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1 – INTRODUÇÃO.
1
RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. 6. ed. Coimbra: Arménio Amado, 1997. p. 229.
2
Ib. Ibdem. p. 232.
3
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p.
9.
este último elemento deixe de ser objeto também da interpretação jurídica.4 E, na seara da
finalidade, a nova orientação é que o interprete não deve buscar tão-somente o sentido e
alcance do direito contido na norma interpretanda, mas a sua própria realização no plano
prático. Desse modo, a interpretação jurídica é compreendida num sentido normativo, em
que sua função passa a ser considerada sob a ótica judicativa-prática, isto é, no plano
decisório.5
4
Sobre esse assunto, A. Castanheira Neves prenuncia que “o objeto da interpretação não é o texto da lei como
texto (o sentido que no texto se exprime, esse sentido em termos hermenêuticos gerais), mas a norma que esse
texto pretende manifestar (o sentido formativo que através do texto se intenciona, tal como numa monografia
jurídica o leitor não se dirige ao sentido filológico-literário que se exprime no texto, mas ao sentido jurídico
que se comunica através do texto). E isto sem que possa objectar-se que a norma é o ‘resultado’ a atingir
mediante o texto como ‘objecto’, pois o texto não vai considerado nesta distinção, assim como o não vai no
pensamento comum que vê nele o objecto da interpretação, tão-só no seu corpus verbal ou em termos
unicamente semióticos, mas no seu teor significativo – e também neste caso o texto é objecto intencional e
não simplesmente formal.” Mais adiante, fazendo uma confrontação entre a escola tradicionalista fundada no
positivismo jurídico (L’école de l’exégèse) e a atual corrente aventada, o autor pondera: “(...) Se é análise da
significação textual de uma fonte jurídica ou se é antes a procura do direito (de um sentido normativo de
direito) através dessa fonte. A interpretação em sentido próprio abre (normativamente) a fonte ao direito, e
distingue a lex do ius; a exegese fecha (analiticamente) a fonte no seu próprio texto, e identifica o ius à lex.”
(In: Enciclopédia verbo da sociedade e do estado: interpretação jurídica. Lisboa/São Paulo: Verbo, 1985. v.
3, p. 658.)
5
NEVES, A. Castanheira. Op. Cit. p. 695.
Isto posto, delimitamos o âmbito de nossa pesquisa, conforme o tema proposto do
método literal na interpretação jurídica. Porém, não serão deixadas de lado as digressões a
respeito dos demais métodos e regras existentes na hermenêutica jurídica tradicional, além
dos novos enfoques apresentados, para que haja uma melhor compreensão da problemática
que o envolve.
2.1 – A linguagem.
6
DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretada. São Paulo: Saraiva, 1994.
p. 141.
com todos os elementos sociais que agem sobre a vida do direito na sua
aplicação a relações que, como produto de novas exigências e condições, não
poderiam ser consideradas, ao tempo da formação da lei, na sua conexão
com o sistema geral do direito positivo vigente.”
Ora, as palavras são meros símbolos que, concatenados, podem sintetizar uma idéia,
mas não poderá abarcar na totalidade o complexo processo de formação do pensamento e
da vontade, nem, tampouco, da representação das coisas, de forma que outros elementos
são excluídos pela própria essência do resultado de expressão pelos vocábulos. Isto é,
ontologicamente, por ser sintético, não se deterá nos pormenores da elaboração daqueles
pensamentos e das vontades que originam a norma jurídica a tutelar o direito,
consubstanciando apenas o que de mais geral e importante se sobressai para manifestá-lo
no texto legal.
Então, como “a letra não traduz a idéia, na sua integridade”, produzindo tão-
somente, “em cérebro alheio, o abrolhar de um produto intelectual semelhante, jamais
idêntico, ao que a fórmula é chamada a exprimir”7, cremos, como Heck8, que a letra da lei
possui apenas valor heurístico, sem que lhe possa atribuir o valor normativo, ou seja, o
texto legal atua como uma ponte para que o interprete e aplicador descubra a norma jurídica
que regula o direito (espírito da lei) a ser interpretado e realizado.
Afora esse problema da vagueza, outro surge na medida que o legislador se utilize
das linguagens comum, usual ou técnico-jurídica para dar forma às leis, gerando, portanto,
a ambigüidade. Saliente-se, ainda, os variegados sentidos que uma palavra pode assumir
ou, inversamente, vários vocábulos possuindo um único significado, corroborando assim
com as dúvidas semânticas.
7
MAXIMILIANO, Carlos. Op. Cit. p. 117.
8
NEVES, A. Castanheira. Op. Cit. p. 659.
indivíduo; e, também, a aplicação ora no sentido vulgar, ora no técnico. Tudo isso gera
vacilações de interpretação, controvérsias na prática, enfim, uma gama de problemas
hermenêuticos. Acrescente-se, mais, o transplante de legislação de um povo para outro, em
que ocorre a tradução, sacrificando muitas vezes a precisão.
2.2 – Conceito.
Desta feita, percebe-se com bastante clarividência o porquê da maioria dos autores
prescreverem que o texto legal é o “emoldurador” da interpretação. Ou seja, os sentidos e
alcances investigados pelo intérprete, segundo a conjugação dos métodos existentes, não
9
MAXIMILIANO, Carlos. Op. Cit. p. 107.
10
Nesse sentido, consulte-se A. Castanheira Neves, Op. Cit., p. 687.
pode fugir ao âmbito contido explícita e implicitamente na literalidade da lei. Com esse
pensamento se pronuncia o douto Carlos Maximiliano11, quando está a comentar o
elemento teleológico, aduzindo que:
“Não se deve ficar aquém, nem passar além do escopo referido; o espírito da
norma há de ser entendido de modo que o preceito atinja completamente o
objetivo para o qual a mesma foi feita, porém dentro da letra dos
dispositivos. Respeita-se esta, e concilia-se com o fim. (...). O fim
primitivo e especial da norma é condicionado pelo objetivo geral do Direito,
mutável com a vida, que ele deve regular; mas em um e outro caso o
escopo deve ser compatível com a letra das disposições; completa-se o
preceito por meio da exegese inteligente; preenchem-se as lacunas, porém
não contra legem.” (grifos ausentes do original).
Por outro lado, com o advento da nova orientação hermenêutica para o ato
interpretativo, temos o método gramatical ou literal como sendo o meio de investigação da
norma interpretanda segundo as regras da gramática e da lingüística, em que o intérprete
busca o sentido literal do texto legal, procurando estabelecer um significado unívoco aos
vocábulos utilizados pelo legislador. Ou seja, se detém inicialmente à onomasiologia. Em
seguida, perquire acerca do sentido técnico das palavras constantes do texto legal, conforme
11
MAXIMILIANO, Carlos. Op. Cit. p. 152. Contudo, o mestre, anteriormente, amenizou tal posicionamento
altercando que: “Embora seja verdadeira a máxima atribuída ao apóstolo São Paulo – a letra mata, o espírito
vivifica –, nem por isso é menos certo caber ao juiz afastar-se das expressões claras da lei, somente quando
ficar evidenciado ser isso indispensável para atingir a verdade em sua plenitude. O abandono da fórmula
explícita constitui um perigo para a certeza do Direito, a segurança jurídica; por isso é só justificável em face
de mal maior, comprovado: o de uma solução contrária ao espírito dos dispositivos, examinados em
conjunto.” (p. 111).
12
DINIZ, Maria Helena. Op. Cit. p. 167.
a semasiologia. E, por fim, deve verificar o contexto, no qual se encontra inserido o termo.
Por conseguinte, o intérprete estuda, através desse método, a letra da lei, com o escopo
único de descobrir a norma jurídica que regulamenta o direito (espírito da lei)
interpretando.
13
MAXIMILIANO, Carlos. Op. Cit. p. 121.
desencadeando o devir da hermenêutica jurídica e, consequentemente, o da interpretação
jurídica.
14
Ib. Ibdem. p. 123.
15
Toda vez que se encontrar o vocábulo lei, deve-se entendê-lo como sendo a representação simbólica da
norma jurídica que regulamenta o direito a ser interpretado.
16
Os autores consultados identificam o método sociológico com o teleológico, porém, data venia, permitimo-
nos discordar, porque entendemos que é possível subsistir simultaneamente na lei uma finalidade social e
outra puramente pragmática. É o caso, por exemplo, de uma lei que regule o ingresso em determinada
carreira no serviço público, em que vislumbramos uma finalidade prática que seria – uma delas – organizar o
concurso, enquanto, ao mesmo instante, procura permitir que o cidadão brasileiro, que preencha determinados
requisitos para o exercício das funções do cargo público em aberto – ou seja, detenha os conhecimentos
técnicos e científicos indispensáveis ao desempenhar daqueles deveres –, possa, após a aprovação em um
exame seletivo, assumi-lo, entrando, portanto, para a População Economicamente Ativa (PEA), passando a
produzir, gerando riquezas para seu meio de subsistência. Contudo, não adentramos nessa questão por fugir
ao tema em debate, seguindo, simplesmente, a orientação da pesquisa realizada.
indicados pelas exigências sociais, conduzindo à compreensão de que o fim prático da
norma coincide com o fim apontado pelas exigências sociais (fim social), tendo-se em vista
o bem comum.17 Aqui foi começo da derrocada da doutrina tradicionalista, pois findou em
sugerir que, ao lado do limite da interpretação pela literalidade do texto legal, o fim deveria
limitar o conteúdo da norma interpretanda. É como pontifica Carlos Maximiliano18,
asseverando que:
“O fim inspirou o dispositivo; deve, por isso mesmo, também servir para lhe
limitar o conteúdo; retifica e completa os caracteres na hipótese legal e
auxilia a precisar quais as espécies que na mesma se enquadram. (...). O fim
não revela, por si só, os meios que os autores das expressões de Direito
puseram em ação para o realizar; serve, entretanto, para fazer melhor
compreendê-los e desenvolvê-los em suas minúcias (9).”
17
DINIZ, Maria Helena. Op. Cit. p. 155.
18
MAXIMILIANO, Carlos. Op. Cit. p. 152.
19
DINIZ, Maria Helena. Op. Cit. p. 155.
decisório se podiam obter do texto-norma interpretanda, pois que esta só tinha a
possibilidade de fundamentar esse juízo, como concreta ‘norma de decisão’, pela
assimilação que nela se fizesse de factores nomrativos que a transcendiam – ou seja, o
sentido normativo na e para a problemática e concreta realização do direito só era
determinável em função de factores normativos extratextuais (extralegais) ou
20
transpositivos.” Tais fatores elencados por Castanheira Neves seriam: 1) factores
ontológicos, que compreenderiam a “natureza das coisas” e “os argumentos de carácter
institucional; 2) factores sociais, abrangendo os interesses, as situações jurídico-sociais
relevantes, a própria estrutura jurídico-social referida intencionalmente pela norma, os
efeitos produzidos pelo próprio decisum, etc.; e 3) factores normativos, no seu sentido
estrito, albergando os critérios ético-jurídicos, normativo-sociais, os conceitos de valor,
justiça, etc. Conclui o insigne autor, citando Esser, que “cada interpretação representa uma
associação de lex scripta e jus non scriptum, a qual unicamente cria a própria norma
positiva.”21
20
NEVES, A. Castanheira. Op. Cit. p. 695.
21
Ib. Ibdem. p. 696-7.
22
Ib. Ibdem. p. 697-8.
mencionados acima, com a nova orientação já esboçada sucintamente, o método gramatical
ou literal perdeu muito de sua importância, podendo ser deixado em último plano
categorial, em termos axiológicos, sem, contudo exclui-lo, pois, subsiste o valor heurístico
do texto, supracitado, ensejando, inclusive, que ele seja o primeiro a ser abordado pelo
interprete e aplicador, não como o mais substancioso, mas, sim, por ser o mais elementar.23
3 – CONCLUSÃO.
Dessarte, não se admite o valor normativo do texto legal, como fazia a doutrina
tradicionalista, em que se conferia a finalidade ao método gramatical de emoldurador dos
sentidos da lei, segundo o próprio texto, cujo sentido e alcance deveria, ainda, ser o que
mais se adequasse à letra da lei.
23
Infelizmente, diante da exiguidade do tempo e da fixação do tema, não nos foi possível abordar profunda e
pormenorizadamente a questão da hierarquia dos processos ou métodos da interpretação jurídica, porém,
salientamos que tal problemática é bastante interessante, pois, dos autores consultados nenhum procura de
maneira expressa realizar o feito, trazendo a ordem colocada em seus livros de forma apenas didática.
se inicia um processo intelectual de cunho cognoscitivo, com o escopo de aplicar o direito
ao caso concreto, em que concorrem vários métodos, mas, que se impõem princípios e
valores maiores e extrínsecos ao texto legal, podendo, até, ocorrer a sua desconsideração
em favor destes. Assim, o interprete e aplicador assume um papel mais amplo, servindo de
agente modificador de textos legais, para que se coadune ao sistema jurídico, visto que a
decisão é lei entre as partes.
4 – BIBLIOGRAFIA.
DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretada. São
Paulo: Saraiva, 1994. p. 134-72.
FERRARA, Francisco. Interpretação e aplicação das leis. Coimbra: Arménio Amado,
1987. p. 138-64.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 16. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1996.
NEVES, A. Castanheira. Enciclopédia verbo da sociedade e do estado: interpretação
jurídica. Lisboa/São Paulo: Verbo, 1985. v. 3, p. 652-707.
NOJIRI, Sérgio. O dever de fundamentar as decisões judiciais. São Paulo: RT, 1999.
p. 89-104.
RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. 6. ed. Coimbra: Arménio Amado, 1997. p.
229-40.
*
Advogado
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Procurador Federal
***Especialista em Direitos Humanos pela UFPB e Advogado.
PESSOA, Daniel Alves. LIMA, Ricardo José da Costa. MACEDO, Sérgio Gouveia de. O
método Literal na Interpretação Jurídica. Disponível em:
<http://www.jfrn.gov.br/doutrina/doutrina222.doc >. Acesso em: 16 nov 2006.