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2 Libras - Estudos Linguísticos
2 Libras - Estudos Linguísticos
A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
sublinha que os fatores fundamentais para os direitos humanos das pessoas surdas são o
acesso e o reconhecimento da língua de sinais, incluindo aceitação e respeito pela
identidade de pessoas surdas linguística e culturalmente, acesso à educação bilíngue,
intérpretes de línguas de sinais e recursos de acessibilidade.
O relatório "As pessoas surdas e os Direitos Humanos" constitui, até agora, o
maior banco de dados que permite conhecer a situação das pessoas surdas no mundo. Esse
relatório descreve vidas de pessoas surdas de noventa e três países1 apresentando dados e
análises sobre o reconhecimento da língua de sinais na legislação, situação educacional e
1
A Associação Nacional Sueca de Surdos (Swedish National Association of the Deaf) e a Federação
Mundial de Surdos (World Federation of the Deaf - WFD) realizaram a pesquisa e apresentaram o relatório
sobre a situação de pessoas surdas no mundo.
profissional de surdos, utilização de recursos de acessibilidade, formação e atuação de
intérpretes de línguas de sinais etc. Cento e vinte e três (123) países receberam o
questionário e 93 responderam (em geral, associações de surdos), dando uma taxa de
resposta de 76%. Conforme esse relatório, relativamente poucos países negam aos surdos
o acesso à educação, serviços públicos ou exercício da cidadania, tendo como base apenas
a surdez. Mas a falta de reconhecimento da língua de sinais, a carência de educação
bilíngue, a disponibilidade limitada de serviços de interpretação e a generalizada
desinformação sobre a situação das pessoas surdas, mantêm os surdos privados do acesso
a amplos setores da sociedade. Assim, os surdos não são capazes de desfrutar plenamente
dos mais básicos direitos humanos. (HAUALAND & ALLEN, 2009)
Podemos verificar que, no Brasil, ocorreram importantes conquistas das
comunidades surdas, em diferentes espaços, especialmente o reconhecimento da cultura
surda e a oficialização da Língua Brasileira de Sinais (Libras). A partir da luta das
comunidades de surdos, que se organizam em associações, instituições e através da
Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS), ocorreu a
oficialização da Libras, conforme consta na Lei Federal 10.436, de 24 de abril de 2002.
No entanto, permanece a situação de carência de educação bilíngue, disponibilidade
limitada de serviços de interpretação e falta de acesso a amplos setores da sociedade.
Art. 2º Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas
concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão
da Língua Brasileira de Sinais - Libras como meio de comunicação objetiva e de
utilização corrente das comunidades surdas do Brasil.
Art. 3º As instituições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos de
assistência à saúde devem garantir atendimento e tratamento adequado aos portadores
de deficiência auditiva, de acordo com as normas legais em vigor.
4 Esta seção tem como base o capítulo 1 de QUADROS E KARNOPP (2004). Sugere-se a leitura desse
livro para um aprofundamento na temática.
As línguas de sinais começaram a ser pesquisadas pela linguística a partir de
1960. Uma das primeiras descrições sobre a estrutura, uso e funcionamento das línguas
de sinais foi feita por W. Stokoe na Língua de Sinais Americana.
Stokoe propôs um esquema linguístico estrutural para analisar a formação dos
sinais na American Sign Language (ASL). Estava preocupado em identificar as
unidades que formam os sinais. A partir disso, propôs a decomposição de sinais em três
unidades ou parâmetros que não carregam significados isoladamente, a saber:
5 O espaço de enunciação dos sinais é o local onde os sinais são realizados, ou seja, sinais são produzidos
no corpo e no espaço em frente ao corpo (denominado espaço neutro).
6 Pequenas diferenças na forma como os sinais são produzidos, mas que acarretam mudanças de significado,
PEDRA QUEIJO
TRABALHAR VÍDEO
APRENDER SÁBADO
Um sinal pode ser produzido com uma única configuração de mão, por exemplo,
MÃE, que pode ser articulado com a mão esquerda ou com a mão direita.
O exemplo acima mostra que o movimento pode variar (de certo modo previsto
pelas regras da língua), do que resulta um significado diferente, mas relacionado à forma
base (BAKER; PADDEN 1978, p. 11-12).
Mudanças no movimento servem também para distinguir verbos. Na Língua de
Sinais Americana, cem pares de nomes/verbos foram investigados, já que esses
nomes/verbos possuíam significados associados e supostamente não diferiam no modo
de fazer o sinal. Eles tentaram descobrir, por exemplo, como o sinal CADEIRA
Todas as comunidades utilizam uma (ou mais) língua(s) – língua é um fato social!
A língua é a marca de uma cultura. Curiosamente apesar do grande número de línguas
existentes, metade da população mundial fala apenas quinze línguas. Assim, se falarmos
chinês mandarim, inglês, hindi e russo, poderemos nos comunicar com mais de um bilhão
de pessoas. (FROMKIN & RODMAN 1993, p. 337-341)
No Brasil, encontramos muitas línguas aqui existentes. Além da língua
portuguesa, temos as línguas indígenas, as línguas de sinais, as línguas de migração e
quilombolas. Se considerarmos as línguas indígenas veremos que, ao final do século XV,
havia em torno de 1.175 línguas indígenas faladas no Brasil. Atualmente restam somente
180 línguas indígenas diferentes faladas no Brasil, as quais pertencem a mais de 20
famílias linguísticas. (RODRIGUES, 1993).
Além da Libras, conhecida também como LSB (Língua de Sinais Brasileira) há
registros da existência, no Brasil, de uma outra língua de sinais entre índios Urubu-
Kaapor, habitantes da floresta amazônica (FERREIRA BRITO, 1990). Os índios Urubu-
Kaapor utilizam a denominada LSKB (Língua dos Sinais Kaapor Brasileira), que não
apresenta relação estrutural ou lexical com a Libras, devido à inexistência de contato entre
ambas.
Qualquer criança, nascida em qualquer lugar do mundo, de qualquer origem racial,
geográfica, social ou econômica, é capaz de adquirir qualquer língua à qual está
exposta!
Obviamente que crianças surdas expostas a uma língua de sinais irão adquirir essa
língua, visto que essa é uma língua que podem perceber/ compreender e produzir de forma
espontânea, da mesma forma que crianças ouvintes adquirem a língua oral à qual estão
expostas.
Figura 5: CELULAR
13 DINIZ, Heloise Gripp. A história da língua de sinais brasileira (LIBRAS): um estudo descritivo de
mudanças fonológicas e lexicais. Dissertação de Mestrado. Florianópolis: CCE/UFSC, 2010.
14 CHOMSKY, Noam. Knowledge of Language. Its nature, origin and use. New York: Praeger Publishers,
1986.
Figura 7: CASA
Figura 8: ÁRVORE
Nas línguas faladas encontramos o conjunto das vogais e das consoantes. Elas
são combinadas para formar morfemas e palavras, por exemplo, se juntarmos os
segmentos sonoros /m/, /a/, /p/ podemos formar a palavra /mapa/. Elementos como /a/,
/m/, /p/ podem ser definidos através de um conjunto de propriedades ou traços,
pertencentes às línguas faladas. Assim, podemos encontrar uma classe de vogais e uma
classe de consoantes.
Nas línguas de sinais encontramos os seguintes segmentos que compõem os
sinais: configuração de mão, locação, movimento, orientação de mão e expressões não-
manuais. Se juntarmos alguns desses elementos podemos formar morfemas e sinais,
conforme exemplo a seguir:
TRÊS-MESES QUATRO-MESES
SENTAR CADEIRA
As línguas possuem formas para indicar tempo passado, negação, pergunta, ordem,
etc.
TER NÃO-TER
GOSTAR NÃO-GOSTAR
PARA FINALIZAR...
Com essa introdução aos estudos da linguística das línguas de sinais, procuramos
descrever aspectos gramaticais da Libras e introduzir uma comparação entre as línguas
orais e as línguas de sinais, com o objetivo de refletirmos sobre as aproximações entre
línguas de modalidades diferentes.
19Ilustrações para os exemplos apresentados podem ser encontradas em Quadros e Karnopp (2004), no
capítulo 4.