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This article discusses the issue of the ever-growing violence in Neste contexto, o Estado tem a obrigação e seu papel
daily life, especially making a reflection about the considerable
increase in number of prisoners for the last ten years. The end of prioritário de garantir, com recursos dos impostos, a
prisonment penalty is taken into consideration, as well as the manutenção do aparato de segurança pública. Mas
situation of these citizens as they come back to society, where
there are no perspectives for them, facing the “closed doors” of a questão da qualidade de vida nas nossas cidades e
society, and they hardly are given a second chance. Some da sensação individual de segurança passa por
examples of actions of perspectives are presented concerning
the social reinclusion of this social stratum. Finally, a description atitudes individuais e coletivas de toda a sociedade,
is presented about the Project of University of Brasilia, seja governo, instituições de ensino, de saúde,
“Recycling Papers and Lives”, funded by the Ministry of Justice
and Brazil Foundation.
sociedade civil, iniciativa privada, organizações não-
governamentais e outras.
Keywords
Neste sentido, vários estudos 2,3,4 têm sido Desta forma, citando especificamente a capital do
desenvolvidos pelas universidades e centros de país, Brasília, vemos que a realidade que a rodeia
pesquisa do país. E a conclusão mais comum em todos atualmente é um cinturão de pobreza em torno de
eles é que toda sociedade, cada setor em seu nível uma ilha de poucas oportunidades de emprego.
de competência, deve se unir para erradicar essa onda
de violência que tem transformado nossas cidades Não pretendemos também afirmar que os
em verdadeiros centros de guerra civil. protagonistas da violência são exclusivamente a
população de menor renda. Como citamos no início,
A indústria do medo interessa a poucos, mas tem estamos “diante de uma violência difusa6”, na qual
vasto poder de lucro, seja na instalação de aparatos os atores protagonistas das ações de violência são
de segurança eletrônicos em casas e prédios, na indistintamente de classes sociais com baixo poder
blindagem de carros, na instalação de alarmes e de aquisitivo como também a sociedade com alto poder
grades, entre outros. Tais “equipamentos” garantem aquisitivo.
uma sensação momentânea de segurança. Mas essa
sensação de esvai quando saímos destes nossos O que muitas vezes difere a ação entre as camadas
espaços blindados e temos de conviver com a sociais é a motivação ao crime. Nas camadas mais
realidade da sociedade, seja no caminho da escola baixas, a motivação muitas vezes é a fome, a
de nossos filhos, nos supermercados, fazendo compras desesperança, a baixa escolaridade, a falta de
nos centros comerciais, entrando e saindo de bancos, oportunidade no mercado de trabalho, o desejo de
indo ao trabalho, ou seja, tentando viver plenamente possuir bens de consumo deste mundo globalizado,
como cidadãos. os quais nos são bombardeados diuturnamente pela
mídia, e a falta de perspectiva de melhorar de
Alguns estudos mostram que a solução encontrada condição pelos processos normais de ascensão social.
até o momento pelos governantes para “afastar” a
violência comprovou-se completamente ineficaz. A situação é complexa, mas, quando nos deparamos
E ao contrário do que almejavam estas soluções, com os números, vemos que simplesmente pagar
terminaram por ampliar os índices de violência, uma impostos não nos garante a tranqüilidade almejada.
vez que basicamente o que todos os governantes
fizeram desde a década de 1960 até o presente foi O CONTEXTO BRASILEIRO
segregar os cidadãos de mais baixa renda dos grandes
Dentro da linha de abordagem que nos propomos
centros, empurrando-os para a periferia.
neste artigo, vale ressaltar e apresentar a linha de
Como mostra Luiz Alberto Gouvêa5, “o processo de pensamento e a estratégia de ação do Ministério da
globalização tem potencializado uma relação de Justiça. Antes de qualquer ação que se pretenda
dependência e periferização urbana há muito duradoura e eficaz, é preciso que tenhamos dados
existente, a exemplo das cirurgias urbanas que nos embasem.
implantadas no início do século XX, nas quais a
Com este objetivo, o Ministério da Justiça lançou
população de menor renda foi paulatinamente
em Brasília, no dia 16 de setembro de 2004, o Sistema
segregada. De fato, tem- se como exemplo a
de Informações Penitenciárias (Infopen).
construção da avenida Rio Branco e, principalmente,
da avenida Presidente Vargas no Rio de Janeiro, onde
O Infopen é “um programa de coleta de dados, com
o embelezamento e a colocação de infra-estrutura
acesso via Internet, que será alimentado pelas
na área também significaram a expulsão da
secretarias estaduais com informações estratégicas
população de menor renda, na época, para os morros
sobre os estabelecimentos penais e a população
cariocas. (...) A população periferiza-se em favelas e
prisional. “Para reestruturar o sistema prisional como
assentamentos distantes. As favelas, em função do
um todo, precisamos primeiro conhecer, operar e
tipo de trama, propiciam sua apropriação pelo crime
controlar esse sistema no dia-a-dia. Por isso é tão
organizado, aumentando assim, de forma significa-
importante o lançamento do Infopen, pois pela
tiva, a insegurança e a violência contra os
primeira vez o país vai conhecer dados oficiais sobre
moradores”.
2. pela Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso • reciclagem e confecção artesanal de papel (figura
(Funap), que atua com diversos cursos dentro da 1);
Penitenciária de Brasília;
• encadernação comercial;
3. pelo Ministério dos Esportes, com os projetos
Pintando a Cidadania e Pintando a Liberdade, que • higienização de livros e documentos e noções de
capacitam os presos e egressos na confecção de pequenos restauros (figura 2), a seguir;
material esportivo;
• empreendedorismo, associativismo e
4. pelo Centro de Apoio ao Preso e Egresso cooperativismo ministrado pelo Sebrae (figura 3), a
(Cerape), com voluntários que apóiam tanto os seguir;
egressos do sistema, quanto suas famílias;
O primeiro item que propusemos em nosso projeto perspectiva. Desta reunião decidimos: vamos em
foi a concessão de uma bolsa mensal para cada frente!
egresso, no valor de R$ 400,00. Sabíamos que era
irreal pretender que eles saíssem da penitenciária e A questão das drogas é muito séria e cruel,
tivessem condições de se deslocar para a universidade, infelizmente permeia toda nossa sociedade. Outro
dedicando 40 horas por semana ao projeto. Não desafio é a questão da recuperação da auto-estima,
teriam tempo para procurar emprego. A bolsa era dos vínculos familiares que se têm, da superação das
diretamente condicionada à presença e participação; “regras da cadeia” e da recuperação da confiança.
cada falta era descontada. Na segunda turma, um aluno que já tinha cumprido
pena foi condenado por um segundo delito. Tentamos
Os temas propostos se entrelaçam, ao mesmo tempo
conseguir autorização para a permanência dele no
que permitem ao egresso, ao final do curso, a escolha
projeto, mandamos uma carta da universidade
e o aprofundamento em um só tema de sua
informando que ele estava participando do projeto e
preferência.
explicando nossa proposta, mas como o Judiciário
estava em greve, não conseguimos autorização, então
O papel é a base. O conhecimento da manufatura e
ele foi detido novamente.
da história do papel permite o domínio sobre a
matéria-prima dos livros: a celulose. Depois destas Todos aprendemos e crescemos com este projeto.
informações, o domínio e a clareza da necessidade e Tanto os alunos e profissionais da UnB quanto os
da importância da higienização dos livros e do- egressos. Em um curto espaço de tempo, vimos a
cumentos ficam mais fáceis de serem absorvidos. Com superação de algumas dificuldades, a questão da
estes conhecimentos, a encadernação torna-se um desconfiança, da resistência, a dúvida dos egressos
complemento e também um produto independente. em relação aos nossos objetivos, ao que “estava por
trás” e para onde estava indo o dinheiro do projeto.
A inclusão digital faz toda diferença. Não podemos
pretender capacitar para o mercado de trabalho sem O que a nosso ver facilitou a integração foi o
incluir as informações básicas de computação. Como estabelecimento de regras claras desde o início.
vimos no quadro referente à escolaridade dos reclusos Sempre deixamos explícitos todos os passos, os
do sistema prisional, o nível de escolaridade da maior propósitos e as razões de cada um dentro do projeto.
parte destes cidadãos é bem baixo. Introduzir E o acompanhamento psicossocial foi fundamental
nomenclatura em inglês para pessoas com o ensino para todos trabalharmos nossas expectativas e
fundamental incompleto foi um desafio. Mas o frustrações.
resultado mostrou-se surpreendente.
O que continua como desafio: a dependência
Nas oficinas de empreendedorismo, cooperativismo química é o mais sério desafio, trazendo conflitos e
e associativismo do Sebrae, eles aprenderam que, se dificuldade de reintegração na família.
não tiverem um emprego com carteira assinada,
Nossa proposta não era a de dar um emprego para
podem se virar montando seu próprio negócio, de
eles, mas capacitá-los para que pudessem, ao final
forma lícita e honesta.
de seis meses, enfrentar o mercado de trabalho e de
cabeça erguida ter condições de responder à
Nem tudo foi simples, tivemos alguns percalços. Na
pergunta: “Onde você passou os últimos seis meses
primeira turma, logo antes do primeiro mês, um
da sua vida? Na Papuda?” – “Não, na UnB! Eu tenho
egresso foi novamente detido por drogas. Foi um
um certificado, um curso de extensão da
grande baque, todo mundo ficou frustrado. Porém,
Universidade de Brasília com apoio do Ministério
como havíamos combinado desde o início, entre nós
da Justiça” .
só valia a verdade; por pior que ela pudesse parecer,
ainda era muito melhor do que qualquer mentira
Nossa avaliação final é extremamente positiva, pois
bonita. Com essa prática de “jogar limpo” e falar
tivemos como resultado a capacitação de 70% do
sempre “olho no olho”, nos reunimos e cada um
grupo proposto.
colocou sua impressão, decepção, angústia e
Outra conquista importante que tivemos e que nos Esperamos que outras instituições venham a ser
estimulou ainda mais foi o patrocínio da ONG parceiras de iniciativas como a nossa, cujo objetivo
Brazilfoundation, da qual obtivemos recursos ao principal é fazer diferente, acreditar no ser humano
concorrer e vencer um edital em 2004. O recurso e viabilizar uma segunda chance para aqueles que
deu nova capacitação em empreendedorismo com erraram, pagaram sua dívida com a sociedade e
materiais recicláveis. Oportunizou a apresentação do esperam que, estando quites, esta sociedade permita
projeto em eventos, nos quais os egressos colocaram que eles possam mudar de vida. E com tudo isso
em prática as aulas do Sebrae e comercializaram os permitir que nossa cidade tenha índices de violência
produtos produzidos por eles. Também esse apoio cada vez menores.
viabilizou um estudo de mercado sobre o tema papel
artesanal, que permitirá a consolidação de
cooperativas na produção deste material. REFERÊNCIAS
1. ALMEIDA, Angela Maria de Oliveira. Adolescentes em
Com a convivência diária e acompanhando de perto manchete (policial). In: PAVIANI, Aldo; FERREIRA, Ignez Costa
as superações dos limites individuais, fomos Barbosa; BARRETO, Frederico Flósculo Pinheiro (Org.). Brasília
estimulados a ir além da proposta inicial de – dimensões da violência urbana. Brasília: Ed. UnB, 2005. p. 219.
capacitação. 2. PAVIANI, Aldo; FERREIRA, Ignez Costa Barbosa; BARRETO,
Frederico Flósculo Pinheiro (Org.). Brasília – dimensões da violência
Em 2005, encaminhamos ofício a todos os ministérios, urbana. Brasília: Ed. UnB, 2005. p. 219.
autarquias e instituições privadas, relatando o 3. WILSON, James; KELLING, George. Theory of the broken
projeto e oferecendo mão-de-obra qualificada para windows. EUA: Atlantic Monthly, 1982.
atuar nos arquivos e acervos daqueles órgãos. 4. ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Notícias.
Obtivemos a resposta de dois ministérios, que Disponível em: <http://www.oab-ba.com.br/noticias/conselho-
preferimos não citar. Um adorou a proposta, mas tinha federal10 /oab-reafirma-posicao.asp>. Acesso em: 2006.
entendido que estávamos oferecendo um trabalho 5. GOUVÊA, Luiz Alberto. A violência estrutural. In: PAVIANI,
Aldo; FERREIRA, Ignez Costa Barbosa; BARRETO, Frederico
gratuito, e o outro, depois de várias reuniões,
Flósculo Pinheiro (Org.). Brasília – dimensões da violência urbana.
declinou da mão-de-obra sem muitas explicações. Brasília: Ed. UnB, 2005. p. 344-345.
Entendemos que foi por puro preconceito.
6. ALMEIDA, Angela Maria de Oliveira. Adolescentes em
manchete (policial). In: PAVIANI, Aldo; FERREIRA, Ignez Costa
A única instituição até o momento que acreditou
Barbosa; BARRETO, Frederico Flósculo Pinheiro (Org.). Brasília
na reinserção dos egressos e viabilizou trabalho para – dimensões da violência urbana. Brasília: Ed. UnB, 2005. p. 219.
este grupo capacitado pela UnB/Finatec foi o Centro
7. http://www.mj.gov.br/depen/
Universitário de Brasília (UniCEUB). Em um
8. http://www.mj.gov.br/depen/
convênio firmado com a Finatec em julho de 2005, o
UniCEUB viabilizou a contratação de seis estagiários 9. BRASIL. Ministério da Justiça. Departamento Penitenciário
Nacional, Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária –
para higienizar dez mil livros do acervo da área de DEPEN. Censo penitenciário de 1995. Brasília: Imprensa Nacional,
direito da sua biblioteca. 1997. Disponível em: <http//mj.gov.br/serviços/censo>. Acesso
em: 2006.
O resultado do trabalho tem sido surpreendente e
10. ________. Sistema de informação. Disponível em: http://
cada vez mais estimulante. Hoje, mais de seis mil www.mj.gov.br/depen/sistema_informacao.htm. Acesso em: 2006.
livros que estavam indisponíveis ao público por total
11. ________. Censo penitenciário de 1995. Brasília: Imprensa
falta de condição de manuseio estão higienizados e Nacional, 1997. Disponível em: <http//mj.gov.br/serviços/censo>.
à disposição dos alunos e da comunidade nas Acesso em: 2006.
prateleiras da Biblioteca do UniCEUB. 1 2 . h t t p : / / w w w. m j . g o v. b r / d e p e n / s i s t e m a /
DF_percentualPreenchimento.pdf
1 3 . h t t p : / / w w w. m j . g o v. b r / d e p e n / s i s t e m a /
DF_percentualPreenchimento.pdf
1 4 . h t t p : / / w w w. m j . g o v. b r / d e p e n / s i s t e m a /
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1 5 . h t t p : / / w w w. m j . g o v. b r / d e p e n / s i s t e m a /
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