Você está na página 1de 11

HISTÓRIA DA INFÂNCIA NO BRASIL

Angelica Cristina Henick 1 - UNIOESTE


Paula Maria Ferreira de Faria 2 - SÃO BRAZ

Grupo de Trabalho – Educação da Infância


Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

O presente artigo elaborado para o Trabalho de Conclusão de Curso, nível de pós-graduação


em Educação Infantil, na Faculdade São Braz, tem como objetivo apresentar um pouco da
história da criança no Brasil, abordando sobre o processo de mudanças na concepção de
infância, como ela era vista em meados do século XII, XIII e como é vista nos dias atuais.
Percebem-se muitas mudanças, pois há muitos anos atrás a criança era vista como um “adulto
em miniatura”, no qual a única diferença era o tamanho, sua estatura. Com o passar do tempo,
a criança passou a ser vista como inocente e engraçadinha, e proporcionava aos seus pais e
amas-de-leite divertimento e distração. No Brasil, é por volta do século XX que a criança
começa a ter certo valor, sendo reconhecida na sociedade, e ter seus direitos minimante
assegurados pelo Estado, onde são criadas leis trabalhistas e entre outras em prol da defesa da
criança e adolescente. A trajetória da criança e adolescente no Brasil é marcada por diversas
privações e dificuldades. Ao estudá-la evidenciam-se diversas consequências enfrentadas
pelas crianças, como, maus tratos, abusos sexuais, mortalidade infantil, miséria, fome,
crianças sem teto, sem família e escrava do trabalho. A concepção de infância de hoje é
decorrente de constantes transformações socioculturais, na qual mudaram os valores, os
significados, as representações e papéis das crianças e adolescentes dentro da sociedade. Para
os estudos e compressões acerca do tema, utilizou-se de referenciais como Philipe Ariés
(1978), Dourado (2009), Edson Passeti (s/a), Schultz e Barros (2011), Lima (2001), entre
outros autores que discutem a temática.

Palavras-chave: História da infância. Crianças e adolescentes. Brasil.

1
Mestranda em Educação pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Cascavel. Pedagoga recém-formada
no Núcleo de Estudos e Defesa dos Direitos da Infância e Juventude – NEDDIJ. E-mail:
angelica.henick@hotmail.com
2
Graduada em Psicologia pela Universidade Tuiuti. Especialista em Metodologia do Ensino na Educação
Superior pelo Centro Universitário UNINTER. Especialista em Concepção Sistêmica com enfoque na área
escolar pelo Centro Universitário Positivo (2005). Especialista em Psicopedagogia pela Pontifícia Universidade
Católica do Paraná (2004). Graduanda em Pedagogia pelo Centro Universitário Claretiano (2014 - em curso).
Professora orientadora Educacional na Faculdade São Braz, trabalhando com Ensino a Distância e correção de
Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs). E-mail: paula.faria@saobraz.edu.br

ISSN 2176-1396
25825

Introdução

Na sociedade atual encontram-se crianças em diversas situações, como, estudando,


brincando, viajando, e muitas outras sendo “paparicadas”. Mas e por volta do século XII,
XIII, como ela era vista, quais eram suas necessidades, haviam diferenças entre as crianças
das famílias dos brancos e dos negros? Quais as diferenças entre o adulto e a criança?
Diante desses diversos questionamentos, propõe-se pesquisar e compreender a história
da criança no Brasil, realizando apontamentos das dificuldades, misérias, abusos, falta de
respeito, exploração que as crianças brasileiras sofreram até que foram vistas como seres com
necessidades, com especificidades e que precisam de um atendimento diferenciado.
Por volta do século XIX passando para o XX, é que a criança e seus comportamentos
são cada vez mais objeto de estudo de pesquisadores da Psicologia, Sociologia, Antropologia,
Educação e áreas afins, com o intuito de compreender as mudanças que ocorreram na
concepção de infância (OLIVEIRA, 2002)
Mas para entender e compreender essas mudanças e o espaço que a criança tem na
sociedade de hoje é preciso realizar uma viagem no tempo, na história, buscando assim, a
reconstrução do passado de diferentes crianças.
Diante disso, propõe-se neste artigo abordar a história da infância através de uma
busca bibliográfica sobre essa temática, buscando-se a compreensão de como foi se
construindo a concepção e o sentimento pela criança com o passar dos anos.

1.A concepção de Infância

O sentimento pela infância nem sempre existiu. Por muitos anos as famílias
encaravam a mortalidade infantil como algo natural, uma fatalidade, neste período os pais não
tinham sentimento pelo filho que nasceu e logo morreu, pois sabiam que logo seria
substituído por outro filho.
A preocupação com a educação pedagógica e a inserção das crianças na sociedade são
ideias e inquietações do fim do século XIX e início do século XX.
Percebe-se a falta de sentimento pela infância no século XII, diante da citação de
Ariés, o qual afirma que “[...] à arte medieval desconhecia a infância ou não tentava
representá-la. É difícil crer que essa ausência se devesse a incompetência ou a falta de
habilidade. É mais provável que não houvesse lugar para a infância nesse mundo” (ARIÉS,
25826

1978, p. 50). Ou seja, a família não percebia as necessidades específicas das crianças, não as
via como um ser com peculiaridades e que precisavam de atendimento diferenciado.
Neste período, a única diferença entre o adulto e a criança era o tamanho, a estatura,
pois assim que apresentavam certa independência física, já eram inseridas no trabalho,
juntamente com os adultos. Os pais contavam com a ajuda de seus filhos para realizar
plantações, a produção de alimentos nas próprias terras, pescas, caças, por isso, assim que
seus filhos tinham condições de se manterem em pé, já contribuíam para o sustento da
família.
Com essas condições, não passavam pela fase de brincar, estudar e se divertir como
ocorre com crianças da sociedade atual, ou seja, não experimentavam o período da infância e
juventude. A educação escolar era apenas de técnicas, de aprender o como fazer, assim, a
criança tinha sua formação em meio aos adultos, realizando as mesmas tarefas que eles,
carregando as mesmas quantidades que eles, sem diferenciação alguma.
Nesse tempo, não se sentia a necessidade de escola, da educação formal, do ensino
pela ciência, como temos hoje nas instituições de ensino.
A partir do Renascimento Italiano no século XV, ocorre uma diferença quanto à
descoberta da infância, no qual a criança passa a ser vista como,

[...] um ser inacabado, vista como um corpo que precisa de outros corpos para
sobreviver, desde a satisfação de suas necessidades mais elementares, como
alimentar-se. Os primeiros anos de vida são para ela, o tempo das aprendizagens do
meio que a cerca. Brinca com outras crianças da sua mesma idade e até maiores do
que ela; arrisca-se em busca de saberes que lhe poderão ser úteis para viver em
comunidade (PASSETTI, s/a. p. 1-2).

Nesse período do século XV é que os adultos, os pais, a comunidade em geral começa


a perceber que a criança precisa do momento de diversão, de se relacionar com pessoas da sua
idade.
Por volta do século XVI e XVII ocorre outra mudança em relação às crianças - um
traje especial passa a distinguir as crianças dos adultos. Philippe Ariés afirma que

Essa especialização do traje das crianças, e, sobretudo dos meninos pequenos, numa
sociedade em que as formas exteriores e o traje tinham uma importância muito
grande, é uma prova da mudança ocorrida na atitude com relação às crianças
(ARIÉS, 1978, p. 157).

Com essa “nova” forma de distinção das crianças e dos adultos, evidencia-se uma
mudança significativa quanto ao sentimento da infância, assim sendo, a criança passa a ser
25827

vista como gentil, carismática, afetuosa e cheia de graça, passando a ser fonte de distração
para os adultos, tanto para os pais como para as amas.
Nesse momento, ocorre um novo sentimento pela criança, no qual ela passa a ser
“paparicada”, ou seja, tratada com carinho e atenção, ganhando afago das pessoas ao seu
redor.
Verifica-se esse novo sentimento pela infância, com a afirmação de Ariés (1978, p.
158) “(...) em que a criança, por sua ingenuidade, gentileza e graça se tornava uma fonte de
distração e de relaxamento para os adultos, um sentimento que poderíamos chamar de
“paparicação”.
O autor Austero Fleury em “História Social da Criança e da Família” de Ariés define
paparicação sendo

Quando os adultos fazem-nas [as crianças] cair numa armadilha, quando elas dizem
uma bobagem ao tirar uma conclusão acertada de um princípio impertinente que lhes
foi ensinado, os adultos dão gargalhadas de triunfo por havê-las enganado, beijam-
nas e acariciam-nas como se elas tivessem dito algo correto [era a paparicação] [...]
(ARIÉS, 1978, p. 159).

Em meados do século XVII essa “paparicação” não se limitava apenas às crianças


nascidas de famílias com maior poder financeiro, viam-se crianças de famílias de classes
baixas sendo paparicadas. Ariés (1978, p. 163) alega que “as crianças dos pobres eram
especialmente mal-educadas, pois só fazem o que querem, sem que os pais se importem (mas
não por negligência), chegando mesmo a ser idolatradas; o que as crianças querem os pais
também querem”.
Evidencia-se o quanto a criança se tornou alvo de distração, momento em que os pais
ou amas de leite se divertem vendo as brincadeiras e travessuras das crianças.
No entanto nem todas as pessoas viam as crianças desta forma, algumas as viam como
desperdiço de tempo e insuportável o tempo gasto em prol delas, era o lado negativo do
sentimento de infância.
Por volta do século XVII, forma-se outro sentimento de infância, no qual se
desenvolveu entre os moralistas e educadores da época, inspirando a educação até o século
XX. As distrações, brincadeiras e diversões que as crianças traziam até então, foram deixadas
de lado, assim:
25828

[...] o apego à infância e à sua particularidade não se exprimia mais através da


distração e da brincadeira, mas através do interesse psicológico e da preocupação
moral. A criança não era nem divertida nem agradável: “Todo homem sente dentro
de si essa insipidez da infância que repugna à razão sadia; essa aspereza da
juventude, que só se sacia com objetos sensíveis e não é mais do que o esboço
grosseiro do homem racional” (ARIÉS, 1978, p. 162).

Agora a visão era de que “Só o tempo poderia curar o homem da infância e da
juventude, idades da imperfeição sob todos os aspectos”, assim falava “el discreto de
Balthazar Gratien, um tratado sobre educação de 1646[...]” (ARIÉS, 1978, p. 162).
Assim percebe-se que vem ocorrendo uma diferença quanto ao sentimento da infância,
no entanto para compreender dessa forma, é preciso analisar de acordo com o contexto da
época, com a forma com que o povo desse período via até então a criança, pois como afirma
Ariés, essas opiniões:

já foram interpretadas por alguns historiadores como uma ignorância da infância. No


entanto, devemos ver nelas o inicio de um sentimento sério e autêntico da infância.
Pois não convinha ao adulto se acomodar à leviandade da infância: este fora o erro
antigo (1978, p. 162).

Posteriori será abordado mais especificamente sobre a infância no Brasil, apontando


elementos importantes para a compreensão acerca deste tema, analisando o contexto histórico,
político e social no qual estavam inseridas, e enfrentando diversas dificuldades para a
sobrevivência.

2.1 A infância no Brasil: sua história

A trajetória da criança e adolescente no Brasil é marcada por diversas privações e


dificuldades. Ao estudá-la evidenciam-se diversos problemas enfrentados por elas, tais como,
maus tratos, abusos sexuais, mortalidade infantil, miséria, fome, crianças sem teto, sem
família, escrava do trabalho, isso tudo sendo causado por negligência do Estado, da família e
da sociedade em geral.
No Brasil os primeiros modelos de crianças foram trazidos pelos Jesuítas, essas
diferenciavam-se

muito das crianças brasileiras; e muito pouco com as descobertas europeias sobre a
infância. Neste contexto propagam-se duas representações infantis: uma mística
repleta de fé, é o mito da criança-santa; a outra de uma criança que é o modelo de
Jesus, muito difundida pelas freiras carmelitas. Inspirados por estas imagens,
capazes de transcederem aos pecados terrenos, os jesuítas vêem nas crianças
indígenas “o papel em blanco” que desejam escrever; antes que os adultos com seus
maus costumes os contaminem. (PASSETI, s/a p. 3).
25829

Para os Jesuítas “A puberdade era entendida como o momento da passagem da


inocência original da infância à idade perigosa do conhecimento do bem e do mal, em que a
criança assumiria o comportamento do adulto” (NETO, 2000, p. 105). Assim, entendiam que
a criança deveria receber “luz”, ser “modulada”, antes que atingisse a idade da puberdade,
momento esse, que já seriam corrompidos pelos adultos que estão a sua volta.
Diante dessa problemática, e para que pudesse “modular” as crianças e evitar que
seguissem os costumes dos adultos, os Jesuítas criaram o projeto pedagógico de colonização
jesuítica, no qual tinha como missão divulgar a fé cristã e catequisar os indígenas. Para os
Jesuítas, “A infância é percebida como momento oportuno para a catequese porque é também
momento de unção, iluminação e revelação [...] Momento visceral de renúncia, da cultura
autóctone das crianças indígenas” (DEL PRIORI, 1995, apud PASSETI s/a, p. 4).
Assim, as crianças que resistiam a esse projeto, que não queriam participar, os jesuítas
dizia que estavam em “tentação demoníaca”, o mau já havia habitado neles. Os jesuítas viam
a catequese como forma de “conservar a docilidade e a obediência da criança, mais uma
forma de ação que acabava por negar a cultura indígena” (NETO, 2000, p. 106). Mas com
essa prática pedagógica, aproveitavam também para explorar o trabalho dos indígenas e as
riquezas naturais de suas terras (NETO, 2000).
No entanto, mesmo com essa proposta pedagógica para as crianças, os jesuítas
enfrentaram um grande problema, os quais não conseguiam enquadrar as crianças
abandonadas, órfãs e migrantes em seu projeto pedagógico. Presenciavam por volta do século
XVIII:

[...] um estrondoso número de bebês abandonados que eram deixados pelas mães à
noite, nas ruas sujas. Muitas vezes eram devorados por cães e outros animais que
viviam nas proximidades ou vitimados pelas intempéries ou pela fome (NETO,
2000, p. 107).

Para diminuir as situações de abandono e sofrimento na época da Colônia e


prosseguindo durante o império, é instalada no Brasil, uma instituição de origem medieval,
chamada a Roda dos Expostos.
De acordo com Passeti:
25830

Esta roda era uma espécie de dispositivos onde eram colocados os bebês
abandonados por quem desejasse faze-lo. Apresentava uma forma cilíndrica,
dividida ao meio, sendo fixada no muro ou na janela da instituição. O bebê era
colocado numa das partes desse mecanismo que tinha uma abertura externa. Depois,
a roda era girada para o outro lado do muro ou da janela, possibilitando a entrada da
criança para dentro da instituição. Prosseguindo o ritual, era puxada uma cordinha
com uma sineta, pela pessoa que havia trazido a criança, a fim de avisar o vigilante
ou a rodeira dessa chegada, e imediatamente a mesma se retirava do local
(PASSETI, s/a, p. 9).

Esta foi uma forma encontrada para que as pessoas levassem os bebês não desejados
para a roda, sendo garantido o anonimato do expositor, e assim não as deixando jogadas nas
ruas, lixeiros, portas de igrejas e casas de outras famílias.
O fenômeno de abandonar crianças é muito antigo, na época da Colônia muitas
crianças eram largadas por diversos fatores, tais como falta de recursos financeiros, filhos fora
do casamento, escravas que tinham filhos com seus senhores e entre outros, e então depois
que nasciam as mulheres precisavam dar um “fim” na criança, momento o qual aconteciam os
casos de bebes jogados em becos, lixeiras, nas portas de outras famílias, igrejas.
Quanto à instalação da roda dos expostos, Passeti salienta que:

a primeira foi aberta na Santa Casa de Misericórdia em Salvador, no ano de 1726.


Ainda no período colonial, uma segunda e última roda é estabelecida em Recife.
Mesmo, após a independência do Brasil, essas rodas continuaram a funcionar. Em
1825, uma outra roda é instalada na Santa Casa de misericórdia de São Paulo
(PASSETI, s/a, p. 10).

No entanto, a Roda dos Expostos não perdurou por muito tempo, por volta do século
XIX no Brasil essas instituições começaram a ser fechadas, pois passaram a serem
consideradas contrárias aos interesses do Estado, as rodas começam a “receber críticas de
médicos higienistas, que viam esta forma de assistencialismo como responsável pelas mortes
prematuras de crianças” (PASSETI, s/a, p. 11).
Com essas instituições fechadas, as crianças passaram a ser vistas como marginais,
que estavam largadas a marginalidade e vadiagem nas ruas, diante desse cenário, era
necessário alguma providência, sendo a educação como solução. Desta forma, “Caberia ao
Estado implantar uma política de proteção e assistência à criança, a qual foi estabelecida por
meio do Decreto 16.272, de novembro de 1923” (NETO, 2000, p. 110).
Consequentemente, a criança deveria ter seus cuidados higiênicos, saúde e educação
atendidas, buscando a reintegração da criança na sociedade.
Mas é somente a partir dos anos de 1960, que começam fundas mudanças na
concepção e formas de assistência às crianças abandonas, Neto afirma que
25831

No ano de 1964, o governo militar introduziu, mediante a Lei 4.513 de 1º de


dezembro de 1964, a Política Nacional do Bem - Estar Social do Menor, cabendo a
Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM) sua execução. Seus
objetivos eram cuidar do menor carente, abandonado e delinquente, cujos desajustes
sociais se atribuíam aos desafetos familiares (NETO, 2000, p. 111).

Em vários Estados foram instaladas as FEBEM´s (Fundação Estadual para o Bem


Estar do Menor) que tinham como objetivo, substituir os antigos "Aprendizados de Menores",
para adequar a assistência que antes era quase exclusiva da Igreja, como exemplo as rodas dos
expostos e as casas de misericórdia. Os Juizados passaram a encaminhar as crianças órfãs ou
abandonadas para essas fundações, e que lá ficavam esperando ser adotadas, enquanto
recebiam um ótimo tratamento e uma boa orientação pelas saudosas "damas de caridade",
bondosas senhoras que se dedicavam voluntariamente.
Posteriormente, houve a Constituição Cidadã de 1988, com a qual foram inseridos os
Direitos Internacionais da Criança.
Em 1990 o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) vêm para garantir os direitos das
crianças e adolescentes, como consta no art. 4º o qual determina que

é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público


assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre
outros mais que asseguram a criança e adolescentes de ter seu desenvolvimento na
sociedade em que vive (DIGIÀCOMO; DIGIÀCOMO, 2013, p. 5, 6).

A partir da Constituição, em 1993 tem-se a promulgação da Lei Orgânica da


Assistência Social (LOAS), nº 8.742, que regulamenta e estabelece normas e critérios para a
organização da assistência social em prol da infância, à adolescência e à velhice, o amparo às
crianças e adolescentes carentes, a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de
deficiência, entre outros que estão instituídos no documento.
Com a implementação dessas e outras Leis, é que o Estado assume suas
responsabilidades sobre a assistência de crianças e adolescentes, tornando-se sujeitos de
Direitos.
No entanto, mesmo com essas medidas e Leis a favor da criança, havia muitos casos
de crianças abandonadas, o número de mortalidade também continuava a crescer, crianças
largadas à própria sorte. Esse cenário se mantem há muitas décadas, onde se percebe que o
Estado privilegia apenas as esferas privadas, as quais vão lhe render algo mais lucrativo do
que as políticas sociais em prol das crianças.
25832

De acordo com Dourado (2009) os processos sociais e econômicos que sustentam e


consolidam o capitalismo são fundamentais para as mudanças ocorridas em relação ao papel
da criança na sociedade. Isso por que o valor econômico dos filhos das famílias ricas sofre
alteração, pois as classes médias e altas entendiam que seus filhos deveriam dar continuidade
aos seus projetos de acumulação econômica. Desta forma passaram a preocupar-se com a
educação de seus descendentes.
As famílias pobres que viviam no campo e passaram a viver na área urbana, sofreram
na adaptação da mudança do campo para a cidade, pois se sentiam constrangidos por não
conseguirem se sustentar na cidade, já que não tinham mais suas terrar para realizar as
plantações e cultivos para se alimentar, que até então, contavam com a ajuda de suas crianças
para cultivarem.
As famílias ricas vendo suas crianças como importantes para darem segmento aos seus
negócios percebem a necessidade de se construir um aparato pedagógico, para atender essas
crianças que não poderiam mais ser educadas pelas famílias.
Mesmo com a percepção da importância da educação para o desenvolvimento, a
educação escolar no Brasil chegou tardiamente. De acordo com Del Priore (2013, p. 10)

[...] tanto a escolarização quanto a emergência da vida privada chegaram com


grande atraso. Comparado aos países ocidentais onde o capitalismo instalou-se no
alvorecer da Idade Moderna, o Brasil, país pobre, apoiando incialmente no antigo
sistema colonial e, posteriormente, numa tardia industrialização, não deixou muito
espaço para que tais questões florescessem. Sem a presença de um sistema
econômico que exigisse a adequação física e mental dos indivíduos a esta nova
realidade, não foram implementados os instrumentos que permitiriam a adaptação a
este novo cenário.

Percebe-se que diante do cenário econômico, político, social e cultural em que o Brasil
se encontrava não se sentia a necessidade de instrumentalizar e ensinar os sujeitos.
No Brasil “o ensino público só foi instalado, e mesmo assim de forma precária,
durante o governo do marquês de Pombal, na segunda metade do século XVIII” (DEL
PRIORE, 2013, P. 10). Por muito tempo a educação dos filhos dos pobres foi o trabalho,
momento no qual trabalhavam junto com seus pais, aprendendo a cultivar, plantar, colher e
pescar.
Neste tempo, os filhos dos pobres não tinham acesso ao saber como os filhos das
elites, percebe-se essas diferenças na afirmação de Del Priore:
25833

no século XIX, a alternativa para os filhos dos pobres não seria a educação, mas a
sua transformação em cidadãos úteis e produtivos na lavoura, enquanto os filhos de
uma pequena elite eram ensinados por professores particulares (DEL PRIORE,
2013, p. 10).

A educação da sociedade brasileira foi um fator de extrema importância, o qual serviu


para separar as classes em empregados e patrões, colocando a disposição a educação que era
necessária a cada um para exercer seu papel. Aos empregados a educação do aprender a fazer
e para os filhos de patrões a escola que ensina a comandar, a mandar, a aumentar os lucros de
uma empresa.
Diante dessa forma de educação imposta para os brasileiros percebe-se a discrepância
que existe na sociedade, percebe-se a que as crianças estão fadadas, ao sofrimento que
enfrentam diante das desigualdades impostas para cada classe.
Assim, conclui-se que são diversos fatores, eventos, culturas, momentos históricos e
políticos que influenciaram na forma de perceber a criança e juventude, suas necessidades,
seus sofrimentos, angústias, cada qual tratando a infância da forma em que a compreendiam.
Assim, é preciso estudar a história das crianças para se compreender a forma como hoje são
tratadas, o espaço que adquiriram, as leis que as defendem, tudo sendo um processo histórico,
alavancado de contradições durante todo o período.

Considerações Finais

Com os estudos realizados sobre a infância, percebe-se que esta sempre foi alvo de
abandono, miséria, sem seus direitos garantidos, tendo que enfrentar diversos desafios para
sua sobrevivência, vivendo da própria sorte.
Por muitos anos a criança foi vista como os adultos, sem distinção alguma, tendo que
ajudar no trabalho pesado, sendo abusada, exploradas por diversos senhores capitalistas.
No Brasil a concepção de infância tomou novos rumos a partir do século XX, onde se
percebeu as necessidades específicas e peculiares para a sobrevivência da infância e
juventude. Dando início às discussões em prol dos direitos das crianças, nos quais
sindicalistas e a sociedade civil buscam efetivar ações de assistência e proteção à infância,
como leis trabalhistas, pediatras e higienistas que desenvolviam trabalhos voltados para a
saúde e bem-estar das crianças.
O sentimento que se tem hoje de criança e infância é uma mistura de espanto, pena,
amor, carinho, compreensão, a depender das condições de vida de cada uma. Algumas têm
acesso a diversos recursos, enquanto outras não têm um mínimo para a sobrevivência.
25834

No entanto, a percepção e o sentimento pela infância, seus direitos e necessidades


peculiares ao momento em que a criança se encontra, não nasceram de uma hora para outra
nem seguiu uma linearidade, mas sim foi um longo processo de transformação cultural,
histórica e política, o qual, os seres mais inocentes é que pagam e sofrem as consequências e
brutalidades da sociedade. Assim, conclui-se que a concepção de infância de hoje é decorrente
de constantes transformações socioculturais, na qual mudaram os valores, os significados, as
representações e papéis das crianças e adolescentes dentro da sociedade.
Mesmo diante dessas mudanças de concepção e visão acerca das crianças e
adolescentes, é preciso se repensar as condições que o Estado, as famílias, escolas e sociedade
em geral proporcionam as crianças, pois elas serão os adultos de amanhã.

REFERÊNCIAS

ARIÉS, Philippe. História Social da Criança e da Família. 2. Ed. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1978.

DEL PRIORE, Mary. História das crianças no Brasil. 7ª ed., 1ª reimpressão. – São Paulo:
Contexto, 2013.

DIGIÁCOMO, Murilo José.; DIGIÀCOMO, Ildeara de Amorim. Estatuto da Criança e


Adolescente; anotado e interpretado. Curitiba, SEDS, 2013.

DOURADO, Ana Cristina Dubeux. História da Infância e Direitos da Criança. Edição


Especial Salto para o Futuro. Ano 19 – Nº 10 – Setembro/2009.

LIMA, Letícia Conceição de AlmeiDa e. A educação da criança no Brasil – (RE) Contando


Histórias. Revista Paradoxa- Projetivas múltiplas em educação UNIVERSO, vol. 8, nº
10/11, 2001.

NETO, João Clemente de Souza. História da Criança e do Adolescente no Brasil. Revista


unifeo, revista semestral do Centro Universitário FIEO – ano 2, nº 3 (2000).

OLIVEIRA, Zilda Ramos de. Educação Infantil: fundamentos e métodos. – São Paulo:
Cortez, 2002. – (Coleção docência em formação).

DEL PRIORI, Mary. História da criança no Brasil. In: PASSETI, Edson. As crianças
brasileiras: um pouco de sua história. Texto mimeografado [S.I: s.n].

SCHULTZ, Elisa Stroberg. BARROS, Solange de Moraes. A concepção da infância ao longo


da sua história no Brasil contemporâneo. Lumiar, revista de Ciências Jurídicas, Ponta
Grossa, vol. 3(2): 137-147, 2011.

Você também pode gostar