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Conceito de Merceologia

Para abordarmos esta questão aparentemente simples mister se faz que relembremos
alguns conhecimentos. O primeiro deles é o conceito de merceologia. A este respeito
Cesar Oliver Dalston, um dos mais respeitados estudiosos da classificação neste país, no
livro “Classificando Mercadoras” (Aduaneiras), pag. 52, diz o seguinte:

“… pode-se definir operacionalmente Merceologia da seguinte maneira: “Merceologia


é a compreensão científica do que é uma mercadoria e como a mesma deve ser
utilizada.”

Este conceito é simples, mas objetivo. Para nós é preciso, pois abrange o ponto fulcral do
interesse do classificador, ao valer-se da merceologia, que é o de ter a certeza da função
principal da mercadoria a ser classificada. Se o classificador não tiver conhecimentos
merceológicos suficientes da mercadoria que está classificando, deve ir buscá-
los na merceologia, quase sempre através de laudo técnico.

Portanto, a merceologia objetiva o estudo das mercadorias, desde insumo até o produto
final. É considerada parte de estudo do comércio, pois cuida de conhecer em detalhes a
mercadoria, produto principal do comércio. Enfim estuda a origem da mercadoria, a
preparação, a transformação, a conservação e até seu transporte.

O fiscal aduaneiro não é um gênio

A necessidade da perícia resulta do fato de que não existe no mundo moderno o gênio, o
sábio que abarcava todo conhecimento humano como outrora existiu. Sabemos
perfeitamente do progresso das ciências e da tecnologia e assim sendo o auditor fiscal
não pode conhecer os detalhes merceológicos da mercadoria que vai classificar.

É fácil de imaginar a pletora de mercadorias diferentes que um fiscal aduaneiro é obrigado


a examinar em sua faina diária. Ante esta realidade não pode prescindir de assistência
técnica em seu local de trabalho.

Tais mercadorias têm várias origens, tais como, siderúrgicas, têxteis, elétricas,
eletrônicas, químicas, agrárias, etc. Por isso as repartições aduaneiras periodicamente
abrem vaga para peritos nas mais diversas especializações.

Merceologia e classificação de mercadorias

É ainda o mestre Cesar Oliver Dalston quem retrata com fidelidade as diferenças e
afinidades entre a merceologia e a classificação da mercadoria. No item 4.3 do livro
citado ressalta a necessidade da perícia, que se vale de estudos merceológicos, como
subsídio para posterior aplicação da técnica classificatória. Citamos este trecho:

Desta maneira defende-se a tese de que, os elementos que compõem qualquer estudo
merceológico que porventura esteja além dos conhecimentos do classificador, podem
ser disponibilizados por laudos de instituições técnicas, sejam elas acadêmicas ou não.

Entre os classificadores está consagrada a máxima “NÃO CLASSIFIQUE O QUE NÃO


CONHECE“. O conhecer a mercadoria pertence à merceologia e nada impede que o
classificador tenha, em caso específico, conhecimento merceológico de determinado tipo
de mercadoria a ser classificada e, assim, dispense o laudo técnico.

A merceologia e a classificação são ciências afins, mas não se confundem. O classificador


depende da merceologia e a merceologia não depende da classificação. O merceólogo é
um técnico, um perito ao passo que o classificador é o hermeuta da Tarifa, pois tem nas
Regras Gerais da Classificação o seu balizamento.

Só existe um código tarifário correto

O segundo conhecimento a ser ressaltado é o de que não existem duas


classificações (código NCM) corretas, mas apenas uma. Como corolário desta
constatação resulta que nesta seara não pode florescer o “achômetro”.

Na classificação é comum o classificador entender que dois ou três códigos tarifários são
viáveis para aquela mercadoria, mas devem também ter em mente que só uma
possibilidade é a certa. As demais, embora no início do estudo parecessem corretas,
estavam erradas e as Regras de Classificação vão mostrar onde estavam os erros.

A merceologia, portanto, vai dar ao classificador os conhecimentos necessários para


encontrar o código correto.

No Brasil só há uma hipótese do importador conhecer com certeza qual a correta


classificação tarifária. Não adianta a opinião do maior classificador do país, do laudo
técnico deste ou daquele, da opinião do chefe da repartição aduaneira, da afirmativa do
fiscal aduaneiro. Só a resposta a consulta formal pode dar ao importador essa certeza.

O perito não classifica

Como vimos, é inestimável a utilidade do perito, porém somente para formar a convicção
do classificador. Perito e classificador têm funções diferentes. O perito vale-se
exclusivamente de seus conhecimentos merceológicos e não tem necessidade de conhecer
as Regras Gerais de Classificação.
Se conhecê-las será um expert na classificação das mercadorias de sua área, não estando
em condições de opinar quanto às demais. Já o classificador precisa conhecer as Regras
Gerais de Classificação.

Se eventualmente conhecer os detalhes merceológicos desta ou daquela mercadoria pode


dispensar o auxílio do assistente técnico, porém não terá conhecimentos merceológico de
mercadorias de outras origens e não poderá prescindir do laudo técnico.

Examinando-se os laudos técnicos dos assistentes cadastrados nas várias repartições


aduaneiros verifica-se que não há indicação da classificação tarifária. Porém, o laudo
induz a uma só classificação e não poderia ser diferente, pois traz luz onde havia
penumbra.

Mesmo que o perito eventualmente tenha conhecimento das regras de classificação, não
deverá em seu laudo indicar o código que entende correto, pois esta é atribuição exclusiva
do auditor fiscal aduaneiro que – repetindo – vale-se do laudo apenas para suprir seu
desconhecimento merceológico da mercadoria que vai classificar.

Quando elaboramos laudo de classificação a pedido de algum importador, alertamos para


este aspecto da legislação brasileira da seguinte forma:

OBSERVAÇÃO PRELIMINAR

Conforme sabido, pela legislação brasileira que regula a classificação tarifária só há


um meio de o interessado conhecer a correta classificação tarifária do seu produto:
formular consulta de classificação tarifária, protocolizada na repartição federal de sua
jurisdição, mediante o fornecimento de dados que constam de formulário preparado pela
própria Receita.

Após estudos pela DIANA (repartição da Superintendência Regional), esta emitirá


Decisão de Classificação, que valerá em todo Brasil.

Na hipótese de duas regiões fiscais produzirem pareceres diferentes para o mesmo


produto, um terceiro laudo será apresentada pela COANA (Brasília), dirimindo a
questão. Assim, o presente parecer é fornecido com esta ressalva, servindo apenas para
tomada preliminar de decisão.

JURISPRUDÊNCIA ADMINISTRATIVA

“Tributário – Aduaneiro – Imposto de importação e IPI – Reclassificação fiscal –


Divergência – Laudo Pericial – Natureza do produto – Princípio da Especialidade –
Prevalência”

1. … 2. A autoridade, efetuando a conferência aduaneira, em ato de despacho


aduaneiro, atribuiu nova classificação fiscal ao produto importado, segundo a Tarifa
Aduaneira do Brasil – TAB, encontrando-se em desconformidade com a posição
tarifária indicada na DI, incidindo, inclusive, novo recolhimento tributário ante a
majoração da alíquota pela reclassificação. 3. O correto enquadramento do produto é
fator de primordial importância como instrumento de realização do preceito
constitucional da tributação, tanto para o IPI quanto para o imposto de importação,
dentro do Sistema Constitucional Brasileiro, no qual o incorreto enquadramento do
produto, em posição diversa da que deveria estar, acaba por alterar o valor do imposto
que informam a tributação. 4. O laudo pericial apresentado possibilitou a formação
do conhecimento do Juízo em sentido oposto ao sustentado pela ré, elemento de prova
que a apelante não logrou êxito em rebater. 5. Assiste razão à autora ao pretender,
diante do Princípio da Especialidade, que prevaleça a classificação tarifária que
propôs. 6….” (TRF 3ª Região- Turma Suplementar da 2ª seção – ACI n. 94.03.040919-
3-SP, ac n. 178911 – Rel. Juíza Federal convocada Eliane Marcelo; j. 16.08.2007, v.u.)

A aplicação do princípio da especialidade mencionado na decisão acima exige estreita


vinculação da autoridade administrativa à lei posta e recomenda que o auditor
fiscal cumpra o papel para o qual foi nomeado, de conhecer bem os aspectos
merceológicos da mercadoria que vai classificar, vedado o exercício da “chutometria“.
Não sendo o auditor um sábio, deve sempre se valer do laudo técnico para fundamentar
seu posicionamento.

* DECISÃO DO CARF SOBRE PROVA EMPRESTADA

Processo n° 10314.000990/2003-57 – Recurso n° 339.807 De Oficio – Acórdão n° 3101-


000.527 – 1ª Câmara / 1ª Turma Ordinária – Sessão de 30 de setembro de 2010 – Matéria
II e IPI (classificação de mercadorias) – Recorrente FAZENDA NACIONAL- Interessado
PROMON IP S.A. – ASSUNTO: CLASSIFICAÇÃO DE MERCADORIAS – Período de
apuração: 03/07/2001 a 14/02/2002

DESCLASSIFICAÇÃO DE MERCADORIAS. ÔNUS DA PROVA.


Para promover a desclassificação de mercadoria de determinado código da
nomenclatura, é ônus da fiscalização da Receita Federal comprovar a
incompatibilidade das características da mercadoria com o código adotado pelo
contribuinte. Não se presta para esse desiderato solução de consulta vinculada a
mercadorias sem identidade de características com a mercadoria desclassificada.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos. Acordam os membros do colegiado, par


unanimidade, em negar provimento ao recurso de oficio.

Sobre Haroldo Gueiros

Advogado, Fiscal da Receita Federal durante 20 anos, professor


em matéria aduaneira, principalmente nas áreas de
classificação tarifária, regimes aduaneiros especiais, despacho
aduaneiro e processo administrativo fiscal, Assessor do ICEX –
Centro de Estudos das Operações Aduaneiras, Membro do IBEA
(Instituto Brasileiro de Estudos Aduaneiros), Autor do livro
“Admissão Temporária” (Edições Aduaneiras) e Editor do site
Enciclopédia Aduaneira (www.enciclopediaaduaneira.com.br).
Merceologista e Classificador Fiscal de Mercadorias

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