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Introdução a Geometria Simplética

Henrique Bursztyn e Leonardo Macarini

26 de Julho de 2006

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PREFÁCIO

Geometria simplética é a geometria das variedades munidas de


uma 2-forma fechada e não-degenerada. Embora tenha raı́zes históri-
cas na formulação geométrica da mecânica clássica, a geometria sim-
plética é hoje uma área de interesse independente, sendo alvo de
intensa pesquisa, e com diversas aplicações.
Um dos grandes propulsores do desenvolvimento recente da ge-
ometria simplética foi o surgimento, nas últimas duas décadas, de
novas técnicas e resultados constituindo o que hoje se chama topologia
simplética. Tendo os trabalhos seminais de M. Gromov e Y. Eliash-
berg nos anos 80 como ponto de partida, tais resultados elucidaram
propriedades fundamentais das variedades simpléticas, como a pro-
funda rigidez das transformações simpléticas e a existência de impor-
tantes invariantes globais, dando à área uma nova perspectiva.
Paralelamente, outra importante fonte de estı́mulo para o cresci-
mento da geometria simplética é seu papel interdisciplinar na matemá-
tica, interagindo com topologia (especialmente em dimensões 3 e
4), teoria de representações e grupos de Lie, geometria algébrica,
dinâmica conservativa, análise microlocal, além de campos da fı́sica
matemática tais como teoria de calibre e espaços de moduli, sistemas
integráveis e grupos quânticos, modelos sigma e teoria de cordas,
entre outros.
Estas notas apresentam uma breve introdução à geometria simplé-
tica com foco em dois aspectos principais: por um lado, a ausência
de invariantes locais em variedades simpléticas, tendo como base o
método de Moser; por outro lado, a construção de invariantes globais
usando técnicas de topologia simplética.
Devido às limitações de espaço e tempo, alguns tópicos comu-
mente presentes em textos introdutórios à geometria simplética não
estão aqui incluı́dos. Este é o caso, por exemplo, da importante teoria
de ações hamiltonianas e aplicações momento, que pode ser encon-
trada em textos como [1, 8, 19].
O material destas notas está organizado da seguinte maneira: o

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Capı́tulo 1 apresenta uma breve exposição da origem da geometria


simplética em mecânica hamiltoniana. No Capı́tulo 2, tratamos dos
aspectos básicos da álgebra linear simplética. O Capı́tulo 3 inclui a
definição de variedades simpléticas, assim como as principais classes
de exemplos: fibrados cotangentes, órbitas coadjuntas e variedades
Kähler. No Capı́tulo 4, discutimos o método de Moser, que oferece
uma técnica fundamental na demonstração de vários resultados de
rigidez local em geometria simplética, incluindo o teorema cássico de
Darboux e suas generalizações devidas a A. Weinstein. No Capı́tulo 5,
tratamos de hipersuperfı́cies de contato, que são usadas no Capı́tulo
6 para o estudo de sistemas hamitonianos e dinâmica em nı́veis de
energia. O Capı́tulo 7 discute o problema da existência de invariantes
globais, com foco na noção de capacidade simplética. Ainda neste
capı́tulo, apresentamos uma introdução ao teorema “nonsqueezing”
de Gromov, incluindo um esboço de sua (difı́cil) demonstração.
Ao longo do texto, assumimos que o leitor tenha familiaridade
com aspectos básicos da teoria de variedades diferenciáveis, incluindo
formas diferenciais. O material padrão pode ser encontrado, por ex-
emplo, em [2, 39]. Vários livros de introdução a geometria simplética
nos serviram de referência, entre os quais [7, 8, 21, 29, 41].
Agradecemos a Walcy Santos e Manfredo do Carmo pelo convite
para apresentar o minicurso “Introdução a Geometria Simplética”
na XIV Escola de Geometria Diferencial, que nos deu estı́mulo para
a elaboração destas notas. Agradecemos também a Cristian Ortiz
e Thiago Drummond por comentários e correções, e Rogério Dias
Trindade pela ajuda nas figuras.

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Conteúdo

1 Origem da geometria simplética 6


1.1 As equações de Hamilton via a equação de Newton . . 6
1.2 Abordagem variacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.3 Geometrização das equações de Hamilton . . . . . . . 10

2 Álgebra linear simplética 12


2.1 Espaços vetoriais simpléticos . . . . . . . . . . . . . . 12
2.2 Subespaços . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
2.3 Bases simpléticas e forma normal . . . . . . . . . . . . 15
2.4 Estruturas complexas compatı́veis . . . . . . . . . . . 16

3 Variedades simpléticas 20
3.1 Definição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
3.2 Fibrados cotangentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
3.3 Outros exemplos importantes . . . . . . . . . . . . . . 25
3.3.1 Variedades Kähler . . . . . . . . . . . . . . . . 25
3.3.2 Órbitas coadjuntas . . . . . . . . . . . . . . . . 33
3.4 Obstruções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
3.5 Subvariedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

4 O método de Moser e formas normais 44


4.1 O “truque” de Moser . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
4.2 O teorema de Darboux . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
4.3 Teoremas de Weinstein para vizinhanças de subvar-
iedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
4.4 Aplicação a pontos fixos de simplectomorfismos . . . . 51

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CONTEÚDO 5

5 Hipersuperfı́cies de contato 53
5.1 Definições e exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
5.2 Forma normal de vizinhanças de hipersuperfı́cies de
contato . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

6 Sistemas hamiltonianos 59
6.1 Definições e exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
6.2 Dinâmica em nı́veis de energia . . . . . . . . . . . . . 61

7 Invariantes globais 72
7.1 Capacidades simpléticas e rigidez de simplectomorfismos 72
7.2 Esboço da prova do teorema nonsqueezing . . . . . . . 76
7.3 Rigidez de simplectomorfismos . . . . . . . . . . . . . 80
7.4 A capacidade de Hofer-Zehnder . . . . . . . . . . . . . 83
7.5 Capacidade de Hofer-Zehnder e órbitas periódicas . . . 89

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Capı́tulo 1

Origem da geometria
simplética

1.1 As equações de Hamilton via a equação


de Newton
A geometria simplética se originou no estudo dos sistemas hamilto-
nianos, que descrevem a evolução de sistemas mecânicos de natureza
conservativa. As equações que descrevem tais sistemas são chamadas
equações de Hamilton e podem ser derivadas diretamente da segunda
lei de Newton.
Vamos considerar como ilustração o exemplo do movimento de
uma partı́cula de massa m > 0 em R3 submetida a um campo de
forças conservativo F , dado em cada ponto q = (q1 , q2 , q3 ) ∈ R3 por
F (q) = −∇V (q),
3
onde V : R → R é a energia potencial. Cada estado inicial, deter-
minado por uma posição e velocidade, determina completamente a
trajetória q(t) da partı́cula através da segunda lei de Newton:
mq̈(t) = −∇V (q(t)). (1.1.1)
Seja p = mq̇ o momento linear da partı́cula. Podemos rescrever o
sistema de 3 equações de segunda ordem (1.1.1) como 6 equações de

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[SEC. 1.2: ABORDAGEM VARIACIONAL 7

primeira ordem nas variáveis qi e pi :


p
q̇ = , ṗ = −∇V.
m
O espaço R3 = {q = (q1 , q2 , q3 )} de possı́veis posições da partı́cula é
chamado de espaço de configurações, enquanto o espaço R6 = R3 ×
R3 = {(q, p)}, consistindo de posições e momentos, é chamado espaço
de fase. Se denotarmos a energia total da partı́cula por H,
P3
p2
H(q, p) = i=1 i + V (q),
2m
podemos escrever (1.1.1) no espaço de fase como
∂H ∂H
q̇i = , ṗi = − . (1.1.2)
∂pi ∂qi
As equações (1.1.2) são as equações de Hamilton descrevendo o sis-
tema nesse exemplo.

1.2 Abordagem variacional


Outra maneira de se obter as equações de Hamilton é via as equações
de Euler-Lagrange, derivadas de princı́pios variacionais. Essa abor-
dagem, além de exibir a natureza variacional de sistemas naturais, é
bastante útil quando consideramos sistemas com vı́nculos. Existem
inúmeras referências sobre o assunto, entre as quais, [1, 5].
Um princı́pio fundamental que rege a mecânica clássica é o prin-
cı́pio da ação mı́nima. Mais precisamente, considere um sistema cujo
espaço de configurações é o Rn , com coordenadas q = (q1 , . . . , qn ),
de modo que o espaço de estados (i.e., posições e velocidades) seja
R2n , com coordenadas (q, v). Seja L : R2n → R uma função suave,
chamada função lagrangiana. Dada uma curva diferenciável γ : [0, T ] →
Rn , definimos sua ação por
Z T
AL (γ) = L(γ(t), γ̇(t)) dt.
0

Fixe agora dois pontos q0 e q1 em Rn e denote por C([0, T ], q0 , q1 )


o conjunto de curvas suaves γ : [0, T ] → Rn tais que γ(0) = q0 e

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8 [CAP. 1: ORIGEM DA GEOMETRIA SIMPLÉTICA

γ(T ) = q1 . Buscamos neste conjunto pontos crı́ticos para o funcional


de ação AL , ou seja, curvas γ para as quais

dAL (Γs )
= 0,
ds s=0
onde Γs ∈ C([0, T ], q0 , q1 ), s ∈ (−, ), é uma variação suave ar-
bitrária de curvas tal que Γ0 = γ.
Proposição 1.2.1. Uma curva γ é um ponto crı́tico de AL se e
somente se satisfaz a equação de Euler-Lagrange
d ∂L ∂L
(γ(t), γ̇(t)) = (γ(t), γ̇(t)).
dt ∂v ∂q
Demonstração: Sejam ci : [0, T ] → R, i = 1, ..., n, funções suaves
tais que ci (0) = ci (T ) = 0 para todo i. Defina a variação

Γ (t) = (γ1 (t) + c1 (t), ..., γn (t) + cn (t)),

onde γ(t) = (γ1 (t), ..., γn (t)). É claro que Γ ∈ C([0, T ], q0 , q1 ).


Temos que
Z TX
dAL (Γ ) ∂L ∂L
= (γ0 , γ̇0 )ci (t) + (γ0 , γ̇0 )ċi (t) dt
d =0 0 i
∂q i ∂v i
Z TX
∂L d ∂L
= (γ0 , γ̇0 )ci (t) − (γ0 , γ̇0 )ci (t)
0 i
∂q i dt ∂vi
T
∂L
+ (γ0 , γ̇0 )ci (t) dt
∂vi 0
Z T X 
∂L d ∂L
= (γ0 , γ̇0 ) − (γ0 , γ̇0 ) ci (t) dt,
0 i
∂q i dt ∂vi

onde a segunda igualdade segue por integração por partes. Como


isto é válido para todo ci tal que ci (0) = ci (T ) = 0, concluı́mos a
demonstração. 

Diferentes funções lagrangianas correspondem a diferentes sis-


temas fı́sicos, e a evolução de cada sistema é descrita pelas soluções
das equações de Euler-Lagrange associadas.

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[SEC. 1.2: ABORDAGEM VARIACIONAL 9

Veremos agora como uma mudança de variáveis pode transformar


as equações de Euler-Lagrange nas equações de Hamilton. Considere
a aplicação FL : R2n → R2n , dada por

∂L ∂L
FL(q1 , ..., qn , v1 , ..., vn ) = (q1 , ..., qn , (q, v), ..., (q, v)), (1.2.1)
∂v1 ∂vn
chamada transformada de Legendre associada a L. Supondo que FL
seja um difeomorfismo, obtemos novas coordenadas (q, p) em R2n ,
onde p = ∂L∂v é chamado de momento generalizado. Definimos a
hamiltoniana associada a L como
n
X
H(q, p) = pi vi − L(q, v).
i=1

Temos então que

X ∂vjn n
∂H ∂L X ∂L ∂vj ∂L
= pj − − =−
∂qi j=1
∂q i ∂q i j=1
∂v j ∂q i ∂q i

Xn
∂H ∂vj ∂L ∂vj
= vi + pj − = vi .
∂pi j=1
∂p i ∂v j ∂pi

Consequentemente, as equações de Euler-Lagrange são equivalente às


equações de Hamilton

dqi ∂H dpi ∂H
= , =− .
dt ∂pi dt ∂qi

P3
Exercı́cio: Considere em R3 × R3 a lagrangiana L(q, v) = m 2
2
i=1 vi −
V (q). Verifique que, neste caso, a transformada de
P3Legendre é um difeo-
1 2
morfismo e a hamiltoniana associada é H(q, p) = i=1 2m pi + V (q), ou
seja, a mesma da seção anterior.

Observação: Uma pergunta natural é quando pontos crı́tico de


AL são, de fato, pontos de mı́nimo do funcional de ação. Isso não
é verdade em geral (pense, por exemplo, nas geodésicas da esfera
S 2 ), mas pode-se mostrar que, se o determinante da matriz Hessiana

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10 [CAP. 1: ORIGEM DA GEOMETRIA SIMPLÉTICA

∂2L

∂vi ∂vj for positivo, então soluções da equação de Euler-Lagrange
minimizam a ação em intervalos de tempo suficientemente pequenos.
Sob certas condições de crescimento de L no infinito, prova-se ainda
que sempre existe uma solução ligando dois pontos quaisquer em Rn .

1.3 Geometrização das equações de Hamil-


ton
Vimos nas seções anteriores como as equações de Hamilton podem ser
derivadas das equações de Newton e de Euler-Lagrange. Nesta seção,
colocaremos as equações de Hamilton em um contexto geométrico
através de uma formulação intrı́nseca. Isso nos permitirá definir, no
Capı́tulo 6, sistemas hamiltonianos em variedades diferenciáveis.
Considere o espaço de fase R2n , com coordenadas (q1 , . . . , qn , p1 ,
. . . , pn ). A escolha de qualquer função H ∈ C ∞ (R2n ) determina um
campo hamiltoniano
X3
∂H ∂ ∂H ∂
XH := −J0 ∇H = − , (1.3.1)
i=1
∂p i ∂q i ∂qi ∂pi

onde J0 é a matriz 2n × 2n dada por


 
0 −I
J0 = . (1.3.2)
I 0
A função H é chamada de hamiltoniana, e as equações de Hamilton
(1.1.2) assumem a forma

ċ(t) = XH (c(t)), (1.3.3)

onde c(t) = (q1 (t), . . . , qn (t), p1 (t), . . . , pn (t)). Note que H é sempre
preservado ao longo das soluções de (1.3.3):
d
H(c(t)) = ∇H(c(t)) · ċ(t) = −∇H(c(t)) · J0 ∇H(c(t)) = 0.
dt
Essa propriedade (junto a outras que veremos mais tarde) dá ao for-
malismo hamiltoniano seu caráter conservativo.

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[SEC. 1.3: GEOMETRIZAÇÃO DAS EQUAÇÕES DE HAMILTON 11

Note que na definição de XH em (1.3.1) usamos dois ingredientes:


uma base de R2n (com respeito a qual calculamos o gradiente ∇H) e
a matriz J0 . Esses dois ingredientes combinados definem uma forma
bilinear anti-simétrica não-degenerada dada por

Ω0 (u, v) := −ut J0 v,
P
ou, equivalentemente, Ω0 = i dqi ∧ dpi . A equação de Hamilton
pode então ser vista como o “gradiente”de H com respeito a Ω0 , ou
seja, XH é o unico campo que satisfaz a equação

Ω0 (XH , v) = dH(v)

para todo v ∈ R2n . Isto motiva a definição de espaços vetoriais


simpléticos que veremos no próximo capı́tulo.

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Capı́tulo 2

Álgebra linear
simplética

2.1 Espaços vetoriais simpléticos


Seja V um espaço vetorial real, e seja Ω : V × V → R uma forma
bilinear anti-simétrica. Dizemos que a forma Ω é não-degenerada, ou
simplética, se
Ω(u, v) = 0 ∀v ∈ V =⇒ u = 0. (2.1.1)
Nesse caso, o par (V, Ω) é um espaço vetorial simplético. Dois espaços
vetoriais simpléticos (V1 , Ω1 ) e (V2 , Ω2 ) são simplectomorfos se existe
um isomorfismo linear ϕ : V1 → V2 tal que

ϕ∗ Ω 2 = Ω 1 .

Com a escolha de uma base {e1 , e2 , . . . , em } de V , podemos repre-


sentar qualquer forma bilinear anti-simétrica Ω unicamente por uma
matriz anti-simétrica

A = [Aij ], Aij = Ω(ei , ej ),

de modo que Ω(u, v) = ut Av. É fácil ver que a forma Ω é simplética


se e somente se A é uma matriz invertı́vel. Por outro lado, a forma

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[SEC. 2.1: ESPAÇOS VETORIAIS SIMPLÉTICOS 13

Ω define uma aplicação linear

Ω] : V → V ∗ , Ω] (u)(v) := Ω(u, v),

de modo que Ω é simplética se e somente se Ω] é uma bijeção.

Exemplos 2.1.1.

a) Se V = R2n , então

Ω0 (u, v) := −ut J0 v

define uma forma simplética representada pela matriz −J0 defi-


nida em (1.3.2) na base canônica {e1 , . . . , en , f1 , . . . , fn }. Em
outras palavras, Ω0 é definida pelas condições:

Ω0 (ei , ej ) = 0, Ω0 (ei , fj ) = δij , Ω0 (fi , fj ) = 0.

b) Seja W um espaço vetorial real de dimensão n, e seja W ∗ seu


dual. Então o espaço vetorial V = W ⊕ W ∗ possui uma estru-
tura simplética natural dada por

Ω((w, ξ), (w0 , ξ 0 )) := ξ 0 (w) − ξ(w0 ),

e todo isomorfismo T : W → W determina um simplectomor-


fismo T ⊕ (T −1 )∗ : V → V .

c) Seja V um espaço vetorial complexo de dimensão n sobre C.


Seja h : V × V → C um produto interno hermitiano e Ω =
Im(h) a parte imaginária de h. Então Ω define uma estrutura
simplética em V , visto como espaço vetorial real, e qualquer
transformação linear unitária é automaticamente um simplec-
tomorfismo.

d) Se (V1 , Ω1 ) e (V2 , Ω2 ) são espaços vetoriais simpléticos, então


V1 × V2 é espaço vetorial simplético com a forma produto

Ω((u1 , u2 ), (v1 , v2 )) := Ω1 (u1 , v1 ) + Ω2 (u2 , v2 ).

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14 [CAP. 2: ÁLGEBRA LINEAR SIMPLÉTICA

2.2 Subespaços
Em um espaço vetorial com produto interno, todo subespaço herda
um produto interno do espaço ambiente. Em um espaço vetorial
simplético, por outro lado, subespaços podem herdar tipos de estru-
turas diferentes.
Seja (V, Ω) um espaço vetorial simplético. Dado um subespaço
W ⊆ V , definimos seu ortogonal simplético como o subespaço:
W Ω := {v ∈ V | Ω(v, w) = 0 ∀w ∈ W }.
O subespaço W ⊆ V é chamado
• simplético se W ∩ W Ω = {0},
• isotrópico se W ⊆ W Ω ,
• coisotrópico se W Ω ⊆ W ,
• lagrangiano se W = W Ω .
Note que W é isotrópico se e somente se a restrição de Ω a W
é zero, e é lagrangiano se e somente se W é isotrópico e maximal
(i.e., não está propriamente contido em nenhum outro subespaço
isotrópico); por outro lado, W é simplético se e somente se a re-
strição de Ω a W é não-degenerada, de modo que (W, Ω|W ) é um
espaço vetorial simplético.
Embora em geral V 6= W + W Ω , em termos de dimensões sempre
vale que
dim(V ) = dim(W ) + dim(W Ω ). (2.2.1)
Para provar (2.2.1), basta observar que a imagem de W Ω pelo iso-
morfismo Ω] : V → V ∗ é Ann(W ), o anulador de W . Portanto
dim(W Ω ) = dim(Ann(W )) = dim(V ) − dim(W ).
Segue ainda facilmente que (W Ω )Ω = W .
Exemplos 2.2.1.
a) Qualquer subespaço unidimensional é isotrópico. Como um
subespaço W é coisotrópico se e somente se W Ω é isotrópico,
segue que todo subespaço de codimensão 1 é coisotrópico.

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[SEC. 2.3: BASES SIMPLÉTICAS E FORMA NORMAL 15

b) No Exemplo 2.1.1, parte b), tanto W quanto W ∗ são subespaços


lagrangianos.
c) Para cada i, o subespaço gerado pelo par ei , fi no Exemplo
2.1.1, parte a), é simplético.

Exercı́cio: Se (V1 , Ω1 ) e (V2 , Ω2 ) são espaços vetoriais simpléticos, mostre


que um isomorfismo linear ϕ : V1 → V2 é um simplectomorfismo se e
somente se o gráfico de ϕ é lagrangiano em V1 × V 2 , onde V 2 denota o
espaço simplético (V2 , −Ω2 ).

2.3 Bases simpléticas e forma normal


Seja (V, Ω) um espaço vetorial simplético. Chamamos de base simplé-
tica de V uma base com 2n vetores {e1 , . . . , en , f1 , . . . , fn } para a qual
valem as relações

Ω(ei , ej ) = 0, Ω(ei , fj ) = δij , Ω(fi , fj ) = 0. (2.3.1)

Assim, numa base simplética a forma Ω é representada pela matriz


 
0 I
, (2.3.2)
−I 0
onde I é a matriz identidade n × n.
O próximo resultado é o análogo simplético do fato de que todo
espaço vetorial com produto interno admite uma base ortonormal.
Teorema 2.3.1. Todo espaço vetorial simplético (V, Ω) admite uma
base simplética.
Demonstração: Escolha e1 6= 0. Como Ω é não-degenerada, existe
f1 ∈ V tal que
Ω(e1 , f1 ) = 1.
Seja W1 o subespaço gerado por {e1 , f1 }. Note que W1 é simplético,
e portanto V = W1 ⊕ W1Ω .
Como W1Ω é simplético, podemos repetir a construção até obter-
mos uma decomposição

V = W1 ⊕ W2 ⊕ . . . ⊕ W n ,

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16 [CAP. 2: ÁLGEBRA LINEAR SIMPLÉTICA

onde cada Wi é gerado por ei , fi tal que Ω(ei , fi ) = 1. Por construção,


se i < j, então Wj ⊂ WiΩ , portanto seguem as relações (2.3.1). 

Corolário 2.3.2. Todo espaço simplético é simplectomorfo a (R2n , Ω0 )


(descrito no Exemplo 2.1.1, parte a)) para algum n.

Em particular, todo espaço vetorial simplético tem dimensão par.


Além disso, se (V, Ω) é espaço simplético de dimensão 2n, segue facil-
mente de (2.2.1) que W ⊂ V é lagrangiano se e somente se W é
isotrópico e
dim(V )
dim(W ) = = n.
2
Exemplo 2.3.3. Se {w1 , . . . , wn } é base de um espaço vetorial W ,
e se {ξ1 , . . . , ξn } é base dual, então {w1 , . . . , wn , ξ1 , . . . , ξn } é base
simplética de W ⊕ W ∗ descrito no Exemplo 2.1.1, parte b).
Por outro lado, se {e1 , . . . , en } é base complexa ortonormal para
um espaço complexo hermitiano, então {e1 , . . . , en , ie1 , . . . , ien } é base
simplética para o Exemplo 2.1.1, parte c).

2.4 Estruturas complexas compatı́veis


Se V é um espaço vetorial sobre C munido de um produto interno
hermitiano h, vimos no Exemplo 2.1.1, parte c), que a parte ima-
ginária de h define uma forma simplética em V (visto como espaço
vetorial real). Mostraremos agora a recı́proca: se (V, Ω) é um espaço
vetorial simplético, então V admite uma estrutura de espaço veto-
rial complexo e Ω pode ser vista como a parte imaginária de uma
estrutura hermitiana.
Se V é um espaço vetorial real, lembremos que uma estrutura com-
plexa em V é um endomorfismo linear J : V → V tal que J 2 = −Id.
Note que fixar uma estrutura complexa J é equivalente a munir V de
uma estrutura de espaço vetorial sobre C, já √ que podemos identificar
o operador J com a multiplicação por i = −1, i.e., J(v) = i · v,
para todo v ∈ V . Nos referimos ao par (V, J) como um espaço veto-
rial complexo, e dizemos que (V, J) e (V 0 , J 0 ) são isomorfos se existe
um isomorfismo linear ϕ : V → V 0 tal que ϕ ◦ J = J 0 ◦ ϕ.

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[SEC. 2.4: ESTRUTURAS COMPLEXAS COMPATÍVEIS 17

Exercı́cio: Mostre que uma estrutura complexa J : V → V é equivalente


a escolha de um subespaço V10 ⊂ V ⊗ C tal que V ⊗ C = V10 ⊕ V10 . (Dica:
considere os autoespaços de J.)

Exemplo 2.4.1. A matriz J0 , definida em (1.3.2), é uma estrutura


complexa em V = R2n . É simples verificar que a identificação de
R2n com Cn , (q, p) 7→ q + ip, é um isomorfismo de espaços vetoriais
complexos.

Seja (V, Ω) um espaço vetorial simplético. Uma estrutura com-


plexa em V é compatı́vel com Ω (ou simplesmente Ω-compatı́vel ) se,
para u, v ∈ V ,
g(u, v) := Ω(u, Jv), (2.4.1)
define um produto interno (nessas notas, a menos que se mencione o
contrário, sempre assumimos que produtos internos sejam positivo-
definidos). Explicitamente, as condições de compatibilidade (i.e.,
simetria e positividade de g) são

Ω(Ju, Jv) = Ω(u, v), e Ω(u, Ju) > 0, u 6= 0. (2.4.2)

Exercı́cio: Seja J uma estrutura complexa Ω-compatı́vel em V . Se W ⊆ V


é um subespaço, mostre que JW Ω = W ⊥ , onde W ⊥ é o ortogonal de W
com respeito ao produto interno (2.4.1).

É fácil ver que se h(u, v) = g(u, v)+iΩ(u, v) é um produto interno


hermitiano em (V, J), então g é dado por (2.4.1). Segue, portanto,
que J é Ω-compatı́vel se e somente se Ω é a parte imaginária de uma
estrutura hermitana em (V, J).

Teorema 2.4.2. Seja (V, Ω) um espaço vetorial simplético. Então


cada produto interno G em V define, de forma canônica, uma estru-
tura complexa J : V → V que é Ω-compatı́vel.

Demonstração: Seja G um produto interno em V . Como G] :


V → V ∗ , G] (u)(v) = G(u, v), é um isomorfismo, segue que existe um
único automorfismo linear A : V → V tal que

Ω(u, v) = G(Au, v), ∀u, v ∈ V,

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18 [CAP. 2: ÁLGEBRA LINEAR SIMPLÉTICA

i.e., A = (G] )−1 ◦ Ω] . Note que A é anti-simétrico com respeito a G,


já que
G(At u, v) = G(u, Av) = Ω(v, u) = −G(Au, v).
Como consequência, temos que, na decomposição polar de A,
A = J|A|, onde |A| = (At A)1/2 = (−A2 )1/2 ,
o operador ortogonal J e o operador positivo-definido |A| comutam.
Então A2 = −J 2 A2 , e portanto J 2 = −Id. Note ainda que
Ω(u, Jv) = G(Au, Jv) = −G(JAu, v) = G(|A|u, v)
define um produto interno, mostrando a compatibilidade de J e Ω.
(Observe, contudo, que o produto interno associado ao par J e Ω, em
geral, difere de G.) 

Observação: A existência de uma estrutura complexa Ω-compatı́vel


num espaço vetorial simplético pode ser facilmente obtida se usarmos
uma base simplética e1 , . . . , en , f1 , . . . , fn : basta definir Jei = fi e
Jfi = −ei , i = 1, . . . , n. A vantagem da demonstração apresentada
no teorema anterior é que não fazemos qualquer menção a bases. Por
ser canônica (a menos da escolha do produto interno), a demonstração
se aplica diretamente a fibrados vetoriais simpléticos, e isso será útil
mais adiante.
Seja J (V, Ω) o conjunto de todas a estruturas complexas em V
que são Ω-compatı́veis, visto como subconjunto do espaço vetorial
dos endomorfismos de V , e munido da topologia induzida. Denote
por Riem(V ) o conjunto de todos os produtos internos em V , que
é um subconjunto aberto e convexo do espaço vetorial de todas a
formas simétricas em V . O Teorema 2.4.2 nos fornece uma aplicação
contı́nua ψ : Riem(V ) → J (V, Ω). Seja φ : J (V, Ω) → Riem(V ) a
aplicação que associa a cada estrutura complexa Ω-compatı́vel J o
produto interno (2.4.1).
Exercı́cio: Verifique que ψ ◦ φ = Id.

Como Riem(V ) é um subconjunto convexo de um espaço vetorial,


é contrátil. Tome ρt : Riem(V ) → Riem(V ) uma contração, isto é,
t ∈ [0, 1], ρ0 = Id e ρ1 é uma aplicação tendo como imagem um único
ponto de Riem(V ).

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[SEC. 2.4: ESTRUTURAS COMPLEXAS COMPATÍVEIS 19

Corolário 2.4.3. O espaço J (V, Ω) é contrátil.


Demonstração: Basta verificar que ψ ◦ ρt ◦ φ define uma contração
de J (V, Ω). 

A contratibilidade de J (V, Ω) é um fato importante em topologia


simplética e será usado no Capı́tulo 7.

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Capı́tulo 3

Variedades simpléticas
P
Vimos no Capı́tulo 1 como a forma simplética Ω0 = i dpi ∧ dqi
nasce a partir de uma geometrização das equações de Hamilton, ou
seja, de maneira a expressar campos hamiltonianos como gradientes
simpléticos. Em seguida, no Capı́tulo 2, vimos que espaços vetoriais
simpléticos de dimensão 2n são todos isomorfos a (R2n , Ω0 ).
Podemos definir uma variedade simplética usando (R2n , Ω0 ) como
modelo local e assumindo a existência de um atlas simplético, ou
seja, um atlas cujas mudanças de cartas preservam Ω0 . Seguiremos
aqui, contudo, o caminho usual (e mais simples) de se definir uma
estrutura simplética como uma 2-forma fechada e não-degenerada,
e mostraremos no Capı́tulo 4 a equivalência desta definição com a
existência de um atlas simplético.
Neste capı́tulo, assumiremos que o leitor tenha familiaridade com
a teoria das variedades diferenciáveis, incluindo formas diferenciais,
campos de vetores, derivadas de Lie, etc. O material pode ser encon-
trado, e.g., em [2, 39].

3.1 Definição
Seja M uma variedade suave. Dizemos que uma 2-forma ω ∈ Ω2 (M )
é não-degenerada se ωx é não-degenerada em cada ponto x ∈ M , de
modo que cada espaço tangente é um espaço vetorial simplético.

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[SEC. 3.1: DEFINIÇÃO 21

Exercı́cio: Suponha que dim(M ) = 2n. Verifique que ω ∈ Ω2 (M ) é


n
não-degenerada se e somente se ωn! ∈ Ω2n (M ) é uma forma de volume.

Uma estrutura simplética em M é uma 2-forma ω ∈ Ω2 (M ) que


é não-degenerada e tal que dω = 0. Nesse caso o par (M, ω) é uma
variedade simplética .
Segue do exercı́cio anterior que toda variedade simplética de di-
mensão 2n possui uma forma de volume
ωn
Λ := (3.1.1)
n!
chamada forma de Liouville . Portanto, toda variedade simplética é
orientável.
Duas variedades simpléticas (M1 , ω1 ) e (M2 , ω2 ) são simplecto-
morfas se existe um difeomorfismo ϕ : M1 → M2 preservando as
formas simpléticas, ou seja,

ϕ∗ ω2 = ω 1 .

Denotamos o grupo de simplectomorfismos de uma variedade simplética


(M, ω) nela mesma por Simp(M, ω) ⊂ Dif(M ).
Exemplo 3.1.1. Seja U um aberto de R2n = {(q1 , . . . , qn , p1 , . . . , pn )},
munido com a 2-forma
n
X
ω0 := dqi ∧ dpi .
i=1

Em cada ponto de U, a matriz associada a ω0 é (2.3.2), portanto ω0


é não-degenerada. Obviamente, ω0 é fechada,
P e portanto simplética.
Note que, de fato, ω0 = −dα, onde α = i pi dqi .
Veremos mais a frente que toda variedade simplética é local-
mente simplectomorfa a um aberto de R2n com a estrutura simplética
descrita no último exemplo (teorema de Darboux). Este resultado
ilustra um aspecto fundamental da geometria simplética: formas
simpléticas são localmente rı́gidas, não somente na vizinhança de pon-
tos, mas também de certas subvariedades. Trataremos essas questões
no Capı́tulo 4.

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22 [CAP. 3: VARIEDADES SIMPLÉTICAS

Exemplo 3.1.2. Seja Σ uma superfı́cie orientada, e seja ω ∈ Ω2 (Σ)


uma forma de área. Por definição, ω é não-degenerada. Além disso,
dω = 0 automaticamente, já que estamos em dimensão 2. Portanto
ω é simplética.
Simplectomorfismos, nesse exemplo, são difeomorfismos preser-
vando área. Veremos no Capı́tulo 4 que duas superfı́cies orientadas
compactas são simplectomorfas se e somente se elas têm o mesmo
gênero e mesma área total.
Exemplo 3.1.3. Sejam (M1 , ω1 ) e (M2 , ω2 ) duas variedades simplé-
ticas. Seja M = M1 × M2 , e considere as projeções pri : M → Mi .
Então ω = pr∗1 ω1 + pr∗2 ω3 é uma forma simplética em M .
Exemplo 3.1.4. Como observamos no Exemplo 2.4.1, podemos iden-
tificar R2n com Cn , de modo que √ a aplicação linear J0 torna-se sim-
plesmente a multiplicação por −1. Temos que para todo v ∈ R2n ,
Ω0 (v, J0 v) = kvk2 6= 0 se v 6= 0. Em particular, Ω0 é não-degenerada
em toda subespaço complexo de Cn . Consequentemente, qualquer
subvariedade complexa de Cn é simplética.

3.2 Fibrados cotangentes


Veremos nesta seção que todo fibrado cotangente possui uma estru-
tura simplética canônica, e portanto qualquer variedade está natural-
mente associada a uma variedade simplética. Tal estrutura simplética
é a generalização da forma simplética canônica em R2n e aparece nat-
uralmente no estudo de sistemas mecânicos clássicos, veja [1, 5, 28].
Como veremos no próximo capı́tulo, fibrados cotangentes servem
também de modelo local para vizinhanças de certas subvariedades
(veja Teorema 4.3.2).
Sejam Q uma variedade e M = T ∗ Q seu fibrado cotangente. De-
notamos por π : M = T ∗ Q → Q a projeção natural, e consideramos a
aplicação tangente dπ : T M → T Q. Definimos a 1-forma tautológica
α ∈ Ω1 (M ) por

αp (Xp ) := hp, dp π(Xp )i, p ∈ M, Xp ∈ Tp M. (3.2.1)



Como p ∈ Tπ(p) Q e dp π(Xp ) ∈ Tπ(p) Q, o lado direito da equação
acima denota a contração usual entre um espaço vetorial e seu dual.

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[SEC. 3.2: FIBRADOS COTANGENTES 23

A forma canônica de T ∗ Q é definida como

ω := −dα. (3.2.2)

Para verificar que ω é de fato simplética, vamos usar sua expressão


em coordenadas locais: tome coordenadas locais (x1 , . . . , xn ) em Q, e
sejam (x1 , . . . , xn , ξ1 , . . . , ξn ) coordenadas cotangentes em T ∗ Q. Note
que
! !
∂ ∂ ∂
dp π = , dp π = 0,
∂xj
p x ∂xj ∂ξj
p

onde p = (x, ξ) ∈ T Q. Usando (3.2.1) vemos que
! !
∂ ∂
αp = ξj , αp = 0,
∂xj p ∂ξj p

de onde segue que


n
X
αp = ξj dxj . (3.2.3)
j=1

Portanto, em coordenadas locais, temos


n
X
ω= dxj ∧ dξj , (3.2.4)
j=1

e vemos que ω é de fato uma estrutura simplética em T ∗ Q.


O próximo exercı́cio oferece uma caracterização útil da 1-forma
α.

Exercı́cio: Mostre que a 1-forma tautológica α ∈ Ω1 (T ∗ Q) é unicamente


caracterizada pela seguinte propriedade: para todo µ ∈ Ω1 (Q),
µ∗ α = µ, (3.2.5)
onde, no lado esquerdo de (3.2.5), estamos considerando a 1-forma µ como
uma aplicação µ : Q → T ∗ Q.

Observe que todo difeomorfismo ϕ : Q1 → Q2 induz, natural-


mente, um difeomorfimo dos fibrados cotangentes,

b = (dϕ−1 )∗ : T ∗ Q1 → T ∗ Q2 ,
ϕ (3.2.6)

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24 [CAP. 3: VARIEDADES SIMPLÉTICAS

satisfazendo π1 ◦ ϕ b = ϕ ◦ π2 , onde πi : T ∗ Qi → Qi é a projeção


canônica. Aqui dϕ : T Q1 → T Q2 é a aplicação tangente de ϕ. A
aplicação (3.2.6) é chamada levantamento cotangente de ϕ.
b : T ∗ Q1 → T ∗ Q2
Proposição 3.2.1. O levantamento cotangente ϕ
preserva formas tautológicas,

b ∗ α2 = α 1 .
(ϕ)

Demonstração: Temos, por definição, que (αi )pi = (dpi π)∗ ξi , onde
pi = (xi , ξi ) ∈ T ∗ Qi , i = 1, 2. Portanto, se p2 = ϕ(p
b 1 ), temos

b ∗ (αp2 ) = (dp1 ϕ)
(dp1 ϕ) b ∗ (dp2 π)∗ ξ2 = (dp1 π)∗ (dp1 ϕ)∗ ξ2 = (α1 )p1 ,

onde, na segunda igualdade, usamos que π ◦ ϕ


b = ϕ ◦ π, e na terceira
igualdade usamos que ξ1 = (dx1 ϕ)∗ ξ2 .


Segue imediatamente da proposição anterior que

b∗ ω2 = ω1 ,
ϕ

b : T ∗ Q1 → T ∗ Q2 é um simplectomorfismo. Temos assim


e portanto ϕ
uma inclusão natural

Dif(Q) ,→ Simp(T ∗ Q, ω), ϕ 7→ ϕ.


b

Todavia, esta inclusão está longe de ser uma identificação. O


exercı́cio abaixo ilustra outros simplectomorfismos de T ∗ Q. Veremos
muitos outros exemplos no Capı́tulo 6.

Exercı́cio: Tome µ ∈ Ω1 (M ), e defina ϕµ : T ∗ Q → T ∗ Q, (x, ξ) 7→ ξ + µx .


Mostre que
ϕ∗µ α − α = π ∗ µ.
Conclua que ϕµ é um simplectomorfismo se e somente se µ é fechada.

Existem também outras formas simpléticas em fibrados cotan-


gentes obtidas da seguinte maneira: seja B uma 2-forma fechada em
Q e considere em T ∗ Q a 2-forma

ωB := ω + π ∗ B.

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[SEC. 3.3: OUTROS EXEMPLOS IMPORTANTES 25

Evidentemente, ωB é fechada e é fácil ver que é não-degenerada, o


que deixamos ao leitor como um exercı́cio. Tais formas simpléticas,
chamadas formas simpléticas twist, possuem uma motivação fı́sica em
termos de fluxos magnéticos, como veremos no Capı́tulo 6.

Exercı́cio: Verifique que, se B, B 0 ∈ Ω2 (Q) são cohomólogas, com B −


B 0 = dµ, então ϕµ : (T ∗ Q, ωB ) → (T ∗ Q, ωB 0 ) é um simplectomorfismo.

3.3 Outros exemplos importantes


As duas subseções a seguir tratam de duas importantes classes de ex-
emplos de variedades simpléticas: variedades Kähler e órbitas coad-
juntas. Estas subseções usam alguns fatos elementares sobre variáveis
complexas e grupos de Lie e são independentes dos demais capı́tulos.

3.3.1 Variedades Kähler


Vimos no Exemplo 2.1.1, parte c), e na Seção 2.4, a relação entre es-
truturas complexas e simpléticas em espaços vetoriais. Discutiremos
nesta seção o problema análogo em variedades.
Seja M uma variedade suave. Uma estrutura quase-complexa em
M é um automorfismo J : T M → T M tal que J 2 = −Id. Em ou-
tras palavras, cada espaço tangente Tx M é munido de uma estrutura
complexa Jx , de modo que Jx varia suavemente em x.
Se (M, ω) é uma variedade simplética e J é uma estrutura quase-
complexa em M , então dizemos que J é ω-compatı́vel se, para todo
x ∈ M , Jx é ωx -compatı́vel em Tx M . Assim, ω e J definem uma
métrica riemanniana g em M dada por

gx : Tx M × Tx M → R, gx (X, Y ) = ωx (X, Jx Y ).

A métrica g é chamada de métrica associada. Denotamos por J (M, ω)


o espaço das estruturas quase-complexas em M que são ω-compatı́veis.
Assim como no caso linear, temos:

Teorema 3.3.1. Seja (M, ω) uma variedade simplética. Então exis-


tem estruturas quase-complexas ω-compatı́veis.

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26 [CAP. 3: VARIEDADES SIMPLÉTICAS

Para provar o teorema, escolha uma métrica riemanniana qualquer


em M e note que a demonstração do Teorema 2.4.2 pode ser adaptada
sem problemas para o fibrado tangente.

Exercı́cio: Mostre que, assim como no caso linear, o espaço J (M, ω) é


contrátil. (Dica: Note que J (M, ω) pode ser visto como o espaço de seções
de uma fibração sobre M , com fibras J (Tx M, ωx ), e já mostramos no
Cor. 2.4.3 que essas fibras são contráteis.)

Observação: Note que não foi usado até aqui o fato de ω ser
fechada. Portanto o que discutimos vale, sem modificações, para
2-formas não-degeneradas, também chamadas de quase-simpléticas.

Exercı́cio: Mostre a seguinte recı́proca do Teorema 3.3.1: se (M, J) é


uma variedade quase-complexa, então existem estruturas quase-simpléticas
compatı́veis com J. (Dica: Mostre que qualquer métrica riemanniana em
M pode ser modificada de modo a satisfazer g(X, Y ) = g(JX, JY ), e defina
ω por ω(X, Y ) = g(JX, Y ).)

Uma variedade quase-Kähler é uma variedade simplética (M, ω)


equipada com uma estrutura quase-complexa compatı́vel J.

Exercı́cio: Uma subvariedade N ,→ M de uma variedade quase-complexa


é uma subvariedade quase-complexa se J(T N ) ⊆ T N . Mostre que, se
M é quase-Kähler, então uma subvariedade quase-complexa N herda uma
estrutura simplética de M , e que, com respeito às estruturas induzidas, N
é uma variedade quase-Kähler.

Uma estrutura quase-complexa J em M é integrável se existe



um atlas {Uα , ϕα } no qual as cartas locais ϕα : Uα −→ Vα ⊂ R2n
satisfazem
dϕα ◦ J = J0 ◦ dϕα , (3.3.1)
onde J0 é a estrutura complexa canônica de R2n (Exemplo 2.4.1).
Identificando (R2n , J0 ) com Cn , a condição (3.3.1) se torna

dϕα ◦ J = idϕα , (3.3.2)


e a aplicação ϕα é dita J-holomorfa. É fácil ver que, neste caso, as
mudanças de coordenadas

ψαβ = ϕβ ◦ ϕ−1
α : Vαβ → Vβα

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[SEC. 3.3: OUTROS EXEMPLOS IMPORTANTES 27

são holomorfas (i.e., idψαβ = dψαβ i), onde Vαβ = ϕα (Uα ∩ Uβ ) e


Vβα = ϕβ (Uα ∩Uβ ). Uma variedade munida de um atlas cujas funções
de transição são holomorfas é uma variedade complexa, e este é o caso
de toda variedade quase-complexa integrável. Reciprocamente, toda
variedade complexa admite, canonicamente, uma estrutura √ quase-
complexa integrável (dada por multiplicação por i = −1 em cada
carta do atlas complexo).
Uma variedade Kähler é uma variedade quase-Kähler (M, ω, J)
tal que a estrutura quase-complexa J é integrável. Em outras palavras,
M é uma variedade complexa equipada com uma forma simplética
compatı́vel.

Exemplo 3.3.2.

a) R2n = {(qP1 , . . . , qn , p1 , . . . , pn )}, munido com a estrutura simplé-


tica ω0 = j dqj ∧ dpj (Exemplo 3.1.1) e a estrutura complexa
constante J0 (Exemplo 2.4.1) é uma variedade Kähler; a métrica
associada é a métrica euclideana usual. Se identificarmos R2n
com Cn , com coordenadas zj = qj +ipj , a estrutura √ complexa J0
torna-se simplesmente a multiplicação por i = −1, enquanto
que a forma simplética canônica se escreve como

iX
ω0 = dzj ∧ dz j ,
2 j

onde dzj = dqj + idpj e dz j = dqj − idpj .

b) Em superfı́cies, pode-se mostrar que toda estrutura quase-com-


plexa é automaticamente integrável. Como toda superfı́cie ori-
entável é simplética, e como toda estrutura simplética admite
estruturas quase-complexas compatı́veis, segue que toda su-
perfı́cie orientável é Kähler.

c) Toda subvariedade complexa de uma variedade Kähler é Kähler.

d) Os espaços projetivos complexos CP n são variedades Kähler.


Segue da parte c), portanto, que variedades projetivas não-
singulares são variedades Kähler.

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28 [CAP. 3: VARIEDADES SIMPLÉTICAS

Trataremos o exemplo dos espaços projetivos com mais detalhe


ainda nesta seção. Antes, contudo, precisamos de uma descrição local
mais explı́cita de formas simpléticas em variedades Kähler usando
coordenadas complexas.
Seja (M, J) uma variedade complexa. Considere uma vizinhança
U com coordenadas complexas zj = xj +iyj , onde x1 , . . . , xn , y1 , . . . , yn
são coordenadas reais. Defina as 1-formas complexas dzj , dz k ∈
Ω1 (U, C),
dzj = dxj + idyj , dz k = dxk − idyk .

Exercı́cio: Considere uma 1-forma arbitrária η ∈ Ω1 (U , C), η =



P P
a
j j dx j + b
k k dy k onde aj , bk ∈ C (U , C). Mostre que existem
,
funções a0j , b0k ∈ C ∞ (U , C), unicamente determinadas, satisfazendo
X X
η= a0j dzj + b0k dz k .
j k

Como as formas dzj e dz̄k são preservadas por mudanças de co-


ordenadas holomorfas, segue do exercı́cio anterior que o espaço das
1-formas complexas em M pode ser escrito como

Ω1 (M, C) = Ω1,0 ⊕ Ω0,1 ,

onde Ω1,0 é o espaço das 1-formasPcomplexas que em coordenadas


complexas locais se escrevem como j aj dzj , enquanto que as formas
P
em Ω0,1 se escrevem localmente como k bk dz̄k .
Analogamente, o espaço das 2-formas complexas em M admite a
decomposição
Ω2 (M, C) = Ω2,0 ⊕ Ω1,1 ⊕ Ω0,2 ,
onde, emP coordenadas complexas locais, elementos de Ω2,0 são da
1,1
forma a
j<k jk dz j ∧ dz k , os elementos de Ω se escrevem como
P 0,2
P
jk bjk dzj ∧ dz k , e os de Ω como j<k cjk dz̄j ∧ dz̄k . Não é difı́cil
ver que, em geral, temos uma decomposição análoga do tipo

Ωm (M, C) = ⊕r+s=m Ωr,s .

Seja π r,s a projeção de Ωm (M, C) no sub-espaço Ωr,s . A partir da


derivada exterior d : Ωm (M, C) → Ωm+1 (M, C), podemos definir dois

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[SEC. 3.3: OUTROS EXEMPLOS IMPORTANTES 29

outros operadores:

∂ = π r+1,s d : Ωr,s → Ωr+1,s e ∂ = π r,s+1 d : Ωr,s → Ωr,s+1 .


(3.3.3)

Exercı́cio: Para f ∈ C ∞ (M, C), observe que df = ∂f + ∂f . Use este fato


para concluir que d = ∂ + ∂ em geral. Como d2 = 0, conclua que
2
∂ 2 = 0, ∂∂ = −∂∂, ∂ = 0.

Proposição 3.3.3. Seja (M, J) uma variedade complexa e ω ∈ Ω2 (M, C).


Então ω define uma estrutura Kähler se e somente se:

i) ω ∈ Ω1,1 ,
P
ii) Localmente, temos ω = 2i hjk dzj ∧ dz̄k , onde (hjk ) é uma
matriz positiva-definida em cada ponto,

iii) ∂ω = 0, ∂ω = 0.

Demonstração: Em coordenadas complexas locais, escrevemos


X X X
ω= ajk dzj ∧ dzk + bjk dzj ∧ dz k + cjk dz̄j ∧ dz̄k ,

onde ajk , bjk , cjk ∈ C ∞ (U, C). A primeira condição de compatibil-


idade entre ω e J em (2.4.2) é que J ∗ ω = ω. Usando as relações
J ∗ dzj = idzj e J ∗ dz̄j = −idz̄j , é fácil ver que J ∗ ω = ω se e somente
se ajk = cjk = 0, i.e., ω ∈ Ω1,1 . Tomando bjk = 2i hjk , temos a
expressão local
iX
ω= hjk dzj ∧ dz̄k ,
2
jk

e vale que ω toma valores reais (i.e., ω = ω) se e somente hjk = hkj ,


ou seja, a matriz (hjk ) é hermitiana em cada ponto. Além disso,
ω é não-degenerada se e somente se a matriz (hjk ) é não-singular,
enquanto que a segunda condição de compatibilidade entre ω e J
(ω(X, JX) > 0 para X 6= 0) equivale a (hjk ) ser positiva-definida em
cada ponto.

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30 [CAP. 3: VARIEDADES SIMPLÉTICAS

Finalmente, como ∂ω ∈ Ω2,1 e ∂ω ∈ Ω1,2 , segue que dω =


∂ω + ∂ω = 0 se e somente se ∂ω = 0 e ∂ω = 0. 

Considere numa carta complexa local os operadores


   
∂ 1 ∂ ∂ ∂ 1 ∂ ∂
:= −i e := +i .
∂zj 2 ∂xj ∂yj ∂ z̄j 2 ∂xj ∂yj

Exercı́cio: Mostre que se f ∈ C ∞ (M, C), então, em coordenadas com-


P ∂f P ∂f
plexas, temos ∂f = ∂z
dzj e ∂f = ∂ z̄
dz̄j
j j

Corolário 3.3.4. Seja f ∈ C ∞


(M, R) tal que, em coordenadas com-
∂2f
plexas locais, a matriz ∂zj ∂zk é positiva-definida em todo ponto.
Então ω := 2i ∂∂f é uma forma simplética Kähler.
Demonstração: Usando os dois últimos exercı́cios, é imediato ver-
ificar as condições i), ii) e iii) da Prop. 3.3.3. 

Podemos agora exibir a estrutura Kähler dos espaços projetivos


complexos explicitamente.
Exemplo 3.3.5 (Espaço projetivo complexo). O espaço proje-
tivo complexo CP n é definido como o quociente de Cn+1 \{0} pela
relação de equivalência (z0 , . . . , zn ) ∼ (λz0 , . . . , λzn ), onde λ ∈ C∗ .
Denotamos a classe de equivalência de (z0 , . . . , zn ) por [z0 , . . . , zn ].
Para cada α ∈ {0, 1, . . . , n}, considere o subconjunto de CP n dado
por
Uα := {[z0 , . . . , zn ] | zα 6= 0},
e seja ϕα : Uα → Cn a aplicação dada por
 
z0 zα−1 zα+1 zn
ϕα ([z0 , . . . , zn ]) = ,..., , ,..., .
zα zα zα zα

Exercı́cio: Considere o atlas de CP n dado por {(Uα , ϕα ), α = 0, 1, . . . , n}.


Mostre que as funções de transição ψαβ = ϕβ ◦ ϕ−1
α são dadas por

1
ψαβ (w1 , . . . , wn ) =(w1 , . . . , wα , 1, wα+1 , . . . , wβ−1 , wβ+1 , . . . , wn ),

(3.3.4)
e portanto são holomorfas.

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Assim, temos em CP n uma estrutura complexa. Agora apresenta-


mos a construção de uma estrutura simplética compatı́vel. Considere
em Cn a função complexa

f (z) = log(|z|2 + 1),


n
para z =
  (z1 , . . . , zn ) ∈ C . Um cálculo direto mostra que a matriz
∂2f
∂zj ∂z k é positiva-definida em todo ponto (daremos um argumento
alternativo abaixo), e segue do Corolário 3.3.4 que a 2-forma
"P P P #
i i j dzj ∧ dz j ( j z j dzj ) ∧ ( k zk dz k )
ωF S = ∂∂f = P − P
2 2 1 + j zj z j (1 + j zj z j )2
(3.3.5)
define uma estrutura Kähler em Cn . Para definir uma estrutura
Kähler em CP n , basta observarmos que ωF S é preservada pelas funções
de transição (3.3.4) do atlas construı́do acima. Por exemplo,
1
ψ01 (z1 , . . . , zn ) = (1, z2 , . . . , zn ),
z1
e temos que

ψ01 f (z) = f (z) − log(|z1 |2 ) = f (z) − log(z1 ) − log(z 1 ).

Portanto
∗ i ∗ i i i
ψ01 ωF S = ∂∂ψ01 f = ∂∂f + ∂∂log(z 1 ) − ∂∂log(z1 ) = ωF S .
2 2 2 2
A forma simplética em CP n dada em cartas por ωF S é chamada forma
de Fubini-Study .
Observação: Apresentamos aqui um argumento alternativo para
a condição de positividade da forma de Fubini-Study, baseado na
seguinte propriedade de simetria. Seja U (n + 1) o grupo das trans-
formações lineares de Cn+1 que preservam o produto interno hermi-
tiano canônico. A ação natural de U (n + 1) em Cn+1 leva qualquer
linha complexa em qualquer outra, e portanto induz uma ação de
U (n + 1) em CP n que é transitiva.

Exercı́cio: Verifique que ωF S é preservada por essa ação.

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Em particular, para mostrar que a forma de Fubini-Study satisfaz


a condição de positividade do Corolário 3.3.4, é suficiente mostrar que
isto vale em um único ponto. Usando a expressão explı́cita para ωF S
em (3.3.5), é fácil ver que no ponto z = 0 (que corresponde ao ponto
[1, 0, . . . , 0] em U0 ), esta forma coincide com a forma canônica de Cn .
Concluimos que a condição de positividade é satisfeita em todo ponto
de CP n .
É natural perguntarmos se toda variedade complexa que admite
uma estrutura simplética, admite também uma estrutura simplética
que seja compatı́vel. W. Thurston [37] mostrou que isso não é ver-
dade, ou seja, existem variedades que são ao mesmo tempo complexas
e simpléticas mas não admitem uma estrutura Kähler. Daremos aqui
os ingredientes básicos do exemplo.
Exemplo 3.3.6 (Thurston). Considere R4 , com coordenadas (x1 , x2 ,
y1 , y2 ), munido da forma simplética ω = dx1 ∧ dx2 + dy1 ∧ dy2 . Para
(a, b) ∈ Z2 × Z2 , considere o difeomorfismo de R4 dado por
ψa,b (x1 , x2 , y1 , y2 ) = (x1 + a1 , x2 + a2 , y1 + b1 + a2 y2 , y2 + b2 )
onde a = (a1 , a2 ) e b = (b1 , b2 ). Temos que Γ = {ψa,b | (a, b) ∈
Z2 × Z2 } é um subgrupo do grupo de difeomorfismos de R4 . Cada
elemento de Γ é um simplectomorfismo de R4 , e portanto o quociente
M = R4 /Γ é uma variedade simplética compacta (localmente sim-
plectomorfa a (R4 , ω)). Topologicamente, M é um fibrado de toros
T2 sobre o T2 , e possui também uma estrutura complexa (como con-
sequencia da classificação de Kodaira [25]).
Como Γ é o grupo de transformações de recobrimento de R4 → M ,
segue que M tem grupo fundamental π1 (M ) = Γ. Como o primeiro
grupo de homologia é a abelianização do grupo fundamental, segue
que H1 (M, Z) = Γ/[Γ, Γ], onde [Γ, Γ] é o ideal gerado por comuta-
dores em Γ. Pode-se checar que [Γ, Γ] = 0 ⊕ 0 ⊕ Z ⊕ 0, e portanto
H1 (M, Z) = Z ⊕ Z ⊕ Z. Com isso, segue que o primeiro número de
betti de M é ı́mpar, o que contraria o fato de que os “os números
de betti ı́mpares são pares” em uma variedade Kähler compacta (isto
segue da decomposição de Hodge, veja [44, Cap. V]).
Para uma discussão sobre outros exemplos (em variedades sim-
plesmente conexas, em dimensão maior, etc.), veja [29, Seção 3.1] e
as referências lá contidas.

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3.3.2 Órbitas coadjuntas


Exemplos importantes de variedades simpléticas aparecem na teoria
dos grupos de Lie. Faremos aqui uma breve incursão no tema. O
leitor pode consultar, por exemplo, [19, 28] para mais detalhes.
Um grupo de Lie é um grupo G munido de uma estrutura de
variedade diferenciável para qual a multiplicação m : G × G → G é
uma aplicação suave; neste caso, a inversão g 7→ g −1 também é suave,
como consequência do teorema da função implı́cita.
Para cada g ∈ G, as aplicações Lg : G → G, a 7→ ga, e Rg : G →
G, a 7→ ag são difeomorfismos, com (Lg )−1 = Lg−1 e (Rg )−1 = Rg−1 .
Dizemos que um campo de vetores X ∈ X(G) é invariante à esquerda
se (Lg )∗ X = X, e invariante à direita se (Rg )∗ X = X, ∀g ∈ G. O
espaço dos campos de vetores invariantes à esquerda (resp. direita)
é denotado por XL (G) (resp. XR (G)). Note que cada u ∈ Te G
determina campos de vetores ul ∈ XL (G) e ur ∈ XR (G),

ulg = de Lg (u), e urg = de Rg (u),

e isso nos define um isomorfismo de espaços vetoriais:

XL (G) ∼
= Te G ∼
= XR (G). (3.3.6)

Uma álgebra de Lie (real) é um espaço vetorial (real) g munido de


um colchete [·, ·] : g × g → g que é bilinear, anti-simétrico e satisfaz a
identidade de Jacobi:

[[u, v], w] + [[w, u], v] + [[v, w], u] = 0.

Como o colchete de Lie de dois campos de vetores invariantes à es-


querda é invariante à esquerda, podemos definir um colchete

[·, ·] : Te G × Te G → Te G, [u, v] = [ul , v l ](e),

com respeito ao qual Te G é uma álgebra de Lie, que denotamos por


g e denominamos álgebra de Lie de G.
Observação: A definição do colchete em Te G em termos de campos
invariantes à direita resultaria no mesmo colchete com o sinal oposto.

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Qualquer espaço vetorial V é um grupo de Lie abeliano com res-


peito a soma de vetores. O grupo das matrizes reais n × n invertı́veis,
denotado GL(n, R), é um grupo de Lie com respeito ao produto.
Como GL(n, R) é um aberto no espaço das matrizes Mn (R), seu
espaço tangente na identidade é o próprio Mn (R). O colchete de Lie
é o comutador
[A, B] := AB − BA.
Outros exemplos importantes são dados por subgrupos de GL(n, R).
Exemplo 3.3.7.
a) O grupo linear ortogonal O(n) = {A ∈ GL(n, R) | At A =
Id}, ou seja, as transformações lineares de Rn que preservam o
produto interno canônico. A álgebra de Lie associada é u(n) =
{A ∈ Mn (R) | A = −At }.
O grupo O(n) tem duas componentes conexas, caracterizadas
pelas condições det(A) = 1 ou det(A) = −1. O subgrupo
SO(n) = {A ∈ O(n) | det(A) = 1} é chamado grupo ortogonal
especial, e tem a mesma álgebra de Lie de O(n).
b) Podemos considerar também matrizes complexas. Assim temos
GL(n, C), o grupo das matrizes complexas invertı́veis. A álgebra
de Lie associada é Mn (C), com colchete dado pelo comutador.
Definimos o grupo U (n) = {A ∈ GL(n, C) | A∗ A = Id} das
matrizes complexas que preservam o produto interno hermi-
tiano canônico de Cn . Sua álgebra de Lie é u(n) = {A ∈
Mn (C) | A∗ = −A}. Note, por exemplo, que U (1) = S 1 é
o grupo dos números complexos com valor absoluto igual a 1.
De maneira mais geral, se V é um espaço vetorial (real, de di-
mensão finita), consideramos o grupo de Lie GL(V ) das transforma-
ções lineares invertı́veis de V em V . A álgebra de Lie gl(V ) associada
é dada pelo espaço de todos os endomorfismos lineares de V , e o
colchete é o comutador.
Uma representação de um grupo de Lie G num espaço vetorial V
é um homomorfismo de grupos de Lie ψ : G → GL(V ). A derivada
dessa aplicação na identidade, de ψ : g → gl(V ), é então um homo-
morfismo de álgebras de Lie, e define uma representação de g em
V.

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Dada uma representação ψ : G → GL(V ) e um ponto x ∈ V , a


órbita de x é a subvariedade imersa Ox = {y ∈ V | ∃g ∈ G, ψg (x) =
y} ⊆ V , e vale que
Tx Ox = {de ψ(u)(x) | u ∈ g}, (3.3.7)
∼V.
usando a identificação Tx V =
Duas representações canônicas associadas a qualquer grupo de Lie
são as seguintes:
Exemplo 3.3.8 (Representações adjunta e coadjunta).
a) Para g ∈ G, considere a aplicação Ig : G → G, Ig (a) = gag −1 .
Como Ig (e) = e, temos uma aplicação linear
Adg := de Ig : g → g.
O homomorfismo Ad : G → GL(g), g 7→ Adg , é a representação
adjunta de G em g. Neste caso, a representação de g em g
induzida pela derivada é
ad : g → gl(g), u 7→ adu ,
onde adu (v) = [u, v].
b) Podemos dualizar a representação adjunta e obter a representação
coadjunta
Ad∗ : G → GL(g∗ ), g 7→ Ad∗g := (Adg−1 )∗ ,
ou seja,hAd∗g (ξ), ui = hξ, Adg−1 ui, para ξ ∈ g∗ , u ∈ g. Note a
necessidade de tomarmos a adjunta com respeito a g −1 para que
tenhamos um homomorfismo de grupos. Ao nı́vel das álgebras
de Lie, temos a representação
ad∗ : g → gl(g∗ ), u 7→ ad∗u ,
definida por had∗u (ξ), vi = −hξ, [u, v]i.

Exercı́cio: Suponha que g tenha um produto interno h·, ·i que seja Ad-
invariante, ou seja, hAdg u, Adg ui = hu, vi, para todo g ∈ G. Mostre que a
identificação g ∼
= g∗ induzida por este produto interno identifica também
as representações adjunta e coadjunta.

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36 [CAP. 3: VARIEDADES SIMPLÉTICAS

Como veremos agora, toda órbita coadjunta O ,→ g∗ possui uma


estrutura simplética canônica. Este fato é comumente atribuı́do a
Kostant-Kirillov-Souriau.
Considere ξ ∈ g∗ , e seja O a órbita coadjunta que passa por ξ.
Segue de (3.3.7) que os vetores da forma ad∗u (ξ) geram o espaço Tξ O,
Tξ O = {ad∗u (ξ) | u ∈ g}.
Note que se ad∗u (ξ) = ad∗u0 (ξ), então
hξ, [u − u0 , v]i = (ad∗u0 − ad∗u )(ξ) = 0,
para todo v ∈ g. Portanto, para ξ ∈ g∗ fixo, o valor de hξ, [u, v]i
depende apenas de ad∗u e ad∗v no ponto ξ. Podemos, com isso, definir
uma forma bilinear anti-simétrica em Tξ O por
ωξ (ad∗u (ξ), ad∗v (ξ)) := hξ, [u, v]i, (3.3.8)
e segue imediatamente da definição que ωξ é não degenerada. Obte-
mos assim uma 2-forma não-degenerada em cada ponto de O.
Teorema 3.3.9. Seja O ⊂ g∗ uma órbita coadjunta. Então (3.3.8)
define uma 2-forma simplética em O.
Demonstração: É um fato básico que a representação adjunta
preserva o colchete de Lie, [Adg (u), Adg (v)] = Adg ([u, v]). Portanto
h(Ad)∗g ξ, [Adg (u), Adg (v)]i = hAd∗g ξ, Adg ([u, v])i = hξ, [u, v]i,
o que mostra que a 2-forma ω definida pontualmente por (3.3.8) é
invariante pelas transformações adjuntas Ad∗g . Como estas trans-
formações agem transitivamente na órbita O, segue que ω é de fato
suave. Resta verificar que ω é fechada.
Como g ∼ = (g∗ )∗ , podemos considerar g ⊂ C ∞ (g∗ ). Dado u ∈ g,
temos que du ∈ Ω1 (g∗ ) é definido por (du)ξ (η) = η(u). Assim
(iad∗u (ξ) ω)(ad∗v (ξ)) = hξ, [u, v]i = (du)ξ (ad∗v (ξ)),
e portanto iad∗u ω = du é exata (aqui pensamos em ad∗u como um
campo de vetores em g∗ , definido em ξ ∈ g∗ por ad∗u (ξ) ∈ g∗ ∼
= Tξ g∗ ).
Usando a fórmula de Cartan e a invariância de ω, temos
iad∗u dω = Lad∗u ω − diad∗u ω = 0,

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[SEC. 3.3: OUTROS EXEMPLOS IMPORTANTES 37

ou seja, dω = 0. 

Exemplo 3.3.10.

a) Considere o grupo

SO(3) = {A ∈ GL(3, R) | At A = Id, det(A) = 1}.

Sua álgebra de Lie é so(3) = {A ∈ M3 (R) | A = −At }. Pode-


mos identificar so(3) com R3 de acordo com
   
u1 0 −u3 u2
u2  7→  u3 0 −u1  .
u3 −u2 u1 0

Com esta identificação, o colchete de Lie em R3 é o produto


vetorial, i.e., [u, v] = u × v, e a representação adjunta toma a
forma
AdA (u) = Au, adu (v) = u × v.
Como o produto interno usual de R3 é invariante pelas trans-
formações de SO(3), a identificação R3 ∼
= (R3 )∗ por ele induzida
identifica também as representações adjunta e coadjunta. Por-
tanto as órbitas coadjuntas em R3 são as esferas centradas na
origem, incluindo a órbita singular {0}. Assim, para cada r > 0,
temos a órbita coadjunta

Or = {ξ ∈ R3 | kξk = r}.

A forma simplética em Or definida pelo Teorema 3.3.9 é


1
ω= σr , (3.3.9)
r
onde σr é a forma de área da esfera Or .

Exercı́cio: Use a identidade u × (v × w) = vhu, wi − whu, vi para mostrar


que σr (u × ξ, v × ξ) = rhξ, u × vi. Com isso, prove (3.3.9).

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38 [CAP. 3: VARIEDADES SIMPLÉTICAS

b) Considere o grupo de Lie U (n) (Exemplo 3.3.7, parte b)). Sua


álgebra de Lie u(n), dada por matrizes complexas anti-hermiti-
anas, possui um produto interno invariante pela representação
adjunta,
(A, B) 7→ tr(A∗ B).
Podemos usar este produto interno para identificar u(n) com
u(n)∗ . Como u(n) = iH, onde H = {ξ ∈ Mn (C) | ξ = ξ ∗ } é
o espaço das matrizes hermitianas, temos a identificação H ∼
=
u(n)∗ dada por

hξ, ui = −tr(iξu), u ∈ u(n), ξ ∈ H.

Com esta identificação, a representação coadjunta de U (n) em


H é
Ad∗A (ξ) = AξA−1 .
Portanto duas matrizes em H estão na mesma órbita coadjunta
se e somente se elas têm o mesmo espectro. Assim, cada lista
de n números reais λ = (λ1 , . . . , λn ), com λ1 ≤ λ2 ≤ . . . ≤ λn ,
define uma órbita coadjunta

Oλ = {ξ ∈ H | espectro(ξ) = λ}.

A topologia das órbitas varia de acordo com λ. Por exemplo, se


λ1 < λ2 = . . . = λn , então cada ξ ∈ Oλ é totalmente caracteri-
zado por uma linha complexa em Cn ; pense nesta linha como o
autoespaço associado ao autovalor λ1 , de modo que o seu com-
plemento ortogonal em Cn é o autoespaço associado ao outro
autovalor. Portanto a linha complexa caracteriza a matriz ξ
completamente. Assim, para λ1 < λ2 = . . . = λn , temos

Oλ = CP n−1 ,

e obtemos, pelo Teorema 3.3.9, uma famı́lia a dois parâmetros


de formas simpléticas em CP n , todas múltiplas da forma de
Fubini-Study.
Mais geralmente, no caso λ1 = λ2 = . . . = λk < λk+1 = . . . =
λn , cada ponto da órbita Oλ é totalmente determinado por um
k-plano complexo em Cn , visto como o autoespaço associado ao

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[SEC. 3.4: OBSTRUÇÕES 39

autovalor λ1 , com multiplicidade k, de modo que o autoespaço


associado a λk+1 , com multiplicidade (n − k), é o seu comple-
mento ortogonal. Assim, neste caso, temos

Oλ = Gr(k, n),

a grassmanniana de k-planos em Cn .
Para λ1 < λ2 < . . . λn , cada ξ ∈ Oλ é caracterizado pelos n
autoespaços Lj , ou, equivalentemente, pelos subespaços Ei =
⊕i≤j Lj ,
E1 ⊂ E 2 ⊂ . . . ⊂ E n = C n .
Em outras palavras, Oλ é uma variedade “flag” completa. Para
os outros tipos de espectro, as órbitas são variedades “flag”
incompletas.

Os exemplos anteriores ilustram ainda o fato geral de que órbitas


coadjuntas de grupos de Lie compactos são não apenas simpléticas,
mas de fato Kähler.

3.4 Obstruções
Vimos que toda variedade simplética tem dimensão par e é orientável.
Uma questão central em geometria simplética é se, dada uma var-
iedade M satisfazendo essas condições, existe ou não alguma estru-
tura simplética em M . Descreveremos nessa seção uma simples ob-
strução na cohomologia de M .

Proposição 3.4.1. Seja M uma variedade compacta de dimensão


2n. Se M admite alguma estrutura simplética, então existe um ele-
2
mento a ∈ HdR (M, R) tal que an 6= 0. Em particular, HdR
2k
(M, R) 6= 0
para todo k = 1, . . . , n.

Demonstração: Se ω ∈ Ω2 (M ) é forma simplética, seja a = [ω] ∈


2
HdR (M, R). Como ω n ∈ Ω2n (M ) é uma forma de volume, temos que
Z
ω n 6= 0.
M

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40 [CAP. 3: VARIEDADES SIMPLÉTICAS

Por outro lado, se an = 0, então ω n é exata, ω n = dθ. Pelo teorema


de Stokes, temos
Z Z Z
ωn = dθ = θ = 0,
M M ∂M

n
o que não é possı́vel. Portanto a 6= 0. 

Segue diretamente da proposição anterior que variedades como


S 2n , n > 1, ou S 3 × S 1 , não admitem estruturas simpléticas, já que
2
em todas temos HdR = 0.

Exercı́cio: Verifique que o mesmo argumento dado na prova da Prop. 3.4.1


mostra que nao há subvariedades simpléticas compactas de (R2n , ω0 ).

Existe ainda um outro tipo de obstrução, de natureza topológica,


que impede certas variedades de dimensão par e orientáveis de ad-
mitirem sequer uma estrutura quase-simplética. Observe que, como
vimos na Seção 3.3.1, uma variedade admite uma estrutura quase-
simplética se e somente se admite uma estrutura quase-complexa (e
essas estruturas podem até mesmo ser escolhidas de forma a serem
compatı́veis). As obstruções topológicas para a existência de estru-
turas quase-simpléticas/complexas podem ser expressas em termos de
classes caracterı́sticas, e são usadas para mostrar, por exemplo, que
dentre as esferas de dimensão par, apenas S 2 e S 6 admitem estrutura
quase-complexa/simplética.
Se M é uma variedade aberta (i.e., sem componentes compactas),
segue do trabalho de Gromov, veja e.g [29, Cap. 7], que se M ad-
mite uma estrutura quase-simplética, então admite uma estrutura
simplética homotópica a ela (homotopia via estruturas quase-simplé-
ticas). Para variedades compactas, não é verdade que a existência
de uma estrutura quase-simplética garanta que a variedade admite
uma estrutura simplética (ainda que a condição necessária dada pela
Prop. 3.4.1 seja satisfeita). Por exemplo, foi provado por Taubes [36],
usando a teoria dos invariantes de Seiberg-Witten, que a soma conexa
CP 2 #CP 2 #CP 2 é quase-complexa mas não é simplética (esta var-
iedade também não é complexa, como consequencia da classificação
de Kodaira [25]).

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[SEC. 3.5: SUBVARIEDADES 41

Como já observamos, os problemas de existência de estruturas


quase-simpléticas e quase-complexas são equivalentes. Mas isso não
é mais verdade se impusermos as condições de integrabilidade. Por
exemplo, existem variedades simpléticas que não admitem estruturas
complexas [14]. E podemos usar a Prop. 3.4.1 para dar um exemplo
de uma variedade complexa que não é simplética:

Exemplo 3.4.2 (Superfı́cie de Hopf ). Considere Z agindo em


C2 \{0} por
n · (z1 , z2 ) = (2n z1 , 2n z2 ),
de modo que a relação de equivalência dada pelas órbitas é (z 1 , z2 ) ∼
(2z1 , 2z2 ). Como a ação é via transformações holomorfas, preserva a
estrutura complexa. Temos assim uma estrutura complexa induzida
no quociente M = (C2 \{0})/ ∼, para a qual a aplicação quociente é
um biholomorfismo local.
Para ver que M não admite nenhuma estrutura simplética, ob-
serve que C2 \{0} é difeomorfo a S 3 × R através da aplicação

f : S 3 × R → C2 \{0}, f (z1 , z2 , t) = (2t z1 , 2t z2 ).

Com essa identificação, a ação de Z em S 3 × R é n · (z1 , z2 , t) =


(z1 , z2 , t + n). Portanto M ∼= S 3 × S 1 , que não é simplético pela
Prop. 3.4.1.

Note que o Exemplo 3.3.6 ilustra ainda o fato de que existem


variedades que admitem estruturas complexas e simpléticas, mas es-
tas não podem ser escolhidas de forma compatı́vel (o que é sempre
possı́vel para estruturas quase-simpléticas/complexas). O leitor pode
achar mais detalhes sobre a discussão de obstruções, com referências
aos artigos originais, em [7, 8, 29].

3.5 Subvariedades
Em uma variedade simplética (M, ω), existem tipos de subvariedades
análogos aos subespaços descritos na Seção 2.2.
Uma subvariedade N ,→ M (ou, mais geralmente, uma imersão)
é chamada coisotrópica (resp. isotrópica, lagrangiana, simplética) se,

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42 [CAP. 3: VARIEDADES SIMPLÉTICAS

para todo x ∈ M , Tx N é um subespaço coisotrópico (resp. isotrópico,


lagrangiano, simplético) de (Tx M, ωx ).
Por exemplo, toda curva é uma subvariedade isotrópica, e toda
hipersuperfı́cie é coisotrópica. Nosso foco principal será, no entanto,
nas subvariedades que são ao mesmo tempo isotrópicas e coisotrópicas,
i.e., lagrangianas. Ilustraremos nesta seção como vários objetos natu-
rais em geometria simplética podem ser expressos como subvariedades
lagrangianas.
Sejam (M1 , ω1 ) e (M2 , ω2 ) duas variedades simpléticas, e denote
por M 2 a variedade simplética (M2 , −ω2 ).

Proposição 3.5.1. Um difeomorfismo ϕ : M1 → M2 é um simplec-


tomorfismo se e somente se o gráfico de ϕ, graf(ϕ) = {(x, ϕ(x)), x ∈
M1 }, é subvariedade lagrangiana de M1 × M 2 .

Demonstração: Considere o mergulho γ : M1 → M1 × M2 , γ(x) =


(x, ϕ(x)). Então

γ ∗ (pr∗1 ω1 − pr∗2 ω2 ) = (pr1 ◦ γ)∗ ω1 − (pr2 ◦ γ)∗ ω2 = ω1 − ϕ∗ ω2 ,

e o resultado segue imediatamente. 

Observamos agora como alguns objetos geométricos associados a


uma variedade Q são representados por subvariedades lagrangianas de
T ∗ Q. Lembre que, em coordenadas cotangentes (x1 , . . . , xn , ξ1 , . . . , ξn ),
a forma canônica é X
ω= dxj ∧ dξj .
j

É simples ver que tanto as fibras da projeção π : T ∗ Q → Q quanto


a seção zero Q ,→ T ∗ Q são subvariedades isotrópicas de dimensão
máxima (= 21 dim(T ∗ Q)), portanto são lagrangianas. Esses dois ex-
emplos são casos particulares da próxima proposição.

Proposição 3.5.2. Suponha que Q tem dimensão n, e seja S ,→ Q


uma subvariedade de dimensão k. Então o fibrado conormal de S,

N ∗ S := {(x, ξ) ∈ T ∗ Q | x ∈ S, ξ ∈ Tx∗ Q, tal que ξ|Tx S = 0}

é subvariedade lagrangiana de T ∗ Q.

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[SEC. 3.5: SUBVARIEDADES 43

Demonstração: Podemos escolher coordenadas locais (x1 , . . . , xn )


em Q tais que S é definida localmente pelas condições
xk+1 = . . . = xn = 0.
Nas coordenadas (x1 , . . . , xn , ξ1 , . . . , ξn ) de T ∗ Q, o fibrado conormal
N ∗ S é definido por
xk+1 = . . . = xn = 0, ξ1 = . . . = ξk = 0.
P
Portanto, em pontos de N ∗ S, podemos escrever α = j>k ξj dxj , e

vemos que α se anula nos vetores ∂x i
, i = 1, . . . , k. Isso mostra que
∗ ∗ ∗
ι α = 0, onde ι : N S ,→ T Q é a inclusão.


A próxima classe de exemplos é importante no estudo de in-


terseções de variedades lagrangianas, veja Seção 4.4.
Toda 1-forma µ ∈ Ω1 (Q) define uma subvariedade
Nµ := {(x, µx ) , x ∈ Q} ⊂ T ∗ Q,
caracterizada pela propriedade de que π : T ∗ Q → Q projeta Nµ
difeomorficamente sobre Q.
Proposição 3.5.3. A subvariedade Nµ , µ ∈ Ω1 (Q), é lagrangiana
se e somente se dµ = 0.
Demonstração: Note que Nµ é a imagem da aplicação µ : Q →
T ∗ Q. Lembrando que
µ∗ α = µ,
onde α é a 1-forma tautológica (veja exercı́cio na seção 3.2), segue
que
µ∗ ω = −µ∗ dα = −dµ∗ α = −dµ,
e portanto µ∗ ω = 0 se e somente se dµ = 0. 

Portanto subvariedades de Q e 1-formas fechadas em Q estão


naturalmente associadas a subvariedades lagrangianas de T ∗ Q.
No artigo [43], a importância de subvariedades lagrangianas é ex-
pressa no “credo simplético” de A. Weinstein: “tudo é uma subvar-
iedade lagrangiana”. Em outras palavras, objetos e construções em
geometria simplética podem, em geral, ser entendidos em termos de
subvariedades lagrangianas.

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Capı́tulo 4

O método de Moser e
formas normais

O método de Moser, descrito neste capı́tulo, é peça fundamental


na demonstração de vários resultados de rigidez local em geometria
simplética. O método se baseia na construção de simplectomorfismos
através de deformações do difeomorfismo identidade. De forma mais
precisa, consideraremos famı́lias a 1-parâmetro de difeomorfismos de
uma variedade M , ϕt : M → M , tal que ϕ0 = Id. Nos referimos a
tal famı́lia como uma isotopia.
Toda isotopia define um campo de vetores tempo-dependente Xt
através da equação
dϕt
= Xt ◦ ϕt . (4.0.1)
dt
Reciprocamente, se os campos de vetores na famı́lia Xt forem com-
pletos, então (4.0.1) define uma isotopia ϕt , t ∈ R, veja [2, Cap. 4].
A derivada de Lie pode ser usada na descrição da variação de
formas diferencias através de isotopias pela fórmula

d ∗
ϕ β = ϕ∗t LXt β, (4.0.2)
dt t
onde β ∈ Ωk (M ), veja [2, Seção 5.4]. A equação (4.0.2) pode ser gene-
ralizada para tratar, ainda, a variação de formas diferencias tempo-

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[SEC. 4.1: O “TRUQUE” DE MOSER 45

dependentes βt :

d ∗ d ∗ d ∗ d
ϕ βt = ϕ βt + ϕ βy = ϕ∗t (LXt βt + βt ). (4.0.3)
dt t dx x x=t dy t y=t dt
Com essas preliminares, podemos passar ao método de Moser.

4.1 O “truque” de Moser


Começamos ilustrando o método, ou “truque”, de Moser no seu con-
texto original [30].
Teorema 4.1.1 (Moser). Seja M variedade compacta e orientada
de dimensão n. Sejam Λ0 e Λ1 formas de volume tais que
Z Z
Λ0 = Λ1 .
M M

Então existe um difeomorfismo ϕ : M → M tal que ϕ∗ Λ1 = Λ0 .


Demonstração: O primeiro passo é construir o difeomorfismo ϕ
através de uma isotopia ϕt ∈ Dif(M ), ϕ0 = Id, de modo que ϕ = ϕ1 .
Para tal, consideramos a famı́lia
Λt = tΛ1 + (1 − t)Λ0 ,
notando que cada Λt é ainda uma forma de volume. A hipótese de
que Λ0 e Λ1 tem a mesma integral sobre M assegura que essas formas
são cohomólogas, ou seja, existe β ∈ Ωn−1 (M ) tal que Λ1 = Λ0 + dβ,
de modo que
Λt = Λ0 + tdβ.
Como estamos a procura de uma isotopia ϕt e M é compacto, pode-
mos defini-la através do campo de vetores dependente do tempo Xt
que a gera,
d
ϕt = X t ◦ ϕ t .
dt
É suficiente construı́rmos uma isotopia tal que ϕ∗t Λt = Λ0 , ou seja,
usando (4.0.3),
 
d ∗ d
(ϕt Λt ) = ϕ∗t Λt + LXt Λt = 0.
dt dt

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46 [CAP. 4: O MÉTODO DE MOSER E FORMAS NORMAIS

Usando a fórmula de Cartan e o fato de que dΛt = 0, vemos que a


última equação equivale a
d
Λt + diXt Λt = d(β + iXt Λt ) = 0.
dt
Portanto, para a construção da isotopia, é suficiente achar Xt satis-
fazendo
iXt Λt + β = 0. (4.1.1)
Como Λt é uma forma de volume, a aplicação X(M ) → Ωn−1 (M ),
X 7→ iX Λt , é um isomorfismo para cada t. Portanto, para cada t,
(4.1.1) tem solução única. O fluxo de Xt define uma isotopia ϕt satis-
fazendo ϕ∗t Λt = Λ0 , e ϕ = ϕ1 é o difeomorfismo desejado. 

Uma aplicação tı́pica do método de Moser em geometria simplética


mostra a rigidez, ou estabilidade, de famı́lias de formas simpléticas
dentro de uma mesma classe de cohomologia.
Teorema 4.1.2. Seja M uma variedade compacta, e seja ωt uma
famı́lia suave de formas simpléticas, t ∈ [0, 1]. Suponha que exista
uma famı́lia suave βt ∈ Ω2 (M ) tal que

ωt = ω0 + dβt . (4.1.2)

Então existe uma isotopia ϕt ∈ Dif(M ) tal que ϕ∗t ωt = ω0 para todo
t ∈ [0, 1].
Demonstração: Seguindo o truque de Moser, definiremos a isotopia
ϕt através de seu gerador infinitesimal Xt . Exatamente como na
prova do Teorema 4.1.1, temos que a condição ϕ∗t ωt = ω0 é equiva-
lente a  
d
d βt + iXt ωt = 0.
dt
Portanto basta resolver a equação
d
i Xt ω t + βt = 0,
dt
o que é sempre possı́vel já que ωt é simplética para todo t. 

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[SEC. 4.2: O TEOREMA DE DARBOUX 47

Exercı́cio: Considere a bola aberta B 2n em (R2n , ω0 ) com a estrutura


simplética induzida. Mostre que as formas simpléticas ωt = et ω0 em B 2n
não são simplectomorfas umas as outras (por exemplo, verifique que o
volume definido por cada uma é diferente). Conclua que o Teorema 4.1.2
não é válido sem a hipótese de compacidade de M .

Observação: É claro que se (4.1.2) é satisfeita, então [ωt ] = [ω0 ],


∀t ∈ [0, 1]. Pode-se mostrar que, na verdade, vale a recı́proca, i.e.,
se a classe de cohomologia de ωt independe de t, então existe uma
famı́lia suave βt satisfazendo (4.1.2). O ponto delicado é mostrar a
dependência suave da famı́lia βt em t, mas isso pode ser feito, por
exemplo, usando teoria de Hodge, veja [29, Seção 3.2].

4.2 O teorema de Darboux


Usaremos agora o método de Moser para mostrar a rigidez de estru-
turas simpléticas na vinhança de subvariedades.
Seja Q ,→ M uma subvariedade de uma variedade M . Precisare-
mos da seguinte generalização do lema de Poincaré:

Lema 4.2.1. Seja η ∈ Ωk (M ) uma k-forma fechada tal que η|Tx Q = 0


para todo x ∈ Q. Então existe uma vizinhança U de Q em M e uma
k − 1-forma β em U tal que η = dβ e β|Tx M = 0 para todo x ∈ Q.

Demonstração: Pelo teorema da vizinhança tubular, Q possui uma


vizinhança U para qual existe um difeomorfismo ψ : U → V, onde V
π
é uma vizinhança de Q no fibrado normal N Q = T M/T Q −→ Q e
ψ(x) = x, ∀x ∈ Q. Podemos, ainda, escolher a vizinhança V com
a propriedade de que, se (x, v) ∈ V, então (x, tv) ∈ V, ∀t ∈ [0, 1].
(Com a escolha de uma métrica em M , identificamos N Q com T Q⊥,
e podemos definir ψ como a aplicação exponencial restrita a uma
vizinhança suficientemente pequena de Q em T Q⊥.)
Basta, portanto, provar o resultado para a vizinhança V em N Q.
Para cada t ∈ [0, 1], considere a aplicação ϕt : V → V, ϕt (x, v) =
(x, tv). Seja Xt o campo tempo-dependente cujo fluxo gera ϕt , ou
d
seja, dt ϕt = Xt ◦ ϕt para t > 0. Como η é fechada, usando (4.0.3),
temos
d ∗
ϕ η = ϕ∗t LXt η = ϕ∗t d(iXt η) = d(ϕ∗t iXt η).
dt t

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48 [CAP. 4: O MÉTODO DE MOSER E FORMAS NORMAIS

Como limt→0 ϕ∗t η = π ∗ ι∗ η = 0, onde ι : Q ,→ N Q é a inclusão, e


ϕ1 = Id, temos
Z 1
d ∗
η = ϕ∗1 η − lim ϕ∗t η = lim ϕt η dt = dβ,
t→0 t→0 t dt

R1
onde β = 0 ϕ∗t iXt η dt. Como ϕt (x) = x, ∀x ∈ Q, temos que
Xt |Q = 0, e portanto β|Q = 0. 

O próximo exercı́cio mostra que a técnica usada na demonstração


do lema anterior pode mostrar um resultado mais geral, veja e.g. [2,
Cap. 6].

Exercı́cio: Sejam M1 , M2 variedades, e f0 , f1 : M1 → M2 aplicações


suaves homotópicas. Denote a homotopia (suave) por f : M1 ×[0, 1] → M2 .
Mostre que o operador H : Ωk (M2 ) → Ωk−1 (M1 ),
Z
Hη := f ∗ η,
[0,1]

satisfaz f1∗ − f0∗ = dH + Hd, onde ft (x) = f (x, t). (O operador H é


chamado operador de homotopia.)

Observação: No exercı́cio anterior, note que, se dη = 0, então


(f1∗ − f0∗ )η = d(Hη) é exata. Segue desse resultado, por exemplo, a
invariância homotópica da cohomologia de de Rham.
Passemos agora ao teorema de Darboux para vizinhanças de sub-
variedades.
Teorema 4.2.2. Sejam ω0 e ω1 formas simpléticas em M satis-
fazendo
ω0 |Tx M = ω1 |Tx M ∀x ∈ Q.
Então existem vizinhanças U0 e U1 de Q e um difeomorfismo ϕ :
U0 → U1 tal que

ϕ(x) = x ∀x ∈ Q, e ϕ ∗ ω1 = ω 0 .

Demonstração: Pelo Lema 4.2.1, Q possui uma vizinhança onde


existe 1-forma β tal que

dβ = ω1 − ω0 , e β|Tx M = 0, ∀x ∈ Q.

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[SEC. 4.3: TEOREMAS DE WEINSTEIN PARA VIZINHANÇAS DE SUBVARIEDADES 49

Considere a famı́lia de 2-formas fechadas nessa vizinhança dada por


ωt = (1 − t)ω0 + tω1 = ω0 + tdβ.
Para cada t ∈ [0, 1], a forma ωt é simplética em todo ponto de Q. Por-
tanto cada x ∈ Q possui uma vizinhança em M onde ωt é simplética.
Diminuindo essa vizinhança se necessário, podemos assumir que nela
todo ωt0 é simplético se t0 está numa vizinhança de t. Como [0, 1]
é compacto, concluı́mos que existe uma vizinhança de x onde ωt é
simplética para todo t ∈ [0, 1]. Tomando a união desses abertos,
obtemos uma vizinhança U0 de Q onde ωt é simplética para todo
t ∈ [0, 1].
Seguindo o método de Moser, sabemos que para achar uma iso-
topia ϕt com ϕ∗t ωt = ω0 , basta resolvermos a equação
iXt ωt = −β,
o que é sempre possı́vel já que ωt é simplética.
Como βx = 0 para x ∈ Q, Xt |Q = 0. Portanto, diminuindo U0
se necessário, podemos assumir que o fluxo ϕt , integrando Xt , está
definido para todo t ∈ [0, 1]. Como Xt |Q = 0, temos ϕt |Q = Id, e
assim ϕ = ϕ1 e U1 = ϕ1 (U0 ). 

Tomando Q como um ponto em M , obtemos o teorema de Dar-


boux:
Corolário 4.2.3 (Teorema de Darboux). Se (M, ω) é variedade
simplética de dimensão 2n, entao todo x ∈ M possui vizinhança sim-
plectomorfa a uma vizinhança de 0 ∈ R2n munida da forma simplética
canônica.
Como consequência, toda variedade simplética possui uma atlas
simplético. Para uma demonstração alternativa do teorema de Dar-
boux sem o uso do método de Moser, veja e.g. [5, 7].

4.3 Teoremas de Weinstein para vizinhan-


ças de subvariedades
Vamos agora usar o Teorema 4.2.2 para estudar vizinhanças de sub-
variedades, seguindo Weinstein [40].

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50 [CAP. 4: O MÉTODO DE MOSER E FORMAS NORMAIS

Se Q ,→ (M, ω) é uma subvariedade simplética, temos que T M |Q =


T Q ⊕ (T Q)ω . Portanto, para x ∈ Q, (Tx Q)ω é subespaço simplético
de Tx M . Em outras palavras, (T Qω , ω|T Qω ) é um fibrado vetorial
simplético sobre Q.
Teorema 4.3.1. Sejam ω0 e ω1 formas simpléticas em M , e seja
ι : Q ,→ M uma subvariedade simplética com respeito a ω0 e ω1 .
Suponha que ι∗ ω0 = ι∗ ω1 e que exista um isomorfismo de fibrados
b : T Qω1 → T Qω2 cobrindo a identidade . Então existem
simpléticos ϕ
vizinhanças U0 e U1 de Q e um difeomorfismo ϕ : U0 → U1 tal que
ϕ|Q = Id e ϕ∗ ω1 = ω0 .
Demonstração: Como T M |Q = T Q ⊕ T Qωi , i = 0, 1, segue que
existe uma identificação natural T Qω1 ∼
= NQ ∼= T Qω2 , onde N Q é
o fibrado normal de Q. Pelo teorema da vizinhança tubular, existe
uma vizinhança V0 de Q em M difeomorfa a uma vizinhança de Q em
N Q. Portanto, o isomorfismo de fibrados ϕ b : T Qω0 → T Qω1 induz
um difeomorfismo ψ : V0 → ψ(V0 ) satisfazendo

ψ|Q = Id, e dψ|T Qω0 = ϕ.


b (4.3.1)

Considere as formas simpléticas ω0 e ψ ∗ ω1 em V0 . Como ϕ


b preserva
as formas simpléticas nas fibras, segue de (4.3.1) que

ω0 |Tx M = ω1 |Tx M , ∀x ∈ Q.

O resto da demonstração segue do Teorema 4.2.2. 

Suponha agora que ι : L → (M, ω) é uma subvariedade lagrangiana.


Teorema 4.3.2 (Teorema da vizinhança lagrangiana). Existe
uma vizinhança U0 da seção zero L ,→ T ∗ L, uma vizinhança U de L
em M , e um difeomorfismo ϕ : U0 → U tal que ϕ(x) = x, ∀x ∈ L, e
ϕ∗ ω é a forma simplética canônica de T ∗ L.
Demonstração: Sabemos que o fibrado T M |L sobre L é simplético
e contém T L como subfibrado lagrangiano. Seja J uma estrutura
quase-complexa em M compatı́vel com ω. Segue da compatibilidade
que E := J(T L) é um subfibrado lagrangiano de T M |L tal que

T M |L = T L ⊕ E.

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[SEC. 4.4: APLICAÇÃO A PONTOS FIXOS DE SIMPLECTOMORFISMOS 51

(Veja o exercı́cio anterior ao Teorema 2.4.2.)


Note que, para x ∈ L, temos

ωx ((u, a), (v, b)) = ωx (u, b) − ωx (v, a), (4.3.2)

onde u, v ∈ Tx L e a, b ∈ Ex .

Exercı́cio: Mostre que a aplicação E → (T L)∗ , a → ω(·, a)|T L é um iso-


morfismo de fibrados.

Segue imediatamente do exercı́cio anterior e de (4.3.2) que temos


um isomorfismo

T M |L −→ T L ⊕ (T L)∗ (4.3.3)
que cobre a identidade e preserva a estrutura simplética em cada
fibra. De maneira totalmente análoga, obtemos um isomorfismo

T (T ∗L)|L −→ T L ⊕ (T L)∗ (4.3.4)

com essas mesmas propriedades.


A discussão anterior mostra que os fibrados normais de L em
T ∗ L e M são isomorfos, já que ambos podem ser identificados com
o fibrado T ∗ L → L. Pelo teorema da vizinhança tubular, existe
um difeomorfismo ψ entre vizinhanças de L em T ∗ L e M , e tal que
dψ|L : T M |L → T (T ∗ L)|L é a identificação induzida por (4.3.3) e
(4.3.4). Portanto dψ|L preserva a estrutura simplética das fibras.
Segue que ωcan |L = ψ ∗ ω|L . Podemos agora usar o Teorema 4.2.2
para obter o resultado desejado. 

O Teorema 4.3.2 pode ser generalizado para subvariedades isotró-


picas e coisotrópicas, veja e.g. [17, 27].

4.4 Aplicação a pontos fixos de simplec-


tomorfismos
Discutiremos aqui, brevemente, uma aplicação do teorema da vizi-
nhança lagrangiana ao problema de se estimar o número de pontos
fixos de simplectomorfimos.

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52 [CAP. 4: O MÉTODO DE MOSER E FORMAS NORMAIS

Seja (M, ω) uma variedade simplética e seja f : M → M um


simplectomorfismo. Sabemos que o gráfico de f , denotado por ∆f ,
é uma subvariedade lagrangiana de M × M = (M, ω) × (M, −ω). A
diagonal ∆ em M × M também é uma subvariedade lagrangiana, e os
pontos fixos de f podem ser identificados com os pontos na interseção
de ∆f e ∆.
Proposição 4.4.1. Seja (M, ω) uma variedade simplética compacta
1
com HdR (M, R) = {0}. Então todo simplectomorfismo f suficiente-
mente próximo da identidade na topologia C 1 tem pelo menos dois
pontos fixos.
Demonstração: Como ∆ ∼ = M , segue do teorema da vizinhança
lagrangiana que podemos identificar uma vizinhança U de ∆ em M ×
M com uma vizinhança U0 da seção zero M ,→ T ∗ M através de um
simplectomorfismo ψ : U → U0 tal que ψ(x, x) = x, para x ∈ M .
Se f ∈ Simp(M, ω) está suficientemente próximo da identidade
na topologia C 0 , então ∆f está contido em U. Ademais, se f está
próximo da identidade na topologia C 1 , então não só ∆f ⊂ U,
mas também ψ(∆f ) ⊂ U0 é o gráfico de uma 1-forma µf . Como
este gráfico é lagrangiano, temos que dµf = 0, e o fato de que
1
HdR (M, R) = 0 implica que existe h ∈ C ∞ (M ) tal que µf = dh.
Como M é compacta, h tem pelo menos dois pontos crı́ticos, ou seja,
µf intersecta a seção zero M ,→ T ∗ M em pelo menos dois pontos. É
fácil ver que esses pontos correspondem, via ψ, a pontos em ∆f ∩ ∆.


A proposição acima ilustra a relação entre o número de pon-


tos fixos de simplectomorfismos de M e o número mı́nimo de pon-
tos crı́ticos de funções em M . Sem assumir a hipótese na coho-
mologia, a proposição continua válida para difeomorfismos hamil-
tonianos, ou seja, simplectomorfismos dados pelo tempo 1 de um
fluxo hamiltoniano (tempo dependente ou não), próximos da iden-
tidade. O problema de dar uma limitação inferior ao número de
pontos fixos de difeomorfismos hamiltonianos quaisquer, sem neces-
sariamente estarem próximos da identidade, é parte da conjectura
de Arnold , que tem sido uma das principais motivações para o de-
senvolvimento da topologia simplética, veja [21, 29, 33] para uma
discussão com referências.

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Capı́tulo 5

Hipersuperfı́cies de
contato

5.1 Definições e exemplos


Seja N 2n−1 uma variedade de dimensão ı́mpar. Dizemos que uma 1-
forma α em N é de contato se α∧(dα)n−1 é uma forma de volume em
N . Se α é uma forma de contato em N , chamamos o par (N, α) uma
variedade de contato. Variedades de contato são consideradas objetos
análogos a variedades simpléticas em dimensão ı́mpar, e existe uma
vasta teoria sobre o assunto, veja e.g. [29, Seção 3.4].
Iremos neste capı́tulo considerar hipersuperfı́cies de variedades
simpléticas que possuem uma forma de contato relacionada à forma
simplética. Mais precisamente, uma hipersuperfı́cie S de uma var-
iedade simplética (M 2n , ω) é uma hipersuperfı́cie de contato se existe
uma forma de contato α em S tal que dα = ι∗ ω, onde ι : S ,→ M é
a inclusão.
Nı́veis de energia de sistemas hamiltonianos dados por hipersu-
perfı́cies de contato possuem propriedades especiais de estabilidade de
sua dinâmica, como veremos no Capı́tulo 6. Tais propriedades decor-
rem do teorema a seguir, que caracteriza hipersuperfı́cies de contato
pela existência de campos conformemente simpléticos transversais a
elas.

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54 [CAP. 5: HIPERSUPERFÍCIES DE CONTATO

Teorema 5.1.1. Uma hipersuperfı́cie compacta e orientada S de


uma variedade simplética (M 2n , ω) é de contato se e somente se ex-
iste um campo vetorial X definido em uma vizinhança U de S tal
que
i) X é conformemente simplético, ou seja, LX ω = ω;
ii) X é transversal a S.

Exercı́cio: Mostre que um campo X satisfaz a equação LX ω = ω se


e somente se seu fluxo ϕt satisfaz ϕ∗t ω = et ω para todo t ∈ R, onde ϕt
está definido. Esta é a razão de tal campo ser chamado conformemente
simplético.

Demonstração: Suponha que existe o campo X e defina α = iX ω.


Pela fórmula de Cartan, temos que

dα = LX ω = ω.

Como S possui dimensão ı́mpar, existe Y ∈ Tx S tal que ωx (Y, v) = 0


para todo x ∈ S e v ∈ Tx S. Como ω é não-degenerada, αx (Y ) =
ωx (X(x), Y ) 6= 0. Portanto

Dx = {v ∈ Tx S; ωx (X(x), v) = 0}

define uma distribuição de hiperplanos em S complementar a Y , de


maneira que dα|D = ω|D é não-degenerada. Consequentemente, α ∧
(dα)n−1 6= 0.
Para provar a recı́proca, temos que estender a forma de contato
α em S para uma vizinhança de S como uma primitiva de ω:
Lema 5.1.2. Existe uma vizinhança U de S e uma 1-forma τ em U
tal que dτ = ω e ι∗ τ = α.
Demonstração: Pelo teorema da vizinhança tubular, como S é
compacta e orientada, existe uma vizinhança U de S e um difeomor-
fismo ψ : S × (−1, 1) → U tal que ψ(x, 0) = x para todo x ∈ S. Com-
pondo a inversa de ψ com a projeção no primeiro fator de S ×(−1, 1),
obtemos uma aplicação r : U → S. Seja µ = r ∗ α. Temos que
ι∗ µ = ι∗ r∗ α = α, pois ψ|S é a identidade.

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[SEC. 5.1: DEFINIÇÕES E EXEMPLOS 55

Considere agora a 2-forma η := ω − dµ em U . Repare que η é


fechada e ι∗ η = 0. Com efeito, dη = dω = 0 e

ι∗ η = ι∗ ω − dι∗ µ = dα − dα = 0.

Pelo Lema 4.2.1, existe uma 1-forma ξ em U tal que η = dξ e ι∗ ξ = 0.


Definimos então a 1-forma τ = µ + ξ. Como dτ = d(µ + ξ) =
dµ + ω − dµ = ω e ι∗ τ = ι∗ µ = α, concluimos a demonstração do
lema. 

Considere agora o campo X em U dado pela equação iX ω = τ .


Afirmamos que este é o campo desejado. Com efeito,

LX ω = d(iX ω) = dτ = ω.

Para mostrar que X é transversal a S, considere em S o campo Y


unicamente caracterizado pelas equações

α(Y ) = 1 e iY dα = 0.

Agora, note que


ω(X, Y ) = α(Y ) = 1.
Mas, se X é tangente a S em algum ponto x ∈ S, temos que

ω(X(x), Y (x)) = dα(X(x), Y (x)) = 0,

chegando a um absurdo. 

O teorema acima nos permite dar vários exemplos de hipersu-


perfı́cies de contato:
Exemplo 5.1.3. Note que o campo radial X(x) = (1/2)x, onde x =
∈ R2n , é claramente conformemente
(q, p) P P simplético com respeito a
Ω0 = i dqi ∧dpi , pois iX Ω0 = 21 i qi dpi −pi dqi . Portanto, segue do
teorema
P acima que a esfera S 2n−1 é de contato com forma de contato
1
2 i i i − qi dpi .
p dq
Exemplo 5.1.4. Considere o fibrado cotangente T ∗ Q munido com
sua forma simplética canônica ω. Seja X(q, p) = pP
o campo radial
ao longo das fibras de T ∗ Q. Note que iX ω = − i pi dqi = −α,

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56 [CAP. 5: HIPERSUPERFÍCIES DE CONTATO

onde α é a 1-forma tautológica definida na Seção 3.2. Fixe uma


métrica riemanniana em Q e defina o fibrado unitário cotangente
U ∗ Q = {(q, p) ∈ T ∗ Q; kpk = 1}. Como X é sempre transversal a
U ∗ Q, temos que U ∗ Q é uma hipersuperfı́cie de contato com forma de
contato −α.
Exemplo 5.1.5 (Hipersuperfı́cie em R2n que não é de con-
tato). Seja R > r e considere uma hipersuperfı́cie S em R2n difeo-
morfa à esfera que tangencia o bordo dos cilindros Z(R) e Z(r), onde
r < R e Z(r) := {(q, p) ∈ R2n ; q12 + p21 ≤ r}, como na figura 5.1.

Figura 5.1: Hipersuperfı́cie que não é de contato.

Seja n um campo normal a S que em pontos na interseção de S


com Z(r) aponta para dentro de Z(r) e na interseção de S com Z(R)
aponta para fora de Z(R) (tome, por exemplo, n tal que
n(q1 , ..., qn , p1 , ..., pn ) = (q1 , 0, ..., 0, p1 , 0, ..., 0)
em Z(R) ∩ S e
n(q1 , ..., qn , p1 , ..., pn ) = −(q1 , 0, ..., 0, p1, 0, ..., 0)
em Z(r) ∩ S). Note que J0 n é um campo tangente a S e, como
ω0 (n, J0 v) = hn, vi = 0 para todo v ∈ T S, o núcleo de ω0 |T S é
gerado por J0 n.

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[SEC. 5.2: FORMA NORMAL DE VIZINHANÇAS DE HIPERSUPERFÍCIES DE CONTATO57

Suponha que S possui uma forma de contato β, de maneira que


β(J0 n(q, p)) > 0 para todo (q, p) ∈ S ou β(J0 n(q, p)) < 0 para todo
(q, p) ∈ S. Suponhamos, sem perda de generalidade, que β(J0 n) > 0.
Pela construção de S, J0 n possui duas órbitas periódicas γr e γR na
interseção de S com Z(R) e Z(r) tangentes ao plano (q1 , p1 ) com
direções opostas
P (ver Figura 5.1)
Seja α = i pi dqi , de forma que dα = −ω0 em S. É fácil ver que
Z Z
α = −πr2 e −α = πR2 ,
γr γR

de acordo com a orientação indicada na Figura 5.1.


Por outro lado, como S é difeomorfa à esfera, existe uma função
f em S tal que β − α|S = df . Consequentemente,
Z Z Z Z
β=− α>0 e β=− α < 0.
γr γr γR γR

Mas β(J0 n) > 0, absurdo.

5.2 Forma normal de vizinhanças de hiper-


superfı́cies de contato
Seja agora (N, α) uma variedade de contato. A partir de (N, α)
podemos construir uma variedade simplética, denominada de simple-
tização de N , dada por N × R com a 2-forma ω = d(et α).

Exercı́cio: Mostre que ω é simplética.

O teorema seguinte diz que localmente uma hipersuperfı́cie de


contato é equivalente a sua simpletização:

Teorema 5.2.1. Seja S uma hipersuperfı́cie de contato compacta


e orientada de uma variedade simplética (M, ω). Então existe uma
vizinhança U de S,  > 0 e um simplectomorfismo

ψ : (U, ω) → (S × (−, ), d(et α)).

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58 [CAP. 5: HIPERSUPERFÍCIES DE CONTATO

Demonstração: Considere um difeomorfismo f : U → S × (−1, 1)


sobre uma vizinhanca U de S tal que f |S é a identidade. Podemos es-

colher f de maneira que f∗ X = ∂t , onde X é o campo conformemente
simplético dado pelo Teorema 5.1.1.
Tome a 2-forma η := f ∗ d(et α) em U , de maneira que ι∗ η = ι∗ ω,
onde ι : S ,→ M é a inclusão. Seja Y o campo em S dado pelas
equações
α(Y ) = 1 e iY dα = 0.
Para cada x ∈ S, seja W1 ⊂ Tx M o núcleo de α e W2 ⊂ Tx M
o subespaço gerado pelos vetores X(x) e Y (x). Note que Tx M =
W1 ⊕ W2 e que W1 e W2 são η-ortogonais. De fato,

ηx = f ∗ (dα + α ∧ dt) = dα + α ∧ f ∗ dt,

para todo x ∈ S. Consequentemente, η(Y, v) = dα(Y, v) = 0 e


η(X, v) = α(v) = 0 para todo v ∈ W1 , pois f ∗ dt(X) = 1. Por outro
lado, W1 e W2 são também ω-ortogonais, pois ω(Y, v) = dα(Y, v) = 0
e ω(X, v) = α(v) = 0 para todo v ∈ W1 .
Como ω|W1 = dα|W1 = η|W1 e ω|W2 = η|W2 , segue que ω|Tx M =
η|Tx M para todo x ∈ S. O resultado segue agora do Teorema 4.2.2. 

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Capı́tulo 6

Sistemas hamiltonianos

6.1 Definições e exemplos


Dizemos que um campo de vetores em uma variedade simplética
(M, ω) é simplético se seu fluxo preserva a forma ω, ou seja,
LX ω = 0.
Como ω é não-degenerada, dada uma função H ∈ C ∞ (M ), existe
um único campo de vetores XH ∈ X(M ) satisfazendo a equação de
Hamilton
iXH ω = dH. (6.1.1)
O campo XH é chamado o campo hamiltoniano ou gradiente simplético
da hamiltoniana H. Denotamos por XHam (M, ω) o espaço dos campos
hamiltonianos. Note que, se ω = g(J·, ·) para uma métrica riemanni-
ana g e uma estrutura quase-complexa J, então XH = −J∇H, onde
∇H é o gradiente de H com respeito a g.
Proposição 6.1.1. Sejam (M, ω) variedade simplética e H ∈ C ∞ (M ).
Então
LXH H = 0 e LXH ω = 0.
Demonstração: O fato que campos hamiltonianos preservam as
funções hamiltonianas que o geram segue da anti-simetria de ω:
LXH H = dH(XH ) = ω(XH , XH ) = 0,

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60 [CAP. 6: SISTEMAS HAMILTONIANOS

enquanto que a propriedade de campos hamiltonianos serem simpléticos


segue da fórmula de Cartan:

LXH ω = iXH dω + diXH ω = 0.

Corolário 6.1.2 (Teorema de Liouville). Fluxos hamiltonianos


preservam volume, i.e.,
LXH Λ = 0,
onde Λ é a forma de Liouville (3.1.1).

A fórmula de Cartan mostra que X é um campo simplético se


e somente se iX ω é uma 1-forma fechada, e X é hamiltoniano se e
1
somente se essa 1-forma é exata. Portanto, se HdR (M ) = 0, todo
campo simplético é automaticamente hamiltoniano.
Todavia, nem todo campo simplético é hamiltoniano. Com efeito,
considere o cilindro S 1 ×R, com coordenadas cilı́ndricas (θ, h) e forma

simplética ω = dθ ∧ dh. O campo X = ∂h , gerando as translações
ao longo da direção h, é simplético. Mas iX ω = −dθ não é exata e
portanto X não é hamiltoniano.
Dada então uma hamiltoniana H em M , temos pela Proposição
6.1.1 que as hipersuperfı́cies de nı́vel H −1 (k), chamadas nı́veis de en-
ergia de H, são invariantes pelo fluxo de XH . Caso não haja menção
ao contrário, iremos sempre supor que k é um valor regular de H.
Note que, se os nı́veis de energia forem compactos, o fluxo de XH
está definido para todo tempo.

Exemplo 6.1.3 (Função altura na esfera). Considere na esfera


S 2 a função altura H(θ, h) = h e a forma simplética dada pela forma

de área dθ ∧ dh. Temos que XH = ∂θ , pois iXH dθ ∧ dh = dH. Suas
órbitas são portanto, todas periódicas com duas singularidades nos
pólos norte e sul (ver Figura 6.1).

Exemplo 6.1.4 (Levantamento de campos). Seja M uma va-


riedade diferenciável, X um campo vetorial em M e ϕt seu fluxo.
O levantamento cotangente de ϕt define um fluxo ϕ bt em T ∗ X (veja
b ∈ X(T Q). Como vimos
Seção 3.2), gerado pelo campo vetorial X ∗

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[SEC. 6.2: DINÂMICA EM NÍVEIS DE ENERGIA 61

Figura 6.1: Fluxo hamiltoniano da função altura.

na Seção 3.2, o fluxo ϕ


bt é simplético com respeito à forma simplética
canônica. É fácil ver que este fluxo é de fato hamiltoniano, com
hamiltoniana H = iXb α, onde α é a 1-forma tautológica de T ∗ M .

Exemplo 6.1.5 (Fibração de Hopf ). Considere a funcão H(x) =


(1/2)kxk2 , x ∈ R2n . Como XH (x) = −J0 ∇H(x) = −J0 x, temos que
as órbitas de XH são dadas pelas interseções de linhas complexas em
R2n ' Cn com as esferas H −1 (k). Repare que XH é linear e seu fluxo
é dado explicitamente por

ϕt (x) = etJ0 x = (cos t)x − (sin t)J0 x.

O fluxo de XH gera uma fibração por cı́rculos de S 2n−1 chamada fi-


bração de Hopf, cujo quociente é o espaço complexo projetivo CP n−1 .

6.2 Dinâmica em nı́veis de energia


Uma observação bastante útil é que, módulo uma reparametrização, o
fluxo de XH restrito ao nı́vel de energia k depende somente da hiper-
superfı́cie H −1 (k). Mais precisamente, dada uma hipersuperfı́cie S
em M , seu fibrado de linhas caracterı́sticas LS é o subfibrado de T S
dado pela distribuição unidimensional ker ω|T S . Chamamos a fol-
heação correspondente de folheação caracterı́stica de S.

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62 [CAP. 6: SISTEMAS HAMILTONIANOS

Exercı́cio: Seja ι : S ,→ (M, ω) uma hipersuperfı́cie, e suponha que a folhe-


ação caracterı́stica seja simples, ou seja, que o espaço de folhas S/L S seja
suave e a projeção π : S → S/LS uma submersão. Mostre que S/LS pos-
sui uma estrutura simplética ωred unicamente caracterizada pela condição
π ∗ ωred = ι∗ ω. (No Exemplo 6.1.5, podemos usar esta construção para
obter a forma de Fubini-Study.)

O último exercı́cio indica um caso particular do procedimento de


redução simplética, veja [8, 19].
Proposição 6.2.1. O campo XH é tangente à folheação caracterı́stica.
Demonstração: Seja S = H −1 (k) um nı́vel de energia. Temos que

ω(XH , v) = dH(v) = 0

para todo v ∈ T S. 

Corolário 6.2.2. Seja S uma hipersuperfı́cie de energia comum a


duas hamiltonianas H1 e H2 . Então os fluxos hamiltonianos de H1
e H2 em S diferem apenas por uma reparametrização.
Outra consequência imediata é o seguinte resultado de estabili-
dade. Dizemos que dois campos de vetores X e Y definidos nas var-
iedade S e S 0 , respectivamente, são topologicamente (resp. diferen-
ciavelmente) equivalentes, se existe um homeomorfismo (resp. difeo-
morfismo) h : S → S 0 que leva órbitas de X em órbitas de Y preser-
vando a orientação das trajetórias (ou seja, se dados p ∈ S e δ > 0,
existe  > 0 tal que, para 0 < t < δ, hϕt (p) = ψt̄ h(p) para algum
0 < t̄ < , onde ϕt e ψt são os fluxos de X e Y , respectivamente).
Proposição 6.2.3. Seja S uma hipersuperfı́cie de contato de M .
Então existe uma hamiltoniana H definida em uma vizinhança U de
S tal que S = H −1 (0) e XH |H −1 (k) é diferenciavelmente equivalente
a XH |H −1 (0) para todo k suficientemente pequeno.
Demonstração: Pela Proposição 5.1.1, existe um campo X con-
formemente simplético definido em uma vizinhança U de S e transver-
sal a S. Seja ϕt o fluxo de X e construa uma hamiltoniana H : U → R
de maneira que H|S ≡ 0, dH(p) 6= 0 para todo p ∈ S, e H é constante
em cada hipersuperfı́cie ϕt (S) para t suficientemente pequeno.

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[SEC. 6.2: DINÂMICA EM NÍVEIS DE ENERGIA 63

Como ϕ∗t ω = et ω, temos que ker ω|H −1 (k) = dϕt (ker ω|S ), onde
H −1 (k) = ϕt (S). O resultado segue agora da Proposição 6.2.1. 

Observação: De fato, pode-se construir a hamiltoniana na demon-


stração da Prop. 6.2.3 de maneira que XH |H −1 (k) é diferenciavelmente
conjugado a XH |H −1 (0) , ou seja, com um difeomorfismo h de H −1 (0)
em H −1 (k) levando órbitas de XH |H −1 (0) em órbitas de XH |H −1 (k)
preservando o tempo.
Seja agora S um nı́vel de energia regular de H. Pela Proposicao
6.1.2, o fluxo hamiltoniano ϕt preserva a forma de volume de Liouville
Λ em M . Vamos mostrar que ϕt preserva também uma forma de
volume definida em S.
Proposição 6.2.4. Existe uma forma de volume ΛS em S invariante
por ϕt .
Demonstração: Como dH(x) 6= 0 para todo x em uma vizinhança
U de S, existe uma (2n − 1)-forma η em U tal que Λ = dH ∧ η em
U . Seja ι : S ,→ M a inclusão e

ΛS = ι∗ η.

Note que ΛS é claramente uma forma de volume em S e está unica-


mente caracterizada pela equação Λ = dH ∧ η. Com efeito, se Λ =
dH ∧η = dH ∧ζ para alguma (2n−1)-forma ζ, então dH ∧(η −ζ) = 0
e portanto η −ζ = dH ∧κ para alguma (2n−2)-forma κ em U . Sendo
ι∗ dH = 0, concluı́mos que ι∗ η = ι∗ ζ + ι∗ (dH ∧ κ) = ι∗ ζ, como afir-
mamos.
Como ϕ∗t Λ = Λ e ϕ∗t dH = dH, temos que ϕ∗t ΛS = ΛS . De fato,
Λ = ϕ∗t Λ = ϕ∗t dH ∧ ϕ∗t η = dH ∧ ϕ∗t η, mas, pela unicidade de η,
ϕ∗t ι∗ η = ι∗ ϕ∗t η = ι∗ η, pois ϕt ◦ ι = ι ◦ ϕt . 

Fluxos que preservam volume em variedades compactas possuem


fortes propriedades de recorrência. Mais precisamente, dizemos que
um ponto x ∈ S é recorrente para o fluxo ϕt se existe sequência tk tal
que limk→±∞ tk = ±∞ e limk→±∞ ϕtk (x) = x. Note que obviamente
um ponto recorrente x é, em particular, um ponto não-errante, ou
seja, dada qualquer vizinhança U de x e T > 0, existe t > T tal que
ϕt (U ) ∩ U 6= ∅.

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64 [CAP. 6: SISTEMAS HAMILTONIANOS

Teorema 6.2.5 (Teorema de recorrência de Poincaré). Seja ϕt


um fluxo que preserva volume em uma variedade compacta S. Então
quase todo ponto de S com respeito à medida de volume µS é um
ponto recorrente de ϕt .

Demonstração: Seja ϕ = ϕ1 o difeomorfismo dado pelo tempo um


do fluxo. Provaremos inicialmente que, para todo A ⊂ S,
 \ [ 
−j
µS A ∩ ϕ (A) = µS (A). (6.2.1)
k≥0 j≥k

T S
Observe que x está em k≥0 j≥k ϕ−j (A) se para todo inteiro k
existe j ≥ k tal que x ∈ ϕ−j (A), ou seja, ϕj (x) ∈ A. Portanto
a interseção deste conjunto com A consiste nos pontos em A que
voltam infinitamente para A pelos iterados de ϕ.
Para provar a igualdade (6.2.1), defina
[
Ak := ϕ−j (A)
j≥k

para k ≥ 0. Note que A0 ⊃ A1 ⊃ A2 ⊃ .... Como ϕk (Ak ) = A0


e ϕ preserva µS , µS (Ak ) = µS (A0 ) para todo k e, portanto, como
Ak ⊂ A0 e µS (Ak ) < ∞ para todo k, A0 = Ak em quase todo ponto,
o que implica que ∩k≥0 Ak = A0 em quase todo ponto. Como A ⊂ A0 ,
concluı́mos que
\
A∩ Ak = A ∩ A0 = A em quase todo ponto,
k≥0

conforme desejado.
Finalmente, seja {U1 , U2 , ...} uma base topológica enumerável de
S. Aplicando a igualdade (6.2.1) a cada Ui , concluı́mos que o con-
junto S 0 dos pontos x tais que, se x ∈ Ui para algum i, então x volta
a Ui infinitas vezes, possui medida total. Como qualquer vizinhança
U de x ∈ S 0 é dada pela união de Ui ’s, existe sequência tk → ∞ tal
que limtk →∞ ϕtk (x) = x. Aplicando o mesmo argumento para ϕ−1 ,
concluı́mos a demonstração. 

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Portanto, quase todas as órbitas do fluxo hamiltoniano restrito a


um nı́vel de energia são recorrentes, sempre que o mesmo for com-
pacto. Surge então a seguinte pergunta natural:
Questão: Quando existem órbitas periódicas em um dado nı́vel de
energia (compacto) de um sistema hamiltoniano?
Tal questão pode ser reformulada da seguinte maneira: dada uma
hipersuperfı́cie S em uma variedade simplética, dizemos que uma
curva fechada γ : S 1 → S é uma caracterı́sitica fechada se γ̇(t) ∈
LS (γ(t)) para todo t ∈ S 1 . Pela Proposição 6.2.1, a existência de tal
curva implica que se S é uma hipersuperfı́cie de energia de alguma
hamiltoniana então, módulo uma reparametrização, γ é uma órbita
periódica do fluxo hamiltoniano.
A pergunta acima, além de ser bastante natural, é de natureza
variacional. Para vermos porque, suponhamos, para efeito de sim-
plicidade, que ω = −dα é exata. Dada uma hamiltoniana H e uma
curva fechada γ : [0, T ] → M , definimos sua ação como
Z
AH (γ) = (α − H).
γ

Isso define um funcional no espaço de curvas fechadas de perı́odo


fixado T em M , que chamamos de funcional de ação de H .
Proposição 6.2.6 (Princı́pio de Hamilton). Pontos crı́ticos do
funcional de ação estão em bijeção com o conjunto de órbitas periódicas
de XH . Mais precisamente, uma curva fechada γ : [0, T ] → M é uma
órbita periódica de XH se e somente se, dada uma variação suave de
curvas fechadas Γ : [0, ] × [0, T ] → M tal que Γ0 = γ, tem-se

dAH (Γs )
= 0,
ds s=0

onde s é a coordenada no primeiro fator.


Demonstraç
ão: Seja X o campo vetorial ao longo de γ dado por

∂s s=0 Γ s . Pelo teorema de Stokes,
Z Z Z
∗ ∗
Γ dα = Γ α− Γ∗ α.
[0,]×[0,T ] ×[0,T ] 0×[0,T ]

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Dividindo ambos os lados acima por  e fazendo


R  → 0, temos que o
lado direito converge para a derivada de γ α na direção X e o lado
R
esquerdo tende a γ dα(X, γ̇). Consequentemente,
Z T
dAH (γ) · X = −dα(X, γ̇) − dH(γ) · X dt
0
Z T
= ω(γ̇ − XH (γ), X) dt.
0

Observação: O argumento acima se aplica para provar o seguinte:


se γ : [0, T ] → M é uma curva (não necessariamente fechada) e L1 e
L2 são subvariedades de M tais que γ(0) ∈ L1 , γ(T ) ∈ L2 e λ|Li = 0
para i = 1, 2, então γ é uma órbita de XH se e somente se s = 0 é um
ponto crı́tico da ação AH para qualquer variação Γs tal que Γ0 = γ,
Γs (0) ∈ L1 e Γs (T ) ∈ L2 para todo s.
Utilizando esta abordagem variacional, P. Rabinowitz provou em
[32] o seguinte resultado:

Teorema 6.2.7 (Rabinowitz [32]). Seja S uma hipersuperfı́cie


em R2n que limita uma região convexa. Então S possui uma carac-
terı́stica fechada.

O teorema acima foi generalizado por A. Weinstein [42] para


hipersuperfı́cies em R2n com formato estrela, ou seja, hipersuperfı́cies
que são transversais ao campo radial. Weinstein também lançou a
seguinte conjectura fundamental:

Conjectura 6.2.8 (Weinstein [42]). Toda hipersuperfı́cie de con-


tato S em uma variedade simplética M tal que H 1 (S) = 0 possui uma
caracterı́stica fechada.

Tal conjectura em seu formato geral é um problema em aberto,


mas vários resultados parciais foram obtidos, a começar com a célebre
prova para M = R2n com a forma simplética canônica devida a
C. Viterbo [38]. Viterbo provou a conjectura de Weinstein sem a
hipótese sobre H 1 (S). De fato, todos os resultados até então obtidos

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[SEC. 6.2: DINÂMICA EM NÍVEIS DE ENERGIA 67

não utilizam a hipótese sobre a cohomologia de S, e a conjectura at-


ualmente considerada é de que toda hipersuperfı́cie de contato possui
uma caracterı́stica fechada.
Na Seção 7.4 veremos como o problema de existência de órbitas
fechadas para sistemas hamiltonianos está relacionado com invari-
antes globais e propriedades de rigidez em geometria simplética. Para
encerrar esta seção, vamos considerar alguns exemplos.
Exemplo 6.2.9 (Dinâmica em elipsóides). Seja H : Cn → R
uma hamiltoniana da forma
n
X zj2
H(z1 , ..., zn ) =
i=1
rj2

onde 0 < r1 ≤ r2 ≤ ... ≤ rn . Os nı́veis de energia de H são os bordos


dos elipsóides
 n 
X z j 2
n
Ek (r1 , r2 , ..., rn ) = (z1 , . . . , zn ) ∈ C ;
rj ≤ k .
j=1

Sendo todos os nı́veis de energia de H transversais ao campo radial,


para estudarmos sua dinâmica basta nos restringirmos ao caso k = 1.
Como XH é linear, podemos calcular explicitamente seu fluxo,
que é dado por

ϕt (z1 , ..., zn ) = (etλ1 J0 z1 , etλ2 J0 z2 , ..., etλn J0 zn ),

onde λi = 2/ri2 . Consequentemente, XH restrita a ∂E1 (r1 , r2 , ..., rn )


possui ao menos n órbitas periódicas dadas por

γj (t) = (0, ..., 0, zj (t), 0, ..., 0),

onde zj (t) = etλj J0 zj (0) e |zj (0)|2 = rj2 . De fato, existem duas
possı́veis situações:
• h(r12 , ..., rn2 ), vi 6= 0 para todo v ∈ Zn , v 6= 0, quando as únicas
órbitas periódicas são γ1 , ..., γn ;
• h(r12 , ..., rn2 ), vi = 0 para algum v ∈ Zn , v 6= 0, quando existem
infinitas órbitas periódicas.

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68 [CAP. 6: SISTEMAS HAMILTONIANOS

Repare que quando r1 = r2 = ... = rn = 1 caı́mos no Exemplo 6.1.5,


onde todas as órbitas são periódicas.
Exemplo 6.2.10 (Fluxos geodésicos). Seja (M, g) uma variedade
riemanniana e T ∗ M seu fibrado cotangente, munido da forma simplé-
tica canônica. A métrica g define um difeomorfismo entre os fibrados
tangente e cotangente de M dado por (x, v) 7→ (x, iv g). Seja ω a
forma simplética em T M dada pelo pullback da forma simplética
canônica em T ∗ M via tal difeomorfismo.
Considere em T M a hamiltoniana H : T M → R dada pela energia
cinética H(x, v) = (1/2)g(v, v). Seu fluxo hamiltoniano é chamado
o fluxo geodésico de M e é dado por ϕ(x,v) (t) = (γ(x,v) (t), γ̇(x,v) (t)),
onde γ(x,v) é a única geodésica em M tal que γ(x,v) (0) = x e γ̇(x,v) (0) =
v (lembre que uma curva γ é uma geodésica se satisfaz ∇γ̇ γ̇ = 0).
Fluxos geodésicos são objetos de intenso estudo há décadas e con-
stituem um importante campo de investigação envolvendo geometria
diferencial e sistemas dinâmicos. Existem vários trabalhos sobre o
assunto, especialmente quando a curvatura de M é não positiva, ver
[31] e as referências aı́ mencionadas.
Como visto no Exemplo 5.1.4, todos os nı́veis de energia de H são
de contato. Ademais, sempre existem órbitas fechadas em todo nı́vel
de energia. De fato, basta provar a existência de uma órbita fechada
em um nı́vel de energia, pois o fluxo geodésico tem a importante
propriedade de homogeneidade, isto é, sua dinâmica em qualquer nı́vel
de energia é equivalente a uma reparametrização do fluxo geodésico
no fibrado unitário (pois a geodésica com condição inicial (x, v) é uma
reparametrização da geodésica com condição inicial (x, v/kvk)).
A existência de geodésicas fechadas em uma variedade rieman-
niana compacta é um fato bem conhecido em geometria diferencial.
Quando M não é simplesmente conexa, basta tomar uma classe de
homotopia livre não trivial e minimizar a energia entre as curvas
fechadas nesta classe. Neste caso, o teorema é devido a Cartan e
possui uma demonstração simples, que pode ser encontrada em [12].
No caso geral, o resultado é devido a Lyusternik e Fet e usa teoria de
Morse para o funcional de energia no espaço de curvas fechadas, ver
[24].
Exemplo 6.2.11 (Fluxo geodésico em S n ). Considere a esfera
S n em Rn+1 com a métrica induzida. Neste caso as geodésicas são

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os grandes cı́rculos e portanto todas as órbitas do fluxo geodésico no


fibrado unitário U S n são fechadas.
Exemplo 6.2.12 (Fluxo geodésico no toro plano). Seja T n =
Rn /Zn o toro n-dimensional com a métrica plana induzida do Rn . As
geodésicas de T n são as projeções das retas pela projeção quociente
π : Rn → Rn /Zn . Consequentemente, o fibrado unitário U T n é
folheado por toros de dimensão n invariantes pelo fluxo, restrito aos
quais o fluxo é uma translação. Tais toros são dados por T n × {v} ⊂
U T n = T n × S n−1 para v ∈ S n−1 .
Exemplo 6.2.13 (Fluxo geodésico de variedades hiperbólicas).
Seja agora M uma variedade riemanniana hiperbólica, ou seja, com
curvatura seccional constante negativa. É um fato bem conhecido
que o fluxo geodésico ϕt de M possui a seguinte propriedade: existe
uma métrica no fibrado unitário U M e uma decomposição do fibrado
tangente de U M em subfibrados

T U M = span(X) ⊕ E s ⊕ E u ,

onde X = (d/dt)|t=0 ϕt é o gerador infinitesimal do fluxo geodésico,


tal que dϕt (E s ) = E s , dϕt (E u ) = E u e existem constantes 0 < a <
1 < b satisfazendo

kdϕt (v)k ≤ at kvk e kdϕ−t (w)k ≤ b−t kwk

para todo v ∈ E s , w ∈ E u e t > 0. Fluxos com essa propriedade são


chamados fluxos Anosov. A prova desse fato para variedades com
curvatura constante negativa é relativamente simples e usa somente
fatos básicos de geometria hiperbólica (ver, por exemplo, Seção 17.5
de [20]).
Fluxos Anosov são bem estudados em sistemas dinâmicos e pode-
se provar, entre outras coisas, que são topologicamente transitivos (ou
seja, possuem órbitas densas) e seu conjunto de órbitas periódicas é
denso.
Exemplo 6.2.14 (Fluxos magnéticos). Seja (M, g) uma variedade
riemanniana e B uma 2-forma fechada em M . Como no Exemplo
6.2.10, seja ω a forma simplética em T M dada pelo pullback da forma
simplética canônica em T ∗ M via a métrica. Considere em T M a

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forma simplética ωB := ω + π ∗ B, onde π : T M → M é a projeção


canônica (veja a discussão no final da Seção 3.2).
O fluxo hamiltoniano dado pela energia cinética
H(x, v) = (1/2)g(v, v)
é chamado o fluxo magnético de (M, g) associado ao campo magnético
B.
Exercı́cio: Seja Y : T M → T M a aplicação de fibrados definida pela
equação B(v, w) = g(Y (v), w). Tal aplicação denomina-se força de Lorentz
associada a B. Mostre que as órbitas de XH satisfazem a equação de
Newton
∇γ̇ γ̇ = Y (γ̇).

Fluxos magnéticos são generalizações naturais de fluxos geodésicos


e tem sido muito estudados em vários aspectos nos últimos anos, ver
[4, 10, 15]. Todavia, eles diferem de fluxos geodésicos em muitos as-
pectos. Por exemplo, fluxos magnéticos não são homogêneos como
fluxos geodésicos, de maneira que a dinâmica pode ser completamente
diferente em cada nı́vel de energia.
Em particular, o problema de existência de órbitas fechadas tem
que ser tratado em cada nı́vel. De fato, existem exemplos de nı́veis
de energia de fluxos magnéticos sem órbitas fechadas (ver Exemplo
6.2.17). Vários resultados sobre a existência de tais órbitas são conhe-
cidos, ver [10, 15] e referências aı́ contidas.
Outra diferença fundamental é que nı́veis de energia do fluxo
magnético não são necessariamente de contato. Por exemplo, pode-
se mostrar (usando uma sequência exata de cohomologia chamada
sequência de Gysin) que se B não é exata e a dimensão de M é maior
que 2, então ωB restrita a qualquer H −1 (k) não é exata [10].
Exemplo 6.2.15 (Fluxo magnético em S 2 com a forma de
área). Considere a esfera S 2 em R3 equipada com a métrica induzida,
e seja B a forma de área em S 2 . Como B(v, w) = hJv, wi, onde J é a
estrutura complexa em S 2 , as trajetórias γ do fluxo magnético dado
por B satisfazem
∇γ̇ γ̇ = J(γ̇),
ou seja, γ possui curvatura geodésica constante. Portanto, como no
fluxo geodésico do Exemplo 6.2.11, todas as órbitas são fechadas.

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Exemplo 6.2.16 (Fluxo magnético no toro plano Kähler).


Seja T 2n o toro 2n-dimensional equipado com a métrica plana in-
duzida do R2n , como no Exemplo 6.2.12, e seja B a forma de Kähler
em T 2n . Analogamente ao exemplo anterior, B(v, w) = hJv, wi,
onde J é a estrutura complexa em T 2n , de forma que as órbitas
também possuem curvatura geodésica constante. Como curvas com
curvatura geodésica constante em R2n são cı́rculos, as trajetórias do
fluxo magnético são fechadas, com projeção contrátil em T 2n .
Exemplo 6.2.17 (Fluxo magnético em quocientes do espaço
complexo hiperbólico). Seja M um quociente compacto do espaço
complexo hiperbólico munido da métrica induzida com curvatura sec-
cional holomorfa constante igual a −1, e seja B a forma de Kähler.
Como nos dois últimos exemplos, as órbitas magnéticas possuem cur-
vatura geodésica constante. Pode-se provar, porém, que neste caso
existem três comportamentos dinâmicos completamente distintos [3]:
• Se a energia for menor que 1/2, todas as trajetórias são fechadas
com projeção contrátil em M ;
• no nı́vel de energia 1/2, o fluxo magnético é equivalente ao
fluxo horocı́clico; em particular, todas as órbitas são densas, e
portanto não existem órbitas periódicas;
• se a energia for maior que 1/2, o fluxo magnético é diferenci-
avelmente equivalente ao fluxo geodésico; em particular é um
fluxo Anosov.

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Capı́tulo 7

Invariantes globais

7.1 Capacidades simpléticas e rigidez de


simplectomorfismos
Vimos no Capı́tulo 4 como o truque de Moser implica em várias
propriedades de rigidez local de estruturas simpléticas. Mais precisa-
mente, vimos que formas simpléticas são equivalentes em vizinhanças
de diversas subvariedades e obtivemos formas normais para as mes-
mas. Isso contrasta fortemente com estruturas riemannianas, para as
quais a curvatura aparece como invariante local. Vimos, ainda, que
estruturas simpléticas em variedades compactas são indistinguı́veis
quando ligadas por formas simpléticas na mesma classe de cohomolo-
gia.
Uma pergunta natural e importante, portanto, é se existem in-
variantes que possam diferenciar uma estrutura simplética de outra.
Pelo que vimos, tais invariantes tem que ser de natureza global. Um
primeiro invariante óbvio é dado pelo volume da variedade,
Z
Vol(M ) = Λ,
M

onde Λ é a forma de volume de Liouville.


Sabemos que, em dimensõ 2, temos a recı́proca: pelo teorema
de Moser (Teor. 4.1.1), duas superfı́cies simpléticas compactas são

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[SEC. 7.1: CAPACIDADES SIMPLÉTICAS E RIGIDEZ DE SIMPLECTOMORFISMOS 73

simplectomorfas se e somente se são difeomorfas e possuem a mesma


área.
Porém, o que ocorre em dimensão maior? Existe algum outro in-
variante simplético além do volume? Esta pergunta ficou em aberto
durante um longo perı́odo até o aparecimento de um célebre trabalho
de M. Gromov em 1985, intitulado “Pseudo holomorphic curves on al-
most complex manifolds” [18]. Neste artigo Gromov prova o seguinte
resultado notável:

Teorema 7.1.1 (Teorema non-squeezing de Gromov). Sejam


B 2n (r) = {(x, y) ∈ R2n ; kxk2 + kyk2 < r2 } a bola de raio r e
Z 2n (R) = {(x, y) ∈ R2n ; x21 + y12 < R2 } o cilindro de raio R so-
bre
P o (x1 , y1 )-plano, ambos2ncom a forma simplética canônica ω0 =
i dxi ∧ dyi induzida de R . Então existe um mergulho simplético
de B 2n (r) em Z 2n (R) se e somente se r ≤ R.

Observação: Note que, no resultado acima, é fundamental tomar-


mos o plano simplético (x1 , y1 ). De fato, se tomássemos, por exemplo,
o plano isotrópico (x1 , x2 ), então a transformação simplética (x, y) 7→
(δx, δ −1 y) leva a bola B 2n (1) no cilindro {(x, y) ∈ R2n ; x21 +x22 < δ 2 }.

A partir deste resultado, Gromov introduziu o seguinte valor (po-


dendo ser infinito) associado a uma variedade simplética, chamado
de capacidade de Gromov, ou espessura simplética:

cG (M, ω) = sup{πr2 ; existe mergulho simplético B 2n (r) ,→ (M, ω)}.

Evidentemente, se (N, τ ) é uma variedade simplética com dim N =


dim M e existe um mergulho simplético de (N, τ ) em (M, ω), então

cG (N, τ ) ≤ cG (M, ω).

Em particular, a capacidade de Gromov é um invariante simplético.


Note que, pelo teorema de Moser, se M é uma superfı́cie, então
cG (M, ω) coincide com a área de (M, ω). De fato, dada uma superfı́cie
M de área A, podemos tomar discos em M com áreas arbitrariamente
próximas de A (tome os discos em um domı́nio fundamental do reco-
brimento universal de M ).

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74 [CAP. 7: INVARIANTES GLOBAIS

Por outro lado, cG (M, ω) é completamente distinto do volume em


dimensão maior, pois cG (Z 2n (r), ω0 ) = πr2 enquanto Vol(Z 2n (r), ω0 ) =
∞.
A importância do teorema de Gromov não é somente definir um
novo invariante. Ele também implica em propriedades de rigidez de
transformações simpléticas. Note que a condição sobre um difeomor-
fismo ser simplético é uma condição em sua derivada e evidentemente
é fechada na topologia C 1 . Todavia, o teorema de Gromov implica o
seguinte resultado surpreendente:
Teorema 7.1.2 (Eliashberg e Gromov). O grupo de simplecto-
morfismos é fechado na topologia C 0 , ou seja, dada uma sequência de
C 0 −unif
difeomorfismos simpléticos ψj −→ ψ, se ψ é um difeomorfismo,
então ψ é simplético.
Esse teorema pode ser visto como um análogo simplético do teo-
rema de Weierstrass que afirma que o limite uniforme na topologia C 0
de função holomorfas é uma função holomorfa. Daremos uma demon-
stração do Teorema 7.1.2 na Seção 7.3 usando capacidades simpléticas
devida e Ekeland e Hofer.
A demonstração do teorema nonsqueezing de Gromov é longa e
difı́cil. Ela é baseada no estudo de curvas pseudo-holomorfas com
respeito a uma estrutura quase-complexa compatı́vel com a forma
simplética, e envolve uma sofisticada construção analı́tica. Na Seção
7.2 daremos um breve esboço da prova.
Novas provas do teorema nonsqueezing surgiram após o trabalho
de Gromov. Em geral, elas decorrem da construção de certos in-
variantes simpléticos, chamados capacidades simpléticas, cuja axiom-
atização é devida a Hofer e Zehnder [21, 22].
Definição 7.1.3. Considere a classe de todas as variedades simplé-
ticas {(M, ω)} de dimensão fixa igual a 2n. Uma capacidade simplética
é um mapa (M, ω) 7→ c(M, ω) que associa a (M, ω) um número não
negativo ou ∞ satisfazendo os seguintes axiomas:
• Monotonicidade: se existe uma mergulho simplético ϕ : (M, ω) →
(N, τ ) então
c(M, ω) ≤ c(N, τ );

• Conformalidade: c(M, aω) = |a|c(M, ω), ∀a ∈ R \ {0};

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[SEC. 7.1: CAPACIDADES SIMPLÉTICAS E RIGIDEZ DE SIMPLECTOMORFISMOS 75

• Não-trivialidade: c(B 2n (r), ω0 ) = c(Z 2n (r), ω0 ) = πr2 .


Claramente a capacidade de Gromov é uma capacidade simplética.
A monotonicidade, pcomo já vimos, é óbvia. A conformalidade segue
do fato que (B 2n ( |a|r), ω0 ) é simplectomorfa a (B 2n (r), |a|ω0 ) (Ex-
ercı́cio). A não-trivialidade é exatamente o teorema nonsqueezing.
De fato, a existência de uma capacidade simplética implica o teo-
rema nonsqueezing.
Note que cG é a menor capacidade simplética. Por outro lado, a
maior capacidade é dada por
c̄(M, ω) = inf{πr 2 ; existe mergulho simplético ϕ : (M, ω) → (Z 2n (r), ω0 )}
Portanto, temos que
cG (M, ω) ≤ c(M, ω) ≤ c̄(M, ω)
para qualquer capacidade (M, ω) 7→ c(M, ω).
Exemplo 7.1.4 (Capacidade de Elipsóides). Considere um elipsóide
qualquer dado por
 X2n 
2n
E= v∈R ; ajk vj vk ≤ 1 .
j,k=1

Exercı́cio: (Lema 2.43 de [29]) Mostre que existe um simplectomorfismo


linear levando E em
n ˛
˛ z j ˛2
 X ˛ ff
E(r1 , r2 , ..., rn ) = (z1 , . . . , zn ) ∈ Cn ; ˛ ˛ ≤1 ,
˛r ˛
j=1 j

para algum 0 < r1 ≤ r2 ≤ ... ≤ rn , e os números ri são unicamente


determinados por E.

Como B 2n (r1 ) ⊂ E(r1 , r2 , ..., rn ) ⊂ Z 2n (r1 ), segue que


cG (E) = πr12 .
Exemplo 7.1.5 (Continuidade da capacidade para conjuntos
convexos). Defina a distância de Hausdorff de dois subconjuntos U
e V de R2n como
 
d(U, V ) = max min kx − yk + max min kx − yk .
x∈U y∈V y∈V x∈U

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76 [CAP. 7: INVARIANTES GLOBAIS

Exercı́cio: Suponha que U é um conjunto convexo contendo a origem.


Mostre que ∀ > 0, existe δ > 0 tal que
(1 − )U ⊂ V ⊂ (1 + )U
sempre que d(U, V ) < δ.

Segue então do exercı́cio acima que a capacidade de conjuntos con-


vexos é contı́nua com respeito à métrica de Hausdorff. Note que é fun-
damental nos restringirmos a conjuntos convexos. Com efeito, pode-
mos aproximar arbitrariamente na métrica de Hausdorff um disco D
de dimensão dois pela união disjunta A de finos anéis. A capacidade
de Gromov de A é a maior área dos finos anéis e portanto pode ser
arbitrariamente pequena.

Na Seção 7.4.4 veremos como Hofer e Zehnder construı́ram novas


capacidades simpléticas em termos de órbitas periódicas de sistemas
hamiltonianos. Veremos que este resultado não só fornece uma nova
prova dinâmica do teorema nonsqueezing mas também uma demon-
stração da conjectura de Weinstein em R2n .

7.2 Breve esboço da prova do teorema non-


squeezing via curvas pseudo-holomorfas
Daremos aqui um breve esboço da prova do teorema nonsqueezing de
Gromov. Para uma exposição mais detalhada, sugerimos [6, 18, 23].
Utilizaremos [23] como referência nesta seção.
Como mencionamos anteriormente, a prova de Gromov do teo-
rema nonsqueezing está baseada no estudo de curvas pseudo-holomorfas
em uma variedade simplética. Tais objetos são as generalizações nat-
urais de curvas holomorfas para variedades quase-complexas.
Definição 7.2.1. Seja (M, J) uma variedade com uma estrutura
quase-complexa J e (Σ, j) uma superfı́cie de Riemann com uma es-
trutura complexa j. Uma aplicação suave u : Σ → M tal que

du ◦ j = J ◦ du

é dita uma curva J-holomorfa ou uma curva pseudo-holomorfa (quando


é claro com respeito a qual estrutura quase-complexa) em M .

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[SEC. 7.2: ESBOÇO DA PROVA DO TEOREMA NONSQUEEZING 77

Seja agora ϕ : B 2n (r) → Z 2n (R) um mergulho simplético e r 0 < r.


Como ϕ(B 2n+2 (r0 )) é compacto, existe um mergulho simplético

ϕ : B 2n (r0 ) → (B 2 (R) × T 2n−2 , ω0 ⊕ ω0 )

tomando T 2n−2 = R2n−2 /aZ2n−2 , para a suficientemente grande,


com a forma simplética induzida de R2n−2 , que continuamos deno-
tando por ω0 . No que segue denotaremos r 0 por r para simplificar a
notação.
Assim, o Teorema 7.1.1 segue do seguinte resultado geral:
Teorema 7.2.2 (Teorema nonsqueezing para produtos). Seja
(N, τ ) uma variedade simplética de dimensão 2n − 2 tal que π2 (N ) =
0. Se existe um mergulho simplético de B 2n (r) em B 2n (R)×N , então
r < R.
Daremos uma prova deste teorema utilizando o seguinte resutado
devido a Gromov.
Teorema 7.2.3 (Gromov). Seja (N, τ ) uma variedade simplética
compacta tal que π2 (N ) = 0 e J uma estrutura quase-complexa em
S 2 × N compatı́vel com a forma simplética produto σ ⊕ τ , onde σ é a
forma de área de S 2 . Então, dado um ponto p ∈ S 2 × N , existe uma
curva J-holomorfa u : S 2 → S 2 × N passando sobre p e homóloga à
fibra S 2 × {x}.
Demonstração:[Breve esboço da prova do Teorema 7.2.3] O resul-
tado é trivial quando J = j ⊕JN , onde j é a estrutura complexa usual
em S 2 e JN é qualquer estrutura quase-complexa em N . A prova no
caso geral é baseada no estudo dos mapas de avaliação (evaluation
maps)

evJ : M ([S 2 ], J) ×G S 2 → M
[f, z] 7→ f (z),

onde M = S 2 × N , J é uma estrutura quase-complexa em M com-


patı́vel com a forma simplética produto σ⊕τ , M ([S 2 ], J) é o conjunto
de curvas J-holomorfas em M homólogas à fibra S 2 ×{x}, G é o grupo
de transformações conformes em S 2 , e M ([S 2 ], J)×G S 2 é o quociente
de M ([S 2 ], J) × S 2 pela ação de G dada por g · (f, z) = (f ◦ g, g −1(z)).

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78 [CAP. 7: INVARIANTES GLOBAIS

O teorema é então equivalente a afirmar que evJ é sobrejetiva.


Para provar isto, repare que evj⊕JN é evidentemente sobrejetiva. A
idéia básica é, a grosso modo, deformar evj⊕JN até evJ preservando
esta propriedade.
O ponto crucial na demonstração é que, sob as condições do teo-
rema, para um J genérico (ou seja, em um subconjunto residual
no espaço de estruturas quase-complexas compatı́veis J ), o espaço
M ([S 2 ], J)×G S 2 é uma variedade compacta suave de dimensão finita
na topologia C ∞ . Tais estruturas complexas genéricas são chamadas
regulares.
Prova-se, então, que existem estruturas quase-complexas regulares
Ja e Jb próximas de j ⊕ JV e J, respectivamente, e pontos pa e pb
próximos de p tais que pa e pb são valores regulares de evJa e evJb ,
respectivamente, e #evJ−1 a
(pa ) = 1. Em particular,

grau(evJa ) = 1.

Apesar do espaço de estruturas quase-complexas regulares não


ser conexo por caminhos, pode-se, em geral, ligar estruturas quase-
complexas regulares Ja e Jb por um caminho γ : [0, 1] → J tal que
M ([S 2 ], γ) ×G S 2 é uma variedade diferenciável compacta com bordo
M ([S 2 ], Ja ) ×G S 2 ∪ M ([S 2 ], Jb ) ×G S 2 , onde M ([S 2 ], γ) é o conjunto
de curvas γ(t)-holomorfas em M homólogas à fibra S 2 × {x} para
todo t ∈ [0, 1], e G age de maneira análoga em M ([S 2 ], γ) × S 2 . Note
que usamos aqui o fato de que J é contrátil, e portanto conexo por
caminhos (veja as Seções 2.4 e 3.3.1).
Esse fato nos permite definir o mapa de avaliação

evγ : M ([S 2 ], γ) ×G S 2 → M,

que restrito às componentes do bordo M ([S 2 ], Ja )×G S 2 e M ([S 2 ], Jb )×G


S 2 coincide com evJa e evJb , respectivamente. Isto implica que as
aplicações evJa e evJb são cobordantes. Um argumento canônico em
Topologia Diferencial mostra, então, que

grau(evJb ) = grau(evJa ) = 1.

Como pb e Jb estão arbitrariamente próximos de J e p respectiva-


mente, prova-se que as curvas Jb -holomorfas passando em pb con-
vergem a uma curva J-holomorfa passando em p que é homóloga à

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[SEC. 7.2: ESBOÇO DA PROVA DO TEOREMA NONSQUEEZING 79

fibra S 2 × {x}. 

Note que dado um mergulho simplético

ϕ : B 2n (r) → (B 2 (R) × N, ω0 ⊕ τ )

temos de fato um mergulho simplético

ϕ : B 2n (r) → (S 2 (R/2) × N, σ ⊕ τ ),

onde S 2 (R) é a esfera de raio R. Com efeito, podemos mergulhar


simpléticamente B 2 (R) em S 2 (R/2) via o teorema de Dacorogna-
Moser (veja o Teorema 7.4.6 mais a frente).
Seja J0 a estrutura quase-complexa canônica em R2n e considere a
estrutura quase-complexa ϕ∗ J0 em ϕ(B 2n (r)). A proposição seguinte
diz que podemos estender ϕ∗ J0 a uma estrutura quase-complexa J
em S 2 (R/2) × N compatı́vel com σ ⊕ τ :

Proposição 7.2.4. Dada uma variedade simplética (M, ω), uma sub-
variedade S ⊂ M e uma estrutura quase-complexa J0 definida ao
longo de S (i.e., um endomorfismo em T M |S tal que J02 = −Id)
compatı́vel com ω, então existe uma estrutura quase-complexa J em
M também compatı́vel com ω e tal que J|S = J0 .

Demonstração: Seja g0 a métrica riemanniana definida ao longo


de S dada por ω(·, J0 ·). Considere em M uma partição da unidade
{ρi }i∈I , e construa em cada suporte de ρi uma métrica riemanniana
hi que coincide com g0 se suporte(ρi ∩ S) 6= ∅. Como P uma soma
positiva de métricas é uma métrica, temos que g := i∈I ρi hi é uma
métrica definida em toda M que estende g0 .
Note agora que, pela Proposição 2.4.2, dado um produto interno e
uma forma simplética ω em um espaço vetorial, existe uma estrutura
complexa compatı́vel com ω. Como essa construção é canônica, pode-
mos aplicá-la ao fibrado tangente T M , obtendo a estrutura quase-
complexa desejada. 

Consequentemente, temos que

ϕ : (B 2n (r), J0 ) → (S 2 (R/2) × N, J).

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80 [CAP. 7: INVARIANTES GLOBAIS

é uma aplicação holomorfa, ou seja, tal que dϕ ◦ J0 = J ◦ dϕ.


Pelo Teorema 7.2.3, existe uma curva J-holomorfa C homóloga a
S 2 × {x} contendo ϕ(0) de forma que, pelo teorema de Stokes,
Z Z
σ⊕τ = σ ⊕ τ = πR2 .
C S 2 ×{x}

Se C 0 = C ∩ ϕ(B 2n (r)), temos que


Z Z
πR2 ≥ σ⊕τ = ω0 ,
C0 ϕ−1 (C 0 )

pois ϕ é simplética. Mas ϕ−1 (C 0 ) é uma curva J0 -holomorfa passando


pela origem. Em particular, é uma superfı́cie mı́nima contida em
B 2n (r). Usaremos agora o seguinte fato sobre subvariedades mı́nimas
em R2n . Para uma prova, ver [23].

Proposição 7.2.5. Seja M n ⊂ RN uma subvariedade mı́nima e


p ∈ M . Então,
Vol(B(p, r) ∩ M ) ≥ cn rn ,
onde B(p, r) é a bola de centro p e raio r, e cn é o volume da bola
n-dimensional de raio 1.

Consequentemente, temos que


Z
área(ϕ−1 (C 0 )) = ω0 ≥ πr2 ,
ϕ−1 (C 0 )

onde a igualdade acima segue do fato que C 0 é uma subvariedade


complexa de B 2n (r), e portanto simplética.

7.3 Rigidez de simplectomorfismos


Seja ψi : R2n → R2n uma sequência de difeomorfismos simpléticos.
Como a condição sobre um simplectomorfismo envolve somente sua
derivada, temos claramente que, se ψi converge a um difeomorfismo
ψ na topologia C 1 , então ψ é simplético.

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[SEC. 7.3: RIGIDEZ DE SIMPLECTOMORFISMOS 81

Suponha agora que ψi → ψ uniformemente na topologia C 0 , de


forma que ψ é contı́nua. Como
Z Z Z Z
f ◦ ψ dµ = lim f ◦ ψi dµ = lim f dµ = f dµ
i→∞ i→∞

para toda função contı́nua f , onde µ é a forma de volume em R2n ,


temos que ψ também preserva a forma de volume. Em particular, se
ψ é diferenciável então det dψ(x) = ±1 para todo x ∈ R2n .
Veremos nesta seção que, surpreendentemente, se ψ é diferenciável,
então dψ é simplética. Seguiremos um argumento devido a Ekeland
e Hofer [13], mostrando que tal fato segue diretamente da existência
de uma capacidade simplética.

Teorema 7.3.1. Um difeomorfismo que preserva orientação ψ :


R2n → R2n é simplético com respeito à forma simplética canônica se e
somente se existe uma capacidade simplética c tal que c(ψ(U )) = c(U )
para todo elipsóide U ⊂ R2n .

Na prova utilizaremos o seguinte análogo linear do resultado acima:

Lema 7.3.2. Uma transformação linear L : R2n → R2n que preserva


a capacidade de elipsóides é simplética ou anti-simplética, isto é,
L∗ ω0 = ±ω0 .

Demonstração: Se L não é simplética nem anti-simplética, o mesmo


se passa com sua transposta L∗ (Exercı́cio). Portanto, existem v, w ∈
R2n tais que
ω0 (v, w) 6= ±ω0 (L∗ v, L∗ w).

Perturbando v e w se necessário, podemos supor que ω0 (v, w) e


ω0 (L∗ v, L∗ w) são não-nulos. Trocando L∗ por (L∗ )−1 e reescalando
v e w se necessário, assuma que

0 < λ2 := |ω0 (L∗ v, L∗ w)| < |ω0 (v, w)| = 1.

Considere agora uma base simplética {vi , wi }, i = 1, . . . , n, de R2n tal


que v1 = v e w1 = w, e uma segunda base simplética {vi0 , wi0 } tal que
∗ ∗
v10 = Lλ v e w10 = Lλw .

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82 [CAP. 7: INVARIANTES GLOBAIS

Sejam A e A0 transformações lineares simpléticas que levam a base


simplética canônica (ei )2n 0 0
i=1 em {vi , wi } e {vi , wi }, respectivamente.
Tomando C = (A0 )−1 L∗ A, temos que

C(e1 ) = λe1 e C(e2 ) = λe2 .

As matrizes C e C ∗ possuem então a forma


 λ 0    λ 0
 
0 ±λ ∗ ∗ 0 ±λ 0
C= e C = ,
0 ∗ ∗ ∗

ou seja, a transposta C ∗ preserva o subespaço span{e3 , ..., e2n } e con-


trai por λ a primeira e segunda componentes dos vetores e1 e e2 .
Consequentemente,

C ∗ (B 2n (1)) ⊂ Z 2n (λ).

Mas, como A, L e A0 preservam a capacidade, o mesmo ocorre para


C ∗ = A∗ L(A0∗ )−1 , chegando a um absurdo.
Finalmente, note que C ∗ precisa preservar somente a capacidade
de bolas. Portanto, é preciso somente que L preserve a capacidade
da imagem de bolas por transforações lineares, ou seja, elipsóides. 

Demonstração:[Prova do Teorema 7.3.1] Temos que provar que


dψx é simplética para todo x ∈ R2n . Compondo com translações,
podemos nos restringir ao caso em que x = 0 e ψ(0) = 0. Mas dψ0 é
o limite uniforme em compactos dos difeomorfismos
ψ(tx)
ψt (x) =
t
quando t → 0. Note que ψt preserva a capacidade para todo t 6= 0.
Com efeito, chamando ϕt a multiplicação x 7→ tx, temos que

c(ψt (U ), ω0 ) = c(ϕ1/t ◦ ψ ◦ ϕt (U ), ω0 )
= c(ψ ◦ ϕt (U ), ϕ∗1/t ω0 )
= (1/t2 )c(ψ ◦ ϕt (U ), ω0 )
= (1/t2 )c(ϕt (U ), ω0 )
= c(U, ω0 ),

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[SEC. 7.4: A CAPACIDADE DE HOFER-ZEHNDER 83

onde a segunda e terceira igualdades seguem da monotonicidade e


conformalidade de c junto ao o fato de que ϕ∗t ω0 = t2 ω0 , e a quarta
igualdade decorre do fato de que ψ preserva a capacidade para elipsóides
e ϕt (U ) também é um elipsóide.
Agora, note que dado um elipsóide U e um número positivo λ < 1,
existe t0 tal que

ψt (λU ) ⊂ dψ0 (U ) ⊂ ψt (λ−1 U )

para todo t > t0 . De fato, seja ft = dψ0−1 ◦ ψt . Como ft converge


à identidade uniformemente em compactos, ft (λU ) ⊂ U ⊂ ft (λ−1 U )
para t suficientemente grande (note que aqui estamos usando o fato
que U é um elipsóide, pois a relação de inclusão λU ⊂ U ⊂ λ−1 U
claramente não é válida para um aberto U qualquer).
Como c(λU ) = λ2 c(U ), segue então da monotonicidade de c e das
inclusões acima que dψ0 preserva a capacidade de elipsóides. Pelo
Lema, 7.3.2 concluı́mos que dψ0 é simplética ou anti-simplética.
Para finalizar, note que, como ψ preserva a orientação, se n é
ı́mpar, segue imediatamente que dψ0 não pode ser anti-simplética.
Se n for par, aplique o mesmo argumento para IdR2 × ψ. 

Corolário 7.3.3 (Eliashberg e Gromov). O grupo de simplecto-


morfismos Simp(M, ω) é C 0 fechado em Dif(M ).

Demonstração: Como o resultado é de natureza local, basta prová-


lo quando (M, ω) = (R2n , ω0 ), o que segue do Teorema 7.3.1. 

7.4 A capacidade de Hofer-Zehnder


Como vimos na Seção 7.5, uma questão importante em geometria
simplética é o problema da existência de órbitas periódicas em nı́veis
de energia de sistemas hamiltonianos. Em [22, 21], Hofer e Zehn-
der introduziram o seguinte invariante simplético diretamente rela-
cionado a este tipo de problema:

Definição 7.4.1. A capacidade de Hofer-Zehnder de uma variedade

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84 [CAP. 7: INVARIANTES GLOBAIS

simplética (M, ω) é dada por

cHZ (M, ω) = sup max H,


H∈HA (M,ω)

onde HA (M, ω) é o conjunto de hamiltonianas admissı́veis H em M ,


isto é,
• H ∈ H(M, ω) ⊂ C ∞ (M, R), onde H ∈ H(M, ω) se e somente
se H ≥ 0, e existe um conjunto aberto V ⊂ M onde H|V ≡ 0
e um conjunto compacto K ⊂ M \ ∂M satisfazendo H|M \K ≡
max H;
• toda órbita periódica não-constante (ou seja, que não seja uma
singularidade) de XH possui perı́odo maior que 1.
Intuitivamente, a capacidade de Hofer-Zehnder mede a oscilação
suficiente para uma hamitoniana em H(M, ω) possuir órbitas perió-
dicas de curto perı́odo. Mais precisamente, temos pela definição
acima que se cHZ (M, ω) < ∞ e H ∈ H(M, ω) é tal que max H >
cHZ (M, ω), então o fluxo hamiltoniano de H possui uma órbita perió-
dica não-trivial de perı́odo menor que 1.
Proposição 7.4.2. A capacidade de Hofer-Zehnder satisfaz as pro-
priedades de monotonicidade e conformalidade.
Demonstração: Inicialmente provaremos a monotonicidade. Se
ϕ : (M, ω) → (N, τ ) é um mergulho simplético entre variedades de
mesma dimensão, definimos uma aplicação ϕ∗ : H(M, ω) → H(N, τ )
dada por (
H ◦ ϕ−1 (x) se x ∈ ϕ(M );
ϕ∗ (H) =
max H se x ∈/ ϕ(M ).
Claramente max ϕ∗ (H) = max H. Basta provar então que

ϕ∗ HA (M, ω) ⊂ HA (N, τ ).

Mas como ϕ é simplética, Xϕ∗ (H) = dϕ(XH ) em ϕ(M ). Portanto,


toda órbita periódica não-trivial de Xϕ∗ (H) corresponde a uma única
órbita periódica não-trivial de XH de mesmo perı́odo via ϕ, visto que
ϕ∗ H é constante e igual a max ϕ∗ H em N \ ϕ(M ).

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[SEC. 7.4: A CAPACIDADE DE HOFER-ZEHNDER 85

Para a conformalidade, seja a ∈ R, a 6= 0, e defina ψ : H(M, ω) →


H(M, aω) por ψ(H) = Ha := |a|H. Claramente ψ é uma bijeção,
e, como max Ha = |a| max H, basta mostrarmos que ψ define uma
bijeção entre HA (M, ω) e HA (M, aω). Mas o campo hamiltoniano

XH a
de Ha com respeito a aω é dado pela equação

aω(XH a
, ·) = |a|dHa ,

e portanto coincide com XH ou −XH dependendo do sinal de a, onde


XH é o campo hamiltoniano de H com respeito a ω. 

Proposição 7.4.3. cHZ (B 2n (r)), ω0 ) ≥ πr2 .


Demonstração: Pela conformalidade de cHZ , basta provar que
cHZ (B 2n (1)), ω0 ) ≥ π. Para tal, vamos construir explicitamente,
para um dado 0 <  < π, uma hamiltoniana admissı́vel em B 2n (1)
tal que max H = π − . Seja f : [0, 1] → [0, ∞) uma função suave tal
que
• 0 ≤ f 0 (t) < π;
• f (t) = 0 para t próximo de 0;
• f (t) = π −  para t próximo de 1.
Defina H(x) = f (kxk2 ) para x ∈ B 2n (1). Então max H = π −  e
afirmamos que H é admissı́vel. De fato, o campo hamiltoniano de H
é dado por
XH (x) = 2f 0 (kxk2 )XF (x),
onde F (x) = (1/2)kxk2 é a hamiltoniana vista no Exemplo 6.1.5,
cujo fluxo hamiltoniano é dado explicitamente por ϕF t (x) = (cos t)x−
(sin t)J0 x. Todas as órbitas de XF são periódicas de perı́odo 2π.
Note agora que se γ(t) é uma órbita de um campo X e h é uma
Rt
função suave qualquer, então γh (t) := γ( 0 h(γ(s)) ds) é uma solução
do campo hX. Como 2f 0 (kxk2 ) é constante ao longo das órbitas de
XF (pois kxk2 é constante ao longo das órbitas), as órbitas de XH
são portanto dadas por

ϕH F
t (x) = ϕ2tf 0 (kxk2 ) ,

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86 [CAP. 7: INVARIANTES GLOBAIS

e consequentemente, como 0 ≤ f 0 (kxk2 ) < π, todas as órbitas periódicas


de XH tem perı́odo estritamente maior que 1. 

Em particular, segue do teorema de Darboux que toda variedade


simplética não-vazia possui capacidade de Hofer-Zehnder positiva. As
propriedades acima são simples de provar. Como B 2n (r) ⊂ Z 2n (r),
segue da monotonicidade e da proposição anterior que
cHZ (Z 2n (r), ω0 ) ≥ cHZ (B 2n (r), ω0 ) ≥ πr2 .
Teorema 7.4.4 (Hofer e Zehnder). cHZ (Z 2n (r), ω0 ) ≤ πr2 .
Segue, portanto, que cHZ define uma capacidade simplética. A
prova to Teorema 7.4.4 é bastante delicada e não a incluiremos aqui.
Ela pode ser encontrada em [21, 22], e está baseada em um argu-
mento variacional envolvendo o funcional de ação de H. Em particu-
lar, temos uma nova prova (variacional) do teorema nonsqueezing de
Gromov. Veremos na próxima seção que o Teorema 7.4.4 proporciona
mais que isso. Ela implica também a existência de órbitas periódicas
em quase todo nı́vel de energia de hamiltonianos próprios em R2n ,
e, em particular, a conjectura de Weinstein em R2n provada por C.
Viterbo.
Em geral, é um problema bastante difı́cil calcular cHZ . Entre-
tanto, em dimensão dois, nı́veis de energia regulares são variedades
unidimensionais e, portanto, se forem compactos, órbitas periódicas
do fluxo hamiltoniano. Usando esta observação, K. Siburg [34] provou
que a capacidade de Hofer-Zehnder de uma superfı́cie coincide com
sua área. Seguiremos a demonstração dada por Hofer e Zehnder em
[22].
Teorema 7.4.5. Seja (M, ω) uma variedade simplética compacta de
dimensão 2, possivelmente com bordo não vazio. Então
Z

cHZ (M, ω) = ω .
M

Demonstração: Podemos supor, sem perda de generalidade, que


M é conexa, pois, caso contrário, aplicamos o argumento a cada
componente conexa de M . Inicialmente provaremos que
Z

cHZ (M, ω) ≥ ω .
M

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[SEC. 7.4: A CAPACIDADE DE HOFER-ZEHNDER 87

Dado  > 0, removendo a vizinhança de um número finito de curvas de


M , obtemos uma variedade simplesmente conexa N ⊂ M difeomorfa
a um disco fechado D ⊂ R2 tal que
Z Z


ω ≥ ω − .

N M

Para isso, basta observar que M pode ser obtida pela identificação
dos lados de um polı́gono no plano. Basta portanto removermos viz-
inhanças suficientemente pequenas desses lados, obtendo uma região
difeomorfa a um disco.
Podemos escolher o raio do disco de modo que sua forma de área
µ satisfaça Z Z


µ = ω .

D N
Como D e N possuem bordo, não podemos aplicar diretamente o
teorema de Moser 4.1.1 para concluir que são simplectomorfos. Pre-
cisamos da seguinte extensão do teorema de Moser:
Teorema 7.4.6 (Dacorogna-Moser [11]). Sejam D1 e D2 domı́nios
compactos e conexos com bordos suaves em Rn . Suponha que Λ1 (x) =
f1 (x)dx1 ∧ ... ∧ dxm e Λ2 (x) = f2 (x)dx1 ∧ ... ∧ dxm são formas de
volume em D1 e D2 , respectivamente, tais que f1 > 0 e f2 > 0. Se
ϕ : D1 → D2 é um difeomorfismo que preserva orientação então
existe um difemorfismo ψ : D1 → D2 tal que ψ = ϕ em ∂D1 e

det(dψ(x))f2 (ψ(x)) = λf1 (x),

onde a constante λ é dada pela relação


Z Z
f2 = λ f1 .
D2 D1

Em particular, se D1 e D2 possuem o mesmo volume, temos que


λ = 1 e consequentemente det(dψ(x)) = 1, ou seja, ψ preserva vol-
ume. Aplicando este fato a (D, µ) e a (N, ω), concluı́mos que eles são
simplectomorfos. Pela monotonicidade de cHZ ,
Z Z

cHZ (M, ω) ≥ cHZ (N, ω) = cHZ (D, µ) ≥ µ ≥ ω − ,
D M

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88 [CAP. 7: INVARIANTES GLOBAIS

R
onde a desigualdade c(D, µ) ≥ D µ segue da Proposição 7.4.3.
Como isso vale para todo  > 0, temos a desigualdade desejada.
Falta agora provar que
Z

cHZ (M, ω) ≤ ω .
M

Pela propriedade de conformalidade, podemos supor que a integral


no lado direito é positiva. Seja  > 0 e H ∈ HA (M, ω) satisfazendo
Z
max H ≥ ω + .
M

Temos que provar que o fluxo hamiltoniano de H possui uma órbita


não constante de perı́odo 0 < T ≤ 1. Seja R ⊂ [0, max H] o conjunto
de valores regulares de H. Pelo teorema de Sard, R possui medida
de Lebesgue total. Portanto, existem finitos intervalos disjuntos Ij =
[aj , bj ] ⊂ R tais que
X Z
 
(bj − aj ) ≥ max H − ≥ ω+ .
j
2 M 2

Como H ≡ max H em uma vizinhança de ∂M , dado h ∈ R, H −1 (h)


consiste em um número finito de cı́rculos mergulhados em M , cada
um correspondendo a uma órbita fechada γ(t, h) do fluxo hamiltoni-
ano de H. Escolha para cada j uma componente Aj de H −1 [aj , bj ].
Note que cada Aj é coberto por uma famı́lia suave γ(t, h) de soluções
fechadas de perı́odo T (h) > 0, onde h ∈ Ij . Seja ϕ = ϕj o difeomor-
fismo dado por
ϕ : (t, h) 7→ γ(t, h) ∈ Aj ,
onde 0 ≤ t < T (h) e aj ≤ h ≤ bj . Afirmamos que

ϕ∗ ω = dt ∧ dh.

Com efeito, como H(γ(t, h)) = h, ω(∂t γ, ∂h γ) = dH(γ(t, h))(∂h γ) =


1. Portanto, dados u, v ∈ R2 , u = (u1 , u2 ) e v = (v1 , v2 ), temos

ϕ∗ ω(u, v) = ω(dϕ(u), dϕ(v)) = ω(u1 ∂t γ + u2 ∂h γ, v1 ∂t γ + v2 ∂h γ)


= (u1 v2 − u2 v1 )ω(∂t γ, ∂h γ) = u1 v2 − u2 v1 = (dt ∧ dh)(u, v),

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[SEC. 7.5: CAPACIDADE DE HOFER-ZEHNDER E ÓRBITAS PERIÓDICAS 89

provando a afirmação. Consequentemente,


Z Z Z bj
ω= ϕ∗ ω = T (h) dh.
Aj ϕ−1 (Aj ) aj

Suponha agora, por contradição, que T (h) > 1 para todo h ∈ R.


Então Z XZ X Z

ω≥ ω> (bj − aj ) ≥ ω+ ,
M j Aj j M 2

chegando a um absurdo. Portanto, existe h ∈ R tal que T (h) ≤ 1,


concluindo a demonstração. 

7.5 Capacidade de Hofer-Zehnder e órbitas


periódicas em nı́veis de energia
Como vimos, por definição, se cHZ (M, ω) < ∞, então toda hamil-
toniana H ∈ H(M, ω) tal que max H > cHZ (M, ω) possui uma
órbita periódica não-trivial de perı́odo menor que 1. Veremos a seguir
que a condição de H estar em H(M, ω) não é tão importante, pois
toda hamiltoniana pode ser transformada em uma hamiltoniana em
H(M, ω) na vizinhança de um nı́vel de energia, resultando somente
em uma reparametrização do fluxo hamiltoniano.
Proposição 7.5.1. Seja S = H −1 (E) uma hipersuperfı́cie de ener-
gia compacta e regular de XH em (M, ω). Suponha que existe uma
vizinhança aberta U de S tal que cHZ (U, ω) < ∞. Então, existe uma
sequência de valores de energia Ej → E tal que XH possui uma órbita
periódica de energia Ej para todo j.
Demonstração: Seja f : R → R uma função suave tal que
• f (x) ≥ 0 para todo x;
• f (x) = 0 para todo x suficientemente próximo de E;
• f (x) ≡ max f para x ∈
/ (E − , E + ) para algum  > 0;
• supp (f ◦ H) ⊂ U ;

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90 [CAP. 7: INVARIANTES GLOBAIS

• max f > cHZ (U, ω).

Pela primeiras três condições acima, temos que f ◦ H ∈ H(M, ω).


Ademais, decorre das duas últimas condições e da definição de cHZ
que Xf ◦H possui uma órbita periódica não constante de perı́odo
menor que 1.
Agora, segue diretamente da equação de Hamilton que Xf ◦H (p) =
f 0 (H(p))XH (p). Portanto, o fluxo hamiltoniano de f ◦ H é uma
reparametrização do fluxo de XH . Consequentemente, Xf ◦H também
possui uma órbita periódica não constante (podendo ser de qualquer
perı́odo, visto que há uma reparametrização).
Pela segunda e terceira condições em f , tal órbita periódica pos-
sui energia E 0 6= E e tal que E 0 ∈ (E − , E + ). Tomando  → 0,
concluimos a prova da proposição. 

Motivados pela proposição anterior damos a seguinte definição:

Definição 7.5.2. Uma variedade simplética (M, ω) possui capaci-


dade de Hofer-Zehnder limitada se

cHZ (U, ω) < ∞

para todo subconjunto aberto U ⊂ M com fecho compacto.

Corolário 7.5.3. Seja (M, ω) uma variedade simplética com capaci-


dade de Hofer-Zehnder limitada. Então, dada qualquer hamiltoniana
H com nı́veis de energia compactos, existe um subconjunto denso
Σ ⊂ H(M ) tal que para todo E ∈ Σ a hipersuperfı́cie de energia
H −1 (E) possui uma órbita periódica.

De fato, o seguinte teorema mostra que o resultado acima pode


ser bastante melhorado.

Teorema 7.5.4. Sob as mesmas hipóteses do Corolário 7.5.3, o con-


junto Σ possui medida de Lebesgue total.

Este teorema foi provado por M. Struwe [35] supondo que os


nı́veis de energia limitam regiões compactas com capacidade de Hofer-
Zehnder finita. Essa hipótese é desnecessária, como provado em [26].

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[SEC. 7.5: CAPACIDADE DE HOFER-ZEHNDER E ÓRBITAS PERIÓDICAS 91

Observação: Não se pode esperar a existência de órbitas periódicas


em todo nı́vel de energia. Com efeito, existem exemplos de hipersu-
perfı́cies em R2n , n > 1, sem caracterı́sticas fechadas [16]. A cons-
trução desses exemplos é baseada na inserção dos chamados plugs
simpléticos. Mais precisamente, dada uma hipersuperfı́cie S com uma
caracterı́stica fechada isolada γ, pode-se perturbar S na topologia C 0
(via a inserção de um plug simplético), obtendo uma nova hipersu-
perfı́cie S 0 com as mesmas caracterı́sticas fechadas de S exceto γ.
Para obter um exemplo sem caracterı́sticas fechadas, basta par-
tir, portanto, de uma hipersuperfı́cie com um número finito de órbitas
periódicas. Mas, como vimos no Exemplo 6.2.9, o bordo do elipsóide
E(r1 , r2 , ..., rn ) com ri2 racionalmente independentes possui exata-
mente n órbitas periódicas.
Segue da Proposição 7.5.4 e do Teorema 7.4.4 o seguinte corolário:
Corolário 7.5.5. Toda hamiltoniana própria em R2n possui órbitas
periódicas em quase todo nı́vel de energia.
Consequentemente, a condição de limitação da capacidade de
Hofer-Zehnder garante uma resposta bastante satisfatória ao prob-
lema da existência de órbitas periódicas em nı́veis de energia. Por
outro lado, é, em geral, um problema difı́cil determinar quando a
capacidade de Hofer-Zehnder é limitada. Note que mostrar que uma
variedade simplética possui capacidade de Hofer-Zehnder limitada
implica, em particular, numa prova da conjectura de Weinstein para
a variedade em questão.
Além do R2n , outros exemplos de variedade simpléticas com ca-
pacidade de Hofer-Zehnder limitada são conhecidos, ver [9] e re-
ferências aı́ contidas. Porém, o problema geral de determinar quando
uma dada variedade simplética possui capacidade de Hofer-Zehnder
limitada é ainda completamento aberto.
O seguinte simples e explı́cito exemplo, devido a Zehnder [21, 45],
exibe uma forma simplética constante ω em T 4 com capacidade de
Hofer-Zehnder infinita. Em particular, como cG (T 4 , ω) < ∞, pois T 4
é compacto e portanto de volume finito, temos que as capacidade de
Gromov e Hofer-Zehnder diferem neste exemplo.
Exemplo 7.5.6 (Variedade simplética com capacidade de Hofer-
Zehnder ilimitada). Seja M = T 3 × R com a forma simplética

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92 [CAP. 7: INVARIANTES GLOBAIS

ω(v, w) = hAv, wi, onde h , i é a métrica Euclideana induzida em M


e A é uma matriz tal que
 
0 1 0 a1
 −1 0 0 a2 
−A−1 =   0
,
0 0 1
−a1 −a2 −1 0

onde a1 , a2 ∈ R. Note que ω é evidentemente fechada, pois é induzida


por uma 2-forma constante em R4 . Como det −A−1 = 1, ω é não-
degenerada.
Seja H : M → R a hamiltoniana dada pela coordenada x4 ∈ R,
de forma que ∇H = e4 , onde {e1 , e2 , e3 , e4 } é a base canônica de R4 .
Seu campo hamiltoniano é, portanto,

XH = −A−1 ∇H = −A−1 e4 = (a1 , a2 , 1, 0).

Consequentemente, em cada nı́vel de energia H −1 (c) = T 3 × {c}, o


campo hamiltoniano de H é o campo constante (a1 , a2 , 1).
Escolhendo a1 e a2 tais que

h(a1 , a2 , 1), vi 6= 0 para todo v ∈ Z3 , v 6= 0,

temos que as órbitas de XH são densas em T 3 × {c} para todo c ∈


R. Geometricamente, o fluxo de XH é uma translação em T 3 com
inclinação irracional. Em particular, XH não possui nenhuma órbita
periódica.
Finalmente, note que a translação (x, t) 7→ (x, t + 1) é uma trans-
formação simplética com respeito a ω. Tomando o quociente, induz-
imos uma forma simplética em T 4 com uma hamiltoniana tendo um
aberto de nı́veis de energia compactos sem órbitas periódicas. Pela
Proposição 7.5.1, tal forma simplética possui capacidade de Hofer-
Zehnder ilimitada.

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Índice

1-forma tautológica, 21 Exemplo de Thurston, 31

Álgebra de Lie, 32 Fibrado de linhas caracterı́sticas,


Ação de uma curva, 6 60
Fluxos geodésicos, 67
Base simplética, 14 Fluxos magnéticos, 68
Folheação caracterı́stica, 60
Campo hamiltoniano, 9, 58 Forma bilinear não-degenerada,
Campo simplético, 58 11
Capacidade de elipsóides, 74 Forma canônica no fibrado cotan-
Capacidade de Gromov, 72 gente, 22
Capacidade de Hofer-Zehnder, Forma de Fubini-Study, 30
82 Forma de Liouville, 20
Capacidade simplética, 73 Forma simplética, 20
Caracterı́sitica fechada, 64 Forma simplética twist, 24
Conjectura de Arnold, 51 Função lagrangiana, 6
Conjectura de Weinstein, 65 Funcional de ação, 64
Curva pseudo-holomorfa, 75
Grupo de Lie, 32
Difeomorfismo hamiltoniano, 51
Hamiltoniana, 8, 9
Equação de Euler-Lagrange, 7 Hipersuperfı́cie formato estrela,
Equação de Hamilton, 58 65
Espessura simplética, 72
Estrutura complexa compatı́vel, Isotopia, 43
16
Estrutura complexa em um espaço Nı́vel de energia, 59
vetorial, 15
Estrutura quase-complexa, 24 Ortogonal simplético, 13

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ÍNDICE 99

Princı́pio de Hamilton, 64

Representação adjunta, 34
Representação coadjunta, 34

Simpletização, 56
Subespaço coisotrópico, 13
Subespaço isotrópico, 13
Subespaço lagrangiano, 13
Subespaço simplético, 13
Subvariedade coisotrópica, 40
Subvariedade isotrópica, 40
Subvariedade lagrangiana, 40
Subvariedade simplética, 40
Superfı́cie de Hopf, 40

Teorema da vizinhança lagrangiana,


49
Teorema de Dacorogna-Moser,
86
Teorema de Darboux, 48
Teorema de Eliashberg e Gro-
mov, 73
Teorema de Hofer-Zehnder, 85
Teorema de recorrência de Poincaré,
63
Teorema non-squeezing de Gro-
mov, 72
Transformada de Legendre, 8

Variedade complexa, 26
Variedade de contato, 52
Variedade Kähler, 26
Variedade quase-Kähler, 25
Variedade simplética, 20

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