isso, em vez de retirar-se em desesperado desengano, ela volta
ao ataque: Sim, Senhor, pois também os cães de casa participam da refeição
dos filhos, mesmo que nada mais do que migalhas lhes sobre. A mulher
está disposta a contentar-se – e ela exige este direito – com as migalhas
das quais os judeus se sentiam enfastiados.
Sem levar em conta seu nascimento e sua nacionalidade, esta mulher
já era membro do povo de Deus (Romanos 9.7,8; Gálatas 4.28). Ela, pela
fé em seu Salvador, o Filho de Davi, era uma filha de Deus. E seu pedido foi
concedido como recompensa de sua fé. Naquela mesma hora sua filha teve
restabelecida a plena saúde. “Assim Deus deseja fazê-lo conosco agora.
Quando, por longo tempo, negou nossa oração, e sempre nos respondeu
com um “não”, mas nos atemos firmemente ao “sim”, então, finalmente,
precisa acontecer o “sim” e não o “não”. Pois sua palavra não enganará:
“Tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele vos dará”.

49
IGREJA LUTERANA

Esta história é um exemplo especialmente belo de fé, que deve ser


praticado. Pois, ela não permitirá que o Senhor lhe arrebate da alma o
“sim”, mas “que ele lhe será benigno e certamente a ajudará”.

PARALELOS, PONTES, PONTOS DE CONTATO

Jesus ataca justamente o ponto mais delicado da relação entre judeus


e cananeus. Esse assunto era de domínio público.
A mulher Cananeia era descendente dos cananeus que Josué expul-
sou da terra prometida, cuja civilização foi centralizada e perpetuada na
cidade de Tiro. Jesus foi a esse lugar levando consigo os seus discípulos.
Foi uma viagem de mais de cinquenta quilômetros até o território de Tiro,
e depois de Sidom.
Na época de Davi, Tiro mantinha boas relações comerciais com Israel
(2Samuel 5.11). Isso não durou muito tempo, visto que a cidade tornou-
se conhecida pelas práticas abomináveis da imoralidade e mergulhada
no paganismo. Seu rei chegou a afirmar que era deus! (Ezequiel 28).
A situação complicou-se mais ainda quando do regozijo pelo motivo de
Jerusalém haver sido destruída em 586 a.C., porque em detrimento de
Jerusalém seu comércio teria ainda mais lucro e prestígio.
Essa é a dica: anunciarmos o Evangelho como resposta às necessidades
das pessoas. Precisamos aproveitar todas as oportunidades. Assim, mais
pessoas crerão em Jesus como Salvador.

SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO (ASSUNTO, OBJETIVO, TEMA,


DESDOBRAMENTOS)

Poderíamos compor a mensagem baseados nos versículos de Romanos


5.3 e 4: “E não somente isto, mas também nos gloriamos nas próprias
tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança; e a perseve-
rança, experiência; e a experiência, esperança”.

A mulher cananeia em nossos dias


I. Tribulação – ela não tinha o que fazer: sua filha estava endemo-
ninhada.
A. Levou os seus problemas a Jesus. Mateus 15.22: “Senhor, Filho
de Davi, tenha pena de mim!” (ele é o único que efetivamente
podia e pode socorrer).
B. Ela experimentou. João 14.14: “E tudo o que vocês pedirem
em meu nome eu farei, a fim de que o Filho revele a natu-
reza gloriosa do Pai”. (hoje sabemos que isso é a mais pura
verdade).

50
DÉCIMO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

II. Perseverança (O clamor não mudou e não precisa mudar).


A. Mateus 15.25: “Senhor, me ajude”.
B. Podemos lembrar de Ana, mulher de Elcana, mãe de Samuel
(1Samuel 1 e 2).
III. Experiência
A. A vida ensinara muito a essa mulher. Mateus 15.27: “Sim, se-
nhor – respondeu a mulher – mas até mesmo os cachorrinhos
comem as migalhas que caem debaixo da mesa dos seus donos”
(muitas vezes nos sentimos como essa mulher, e podemos nos
alegrar com as migalhas).
B. Três virtudes na vida dessa mulher
1. Submissão - Está sob o domínio de alguém mais forte e
reconhece o poder de Jesus. Talvez conhecesse, dada a pro-
ximidade dos povos, o Salmo 37.5:“Entrega o teu caminho
ao SENHOR, confia nele, e o mais ele fará”.
• Bem diferente de atitudes hoje encontradas em igrejas e
pessoas ditas cristãs (o evangelho está muito mais acessível
do que na época de Cristo)
2. Humildade - Aceita a repreensão e não fica indignada. O
“não” de Jesus é didático: Ele quer tirar a mais profunda
expressão de fé.
• Se o Senhor quiser (ao clamarmos, precisamos acrescentar:
Seja feita a tua vontade).
3. Mansidão - Recebe a palavra de Jesus com mansidão. “Jesus
disse: – Não está certo tirar o pão dos filhos e jogá-lo para
os cachorros. – Sim, senhor – respondeu a mulher – mas
até mesmo os cachorrinhos comem as migalhas que caem
debaixo da mesa dos seus donos”.
• Se Deus apenas nos reservasse as migalhas de suas bênçãos,
já teríamos o suficiente.
IV. Esperança - A esperança se transforma em fé. Mateus 15.28:
“Mulher, você tem muita fé! – disse Jesus. – Que seja feito o que
você quer! E naquele momento a filha dela ficou curada”.
• Ao olharmos a história da igreja e as histórias da vida dos
cristãos nos encheremos de esperança. Já temos e expe-
riência de que o Senhor é bom. Mesmo que não tenhamos
a resposta às nossas súplicas, seremos consolados como
Paulo foi: “A minha graça te basta, porque o poder se
aperfeiçoa na fraqueza” (2Coríntios 12.9).

Günter Martinho Pfluck


CEL São João – Passo Fundo/RS
revgunter@yahoo.ca

51
DÉCIMO PRIMEIRO DOMINGO
APÓS PENTECOSTES
24 de agosto de 2014
Salmos 138; Isaías 51.1-6; Romanos 11.33-12.8; Mateus 16.13-20

SALMOS 138
O salmista rende graças ao Senhor e conclama todo o povo de Deus a
cantar louvores a ele por causa da sua “misericórdia” e “verdade”. Quem
confia no Senhor tem certeza de que em dias difíceis Deus o acudirá, dará
forças para vencer e o colocará em segurança. As promessas de Deus são
fiéis, o seu amor dura para sempre.

ISAÍAS 51.1-6
Sião encontra-se no exílio. Deus, que nunca os abandonou, os alegra
com esperança futura. O povo será libertado e retornará para sua terra.
Concomitantemente, uma outra certeza futura é anunciada. “Olhai para
a Rocha”. Sobre a “Rocha”, o povo do Antigo Testamento estava firmado
em esperança futura. Sobre a “Rocha”, a Igreja do Novo Testamento está
firmada. Há esperança, certeza e alegria “já” e no “futuro” eterno.

ROMANOS 11.33-12.8
A sabedoria, o conhecimento, os juízos e caminhos de Deus estão acima
da compreensão humana. “Porque dele, e por meio dele, e para ele são
todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém” (Rm 11.36). Na
nova vida em Cristo, cada cristão se apresenta a Deus de corpo e alma
rendendo culto ao Senhor. A humildade, o espírito de unidade e dons à
disposição do Senhor demonstram a fé ativa dessa nova vida a servir ao
Senhor em alegria e amor.

MATEUS 16.13-20
Vv. 13,14: O presente texto faz parte dos acontecimentos do terceiro
ano do ministério de Jesus. A região é Traconites, a nordeste do Mar da
Galileia, fazendo parte dessa região Cesareia de Filipe, Betsaida e outras.
Era governada por Herodes Filipe, 4 a.C. a 34 a.D. Ele havia reconstruído
Cesareia. Daí a referência ao seu nome. Havia uma outra Cesareia às
margens do Mar Mediterrâneo.
Chama-nos a atenção que Cesareia de Filipe era uma região de beleza
exuberante, fértil, mas de um paganismo acentuado. Fica evidente neste texto
o “amor” de Jesus, o Messias prometido que vai ao encontro dos gentios. Fora
do reduto de Israel, o Salvador Jesus quer ser conhecido por todos em seu
DÉCIMO PRIMEIRO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

amor (1 Tm 2.4): “Cristo para todos”. Ali, em terra estrangeira, Jesus faz aos
seus discípulos a pergunta: “Quem diz o povo ser o Filho do homem?”
Com base no livro Cristologia do Novo Testamento1, temos a
informação da autodesignação preferida pelo próprio Jesus, de “Filho
do homem”. Seu significado possivelmente deve-se ao uso da mesma
expressão no Antigo Testamento em Daniel 7.13,14.
O livro A formação do Novo Testamento2 diz que o evangelho de
Mateus abre o Novo Testamento. É o evangelho que mais se alinha com o
Antigo Testamento. Mateus lança uma ponte entre a expectativa do reino
messiânico, cuja vinda é proclamada nos livros proféticos do Antigo Tes-
tamento, e o advento de Jesus Cristo que o Novo Testamento apresenta
como resposta a esta espera.
O livro Cristologia do Novo Testamento continua a nos falar da
expressão “Filho do homem” como um título de sua pessoa; Jesus iden-
tifica-se como o verdadeiro povo de Deus – o homem representativo. É
significativo ainda lembrar que é sempre o próprio Jesus, e ninguém mais,
que o designa assim. Dois contextos do uso da autodesignação de Jesus
são particularmente importantes para a compreensão de sua relevância
cristológica. O primeiro deles é o uso da expressão na manifestação de
seu ministério terreno, ministério com autoridade, que declara de forma
especial o “perdão dos pecados” (Mc 2.10). O ápice do uso do título “Filho
do homem” está primeiro nos anúncios de Jesus a respeito dos aconteci-
mentos finais do seu ministério terreno, com sua paixão, morte e ressur-
reição (Mt 20.28; Mc 8.31); depois, no anúncio da sua obra escatológica
no fim dos tempos (Mt 24.37; Mc 8.38;14.62).
A resposta dos discípulos sobre o que o povo dizia: João Batista, Elias,
Jeremias ou algum outro profeta, denota até alguma lembrança do Antigo
Testamento, mas total desconhecimento do povo sobre a presença do
Reino de Deus entre eles na pessoa de Jesus e a missão precursora de
João Batista. Os olhos e ouvidos desse povo estavam fechados para os
acontecimentos ali bem perto deles, nas imediações do Mar da Galileia,
conforme o contexto anterior em Mateus 15.29-32.
Vv. 15,16: Jesus, após receber a resposta em amplitude externa, agora
incisivamente foca os seus discípulos e quer saber deles: “Mas vós, quem
dizeis que eu sou?” Pedro, em sua impulsividade que nos é conhecida,
testemunha dizendo de si e em nome dos discípulos: “Tu és o Cristo, o
Filho do Deus vivo”.
Cristologia do Novo Testamento3 diz: “Cristo” é um termo que vem
do grego e que, por sua vez, traduz o hebraico “Messias”. Pode ser traduzido

1
Gerson L.Linden, V. S. (2010). Cristologia do Novo Testamento. Canoas: Editora da
ULBRA, p. 49,50.
2
Cullman, O. (s.d.). A formação do Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal e EST.
3
Gerson L.Linden, V. S. (2010). Cristologia do Novo Testamento. Canoas: Editora da
ULBRA, p. 47

53
IGREJA LUTERANA

por “aquele que foi ungido”, sobre o qual foi derramado óleo significando
a sua escolha para uma missão dada por Deus. Trata-se de um título, e
não de um nome próprio. Como inicialmente o título era aplicado aos reis
de Israel, entendemos a confusão que o povo fazia em relação a Jesus, e
por que alguns o ligavam apenas a uma esperança terrena, um rei.
Pedro reconhece Jesus como o Filho único prometido por Deus desde
Gênesis 3.15, anunciado pelos profetas do Antigo Testamento como es-
perança futura e realidade presente (Jo 3.16), para a salvação de toda a
humanidade pecadora, no tempo apropriado de Deus (Gl 4.4,5). O fato
de Pedro acrescentar ao seu testemunho a palavra “vivo” é significativo.
Faz-nos lembrar de que Pedro, mais adiante, é testemunha na transfigu-
ração (Mt 17.1-8) e do túmulo vazio (Jo 20.3-7). O Cristo vivo que subiu
ao céu, governa sua Igreja, intercede por ela e a sustenta pelo seu poder
e amor “voltará” (At 1.11).
V. 17: Jesus afirmou a Pedro: “Bem-aventurado és [...]” (feliz). O livro
A vida cristã diz:

A verdadeira felicidade de um ser humano consiste na vida de es-


perança sob a cruz. [...] Fé é uma esperança dinâmica, porque está
certa da constante vinda do Espírito Santo através da promessa do
Evangelho. [...] produz boas obras em amor. [...] luta com a velha
natureza pecaminosa. [...] está certa do contínuo arrependimento
e perdão. Está segura do prometido futuro, da ressurreição final,
da segunda vinda de Cristo, e da vida eterna.4

Por isso Pedro é feliz e todo cristão também. O Art. IV da Confissão de


Augsburgo e a explicação de Lutero no 3º Artigo do Catecismo Menor nos
dão subsídio para entender que só pela ação do Espírito Santo, através
dos meios da graça, pela fé, é que temos e conhecemos a felicidade à
qual se referiu Jesus a Pedro.
V. 18: Jesus falando a Pedro não deixa sombra de dúvidas sobre que
“pedra” preciosa, eleita, única e poderosa a Igreja está edificada. “Sobre
Ele próprio, o Cristo, o Filho do Deus vivo”, do qual Pedro acabara de
testemunhar convicto. Efésios 2.19-22 deixa isso bem claro, bem como
Atos 4.11. Pelo sofrimento, morte e ressurreição de Cristo, pecado, diabo,
morte e todo o mal estão vencidos (Jo 19.30; 1 Co 15.54-57). A Igreja
está protegida pelo “manto de Cristo” (Is 61.10), e caminha rumo à vida
eterna, ainda sob muitas provações (1 Pe 1.6), mas firme nas promessas
e certeza da vitória mediante Cristo Jesus (Ap 5.5-14).
V. 19: Em Obras Selecionadas, Lutero diz:

Essa autoridade de perdoar pecados e, assim, de pronunciar um


veredito em lugar de Deus ninguém possuía no Antigo Testamen-

4
Warth, M. C. (2004). A vida cristã. Canoas: Coedição: Editora Concórdia e Editora da ULBRA.

54
DÉCIMO PRIMEIRO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

to, nem o sumo sacerdote, nem o menor sacerdote, nem o rei,


nem os profetas, nem qualquer membro do povo, a não ser que
lhe fosse especialmente ordenado por Deus, como aconteceu com
Natã em relação a Davi. No Novo Testamento, porém, todo cristão
tem essa autoridade, onde não houver um sacerdote disponível.
Ele a tem através da promessa de Cristo, feita quando disse a
Pedro: “o que desligares na terra será desligado no céu” (Mt
16.19). Se ele tivesse dito isto exclusivamente a Pedro, não teria
dito, em Mt 18.18 a todos em geral: “o que vocês desligarem na
terra será desligado no céu”. Aqui ele fala a toda a cristandade
e a cada cristão em particular5.

V. 20: Entendemos por que, logo após a confissão de Pedro, Jesus


proibiu de dizer publicamente que ele era o Cristo, evitando que o povo
pensasse que ele era apenas um messias – rei que restauraria a dinastia
davídica, libertando o povo do domínio romano, em detrimento de sua
missão messiânica como Cristo, o Salvador do mundo.
Após a ressurreição de Jesus, agora sim, o evangelho é anunciado a
todas as nações (Mt 28.18-20).

Tema: JESUS É O CRISTO, O FILHO DO DEUS VIVO!

BIBLIOGRAFIA

BÍblia de Estudo Almeida. (1999). Barueri - SP: Sociedade Bíblica do Brasil.


Cullman, O. (s.d.). A formação do Novo Testamento. Coedição Sinodal; EST.
Linden, Gerson L. e Scholz, Vilson. (2010). Cristologia do Novo
Testamento. Canoas: Editora da ULBRA.
Lutero, M. (1987). Obras Selecionadas - Volume 1. São Leopoldo:
Coeditoras Sinodal e Concórdia.
Novo Testamento interlinear grego-português. (2004). Barueri, São
Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil.
Warth, M. C. (2004). A vida cristã. Canoas: Coedição: Editora Concórdia;
Editora da ULBRA.

Guilherme Rodolfo Hasse Becker


Cachoeirinha/RS
ghassebecker@gmail.com

5
Lutero, M. (1987). Obras Selecionadas - Volume 1. São Leopoldo: Coedição Sinodal e
Concórdia, p. 411

55
DÉCIMO SEGUNDO DOMINGO
APÓS PENTECOSTES
31 de agosto de 2014
Salmo 26; Jeremias 15.15-21; Romanos 12.9-21; Mateus 16.21-28

CONTEXTO

O contexto de Mateus 16 é de muita empolgação por parte dos apósto-


los em função da crescente fama de Jesus, apesar da oposição ao seu mi-
nistério por parte dos líderes da “igreja” de então. Em breve, imaginavam,
poderiam ver o reino do Messias prometido evoluindo e se transformando
no gigante dominante, acima até dos romanos. Jesus pode ter percebido
o seu ministério ser usado para se transformar em um movimento político
e sangrento. Estava na hora de ele começar a alertar os apóstolos contra
esta visão distorcida e lhes revelar a verdadeira identidade do Messias.
Por isso, “Daí em diante, Jesus começou a dizer claramente aos discípulos:
[...] Eu serei morto, e, no terceiro dia, serei ressuscitado”.

TEXTO

V. 21: Jesus desde o início “abriu o jogo” aos seus discípulos. Ele não
falou por “entre flores” como se fala na linguagem popular; nada escon-
deu de ninguém. As revelações de Deus, que compõem a Bíblia, não são
obscuras. Claro, disso Lutero muitas vezes falou, mesmo Deus falando
claramente nas Escrituras Sagradas, a tal ponto que uma criança o pode
aceitar e nele crer, ele é, em sua essência, em muitos aspectos, um Deus
absconditus (Deus escondido), de tal maneira que nem todas as cabeças
pensantes deste mundo o conseguem abarcar, esquadrinhar.
Deste modo, Jesus foi claro a respeito de sua caminhada futura em
relação aos apóstolos. Eles sonhavam com um reino terreno que tem
como rei as forças do braço carnal, enquanto Jesus lhes “colocava as
cartas” sobre a mesa, para que eles não viessem a se decepcionar com
os acontecimentos que em breve viriam a se suceder.

V. 22: Quem é que Pedro “representa” aqui? Ao próprio Satanás,


como em seguida Jesus o iria chamar. O pai da mentira usa das mais
“santas pretensões”, como a querer defender a causa dos injustiçados.
Pedro imaginava que o que Jesus lhes anunciava seria a maior injustiça.
Como pode que, “fazendo o bem e curando a todos”, o Mestre fosse assim
martirizado?
DÉCIMO SEGUNDO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

Pedro se fez de amigo de Jesus, mas joga pelo time adversário. Es-
tava sendo usado pelo “pai de todas as mentiras” (Jo 8.44). Pedro ainda
não compreendia o plano de Deus. Ele viria e entender esta “tragédia”
somente após o Espírito Santo revelar que “era necessário que o Filho do
homem sofresse [...] para entrar em sua glória”. No dia de Pentecostes
a ficha caiu.

V. 23: Qual será o tamanho do choque que Pedro levou ao ouvir de


Jesus tamanha repreensão? E mesmo assim Jesus não “caçou o mandato”
de Pedro como apóstolo! O diabo desde o princípio da vida humana de
Jesus procurou lhe tirar a vida através de mãos humanas a serviço do
mal (Herodes). Nada temos relatado a respeito do período intermediário
na vida de Jesus (dos 12 aos 30 anos), se ele foi alvo dos ataques do dia-
bo. Com certeza. Mas no começo do ministério de Jesus (Mt 4; Lc 4) ele
investiu com tudo procurando desviar Jesus da “rota” da cruz, todavia “o
diabo foi embora por algum tempo” (Lc 4.13), o que nos mostra que ele
“se achegou” de Jesus ardilosamente, usando mais uma vez o elemento
humano, Pedro, procurando convencê-lo da “tolice” de morrer na cruz.
Em sua raiz original, nascido em pecado, cego e morto espiritualmente
e inimigo de Deus, nenhuma pessoa é capaz de pensar os planos de Deus.
Segue apenas a linha de pensamento das trevas. E como, mesmo cris-
tãos fiéis, somos volúveis às influências do maligno! Pedro tinha acabado
de confessar Jesus como o Cristo, Filho de Deus – Mateus não relata há
quantos dias – e agora tomba tão dramaticamente a serviço do inimigo.
Com que rapidez aconteceu a troca do “O senhor é o Messias, o Filho do
Deus vivo” por “Que Deus não permita. Isto nunca vai acontecer com o
senhor”. Ainda bem que Deus nos conhece, sabe da nossa estrutura e
investe sempre de novo em nós. Jesus não “quebra os pratos” por causa
de Pedro e da raça humana.

V. 24: Depois de ter retomado a calma, talvez ainda com os cabelos em


pé pela necessidade de usar de tamanha rigidez em relação ao apóstolo
“coluna”, Jesus pediu silêncio e tomou a palavra num tom bastante solene
e “quebrou a nuca” dos sonhos materialistas de todo o grupo com esta
declaração solene: “Como eu vou morrer, quem me quiser seguir, morra
comigo ou como eu vou morrer”. A cabeça de Pedro, com mais esta segunda
revelação do Mestre, deve ter começado a rodar. Quem estava sonhando
com glória, fama e poder, precisava modificar e mudar a direção de seus
interesses em direção da cruz, da qual Satanás tinha medo porque nela
e por ela ele sabia que seria derrotado.
Deus em nós precisa “expulsar” o diabo, por meio da criação da fé. Do
contrário, o diabo “cavalga sobre nós” (Lutero). Jesus usou da mais pura

57
IGREJA LUTERANA

lei para chamar a atenção de Pedro e de seus companheiros. Jesus fazer


“corpo mole” não teria tido nenhum efeito na vida de Pedro. O câncer do
pecado não se combate com aplicação de água açucarada, mas com a er-
radicação do tumor por meio da dor da lei. O arado da lei de Deus tem que
rasgar as raízes do pecado a fim de aparelhar o solo para a semeadura da
semente do evangelho, com o fim de neste solo produzir a vida eterna.

V. 25: Deus criou o mundo e os homens para a vida verdadeira (eter-


na). O diabo, por meio da revolta de Adão, sabemos, a roubou de nós.
O que sobrou foi a incapacidade de percebermos o alvo do Criador para
conosco. “Ponham o seu interesse nas coisas lá do céu” (Cl 3.1). Isto foi
escrito para pessoas que já tinham as marcas da cruz de Cristo (Gl 6.17).
Esta busca pelas coisas da vida eterna se contrapõe aos interesses pura-
mente daqui de baixo, que ainda estavam tomando o centro da atenção
de Pedro e dos demais.

V. 26: A ilusão da conquista do mundo para fins exclusivamente egoístas


sempre acompanhou a história humana. O desejo da vaidade – “tudo é
vaidade” (Ec 1.2) – em maior ou menor grau de interesse, se encontra em
todos os humanos, dependendo do tamanho dos sonhos e das fantasias.
O mesmo estava na mente de Pedro, tomado pela fantasia de ver Jesus
exaltado ao posto de rei dos judeus. Jesus teve que descê-lo do “poleiro”
da vanglória e o colocar em terra firme. Mas isto ainda demoraria um
bocado de meses até Pedro perceber que o “mundo inteiro” não é moeda
para a “compra” de uma só alma imortal. Só pelo sangue de Cristo.

V. 27: Jesus completa a sua profecia a respeito daquilo que com ele
aconteceria. Não deixa os seus discípulos num beco sem saída. Jesus re-
vela a obra por inteiro. Pedro não precisa perder o fio da esperança. Jesus
não irá morrer e ponto final. Sua morte será apenas a estratégia de Deus
para pagamento dos pecados, mas não só isto. Ele vencerá, por meio da
ressurreição, os poderes do maligno e será o Senhor dos senhores, e o
diabo e seus anjos diante dele se ajoelharão. Era isto que Satanás estava
tentando de todas as maneiras evitar que acontecesse. Pedro precisa
olhar além da cruz e da sepultura. Os valores reais e duradouros, Pedro
não conseguia perceber, porque estava aferrado ao daqui de baixo, ao
reino corrompido por Satanás. O que antes tinha sido escândalo, mais
tarde Pedro compreendeu que foi o plano misericordioso de Deus para a
redenção da humanidade.
A cruz de Cristo não seria derrota, como Pedro imaginava em sua
fantasia materialista. Ela produziria frutos, a “recompensa” eterna, não
o reino político e passageiro, o grande sonho da maioria dos judeus.

58
DÉCIMO SEGUNDO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

Como foi difícil Pedro assimilar isso. Como é difícil em todos os tempos as
pessoas, mesmo em contato intensivo e contínuo com a Palavra, muitas
vezes assimilarem o plano de Deus. Só o Espírito Santo “amolece” a du-
reza dos corações. Pedro deve ter ficado envergonhado com a repreensão
do Senhor. O pecado, quando não nos faz sentirmos vergonha diante da
santidade de Deus, não será jamais corrigido. Em Pedro, gradativamente,
houve este redirecionamento – da cruz para a vitória. Precisamos olhar
para a mensagem da cruz como poder de Deus para a derrota do diabo e
para a vitória dos que creem.

V. 28: Além da cruz e da sepultura vazia, Jesus tenta erguer os olhos


dos discípulos para mais adiante: para o grand finale do processo de sua
passagem por Jerusalém. Sobre a afirmação de Jesus “estão aqui algumas
pessoas que não morrerão antes de verem o Filho do Homem” não há um
consenso na interpretação. Há os que afirmam que o “verem o Filho do
Homem” se trata do Pentecostes, outros da transfiguração, seis dias depois
deste incidente, outros ainda da volta de Jesus no dia do juízo.

PROPOSTA HOMILÉTICA

Tema: Através da cruz para a glória.


a) A necessidade da morte redentora de Jesus – para Deus um
evento preparado já logo após a queda – seu plano.
b) O diabo fez de tudo para que ela não fosse erguida – seria (foi)
sua derrota.
c) Enquanto a cruz lhe é loucura, o homem a rejeita – sua opo-
sição.
d) Ao que se envergonha de seus pecados e crê na redenção da
cruz, por ela é liberto – fecha-se o plano de Deus – para a
sua glória.

Heldo Egon Bredow


Blumenau/SC
heldobredow@gmail.com

59
DÉCIMO TERCEIRO DOMINGO
APÓS PENTECOSTES
7 de setembro de 2014
Salmo 32.1-7; Ezequiel 33.7-9; Romanos 13.1-10; Mateus 18.1-20

LEITURAS

Salmo 32.1-7: o Salmo 32 é um dos salmos penitenciais mais bonitos


e impactantes escritos por Davi. Ele traduz o efeito da graça perdoadora
de Deus na vida de um pecador arrependido e confiante. A misericórdia
de Deus que dá o perdão leva o pecador ao arrependimento e à confissão.
Reconhecer seu estado natural de ser completamente perdido, longe e por
si inacessível ao amor de Deus, também é graça. A confissão se torna um
alívio ao pecador que é descarregado de um peso que o angustia, cansa e
machuca. O perdão gracioso e misericordioso alcança e acolhe o pecador
para que possa louvar e adorar a Deus e ser digno de receber ensino,
orientação e proteção para a vida diária. Arrependimento, confissão e
perdão são o processo que Deus usa para transformar vidas.

Ezequiel 33.7-9: Ezequiel, um sacerdote de Jerusalém levado prisio-


neiro com seus compatriotas para a Babilônia, é chamado por Deus para
ser profeta e levar a sua mensagem ao povo de Israel. Mesmo desafiado e
desprezado pelo povo, o profeta se mantém firme no propósito que Deus
lhe imbuíra. Como atalaia, vigia, ele adverte o justo e o ímpio mostrando
para um a misericórdia de Deus e para outro o justo juízo por causa da
desobediência.

Romanos 13.1-10: o apóstolo Paulo exorta a obediência à autoridade


constituída como um instrumento a serviço de Deus para a boa ordem e
justiça. Subordinar-se à autoridade é uma atitude de honradez que resul-
ta da fé e corrobora justamente para a boa ordem das coisas. Por FÉ os
cristãos ficam devendo apenas o amor e nele vivem em harmonia.

O TEXTO

O capítulo 18 do Evangelho de Mateus inicia o famoso quarto discur-


so de Jesus onde ele começa ensinando a igreja sobre a humildade e o
cuidado que a igreja precisa ter com os recém-convertidos, os neófitos.
A misericórdia, e não o rigor orgulhoso e soberbo da lei e dos costumes,
deve reger os relacionamentos e a conduta na igreja. O pecado, que é
DÉCIMO TERCEIRO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

natural em todos os seres humanos, deve ser tratado com todos, tanto
os recém-convertidos como os chamados “de berço”. A lei não exclui este
ou aquele, mas terá um rigor maior sobre aquele que a conhece há mais
tempo. Isto não permite que os “de berço” sejam privilegiados em detri-
mento dos neófitos e nem os neófitos em detrimento dos “de berço”: ambos
estão sob a misericórdia de Deus e são incapazes de cumprir o rigor que
a lei exige. A misericórdia de Deus vai ao encontro de cem por cento, de
todos, é por isso que busca a única perdida para que todas estejam sob
seu cuidado e proteção, não apenas noventa e nove, que permanecem
firmes e convictas. Assim a alegria será plena, completa, quando acontecer
o resgate da que se perdera. Deus quer todos os seus, toda a sua igreja
vivendo sob seu amor e misericórdia e para proteger a sua igreja orienta-a
a cuidar dos seus membros sempre com intuito de ganhar o irmão peca-
dor através do processo de arrependimento, confissão e perdão. O que
a Igreja Cristã tem chamado de processo de disciplina eclesiástica e tem
sido visto como um processo difícil, penoso e por vezes constrangedor é,
na verdade, uma proteção que Deus deu à sua Igreja, como organização,
e para seus membros individualmente. Por um lado a Igreja está agindo
com misericórdia ao dar a oportunidade do arrependimento, confissão
e absolvição ao pecador penitente, e por outro lado proteger o rebanho
do pecador impenitente, excluindo-o do seu meio. Mesmo excluído da
comunhão da Igreja, ainda resta para o pecador a misericórdia até ali
negligenciada e rejeitada. A igreja recebe o “ofício das chaves” do próprio
Cristo para sua proteção e instrumento de misericórdia.

Vv. 1-5: “O mais importante no Reino do céu”. A palavra usada para


“mais importante”, “maior” é (meizwn – meizon) e demonstra na pergunta
dos discípulos que entre eles se pensava que um seria mais importante,
maior do que o outro no Reino do céu, na vida eterna. Jesus então coloca
uma criança – (paidion – paidion) – no meio deles e quebra um paradigma
da época que considerava as crianças, especialmente até mais ou menos os
sete anos, como incapazes de raciocínio lógico, de vontade e capacidade,
de ações próprias e de dúvida. Elas simplesmente confiavam e acreditavam
nos adultos, mas eram consideradas incapazes de ter fé em Deus, que
exigia, segundo a tradição e o costume da época, certo conhecimento. Não
era dado às criancinhas o conhecimento por não terem condições intelectu-
ais para o apreender. A comparação é forte, contundente e de certa forma
agressiva para eles. Ser igual a uma criança era não ser ninguém especial,
mas alguém insignificante e de certa forma desconsiderado como cidadão,
era um simples ser que potencialmente poderia ser alguém no futuro, mas
ninguém importante no presente. Se não vos converterdes, mudarem de
vida [...] – (strefw – strepho) – literalmente tem o sentido de mudar a

61
IGREJA LUTERANA

conduta, a mente de alguém. A ideia aqui é agir, e se tornar, ficar igual –


(ginomai – ginomai) – pois é preciso começar a ser e se mostrarem como
as crianças, pois se não, de modo algum, nunca entrarão – (eisercomai
– eiserchomai) – literalmente vir para dentro, entrar no Reino do céu. Os
discípulos deveriam se humilhar – (tapeinow – tapeinoo) – rebaixar-se a
uma condição de humildade e insignificância social como eram consideradas
as crianças na época, colocando-se também na condição que as crianças
estavam quanto à ausência de vontade própria e presença de confiança
cega nos adultos. Jesus, na verdade, não responde a pergunta dos discí-
pulos, mas deixa bem claro que enquanto eles se mantinham em posição
e atitude de orgulho, soberba e vaidade própria, eles nunca entrariam no
Reino do céu. Num contexto cultural extremamente marcado pela gran-
deza, orgulho e soberba, o paradoxo da humildade vem na comparação
com a atitude de uma criança, figura bem conhecida de todos na época.
Receber Jesus seria como receber uma criança, seria receber a humildade
encarnada, seu amor, sua misericórdia.

Vv. 6-9: O perigo do pecado – os tropeços. Jesus condena com vee-


mência o fato de alguém ser desviado da fé e levado a pecar – (skandalizw
– skandalizo) (“escandalizar”) – literalmente colocar uma pedra de tropeço
ou obstáculo no caminho, que aqui tem o sentido metafórico de seduzir
ao pecado e fazer uma pessoa começar a desconfiar e abandonar alguém
em quem deveria confiar e a quem deveria obedecer. Os pequeninos –
(mikrovj– mikros) – pequeno, são aqui considerados aqueles com pouca
fé, ou fé simples, ingênua, pura e sem maldade, os neófitos que ainda
precisam de “leite espiritual” e não estão aptos à comida espiritual, mais
sólida. Aquele que se torna o instrumento de tropeço, queda – (skandalon
– skandalon) (“escândalo”) – literalmente uma armadilha, será considerado
culpado por fazer alguém abandonar a fé em Cristo. Jesus novamente faz
uso da “lei do talião”, mão por mão, pé por pé, olho por olho, para mos-
trar o rigor com que será julgado o responsável por fazer tropeçar. Jesus
afirma que é melhor perder uma mão, pé ou olho do que ser condenado
eternamente.

Vv. 10-14: Ovelha achada. Jesus continua mostrando mediante uma


comparação singela, mas comum, o cuidado para com o povo e de uma
maneira especial com os recém-convertidos, os espiritualmente crianças,
pequeninos que carecem de leite espiritual. O homem deixa noventa e
nove ovelhas e vai atrás daquela que se perdeu, se extraviou – (planaw –
planao) – um verbo no presente passivo e que literalmente tem o sentido
de fazer algo ou alguém se desviar, desviar do caminho reto, perder-se,
vagar, perambular ou, metaforicamente falando, desencaminhar da ver-

62
DÉCIMO TERCEIRO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

dade, conduzir ao erro, enganar, ser induzido ao erro, ser desviado do


caminho da virtude. Aquele que se perdeu, que peca, desvia-se ou afasta-
se da verdade está sendo arrastado por sua natureza e por algo que lhe
aconteceu, porque sofreu uma influência para desviar-se. O alerta de Jesus
é para buscar porque sozinho não consegue voltar. Se for abandonado,
estará abandonado. A alegria, o prazer – (cairw – chairo) – o regozijo,
contentamento, ficar extremamente alegre – com a que fora encontrada
– (euriskw – heurisko) – achada depois de ser procurada é muito maior
do que por aquelas que estavam e permaneceram unidas, juntas, firmes
e protegidas sem se desviar. Não é desprezo por noventa e nove, mas
louvor e gratidão por 100.

Vv. 15-20: Dialogando com o irmão culpado. Aqui Jesus orienta cla-
ramente como se deve tratar com o irmão culpado, aquele que pecou –
(amartanw – hamartano) – que erra o alvo, que está errado ou desvia-se
do caminho da retidão e honra e anda no erro, desviando-se da lei de
Deus e violando-a. O objetivo é ganhar – (kerdainw – kerdaino) – ganhar
alguém conquistando-o para o Reino de Deus é ganhar alguém para a fé
em Cristo. O foco é ganhar o irmão trazendo-o de volta à comunhão com
Cristo mediante arrependimento e perdão. O diálogo para a reconquista
é progressivo, primeiro particularmente, depois com testemunhas e por
fim diante da igreja – (ekklhsia – ekklesia) – reunião de cidadãos cha-
mados para fora de seus lares para algum lugar público uma assembleia
de cristãos reunidos para adorar em um encontro religioso. Igreja é um
grupo de cristãos, ou daqueles que, na esperança da salvação eterna
em Jesus Cristo, observam seus próprios ritos religiosos, mantêm seus
próprios encontros espirituais e administram seus próprios assuntos, de
acordo com os regulamentos prescritos para o corpo por amor. E então, se
ainda assim não ouvir a exortação e advertência, deverá ser considerado
como gentio e publicano. Em outras palavras, seja excluído da comunhão
da igreja. Nessa tratativa se estabelece o “ofício das chaves”, um poder
dado por Deus à sua Igreja para que a Igreja chame o pecador ao arre-
pendimento para lhe proclamar, então, o perdão. A Igreja se reúne em
nome de Cristo, e é em nome de Cristo que pratica a exortação e é em
nome de Cristo que proclama o perdão ao pecador arrependido ou retém
o perdão ao pecador impenitente.

CONSIDERAÇÕES

O 13º Domingo após Pentecostes cai justamente no dia 7 de


setembro, uma data histórica para o nosso país que celebra sua inde-
pendência nesse dia. A famosa frase “Independência ou morte” continua

63
IGREJA LUTERANA

sendo um paradigma para a nossa nação frente a tantas dúvidas, incer-


tezas e anseios. Será que de fato somos uma nação livre, independente?
Por outro lado, olhar para a verdadeira liberdade que temos como nação
santa dependente da graça maravilhosa de Deus nos enche de certeza
e confiança para viver e servir em verdadeira independência “levando
Cristo para todos”.
Jesus traz aos discípulos ensinamentos relacionados com a conduta
cristã e vida da Igreja, que é impossível fora da graça (Ef 2.8-10). Jesus usa
as contradições para mostrar onde está a verdadeira humildade, singeleza
de fé e confiança inabalável. Não vamos conseguir obedecer e honrar nos-
sas autoridades (Rm 13.1-10) enquanto o centro e o foco não for o amor
misericordioso de Cristo. No amor e em amor somos capacitados, como
dependentes da graça, a servir, honrar e obedecer como verdadeiros e
autênticos vigilantes no meio de um povo que caminha naturalmente para
a destruição. A luz da graça continua brilhando e o perdão transforma as
vidas ao ponto de vivermos a independência como verdadeiros cidadãos
do Reino dos céus.

PROPOSTA HOMILÉTICA

Tema: Independência ou morte!

1. Para entrar no Reino dos céus precisamos ser como crianças;


- Naturalmente, queremos viver a independência, que hu-
manamente falando nada mais é do que a dependência total
e absoluta de nossa condição natural de pecadores. Somos
escravos do pecado (Sl 32.3-4).
- Ser como crianças significa assumir uma condição humilde e
de arrependimento, reconhecendo e admitindo nossa depen-
dência;

2. Nossos inimigos naturais, o diabo, o mundo e a nossa natureza


humana continuam nos seduzindo e nos distanciando do Reino
dos céus;
- Somos dependentes da natureza humana sob uma falsa
ideia de independência que vai nos distanciando do amor de
Cristo;
- Deus pune com rigor aquele que desvirtua um dos seus pe-
queninos, que os ilude com falsas promessas;

3. O amor de Deus nos encontra, perdoa e restaura, garantindo


a verdadeira independência na graça;

64
DÉCIMO TERCEIRO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

- A independência, ou a verdadeira liberdade, não é tarefa fácil


e nem simples; exige dedicação, persistência e muita confiança
na misericórdia de Deus.
- Podemos viver como cidadãos do céu nesse mundo, pois
estamos no mundo mas dele não somos.

Horst Siegfried Musskopf


CEL Concórdia de Porto Alegre/RS
hsmusskopf@gmail.com

65
DÉCIMO QUARTO DOMINGO
APÓS PENTECOSTES
14 de setembro de 2014
Mateus 18.21-35

O TEMA

Os textos sugerem e afunilam na direção e na abordagem do perdão. A


palavra “perdoar” significa soltar, libertar, deixar ir. A situação que frequen-
temente nós criamos, na relação falha com o próximo, é a de prendê-lo a
nós mesmos quando este peca ou nos ofende, causando uma ruptura na
relação de amor. Nós guardamos remorso, ódio, alimentamos a vingança e
a vontade de fazer justiça com as próprias mãos. São inúmeros os casos,
inclusive dentro do contexto familiar e da igreja, de pessoas que em todos
os domingos vão ao culto, mas não conseguem olhar para a cara do mano,
do pai ou da tia porque houve pecados, ofensas e fofocas que não são
fáceis de apagar do quadro de memórias. Esta situação cria um estado de
escravidão na coleira de quem foi ofendido. José, no texto de hoje, tinha
seus irmãos sob sua tutela e poderia ter aproveitado a situação para se
vingar. E não o fez porque tinha o conceito correto do perdão. Ele soltou
seus irmãos para uma vida livre e leve, apesar da gravidade da ofensa. Os
laços foram refeitos e a família restabelecida, mesmo com a morte do pai
Jacó. Seria oportuno perguntar ao público: quem está preso na sua coleira
por alguma razão e você não consegue soltá-lo? Esta condição toma outro
rumo e feição quando nossos olhos se voltam para o evento da cruz, onde
vemos nossa conta sendo paga por quem tinha a receber. Pesa a nosso
favor uma grande soma, impagável, que Deus em Cristo resolveu.

A PERGUNTA DE PEDRO: “QUANTAS VEZES DEVO PERDOAR?”

Se focamos aquele que fez a pergunta e seu comportamento explosivo,


sempre “rápido no gatilho”, poderíamos dizer que o que vem antes motivou
seu questionamento. “Se teu irmão pecar, vai conversar com ele a sós”.
Pedro ouviu isso. Não podemos dizer que ele tinha seus inimigos ou pes-
soas das quais guardava remorsos. Mas, se olhamos para dentro de nós
mesmos, vamos ver que faz sentido saber se há ou não um número fixo
de vezes em que um irmão precisa ser perdoado. Jesus não dá margem
a números redondos ou fechados, mas nos faz olhar para o sem-limites-
fixos no repetir da frase: Eu te perdoo. Você está livre.
DÉCIMO QUARTO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

ACERTAR CONTAS

A ideia que o texto transmite é que este ajuste é uma rotina na vida
do patrão e do empregado também. Vê-se também que o acerto é neces-
sário, mas não representa uma carga, uma pressão, um peso para ambos.
O ajuste ocorria na maior calmaria e diálogo. O empregado também não
nega a sua conta; os cálculos estavam certos. O que temos de comum
aqui é uma realidade do povo brasileiro em geral: gastar mais do que se
ganha. Então vem a rolagem da dívida e no fim o que se tem não alcança
para cobrir o rombo.

A REAÇÃO DO SERVO

Diante da impossibilidade do pagamento e quitação, o servo se lança


de joelhos e pede clemência. Aqui estamos vivendo o culto de todos os
domingos quando cantamos: tem misericórdia de mim, pobre pecador. A
única palavra eliminada é esta: “tudo pagarei”. Ela foi eliminada da liturgia
dos pecadores. Ela não é mais necessária. Aqui cabe mencionar Tetzel e
outros tantos vendedores ambulantes do evangelho que mercadejam a
palavra em benefício próprio. O verdadeiro perdão é gratuito.

A REAÇÃO DO PATRÃO

Apesar de conter apenas um ponto de comparação na parábola, po-


demos enriquecer a mensagem com alguns detalhes que não deturpam
seu significado. Aqui, diante da impossibilidade de pagamento, o patrão
se compadece e anula a dívida com o perdão. “E o deixou ir”. Soltou-o.
Notamos o grande e contundente amor de Deus, o Pai. A conta paga na
cruz foi uma cifra impagável para nós humanos. Paulo fala isso de forma
inversa, mencionando o preço pago por Deus em 1 Co 6.20. No acerto de
contas com o irmão, eu tenho que levar junto comigo o saldo da cruz: está
consumado. Está tudo pago. Os homens não resolvem seu problema com
uma calculadora e propostas de financiamento a longo prazo. Dívidas com
Deus não podem ser parceladas. O acerto de contas passa pela atitude do
patrão: chamar os seus devedores. Um a um Ele chama. Pelo nome. Paulo
expressa isto assim hoje: “Cada um de nós prestará contas de si mesmo a
Deus.” Deus, em seu grande amor, debita em nosso favor um crédito.

O CONSERVO

Se lá no acerto anterior o patrão teve uma iniciativa amorosa em todos


os sentidos, aqui o perdoado e sortudo vai com tudo para cima do seu

67
IGREJA LUTERANA

irmão que lhe deve uma soma irrisória na relação com a dívida dele. Não
houve diálogo, senão um forte e nervoso: “Paga-me o que me deves”!
Aqui revela-se a fraca natureza humana e corrompida pelo pecado. Nós
somos esquecidos e vingativos. Esquecemos do grande amor de Deus e
queremos ainda engordar nossa conta com os centavos que o outro nos
deve. E o conservo cantou o mesmo verso: tem misericórdia de mim e
tudo te pagarei. Vale a pena conferir 1 Jo 4.19-21.

O PAI CELESTIAL

O fechamento mostra que o perdão tem reflexo no céu. Perdoar ao ir-


mão é um gesto de fé, coragem e humildade, mas acima de tudo um gesto
de natureza divina. É próprio de Deus perdoar e esquecer nossos pecados
e maldades (Is 43.25). Se houve alguém que sentiu muito bem isto foi o
próprio autor da pergunta sobre o perdão. Pedro, ao negar Jesus, vê o seu
pecado e recebe o olhar do Mestre e depois cai no choro em arrependimento.
Os irmãos de José certamente dormiram muito bem depois de terem ouvido
do próprio: “Não tenham medo. Estaria eu no lugar de Deus?” (Gn 50.19).

APLICAÇÃO

Parece-me que perdoar não é mais uma palavra tão presente no nosso
linguajar diário. Isso significa que o pecado perdeu o peso e sua gravidade.
Porém, ofender alguém é pecado, sim, e causa enormes feridas no coração
do outro. Precisamos sempre de novo ouvir e ter diante dos olhos o resgate
da cruz. Há uma conta paga em definitivo. Há um saldo a nosso favor. Isso
precisa pesar na hora de eu voltar para casa e enxergar o meu irmão, inimigo,
devedor e fazer o acerto. Muitas vezes e muitos irmãos dormem mal porque
não souberam, não quiseram e não levaram em conta o amor de Deus nesta
questão. Se cremos na “comunhão dos santos”, então precisamos de fato e
de verdade soltar nosso irmão, não importa a gravidade do erro.

ESBOÇO

Tema: Solta o teu irmão!


Partes: Quando? Sempre e agora.
Por quê? Porque Cristo o fez.
Como? Lembrando o preço pago na cruz e esquecendo pecados.
Onde? Em particular.

Ilmo Riewe
Arapoti/PR
riewe@ibest.com.br

68
DÉCIMO QUINTO DOMINGO
APÓS PENTECOSTES
21 de setembro de 2014
Salmo 27.1-9; Isaías 55.6-9; Filipenses 1.12-14,19-30;
Mateus 20.1-16

O mundo está sem graça. Aliás, o mundo é sem graça. Sem a graça.
Aqui tudo gira em torno da meritocracia: fez, recebeu; fez mais, rece-
beu mais. Não há espaço para graça, misericórdia... No cálculo humano,
a palavra de ordem é “merecimento”. E quando alguém trabalha menos
e recebe mais, não é só a injustiça da situação que salta aos olhos – em
anexo vem a inveja.
É por isso que a parábola de Mateus 20.1-16 soa impactante. Com
os olhos da razão ela realmente soa injusta. Nossos cálculos não batem
com o cálculo do dono da plantação. Não é justo alguns trabalharem o dia
inteiro, de sol a sol, e no ajuste de contas ganhar exatamente o mesmo
que os trabalhadores de uma única hora. Muito menos dá para concordar
com a conclusão de Jesus de que “aqueles que são os primeiros serão os
últimos, e os últimos serão os primeiros”. Como seria um Campeonato
Brasileiro sob esta ótica?
Mas temos que entender que Jesus está falando do “Reino do Céu”,
expressão que Mateus emprega 32 vezes e que nada mais é do que o
próprio reino de Deus – uma maneira tipicamente judaica de evitar o uso
do nome divino. E o reino de Deus é exatamente a forma como esse Deus
age, em contraste com os pensamentos humanos.
Vale lembrar ainda em que situação a parábola é contada, ou o conflito
que a originou. O capítulo 19 relata o episódio entre Jesus e o jovem rico,
que pensava ter obedecido a tudo o que lei requeria, mas retirou-se da
presença de Jesus quando o assunto mexeu com o bolso. Entre camelos
passando pelo fundo de agulhas e salvação impossível aos homens e pos-
sível para Deus, Pedro sai com essa: “Veja! Nós deixamos tudo e seguimos
o senhor. O que é que nós vamos ganhar?” (19.27).
“O que é que eu ganho com isso” é a lógica tipicamente humana. A
minha lógica. A tua lógica.
Sim, há um ganho. Mas o que Jesus diz é: ele não deve ser a razão
do nosso esforço. E mais: o ganho é sempre uma dádiva. O que acontece
antes mesmo do nosso esforço é graça. Graça pura.
Por isso, diz Jesus, “o Reino do Céu é como o dono de uma plantação
de uvas que saiu de manhã bem cedo para contratar trabalhadores para a
sua plantação” (v. 1). Dá para perceber que a iniciativa do reino é sempre
IGREJA LUTERANA

divina. Encontrando os trabalhadores logo às 6 da manhã, o proprietário


da plantação combina com eles o pagamento de um denário, o salário de
praxe pela jornada diária.
Outros trabalhadores são contratados – os das 9 horas –, mas o dono
não combina com eles o valor. Diz apenas que pagará “o que for justo” (v.
4). Contrata ainda trabalhadores ao meio-dia, às três e, por fim, às cinco
da tarde. Com os últimos contratados não há combinação de preço. Mas
seria de se esperar que o preço pago fosse por hora trabalhada. Havia
uma pequena moeda chamada pondion, que valia a duodécima parte de
um denário – ou seja, quem trabalhou duas horas poderia ganhar duas
moedas destas. Em todo o caso, a turma está lá trabalhando. O enrosco
vem com o pagamento.
O pagamento, de acordo com a lei judaica, deveria ser feito no mesmo
dia, ao pôr do sol (Lv 19.13). O dono da vinha chama o administrador e
ordena o pagamento dos trabalhadores, começando pelos últimos. Assim,
aqueles que foram chamados por primeiro testemunhariam o pagamento
feito aos chamados por último. Estes, das 5 da tarde, receberam o paga-
mento de um dia inteiro de serviço. Há generosidade no dono da plantação.
Eles não ganharam o pondion – ganharam o denárion. Dá para imaginar a
cara de felicidade dessa turma – aqueles que, um pouco antes, estavam
desocupados na praça porque ninguém os contratara para trabalhar. A
graça é assim: pega a gente de surpresa e devolve a alegria, a satisfação,
a gratidão. A pergunta para estes trabalhadores poderia ser: o que você
pensa de um patrão assim?
A conclusão daqueles que mais trabalharam é mais do que lógica: “Se
eles trabalharam tão pouco e receberam um denário, nós certamente rece-
beremos mais”. Mas a lógica deles não é a mesma do dono da plantação,
e eles também recebem um denário. Aí não dá outra: a inveja fala mais
alto e começam as reclamações: “Estes homens que foram contratados
por último trabalharam somente uma hora, mas nós aguentamos o dia
todo debaixo deste sol quente. No entanto, o pagamento deles foi igual
ao nosso!” (v. 12).
Há alguns paralelos aqui. Os trabalhadores contratados ao fim da
jornada nos remetem ao malfeitor arrependido na cruz. No apagar das
luzes, a graça para ele foi a mesma que para os discípulos. Já a inveja
escancarada nesse tão nobre sentimento de justiça humana, protestada
pelos primeiros trabalhadores, soa incrivelmente parecida com a queixa
do filho mais velho, na parábola do pai amoroso e os filhos perdidos (Lc
15.11-32). Lembram da cena? O filho mais novo é recebido novamente
em casa pelo pai, que manda matar o bezerro gordo e fazer uma grande
festa. A reclamação do filho mais velho com o pai está na ponta da [nossa]
língua – Lc 15.29-30. Percebes o eco do ciúme?

70
DÉCIMO QUINTO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

O arremate do dono da plantação tem uma sequência de três per-


guntas retóricas, às quais, se a honestidade falasse alto, a resposta seria
“sim”:
- Você não concordou em trabalhar o dia todo por uma moeda
de prata? (v. 13)
- Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero com o meu
próprio dinheiro? (v. 15a)
- Ou você está com inveja somente porque fui bom para ele?
(v. 15b)
Não há comentários dos trabalhadores. A lógica da graça não perten-
ce à esfera da lógica humana e matemática: “Assim, aqueles que são os
primeiros serão os últimos, e os últimos serão os primeiros” (v. 16).

CONTEXTO LITÚRGICO

As demais leituras do 15º Domingo após Pentecostes contrapõem a


forma como homens pensam e a forma como Deus age. O introito (Salmo
27.1-9) mostra Davi, seu mundo e a razão da sua esperança e confiança.
A vida do jovem rei não foi o que costumamos chamar de “viagem tran-
quila”. Note-se a alusão aos malfeitores, opressores, inimigos (v. 2). Há
planos bem humanos na jogada, planos escusos, de armadilhas, ataque
e morte. Mas Davi expressa sua confiança na lógica divina, na proteção
que ele desfruta nAquele Senhor que é luz e salvação. Curioso que Davi
faz uma alusão ao culto como um momento de sentir a bondade de Deus
e pedir [e receber] também a sua orientação. Eis um bom exemplo para
pensar quando somos tentados a elaborar planos humanos de defesa,
colocando Deus para escanteio.

Já Isaías 55.6-9 continua o tema da graça. Quem sabe poderíamos ini-


ciar a leitura já no versículo 1: o Senhor está falando, de forma metafórica,
sobre uma figura familiar no dia a dia em Jerusalém: o vendedor de água,
que carrega um pote nas costas e oferece em alta voz o seu suprimento à
venda (“que os sedentos venham à água!”). O quadro é completado com
um convite para comprar grão (“venham, comprem e comam!”) e faz-se
menção também de vinho, leite e uma fina refeição. O apelo é feito para
vir e “comprar”, mas a intenção é outra: Deus não é mercador que oferece
a Sua mercadoria mediante pagamento; pelo contrário, Ele convida as
pessoas para um banquete de salvação, que pode ser obtido por nada –
“sem dinheiro” e “sem preço” (ARA). Note que o convite é para “os que
têm sede” e “os que não têm dinheiro”: os convidados estão sedentos e
famintos e faltam-lhes os meios para mudar essa condição. Acontece que
faz parte da natureza humana querer pagar por aquilo que recebe. Não é

71
IGREJA LUTERANA

à toa que os pensamentos de Deus são tão diferentes, e que Ele age tão
diferente dos homens (vv. 8-9). O ser humano continua ignorando que,
diante de Deus, é como um mendigo à porta do restaurante. Se não lhe
for dada a chance de entrar por misericórdia, morrerá de fome. Assim,
enquanto muitos querem pagar, o convite do Senhor é diferente. É de
graça. E não é propaganda enganosa. Mesmo o tão conhecido “Buscai o
SENHOR enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto” (v. 6)
não deveria ser visto apenas do ângulo dos verbos no imperativo, mas
da razão pela qual a ordem pode e deve ser levada a sério: Deus pode
ser achado (revelou-se) e está perto (não distante). Da mesma forma
o perverso e o iníquo podem arrepender-se porque Deus é compassivo,
“rico em perdoar” (v. 7). É sempre bom lembrar que o arrependimento
tem início no coração de Deus, na sua compaixão e graça perdoadora. Se
Deus pensasse e agisse como os homens, o que seria de nós?

Já Paulo, em Filipenses 1.12-14, consegue enxergar, da precariedade da


sua situação, que até mesmo suas algemas contribuíram para o progresso do
evangelho. O que homens consideram um grande opróbrio, Paulo considerou
do ângulo da ótica divina: sua prisão foi uma oportunidade para que toda a
guarda do palácio soubesse que ele não é um malfeitor civil, nem um preso
político – ele é, antes, um “servo de Cristo”, um servo sofredor que anda nos
passos de seu Mestre e Salvador. Assim também, sua prisão é – por mais
ilógico que isto possa parecer – um estímulo à confiança dos cristãos “no
Senhor”, para que eles anunciem corajosamente Sua Palavra. A parte final,
1.19-30, também contrasta o sentimento humano da vida, em detrimento
da morte. Para Paulo, “se eu continuar vivendo, poderei ainda fazer algum
trabalho útil” (v. 22). Embora não deixe de ser verdade, o incoerente do
ponto de vista humano é admitir, pela fé, que o “morrer é lucro” (v. 21).
Acontece que a fé não é um cálculo matemático de coisas conquistadas, mas
a apreensão daquilo que não se merece e que alguém outro conquistou – o
próprio Cristo. Assim, “deixar esta vida e estar com Cristo” e tudo que Ele
preparou é desumano e, por isso, “bem melhor” (v. 23).

SUGESTÃO HOMILÉTICA

O cálculo divino da graça x cálculos humanos


a) Introdução: conta-se que uma jovem faleceu e foi para o céu. Na
porta o anjo lhe disse: “Aqui todos recebem um meio de transporte a fim
de conhecer o Reino. Será de acordo com o seu procedimento na terra:
sua vida pessoal, seus relacionamentos com Deus, com sua família, seus
irmãos, seu testemunho, etc. Pelo que estamos observando, você tem
direito a um Fusquinha 1965”.

72
DÉCIMO QUINTO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

A jovem ficou espantada: “O quê?! Só um fusquinha?” “Sinto muito,


mas sua vida na terra não foi muito legal. Pode pegar o seu Fusquinha”.
A jovem outra vez ficou espantada. Era um “caidinho” com a porta em-
perrada, os pneus carecas e com pouco combustível. “O que vou fazer
com isto?”, disse ela.
“Bem”, respondeu o anjo, “foi o que conseguimos fazer com o material
que você mandou...” A jovem saiu muito chateada e foi embora. No dia
seguinte ela apareceu com o “caidinho” toda feliz e o anjo lhe perguntou:
“Que felicidade é esta? Ontem você ficou tão triste... O que aconteceu?”

“É que vi meu pastor andando de patinete...”

Dois sentimentos muito presentes na mente das pessoas: 1) Quando


se fala em céu, paraíso, vida eterna, a maioria das pessoas logo pensa
que isso é uma recompensa pelo serviço que desenvolveram aqui na terra.
“Você quer ir para o céu, ter uma vida melhor no além? Então se esforce,
faça o bem e seja caridoso”. Em outras palavras, “aí você será merecedor
de uma Mercedes no céu”... O céu passa a ser, então, uma recompensa
com base nos cálculos matemáticos humanos. 2) Contentamento pelo
fracasso alheio, o que está intimamente ligado à inveja. A jovem da his-
torinha não tinha conseguido muita coisa, mas seu pastor tinha menos
ainda – “ah, que alívio!” “Se eu não consegui, mas este ou aquele não
conseguiu também – então tudo bem!” “Se eu não mereci, então fulano
também não merece!”

Ponte para o desenvolvimento: breve explicação da parábola

Desenvolvimento:
a) Cálculos de Deus diferentes dos cálculos humanos (Is 55.8-9)
- E se Deus usasse nossos critérios?
- Uma rápida olhada nos Dez Mandamentos nos deixaria em pânico.
- Ficaríamos devendo.
b) Ainda bem que os cálculos de Deus são diferentes.
- Sua justiça é aquilo que chamaríamos de injusto.
- Mas sua justiça nos salva em Cristo – Ele pagou o que devíamos.
- O “cálculo de Deus” é nada mais nada menos que a sua graça.
c) Vale a pena então fazer corpo mole e adiar a aceitação do convite?
- “De que adianta se esmerar se vêm outros atrás de nós que vão
receber o mesmo tanto?” Não é assim que Deus pensa.
- Ou você acha que estar desempregado é sinônimo de felicidade?
- Fazer parte desta “equipe de operários” é, também, pura graça!

73
IGREJA LUTERANA

Conclusão: certo homem chegou aos portões do céu, onde foi rece-
bido por um anjo que lhe solicitou um pequeno histórico. O anjo pediu
que ele destacasse no seu currículo as coisas que ele achava importantes
para poder entrar no reino do céu. “Você precisará de 1000 pontos para
ser admitido” – observou o anjo.
“Isso deve ser apenas uma formalidade” – pensou consigo o homem
– “eu estive envolvido na igreja desde criança.” Então começou a listar as
suas atividades para o anjo. Ele tinha sido líder já na Escola Dominical,
passando pelos jovens, e atuara em todos os níveis. Estava na Diretoria
da Igreja e integrou praticamente todas as comissões. A lista dele era
extensa. “Bem impressionante” – disse, sorrindo, o anjo. Um outro anjo,
que observava e anotava tudo, também sorriu acenando com a cabeça
e depois sussurrou a soma de pontos nos ouvidos do primeiro anjo, que
então disse ao homem: “Bem, você está muito acima da média. Nós
raramente recebemos pessoas que conseguem somar tantos pontos por
suas obras. Você vai gostar de saber que já somou 327 pontos! Lembra
de mais algumas coisas que podemos somar?”
O pobre homem começa a suar frio e se esforça ao máximo para lembrar
mais alguma obra de bondade. À medida que ia citando mais algumas,
o anjo assistente escrevia-as rapidamente na sua lousa e acenava com
a cabeça em admiração. O anjo principal então olhou novamente para a
lousa e disse: “Isto é excepcional! Você tem um total de 402 pontos agora.
Você consegue lembrar de mais alguma outra coisa?”
O sujeito, aflito, se esforça para recordar outras boas ações. Lembra
anda que ajudou uma senhora idosa a atravessar a rua. Com isso, chega,
finalmente, a um total de 431 pontos e começa a gritar: “Eu estou perdido!
Não há nenhuma esperança para mim! O que mais eu poderia ter feito? Ó
Deus, tudo que eu posso fazer é implorar por sua misericórdia e graça!”
“ISTO” – exclama o anjo – “vale mil pontos!”

Os cálculos de Deus são diferentes. Que bom!

Júlio Jandt
Itararé/SP
jullynho@yahoo.com.br

74
DÉCIMO SEXTO DOMINGO
APÓS PENTECOSTES
28 de setembro de 2014
Salmo 25.1-10; Ezequiel 18.1-4, 25-32; Filipenses 2.1-4 (5-13) 14-18;
Mateus 21.23-27 (28-32)

A autoridade oculta de Jesus revelada aos simples!

CONTEXTO

Jesus está ensinando no templo, o que requer uma autoridade diante


dos sacerdotes e anciãos, visto que estes se consideravam portadores da
Torá ou da Lei como revelação da vontade de Deus para as pessoas. Para
ensinar no templo, todos os requisitos da lei deveriam ser observados.
A autoridade de Jesus é questionada por estes líderes, os quais se
veem sem resposta diante da pergunta de Jesus: “Donde era o batismo de
João, do céu ou dos homens?” Se dissessem “dos céus”, Jesus perguntaria
o porquê de não acreditarem nele. Se dissessem que era dos homens,
passariam a temer o povo que considerava João um profeta.
A autoridade de Jesus é questionada por aqueles que não viram o “si-
nal” de Deus encarnado no próprio Jesus. Se não acreditaram no batismo
de João, não dariam nenhum crédito às explicações de Jesus a respeito
de sua autoridade.
Esta autoridade está em perdoar pecados de “publicanos e meretri-
zes” que creram na palavra de Jesus, a exemplo da comparação dos dois
filhos, em que um fez a vontade do Pai, mesmo dizendo que não faria, e
enquanto que os judeus, que tinham a função de falar do amor de Deus
às pessoas, fecharam-se em si mesmos, endeusando a lei, a tradição
e a própria cultura em lugar da manifestação do amor de Deus em seu
próprio Filho.

DESTAQUES DO TEXTO

Autoridade de Jesus oculta aos que não lhe dão autoridade.


Um pressuposto bem definido pode mudar o rumo de um argumento.
Podemos partir do pressuposto que a ceia do Senhor é um prêmio para os
que “se comportaram” ou se “prepararam”, ou podemos partir do pressu-
posto que a ceia é para fortalecer os fracos que necessitam estar ligados a
Jesus, sem nada para oferecer-lhe. Qualquer um dos pressupostos resulta
IGREJA LUTERANA

em uma prática! Essa prática resulta em abrir ou fechar portas para os


“doentes”, pois os sãos não precisam de médico!
O pressuposto de que Jesus é enviado de Deus é aceito por aqueles
que encontraram no evangelho um relacionamento aberto com Deus Pai
unicamente pela graça revelada do Pai em seu Filho. O pressuposto de
que a lei e a tradição engessadas e idolatradas são requerimentos para
entrarem no Reino exclui entrar no reino pela graça, a exemplo de pros-
titutas e publicanos.
Se o pressuposto for a fé na graça revelada por Jesus, então abre-
se espaço para os excluídos, sem nome ou sobrenome “de peso”, sem a
tradição “histórica” ou cultural.
Se o batismo de João veio dos céus, então este foi o sinal de que a
autoridade de Jesus vem dos céus! E a autoridade se confirma na entrada
do Reino dos céus por aqueles que jamais entrariam sem os pressupostos
daqueles líderes judeus.

ESBOÇO HOMILÉTICO

1. A autoridade de Jesus confirmada pela graça de Deus


1.1 Autoridade: impor ou propor?
“Quando um pai de família ou um chefe de uma equipe necessita
dizer: ‘aqui quem manda sou eu’, é porque sua autoridade há
muito já foi perdida.
1.2 Autoridade dos líderes judeus: imposição
1.3 Imposição de leis, costumes, tradição, classes social e familiar
1.4 Imposição pela autoafirmação
1.5 Imposição pela lei-deus!

2. Autoridade de Jesus
2.1 Uma proposta de inclusão
2.2 Incluir prostitutas, publicanos, cegos, leprosos e demais do-
entes espirituais
2.3 Autoridade confirmada pelo perdão dos pecados
2.4 Perdão dos pecados: proposta de Deus
2.5 Proposta do Deus da lei e da graça

3. Autoridade para a missão


3.1 Evangelho: uma proposta de reconstrução da identidade
humana
3.2 Uma nova realidade de vida pelo convite de Jesus
3.3 Proposta de liberdade de todas as amarras da maldição da lei
3.4 Proposta de liberdade de todas as leis humanas

76
DÉCIMO SEXTO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

3.5 Proposta de um novo reino que aceita pela “justiça da fé”


3.6 Autoridade que se conquista pela proposta do Reino e não pela
proposta da ação humana.

Rafael Wilske
Toledo/PR
rafaelrelacionamentos@gmail.com

77
DÉCIMO SÉTIMO DOMINGO
APÓS PENTECOSTES
5 de outubro de 2014
Salmo 80.7-19; Isaías 5.1-7; Filipenses 3.4b-14; Mateus 21.33-46

LEITURAS BÍBLICAS DO DIA

Salmo 80.7-19: O salmista lembra que Deus trouxe o povo de Israel


(a parreira) do Egito e o instalou na terra prometida, abençoando-o com
prosperidade. Mas os inimigos a atacaram e destruíram, e a pergunta é por
quê. O próprio salmista dá a resposta no versículo 18: porque o povo se
afastou do SENHOR. O pedido é que Deus os faça prosperar novamente,
mostrando sua misericórdia e salvando-os.
Isaías 5.1-7: Neste texto o profeta descreve o que iria acontecer com
a parreira de Deus, o povo de Israel e Judá, tão amada e cuidada pelo
SENHOR. Por não viver como Ele esperava, ficaria abandonada e seria
destruída, como descrito também no Salmo 80.
Filipenses 3.4b-14: Paulo lembra sua vida de fariseu fanático, a
ponto de perseguir a Igreja. Mas, por causa de Cristo, considera todo seu
passado como lixo, sabendo que é aceito por Deus pela fé em Cristo. Na
segunda parte o apóstolo mostra seu desejo de avançar em direção ao
alvo, o prêmio da vitória dada por Deus em Cristo.
Mateus 21.33-46: Com a parábola dos lavradores maus, Jesus usa
a figura da plantação de uvas, muito conhecida pelo povo de Israel, para
mostrar como Deus agiu com seu povo e esperou a resposta ao seu amor
e cuidado, mas foi rejeitado, tendo o próprio filho morto pelos lavradores.
Por isso, Deus daria seu Reino a outros.

TEXTO E CONTEXTO

Jesus já havia entrado em Jerusalém e expulsado os que faziam co-


mércio no templo. Depois de ir a Betânia, retornou ao templo e, questio-
nado por sacerdotes e líderes judeus, contou a parábola dos dois filhos
e então a parábola de nosso texto, que tinha como principal público alvo
os sacerdotes e fariseus.
Na sequência Jesus continua conversando com os fariseus, saduceus e
outros líderes judeus, sempre “colocando o dedo na ferida” dos mesmos.
Não há, no original grego, nenhuma dificuldade maior com o texto, ou
algo que seja necessário destacar para nosso estudo.
DÉCIMO SÉTIMO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

COMENTÁRIOS HOMILÉTICOS E APLICAÇÃO

Jesus usa a figura da videira, muito conhecida pelo povo, e isto certamente
captou a atenção de todos. O Salmo 80 e o texto de Isaías 5 são exemplos
do uso da figura por Deus no Antigo Testamento. Algumas observações:
V. 33: O agricultor é Deus e a parreira é seu povo (cf. Sl 80.8 e Is
5.7). A cerca, colocada para proteção, pode ser uma figura da Lei, que
protegia Israel dos gentios, guardando as mentes dos israelitas contra a
maneira pagã de viver.
Tudo foi muito bem preparado e o ir viajar e deixar a videira nas mãos
dos lavradores mostra a confiança que Deus teve nos líderes de Israel,
deixando seu povo aos seus cuidados. Deus tirou o povo do Egito, levou-o
a Canaã e deu-lhe a terra prometida, deu-lhe a Lei, os sacerdotes e pro-
fetas e deixou seu povo aos cuidados dos líderes espirituais.
V. 34: O ponto central não é, como em Isaías 5, a produtividade da
vinha, mas sim a atitude dos lavradores com relação aos que foram en-
viados pelo dono para receber sua parte na colheita.
Os frutos esperados por Deus de sua vinha, Israel, eram o arrependimento,
a fé e a obediência por parte de seu povo por quem tudo Ele fez. Deus não
abençoou seu povo apenas com a Lei, mas com sua graça plena. Por isso o
principal fruto esperado era a fé e a confiança unicamente no Senhor.
Os servos enviados por Deus foram seus profetas, inclusive João
Batista.
Vv. 35,36: Jesus usa algo impensável na vida real para ilustrar a pa-
ciência e amor de Deus para com seu povo: nenhum dono de vinhas faria
o que fez este da parábola – enviar mais servos diante de uma reação
tão violenta contra os primeiros. A paciência de Deus com Israel é algo
sem paralelo na história humana e por isso Jesus exagera nas “cores” da
história para mostrar tal amor tão grande.
V. 37: Aqui a parábola torna-se profética, pois o filho do dono é o
próprio Jesus. Como os profetas, ele é enviado, não por ser profeta, mas
sendo realmente o próprio Filho de Deus. O amor de Deus vai ao extremo
de enviar seu próprio Filho, na esperança de que o respeitem.
Vv. 38,39: Diante do povo que o ouvia no templo, Jesus mostra cla-
ramente aos líderes judeus que sabia o que eles iriam fazer com ele. Eles
temiam que Jesus os fizesse perder sua posição e privilégios e, mesmo
sem crer que ele fosse o Filho de Deus, o matariam, para manter para si
a “herança”.
Vv. 40,41: Os próprios ouvintes deram a sentença dos lavradores maus.
O próprio dono da vinha, Deus, julgaria os assassinos e daria a vinha a
outros – isto começou no Pentecostes, quando o Reino de Deus passou a
ser dado a outros, que vão produzir os frutos do Reino.

79
IGREJA LUTERANA

V. 42: Jesus, o filho da parábola, usa agora a figura da pedra princi-


pal, do Salmo 118, para si mesmo: rejeitada pelos construtores (líderes
judeus), torna-se a pedra mais importante na nova estrutura que vai
surgir, o novo templo do Senhor, espiritual (1Pe 2.4-8), na nova aliança
de Deus com seu povo.
Vv. 43,44: Por causa da rejeição a Jesus, a pedra principal, o Reino
será dado a outros que produzirão os frutos do Reino – arrependimento,
fé e as obras da fé.
Jesus aqui usa a figura da pedra sem conexão com a construção:
quem se opor a Ele vai se machucar e pode até mesmo ser destruído – o
julgamento de Deus é descrito de modo muito severo.
Vv. 45,46: O fato de Jesus dirigir as parábolas especialmente aos
sacerdotes e fariseus só aumentou seu ódio contra ele. Mas, temendo o
povo, que considerava Jesus um profeta e era numeroso, não o puderam
prender naquele momento.
Embora o título da parábola na NTLH seja “os lavradores maus” e na RA
“a parábola dos lavradores maus”, e de fato Jesus deixe muito claro a atitude
violenta dos mesmos contra os servos e o próprio filho do dono da plantação,
podemos enfatizar a grande paciência e amor de Deus, demonstrada na
atitude do proprietário, de não só preparar tudo da melhor forma para que
sua vinha produzisse os frutos esperados, mas de confiar nos lavradores
para cuidar dela e, ante sua atitude de rejeição e ódio, continuar buscando
os frutos a ponto de enviar o próprio filho numa demonstração extrema de
paciência e amor para com os maus e ingratos lavradores.

SUGESTÃO HOMILÉTICA

Tema: Paciência tem limite?

Introdução: “Os brasileiros estão perdendo a paciência”. Esta é a con-


clusão a que muita gente tem chegado diante das manifestações pacíficas
e violentas que tem ocorrido em nosso país desde 2013, e, especialmente
no início de 2014, da ação de “justiceiros” em várias partes do Brasil.
A inércia e ineficiência do poder público em várias áreas, especialmente na
saúde e na segurança, tem provocado reações de impaciência, intolerância e
até violência entre a população e já existe o receio de, se não houver a reação
adequada das autoridades competentes, chegarmos a um caos social.
Isso tudo porque “paciência tem limite”. Mas, falando de Deus, paci-
ência tem limite?

A. A paciência de Deus no Antigo Testamento.


1. Deus preparou tudo para seu povo: a libertação do Egito, o cuidado
durante a viagem no deserto, a posse da terra de Canaã, as bênçãos na terra.

80
DÉCIMO SÉTIMO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

2. O povo mesmo assim desobedeceu, foi infiel, adorou falsos deuses


e desprezou o amor de Deus.
3. Deus, com Lei e Evangelho, continuou amando seu povo, buscando-o
de volta, renovando as bênçãos, enviando profetas e líderes para oferecer seu
amor e perdão e, sempre, prometendo a libertação através do Messias.

B. A paciência de Deus no Novo Testamento.


1. Finalmente, apesar da rebelião e rejeição do seu povo, Deus cumpriu
as promessas e enviou o Messias, seu Filho Jesus, para libertar o povo
de seus pecados.
2. Apesar da rejeição final do povo a Jesus, Deus não desistiu de seu
objetivo de salvar seu povo, e Jesus teve “paciência” para cumprir toda a
Lei, suportar sofrimento, dor e morte pelos pecadores. A paciência amo-
rosa de Deus ultrapassou todos os “limites”, culminando na ressurreição
do Salvador.

C. A paciência de Deus para conosco.


1. Hoje, nós somos os lavradores maus – pecadores rebeldes, que
mereciam o castigo de Deus. Muitas vezes “perdemos a paciência” e
murmuramos contra Deus.
2. Como no Antigo e Novo Testamentos, Deus continua tendo paciência
conosco. Continua oferecendo diariamente seu amor e perdão em Cristo,
mesmo quando não apresentamos os frutos esperados por Deus.
3. Até o juízo final, a paciência de Deus é ilimitada, mas sempre em
Cristo e por causa de Cristo. No entanto, sem ele e fora dele, a pedra da
salvação torna-se pedra de condenação e morte (vv. 43,44).

Conclusão: Paciência tem limite? A nossa tem, e muitas vezes esse


limite é muito pequeno. Graças a Deus que a sua paciência conosco não
tem limite, que o seu amor em Cristo é infinito e é tão grande que não é
imposto, mas oferecido e dado livremente no Evangelho. Só não desfruta
dessa paciência graciosa quem insiste em achar que pode ficar com a he-
rança do Reino rejeitando a Cristo, a pedra principal da salvação, o Filho
amoroso que nos dá a herança do Pai.

OBRA CONSULTADA

LENSKI, R. C. H. The Interpretation of St. Matthew’s Gospel.


Columbus: Wartburg Press, 1943. BIBLEWORKS 7.

Leandro D. Hübner,
Seminário Concórdia, Buenos Aires/Argentina
ledahu@gmail.com

81
DÉCIMO OITAVO DOMINGO
APÓS PENTECOSTES
12 de outubro de 2014
Salmo 23; Isaías 25.6-9; Filipenses 4.4-13; Mateus 22.1-14

RELAÇÃO ENTRE OS TEXTOS

Podemos observar uma relação entre os textos deste domingo. O


Salmo 23 fala do pastor que supre todas as necessidades espirituais
e terrenas desta vida, oferece a promessa segura da salvação eterna.
Isaías 25.6-9 tem a promessa de Deus de um banquete da salvação
para todos os povos, e as pessoas que dele participarem adorarão a
Deus. Em Filipenses 4.4-13 Paulo mostra que o banquete da salvação
conseguido pelo Senhor Jesus Cristo é o verdadeiro motivo da alegria de
seus seguidores, e que a partir desta bênção principal outras bênçãos
advêm ainda nesta vida. A parábola contada por Jesus em Mateus 22.1-
14 ressalta que o banquete da salvação é oferecido a todas as pessoas,
porém só podem participar dele as pessoas com as vestes da santidade
oferecida por Jesus Cristo.

ANÁLISE DE CADA TEXTO

Salmo 23
Salmo escrito por Davi e seu tema ligado ao pastor foi tirado de sua
experiência como pastor de ovelhas quando adolescente e jovem, mas
sua mensagem transcende em muito a qualquer coisa que Davi ou outra
pessoa pudesse fazer, falando com grande poder e bênção a todas as pes-
soas de qualquer época ou lugar. O pastor do Salmo não é outro senão o
Senhor Jesus Cristo. Ele mesmo falou de si como o pastor (Jo 10.14; Mt
25.32; 26.31). Chamou a si mesmo de o bom pastor, que dá a vida por
suas ovelhas (Jo 10.11).
V. 1: Todas as necessidades são supridas pelo pastor Jesus.
V. 2: O pastor oferece repouso e paz aos que nele confiam.
V. 3: O pastor renova a pessoa espiritualmente e lhe oferece direção.
V. 4: A companhia do pastor na vida da pessoa oferece coragem nas
tribulações e consolo.
V. 5: O pastor oferece proteção diante dos inimigos humanos e espi-
rituais (Sl 34.7; 2 Tm 4.18) bem como provisão além do necessário para
a glória de Deus e para a derrota dos inimigos.
DÉCIMO OITAVO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

V. 6: O pastor oferece ao crente o seu amor acompanhado de todo o


necessário para a vida terrena, mas dá a promessa segura da vida eterna
por vir (1 Pe 3-4; Ap 21.2-4).

Isaías 25.6-9
V. 6: Esse texto tem a promessa de Deus de um banquete para todos
os povos, ou seja, em Jesus Cristo a salvação seria oferecida a todos os
povos. “As melhores comidas e os melhores vinhos”: o texto hebraico fala
sobre comidas gordurosas e tutanos, bem como sobre vinhos velhos bem
filtrados. No tempo de Isaías essas eram consideradas as melhores comidas
e os melhores vinhos. No banquete da salvação Deus oferecerá as suas
melhores bênçãos como perdão, paz, sua companhia, vida eterna, etc.
V. 8: Fala da vida na eternidade conforme Ap 21.2-4, onde a morte
física, um inimigo do cristão, embora vencido por Cristo, será extinta para
sempre (1 Co 15.54-57).
V. 9: E no céu pessoas salvas de todos os povos darão honra e louvor
ao Filho/Pastor/Cordeiro Jesus Cristo (Ap 5.9-10).

Filipenses 4.4-13
Vv. 4-7: O banquete da salvação conseguido pelo Senhor Jesus Cristo
é o verdadeiro motivo da alegria de seus seguidores. A prática do amor
cristão para com todos faz mais sentido lembrando da salvação eterna
que se tem e de que a volta do Senhor será em breve. Por isso, o cristão
não precisa deixar a ansiedade tomar conta de sua vida, mas pode falar
com o Senhor em orações buscando a ajuda necessária. A união que Jesus
Cristo cria conosco traz a paz do Pai pela certeza de que temos perdão,
salvação e todo amparo necessário.
Vv. 8-13: Toda esta demonstração da misericórdia de Deus para
conosco nos dá condições para ocuparmos nossas mentes apenas com
pensamentos bons. Paulo agradece aos filipenses por terem enviado uma
doação para ajudá-lo em suas necessidades terrenas e confessa que tem
aprendido a conviver com qualquer situação e estar contente mesmo em
meio à precariedade. Porém, confessa que poderia enfrentar qualquer
situação com o misericordioso Deus que lhe dava forças.

Mateus 22.1-14
Em Lucas 14.1, é dito que num sábado Jesus estava “na casa de um
dos principais fariseus para comer pão” quando proferiu esta parábola.
Quando um israelita ia oferecer um banquete, era costume dias antes
enviar empregados para convidar as pessoas e no dia da festa enviá-los
novamente para dizer que poderiam chegar, pois a festa estava prepara-
da. Jesus aproveita este costume para fazer uma parábola, procurando
transmitir ensinamento sobre a salvação.

83
IGREJA LUTERANA

Vv. 2,3: “Um rei” é Deus; “as bodas” são a salvação eterna; “seu
filho” é Jesus; “os seus servos” eram os profetas no Antigo Testamento
que chamaram “os convidados” israelitas para receberam a salvação
oferecida pelo Messias prometido.
V. 4: Quando Jesus veio para as “bodas” da salvação eterna, Deus
“enviou ainda outros servos” como João Batista (“eis o Cordeiro de Deus,
que tira os pecados do mundo”) e os próprios discípulos de Jesus para
dizerem que tudo estava preparado.
Tudo o que era preciso ser feito para a salvação das pessoas, Deus
preparou. Deus Pai enviou o Messias salvador; este sofreu, morreu e
ressuscitou conquistando o perdão dos pecados, libertação do diabo e da
condenação eterna para todos; e providenciou os meios da graça (Palavra
e Batismo) para o Espírito operar a fé que se agarra à graça de Deus.
Vv. 5,6: Todos os convidados tiveram uma coisa em comum: a re-
cusa ao convite. No capítulo seguinte de Mateus (23.37), Jesus lamenta
pelos moradores/convidados de Jerusalém “que mata(ram) os profetas
e apedreja(ram) os que te forem enviados!”
V. 7: Aqui se entende como o castigo de Deus aplicado aos israelitas
que rejeitaram o convite da salvação sendo a destruição da cidade de
Jerusalém ocorrida no ano 70 pelos romanos. A destruição desta cidade
marcou historicamente o fim de Israel como povo de Deus.
Vv. 9,10: O objetivo salvador de Deus seria realizado entre os povos
gentios. Era costume entre os judeus, quando algum ricaço oferecia uma
festa, que se saísse a convidar todos os viajantes destituídos. Embora
Jesus “veio para o que era seu, e os seus (povo de Israel) não o recebe-
ram” (Jo 1.11), ele tem sido aceito por pessoas de muitos outros povos
“e a sala do banquete ficou repleta de convidados”.
Estes versículos mostram o caráter universal da proclamação do
evangelho que deverá espalhar-se pelo mundo inteiro e que influenciará
todos os tipos de povos, de sociedades e de classes sociais. O evangelho
deve ser pregado a todos, pois a salvação é universal – para todos!
Vv. 11-14: As pessoas ricas do oriente, ao oferecerem uma festa,
colocavam à disposição dos convidados vestes apropriadas, aliviando
assim os convidados de despesas indevidas da sua parte bem como
demonstrava a imensa bondade do anfitrião. Deus oferece o banquete
da salvação e, para participar do mesmo, igualmente oferece a vesti-
menta da santidade conseguida pelo Filho Jesus Cristo (Ap 3.4,5; 7.9).
Porém, um homem insistiu em querer participar da festa com roupas
inapropriadas, ou seja, com suas obras, e o rei mandou castigá-lo. So-
mente é possível participar do banquete da salvação com a vestimenta
da santidade de Jesus Cristo. Por isso, Jesus termina a parábola dizendo
que “muitos são chamados” para participarem da salvação eterna, “mas

84
DÉCIMO OITAVO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

poucos (são) escolhidos”, porque a maioria das pessoas quer se salvar


por méritos próprios.

SUGESTÃO HOMILÉTICA

Tema: O banquete da salvação.


Completamente preparado por Deus e oferecido de graça.
A vestimenta para dele participar é a santidade de Jesus recebida
pela fé nEle.
O convite é para todas as pessoas de todos os povos.
Os cristãos que já participam em parte deste banquete aqui, devem
levar o convite de Deus a quem tiverem oportunidade.
Receber a graça de participar do banquete da salvação é a motivação
de uma vida alegre.

Leonerio Faller
São Leopoldo/RS
leoneriofaller@yahoo.com.br

85
DÉCIMO NONO DOMINGO
APÓS PENTECOSTES
19 de outubro de 2014
Salmos 96.1-9 (10-13); Isaías 45.1-7; 1 Tessalonicenses 1.1-10;
Mateus 22.15-22

MATEUS 22.15-22

Dois grupos diferentes unidos com um mesmo propósito. Discípulos


dos fariseus e herodianos vão até Jesus com a ‘questão do tributo’ (ken-
son), como resume Almeida. Os primeiros, quando falavam em verdade e
obediência à lei, pensavam no Pentateuco. E, obviamente, no seu próprio
ensino, farisaico, como superior. Os herodianos pensavam na cooperação
entre Herodes e o Império Romano.
Uma das tentações com o texto é tentar determinar qual é o pedaço
de César e qual o pedaço de Deus no bolo de nossa vida. E são coisas
absolutamente diferentes. A César é lei, obrigação. A Deus, é resposta
voluntária à sua graça e ao seu amor.
Olhando para o texto e seu contexto, vemos que os fariseus estavam
pouco ou quase nada interessados na questão do pagamento de taxas,
impostos, ao governador. Apesar de seu orgulho ferido odiar a subservi-
ência a Roma, o foco aqui é outro. Jesus é alguém que está no caminho
da religião deles, do seu jeito de ensinar e viver o que é ser piedoso e
justo. Jesus já contara diversas parábolas bem ácidas, revelando o jeito
dissimulado daquele grupo. Estava chegando num ponto em que já pla-
nejavam como se livrar do Mestre.
Então, o plano aqui parece ser o seguinte: jogar a moeda para o alto
num jogo em que dizem: “Cara, eu ganho. Coroa, você perde”. A questão
formulada parece ser perde/perde para Jesus. Negar o pagamento de taxas
ao governo implicaria uma acusação de revolução contra o império. Por
outro lado, concordar simplesmente com elas poderia representar ficar
mal na foto diante dos orgulhosos judeus, que jamais deveriam se dobrar
ao imperador. Ainda mais quando aquela moeda lembrava a idolatria ao
imperador.
Mas Jesus conhecia a hipocrisia, a maldade (ponerian) deles. A malícia.
A intenção. Popularmente, se diria que enquanto os fariseus vinham com a
farinha, Jesus já tinha o pão asmo pronto. E não seria ali que daria ocasião
aos falsos líderes religiosos de o enredarem em seus sofismas.
E, assim, os deixa admirados com sua sabedoria ao dizer: “Dai, pois,
a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Os primeiros cris-
DÉCIMO NONO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

tãos, e todos os demais, ao longo dos séculos, aprenderam e viveram a


realidade de que as duas situações não são mutuamente excludentes.
É possível cumprir a obrigação civil de dar a moeda a César. E, mais do
que isso, é possível e é um privilégio servir a Deus e ofertar a ele tudo o
que somos e temos, inclusive nossos bens, para o serviço da Igreja. Os
cristãos distinguem com clareza quem deve receber a taxação e quem
deve receber a adoração.

IGREJA E ESTADO

Alguns cristãos têm utilizado este texto para falar sobre separação
entre Igreja e Estado. Na moeda de um denário, que era o salário de um
dia, havia a efígie do imperador. Muitos estudiosos acreditam que estas
moedas não podiam ser utilizadas no templo, por conter uma imagem.
Assim, na entrada, havia mesas de troca. No entanto, durante a semana,
a moeda era utilizada normalmente. Parece indicar que, de alguma forma,
por mais que se faça alguma separação, nossa vida é uma e única. E é
por isto que precisamos do amor de Deus em Sua palavra, como fonte de
fortalecimento e orientação para uma vida sábia nos dois reinos
O ensino dos dois reinos em Lutero não deixa dúvidas a respeito da
distinção que precisa ser feita entre o Reino de Deus e o Reino civil. No
entanto, isto não pode servir de pretexto para que a Igreja se ausente do
espaço civil como presença influente e ativa na vida da pólis. Pois como
embaixada de Cristo na terra, a Igreja não apenas anuncia o amor de
Deus por todas as pessoas, mas também o vivencia na prática, ali onde
está inserida. Ela se coloca ao lado das pessoas como referência de amor,
cuidado e também orientação frente às dificuldades, decisões e compro-
missos do cotidiano.

ALGUMAS REFLEXÕES

- O cristão tem o compromisso de respeitar as autoridades e pagar os


impostos devidos. No entanto, como instituições humanas, estas autori-
dades nunca são nem serão perfeitas, necessitando sempre de ajustes.
Já houve diversos tipos de governo sob os quais os cristãos estiveram e
estes, continuamente, são mudados, aperfeiçoados ou abandonados. Por
isso, enquanto respeita o governo vigente, o cristão não tem a obrigação
de obediência cega, uma vez que o sistema pode representar acinte, des-
respeito, agressão aos cidadãos. Por isso, quando existe a possibilidade
de cobrança, mudança e até mesmo punição aos governantes incorretos,
esta ação está também ao alcance do cristão, que é habitante da pólis e,
por isso, um cidadão político e ativo. Querer o bem do próximo começa

87
IGREJA LUTERANA

pelo anunciar-lhe o evangelho salvador. Mas continua no auxiliá-lo quando


seus concidadãos sofrem sob um governo corrupto, ineficaz ou violento.
- Distinguir as coisas de Deus das de César. Uma tarefa que, de certa
forma, é fácil, quando se fala em relação vertical (salvação) e relação
horizontal (vida civil), mas torna-se bem mais complicada quando lem-
brarmos que o mesmo cristão que entra no templo aos domingos para
se relacionar com Deus pela Palavra e Sacramentos, é aquele que vive
de segunda a sábado sua fé no mundo civil. A Palavra permeia a vida, os
dois reinos e, por isso, a vida com Deus está entrelaçada com as decisões
diárias no mundo de César.
- O texto deixa clara a distinção das coisas de Deus das de César.
Mas como acontece a convergência das duas coisas? De que maneira a fé
recebida e alimentada em Palavra e sacramentos atua na vida diária, nas
decisões éticas e políticas como cidadão?
- O evangelho do dia pode ser anunciado com a expressão tou Teou,
de Deus. Só temos condições de dar a Deus o que é de Deus porque já
somos dEle. Somos de Deus. Cristo é o único digno de louvor, honra e
adoração. Ele é o Rei dos reis, que nos tirou do pesado imposto do peca-
do, cuja penalidade é a morte, para nos colocar no Reino onde servimos
ao Rei com alegria. Onde não pagamos taxas, mas respondemos ao seu
amor, por meio da fé, com gratidão e alegria. Fomos chamados a Jesus
para pertencermos a Ele e vivermos submissos ao seu amor e cuidado
em Seu reino.
- Quanto mais estivermos fortalecidos nessa certeza de que somos
de Deus, por meio da fé em Jesus, tanto mais segurança teremos para
vivermos essa fé na vida prática. Pagando impostos, servindo ao próximo,
agindo na sociedade, indo ao encontro das necessidades de nosso bairro
e cidade. Sendo cidadãos de Deus vivendo a fé no mundo de César, sem
jamais confundir as coisas, mas convergindo para a cruz de Cristo, que é
para onde queremos conduzir nossos concidadãos.

SUGESTÃO DE TEMA

A vida nos dois reinos.

Lucas André Albrecht


Canoas/RS
lucasalbrecht@gmail.com

88
VIGÉSIMO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
26 de outubro de 2014
Salmo 1; Levítico 19.1-2, 15-18; 1 Tessalonicenses 2.1-13;
Mateus 22.34-46

Toda a Escritura Sagrada, cada um dos livros da Bíblia contém Lei e


Evangelho. Ambas doutrinas precisam estar juntas. Quando uma falta, a
outra também faltará. Se uma desaparecer, a outra também desaparecerá.
Se uma não for ensinada com clareza, a outra também não terá clareza.
Sem a Lei, o Evangelho não alcança seu propósito, como também, sem
o Evangelho, a Lei não alcança seu propósito. Por isso, o verdadeiro pre-
gador cristão precisa distinguir entre Lei e Evangelho e fazer predominar
o Evangelho em sua pregação.
O texto de Mateus 22.34-46 poderá ser exposto na pregação com o
seguinte tema: Tolo é quem procura salvação na Lei e não no Evan-
gelho, porque: 1) quem procura salvação na Lei a procura em vão; 2)
pois a nossa salvação encontramos somente no Evangelho de Cristo.
O contexto nos mostra que os saduceus – que não criam na ressurreição
dos mortos – perguntaram a Jesus sobre uma mulher que se casou com
sete irmãos, pois julgavam que poderiam colocar Jesus em dificuldade. Mas
foram envergonhados por Cristo diante do povo. Os fariseus se alegraram
com o acontecido e, querendo mostrar como eram mais sábios, planejaram
uma cilada para pegar Jesus. Eles reuniram-se em conselho e chegaram
a um acordo em perguntar a Jesus sobre qual seria o maior mandamento
da Lei. Eles discutiam há anos sem chegarem a uma conclusão. Seria o
sábado? A circuncisão? Ou os sacrifícios? Era uma pergunta insolúvel. Pois
qualquer que fosse a resposta, poderiam questioná-la.
Escolheram um escriba para apresentá-la a Jesus: “Mestre, qual é o
grande mandamento na Lei?” (v. 36). Ou seja, estavam querendo dizer:
“Jesus, tu permites que te chamem de Mestre, então mostra-nos teu saber
a respeito da pergunta que te fizemos, que até hoje ninguém conseguiu
responder”. Todos estavam curiosos pela resposta de Jesus.
Sem balançar, Jesus respondeu: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo
o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o
grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás
o teu próximo como a ti mesmo” (vv. 37-39). Os fariseus surpresos e o
povo admirado ouviram a resposta e ninguém ousou questionar. O escri-
ba estava batido, sem reação. O amor a Deus e ao próximo é o resumo
de toda a Lei. A lei do amor é o maior e o mais importante de todos os
mandamentos, é o cumprimento da Lei.
IGREJA LUTERANA

Mas a resposta de Jesus não visava somente dar uma resposta aos
fariseus, porém mostrar a eles e ao povo que era loucura buscarem a
salvação na Lei. Se o cumprimento da Lei – como os fariseus pensavam e
muitos ainda hoje pensam – consistisse em cumprir este ou aquele man-
damento, praticar esta ou aquela virtude, fazer esta ou aquela boa obra,
evitar este ou aquele pecado, renunciar a este ou àquele prazer, então,
na verdade, seria possível alguém se salvar ao obedecer a Lei.
No entanto, não é assim que funciona. Amar a Deus com todo o coração,
alma e entendimento, e o próximo como a si mesmo é o resumo da Lei.
Onde faltar este amor, a pessoa pode fazer ou deixar de fazer o que quiser,
e mesmo assim não cumpre a Lei. Pelo contrário, em tudo o que ela faz,
mesmo as maiores virtudes e boas obras, estará transgredindo a Lei.
Sem falar sobre o amar a Deus de todo coração, toda alma e todo
entendimento. O coração significa a vontade, a alma significa os desejos,
e o entendimento significa o raciocínio. Somente quem ama a Deus de
todo o coração, que em tudo faz a vontade de Deus; de toda a alma, com
todos os desejos voltados para Deus; e de todo o entendimento, em que
todos os pensamentos estão de acordo com Deus, estará cumprindo a Lei.
Amar a Deus é toda e qualquer vontade, desejos e pensamentos estarem
de acordo com Deus, diz Jesus. Se não estiverem, a pessoa é hipócrita.
O que dizer, então, sobre o amar ao próximo como a si mesmo? Por
natureza, cada pessoa ama a si mesmo, basta examinar-se. A pessoa
não busca o seu prejuízo, mas sempre a sua vantagem. Somente aquele
que ama cada pessoa de maneira sincera, intensa e constante – como a
si mesmo – seja amigo ou inimigo, sofrer e até dar a vida pelo próximo
estará guardando a Lei.
Mas onde encontramos pessoas assim, que amam a Deus e ao seu pró-
ximo dessa forma? Vivemos em dias que paz e amor são muito lembrados
diante do preconceito e da discriminação. Mas, se compararmos este amor
com o amor que a Lei de Deus requer, veremos que aquilo que chamam
de “amor” é, acima de tudo, amor próprio, segundo seus interesses.
Afirmar que o verdadeiro amor a Deus e ao próximo é atingido pelos
cristãos é hipocrisia e engano! Por isso é loucura e tolice alguém tentar
salvar-se pela Lei. Graças a Deus que a salvação – que o ser humano
procura em vão na Lei – lhe é oferecida por Deus no Evangelho. Jesus
perguntou aos fariseus: “Que pensais vós do Cristo? De quem é filho?
Responderam-lhe eles: de Davi” (v. 42). Com esta pergunta, Jesus queria
mostrar aos fariseus que eles estão procurando a salvação em vão na Lei,
pois somente no Evangelho de Cristo há salvação.
Os fariseus tinham uma compreensão errada de Cristo. Eles pensa-
vam que o Messias seria uma pessoa que levantaria um reino terreno e
conduziria os judeus a um domínio mundial. Por isso Jesus perguntou

90
VIGÉSIMO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

sobre quem é o Cristo, porque os fariseus deveriam concluir que o Reino


de Cristo não seria um reino deste mundo, mas o Reino divino, celestial e
eterno, e que nele encontramos a salvação e a vida eterna.
Se o amor a Deus e ao próximo é o resumo da Lei, assim o amor de
Cristo por nós é o conteúdo central do Evangelho. Por isso, quando a
pergunta – cumpriste a Lei? – nos envergonhar e entristecer, importa que
nós nos voltemos para a outra pergunta – o que você pensa sobre Cristo?
Feliz quem responder com alegria e firmeza: “Cristo é meu Senhor. Pois
me remiu a mim, homem perdido e condenado, me resgatou e salvou de
todos os pecados, da morte e do poder do diabo; não com ouro ou prata,
mas com seu santo e precioso sangue e a sua inocente paixão e morte,
para que eu lhe pertença e viva submisso a ele, em seu reino, e o sirva
em eterna justiça, inocência e bem-aventurança, assim como ele ressus-
citou dos mortos, vive e reina eternamente. Isto é certamente verdade”
(Explicação de Lutero do 2º Artigo do Credo).
Feliz quem pode confessar Cristo assim e chamá-lo de Senhor, mes-
mo não tendo e nem conseguindo cumprir a Lei. Assim como um pobre
homem endividado não precisa ter medo e andar preocupado se ele tiver
um amigo rico, generoso, gracioso, amável que pode pagar sua dívida e
protegê-lo. Assim também nenhuma pessoa que confia na graça de Jesus
precisa temer, pois em Cristo encontramos o perdão de nossos pecados
e a paz com Deus.
Precisamos reconhecer que a Lei nos condena indistintamente, pois
não amamos a Deus e ao próximo com todo nosso coração, alma e en-
tendimento. Por isso, vamos arrependidos e humildes buscar a graça de
Cristo onde encontramos perdão, vida e salvação. Com este amor Jesus
chamou os endurecidos e cegos fariseus a si, e também ainda hoje chama
todas as pessoas para si. Ali, junto a Jesus, encontramos o que sozinhos
não alcançamos: perdão, justiça, paz e alegria no Espírito Santo. Ali re-
cebemos o que a Lei não pode dar.
Quem busca a salvação na graça do Evangelho, recebe um coração
novo que começa a amar a Deus e ao próximo. Pois a quem muito se
perdoa, muito ama (Lc 7.47).

Marcos Jair Fester


Candelária/RS
marcosfester@yahoo.com.br

91
DIA DA REFORMA
31 de outubro de 2014
Salmo 46; Apocalipse 14.6-7; Romanos 3.19-28; João 8.31-36

SALMO 46 – O CONFORTO E A SEGURANÇA DA IGREJA

Este salmo é uma canção de fé e confiança, que dá força à igreja de


Deus a ficar firme e segura em meio a toda inimizade, apesar de todos os
ataques dos exércitos satânicos. O salmista descreve o poder e a majestade
de Deus. Nenhum poder deste mundo pode ser comparado à grandeza
de nosso Deus. As tempestades deste mundo são contrapostas a um rio
que alegra a cidade de Deus. Esta água, que corre neste rio, se divide em
vários riachos onde corre a plenitude da misericórdia de Deus atingindo a
todos, dividindo-se em tantos canais quantos necessários, que alegram as
muitas congregações da igreja, onde quer que elas se encontrem, man-
tendo a comunhão com o Deus Triúno revelado na Sua Palavra. A presença
e anúncio da Palavra, que é Cristo, mantém a igreja firme!

APOCALIPSE 14.6-7

A segunda leitura, de Apocalipse cap. 14, versos 6 e 7, reproduz a visão


que João teve de uma boa notícia de valor eterno a todas as nações da
terra: “Então vi outro anjo voando muito alto, com uma mensagem eterna
do evangelho para anunciar aos povos da terra, a todas as raças, tribos,
línguas e nações. Ele disse com voz forte: – Temam a Deus e louvem a
sua glória, pois já chegou a hora de Deus julgar a humanidade. Adorem
aquele que fez o céu, a terra, o mar e as fontes das águas!”
Esta visão, a maioria dos comentaristas luteranos, como também o
comentarista que estamos utilizando, afirmam, com convicção, a aplica-
ção deste texto ao Dr. Martinho Lutero. Pois ele, como o anjo do Senhor,
semelhantemente à mensagem eterna dos anjos citados, trouxe de volta,
ou restaurou o evangelho eterno da justificação do pecador, através dos
méritos de Jesus Cristo, pela fé.
Lutero viveu no momento em que a igreja da época não estava pregan-
do este eterno evangelho e muitas consciências estavam atormentadas,
sendo libertadas pelo poder de Deus através do anúncio do evangelho.
Lutero voltou sua pregação para a centralidade de Deus, revelado em
Cristo Jesus. Cristo era o conteúdo da proclamação de Lutero.
Na visão há uma palavra dura da lei. O julgamento está pronto para ser
executado. Havia chegado a hora de separar os cristãos verdadeiros dos
DIA DA REFORMA

descrentes. O que distingue ambos é a verdadeira adoração: os que adoram


o Deus que tudo criou e aqueles que se mantêm afastados dele.
A ênfase da Reforma está presente no texto: Toda a glória seja dada
a Ele!
A pregação de Lutero era o evangelho que converte o pecador, sem
nenhum mérito ou dignidade por parte deste, mas todo o poder da con-
versão estava somente na obra de Cristo. Com veemência ele testemunha,
numa época em que a salvação se baseava nos méritos das pessoas, que
o ser humano é justificado perante Deus pela fé em Jesus Cristo. E este
evangelho puro, anunciado por Lutero, se espalhou, como se fora por anjos
celestiais, a começar pela pequena cidade de Wittenberg, para todas as
línguas e povos; e a igreja da Reforma ainda continua seu curso vitorioso
por todo o mundo.

ROMANOS 3.19-28

Este é o famoso texto da Reforma que enfatiza o fato da inclusão, ou


seja, ninguém é excluído do amor de Deus.
A nossa realidade (vv. 19,20). A lei inclui a todos, tanto gentios quanto
judeus: todos são culpados igualmente diante da lei de Deus. Ninguém
pode dizer que é inocente e sem culpa. Todos, sem exceção de raça ou
nacionalidade, diante da lei são culpados. A depravação dos gentios é algo
notório e, no caso dos judeus, havia, muitas vezes, uma máscara de boas
ações encobrindo o pecado do coração. Todos são culpados e merecem a
condenação. Pela lei vem o conhecimento do pecado, e este é o propósito
da lei: mostrar como nós somos, por nós mesmos. E quando olhamos
para nós mesmos, no espelho da lei, vemos a dura realidade: estamos
perdidos e condenados. Esta é a nossa triste realidade e que só a lei de
Deus nos pode mostrar. A lei de Deus não tem a intenção de justificar;
este não é o seu objetivo e nem a sua finalidade. Portanto, também nós
jamais deveríamos utilizá-la para aquilo que não é a sua finalidade.
A justiça de Deus revelada (v. 21). Mas agora... No entanto, apesar
de todos estarem com o veredicto da condenação, pela lei, há ainda uma
esperança, há uma maneira de ser absolvido, de ser salvo da condenação,
possibilidade que existe para todos sem exceção! Sem a lei, a justiça de
Deus é mostrada, é manifesta. E esta justiça que é revelada não tem
nada a ver com a lei. Esta justiça tem a sua fonte em Deus e da qual ele
próprio é o autor! Esta justiça vem somente dele, só ele a pode dar, que
é perfeita e que, por isso, é a única que é aceita diante dele.
Esta justiça é um ato forense, algo que vem de fora de nós, que nos
é atribuído. Não pode ser requisitado ou exigido por uma mudança ou
uma atitude moral, mas é um ato declaratório da soberania de Deus.

93
IGREJA LUTERANA

Ele nos dá algo que não podemos conquistar por nossos esforços. Por
isso, também não há nenhum merecimento nosso envolvido neste ato de
justificação. Quando Deus declara um pecador justificado, ele, de fato, é
justificado! Mesmo que todos o condenem, mesmo se a própria consci-
ência o acusar, isto não muda o ato de Deus. Esta justiça de Deus, que é
revelada e conhecida pelos pecadores através do anúncio do evangelho,
existe desde antes da criação do mundo, do qual a lei e os profetas são
testemunhas, pois a mensagem deste evangelho da vinda deste Cristo
está contida em ambos.
Esta mensagem do evangelho cria a fé no coração das pessoas, esta
fé não possui mérito pessoal, é obra de Deus, ela aceita, recebe a justiça
de Deus. Crendo no evangelho, o cristão aceita e se apropria de Jesus,
seu Salvador, e com isso também da justiça conquistada por Cristo.
Somente Deus é a fonte da misericórdia, pois a justificação é uma
dádiva divina devido à graça de Deus. O pecado condena o ser humano
total e completamente; ele não encontra em si mesmo força ou capaci-
dade de libertação. Há somente um resgate possível para a libertação do
pecador: o sangue de Jesus (v.25), que serve como propiciação, ou seja,
que é aceito por Deus.
V. 27: Há a possibilidade de algum orgulho por parte das pessoas na
sua salvação? O orgulho que todos nós temos, por natureza, em nossos
corações, aqui cai por terra, pois aqui não há obra ou poder nosso en-
volvido: tudo é dádiva e dom de Deus. Esta dádiva ele a oferece, sem
exceção, a todos os pecadores: grandes, pequenos, sábios, ignorantes,
ricos, pobres, intelectuais, deficientes intelectuais... Esta justificação é
oferecida a todos: pela Palavra e os santos sacramentos!
V. 28: Por isso, a conclusão do apóstolo: “Concluímos, pois, que o ho-
mem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei”. O pecador
é salvo porque Deus o declara inocente, por causa da obra de Cristo, que
o pecador recebe pela fé. Obras feitas pela pessoa, merecimento por boa
conduta – tudo isso fica excluído na salvação. A salvação é obra de Deus
para que ninguém possa ser excluído.

EVANGELHO DE JOÃO 8.31-36

O Evangelho de João continua no mesmo tema, ou seja, a libertação


promovida por Deus através do anúncio do evangelho. E Jesus mostra aqui
a grande diferença que há entre o ser escravo e ser livre. Havia muitos ju-
deus que tinham uma compreensão errônea a respeito da vida cristã...
Vv. 31,32: Escravidão e liberdade: “Disse, pois, Jesus aos judeus que
haviam crido nele: Se vós permanecerdes na minha palavra, sois verda-
deiramente meus discípulos; e conhecereis a verdade e a verdade vos

94
DIA DA REFORMA

libertará”. Havia entre os judeus que acompanhavam Jesus uma compre-


ensão errada a respeito da prática da fé. Muitos ainda estavam atrelados
a uma visão que os mantinha subjugados às suas concepções carnais de
vida cristã: eles estavam externamente ligados a Jesus, tinham-no como
seu chefe! Assim ainda hoje há muitas pessoas que têm a mesma visão:
Jesus é o líder da nossa igreja, e assim estão somente externamente
unidos a Cristo, pertencem à igreja e dizem reconhecer em Jesus o seu
Salvador, mas encontram-se submetidos às coisas temporais deste mun-
do. A libertação desta submissão ocorre pelo uso continuado da Palavra,
que serve para nosso ensino e fortalecimento na fé. Pois é somente nesta
Palavra que encontramos a revelação de Jesus, que é a verdade e a vida.
Esta revelação, este conhecimento traz libertação. Sem Cristo, as pessoas
são escravas do pecado (Rm 6.17-20). Cristo, por sua obra, nos livra da
culpa do pecado e nos dá a verdadeira liberdade. Somente as pessoas
libertadas por Cristo se tornam capazes agora de produzir boas obras.
Sobre esta liberdade que Lutero falou tão explicitamente em suas obras.
Só que os judeus não entenderam assim. Acharam que Jesus estava
falando de uma submissão terrena (a um rei ou governo). Eles ficaram
magoados (v. 33) e responderam-lhe: Somos descendência de Abraão e
jamais fomos escravos de alguém; como dizes tu: Sereis livres? Estavam
totalmente esquecidos do governo que os dominava, o governo romano.
Também estavam esquecidos que seus antepassados eram submetidos
a outras nações: os egípcios, os babilônios, os assírios... Porque Abraão
havia recebido a promessa de que ele teria um descendente que deveria
reinar sobre todas as nações da terra, eles todos, os seus descendentes,
se sentiam como filhos de um rei, por isso se chatearam que alguém lhes
dissesse que precisavam ser libertados.
A atitude dos judeus demonstra o que havia em seu coração. O orgulho
os impedia de aceitar uma oferta como a de Jesus. Este mesmo orgulho,
que ainda hoje reside em tantos corações humanos, também os impede
de ouvir e aceitar a oferta de Jesus.
O que é liberdade? Vv. 34-36: “Replicou-lhes Jesus: Em verdade, em
verdade vos digo: Todo o que comete pecado é escravo do pecado. O
escravo não fica sempre em casa; o filho, sim, para sempre. Se, pois, o
Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres”.
Jesus explica o que é ser escravo e o que é ser livre. Ele diz que todo
aquele que comete pecado se coloca sob o poder e é escravo do pecado,
pois este pecado o mantém preso. É nesse sentido espiritual que os judeus
eram escravos. E Jesus lembra que o escravo não tem direitos na casa
onde serve, mas apenas obrigações a cumprir; ele não é o dono e, por
isso, não pode falar em liberdade. Uma pessoa que é escrava do pecado
até pode parecer, exteriormente, membro do reino de Deus, da igreja, mas

95
IGREJA LUTERANA

esta pessoa, no final, terá que deixar esta casa, pois está indevidamente
ocupando o lugar daqueles que são filhos.
Somente o Filho de Deus pode libertar uma pessoa da escravidão do
pecado e de seu poder. Ele conquistou esta liberdade para todas as pesso-
as pagando um preço: o seu próprio sangue. Esta é a única e verdadeira
liberdade que o Filho paga e que é oferecida para toda a humanidade,
também àqueles judeus com os quais ele estava falando.

CONTEXTUALIZAÇÃO

Martinho Lutero nasceu, viveu e atuou no século XVI. Foi o mensa-


geiro usado por Deus para abençoar a igreja cristã, trazendo-a de volta à
pureza da palavra de Deus. Deus deu muitos dons e talentos para Lutero,
que teve muita coragem para usá-los. Lutero entendia que o evangelho
se destinava a todos, por isso traduziu a Bíblia para uma linguagem que o
povo entendesse e promovia cultos e estudos de que as pessoas simples
também pudessem participar.
Um historiador disse que reconhecia em Lutero uma das mais influentes
personalidades que o mundo conheceu. E este mesmo historiador teria
acrescentado: “Calculou-se que seriam precisos a um homem dez anos
de vida para a simples cópia de cartas, orações e inumeráveis escritos do
Reformador. Lutero não só redigiu suas obras, mas pensou-as, deu-lhes
estudo e reflexão, conversas, suas prédicas, sua atividade social e política,
os cuidados e o tempo que consagrou aos amigos e à família”.
Lutero foi realmente uma pessoa peculiar. Poucas pessoas na história
da igreja cristã, nestes vinte e um séculos de cristianismo, foram tão
influentes como este monge, professor, pastor, orador, teólogo, músico,
poeta, tradutor, escritor e mensageiro da igreja do século XVI.
Sem dúvida alguma, era uma pessoa especial levantada e capacitada
por Deus para dinamizar a igreja com o anúncio do evangelho puro. Pois no
seu tempo muitos obscureceram o evangelho. O evangelho era anunciado
somente para uma elite, para o clero, para os príncipes, para os capazes.
O evangelho não chegava aos pobres, aos camponeses, às crianças, que
eram excluídas do anúncio do evangelho. Lutero redescobriu o evangelho
como a mensagem de Deus para TODOS! Como herdeiros da Reforma,
temos em Lutero um instrumento divino para atingir com o evangelho
as pessoas pelas quais Cristo morreu e ressuscitou. Também hoje vemos
muitas pessoas excluídas da mensagem do evangelho. Em muitas das
nossas igrejas vemos crianças, idosos e, especialmente, pessoas com de-
ficiências intelectuais ou de desenvolvimento sendo excluídas. Em muitas
das nossas igrejas a mensagem é ininteligível para esses grupos e que,
por isso, são excluídos. Queremos celebrar a Reforma com o anúncio de
evangelho para todos, sem exclusões.

96
DIA DA REFORMA

SUGESTÃO DE ESBOÇO

Tema: A verdadeira liberdade do evangelho é para todos.


a) Mas não pode haver verdadeira liberdade, no sentido do evan-
gelho, quando o anúncio de sua mensagem é feito de modo
ininteligível e por isso pessoas ficam excluídas. (Por exemplo:
crianças, idosos, pessoas com dificuldades auditivas, pessoas
com deficiência...).
b) A verdadeira liberdade está presente onde o evangelho é anun-
ciado de modo inteligível e onde todos são incluídos.
c) Há liberdade onde mensageiros anunciam o evangelho da liber-
tação para todos: grandes, pequenos, pobres, ricos, pessoas
com capacidades limitadas...
d) Quem são e onde estão estes anjos que anunciam este evan-
gelho hoje?

BIBLIOGRAFIA

KRETZMANN, Paul E. Popular Commentary of the Bible. New Testament


vol. I e II. Saint Louis (MO): Concordia Publishing House, 1921.

Mario Lehenbauer
Vitória/ES
lehenbauermario@gmail.com

97
IGREJA LUTERANA

VIGÉSIMO PRIMEIRO DOMINGO


APÓS PENTECOSTES
2 de novembro de 2014
Salmo 43; Miqueias 3.5-12; 1 Tessalonicenses 4.1-12; Mateus 23.1-12

Sem essa de nova halakhah!

CONTEXTO LITÚRGICO

Provavelmente, muitas congregações celebrarão o Culto de Ação de


Graças pela Reforma em 26/10 ou 02/11, o que implicará a substituição
das leituras do 20º ou 21º Domingos após Pentecostes pela perícope do
Dia da Reforma. Que pena, mas esta é uma das consequências da cor-
reria da vida contemporânea. Propomos uma alternativa: podemos unir
os textos dos evangelhos do 20º e do 21º domingos após Pentecostes.
Dessa forma, no culto precedente ou subsequente à Reforma, teríamos a
leitura de Mateus 22.44-23.12. Por que usar de tal expediente? Teimosia
litúrgica? Bom, não é só isso. As leituras desses domingos formam um
ciclo temático interessante com as leituras do Dia da Reforma – esse é
o ponto. A perícope da Reforma mostra que o Reino dos Céus é dado a
nós pelo Filho do Homem que, no evangelho do 20º Domingo, cala os
fariseus com o paradoxo do Messias: citando o Salmo 110, ele mostra que
o Messias é maior do que o próprio Davi. No evangelho do 21º Domingo,
Aquele a quem Davi chama de Senhor confronta o sistema de justificação
dos fariseus baseado no mérito pessoal.

DEMAIS LEITURAS (SL 43, MQ 3.5-12, 1 TS 4.1-12)

O salmista no Salmo 43 pede que Deus o livre do “homem fraudulen-


to e injusto”, que pode ser identificado com aquele que ensina a justiça
das obras. Miqueias descreve esses homens como líderes que julgam por
suborno, “sacerdotes que ensinam por interesse” e “profetas que fazem
o povo errar” pela falsa pregação. O profeta lembra que “sobre eles se
enegrecerá o dia”, pois pregam falso consolo a Israel. Para o salmista, o
verdadeiro consolo está no Senhor: “Envia a tua luz e a tua verdade, para
que me guiem e me levem ao teu santo monte”.
Deus age em favor do povo, por isso o salmista canta: “Então, irei ao
altar de Deus, de Deus, que é a minha grande alegria; ao som da harpa
eu te louvarei, ó Deus, Deus meu”. Para o apóstolo Paulo, agradecer a
Deus implica “continuar progredindo mais”. Essa progressão não está re-

98
VIGÉSIMO PRIMEIRO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

lacionada à justificação meritória por obras, como ensinavam os fariseus


e os escribas, mas à vida santificada do cristão como consequência do
evangelho. Essa progressão é fruto da ação de Deus “que dá o Espírito
Santo”. Assim sendo, abster-se da imoralidade, trabalhar com as próprias
mãos e amar o próximo são frutos do Espírito Santo na vida daqueles que
são justificados pela obra de Cristo e “instruídos por Deus”.

O TEXTO E SEU CONTEXTO

O discurso em Mateus 23 é o último pronunciamento público de Jesus


registrado por esse evangelista (TASKER, p. 171)1. O texto tem intrigado
teólogos por dois séculos. Jesus exorta os ouvintes a ‘fazer e guardar’
tudo o que os fariseus disserem, ao mesmo tempo em que os chama de
hipócritas. Estaria Jesus endossando a Halakhah?
Do ponto de vista narrativo, o evangelho de Mateus descortina a tensão
entre Jesus e os líderes religiosos, especialmente os fariseus e escribas.
Jesus os condena por invalidar a palavra de Deus em favor de sua tradi-
ção (15.1-7) e os chama de “tolos” (23.17), “hipócritas” (15.6, 23.29) e
“guias cegos” que desviam o povo (15.14, 23.16). Como compreender
Mateus 23 à luz dessa tensão?
Primeiramente, Jesus reconhece que fariseus e escribas estão “as-
sentados na cadeira de Moisés” (23.2), isto é, eles estão investidos de
autoridade para “explicar a Lei de Moisés” (NTLH)2. Conforme Rabbinowitz
(p. 429), havia realmente uma cadeira especial para os escribas e fariseus
nas sinagogas. Isso significa que a afirmação de Jesus deve ser tomada
como uma constatação, ao mesmo tempo, figurada e literal.

O TEXTO

Os fariseus não possuíam autoridade oficial. Eles surgiram com o vácuo


espiritual causado pelos cativeiros assírio e babilônico, que quase desin-
tegraram o sacerdócio. Nesse vácuo, os judeus organizaram-se religiosa-
mente em torno das nascentes sinagogas como centros de culto e ensino.
Conforme alguns estudiosos, o surgimento das sinagogas e o advento dos

1
Conforme Levertoff: “No ‘Cântico de Moisés’ [...] o primeiro redentor cantou no fim da sua
vida a ingratidão de Israel, sua queda na idolatria e a bondade de Deus. O poema começa
com censura, mas a ternura e a piedade prevalecem sobre a severidade, e, ao aproximar-se
do final, o tom sobe ao nível de positivo incentivo e promessa. Semelhantemente, Jesus,
o último Redentor, nos últimos dias do seu ministério, denuncia os líderes espirituais do
povo com visível dureza, como todos os profetas e, contudo, com terna piedade lamenta
sobre Jerusalém” (LEVERTOFF apud TASKER, p. 171).
2
ekaqisan (aoristo) funciona como o estativo perfeito do hebraico e deve ser traduzido como
um presente estativo.

99
IGREJA LUTERANA

fariseus estão intrinsicamente atrelados.3 Ambos ressignificaram a Torah


para o povo da época. Os fariseus particularmente procuraram aplicar a
Torah à vida cotidiana do povo. É dessa interpretação não-oficial que surge
a tradição oral cristalizada posteriormente na Halakhah.
Ao exortar o povo a guardar tudo o que os fariseus dizem, Jesus não
está subscrevendo toda a Halakhah, mas reconhecendo que os fariseus
deveriam ser obedecidos quando ensinavam a Torah e o AT. Jesus tam-
bém não condena os princípios que regem a Halakhah, mas o apego dos
fariseus aos pormenores da tradição.
Esse apego demasiado aos detalhes fez os fariseus desprezarem os
fundamentos da Torah. Em Mateus 23, Jesus denuncia três tipos de ati-
tudes típicas de quem ‘descarta o feijão para tomar o caldo’:
1. Moralismo intransigente: A idolatria à Halakhah levou os
fariseus a “atar fardos pesados e os colocar sobre os ombros
dos homens”. Idolatravam a guarda do sábado e o dízimo da
hortelã em detrimento dos princípios fundamentais da Torah
como “amar a Deus” e “amar ao próximo”.4
2. Orgulho religioso: os fariseus “praticavam todas as suas obras
com o fim de serem vistos dos homens” (23.5). A motivação da
observância da Halakhah era o reconhecimento público. O povo
judeu realmente estimava a suposta retidão dos fariseus, por
isso estes procuravam tornar sua vida religiosa o mais pública
possível. É na busca pela fama que os fariseus “alargavam os
seus filactérios e alongavam as suas franjas”.5
3. Busca pelo sucesso social: fariseus amavam “o primeiro lugar
nos banquetes e as primeiras cadeiras nas sinagogas, as sau-
dações nas praças e o serem chamados mestres (rabbi) pelos
homens” (23.6-7).
A exaltação pessoal e o vício pelo prestígio social são resultados dire-
tos do moralismo intransigente dos fariseus. A tradição oral era o ‘deus’
deles. Oprimiam o povo com a Halakhah a fim de manterem-se sentados
na cadeira de Moisés com plateia para os aplaudir. Nesse sentido, Jesus
era claramente uma ameaça para eles, pois Ele, em favor do povo, não

3
Ver, por exemplo, a obra de George F. Moore, Judaism in the First Centuries of the Chris-
tian Era: The Age of the Tannaim (Cambridge: Harvard University Press, 1950).
4
Tasker lembra que “o quadro aqui é do condutor de camelos que faz pesados fardos contendo
mal arrumados artigos e, depois de colocá-los nos lombos do animal, fica por perto e não
faz nada para arrumá-los”. (p. 174)
5
Filactérios eram faixas de pergaminho que traziam inscritas porções da lei e que, encerradas
em caixas de couro, eram amarradas com tiras no braço esquerdo e na fronte (Dt 6.4-9).
As franjas eram ligadas à veste, e dispostas de modo tal que simbolizavam os principais
preceitos da lei. Jesus mesmo usava uma franja dessas (Mt 9.20). O que Jesus condena
é o alargamento delas só por exibição. Megalunousin é entendido como “tornar grande,
ampliar, magnificar, aumentar, tornar conspícuo, exaltar, ter em alta estima”.

100
VIGÉSIMO PRIMEIRO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

guardava os preceitos da Halakhah. Além disso, o espírito de igualdade


entre os seguidores de Jesus incomodava os fariseus, que seguiam uma
estrita estratificação religiosa. Gostavam de ser chamados “mestre” pelos
demais. Jesus explica seu ´radicalismo´ igualitário lembrando de que:
“vós6 não sereis chamados mestres, porque um só é vosso Mestre7, e vós
todos sois irmãos”. Sutilmente Jesus propõe que os fariseus não são ver-
dadeiros “mestres” ou “guias”, mesmo tendo o direito de ocupar a cátedra
de Moisés. Ao contrário, o único “Mestre” e “Guia”8 é aquele que ocupa
o lugar de todos os seres humanos ao morrer na cruz para remissão dos
pecados. Ele mostrou o zênite de seu amor no sacrifício vicário. Na cruz,
o próprio Deus se tornou servo dos seres humanos.
Por essa razão, Jesus descreve o relacionamento entre irmãos como
uma relação voluntária de servidão. A verdadeira essência da Torah é o
Amor – de Deus por nós e de nós para com Deus e com o próximo. O
“maior dentre vós será vosso servo” e quem se exalta “será humilhado”,
e quem se humilha “será exaltado”9 – descreve Jesus.

COMENTÁRIOS HOMILÉTICOS

A tripla tentação farisaica assombra a Igreja desde sempre. Mas, em


nosso tempo, o sentimento fariseu encontra-se em duas atitudes espe-
cialmente.
De uma parte, vemos problemas com o tipo de relacionamento que
estabelecemos com nossa tradição (teológica, litúrgica, missiológica, etc.).
Alguns idolatram cegamente nossa riquíssima herança. Repetem discursos
e costumes sem nenhuma reflexão – “por que sempre foi assim” – dizem.
Transformam nossa herança de séculos em nova Halakhah, esquecendo-se
que a tradição da Igreja está fundamentada no amor ao próximo. Só há
Igreja (e tradição) por amor aos seres humanos.
De outra parte vemos muitos ‘tradiciofóbicos’, que desprezam 2000
anos de herança em nome de supostos avanços. São novos Carlstadts.
Idolatram o “novo” e buscam secularizar a igreja a fim de adequar o
evangelho ao mundo pós-moderno.
De qualquer forma, tanto um como outro lado depositam “pesadas
cargas” sobre os ombros das pessoas. Orgulham-se de seus procedimentos

6
Posição enfática de “vós” no grego.
7
Didaskaloj é o mestre que ensina com exemplo e sabedoria.
8
kaqegetej (guia) é o instrutor que ocupa posição de autoridade, como o professor de uma escola
ou catedrático de uma universidade. No grego moderno a palavra significa “professor”.
9
uyw,sei está relacionada ao substantivo uyw/j, “altura”, o verbo significa erguer ou levantar. É
usado literalmente, figuradamente, a respeito de privilégios espirituais concedidos a uma
cidade (Mt 11.23, Lc 10.15), e metaforicamente, no sentido de exaltar ou enaltecer (At 2.33,
5.31). A Bíblia nos adverte que exaltar a nós mesmos resultará em uma quase desonra,
mas humilhar a nós mesmos leva à exaltação neste e no mundo seguinte.

101
IGREJA LUTERANA

e ideias. Gostam dos elogios de outros membros e dos aplausos do povo.


Infelizmente se esquecem de que não há “mestres” entre nós. Tanto a “tra-
dição” como a “inovação” não devem ser vistas como Halakhhot modernas.
O amor a Deus e ao próximo devem pautar nossa relação com tudo.
Diante do quadro exposto, o evangelho de Cristo é poderosamente con-
vidativo e consolador. A Igreja é chamada de comunidade de “irmãos”, onde
o “irmão maior”, Cristo, tornou-se servo de todos. Aquele que se humilhou
na cruz é exaltado! Somos justificados pela fé. Somos salvos pela graça de
Deus, não pela observância de qualquer sistema de regras religiosas.
Na perspectiva do evangelho, vemos o cuidado de Deus em ter preser-
vado a pregação de Sua Palavra e o puro Evangelho por amor a todos nós.
Sempre haverá “falsos profetas que fazem o povo errar e sacerdotes que
ensinam por interesse” (Mq 3), mas “a luz de Deus e Sua verdade” jamais
deixarão de “guiar o povo ao Seu santo monte” (Sl 43). Nosso Mestre e
Guia não permitirá que nossa tradição se transforme em nova Halakhah,
da mesma forma não deixará que as portas da inovação prevaleçam sobre
a igreja. Como cristãos individuais e como corpo de Cristo, continuaremos,
conforme nos exorta Paulo (1 Ts 5), a “progredir mais” no amor a Deus
e ao próximo. É por essa razão que a Igreja semper reformanda manterá
intactos a pregação do evangelho e a administração dos sacramentos.
Assim, sem nenhum fardo sobre os ombros e movidos pela gratidão a
Cristo, cantaremos com o salmista (Sl 43):

“Então, irei ao altar de Deus, que é a minha grande alegria;


ao som da harpa eu te louvarei, ó Deus, Deus meu”.

REFERÊNCIAS

BÍBLIA. Tradução Almeida Revista e Atualizada. SBB: Barueri, 2010.


DICIONÁRIO INTERNACIONAL DO NOVO TESTAMENTO. São Paulo: Vida
Nova, 1998.
GIBBS, J. Lectionary at Lunch. Saint Louis: Concordia Seminary. http://
concordiatheology.org/lalp/
RABBINOWITZ, Noel S. “Matthew: Does Jesus recognize the authority of
the Pharisees and does he endorse their Halachah?” In: JETS. n.46 v.3.
Setembro de 2003. p. 423-27.
TASKER. R. V. G. Mateus: introdução e comentário. Vida Nova: São
Paulo, 1999.

Mário Rafael Yudi Fukue


São Paulo/SP
rafaelfukue@yahoo.com

102
ANTEPENÚLTIMO DOMINGO DO ANO
DA IGREJA
9 de novembro de 2014

Salmo 70; Amós 5.18-24; 1Tessalonicenses 4.13-18; Mateus 25.1-13

CONTEXTO

Estamos lendo Mateus 25.1-13 no final do ano da Igreja. Também


poderia ser lido no Dia de Pentecostes.
Jesus proferiu essas palavras em meio a seu discurso escatológico e
é a única referência textual que encontramos nas Escrituras. Canonica-
mente, Mateus precisa ser o contexto teológico para interpretarmos a
passagem. Sugere-se para isso a leitura do contexto anterior e posterior
imediato, observando como os discípulos são orientados em relação aos
acontecimentos escatológicos.

NOTAS TEXTUAIS

V. 1: “Reino dos céus” é uma expressão extensiva em Mateus. São 29


vezes que Mateus utiliza essa expressão que também pode ser somada
à outra: “reino de Deus”. Ambas nos ajudam a compreender que o reino
de Deus ou dos céus é uma intervenção que vem de Deus, dos céus.
Descarta-se qualquer possibilidade humana de construir este reino. A
imagem da presença do reino se dá através da parábola das bodas. Noivo,
noiva, convidados, festa aparecem no enredo do texto.
V. 2: “Néscias... e prudentes” é um termo que nos leva para Mateus
7.24-27, quando são descritos, em outra parábola, o construtor prudente
e o construtor irresponsável. Parece que o julgamento utilizado por Mateus
tem um princípio de causa e efeito. A atitude de hoje tem influências no
futuro.
V. 5: A condição das néscias é um ato contínuo. Elas “foram tomadas
de sono e adormeceram”. Tanto o aoristo como o imperfeito nessa frase
nos levam a entender algo que aconteceu e que está em um processo
contínuo.
V. 10: A imagem de que Jesus é o noivo vem de Isaías 22.22 a qual
João em Apocalipse 3.7 aplica diretamente para Cristo. Mas Mateus não
identifica diretamente Jesus como o Noivo! A presença do Noivo ainda se
manifestará no último dia!
V. 11: O clamor pelo “Senhor” expressa extrema urgência.
IGREJA LUTERANA

ELEMENTOS EXEGÉTICOS E HERMENÊUTICOS

A leitura hermenêutica através do princípio de lei e evangelho nos


ajuda a condenar a prática comum em relação à passagem de alegorizar
os elementos presentes na parábola. Na Igreja Antiga, especialmente Je-
rônimo e Agostinho, era comum identificar as lâmpadas com a fé e o óleo
nelas como as boas obras. Os luteranos no século XVI também fizeram
algo semelhante descrevendo as lâmpadas como as obras externas dos
cristãos e o óleo a verdadeira fé. Através do princípio de lei e evangelho
não podemos alegorizar os detalhes da parábola e precisamos lê-la de
forma a encontrarmos o ponto de comparação para que o conteúdo evan-
gélico sobressaia.
A parábola é construída em cima de uma situação comum na época
do Novo Testamento. A cena de um casamento era normal e ainda o é
entre nós. Os elementos essenciais de qualquer boda eram conhecidos
de todos. Jesus não se preocupa com todos os detalhes da festa e leva
seus ouvintes direto ao momento crucial da chegada do noivo que vem
ao encontro da noiva. A chegada de convidados fora do tempo não era
comum. Podiam chegar na última hora!
Estar preparado para receber o noivo requeria pequenas lâmpadas
feitas de terracota com um pequeno buraco para nelas depositar o com-
bustível, que era o óleo. Como não se sabia a hora da chegada do noivo,
uma reserva de óleo era comum para que a cerimônia não terminasse
antes da chegada tão esperada do personagem principal.
Conectar o “noivo” a Cristo parece ser o caminho mais fácil, espe-
cialmente se lermos esta passagem à luz de Oseias que nos apresenta a
relação de Deus com sua noiva, Israel, e a presença futura do Messias que
iria servir para restaurar o povo de Israel com seu Deus. A presença de
salvação à meia-noite também pode ser uma referência a Êxodo 12.29, o
tempo da visitação do Anjo do Senhor. Também Paulo conecta Cristo com
o noivo em 2 Coríntios 11.2 e Efésios 5.25,32.
Mas o que dizer do noivo nesta passagem de Mateus? Nos evange-
lhos sinóticos, o reino dos céus ou o reino de Deus é sempre anunciado
em perspectiva futura. Jesus Cristo não se identifica com o reino nesses
três evangelhos. Em João sim! Aí temos a presença do reino na pessoa
e obra de Jesus Cristo, revelado pelo Espírito Santo. Portanto, é melhor
não assumirmos a conexão em Mateus que Jesus é o noivo. Lembremos
do contexto. Em Mateus 24.36,44, Jesus afirma que só o Pai sabe da
hora final. Muitos dos ouvintes certamente conectaram a vinda do noivo
com a vinda do próprio Deus Pai, que era esperado pelo povo. Portanto,
a parábola de Mateus nos conecta a um evento futuro onde o Noivo se
fará presente convidando a noiva para a boda!

104
ANTEPENÚLTIMO DOMINGO DO ANO DA IGREJA

Claro que Jesus é o mediador entre Deus e o homem! Só que sua re-
velação só ocorrerá na parousia final e será Ele que irá reunir o povo de
Deus para as bodas. A partir do ministério de Jesus Cristo, é impossível hoje
distinguirmos os “néscios” dos “prudentes”, se quiserem, os verdadeiros
crentes dos hipócritas. Somente quando o noivo chegar para as bodas e
convidar os “preparados” é que será feita a distinção.
A igreja hoje só pode ouvir desse evento escatológico e esperar por ele.
E isto é a nossa fé: a certeza de coisas que irão acontecer, a convicção de
fatos que não se veem, mas apenas ouve-se a respeito deles. A separa-
ção entre os crentes e descrentes tem na fé o seu ponto determinante na
parábola. Este é o ponto de comparação que lei e evangelho nos trazem
à tona ao lermos essa passagem neste domingo que nos conduz ao final
do ano eclesiástico. É a fé que separará aqueles que irão entrar para a
eternidade com Cristo daqueles que até encontram óleo na última hora,
mas que foram deixados de fora das bodas eternas. A esses será dado o
veredito final: “eu não os conheço”. Veja a posição de Pedro sobre isso
em Mateus 7.23 e Mateus 26.72,74. A porta dos céus está fechada para
os desconhecidos do reino.
Uma observação final precisa ser dita. Jesus está falando com seus
discípulos. Eles são sua audiência. À luz do Terceiro Artigo do Credo, o
pressuposto sadio para entender essa parábola brota da ação do Espírito
Santo que “... nos santifica e nos conserva nessa fé verdadeira” como
confessa Lutero. Portanto, estamos tratando de um verdadeiro milagre
que está totalmente nas mãos de Deus o sermos chamados para participar
das bodas eternas.

ORIENTAÇÕES HOMILÉTICAS

O Noivo está chegando. Estamos preparamos para nos encontrar com ele?
A resposta é não e sim!
Não estamos pelo nosso esforço, mas sim pela nossa fé que nos faz
aguardar o Noivo!
A porta se abrirá para os convidados das bodas eternas pela ação de
Deus em Cristo, obra do Espírito Santo em nós, e o Noivo, Cristo, nos
convidará!
Por isso, quando o Senhor retornar, a porta do reino dos céus se abrirá
e aquele que fala em nome desse reino convidará os seus!

Clóvis Jair Prunzel


São Leopoldo/RS
cjprunzel@gmail.com

105
PENÚLTIMO DOMINGO DO ANO DA IGREJA
16 de novembro de 2014
Salmo 90.1-12; Sofonias 1.7-16; 1 Tessalonicenses 5.1-11;
Mateus 25.14-30

CONTEXTO

Estamos nos aproximando do final de mais um ano e, antes que este


acabe, já está praticamente encerrado o ano litúrgico. Sempre de novo
é necessário refletirmos e nos prepararmos para o retorno de Cristo em
poder e glória. Nos capítulos 24 e 25 do Evangelho de Mateus, Jesus
utiliza diversas ilustrações para falar sobre a vinda do Reino de Deus na
sua plenitude. As ilustrações a respeito surgem a partir da indagação dos
discípulos a Jesus: “- Dize-nos quando sucederão estas coisas e que sinal
haverá da tua vinda e da consumação do século” (Mt 24.3b).
É a partir daí que Jesus passa a discorrer sobre os sinais que antece-
derão a sua vinda: falsos messias, perseguições, sofrimentos, fenômenos
na natureza dentre outros. Este tempo de espera por Jesus é o tempo da
graça. O tempo entre a subida de Jesus aos céus e o seu retorno.
É como um homem que foi fazer uma viagem e antes de viajar colo-
cou os seus empregados para tomarem conta da sua propriedade (v.14),
distribuindo os seus bens entre os seus empregados, de acordo com a
capacidade de cada um, e então partindo em viagem. Quando o homem
retorna, depois de muito tempo, ele volta para ajustar as contas com os
seus empregados.
O que este homem fez foi entregar altas quantias de dinheiro para
que fossem investidas, para que, assim, pudesse ter uma rentabilidade
enquanto em viagem. O retorno de Cristo será inesperado, assim como é
inesperado o ladrão que chega na calada da noite (1 Ts 5.1). Mas aquele
que vive a sua fé e anda na luz, não precisará temer, como não temeram
os dois primeiros empregados descritos no texto do Evangelho, que, ime-
diatamente após a viagem do patrão, começaram a investir os talentos
que haviam recebido.
O Salmo 90.1-12 nos fala do presente maior que recebemos: o dom
da vida. Vida que é longa para alguns e curta para outros. Mas indepen-
dente de quanto tempo Deus nos concede neste mundo, esse tempo é
breve se comparado com a vida eterna. Praticamente não há diferença
entre vinte, setenta ou oitenta anos; e estes últimos, por vezes, são de
canseira e enfado. Seja qual for o tempo de vida que alcançarmos, a vida
é dom, é presente!
PENÚLTIMO DOMINGO DO ANO DA IGREJA

Independente da quantidade de tempo, o salmista nos ensina a apro-


veitar de maneira sábia o tempo que Deus, em sua sábia providência,
nos concedeu, seguindo o exemplo dos dois primeiros empregados, que
investiram de maneira sábia os talentos entregues pelo patrão.

TEXTO DA MENSAGEM: MATEUS 25.14-20

V. 14: Antes de Jesus subir aos céus, Ele prometeu que enviaria o
Espírito Santo sobre os discípulos e eles seriam suas testemunhas, tanto
em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria, e até os confins da terra
(At 1.8). Jesus é como o homem da parábola: ao subir aos céus, deixou
dons para os seus discípulos, a fim de serem investidos em prol do Reino
de Deus, testemunhando que Deus quer salvar a todos.
V. 15: Para nós, a palavra “talento” lembra alguém que tenha uma
aptidão natural ou capacidade diferenciada para uma determinada função.
Aqui, porém, a palavra “talento” de maneira nenhuma se refere aos “ta-
lentosos”, no sentido de excepcional. O talento está relacionado com os
dons que Deus distribui a cada um individualmente, conforme lhe apraz
(1Co 12.11). Quais talentos são esses? Será que existem dons mais ex-
traordinários a serem buscados e exercidos no dia a dia do que os frutos
do Espírito descritos em Gl 5.22-23? O talento de que fala a parábola
também não é uma moeda. É uma medida ou peso de dinheiro. Podia ser
pago em moedas ou em barras de ouro ou prata. Um talento equivalia a
cem moedas de ouro. É por isso que a NTLH faz esta conversão, usando
moedas de ouro ao invés de talento. O foco não está nos valores, mas
na proporção que é dada, conforme a capacidade de cada empregado:
“a um deu cinco talentos, a outro, dois, e a outro, um”. Cada um, do seu
modo, é chamado a testemunhar a sua fé e colocar os seus dons a serviço
do Reino.
Vv. 16,17: Nos negócios e investimentos terrenos que realizamos, nem
sempre temos garantia de sucesso. No Reino de Deus, o sucesso não só é
apenas possível, mas é garantido. Deus faz essa promessa em Is 55.11,
dizendo que a Sua Palavra não voltará vazia. Embora Deus não nos impeça
de usarmos os bens e os dons para fins pessoais, somos lembrados de que
não devemos deixar de investi-los no Reino dos Céus, pois a promessa
feita por Cristo é: “Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua
justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6.33).
V. 18: É importante frisar que, apesar do terceiro servo ter recebido
apenas um talento, isso não representava uma quantia desprezível. Um
trabalhador que ganhava um denário por dia teria de trabalhar mais de
quinze anos para juntar um talento, pois um talento equivale a seis mil
denários (seis mil dias de trabalho). A questão é que o terceiro servo não

107
IGREJA LUTERANA

quer trabalhar para o seu senhor. A fé sem obras é morta (Tg 2.17). O
cristão precisa ser identificado. A fé precisa ser ativa no amor e não pode
estar escondida, assim como não pode estar escondida uma cidade edificada
sobre um monte e uma lamparina debaixo de um alqueire (Mt 5.14,15).
V. 19: Um dia de acerto de contas é um lembrete de que nós não so-
mos perfeitos em aproveitar as oportunidades de investimento no Reino
de Deus. Para os nossos fracassos, devemos buscar perdão em Cristo.
Diante do perdão recebido, recebemos uma nova oportunidade de investir
os talentos que Deus nos presenteou.
Vv. 20-23: Os dois primeiros servos – cada um dentro da sua capacida-
de – obtiveram sucesso e dobraram aquilo que lhes havia sido entregue. A
nossa vida pertence a Cristo, que nos comprou com seu sangue derramado
na cruz. Os dons que temos recebemos da mão de Deus. Não sabemos
quando será o retorno de Cristo para o acerto de contas, mas, até a sua
vinda, devemos fazer uso constante e prático dos dons do Espírito.
Vv. 24-27: A alegação do terceiro servo de que o patrão era um homem
severo e que ceifava onde não havia semeado é infundada, pois, apesar
de receber menos, também lhe seriam exigidos menos rendimentos. O
patrão não esperava que conseguisse quantias superiores aos demais
companheiros. Apenas que investisse dentro das possibilidades que lhe
haviam sido colocadas. Outro detalhe que chama a atenção é que, ao
entregar o dinheiro aos banqueiros, nenhum dos servos teve controle
sobre o dinheiro. Apenas esperaram os investimentos serem realizados,
assim como ocorre conosco quando realizamos uma aplicação financei-
ra: depositamos, confiamos e esperamos. Houve, portanto, preguiça e
descaso por parte do terceiro servo com o talento recebido. A nós, cabe
testemunhar a fé até a volta de Cristo, sabendo sempre que quem faz os
frutos aparecerem é o Espírito Santo.
Vv. 28,29: Investir no Reino dos Céus é um investimento seguro, com
certeza de sucesso. Os que guardam a Palavra de Deus, creem em Cristo,
vivem a sua fé e reconhecem que tudo o que possuem é presente de Deus,
receberão ainda mais, porque Deus é gracioso e generoso.
V. 30: Assim como um mau investimento financeiro gera dívidas, fa-
lência e desestabilidade, assim ocorre com o descaso e a indiferença com
os talentos concedidos por Deus. Quando planejamos a nossa vida, não
podemos esquecer daquilo que o Salmo 90.1-12 nos diz: a vida neste
mundo é muito curta. De nada adianta investirmos nos prazeres e riquezas
deste mundo. Elas são passageiras e costumam nos afastar dos propósi-
tos de Deus, que nos presenteou a vida. Quando Cristo vier em poder e
glória, Ele espera que estejamos firmes na Sua Palavra, testemunhando
e colocando os nossos dons a serviço do seu Reino. Este é, de fato, um
investimento seguro e confiável! (Mt 6.19,20).

108
PENÚLTIMO DOMINGO DO ANO DA IGREJA

SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO

Tema: Reino de Deus: um investimento seguro!


1. Introdução:
- No atual cenário econômico do nosso país, muitas são as ofertas
de investimento e de crédito. Ao mesmo tempo, muitos são os
endividados, aqueles que investiram de maneira incorreta e pre-
cipitada o seu dinheiro;
- Quando se trata de dinheiro, quanto maior o valor que temos,
mais juros este rende quando é aplicado. O contrário também é
verdadeiro: quanto mais dívidas, maiores elas se tornam com o
passar do tempo.
- Seja pouco ou muito dinheiro que tenhamos em reserva, recomen-
da-se que este seja aplicado, e não colocado debaixo do colchão,
como faziam os antigos. Nos tempos atuais, tal procedimento é
muito inseguro e nada rentável.

2. A salvação, a fé, os dons e os bens que nós temos não são nossos.
São presentes recebidos da mão generosa de Deus.
- A parábola dos talentos ensina que todos nós recebemos a vida,
a fé e os dons como presentes de Deus. Ele os distribui conforme
lhe apraz;
- Deus espera que cada um de nós invista os nossos dons em prol
do Reino de Deus.

3. Investir no Reino de Deus é seguro.


- Diferentemente do mercado financeiro, os investimentos no Reino
de Deus têm retorno garantido (os dois primeiros servos);
- Não vamos seguir o exemplo do terceiro servo, que foi ingrato
com o grande presente que havia recebido. Por negligência e in-
gratidão com o seu talento, ele perdeu a oportunidade de investir
em algo seguro.
- Já somos recompensados nesta vida tão breve com tantas bênçãos
da mão de Deus. A principal bênção é que Cristo nos comprou
com o seu sangue na cruz e nos resgatou da condenação eterna.
Graças a esse presente, temos a certeza de que, no seu retorno,
receberemos infinitamente mais: receberemos a vida eterna. É
por isso que o Reino dos Céus é um investimento seguro. Conti-
nuemos testemunhando e convidando outras pessoas a fazerem
esse grande investimento.

Timóteo Ramson Fuhrmann


Morro Redondo/RS
timoteorf@yahoo.com.br

109
ÚLTIMO DOMINGO DO ANO DA IGREJA
23 de novembro de 2014
Salmo 95.1-7a; Ezequiel 34.11-16, 20-24; 1 Coríntios 15.20-28;
Mateus 25.31-46

CONTEXTO LITÚRGICO
O final do ano eclesiástico é momento de fazer foco no fim dos tempos,
quando o plano de salvação será cumprido em todos os seus aspectos.

CONTEXTO LITERÁRIO

Nosso texto está dentro do marco maior que aborda a temática dos
últimos tempos (capítulos 24 e 25). Neste contexto se narra o juízo sobre
Jerusalém e o retorno de Cristo para o juízo final. Estas narrativas são
uma advertência para estarmos preparados, pois jamais poderemos saber
quando e nem como é que Jesus retornará.

CONTEXTO HISTÓRICO

Nos tempos bíblicos as ovelhas e os bodes ficavam misturados durante


o dia no campo. À noite, consequência, eles são separados: as ovelhas
aguentam o ar frio, mas os bodes têm que se juntar para se esquentar.
Em áreas de pouca pastagem, os animais também têm de ser separados
durante o dia. Mas, agora, esses detalhes simples e pastorais estão car-
regados de simbolismo.

LEITURAS DO DIA

Salmo 91.1-7a: Este salmo combina um chamado à adoração com


uma exortação profética. Ele nos ensina que na adoração devem estar
presentes duas atitudes: uma é o louvor com alegria e gratidão pelas bên-
çãos recebidas das mãos de Deus; a outra é a humildade com que o ser
humano deve ouvir a sua voz e lhe obedecer. A obediência que agrada a
Deus é a que provém de um coração que reconhece o amor e a graça de
Deus e que, com gratidão, procura servi-lo. O salmo utiliza a recorrente
imagem pastoril que nos apresenta a Bíblia para descrever o nosso rela-
cionamento com Deus. “Somos o rebanho do qual ele cuida” (v. 7a).

Ezequiel 34.11-16, 20-24: Esta passagem mostra o contraste com os


primeiros versículos do capítulo onde o profeta denuncia os líderes de Israel
ÚLTIMO DOMINGO DO ANO DA IGREJA

pelo descuido e o maltrato deles para com o povo. Agora Deus se apresenta
como o pastor que busca as ovelhas que foram espalhadas e das quais ele
mesmo cuidará. Mas também neste cuidado haverá um estabelecimento
de justiça através de um julgamento ou uma separação entre as ovelhas
que oprimem e as que são oprimidas. Alguns comentaristas interpretam o
v.17 como a separação entre ovelhas e cabras tal como se apresenta em
Mateus 25.32, porém Ezequiel bota dentro do grupo dos bodes as ovelhas
gordas que comem os melhores pastos e pisam no que sobra, fazendo clara
referência à opressão dos pobres. Por isso, Deus promete levantar um pastor
que também é rei que cuidará do seu rebanho com justiça (v.24).

1 Coríntios 15.20-28: Paulo expressa a certeza cristã na ressurreição


dos mortos e dá detalhes de como as coisas aconteceram. Ressalta o Cristo
Rei, sua autoridade para subjugar todas as coisas e seu domínio sobre
toda autoridade, poderes e à morte mesma. E então Cristo depositará o
reino aos pés de seu Pai.

O TEXTO DE MATEUS 25.31-46

V. 31: Aqui aparecem duas das três formas pelas quais Jesus é chamado
neste texto: Filho do homem e Rei. Filho do homem é um dos títulos
messiânicos que Jesus mais utilizou ao fazer referência à sua pessoa. O
termo tem origem no profeta Daniel 7.13ss. e tem um tom apocalíptico
que enfatiza o julgamento que este Filho do homem fará sobre as nações.
Rei faz referência ao restabelecimento do reinado do Messias.

V. 32: O julgamento consiste na separação de uns dos outros como


acontece nas parábolas dos peixes e do joio e o trigo em Mateus 13. Assim
será o julgamento final. Os bons irão à direita, que é o lugar de honra.
Aqui aparece o terceiro título dado nesse texto: pastor. O pastor cuida
do seu rebanho, mas também, ao final da jornada, separa as ovelhas das
cabras. Cabras e ovelhas: sob a lei cerimonial judaica, a cabra era um
animal puro como a ovelha, porém os textos bíblicos representam as cabras
com um caráter oposto ao das ovelhas, caracterizado pela rebeldia. Não
é conveniente que o povo de Deus tenha a mesma atitude deste animal.
Ainda que muitas vezes as ovelhas e cabras pastem juntas, quando o pastor
chama as ovelhas, estas respondem e as cabras não. As cabras não são do
mesmo rebanho. O pastor conhece as suas ovelhas e as chama pelo seu
nome (João 10.3). Ele vai à frente delas e elas o seguem, porque conhe-
cem a sua voz (João 10.11). Mas nunca se diz isto a respeito das cabras.
Jesus disse: “as minhas ovelhas ouvem a minha voz, eu as conheço, e elas
me seguem”. Eu lhes dou a vida eterna, e por isso elas nunca morrerão.
Ninguém poderá arrancá-las de minha mão (João 10.27-28).

111
IGREJA LUTERANA

V. 34: Aqui Jesus chama as ovelhas para si (venham) e lhes entrega o


seu Reino. É um convite para estar na sua presença. Benditos do meu
Pai (oi` euvloghme,noi tou/ patro,j mou). Eles são “benditos” não por causa
das suas obras, mas por terem recebido a bênção da graça de Deus que
por meio de Cristo é oferecida a todo ser humano. Suas obras são con-
sequência por serem abençoados com a graça do Pai. Agora, no final dos
tempos, estes benditos do Pai recebem esta herança prometida que é o
reino preparado para eles desde “antes da criação do mundo” (Jo 17.24;
Ef 1.4; 1Pe 1.20). Essa herança gloriosa, o reino consumado, era desde
o início o plano do Pai para eles.

Vv. 35,36: Aqui nos são apresentados os motivos sobre os quais se baseia
o juiz para dar o seu veredito. Claro que não se propõe aqui uma salvação por
obras, mesmo assim é necessário deixar bem claro que elas são a evidência
da salvação recebida. O ser humano é criado em Cristo para fazer boas obras
(Ef 2.10; Rm 6.1-14). Em nossa teologia sempre enfatizamos corretamente
que a salvação é pela graça de Cristo através da fé, sem necessidade das
obras, porque não são elas que salvam. Isto é assim. Porém, temos de ter
o cuidado de não separar tanto a fé das obras de tal modo que as obras não
façam parte da vida de fé. As obras são a consequência natural que têm
íntima ligação com a fé a tal ponto que o juízo de Cristo se baseia nas obras
que a fé trouxe como resultado. Tiago, na sua epístola, desenvolve esse tema
com grande insistência e clareza (Tiago 2.14-26).

Vv. 37-39: Outro fato que chama a atenção é a surpresa destes que
recebem o Reino. Isto reforça o conceito de que a esperança e a confian-
ça deles não estavam depositadas nas suas obras. Eles humildemente
reconhecem que não têm feito nada em especial no seu serviço a Cristo.
Esse modo de agir foi algo natural, desinteressado, sem representar para
eles grande esforço.

V. 40: O Rei declara: VAmh.n le,gw u`mi/n - Eu afirmo a vocês que isto é
verdade. Esta frase dá ênfase à declaração que vem logo após. O serviço
a Cristo se dá no serviço cotidiano, anônimo, que não espera recompensa,
que surge naturalmente de um coração que reflete o serviço e o amor
recebido do Senhor. Irmãos pequenos (avdelfw/n evlaci,stwn). Temos aqui
um adjetivo superlativo de pequeno. Os mais pequeninos, para ressaltar
o serviço, o amor e a caridade aos mais fragilizados e necessitados, pelos
quase insignificantes. Porém, a pergunta que gera mais dificuldades de
responder gira em torno ao sujeito “irmão”. Quem são estes irmãos pe-
queninos? Alguns teólogos identificam o auxílio aos irmãos com a ajuda
aos apóstolos ou missionários baseados em Mateus 10.42, no contexto

112
ÚLTIMO DOMINGO DO ANO DA IGREJA

do envio missionário de Jesus. D. A. Carson, no seu comentário sobre


esse texto, escreve:

Sem dúvida, a melhor interpretação é que os “irmãos” de Jesus


são seus discípulos (12.48,49; 28.10; cf. 23.8). O destino das
nações será determinado pelo modo como respondem aos segui-
dores de Jesus, que, “missionários” ou não, estão encarregados de
propagar o evangelho e fazer isso em face da fome, sede, doença
e prisão. As boas obras feitas aos seguidores de Jesus, mesmo
ao menor deles, não só são obras de compaixão e moralidade,
mas também refletem a posição na qual a pessoa permanece
em relação ao reino e a Jesus mesmo. Jesus se identifica com o
destino de seus seguidores e transforma a compaixão por eles a
uma atitude equivalente à compaixão por ele mesmo.
Outros identificam estes irmãos pequeninos como todos os pobres
e frágeis da nossa sociedade. Eles afirmam que Cristo se esconde
detrás de cada um deles para ser servido por nós. É difícil excluir
uma pessoa do nosso alvo de serviço em amor cristão só pelo fato
de ser ou não um discípulo de Cristo. Acredito que o amor cristão
se vivencia no serviço a todos. Cabe aqui seguir o conselho do
apóstolo em Gálatas 6.10.

V. 41: Agora aos que estão à esquerda se lhes ordena a se afastar.


Isto é parte do castigo eterno: viver eternamente separados da presença
de Deus. Assim como os que estão à direita de Cristo no julgamento são
chamados de “benditos do meu Pai”, agora os que estão à esquerda de
Cristo são chamados de “malditos”. Mas é importante destacar que não são
chamados de malditos do meu Pai. A maldição que recai sobre os conde-
nados não é má disposição de Deus para com eles, e sim a consequência
exclusiva da própria rebeldia deles para com Deus e a rejeição da sua graça.
A vontade de Deus é a salvação de todos. Ele quer o arrependimento do
pecador, mas quando isso não acontece, o destino deste é o castigo do
inferno - que não foi preparado para o homem, e sim, para o diabo e os
seus anjos. Vão para este lugar por terem feito as obras do diabo.

Vv. 42,43: Os motivos do julgamento para os condenados são a au-


sência das obras que os fieis fizeram. Eles não são acusados de fazer o
mal, mas sim de deixar de fazer o bem. A omissão do serviço cristão, a
ausência das obras da fé é pecado e recebem a condenação.

V. 44: Os condenados tentarão justificar seu agir com a desculpa do


não saber, não ter visto. Quem sabe eles pensaram “se a gente soubesse
teria feito”. Porém, mesmo assim, agir por interesse em troca de graça e
salvação é igualmente pecaminoso e detestável aos olhos de Deus, porque
tudo o que não se baseia na fé é pecado (Rm 14.23b).

113
IGREJA LUTERANA

PROPOSTA HOMILÉTICA

Os textos do AT e o evangelho mostram com toda clareza o amor e a


graça de Deus para com a humanidade. É importante ressaltar esta imagem
do Filho de Deus como pastor e o vínculo que este quer ter com as suas
ovelhas, o seu povo pelo qual deu a sua vida para sua salvação.
Mas este pastor que oferece sua graça, seu cuidado e tratamento espe-
cial ao povo que ouve sua voz e o segue também tem a função de separar,
de julgar entre ovelhas e cabras. O fato que Jesus demore em seu retorno
glorioso como juiz para separar os bons dos maus não deve ser motivo
para sermos relapsos e descuidar a nossa vida de fé. Pelo contrário, deve
nos manter alertas e firmes no serviço ao Senhor.
Chegará o dia em que este Pastor - que também é Rei - virá em glória
e com a autoridade que lhe foi concedida pelo Pai concederá o seu Reino
aos seus benditos e afastará dele e do seu povo aqueles que não ouviram
a sua voz, que rejeitaram a sua graça.
Este texto é de grande significado nestes tempos em que os assuntos
escatológicos não são parte da agenda e dos temas cotidianos e, inclusi-
ve, até da pregação de muitas teologias focadas na prosperidade. Nestes
tempos pós-modernos caracterizados pelo materialismo, que impulsiona o
“ter” e o “parecer”, esta mensagem sobre o fim nos lembra que tudo tem
um final, e nos convida a olharmos novamente para aquilo que transcende
este mundo e que prevalece acima das aparências. Quando o fim chegar,
Cristo julgará sobre toda aparência conforme o que cada um tenha acre-
ditado e vivido em verdade.

Objetivo do sermão: Que o ouvinte se fortaleça na graça e amor de Cris-


to para permanecer firme no serviço a Deus, na esperança do Reino eterno.

Tema: Com o coração em Cristo, estendendo a mão aos mais peque-


ninos, e de olho no Reino.

Esboço:
Porque Cristo é a fonte de toda bênção, graça e salvação.
Porque ele aguarda a nossa resposta de fé, amor e gratidão no serviço
aos mais pequeninos.
Porque a promessa da herança do Reino nos mantém com firmeza na
fé e no serviço.

Guillermo Herigert
São Leopoldo/RS
gherigert@gmail.com

114
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