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BERGSON

Ser do tempo em Bergson *** Bergsonismo *** Du bergsonisme à l´existencialisme ***


Various Aspects of Memory in Bergson *** The Concept of memory: Ontology

COELHO, Jonas Gonçalves. Ser do tempo em Bergson. Interface – Comunicação, Saúde,


Educação, v. 8, n. 15, p. 233-246, mar./ago. 2004.

A filosofia de Bergson tem na duração uma ideia fundamental. A duração seria o


único “tempo real”, aquele que se contraporia ao “tempo fictício” dos filósofos, físicos,
matemáticos e psicólogos. O ensaio de Coelho gira em torno desse tema.
Na física e na psicologia, vigoraria uma certa ideia de tempo imaginária, não-real, e
cuja consequência seria encobrir a verdadeira natureza do tempo – isto é, a duração. Na física,
o tempo se representa espacialmente e de maneira numerável, como se fosse uma sucessão
homogênea de pontos em uma linha uniforme regida por uma ordem imutável, na qual a
mesma causa sempre produz o mesmo efeito e, portanto, trata-se de um tempo que “não faz
nada”, e a distinção entre passado, presente e futuro seria ilusória. No caso da psicologia,
Bergson chegara a uma crítica semelhante, ao deparar-se com uma concepção da
personalidade como uma série sucessiva de estados psicológicos distintos (cada qual sendo
em si invariável), e onde a variação seria dada por essa sucessão em função de um “eu”
(igualmente invariável) que lhe serviria de suporte. Para Bergson, essas noções não passariam
de abstrações que escapam ao que seja de fato o tempo real.
O tempo real é duração.
O tempo de Bergson não é o tempo espacial, esse “vazio” no qual os
acontecimentos se sucederiam. O filósofo propõe que desviemos nosso olhar
e consideremos os próprios acontecimentos, sejam eles psíquicos ou físicos.
É aí que descobriremos o tempo real, cujas propriedades fundamentais são a
sucessão, a continuidade, a mudança, a memória e a criação (COELHO,
2004, p. 238).

Essas cinco “propriedades” da duração são assim apresentadas. A primeira é a


sucessão, isto é, o fato de que os acontecimentos (interior ou exterior, físico ou psíquico)
seguem-se após os outros; consideramos como acontecimentos passados aqueles que
antecedem aos presentes e aos futuros. A segunda é a continuidade, isto é, que a sucessão não
é nada que se assemelhe a uma série numérica espacial. Daí que na realidade não podemos
separar o presente do passado, como se fossem pontos no espaço – donde a segunda
consequência, a duração não pode ser medida, não é mensurável. A duração é, portanto,
sucessão sem separação.
Chega-se então ao terceiro aspecto da duração: a mudança. A continuidade indivisa da
duração é feita de mudanças ininterruptas, e a sucessão é uma mudança de fluxo incessante.
Não há estabilidade seja na vida física ou psíquica, pois a mudança é constitutiva do real.
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Recusa-se, assim, a ideia de uma essência que permaneceria inalterada por detrás do tempo, já
que a mudança é marca da heterogeneidade do tempo.
A duração, sendo sucessão indivisa de mudança heterogênea, é, portanto, memória. Na
verdade, é pela memória que se compreende melhor a relação que Bergson estabelece entre
continuidade e mudança. Tanto a memória-hábito quanto a lembrança-imagem são modos de
ser da memória, e indicam, cada qual ao seu modo, a conexão entre passado, presente e futuro
no interior da mudança, o prolongamento e contração do passado (o “ser” do tempo) no
presente (o tempo tornado “ato”). Sem a memória, não haveria continuidade, mas apenas
instantaneidades.
Quinto aspecto: a criação. A memória torna a continuidade de mudanças do tempo da
duração algo imprevisto, mas também concorre para essa imprevisibilidade e o impulso ao
novo aquilo que Bergson chamou de “élan vital”. “Para Bergson, criação não é escolha entre
possíveis pré-estabelecidos, mas é invenção do novo, do que não preexistia a sua realização.”
(p.241). Assim, em virtude de seu dinamismo criador, o tempo da duração é também
indeterminado.
Os cinco aspectos da duração conformam o tempo real, que em Bergson só é
apreendido de modo subjetivo. Enquanto tal, a temporalidade real da duração pode ser
percebida pelo homem de modo consciente – com a ressalva que ela não é fruto da
consciência, como Bergson frisou diversas vezes e chegando inclusive a usar largamente a
ideia de “inconsciente” para tratar da duração. Segundo Coelho, “a percepção consciente da
temporalidade interior é possível graças à memória” (p.244), pois é esta que temporaliza a
própria percepção.

DELEUZE, Giles. Bergsonismo. Trad. De Luiz B. L. Orlandi. São Paulo: Editora 34, 1999.

“Duração [Durée], Memória [Mémoire] e Impulso vital [Élan vital] marcam as


grandes etapas da filosofia bergsoniana. O objetivo deste livro é a determinação da relação
entre essas três noções e do progresso que elas implicam” (p.7).
A intuição é o método do bergsonismo. Ela é o que confere um fio de continuidade às
três etapas dessa filosofia. A questão que a intuição coloca é: como a intuição pode ser um
método, se ela é um conhecimento imediato e o método, por sua vez, parece pressupor uma
série de mediações? De fato, a intuição é definida como um ato simples, mas essa
simplicidade não deve esconder a multiplicidade de seus momentos e direções em que ela se
atualiza. Basicamente, Bergson distingue três atos, que seriam as três principais regras do
método: a criação e posição dos verdadeiros problemas; a determinação das diferenças de
natureza; e a apreensão do tempo real. Entre eles, haveria mais duas regras complementares:
a primeira diz que os falsos problemas se dividem de “problemas inexistentes” e “problemas
mal colocados”; e a segunda diz que o real não é somente o que se divide em diferenças de
natureza, mas também o que se reúne e se converge para um mesmo ponto ideal ou virtual.
Segundo Deleuze, “É mostrando como se passa de um sentido a outro, e qual é "o sentido
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fundamental", que se deve reencontrar a simplicidade da intuição como ato vivido, podendo-
se assim responder à questão metodológica geral” (p.8).
Tratando da segunda regra geral, Deleuze descreve a tese central de Bergson no
primeiro capítulo de Matéria e Memória. Entre a matéria e a percepção da matéria existe
apenas uma diferença de grau; a verdadeira diferença de natureza reside entre percepção e
memória. A percepção nos coloca “de súbito” na matéria, enquanto a memória nos coloca,
também “de súbito”, no espírito. A percepção é da ordem do espaço, a memória, do tempo.
Percepção e memória são, portanto, duas linhas de direções opostas, e conformam as
condições de toda a experiência. A mistura entre as linhas resulta na própria experiência. Ir
além da experiência para chegar às suas condições de possibilidade só é possível pela
intuição.
Segundo Deleuze (p.22), a questão da duração leva às essências ou substâncias de uma
coisa. Por isso só a duração contem as diferenças de natureza, enquanto o espaço contem
apenas diferenças de grau.
“Em resumo, a intuição torna-se método, ou melhor, o método se reconcilia com o
imediato. A intuição não é a própria duração. A intuição é sobretudo o movimento, pelo qual
saímos de nossa própria duração, o movimento pelo qual nos servimos de nossa duração para
afirmar e reconhecer imediatamente a existência de outras durações acima ou abaixo de nós.”
(p.23).
“Portanto, é certo que a intuição forma um método, com suas três (ou cinco) regras.
Trata-se de um método essencialmente problematizante (crítica de falsos problemas e
invenção de verdadeiros), diferenciante (cortes e intersecções) e temporalizante (pensar em
termos de duração). Mas falta determinar ainda como a intuição supõe a duração e como, em
troca, ela dá à duração uma nova extensão do ponto de vista do ser e do conhecimento.”
(p.26).

***
A duração é um dado imediato. Trata-se de uma “passagem”, do devir que dura, de
mudança que é a própria substância. Duração, portanto, concilia continuidade e
heterogeneidade. Assim definida, ela não é só a experiência, mas a condição da própria
experiência – na medida em que esta é sempre um misto de espaço e duração. A duração pura
é interna, o espaço puro é externo. Enquanto misto, a experiência deve ser dividida na
intuição. A duração será o lado do misto “bom”, que é a essência, um “dado imediato”.
Deleuze esclarece:
O importante é que a decomposição do misto nos revela dois tipos de
"multiplicidade". Uma delas é representada pelo espaço (ou melhor, se levarmos em
conta todas as nuanças, pela mistura impura do tempo homogêneo): é uma
multiplicidade de exterioridade, de simultaneidade, de justaposição, de ordem, de
diferenciação quantitativa, de diferença de grau, uma multiplicidade numérica,
descontínua e atual. A outra se apresenta na duração pura: é uma multiplicidade
interna, de sucessão, de fusão, de organização, de heterogeneidade, de discriminação
qualitativa ou de diferença de natureza, uma multiplicidade virtual e contínua,
irredutível ao número. (p.28).
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Quando Bergson fala em multiplicidade, não o faz no sentido de opor o Múltiplo ao


Uno, mas de distinguir dois tipos de multiplicidade: do espaço e da duração, quantitativa e
qualitativa, objetiva e subjetiva.
Portanto, seria um grande erro acreditar que a duração fosse simplesmente o
indivisível, embora Bergson, por comodidade, exprima-se frequentemente assim. Na
verdade, a duração divide-se e não para de dividir-se: eis por que ela é uma
multiplicidade. Mas ela não se divide sem mudar de natureza; muda de natureza,
dividindo-se: eis por que ela é uma multiplicidade não numérica, na qual, a cada
estágio da divisão, pode-se falar de "indivisíveis"-. Há outro sem que haja vários;
número somente em potência. Em outros termos, o subjetivo, ou a duração, é o virtual.
(p.32).

Essa ideia de virtual é importante no pensamento de Bergson, e Deleuze nota que “o


mesmo autor que recusa o conceito de possibilidade [...] é também aquele que leva ao mais
alto ponto a noção de virtual, e que funda sobre ela toda uma filosofia da memória e da vida”
(p.33).

***
Se nos primeiros trabalhos a duração parecia estar restrita à ordem do subjetivo,
Bergson parece ter revisto e expandido esse argumento para afirmar que as coisas (fora de
mim) também duram (à sua maneira), na medida em que elas também comportam qualidades.
Por isso a duração não é só psicológica, ela deve ser também ontológica. É para descobrir
essa ontologia do tempo que Deleuze passa então a apresentar a noção bergsoniana de
memória. (Por outro lado, esse deslocamento também levará Bergson a reconsiderar a questão
do espaço, deixando de ser uma simples forma de exterioridade para estar fundado no próprio
ser.
A duração é memória, enquanto conservação e acumulação do passado no presente.
Com efeito, a duração se distingue da série descontínua de instantes de duas maneiras: o
momento seguinte contém sempre a lembrança que este lhe deixou; e os dois momentos
considerados se contraem um no outro, pois um não desapareceu totalmente quando o outro
aparece. Dessa maneira, haveria duas memórias: a memória-lembrança (conservação), e a
memória-contração (acumulação)1.
Na verdade, a identidade da memória e da duração é mais de direito do que de fato. O
problema particular da memória então é: como a duração se torna memória de fato? Como se
atualiza o que é de direito? (Segundo Deleuze, essa questão também está relacionada ao
problema que Bergson levanta sobre a consciência).
A memória é a forma da subjetividade pura. A questão pela localização da lembrança
é um falso problema, pois obscurece o fato de que “é em si que a lembrança se conserva”
(p.41). A questão também confunde percepção e lembrança, tomando a segunda como um
campo material do cérebro.

1
Deleuze comenta em sequência: “Se perguntarmos, finalmente, pela razão dessa dualidade na duração, nós a
encontraremos sem dúvida em um movimento que estudaremos mais tarde, um movimento pelo qual o
"presente" que dura se divide a cada "instante" em duas direções, uma orientada e dilatada em direção ao
passado, a outra contraída, contraindo-se em direção ao futuro” (p.39)
5

A teoria da memória é um dos temas mais difíceis da filosofia de Bergson. A partir da


página 42, Deleuze faz uma belíssima apresentação desse tema da memória na ontologia do
tempo de Bergson.
Entre matéria e memória, percepção pura e lembrança pura, presente e passado,
Bergson vê uma diferença de natureza. No caso, não percebemos essa diferença porque
tendemos a dizer que o passado já não é, que deixou de ser. "Confundimos, então, o Ser com
o ser-presente" (p.42). Mas o presente não é; ele seria sobretudo devir, fora de si. "Ele não é,
mas age" (p. 42). Seu elemento próprio é a atividade e utilidade – ao contrário do passado,
que deixou de agir ou de ser-útil. "Mas ele não de deixou de ser". O passado é, no sentido
pleno da palavra. confundindo-se com o ser em si. "Não se trata de dizer que ele 'era', pois ele
é o em-si do ser e a forma sob a qual o ser se conserva em si (por oposição ao presente, que é
a forma sob a qual o ser se consome e se põe fora de si)" (p.42). Daí a inversão que se impõe:
devemos dizer que o presente, a cada instante, "era"; e do passado, devemos dizer que ele "é",
é eternamente, o tempo todo. Esta seria a diferença de natureza entre presente e passado,
coextensiva à diferença entre ser e devir.
Nesse sentido, a duração não é só psicológica, mas fundamentalmente ontológica2. A
memória é a ideia que promove essa transição. “Rigorosamente falando, o psicológico é o
presente. Só o presente é 'psicológico'; mas o passado é a ontologia pura, a lembrança pura,
que tem significação tão-somente ontológica" (p.43)3. Isso se revela na medida que, Bergson,
a memória não é o salto do presente em direção ao passado, mas ao contrário: colocamo-nos
de súbito no “passado em geral” (que, mais do que possuir um estatuto ontológico próprio,
conforma o próprio ser do tempo), condição para a passagem de todo presente particular.
“Assim como não percebemos as coisas em nós mesmos, mas ali onde elas estão, só
apreendemos o passado ali onde ele está, em si mesmo, não em nós, em nosso presente”
(p.43). Em outras palavras: pela memória, colocamo-nos no ser – não se reduzindo à sua
“encarnação” ou “psicologização” (eu diria também, “entificação”), isto é, a sua atualização
como memória-hábito ou lembrança-imagem. A memória é ontológica. (Não haveria grandes
dificuldades de aproximar essa reflexão da doutrina platônica da anamnese, como nota o
próprio Deleuze).
A memória se procede nesse movimento em direção ao ser. “Longe de recompor o
sentido a partir de sons ouvidos e de imagens associadas, instalamo-nos de súbito no
elemento do sentido e, depois, em certa região desse elemento. Verdadeiro salto no Ser”
(p.44). Deleuze chega a mencionar que esse salto remete de algum modo a Kierkegaard (o que
não deixa de ser interessante para uma leitura existencial).
Mais importante, é que a ideia de um salto no passado indica que o passado não é e
nunca será recomposto com presentes, a memória não é presentificação do passado. “Donde
duas falsas crenças: de um lado, acreditamos que o passado como tal só se constitui após ter
sido presente; por outro lado, acreditamos que ele é, de algum modo, reconstituído pelo novo
presente, do qual ele é agora passado” (p.44). Essas seriam as origens das falsas concepções
fisiológicas e psicológicas da memória, que a tomam como uma forma menos intensa de

2
É nesse contexto que Bergson utiliza o termo inconsciente, isto é, com o ser-em-si. Não há de se confundir
com a acepção freudiana.
3
É exatamente aqui que Deleuze faz menção Jean Hyppolite, Du bergsonisme à l´existencialisme e Aspects
divers de La mémoire chez Bergson.
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percepção. A razão desse equívoco está em que se analisa (de maneira mal feita) um misto,
isto é, a imagem. A imagem é, portanto, aquilo que precisa ser destrinchado e depois
recomposto intuitivamente.
Deleuze resume então o paradoxo da memória no bergsonismo: “o passado é
‘contemporâneo’ do presente que ele foi” (p.45). Noutras palavras, o passado não poderia ser
constituído se ele não coexistisse com o presente do qual ele é o passado. Passado e presente
não são lugares sucessivos, mas elementos que coexistem: “Um, que é o presente e que não
para de passar; o outro, que é o passado e que não para de ser, mas pelo qual todos os
presentes passam. É nesse sentido que há um passado puro, uma espécie de ‘passado em
geral’” (p.45), que não é a condição de todo presente “passar”.
“A ideia de uma contemporaneidade do presente e do passado tem uma última
consequência. O passado não só coexiste com o presente que ele foi, mas - como ele se
conserva em si (ao passo que o presente passa) - é o passado inteiro, integral, é todo o nosso
passado que coexiste com cada presente.” (p.46). É o que se representa na célebre metáfora do
cone. A ilustração do cone indica que é sempre a totalidade do passado que coexiste com o
presente, O ponto em que a ponta do cone toca a superfície S é a contração dessa totalidade.
"Eis, portanto, o ponto exato em que a Memória-contração inscreve-se na Memória-
lembrança e, de algum modo, assegura-lhe a continuidade. Donde, precisamente, esta
consequência: a duração bergsoniana define-se, finalmente, menos pela sucessão do que pela
coexistência" (p.46).
De fato, a duração é sucessão real, mas somente porque mais profundamente ela é
coexistência virtual, isto é, "coexistência consigo de todos os níveis, de todas as tensões, de
todos os graus de contração e distensão" (p.47). É nesse contexto que se introduz a ideia de
REPETIÇÃO na filosofia de Bergson.
Além disso, com a coexistência é preciso reintroduzir a repetição na duração.
Repetição "psíquica" de um tipo totalmente distinto da repetição "física" da matéria.
Repetição de "planos", em vez de ser uma repetição de elementos sobre um só e
mesmo plano. Repetição virtual, em vez de ser atual. Todo nosso passado se lança e se
retoma de uma só vez, repete-se ao mesmo tempo em todos os níveis que ele traça.
(p.47).

A memória-contração é também repetição. Mas no sentido mais "psíquico" que


"físico", "virtual" em vez de "atual", repetição de "planos", em vez de repetição de
"elementos" num mesmo plano. Essa ideia de repetição - forma da memória-contração - se
entende junto com a noção de salto no passado, discutido acima. O movimento bergsoniano é
instalarmo-nos de súbito no passado, e depois para uma certa região do passado. Essa região
não é formada por conjuntos de elementos distintos, mas trata-se de níveis diferentes, sendo
que cada um deles sempre contém todo nosso passado, mas em um estado mais ou menos
contraído. "É nesse sentido que há regiões do próprio Ser, regiões ontológicas do passado 'em
geral', todas coexistentes, todas 'repetindo-se' umas as outras" (p.47).
O que resume as quatro proposições acima vêm da denúncia de uma ilusão sobre a
essência do tempo, qual seja, "que podemos recompor o passado com o presente; que
passamos gradualmente de um ao outro; que um e outro se distinguem pelo antes e pelo
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depois; e que o trabalho do espírito se faz por adjunção de elementos (em vez de se fazer por
mudanças de níveis, verdadeiros saltos, remanejamentos de sistemas)” (p.48).
Deleuze passa então para outra questão: como a lembrança pura atualiza-se, passa a ter
existência psicológica? (Como ela se entifica?). Primeiro, Deleuze distingue invocação à
lembrança da evocação da imagem. A invocação seria esse salto virtual no passado, e exprime
a dimensão propriamente ontológica da memória. Já quando falamos de evocação da imagem,
de revivescência, já falamos da atualização da lembrança, pois “uma vez que nos tenhamos
instalado em determinado nível, no qual jazem as lembranças, então, e somente então, estas
tendem a se atualizar” (p.49). Elas se tornam imagens-lembranças, passíveis de serem
evocadas.
A revolução bergsoniana consiste em afirmar que "não vamos do presente ao passado,
da percepção à lembrança, mas do passado ao presente, da lembrança à percepção" (p.49).
O processo de atualiza envolve quatro aspectos. “Eis, portanto, quatro aspectos da
atualização: a translação4 e a rotação5, que formam os momentos propriamente psíquicos; o
movimento dinâmico, atitude do corpo necessária ao bom equilíbrio das duas determinações
precedentes; finalmente, o movimento mecânico, o esquema motor, que representa o último
estágio da atualização. Trata-se, em tudo isso, da adaptação do passado ao presente, da
utilização do passado em função do presente - daquilo que Bergson chama de "atenção à
vida".” (p.55).
Deleuze finaliza o capítulo sobre memória apresentando um quinto aspecto da
atualização, que na verdade seria a condição das demais. Foi visto que a lembrança pura é
contemporânea do presente que ela foi. Na atualização, a lembrança se atualiza em imagem
que é, ela própria, contemporânea desse presente. Essa lembrança do presente seria em
princípio inútil, pois ela apenas viria a duplicar a percepção. Por isso, é preciso que a
lembrança se encarne não em função do seu próprio presente (do qual ela é contemporânea),
mas em função de um novo presente em relação ao qual agora ela é passado. Essa condição é
dada pela própria natureza do presente, que não para de passar.
“Eis, portanto, o quinto aspecto da atualização: uma espécie de deslocamento, pelo
qual o passado só se encarna em função de um outro presente que não aquele que ele foi (a
perturbação correspondente a esse último aspecto seria a paramnésia, na qual se atualizaria a
"lembrança do presente" como tal)” (p.56).
Essa diferença é resolvida na ideia de impulso vital – élan vital.

HYPPOLITE, Jean. Du bergsonisme à l´existencialisme. Actas del Primer Congreso Nacional


de Filosofía, Mendoza, Argentina, marzo-abril 1949, tomo 1, p. 442-455.

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Pelo qual o passado a memória se põe inteira diante da experiência e, assim, se contrai mais ou menos, sem
dividir-se, em vista da ação. (contração-translação)
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Pelo qual a memória gira em torno de si mesma e se orienta em direção à situação do momento para indicar-
lhe a sua face mais útil. (orientação-rotação)
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Segundo o autor, a passagem do bergsonismo ao existencialismo fornece um


esclarecismo para a “nossa situação histórica” – isto é, da filosofia. Ele chega a sugerir que o
sucesso do existencialismo pode ser explicado em parte pelos limites presentes no
bergsonismo.
“Notre tache est maintenant définie: dévoiler en creux pour ainsi diré l'existentialisme
dans le bergsonisme, montrer ce qui manque au bergsonisme pour satisf aire certaines
exigences contemporaines, et cela sur quelques points nécessairement limites” (p.443).
(O autor vai trabalhar bastante com a distinção sartreana entre o existencialismo ateu
(o próprio Sartre e Heidegger) e o existencialismo cristão (de Marcel e Jaspers).).
Nos ensaios sobre os dados imediatos, Bergson apresenta duas concepções do “eu”
[moi]: o moi profond e o moi superficiel. Trata-se de duas formas distintas de existir, que
Hyppolite diz poder chamar de inautêntica e autêntica. A primeira não vive na duração, mas
numa forma especializada do tempo. Como Hyppolite também lembra, isso à primeira vista se
assemelha com a filosofia de Heidegger, que se assentou também nessa diferença entre
autêntico e inautêntico a partir de duas formas de temporalização.
Mas se aqui parece haver uma semelhança, não se pode fechar os olhos para o fosso
que separaria a filosofia da vida de Bergson e a filosofia da existência de Heidegger e outros.
Vale a pena colar toda a passagem, bastante esclarecedora:
“Tandis que, pour Bergson, il ne semble s'agir que d'une interprétation différente du
moi qui conduit á deux fagons possibles d'exister, pour Heidegger la chute dans le On resulte
d'une sorte de fuite devant soi-méme, d'un oubli commandé par un recul devant l'angoisse de
notre propre condition humaine, fuite devant l'angoisse d'assumer ma mort, ma possible
impossibilité, la fin de tout projet ou l'horizon ultime qui fait ma finitude irremediable.
D'autre part tandis que Bergson oppose la durée créatrice á la conception vulgaire et
spatialisée du temps, Heidegger part d'une analyse de la temporalité dont la contexture
exprime le drame propre de la vie humaine, incapable d'exister sans étre á la fois en avant de
soi-méme (avenir du souci et horizon ultime de la mort), en arriere de soi puisqu'elle se
trouve étant-lá sans l'avoir elle-méme voulu, et face au monde qu'elle se rend présent dans la
situation fondamentale.” (p.446).
Na filosofia de Bergson, sobretudo em A evolução criadora e As duas fontes da moral
e da religião, há o esforço de recolocar o homem na vida universal, no impulso vital e no
reconforto da experiência mística. Heidegger, ao contrário, parte da existência humana (e
apenas dela) para edificar sua ontologia. O mesmo acontece com Sartre, ainda que este depois
tenha recusado a distinção heideggeriana entre o autêntico e o inautêntico. Esclarece
Hyppolite:
“Tandis que Bergson explique l'homme par ce qui le precede et le dépasse, par l'élan
vital et par le Dieu qui est la source de cet élan et que retrouvent les mystiques, Sartre comme
Heidegger en reste á la réalité humaine, á l'analyse de cette existence de l'homme comme étre-
pour-soi, radicalement opposé á l'étre-en-soi des choses, et cette opposition,” (p.447). Ainda
para Sartre, a duração bergsoniana não pode se confundir com a temporalidade heideggeriana,
que faz com que o homem seja sempre aquilo que ele não é, e jamais ser aquilo que é
(distinção entre existência e essência).
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Outra diferença central, já timidamente sugerida, é o lugar que o tema da angústia


ocupa nessas filosofias. “Le bergsonisme a méconnu l'angoisse, il a dépassé l'existence
humaine, et c'est au contraire de cette angoisse, de cette existence humaine que partent tous
les existentialistes” (p.450). O bergsonismo postula uma serenidade final, um reconforto que
supera as inquietudes geradas pela inteligência científica, mas que deve ser superada
intuitivamente. Na verdade, em Bergson a existência humana não é mais que um momento da
vida universal - antes dela há a vida orgânica, o impulso vital; depois dela há a alegria do
místico, a serenidade final. Segundo Hyppolite, essa ideia de serenidade já não satisfaz nem
os existencialistas, nem os cristãos contemporâneos – o que seria um dos limites do
pensamento bergsoniano.
Assim, a angústia não passaria de um falso problema, resultado provisório do
movimento da inteligência, mas que deve ser dissolvido na intuição (inteligência consciente).
A passagem seguinte, retirada por Hyppolites de As duas fontes..., é bastante clara:
“Ainsi les inquietudes de l'homme jeté sur la terre et les tentations que l'individu peut
avoir de se préferer lui-méme á la communauté, inquietudes et tentations qui sont le propre
d'un étre intelligent, se préteraient á une énumération sans fin. Mais cette complication
s'évanouit si l'on replace l'homme dans l'ensemble de la nature, si l'on considere que
l'intelligence serait un obstacle á la sérénité qu'on trouve partout ailleurs et que l'obstacle doit
étre surmonté, l'équilibre rétabli. Envisagé de ce point de vue, qui est celui de la genése et non
plus de l'analyse, tout ce que l'intelligence appliquée á la vie comportait d'agitation et de
défaillance avec tout ce que les religions y apportent d'apaisement devient une chose simple.
Perturbation et fabulation se compensent et s'annulent. A un Dieu qui regarderait d'em haut, le
tout paraitrait indivisible conune la confiance des fleurs qui s'ouvrent au printemps”. (p.454).
A passagem seguinte é uma síntese das diferenças entre bergsonismo e
existencialismo.
"Si Bergson définit la philosophie dans cette formule: "la philosophie devrait étre un
effort pour dépasser la condition humaine", nous devons diré au contraire que l'existentialisme
se montre impuissant á dépasser cette condition méme, autrement que par une foi que la
philosophie ne saurait justifier par elle seule. C'est pourquoi l'existentialisme lié á une analyse
indéfinie de la réalité humaine (et sur ce point cette analyse rejoint sans cesse une littérature
qui semble étre partie integrante de la philosophie existentielle) implique une crise de la
philosophie méme" (p.454).
O existencialimo eliminou o elemento de transcendência da existência humana no
bergsonismo. O que sobrou a partir daí como o grande problema para a filosofia
(existencialista, marxista, cristã) passa a ser então o sentido da história, o sentido da
historicidade da existência e o alargamento dessa historicidade em história. É com essa
questão que o autor finaliza seu texto:
“Reste il est vrai le sens de l'historicité de cette existence, et l'élargissement de cette
historicité en histoire, Comment comprendre le lien des existants humains, le devenir
historique, comment envisager le probléme du sens de cette histoire qui á certains égards nous
est donné, mais qu'il faut aussi que nous constituions? Le probléme ultime oú s'affrontent
aujourd'hui existentialistes, marxistes, chrétiens nous parait bien étre celui de ce "sens de
l'histoire".” (p.455).
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HYPPOLITE, Jean. Various Aspects of Memory in Bergson. In: LAWLOR, Leonard. The
Challenge of Bergsonism: Phenomenology, Ontology and Ethics. Londres/Nova York:
Continum, 2003, p. 112-127. Tradução de “Aspects divers de la mémoire chez Bergson”,
1949.

Bergson insistia que toda a sua filosofia tinha como fonte fundamental a intuição da
duração pura. Hyppolite sugere na duração uma espécie de cogito bergsoniano: duro, logo
existo. “The Bergsonian 'cogito' implies this original synthesis of the past and the present with
a view to the future, which is the new sense which Bergson gives to the word 'memory'.
Memory here is not a particular faculty that is concerned with repeating or reproducing the
past in the present; it is consciousness itself insofar as this consciousness is creative duration”
(p.112).
Geralmente a memória está associada à repetição, e não à invenção e à criação. No
entanto, Bergson reúne o ímpeto para o futuro com o impulso do passado numa única
intuição, que ele chama memória. Em termos temporais, memória é a síntese do passado e do
presente na visão de um futuro. Nesse sentido, o passado coexiste com o presente não
enquanto justaposição de momentos separados, mas como extensão contínua e heterogênea da
duração.
O ensaio de Hyppolite vai girar em torno da distinção entre passado e presente em
Bergson. (E isso apesar de o próprio Bergson considerar que o que precisava ser explicado
não era a memória em si (que é duração) mas o esquecimento).
A separação entre passado e presente é primeiramente explicado em relação à ideia de
atenção à vida. Isto é, um evento físico e psicológico tornar-se-ia passado quando se
encontrar fora do campo da atenção à vida – o que valeria tanto para o indivíduo, como para a
sociedade.
Mas, como é típico do bergsonismo, essa separação não é feita para ser mantida, mas
reunida intuitivamente. De toda forma, o problema colocado por Hyppolite é o da separação
entre passado e presente, e para desenvolvê-lo, o autor passa a considerar a função do corpo
nessa separação, antes de chegar ao tema da existência do passado.
A memória, como é sabido, é identificado por Bergson com o espírito. “In this
spontaneous functioning of spirit guided by its attention to life and to the world, memory
plays a primordial role. It is, for Bergson, spirit itself. Memory is not merely the mechanical
reproduction of the past, but sense. Sense is really what is revealed to us in Bergson's study of
general ideas insofar as they are vital schemas which oscillate between a motor habit, an
identical response to different situations, and a discrimination of individual nuances. It is a
supple memory which spontaneously contracts itself or develops itself according to the
demands of adapting to the world” (p.117).
Além de sentido, a memória é também conhecimento (knowledge), na medida em que
ela é atualizada em imagem. Essas imagens não são simplesmente combinadas
11

mecanicamente, mas são criadas ativamente. Nesse sentido, a memória “precedes the
situation, which moulds itself onto the situation and informs it with its own knowledge, with
its own experience, confirming, through the situation, the validity of its hypotheses, which
are, in the etymological sense of the word, projects” (p.118). Trata-se aí de uma memória
flexível (supple memory).
Hyppolite ressalva que a distinção famosa entre imagem-lembrança e memória hábito,
que geralmente é apresentada logo de saída pelos comentadores, corre risco de negligenciar
“the movement of this memory which is recognition at all stages (that is, which is the sense of
the present by means of the knowledge of the past, which is the discovery of the sense of
given situations).” (p.118).
E o autor continua: “Living memory is stretched out towards the situation to be
interpreted; its suppleness, its ability to dilate and contract, contrasts with the rigidity of every
mechanism. In contrast, by starting from this memory, we can understand the dissociation
required by action between a knowledge [savoir] of the past as such and a precise adaptation
to the present which results in an actual process or in a gesture of the body” (p.118).
Chega então na metáfora do cone. Para Hyppolite, o que deve ser esclarecido com
base na atenção à vida é a distinção pela qual o "eu" [moi] do passado é oposto ao "eu" do
presente ao mesmo tempo que este colabora com o "eu" do passado. Essa distinção do eu
consigo mesmo [de soi avec soic] reverbera a oposição entre passado e o presente traduz e,
portanto, também entre a lembrança que se tornou ato na imagem e no hábito corporal.
Ainda sobre o cone, o autor ressalta o duplo movimento que ela expressa: a contração
ou expansão do passado pela consciência, e o desdobramento de um ou outro desses passados
para interpretar a situação presente. Em outras palavras, o movimento de translação e rotação
da memória.
“This memory responds to the present situation by occupying a certain mental level
without dividing itself; it also responds by distinguishing in itself, in the totality given at this
level, a situation comparable to the present situation. We thus pass from a virtual multiplicity,
that of knowledge [savoir], to an actual multiplicity, that of the image” (p.119).
Hyppolite passa então a tratar do passado como tal em Bergson.
Pra começar, destaca uma passagem de MM onde Bergson afirma que não lembra o
passado, mas o repete constantemente. A memória é do espírito. E pelo fato do ser está em
constante evolução, a lembrança do passado comporta sempre o novo, ao contrário da
repetição da matéria. Por fim, Bergson assinala que o passado é atuado pela matéria, e é
imaginado pelo espírito.
Hyppolite:
“Spirit, insofar as its impetus is finite, insofar as its attention to life is limited, must be
able to oppose its past to its present as what one contemplates to what one does. No doubt we
must still consider spirit, living memory, as uniting in itself the two possible movements, the
movement towards the past which results in the ecstasis of a pure knowledge, where we unify
ourselves with our past, and the movement towards the present - or better yet, towards the
future (for which the world of our current perception sketches out possible realizations) –
12

which results in, at the limit, that gesture that is in the process of being done. In both cases,
spirit is outside of itself and loses itself in an unconsciousness” (p.120).
Por estar fora de si mesmo, em ambos os casos, a solução de Bergson consiste em
localizar o espírito criador entre as duas direções apontadas. Disso segue outra passagem
relevante:
“Trying hard to gather itself together despite a double solicitation, the creative sprit
has a hold on its future only because it is capable of giving itself a certain perspective upon its
past, without abandoning itself to the disinterested contemplation of the past which would
completely detach it from life and from reality. In this way, the representation of the past is
generally conditioned by our impetus towards the future; and this rupture of which we were
speaking previously between the past and the present must appear within the very heart of our
creative duration. Our past is what we must leave behind us in order to be able to act. Our past
is, nevertheless, still ourselves, because we are our past as much as we are our bodies. But the
true Self [le Soi], spirit, would not be able to define itself either by one or by the other, since it
is the creative impetus and since this creation in a finite being like us presupposes precisely
these two extreme limits of pure contemplation, 'of the dreaming which is knowledge', and
pure movement. The finite spirit that we are is even nothing but the effort to unify itself,
despite this duality that is always present within it” (p.120).
Segundo Hyppolite, o problema central de Bergson em As duas fontes... reside na
oposição entre contemplação e ação. A atenção à vida não seria a única forma de atenção
possível, tendo em vista a contemplação pura, que nos separa do nosso presente retira o
impulso para a ação criativa. É preciso, portanto, reunir essas duas demandas (contemplação e
ação) por um esforço (doloroso) da inteligência – que Bergson chama intuição. “What would
be needed is that the pure contemplation by which we define the past be not merely the result
of an interruption or of a relaxation of the creative impetus” (p.121). (Essa é a condição para
que a “lembrança do presente” possa criar um novo presente, e não se degradar em falso
reconhecimento).
Feitas essas considerações, Hyppolite passa então ao tema da existência do passado
em Bergson. Essa análise está baseada principalmente no terceiro capítulo de MM. Em
síntese: “Our past, which is given in its totality undivided to consciousness, contains the
details and events of our past life as a virtual multiplicity” (p.121). Porém, mais à frente o
autor faz uma ressalva importante: “But 'imagining is not remembering [se souvenir]' (MM
278/135). It is always important to turn back to this passage in Bergson which refuses to turn
the pure memory of the past into an image or a multiplicity of images.” (p.121).
A memória pura não se refere a nenhum objeto ou imagem, mas é conhecimento do
passado – que é, em Bergson, o meu passado.
“My past is only knowledge; in memory the object is no longer distinct from the
subject. The different things we know [connaissance] about the world are transposed into the
dimension of knowledge [savoir] when it has become my past. The past presents this
characteristic: in the past, the knowledge [savoir] of the object has become a knowledge
[savoir] of self. It would be interesting to compare this conception of the past in Bergson with
Platonic reminiscence. But the past which is at issue in Bergson is my past, the interiorization
13

of all my lived experience, which, without losing its individuality and its originality, has
drawn itself up to essence. This is why the past is not image.” (p.122).
E no final, mais uma referência que lembra a ideia do falso reconhecimento.
“But at its core the past is only knowledge and when I confuse myself with my past, I
can lose myself in nothing but a pure contemplation, which contains no distinction between
the object contemplated and the self which contemplates. This is an extreme limit where
consciousness tends to disappear.” (p.122).
Como o autor vai esclarecer um pouco mais à frente: “This correspondence between
spirit which reduces itself to its past and renounces action and materiality which is an
interruption of the absolute creative impetus is at the centre of Bergsonian metaphysics.”
(p.123).
O passado puro, portanto, é por princípio inútil e impotente (useless and powerless).
Só podemos contemplá-lo, mas não atuá-lo. Se o presente é sensório-motor, o passado é
desinteressado. Daí haver uma estética da memória – e Bergson chega a sugerir que toda
estética remete de algum modo ao passado. Mas, enquanto estética, o passado deve ser
também criação – o que se dá com a passagem entre a contemplação muda e a sua atualização
em uma imagem num objeto presente.
Se o passado é desinteressado, ele também comporta uma “positividade”, que seria a
dimensão do ser. O passado nunca é o que deixa de ser, mas o que deixa (não completamente)
de agir. Nesse sentido, o passado é a morada do ser, é o que eu de fato sou. A existência do
passado não é pontual, isto é, construída a partir de demandas do presente – a existência do
passado é integral, é todo o passado que existe.
Vale dizer que o passado existe de maneira diferente da existência de outros objetos
materiais do mundo. Por um lado, isso se dá porque a nossa descoberta do mundo pela
percepção vai da parte para o todo, enquanto o passado puro (que é (auto)conhecimento) nos é
inicialmente dado como uma totalidade indivisível. Por outro lado, isso também se dá porque
o impulso para o passado da duração não determina completamente o futuro. “Our future
really depends in certain respects on our past, and when we join back up with the total
impetus (this is the first meaning of the word 'memory' [mémoire], it is synonymous with
creative duration, of which we are parts), we understand how this creative impetus differs
from this repetition and from this identity towards which matter tends.” (p.124).
Porém, essa é a razão por que, no meio do ímpeto criativo, surge a demanda da ação
em opor o passado ao presente, este como “criador” em relação àquele. Hyppolite menciona
então esta passagem de MM que segundo ele próprio inspirou toda a sua análise: “But a being
which evolves, more or less freely, creates something new every moment; it is therefore in
vain that we would seek to read its past in its present if the past were not deposited within this
being in the form of memory [souvenir]. (MM 356/223)” (p.125).
Em resumo, a separação entre passado e presente ocorre tanto por demandas da
atenção à vida, como do ímpeto criativo que caracteriza a duração. “In this way, we
understand the difficulties of the conception of the past for Bergson, which, considered in its
thrust and in its impetus, is not without power but which, considered in contrast as distinct
14

from the present and from the future, can only be powerless and merely contemplated.”
(p.125).
A distinção entre passado e presente na individualidade humana é relativa à sua
memória, ao ritmo de sua própria duração (que em princípio é indivisível). Essa distinção,
portanto, comporta sempre algum grau de arbitrariedade. Mas essa separação também é
importante por facilitar a concepção de um futuro novo; porém, mais ainda, a tensão acima
referida (o relaxamento em direção ao passado e a tensão em direção ao futuro) também se
imponha por si mesma.
Para finalizar, o autor faz uma menção ao texto sobre a lembrança do presente. No
texto fica também claro que o passado puro (conhecimento) sempre acompanha em princípio
o presente vivido, como a sombra sempre acompanha a pessoa que se movimenta. Hyppolite
interpreta isso como sendo o inverso do ímpeto criativo, mas essa inversão acontece “only on
the occasion of the interruption of the attention to life” (p.126). Nesses momentos, podemos
contemplar o presente em seu próprio passado (indeterminado) – mas, nesse mesmo
momento, paramos de agir, suspendendo a duração como criação. A ação criadora sempre
tem a sua contraparte, o passado em geral – que geralmente nos é obscurecido pela atenção
para o futuro. Contemplar o presente como passado é parar de agir.
“The very contemplation of our personal past is imageless; it is mute. And when one
wants to realize it, express it in images or works, an intellectual effort is necessary which
draws up more from us than there was at first.” (p.126).

LAWLOR, Leonard. The Concept of Memory: Ontology. In: The Challenge of Bergsonism:
Phenomenology, Ontology and Ethics. Londres/Nova York: Continum, 2003, p.27-59.

No primeiro capitulo do livro, Lawlor discorreu sobre o conceito de imagem para ver
o desafio do bergsonimso à fenomenologia. Neste segundo capítulo, passa-se ao conceito de
memória, para entrever o desafio à ontologia. “It is this primacy of memory which opens the
challenge to ontology. Obviously, in the second half of the twentieth century, the word
'ontology' is synonymous with Heidegger's name. Here, I am not really going to present a
Bergsonian challenge to Heidegger's ontology; rather, I am going to take seriously the
standard Heidegger has set for ontology and try to see whether Bergson's metaphysics of
memory measures up to it. Heidegger himself, of course, suggests that it does not” (p.28).

Em Bergson consciência não é consciência de, não é intencionalidade. A imagem


bergsoniana leva a uma nova definição de presença, isto é, a imagem precede a presença para
a consciência. A presença excede a consciência, daí que o bergsonismo não é uma
fenomenologia da percepção. Há uma primazia da memória sobre a percepção. Como o autor
diz no último capítulo de Matéria e Memória, toda percepção já é memória.
Bergson: a matéria não gera a representação, o cérebro só é instrumento da ação.
Enquanto a percepção é experiência da matéria, "Memory, for Bergson, is the most 'palpable'
15

experience of spirit". Na verdade, a primazia da memória está em que a memória é uma


experiência. A experiência é primária para Bergson de três formas:

1- se a sobrevivência das memórias (que são representação de objetos ausentes) não


pode ser explicada pelo cérebro, então também o cérebro não gera a percepção (que é
representação de objetoss presentes).
2- Se há uma diferença de natureza entre memória e percepção, então a percepção
engendra uma forma de experiência (isto é, da matéria) que a distingue radicalmente da
memória.
3- Também pela diferença de natureza entre memória e percepção, conclui-se que o
espírito é uma realidade independente da matéria (claro que depois haverá uma rearticulação,
como a imagem do cone representa).

A memória é definida em Bergson a partir do estabelecimento das diferenças de


natureza que a tornam inteligível na intuição. São duas essas diferenças de natureza que
definem a memória. O que está em jogo aqui é a diferença (de natureza) entre matéria e
espírito.
A primeira trata sobre as duas formas da memória, que remetema diferença de
natureza entre a memória-hábito e a lembrança-imagem. Deve-ser ter em mente que a
memória em Bergson é “inconsciente” (não confundir com a acepção freudiana). Além disso,
quando Bergson fala em diferenças de direção isso já significa diferenças de natureza. Assim,
a primeira forma é a memória-hábito, que se caracteriza pela noção de prolongamento –
através da repetição de sua utilidade na ação. Assim, o prolongamento é um movimento que
está no presente e direcionado para o futuro. É o que Bergson chama em MM de “memória-
hábito”.
A segunda forma da memória é a “memória regressiva”. Não se trata aqui de
prolongamento, mas de conservação das imagens perceptívas que foram “gravadas”
(recorded). Ao contrário da memória-hábito, a memória regressiva se direciona para o
passado - e não é um “lugar”. O que se conserva na memória regressiva são as representações,
isto é, imagens-lembranças. Para Bergson, memórias-imagens são pessoais e não podem ser
repetidas da maneira como os hábitos podem, pois só são gravadas uma vez - e nesse sentido,
elas são "perfeitas". Na medida em que as imagens-lembranças são pessoais, elas estão em
casa em nosso passado e não assentadas no presente; elas não olham para o futuro. Na medida
em que a memória regressiva é direcionada para o passado, ela é direcionada não para a ação
ou movimento mas para o sonho ou alucinação. Por fim, a memória regressiva é espontânea,
ela “sobrevêm” (souvenir).
Para Bergson, entre essas duas formas, somente a memória regressiva pode ser dita
verdadeira. A memória-hábito “In the case of memorization and habit-memory, the words
souvenir and memoire, therefore, are misused, but in the case of evocation and conservation,
they are used correctly for Bergson, because what survives is a memory- image, which is a
memory of our past life.” (p.35).
16

A segunda diferença de natureza que define a memória está entre memória e


percepção. “So, while in the first difference in nature, that of 'the two forms of memory',
Bergson purified memory of habit or bodily motion, he did not purify it of perception:
perception's element is always the image” (p.36).
Essa ideia se resume no adágio bergsoniano de que “imaginar não é lembrar”. Isto é,
que a imagem não é memória, e a lembrança-imagem é um misto que deve ser melhor
analisado, e como o próprio Bergson representa em MM, ela está a meio caminho entre a
memória pura e a percepção pura.
Bergson especifica a diferença entre memória e imagem em termos de interesse: A
percepção é interesse para a ação; enquanto a memória é inútil e impotente para a ação. "To
summarize this difference in nature between perception and memory, perceptual images are
present, actual and extended, while pure memories are past, virtual and unextended" (p.38).
Se a memória pura é subjetiva, a questão que aparece é de saber se esse postulado não
corre o risco de cair num subjetivismo. É nesse contexto que o autor traz o tema do "problema
metafísico central da existência".

O ponto de partida de Lawlor está em que Bergson teria rompido a identificação entre
consciência e existência. Bergson estreita o conceito de consciência para o presente, ao
mesmo passo que alarga o conceito de existência, que incorporaria consciência e
inconsciência, passado e futuro. Com a quebra da sinonímia entre consciência e existência, e o
consequente alargamento da ideia de existência, Bergson pode estabelecer uma comparação
entre uma série de objetos simultanemanete arranjados no espaço e uma série de estados
sucessivamente desenvolvidos no tempo.
Bergson em MM:
"In reality, the adherence of [memories] to our present state is entirely comparable to
the adherence of unnoticed objects to the objects we perceive; and the unconscious plays the
same kind of role in both cases" (p.40).
No cotidiano, não reconhecemos essa comparação porque contraimos o hábito de
"enfatizar" as diferenças entre as duas séries, apagando as suas semelhanças. Essa ênfase e
apagamento acontece de 3 formas.
1- Abertura do futuro X fechamento do passado.
2- Cadeia de necessidades dos objetos X cadeia de contingências do tempo
3- A sequencialidade da ação X o salto para o passado da lembrança

Essas três formas são diferenças de grau, tratam-se de sobre-ênfase das distinções e
apagamento das semelhanças, "Unperceived objects in space and unconscious memoires in
time are not 'two radically different forms of existencie'; rather, there is an 'inverse' relation
between them" (p.41-42).
17

A relação inversa entre objetos não percebidos no espaço e memórias não conscientes
no tempo é baseada no que Bergson chama de as duas condições da existência - que devem
ser reunidas após terem sido separadas pelo entendimento.
1- apresentação para a consciência
2- a conexão lógica ou causal entre o que é apresentado com o que o precede e o
sucede.
Nesse momento, Bergson começa então a reestabelecer uma diferença de grau entre
matéria e memória.

Síntese do problema metafísico da existência em Bergson - 4 passos.


1- Quebra da sinonímia entre consciência e existência (essa sinonímia sugere que há
entre eles apenas uma diferença de grau);
2- A consciência presente não é o todo, o que permite a ampliação do conceito de
existência - que inclui tanto a apresentação consciente quanto as conexões lógicas ou causais
que ela pressupõe;
3- Desenfatizar as diferenças e restaurar as semelhanças - com isso bergson aponta
uma possibilidade de comparação entre matéria e memória;
4- Essa dupla relação entre matéria e memória consiste também numa relação inversa
entre apresentação para a consciência e a conexão entre as séries - recolocando então entre
eles uma diferença de grau mas agora na perspectiva do todo - e esse todo é a matéria e a
memória, que possuiriam "the same ontological sense only in inverse quantities".
Após os 4 passos, a conclusão é que "matter and memory have the same ontological
sense only in inverse quantities" (p.43). A metáfora do cone representaria essa conexão entre
matéria e memória. E segundo o autor aí estaria uma saída ao subjetivismo, e não sugere um
platonismo.

Depois de todas passar por 3 diferenças de natureza (entre matéria e memória; entre memória
e percepção; e entre consciência e existência), chegamos ao restabelecimento da comparação
e das diferenças de grau entre matéria e memória. Segundo o autor, esse caminho exige
reconhecer que o tema da existência é complicado em Bergson. Na verdade, segundo Lawlor,
o Bergson faz é nos confrontar com "a new philosphical ideia of existence, which is
represented in the cone image" (p.44).
"The cone image, therfore, for Bergson symbolizes this connection between the two
forms of memory. The two forms of memory are not really separate; the true memory serves
'as a base' for habit-memory" (p.47).
Para enter essa "conclusão surpreendente", devemos estar aptos a ver o que é mais
difícil de enxergar na imagem do cone: que se trata de uma imagem de movimento (e portanto
não poderíamos falar de uma relação entre conteúdo e repositório (content-container)). O
18

movimento da imagem está não apenas entre o cone e a superíficie, mas também da própria
superfície e do cone, que gira em torno de si mesmo contraindo ou expandindo-se.
É na ponta do cone no plano em movimento que temos a diferença de natureza entre
matéria e memória. Porém, com a inversão da relação entre matéria e memória discutida
antes, devemos ver na imagem que na ponta do cone também se encontram as diferenças de
grau entre matéria e memória.
"In other words, for Bergson, matter is a presentation to consciousness that repeats the
deduction of the material world and, inversely, presentation to consciousness is the very
materiality of our existence" (p.48).
Sobre a questão do presente: "All the differences of matter and memory, therefore,
take place in the present. But that the differences are here does not mean that Bergson is
prioritizing the present" (p.48). Bergson também vê o ser como o tempo, e não vê o presente
como o tempo, mas apenas uma "seção quase-instantânea" na "continuidade do tornar-se, que
é a própria realidade". Assim o autor vai contra interpretação de Heidegger sobre o tempo em
Bergson.
"It seems then, given Heidegger's logic of the reversal of Platonism, that Bergson does
not remain trapped in a subjectivism: for Bergson the sense of being is neither the present nor
consciousness." (p.49). Em vez de identificar o ser com o presente, ele o identifica com o
passado. Para entender isso, o autor vai destrinchar o movimento do cone em vez do
movimento do plano.
Pelo movimento do cone, conclui-se que a memória regressiva é também
verdadeiramente progressiva. Esse movimento progressivo do cone, entre contemplação e
ação, é inteligência. Neste caso, inteligência é intuição.
O pensamento em Bergson é o movimento entre os dois extremos da contemplação e
da ação. O autor só irá analisar uma das direções desse movimento, o do singular para o geral
(o movimento inverso será tema do terceiro capítulo do livro).
O movimento da inteligência do singular (base do cone) para o geral ou universal
(ponta do cone) será analisado em tres passos.
1- O salto;
2- A rotação
3- A contração (notar que 2 e 3 acontecem simultaneamente para Bergson).
Através desses três passos, a memória é sempre progressiva e centrífuga. Ela não vem
da percepção mas para a percepção, e o passado não vem do presente mas para o presente.
A lembrança-imagem é justamente o que nos impede de ser autômatos a mercê
simplesmente dos hábitos e da necessidade.
Vemos então que em bergson o presente é dependente do passado. Menciona o insight
de Hyppolite sobre a proximidade existente no alemão entre gewessen (passado) e Wessen
(essência). Isso foi apenas sugerido acima quando se falou da memória regressiva como
“perfeita”. A memória é perfeita no sentido de que ela não pode voltar ao plano da ação para
ser refeita; ao mesmo tempo, ele não deixou o tempo, mas apenas o presente que é o momento
da ação e da mudança.
19

Nós podemos assim chamar essa memória de "quase eterna", ou então, seguindo
Hyppolite, a memória é onde o gewessen encontra o Wessen, isto é, uma essência que se
alcança com a contração.

"Um passado que nunca foi presente". Essa frase que marcou boa parte do pensamento
francês e em grande medida vem de Bergson.
Ela quer se refere ao que se costumou chamar de uma condição a priori. Mas por uma
série de críticas feitas ao kantismo na primeira metade do XX, houve alterações no
entendimento da expressão. Isto é, que as condições a priori devem ser temporalmente
determindas, isto é, que elas devem ser experenciáveis - mas, ao mesmo tempo, elas não
podem ser reduzidas à experiências (pois caso contrário deixariam de ser a priori). "So, the
conditions of experience must be conceive as at once experiencible and yet not reductible to
experience" (p.54).
"All the doublings or dualisms in Bergson derive from the coexistence of the past with
the present" (p.55). Vale dizer, é impossível conceber uma experiência que não seja
condicionada pelo passado ou não tenha sido afetada por ele.
A coexistência do passado com o presente se dá em duas maneiras:
1- O passado em geral, isto é, que faz as coisas passarem, tornarem-se passadas; "the
past in general therefore makes the passing of the presente possible, and yet, being
past, it is itself not present".
2- Por outro lado, o passado em geral é concreto em todas as memórias passadas, e
isso significa que o passado nunca tem sua origem num presente.

"Paradoxically, Bergson´s pure past implies not that memory repeats perception, but
rather that perception repeats memory" (p.55). Não é o passado que copia o presente, mas o
presente que copia o passado. (com a ressalva que esse copiar não se refere a um objeto
factual, pois a memória em Bergson não tem exatamente objeto).
O autor passa então ao tema do platonismo em Bergson.
1º Ponto da ruptura de bergson com relação a Platão: a ideia bergsoniana nunca foi
presente, mas está em um passado que nunca foi presente. "Therfore, bergsonian ideas must
be defined by a past past (and not by a past present)" (p.56).
2º ponto de ruptura: a contemplação da ideia é a visão de singularidades ou
multiplicidades. "This is the most radical thing Bergson does through the cone image: he has
mobilized every ideia, without exception, even the idea of the good" (p.56).
3º ponto - a questão do esquecimento. Para Platão, o esquecimento acontece quando a
alma "cai" na matéria. Já em Bergson, o ser é desde o princípio um duplo entre matéria e
memória. E porque a matéria sempre está aí, temos a possibilidade do esquecimento
profundo.
Conclusão de Lawlor: a reminiscência de Bergson é esquecimento no platonismo. Essa
seria a reversão que Bergson opera sobre o platonismo.
20

Na conslusão, Lawlor retoma á questão da memória como experiência. Sugere na


conclusão que essa experiência da memória seria, no fim das contas, experiência da morte.
"Thus, we must conclude that Bergson´s ontology of memory does not concern lige but death"
(p.59).
"Thus, we must conclude that Bergson´s ontology of memory does not concern life but
death".
Morte aqui é realmente uma preocupação com a sobrevida.

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