Você está na página 1de 258

Universidade Federal de Roraima - UFRR

Editora da UFRR

Diretor da EDUFRR
Cezário Paulino B. de Queiroz

Conselho Editorial
Alexander Sibajev
Reitor Cássio Sanguini Sérgio
Jefferson Fernandes do Nascimento Edlauva Oliveira dos Santos
Guido Nunes Lopes
Vice-Reitor Gustavo Vargas Cohen
Américo Alves de Lyra Júnior Lourival Novais Néto
Luis Felipe Paes de Almeida
Madalena V. M. do C. Borges
Marisa Barbosa Araújo
Rileuda de Sena Rebouças
Silvana Túlio Fortes
Teresa Cristina E. dos Anjos
Wagner da Silva Dias

Editora da Universidade Federal de Roraima


Campus Paricarana – Av. Cap. Ene Garcez, 2413
Aeroporto – CEP 69310-000. Boa Vista – RR – Brasil
e-mail: editora@ufrr.br / editoraufrr@gmail.com
Fone: +55 95 3621 3111

A Editora da UFRR é filiada à:

Associação Brasileira de Editoras Universitárias

Asociación de Editoriales Universitarias de América Latina y el Caribe


Vol. 1
Teorias do agendamento, priming e framing

Gilson Pôrto Jr.


Nelson Russo de Moraes
Daniela Barbosa de Oliveira
Vilso Junior Santi
(Orgs.)

φ
Diagramação e capa: Lucas Fontella Margoni
Arte de capa: Penguin Kao - www.behance.net/penguinkao

O padrão ortográfico e o sistema de citações e referências bibliográficas são


prerrogativas de cada autor. Da mesma forma, o conteúdo de cada capítulo é
de inteira e exclusiva responsabilidade de seu respectivo autor.

Todos os livros publicados pela Editora Fi


estão sob os direitos da Creative Commons 4.0
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR

http://www.abecbrasil.org.br

Série Comunicação, Jornalismo e Educação – 19

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


PÔRTO JR, Gilson.; MORAES, Nelson Russo de; OLIVEIRA, Daniela Barbosa de; SANTI, Vilso Junior
(Orgs.).

Media effects: ensaios sobre teorias da Comunicação e do Jornalismo, Vol. 1: Teorias do


agendamento, priming e framing [recurso eletrônico] / Gilson Pôrto Jr.; Nelson Russo de Moraes;
Daniela Barbosa de Oliveira; Vilso Junior Santi (Orgs.) -- Porto Alegre, RS: Editora Fi /Boa Vista:
Editora da UFRR, 2018.

258 p.

ISBN - 978-85-5696-272-4

Disponível em: http://www.editorafi.org

1. Ensaios. 2. Jornalismo. 3. Ética. 4. Comunicação. 5. Cultura. I. Título. II. Série.

CDD-177
Índices para catálogo sistemático:
1. Ética e sociedade 177
Diretor da série:
Prof. Dr. Francisco Gilson Rebouças Porto Junior
Universidade Federal do Tocantins (UFT), Brasil
Comitê Editorial e Científico:
Profa. Dra. Cynthia Mara Miranda
Universidade Federal do Tocantins (UFT), Brasil
Prof. Dr. João Nunes da Silva
Universidade Federal do Tocantins (UFT), Brasil
Prof. Dr. Luis Carlos Martins de Almeida Mota
Instituto Politécnico de Coimbra, Portugal
Prof. Dr. Nelson Russo de Moraes
UNESP - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil
Prof. Dr. Rodrigo Barbosa e Silva
Universidade do Tocantins (UNITINS), Brasil
Prof. Dr. Rogério Christofoletti
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil
Prof. Dra. Maria Luiza Cardinale Baptista
Universidade de Caxias do Sul:Universidade Federal do Amazonas, Brasil
Profa. Dra. Thais de Mendonça Jorge
Universidade de Brasília (UnB), Brasil
Profa. Dra. Verônica Dantas Menezes
Universidade Federal do Tocantins (UFT), Brasil
Prof. Dr. Fagno da Silva Soares
CLIO & MNEMÓSINE Centro de Estudos e Pesq. em História Oral e Memória
Instituto Federal do Maranhão (IFMA)
Dr. Luís Francisco Munaro
Universidade Federal de Roraima (UFRR)
Dr. José Manuel Peláez
Universidade do Minho, Portugal
Prof. Dr. Geraldo da Silva Gomes
Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do
Ministério Público do Tocantins, CESAF/MPTO
“[...] que a importância de uma coisa não se mede com
fita métrica nem com balanças nem barômetros etc.
Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo
encantamento que a coisa produziu em nós”

(Manoel de Barros)
Sumário

Apresentação .............................................................................................................. 13
Geraldo da Silva Gomes

Prefácio ....................................................................................................................... 17

Capítulo 1 .................................................................................................................... 21
A hipótese da agenda-setting: introduzindo conceitos
Darlene Teixeira Castro; Francisco Gilson Rebouças Pôrto Junior

Capítulo 2 ................................................................................................................... 37
A política e a comunicação de massa: apontamentos sobre o framing na
campanha presidencial norte-americana de 2008
Nelson Russo de Moraes; Dorival Russo de Moraes

Capítulo 3 ................................................................................................................... 51
A midiatização não existe: digressões possíveis da teoria da comunicação
Vilso Junior Santi; Leila Adriana Baptaglin

Capítulo 4 ................................................................................................................... 71
Pós-modernidade e vertigem existencial entre jovens: influência da mídia
pela teoria do enquadramento
Thamyres P. Maciel; Sonielson L. de Sousa; Cynthia M. Miranda; Liliam D. Ghizoni

Capítulo 5....................................................................................................................87
Contribuições da análise de enquadramento ao estudo sociológico da
produção de notícias
Thaize Ferreira Macêdo
Capítulo 6 ..................................................................................................................113
Consumo não consciente? O efeito priming no comportamento do
consumidor
Thaís M. Monteiro; Jorge L. R. Nogueira; Liliam D. Ghizoni; Amanda M. P. Leite

Capítulo 7...................................................................................................................131
Os dias em que o Brasil parou: uma análise dos enquadramentos noticiosos
na cobertura das greves gerais
Taianne S. Moreira de Souza; Vanildo L. Veloso; Francisco G. R. Pôrto Junior

Capítulo 8 ................................................................................................................. 155


Agendamento e contra agendamento: o “8 de março” no jornal do tocantins
Rose Dayanne Santana Nogueira; Cynthia Maria Miranda

Capítulo 9 ................................................................................................................. 189


Estereótipos da imagem social da mulher: percepções e aplicações do efeito
priming
Nayara Lopes Botelho; Francisco Gilson Rebouças Pôrto Junior

Capítulo 10 ................................................................................................................ 211


A teoria do Gatekeeper e o surgimento do Gatewatcher: o Crowdsourcing na
prática jornalística
Marina Parreira Barros Bitar

Capítulo 11 ............................................................................................................... 239


Agenda setting: análise da percepção de influência dos media nos indivíduos
sobre a visão positiva da seleção brasileira de futebol
Laís Pereira Ferreira
Apresentação

Ao ter em mãos os textos e a proposta elaborada pelos


organizadores de “Media Effects: ensaios sobre teorias da
Comunicação e do Jornalismo – Vol. I” com o convite para escrever
um texto de apresentação vi-me com um gratificante desafio,
enquanto professor e pesquisador que escolheu, ao longo dos anos
a partir da região tocantinense, pensar-refletir sobre as teorias e
processos comunicacionais.
O desafio é gratificante porque ao traçar uma breve
genealogia sobre o que era reproduzido nas aulas dos cursos de
Comunicação, desde seu nascedouro a partir da segunda metade dos
anos 90 – século XX – e abordado como modelos de instrumentos
de pesquisa, percebo o grande salto qualitativo referente as
angulações teóricas e metodológicas.
Naqueles tempos idos vivíamos muito ao sabor de alguns
modismos, abordagens próximas ao superficial e uma imaturidade
não conscientemente assumida ao tratar dos aspectos teórico e
metodológico. Por vezes, assumia-se uma angulação teórica para
além da sinalização que ela realizava; a teoria assumida ganhava
ares de dogma e quem a proferia era seu arauto.
Muito se “vestiu” teorias, desconstruídas, felizmente, no dia a
dia da aprendizagem que íamos adquirindo. No contato direto com
demais pesquisadoras e pesquisadores, nos programas de pós-
graduação e na formação de redes horizontalizadas de intercâmbio
e cooperação de produção e difusão do conhecimento
comunicacional.
Teorias “desvestidas”, pretensões desativadas, articulação do
campo da comunicação com mais pesquisadores e instituições
14 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

abertas à importância dos estudos comunicacionais: o cenário


modificou.
No contexto dessa mudança é que situo o livro organizado por
Gilson Pôrto Junior, Nelson Russo de Moraes, Daniela Barbosa de
Oliveira e Vilso Junior Santi, uma grande tela elaborada por vozes,
visões e análises tanto por professores pesquisadores quanto por
aprendizes acadêmicos da pesquisa no espaço da pós-graduação.
Ter um livro produzido a partir do local-regional, o Tocantins
e seu entorno, refletindo sobre problemáticas, situações,
acontecimentos localizados ou globalizados é muito importante. Em
décadas anteriores, estávamos sozinhos em algumas abordagens,
hoje esta situação de interlocução inexistente está desaparecendo
não apenas pela velocidade das chegadas e partidas das informações
nas plataformas infodigitais.
Neste momento, os exercícios de diálogo e de produção do
conhecimento se fazem presentes com novas gerações de
pesquisadores e estudantes nos espaços acadêmicos. Isso é
extremamente importante ser destacado.
Também, ressalte-se que para além dos breves aspectos
históricos iniciais, a opção teórica do livro em lidar com “media
effects” no veio das teorias da comunicação e do jornalismo,
rompendo insistentes posicionamentos que se recusam a aceitar
diferentes locais e contextos catalizadores de problemáticas.
Pensar-refletir sobre os “media effects” me auxilia sempre nas
análises cognitivas e ideológicas ao debruçar-me sobre a circulação
das ofertas de sentido, de tantos signos e guerras de formas
simbólicas expressas e existentes nas falas e silêncios, nos textos e
hipertextos, nos jogos imagéticos.
Múltiplas sinalizações de autores(as) dos textos me avivaram
mais a continuar estudos e engajamentos nos espaços sociais e
profissionais de atuação. É importante para nós, que atuamos nos
espaços comunicacionais, vivermos com e sob efeitos e provocações
da mídia, redirecionar nossos interesses às questões presentes nas
abordagens sobre as teorias do agendamento, a relação gatekeeper
Geraldo da Silva Gomes | 15

(guardião?)-gatewatcher (selecionador) em tempos de tão pouco


espaços demarcados por dinâmicas do broadcasting/crowdsourcing
media.
São muitas as teorias, inúmeras possibilidades de angulações
e escolhas metodológicas, felizmente, não se estão mais buscando
pessoas para interlocução como algo impossível de encontrar. Hoje,
mesmo em tempos de pós-verdade situadas, notícias falsas/fake
news, horizontes distópicos e tantas possibilidades de ofertas de
desesperança, também se fazem presentes professoras e professores
pesquisadoras(es) e estudantes provocando com pesquisas a refletir
e agir solidário numa sociedade cujo sistema comunicativo está
constantemente em transformação, outras articulações políticas são
necessárias para atuar com a sociedade e a convergência midiática
deixou de ser pressuposição de teses de décadas passadas.
Os textos desta tela incitam a pensar a realidade no veio
comunicacional, auguro que mais provocações com tal investida
metodológica e novas (re)visitas teóricas ocorram para nos auxiliar
neste estar no mundo.

Palmas, janeiro de 2018.


Dr. Geraldo da Silva Gomes
Prefácio

A sociedade vive momentos de busca do entendimento, tanto


dos fatos sociais como da reorganização constante do seu tecido e
dos papéis de seus atores, e é neste contexto que tratar da
comunicação, de suas transversalidades e aplicações é sempre um
desafio. O momento contemporâneo desenrola, a cada dia, novas
implicações acerca das angularidades degradantes ou edificantes em
impactos diretos e reflexos dos desdobramentos da aplicação das
mais diversas teorias da comunicação.
A comunicação, tomada como seara do conhecimento que
tangencia a humanidade em todos os seus afazeres, da gestão
pública à gestão empresarial, do consumo ao diálogo familiar, das
cores às manifestações estabelecidas pelas opções humanas. Neste
sentido, este livro intitulado “Media Effects: ensaios sobre teorias da
Comunicação e do Jornalismo”, em seu volume 1, traz trabalhos
acadêmicos sobre as teorias do agendamento, do priming e do
framing, sobre diferentes olhares e perspectivas.
No capítulo 1 temos uma excelente introdução ao estudo da
agenda-setting, onde os autores testam a hipótese de que a
apresentação das notícias pela mídia pode determinar assuntos
sobre os quais o público pensa, efetivando a aplicação do
agendamento, tão enfatizado pela teoria da comunicação. Em
sentido similar, porém aportado a outra teoria da comunicação (o
framing), o capítulo 2 deste livro traz uma aplicação da teoria para
melhor entendimento do processo eleitoral de 2008 nos Estados
Unidos, onde tivemos a eleição de Barack Obama.
O capítulo 3 traz uma análise do processo de midiatização da
sociedade, discutindo os diferentes papéis que a mídia assume nos
18 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

contextos sociais, evolvendo diferentes atores nesta seara de


aplicação das teorias da comunicação aos meios sociais.
No capítulo 4, os autores trazem à baila um estudo sobre a
pós-modernidade, partindo dos olhares de Hannat Arendt e
Zygmund Bauman (dentre outros) analisa as influências da mídia
de modo geral e do jornalismo em específico sobre os sofrimentos
psicológicos ou vertigem existencial entre jovens.
O livro traz no capítulo 5 um excelente debate acerca da
aproximação entre o campo jornalístico da produção da notícia e a
sociologia interpretativa, trazendo ao diálogo diversos autores
clássicos das ciências sociais e da comunicação para ajudar no
entendimento do que ocorre nesta intersecção entre duas áreas
teóricas complexas e complementares.
Citando clássicos que compõem o estado da arte sobre o
assunto, o capítulo 6 se aproxima do campo do consumo, discutindo
como o efeito priming influencia o consumidor em suas opções a
partir de decisões subconscientes e psicológicas. Já o capítulo 7
deste livro aborda os desdobramentos do enquadramento noticioso
sobre as greves gerais de 29 de abril e 30 de maio de 2017, dentro
das perspectivas de análise e pesquisa estabelecidas por Entman
(1993).
O capítulo 8 traz uma aproximação bastante interessante
sobre os movimentos sociais e suas vozes da produção jornalística
sobre o dia 8 de março de 2016 e de 2017 (dia Internacional das
Mulheres) e o processo de agendamento nele implícito. O capítulo
9, por sua vez, mas ainda tratando da percepção da mulher na
sociedade, analisa os estereótipos da imagem social da mulher,
abarcando-se sobre os trabalhos aos conceitos e estudos em
priming.
O capítulo 10 traz estudos acerca da evolução e
fundamentação teórica aplicada à teoria do gatekeeper e
posteriormente do gatewatcher na produção jornalística e no acesso
aos meios de comunicação. Por fim, o capítulo 11 aproxima os media
de um assunto de muita paixão nacional: o futebol, contudo parte
Os organizadores | 19

da saída catastrófica da seleção brasileira na Copa 2014, ao analisar


a influência das media sobre a formação da imagem da seleção
brasileira após a goleada sofrida diante da seleção alemã naquela
copa do mundo de futebol.
Assim, o livro traz em seus onze capítulos, um roteiro muito
interessante para que pesquisadores e estudiosos da área da
comunicação verifiquem as diversas possibilidades de análise da
aplicação das teorias da comunicação, desmistificando que seriam
teorias de aplicação duvidosa e irreal. Alguns destes capítulos são
frutos de pesquisas, inclusive partes de teses de doutoramento na
área da comunicação, enaltecendo ainda mais a qualidade desta
produção.
Por fim, vale ressaltar que os estudos mostram uma vastidão
de áreas de convergência com distintas teorias da comunicação, são
movimentos sociais, a questão de gênero, a gestão pública, o
consumidor, a prática jornalística, sociologia e até o futebol, fazendo
a leitura uma atividade prazerosa, contudo crivada de
conhecimentos acerca do campo da comunicação.

Gilson Pôrto Jr.


Nelson Russo de Moraes
Daniela Barbosa de Oliveira
Vilso Junior Santi
( organizadores)
Capítulo 1

A hipótese da agenda-setting:
introduzindo conceitos
Darlene Teixeira Castro1
Francisco Gilson Rebouças Pôrto Junior2

1 Introdução

A hipótese da agenda-setting pode ser considerada como uma


das formas pelas quais a apresentação das notícias pela mídia pode
determinar assuntos sobre os quais o público pensa.
O presente artigo visa apresentar uma revisão teórica inicial
da hipótese, destacando seus conceitos, principais estudos e a
sistemática do processo de agendamento, podendo, assim,
compreender-se melhor sua evolução e integração de conceitos.

1
Doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Faculdade de Comunicação da
Universidade Federal da Bahia (UFBA), Mestre em Ciência da Informação pela PUC-Campinas e
graduada em Comunicação Social/Jornalismo (Ulbra) e Letras (Ulbra). É professora na Universidade
Estadual do Tocantins (UNITINS). Atualmente é líder do Grupo de Pesquisa em Comunicação e
Cultura Contemporâneas. E-mail: darlene.tc@unitins.br.
2
Pós-doutor em Comunicação (FAC-UnB) e Ciências Sociais Aplicadas: Comunicação (UNESP). Doutor
em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal
da Bahia (UFBA), Mestre em Educação pela Faculdade de Educação (UnB) e graduado em
Comunicação Social/Jornalismo, Pedagogia e História. Atualmente é líder do Núcleo de Pesquisa e
Extensão e Grupo Lattes Observatório de Pesquisas Aplicadas ao Jornalismo e ao Ensino (OPAJE-UFT).
É professor na Fundação Universidade Federal do Tocantins (UFT). E-mail:
gilsonportouft@gmail.com.
22 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

O primeiro estudo sistematizado para o modelo da agenda-


setting3 surgiu com os norte-americanos Maxwell McCombs e
Donald Shaw, no artigo The agenda-setting function of the mass
media publicado em Public Opinion Quarterly, em 1972. Assim como
ocorre em qualquer espaço criativo, a ideia do agendamento não era
novo. Era uma ideia não sistematizada que pairava entre muitos
estudos anteriores. Segundo Castro (2014, p. 3):

A ideia central do agendamento, no entanto, já havia sido apontada


por vários autores anos antes, como Lippmann em 1922, Park,
Ernest e Roderik (1925), Lazarsfeld et al. (1944), Cohen (1963) e
Lang & Lang (1966). Mas foram McCombs e Shaw (1972) que
organizaram, sistematizaram, aprofundaram e nomearam o
conceito de Agenda-setting.

De fato, no artigo McCombs e Shaw (1972) usam como


referências principais os textos de Lazarsfeld; Berelson e Gaudet
(1948), Berelson; Lazarsfeld; McPHEE (1954), Cohen (1963) e Lang;
Lang (1966).
Porém, as primeiras bases teóricas surgiram do estudo de
comunicação política, em 1968, onde McCombs desenvolveu um
estudo da cidade de Chapel Hill, na Carolina do Norte, para verificar
a correlação entre a agenda dos meios de comunicação, a agenda do
público e a agenda dos candidatos nas eleições presidenciais.
Durante 24 dias o autor aplicou um questionário em 100
eleitores para cobrir uma amostragem da distribuição econômica,
social e racial da população. Para selecionar os entrevistados, usou-
se uma pergunta de triagem para identificar aqueles que ainda não
tinham decidido em quem votar. Também selecionou cinco jornais,
duas revistas semanais e os noticiários noturnos de dois canais de

3
Nesse artigo, assumimos a premissa de HOHLFELDT; MARTINO; FRANÇA (2008, p. 189) de que a
Agenda-Setting é uma hipótese, já que “[...] uma teoria [...] é um paradigma fechado, um modo
acabado e, neste sentido, infenso a complementações ou conjugações”, pois uma hipótese “[...] é
sempre uma experiência, um caminho a ser comprovado e que, se eventualmente, não der certo
naquela situação específica não invalida necessariamente a perspectiva teórica”.
Darlene Teixeira Castro; Francisco Gilson Rebouças Pôrto Junior | 23

televisão para identificar os principais temas da agenda da mídia.


(WOLF, 2001).
McCombs percebeu que a pesquisa tinha limitações pelo
número de entrevistados e o tempo destinado a pesquisa. Daí em
1972, juntamente com Donald Shaw, a pesquisa foi aprofundada
com a investigação na cidade de Charlotte Ville, na Carolina do
Norte. Agora, o prazo foi estendido para cinco meses, com a amostra
de 227 eleitores. Neste mesmo ano, o artigo que batiza a hipótese da
agenda-setting foi publicado.
Após concluída a pesquisa, os autores afirmaram que embora
não fosse conclusiva a evidência de que os meios de comunicação de
massa alterem profundamente as atitudes de uma campanha, é
muito mais forte a evidência de que os eleitores aprendem pela
imensa quantidade de informação disponível durante cada
campanha. (MCCOMBS e SHAW, 1972).
Como destaca Esteves (2012, p. 114):

Os media pode, não definir, exatamente, o sentido do mundo, mas


através da sua agenda balizam com notável precisão os limites que
esse sentido pode assumir, ou seja, em última análise, os limites do
nosso pensamento sobre a realidade envolvente. Este poder dos
media tem como justificação imediata o facto de a nossa
experiência simbólica ser hoje em dia cada vez mais adquirida de
uma forma indireta, ou seja, não por via de um contacto pessoal
com a realidade (ou de qualquer outra forma de conhecimento
imediato dessa mesma realidade), mas através de um mediação,
ou mais exatamente, de mediatização: através do recurso a
dispositivos tecnológicos de comunicação.

Com a pesquisa, McCombs e Shaw (1972, p. 50-51) puderam


identificar que a correlação entre a ênfase dada a um determinado
tópico pela mídia e a percepção do eleitor quanto à importância
desse tópico, tinha comprovação. Assim, concluíram que a mídia
determina a agenda para o público. Na codificação de conteúdos
mais importantes, os autores classificaram em:
24 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

 Televisão: qualquer notícia de 45 segundos ou mais e/ou


uma das três notícias de abertura;
 Jornais: qualquer notícia que surgisse como manchete na
primeira página ou em qualquer página sob um cabeçalho
a três colunas em que pelo menos um terço da notícia (no
mínimo de cinco parágrafos) fosse dedicado à cobertura de
caráter político;
 Revistas informativas: qualquer notícia com mais de uma
coluna ou qualquer item que surgisse no cabeçalho no
início da seção noticiosa da revista;
 Cobertura da página editorial de jornais e revistas:
qualquer item na posição do editorial principal (o canto
superior esquerdo da página editorial), mais todos os itens
em que um terço (pelo menos cinco parágrafos) de um
comentário editorial ou de um colunista era dedicado à
cobertura de campanha política.

Como indicado anteriormente, mesmo antes de McCombs e


Shaw aprofundarem sobre a hipótese do agendamento, Walter
Lippmann, em 1922, já destacava o papel da imprensa no
enquadramento da atenção do público em direção a temas impostos
por ela como de maior interesse coletivo. Sem utilizar o termo
“agendamento”, a hipótese de uma relação entre a agenda mediática
e a agenda pública foi sugerida pelo autor, que argumentou que os
media eram a principal ligação entre os acontecimentos no mundo
e as imagens desses acontecimentos na nossa mente. (TRAQUINA,
2000).
Com relação à escolha dos temas, Weaver, McCombs e
Spellman (1975) afirmam que, todos os dias, os “gatekeepers” dos
sistemas dos media noticiosos têm de decidir quais os itens a deixar
passar ou rejeitar. E mesmo os que passam nesse crivo (gate) são
tratados de forma desigual na sua apresentação ao público. Alguns
são tratados extensivamente, outros severamente cortados. Alguns
são destaques, outros surgem no final. E ainda concluem que, a tese
Darlene Teixeira Castro; Francisco Gilson Rebouças Pôrto Junior | 25

do agendamento defende que os públicos decidem a importância de


cada assunto a partir desses julgamentos veiculados pelos media
noticiosos, incorporando na sua agenda pessoal uma escala de pesos
semelhantes.
Leff, Protess e Brooks (1986) dizem que o próprio tema pode
ser uma variável de explicação importante na distinção dos efeitos
das diferentes reportagens de investigação. Parece que, quanto
menor for a informação e a sensibilidade de um público
relativamente a um tema antes da sua abordagem por parte dos
media, maiores serão as probabilidades de as pessoas serem
influenciadas pelas peças jornalísticas.

2 Desenvolvimento do conceito

A importância atribuída ao primeiro artigo de McCombs e


Shaw (1972) pode ser percebida pela quantidade de citações em
artigos atuais, ou seja, ele acaba sendo o ponto de partida para todo
pesquisador. Cabe destacar, também, que grande parte dos artigos
está em língua inglesa, com destaque especial para a Sage
Publications, com os periódicos: Communication Research,
Communication Review e Communication Yearbook.
Segundo James Conant (1951), citado por McCombs e Shaw
(1993), a marca distintiva de uma teoria de sucesso é a sua
capacidade de gerar continuamente novas questões e identificar
novos percursos de pesquisa acadêmica. A fecundidade da metáfora
do agendamento é atestada por três características:

a) O firme crescimento histórico da sua literatura;


b) A sua capacidade para, a medida que tem evoluído por
quatro fases de expansão, integrar sob um único guarda-
chuva teórico um conjunto de sub-áreas de investigação do
campo da comunicação; e
26 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

c) A capacidade de continuar a gerar novos problemas de


investigação através de uma variedade de cenários de
comunicação.

Em outro artigo publicado em 1993, McCombs e Shaw,


pretenderam fazer um balanço sobre a evolução da pesquisa sobre
o agendamento, e afirmaram que os meios de comunicação, por
meio da agenda, nos dizem sobre o que pensar. As notícias também
nos dizem como pensar nisso. Tanto a seleção de objetos que
despertam a atenção como a seleção de enquadramentos para
pensar esses objetos, são papéis da agenda-setting. (MCCOMBS e
SHAW, 1993).
Os autores concluem que a clássica síntese de Bernard Cohen,
em 1963, em que “os media podem não dizer as pessoas como
pensar, mas sim sobre o que pensar”, foi virada do avesso, visto que
novas investigações, explorando as consequências da agenda-setting
e do enquadramento dos media sugerem que os media não só nos
dizem em que pensar, mas também como pensar nisso e,
conseqüentemente, o que pensar.
Nas definições de vários teóricos, como Kosicki (1993) e
Scheufele (1999, 2000), percebe-se que há uma relação direta entre
o conteúdo da agenda dos meios de comunicação e a percepção do
público de quais temas são importantes. Pode-se afirmar que
a hipótese da agenda-setting é um processo dinâmico em que as
mudanças na cobertura dos meios de comunicação causam
mudanças na consciência do público sobre os temas tratados.
Kosicki (1993) conceitua a hipótese da agenda-setting a partir
de quatro características básicas que a diferencia das outras teorias:
trabalha com a importância dos temas do público; seus tópicos são
quase universalmente construídos pelos pesquisadores; possui um
foco bipolar entre o conteúdo dos meios e a percepção da audiência;
e tenta lidar com um alcance de temas da agenda hierarquicamente
ordenados.
Darlene Teixeira Castro; Francisco Gilson Rebouças Pôrto Junior | 27

Scheufele (2000) diz que o modelo deve ser conceitualizado


em dois níveis separados, no nível macroscópico, o modelo deve ser
examinado com base na agenda dos meios de comunicação e a
importância dada aos temas pelos meios. No nível microscópico,
deve ser examinado com base na agenda do público e a importância
que os temas possuem na memória das pessoas.
Os autores citados neste artigo, que trabalham com a hipótese
da agenda-setting, apesar de sua variedade metodológica de
pesquisas, não deixam de concordar com a definição básica, e que
ainda se encontra em processo de evolução.
Também é importante dizer que, a correlação entre os
veículos promove um consenso nos assuntos principais e, sobre as
questões políticas, os eleitores tendem a compartilhar a definição
dos meios de comunicação sobre o que é importante, comprovando
a hipótese da agenda-setting.
Geralmente, o efeito de agendamento ocorre com pessoas que
têm uma grande necessidade de obter informação sobre um
determinado assunto e, devido a essa necessidade, acabam se
expondo às notícias da mídia, provocando maiores efeitos de
agendamento.
Kosicki (1993) reforça a necessidade da hipótese da agenda-
setting abordar conexões existentes entre o trabalho da imprensa e
o conteúdo da mídia para melhor entender os efeitos dos meios de
comunicação no público.
O autor enfatiza que os estudos do trabalho jornalístico são
cruciais para o estudo das questões públicas porque oferecem a
chave para a compreensão de como questões específicas são
enquadradas e oferecidas ao público.
Para reforçar essa hipótese, um fator condicionante, é a
importância do veículo de comunicação como pré-requisito para a
influência do conteúdo das notícias sobre a audiência, bem como a
pré-disposição do indivíduo para os temas tratados. Com relação à
temática, cabe destacar que, quanto maior a distância dos assuntos
públicos, mais forte acaba sendo o poder da agenda-setting.
28 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

McCombs et al (1997, p. 703) afirmam que:

[...] através dos tempos, elementos enfatizados na agenda da mídia


vieram a ser considerados com a mesma importância na agenda
do público. Teoricamente, essas agendas poderiam ser compostas
por qualquer conjunto de elementos. Na prática, virtualmente
todas as centenas de estudos até hoje tem examinado uma
programação composta de assuntos públicos. Para esses estudos,
a hipótese central é de que o grau de ênfase colocada nos assuntos
da mídia influenciam um “acordo de prioridade dessas questões”
pelo público.

O que fica em discussão é identificar porque a atenção dada


pela mídia, pelo público e pelos responsáveis pelos conteúdos dá
ênfase a certos tópicos e não outros e, acaba por definir o que “fica”
e o que “cai” da agenda. Tanto que, os meios de comunicação, como
Rede Globo no Brasil ou New York Times nos Estados Unidos,
acabam tendo papel dominante ao colocar um tópico na agenda da
mídia de seus respectivos países.
Kosicki (1993) também reforça que as definições conceituais e
operacionais não coincidem, causando ambigüidade no significado
de muitos resultados de pesquisas. E, o que sempre ocorre é os
autores reconhecerem as limitações e sugerirem novas pesquisas
para ampliar o estudo em questão.
Para McCombs e Shaw (1993), se nos detivermos um
momento para refletirmos sobre o termo chave desta metáfora
teórica: a agenda – em termos abstratos, o seu potencial para
integrar muitos outros conceitos da área da comunicação, tal como
a concessão de estatuto, o estereótipo e a imagem – torna-se
evidente. Encarada nessa perspectiva, a metáfora da agenda pode
ser utilizada em muitos contextos.
McCombs et al (1997, p. 703) concluem que “na maioria dos
estudos até hoje, a unidade de análise em cada agenda é um objeto,
um assunto público. Entretanto, assuntos públicos não são somente
Darlene Teixeira Castro; Francisco Gilson Rebouças Pôrto Junior | 29

objetos que podem ser estudados a partir da perspectiva de definição


de agenda”.
Isso ocorre por que podemos considerar a comunicação como
um processo, que pode ser sobre qualquer conjunto integrado de
pressupostos, competindo por atenção entre os comunicadores e o
público.

3 Integração de conceitos

O que acaba ocorrendo também é a ampliação do modelo da


agenda-setting com referências aos conceitos de framing e priming.
Scheufele (2000) define priming como o impacto que o processo de
agenda-setting pode ter na forma como os indivíduos avaliam os
políticos, influenciando áreas temáticas ou assuntos que os
indivíduos utilizam para construir outras avaliações. Já o framing
pode ser considerado uma extensão do conceito de agenda-setting,
seleção de um número restrito de atributos relacionados
tematicamente para a inclusão de um objeto particular na agenda
dos meios de comunicação.
O conceito de framing foi aplicado inicialmente por Erving
Goffman em 1975 que considera a forma como organizamos a vida
cotidiana para compreendermos e respondermos as situações
sociais. No estudo das notícias, é um dispositivo interpretativo que
estabelece os princípios de seleção e os códigos de ênfase na
elaboração da notícia.
Scheufele (1999) afirma que a mídia constrói a realidade
social através do enquadramento de imagens da realidade de
maneira previsível e padronizada e, esse enquadramento pode ser
encontrado principalmente nas construções de imagens no
jornalismo, nas reconstruções dos fatos em notícias.
McCombs e Shaw (1993) afirmam que existem indícios que
apontam no sentido de o modo como um objeto é enquadrado na
agenda pode ter conseqüências mensuráveis a nível
comportamental. Até o nome atribuído a um assunto pode
30 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

influenciar o destaque de certos pontos de vista e a distribuição da


opinião pública.
Como já foi explorado anteriormente, para a hipótese da
agenda-setting, o que é objeto importante para a agenda da mídia,
passa a ser importante para a agenda do público. O primeiro nível
do processo da agenda-setting é a transmissão da importância do
objeto e, o segundo nível, é a transmissão da importância dos
atributos desse objeto. Sejam quais forem os atributos de um
assunto apresentado na agenda jornalística, as consequências para
o comportamento da audiência são consideráveis. A maneira como
um comunicador enquadra uma questão estabelece uma agenda de
atributos e pode influenciar o modo como pensamos sobre a questão
em foco. O agendamento é um processo que pode afetar tanto aquilo
sobre o que pensamos como o modo que fazemos. (MCCOMBS e
SHAW, 1993).
O pressuposto do segundo nível do agenda-setting é que
existe uma forte relação entre a forma como a mídia enquadra um
determinado fato e a seleção de atributos que o público se utiliza
para construir uma imagem, por exemplo, de um político em
período de eleição. Isso reforça que não basta identificar se a mídia
influencia ou não a opinião pública, mas como isso pode acontecer
a partir dos enfoques dados às informações veiculadas. Nas
coberturas das eleições ou em um fato inusitado isso pode ser visto
claramente, a partir dos enquadramentos dados ao assunto,
enfatizando um ou outro ângulo.
Scheufele (1999) afirma que, apesar de o enquadramento ter
sido considerado por alguns teóricos como sendo um segundo nível
da agenda-setting, é importante esclarecer que, enquanto o agenda-
setting se preocupa com a seleção e a importância das matérias
veiculadas (objeto), o framing se preocupa com a seleção e a
importância dos termos veiculados (atributos de transmissão).
Pode-se perceber, com isso, que são conceitos diferentes que lidam
com perspectivas distintas em um mesmo corpus teórico.
Darlene Teixeira Castro; Francisco Gilson Rebouças Pôrto Junior | 31

McCombs et al (1997, p. 704) enfatizam que “a seleção dos


objetos para chamar atenção e a seleção dos atributos para pensar
acerca desses objetos são ambos papéis poderosos na definição de
agenda”. Ainda complementam que “compreender a dinâmica da
definição de agenda é essencial para o entendimento da dinâmica
das eleições na democracia contemporânea pelo mundo”.
(MCCOMBS ET AL, 1997, p. 704).
Com relação ao papel das imagens construídas acerca de
candidatos a eleições, McCombs et al (1997, p. 706) afirmam que:

[...] o papel desempenhado pela mídia não se reduz ao campo das


prioridades sociais (questões de primeiro nível de agendamento),
mas se estende também a seleção de características (ou atributos)
específicas dos candidatos das quais os eleitores irão modelar suas
próprias opiniões sobre tais candidatos. A mídia pode não ditar aos
eleitores qual será sua opinião sobre os candidatos, mas pode
muito bem direcionar, guiar, ou orientar o conteúdo do que o
público julga valer a pena dizer sobre eles em um grau
significativo.

Assim, o enquadramento acaba direcionando como temos que


pensar os temas já estabelecidos pela agenda. E é por isso que a
mídia utiliza esse poder para dizer como “devemos pensar o mundo”
e transmitir para todos os demais.
O estudo feito por McCombs et al (1997) foi uma tentativa
para expansão da teoria do agendamento durante as eleições
regionais e municipais da Espanha sobre a influência da mídia na
imagem dos eleitores espanhóis com relação aos candidatos. Os
autores relatam outros estudos que, mesmo sem atribuir o nome,
também reforça a hipótese de segundo nível, como nas eleições
presidenciais de 1976 nos Estados Unidos feitos por Weaver, Grabe,
McCombs e Eval (1981). Benton e Frasier (1976) também fizeram
estudos voltados para a economia. Takeshita e Mikami (1995)
perceberam em seus estudos ambos os efeitos, de primeiro e
32 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

segundo nível de definição de agenda entre os eleitores em 1993 na


eleição geral do Japão.
McCombs et al (1997, p. 706) afirmam que “os atributos
formando as imagens dos candidatos podem ser analisados em
termos de ambas as dimensões: real e afetiva”. Entre os atributos
reais, podemos exemplificar com a descrição de sua personalidade,
suas posições, etc; já os atributos afetivos, podem ser as descrições
positivas, negativas ou neutras apresentadas pela mídia.
McCombs et al (2000) também avançam nos estudos do
agendamento de atributos nas dimensões real e afetiva, durante as
eleições de 1996 da Espanha, para testar a hipótese de que o
agendamento de atributos da mídia influência no agendamento de
atributos dos eleitores. Empiricamente, um alto nível de
correspondência foi encontrado entre o agendamento de atributos
de sete diferentes mídias e o agendamento de atributos dos eleitores
de cada um dos 3 candidatos.
No final do artigo, os autores enfatizam a importância de
pesquisas futuras para examinar os atributos de agenda individuais
ou mudar para saliência de atributos específicos pelo tempo.
Embora a maioria das pesquisas iniciais acerca de atributos de
agendamento tenha focado em atributos de candidatos políticos,
pesquisas futuras utilizando estas perspectivas tendem a incluir a
ênfase tradicional do agendamento nas questões do público assim
como uma variedade de outros objetos e seus atributos. (MCCOMBS
ET AL, 2000).
Kiousis et al (1999) em suas pesquisas, também reforçam a
hipótese de segundo nível em que o propósito foi testar,
experimentalmente, como a ênfase da mídia nos atributos dos
candidatos políticos afetam as impressões do público acerca dos
políticos. Foi explorada, especificamente, a imagem da
personalidade do candidato e sua qualificação. Os dados sugeriram
que as impressões das pessoas da personalidade dos candidatos se
espelham na imagem que a mídia faz dos mesmos. Entretanto, a
imagem dos traços de personalidade não afeta a importância geral
Darlene Teixeira Castro; Francisco Gilson Rebouças Pôrto Junior | 33

do candidato. Os dados também indicaram que as qualificações dos


candidatos influenciam a percepção afetiva dos políticos.
Como em outras pesquisas, os autores deixam claro que,
embora o estudo tenha se concentrado nos candidatos, é necessário
que a pesquisa seja expandida para incluir outros atributos no
cenário experimental, reforçando que o estudo possa funcionar
como trampolim para futuras pesquisas contribuindo na elaboração
de agendamento de segundo nível.

4 Considerações finais

O objetivo deste artigo foi apresentar, de forma introdutória,


uma revisão teórica da hipótese da agenda-setting, seus principais
autores e os caminhos percorridos pelos mesmos. Isso é importante
visto que pode ser considerada uma das hipóteses mais importantes
para o estudo dos meios de comunicação bem como os efeitos
causados na opinião do público.
Pode-se concluir que o artigo de McCombs e Shaw foi apenas
o início das investigações e que, o seu conceito é mais abrangente do
que os autores imaginavam. Isso reforça a sua relevância como uma
teoria da comunicação que pode gerar novas perspectivas de
pesquisas acadêmicas como pôde ser verificado nos estudos de
autores contemporâneos.
Podemos dizer que a representação da realidade apresentada
pela mídia constitui uma importante projeção dos acontecimentos
na opinião pública, e oferecendo temas que devam ser objeto de
reflexão, formando e influenciando, em grande parte, a sua opinião.
É por isso que os estudos da hipótese da agenda-setting são
importantes visto que a mídia tem papel fundamental na
disseminação das informações na contemporaneidade.
Fazem-se necessárias mais pesquisas que tenham como foco
a hipótese da agenda-setting que nos permitam estipular com
clareza os critérios para ampliação e integração dos conceitos para
34 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

as pesquisas de teorias da comunicação, principalmente as voltadas


para aos efeitos de segundo nível.

Referências

CASTRO, Davi. Agenda-setting: hipótese ou teoria? Análise da trajetória do


modelo de Agendamento ancorada nos conceitos de Imre Lakatos.
Intexto, Porto Alegre, UFRGS, n. 31, p. 197-214, dez. 2014.

ESTEVES, João Pissara. Agenda-setting e efeitos dos Media: o desenvolvimento


paradoxal da teoria e o regresso a uma perspectiva comportamentalista.
In: CUNHA, Isabel Ferin; CABRERA, Ana; SOUSA, Jorge Pedro (Orgs.).
Pesquisa em media e jornalismo - homenagem a Nelson Traquina.
Covilhã: LabCom Books, 2012, p. 108-137.

HOHLFELDT, Antonio.; MARTINO, Luis C.; FRANÇA, V. V. (Org.). Teorias da


comunicação. Petrópolis: Vozes, 2008.

KIOUSIS, Spiro; BANTIMAROUDIS, Philemon; BAN, Hyun. Candidate Image


Attributes: Experiments on the Substantive Dimension of Second Level
Agenda Setting. Communication Research, 8; vol. 26: pp. 414 – 428,
1999.

KOSICKI, Gerald. Problems and opportunities in agenda-setting research. Journal


of Communication, vol. 43 (2), p. 100-128, 1993.

LEFF, Donna R.; PROTESS, David L.; BROOKS, Stephen C.; Crusading Journalism:
Changing public attitudes and policy-making agendas. Public opinion
quarterly, vol. 50, 1986.

McCombs, M, et al. Candidate image in Spanish elections: second-level agenda-


setting effects. Journalism & Mass Communication Quarterly, 74 (4),
p. 703-717, 1997.

MCCOMBS, M.; LOPEZ-ESCOBAR, E.; LLAMAS, J.P. Setting the agenda of


attributes in the 1996 Spanish general election. Journal of
Communication, Volume 50, Number 2, pp. 77-92, 2000.

MCCOMBS, Maxwell E.; SHAW, Donald L. The agenda-setting function of the


mass media. Public Opinion Quarterly, vol. 36 (2), p. 176-187, 1972.
Darlene Teixeira Castro; Francisco Gilson Rebouças Pôrto Junior | 35

MCCOMBS, Maxwell E.; SHAW, Donald L. The evolution of agenda-setting


research: twenty five years in the marketplace of ideas. Journal of
communication, vol. 43, n. 2, 1993.

SCHEUFELE, D. A. Framing as a theory of media effects. Journal of


Communication, vol. 49 (1), 101–120, 1999.

SCHEUFELE, Dietram A. Agenda-setting, priming and framing revisited: another


look at cognitive effects of political communication. Mass
Communication & Society, vol. 3 (2&3), p. 297-316, 2000.

TRAQUINA, Nelson. O poder do jornalismo: análise e textos da teoria do


agendamento. Coimbra: Minerva, 2000.

WEAVER, David H.; MCCOMBS, Maxwell E.; SPELLMAN, Charles. Watergate and
the media: a case study of agenda-setting. American Politics Quarterly,
vol.3, n. 4, out de 1975.

WOLF, Mauro. Teorias da comunicação. 6.ed. Lisboa: Presença, 2001.


Capítulo 2

A política e a comunicação de massa:


apontamentos sobre o framing na
campanha presidencial norte-americana
de 2008
Nelson Russo de Moraes1
Dorival Russo de Moraes2

1 Introdução

A eleição de Barack Hussein Obama como 44º presidente dos


Estados Unidos da América sem dúvida foi fruto do exercício
democrático de escolha de um representante que pudesse dar as
melhores respostas a uma sociedade em crise. A sociedade
planetária, nem de longe desfruta, de maneira igualitária, das
benesses capitais, mas sim pauta-se sobre um crônico descompasso
entre anseios por crescimento econômico e pautas de
sustentabilidade. Este mesmo desequilíbrio planetário fez também

1
Doutor em Comunicação e Cultura Contemporânea pela Universidade Federal da Bahia, Brasil
Professor Doutor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP, Tupã - SP, Brasil.
Professor do Programa de Pós-graduação em Agronegócio e Desenvolvimento (UNESP/Tupã). E-mail:
nelsonrusso@tupa.unesp.br.
2
Mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” –
UNESP, Bauru – SP, Brasil. Professor da Universidade Paulista – UNIP (Câmpus de Bauru/SP). E-mail:
dorival.metodo@terra.com.br
38 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

enredada a maior potencia mundial e, em um cenário de crises


política, econômica, social e ambiental, o planeta assistiu e
participou do processo eleitoral norte-americano de 2008.
O espetáculo histórico trouxe do anonimato, graças ao desejo
social, o jovem político Obama, hawaiano de 47 anos, de raízes
sangüíneas africanas e formado em Direito pelas melhores escolas
dos Estados Unidos, a assumir o cargo mais importante do planeta:
Presidente dos Estados Unidos da América. A existência de uma
forte estrutura de comunicação por trás deste fabuloso espetáculo é
indubitável, tal qual toda preocupação sempre existente com a voz e
a acústica, com a luz e a imagem na produção fílmica ou na
encenação de uma peça teatral.

1.1 Definição do tema

Este trabalho não tem a pretensão, sequer mínima, de


elucidar os motivos centrais que pautaram os desejos e as decisões
dos eleitores para as eleições norte-americanas de 2008, nem
tampouco de questionar o brilho deste que é sem dúvida um dos
momentos históricos mais importantes da contemporaneidade, mas
sim de suscitar a relevância da pesquisa sobre o agendamento e além
deste, do enquadramento (framing) efetivamente estabelecido entre
os meios de comunicação e a sociedade planetária, de maneira geral,
e norte-americana em específico. Especificamente, aborda-se a
importância dos estudos sobre os efeitos do enquadramento dos
meios de comunicação e do re-enquadramento feito pela audiência
na formação da opinião pública, tomando como caso de estudo as
eleições presidenciais norte-americanas de 2008.
Ao tomar como objeto de estudo o processo de construção da
imagem sólida e creditável de um representante para a qual
pudessem convergir os pensamentos, anseios e mesmo esperanças
de uma nação, necessita-se acolher a comunicação como um termo
e um fenômeno plurissignificativo, onde inúmeras estratégias são
possibilitadas no campo político.
Nelson Russo de Moraes; Dorival Russo de Moraes | 39

2 A comunicação e a política

Sobre a composição do campo da comunicação, Hohlfeld em


seu artigo “Teoria da comunicação: a recepção brasileira das
correntes do pensamento hegemônico” (apud MELO, 2008, p.23),
destaca que McQuail (1997) alerta para a composição de conjuntos
de teorias relacionados de maneira geral ou específica aos
fenômenos comunicativos, tamanha a amplitude de significados
atribuídos à comunicação, assim no conhecido Introdução à Teoria
da Comunicação de Massas, indica quatro conjuntos de teorias
relativas à comunicação: a) as teorias acadêmicas ou de caráter
científico, onde o enfoque é a análise sistêmica da natureza,
funcionamento e mesmo os efeitos dos meios de comunicação de
massa; b) referentes ao saber operativo, que perpassa pelos
conhecimentos práticos; c) teorias generalistas, que por sua vez
tratam do uso e da recepção dos meios de comunicação; d) teorias
normativas, que direcionam a operacionalização dos meios de
comunicação.
Neste sentido, dentro do campo da comunicação, o acesso e a
troca de informações somente se estabelecem quando um canal é
aberto, e nos casos em que a conexão direta é impossível, os meios
de comunicação de massa mostram o todo ou parte da realidade,
segundo a sua ótica.
As pessoas somente conseguem enxergar a realidade e os
acontecimentos do mundo através dos meios de comunicação de
massa, que compõem as notícias, ou suas versões. Como se fosse
uma fresta da porta, que se entreaberta, possibilita o contato e a
comunicação parcial trazendo talvez a mostra concreta do que se
passa lá fora, assim, se a porta abrir um pouco as pessoas
enxergarão alguns elementos, se a abertura for momentânea e
rápida outra percepção será estabelecida, enfim, os mass media
podem mostrar uma pequena parte do mundo a partir de seu ponto
de vista (ou do ponto de vista de interesse).
40 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

Nas campanhas políticas, assim como nas matérias


jornalísticas, o framing traz em sua subjacência a organização de
termos e o arranjo de mensagens para direcionar a atenção do
público e a formação de sua opinião. Sobre isso, Scheufele (1999)
destaca que “a media constrói a realidade social através do
enquadramento de imagens da realidade”, apresentando ainda a
definição de Entman:

Enquadrar é selecionar alguns aspectos de uma realidade


percebida e fazê-los mais salientes em um texto comunicativo, de
forma a promover uma definição particular do problema, uma
interpretação casual, uma avaliação moral e/ou uma
recomendação de tratamento para o item descrito. (ENTMAN,
1993, p.52 apud SCHEUFELE, 1999).

Mas a comunicação somente seria passível de sofrer um


enquadramento após ser aceita para o consumo pelo público ou, em
outras palavras, ser agendada à vida do cidadão comum. Neste
sentido, preliminarmente, o agenda-setting precisa ser apresentado,
afinal dele deriva-se o que alguns autores denominam de seu
“herdeiro natural”: o framing ou enquadramento.

2.1 O agenda-setting e a construção do cenário mundial

O paradigma funcionalista apresenta os processos de ação


social sendo estruturados em sistemas, sendo que neles a
comunicação deve ser tomada como fundamento do processo de
interação social, expressado (segundo WOLF, 1995) na perspectiva
de Harold Laswell que dá destaque ao cunho intencional da
comunicação, através da qual as pessoas tentam influenciar o
comportamento de outras, por meio de diversos estudos e hipóteses.
Dentre estes estudos, o agenda-setting que destaca a
capacidade dos meios de comunicação de massa orientar o público
sobre o que pensar, é fortalecido e coaduna com a construção textual
em tela, uma vez que, segundo Shaw (1979), as pessoas possuem
Nelson Russo de Moraes; Dorival Russo de Moraes | 41

tendência de incluir em seus conhecimentos e rotinas


comunicacionais aquilo que os meios de comunicação de massa
incluem em seu conteúdo:

Em conseqüência da ação dos jornais, da televisão e dos outros


meios de informação, o público sabe ou ignora, presta atenção ou
descura, realça ou negligencia elementos específicos dos cenários
públicos. As pessoas tem tendência para incluir ou excluir dos seus
próprios conhecimentos aquilo que os mass media incluem ou
excluem do seu próprio conteúdo. Além disso, o público tende a
atribuir àquilo que este conteúdo inclui uma importância que
reflecte de perto a ênfase atribuída pelos mass media aos
acontecimentos, aos problemas, às pessoas (SHAW, 1979, 96 apud
WOLF 1995, 130).

Ainda segundo Shaw (1979) toma-se como pressuposto


fundamental para o agenda-setting o entendimento que grande
parte da realidade social das pessoas é fornecida pelos mass media,
neste sentido, observando-se a presença contínua do tema “sucessão
presidencial dos Estados Unidos” dentre os temas da media
internacional em 2008 e principalmente o destaque hierárquico
atribuído ao mesmo, notou-se um claro processo de agendamento
daquilo que o público iria pensar e posteriormente falar. Em outras
palavras, os meios de comunicação de massa teriam conseguido
direcionar a atenção do público mundial para o perfil dos candidatos
que disputavam as prévias eleitorais e posteriormente o grande
pleito de quatro de novembro do ano passado.
Concomitantemente às campanhas eleitorais, o agenda-
setting mundial acenava também para o cenário caótico dos anos de
2007 e 2008, efetivando-se em cobranças mais consistentes aos
Estados Unidos, tendo sido protagonizadas por pressões
ambientalistas quanto à necessária redução de emissão de dióxido
de carbono e sobre a decisão norte-americana de produzir etanol a
partir da cultura do milho, elevando-se potencialmente os preços do
alimento no mercado internacional, isso paralelamente às
42 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

desastrosas intervenções militares que minavam a imagem do então


presidente George W. Bush e aos novos posicionamentos militares e
humanitários que passavam a ser esperados junto à faixa de Gaza,
entre Israel e Palestina.
Nesta agenda produzida sugeria-se um novo perfil de
presidente para os Estados Unidos, que pudesse efetivamente
renovar a imagem, a credibilidade e por extensão a sustentação
político-econômica do país no cenário internacional. A candidata à
prévias democratas Hillary Rodham Clinton trazia, em sua imagem,
toda a representação da figura feminina, mas ainda assim se
excluíam (em grande parte) as mulheres consideradas negras ou
afro-descendentes, cuja opção era por Barack Obama, segundo
artigo “Política da Identidade da Mulher Negra: Barack Obama ou
Hillary Clinton”, de Niles Marnel, apresentado na 94º Convenção
Anual da National Communication Association – NCA, em
novembro de 2008 em San Diego – Estados Unidos.
No pleito final, o candidato pelo Partido Republicano John
Sydney McCain tinha sua imagem mesmo física relacionada
diretamente aos estilos de gestão anteriores de George W. Busch, Bill
Clinton, George Busch e Ronald Reagan, o que definitivamente
emperrava o arrebatamento de respostas ligadas às bases mais
populares e à comunidade afro-descendente, de maneira geral. Não
restavam dúvidas, a resposta social esperada para a agenda
planetária em curso era moldada à figura de Barack Obama, embora
seu perfil político fosse liberal, como Senador Democrata do Estado
de Ilinois.

2.2 O framing e a moldação do perfil ideal para a agenda


estabelecida

A argumentação central deste trabalho é de dar destaque à


participação dos mass media na formação de um molde do Senador
Barack Obama, para que pudesse responder de maneira mais
irrefutável aos anseios e ao desejo social em curso nos Estados
Nelson Russo de Moraes; Dorival Russo de Moraes | 43

Unidos, e que ainda respaldasse em boa representação junto às


comunidades de outros países, que recebem a influência do
agendamento e do enquadramento dado pelos meios de
comunicação de massa às eleições presidenciais norte-americanas
de 2008.
O método, ora adotado, não traz hipóteses a serem ou não
comprovadas, mas a partir de estudos de artigos relacionados ao
processo de fortalecimento da imagem de Barack Obama e da
participação dos mass media neste cenário, bem como de matérias
jornalísticas sobre o mesmo, no âmbito da agenda pré-disposta,
evidenciar o enquadramento de alguns elementos do seu perfil que
se adequariam ao desejo social.
Adentrando agora, de maneira mais centrada, à construção da
imagem de Barack Obama, perpassando tanto pelo agenda-setting
como pelo framing, primaz destacar o relevante papel dos meios de
comunicação ao alcançar as pessoas de maneira massiva e se
disseminar as suas mensagens e enfoques de modo pulverizado,
sobre isso Colling (2001) destaca:

Os estudos sobre o agenda-setting ganham cada vez mais


importância, justamente porque os meios de comunicação de
massa assumem um papel fundamental na disseminação das
informações no mundo contemporâneo. Ainda que a comunicação
interpessoal tenha o seu papel, atualmente, é difícil que um grande
número de pessoas fique sabendo de um acontecimento somente
através das conversas com seus familiares, amigos ou colegas de
trabalho. (COLLING, 2001, p. 92).

Considerando a importância dos meios de comunicação em


uma campanha política, há que se destacar a efetiva relevância da
correta escolha destes, de acordo com a estratégia e a amplitude do
pleito. As pesquisas desenvolvidas em 1976 por McClure e Patterson,
segundo WOLF (1995, p.133-140) sobre a campanha presidencial
norte-americana de 1972 trouxeram comparações importantes
sobre o meio televisivo e os meios de comunicação impressos
44 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

(destacadamente jornais), evidenciando que em muitos casos o


volume de propaganda não se efetivara em conquista do eleitorado.
Como aspectos justificatórios para este evento, McClure e
Patterson destacaram a brevidade, heterogeneidade e até o
condensamento das mensagens televisivas, principalmente pelos
custos da operação, enquanto os meios tradicionalmente usuais e de
linguagem escrita traziam mais conteúdos e detalhamentos, o que
facilitava sua persuasão junto ao público, melhor
instrumentalizando o framing (embora o enquadramento ainda não
se constituísse em objeto de pesquisa dos cientistas da
comunicação).
Estabelecendo-se os parâmetros contextuais entre os anos de
1972 e de 2008, aspectos como o acesso ao meio televisivo e o
barateamento do processo poderiam talvez reverter o cenário frente
aos meios impressos, mas já na virada do século XX, o advento da
internet colocaria à sua mercê também as estratégias de
comunicação política, evidenciando a importância dos estudos
acerca das relações estabelecidas entre a política e os mass media.

2.3 O fenômeno da comunicação instantânea e a transformação


da política

A alteração da centralidade do instrumento principal das


campanhas políticas, em curso desde o fortalecimento dos estudos
da comunicação na década de 1970, cristaliza-se inclusive no perfil
dos profissionais e no rol de competências necessárias ao
desenvolvimento de campanhas políticas que, como destaca Gomes
(2004), passa a contar com elementos novos que multiplicariam os
efeitos finais das campanhas, como o web-site e toda uma nova
leitura dos conteúdos e mensagens para que estes pudessem
trafegar pela rede mundial de computadores e também pelos
sistemas de telefonia celular, multiplicando-se pela esfera da
comunicação de massa:
Nelson Russo de Moraes; Dorival Russo de Moraes | 45

As competências solicitadas incluem organização de equipes,


levantamento de dados, pesquisas de opinião, administração do
dia-a-dia da campanha, estratégias, criação e disseminação de
mensagens, escritura dos discursos, contato por telefone com
eleitores, coordenação dos voluntários, correspondência, corpo-a-
corpo, criação e manutenção de web sites, produção para a
comunicação de massa. [...]. Trata-se da colocação desses
conteúdos, mensagens e materiais na esfera da comunicação de
massa, superando os seus selecionadores e alcançando todos os
nós das variadas redes de comunicação. (GOMES, 2004, p.74).

Neste viés a campanha presidencial de Barack Obama,


segundo analistas de comunicação política faria uma marca
histórica: o estabelecimento de uma rede social regida pelo web site
oficial e desdobrada por uma infinidade de oportunidades que
surgem a partir deste ambiente comunicacional.
Os desdobramentos das instrumentalidades da nova política
na era da comunicação de massa, citados por Gomes (2004) se
concretizaram nas mudanças trazidas pela campanha Barack
Obama a partir de sua sustentação pela rede mundial de
computadores, que por sua vez, são tão imensas que perpassam pela
doação on-line, site personalizável, encadeamento de comunidades
virtuais, twitters, blogs, loja virtual, fórum e chats on-line, sinal
próprio de TV e site móvel para uso em celulares, chegando – senão
a todas as pessoas – àquelas que passaram a assumir papel de
referência informativa como líderes de opinião, sendo estes, por sua
vez, decisivos para a multiplicação das mensagens àqueles com
menor exposição aos meios de comunicação de massa.
O trabalho desenvolvido por Lazarsfeld, Berelson e Gaudet,
realizado em Ohaio/EUA em 1944, acerca das eleições presidenciais
de 1940, denominado “The People’s Choice. How the Volter Makes
up his Mind in a Presidential Campaign” (A Opção das Pessoas:
como o eleitor elabora suas próprias decisões numa campanha
presidencial), destacara a importância de se considerar o fluxo da
comunicação em dois níveis (two-step flow of comunication),
46 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

elevando o papel decisivo dos líderes de opinião na decisão de


grandes pleitos eleitorais.
Considerando a forte utilização dos mass media pautada nas
tecnologias de informação e comunicação de ponta, a campanha de
Barack Obama teve como principal atributo a inovação da rede de
apoio (formada por multiplicadores) pautada sobre a rede mundial
de computadores, sendo referenciada por muitos pesquisadores de
comunicação política como “campanha 2.0”, tão alto grau
tecnológico utilizado àquela época.

2.4 As diversas possibilidades de enquadramento e re-


enquadramento na política

Outro aspecto bastante interessante da campanha


presidencial norte-americana de 2008, em especial de Barack
Obama, foi a condução da discussão racial, que ocorreu durante toda
a campanha, mesmo na ausência de debates ou discursos diretos do
candidato sobre este tão complexo assunto.
Durante sua campanha presidencial, Barack Obama, assim
como outros candidatos, fugira das grandes discussões acerca da
questão racial, evidenciando uma – talvez não proposital – estratégia
de evocar em sua rede de apoio (todas as pessoas ligadas direta ou
indiretamente à sua campanha) e também nos líderes de opinião, a
missão voluntária de causar o enquadramento que, devido ao teor
histórico, era irreversível: a possibilidade de eleição do primeiro
presidente negro dos Estados Unidos.
Neste sentido, ainda na busca de fortalecer a agenda mundial
em torno das eleições norte-americanas, os mass media buscavam
incessantemente ressaltar pequenos deslizes e falas de eleitores
convictos que empunhavam livremente seu direito de escolher seu
candidato tomando qualquer critério, mesmo sendo este a cor da
pele do futuro presidente. Os bastidores e os enfoques jornalísticos
evidenciavam preferencialmente brancos como eleitores de John
Nelson Russo de Moraes; Dorival Russo de Moraes | 47

MacCain e negros em discursos de Barack Obama, por meio de


tomadas e entrevistas durante discursos ou ações de apoio público.
O ponto alto do processo de enquadramento, dado pelos
meios de comunicação de massa, seriam os discursos inflamados do
Reverendo Jeremiah Wright, que evocara a existência contínua da
discriminação racial nos Estados Unidos e que brancos continuavam
marginalizando e instalando subserviência racial aos negros. Porém,
em 18 de março de 2008, em seu único discurso sobre a questão
racial, Barack Obama descartara a fala de abrandamento das
provocações ao voto racial polarizado, conclamando à unidade,
conforme pode-se observar em seu discurso, traduzido e publicado
na Folha de São Paulo no dia seguinte:

Ao longo do primeiro ano desta campanha, contrariando todas as


previsões em contrário, nós vimos o quanto o povo dos Estados
Unidos está faminto por essa mensagem de unidade. A despeito da
tentação de ver minha candidatura exclusivamente pela lente da
raça, conquistamos vitórias incontestáveis em Estados nos quais a
população branca é das maiores no país. Na Carolina do Sul, onde
a bandeira confederada continua a ser desfraldada, construímos
uma poderosa coalizão entre negros e brancos. Isso não implica
dizer que a raça não tenha desempenhado um papel nessa
campanha. Em diversos momentos, houve comentaristas que me
definiram como negro demais ou negro de menos. Vimos a tensão
racial borbulhar à superfície na semana da primária da Carolina
do Sul. A imprensa vem vasculhando todas as pesquisas de boca
de urna em busca dos mais recentes indícios de polarização racial,
não só em termos de negro e branco mas de negro e marrom
igualmente. E no entanto foi apenas nas duas últimas semanas que
a discussão da raça se tornou assunto especialmente divisivo, nesta
campanha. De um lado do espectro, ouvimos implicações de que
minha candidatura representa de alguma forma um exercício de
ação afirmativa; que ela se baseia apenas no desejo dos liberais
deslumbrados de adquirir reconciliação racial a baixo preço; de
outro, ouvimos meu antigo pastor, o reverendo Jeremiah Wright,
empregando linguagem incendiária a fim de expressar opiniões
que não só poderiam alargar a cisão entre as raças como também
denigrem a grandeza e a bondade de nossa nação, e que ofendem
48 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

deliberadamente tanto brancos quanto negros.(Folha de São


Paulo, 19 de março de 2008).

Por fim, ressalta-se que as inflamadas mensagens de Jeremiah


Wright foram lançadas no site Youtube, trazendo outro elemento à
construção desta campanha eleitoral, que pode exemplificar a
novíssima face da política frente ao advento comunicacional da
internet: a rápida fluidez de mensagens que podem
instantaneamente reverter processos de enquadramento
estrategicamente mitigados ou construídos a partir dos interesses
dos mass media.

3 Considerações finais

Importantes constatações podem ser observadas a partir da


construção deste trabalho, que traz em seu bojo o alinhamento de
fundamentações teóricas da comunicação e fatos observados nas
eleições presidenciais norte-americanas de 2008, veiculados pelos
meios de comunicação de massa e debatidos dentre os cientistas de
comunicação, através de pesquisas e artigos.
A princípio, podem-se reafirmar as perspectivas de Fagen
(1971 apud GOMES 2004, p.20) de que “a comunicação como
processo penetra a política como atividade” e que também pode-se
afirmar nesta relação que “mesmo quando não é imediatamente
óbvio, podemos descrever muitos aspectos da vida política como
tipos de comunicação”.
Outro elemento que fica ratificado, nas eleições norte-
americanas de 2008, é que os preceitos levantados por Lazarsfeld,
Berelson e Gaudet sobre as eleições presidenciais de 1940 são
perfeitamente enquadrados, embora com a potencialização dada
pelas novas tecnologias de comunicação, no que diz respeito à
importância estratégica dos líderes de opinião, que aqui se somam à
toda rede de apoio (militantes e pessoas ligadas diretamente à
campanha de Barack Obama).
Nelson Russo de Moraes; Dorival Russo de Moraes | 49

Ademais, o agenda-setting fora extremamente evidenciado


junto aos meios de comunicação de massa, criando um campo de
convergência entre expectativas norte-americanas e mundiais,
desgaste da imagem do atual governo e a importância desta eleição
presidencial dos Estados Unidos.
Por fim, podem-se observar de maneira prática os diversos
níveis possibilitados ao framing ou enquadramento, desde o enfoque
e o recorte noticioso, às percepções dos líderes de opinião, como a
desastrosa fala do Reverendo Jeremiah Wright, até o re-
enquadramento próprio de um público que tem, de maneira
crescente, buscado informações em fonte seguras e pouco
tendenciosas.
Deste trabalho de pesquisa e construção bibliográfica
evidencia-se, a partir das eleições presidenciais norte-americanas de
2008, a relevância do aprofundamento científico das relações entre
a política enquanto atividade, dentro da comunicação enquanto
processo, dentro das academias, nos artigos, teses e em debates nos
congressos de comunicação.

Referências

COLLING, L. Agenda-setting e framing: reafirmando os efeitos limitados. Revista


Famecos. Porto Alegre/RS, nº14, abril de 2001, p.88-101.

DAVIS, D. Social desirability and racial framing of Barack Obama and the
hypothetical Black president. 31ª Convenção Anual da International
Society of Political Psychology (09-12 jul.) Paris/França. Disponível em
<http:// www.allacademic.com/meta/p256022_index.html >. Acesso em
03 de janeiro de 2009.

FOLHA DE SÃO PAULO. Discurso de Barack Obama sobre questão racial.


Disponível em
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u383130.shtml>.
Acesso em 03 de janeiro de 2009.
50 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

HOHLFELD, A. Teoria da comunicação: a recepção brasileira das correntes do


pensamento hegemônico. O campo da comunicação no Brasil (MELO, J.
organizador). Petrópolis/RJ: Vozes, 2008.

MARNEL, N. Política da identidade da mulher negra: Barack Obama ou Hillary


Clinton. 94ª Convenção Anual da National Communication Association –
NCA (Nov.2008) San Diego/EUA. Disponível em
<http://www.convention3.allacademic.com/one/nca/nca08>. Acesso em
04 de janeiro de 2009.

RUDIGER, F. Introdução à teoria da comunicação. São Paulo: Edicon, 2004.


SCHUELFELE, D.A. Framing as a theory of media effects. Journal of
Communication, 49 (1), 101-120.

SILVA, W.G. Transformações da política na era da comunicação de massa. São


Paulo: Paulus: 2004.

WOLF, M. Teorias da comunicação. Lisboa/Portugal: Editora Presença, 1995.


Capítulo 3

A midiatização não existe: digressões


possíveis da teoria da comunicação
Vilso Junior Santi1
Leila Adriana Baptaglin2

1 Introdução

Este trabalho, aos moldes de Feyerabend (1993, p. 11), tenta


sustentar uma tese e dela extrair suas consequências (SILVA, 2010,
p. 22). Nossa tese postula que, no Campo Comunicacional, a
Midiatização não pode ser tomada enquanto construto teórico-
metodológico independente das discussões próprias das Teorias da
Comunicação.
Para ilustração da presente tese, optamos por retraçar um
mapa acerca do construto teórico da Midiatização. Isto calcado na
busca pela resposta da seguinte problemática geral: pode a armação
configurar uma Teoria própria, independente das Teorias já

1
Docente do Curso de Graduação em Comunicação Social-Jornalismo e do Programa de Pós-
Graduação/Mestrado em Letras da Universidade Federal de Roraima. Doutor em Comunicação Social
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Coordenador do Grupo de Estudos e
Pesquisas Ama[Z]oon. E-mail: vilso.santi@ufrr.br
2
Docente do Curso de Graduação em Artes Visuais e do Programa de Pós-Graduação/Mestrado em
Letras da Universidade Federal de Roraima – UFRR. Doutora em Educação pela Universidade Federal
de Santa Maria/RS (2014). Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Patrimônio, Arte e
Cultura na Amazônia – GPAC. E-mail: leila.baptaglin@ufrr.br
52 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

existentes, para produção de conhecimento científico em


Comunicação?
Dão suporte à análise, além do texto Antropológica do
espelho: uma teoria da comunicação linear e em rede, publicado em
2002 por Muniz Sodré de Araújo Cabral, as obras coletivas
organizadas por Fausto Neto et al. em 2008a e 2010a. E, mais alguns
dos desenvolvimentos principais acerca da temática divulgados
depois dos anos 2000. As discussões de autores como, por exemplo,
Mazzoleni & Schulz (1999), Schulz (2004), Hepp et al. (2008),
Hjarvard (2008), Strömbäck (2008) e Lundby (2009), que têm
vasta produção acerca do termo Mediatization, também foram
consideradas nesta discussão.
Para construir essa interlocução tentamos não repetir
métodos. Construimos um itinerário semeado sobre o solo exposto
por uma prévia análise exploratória; que emergiu por entre as
brechas da historicização; e ganhou corpo com a análise
comparativa que realizamos.
A análise exploratória esteve relacionada a um esforço
primeiro de acesso e catalogação dos estudos que circulam no Brasil
e que têm as discussões de Midiatização como problemática central.
Nela, inspirados em Duarte (2007), utilizamos a revisão de literatura
como técnica de investigação e os seguintes indicadores descritivos
como instrumentos de observação: quem é o autor e a quem se
dirige; como entende e desde onde estuda a comunicação; quais suas
propostas teórico-metodológicas; e quais os ponto
críticos/criticáveis de sua abordagem.
A historicização, segundo passo em nossa caminhada
metodológica, serviu para recuperar retrospectivamente as matrizes
teórico-metodológicas que formaram a Midiatização; para
emprestar estrutura aos seus construtos; para torná-los visíveis e,
assim, mais sugestivos. Tal operação permitiu observar o
desenvolvimento do seu edifício; ilustrar seus movimentos de
formulação/reformulação e acompanhar a sucessão gradual de suas
transformações.
Vilso Junior Santi; Leila Adriana Baptaglin | 53

A partir daí buscamos linhas reorganizadoras dos


argumentos; guias marcadores das conexões e desconexões, das
convergências e divergências entre os construtos da Midiatização.
Nesta etapa (análise comparativa) trabalhamos no desenho de um
paralelo teórico, no esboço de um mapa relacional entre os modelos
conceituais dos construtos manejados.
Nosso procedimento envolveu, portanto, uma estratégia
específica: uma etapa de análise preliminar (exploratória); uma
etapa de análise situada historicamente (historicização); um estágio
de reordenamento das discussões e confronto entre os pontos de
vista admitidos como relevantes. Tal itinerário permitiu estender os
limites dos construtos da Midiatização e testar até que ponto eles
continuam válidos naquilo que se propõe: tematização do
comunicacional.

2 Midiatização, o que e?

Na América Latina o conceito de Midiatização já vinha sendo


desenvolvido por Mata (1999) como expressão de uma espécie de
reconfiguração da cultura midiática em direção a uma nova
racionalidade produtora de sentido; e também por Verón (1998),
como processo complexo (contemporâneo) das lógicas que operam
nas relações de produção de sentido, cada vez mais afetadas pelos
meios e pelos produtos da mídia, e regido por processos mercantis
de câmbio de bens simbólicos.
Porém, em Muniz Sodré (2002, p.21) a Midiatização assume
outro caráter. Para o autor ela passa a dizer respeito à tendência de
“virtualização” (ou “telerrealização”) das relações humanas, e está
presente na articulação do funcionamento institucional com as
pautas individuais que as tecnologias de comunicação patrocinam.
Diante da sua variabilidade, optamos por trabalhar no
desenvolvimento de uma apresentação cronológica própria para a
Midiatização a fim de que, através dela, possamos melhor entender
os desígnios desta armação e dos seus postulados. Nessa construção,
54 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

os tipos de Midiatização que elencamos (Midiatização de primeira


ordem; Midiatização de segunda ordem; e, Midiatização de terceira
ordem) estão relacionados intimamente às etapas de
instalação/apropriação do conceito por entre os estudos do
comunicativo.
No cercamento de tais ordens, primeiro atestamos sua
vinculação com um tipo particular de organização social, depois
buscamos sua forma de tratamento da mídia e do midiático; e, por
último, sua particular definição de Midiatização.
Na Midiatização de primeira ordem (em sua primeira
paisagem) destacamos a imbricação dos postulados para com a
chamada “sociedade midiática” – aquela caracterizada pela
existência dos meios de comunicação (VERÓN, 2004) – e na qual as
mídias se distinguem por sua “centralidade” e “protagonismo”
(MATA, 1999).
Os meios, nessa organização, estão a serviço do arranjo de
novos processos de interação entre os campos sociais, conforme os
preceitos de uma espécie de prática de “regime representacional”
(RODRIGUES, 2000) – aspecto que aponta para a autonomia
relativa de que dispõem tais ferramentas face à existência dos
demais campos e suas dinâmicas.
É, na verdade, na passagem da sociedade dos meios (marcada
pela atuação dos instrumentos de mídia na intermediação da
interação e na regulação ritual entre os campos sociais) à sociedade
midiática (na qual a mídia passa a ser tomada como produtora de
real) que se estabelecem os primeiros debates acerca da ideia de
Midiatização.
Segundo Verón (1997), a mídia nesse contexto ocupa um
lugar central e faz a intermediação entre os campos e seus atores.
Mídia nesse tempo ainda é meio – faz mediação entre A e B. Refere-
se a um instrumento de representação do real. Ela diz respeito a um
conjunto de meios técnicos que dão forma a um contorno particular
de comunicação.
Vilso Junior Santi; Leila Adriana Baptaglin | 55

Nesses primeiros tempos da Midiatização, conforme


Rodrigues (2000; 2001), as mídias desempenham um papel
regulatório e o campo por elas constituído (o campo midiático)
possui apenas uma autonomia relativa. Num movimento de
abertura e abarcamento, a mídia passa a ser vista como nuclear,
extrapolando suas formas de funcionamento (expandindo suas
lógicas) para as demais esferas do social.
Nessa etapa o princípio do comunicar sofre influência, mas
não chega a ser modulado integralmente pelo midiático. A análise
comunicacional aí ainda se dá através dos meios, dos seus marcos
institucionais, e o objeto das análises em comunicação (de forma
muito restritiva) continua sendo a mídia. Em outras palavras, o que
esta etapa da discussão acerca da Midiatização realiza é reafirmar a
centralidade dos meios, da mídia e do seu campo de atuação.
Essa ordem da Midiatização ainda concebe o ato comunicativo
como um processo constituído por instâncias separadas e que em
determinado momento se põem em relação. Ela também se assenta
e manipula com uma visão representacional do mundo e com o
papel de representante dos meios. Portanto, a abordagem da
primeira ordem da Midiatização ainda considera o campo das
mídias como mediador.
Porém, é a partir dela que se possibilita começar a visualizar
o midiático como centro da ordem social, como mobilizador de
sentidos comuns e como uma nova forma de experiência do mundo.
É esse enfoque que aponta os primeiros indícios daquilo que depois
virá a ser qualificado como sociedade midiatizada.
A partir daí a discussão avança rumo à autonomização do
campo midiático, o que de certa forma já antevê uma nova ordem
para as discussões. Como bem lembra Fausto Neto (2006a), com o
avanço dos debates acerca da Midiatização aprofunda-se essa
compreensão e se busca mostrar que o trabalho das mídias já não
mais se restringe a “construir a realidade”, mas também evidencia
o que depois se chamou “realidade dessa construção”.
56 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

Nesse novo degrau a Midiatização já não trata mais de enfocar


a tarefa representacional das mídias, mas, antes, de trazer para o
centro dos debates as suas formas de produção de realidades,
descrevendo ao mesmo tempo, os mecanismos produtivos que as
engendram. Na sociedade midiatizada (típica da segunda ordem),
Midiatização passa a ser o processo de referência que organiza a vida
social. Nela se configura um novo ambiente social, sustentado por
práticas e lógicas distintas da forma de organização social anterior.
Nessa organização o social é marcado pela intensiva inscrição
das tecnologias e pelas transformações que elas patrocinam no
ambiente societário. O funcionamento deste arranjo tem como
referência a força da existência dos meios (como na ordem anterior),
mas agora suas práticas significantes (a dos meios) passam a afetar
a realidade das práticas sociais – mesmo que de distintos modos e
intensidades – passam a afetar a realização das mais distintas
práticas cotidianas.
Inaugura-se, com a sociedade midiatizada, um novo
paradigma - o da conexão. Na sociedade midiatizada, a mídia deixa
de ser caracterizada como um meio técnico e passa a ser tomada
como elemento que organiza o fluxo e o andamento da vida social
em seu tempo, em seu espaço e em sua estética.
A configuração da sociedade midiatizada permite assim
densificar a problematização da relação
representação/apresentação da realidade. Com ela se começa a
perceber a chamada falência da representação e a correlata ascensão
da apresentação como agente configurador de uma nova era.
Nesse debate, ao se admitir o sucumbir da representação,
admite-se também a falência da noção de mídia enquanto
dispositivo mediador (limitado a promover interações entre atores
e campos sociais distintos). Inicialmente “dispositivos de
representação do real”, os meios passam à categoria de “instâncias
de produção das realidades”, para, finalmente, neste segundo
degrau da Midiatização, se converterem em “sujeitos organizadores
da própria vida social e simbólica” (FAUSTO NETO, 2004, p. 25).
Vilso Junior Santi; Leila Adriana Baptaglin | 57

A mídia, a partir de então, não é mais concebida como suporte


material ou um meio técnico, é antes tomada como dispositivo –
como um lugar complexo constituído de materialidades e
subjetividades que orientam, hierarquizam e co-determinam os
sentidos (MOUILLAUD, 1997).
Conforme Fausto Neto (2004, p. 25), a mídia, nesta segunda
ordem de Midiatização, funciona como “sujeito organizador” da
própria vida social e simbólica. Os meios passam a atuar na
instituição de processos de “re-encantamento do mundo”, os quais
se fazem menos conforme as representações clássicas, e mais
segundo uma nova “vivência apresentativa”. O campo das mídias aí
se converte em dispositivo que, além de narrar, age sobre o espaço,
colocando em funcionamento estratégias que apontam novos
caminhos para as práticas sociais (MUNIZ SODRÉ, 2002, p. 23).
Consequentes à introdução de referências cada vez mais
explícitas ao ambiente – ao meio-ambiente ou à ambiência midiática
– surgem então as discussões da terceira ordem da Midiatização.
Tais debates aparecem vinculados à ideia de sociedade da
Midiatização ou da Hipermidiatização. Nela, em comparação com os
demais ordenamentos, o que conta decisivamente são os resultantes
do processo (o que ele gera) e o ecossistema que configura.
Conforme Luchessi (2010, p. 94), esse cenário ocasiona uma
“ruptura” com as lógicas midiáticas que até então imperavam. Para
a autora é através das fendas abertas por esta ruptura que se pode
pensar a chamada Hipermidiatização – processo derivado, mas
distinto, da ideia de hiperinformação.
Em tempos de Hipermidiatização, cria-se uma “nova
atmosfera social” (um novo bios, um novo ecossistema), fora do qual
não é mais possível viver. Nessa sociedade o que muda não são
apenas os processos midiático-comunicacionais, mas também a
forma de acesso, estudo e problematização desses processos.
Na Midiatização de terceira ordem a análise do
comunicacional muda de ordenamento (de estrato e de estado) –
58 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

não se dá mais a partir do meio, nem dos seus processos, mas a


partir da própria atmosfera que o regula e constitui.
Os dispositivos tecnomidiáticos nessa esfera são tomados
como a ponta visível do iceberg, o agente indicador de um novo
mundo, de uma mudança epocal configurada pelo agravamento do
processo de Midiatização. Nessa nova época o bios midiático passa a
incidir profundamente no tecido social, o que ocasiona o surgimento
de uma nova ecologia comunicacional, intimamente relacionada a
outro modo de ser e estar no mundo.
No novo ambiente configurado não existem, portanto, mais
entes internos ou exteriores. Produção e consumo não são mais
mediados, mas constituídos nesta nova ambiência. Nela o midiático
não se relaciona apenas aos suportes tecnológicos, ele se converte
na própria realidade – e é tomado como substitutivo dessa realidade.
Nesta etapa também assumem importância fundamental as
ideias de fluxo e circulação; assumem importância os dispositivos de
fluxo e circulação – não só de materialidades, mas também de
imaterialidades (das operações de produção de sentido). Pois,
segundo Fausto Neto (2006a), é na “esfera da circulação” e no
âmbito das condições em que esta se realiza que as realidades são
afetadas pela Midiatização. É nela e por ela (circulação) que se
produzem novas formas de interação.
Problematizar este espaço possibilita, portanto, vislumbrar
além dos chamados “atos sociais da comunicação”, ver suas redes
tecidas e retecidas; além dos vínculos, enxergar o fluxo efetivado por
entre elas. Nesta ordem de Midiatização a circulação é tratada como
um “terceiro”, como um “novo lugar de produção, funcionamento e
regulação de sentidos” – como uma “zona de indeterminação” na
qual, no lugar das regras, emergem estratégias e cujas lógicas
apontam mais para diferenças do que para convergências (FAUSTO
NETO, 2010b, p. 60-62).
Conforme Muniz Sodré (2002, p. 21), aí Midiatização pode ser
tomada como “tendência à virtualização das relações humanas”,
presente na articulação do funcionamento institucional e nas pautas
Vilso Junior Santi; Leila Adriana Baptaglin | 59

individuais das tecnologias de comunicação. Midiatização é,


portanto, uma ordem (virtual) socialmente realizada, que dá ênfase
a um tipo particular de interação (as tecnointerações),
caracterizadas por uma espécie de prótese tecnológica da realidade
sensível.
Com esse debate é possível identificar, enfim, que o processo
de Midiatização ao longo do seu desenvolvimento e instalação no
Brasil e na América Latina tem pelo menos duas modulações
hegemônicas: uma relacionada à Midiatização de formas não
midiáticas (primeira ordem da Midiatização), e outra que torna
visível a substituição de determinada atividade social por uma forma
própria, originária das Mídias, e que antes não existia (segunda e
terceira ordens da Midiatização).

3 Comunicação na midiatização (e vice-versa)

Os subsídios que a armação da Midiatização nos oferece são


importantes para repensar, além do processo de comunicação, todo
o seu campo de estudos. No construto da Midiatização, em especial
na Midiatização de primeira ordem, percebemos que ainda é
flagrante a vinculação das discussões comunicacionais com o
processo informacional (com a informação). Comunicação nesta
fase ainda é pensada como um sistema sustentado pela articulação
entre distintos momentos.
O comunicativo aí é tomado à margem (como tema), pensado
em um sentido genérico e problematizado de maneira tradicional.
Nessa fase da Midiatização o amálgama da comunicação apresenta
certa esquizofrenia e é traduzido em uma concepção instrumental
fortemente vinculada ao ideário centralizador dos meios ou da
mídia.
É a teoria da informação que nesse contexto abastece as
discussões. Ela define (ou identifica) comunicação como simples
processo de transmissão. Esse pressuposto, em um primeiro
momento, fornece conceitos claros mas delimitações metodológicas
60 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

estreitas que ajudam a Midiatização a configurar uma proposta


coerente (mas não suficiente) para análise do comunicativo.
Nesta etapa, a separação entre os universos da produção e do
consumo limita a formulação doas problemáticas em comunicação.
Nesta fase, tudo aquilo que não se reduz à informação torna-se
impossível à discussão comunicacional – seja porque não cabe no
esquema, seja porque introduz uma assimetria tal entre os códigos,
capaz de implodir a linearidade em que está baseado o modelo. Este
arquétipo, oriundo da cibernética, assenta-se na simetria entre os
entes envolvidos no processo comunicativo e fragmenta tais entes
em momentos segregados e distintos. Essa concepção dessocializa o
ato de comunicação, abstraindo-o do contexto social.
Com o avanço dos debates e o desenvolvimento das ordens
subsequentes de Midiatização, a discussão da comunicação se
complexifica. No entanto, uma nova pergunta acerca do
comunicacional só aparece mais tarde e acompanhada pelo
questionamento da centralidade do midiático e da informação no
interior do midiático. Ela só ganha corpo quando se põe em dúvida
as contribuições dos processos midiáticos para a definição do
estatuto da comunicação e quando se indaga quais as consequências
das tecnologias (midiáticas) de comunicação na vida das pessoas.
A comunicação a partir de então começa progressivamente a
se diferenciar (e a ser diferenciada) daquilo que afirmam os modelos
mecânicos de transferência de informação. Comunicação, portanto,
com o avançar das discussões acerca dos distintos ordenamentos da
Midiatização (embora tributária do paradigma cibernético-
informacional), não é mais tomada como mero processo de
transmissão de mensagens através do intercâmbio de símbolos ou
por meio de canais transportadores de sinais.
Esta complexificação das discussões apresenta novos desafios
à investigação. Dentre eles, a retomada das pesquisas sobre os
fenômenos de produção de sentido, que a partir de certo momento
são guindados à cena central das discussões; a problematização das
múltiplas práticas significantes e suas diferentes discursividades; e,
Vilso Junior Santi; Leila Adriana Baptaglin | 61

a discussão da relação dos velhos meios com os novos protocolos das


tecnologias de comunicação. O conceito de produção de sentido é
tomado então como uma noção indicativa desse deslocamento – que
força a migração dos debates acerca do comunicacional das
fronteiras e angulações estritas pela informação para as condições
linguísticas de “transformação da língua em fala” (VERÓN, 1998).
Essa perspectiva é central para compreender a Midiatização,
a partir do seu terceiro ordenamento, partindo de outro viés – o viés
das materialidades significantes. Com a mirada nas materialidades,
a linguagem se torna indissociável do dispositivo onde se inscreve,
pois sua existência passa a requerer, além do código, a observância
da tecnologia e das suas interações.
Tal construto permite vislumbrar àquilo que alguns autores
chamam de análise multidimensional dos processos de produção de
sentido em comunicação. Os desenvolvimentos conceituais
apresentados nessa linha estão no marco da teoria da
multimodalidade discursiva desenvolvida por Kress & Van Leeuwen
(2001).
Portanto, a partir dessa ordem, o conjunto de práticas
comunicativas que a Midiatização se propõe analisar se constitui a
partir da estabilização dos significados sociais – configurando
procedimentos que dão conta de explicar a maneira como um
discurso dado e historicamente situado, constrói saberes coletivos.
Segundo Vizer (2008; 2010), essa discussão permite pensar a
produção de sentido além dos seus limites, sugerindo a configuração
de um modelo analítico integrado e de natureza tridimensional –
que considera, ao mesmo tempo, referência, inter-referência e
autorreferência (para o autor, as três dimensões da ação
comunicacional).
Reconhecemos, no entanto, que há sim certa confusão na
incorporação destes debates pela armação da Midiatização. Porém,
entendemos que mesmo estas contribuições parcializantes são
importantes à configuração do seu edifício. A discussão aponta que
esses ganhos têm relação especialmente com a tomada do fenômeno
62 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

da comunicação enquanto processo social e da comunicação em si


enquanto práxis sociotécnica.
Na Midiatização, porém, é inegável que, independente do
ordenamento, o midiático condiciona de modo intenso e persistente
o conjunto de processos identificados como de comunicação. No seu
edifício esta é uma constante. Nela o comunicacional está
relacionado a um conjunto particular de objetos (os objetos
midiáticos) e é particularmente fixado em um tipo especial de
produto (os produtos da mídia).
É verdade que as discussões da comunicação na armação da
Midiatização não são reduzidas ao midiático. Mas, nessas condições,
tais debates apontam para uma reflexão que se instala (pelo
midiático).
Para Fausto Neto (2006b, p. 161), a comunicação estruturada
pelos processos de midiatização reúne, para sua realização, o ato
comunicacional propriamente dito, o sujeito, os instrumentos do
trabalho comunicativo e também as situações condicionantes. Por
isso que nessa esteira só se pode falar em "processos comunicativos"
que se entrelaçam e são co-determinados entre si.
A percepção dessa instância de co-determinações é
particularmente importante na configuração das discussões acerca
do comunicacional na armação da Midiatização. Comunicação aí não
é mais só definida pela complexidade intrínseca e pelo
funcionamento da matéria significante, nem somente pela noção de
intencionalidade – aspecto sobre o qual repousaria sua
incompletude. Ela, uma vez que tem no centro uma relação de
intersujeitos, é definida por uma relação de co-enunciação.
Nesta relação de co-enunciação o “encarceramento” do
sentido é impossível - uma vez que, quando posto em
funcionamento, ele se desloca e se instala pelas chamadas “zonas de
pregnâncias” – as quais geram novas enunciações e distintos efeitos
de sentido. Fausto Neto (2007b, p. 78) aponta assim que, em lugar
do controle, a comunicação aí se desdobra em “feixes de relações”,
com intervalos e defasagens que lhe são próprios.
Vilso Junior Santi; Leila Adriana Baptaglin | 63

A reflexão nesses termos – da comunicação enquanto


enfeixamento de operações enunciativas através das quais as mídias
se põem em contato com universos outros – impacta diretamente
sobre as discussões acerca do fenômeno midiatizador. Pois, segundo
o próprio Fausto Neto (2007a, p. 07), ao converter a comunicação
em acontecimento, a mídia (via Midiatização) “inscreve no processo
comunicativo seus próprios atos discursivos”.
Para Fausto Neto (2008b, p. 53) isso transforma o modo de
fazer da mídia em uma espécie de “acontecimento singular”,
espraiando o seu modo de dizer enquanto trabalho enunciativo de
referência. Entendida nesse contexto como uma “forma de ação”, a
enunciação midiática passa a impor novos desafios ao trabalho de
sua problematização (FABBRI, 1999).
A comunicação assume aí uma nova importância, enquanto
dispositivo de produção de realidades – dimensão antes difícil de ser
visualizada. Ela, porém, não se esgota nos dispositivos. O
comunicativo antes assume os nuances de processo e o processo de
comunicação às noções de circularidade e fluxo como centrais.
Assume as processualidades como locus primeiro de acontecimento
e realização.
No entanto, a Midiatização (principalmente a Midiatização de
primeira ordem) também pode ser tomada como uma estratégia de
análise que fragmenta o social e coloca as técnicas como
determinantes dos processos comunicativos. Assim, ela ainda marca
o comunicacional por sua verticalidade (via mitificação da
tecnologia), o que coloca em xeque o potencial contributivo da
armação. O componente técnico (que é saliente na Midiatização) é
assumido como determinante histórico confundindo (e até
reduzindo) o comunicacional com seu aparato.
Nos demais ordenamentos da Midiatização, porém, em
acordo com o que postulam Dias & Mendez (1999, p. 105), os
dispositivos tecnológicos e as práticas que eles patrocinam assumem
o papel de disparadores de um “ritual operativo de articulação de
matérias e sentidos”; e, de um conjunto de aparatos de base e
64 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

encenação de códigos de montagem, percepção e reconhecimento.


Isso neutraliza as discussões anteriores.
Assim como a verticalidade inicial, o privilégio que a armação
delega à circulação em detrimento da perspectiva histórica em suas
análises, também é apontado como problemático. Convém lembrar,
no entanto, que discutir o comunicacional e o histórico do
comunicacional é indispensável à visualização do processo que
subjacente à trama o dinamiza.
A visualização da perspectiva histórica empresta aos
processos comunicacionais fluxo contínuo de sentido, frente à
realidade descontínua e não linear em que vivemos. Estudar, assim,
o processo comunicacional como uma ação contínua e simultânea
implica resgatar a dimensão histórica em suas discussões – algo que
o edifício da midiatização não realiza.
No edifício da Midiatização há também dificuldades para se
apreender e analisar a nova era do comunicacional midiatizado (ou
hipermidiatizado). Em muitos casos, nas análises, ainda se busca
uma informação verdadeira sobre a realidade – ainda se procura
observar certa homologia entre o discurso, as apropriações e os fatos
observáveis. No entanto como lembra Vizer (2008, p. 39), esse
processo de construção – da realidade como informação, como
“práxis de sentido e de interpretação” – é, precisamente, o grande
campo ontológico que se abre aos estudos de comunicação com as
discussões da armação da Midiatização.
Nessa mirada comunicação se supõe produto de uma história;
produto que pode se expressar de forma objetiva e material, mas
também como processo cognitivo; produto que supõe a
materialidade de um suporte físico e junto certa ordem textual que
permita a sua análise. É esse paradigma que, segundo Vizer (2008),
empresta materialidade à comunicação na chamada sociedade da
hipermidiatização.
Vilso Junior Santi; Leila Adriana Baptaglin | 65

4 Considerações finais

A falta de estabilidade das modulações conceituais utilizadas


para qualificar a armação da Midiatização é flagrante. Na definição
dos contornos do construto verificamos pouca coerência interna nos
postulados, além de raros pontos de consenso entre os escritos dos
autores trabalhados. A falta de estabilidade do ideário manejado é
temperada ainda com um complicador: a inexistência (ao menos no
referencial utilizado) de tipologias que organizam estas
contribuições e, assim, ajudem a clarificar seus pilares constitutivos.
Além de apresentar uma dessas possíveis tipologias para os
matizes da Midiatização, aqui emprestamos consistência a eixos que
ajudam a dar concretude aos desígnios do construto. Ao centrar
nosso esforço no enfeixamento das questões no entorno desses três
ordens de Midiatização, temos claro que subvalorizamos outras
possibilidades de discussão. Este, no entanto, foi o caminho que
escolhemos percorrer (a rota que percorremos).
Neste caminho ficou evidente que quando tratamos de
Midiatização não tratamos de uma teoria científica distinta das
demais teorias manejadas no Campo Comunicacional. Falamos a
partir de dentro da Ciência da Comunicação. Tratamos, de toda
forma, de uma outra forma de abordagem do Comunicacional. De
uma forma distinta de encarar os fenômenos comunicacionais; de
uma forma distinta de observação desses fenômenos; e, de métodos
de trabalho distintamente mobilizados para problematização da
comunicação.
Midiatização, portanto, deve ser tomada como via de
problematização e análise (e não como Teoria) de formas culturais
contemporâneas em um determinado estágio do desenvolvimento
científico do Campo Comunicacional.
Admitimos, porém, que o tema da Midiatização é complexo e
ainda permanece envolto numa densa bruma de opacidades.
Percebemos que outras (e talvez novas) formas de problematização
do seu edifício vem ganhando espaço. Mas, percebemos também que
66 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

construtos teóricos pretéritos, manejados pelo Campo


Comunicacional, já sinalizavam muitas das questões guindadas à
categoria de novas pelas discussões de Midiatização.
A ideia de uma Teoria da Midiatização, portanto, precisa ser
revista. Os estudos que manejam com as ideias de Midiatização
também precisam ser revistos. Talvez tenham que retomar os
escritos de Muniz Sodré (2002) e devolver à sua pesquisa a
dimensão cultural, presente na discussão de Mata (1999), que lhes é
negada em muitos dos construtos subsequentes.
Midiatização enquanto construto teórico (enquanto teoria) e
sua teoria enquanto prática que busca pensar sobre suas
intervenções parece, portanto, não ser uma assertiva válida.
Podemos admitir, porém, (ao menos cogitar), conforme Kuhn
(2009), que as instabilidades teórico-metodológicas da Midiatização
podem estar relacionadas à atual fase de desenvolvimento da
própria Comunicação enquanto Ciência – ainda uma fase “pré-
paradigmática” - e tem a ver com o próprio debate “epistemológico”
da relação entre a Comunicação e suas formulações teóricas.
Cremos, assim, que a renovação do edifício da Midiatização
passa pela reformulação dos seus modelos de análise. Afinal, não
podemos negar que suas armações teóricas e as bases conceituais
que buscam produzir seu conhecimento apresentam lacunas.
Postulamos por isso a reconstrução de um protocolo teórico-
metodológico para a Midiatização que resulte em duas
consequências: o reconhecimento que as suas formas teóricas não
têm em si um valor ou sentido inerente; e, a percepção de que não
existe uma relação direta entre a categoria Midiatização e uma
prática teórica específica fora do campo das Teorias da
Comunicação.

Referências

DIAS, P. da R. & MENDEZ, R. B. Da semiologia à antropologia: a comunicação


como ‘espacio’. In: Marques de Melo, J. & Rocha, P. Comunicação, cultura
Vilso Junior Santi; Leila Adriana Baptaglin | 67

e mediações: o percurso intelectual de Jesús Martín-Barbero. São


Bernardo do Campo: Cátedra Unesco/Umesp, 1999.

DUARTE, G. L. Escola latino-americana de comunicação: a nova hegemonia.


São Bernardo do Campo: Cátedra Unesco/Universidade Metodista, 2007.

FABBRI, P. El giro semiótico. Barcelona: Gedisa, 1999.

FAUSTO NETO, A. A religião teleterapeutizante: discursividades dos templos


midiáticos. In: Revista Fronteiras. São Leopoldo. v.06, n.02, 2004, p. 25-
46.

FAUSTO NETO, A. Enunciação jornalística entre dispositivo e disposições. In: XIV


COMPÓS. Niterói/RJ, 2005a.

FAUSTO NETO, A. O jornalismo e os limites da representação. In: XXVII


Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Porto Alegre/RS,
2005b.

FAUSTO NETO, A. Midiatização: prática social, prática de sentido. In: XV


COMPÓS. Bauru/SP, 2006a.

FAUSTO NETO, A. O discurso político entre recusas e controles das estratégias


enunciativas midiáticas: observações sobre a midiatização da campanha
eleitoral de 2006. In: Revista Galáxia. São Paulo, n. 11, 2006b. p. 143-165.

FAUSTO NETO, A. Contratos de leitura: entre regulações e deslocamentos. In:


Revista Diálogos Possíveis. Salvador, 2007a, p. 07-27.

FAUSTO NETO, A. Enunciação, auto-referencialidade e incompletude. In: Revista


Famecos. Porto Alegre, n.34, 2007b, p. 78-85.

FAUSTO NETO, A. et al. (Orgs.). Midiatização e processos sociais na América


Latina. São Paulo: Paulus, 2008a.

FAUSTO NETO, A. Escrituras sobre a enunciação jornalística. In: Revista


Comunicação e Espaço Público. Brasília, v.11, n.1 e 2, 2008b, p.51-66.

FAUSTO NETO, A. et al. (Orgs.). Midiatização e processos sociais: aspectos


metodológicos. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2010a.
68 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

FAUSTO NETO, A. As bordas da circulação. In: Revista ALCEU. Rio de Janeiro,


v.10, n.20, 2010b, p. 55-69.

FEYERABEND, P. Contra o método: edição revista. Lisboa: Relógio D’Água, 1993.

HEPP, A. et al. (Eds.). Connectivity, Networks and Flows: Conceptualizing


Contemporary. New York: Hampton Press, 2008.

HJARVARD, S. The mediatization of society: a theory of the media as agents of


social and cultural change. Nordicom Review 29 (2008) 2, p. 105-134,
Göthenburg: University of Göthenburg.

KRESS, G. & VAN LEEUWEN, T. Multimodal Discourse: the modes and media
of contemporary communication. London: Arnold, 2001.

LUNDBY, K. (Ed.). Mediatization: concept, changes, consequences. New York:


Peter Lang, 2009.

LUCHESSI, L. Transdisciplina e multimetodologia: chaves para abordagem da


midiatização em culturas hipermidiatizadas. In: FAUSTO NETO, Antônio
et al. Midiatização e processos sociais: aspectos metodológicos. Santa
Cruz do Sul: EDUNISC, 2010.

MATA, M. C. da. De la cultura masiva a la cultura mediática. In: Diálogos de la


comunicación. Lima: Felafacs, 1999, p.80-91.

MAZZOLENI, G. & SCHULZ, W. Mediatization of politics: a challenge for


democracy? Political Communication, 16(3), 1999, p. 247-261.
Philadelphia: Taylor & Francis.

MOUILLAUD, M. O jornal: da forma ao sentido. Brasília: Paralelo 15, 1997.

MUNIZ SODRÉ. Antropológica do espelho: uma teoria da comunicação linear e


em rede. Petrópolis: Vozes, 2002.

RODRIGUES, A. D. O campo dos mídias. In: SANTANA, Raimundo (Org.).


Reflexões sobre o mundo contemporâneo. Teresina: Revan, 2000.

RODRIGUES, A. D. Estratégias da Comunicação. Lisboa: Presença, 2001.


Vilso Junior Santi; Leila Adriana Baptaglin | 69

SANTI, V. J. Mediações e Midiatização: conexões e desconexões na análise


comunicacional. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.

SCHULZ, W. Reconstructing Mediatization as an Analytical Concept. European


Journal of Communication, Vol. 19(1), 2004, p. 87–101. London,
Thousand Oaks and New Delhi: SAGE Publications.

SILVA, J. M. da. O que pesquisar quer dizer: como pesquisar e escrever textos
acadêmicos sem medo da ABNT e da Capes. Porto Alegre: Sulina, 2010.

STRÖMBÄCK, J. Four phases of mediatization: an analysis of the mediatization of


politics. International Journal of Press/Politics, 13, 2008, p. 228-246.
London, Thousand Oaks and New Delhi: SAGE Publications.

VERÓN, E. Esquema para el análisis de la mediatización. In: Revista Diálogos de


la Comunicación, n.48, 1997.

VERÓN, E. Semioses de la mediatizacion. In: Conferência Internacional Mídia e


Percepção Social. Rio de Janeiro/RJ, 1998.

VERÓN, E. Fragmentos de um tecido. São Leopoldo: Unisinos, 2004.

VIZER, E. A. Midiatização e (trans)subjetividade na cultura tecnológica: a dupla


face da sociedade midiatizada. In: FAUSTO NETO, Antônio et al. (Orgs.).
Midiatização e processos sociais na América Latina. São Paulo: Paulus,
2008.
Capítulo 4

Pós-modernidade e vertigem existencial


entre jovens: influência da mídia pela
teoria do enquadramento
Thamyres Pinheiro Maciel1
Sonielson Luciano de Sousa2
Cynthia Mara Miranda3
Liliam Deisy Ghizoni4

1 Introdução

Teóricos da Psicanálise (BIRMAN, 2016), Filosofia


(FOULCAULT, 1987) e Sociologia (BAUMAN, 2007) se debruçam
sobre as novas formas de subjetivação num mundo contemporâneo
marcado por rapidez e inconstância nas interações sociais, afetivas
e profissionais, no que Bauman (2007) denomina de Modernidade

1
Mestranda em Comunicação e Sociedade – PPGCOM/Universidade Federal do Tocantins - UFT. E-
mail: thamyypinheir@hotmail.com
2
Mestrando em Comunicação e Sociedade – PPGCOM/Universidade Federal do Tocantins - UFT. E-
mail: sonielson.davince@gmail.com
3
Doutora em Ciências Sociais (UnB). Docente do Programa de Pós-graduação em Comunicação e
Sociedade – PPGCOM/Universidade Federal do Tocantins – UFT. Email:
cynthiamara@mail.uft.edu.br
4
Doutora em Psicologia Social do Trabalho e das Organizações na UnB com Estágio Sanduíche na
Université Catholique de Louvain la Neuve - Bélgica. Mestre em Educação (área de Educação e
Trabalho) pela Universidade Federal de Santa Catarina. Especialista em Saúde Mental pela FIOCRUZ.
Psicóloga pela Universidade do Vale do Itajaí, graduação em Estudos Sociais pela Universidade do Vale
do Itajaí. Membro do NESol/ITCP/UFT. E-mail: ldghizoni@gmail.com.
72 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

Líquida e Lipovetsky (2004) caracteriza como era do vazio e


hipermodernidade. Em linhas gerais, trata-se de um período
marcado pelo enfraquecimento do estado enquanto instância
mediadora hegemônica – que, em sua faceta mais extrema, resultou
na formação de estados totalitários, como bem lembra Arendt
(2012) –, aliado a uma espécie de interregno quanto às expectativas
referentes aos novos modelos de educação e sociabilização nos
núcleos parentais (FREIRE COSTA, 2004).
Afinal, se por um lado as antigas estruturas mediadoras
aterrorizavam em sua onipotência – numa tentativa de substituição
dos arcabouços eclesiais até então vigentes (FOUCAULT, 1987) –,
por outro lado, criava as condições mínimas de apaziguamento
(FREIRE COSTA, 2004, p. 15), o que permitia um terreno
minimamente seguro para a juventude. Com a aparente difusão do
poder à massa anônima, já que as estruturas mediadoras da
Modernidade (como igreja e o estado) se enfraqueceram, no
entanto, a ansiedade e insatisfação tornam-se referências
corriqueiras para as populações jovens, que passam a viver num
cenário de autoviolência (BIRMAN, 2013; FREIRE COSTA, 2004).
Este cenário pode ser propiciado, em alguma medida, pelos
conteúdos veiculados pela Mídia (CHAUÍ, 2006), notadamente no
que se refere ao fornecimento de padrões de conduta.
Sustentando esta dinâmica, pontua Bauman (2007), está a
lógica internacional dos mercados de capitais que, em sua gênese, é
o mais líquido dos processos (PONDÉ, 2011). A ação ocorre através
de técnicas descentralizadoras e da globalização. Ora, ao que parece,
esta configuração contemporânea de mundo, além de exercer forte
impacto nas dimensões de Estado, Soberania e Bem-Estar Social
(BAUMAN, 2007), uma vez que há um contínuo e rápido
esvaziamento do poder político e da chamada tradição, provocou
também mudanças profundas nas relações pessoais, profissionais e
na produção de subjetividade (formações identitárias), já que houve
um deslocamento da centralidade na moralidade tradicional – que
sai da perspectiva da geração de segurança para a valorização de
Thamyres P. Maciel; Sonielson L. de Sousa; Cynthia M. Miranda; Liliam D. Ghizoni | 73

hábitos que rementem à liberdade –, provocando um enorme mal-


estar geral, sobretudo nos adolescentes, e nos jovens adultos
(BIRMAN, 2013). É prematuro afirmar, no entanto, que
necessariamente tal mudança tenha acarretado em rebaixamento da
consciência crítica, como pontuado por Luckmann (2004 apud
FREIRE COSTA, 2004). No entanto, tal dinâmica contemporânea
acabou por provocar uma celeuma, um sofrimento psicológico
(BAUMAN, 2007) ou vertigem existencial (BIRMAN, 2013) entre os
jovens.
O estudo é baseado em uma ampla revisão de literatura
direcionada, feita entre janeiro e junho de 2017. Foi realizada uma
consulta a livros e artigos disponíveis na Internet. O critério de
inclusão foi a presença de relação com o tema desejado, de modo a
contribuir de forma significativa com a pesquisa final. Foram
excluídos itens que se distanciavam da ideia inicialmente proposta.

2 Desenvolvimento

Bauman (2007) sustenta que os jovens são instados a


enfrentar – de forma dramática e em curtos espaços de tempo – as
intempéries resultantes do intervalo entre a sólida modernidade e o
que poderá vir a se tornar num novo modelo de mediação das
vontades humanas. Ou seja, diante do cenário de maior liberdade,
os jovens não mais sofrem pela falta de possibilidades, mas pelo
excesso destas, num processo vertiginoso e angustiante que pode
resultar em violência no âmbito psíquico, já que não há tempo para
consolidar as tais mudanças (SENNETT, 2012), cujos desenlaces
ainda são imprevistos (PONDÉ, 2014).
Paradoxalmente, estes jovens acabam por experimentar
problemas na incessante corrida para manter-se na dinâmica de
consumo – corrida esta que supostamente legitima-os como
portadores de credenciais para participar das estratégias aceitáveis
de vida. Não bastasse, como defende Sennett (2012), a crise que a
princípio pareceu acometer apenas os mais jovens vem se
74 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

arrastando quase que ad eternum também entre os adultos jovens.


Na visão de seu colega sociólogo polonês, isto ocorre porque
Numa sociedade líquido-moderna, as realizações individuais
não podem solidificar-se em posses permanentes porque, em um
piscar de olhos, os ativos se transformam em passivos, e as
capacidades em incapacidades. As condições de ação e as estratégias
de reação envelhecem rapidamente e se tornam obsoletas antes de
os atores terem uma chance de aprendê-las efetivamente.
(BAUMAN, 2007, p. 7)
Ora, sob tais circunstâncias, às populações de hoje não mais
é possível basear-se em táticas e movimentos solidificados pelo
passado (seja através da sedimentação histórica oferecida pela
tradição, seja pelas trocas e negociações decorrentes de laços
parentais), já que “testes anteriores não podem dar conta das
rápidas e quase sempre imprevistas mudanças de circunstâncias”
(Idem, Idem, p. 8).
Neste contexto, de acordo com Carvalho (2009), a mídia
exerce influência direta porque a mesma não está desprovida de
intenções. Para tanto, o autor se utiliza da Teoria do Enquadramento
ao defender que, por optar deliberadamente por alguma ênfase
noticiosa – como no caso de um ideal de corpo exposto
exaustivamente no programa televisivo brasileiro “Malhação” – o
público juvenil é instado a acionar o desejo de concretizar práticas
até então apenas virtualizadas (formas de relacionamentos,
tonificação muscular, modos de linguagem). Isso ocorreria porque a
disseminação repetitiva de dado conteúdo aciona fruidores
interpretativos que levam o expectador a se identificar com as
práticas universais veiculadas pela mídia. Desta forma, a mídia em
geral e o jornalismo em particular não apenas reproduzem modos
sociais de ser, eles participariam ativamente da construção social da
realidade.
Thamyres P. Maciel; Sonielson L. de Sousa; Cynthia M. Miranda; Liliam D. Ghizoni | 75

2.1 Panorama de incertezas

Birman (2013) defende que, na contemporaneidade, outro


ingrediente se soma à incerteza que permeia a vida juvenil. Trata-se
da fraternidade como dimensão basilar da modernidade, que
gradativamente perde força, na esteira do enfraquecimento do
núcleo parental imediato e do fortalecimento dos discursos de
autoridade oriundos, majoritariamente, das celebridades midiáticas
(FREIRE COSTA, 2004). Os veículos de comunicação de massa
passam, então, a monopolizar a tônica discursiva (FREIRE COSTA,
2004; CHAUÍ, 2006), afinal são legitimadores de narrativas
hegemônicas. Desta forma, predomina um cenário onde impera
uma espécie de “terra de ninguém que se coloca a todo o momento”
(BIRMAN, 2013) como um desafio a ser constantemente superado.
Por esta ótica, os dispositivos de controle – inserindo aí as
relações de poder explicitadas pela imprensa (ORTEGA, 2006) –
colocam o jovem numa situação de ambivalência. Desta forma, o
enquadramento (frame) ocorre pela perspectiva do protagonismo
ascendente oriundo notadamente das ideias liberais americanas e da
Escola de Economia da Áustria (Chauí, 2006). O problema, como
defendem Bauman (2007), Chauí (2006) e Sodré (2001) é que o
excesso de opções é apenas aparente, diante de um panorama atual
que não permite deslizes.
Velocidade, e não duração, é o que importa. Com a velocidade
certa, pode-se consumir toda a eternidade do presente contínuo da
vida terrena. Ou pelo menos é isso que o “lumpem-proletariado
espiritual” tenta, e espera, alcançar. O truque é comprimir a
eternidade de modo a poder ajustá-la, inteira, à existência
individual. A incerteza de uma vida mortal em um universo imortal
foi finalmente resolvida: agora é possível parar de se preocupar com
as coisas eternas sem perder as maravilhas da eternidade.
(BAUMAN, 2007, p. 15).
Com a desenfreada dinâmica da ascensão a qualquer custo,
como pontua Sennett (2012), outra variante passa a perseguir os
76 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

jovens de maneira particular, sob a forma de uma inquietação


(BIRMAN, 2013). Trata-se de uma cisão que vai se tornar patente
sobre a forma das perturbações psíquicas dos indivíduos, seja sobre
a forma da violência ou da criminalidade. Aquilo que no discurso
sociológico se chama de patologias do social. (BIRMAN, 2013)
Birman (2013) reforça esta ênfase a partir das teorias de
Lacan (1938), que articula o mal-estar com o que passou a chamar
de humilhação da figura do pai, antigo discurso regulador que
gradativamente perde força no cenário pós-moderno. Assim, aliado
ao contínuo movimento com que os jovens são submetidos
(BAUMAN, 2007), e à ideia de trabalhar por um progresso
ininterrupto e um excessivo autogerenciamento da vida (PONDÉ,
2014), a mudança nas configurações familiares seria um dos
componentes a explicar a violência individual e coletiva, que
notadamente assola parte da juventude brasileira, e que acabou por
ganhar contornos de desalento nesta mesma população (BIRMAN,
2013).
As dinâmicas contemporâneas, portanto, também
representam um eco destas mudanças estruturais ocorridas no
século XX. Além disso, Bauman (2007) e Birman (2013) prosseguem
assinalando que, mais à frente, a decomposição do estado de bem-
estar social deságua numa sociedade de risco, propícia ao aumento
da violência onde nenhum de nós conta mais com nenhum tipo de
proteção do Estado, onde nós estamos lançados ao ‘Deus dará’, e
onde efetivamente todo problema das subjetividades vai ser
associado a esta problemática. Um autor como Michel Foucault
(1926-1984) vai dizer que a nossa modernidade já é constituída em
torno de uma sociedade de risco. O que ocorre nas últimas décadas
é simplesmente uma radicalização da dimensão de risco que
caracteriza a sociedade contemporânea. (BIRMAN, 2013)
Em Bauman (2007), esta perspectiva de radicalização se alia
à mudança na forma como o tempo é encarado. Ou seja, antes do
advento da pós-modernidade, os jovens resistiam à excessiva
aceleração, em alguma medida, porque mantinham certa estreiteza
Thamyres P. Maciel; Sonielson L. de Sousa; Cynthia M. Miranda; Liliam D. Ghizoni | 77

com produções utópicas diversas, de modo que tais jovens


“tentavam fechar o torturante fosso entre a pobreza de uma vida
curta e mortal e a riqueza infinita do universo eterno com
esperanças de reencarnação ou ressurreição” (BAUMAN, 2007, p.
15). Atualmente, na agudez com que o desencantamento se
apresenta, o próprio princípio de aceleração que permeia a vida não
admite contingenciamentos e/ou limites, impingindo aos jovens a
responsabilidade por atuar de forma obsessiva na reciclagem,
revisão e reconstituição de suas identidades.
Trata-se de um movimento contínuo para, na esfera pública,
demonstrar que detém uma identidade compatível com as
expectativas vigentes, gerando excessiva autovolição e
autocobrança. Assim, o advento da sociedade líquido-moderna
significou a morte das principais utopias da sociedade e, de modo
mais geral, da ideia de “boa sociedade”. [...] O foco na auto-reforma
se perpetua do mesmo modo que a falta de interesse e a desatenção
com relação aos aspectos comuns da vida, que resistem à total
tradução para os atuais alvos de tal auto-reforma. A desatenção à
vida em comum impede a possibilidade de renegociar as condições
que tornam líquida a vida individual. O sucesso da busca da
felicidade, propósito declarado e motivo supremo da vida individual,
continua a ser desafiado pela própria forma de persegui-lo. A
infelicidade resultante justifica e vigora a política de vida
autocentrada. Seu produto final é a perpetuação da liquidez da
existência. (BAUMAN, 2007, págs. 19 e 20)
Esta agudez da dimensão do risco e da possibilidade de
autogestão da vida também encontra alguma singularidade na
gênese histórica apontada por Foucault (1987), cujo modelo de
relações de poder é fundado em duas mãos, sendo que por um lado
há uma sociedade gerida biopoliticamente (com uma gestão
populacional que passa pela economia política), cuja preocupação
central é a “manutenção” da espécie e, por outro lado, a nossa
sociedade é uma sociedade disciplinar, onde existe uma anatomo-
política do corpo, que é adestrado num conjunto de práticas para
78 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

manter/regular esta sociedade de risco. É neste mundo da sociedade


do risco onde a gente assiste ao surgimento de alguns tipos de
práticas novas, ou algumas formas novas de demandas ou de
queixas que vale a pena ficar atentos para elas. [...] Assim, o assédio
se transforma numa queixa e mesmo numa forma de sofrimento,
num mundo onde não temos mais instâncias de mediação seguras a
quem a gente pode claramente reclamar as nossas demandas.
(BIRMAN, 2013)
Birman (2013) ainda enfatiza que nos tempos atuais o sujeito
de conflito (impulsos-desejos X interditos) sai de cena e, em seu
lugar, diferentemente da época de Freud, outras formas de
pensamento ocupam o centro das atenções. Assim, o ‘corpo’, a ‘ação’
e o ‘sentimento’ compõem uma cartografia que fala de uma série de
mal-estares, tendo o jovem e os adultos jovens no centro deste
desconforto. E é justamente neste ponto que Chauí (2009) e
Carvalho (2009) destacam o papel do enquadramento, já que ao
promover determinados aspectos que são considerados mais
relevantes, a mídia tentaria – com sucesso – exercer alguma forma
de controle sobre os modos de interpretação dos acontecimentos
expostos. A mídia, assim, é parte indissociável da construção social
de uma realidade, estando também na gênese de uma série de
desdobramentos - de ordem psicológica – experimentados pelo
público consumidor de informações (Chauí, 2009).

2.2 Violência disfarçada de atitude

Bauman (2013) enfatiza que há uma forte tensão e exigência


– às vezes, até mesmo sob a forma de assédio e violência –, por parte
dos atores sociais contemporâneos, incluindo aí a Mídia, para que
todos os jovens, de alguma maneira, se transformem em seres
autoconstruídos e singulares. O problema é que, para o sociólogo
polonês, quanto mais tentam ser diferentes, tanto mais esses
indivíduos se assemelham no movimento com que mobilizam suas
estratégias, numa espécie de igualdade na tentativa de ser diferente.
Thamyres P. Maciel; Sonielson L. de Sousa; Cynthia M. Miranda; Liliam D. Ghizoni | 79

A tendência, assim, é que os indivíduos sejam “estritamente


semelhantes a todos os outros pelo fato de terem de seguir a mesma
estratégia de vida e usar símbolos comuns – comumente
reconhecíveis e legíveis” (BAUMAN, 2007, p. 26). Ou seja, para que
os outros se convençam de que suas estratégias de vida são
aceitáveis, o jovem acaba não percebendo que de alguma forma
recusa a possibilidade de exercer a escolha individual, a menos que
não queira ter seu esforço chancelado pelas estruturas sociais das
quais faz parte, o que parece pouco provável. Tem-se como exemplo
a busca que o jovem trava em torno de um ideal de corpo para, em
alguma medida, ser aceito pelo grupo.
Nesta busca para desvelar e tornar pública a autenticidade do
“verdadeiro eu” (BAUMAN, 2007, p. 28), aumenta a demanda por
profissionais que, dentro da mesma lógica das vendas do atacado,
oferecem serviços que aparentemente rementem à maiêutica
socrática – no sentido de dar a luz ao conhecimento - , mas que no
final das contas “só tem valor reconhecido depois de convertidos à
moeda atualmente mais comum e, portanto, mais amplamente
usada” (Idem, Idem, p. 29). Ou seja, o processo mesmo de
individualidade evidencia em si uma contradição que, a princípio,
parece insolúvel. Aliás, ela carrega em si uma impossibilidade
conceitual, já que o jovem “precisa da sociedade simultaneamente
como berço e como destino” (Idem, Idem, p. 29) de suas investidas.
Estaria aí, então, uma hipótese para o aumento da violência e da
desesperança entre os jovens (BIRMAN, 2013).
É importante ressaltar que, enquanto por um lado a sociedade
e a Mídia pressionam – direta ou indiretamente - para que o
indivíduo se porte como alguém capaz de expressar originalidade e
autogestão, num provável desdobramento das relações de poder já
apontadas por Foucault (1987) em sua genealogia do poder, por
outro lado elas também fornecem os meios para se conviver com
esta impossibilidade, o que resulta num cenário de constante
insatisfação e perene sentimento de fracasso e autoviolência, se não
respeitadas as particularidades de cada jovem.
80 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

2.3 Individualidade em construção

Igualmente, assim como em Birman (2013), Bauman (2007)


diz que o surgimento da individualidade como categoria central das
preocupações cotidianas apontou para um intenso desmonte das
antigas redes de proteção social que, se bem ou mal feito, ainda
garantiam alguma forma de regulação e/ou mediação dos conflitos
entre os seus integrantes. Neste ínterim,
Progressivamente, os padrões da rotina diária foram
deixando de ser vistos como incontestáveis e auto-evidentes. O
mundo da vida cotidiana estava perdendo sua auto-evidência e a
“transparência” de que havia usufruído no passado, quando os
itinerários existenciais eram livres de encruzilhadas e de obstáculos
a serem evitados, negociados ou forçados a abrir caminho.
(BAUMAN, 2007, p. 31)
No bojo deste esforço que o jovem deve fazer para provar sua
aparente (e constante) autopoiese, muitas vezes ele não percebe que
“a individualidade é o produto final de uma transformação societária
disfarçada de descoberta pessoal” (Idem, Idem, p. 31 – grifo do
autor). Ora, isso quer dizer que, mesmo experimentando certo grau
de liberdade e de individualidade, isso por si só não assegura
tacitamente a livre escolha, já que o jovem é invariavelmente
pressionado pela difusa dimensão do fato social. Por esta ótica, o que
se chama de autorreferência e individualidade pode ser decorrente,
dentre outras coisas, de negociações mais profundas e, por vezes,
sutis, já que as oportunidades entre as quais a pessoa assim se vê
forçada a optar não são, em si mesmas, criadas por essa pessoa. São
prescritas e limitadas pela estrutura específica de sua sociedade e
pela natureza das funções que as pessoas exercem dentro delas. E,
seja qual for a oportunidade que ela aproveite, seu ato se entremeará
com os de outras pessoas; desencadeará outras sequências de ações,
cuja direção e resultado provisório não dependerão desse indivíduo,
mas da distribuição do poder e da estrutura das tensões em toda esta
rede humana móvel. (ELIAS, 1994, p. 48)
Thamyres P. Maciel; Sonielson L. de Sousa; Cynthia M. Miranda; Liliam D. Ghizoni | 81

De qualquer forma, no tecido social e em parte dos discursos


midiáticos hegemônicos (CHAUÍ, 2006), predomina a ideia de que
as pessoas de forma geral e os jovens em particular são os
responsáveis pelos caminhos que estão percorrendo. Esta é a tônica,
inclusive, de parte da fundamentação ideológica do capitalismo
liberal, que de modo geral nega que o indivíduo autogestor não
passa de uma ficção, fruto de pressões mercadológicas (BAUMAN,
2007). No entanto,
Embora o direito e o dever da livre escolha sejam premissas
tácitas ou reconhecidas da individualidade, não são suficientes para
assegurar que o direito a esta possa ser usado. Portanto, a prática da
individualidade não necessariamente corresponde ao padrão
imposto pelo dever da livre escolha. Na maior parte do tempo, ou
em algumas ou em várias situações, muitos homens e mulheres
consideram a prática da livre escolha fora de alcance. (Idem, p. 33,
grifos do autor)
Diante destas circunstâncias, a individualidade-originalidade
de fato parece ser algo bem mais complexo do que se prega. Os
processos de formações identitárias entre jovens trazem consigo
uma série de efeitos colaterais, sendo que a relação deste jovem com
o seu corpo (BIRMAN, 2013) emerge como uma das principais fontes
de tensão na contemporaneidade. Ora, isso ocorre porque
Novos símbolos de distinção em oferta prometem conduzi-lo
ao seu objetivo e convencer todos os que você encontra na rua ou
visitam sua casa de que você de fato chegou lá – mas também
invalidam instantaneamente os símbolos que prometiam fazer o
mesmo por você um mês ou um dia antes. Na corrida pela
individualidade, não há intervalo. (BAUMAN, 2007, p. 35)
Neste ínterim, Birman (2013) diz que o mal-estar se acentua
porque, de modo geral, se está sempre aquém tanto da condição
considerada ideal para a sanidade física, quanto distante do
desempenho corporal adequado. No fundo, o esforço que tais jovens
fazem para se adequar a padrões identitários aceitáveis pode
82 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

revelar, também, uma inabilidade em lidar com a perda, a frustração


e a finitude. Sobre este tema, tem-se que
O narcisismo moderno é um narcisismo defensivo, voltado
para o investimento do corpo, que se tornou foco de sofrimento e
ameaça de morte pela ação da violência. Esta hipótese choca-se
aparentemente com as teses sobre o hedonismo da sociedade
contemporânea. Porém, a nosso ver, esta faceta vendável da
ideologia do bem-estar é divulgada para dissimular o medo do
sofrimento e da morte, que apavoram o indivíduo moderno.
(FREIRE COSTA, 2003, p. 235)
Além disso, a pós-modernidade se configura como uma
recusa a narrativas longas, que remetam a processos históricos
(PONDÉ, 2014). Vê-se, então, uma evidente mudança do lócus do
dever moral (troca-se a segurança pela liberdade).

3 Considerações finais

Por fim, percebe-se que, na Pós-Modernidade, o cuidado com


as questões sociais e com o desenvolvimento das instâncias da razão
cede lugar à fragmentação, notadamente naquilo que se refere às
perdas dos potenciais de unificação e simbolização que orbitavam
em torno da política. Sobra, então, um panorama de ausência de
mediadores “concretos”, as chamadas instâncias de primeira linha,
como clubes, igrejas e associações, que gradativamente perdem
espaço. A Mídia, então, ocupa lugar central, ao dar ênfase em
determinados temas e, assim, atuar decisivamente na construção de
papéis sociais aparentemente singulares, mas que, no fundo, são
hegemônicos (Bauman, 2007). Como consequência,
metaforicamente, joga a todos numa intensa vertigem existencial.
No mais, isso fez com que as pessoas ficassem entregues ao jogo de
suas próprias intensidades (intensidades sem controle), como se
fôssemos possuídos por estas intensidades, sem que os nossos
mediadores de simbolização pudessem regular esta produção
intensiva. Então, se nós somos tomados por intensidades e por
Thamyres P. Maciel; Sonielson L. de Sousa; Cynthia M. Miranda; Liliam D. Ghizoni | 83

excitações corpóreas, e não podemos dar a isso um destino no


campo do pensar e no campo do falar, a nossa única possibilidade
de lidar com isso é descarregar mesmo – seja para o corpo, seja para
a ação. (BIRMAN, 2013)
Birman lembra que, evidentemente, o sujeito prefere explodir
pela ação a implodir o seu corpo, já que isso é uma questão narcísica.
Mas esse sujeito nem sempre pode escolher. Na medida em que é
tomado por intensidades, e que essas intensidades o ultrapassam –
e onde ele não pode regular não apenas as intensidades, mas o
próprio jogo das identidades que têm que administrar, passamos
então a viver naquela situação chamada de ‘despossessão de si’. Ou
seja, vivemos numa sensação de que nós perdemos certo domínio
mínimo de nós mesmos. Parece que as ditas depressões são o
resultado desta ‘despossessão de si’. Portanto, há aí um processo de
desvitalização do sujeito. (BIRMAN, 2013)
Para reforçar, Bauman (2013) também concorda que a
dinâmica de individualização, da forma como vem sendo conduzida,
gera uma gama de jovens descontentes e frustrados, que
constantemente impigem a si próprios uma gama de atos de
violência. Isto ocorre porque, para que haja os vencedores,
necessariamente deve-se fazer surgir a classe dos excluídos e
inaptos.
Ter e aparentar originalidade custa caro, sendo, portanto, um
privilégio que requer esforço ad eternun para que o indivíduo, mais
à frente, não se depare com o fantasma da invisibilidade. Este é o
alerta que os autores supracitados fazem ao investigar a interação
do jovem com o contemporâneo. Além do mais, a possibilidade de
que todas as pessoas usufruam de um processo de individualização
e de formação identitária adequado (aos padrões liberais de
consumo) é inalcançável, a menos que se tenha mais três planetas
reservas (BAUMAN, 2007), tendo em vista o forte impacto
ambiental envolvido.
A questão, portanto, não se resume às subjetividades e
relações sociais e políticas, mas, em igual medida, entremeia um
84 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

modo de vida que vem sendo deliberadamente fornecido pelos


conteúdos midiáticos (Chauí, 2009) e que interfere diretamente nas
dinâmicas culturais, assim, um problema que aparentemente é de
ordem individual, que acomete sobretudo os jovens e jovens adultos
contemporâneos, ganha apelo de caráter ético, pois não estar-se a
falar apenas das gerações atuais. É preciso pensar, pois, nas gerações
futuras, amplamente impactadas por um modo de vida que, de
acordo com os autores relacionados, institucionalizou a
autoviolência e a violência psicológica como aspectos aceitáveis.
Neste contexto, por fim, percebe-se que a Mídia em geral e o
jornalismo em particular têm influência decisiva na formação
identitária dos jovens – colaborando direta ou indiretamente para o
panorama atual, que pelos autores explicitados é de mal-estar e
volição ao protagonismo – já que, como pontua Carvalho (2009), os
indivíduos se apropriam do enquadramento sob a forma de
estruturas cognitivas que irão balizar sua percepção de mundo e
nortear a forma como percebem a realidade social. Em súmula, as
maneiras de atuação no mundo (construção identitária dos jovens,
por exemplo) ganham gradativo corpo à medida que estes jovens
são expostos insistentemente a modos de ser que ganham relevância
pelo tempo com que são veiculados pela mídia.
Há, portanto, um vasto campo da Psicologia, Filosofia,
Sociologia e Comunicação a ser explorado, pois provavelmente não
há mais como discutir um assunto separadamente, nestas áreas.
Torna-se emergente a realização de pesquisas empíricas sobre o
impacto do Enquadramento nas formações subjetivas dos sujeitos e,
em especial, dos sujeitos jovens, aparentemente mais dispostos a
dialogarem com diferentes fontes de informação.

Referências

ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia de Bolso,


2012.
Thamyres P. Maciel; Sonielson L. de Sousa; Cynthia M. Miranda; Liliam D. Ghizoni | 85

BAUMAN, Zygmund, 1925. Vida Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007.

BIRMAN, Joel. Novas formas de subjetivações. In: CPFL CULTURA – INVENÇÃO


DO CONTEMPORÂNEO. Campinas-SP: CPFL, 2013. Disponível em: <
https://www.youtube.com/watch?v=ov9CKqKiAeE >. Acesso em: 22
mai. 2016.

CARVALHO, Carlos Alberto de. O enquadramento como conceito desafiador à


compreensão do jornalismo. Intercom 2009. Disponível em
<http://www.intercom.org.br/papers/regionais/sudeste2009/resumos/
R14-0206-1.pdf >. Acesso em 07/07/2017.

CHAUÍ, Marilena. Simulacro e poder. São Paulo: Editora Fundação Perseu


Abramo, 2006.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Trad. Lígia M. Ponde


Vassalo. Petrópolis: Vozes, 1987.

FREIRE COSTA, Jurandir. Violência e psicanálise. Rio de Janeiro: Edições Graal,


2003.

_______. O vestígio e a aura: corpo e consumismo na moral do espetáculo. Rio


de Janeiro: Garamond, 2004.

LIPOVETSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos; tradução Mário Vilela. - São


Paulo: Editora Barcarolla, 2004.

LLOSA, Mario Vargas. A civilização do espetáculo; tradução Ivone Benedetti. –


1. Ed. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.

LUCKMANN, Thomas. Modernidade, pluralismo e crise de sentido. Petrópolis


(RJ): Vozes, 2004.

ORTEGA, Francisco. Das utopias sociais às utopias corporais: identidades


somáticas e marcas corporais. In: ALMEIDA, Maria Isabel Mendes;
EUGENIO, Fernanda (Orgs). Culturas jovens - novos mapas do afeto. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.

PONDÉ, Luiz Felipe. A era do ressentimento. São Paulo: Leya Brasil, 2014.
86 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

_______. Invenção do contemporâneo: Diagnóstico de Zygmunt Bauman para


a Pós-Modernidade – In Café Filosófico. Campinas: CPFL Cultura, 2011.
Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=qx-tRVyMphk >.
Acesso em 26 jun. 2016.

SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: o desaparecimento das virtudes com


o novo capitalismo. Rio de Janeiro: BestBolso, 2012.

SODRE, Muniz. O monopólio da fala. Petrópolis: Vozes, 2001.


Capítulo 5

Contribuições da análise de
enquadramento ao estudo sociológico da
produção de notícias
Thaize Ferreira Macêdo1

1 Introdução

A produção jornalística, na atualidade, se diz orientada pelos


valores máximos da objetividade, imparcialidade e neutralidade. No
entanto, vários estudos indicam que diversos são os fatores que
influenciam no modo de fazer do jornalismo e que, do ponto de vista
sociológico, os textos jornalísticos não podem ser vistos de forma
separada do sistema social no qual está inserido. Nesse sentido, o
jornalismo pode ser considerado um campo de produção de “bens
simbólicos” em que seus agentes de produção realizam “tomadas de
posição” e, sobretudo, travam uma “luta simbólica” (BOURDIEU,
2010).
Além da visão de campo, diversas pesquisas sobre a produção
de notícias são realizadas a partir da perspectiva sociológica que
denotam o seu papel de construção da realidade a partir de um
cenário já existente de controvérsias, acontecimentos e
interpretações. Para estes autores, um acontecimento não vira

1
Graduada em Comunicação/Jornalismo pela Universidade Federal do Tocantins. Mestranda em
Comunicação e Sociedade pelo PPGCom/UFT. E-mail: thaize_macedo@uft.edu.br
88 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

notícia apenas por características espontâneas, mas está inserido no


noticiário por conta de aparatos cognitivos e matrizes ideológicas
presentes externos ao jornalismo, bem como pela
institucionalização destes em forma de regras do campo.
A análise de enquadramento tem raízes na área da psicologia
e vem sendo largamente utilizado para analisar a mídia, sob a
perspectiva de efeitos sobre a audiência e de quadros simbólicos que
guiam a produção midiática, seja ela jornalística ou não. O framing,
como é chamado o processo pelo qual passa os acontecimentos para
a sua compreensão, é analisado de diversas formas pelos estudos de
efeito da mídia.
Neste trabalho, busca-se apresentar as aproximações
possíveis entre a análise de enquadramento e as perspectivas
sociológicas da produção de notícias, já denotadas por alguns
autores da área. De forma mais específica, são demonstradas
afinidades entre a noção de framing e a visão de campo de produção
de bens simbólicos do jornalismo. A partir deste estudo teórico, é
possível que a análise de enquadramento se apresente ainda mais
como aporte teórico e metodológico às investigações sociológicas de
campo da imprensa.

2 Jornalismo: um campo de produção simbólica

O jornalismo pode ser considerado um campo de produção de


“bens simbólicos em que vários agentes de produção, a partir de
seus produtos, realizam “tomadas de posição” e, sobretudo, se
encontram em constante “luta simbólica” (BOURDIEU, 2010). O
poder simbólico é detido por instituições e indivíduos na produção
dos significados atuantes na sociedade. Dessa forma, Bourdieu
(2010) explica que a imprensa se relaciona com pessoas e
instituições mais ou menos dotada de poder simbólico: com os
poderes simbólicos:
Thaize Ferreira Macêdo | 89

as relações de comunicação são, de modo inseparável, sempre,


relações de poder que dependem, na forma e no conteúdo, do
poder material ou simbólico acumulado pelos agentes (ou pelas
instituições) envolvidos nessas relações e que […] podem acumular
poder simbólico. É enquanto instrumentos estruturados e
estruturantes de comunicação e de conhecimento que os “sistemas
simbólicos” cumprem a função política de instrumentos de
imposição ou de legitimação […] (BOURDIEU, 2010, p. 11).

Nesta linha de pensamento numerosas são as análises que


apontam a impossibilidade da existência da chamada informação
desinteressada e que a produção jornalística não ignora o sistema e
os agentes envolvidos no processo (MARCUSCHI, 1991; FARACO;
TEZZA, 2003; MACHADO, 2000). Parte-se, neste sentido, para
analisar a forma como o conteúdo da imprensa reflete e trabalha a
sua “matriz ideológica” no processamento dos fatos que geram
notícias (HACKETT, 1993, apud PORTO, 2004).
Entende-se, portanto, que o jornalismo seleciona e trata os
fatos e acontecimentos de acordo com um aparato cognitivo
existente (TUCHMAN, 1978; GITLIN, 1980, apud PORTO, 2004).
Neste quadro, a enfoque lançado sobre assuntos, conflitos e temas
dependem de um cenário externo que produz marcas e é marcado
pelo jornalismo, enquanto construtor de uma realidade social
(BIROLI, 2003). No entanto, nem só os fatores exteriores ao
jornalismo influenciam a produção do bem simbólico que é a notícia,
mas também a estrutura do campo jornalístico é responsável pelo
tratamento dos fatos e a influência que ele exerce sobre outros
campos de produção cultural (BOURDIEU, 1997).
Desta maneira, tem-se que o sistema de produção dos bens
simbólicos e sua estrutura como fator determinante para o exercício
da produção cultural são importantes mecanismos para se entender
a imprensa. Neste contexto, se faz importante definir o bem
simbólico como produtos culturais de dupla face: mercadoria e
significação, com valor cultural e valor mercantil relativamente
90 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

independentes (BOURDIEU, 1987). Neste contexto, são universos


simbólicos o mito, a língua, a arte e a ciência.
Os bens simbólicos, na análise de Bourdieu (1989), são
instrumentos de comunicação e conhecimento que geram
integração social, mas que também cumprem função de legitimação
de um discurso, que passa por uma luta simbólica em que os agentes
especialistas estão em concorrência pelo monopólio da produção
cultural legítima. As lutas simbólicas ocorrem dentro dos campos de
produção cultural, que é o modelo pelo qual se analisa o jornalismo.
Entende-se campo como um “espaço social estruturado, um campo
de forças – há dominantes e dominados, há relações constantes,
permanentes, de desigualdade, que se exercem no interior desse
espaço – que é também um campo de lutas para transformar ou
conservar esse campo de forças”. (BOURDIEU, 1997, p. 57).
O jornalismo, como um dos campos de produção simbólica, é
um “microcosmos da luta simbólica entre as classes”, em que os
agentes, “ao servirem os seus interesses na luta interna do campo
de produção, [...] servem os interesses dos grupos exteriores ao
campo de produção” (BOURDIEU, 1989, p. 12). Nesse sentido,
entende-se as matérias jornalísticas como bens simbólicos feitos por
produtores que reproduzem as posições no campo no próprio
produto simbólico.
Esta luta simbólica acontece em busca do poder simbólico,
que hierarquiza e define as formas pelas quais as situações do
mundo serão entendidas:

O poder simbólico como poder de constituir o dado pela


enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de
transformar a visão do mundo e, deste modo, a acção sobre o
mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter
o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou económica),
graças ao efeito específico de mobilização, só se exerce se for
reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário. Isso significa
que o poder simbólico [...] se define numa relação determinada –
e por meio desta – entre os que exercem o poder e os que lhe estão
Thaize Ferreira Macêdo | 91

sujeitos, quer dizer, isto é, na própria estrutura do campo em que


se produz e se reproduz a crença. (BOURDIEU, 1989, p. 14-15).

Analisando o jornalismo como campo de lutas simbólicas,


tem-se que seus agentes estão em constante tomadas de posições a
fim de “conquistar a legitimidade cultural, ou seja, o monopólio de
produção, reprodução e manipulação dos bens simbólicos”
(BOURDIEU, 2007, p. 169), caracterizando as atitudes dos agentes
como culturais e políticas, visto que estão sempre em relação a
outras posições. Nesse sentido, teorias, conceitos e métodos da do
jornalismo são atitudes políticas que visam influenciar no sentindo
de manter ou mudar um sistema de dominação simbólica.
Neste sentido, o sistema de relações sociais é a estrutura que
define os princípios de seleção que os produtores acionam de forma
in ou semiconsciente (BOUDIEU, 2007). Estas seleções atuam em
função de um sistema de interesses associados à posição que
ocupam nas relações de força. Assim, a análise de um sistema de
produção de bens simbólicos deve ser submetida a uma análise
sociológica que desvende o sistema de relações sociais de produção,
circulação e consumo simbólicos.
A observação do jornalismo sob a ótica de campo de produção
cultural de Bourdieu induz a imprensa como um microcosmo da luta
simbólica entre classes e frações sociais com regras e sanções
próprias, que influenciam outros campos de produção de bens
simbólicos e são também definidas pela relação com poderes
externos, e detentores de poder simbólico. Isto é, o campo do
jornalismo também é influenciado por outros campos sociais.
Para a visão de campo de produção simbólica do jornalismo é
necessário entender as regras próprias deste campo, como campo
de lutas e de forças simbólicas em que os agentes atuam para
legitimar a sua posição com regras próprias, mas também afetado
por fatores externos. Neste sentido, o autor define que “o mundo do
jornalismo é um microcosmo que tem leis próprias e que é definido
por sua posição no mundo global e pelas e pelas atrações e repulsões
92 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

que sofre da parte dos outros microcosmos” (BOURDIEU, 1997, p.


55).
Neste sentido, tratar o jornalismo como campo separado de
outros quer dizer que o que nele acontece não pode ser apenas
explicado por fatores econômicos, por exemplo, mas deve ser visto
considerando as regras internas do campo jornalístico. É necessário
levar em conta a situação de luta em que órgãos de jornalismo e
jornalistas estão com seus concorrentes e as relações de força
invisíveis que podem ser percebidas através de indicadores como
fatias de mercado, força junto aos anunciantes e capital coletivo de
jornalistas de prestígio (BOURDIEU, 1997).
Neste contexto, para o autor acima referenciado, o campo
jornalístico tem, entre suas principais características, o fato de que
sua importância no mundo deve-se por ele deter monopólio real
sobre os instrumentos de produção e de difusão da informação e
sobre o acesso dos cidadãos e dos produtores de bens simbólicos ao
espaço público. Para o autor, o jornalismo, em relação a outros
campos de produção cultural, tem posição inferior, mas detém
grande poder simbólico sobre a notoriedade pública.

Não há discurso (análise científica, manifesto político, etc.) nem


ação (manifestação, greve, etc.) que, para ter acesso ao debate
público, não deva submeter-se a essa prova da seleção jornalística,
isto é, a essa formidável censura que os jornalistas exercem, sem
sequer saber disso, ao reter apenas o que é capaz de lhes interessar,
de “prender sua atenção”, isto é, de entrar em suas categorias, em
sua grade, e ao relegar à insignificância ou à indiferença expressões
simbólicas que mereceriam atingir o conjunto dos cidadãos.
(BOURDIEU, 1997, p. 67).

Outra particularidade do campo jornalístico é o maior grau de


dependência em relação às forças externas do que todos os campos
de produção cultural. As imposições do mercado são fortes, em se
tratando de meio de comunicação privado, quando se defronta entre
o cultural e o comercial, este último tende a vencer. O peso da lógica
Thaize Ferreira Macêdo | 93

comercial se faz tão intenso que o sistema de sanções positivas e


negativas imposto aos agentes em outros campos de produção
cultural não tem o mesmo poder no campo jornalístico (BOURDIEU,
1997).
Como dito anteriormente, as posições e tomadas de posições
são de grande importância para se analisar sociologicamente um
campo, no caso do jornalístico não é diferente. De um lado, deve-se
considerar a posição de órgão da imprensa no qual o jornalista se
encontra e, de outro, a própria posição do profissional no espaço do
jornal para o qual presta o serviço. A mudança da posição de um
jornal se dá quando seu poder de deformar o espaço à sua volta
diminui a ele já não dita a lei do campo, que é o objetivo das lutas
simbólicas (BOURDIEU, 1997).
Outro efeito da busca pelo maior número de leitores, de
acordo com Boudieu (2007) é que os veículos de imprensa “para
todos” têm de evitar metodicamente tudo o que pode ser rejeitado
por uma fração de seu público, ou seja, “em primeiro lugar, as
tomadas de posição propriamente políticas, […] com exceção,
todavia, […] das declarações oficiais” (p. 413-414). Um dos pontos a
ser levado em consideração é a influência das limitações a que o
campo jornalístico está exposto sobre os outros campos de produção
cultural. Para Bourdieu (1997), as limitações comerciais do campo
jornalístico têm sido transpassadas aos outros campos de produção
simbólica. Neste sentido, o autor entende que a lógica de mercado
tem sido exercida através do campo jornalístico a outros campos de
produção cultural, como o científico e o jurídico.
Como campo de produção cultural com forte influência sobre
os outros, o jornalismo impõe ao sistema de produção e circulação
de bens simbólicos os efeitos da distribuição de jornais e jornalistas
conforme sua autonomia no campo. A autonomia de um órgão de
imprensa se mede pelo grau de receita proveniente de publicidade e
do Estado e de concentração de anunciantes. Já o profissional
jornalista possui diversos fatores que influenciam em sua
autonomia: grau de concentração da imprensa, posição do seu jornal
94 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

no campo, a própria posição no veículo em que trabalha (que


influencia nas garantias trabalhistas) e na capacidade de produção
autônoma da informação.
Outras forças não econômicas também limitam a autonomia
da estrutura do campo jornalístico: o monopólio das fontes oficiais,
a luta entre fontes e jornalistas e o poder simbólico do Estado. Assim,
as fontes oficiais – polícia, autoridades e cientistas, por exemplo –
tentam manipular as informações ou os agentes transmissores e a
imprensa tenta manipular os detentores das informações para ter
exclusividade. O Estado tem o poder de, com uma entrevista
coletiva, por exemplo, mudar a “ordem do dia e a hierarquia dos
acontecimentos que se impõem aos jornais” (BOURDIEU, 1997, p.
104).

2.1 A produção de notícias a partir de uma visão sociológica

Sob o ponto de vista da sociologia interpretativa, o


desenvolvimento da notícia como uma realidade construída pelos
jornalistas e organizações de imprensa agem de forma a definir, em
conjunto com a estrutura social, as normas sobre o que é notícia.
Dessa forma, a notícia pode ser vista como fator de construção da
realidade produzido pelos jornalistas (MORLOTCH e LESTER, 1999;
TUCHMAN, 2002; SCHUDSON, 1989, WEBER, 1924). Nesse
sentido, Weber (1924) enumera os questionamentos sociológicos
que devem ser feitos para estudar a imprensa:

Perguntando primeiro: O que aporta a imprensa à conformação do


homem moderno? Segundo: Que influências exerce sobre os
elementos culturais objetivos supraindividuais? Que
deslocamentos produz neles? O que se destrói ou é novamente
criado no âmbito da fé e das esperanças coletivas, no “sentimento
de viver” [...], que possíveis atitudes são destruídas para sempre,
que novas atitudes são criadas? (WEBER, 1924, p. 1930).
Thaize Ferreira Macêdo | 95

Nessa perspectiva, tem-se que a produção de notícias tem


importância no processo de subjetividade coletiva e a aciona para
expor os fatos e opinar sobre os assuntos que julga de interesse.
Tuchman (2002) afirma que as notícias auxiliam no processo de
construção da realidade social “como um fenômeno social
partilhado”, visto que ao descrever os acontecimentos, elas “definem
e moldam” a ocorrência, impondo-lhes significações (p. 94-95).
Partindo da visão filosófica de Schutz (1962), Tuchman
(2002) descreve que as notícias fazem parte da atitude natural
(aquela que não se põe em dúvida) do ser humano e são fenômenos
sociais que auxiliam na criação de significados. Assim, a autora
descreve duas características da transformação dos acontecimentos
em notícias e que fazem parte do caráter público das notícias e do
trabalho noticioso como um todo: reflexividade e indexicalidade:

A reflexividade especifica que os relatos dos acontecimentos estão


inseridos na mesma realidade que eles próprios caracterizam,
registram ou estruturam. A indexicalidade especifica que os atores
sociais, ao utilizarem relatos (termos, enunciações ou narrativas),
podem atribuir-lhes sentidos independentes do contexto no qual
esses relatos são produzidos e processados. (TUCHMAN, 2002, p.
98).

Assim, Tuchman (2002) explica que essas duas características


são componentes do caráter público das notícias, que predispõe que
as notícias registram a realidade social, mas também são um
produto dessa realidade. O fato de as notícias dar forma pública a
acontecimentos que não seriam conhecidos, faz com que ela lhe
atribua existência e também faça parte dos acontecimentos em si
(reflexividade). A autora afirma que a divulgação das informações é,
ainda “base para a formação do conhecimento”. A publicação de
matérias sobre determinados fenômenos sociais ajuda a formar uma
consciência coletiva a respeito deles. Essa consciência e mesmo as
informações relatadas nas notícias podem ser objeto de estudo e
fonte de informação sobre os diversos assuntos, que, tirados de seu
96 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

contexto, demonstram a indexicalidade das notícias. A


reflexividade também está presente no trabalho, explica Tuchman
(2002), de produção de notícias a medida que o trabalho jornalístico
está inserido no contexto de uma estrutura política no qual ele se
baseia e reproduz.
Outro conceito de importância para se entender como as
notícias atuam no processo de construção da realidade social é a
noção de quadro simbólico, de Goffman (1974), que é responsável
por organizar e dar sentido aos acontecimentos. As notícias
possuem quadros simbólicos responsáveis por organizar a realidade
do cotidiano, sendo parte desta mesma realidade, atraindo para si o
seu caráter público (TUCHMAN, 2002).
Sobre o papel das notícias na realidade social partilhada,
Morlotch e Lester (1999) apontam diferentes tipos de necessidades
de notícias. As necessidades de notícias dos diferentes tipos de
pessoas, que estão distintamente posicionadas perante a
organização do trabalho jornalístico, produzem “conhecimento”
social e político do público. Nesse sentido, os acontecimentos são
usados como pontos de referência para passado e futuro, sendo que
alguns não são presenciados e passam a ser observáveis. Para os
autores, as notícias são o trabalho de produção daqueles que estão
nos meios de comunicação e são capazes de informar.
Morlotch e Lester (1999) descrevem o processo em que os
fatos viram acontecimentos noticiosos e são considerados pontos de
referência de acordo com sua utilidade. Considerando as ocorrências
de acordo com seu papel para ser ponto de referência, jornalistas,
historiadores, sociólogos e analistas políticos definem o leque de
acontecimentos que criam o tempo público. Este tempo público,
definem os autores, é o passado socialmente compartilhado e
padronizado.
Sob esse ponto de vista, as linhas de percurso dos
acontecimentos públicos para a produção das notícias, que passam
por um conjunto de agências (indivíduos ou grupos), cujo os
principais são: promotores de notícia, os news assemblers (todos os
Thaize Ferreira Macêdo | 97

profissionais do campo jornalístico que participam na “montagem”


do produto do jornalismo) e os consumidores de notícias. Os
promotores de notícias são responsáveis pela transformação de uma
ocorrência em acontecimento e promovem a circulação das
ocorrências das quais são responsáveis.
A segunda agência é responsável pela montagem das notícias
e tem o papel de verificar o valor de uma “estória”. Os promotores
de notícias poderosos podem mudar a rotina de trabalho dessa
agência, que é formada pelos jornalistas, e aumentar as
correspondências entre suas necessidades e a do corpo jornalístico.
Sobre o trabalho dos jornalistas, os autores refletem que ele é
permeado de intencionalidade, em que é produzido um bem que
favorece as necessidades de acontecimentos de grupos sociais e
desfavorece as de outros. O consumo, como terceira agência, pode
definir as necessidades da mídia.
Considerando as agências na produção de acontecimentos,
Morlotch e Lester (1999) definem quatro tipos de acontecimentos
públicos: acontecimentos de rotina – realizado intencionalmente e
promovidos pelo executor (as pessoas produtoras são aquelas que
promovem os acontecimentos); acidentes – involuntariamente (não
intencional), promovido pelo informador (residem nos cálculos
errados que levam à quebra da ordem habitual); e escândalos –
realizado intencionalmente e promovido pelo informador. Nesse
sentido, nenhum desses tipos de notícias é um evento espontâneo
do mundo que a imprensa descobre por conta própria.
Desta maneira, Morlotch e Lester (1999) defendem que os
jornais não refletem o mundo, mas sim as práticas daqueles que tem
o poder de determinar as experiências dos outros. A partir desta
conjuntura, os autores buscam os “propósitos que estão subjacentes
às estratégias de criação de uma realidade em vez de uma outra” (p.
50). Assim, para se estudar e consumir mídia, argumenta-se que é
necessário considerar que os acontecimentos são considerados
através de um trabalho político feito pelos detentores do poder no
momento.
98 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

2.2 Aspectos conceituais e metodológicos da análise de framing

O conceito de enquadramento, ou framing, surgiu da


sociologia interacionista, desenvolvido por Goffman (1986),
segundo o qual, enquadramentos são “os princípios de organização
os eventos sociais e nosso envolvimento neles […], entendidos como
marcos interpretativos mais gerais, construídos socialmente, que
permitem às pessoas dar sentido aos eventos e às situações sociais
(GOFFMAN, 1986, apud PORTO, 2004, p. 78). De acordo com Porto
(2004), como podem influenciar em decisões (psicologia
comportamental), o enquadramento se torna instrumento de poder.
Ao revisar o uso dos enquadramentos nas pesquisas em
comunicação, Chong e Druckman (2007) afirmam que são
encontradas duas formas de utilização na literatura. A primeira
reflete a noção de frame em comunicação ou enquadramento
midiático como referente às palavras, imagens, frases e estilos de
apresentação que o emissor usa para transmitir informações sobre
um evento para um público. Neste tipo de pesquisa, “o
enquadramento escolhido revela o que o emissor vê como relevante
no tópico em questão” (CHONG; DRUCKMAN, 2007, p. 100).
Uma segunda forma de se utilizar o enquadramento aplicado
à comunicação é o frame de pensamento ou individual. Este tipo de
enquadramento se refere ao entendimento cognitivo individual
sobre o uma situação. Dessa forma, Chong e Druckman explicam
que o enquadramento de pensamento nas pesquisas de
comunicação diz respeito “ao que um membro da audiência acredita
ser o aspecto mais saliente de um assunto” (p. 101).
Neste sentido, apesar da origem sociológica, a análise de
framing já encontra importantes estudos com sua utilização na área
da comunicação, especialmente do jornalismo. De acordo com
Tuchman (1993), esta metodologia, que também é teoria, é
importante por contribuir para o processo de investigação dos
“princípios de organização que estão na base da seleção e definição
Thaize Ferreira Macêdo | 99

dos acontecimentos noticiosos” (p. 258). A autora é uma das


percussoras do uso do conceito de frame de Goffman para analisar
a forma como o repórter transforma o acontecimento em notícia.
Partindo da noção de que os enquadramentos organizam os
fatos aleatórios em acontecimentos que possuem significância, as
“estórias” do jornal se tornam frames, que, por sua vez, “oferecem
definições da realidade social” (TUCHMAN, 1993, p. 259). Para
Tuchamn, a utilização deste conceito para a mídia leva em
consideração que os produtores de notícias veem os acontecimentos
a partir da perspectiva da “estória” que vão contar. O frame é
responsável por identificar e definir quais acontecimentos são
notícias e como eles devem ser apresentados. É neste sentido que a
autora defende o estudo do enquadramento para identificação dos
fatores que levam a uma notícia ser identificada como tal e, ainda,
na análise de elementos profissionais e organizacionais que atuam
no fazer jornalístico.
Aplicado ao campo da comunicação midiática, Porto (2004)
afirma que o enquadramento foi utilizado de forma incipiente nos
estudos de Tuchman (1978), que ressaltou o papel da mídia como
impositora de um enquadramento da realidade, limitando o
conhecimento a um certo entendimento analítico. A primeira
definição de enquadramento para o conteúdo jornalístico foi feita
por Gitlin (1980):

Os enquadramentos da mídia […] organizam o mundo tanto para


os jornalistas que escrevem relatos sobre ele, como também, em
um grau importante, para nós que recorremos às suas notícias.
Enquadramentos da mídia são padrões persistentes de cognição,
interpretação e apresentação, de seleção, ênfase e exclusão, através
dos quais os manipuladores de símbolos organizam o discurso,
seja verbal ou visual, de forma rotineira. (GITLIN, 1980, apud
PORTO, 2004, p. 80).

Esta teoria aplicada à análise dos mass media busca preencher


uma lacuna metodológica nesta área do conhecimento, que por
100 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

muito tempo dedicou seus esforços a delimitar um conteúdo


jornalístico como objetivo ou não, imparcial ou não, questão já de
certa forma ultrapassada na análise da mídia.
Um modelo de framing analyses aplicada aos estudos da
mídia foi proposto por Reese (2001), que conceituou frame e
teorizou a forma como o jornalismo o utiliza em seus modos de
produção. Neste sentindo, o autor define frame como “princípios
de organização que são socialmente compartilhados e
persistentes ao longo do tempo, que trabalham simbolicamente
para estruturar significativamente o mundo social” (p. 5, tradução
nossa, grifos do autor). Para Reese (2001), uma abordagem política
tem revelado que jornalistas utilizam os enquadramentos para
ordenar as informações como resultados de interações com as fontes
e promovendo vários pontos de vista. No sentido mais ideológico,
diz o autor, as pesquisas demonstram que os “enquadramentos de
notícias podem conter interesses mesmo que não intencionalmente”
(p. 12, tradução nossa).
Destacando a importância do discurso midiático para a
opinião pública (constituída de diferentes fóruns), Gamson e
Modigliani (1989) realizaram uma pesquisa sobre a discussão
pública a respeito da energia nuclear e desenvolveram um
importante conceito para a análise de enquadramento em estudos
da construção de sentidos midiáticos, o pacote interpretativo. Para
os autores, o discurso midiático pode ser concebido como um
conjunto de pacotes interpretativos sobre um assunto que possuem
um frame (quadro) como ideia organizadora central. Os pacotes
bem-sucedidos na mídia são, para os autores, uma combinação de
ressonâncias culturais, atividades promotoras e ajuste com as
normas e práticas midiáticas. Neste contexto, os jornalistas “em seus
comentários sobre um assunto, frequentemente tentam articular e
cristalizar uma série de respostas que eles esperam ou assumem que
serão compartilhadas com sua audiência invisível” (p. 9, tradução
nossa).
Thaize Ferreira Macêdo | 101

Outra importante conceituação sobre enquadramento é dada


por Etman (1993) e trabalhada por Porto (2004). Como já
explicitado anteriormente, a mídia não é neutra e, segundo Hackett
(1993), os jornalistas, ao produzirem seus mais diversos produtos
de gêneros jornalísticos, ativam uma certa “matriz ideológica
limitada” ou “estrutura profunda” (apud PORTO, 2004, p. 76). De
acordo com Etman (1993):

Enquadramentos envolvem essencialmente seleção e saliência.


Enquadrar é selecionar alguns aspectos de uma realidade
percebida e fazê-los mais salientes em um texto de comunicação,
de tal modo a promover uma definição particular do problema,
interpretação causal, avaliação moral, e/ou recomendação de
tratamento para o item descrito. Quadros, então, definem
problemas […]; diagnostica causas […]; faz julgamentos morais
[…]; e sugere soluções […]. (ETMAN, 1993, p. 52, tradução nossa).

Nesse sentido, muitas vezes metáforas (como jogo, guerra,


navegação) e efeitos de polarização entre negativo/positivo são
utilizados como enquadramentos em determinadas matérias
jornalísticas. Os pontos realçados e destacados em uma notícia em
relação a obscuridade dada a outros aspectos e a forma como um
assunto é enquadrado dá as bases necessárias para uma
interpretação mais completa de uma mensagem, que pode ter mais
de um enquadramento.
Sobre enquadramentos no debate público, existem estudos
sobre presença de concorrências entre frames opostos que destacam
que os assuntos públicos geralmente envolvem competição entre
partes divergentes para estabelecer o significado ou interpretação
dos assuntos. Isto ocorre de forma que, quando os cidadãos estão
diante de uma questão, eles devem lidar com “frames opostos que
são projetados pela opinião dos líderes para influenciar as
preferências do público” (CHONG, DRUCKMAN, 2007, p. 100).
Como percebe-se, muitas são as definições e utilizações da
noção de enquadramento em estudos aplicados aos meios de
102 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

comunicação desde a década de 1980. A fim de se busca uma melhor


aplicação do conceito de framing, Scheufele (1999) diz que é
necessário que o enquadramento deve ser definido e
operacionalizado nas bases do construtivismo social. Sob esta
perspectiva, Neuman, Just e Crigler (1992) afirmam que frames “dão
à história uma ‘espinha’... levando em consideração seus
constrangimentos organizacionais e formativos, julgamentos
profissionais e certos julgamentos sobre a audiência” (apud
SCHEUFELE, 1999, p. 105).
Sobre as pesquisas na área, Gamson (1992) notou o leque de
teorias que examinam o processo entre dois níveis: indivíduos que
operam ativamente na construção do significado e processos socio-
culturais que fornecem os significados (apud SCHEUFELE, 199, p.
106). Neste sentido, Scheufele (1999) considera duas dimensões em
análise de frame: uma que se preocupada com enquadramentos da
mídia e individuais, e outra que utiliza os frames como variáveis
independentes e variáveis dependentes. Na primeira dimensão,
estão inseridos estudos de Gitlin (1980) que afirmou que os
enquadramentos organizam o mundo para os jornalistas e para seu
público, e Entman (1991), que definiu enquadramentos individuais
como “esquemas de processamento de informação” e
enquadramentos da imprensa “como atributos das notícias em si”
(apud SCHEUFELE, 1999, p. 106). Esta é a divisão também
apresentada por Chong e Druckman (2007), anteriormente
mencionada.
Tratando os enquadramentos como varáveis dependentes ou
independentes, Scheufele (1999) ressalta que estudos que
consideram os frames variáveis dependentes refletem que os
enquadramentos dos jornalistas sobre um assunto podem ser
influenciados por várias variáveis socio-estruturais ou
organizacionais. Já, ao se considerar os enquadramentos como
variáveis independentes, foca-se na forma como a audiência
formatará o assunto.
Thaize Ferreira Macêdo | 103

A partir desta conjuntura, Scheufele (1999) estabelece o


esquema de questões que devem guiar as pesquisas a respeito dos
enquadramentos midiáticos: quais valores influenciam a forma
como os jornalistas ou outros grupos societais enquadram certos
assuntos; como esses processos funcionam e quais são os
enquadramentos que os jornalistas utilizam; e quais tipos de
enquadramentos de mídia influenciam a percepção da audiência
sobre certos assuntos e como esse processo ocorre.
Assim, o autor identifica quatro processos nas pesquisas sobre
enquadramento noticioso: construção de enquadramentos,
montagem de enquadramentos, níveis individuais de efeitos de
enquadramentos e uma ligação entre os enquadramentos
individuais e de mídia (suscetibilidade de jornalistas e elites aos
processos de enquadramento). Scheufele (1999), então, desenvolve
enquadramento como um processo contínuo em que os resultados
de determinados procedimentos são entrada para processos
subsequentes, conforme retrata a Figura 1.
Neste sentido, os estudos sobre construção de
enquadramento focam nas dinâmicas de como emissores escolhem
enquadramentos específicos na comunicação. Já a montagem do
framing concerne à influência dos enquadramentos midiáticos sobre
os individuais e os processos psicológicos de enquadramentos. As
pesquisas que se preocupam com os níveis individuais de efeitos de
enquadramento se referem aos impactos do frame nos pensamentos
e comportamentos e atitudes consequentes. Já tratando os
“jornalistas como audiência’’, as pesquisas buscam saber como as
ações da população afetam o processo inicial de construção de
enquadramentos (SCHEUFELE, 1999, apud CHONG; DRUCKMAN,
2007).
Diante da diversidade de conceitos advindos de diferentes
áreas do conhecimento e das várias aplicações metodológicas da
noção de enquadramento, especialmente sobre a área do jornalismo,
Reese (2007) defende que a importância do estudo de
enquadramento está justamente na sua interdisciplinaridade, pois é
104 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

um modelo provocativo que abre caminhos entre áreas que


precisam estar em contato: quantitativo e qualitativo, empírico e
interpretativo, psicológico e sociológico, e acadêmico e profissional.
(, p.148). Dessa forma, por estar fundado nas áreas psicológica e
sociológica, a análise de enquadramento pode ser o aporte teórico e
metodológico para o estudo da mídia.

Figura 1 - Modelo de processo de pesquisas sobre enquadramento


Fonte: SCHEUFELE (1999), p. 115.

Reese (2007) vai além e argumenta que o estudo dos


enquadramentos confere mais precisão e interpretatividade à
análise de dados:

Como um paradigm, framing abre questões que não estavam à


mesa antes. Em particular, pode encorajar empiricistas a
considerer aspectos mais interpretativos de seus problemas. Para
pesquisadores mais críticos, abre oportunidades para mais
explicitamente examinares concepções ideológicas de “definição da
situação” e “naturalização”, não apenas presumindo que os
poderosos são capazes de configurar e naturalizar suas definições
sem problemas. Como uma perspectiva teórica, framing ajuda a
Thaize Ferreira Macêdo | 105

adicionar um sabor crítico às abordagens de efeitos de mídia, por


um lado, enquanto domam com maos precisão observacional a
visão de hegemonia da mídia, por outro. (p. 149).

Neste sentido, a noção de enquadramento trouxe mais


respeitabilidade para a área de estudos de mídia, marginalizada
muitas vezes como “não científica”. A partir da análise de framing,
vê-se o que o sistema e os quadros a ele incorporados permite-se
que se veja. Para Reese (2007) esta é uma noção muito importante,
independentemente de qual área científica ou origem
epistemológica ela tenha.
Ainda em defesa da análise de enquadramento, D’Angelo
(2002) entende framing mais como um programa de pesquisa do
que um paradigma sem campo de aplicação. Este programa de
pesquisa, na visão do autor, é guiado por uma combinação das
perspectivas cognitiva, construtivista e crítica. Para ele, a
diversidade teórica encontrada a partir da noção de enquadramento
tem sido benéfica para desenvolver um entendimento compreensivo
do processo de comunicação.

2.3 Aproximações entre enquadramentos midiáticos e o campo


jornalístico

Através da análise de enquadramento se busca um


aprofundamento sobre as condições de produção, ou seja, os marcos
cognitivos contextuais que definem as tomadas de posição que os
textos jornalísticos são capazes de (re)produzir. Entende-se, pela
disposição teórica apresentada que, através da framing analysis, é
possível responder aos questionamentos apontados por Weber
(1992) sobre os estudos das notícias sob a perspectiva sociológica,
visto que o autor considera a importância da subjetividade coletiva
na exposição de fatos e opiniões feita pelo jornalismo.
O enquadramento também possui relação com a visão da
construção da realidade a partir do “fenômeno social partilhado” de
106 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

Tuchman (2002), pelo qual os jornalistas utilizam estruturas


institucionalizadas que favorecem certas maneiras de se observar os
acontecimentos. Como viu-se esta autora reflete sobre a importância
da noção de quadro simbólico para a produção das notícias. Desta
maneira, a contribuição o enquadramento já é reconhecido por
estudiosos da área como de importância para se entender o processo
de construção da realidade a partir das notícias.
As noções de reflexividade, pela qual as notícias estão
inseridas na mesma realidade por elas anunciada, e indexicalidade,
através da qual os atores sociais podem atribuir sentido às notícias
independentes dos contextos de produção dos acontecimentos,
possuem afinidade com a ideias de enquadramento midiático e
individual, respectivamente. Demonstra-se, mais uma vez, a
contribuição da análise dos enquadramentos utilizados por
jornalista para tratar os acontecimentos e, de outro lado, os
enquadramentos acionados pelo público para entender a sucessão
de ocorrências ao seu redor.
Além disso, a noção de agências que transpassam as notícias
e interferem nos tipos de acontecimentos públicos que viram
conteúdo jornalístico ajuda a refletir sobre como o processo de
transformação de ocorrências em notícias são importantes para o
jornalismo. Neste sentido, a análise de enquadramento pode ajudar
a desvendar os processos sociológicos e individuais pelos quais
passam esses acontecimentos. Esta ideia vai de encontro ao papel
das “ressonâncias culturais, atividades promotoras e ajuste com as
normas e práticas midiáticas” na produção de pacotes de
interpretação bem-sucedidos (GAMSON E MODIGLIANI, 1989).
Neste sentido, Morlotch e Lester (1999) reconhecem a importância
de se entender os propósitos subjacentes à produção de notícias e da
construção da realidade através delas, que leva à sociedade a
demarcar os acontecimentos que farão parte de um tempo público.
Por tratar da forma como o jornalismo organiza o mundo e
como seus agentes atuam dentro do campo a fim de influenciar
outros campos, os conceitos de enquadramento se adequam à visão
Thaize Ferreira Macêdo | 107

de jornalismo como campo de produção simbólica, visto que os bens


simbólicos são carregados de significados e possuem força no campo
e o enquadramento pode ser considerado como o conjunto de
componentes que exercem influência fundamental sobre o modo
que as notícias se apresentam ao público. Esta relação pode ser
observada mais ainda na definição de frame como ideia central
organizadora de uma sequência de acontecimentos e o fato de que o
enquadramento é o componente que sugere a essência do assunto,
ou seja, do produto simbólico.
O conceito de Gitlin (1980, apud SCHEUFELE, 1999) sobre o
enquadramento como rotina de produção é outro dispositivo que
demonstra a afinidade com a visão de campo jornalístico de
Bourdieu. Estudar os enquadramentos presentes nas mensagens
jornalísticas permite contribuir para esclarecer as regras próprias
do campo e os meios pelos quais os jornalistas empacotam as
informações oriundas de outros campos para sua retransmissão.
Assim, analisar os frames como variáveis dependentes de estruturas
sociais e organizacionais também é pertinente à visão de campo do
jornalismo
Essas áreas de estudo da comunicação podem se encontrar,
pois estão interessados em saber quais forças atuam para que o
jornalismo seja como é e quais enquadramentos são influentes na
produção simbólica da mídia. Em geral, pesquisas que vem o
jornalismo como um campo e se focam sobre seus produtos buscam
responder a perguntas relacionadas aos fatores de influência na
produção simbólica dos jornalistas e como seus produtos refletem
as suas posições dentro do campo, bem como qual o impacto da
produção jornalística dentro do próprio campo e de campos que são
tangenciados por ele. Como foi explicado por Scheufele (1999),
pesquisas que analisam os enquadramentos de mídia também são
marcadas pela preocupação com valores, enquadramentos
utilizados e ação na percepção do público pelo jornalismo para tratar
de determinados assuntos. Denota-se, então, a aproximação entre
essas reflexões teóricas sobre o jornalismo e a mídia.
108 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

Outra importante contribuição de Sheufele (1999) para as


pesquisas de framing e, no caso desse estudo, para a relação entre
enquadramento e a visão de campo do jornalismo é o seu modelo de
processo em pesquisas de enquadramento. Como viu-se, diversos
são os fatores de entrada, como pressão organizacional, ideologias,
atitudes e outros grupos na produção dos enquadramentos de
mídia. A pesquisa de jornalismo como um campo considera
justamente esses e outros componentes na produção simbólica e na
tomada de posição dos agentes no campo.
Ademais, essa relação é observada com a noção dos fatores de
autonomia dos jornalistas, que são grau de concentração da
imprensa, posição do seu jornal no campo, a própria posição no
veículo em que trabalha (que influencia nas garantias trabalhistas)
e na capacidade de produção autônoma da informação. Os
enquadramentos utilizados pelo profissional possuem ligação com
estes fatores e a análise desses frames pode evidenciar de forma
mais precisa a dependência, consciente ou não, do jornalista das
ações sobre seu campo.

3 Considerações finais

Conclui-se, portanto, a partir da revisão teórica aqui


realizada, que os estudos de enquadramento possuem importantes
contribuições para a análise sociológica da produção jornalística,
especialmente à visão de campo de produção de bem simbólicos. O
enquadramento pode ser a forma pela qual as pesquisas sobre a
mídia podem carregar mais cientificidade e interpretatividade.
A noção de campo jornalístico pode ser estudada através de
métodos de análise de framing, principalmente aqueles voltados à
construção dos enquadramentos e ao efeito dos frames externos
provenientes de outros campos, como o político e o econômico,
sobre os midiáticos. Estes estudos podem ter como objetos tanto as
pesquisas sobre as posições dos agentes no campo e sua influência
sobre os enquadramentos da mídia, quanto os próprios produtos
Thaize Ferreira Macêdo | 109

jornalísticos, que revelam os enquadramentos e, de forma


consequente, as tomadas de posição pelos agentes.
A partir dessa reflexão, é possível que mais pesquisas sejam
realizadas utilizando esses dois dispositivos teóricos para a
investigação sociológica da mídia. A análise de enquadramento
fornece, ainda, métodos confiáveis pelos quais são inferidos os
frames utilizados pelo campo jornalístico mídia ao tratar diferentes
assuntos, em especial aqueles que possuem influência sobre ou
originadas em outros campos de produção simbólica ou de poder.

Referências

BIROLI, F. Limites da política e esvaziamento dos conflitos: o jornalismo como


gestor de consensos. Revista Estudos Políticos: a publicação eletrônica
semestral do Laboratório de Estudos Hum(e) anos (UFF) e do Núcleo de
Estudos em Teoria Política (UFRJ). Rio de Janeiro, nº 6, pp. 126-143, Jul.
2013. Disponível em: http://revistaestudospoliticos.com/. Acesso em jun
2016.

BOURDIEU, P. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989.

BOURDIEU, P. O mercado dos bens simbólicos. In. A Economia das trocas


simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2007. p. 99-181.

BOURDIEU, P. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

BOURDIEU, P. A oferta e a demanda de opiniões. In: A distinção: crítica social do


julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre, RS: Zouk, 2007. p. 412-421.

CHONG, D; DRUCKMAN, J. N. A Theory of Framing and Opinion Formation in


Competitive Elite Environments. Journal of Communication 57 (2007)
99–118 ª International Communication Association, 2007.

D’ANGELO, P. News Framing as a Multiparadigmatic Reseach Program: A


Response to Entman. Journal of Communication, dez. 2002.

ENTMAN, R. M. Framing: toward clarification of a fractured paradigm. Journal


of Communication, n. 43, 1993.
110 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

FARACO, C. A. e TEZZA, C. Oficina de texto. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

GAMSON, W.; MODIGLIANI, A. Media discurse and public opinion on nuclear


power: a construcionist approach. American Journal of Sociology, v. 95,
p. 1–37, 1989.

MACHADO, A. A televisão levada a sério. São Paulo: Editora SENAR São Paulo,
2000.

MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONISIO,


Ângela Paiva et al. Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucena,
2003, p. 20-36.

MENDONÇA, R. F.; SIMÕES, P. G. Enquadramento: diferentes operacionalizações


analíticas de um conceito. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 27,
p. 187-201, 2012.

MOLOTCH, H; LESTER, M. As notícias como procedimento intencional: acerca do


uso estratégico de acontecimentos de rotina, acidentes e escândalos. In:
TRAQUINA, N (Org.). Jornalismo questões, teorias e “estórias”. Lisboa:
VEJA, 1999. pp. 34-51.

PORTO, M. Enquadramentos da mídia e política. In: RUBIM, A. A. C. (org).


Comunicação e política: conceitos e abordagens. Salvador: EDUFBA,
2004.

REESE, S. D. Prologue - framing public life: A bridging model for media research.
In: REESE, S. D.; JR, O. H. G.; GRANT, A. E. (Ed.). Framing public life:
perspectives on media and our understanding of the social life. New
Jersey: Lawrence Erlbaum Publishers, 2001. p. 7–31.

REESE, S. D. The Framing Project: A Bridging Model for Media Research


Revisited. Journal of Communication 57 (2007) 148–154 ª International
Communication Association, 2007.

SCHEUFELE, D. A. Framing as a Theory of Media Effects. Journal of


Comunication, dez/mar 1999.
Thaize Ferreira Macêdo | 111

TUCHMAN, G. A objectividade como ritual estratégico uma análise da noção de


objectividade dos jornalistas. In: TRAQUINA, N. (Org.). Jornalismo:
questões, teorias e “estórias”. Lisboa: VEJA, 1999.

TUCHMAN, G. As notícias como uma realidade construída. In: Pissarra, E.J. (org.).
Comunicação e Sociedade – os efeitos sociais dos meios de
comunicação de massa. Lisboa: Livros Horizonte, 2002.

WEBER, M. Sociologia da imprensa: um programa de pesquisa. In Revista


Española de Investigaciones Sociales – REIS, nº 57/1992, p. 251-259.
Capítulo 6

Consumo não consciente? O efeito


priming no comportamento do
consumidor
Thaís Moura Monteiro1
Jorge Luiz Resende Nogueira2
Liliam Deisy Ghizoni3
Amanda Maurício Pereira Leite4

Introdução

Uma ação comum no cotidiano das pessoas é a tomada de


decisões, seja na simples tarefa de escolher qual roupa usar, o que
pedir no cardápio de um restaurante ou qual sabonete comprar na

1
Mestranda no Programa de Pós Graduação em Comunicação e Sociedade pela Universidade Federal
do Tocantins (PPGCOM-UFT), Psicóloga, Professora no CEULP/ULBRA. Membro do Grupo Trabalho
e Emancipação: Coletivo de Pesquisa e Extensão (UFT/CNPQ). E-mail: thais.monteiropsi@gmail.com.
2
Mestrando no Programa de Pós Graduação em Comunicação e Sociedade pela Universidade Federal
do Tocantins (PPGCOM-UFT), Publicitário e Gerente de Contas na empresa AMP Propaganda. E-mail:
jorgeagecom@hotmail.com.
3
Doutora em Psicologia Social do Trabalho e das Organizações na UnB com Estágio Sanduíche na
Université Catholique de Louvain la Neuve - Bélgica. Psicóloga. Professora no Programa de Pós
Graduação em Comunicação e Sociedade (PPGCOM) na UFT. Líder do Grupo Trabalho e Emancipação:
Coletivo de Pesquisa e Extensão (UFT/CNPQ). E-mail: ldghizoni@gmail.com.
4
Fotógrafa. Graduada em Pedagogia (UNEMAT). Doutora e Mestre em Educação pelo Programa de
Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora no
Programa de Pós Graduação em Comunicação e Sociedade (PPGCOM) na UFT. E-mail:
amandaleite@uft.edu.br.
114 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

gôndola de um supermercado. Há aquelas que certamente irão


influenciar toda trajetória, como qual carreira seguir e comprar ou
não o imóvel tão sonhado. Muitos acreditam que todas essas
escolhas são feitas de forma consciente e que o ser humano está no
controle de todas ações, no entanto, tais atitudes podem ser
desencadeadas por fatores internos ou estímulos externos
disponíveis no ambiente. Pode ser um cheiro, uma imagem, uma
propaganda, uma música ou até mesmo algo que remeta a uma
memória afetiva e que tenha alguma relevância pessoal (GALVÃO,
2014).
Percebe-se que muitas vezes as ações são carregadas de
influências ambientais/externas, na medida em que os indivíduos
são seres sociais e, por conseguinte, buscam incessantemente
suprir uma necessidade de pertencimento a um grupo ou pares.
Nesse sentido, alguns comportamentos são bastante influenciáveis
por questões que talvez a pessoa não perceba (não consciente).
Com o intuito de compreender esse mecanismo que influencia os
consumidores de forma tão sutil e silenciosa, os estudos sobre o
efeito priming vêm ganhando destaque em várias áreas do
conhecimento, tais como a psicologia, comunicação, marketing,
neurociência, antropologia e sociologia.
É consensual entre diversos autores que esse campo de
pesquisa, nas últimas décadas, tem crescido consideravelmente
(BARGH, 2006; BARGH; CHARTRAND, 2000; DIJKSTERHUIS;
BARGH, 2001), sendo que nos países de primeiro mundo, há uma
maior incidência de estudos sobre essa temática. As pesquisas são
primordialmente aplicadas, utilizando de métodos científicos para
testar uma gama de hipóteses e avançar no conhecimento sobre o
priming (YI, 1990, 1993; SCHMITT, 1994; DOMKE,2001;
VALENTINO, 2002; ALTHAUS; KIM, 2006).
Foi possível identificar, ainda, que o efeito priming possui
diversas nomenclaturas e que não há um acordo do termo
utilizado. Portanto, as palavras prime, priming e pré-ativação
Thaís M. Monteiro; Jorge L. R. Nogueira; Liliam D. Ghizoni; Amanda M. P. Leite | 115

serão utilizadas como sinônimos neste estudo, assim como em


outras pesquisas da área (BORINE, 2007; SENISE, 2015).
Desse modo, a partir de uma revisão da literatura, este
trabalho se propõe traçar um paralelo sobre a influência do efeito
priming no comportamento do consumidor. Para tanto, discutiu
sobre a pré-ativação no momento de recepção das mensagens;
elencou os principais conceitos sobre o fenômeno, bem como
alguns modelos explicativos. Descreveu, ainda, a relação entre
priming com os aportes teóricos da comunicação, marketing,
comportamento do consumidor e memória. Por fim, têm-se as
considerações finais desta pesquisa.

Pré-Ativação, Prime ou Priming?

Os primeiros estudos sobre o priming iniciaram com Hebb


(1949), a partir das investigações sobre o comportamento
humano. Identificou-se a importância das representações mentais
internas para o aprendizado, sendo que suas ativações podem
ocorrer por meio de fatores internos e/ou externos. Este processo
acontece quando o sujeito é exposto a uma situação e as
informações adquiridas têm relações com o estímulo subsequente
e o estímulo inicial, ocasionando assim, influências e associações
no tratamento das informações (BARGH, 2006).
Hebb (1949) definiu que o efeito priming ocorre no
momento da recepção dos estímulos, afetando a percepção, o
julgamento ou comportamento dos sujeitos, mesmo que estes não
se lembrem ou percebam sua influência. Pode-se inferir que os
neurônios adquirem arranjos a partir de como os estímulos são
recebidos, sejam eles externos ou internos. Enquanto que as
células possuem inúmeras possibilidades de combinações, isso vai
depender da maneira que o estímulo foi captado pelo sujeito.
A associação de ideias ativadas no priming pode influenciar
e desencadear ações. Esse fenômeno da pré-ativação é conhecido
como efeito ideomotor, pois influencia movimentos corporais
116 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

involuntários, que nos fundamentos do marketing vem a ser a


parte final de um método muito conhecido pelos profissionais da
propaganda e estudioso do comportamento do consumidor, o
método AIDA, um dos pilares que sustentam a publicidade
mundial (OLIVEIRA, 2016).
A sigla AIDA foi criada a partir das iniciais das palavras:
Atenção, Interesse, Desejo e Ação. Este modelo tenta explicar como
funciona o comportamento humano em relação à aquisição de um
produto ou serviço. Tal conceito explica cientificamente as etapas
e comportamento de um cliente em potencial. Os estágios formam
uma hierarquia linear que os consumidores passam no processo
de compra (OLIVEIRA, 2016).
De acordo com Oliveira (2016), Lewis criou o método que
para adquirir um produto ou serviço, o consumidor deve
obrigatoriamente ter: a) “atenção” capturada e saber da existência
deste produto específico em um mar de outras possibilidades; b)
despertar o “interesse”, ou seja, ter a curiosidade em descobrir as
especificações e benefícios do produto; c) manter esse “desejo” em
adquirir; d) efetivar a compra “ação”. Todavia, estes quatro passos
seguem uma sequência e passam por um nível de informação
(cognitivo), um nível afetivo (atitude) e um nível de
comportamento (conativo). Qualquer que seja o meio de
persuasão haverá sempre a necessidade de envolvimento e
sensibilização antes da efetivação da ação.
Dentre os comportamentos humanos, o que mais chama a
atenção do marketing é o comportamento de compra e consumo,
uma vez que configura-se o maior objetivo do campo
mercadológico. Para Christiane Gade (1980), o comportamento de
compra pode ser definido como a procura, a busca, uso e avaliação
de produtos e serviços para satisfazer necessidades.
Diante disso, foi possível constatar que as decisões do
consumidor, assim como seus hábitos de consumo, está muito
associado às atividades mentais e emocionais realizadas na seleção
do produto. O momento da ação/compra é carregado de satisfação
Thaís M. Monteiro; Jorge L. R. Nogueira; Liliam D. Ghizoni; Amanda M. P. Leite | 117

e realização de um desejo. Este é o ponto de convergência entre o


efeito priming e o comportamento do consumidor. É por meio das
ativações inconscientes que ocorre a alteração no comportamento
do indivíduo e, consequentemente, a compra de determinado
serviço ou produto.

Efeito Priming: modelos explicativos sobre o fenômeno

Um dos pontos basilares para consecução de qualquer


pesquisa é o entendimento do seu objeto. Diversos autores têm
apontando que o priming possui íntima relação com as correntes
que estudam as funções executivas (aprendizagem e memória),
apesar de embasarem-se em modelos explicativos distintos sobre
o fenômeno (CHARTRAND, 2005; LOERSCH; PAYNE, 2014;
PÉREZ-NEBRA, 2010; SIMONSON, 2005). Desse modo, na
sequência serão apresentados alguns conceitos que dialogam com
o efeito priming.

Priming e Comunicação

O efeito priming sedia a maioria dos estudos nos EUA e na


Europa, pautados em pesquisas científicas de natureza
quantitativa. No Brasil, as pesquisas empíricas no campo da
Comunicação sobre o priming encontram-se em déficit. A revisão
sistemática realizada por Senise (2015) em sua obra “Efeito
Priming aplicado em comunicação: uma meta-análise”, apresenta
o panorama de publicações brasileiras sobre o fenômeno, sendo
que até o ano de 2014, o Brasil possuía apenas cinco artigos
publicados na base de dados Scopus, já no ano de 2011, foram
realizadas três pesquisas. Em 2012 e 2013 efetivaram-se apenas
um estudo em cada ano.
Para McCombs (1977), o priming poderia ocorrer em virtude
da agenda setting, na medida em que há uma influência
inconsciente gerada pela mídia frente às decisões dos
118 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

consumidores em decorrência das pautas programadas para a


sociedade. Assim, a acessibilidade das informações contidas na
memória dos indivíduos poderia influenciar a pré-ativação, mas
não pode-se afirmar que seja um fator determinante. Wheeler e
Berger (2007) chamam atenção para a existência de outros fatores
que podem interferir nesse fenômeno, os quais estão relacionados
ao ambiente/contexto que os indivíduos estão inseridos.
Quando a influência do priming vincula-se a uma
característica e percepção positiva do indivíduo com relação ao
estímulo, há uma tendência comportamental de agir mediante a
aproximação desses atributos. Todavia, o priming pode influenciar
no sentido oposto, fazendo que o operante específico queira se
distanciar ou evitar aspectos relacionados ao estímulo exposto. A
esse fenômeno, Laran, Dalton e Andrade (2011) denominaram de
priming reverso. Logo, se o sujeito não perceber intencionalidade
persuasiva frente ao estímulo, bem como não se identificar ou
perceber questões negativas referente ao que está sendo exposto,
poderá desencadear um efeito reverso e, de forma não consciente,
o indivíduo assumirá comportamentos e atitudes que o afaste
desses atributos.
Na maioria das vezes, o estímulo não está visível no
ambiente, por vezes, torna-se imperceptível. A esse efeito,
denominou-se de priming subliminar, visto que há a utilização de
técnicas de inserção dos estímulos no ambiente de forma sutil e
rápida que, aos olhos humanos, não são percebidos. É consensual
entre diversos autores que o tempo de exposição concentra-se nos
milissegundos, podendo, inclusive, ganhar aspectos
manipulativos, pois as pessoas não sabem ao que estão sendo
expostas. Salientam que, em tempos passados, tais mensagem
subliminares foram incessantemente criticadas e até proibidas de
serem veiculadas (CESÁRIO; PLAKS; HIGGINS, 2006;
CHARTRAND et al., 2008).
Em contrapartida, o priming supraliminar é a falta de
consciência sobre não saber o que a exposição ao priming poderá
Thaís M. Monteiro; Jorge L. R. Nogueira; Liliam D. Ghizoni; Amanda M. P. Leite | 119

influenciar em termos de atitude futura, ao passo que a


visualização do(s) estímulo(s) é perceptível e consciente. De acordo
com Stajkovic, Locke e Blair (2006), o priming supraliminar
consiste em disponibilizar uma informação consciente, mas de
forma que pareça que não há relação com qualquer atividade
experimental. Vale pontuar que o tempo de exposição aos
estímulos é um fator importante de ser analisado, até mesmo o
grau e forma de interação com o atributo.
Dijksterhuis e Knippenberg (1998) postularam que o
envolvimento com priming em períodos mais longos influenciam
e potencializam o efeito subsequente. No experimento com um
grupo que ficou uma maior quantidade de tempo (9 minutos)
listando os atributos percebidos na imagem de um professor
(priming), foi possível obter em uma atividade que media a
inteligência um resultado expressivamente superior ao grupo que
ficou menos tempo (2 minutos) para concretizar a tarefa. Vale
ressaltar que este também obteve um resultado superior ao grupo
controle, o qual não foi exposto a nenhum tipo de estereótipo.
Por fim, verificou-se que existem diversas maneiras de um
indivíduo se envolver com os estímulos. O tempo de envolvimento
e a profundidade da interação podem ser decisivos para influenciar
comportamentos subsequentes. Os estímulos supraliminares
aparecem de diversas formas no ambiente, por meio de frases,
palavras, sinais, imagens, falas, etc. Estes ficam disponíveis no
contexto, na medida em que vários estímulos fazem parte do
ambiente de forma “natural”. Todavia, quando outros estímulos
são inseridos a partir de planejamentos e objetivos bem definidos,
objetiva-se influenciar o repertório comportamental de quem está
sendo exposto ao efeito priming. Nesse caso, a publicidade,
baseada em pesquisas e profunda imersão no comportamento do
consumidor, almeja perceber quais os sentidos deverão ser
ativados para a escolha do produto ou serviço oferecido.
120 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

Priming, Marketing e Comportamento do Consumidor

No período clássico, Aristóteles estudou sobre a retórica e,


para o filósofo, racionalizar não era o suficiente, precisava tocar,
sensibilizar os corações para que aquilo que estivesse sendo
verbalizado tivesse algum valor. Partindo dessa afirmação, muitas
tentativas de convencimento vêm sendo aplicadas para explicar
como acontece esse momento tão importante que está entre o não
conhecer e o desejar.
Na evolução do marketing, Philip Kotler, uma das maiores
autoridades, traz um novo olhar para a forma com que as
mensagens publicitárias têm sido elaboradas. Segundo Kotler, há
que se pensar o consumidor por um prisma cada vez mais
individual, que também não deixa de ser uma estratégia, fazer que
o indivíduo sinta-se especial em participar ou ser impactado por
uma mensagem publicitária criada exclusivamente para ele. A
tentativa das mentes por trás das grandes empresas e marcas que
mobilizam a sociedade do consumo em capturar o desejo de
individualidade e pertencimento do sujeito tem causado efeitos na
memória e no comportamento de compra dos receptores de forma
não obstrutiva (KOTLER, 2012).
A influência do marketing pode ser observada ainda em
situações em que a mensagem não é o fator de atratividade
principal para o receptor, como em arenas esportivas. Mas, ainda
assim, a propaganda pode ser efetiva, principalmente se
combinada com as características do estímulo principal para que o
efeito priming consiga induzir o receptor a ação da compra. Outras
nuances precisam ser levadas em conta, como o ambiente, a forma
e, sobretudo, sempre analisar o repertório individual e a
subjetividade de cada indivíduo. Seria precipitado acreditar que
em um grupo de pessoas impactadas pelo mesmo priming, todas
fariam as mesmas ligações neurais que levariam a certa atitude ou
decisão (BAUDRILLARD, 2007).
Thaís M. Monteiro; Jorge L. R. Nogueira; Liliam D. Ghizoni; Amanda M. P. Leite | 121

Samara e Morch (2005) apontam que em decorrência das


novas possibilidades de consumo, progresso das tecnologias de
informação e comunicação, o comportamento do consumidor está
em constante alteração. O marketing de guerrilha entre as marcas é
bem comum, a fim de atrair a atenção do público-alvo. A nova visão
do marketing moderno proposta por Kotler (2012), denominada de
marketing 3.0, é a fase em que as empresas estão expandindo seu
foco dos produtos para além da abordagem centrada no
consumidor, mas também voltam-se para as questões do ser
humano e suas vicissitudes. A lucratividade passa a ser associada à
responsabilidade corporativa.
De acordo com Laran, Dalton e Andrade (2011), os estudos
sobre pré-ativação e sua influência no comportamento do
consumidor apontam para existência de três categorias: 1) pré-
ativação instrumental; 2) funcionamento da pré-ativação e seus
mecanismos; 3) os efeitos priming que os elementos de marketing
geram nos consumidores (LARAN; DALTON; ANDRADE, 2011).
Na pré-ativação instrumental, não há o objetivo de
aprofundar no fenômeno ou na influência do comportamento do
sujeito. O efeito priming deixa de ser o objeto, mas continua sendo
parte fundamental no estudo (PACHECO; DAMACENA;
BRONZATTI, 2015). Na segunda categoria, nos mecanismos da
pré-ativação, verificou-se uma visão mais exploratória com foco
em compreender as estratégias que estão por trás da pré-ativação.
Já na terceira categoria, tem-se a pré-ativação por elementos de
marketing, a qual está ligada aos elementos de marcas, slogans,
propagandas, etc. (PACHECO; DAMACENA; BRONZATTI, 2015).
Sendo assim, os profissionais da comunicação precisam de muita
criatividade para a elaboração dos planos de mídia, ou seja,
precisam fazer boas escolhas dos meios e veiculação de mensagens
que consigam atingir o target (público-alvo).
Levando em consideração a influência do priming, no
momento do estímulo, faz-se importante destacar que o lugar
onde o outdoor estará instalado, se no sentido de casa ou do
122 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

trabalho, o break comercial do programa de televisão, o horário na


rádio, a página do jornal impresso ou até mesmo ações
promocionais em shoppings ou lojas, tudo isso é comunicação, é
captado por sensações subjetivas e precisam ser pensadas para a
ativação ser precisa e eficaz no momento da tomada de decisão e,
posteriormente, a compra.
Como a eficiência do merchandising em ponto de venda, a
ativação é precisa, a título de exemplo tem-se uma situação em um
supermercado, onde há um ponto de distribuição de café e,
concomitantemente, ao servir o café gratuito aos clientes, a marca
e o sabor são bastantes enfatizados. Logo, se o produto conseguir
acessar conexões positivas ou lembranças afetivas, certamente
suprirá os desejos do consumidor. A ação de pegar o produto na
gôndola e colocar no carrinho é imediata, sendo a compra
concretizada. Nesse caso, o consumidor, que na maioria das vezes
tem uma marca já fidelizada, se dispõe a provar uma nova
possibilidade.
No marketing nada acontece sozinho, tudo gira em torno de
um conjunto de informações inconscientes que as marcas criam
para seduzir e, aos poucos, levar o consumidor na direção de
efetivar a compra. Os elementos do composto de marketing, criado
por Kotler (2012) resumem-se em quatro P’s: Produto, Preço,
Praça e Promoção. A embalagem, o preço, a disponibilidade em
encontrar em lojas acessíveis (logística) e a qualidade do produto,
fará com que haja mudança na forma de pensar e agir.
Desse modo, verificou-se que as empresas precisam estar
atentas às recentes solicitações e necessidades de seus
consumidores. Para manter os negócios viáveis e empreendimentos
a longo prazo, faz-se necessário que as organizações acompanhem a
evolução dos consumidores e que desenvolvam ações
mercadológicas que estejam em consonância com a ética e a
responsabilidade social.
Thaís M. Monteiro; Jorge L. R. Nogueira; Liliam D. Ghizoni; Amanda M. P. Leite | 123

Priming e Memória

Os processos de priming configuram-se como um tipo de


memória que se modifica de acordo com os estímulos e as
representações mentais ativadas. Na psicologia cognitiva,
Sternberg (2008) afirmou que o priming é o conjunto de ligações
envolvidas em uma rede mental de conhecimento. A informação,
quando acessada por um sujeito, é produto da ativação dessa rede.
Já na comunicação, o priming ocorre com a exposição à atributos
(marcas ou produtos) por meio de anúncios que tendem à ativar e
associar uma rede de relações.
Tulving e Schacter (1990) corroboram com este autor ao
descreverem que a corrente cognitiva permite que a informação
fique mais acessível na memória e, por conseguinte, o indivíduo
em situações de indução à algum processamento acessa a
informação latente de forma inconsciente. Para Simonson (2005),
uma informação não será necessariamente escolhida, contudo,
estará disponível no ambiente. Pérez-Nebra (2010) acrescenta que
as memórias recentes ou a acessibilidade crônica (processamento
de informação por excesso de exposição) tendem à suscitar a
ocorrência do efeito priming de maneira mais fácil.
O termo acessibilidade, baseado no efeito priming, está
relacionado ao processamento de informações, na medida em que
presume que os indivíduos tomam decisões a partir da
disponibilidade dos conteúdos na memória, no momento em que
estas são solicitadas. Logo, a formação dos julgamentos e
comportamentos envolve a facilidade e disposição de ideias
trazidas à mente (PÉREZ-NEBRA, 2010)
Yi (1990) em seu estudo “Cognitive and affective priming
effects of the context for print advertisements” realizou um
experimento com o objetivo de investigar as principais questões
envolvidas nas decisões sobre a seleção de propagandas, buscando
analisar a influência que o contexto teria nas avaliações dos
produtos. Dois efeitos foram estudados: o amortecimento
124 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

cognitivo e o afetivo, presentes no contexto para anúncios


impressos. Foi possível identificar que o contexto cognitivo
relacionava-se com a interpretação e avaliação do produto no
anúncio, as análises sugeriram que os efeitos de iniciação cognitiva
operavam por uma atitude em relação à marca, já os efeitos de
amortecimento afetivo funcionavam, sobretudo, em decorrência
de uma atitude frente ao anúncio.
Cabe pontuar que o contexto do anúncio (por exemplo, uma
história de crime) pode estimular ou ativar determinados atributos
(por exemplo, segurança) para leitores e orientar suas
interpretações de informações do produto no anúncio (por
exemplo, tamanho do carro). As interpretações podem resultar na
formação ou mudança de opinião sobre a marca anunciada, o que
afetará as evoluções da marca do consumidor. Este processo
influencia a afetividade do anúncio principalmente ao aumentar a
acessibilidade dos atributos. Tal aspecto do ambiente do anúncio
será chamado de "contexto cognitivo". O envolvimento do anúncio
é denominado de "contexto afetivo", na medida em que opera
principalmente por meio da indução de reações afetivas (YI, 1990).
Wheeler e DeMarree (2009) descreveram sobre o priming-
e-comportamento a partir de uma visão integrada entre a pré-
ativação e o comportamento. Para os autores, com a ampliação do
acesso para se construir memória diante de um estímulo
ambiental, este pode influenciar o comportamento pelo efeito
priming. Tal modelo apresenta-se de forma supraliminar, uma vez
que as sensações e estímulos subliminares são ignorados.
Dessa forma, é pouco provável atribuir ao estímulo, por si
só, a modificação comportamental ou a consecução de alguma
ação. Nesse sentido, as motivações ficam internalizadas e, frente à
exposição de um estímulo e captação da memória, este poderia
influenciar alguma ação. Contudo, o operante específico não tem
consciência desse processo. Logo, o priming só pode ser ativado se,
somente se, houver representações mentais pré-existentes.
Thaís M. Monteiro; Jorge L. R. Nogueira; Liliam D. Ghizoni; Amanda M. P. Leite | 125

Considerações finais

Verificou-se que os estudos sobre priming, apesar de serem


escassos no Brasil, têm sido amplamente discutidos em outros
países, sobretudo, nos EUA e na Europa. As pesquisas trabalham
com hipóteses, testando variáveis que poderiam influenciar os
comportamentos de maneira não consciente, a partir da exposição
de estímulos. Este olhar abre diversos subcampos para o
investimento em estudos comunicacionais e neuropsicológicos.
As teorias que envolvem o consumo não consciente são
embasadas em construtos teóricos da psicologia, carregando
consigo aspectos bastantes subjetivos que envolvem o ato de
consumir. Estudos voltados para a comunicação social e marketing
têm analisado questões relacionadas ao efeito priming a partir de
palavras, frases, imagens, marcas, frases, entre outros. Tais
artifícios vêm sendo utilizados com sucesso na aquisição dos
comportamentos e ações desejadas.
Foi possível identificar também que o comportamento do
consumidor possui relações muito próximas com o efeito priming,
atendendo ao objetivo inicialmente proposto. Verificou-se a
riqueza do tema, bem como um universo amplo de possibilidades
de estudos sobre esse fenômeno à luz de correntes teóricas
distintas. Vários atributos têm sido utilizados nos experimentos
com o intuito de traçar o paradigma do comportamento do
consumidor em consonância com o priming.
As empresas têm buscado incansavelmente diferenciar-se
dos concorrentes. Logo, o profissional de marketing deve
considerar e selecionar os estímulos ao planejar e reestruturar o
processo de construção de uma marca. Dentre os estudos
analisados, foi possível perceber que as pesquisas sobre o efeito
priming no comportamento do consumidor têm utilizado três
categorias norteadoras.
A primeira está relacionada à utilização do priming como
forma instrumental, ou seja, a pré-ativação não é o foco do estudo,
126 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

mas sim uma ferramenta dos pesquisadores para auxiliá-los na


construção dos seus objetos de pesquisa. Por sua vez, a segunda,
vincula-se na busca pela compreensão da função e mecanismos do
priming, a fim de tecer considerações sobre os múltiplos conceitos
que envolvem o fenômeno e como estes influenciam o ato de
consumir. Por fim, a última categoria busca aprofundar nos
estudos sobre marketing e sua influência no comportamento do
consumidor.
Por fim, este trabalho não objetiva esgotar o tema, mas
destacar a relação existente entre priming e comportamento do
consumidor. Nesse passo, verificou-se que no Brasil a maioria dos
estudos apresentam análises teóricas sobre o priming, sendo
importante para legitimar a incidência de pesquisas que envolvem
o efeito no país. Contudo, sugere-se a consecução de estudos
empíricos, a fim de testar as múltiplas hipóteses que circundam o
fenômeno, tanto em laboratório, com manipulações do efeito de
forma isolada, quanto em ambientes que não existam o controle
das variáveis, possibilitando assim, a concorrência de diversos
estímulos.

Referências

ALTHAUS, S. L., KIM, Y. M. Priming Effects in Complex Information


Environments: Reassessing the Impact of News Discourse on Presidential
Approval. The Journal of Politics, v. 68, n. 4, p.960–976, 2006.
BAUDRILLARD, J. Sociedade de consumo. Lisboa, PT: Edições 70, 2007.

BARGH, J. What have we been priming all these years? On the development,
mechanisms, and ecology of nonconscious social behavior. European
Journal of Social Psychology, v. 36, n. 2, p. 147– 68, 2006.

BARGH, J. Losing consciousness: Automatic influences on consumer judgment,


behavior and motivation. Journal of consumer research. v. 29, 2002.
Thaís M. Monteiro; Jorge L. R. Nogueira; Liliam D. Ghizoni; Amanda M. P. Leite | 127

BARGH, J; CHARTRAND, T. The mind in the middle. A practical guide to priming


and automaticity research. Handbook of Research Methods in Social
and Personality Psychology, 2000, p. 309.

BORINE, M. Consciência, emoção e cognição: o efeito do priming afetivo


subliminar em tarefas de atenção. Ciências & Cognição, v. 11, p. 67–79,
2007.

CESÁRIO, J.; PLAKS, J.; HIGGINS, E. Automatic Social Behavior as Motivated


Preparation to Interact. Journal of Personality and Social Psychology.
v. 90, n. 6, p. 893-910, 2006.

CHARTRAND, T.; FITZSIMONS, G.; FITZSIMONS, G.J. Automatic Effects of


Anthropomorphized objects on behavior. Social Cognition, v. 26, n. 2,
p.198-209,
2008.

CHARTRAND, T. L. The Role of Conscious Awareness in Consumer Behavior.


Journal of Consumer Psychology, v. 15, n. 3, p. 203–210, 2005.
DOMKE, D. Racial Cues and Political Ideology: An Examination of Associative
Priming. Communication Research, 28, p. 772-881, 2001.
DIJKSTERHUOS, A.; BARGH, J. The perception-behavior expressway: Automatic
effects of social perception on social behavior. Advances in Experimental
Social Psychology, v. 33, n. 40, 2001.

DIJKSTERHUIS, A.; KNIPPENBERG, A. The Relation Between Perception and


Behavior, or How to Win a Game of Trivial Pursuit. Journal of
Personality and Social Psychology. v. 74, p. 865-877, 1998.

GADE, C. Psicologia do consumidor. São Paulo: EPU, 1980.

GALVÃO, F. H. Efeito da exposição ao priming de marca esportiva na


propensão ao risco em decisões subsequentes. (Mestrado) Pós-
Graduação em Administração, Setor de Ciências Sociais Aplicadas da
Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, 120f.

HEBB, D. O. The Organization of Behavior: A Neuropsychological Theory. (McGill


University, Ed.) Journal of applied behavior analysis. New York: John
Wiley & Sons, 1949.
128 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

KOTLER, P. Marketing 3.0. As forças que estão definindo o novo marketing


centrado no ser humano. Tradução Ana Beatriz Rodrigues – Rio de
Janeiro: Elsevier, 2012.

LARAN, J.; DALTON, A. N.; ANDRADE, E. B. The Curious Case of Behavioral


Backlash: Why Brands Produce Priming Effects and Slogans Produce
Reverse Priming Effects. Journal of Consumer Research, v. 37, p. 999–
1014, 2011.

LOERSCH, C.; PAYNE, B. Situated Inferences and the What, Who, and Where of
Priming. Social Cognition, p. 1–28, 2014.

McCOMBS, M. Agenda setting function of mass media. Public Relations Review,


v.3, n.4, p. 89–95, 1977.

OLIVEIRA, A. O funil de compra e o comportamento online do consumidor.


Caso Rangel Expresso. Março, 2016.

PACHECO, J; DAMACENA, C; BRONZATTI, R. Pré-ativação: o efeito priming nos


estudos sobre o comportamento do consumidor, Revista Estudos e
Pesquisas em Psicologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, v. 15, n. 1, p. 284-309, 2015.

PÉREZ-NEBRA, A. Consumo de beleza: um estudo da relação entre automatismo


e comportamento. 93f., il. Tese (Doutorado em Psicologia) - Universidade
de Brasília, Brasília, 2010.

SAMARA, B. S.; MORSCH, M. A. Comportamento do Consumidor: conceitos e


casos. São Paulo: Pearson Education, 2005.

SENISE, D.S. Efeito priming aplicado em comunicação: uma meta-análise. Porto


Alegre, 2015

SIMONSON, I. In Defense of Consciousness: The Role of Conscious and


Unconscious Inputs in Consumer Choice. Journal of Consumer
Psychology, v.15, n.3, p. 211–217, 2005.

SCHMITT, B. H. Contextual Priming of Visual Information in Advertisements.


Psychology and Marketing, v. 11, n.1, p. 1-14, 1994.
Thaís M. Monteiro; Jorge L. R. Nogueira; Liliam D. Ghizoni; Amanda M. P. Leite | 129

STAJKOVIC, A.; LOCKE, E.; BLAIR, E. A first examination of the relationships


between primed subconscious goals, assigned conscious goals, and task
performance. Journal of applied psychology, v. 91, n. 5, p.1172-1180,
2006.

STERNBERG, R. J. Psicologia cognitiva. 4th ed. Porto Alegre: Artmed, 2008.

TULVING, E.; SCHACTER, D. L. Priming and human memory systems. Science


(New York, N.Y.), 247(4940), p. 301–6, 1990.

VALENTINO, N. A. Cues that Matter: How Political Ads Prime Racial Attitudes
During Campaigns Public Opinion Quarterly. American Political Science
Review. v.96, n.1, p. 75-90, 2002.

WHEELER, S.; BERGER, J. When the same prime leads to different effects.
Journal of Consumer Research, v. 34, n. 3, 357–368, 2007.

WHEELER, S. C.; DEMARREE, K. G. Multiple Mechanisms of Prime-to-


Behavior Effects. Social and Personality Psychology Compass, 3(4), p.
566–581, 2009.

YI, Y. Contextual Priming Effects in Print Advertisement: The Moderating Role of


Prior Knowledge, Journal of Advertising, v. 22, n.1, p. 1-10, 1993.

YI, Y. Cognitive and affective priming effects of the context for print
advertisements. Journal of Advertising, v. 19, n. 2, p. 40-48, 1990.
Capítulo 7

Os dias em que o Brasil parou:


uma análise dos enquadramentos
noticiosos na cobertura das greves gerais

Taianne Santos Moreira de Souza1


Vanildo Lisboa Veloso2
Francisco Gilson Rebouças Pôrto Junior3

1
Mestranda em Comunicação e Sociedade pela UFT. Especialista em Ensino de
Comunicação/Jornalismo: Temas Contemporâneos pela Universidade Federal do Tocantins (UFT).
Jornalista graduada pela UFT. Fez parte do grupo de pesquisa Observatório de Pesquisas Aplicadas ao
Jornalismo e ao Ensino (OPAJE) da UFT. Também atua como Editora, Produtora e Apresentadora da
TV Anhanguera, afiliada da Rede Globo, no Tocantins e como Assessora de Comunicação. Também fez
parte do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Multimídia da Universidade Federal do Tocantins
(GJM/CNPq/UFT), no qual pesquisou sobre Jornalismo Econômico e Político no Tocantins. E-mail:
taiannejornalista22@gmail.com.
2
Mestrando em Comunicação e Sociedade pela Universidade Federal do Tocantins e Mestrando em
Marketing Estratégico pela Universidad de Ciências Empresariales y Sociales, Buenos Aires-AR. Possuí
graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Tocantins, MBA em Marketing
Estratégico, MBA em Gestão Empresarial e Especialização em Gestão e Planejamento Ambiental.
Atualmente é analista administrativo e financeiro da Investco S.A., professor especialista da Faculdade
ITOP e professor convidado da Universidade Federal do Tocantins. E-mail: vanildoveloso@gmail.com.
3
Pós-doutor em Comunicação (FAC-UnB) e Ciências Sociais Aplicadas: Comunicação (UNESP). Doutor
em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal
da Bahia (UFBA), Mestre em Educação pela Faculdade de Educação (UnB) e graduado em
Comunicação Social/Jornalismo, Pedagogia e História. Atualmente é líder do Núcleo de Pesquisa e
Extensão e Grupo Lattes Observatório de Pesquisas Aplicadas ao Jornalismo e ao Ensino (OPAJE-UFT).
É professor na Fundação Universidade Federal do Tocantins (UFT). E-mail:
gilsonportouft@gmail.com.
132 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

1 Introdução

É sabido que com as greves, surgem espaços ressignificados,


momento muito significativo no processo de luta por direitos. A partir
de então, surge a necessidade de se estudar tal temática. O presente
trabalho traz uma análise de quais enquadramentos foram dados
pelos principais jornais brasileiros: Folha de São Paulo e O Globo,
quanto a cobertura das Greves Gerais dos dias 29 de abril e 30 de
maio de 2017. Trata-se de um estudo empírico, que analisa todas as
notícias presentes nos cadernos dos jornais supracitados, de modo a,
entender quais as vozes e enquadramentos foram privilegiados pelos
profissionais do campo jornalístico que escrevem para esses veículos,
acerca desse assunto.
Fundado em 1925, o Jornal diário O Globo (OG) pertence ao
grupo Infoglobo Comunicações Ltda e é produzido no Rio de Janeiro.
Sua versão online esta disponível no endereço eletrônico:
www.oglobo.com.br. O OG tem hoje como principais editorias ou
cadernos: Rio (notícias do Rio de Janeiro); Economia (com a proposta
de reforma do governo Temer, criou-se uma seção especial, intitulada
“Previdência e Trabalho”); Sociedade; Tecnologia; Ciência; Saúde;
Cultura; Esporte; Brasil; TV; Mundo; dentre outros.
Segundo dados do IVC, o jornal diário Folha de São Paulo (FSP),
é hoje o de maior tiragem entre os diários nacionais. A Folha também
disponibiliza a sua versão online pelo endereço eletrônico
www.folha.com.br. Destaca-se da FSP, os seus principais cadernos: o
de Opinião; Poder (assuntos do cenário político); Mundo; Economia;
Cotidiano; Esporte; Cultura; dentre outros. A Folha também divulga
seu conteúdo por meio de redes sociais como Facebook, Twitter,
Instagran e Linkedln (geralmente com chamadas para o conteúdo do
site).
Ao falar das greves gerais que ocorreram ao longo da história
no Brasil, o presente estudo trabalha os conceitos e vertentes de
Ricardo Antunes, a partir da sua principal obra “A Rebeldia do
Trabalho”, no qual o autor trabalha as greves como fenômenos
Taianne S. Moreira de Souza; Vanildo L. Veloso; Francisco G. R. Pôrto Junior | 133

sociais, segundo os quais, os processos que as constituem devem ser


dotados pela consciência do ser social. Também utiliza os estudos da
Scoleso (2004; 2009), na qual a autora enfatiza as formas
organizacionais das paralisações metalúrgicas de 1978,1979 e 1980.
O estudo em questão traz ainda as noções de enquadramentos
ou frames, a partir de diferentes estudiosos como Goffmann
(1986;2006); Entmann (1993); Mendonça e Simões (2012);Gamson e
Modigliani (1989) e Van Gorf (2007), dentre outros autores. Já o
estudo das Vozes (também considerada como as fontes utilizadas para
reforçar os discursos jornalísticos) parte das ideias de Tuchman
(1973;1992; 1999 a;1999 b). As duas análises trazem os aportes
teóricos e metodológicos de Porto (2004), que trabalha essas teorias,
a partir dos estudos da comunicação.

2 Desenvolvimento

2.1 Greves gerais no Brasil

O presente capítulo traz o histórico das principais Greves


Gerais que movimentaram o cenário brasileiro ao longo dos anos. A
Greve Geral de 1917, por exemplo, foi organizada pelo movimento
anarquista e reuniu cerca de 50 mil trabalhadores das indústrias e do
comercio de São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Castellucci
(2005, p.1) a define como a maior Greve geral desse período “ficando
imortalizada e retida de maneira mais significativa na memória do
movimento operário”.
Em outubro de 1918, surgia uma Greve Geral no Rio Grande
(RS), em seguida, uma Insurreição anarquista foi reprimida no Rio de
Janeiro (CASTELLUCCI, 2005, p.1). Em junho do ano subsequente,
desencadeou-se em Salvador na Bahia mais uma Greve Geral. Nesse
caso, a crise interoligárquica, além das eleições para a Presidência da
República e para o governo do Estado, aprofundaram a divergência
das elites baianas (CASTELLUCCI, 2005, p.9). O resultado, segundo o
autor, culminou com a vitória do movimento operário de 1919.
134 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

Scoleso (2004; 2009) ao trabalhar as formas organizacionais


das paralisações metalúrgicas destaca, que de 1978, depreende a
reflexão sobre o proletariado brasileiro que passava pelo
entendimento do sentido imanente das greves. A pesquisadora e
cientista social ressalta ainda, que as greves desse período, abalaram
as estruturas do Milagre Econômico. A autora também destaca que
nesse ano, os metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema
discutiram a criação do Fundo de Greve, mas foi somente no ano
subsequente que a ideia foi colocada em
prática.(SCOLESO,2004,p.649)
Em 1979, surge a primeira greve geral no país, após o golpe
militar de 1964, promovida pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC
paulista. A manifestação tinha como motim principal, o fim da
ditadura. A região do ABC é tida como um importante centro
estratégico, visto que muitas indústrias metalúrgicas e
automobilísticas (grande pilar da economia brasileira, ao longo da
história brasileira) se concentram lá. Nesse período, se deu a
intervenção da Igreja Católica com a participação da Pastoral
Trabalhadora.
A Greve Geral iniciada em maio de 1980 registrou 41 de dias de
paralização e contou com a participação de 142 mil metalúrgicos. A
manifestação defendia o direito de greve, salário mínimo unificado e
a liberdade sindical. Coube ao fundo de Greve, arrecadar
mantimentos entre para distribuir aos grevistas e suas famílias
(SCOLESO, 2004, p.650). Três anos depois, se deu a criação da CUT
(Central Única dos Trabalhadores). Scoleso (2004) lembra ainda que
essa Greve Geral, sofreu uma turbulenta repressão policial, e
consequentemente, causou uma grande confusão entre governo e
patrões.
Antunes (1988) explica que ao término dos 41 dias, a Greve
Geral de 1980, foi aos poucos, perdendo seu significado inicial:
econômico na sua causa imediata e política na sua significação mais
profunda, deste modo, não conseguiu converter-se em vitória para os
trabalhadores. (ANTUNES, 1988, p. 168-169). O autor é categórico ao
Taianne S. Moreira de Souza; Vanildo L. Veloso; Francisco G. R. Pôrto Junior | 135

afirmar, que o movimento sofreu limitações e não foi capaz de romper


com a lógica do poder político do capital e destaca ainda a ausência de
uma direção dotada de consciência política (ANTUNES, 1988, p. 169).
E seus estudos na sociologia do trabalho, Antunes (1988, p.167)
procurou entender as principais causas das Greves Gerais
metalúrgicas de 1979 e 1980, nos quais segundo o autor, encontraram
sua causalidade na luta contra a superexploração do trabalho e de
contestação do arrocho salarial, no qual os sindicatos teriam tido um
importante papel nesse processo. Antunes explica ainda, que essas
manifestações, foram o resultado da ação espontânea dos
trabalhadores e ficou marcado por um expressivo confronto dos
operários.
Em 1991, no governo do então presidente, Fernando Collor de
Mello, milhões de trabalhadores paralisaram os transportes coletivos
de várias capitais brasileiras. Scoleso e Filho (2009, p.277) resumem
esse movimento como o “posicionamento da classe trabalhadora
brasileira contra as medidas adotadas por aquele governo”. O governo
FHC, também sofreu com uma greve geral. Convocada pelas centrais
trabalhistas chegou a afetar cerca de 12 milhões de pessoas. E assim,
caracteriza-se oque os autores denominam de a “Década dos
Fernandos”.
As Greves Gerais que movimentaram o Brasil em abril e maio
de 2017, também tiveram como lideranças principais, as centrais
sindicais, mas ao final, contou com a participação massiva dos
movimentos sociais e da população de todo o pais. Os motivos que
desencadearam as manifestações, foram às propostas do Governo de
Michel Temer, em relação as reformas trabalhista e da Previdência
Social, o que mobilizou todos os estados brasileiros, além do Distrito
Federal e teve repercussão da imprensa de todo o mundo.

2.2 Trajetória metodológica

Neste capítulo aborda-se os procedimentos metodológicos


empregados na produção da pesquisa sobre a cobertura de dois
136 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

importantes jornais brasileiros: Folha de São Paulo e O Globo, no que


concerne às Greves Gerais dos dias 29 de abril e 30 de maio de 2017,
convocadas pelas principais centrais sindicais do Brasil. Trata-se de
uma pesquisa aplicada que utiliza o método indutivo. No que tange a
abordagem, apresenta dados quantitativos, porém com análise
qualitativa. Sobre a pesquisa quali-quanti, Minayo e Sanches (1993)
discorrem:

[...] a primeira tem como campo de práticas e objetivos trazer à luz


dados, indicadores e tendências observáveis. Deve ser utilizada para
abarcar, do ponto de vista social, grandes aglomerados de dados, de
conjuntos demográficos, por exemplo, classificando-os e tornando-
os inteligíveis através de variáveis. A segunda adéqua-se a
aprofundar a complexidade dos fenômenos, fatos e processos
particulares e específicos de grupos mais ou menos delimitados em
extensão e capazes de serem abrangidos intensamente (MINAYO;
SANCHES, 1993, p. 247).

A pesquisa é exposta de forma descritiva e documental


utilizando-se das seguintes análises: Conteúdo, Enquadramento e
Vozes, as quais serão explicadas no decorrer deste capítulo. Logo, o
desenvolvimento da pesquisa se dá, conforme os passos: 1)
construção do referencial teórico através de pesquisa bibliográfica; 2)
delimitação do objeto da análise e pesquisa documental; 3) análise dos
dados coletados e por último 4) as considerações finais a partir do
material pesquisado. Neste contexto é importante frisar, que a
pesquisa bibliográfica para a construção do referencial teórico
pautou-se no histórico das greves gerais no Brasil, no estudo da
análise de enquadramento ou frame e nas vozes do jornalismo.
O primeiro passo para a definição do corpus, perpassou pela
definição dos jornais utilizados para exploração dos objetos de
pesquisa. Para a pesquisa documental e coleta de dados, são utilizados
dois grandes jornais brasileiros, posicionados na segunda e terceira
posição do ranking de circulação diária média de jornais do Instituto
Verificador de Circulação (IVC). O estudo é feito a partir do O Globo e
Taianne S. Moreira de Souza; Vanildo L. Veloso; Francisco G. R. Pôrto Junior | 137

Folha de São Paulo. Quanto a não utilização do primeiro colocado do


referido ranking, o “Super Notícia”, observa-se que o critério principal
é possuir editoria, em especial a Política, e esse não atende ao pré-
requisito, visto que assuntos destas áreas aparecem em meio às
notícias da editoria Geral. O Jornal em questão possui ainda os
cadernos: Esporte; Opinião, Variedades e Cidades.
Vale destacar, que o acesso às edições dos jornais, se deu
através das versões digitalizadas, que reproduzem integralmente os
textos publicados no impresso. Observa-se que dos jornais escolhidos,
apenas a Folha de São Paulo possui um acervo totalmente livre, ou
seja, sem necessidade de assinatura para o acesso. Durante a coleta,
optou-se por uma análise integral das edições dos jornais, com o uso
das seguintes palavras ou termos chaves: “Greve”; “Greve Geral”;
“paralização” e “atos de rua”. Para a seleção da notícia, fez-se
necessário, que pelo menos uma palavra-chave ou termo-chave
fizesse presente nos títulos; linha fina; lead; olho; chapéu/cartola;
intertítulo e/ou destaque em gráficos e ilustrações nos textos; sejam
eles do gênero informativo (notas, reportagens) ou opinativos
(editoriais ou artigos de opinião).
Destaca-se ainda, que para a execução do presente estudo
empírico e analítico, cada texto jornalístico selecionado, considerou-
se uma unidade de análise, sendo que está é formada por um texto
principal com título acrescido ou não de elementos complementares,
tais como: fotos, gráficos, planilhas, tabelas, dentre outros elementos
que constituem o material jornalístico. Após essa primeira etapa
transcorreu-se as Análises de Enquadramento e de Vozes (conforme
serão descritos nas seções a seguir).

2.3 Análise de Conteúdo- AC (Categorização)

A Análise de Conteúdo proposta pelo presente trabalho, parte


dos conceitos de Bardin (1977; 1988). A autora destaca que quando
a AC permite codificar o material, remete-se a produção de uma
categorização. Bardin (1988) enfatiza ainda, que se deve criar uma
138 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

grelha de categorias fixas, em outras palavras deve-se formar um


campo de análise por um lado e um programa técnico por outro. É
importante destacar, que esse tipo de análise permite mensurar o
grau de “sensacionalismo” (grifo da autora) nos textos jornalísticos.
(BARDIN, 1988, p.15).

2.4 Análise de enquadramentos ou framing

Na atualidade, no que concerne aos estudos na área da


comunicação, o enquadramento é considerado um paradigma
alternativo, na compreensão de como se dá a cobertura da mídia no
modo de pensar do receptor, ou seja, o público (Mendonça; Simões,
2012). Mendonça e Simões salientam que a técnica de
enquadramento auxilia o pesquisador na percepção do grau de força
do interlocutor quando da definição das situações noticiadas.
Entretanto os autores pontuam, que os enquadramentos não podem
ser pensados apenas como meras opiniões de agentes.
(MENDONÇA; SIMÕES, 2012, p.192).
Segundo Porto (2004, p.80) “enquadramentos são
entendidos como recursos que organizam o discurso através de
práticas específicas (seleção, ênfase, exclusão) e que acabam por
construir uma determinada interpretação dos fatos”. O
enquadramento da notícia é uma escolha do autor, do que ele quer
destacar na publicação ao formatar o seu texto. Logo a saliência,
quadro ou janela, que é percebido é fruto da ênfase dada nesse
conteúdo. Porto destaca que esse tipo de enfoque teórico, subsidiou
a revolução do campo da comunicação política, o que justifica mais
uma vez, a importância do presente estudo. Deste modo, Porto
defende que os jornalistas, fazem uso de uma estrutura que guiam
os enquadramentos a serem dados nas notícias e argumenta ainda,
que acabam por dar sentido aos eventos e diferentes situações.
Porto argumenta que os enquadramentos são divididos em
dois grupos principais: noticioso e interpretativo (PORTO, 2004,
p.91). Ressalta-se que o presente estudo é realizado, considerando-
Taianne S. Moreira de Souza; Vanildo L. Veloso; Francisco G. R. Pôrto Junior | 139

se o enquadramento noticioso, conforme classificação do citado


autor. Neste contexto, os enquadramentos noticiosos possuem uma
característica importante, que é o fato desse tipo de enquadramento
ser resultado de escolhas feitas pelos próprios jornalistas no que
tange a formatação da matéria e que tem como consequência a
ênfase seletiva em determinados aspectos de uma realidade
percebida (Porto, 2004, p.92).
Van Gorf (2007, p.64) (tradução nossa) é categórico ao
afirmar que enquadrar corresponde a um jogo que ocorre entre
diferentes níveis: o textual (frames empregados pelos media);
cognitivo (esquemas de audiência e dos profissionais dos media); o
nível extramidiático (o discurso dos defensores de certos frames e o
estoque de frames disponível em uma dada cultura. O mesmo autor
explica, que os frames fazem parte da comunicação e estão
disponíveis na intersubjetividade que liga os indivíduos, nas quais
as construções comunicativas estão mergulhadas em quadros.
Goffman (1986) (tradução nossa) resume a ideia de
enquadramento como o ato de conferir atributos a um objeto. São
portanto, princípios de organizações que governam determinados
eventos (GOFFMAN, 1986,p.10). O autor trabalha a ideia de que se
trata de uma análise de como os indivíduos se envolvem
subjetivamente em uma determinada situação social. (GOFFMAN,
2006, p. 23) Em outras palavras, de acordo com Goffman (1986, p.2-
4), identifica em quais circunstâncias os sujeitos tomam uma
determinada situação como real, de modo a selecionar alguns
elementos e descartar outros.
Por meio de um enfoque construcionista, Gamson e
Modigliani (1989) (tradução nossa) também trabalharam sob a
perspectiva da abordagem da mídia, e assim argumentam que os
enquadramentos não podem ser confundidos com posicionamentos
a favor ou contra. Os autores trazem ainda, a ideia de pacotes
interpretativos, estes competem entre si, segundo os quais, estes não
podem ser identificados como uma clara posição política, pois
140 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

ajudam a definir as controvérsias políticas (GAMSON;


MODIGLIANI, 1987, p. 143).
Em seus estudos do jornalismo, Tuchman (1973, p.129)
(tradução nossa) por sua vez, explica o conceito de enquadramento
na atuação da mídia, a partir das noções de “viés” ou “distorção”
(grifos da autora). Nesse sentido, trabalha-se a ideia de que os
principais valores defendidos pelos profissionais do campo
jornalístico, como objetividade e imparcialidade, devem ser
percebidos como parâmetros que os auxiliam a definir o que conta
ou não como fato para a mídia. (TUCHMAN, 1978, p. 183) (tradução
nossa)
No trabalho em questão, são mapeadas as “vozes”, ou seja, os
atores que compõem a construção dos textos produzidos elos
jornalistas ou subsidiam a construção dessas narrativas. Diante
dessa discussão, recorre-se a Hackett (1993, p.120-122), ao destacar
os enquadramentos como os fatores mais importantes aplicados
pelos profissionais da comunicação dentro da estrutura que rege as
notícias. O mesmo autor é categórico ao afirmar, que nesse contexto
se faz necessário entender o tipo de orientação estruturada que
marca as coberturas jornalísticas.
Entman (1993) (tradução nossa) contribui também para a
construção do conceito de enquadramento. O autor ressalta que o
enquadramento envolve seleção e saliência, ou seja, retirar do
conteúdo noticioso o que realmente é percebido (selecionar), que na
explanação do autor são as saliências, isto é, aquilo que se destaca
no conteúdo (ENTMAN, 1993, p. 52). No presente trabalho, utiliza-
se as “palavras-chaves” das notícias, como elementos definidores
dos framing, a partir dos conceitos de Entman (1993), que descreve
os quadros, como destaques de fragmentos das informações acerca
de um item, objeto de uma comunicação, e assim lembra ainda, que
palavras específicas são os “tijolos” (grifo do autor) desses frames.
Para a análise do enquadramento, Entman propõe quatro
funções para auxiliar na identificação dos quadros numa
reportagem: definem problemas (políticos ou econômicos, por
Taianne S. Moreira de Souza; Vanildo L. Veloso; Francisco G. R. Pôrto Junior | 141

exemplo, geralmente medidos em termos de valores culturais


comuns), diagnosticam as causas (atores que criam os problemas),
fazem julgamentos morais (positivo ou negativo e seus efeitos) e
sugerem soluções; além disso, ainda podem atuar politicamente
(ENTMAN, 1993, p.52 – tradução nossa). Logo, no que concerne a
está pesquisa utilizou-se os ensinamentos de Entman, ou seja,
analisou-se as categorias encontradas para as classes: problemas,
causas, julgamentos morais e soluções (conhecidos também como
remédios). O quadro a seguir traz uma melhor definição dessa
estrutura:

Quadro 01: Enquadramentos


Grupo de Categoria de
Parâmetros da Categoria
Enquadramento Enquadramento
Paralização de serviços (Banco,
Paralisação de
Correios, Transporte) por causa
Serviços
das paralizações.
Paralização da produção (Fabricas
Paralisação da
e montadoras) por causa das
Problemas Produção
paralizações.
Baixa adesão da população a greve
Adesão
geral
Confronto entre as forças policiais
Confronto
e os manifestantes.
Paralização por causa das reformas
Reformas
trabalhista e previdenciária.
Interesses corporativos (sindicatos
Causas
Interesses e demais corporações) para
demandas específicas.
Político Greve Geral como ato político.
Manifestação de repúdio a Greve
Repúdio geral e as paralizações de serviços
e produção.
Manifestação dobre e Greve Geral
Sátira através de Sátira ao meio político e
Julgamentos Morais
sindical.
Manifestação sobre o sucesso da
Greve Geral (adesão e aprovação
Sucesso
da população, dos sindicatos, dos
trabalhadores, etc.).
142 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

Perda de cargos políticos para não


Retaliações apoiadores as reformas após greve
geral.
Otimismo do mercado após
Otimismo
resultados da Greve Geral.
Negociação do Governo com as
Negociação Centrais Sindicais para
compensação do Repasse Sindical.
Soluções Compensação por paralização dos
serviços (remarcação de voos,
Compensação
vencimento de faturas de serviços,
etc.).
Fontes: (Autores, 2017).

2.5 Análise de vozes

Os jornalistas utilizam de determinados agentes individuais ou


grupos da sociedade para falarem sobre determinados assuntos. O campo
jornalístico é portanto, tratado como uma entidade que agrega múltiplas
vozes e portanto, faz-se necessário, o mapeamento desses grupos,
indivíduos ou atores sociais, que ajudam a agregar os discursos e
enquadramentos dos textos jornalísticos. Deste modo, o estudo empírico
em questão, versa também sobre a presença das Vozes, presentes na Folha
de São Paulo e no O Globo, ao trabalhar a temática da Greve Geral e verifica
ainda, quais são privilegiadas ou silenciadas pelos jornalistas
É sabido que na atuação profissional dos jornalistas, faz-se o uso de
uma polifonia de vozes que subsidiam, dão força e sustentam os discursos
nos textos. Porto (2004, p.92) ajuda a entender esse processo, ao afirmar
que esses profissionais, dão voz para os agentes e grupos sociais, que
expressam suas opiniões, a partir do seu campo de atuação e graus de
interação. Por meio de aspas ou citações indiretas, as Vozes ajudam a
reforçar essas narrativas.
Acerca do estudo da comunicação, a socióloga Tuchman (1992;
1999a; 1999b) lembra que os profissionais do campo jornalístico, fazem
uso dos discursos das vozes, para se protegerem. A partir de estudos dos
autores já mencionados e por meio da análise do material de pesquisa
empírico, foi possível detectar a presença de algumas categorias de Vozes,
Taianne S. Moreira de Souza; Vanildo L. Veloso; Francisco G. R. Pôrto Junior | 143

a partir de parâmetros elaborados pelos próprios autores. O quadro a


seguir traz a descrição de cada uma dessas Categorias de análise.

Quadro 02: Vozes


Categorias de Parâmetros das categorias
Vozes

Empresas Fontes da iniciativa privada, empresários, industriais, entidades


(EM) patronais.

Governo (GO) Fontes do Governo Federal, Estadual e Municipal (Entende-se como


fontes todos os Ministérios e secretarias do governo e demais
instancias)

Mercado (ME) Fontes do Mercado Financeiro, banqueiros, analistas de agências,


consultorias, etc.

Política (PO) Fontes da área política (Exceção aos pertencentes a alguma


instancia governamental em cargo efetivo).

Sindicatos (SI) Fontes sindicais e de órgãos que representam a classe dos


trabalhadores.

Sociedade Civil Fontes de organizações e instituições cívicas voluntárias.


(SC)

Outros (OT) Fontes que não se enquadram nas demais categorias.

Sem vozes Textos na maioria opinativos, que não fazem uso de vozes.
(SV)

Fonte: (Autores, 2017).

4 Análises e discussões

O levantam ento das edições da FSP e OG da primeira Greve


Geral do dia 29 de abril de 2017 depreendeu 23 unidades de análises,
sendo 10 da Folha e 13 do O Globo. No que tange a greve geral do
dia 30 de junho de 2017 obteve-se 4 unidades de análises, sendo 2
144 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

para a Folha e 2 para O Globo. A primeira Análise de


Enquadramento da Folha de São Paulo, permitiu detectar 6 (50%)
Problemas; 3 (25%) Causas; 2 (16,6%) Julgamentos Morais e 1
(8,4% ) enquadramento com Soluções. Já a partir da cobertura do
O Globo, os dados da coleta de pesquisa verificou 8 (53,4 %)
Problemas; 3 (20,0 %) Causas; 2 (13,3 %) Julgamentos Morais e
2 (13,3%) Soluções. Os dados, portanto revelam certa
homogeneidade dos enquadramentos dos dois jornais supracitados.
O gráfico 1 abaixo revela o painel geral apresentado pela
pesquisa, no que refere-se aos enquadramentos dados pelos dois
objetos de análise. Observa-se que 32% do conjunto das notícias
trazem como principal enquadramento ou frame, a Paralização dos
Serviços (considerado pelos autores como um Problema). Os
Confrontos aparecem logo em seguida com 16%, o que revela um
enquadramento noticioso negativo e também classificado como um
Problema. Note que apenas 8% das notícias, destacam a Causa da
Reforma como enquadramento. Depreende-se também que apenas
8% do conjunto de notícias abordam enquadramentos para
Soluções. Salienta-se ainda que 20% do corpus pesquisado
enquadram as notícias na categoria julgamentos morais.
Taianne S. Moreira de Souza; Vanildo L. Veloso; Francisco G. R. Pôrto Junior | 145

Gráfico 1: Enquadramentos

Compensação 4%
Negociação Governo 4%
Otimismo 4%
Retaliações 4%
Sucesso 4%
Sátira 4% Soluções

Repúdio 4%
Político Julgamentos
4% Morais
Interesses 12%
Reformas Causas
8%
Confronto
16%
Adesão Problemas
4%
Paralisação da…
4%
Paralisação de…
32%
0% 10% 20% 30% 40%

Fonte: Dados da pesquisa

O gráfico 1 demonstra ainda que 56% do corpus pesquisado


apresenta enquadramento na categoria Problemas, conforme
análise dos autores, perfazendo assim um quantitativo superior a
metade das notícias analisadas para os dois veículos de comunicação
nos dois dias de greve geral.
Observa-se, ainda que a Folha de São Paulo traz como
destaque na capa da edição do dia 29 de abril, a seguinte manchete
“Greve atinge transportes e escolas em dia de confronto”, e traz,
portanto, um enquadramento noticioso negativo voltado para os
Problemas gerados pelo ato grevista, já que traz a informação de
que muitos serviços foram atingidos. É possível observar também,
que a foto em destaque, traz o enquadramento da violência ou
146 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

Confronto, o que segundo a legenda teria sido causados por black


bloc durante a manifestação.

Figura 1: Capa do jornal FSP em 28/04/2017.

Observe pela figura 2 abaixo, que o Editorial da FSP da


primeira Greve Geral, traz um enquadramento noticioso negativo.
O subtítulo apresenta os Problemas (paralização dos serviços) e
afirma que o ato grevista foi desencadeado por violência por parte
dos manifestantes. O corpo do texto cita ainda como destaque o fato
das manifestações terem alterado o cotidiano das principais cidades
brasileiras e que enquanto isso, o governo segue normalmente com
a sua agenda. No entanto, o mesmo texto também traz relatos que
subsidiam o leitor a entender as motivações dos protestos. O Jornal
chega a ser categórico ao dizer que só há duas alternativas: ou
aprova as propostas de reformas ou deixa tudo como está.
Taianne S. Moreira de Souza; Vanildo L. Veloso; Francisco G. R. Pôrto Junior | 147

Figura 2: Editorial do jornal FSP em 28/04/2017.

Nota-se pelo presente levantamento empirico, que a segunda


Greve Geral (30 de maio), não teve tanto destaque na grande midia
como a primeira paralização. Dessa vez, registrou-se apenas duas
notícias em cada um dos jornais analisados, ou seja, 4 unidades de
análise. A edição da Folha de São Paulo do dia 01 de julho de 2017,
traz como destaque na capa, a segunda Greve Geral, com a seguinte
legenda “ Protesto na Av. Paulista contra Temer e as reformas: racha
entre centrais sindiais esvariou manifestações desta sexta (30)”. No
mesmo dia, o Jornal OG, por sua vez,dá uma pequena nota na capa
com o titulo “Protestos contra reformas”, dando pouco destaque
para o assunto.
148 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

Figura 3: Capa dos jornais FSP e OG em 01/07/2017.


Taianne S. Moreira de Souza; Vanildo L. Veloso; Francisco G. R. Pôrto Junior | 149

O caderno Mercado4 da Folha de São Paulo do dia 1º de julho


traz como principal enfoque, a ideia de que a segunda Greve Geral
teve pouca mobilização, com manifestações isoladas e pontuais que
se disseminaram ao longo do dia e culminaram com bloqueio de vias
e rodovias nos principais centros do pais, o que fica ainda mais
evidente pelo titulo principal “Articulação de Temer divide centrais
e esvazia protestos”. As fotos que ajudam a complementar o texto
em questão, trazem o enquadramento da violência causada por
manifestantes e policiais.

Figura 4: Caderno Mercado do jornal FSP em 01/07/2017

Análise de Vozes

No que concerne as Vozes do jornalismo, nas edições


analisadas foi possível detectar a presença de 31 Vozes, conforme
descrito no gráfico 2 abaixo. Ressalta-se ainda que 8 notícias do
conjunto analisado, não possuíam Vozes, sendo 4 referentes a
Primeira Greve Geral e 3 na Segunda. Vale destacar, que nas duas
edições do O Globo do dia 1º de julho, os jornalistas não
apresentaram Vozes na construção dos seus textos. Já a FSP, utilizou

4
O Mercado é hoje um dos principais cadernos da Folha e traz notícias de economia, finanças e
investimentos.
150 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

uma fonte da área política (PO) e em outro momento não fez o uso
de Vozes (SV).
O gráfico 2 a seguir revela, que mais de 32% das Vozes
utilizadas pelos jornalistas na produção das notícias que abordaram
a temática das Greves Gerais de 2017 nos dois objetos de análise,
foram as fontes do Governo (GO), seguido dos agentes que
lideraram essas manifestações: Sindicatos (SI) e a Sociedade Civil
(SC), grupos esses que registraram cerca de 19,35% cada. Esses
dados atendem a um dos objetivos da pesquisa que é verificar quais
as Vozes foram privilegiadas na cobertura da Folha e do O Globo
para a construção do valor notícia.

Gráfico 2: Análise de Vozes


35,00% 32,25%

30,00%

25,00%
19,35%19,35%
20,00%

15,00% 12,90%
vozes
10,00%
6,45% 6,45%
5,00% 3,22%

0,00%

Fonte: Dados da pesquisa

Dentre as Vozes que integraram a Categoria Governo destaca-


se o próprio Michel Temer; o prefeito de São Paulo João Doria; o
Governo do Rio de Janeiro; lideres do Governo na Câmara e
Taianne S. Moreira de Souza; Vanildo L. Veloso; Francisco G. R. Pôrto Junior | 151

Ministros. Já as Vozes que integraram a Categoria dos Sindicatos


pode-se destacar a presença das seguintes representações:
professores de São Paulo; bancários; metalúrgicos; dentre outros,
com destaque para os presidentes da Força sindical e CUT: Paulo
Pereira da Silva e Vagner Freitas, respectivamente. Da Categoria
Sociedade Civil depreende fontes como a OAB (Ordem dos
Advogados do Brasil) do Rio de Janeiro, PROCON, MTST e do
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor. Ressalta-se ainda as
vozes da categoria Empresa, totalizando 12,90%, com destaque
para empresas do setor automobilístico como Scania e Volkswagen.

5 Considerações finais

As crises políticas, os momentos econômicos e as lutas


trabalhistas foram os motins geradores das Greves Gerais no Brasil
ao longo da história. Diante desse cenário, como se comporta a
grande mídia em relação à cobertura dessa temática? O estudo em
questão trouxe esse debate como pano de fundo, no qual foi possível
notar que no caso de dois dos maiores jornais brasileiros, a Folha e
O Globo, há uma predominância de textos de cunho informativo,
que enfatizam as paralizações dos serviços e os consequentes
confrontos ocasionados pelos atos grevistas, ou seja, trazem como
principal enquadramento os Problemas ocasionados pelos atos
grevistas.
O levantamento das edições dos Jornais FSP e OG, permitiu
identificar, que esses veículos de comunicação, apresentaram em
seus textos mais enquadramentos negativos do que positivos em
relação às duas Greves Gerais que movimentaram o pais em 2017.
Essa constatação se deve ao fato de que os jornalistas deram uma
ênfase maior aos Problemas (51,85%) do que nas soluções ou
causas dessas manifestações. A coleta de dados também destaca as
fontes do Governo (GO) como as principais Vozes utilizadas na
cobertura dessa temática nos objetos analisados.
152 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

Nota-se ainda, que a cobertura da segunda Greve Geral, pode


ter sido ofuscada em razão do momento político em que se
encontrava o país, embalada pelas investigações da Operação Lava
Jato, o que ajuda a entender o porquê da segunda paralização ter
ocupado apenas 14,81% da amostra total da pesquisa. Outro dado
que complementa essa verificação é a de que o conjunto das notícias
dessas temáticas figuraram nas editorias Geral, Economia e Política,
deste modo, o Segundo Movimento teve que dividir as atenções com
a Operação, conforme verificado nos dois veículos de comunicação.
Em termos metodológicos, os dados analisados tenta
compreender melhor, como dois dos principais jornais brasileiros,
trabalharam a cobertura dessas mobilizações em que teve a
participação da sociedade em busca da defesa dos direitos,
principalmente ao que se refere ao trabalho e a aposentadoria. A
pesquisa empírica em questão buscou ainda, contribuir com os
estudos, que tangem a discussão dos enquadramentos midiáticos e
no que concerne a temática das Greves Gerais (pano de fundo da
discussão).

Referências

ANJ (Associação Nacional dos Jornais). Circulação média diária de Jornais do


Brasil no período Janeiro a Dezembro de 2015. Disponível em:
http://www.anj.org.br/ Acesso em: 14/04/2017.

ANTUNES, Ricardo. A rebeldia do trabalho - o confronto operário no abc


paulista: as greves de 1978/80). São Paulo/Campinas, Editora
Ensaio/Editora da UNICAMP, 1988.

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Tradução: Luís Antero Reto e Augusto


Pinheiro. 1977. ISBN: 972-44-0898-1
_________________. __________________. Lisboa: Edições 70,1988

CASTELLUCCI, Aldrin Armstrong Silva. Flutuações econômicas, crise política


e greve geral na Bahia da Primeira República. Rev. Bras. Hist. vol.25
no.50 São Paulo July/Dec. 2005
Taianne S. Moreira de Souza; Vanildo L. Veloso; Francisco G. R. Pôrto Junior | 153

ENTMAN, Robert M. Framing: Toward Clarification of a Fractured Paradigm.


Journal of Communication, v. 43, n. 4, p. 51-58. Dec. 1993. Disponível em:
http://ltc-ead.nutes.ufrj.br/constructore/objetos/entman_93.pdf. Acesso
em: 19/04/2017.

FILHO, Antônio Rago; SCOLESO, Fabiana. Reestruturação produtiva e


sindicalismo metalúrgico do ABC paulista: As misérias da Era
Neoliberal na década de 1990. Tese (Doutorado em História Social) –
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009.

GAMSON, William e MODIGLIANI, André. Media Discourse and Public Opinion


on Nuclear Power: A Constructionist Approach. American Journal of
Sociology, vol. 95, nº1, 1989.p.1-37.

GOFFMAN, Erving. Frame analysis: an essay on the organization of experience.


Boston: Northestarn University Press.1986.

________________. Frame analysis: los marcos de la experiencia. Madri: Siglo


XXI, 2006.

HACKETT, Robert. Declínio de um paradigma? A parcialidade e a objetividade nos


estudos dos media noticiosos. In: TRAQUINA, Nelson (Org.). Jornalismo:
questões, teorias e “estórias”. Lisboa: Vega, 1993. p. 101-130.

MENDONÇA, Ricardo Fabrino; SIMÕES, Paula Guimarães. Enquadramento:


diferentes operacionalizações analíticas de um conceito. Revista Brasileira
de Ciências Sociais, v. 27, n. 79, p.187-201, junho 2012. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v27n79/a12.pdf Acesso em:
17/04/2017.

MIGUEL, Luis Felipe. Os meios de comunicação e a prática política. Lua Nova,


São Paulo, n. 55-56, p. 155-184, 2002. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/ln/n55-56/a07n5556.pdf Acesso em:
13/04/2017.

MINAYO, Maria Cecilia de Souza; SANCHES, O. Quantitativo-qualitativo:


oposição ou Complementaridade? Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 9
(3): 239-262, jul/set, 1993.Disponível em:
http://www.scielosp.org/pdf/csp/v9n3/02.pdf Acesso em: 31/05/2017.
154 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

PORTO, Mauro. Enquadramentos da mídia e política. In: Rubim, Antônio


Albino C. (org.) Comunicação e política: conceitos e abordagens. Salvador:
Edufba, 2004.

SCOLESO, Fabiana. As formas políticas e organizacionais do “novo


sindicalismo”: as paralisações metalúrgicas de 1978, 1979 e 1980 no abc
paulista. Proj. História, São Paulo, p. 647-659, dez. 2004.

TRISTÃO, Marise B.; MUSSE Christina F (2013). O direito à informação e o


(ainda restrito) espaço cidadão no Jornalismo Popular impresso.
Intercom – RBCC São Paulo, v.36, n.1, p. 39-59, jan./jun. 2013. Disponível
em: http://www.scielo.br/pdf/interc/v36n1/03.pdf Acesso em:
13/05/2017.

TUCHMAN, Gaye. Making news by doing work: routinizing the unexpected.


American Journal of Sociology, vol. 79, n° 1, p. 110-131, 1973.

_______________.Feminist Theory.p.695-704.In: Encyclopedia of socyology.


Ney York.1992.

________________. A objetividade como ritual estratégico: uma análise das


noções de objetividade dos jornalistas. In: TRAQUINA, Nelson.
Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. Lisboa: Vega, 1999a, p. 74-90.

________________. Contando “estórias”. In: TRAQUINA, Nelson. Jornalismo:


questões, teorias e “estórias”. Lisboa: Vega, 1999b. p. 258-262.

VAN GORP, Baldwin. The constructionist approach to framing: bringing


culture back in. Journal of Communication, 2007.
Capítulo 8

Agendamento e contra agendamento:


o “8 de março” no jornal do tocantins
Rose Dayanne Santana Nogueira1
Cynthia Maria Miranda2

Introdução

Os meios de comunicação têm a capacidade de inserir temas que


serão objeto de discussão na agenda pública, pautando assim nosso dia
a dia, as rodas de conversa, determinando assuntos que serão
discutidos no cotidiano. Essa é a essência do conceito do agenda-setting,
lavrado, em 1972, por Maxwell McCombs e Donald Shaw no artigo The
agenda-setting function of the Mass Media, ou como foi adaptado no
Brasil, “agendamento”, com intuito de explicar a dinâmica entre as
agendas e os efeitos da mídia em longo prazo (McCOMBS, SHAW, 1972;
WOLF, 2001; BARRETA, CERVI, 2012; TRAQUINA, 2008).
E quando o caminho oposto acontece e é a sociedade que pauta
a agenda da mídia e apresenta os assuntos a serem inseridos nos meios
1
Mestranda em Comunicação e Sociedade (UFT). Pós-graduada em Ensino de
Comunicação/Jornalismo: Temas Contemporâneos (UFT). Graduada em Comunicação Social –
Habilitação em Jornalismo (ULBRA). Integrante do Núcleo de Pesquisa e Extensão Observatório de
Pesquisas Aplicadas ao Jornalismo e ao Ensino – OPAJE (UFT).
2
Doutora em Ciências Sociais (UnB); professora do curso de Jornalismo e do Programa de Pós-
Graduação em Comunicação e Sociedade da Universidade Federal do Tocantins. Pesquisadora do
Núcleo de Pesquisa e Extensão Observatório de Pesquisas Aplicadas ao Jornalismo e ao Ensino - OPAJE-
UFT
156 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

de comunicação. Trata-se do contra agendamento, uma perspectiva


apresentada nas revisões e testes do agenda-setting.
As mulheres, por exemplo, representam mais da metade da
população e, considerando as desigualdades e violações que permeiam
suas vidas ao longo da história, infere-se que os problemas que as
ameaçam, os quais se estendem para o seio familiar e à sociedade de
forma geral, componham a agenda dos meios de comunicação. E se
não compõem, a sociedade civil organizada, movimentos sociais e
feministas, poderiam atuar no contra agendamento da pauta.
Nesse sentido, o presente artigo traz uma análise da tendência
de cobertura adotada no Estado do Tocantins sobre a agenda de direitos
das mulheres, no qual se elegeu o Jornal do Tocantins, maior e mais
antigo diário do Estado, com objetivo de identificar o agendamento ou
o contra agendamento do tema, e o papel dos movimentos sociais nessa
concepção. Para isso, foi definido um recorte temporal significativo
para as mulheres, o Dia Internacional da Mulher, 8 de Março, e foram
analisadas as matérias de capa veiculadas nesse dia, nos anos de 2016
e 2017. A coleta foi feita a partir do acesso às versões digitais do Jornal,
disponíveis no site do periódico, e também impressas.
A abordagem norteadora desta pesquisa é a qualitativa, e a
metodologia utilizada para este estudo foi conduzido pelo método da
análise de conteúdo, da autora Laurence Bardin (2009), a qual é
regularmente utilizada nos estudos de Comunicação. Além disso, os
caminhos que guiam essa análise encontram argumentos no estudo
realizado pela ANDI e o Instituto Patrícia Galvão que monitorou, no
ano de 2010, jornais diários em todo país, mas que não contemplou
nenhum veículo do Tocantins.

Agendamento, contra agendamento e a pauta das mulheres

Como pontuou McCombs e Shaw, a mídia sugere quais os


temas devem fazer parte da agenda pública. Tal afirmativa é a base
do conceito do agenda-setting.
Rose Dayanne Santana Nogueira; Cynthia Maria Miranda | 157

In short, the political world is reproduced imperfectly by individual


news media. Yet the evidence in this study that voter tend to share
the media's composite definition of what is important strongly
suggests in agenda-setting function of the mass media (McCOMBS;
SHAW, 1972, p. 184).

A pesquisa realizada por Mawell McCombs e Donald Shaw


cunharia o conceito do agendamento, a qual foi iniciada em 1968,
quando, entre o período de 18 de setembro a 06 de outubro, os
pesquisadores realizaram entrevistas com 100 eleitores ainda
indecisos quanto ao voto, no condado de Chapel Hill, Estados
Unidos. Nas entrevistas, eles também levantavam os principais
problemas nos Estados Unidos. A pesquisa foi concluída no mesmo
ano, mas só foi publicada em 1972, com o lançamento do artigo
(BARRETA; CERVI, 2012, 2014).
Segundo Barreta e Cervi (2012), embora não tenha sido o
primeiro estudo sobre agendamento midiático, foi o que teve maior
impacto no meio acadêmico. Os autores também destacam outros
estudos que serviram como base para McCombs e Shaw, como por
exemplo, “Walter Lippmann, em Public Opinion (1922), afirma que
os veículos noticiosos determinam na audiência mapas cognitivos
do mundo no qual não se tem experiência direta” (BARRETA;
CERVI, 2014, p.137).
Também citam Bernard Cohen que, em 1963, apresentou a
definição que seria a mais comum para a conceituação do
agendamento: “Os veículos noticiosos podem não ser bem-
sucedidos em dizer às pessoas o que dizer, mas são
surpreendentemente bem-sucedidos em dizer às audiências sobre o
que pensar” (COHEN, apud BARRETA; CERVI, 2014, p.137).
Alguns autores conceituam como hipótese do agenda-setting,
outros como teoria do agendamento. Segundo Formiga (2006), o
modelo de agenda-setting ainda não atingiu o status de teoria, pois
não preenche os requisitos necessários para atingi-lo, pois “os
pesquisadores simplesmente ignoram os resultados de pesquisas
anteriores, desconsideram variáveis condicionantes determinantes
158 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

do processo e abstêm-se de discutir a evolução do modelo”


(FORMIGA, 2006, p.87-89).
Sobre esse ponto Hohlfeldt (1997) destaca que teoria “é um
paradigma fechado, um modo ‘acabado’ e, neste sentido, infenso a
complementações ou conjugações, pela qual ‘traduzimos’ uma
determinada realidade segundo um certo ‘modelo’”. Já a hipótese,
consiste no contrário, ou seja, “é um sistema aberto, sempre
inacabado, infenso ao conceito de ‘erro’ característico de uma
teoria”. Logo, o agenda-setting é uma hipótese que ainda segue
testada e avaliada e não constitui um modo acabado com
paradigmas fechados, como se percebe nas percepções, definições e
novas perspectivas apresentadas pelos pesquisadores.
Segundo MacQuail (2003, p. 446), o agendamento seria o
processo no qual a atenção dada a itens ou assuntos na cobertura
das notícias pode influenciar a ordem hierárquica da consciência
pública dos assuntos e a atribuição de significado, ou seja, “como
extensão, podem ocorrer efeitos na orientação do público”. Do
mesmo modo acrescenta Takeshita (2005, p.1) ao destacar que uma
das principais perspectivas do agenda-setting em relação à
comunicação de massa é a forma como contribui para a pesquisa da
opinião pública, ou seja, “providing an explanation of the role played
by the media in public opinion processes”.
O pesquisador brasileiro Barros Filho (2001, p. 169 apud
BARRETA; CERVI, 2014, p. 137) define o agenda-setting como
“hipótese segundo a qual a mídia, pela seleção, disposição e
incidência de suas notícias, vem determinar os temas sobre os quais
o público falará e discutirá”. Temer e Nery (2009, p. 72), por sua
vez, destacam que se trata de uma hipótese de integração em logo
prazo e “refere-se ao conjunto de conhecimentos absorvidos por
meio dos meios de comunicação de massa”, pois defende que a
intenção dos meios de comunicação não é persuadir, mas apresentar
ao público uma lista do que é necessário ter opinião e discutir.
Rose Dayanne Santana Nogueira; Cynthia Maria Miranda | 159

A Teoria da Agenda demonstra que a compreensão que as pessoas


têm de grande parte da realidade social é fornecida
predominantemente pelos meios de comunicação de massa. A
imprensa não diz às pessoas o que elas devem pensar, mas sobre
que temas devem pensar, o que também mostra uma forma de
controle (TEMER; NERY, 2009, p. 72).

Para Silva (2007, p. 86) o agenda-setting se refere, de forma


resumida, à “capacidade dos veículos de comunicação de massa
pautar para na sociedade temas de debate e de boa parte das
interações do cotidiano”. Já para Kwamena Kwansah-Aidoo (2001),
em sua forma mais básica, o agenda-setting está preocupado com a
conexão entre os meios de comunicação e o que ocorre no mundo
real e como as pessoas constroem esses eventos em suas mentes.

It also implies that news and information from the mass media
reflect the content and order of issue priority and that this
representation of issues exerts na independent effect on the nature
of issue content so that the public come to believe in their
importance (KWANSAH-AIDOO, 2001, p. 523).

Segundo Wolf (2001), a hipótese do agenda-setting integra as


tendências atuais da communication research, as quais são capazes
de “ultrapassar o impasse do debate ideológico e, ao mesmo tempo,
propor integrações possíveis, acerca de problemas específicos, entre
domínios disciplinares diversos” (WOLF, 2001, p. 59). O autor
destaca a complexidade de se trabalhar essas questões, que são
estreitamente ligadas, no que se refere aos efeitos dos mass media e
ao mesmo tempo com a forma como eles constroem a imagem da
realidade.

Em síntese, portanto, a nova problemática dos efeitos analisa os


processos e os modos como os meios de comunicação de massa
estabelecem as condições da nossa experiência do mundo para lá
das esferas de interacções em que vivemos (FISHAMAN, 1980 apud
WOLF, 2001, p. 62).
160 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

Nessa concepção, a mídia tem a capacidade de descrever e


precisar a realidade quando apresenta ao público uma relação do
que é necessário discutir e ter opinião.

Em consequência da acção dos jornais, da televisão e dos outros


meios de informação, o público sabe ou ignora, presta atenção ou
descura, realça ou negligencia elementos específicos dos cenários
públicos. As pessoas têm tendência para incluir ou excluir dos seus
próprios conhecimentos aquilo que os mass media incluem ou
excluem do seu próprio conteúdo. Além disso, o público tende a
atribuir àquilo que esse conteúdo inclui uma importância que
reflecte de perto a ênfase atribuída pelos mass media aos
acontecimentos, aos problemas, às pessoas (SHAW, 1979, p. 96
apud WOLF, 2001, p. 62).

Desde a divulgação da pesquisa de Chapel Hill, um novo


paradigma de estudo foi estabelecido aos efeitos da mídia. Dos anos
de 1970 até 2004, segundo McCombs, mais de 400 pesquisas
empíricas foram realizadas com base na hipótese do agendamento
como pressuposto conceitual no mundo (McCOMBS, 2004, apud
BARRETA; CERVI, 2014). “Os novos estudos analisam a dinâmica,
como ocorrem, em que situações, que fatores podem influenciar o
processo” (BARRETA; CERVI, 2014, p.137).
Segundo os autores, como consequência dos estudos de
agendamento, outros conceitos surgiram e, se por um lado a
metodologia de estudo tenha evoluído, por outro a conceituação da
hipótese ficou estagnada, aceita como um dogma (BARRETA;
CERVI, 2014).

Em primeiro lugar, embora apresente o agenda-setting como um


conjunto integrado de pressupostos e de estratégias de pesquisa,
na realidade, a homogeneidade existe mais a nível de enunciação
geral da hipótese do que no conjunto de confrontações e de
verificações empíricas, e isso devido, também, a uma certa falta de
homogeneidade metodológica. No estado actual, a hipótese do
agenda-setting é, portanto, mais um núcleo de temas e de
conhecimentos parciais, susceptível de ser, posteriormente,
Rose Dayanne Santana Nogueira; Cynthia Maria Miranda | 161

organizado e integrado numa teoria geral sobre a mediação


simbólica e sobre os efeitos de realidade exercidos pelos mass
media, do que um modelo de pesquisa definido e estável (WOLF,
2001, p. 62).

Segundo Kwansah-Aidoo (2001), um dos motivos para crítica


ao modelo do agenda setting é a forte dependência do campo aos
métodos quantitativos e defende que métodos qualitativos podem
ser utilizados, o que ajudaria a evitar as críticas com a
predominância da abordagem quantitativa.

This was a deliberate effort to introduce another methodological


dimension to agenda-setting research and to overcome some of the
criticisms levelled against agenda-setting. The literature on
agenda-setting is sated with criticisms about the fact that
correlation between media agenda and the public agenda does not
necessarily imply media influence (KWANSAH-AIDOO, 2001, p.
527).

Barreta e Cervi (2012, p.5) alertam que há uma falta de


avanços na conceituação da hipótese do agenda-setting, o que se
deve ao fato de cada vez que um autor cria uma tipologia de pesquisa
sobre agendamento utiliza critérios próprios “sem complementação
ou contestação de tipologias anteriores”, como se nada tivesse sido
produzido antes.
Segundo os autores, recentemente, pesquisas sobre o agenda-
setting buscaram identificar outras dinâmicas no processo de
agendamento. “Uma delas é a que propõe que a sociedade seria
capaz de agendar a mídia, isto é, alterando o sentido tradicional do
agenda-setting”, ou seja, o contra agendamento (BARRETA; CERVI,
2012, 2014). Já Sousa (1999) destaca que a hipótese do agendamento
subestima a realidade, ao não contemplar a possibilidade de a
audiência pautar a mídia.

Este propósito – o de um agendamento partindo da sociedade


(social setting) – já era descrito antes mesmo dos estudos que
162 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

buscam analisá-lo no contexto do agendamento. Desde o início dos


estudos, em 1968, McCombs e Shaw (1972) já identificavam um
‘empoderamento’ da sociedade no que tange a agendar a mídia
(BARRETA; CERVI, 2014, p. 138).

McCombs (2009, p. 99 apud SOUSA; ROCHA, p. 264) destaca


que a experiência pessoal, na qual se inclui conversações com nosso
círculo social, família, amigos e colegas de trabalho, também nos
informam sobre muitos temas.
De acordo com Barreta e Cervi (2012), na publicação de 1972
já era possível identificar referências de que poderia haver um
agendamento no sentido inverso. Rossy (2007) destaca que o
conceito de agendamento tal como foi concebido inicialmente tem
evoluído nos últimos anos, o que motivou que alguns dos seus
autores, neste caso Maxwell McCombs e Donald Shaw, a publicar no
ano de 1993 um artigo com o título “A evolução da pesquisa sobre
agendamento: vinte e cinco anos no mercado das ideias”.

Nesse artigo os autores observam que, especificamente na área de


comunicação, há uma grande volatilidade em relação às pesquisas
desenvolvidas, principalmente em razão das grandes
transformações nos últimos cinquenta anos. Destacam, no
entanto, que a teoria do agendamento vem sistematicamente
sendo utilizada como objeto de pesquisa por estudiosos e
pesquisadores da comunicação no mundo inteiro (ROSSY, 2007,
p. 4).

Nesse sentido, o contra agendamento pressupõe que a


sociedade não necessita majoritariamente da mídia para se informar
a respeito do que acontece. “Ela consegue encontrar informações em
outras fontes, em ambientes informacionais externos à mídia tra-
dicional” (BARRETA; CERVI, 2014, p. 138).
Silva (2007) escreveu sobre o contra agendamento no
capítulo “Sociedade, Esfera Pública e Agendamento”, e também
apresentou uma definição para o conceito que:
Rose Dayanne Santana Nogueira; Cynthia Maria Miranda | 163

Compreende um conjunto de atuações, que passam


estrategicamente, pela publicação de conteúdos na mídia e
depende, para seu êxito, da forma como o tema foi tratado pela
mídia, tanto em termos de espaço, quanto em termos de sentido
produzido (SILVA, 2007, p. 84-85).

Já Rossy (2007, p. 18) define o contra agendamento como um


“agendamento não no sentido tradicional, postulado pela teoria do
agenda-setting, mas de um agendamento que privilegia a contra
argumentação”.
Neste ponto, a perspectiva inicial do agenda-setting, que
atuaria no sentido mídia-sociedade, na qual a mídia detém o
monopólio de pautar à medida que se apresentam interesses e
conveniências para pautar a agenda do dia, necessita de uma
reflexão para quando o caminho oposto acontece, ou seja, quando o
sentido é sociedade-mídia, e assim o agendamento é produzido a
partir de uma demanda apresentada pela sociedade. Logo, não há
uma mão única nessa relação.

Mesmo com essa hegemonia dos grandes grupos midiáticos,


alguns teóricos defendem a existência de um agendamento
realizado em sentido inverso, no qual se direciona a Audiência –
direcionamento dos Meios de Comunicação –, ou seja, o público
também poderia influenciar a Mídia (VIEIRA, 2015, p. 4).

Assim destaca-se como organizações civis e movimentos


sociais podem influenciar a mídia, e, não só eles, mas outras formas
institucionalizadas de opinião pública. “A maioria dos trabalhos que
trataram do contra agendamento mostram como movimentos
sociais ou organizações conseguiram inserir reivindicações,
assuntos, na mídia através de articulações próprias” (BARRETA,
CERVI, 2012, p.9).
Silva (2007) apresenta três maneiras distintas de
agendamento: o autônomo, de iniciativa da própria mídia;
heterônomo, vem, eventualmente, de fora para dentro das redações;
e o institucional, mais sistemático, baseado na elaboração de
164 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

esforços e execução de estratégias, no intuito de obter o melhor


tratamento dos temas. Sousa e Rocha (2014) destacam que é nesse
terceiro tipo de agendamento que o contra agendamento melhor se
encaixa, pois parte da sociedade indicar à mídia o que deseja ver
divulgado, e dessa forma o cidadão participa da construção e
produção da pauta.
Rosa (2011) também ressalta que a terceira via é a mais
adequada para o contra agendamento e que funciona bem para as
organizações da sociedade civil.

Uma vez que não se limita a iniciativas internas ou externas, e é


feito de forma permanente e sustentável. O agendamento
institucional atua com propostas bem definidas, relacionadas às
mudanças sociais e causas coletivas, no esforço de estabelecer uma
parceria em que ambas as partes cooperem. A intenção é que as
organizações da sociedade civil organizada tornem-se fontes
confiáveis sobre determinada temática, e o jornalismo tenha, em
seus quadros, profissionais com perfil humano-sociocultural
adequado ao acolhimento e desenvolvimento de uma pauta
institucionalizada (ROSA, 2011, p.136).

Logo, se o agendamento consiste na inclusão de um


determinado assunto na lista dos temas que serão abordados pela
mídia e sobre os quais será dada a visibilidade para que sejam
incluídos na agenda da pauta do dia, as temática dos direitos das
mulheres e a violações desses direitos poderia ser incluída na agenda
pela mídia, ou, quando não é incluída, resta a setores da sociedade
fazê-lo, ou seja, contra agendar.
Os movimentos sociais são instrumentos para a construção da
participação crítica e cidadã, de luta contra as mazelas sociais e pelo
fim das desigualdades. Nesse sentindo, os meios de comunicação
podem ser janelas para apresentar as reivindicações dos
movimentos sociais e fortalecê-los. A participação das mulheres nos
movimentos sociais, caso a ser tangenciado no presente artigo, teve
um papel importante, não apenas para elas que por meio dessa
Rose Dayanne Santana Nogueira; Cynthia Maria Miranda | 165

inserção puderam apresentar demandas, mas, sobretudo, para a


sociedade de forma geral.
A luta das mulheres ao longo da história por direitos e
melhores condições de vida tornou-se pública por meio das
organizações feministas. Neste contexto, o feminismo defende que
as diferenças entre os sexos não podem ser justificativa para as
relações de subordinação, seja na vida familiar, social e profissional,
e nega a relação de hierarquia entre homem e mulher e os
estereótipos de gênero.
Segundo Scott (1989), gênero é uma categoria histórica
analítica, um conceito construído socialmente, o qual oferece
reflexões sobre práticas, normas e costumes, que por sua vez são
sociais e culturais, não naturais, que definem o que é ser o homem
e o que é ser mulher. Gênero trata, portanto, das relações sociais e
culturais de lugares, direitos e obrigações definidos para homens e
mulheres na sociedade, em que elas são postas como inferiores a
eles.
Histórica e socialmente, em todo mundo, as mulheres estão
submetidas às desigualdades e violações de direitos, uma realidade
violenta e assustadora, principalmente quando a percebemos em
números. No Brasil, por exemplo, segundo a Pesquisa Mulheres
Brasileiras nos Espaços Público e Privado realizada pela Fundação3
Perseu Abramo/SESC do ano de 2010, a cada dois minutos, cinco
mulheres são espancadas no país. Neste momento, possivelmente,
uma brasileira está sendo vítima de violência.
Ao considerar os altos índices de violência contra a mulher
que o Brasil possui e a forma como afeta à sociedade, estima-se que
esta seja uma pauta que os meios de comunicação se interessem,
devido ao seu valor-notícia, o qual se constitui a partir de conceitos

3
Realizada pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o SESC, com objetivo de apresentar a
evolução do pensamento e do papel das mulheres brasileiras na sociedade. É a segunda edição da
pesquisa, a primeira é de 2001, e ouviu a opinião de 2.365 mulheres e 1.181 homens, com mais de 15
anos de idade, de 25 unidades da federação, cobrindo as áreas urbanas e rurais de todas as
macrorregiões do país.
166 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

subjetivos por meio dos quais os editores avaliam o que será ou não
veiculado naquele meio de comunicação.

Um valor-notícia é, essencialmente, um certo atributo do


acontecimento noticioso, pensado pelos jornalistas como tendo
potencial para transformar os factos numa «história» interessante
para a audiência, ou algo que lhe dê uma relevância apelativa
(MACQUAIL, 2003, p. 359).

Traquina (2008, p.63) define noticiabilidade como “o


conjunto de critérios e operações que fornecem a aptidão de merecer
um tratamento jornalístico, isto é, possuir valor como notícia”.
Nesse sentido, os critérios de noticiabilidade são o conjunto de
valores-notícias que vão determinar se um fato, acontecimento,
assunto, é ou não susceptível de se tornar notícia, ou seja, “de ser
julgado como merecedor de ser transformado em matéria noticiável
e, por isso, possuindo ‘valor-notícia’” (TRAQUINA, 2008, p.63).
No entanto, definir o que é notícia e o que será noticiado é um
desafio diário vivenciado no jornalismo, e permeia a discussão
teórica sobre os critérios da noticiabilidade e os valores-notícias.
Segundo MacQuail (2003), a atenção à construção do gênero
nos textos midiáticos demonstra a relevância para a teoria da
comunicação. O autor cita estudos das audiências e da recepção de
conteúdos midiáticos e as evidências dos usos e sentidos que
resultam das diferenças de padrão nos papéis sociais vividos nas
experiências cotidianas, por exemplo, as preocupações atribuídas
aos homens e às mulheres, as quais repercutem na maneira como o
gênero determina a disponibilidade e uso do tempo.

Uma abordagem baseada no gênero levanta também a questão de


saber se uma escolha e interpretação dos media é capaz de
constituir uma alavanca de mudanças ou elemento de resistência
para mulheres numa situação geralmente ainda estruturada pela
desigualdade (MACQUAIL, 2003, p. 117).
Rose Dayanne Santana Nogueira; Cynthia Maria Miranda | 167

Segundo a hipótese da agenda-setting, embora a mídia não


possa ditar à população como ele deve pensar, ela consegue definir
muitos dos assuntos que a sociedade decide discutir. Assim, quanto
mais espaço uma temática tiver no noticiário, mais chance tem de
chamar a atenção da esfera pública.

Se uma pauta, como a da igualdade de gênero, passa a integrar o


foco de preocupação das redações, sendo abordada em seus
diferentes aspectos e nos mais variados veículos, ela certamente
será alçada à lista de prioridades da sociedade e,
consequentemente, por pressão popular, do governo (VIVARTA,
2011, p. 17).

Nesse sentido, analisar o agendamento ou o contra


agendamento dos temas relacionados à situação das mulheres na
sociedade é matéria de interesse, uma vez que a igualdade entre
mulheres e homens é condição indispensável para uma sociedade
democrática.

Aportes sobre o método e o corpus da pesquisa

O livro “Mulheres e Movimentos4” de Claudia Ferreira e


Claudia Bonan (2005) traz, em suas informações adicionais, um
Calendário de Mobilização Feminista, que apresenta 14 datas de
lutas para as mulheres do Brasil e do mundo. Entre elas, o dia 8 de
Março5.

4
O livro “Mulheres e Movimentos” é composto por fotografias de autoria de Claudia Ferreira
registradas entre os anos de 1989 e 2002, com pesquisa e texto de Claudia Bonan. São registros de
aspectos da cultura e sociedade dos anos 80, 90 e 2000, como as mobilizações dos movimentos de
mulheres, negros, indígenas, trabalhadores rurais e homossexuais. O acervo do livro está disponível
por meio do projeto que leva o mesmo nome “Mulheres e Movimento”, no link
http://www.mulheresemovimentos.com.br/index.html
5
Simbolicamente, o mês de março é considerado o mês da mulher, devido à data do 8 de Março, Dia
Internacional das Mulheres. É comum que haja, nesse mês, uma agenda de atividades em
“homenagem”. Para o movimento feminista, o março é um momento para reafirmar o significado que
a data tem para luta das mulheres por igualdade ao longo da história, por exemplo, a anticapitalista.
São muitas as explicações para a origem e significado da data, a referência deste artigo para esse data
168 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

O ciclo de lutas, numa era de grandes transformações sociais, até


as primeiras décadas do século XX, tornaram o Dia Internacional
das Mulheres o símbolo da participação ativa das mulheres para
transformarem a sua vida e transformarem a sociedade (SOF,
2010, p.6).

Com a pretensão de trazer um indicativo de como ocorre o


agendamento e o contra agendamento da pauta de mulheres no dia
8 de Março no Estado, optou-se pela escolha do Jornal do Tocantins,
que é o maior e mais antigo jornal do Estado, e tem circulação diária,
com exceção das segundas-feiras. O diário completou 38 anos de
existência em 2017, e possui importância histórica para o Estado,
uma vez que já existia na região do Norte Goiano, que atualmente é
o Tocantins. Com suas mais de três décadas de existência, o Jornal
já passou por várias mudanças em seu formato ao longo dos anos,
chegando a circular, por exemplo, com 24 páginas. Desde o dia 23
de agosto de 2016, o periódico sofreu a mais recente mudança, e
passou a circular com até 12 páginas. Uma alteração para otimizar o
conteúdo e também para seguir resistindo à crise financeira que
afeta o país (COSTA, 2016).
Segundo Bardin (2009), a análise de conteúdo, método
escolhido para este trabalho, é um conjunto de instrumentos
metodológicos e técnicas de análise das comunicações, que se aplica
a discursos diversificados, o qual permite inferir conhecimentos
relativos às condições de produção das mensagens, permitindo
investigar além do conteúdo, também seu significado. Logo, a
análise de conteúdo é guiada por três fases, que são, conforme
Bardin: pré-análise, exploração do material e análise e interpretação
dos resultados.
Na pré-análise foi estabelecido o esquema de trabalho, com a
definição dos procedimentos, que permitiu a escolha das edições a
serem analisadas. Em seguida, o material foi organizado a partir da

é o livro da pesquisadora Ana Isabel González, “As origens e a comemoração do Dia Internacional das
Mulheres”, da editora Expressão Popular/Sof, publicado em 2010 (ÁLVAREZ GONZALEZ, 2010).
Rose Dayanne Santana Nogueira; Cynthia Maria Miranda | 169

leitura flutuante, a qual, segundo Minayo (2007), consiste em tomar


contato exaustivo como o material para conhecer seu conteúdo,
separar e catalogar. A segunda fase foi a exploração do material, a
partir de uma leitura mais exaustiva, destacando os elementos,
dados, enunciados presentes nas matérias de capa do dia 8 de
Março, nos anos de 2016 e 2017. Na terceira fase, foi realizada a
interpretação dos resultados e a análise propriamente dita,
tornando os resultados significativos e válidos, a partir do
embasamento teórico utilizado.
A análise dos resultados coletados foi conduzida a partir da
metodologia de monitoramento de mídia desenvolvida pela ANDI6
que analisou dados sobre a cobertura da pauta de gênero pela imprensa
brasileira no ano de 2010, a partir de uma pesquisa realizada em
parceria com o Instituto Patrícia Galvão7.
A ANDI e o Instituto Patrícia Galvão monitoraram, no ano de
2010, o total de 16 jornais, incluindo todos os diários de circulação
nacional e também veículos de cada uma das cinco regiões brasileiras,
porém nenhum deles do Tocantins. O resultado foram 2.381 notícias
filtradas com foco na mulher, a partir de três categorias de análise:
violência, poder político e decisão, e trabalho. O estudo constatou que
desses assuntos o que mais atrai o interesse da imprensa é a violência
contra as mulheres, representando 63,30% dos textos jornalísticos
clippados, em relação aos outros dois temas monitorados: poder político
e decisão com 17,80%, e trabalho (renda e ocupação) com 18,90%.

6
A ANDI é, atualmente, um dos principais mediadores entre a grande imprensa e os grupos sociais
que defendem os direitos desses segmentos etários. Criada formalmente em 1993, mas atuando de
maneira voluntária desde 1990, a ANDI é uma organização da sociedade civil, sem fins de lucro e
apartidária, que articula ações inovadoras em mídia para o desenvolvimento. Em 2011, a ANDI
ressignificou sua existência e ampliou sua missão, manifestando-se segundo três vetores: Infância e
Juventude, Inclusão e Sustentabilidade e Políticas de Comunicação. Disponível em: (
http://www.andi.org.br/sobre-a-andi). Acesso em: 20 fev. 2017.
7
Fundado em 2001, o Instituto Patrícia Galvão é uma organização social sem fins lucrativos que atua
nos campos do direito à comunicação e dos direitos das mulheres brasileiras. Em 2009, criou a Agência
Patrícia Galvão produz e divulga notícias, dados e conteúdos multimídia sobre os direitos das mulheres
brasileiras. Disponível em: http://agenciapatriciagalvao.org.br/quem-somos/ . Acesso em: 20 fev.
2017.
170 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

A análise das reportagens do Jornal do Tocantins guiou-se a


partir dos seguintes critérios utilizados pela Andi e Instituto Patrícia
Galvão: menção de estatísticas sociais, políticas públicas e legislação
sobre o tema, a ótica investigativa adotada pelo/a jornalista, as
fontes de informação utilizadas e a caracterização dos atores
retratados.

Análise dos resultados

Na edição nº 6703 do Jornal do Tocantins, do dia 8 de Março


de 2016, o foco do agendamento foi a pauta trabalho, na qual se
pontuou sobre renda, ocupação e empreendedorismo; além de notas
sobre programações institucionais alusivas à data, e artigos de
opinião que falavam de abordagens sobre o “eterno feminino e a
maternidade”, passando pelo perfil das mulheres homenageadas na
data em detrimento da pluralidade de mulheres brasileiras, assim
como o aprisionamento às regras de comportamento ao qual estão
submetidas, e das vitórias conquistadas ao longo dos anos e os
desafios que se têm pela frente.
Rose Dayanne Santana Nogueira; Cynthia Maria Miranda | 171

Figura 1 – Print da Capa da edição nº 6703 do Jornal do Tocantins – 08/03/2016

Fonte - Jornal do Tocantins (Versão digital) – com ajustes da autora.

A reportagem de capa trazia o seguinte enunciado: “Olha elas


e... a paixão de Raimunda pelo volante, o charme de Sonaira como
bombeiro, a alegria de Consuelo como taxista, e a garra de Raisnara
como policial!”, dentro do diário, o título da notícia era “Mulheres
estão cada vez mais fortes”.
Produzida por mulheres jornalistas, a reportagem
caracterizava as mulheres da matéria principal, como “esposas”,
“divorciadas”, “mães”, “donas de casa”, dizendo quem eram, e sobre
as profissões “masculinas” nas quais trabalhavam, uma vez que a
172 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

maioria delas se inspirou nos “maridos”ou “irmãos” para escolher


ingressar no trabalho. No texto, as personagens relatam ainda que
precisam tomar atitudes “masculinas” sem deixar de ser
“femininas” e “sem descer do salto”. De acordo com a Costa e
Yannoulas (2011, p.52), “as funções de reprodução social e biológica
no mundo privado ainda recaem sobre as mulheres, mesmo aquelas
que se arriscam por um mundo tradicionalmente masculino”.
Rose Dayanne Santana Nogueira; Cynthia Maria Miranda | 173

Figura 2 – Print da Matéria principal da edição nº 6703 do Jornal do


Tocantins – 08/03/2016

Fonte - Jornal do Tocantins (Versão digital) – com ajustes da autora.

Nos textos correlatos, as personagens são empreendedoras


que investiram no próprio negócio. Elas são caracterizadas e os
174 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

ramos de negócio são floricultura e cosméticos. Outra correlata, fala


do perfil da profissional no mercado de trabalho.
Chama atenção ainda a diagramação da reportagem, que além
das fotos das mulheres caracterizando seus trabalhos, traz um fundo
azul e elementos como: batom, salto, flor e bolsa. Além disso, no Box
que traz dicas para as mulheres empreendedoras, ao citar os ramos
de negócios, as sugestões são cosméticos, alimentos, eventos e
moda. Tal abordagem pode ser considerada contraditória, uma vez
que se tem na reportagem principal o incentivo às mulheres
apostarem em profissões “masculinas”.
Já em 2017, na edição nº 7016 do Jornal do Tocantins, do dia
8 de Março, o foco do agendamento foi a luta e mobilização das
mulheres por conscientização e pela igualdade de direitos,
pontuando os desafios diários, as dificuldades enfrentadas
diariamente por serem mulheres8: mulher negra, mulher lésbica,
mulher trabalhadora, mulher estudante, mulher engajada no
movimento social. Tais pontos são narrados a partir das
experiências que as personagens vivenciam e como contribuem para
outras mulheres também se empoderarem.

8
A repetição da palavra mulher é proposital, uma vez pretende considerar a diversidade das mulheres
e dos papéis que desempenham.
Rose Dayanne Santana Nogueira; Cynthia Maria Miranda | 175

Figura 3 – Print da Capa da edição nº 7016 do Jornal do Tocantins -


08/03/2017

Fonte - Jornal do Tocantins (Versão impressa) – com ajustes da autora.

A reportagem de capa ganhou duas páginas internas e o título


“Unidas para acabar com as indiferenças”, com imagem de três
mulheres de mãos dadas, e a seguinte legenda: “Sabrina, Biana e
Elizângela erguem bandeira na luta pela igualdade de gênero e se
uniram durante evento na Capital”. A linha-fina anuncia: “Dia da
Mulher – A luta é diária e elas não jogam a toalha para que possam
176 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

alcançar a igualdade de gênero perante a sociedade. Nesta data


internacional, as mulheres mostram força contra o machismo e o
preconceito; Capital terá várias homenagens”.

Figura 3 – Print da matéria principal da edição nº 7016 do Jornal do Tocantins -


08/03/2017

Fonte - Jornal do Tocantins (Versão impressa) – com ajustes da autora.

Produzida por uma jornalista mulher, a reportagem


caracteriza e identifica as personagens como “mulheres”, por seus
nomes próprios “Sabrina”, “Bianca”, “Elizangela”, “Bernadete”, por
profissões e atividades, como “assistente social”, “estudantes”.
Como bem destaca a pesquisadora e jornalista argentina Chaher
(2010), “lo que no se nombra no existe”.
Assim elas existem e narram suas histórias. Como se
engajaram na luta por direitos e conheceram o movimento
feminista, a atuação em entidades, como a Casa 8 de Março. Relatam
também o preconceito racial e de orientação sexual que
vivenciaram, por exemplo, e a luta travada diariamente pela
Rose Dayanne Santana Nogueira; Cynthia Maria Miranda | 177

conscientização, pela igualdade, por seus direitos e pelo fim da


violência contra as mulheres. “Sabrina, Bianca e Elizangela são
engajadas em propagar os direitos da mulher, feminismo e
igualdade racial”, diz a reportagem.
Na matéria correlata, sobre “Marcha para o empoderamento”,
a personagem/fonte é a militante Bernadete Aparecida Ferreira, da
Casa 8 de Março e Fórum de Articulação de Mulheres Tocantinenses,
que atua há cerca de 20 anos em Palmas. Ela narra sobre o evento
que a organização promove, o “Eu Paro #8M”, inspirado no
movimento mundial9 denominado Greve Internacional de Mulheres
(GIM), Paro Internacional de Mujeres (PIM) e International
Women's Strike (IWS).

Neste dia 8 de março, nós, mulheres, nos reunimos nos espaços


públicos de nossas vilas, municípios e cidades para a Greve
Internacional de Mulheres (GIM) em oposição à misoginia,
xenofobia, lesbofobia, bifobia, transfobia e racismo crescentes
internacionalmente10

No Brasil, a pauta unificada pelos movimentos sociais foi a


Reforma da Previdência e o impacto sobre a vida das mulheres, além
das pautas históricas de luta, como a desigualdade de gênero, a
violência contra a mulher, o feminicídio, a exploração do trabalho,
entre outras.
Na reportagem, Bernadete falou enquanto personagem e
fonte especializada na pauta dos direitos das mulheres. Relatou
sobre a organização do evento, que contou com palestras, rodas de
conversa e grupo de trabalho sobre temas como violência contra a
mulher, aborto, transfobia, lesbofia, além do desmonte das políticas

9
Um movimento organizado por mulheres de mais de 40 países, que não pertence a nenhum coletivo
ou país em específico, fortalecido pelos movimentos “Ni Una Menos” na Argentina, Chile e Uruguai e
diversos países da América Latina, Marcha das Polonesas contra a criminalização do aborto e Marcha
das Mulheres Contra Trump.
10
Trecho do Manifesto das Organizadoras da Greve Internacional de Mulheres. Disponível em:
https://www.8mbrasil.com/copia-convocacao . Acesso em: 02 jul. 2017.
178 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

públicas no Brasil, como os impactos da Reforma da Previdência, e


como ela afeta a vida das mulheres trabalhadoras. Ocorreu uma
marcha de mulheres na Praça dos Girassóis, sobre a qual destacou
as formas de protestar no 8 de Março: “hoje não é dia para
comemorar nem florzinha ou batonzinho”.
Outra matéria correlata traz a posição da Defensoria Pública,
que foi uma das instituições parceiras na articulação da agenda do
“Eu Paro #8M” no Tocantins. Enquanto fonte especializada, a
defensora pública, que atua no Núcleo de Promoção e Defesa dos
Direitos da Mulher, discorreu sobre a violência contra mulher e a
demanda que atende na Defensoria, e também como a instituição
trabalha na prevenção e promoção de direitos.
A reportagem trouxe boxes com informações históricas sobre
a luta das mulheres ao longo do tempo; um dado sobre violência
contra mulher cuja fonte foi a Central Disque 180, comparando os
anos de 2015 e 2016. Há também um Box com a agenda de atividades
para o Dia Internacional da Mulher em Palmas: homenagem na
Assembleia Legislativa; doação de um veículo à Delegacia
Especializada à Mulher de Palmas pelo Poder Judiciário; debate
organizado pela Secretaria Municipal de Saúde sobre violência
contra a mulher e orientações diversas na região norte; sessão
solene na Câmara Municipal para discutir sobre os direitos das
mulheres e consolidação de políticas públicas.
No novo formato do Jornal do Tocantins, utilizado desde
agosto de 2016, há um espaço para comentários que chegam das
redes sociais e também para “falas do povo” sobre o assunto,
coletadas nas ruas. Um comentário retirado do Facebook é de uma
mulher que destaca a perseguição dos “machistas” contra as
feministas, e sobre o que é o movimento: “o feminismo reclama é
igualdade entre homens e mulheres”.
No “Eu Penso”, os entrevistados responderam a pergunta: “As
mulheres terão os mesmos direitos?”. Quatro jovens, entre 17 a 22
anos, dois homens e duas mulheres, que ressaltaram que esse
cenário de desigualdade que afeta às mulheres já deveria ter
Rose Dayanne Santana Nogueira; Cynthia Maria Miranda | 179

mudado e que ainda há muita insegurança em suas vidas, diferença


nos salários, desvalorização do trabalho da mulher e como o
machismo contribui para esse cenário.
O contexto da reportagem é de luta, de posicionamento
político das mulheres, do engajamento no movimento social, no
trabalho e na universidade. A ótica da jornalista é guiada por uma
narrativa interpretativa, onde ela destaca quem são as mulheres,
suas lutas, seu papeis. Causas, denúncias e busca de saídas.
Apresenta raízes e possíveis soluções do problema, trazendo um
aspecto vital para que o jornalismo consiga contribuir para o
desenvolvimento social, trazendo um pouco da complexidade do
problema para a pauta.
Um ponto forte da matéria é que ao trazer como fonte
mulheres feministas, o movimento teve espaço na abordagem e foi
considerado na pauta. Os movimentos sociais, feministas, LGBT, são
vistos como instrumentos de enfrentamento e também de luta por
direitos. Um “entre-lugar”, como conceitua Babha (2013, p. 20),
terrenos deslizantes da enunciação, interstícios, locais de
sobreposição e de deslocamento de domínios de diferença, em que
“as experiências intersubjetivas e coletivas de nação [nationness], o
interesse comunitário ou valor cultural são negociados”. Existe para
as mulheres a sensação de pertencimento a um grupo e de não estar
sozinho nessa luta diária. A luta é coletiva.
Elas são mulheres de várias faixas etárias, formações,
atuações e percepções que dão o tom da mudança que se espera
rumo a uma sociedade que seja igualitária para mulheres e homens.
E também condenam o caráter comercial atribuído ao Dia 8 de
Março, às homenagens e o comemorativo que, na maioria das vezes,
estigmatizam o papel da mulher, como frágil, por exemplo.
No entanto, a matéria peca na menção de estatísticas, políticas
públicas e legislações sobre a temática. Os dados sobre a violência
contra a mulher no Brasil, por exemplo, são alarmantes, e o
Tocantins figura no ranking como um estado violento para
mulheres.
180 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

O “Mapa da Violência 201511: homicídio de mulheres no


Brasil” revela que, em média, 13 mulheres foram assassinadas por
dia no ano de 2013, e que entre os anos de 2003 e 2013, houve um
aumento de 21% no período em relação ao número de homicídios
de mulheres, que passou de 3.937 em 2003 para 4.762. O Tocantins,
por sua vez, ocupa a 13ª posição no ranking de taxas de homicídio de
mulheres (por 100 mil), em 2013, com 5,7, e que a capital, Palmas, figura
na 6ª posição com 9,5. Em 2003, foram 22 mortes de mulheres no
Tocantins e em 2013 foram 40, o que representa um aumento de 81,8%.
A menção à política pública restringiu-se a citar o Disque 180
como fonte de dados e falar da doação de carro à Delegacia
Especializada da Mulher. O que poderia se considerado, por
exemplo, era questionar a falta de estrutura das Delegacias e o fato
de não funcionarem 24 horas.
Por outro lado, as questões visuais não tentaram se enquadrar
no padrão de cores atribuídas ao “feminino”. Mantiveram o padrão
gráfico do jornal. As imagens são das personagens, cartazes em
punho. No entanto, no Box da agenda das ações do Dia Internacional
da Mulher na Capital, colocaram a imagem de uma “rosa” para
ilustrar.
Além da matéria de capa, na edição do dia 8 de Março, foi
publicado um artigo de opinião assinada pela deputada estadual do
Tocantins, Luana Ribeiro. No texto, ela informa que aderiu ao
movimento “Um dia Sem Mulher”, que também surgiu a partir da
Marcha das Mulheres que aconteceu nos Estados e foi inspirado do
Dia Livre de Mulheres islandesas de 1975, quando 90% das cidadãs
deixaram seus postos de trabalho em 24 de outubro e
protagonizaram uma grande manifestação no país. A parlamentar
explica porque se engajou na luta, usa o termo greve, mas diz que é
protesto “feminino”, sem fazer menção nenhuma vez à palavra
feminista ou ao movimento. Nesse sentido, ela desconsidera que as

11
Elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, com dados do período de 2003 a
2013.
Rose Dayanne Santana Nogueira; Cynthia Maria Miranda | 181

pautas elencadas no texto seguem, ao longo da história, sendo


articuladas no seio do movimento feminista. “O protesto é contra as
desigualdades econômicas – mulheres ganham menos que os
homens e ocupam menos postos de liderança; contra o machismo e,
principalmente, contra a violência”, escreve.
Por fim, ela também cita dados sobre a violência contra
mulher no Brasil e no Tocantins. Faz menções a políticas públicas e
cita a mobilização que aconteceria em 33 cidades e 13 capitais.
Ressalta que o Dia da Mulher não seja apenas uma data
comemorativa. E fala do que “não se trata de uma queda de braço
entre masculino e feminino, mas de união”.

Considerações

O trabalho de promover a inclusão de temas específicos na


agenda midiática é classificado na Teoria da Comunicação como
agenda-setting. Elaborada a partir dos estudos de McCombs e Shaw,
defende a ideia de que os meios de comunicação têm a capacidade
de inserir temas que serão objeto de discussão na agenda pública.
Em 2016, a pauta do movimento de mulheres, como a luta contra a
violência e por direitos iguais, não compôs o agendamento do Jornal
do Tocantins.
Pelos dados coletados o foco foi a pauta “trabalho”, que
também compõe uma demanda do movimento. No entanto, o tema
foi tratado de forma superficial, a ótica das jornalistas para narrativa
não priorizou dados sobre a situação das mulheres nas profissões
citadas, no que se refere à quantidade, desigualdades salariais, por
exemplo. Não há informações sobre legislação, estatísticas, ou
políticas públicas. Semelhante ao verificado sobre o tratamento dado
pela imprensa brasileira a essa pauta no levantamento feito pela
Andi e Instituto Patrícia Galvão em 2010.

Segundo o levantamento, os veículos noticiosos costumam


abordar a presença da mulher no mercado laboral a partir de
182 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

trajetórias profissionais individuais, deixando em segundo plano a


discussão mais ampla e contextualizada das questões do mundo do
trabalho. Ou seja, ainda não estão incorporados nesse noticiário o
debate sobre políticas públicas e marcos legais, assim como os
desafios que ainda se fazem presentes na área – tais como a dupla
jornada feminina e a desigualdade de salários entre homens e
mulheres (VIVARTA, 2011, p.10)

Nesse sentido, considerando que na teoria jornalística do


agendamento a mídia consegue definir sobre quais assuntos as
pessoas vão falar e, ainda, dizer como pensar, quando temas como
as condições de trabalho da mulher na sociedade, por exemplo,
ganham espaço na mídia teriam mais chances de despertar a
atenção da esfera pública (TRAQUINA, 2005). Ademais, integrando
a agenda das redações, poderia ser abordada de forma mais
aprofundada e figurar na lista de prioridades da sociedade e do
Estado.
Em 2017, a mobilização de mulheres em todo mundo, desde a
Marcha das Mulheres nos Estados Unidos, a organização para a
greve geral, Eu Paro #8M e até mesmo o “Um dia sem mulher”,
trouxeram a luta por direitos das mulheres à pauta mundial,
repercutindo inclusive no Brasil e também no Tocantins, onde
foram organizados diversos protestos e atividades alusivas à data.
Essa mobilização popular de mulheres possibilitou o caminho
inverso da teoria do agenda-setting, trazendo a perspectiva do
contra agendamento. Segundo Rosa (2011), o êxito do contra
agendamento depende não só da simples publicação, mas do
tratamento dado ao tema e, ao compararmos as matérias veiculadas
nos anos de 2016 e 2017, percebemos a diferença de tratamento
dada. Nesse sentido, a autora destaca que o “contra agendamento
visa ao enfretamento de um problema e engloba um processo de
mobilização social” (ROSA, 2011, p.136), considera a seleção de
temas ofertados, negociação de espaços, decisão dos principais
pontos/pautas, entre outros.
Rose Dayanne Santana Nogueira; Cynthia Maria Miranda | 183

O comportamento do Jornal do Tocantins na cobertura de


2016 reflete muito do que foi constatado pelo estudo realizado pela
ANDI e Instituto Patrícia Galvão. Levando em conta tendências da
cobertura, os conteúdos, a identificação dos atores envolvidos, a
ausência de informações contextualizadas sobre a legislação,
políticas públicas e menções a estatísticas sócias, além da ótica
investigativa do jornalista ser conduzida sempre pela narrativa
factual, deixa o jornalismo ainda distante de contribuir efetivamente
para o enfrentamento desse problema social.
Em 2017, com o contra agendamento articulado pelos
movimentos sociais rompe-se a perspectiva de que o público é
passivo, e isso é fundamental para ação dos movimentos sociais, que
por meio de suas estratégias “conseguem noticiar suas
reivindicações e demandas nos meios de comunicação de massa,
possibilitando que estas ganhem notoriedade e possam se fixar na
agenda pública” (VIEIRA, 2015, p. 35).
A mídia é um importante ator social quando desempenha seu
papel, que não é restrito ao ato de informar à sociedade, mas que
avança pelo estímulo à discussão de temas e espaço de visibilidade,
sobre questões que demandam maior debate no âmbito da esfera
pública. Podendo assim pautar agendas de enfrentamento aos
problemas sociais e também para a construção de políticas públicas.
A abordagem dada ao Dia 8 de Março em 2017 promove certo
otimismo, um fio de esperança, pois ainda há um longo caminho
pela frente para o que o jornalismo de fato cumpra esse papel.

Referências

ÁLVAREZ GONZALEZ, Ana Isabel. As origens e a comemoração do Dia


Internacional das Mulheres. São Paulo: SOF / Expressão Popular, 2010.

BHABHA, H. O local da Cultura. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013.

BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa, Portugal; Edições 70, LDA, 2009.


184 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

BARRETTA, Leonardo Medeiros; CERVI, Emerson Urizzi. Contra agendamento:


evoluindo na hipótese do agenda-setting. In: Congresso de Ciências da
Comunicação da Região Sul, 13,Chapecó, 2012, Disponível em:
<http://www.intercom.org.br/papers/regionais /sul2012/resumos/R30-
1706-1.pdf>. Acesso em: 10 jul. 2017.

_____. Contra-agendamento na Folha de São Paulo: Opinião Pública e presença


dos candidatos a presidente do PSDB e PT no jornal (2006 e 2010). In:
Revista Eptic Online. vol.16 n.1 p.135-151. jan.-abr. 2014. Disponível em:
https://seer.ufs.br/index.php/eptic/article/view/1866 . Acesso em: 10 jul.
2017.

BRASIL. Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos.


Secretaria de Políticas para as Mulheres. Ligue 180: uma década de
conquistas. Disponível em: http://www.spm.gov.br/central-de-
conteudos/publicacoes/publica coes/2015/balanco180-10meses-1.pdf.
Acesso em: 25 de nov 2016.

CHAHER, Sandra. Las palabras tienen sexo II. Herramientas para un periodismo
de género. Buenos Aires: Artemisa Comunicación Ediciones, 2010

COSTA, Luiz Armando. Jornal do Tocantins: 37 anos de resistência às crises


financeiras. Quase uma religião para manter a perspectiva visionária de
Seu Jaime. Disponível em:
http://luizarmandocosta.com.br/noticia/jornal-do-tocantins-37-anos-de-
resistencia-as-crises-financeiras-quase-uma-religiao-para-manter-a-
perspectiva-visionaria-de-seu-jaime/8763. Acesso em: 02 de dez. 2016.

COSTA, Anabelle Carrilho da, YANNOULAS, Silvia. Cristina. Construindo novos


túneis: subterfúgios das engenheiras para deslocar as fronteiras da divisão
sexual da ciência e da tecnologia. INTERthesis (Florianópolis). , v.8, p.36 -
56, 2011. Disponível em:
http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/interthesis/article/view/1807-
1384.2011v8n2p36 Acesso em: 10 de dez. 2016.

FERREIRA, Claudia. BONAN, Claudia. Mulheres e Movimentos. 1ª Ed. Rio de


Janeiro: Editora Aeroplano, 2005.

FORMIGA, Fábio de Oliveira Nobre. A evolução da hipótese de agenda-setting.


2006. 93 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação)-Universidade de
Rose Dayanne Santana Nogueira; Cynthia Maria Miranda | 185

Brasília, Brasília, 2006. Disponível em:


http://repositorio.unb.br/handle/10482/2257 . Acesso em: 10 jun. 2017.

FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO. Pesquisa mulheres brasileiras nos espaços


público e privado. São Paulo, Agosto de 2010. Disponível em:
http://novo.fpabramo.org.br/sites/default/files/pesquisaintegra.pdf.
Acesso em: 25 de nov 2016.

HOHLFELDT, A. Os estudos sobre a hipótese de agendamento. Revista Famecos,


Porto Alegre, 7ed., 1997. Disponível em:
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article
/viewFile/2983/2265 . Acesso em: 10 jun. 2017.

KWANSAH-AIDOO, Kwamena. The appeal of qualitative methods to traditional


agenda-setting research. In: Gazette Vol. 63(6), 2001.

MCQUAIL, Denis. Teoria da Comunicação de Massas. Lisboa, Fundação Calouste


Gulbenkian, 2003.

McCOMBS, Maxwell; SHAW, Donald. The agenda-setting function of mass media.


Public Opinion Quaterly, n.36, p.176-182, 1972. Disponível em: http://ltc-
ead.nutes.ufrj.br/constructore/objetos/McCombs%20and%20Shaw%2
0POQ%201972.pdf . Acesso em: 25 jun. 2017.

MINAYO, M.C.S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São


Paulo: Hucitec, 2007.

ROSA, Rosane. Agendamento compartilhado de políticas públicas sociais. In:


Intexto. Porto Alegre: UFRGS, v. 1, n. 24, p. 131-146, janeiro/junho 2011.

ROSSY, E. Contra-agendamento: o Terceiro Setor pautando a mídia. Belo


Horizonte: Compolítica, 2007. Disponível em:
http://www.compolitica.org/home/wp-
content/uploads/2011/01/gt_jmp-elizena.pdf . Acesso em: 10 jun. 2017.

SCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. 1989. Texto
traduzido por Christine Rufino Dabat e Maria Betânia Ávila. Disponível
em:
<http://www.observem.com/upload/935db796164ce35091c80e10df659a
66.pdf>. Acesso: 20 dez. 2016.
186 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

SILVA, Luiz Martins. Sociedade, esfera pública e agendamento. In: LAGO, Cláudia
e
BENETTI, Marcia. Metodologia de Pesquisa em Jornalismo. Petrópolis, RJ: Vozes,
2007: pp. 84-104.

SOF (Sempreviva Organização Feminista). Dia Internacional da Mulher: em busca


da memória perdida. 2010. Disponível em: http://sof2.tempsite.ws/wp-
content/uploads/2015/07/8demarco.pdf . Acesso em: 2 jul. 2017.

SOUSA, Jorge Pedro. As notícias e seus efeitos: as teorias do jornalismo e dos


efeitos sociais dos media jornalísticos. Coimbra: Minerva, 1999. Disponível
em: http://bocc.ubi.pt/pag/sousa-pedro-jorge-noticias-efeitos.html.
Acesso em: 10 jun. 2017.

SOUSA, Ana Caroline da Silva Ribeiro; ROCHA, Liana Vidigal. Agenda-Setting e


Twitter: um estudo da relação entre teoria e prática. In: SOUZA, Rose
Maria Vidal; MELO, José Marques; MORAIS, Osvando J. (ORG.). São Paulo:
Intercom, 2014.

TAKESHITA, Toshio. Current critical problems in agenda-setting research. In:


International Journal of Public Opinion Research. vol. 18. Nº. 3. 2001.

TRAQUINA, Nelson. Estudo do jornalismo no século XX. São Leopoldo: Unisinos,


2005.

______. Teorias do Jornalismo. A tribo jornalística – uma comunidade


interpretativa transnacional. Florianópolis: Insular, 2008.

TEMER, Ana Carolina Rocha Pessoa; NERY, Vanda Cunha Albieri. Para entender
as Teorias da Comunicação. 2. ed. revista e atualizada. Goiânia: EDFU,
2009.

WAISELFISZ. Julio Jacobo. Mapa da violência 2015: Homicídio de Mulheres no


Brasil. Brasília. Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais- Flacso;
2015. Disponível em:
http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/MapaViolencia_2015
_mulheres.pdf. Acesso em: 25 de nov 2016.

WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. Lisboa: Editorial Presença, 2001.


Rose Dayanne Santana Nogueira; Cynthia Maria Miranda | 187

VIEIRA, Andressa Brito. Movimentos sociais e mídia: uma complexa relação no


processo de formulação da agenda. In: Tempo da Ciência. V. 22. Nº 43,
2015.

VIVARTA, Veet (coord.). Imprensa e agenda de direitos das mulheres: uma análise
das tendências da cobertura jornalística. ANDI; Instituto Patrícia Galvão.
Brasília: 2011. Disponível em http://www.andi.org.br/inclusao-e-
sustentabilidade/publicacao/imprensa-e-agenda-de-direitos-das-
mulheres-uma-analise-das-te. Acesso em: 25 de nov 2016.
Capítulo 9

Estereótipos da imagem social da


mulher: percepções e aplicações do
efeito priming
Nayara Lopes Botelho1
Francisco Gilson Rebouças Pôrto Junior2

1 Introdução

Dentre as várias coisas que as pessoas têm em comum,


podemos citar uma que é o centro de discussão deste artigo: os
estereótipos. Toda pessoa possui estereótipos acerca de
determinada coisa. Estes são responsáveis por gerar nas pessoas
expectativas, devido ao fato de serem repletos de preconcepções, que
normalmente não são fundamentadas.
Os estereótipos são responsáveis pelas primeiras impressões,
portanto, é uma das causas dos preconceitos, discriminações e, no
caso deste estudo, da misoginia e machismo. Aqui trataremos dos
1
Licenciada em Artes Cênicas pelo IFTO, mestranda em Comunicação e Sociedade pela Universidade
Federal do Tocantins (UFT). E-mail: nayaralopesbotelho@gmail.com.
2
Pós-doutor em Comunicação (FAC-UnB) e Ciências Sociais Aplicadas: Comunicação (UNESP). Doutor
em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal
da Bahia (UFBA), Mestre em Educação pela Faculdade de Educação (UnB) e graduado em
Comunicação Social/Jornalismo, Pedagogia e História. Atualmente é líder do Núcleo de Pesquisa e
Extensão e Grupo Lattes Observatório de Pesquisas Aplicadas ao Jornalismo e ao Ensino (OPAJE-UFT).
É professor na Fundação Universidade Federal do Tocantins (UFT). E-mail:
gilsonportouft@gmail.com.
190 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

estereótipos sociais da mulher, visto que, os mesmos são de uma


certa forma fossilizados mesmo com o decorrer dos tempos.
Portanto, será averiguado como se dá o processo de recepção
de imagens e conceitos acerca da função da mulher e sua aparência
dentro da sociedade atual. Será desta maneira, aplicado a teoria do
efeito priming, teoria derivada da psicologia social que, analisa como
as pessoas são influenciadas a certas posturas e opiniões por estar
exposto a imagens e outras formas de comunicação rápida ou
cotidiana.
Foi preferível investigar os estereótipos da mulher devido ao
fato de que as mesmas, na atualidade tem se mostrado
extremamente militantes contra toda forma de prevaricação de seus
direitos, além de estar em uma luta publica pelo que elas chamam
de direitos de igualdade de liberdade, segurança e trabalho.
Deste modo, considera-se a importância por uma investigação
do efeito priming diante da formação de estereótipos da imagem da
mulher na sociedade, visto que, os mesmos geram consequências
bem graves, principalmente quando consideramos o contexto
brasileiro.

2 Desenvolvimento

2.1 O efeito priming

Dentre as várias teorias da comunicação, podemos encontrar


relevante material sobre o efeito priming, materiais esse que são em
sua maioria de pesquisadores estrangeiros e não brasileiros, o que
denota a importância de produção sobre tal efeito.
Priming é um efeito de “the activation of knowledge stored in
longterm memory following exposure to a stimulus. Priming can
produce a variety of judgmental effects”3 (ALTHAUS E KIM, 2006,

3
A ativação do conhecimento armazenado na memória a longo prazo após a exposição a um estímulo.
Priming pode produzir uma variedade de efeitos de julgamento [...].
Nayara Lopes Botelho; Francisco Gilson Rebouças Pôrto Junior | 191

p. 2) é um “estalo” que faz com que as pessoas afetadas se lembrem


de algo que outrora viu ou vivenciou. Esse “estalo” pode se dar de
várias formas, na publicidade por meio dos cartazes de promoção,
na comunicação por palavras ou símbolos que estão inseridos em
seus artigos e notícias, na arte por imagens corporais e até mesmo
objetos.
Esse “estalo” é chamado de ativação que faz com que a pessoa
seja induzida ou até mesmo forme uma opinião, imagem ou
julgamento sobre determinada coisa, que os pesquisadores do efeito
denominam de acessibilidade, sendo essa conceituada “Accessibility
can be defined as the potential that knowledge stored in memory
will be activated for potential use in a judgmental task”4 (HIGGINS,
1996, p.134 apud ALTHAUS E KIM, 2006, p. 2).
Portanto, a memória é ativada de modo que dá uma duração
determinada a um conceito ou percepção já preexistente na mente
de uma pessoa. O efeito priming é um efeito que se originou na
psicologia e acabou por se irradiar nos estudos em comunicação,
devido a essa duração que permite as pessoas serem influenciadas e
até a consumirem notícias, mercadorias e até mesmo opiniões.
Sobre o efeito de duração do efeito priming PAN and KOSICKIP
(1997) diz que:

Conceptually, this is a special case of the general congnitive process


called “priming”. The idea is derived from the associative network
model of human memory, in which an idea or concept is stored as
a node in the network and is related to other ideas or concepts by
semantic paths. [...] The activated node may function as a filter, an
interpretative framework, or a premise for further information
processing or judgment formation. Further, this node may stay
activated in the person’s working memory for some time and
increase the likelihood that other “associated thought elements be
brought to mind”.5 (p. 8 e 9)

4
A acessibilidade pode ser definida como o potencial que o conhecimento armazenado na memória
será ativado para uso potencial em uma tarefa de julgamento [...].
5
Conceitualmente, este é um caso especial do processo congnitivo geral chamado "priming". A idéia é
derivada do modelo de rede associativa da memória humana, no qual uma idéia ou conceito é
192 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

Uma memória vai se amarrando a outra gerando associações,


essas associações são para os estudos em recepção na comunicação,
chamados de processos de ancoragem, esta, forma uma espécie de
teia de ideias e lembranças que podem surtir diversos efeitos sobre
a pessoa alvo, dentre esses efeitos “judgments are likely to remain
anchored on initial impressions.”6 (Kahneman and Frederick, 2001,
p. 4)
Tais associações além de permitir que uma determinada
imagem se associe com suas memórias, ajuda a formar julgamentos
por meio de pistas que o material alvo - o que for usado para gerar
o efeito priming -, usa para indicar tais associações e
consequentemente a acessibilidade.

Seen in this way, the social psychological literature envisions


priming as something like a two-stage process: the priming stimuli
should influence the accessibility of some knowledge constructs
more than others, but whether people use those primed constructs
as evaluative criteria depends on the degree to which they are
perceived as applicable to the judgmental task.7 (Althaus e Kim,
2006, p. 3)

O efeito priming gera várias formas de ativação nas pessoas,


cada forma constitui um modo que o efeito desencadeia na mente
dos participantes. Os pesquisadores do efeito têm feito várias
distinções, mas iremos tratar neste breve estudo apenas o efeito
conceitual e perceptual.

armazenado como um nó na rede e está relacionado a outras idéias ou conceitos por caminhos
semânticos. [...] O nó ativado pode funcionar como um filtro, uma estrutura interpretativa ou uma
premissa para processamento de informações ou formação de julgamento. Além disso, este nó pode
permanecer ativado na memória de trabalho da pessoa por algum tempo e aumentar a probabilidade
de que outros "elementos de pensamento associados sejam trazidos à mente".
6
É provável que os julgamentos permaneçam ancorados nas impressões iniciais
7
Visto dessa maneira, a literatura social-psicológica prevê que seja como um processo de dois estágios:
os estímulos iniciais devem influenciar a acessibilidade de algumas construções de conhecimento mais
do que outras, mas se as pessoas usam essas construções pré-selecionadas como critérios avaliativos
depende do grau de Que são percebidos como aplicáveis à tarefa de julgamento.
Nayara Lopes Botelho; Francisco Gilson Rebouças Pôrto Junior | 193

2.2 Priming conceitual e perceptual

Priming perceptual, ou de percepção, trabalham com a lógica


da imagem ou objeto, é uma exposição física, a pessoa tem um
contato mesmo que rápido com algo que lhe gera uma ativação, o
que induz ou até mesmo fortalece algo que lhe permite formar
julgamentos. Oliveira et. al. (2010) diz que:

Para ocorrer um priming perceptivo, o prime e o alvo deve ser


apresentado na mesma modalidade sensorial e a intensidade do
fenômeno é determinada pela semelhança entre as características
físicas do prime e do alvo. (p. 119 e 120)

O priming conceitual trata de todo o conhecimento e vivências


que uma pessoa possui, quando ativado busca essencialmente toda
estrutura de ordem semântica ou quaisquer outra que seja
conceitual, assim formando temporariamente novas opiniões ou
reorganizando-as. Utilizando novamente Oliveira et. al. (2010)
sobre o priming conceitual destaco seu comentário quando diz:

O priming conceitual apresenta as seguintes características: o


desempenho depende do significado do prime e do alvo, não sendo
afetado por diferenças na forma e nas modalidades sensoriais do
estímulo entre a etapa de estudo e o teste, mas depende da
elaboração conceitual realizada durante o estudo prévio (Oliveira
et. al., 2010, p. 120)

Desse modo, podemos de um modo prático dizer que o


priming conceitual se refere a conceitos já preestabelecidos na
mente das pessoas e o priming perceptual se refere a exposição física
da pessoa com alguma imagem ou símbolo que sendo percebido,
gera uma acessibilidade permitindo a pessoa formar julgamentos ou
estereótipos, mesmo que temporariamente.
194 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

2.3 Priming e estereótipos

Os estudos em priming auxilia na compreensão da formação


de estereótipos tão existentes na sociedade. Sendo os estereótipos
associações mentais que surtem um efeito de julgamento por um
tempo duradouro sobre determinada coisa, assunto ou pessoa.
Os estereótipos podem tanto advir do efeito priming
conceitual ou perceptual, entretanto, e mais nítido que quando uma
pessoa é exposta a uma situação ou imagem, o efeito priming se
intensifica mais devido a potência que imagem evoca, surgindo
muitas vezes preconceitos, o que acentua as questões raciais e de
gênero na sociedade.
Desse modo, o priming perceptual normalmente está mais
ligado as representações sociais extremamente presentes na
sociedade e que sempre estamos sendo expostos e influenciados
devido a sua enorme carga conceitual e imagética.

Impressionantemente, cada um de nós está obviamente cercado,


tanto individualmente como coletivamente, por palavras, ideias e
imagens que penetram nossos olhos, nossos ouvidos e nossa
mente, quer queiramos quer não e que nos atingem [...].
(Moscovici, 2007, p. 33)

Toda essa exposição, como foi dito logo acima gera ativações
que desempenham papel considerável os estudos sobre formação e
propagação de estereótipos sociais. Este estudo está direcionado aos
estereótipos de gênero, desse modo, notamos que quando se trata
de representações sociais, a mulher está imergida em uma constante
de conceitual e imagética que conduz a vários estereótipos
enraizados de um modo duradouro, quase que permanente, que
pouco tem sofrido modificações com o passar das mudanças sociais
e de tempo.

Isso é assim, não porque ela possui uma origem coletiva, ou porque
ela se refere a um objeto coletivo, mas porque, como tal sendo
Nayara Lopes Botelho; Francisco Gilson Rebouças Pôrto Junior | 195

compartilhada por todos e reforçada pela tradição, ela constitui


uma realidade social sui generis. Quanto mais sua origem é
esquecida e sua natureza convencional é ignorada, mais fossilizada
ela se torna. O que é ideal, gradualmente torna-se materializado.
Cessa de ser efêmero, mutável e mortal e torna-se, em vez disso,
duradouro, permanente, quase imortal. (Moscovici, 2007, p. 41)

Stafford e Martin (1995) realizaram um estudo sobre o efeito


priming e a criação de categorias de estereótipos sociais, os autores
dizem que devido a excessiva exposição e contato com índices
estereotipados culturalmente, as pessoas criam inconscientemente
categorias seletivas que formam por meio de associações mentais
critérios de julgamento e, com isso, a criação de estereótipos
negativos ou positivos diante de determinadas representações
sócias, criando categorias sociais.

The essential idea is that priming a stereotypic trait category


makes it readily accessible in memory. Assimilation occurs when
individuals encode na unknown or ambiguous concept in terms of
the previously-activated category. (Stafford e Martin, 1995, p. 5)

Cada categoria criada, e ativada através da assimilação que os


indicies induzem, em outros termos, as associações que as pistas
geram, como sugere o estudo de Domke (2007) sobre questões de
ideologia racial. Tendo-se a consciência que esses indicies ou pistas
já representam os padrões já vigentes na sociedade, sabemos,
portanto, que os estereótipos são como Moscovici (2007) fala:
“superimpostos” a cada um de nós, gerando uma coesão de
percepções e conceitos sociais.

Como pessoas comuns, sem o benefício dos instrumentos


científicos, tendemos a considerar e analisar o mundo de uma
maneira semelhante; especialmente quando o mundo em que
vivemos é totalmente social. Isso significa que nós nunca
196 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

conseguimos nenhuma informação que não tenha sido destorcida


por representações “superimpostas” aos objetos e às pessoas que
lhes dão certa vaguidade e as fazem parcialmente inacessíveis.
Quando contemplamos esses indivíduos e objetos, nossa
predisposição genética herdada, as imagens e hábitos que nós já
aprendemos, as suas recordações que nós preservamos e nossas
categorias culturais, tudo isso se junta para fazê-las tais como as
vemos. Assim, em última análise, elas são apenas um elemento de
uma cadeia de reação de percepções, opiniões, noções e mesmo
vidas, organizadas em uma determinada sequência. (Moscovici,
2007, p. 33)

2.4 Estereótipos femininos

Não iremos adentrar em uma discussão de gênero neste


artigo, iremos apenas justificar o porquê de uma pesquisa sobre os
estereótipos da mulher. Visto que, tais estereótipos estão atualmente
sendo questionados e rejeitados por boa parte das mulheres
brasileiras hoje. Tal comportamento vem ganhando força a muito
tempo, sendo que seu ápice foi com a publicação da revista Veja em
18 de abril de 2016 lançando a primeira dama: Marcela Temer, como
o estilo de mulher ideal, a mulher “bela, recatada e do lar”.
Nayara Lopes Botelho; Francisco Gilson Rebouças Pôrto Junior | 197

Tal notícia se tornou uma verdadeira campanha de


moralização e volta aos “bons costumes” femininos para muitas
mulheres, entretanto, a frase “bela, recatada e do lar” gerou grande
repercussão entre as feministas, levando-as a ressignificar a frase,
modificando-a para “bela, recatado e do bar”, entre outras
alterações.
Inclusive uma das páginas da rede social do Facebook
intitulada “Poucas e boas” publicou um post criticando severamente
a comercialização da imagem da primeira dama como o padrão de
beleza e empoderamento feminino ideal. A revista Veja utilizou a
imagem de Marcela Temer com um objetivo claro de gerar priming
perceptual nos receptores, objetivando alcançar uma boa imagem
do governo atual, pretendendo assim reduzir o alto índice de
insatisfação entre os eleitores.
198 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

Mas o ponto fulcral desse exemplo e a forma como o mesmo


escancarou os estereótipos aceitáveis da mulher da população
brasileira. Devido a nossa história ainda esperamos que a mulher,
trabalhe, cuide bem da casa, do marido, dos filhos, seja recatada em
sua forma de vestir e ainda não seja uma mulher dada a festas e
outras formas de diversão que não seja com a família.
Marcela foi usada como uma pista, um índice ideal de como a
mulher deve ser. Gerou tanto insatisfação e revolta quanto gerou
também aceitação e concordância na população brasileira. Dessarte,
podemos ver que tal pista gerou o efeito priming conceitual e
perceptual de recepção nas pessoas de forma positiva e negativa.
As pessoas que concordaram com a frase associaram a
imagem de Marcela com todo o arsenal de memórias e opiniões do
papel da mulher na sociedade e em sua vida, seus registros o
ajudaram a chegar à conclusão que era procedente as mulheres se
comportarem, se vestirem e atuarem socialmente como Marcela. Da
mesma maneira que, o priming conceitual foi ativado nas pessoas
Nayara Lopes Botelho; Francisco Gilson Rebouças Pôrto Junior | 199

que não concordaram ao serem expostas a frase “bela, recatada e do


lar”.
Há vários estudos estrangeiros sobre os estereótipos da
mulher Coltrane e Adams (1997) que pesquisa sobre a imagem das
mulheres sob a perspectiva de propagandas na televisão, sendo
constatado de forma predominante que a imagem masculina é de
homens trabalhadores e as femininas de mulheres como objetos
sexuais. Cadinu et al. (2005), estes pesquisadores investigaram o
estereotipo sob a categoria de ameaças e não ameaças diante de
déficits de desempenho em testes de matemática.
Davies et. al. (2005) em seu estudo analisou se as mulheres
chegam a evitar papeis de liderança devido a propagandas
estereotipadas na televisão. Destaco aqui Eagly e Mladinic (1989)
que diz que “Indeed, research relating people’s atitudes toward
ethnic and national groups to the evaluative meaning of their
stereotypes of these groups has already demonstrated that such
relations are positive, albeit quite variable in magnitude.”8 (p. 3) O
que nos gera grande assombro, visto que, por mais que há estudos
que procuram descontruir estereótipos, preconceitos e injustiças
direcionadas ao gênero feminino, ainda há muitos posicionamentos
que procuram cristalizar, ou fossilizar como Moscovici (2007) disse
logo acima, representações e imagens sociais.

2.5 Hipóteses

Diante de toda a bibliografia acima apresentada chegou-se a


duas hipóteses para se averiguar a aplicabilidade dos estereótipos
sociais da mulher sob o enfoque da teoria do efeito priming. A
primeira hipótese visa averiguar se:

8
Na verdade, pesquisas que relacionam as atitudes das pessoas com os grupos étnicos e nacionais com
o significado avaliativo de seus estereótipos desses grupos já demonstraram que essas relações são
positivas, embora bastante variáveis em magnitude.
200 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

H1. As imagens que os participantes da pesquisa


tiveram acesso no questionário interage de modo
primário com os estereótipos da imagem da mulher já
preexistentes em sua consciência.

Desse modo, pretende-se entender se de fato a imagem de


uma mulher, tendo-se por base sua aparência – urge-se salientar
que o termo “aparência” está voltado para vestimentas, lugares
sociais e atividades cotidianas no questionário -, durante o decorrer
das épocas em um contexto brasileiro, pode induzir julgamentos ou
conceitos acerca do comportamento ou caráter das mulheres
retratadas, de modo intersubjetivo a cada participante do
questionário.
A hipótese 2 se delineou da seguinte forma:

H2. Esses primeiros pensamentos estereotipados sobre


a mulher exercem influência sobre a opinião social do
participante.

O que se torna imprescindível tratar, pois se há essa formação


de conceitos e julgamentos sociais da imagem da mulher, há,
portanto, a propagação de discursos estereotipados. A segunda
hipótese que visa desse modo, descobrir se esses estereótipos que já
se encontram na mente dos participantes da pesquisa são
potencializados no meio social.

2.6 Método

A base lógica que orienta o método desta pesquisa é a base


indutiva, visto que a mesma:

procede inversamente ao dedutivo: parte do particular e coloca a


generalização como um produto posterior do trabalho de coleta de
dados particulares. De acordo com o raciocínio indutivo, a
Nayara Lopes Botelho; Francisco Gilson Rebouças Pôrto Junior | 201

generalização não deve ser buscada aprioristicamente, mas


constatada a partir da observação de casos concretos
suficientemente confirmadores dessa realidade. Constitui o
método proposto pelos empiristas (Bacon, Hobbes, Locke, Hume),
para os quais o conhecimento é fundamentado exclusivamente na
experiência, sem levar em consideração princípios
preestabelecidos. Nesse método, parte-se da observação de fatos
ou fenômenos cujas causas se deseja conhecer. A seguir, procura-
se compará-los com a finalidade de descobrir as relações existentes
entre eles. Por fim, procede-se à generalização, com base, na
relação verificada entre os fatos ou fenômenos. (Gil, 2008, p. 10 e
11)

Deste modo, primeiramente foi feita a aplicação de um


questionário que, sendo aplicado por meio da plataforma google
drive, foi disponibilizado pela rede social Facebook, sendo divulgado
em meu próprio perfil e também em um grupo de estudantes de
mestrado e doutorado financiados pela CAPES, o nome do grupo é
Bolsistas Capes; o questionário busca apreender o efeito priming de
imagens de mulheres e seus possíveis julgamentos.
Após analisar os dados coletados foi feito um estudo de
revisão bibliográfica que, partindo de uma revisão bibliográfica
sobre o efeito priming, conceito muito usado pelos autores Iyvengar
e Kinder (1987), sendo usado inicialmente por Hebb (1949), em
seguida se direcionou a estereótipos, estigmas e representações
sociais, sendo aplicados sob o enfoque da mulher.
Optou-se por um questionário online devido a facilidade de
coleta e pela pluralidade de participantes para a pesquisa. De tal
forma que em apenas dois dias foi possível coletar 188 questionários
respondidos através da divulgação do mesmo pelo Facebook. Segue
os resultados da pesquisa.

3 Resultados

Os resultados da aplicação do questionário, foi obtido em dois


dias por meio de sua disponibilização na rede social. Averiguou-se,
202 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

portanto, que 88,3% dos participantes foram mulheres, além de que


não houve nenhum participante com faixa etária de 15 a 18 anos.
Sobre o nível de escolaridade dos 188 participantes desta pesquisa
60,1% são mestre nas mais distintas áreas do conhecimento e
22,9% são doutores que ainda continuam pesquisando ou na
docência.

Obteve-se o quantitativo de duas pessoas que possuem o


ensino médio completo (1,1%) e seis pessoas que já possuem o nível
de especialização (3,2%). Com essa amostragem, portanto,
entendemos que são pessoas que possuem seus próprios pontos de
vista e opinião.
Nayara Lopes Botelho; Francisco Gilson Rebouças Pôrto Junior | 203

Diante disso, começamos a analisar os resultados em


percentuais para verificarmos o efeito priming sobre a imagem
social da mulher. Tendo-se como principal referência a campanha
estereotipada da revista Veja “Bela, recatada e do lar” para afigurar
de forma afirmativa a atual primeira dama Marcela Temer, o
questionário utilizou-se primeiramente de imagem de uma mulher
lavando louça, depois de um grupo de mulheres em um bar jogando
sinuca, depois a imagem de uma mulher vestida em um vestido com
a moda dos anos 50 e por fim, duas fotos da atriz e modelo Grazi
Massafera no carnaval.
Voltando-nos para a primeira hipótese: H1. As imagens que
os participantes da pesquisa tiveram acesso no questionário interage
de modo primário com os estereótipos da imagem da mulher já
preexistentes em sua consciência, a primeira imagem – mulher
lavando a louça -, obteve 54,3% de rejeição aos estereótipos
apresentados aos participantes. Assim, descobrimos que não houve
efeito priming em mais da metade dos respondentes.
204 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

Na imagem 2, do estudo fazemos referência com o estereotipo


“[...] do lar” da campanha, a imagem como descrita anteriormente
são de mulheres no bar. 82,4% dos respondentes afirmaram que
elas estavam apenas se divertindo. Constatou-se também que não
houve efeito priming de estereótipos. Houve um quantitativo de
10,1% de pessoas que consideram que as mulheres estão se
tornando piriguetes, ou seja, vulgares.

De forma divergente a este resultado, quando questionadas


sobre se tal imagem gera estereótipos na mulher 54,8% dos
participantes disseram que sim. Onde 4,9% disseram que as
mulheres perderam o senso do que é certo e errado e 22,5% dizem
que as mesmas andam perdendo sua honra e valor.
Nayara Lopes Botelho; Francisco Gilson Rebouças Pôrto Junior | 205

No terceiro caso, onde se pretende questionar o “recatada” da


campanha da Veja, a imagem é de uma mulher da década de 50 com
um vestido. A pergunta, igualmente aos outros casos, foi “o que a
imagem feminina abaixo te remete?” 32,4% dos respondentes
disseram que nada e outros 41% disseram que a moda feminina de
antigamente era mais recatada.

Mais da metade dos respondentes (64,4%) afirmaram que


essa imagem gera sim estereótipos à mulher. Quando inquiridos
sobre alguns estereótipos existentes, 40,9% disseram que a mulher
de antigamente se dava mais o respeito, 5% disseram que a mulher
tinha mais valor antigamente, que representa quase a metade do
quantitativo geral.
206 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

No último caso, que é a imagem da Grazi Massafera no


carnaval carioca, houve um total de 45,3% de efeito priming na
percepção dos respondentes e 51,6% de confirmação de que o efeito
não se efetivou nos mesmos participantes.

Mesmo não havendo efeito priming perceptual neste caso,


73,4% dos participantes disseram que essa imagem gera sim,
estereótipos a imagem da mulher. Onde 44,4% acreditam que as
mulheres gostam de ser objeto de desejo masculino, estão
provocando os homens e está mostrando muito seu corpo.
Nayara Lopes Botelho; Francisco Gilson Rebouças Pôrto Junior | 207

Deste modo, pode-se afirmar que a hipótese 1 desta pesquisa


não foi confirmada, tendo-se por base o efeito priming perceptual, a
hipótese não se confirmou nos casos 1,2 e 4 da pesquisa. Se
confirmou apenas no caso 3, visto que, o mesmo se direciona as
roupas femininas de décadas atrás, o que influencia muito no
comportamento da mulher diante da sociedade.
Agora sobre a hipótese 2 deste estudo: H2. Esses primeiros
pensamentos estereotipados sobre a mulher exercem influência
sobre a opinião social do participante; chegamos à conclusão que é
totalmente valido. Ao voltarmos novamente aos percentuais de cada
caso acima, será possível verificar que mesmo quando o feito
priming não se aplicou houve evidencias de estereótipos da imagem
social da mulher.
Inclusive foi surpreendente como a evidenciação de
estereótipos tão negativos surgissem de casos onde a categoria
“nada” foi tão amplamente escolhida para representar sua
percepção das imagens escolhidas.

4 Considerações finais

Quando a revista Veja lançou a matéria sobre Marcela Temer


houve muitos comentários discordantes, boa parte desses
comentários afirmava justamente o que este artigo fala, a criação de
estereótipos. Quando se diz que, a primeira dama e “Bela, recatada
208 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

e do lar”, está se indicando pistas que de uma forma ou de outra


influência os receptores da mensagem.
Este estudo comprovou que a imagem de uma mulher não
ocasiona de forma decisiva o efeito priming nos receptores, o que
implica em um pensamento, mesmo que não haja efeito priming
perceptual nos casos aqui apresentados e analisados, houve o efeito
priming conceitual.
Ora, visto que, mesmo quando a imagem não desencadeava
um efeito primário de influência direta na mente do respondente,
houve associações que implicaram em boa parte dos estereótipos da
mulher vigentes na sociedade. O que mostra que o efeito priming
sempre esteve sendo ativado em todos os casos discutidos. Não
houve efeito priming perceptual, mas houve o conceitual.
O que implica aqui questionar o porquê que a mulher e tão
repleta de estereótipos que normalmente são incididos sobre sua
aparência e sobre seu comportamento. De forma assustadora, foi
verificado neste estudo que as mulheres respondentes são em boa
parte as que mais atribuiu estereótipos negativos as imagens
apresentadas.
Talvez, isso se tenha dado devido a toda a cultura machista
tão inserida em nossa convivência diária que, torna normal
depreciar a mulher que não segue ou atende as expectativas da
sociedade. Seja qual for o motivo desse dado, comunicamos que não
é o objetivo desse estudo responde-lo ou argumenta-lo, isso fica para
pesquisas posteriores.
Importa aqui dizer, que a mulher que a campanha da Veja
vende é apenas uma personagem milimetricamente construída para
satisfazer anseios históricos de submissão a norma machista de
nossa sociedade. Mulheres que dedicam suas vidas ao lar, marido,
filhos e quando muito, a sociedade circunvizinha.
Mesmo com toda a militância feminista existente, não é raro
encontrar posicionamentos contrários que desejam que as mulheres
retornem ao caminho histórico de anonimato, submissão e
eficiência nos lugares comuns que a campanha relembrou: Beleza =
Nayara Lopes Botelho; Francisco Gilson Rebouças Pôrto Junior | 209

aparência; recatada = beleza que é devida a apenas a sua família, e


lar = seu único espaço por direito. Direito esse que vem e será cada
vez mais ampliado.

Referências

ALTHAUS. Scott L. and Kim. Young Mie; Priming effects in complex


information rnvironments: reassessing the impact of news discourse on
presidential approval. The Journal of Politics, Vol. 68, No. 4, November
2006, pp. 960–976.

CADINU. M. et al. Why do women underperform under stereotype threat?


evidence for the role of negative thinking. PSYCHOLOGICAL SCIENCE.
Volume 16 - Number 7. August 2005.

COLTRANE. Scott; AND ADAMS. Michele; Work–family imagery and gender


stereotypes: television and the reproduction of difference. JOURNAL OF
VOCATIONAL BEHAVIOR 50, 323–347 (1997)

DAVIES. Paul G. SPENCER. Steven J; and STEELE. Claude M; Clearing the air:
identity safety moderates the effects of stereotype threat on women’s
leadership aspirations. Journal of Personality and Social Psychology, 2005,
Vol. 88, No. 2, 276–287.

DOMKE. David. Racial cues and political ideology: an examination of associative


priming. Communication Research 2001; 28; 772

EAGLY. Alice H; and MLADINIC. Antonio. gender stereotypes and attitudes


toward women and men. Pers Soc Psychol Bull 1989; 15; 543.
Gil, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. Ed. – São Paulo:
Atlas, 2008.
HEBB, D. O. The organization of behavior: a neuropsychological theory. Journal
of applied behavior analysis. New York: John Wiley & Sons (McGill
University), 1949.

IYENGAR, Shanto; KINDER, Donald. News that matters. In: Theodoulou and
Cahn, Public Policy: The Essential Readings, 1987. pp. 295-305.
210 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

KAHNEMAN. Daniel; and FREDERICK. Shane; Representativeness revisited:


attribute substitution in intuitive judgment. Representativeness Revisited
September 10, 2001

MOSCOVICI. Serge. Representações sociais: investigações em psicologia social.


5 ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

OLIVEIRA, F. S. et al. Efeito priming entre figuras de partes do corpo. Psico,


Porto Alegre, PUCRS, v. 41, n. 1, pp. 118-127, jan./mar. 2010

PAN. Zhongdang; and KOSICKI. Gerald M; Priming and media impact on the
evaluations of the president's performance. Communication Research
1997; 24; 3.

STAFFORD; Thomas F; LEIGH. Thomas W; MARTIN; Leonard L. Assimilation


and contrast priming effects in the initial consumer sales call.
Psychology & Marketing (1986-1998); Jul 1995; 12, 4; ABI/INFORM Global.
pg. 321
Capítulo 10

A teoria do Gatekeeper e o surgimento do


Gatewatcher: o Crowdsourcing na prática
jornalística
Marina Parreira Barros Bitar1

1 Introdução

No campo jornalístico, especificamente, o ambiente offline


também foi modificado em consequência do desenvolvimento de
novas tecnologias, principalmente coma internet e a World Wide
Web e sua popularização no século XXI. Em tempos de pré-internet,
quando os meios de comunicação consistiam em jornais impressos,
televisão e rádio, a única alternativa do emissor, salvo em
participações pontuais e limitadas por telefone ou por meio da carta
ao leitor, era apenas enviar a informação para seus receptores sem
garantia de obter um retorno. Com a internet, o potencial
colaborativo que sempre existiu entre grupos de pessoas se
intensificou e tomou proporções globais a partir do
desenvolvimento da rede mundial de computadores, da internet e
suas inúmeras ferramentas. As mídias sociais, por exemplo,

1
Mestranda em Comunicação e Sociedade (PPGCom) pela Universidade Federal do Tocantins (UFT).
Possui bacharelado em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, pela UFT e especialização
em Ensino de Comunicação/Jornalismo: Temas Contemporâneos (UFT). E-mail:
marinapbb@gmail.com.
212 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

modificaram profundamente a forma como as informações e os


conteúdos são produzidos e compartilhados no ambiente online,
possibilitando a comunicação de muitos para muitos.
No século XX, em um período onde o meio acadêmico discutia
a comunicação de massa, considerando a audiência como um grupo
homogêneo, é possível identificar a interatividade quase nula entre
jornalistas e leitores, ouvintes e telespectadores e o espaço-tempo
limitado para a apuração, produção e divulgação das notícias. Com
a interatividade e a instantaneidade presentes na rede, há uma
discussão sobre os impactos das novas tecnologias na mídia,
surgindo, assim, a figura do gatewatcher como mediador dessas
novas dinâmicas que surgem na sociedade em rede e todas as suas
implicações nas rotinas produtivas do jornalismo.
Levando esses fatores em consideração, o presente artigo
busca abordar a primeira teoria do jornalismo, a Teoria do
Gatekeeper, mostrando a sua evolução e as variadas abordagens ao
longo das décadas, a sua realidade em meio à comunicação de
massa, bem como o surgimento e a popularização da internet e suas
ferramentas que contribuíram para o surgimento do gatewatcher,
função proposta por Bruns (2011). Além disso, é objetivo dessa
pesquisa compreender a relação com o público diante das práticas
colaborativas presentes nos projetos de crowdsourcing, que
possibilitam a participação da multidão nas rotinas produtivas do
jornalismo. Desse modo, foi realizada uma pesquisa exploratória a
fim de elencar algumas experiências jornalísticas dos Estados
Unidos, do México e do Brasil, que mostram relações diferenciadas
entre jornalistas e leitores. Importante frisar que o objetivo do artigo
não é compreender como as notícias são selecionadas (se de forma
subjetiva ou objetiva), mas sim como a relação entre jornalista ou
empresa jornalística e o público foi modificada com a inserção de
tecnologias em rede cada vez mais interativas, transformando,
assim, a figura do gatekeeper em gatewatcher, onde, muitas vezes,
as notícias são pautadas pela multidão, que tem voz ativa no
processo de seleção e produção das notícias.
Marina Parreira Barros Bitar | 213

2 Teoria do gatekeeper

O início da trajetória que deu origem à Teoria do Gatekeeper


apareceu com o psicólogo alemão-americano Kurt Lewin, pioneiro
da Psicologia Social que cunhou o termo Gate Keep para explicar que
nos processos de tomada de decisão, para se bloquear elementos ou
informações indesejadas ou inúteis, usa-se uma espécie de portão
(gate). Assim, a pessoa que toma uma decisão em um multiplicidade
de decisões é chamada de gatekeeper (guardião do portão). No
início, o conceito era amplamente utilizado no campo da pscicologia
e, mais tarde, ocupou o campo da comunicação, sendo uma das
teorias essenciais nos estudos comunicacionais e um fênomeno
considerado importante pelos pesquisadores da comunicação de
massa (WHITE, 1997; TRAQUINA, 2005; SHOEMAKER; VOS;
REESE, 2008).

Em seu último artigo antes de sua morte, o Dr. Lewin apontou que
a viagem de uma notícia através de certos canais de comunicação
dependia do fato de que certas áreas dentro dos canais
funcionavam como "portões". Seguindo a analogia, Lewin disse
que as seções do portão são governadas por regras imparciais ou
pelos detentores de portões e, neste último caso, um indivíduo ou
grupo está no poder para tomar a decisão entre dentro ou fora
(WHITE, 1997, p. 63, tradução nossa).

Importante ressaltar que a essa teoria contribuiu


sobremaneira para as teorias de controle social. Segundo Roberts
(2005), a teoria do gatekeeper também foi um ponto de partida para
outras teorias de comunicação de massa, como a teoria do Agenda-
Setting, os estudos sobre a semântica e o uso da linguagem e a teoria
do Framing. Assim, Lewin foi o primeiro autor com preocupações
sociais na área da comunicação de massas a propor a noção de que
a passagem de uma notícia por determinados canais depende de
portões que funcionam como mecanismos dentro dos próprios
canais de comunicação. Essas saídas de informação são guardadas
214 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

por "porteiros" (gatekeepers), que decidem quais notícias


continuarão a fluir por esses mesmos canais (WHITE, 1997). Assim,
gatekeeping se refere ao papel tradicional dos jornalistas para
selecionar e narrar eventos.
De acordo com Traquina (2005) e Seligman (2014), essa
teoria, também denominada por alguns autores de Teoria da Ação
Pessoal, foi também a primeira que surgiu na literatura acadêmica
sobre o jornalismo, na década de 1950, com o pesquisador David
Manning White que aplicou o conceito a fim de compreender de que
modo e por que motivos as notícias eram rejeitadas ou escolhidas
para serem publicadas nos veículos jornalísticos. Sendo uma das
mais antigas teorias das ciências sociais adaptadas e desenvolvidas
para uso no estudo das notícias, o gatekeeping tem sido utilizado
pelos estudiosos de comunicação de forma contínua desde os
estudos de White (SHOEMAKER; VOS; REESE, 2008).
Em 1949, White realizou um estudo experimental em que
analisou as decisões de um editor - chamado por ele de Mr. Gates
(Senhor Portão, em português) - de um determinado jornal norte-
americano, ante às notícias internacionais e nacionais que eram
publicadas ou não no veículo. O objetivo da pesquisa era identificar
algumas ideias iniciais sobre como o entrevistado selecionou ou
rejeitou determinadas notícias, um gatekeeping da mídia. A
conclusão de White foi de que as decisões em relação à seleção das
notícias eram subjetivas e arbitrárias, levando em consideração que
as decisões do jornalista eram dependentes de juízos de valor
baseados no conjunto de experiências, atitudes e expectativas do
gatekeeper. Fato que Schudson (1989) explica, na teoria que chama
de ação pessoal, ao defender que as notícias são um produto das
pessoas e das suas intenções (TRAQUINA, 2005).
Outros estudos ainda do século XX, como os dos
pesquisadores Gieber (1956), McCombs e Shaw (1976) e Hirsch
(1977), ao se debruçarem sobre os dados da pesquisa de White fazem
algumas conclusões, como o fato de que as seleções não são tão
subjetivas assim e nem de inteira responsabilidade do indivíduo
Marina Parreira Barros Bitar | 215

jornalista, pois que as tomadas de decisão refletem, também, o peso


das normas profissionais, além da presença da estrutura burocrática
das organizações, acima das avaliações pessoais dos jornalistas e
editores. Assim, existem vários portões que enquadram e moldam a
seleção das notícias, que passam por influências profissionais
(editor, repórter, dono da empresa), econômicas (anunciantes),
organizacionais (em relação à linha editorial do veículo), sociais,
éticas, políticas, tecnológicas e culturais. Ou seja, há pressões
externas nos gatekeepers, bem como características internas dos
gatekeepers individuais e do sistema que os emprega (WHITE, 1997;
TRAQUINA, 2005).
A teoria do Gatekeeping rapidamente ganhou aceitação no
estudo de comunicação de massa, com o passar dos anos novos
elementos não considerados por teóricos anteriores foram sendo
introduzidos. Os primeiros teóricos, por exemplo, consideravam a
presença de vários gatekeepers que controlam várias funções ao
longo do processo de notícias (ROBERTS, 2005). Segundo o autor,
White também pegou a abordagem "emissor - mensagem -
receptor" de Schramm e trouxe para a pesquisa de comunicação de
massa, o paradigma dominante e que se encaixava perfeitamente
com a Teoria do Gatekeeping. Apesar de conter limitações, as
pesquisas de White possibilitaram um olhar mais atento sobre a
Teoria do Gatekeeper no jornalismo, bem como atualizações por
outros autores.
Na década de 1980, de acordo com Roberts (2005, p. 11), a
pesquisadora Pamela Shoemaker reacendeu o interesse da academia
pela Teoria, ao escrever um livro que "fornecia uma história útil da
teoria, do processo e da forma como o controle é aplicado no
indivíduo, na rotina de comunicação, na organização e no nível
institucional". Em suas conclusões, a autora sugere um novo modelo
de gatekeeping, que reconhece os porteiros individuais que
trabalham dentro de uma única instituição, as forças internas e
externas ao longo dos canais e o feedback entre os porteiros. "O
modelo, como outros modelos de comunicação de massa, reconhece
216 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

os efeitos do indivíduo para o organizacional e da instituição para a


sociedade" (ROBERTS, 2005, p. 11). Os estudos da pesquisadora
sobre o tema ocupam lugar de destaque nas teorias do jornalismo.
Alguns pesquisadores têm focado na própria mensagem, que
frequentemente é uma consideração secundária nos modelos
originais de gatekeeping e pesquisas sobre o tema. Outros têm
focado no resultado do gatekeeping, especialmente em como as
definições de 'notícias' às vezes leva a uma mensagem final que pode
ser uma distorção da realidade (ROBERTS, 2005, grifo do autor).
Atualmente, outros autores têm atualizado a teoria em relação aos
modelos anteriores, principalmente por causa do surgimento da
internet e suas ferramentas.

Singer (2001), por exemplo, estudou como jornais tradicionais


(agora conhecidos como mídia 'mainstream') escolhem linkar ou
não linkar para sites da Web, e como essas decisões forçaram mais
tomadas de decisões pelos porteiros (ROBERTS, 2005, p. 14,
tradução nossa).

Outros autores, como Bruns (2011) estão interessados em


compreender como acontece a relação entre o gatekeeper e o público
no jornalismo na internet, no que se refere à produção de notícias,
e sugere que a figura do gatekeeper se transformou, na verdade, em
gatewatcher, onde há um processo de colaboração entre jornalista e
a multidão. Essa abordagem será discutida no próximo tópico deste
artigo e para isso será necessário abordar, antes, a noção de massa,
a relação entre o gatekeeper e a audiência (termo bastante utilizado
na comunicação de massa, principalmente em relação à televisão)
na era pré-internet, para depois discutir a mudança que o ambiente
online promove nesse processo, bem como o conceito de multidão.

2.1 Emissor e receptor na comunicação de massa

No século XX, surgem variadas teorias que estudam a


audiência, ou seja, o público, como uma massa manipulável,
Marina Parreira Barros Bitar | 217

homogênea e passiva. Segundo Wolf (1999), na época das duas


grandes guerras mundiais, as teorias caracterizavam a sociedade de
massa como um conjunto homogêneo de indivíduos iguais,
indiferenciáveis, mesmo que esses fosse originários de ambientes
diferentes, heterogêneos e de distintos grupos sociais. McQuail
(2003, p. 506), explica que o termo é utilizado com uma conotação
negativa, descrito como:

(...) um vasto, mas amorfo conjunto de indivíduos, com


comportamentos semelhantes, sob influência externa, e que são
vistos pelos seus possíveis manipuladores como desprovidos de
identidade própria, formas de organização ou de poder,
autonomia, integridade ou determinação pessoal. Representa uma
visão da audiência dos media.

Desse modo, o conceito de massa era usado para designar


“homens que não se diferenciam, homens que aspiram aos mesmos
desejos, destituem-se de suas contribuições efetivas e se misturam,
extraindo seus rostos das identidades projetadas socialmente”
(MOREIRA, 2014, p. 19). Segundo McQuail (2003), o termo
comunicação de massas começou a ser usado no final dos anos
trinta, mesmo as suas características principais já sendo conhecidas
anteriormente. Ainda de acordo com o autor, o termo massa
significa uma grande quantidade ou extensão de pessoas ou de
produção enquanto comunicação se refere à ação de emitir ou
receber mensagens.

O termo ‘media de massas’ é uma abreviatura para descrever


meios de comunicação que operam em grande escala, atingindo e
envolvendo virtualmente quase todos os membros de uma
sociedade em maior ou menor grau. Refere-se a meios de
comunicação social familiares e há muito estabelecidos, como
jornais, revistas, filmes, rádio, televisão e música gravada
(MCQUAIL, 2003, p. 4, grifo do autor).
218 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

É também nesse período, no século passado, no qual


coexistem o jornal impresso, o rádio e a televisão, que se inicia o
processo de centralização da comunicação na sociedade, facilitado
pelo fato de que o modelo de difusão característico é o unidirecional:
emissor – mensagem – receptor (um enviando informações para
muitos). Não havia espaço nos veículos para comentários ou
discussões dos leitores, ouvintes e telespectadores, reforçando, desta
forma, o poder dos guardiões dos portões. Outrossim, a grande
influência das empresas de comunicação fez com que muitos
teóricos considerassem a mídia como o quarto poder.
No caso específico do jornalismo, as rotinas produtivas, como
o deadline e o espaço limitado de páginas na mídia imprensa ou o
tempo no rádio e na TV, somadas às tecnologias com pouco poder
interativo da época e à noção da audiência como massa pelos
detentores dos meios de comunicação, são fatores importantes que
definiam o papel do gatekeeper, como explica Bruns (2011, p. 121):

Gatekeeping na sua forma clássica foi um resultado do sistema de


produção, distribuição e consumo das notícias que existia durante
o apogeu da época da mídia de massa. As práticas de gatekeeping
eram simplesmente uma necessidade prática: os jornais impressos
e os noticiários na rádio e na televisão nunca poderiam oferecer
mais que uma seleção redigida com muito aperto das notícias do
dia; as avaliações de quais eram as matérias mais importantes para
o conhecimento das audiências (isto é, quais eram as matérias que
poderiam ser comprimidas para caber no espaço total disponível
para conteúdo noticioso na publicação ou na transmissão pela
rádio ou TV) tinham que ser feitas.

Assim, como saber quais fatos jornalísticos se enquadram nas


expectativas dos leitores ou do público? Não havia um diálogo na
era pré-internet entre emissor e receptor, além disso os receptores
eram vistos como massa, ou seja, prontos para receber conteúdos
generalistas. Como explica McQuail (2003), o domínio dos canais
comunicacionais por poucas vozes, causado pelo fluxo vertical e pelo
aumento da comercialização do mercado midiático, provoca efeitos
Marina Parreira Barros Bitar | 219

negativos ao fazer nascer uma organização tipicamente de massa,


cujas formas limitam o acesso e desencorajam a participação ativa e
o diálogo.
Independente da força a fazer com que o gatekeeper escolha
determinada notícias a ser publicada, o fato é que na era pré-
internet, quando a interatividade entre público e jornalista era quase
nula, quando o rádio, o jornal e a televisão eram os principais
veículos de comunicação, os únicos espaços encontrados pela
audiência para participar ou opinar de alguma forma era por meio
da carta ao leitor, no caso do impresso, aonde, mesmo assim, o
jornalista e o editor é quem escolhiam quais cartas seriam
divulgadas no jornal, ou participações em ligações telefônicas de
algum programa televisivo ou radiofônico. Assim, o modelo da
mídia gatekeeping acaba por ser hirarquizado, tanto na cobertura
jornalística e na produção das notícias, quanto da divulgação de
informações, não possibilitando a participação do público no
processo.
Segundo Bruns (2011), as práticas de gatekeeping podem
então ser identificadas em três etapas distintas do processo
jornalístico: a entrada, a produção e a resposta. Na entrada, os
próprios jornalistas é quem selecionam as pautas que acreditam que
merecem investigação ou cobertura; na produção, é a vez dos
editores selecionarem quais matérias produzidas pelos jornalistas e
repórteres, eles consideram ser mais importantes para suas
audiências; e, por fim, na etapa da resposta, escolhem apenas uma
pequena parcela das respostas da audiência para incluir no veículo
de comunicação do dia seguinte (por meio de pesquisas de leitores,
mercadológicas ou do tipo vox populi) isso quando há algum espaço
para essas respostas do público (BRUNS, 2011). Nesse processo,
esses atores continuam mantendo o controle sobre o fluxo de
comunicação.
Resumindo, na comunicação de massa: o gatekeeper faz a
seleção editorial de cartas ou ligações feitas pelo público; além disso,
os veículos tradicionais têm uma hierarquia editorial fechada, não
220 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

possibilitando interferências ou participação do público no processo


de produção de notícias; como, também, a reunião de pauta é
realizada apenas por jornalistas da equipe (BRUNS, 2003).
Thompson (2011), denomina essa relação estabelecida pelos meios
de comunicação de massas com a sua audiência como uma quase
interação mediada, pois que o que ocorre é uma espécie de
monólogo ao invés de um diálogo. Há apenas uma interatividade
unidirecional, ou seja, o público assiste aos conteúdos televisivos,
por exemplo, mas não encontram espaço ou formas de interagir
diretamente na estrutura de produção, pois o fluxo de comunicação
é apenas do emissor para o receptor, inexistindo um feedback. Com
a internet, essa realidade, mesmo nos conglomerados de
comunicação, é modificada, bem como o papel do gatekeeper nesse
processo.

2.2 Internet e a multidão: surge o gatewatcher

Quaisquer que sejam as forças que agem sobre a decisão do


gatekeeper, é possível perceber uma nítida diferença entre a sua
tarefa na era da comunicação de massa do século 20, e na era da
comunicação presente na sociedade em rede, como aborda Castells
(2003), ou na cibercultura, segundo Lévy (1999), ou na cultura da
participação proposta por Shirky (2011). Seja qual for a abordagem
utilizada, a comunicação na era da internet se difere pelo nível de
interatividade, participação e capacidade de produção de conteúdo
em tempo real pelo público, principalmente com a ascensão do uso
de dispositivos móveis e da popularização das redes sociais.
Como reforça Castells et al (2007), as relações em rede da
sociedade são acentuadas, aprofundadas e amplificadas,
principalmente, pelas tecnologias de comunicação sem fio, utilizadas
por um número cada vez maior de indivíduos. Qualquer um que
tenha conexão com a internet pode postar textos, vídeos, áudios e
imagens em tempo real a partir do seu aparelho celular: o indivíduo
consome, mas agora também produz conteúdo de acordo com os
Marina Parreira Barros Bitar | 221

seus interesses e gostos. Outrossim, agora a multidão tem o poder


de fiscalizar ou contrapor informações publicadas pela própria
imprensa, o que constitui uma nova dimensão midiática: o grau de
interatividade, o que possibilita um diálogo não entre emissor e
receptor, mas uma interatividade bidirecional no fluxo
comunicacional, a troca de informações de muitos para muitos.

Os media tradicionais também já se beneficiaram da internet e


suas ferramentas, principalmente as mídias sociais. Essa revolução
na comunicação mudou o equilíbrio do poder, dos media para as
audiências, na medida em que existem mais opções de escolha e
usos mais activos dos media disponíveis. A comunicação de massas
tradicional era especialmente em apenas um sentido, enquanto as
novas formas de comunicação são essencialmente interativas
(MCQUAIL, 2003, p. 29).

Nas pesquisas de Domingo et al. (2008) e Hermida e


Thurman (2008), os autores perceberam que as principais
instituições jornalísticas têm usado o conteúdo gerado pelo público
de forma cautelosa até agora, mantendo o seu tradicional modelo
gatekeeper em relação à presença do conteúdo dos leitores nos sites.
Em contrapartida, algumas organizações não estão somente
esperando a contribuição da audiência, mas estão investindo em um
recrutamento mais sistemático do público, como o registro de
leitores que contribuem com conteúdo, e também estão pedindo por
conteúdos com temas específicos (VÄÄTÄJÄ, 2011).
Já na década de 1960, McLuhan (1964) afirmava que os meios
de comunicação são extensões do homem, assim como o meio é a
própria mensagem, e abordava o conceito de aldeia global, prevendo
que a tecnologia e os novos meios de comunicação reduziriam as
distâncias, aproximariam a população, bem como possibilitaria que
todos se tornassem potenciais editores de informações. A partir do
início do século XXI, a rede mundial de computadores começa a
marcar cada vez mais presença no cotidiano das pessoas,
proporcionando grandes mudanças no campo jornalístico,
222 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

relacionadas com a tecnologia que se transformou num novo meio:


a Internet, e mais especificamente a World Wide Web.
Consequências da evolução dessa tecnologia, os blogs, seguidos das
mídias sociais, alteraram profundamente as rotinas de produção
noticiosa, principalmente em duas fases importantes do processo de
produção jornalístico: a recolha de informação e a distribuição de
notícias (CANAVILHAS, 2010).
Sem limitações espaço-temporais como o impresso, o rádio e
a TV, o jornalismo na web possa suportar a publicação de uma maior
quantidade de notícias nos mais variados formatos e plataformas,
com a possibilidade de produzir conteúdos convergentes e links que
direcionam a outras páginas com mais informação. Essa realidade
comunicacional interconetada, líquida e em rede, André Lemos
(2007) define como mídias pós-massivas, pois agem e funcionam de
formas diferentes à noção tradicional de comunicação de massas.
Desta forma, as mídias pós-massivas descentralizam o fluxo
informativo.
Por isso, McQuail (2003) afirma que os veículos de
comunicação de massa tem uma fronteira indefinida em relação às
novas mídias, que se caracterizam por serem mais individuais,
diversificadas e interativas. “As grandes rede de informação e
comunicação, com seus fluxos invisíveis, imateriais, formam
territórios abstratos, que escapam às antigas territorialidades”
(ARMANDA; MATTELART, 2010, p. 168). E é aí que a noção da
audiência como massa vai sendo substituída pela noção de multidão,
que se caracteriza por ser uma potencialidade criativa, ativa,
propositiva e desterritorializante, pois é, a um só tempo, sujeito e
produto da prática coletiva. Enquanto a massa pressupõe certa
indiferença, a multidão tem aspectos diferenciais e múltiplos
(MOREIRA, 2014).
Desta forma, a mídia online possibilitou que as audiências, ou
seja, o público, personalizassem a sua forma individual de consumir
as informações, inclusive com a opção de se conectar diretamente
com as organizações, as instituições e os indivíduos que lhes
Marina Parreira Barros Bitar | 223

interessam, além de poder compartilhar esses conteúdos com outras


pessoas, principalmente por meio das redes sociais, como Facebook
e Twitter (BRUNS, 2011). Essas práticas fizeram com que o público
se envolvesse mais na produção e distribuição de notícias,
desafiando, dessa maneira, o papel das organizações de mídia e
também do jornalismo.
Assim, “a internet tornou mais fácil para qualquer pessoa
publicar em quase qualquer tópico sem o tradicional gatekeeping
das mídias de massa tradicionais” (ROBERTS, 2005, p. 2, tradução
nossa). Com o gradual desenvolvimento de múltiplas plataformas e
ferramentas, os veículos jornalísticos passam por modificações em
suas estruturas, nas rotinas produtivas, na forma como o conteúdo
é apresentado, e na função e papel do jornalista.

Com o aumento explosivo das informações em uma escala


mundial, a necessidade de oferecer informações sobre as
informações se tornou um complemento crucial para as
habilidades e tarefas do jornalista (...) Isto redefine o papel do
jornalista como um papel de anotador ou de orientador, uma
mudança do cão de guarda para o ‘cão guia’ (BARDOEL; DEUZE,
2001, p. 94, grifo do autor, tradução nossa).

No centro dessas transformações surge, então, a figura do


gatewatcher, uma espécie de vigia, de observador que faz a
mediação das notícias que trafegam pelo portão. Como afirmam
Bardoel e Deuze acima, a mudança do cão de guarda, controlador,
para o cão guia, com a função de orientar. Segundo o idealizador do
conceito, o pesquisador Bruns (2011, p. 122, grifo do autor), essa
mudança da prática de gatekeeping para gatewatcher foi fomentada
por dois aspectos:

A multiplicação contínua dos canais disponíveis para a publicação


e divulgação das notícias, especialmente desde o surgimento do
World Wide Web como uma mídia popular, e o desenvolvimento
dos modelos colaborativos para a participação dos usuários e para
224 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

a criação de conteúdo, que atualmente são frequentemente


resumidos sob o rótulo de ‘Web 2.0’.

O gatewatcher assume também um papel de curador de


conteúdo, e além de ter visto seu início surgir com a blogosfera,
atualmente é uma prática exercida em diversos sites de jornalismo
participativo, que deixam de lado estruturas controladas para dar
lugar à práticas abertas e colaborativas. É, desse modo, uma mídia
de participação coletiva, como afirma McQuail (2003).
Dessa maneira, nas iniciativas do chamado jornalismo
participativo, cívico, público ou colaborativo, a tarefa do
gatewatching é produzir com fontes de notícias abertas a todos os
usuários, assim como a publicação instantânea ou a edição
colaborativa das histórias; além da observação da produção de
informações advindas do público, a disponibilização de comentário
aberto a todos os usuários, e a participação do público no jornalismo
(BRUNS, 2003).
Como afirma Seligman (2014, p. 320), “com o jornalismo
online, multiplataformas e digital em que a informação circula pela
mídia, mas também além do mainstream, as entradas podem ser
múltiplas, ultrapassando os tradicionais gatekeepers”. Ainda de
acordo com o autor, um exemplo são as redes sociais, pois que a
informação que não é divulgada pela mídia massiva pode se espalhar
rapidamente pela rede por meio do compartilhamento presente nas
plataformas, revelando, assim, que o público pode exercer um certo
poder ao abordar determinado assunto, elevando o número de
visualizações e forçando os tradicionais gatekeepers a optar por
publicar uma notícia sobre esse assunto em específico (SELIGMAN,
2014). É por essa dinâmica que Bruns apresenta a figura de
gatewatcher, posto que agora tanto os jornalistas, quanto as
empresas midiáticas devem estar mais atentos às demandas e
exigências da multidão.
Apesar da defesa quanto à substituição do gatekeeper pelo
gatewatcher proposta por Bruns (2011), há autores que não
Marina Parreira Barros Bitar | 225

concordam com a inexistência da figura de guardião do portão, mas


sim na coexistência das duas práticas. De acordo com a pesquisadora
Adriana Barsotti (2014), o processo de gatekeeping sofreu uma
corrosão na web, mas não foi eliminado. Basotti explica que a figura
do gatekeeper não desapareceu, pois alguns veículos, inclusive
presentes no ciberespaço, ainda têm resistência em abrir mais
espaço para o público e estão presos às velhas e tradicionais formas
de controle da produção de notícias. Outros, como Shoemaker, Vos
e Reese (2008, p. 73), pesquisadores da Teoria do Gatekeeping,
reiteram que, com a internet, os jornalistas são cada vez mais
bombardeados com fluxos enormes de informação, e que “o seu
trabalho de selecionar e moldar a pequena quantidade de
informações que se torna notícia seria impossível sem gatekeeping”.
De qualquer forma, a abordagem de Bruns é válida, posto que se
debruça sobre o fenômeno e as dinâmicas que envolvem a prática
de gatewatcher, o que explica o papel desse ator em iniciativas de
crowdsourcing, assunto que será discutido nos próximos tópicos.

3 Crowdsourcing no jornalismo

O termo crowdsourcing foi cunhado em 2006, pelo jornalista


Jeff Howe, em um artigo intitulado "The Rise of Crowdsourcing",
escrito para a Revista Wired, que definiu a expressão como o ato de
uma companhia ou instituição assumir uma função destinada aos
seus funcionários e, de certa forma, terceirizar essa atividade à
multidão, a uma rede de pessoas, a partir de uma chamada aberta.
“Realizados em grande escala – por uma comunidade
suficientemente grande e diversificada de participantes dedicados -,
estes esforços coletivos podem resultar em formas de cobertura
noticiosa que são tão abrangentes como aquelas conseguidas pela
indústria jornalística” (BRUNS, 2011, p. 124).
A ideia de crowdsourcing permite que a multidão seja a fonte
ou a produtora de algo, de forma que a criatividade e a capacidade
de resolver problemas são potencializadas em coletivos de pessoas,
226 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

organizações sem fins lucrativos, entre outros grupos organizados.


Segundo Prado e Anjos (2016, p. 146), o termo vem da junção das
palavras crowd (multidão) e source (fonte) e “parte da premissa da
união das pessoas para resolver problemas em conjunto,
configurando redes de colaboração, destinados a gerar soluções
num ambiente conectado”. Ao invés de simplesmente acessar uma
determinada informação, agora qualquer pessoa com acesso à
internet pode produzir seu conteúdo, fato que demonstra a
capacidade da internet em integrar a multidão. “Qualquer
acontecimento humano, por mais improvável que seja, vê sua
probabilidade crescer em uma multidão (...) nossos novos
mecanismos de comunicação estão agregando nossa capacidade
individual de criar e compartilhar em níveis inéditos” (SHIRKY,
2011, p. 28).
A participação da multidão no processo jornalístico ganhou
novas proporções, pois as redes e os laços sociais que configuram a
internet levaram a interatividade entre jornalistas e multidão a um
novo patamar: não só a possibilidade de dialogar com o público, mas
também de receber contribuições, seja com sugestões de pauta e de
fontes, seja na produção dos conteúdos jornalísticos, com o
profissional ora como mediador, ora como selecionador das
informações.
Outrossim, a participação da multidão permite que os
jornalistas cubram acontecimentos e levantem informações, seja em
áudio, vídeo ou foto, com maior abrangência geográfica, inclusive
mostrando visões diferentes sobre o mesmo fato. “A credibilidade e
relevância dos materiais publicados é reconhecida a partir da
constante dinâmica de construção e atualização coletiva” (PRIMO,
2007, p. 4). Esse processo também traz mais responsabilidades
sobre o conteúdo recebido, exigindo que a apuração continue sendo
rigorosa durante todo o processo jornalístico, com princípios básicos
de checagem das informações. Cabe ao profissional analisar quais
informações são confiáveis ou relevantes.
Marina Parreira Barros Bitar | 227

O crowdsourcing no jornalismo é uma prática aberta ao


público e geralmente baseado em contribuições voluntárias, a fim de
se realizar determinadas tarefas ou resolver problemas. E, como a
prática de gatewatcher, a tendência é que o jornalista se direcione
cada vez mais à função de mediador das informações do que
detentor das mesmas. Assim, com a realização de projetos
jornalísticos que utilizam o crowdsourcing como ferramenta, o
gatewatcher têm acesso a um número variado de fontes e
informações advindas do processamento coletivo da multidão,
possibilitando uma visão mais aprofundada sobre determinado
assunto. Tarefa que seria muito difícil realizar apenas com a equipe
da redação e sem a contribuição direta público. Segundo Bruns
(2011, p. 124-125),

Ao fazer a transição de uns poucos jornalistas seletos com acesso


privilegiado às fontes chaves para um esforço difundido com
fontes múltiplas envolvendo uma multidão de usuários com
interesses diversos, se pode tratar uma faixa muito mais ampla de
temas, e se pode destacar um número muito maior de matérias
com valor potencial como notícias.

O crescimento das plataformas de mídias sociais tem


mostrado que as pessoas querem criar e compartilhar seus
conteúdos com outras pessoas e essa tendência tem potencial
quando se pensa em jornalismo (VÄÄTÄJÄ, 2011). Com as inúmeras
possibilidades dos ambientes convergentes, as dinâmicas
tradicionais de apuração no jornalismo são postas à prova. Da pauta,
passando pela circulação, até a distribuição e divulgação, todas as
etapas que compõem os processos produtivos jornalísticos podem
ser favorecidas pelo crowdsourcing (PRADO; ANJOS, 2016).

A mídia tradicional, principalmente a indústria do jornal está


vendo uma diminuição da sua receita e dos leitores, o que
intensifica a procura por novos modelos de produção. Nesse
contexto, o conteúdo gerado pela multidão é visto como uma
228 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

forma econômica de coletar material interessante e também


relevante para o jornal (VÄÄTÄJÄ, 2011, p. 436, tradução nossa).

As novas organizações estão recebendo cada vez mais


conteúdo gerado por usuários, como foto, vídeos e histórias do
público, e esse conteúdo pode ser utilizado de várias maneiras: como
notícia, como uma fonte para as notícias ou novas ideias para
notícias, ou para obter informações sobre vários tópicos a partir de
um ponto de vista mais amplo (VÄÄTÄJÄ, 2011). Desde tarefas mais
simples, como tirar fotos, produzir vídeos ou sugerir uma pauta em
espaço específico do site, até as mais complexas, como colaborar em
reportagens investigativas, o público pode colaborar com a criação
de conteúdo.

3.1 Iniciativas jornalísticas

Existem vários veículos jornalísticos ao redor do mundo


investindo no crowdsourcing e o jornalista é um ator crucial para
guiar esse processo. Nesse tópico são descritos alguns projetos
realizados por veículos jornalísticos (Estados Unidos, México e
Brasil), com a ajuda da multidão, bem identificado o papel
desempenhado pelos jornalistas em cada caso.
Em toda a América Latina, por exemplo, o uso da multidão
para realizar uma tarefa que normalmente seria realizada por uma
ou poucas pessoas, tem se tornado um modelo popular para o
incentivo à participação cidadã na aplicação da lei, na saúde pública,
nos direitos do consumidor e até em questões sociais. Existem sites
dos países da região que permitem ao público denunciar de forma
anônima crimes por meio do crowdsourcing (GLICKHOUSE, online,
2012, tradução nossa).
Marina Parreira Barros Bitar | 229

3.2 Experiências nos Estados Unidos e México

O Talking Points Memo (TPM), online desde 2000, começou


como blog e hoje é um dos sites norte-americanos mais influentes
que abordam a vida política do país. Em 2007, fizeram uma
chamada aos leitores, na qual pediram que enviassem e-mails com
informações relevantes sobre um caso em que o Departamento de
Justiça dos Estados Unidos demitiu advogados com motivos
aparentemente injustificáveis. Nesse caso, os jornalistas
conseguiram vincular artigos locais sobre o caso, conectando os
pontos da investigação colaborativa, que encontraram um padrão
de promotores federais sendo constrangidos por não acatarem a
ordens do governo Bush, o que revelou para os leitores que aquilo
acontecia em uma dimensão nacional. Assim, além de seguir as dicas
dos leitores, o site ficou conhecido por dar tarefa ao público, como
navegar e extrair dados de milhares de documentos divulgados pela
administração, culminando em relatórios e reportagens baseados no
trabalho da multidão.
Outro exemplo parecido foi proposto pelo jornal britânico The
Guardian, em 2009, quando investigava o escândalo de despesas dos
parlamentares. A multidão, por meio de uma chamada aberta, foi
convidada a categorizar a extrair dados das receitas de despesas
digitalizadas para que a reportagem fosse produzida. Desta forma, o
público contribuiu com o levantamento de informações para a
produção de reportagens, que foram divulgadas no veículo, ficando
disponível para que a multidão avaliasse a precisão e a veracidade
das informações contidas nas notícias. Nas duas experiências, tanto
o TPM, quanto o Guardian, contaram com pessoas que processaram
de forma coletiva uma ampla gama de informações, o que
possibilitou uma agilidade no levantamento de dados que talvez
demoraria meses para ser analisado pelos jornalistas. Assim, como
explica Bruns (2011), os jornalistas e editores se inserem em uma
forma interna de gatewatching, que acompanha os resultados deste
processo investigativo, com o objetivo de identificar resultados
230 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

relevantes a serem explorados ainda mais por meio das atividades


jornalísticas mais convencionais.
O CNN iReport é um canal no qual o público pode participar
das notícias em conjunto com o veículo. Várias vozes estão presentes
no site e as histórias são contadas pelo próprio público. Porém, as
histórias enviadas pelos leitores não são editadas ou selecionadas
antes de serem publicadas. Somente as notícias/histórias marcadas
com um selo vermelho ‘CNN iReport’ foram verificadas e apuradas
pela CNN. As que não têm essa tag ficam com o rótulo ‘Não
verificada pela CNN’, para que o leitor saiba que elas não foram
verificadas pela equipe do veículo jornalístico. Em cada história
postada pelo público há espaço para comentários dos leitores, que
podem se posicionar e contestar as informações apresentadas.
Materiais que violam as diretrizes comunitárias do site podem ser
denunciados por meio do link: violação das diretrizes. Assim, os
moderadores da CNN iReport (gatewatching) verificam e podem
tirar o material do ar ou colocar um aviso de que as informações
publicadas estão sendo analisadas pela equipe. Além disso, o site
deixa bem claro para o público que “ser um usuário do iReport e
criar e carregar conteúdo para CNN iReport não significa que você
trabalhe para a CNN, e você nunca deve se representar como
trabalhando para CNN”. A página também identifica as histórias e
seus autores por meio de geolocalização, a partir de um mapa que
localiza de que local/cidade/estado/país as histórias foram postadas
e quem publicou. Caso a história do leitor não apareça, ele mesmo
pode inserir no mapa colaborativo. Em suma, nessa iniciativa, o
próprio público alimenta a plataforma com conteúdo, com mais
autonomia e sem tanta influência do gatewatcher. Além disso, o
próprio público monitora possíveis notícias conflitantes, repassa
essas denúncias para a equipe do site, que aí são verificadas por
jornalistas, momento em que assume a função de mediador ao
checar a notícia.
O El Universal, do México, produziu o Mapa do Crime, onde o
público denuncia crimes por meio da geolocalização, uma espécie de
Marina Parreira Barros Bitar | 231

crowdmap online, a partir da cooperação dos cidadãos da Cidade do


México. De acordo com a plataforma, podem ser relatados casos
criminosos, como roubo de carro, assalto, sequestro, entre outros.
Ainda segundo o site, a ideia da iniciativa é garantir a segurança dos
habitantes da cidade. Assim, os leitores informam os locais onde
ocorreram os delitos no mapa, ajudando o jornal a identificar as
zonas mais perigosas. Os dados também podem servir para a
produção de futuras reportagens sobre o tema, tarefa que tem o
gatewatcher como responsável pela transformação desses dados
colaborativos em material jornalístico.

3.3 Experiências no Brasil

No cenário nacional também existem muitas iniciativas


colaborativas entre veículos/jornalistas e o público, como é o caso
da revista online Think Olga, que disponibiliza em seu site o projeto
‘Entreviste uma Mulher’, uma lista colaborativa aberta, um banco
de dados, apenas com contatos e informações de mulheres que
podem ser fontes em reportagens. Para tentar mudar o cenário o
Think Olga lançou a lista colaborativa para que o público e as
próprias mulheres que acham que podem ser fonte de matérias
(especialistas, pesquisadoras, etc), coloquem dados curtos, objetivos
e informativos, como uma mini biografia, áreas de conhecimento
(em estrutura de etiquetas), como a fonte pode ser contactada, além
de um link com o portifólio ou algo que identifique a pessoa, a fim
de evitar a presença de perfis fakes na lista. Assim, qualquer
jornalista pode acessar a lista, organizada em ordem alfabética, e
entrar em contato com alguma mulher que esteja cadastrada. Esse
documento fica disponível permanentemente no site, podendo ser
acessado a qualquer momento, tanto para adicionar informação,
quanto para consultar. Dessa maneira, o jornalista pode acessar a
plataforma para procurar fontes femininas para as suas matérias.
Nesse caso, o gatewatcher e a multidão colaboram com a construção
de um banco de dados que conecta tanto jornalistas que precisam de
232 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

fontes para suas matérias, quanto fontes que querem divulgar o seu
trabalho. E abre um leque enorme de fontes que podem ser
consultadas por todo o país. Não há controle do processo por parte
do gatewatcher já que a iniciativa é aberta e descentralizada e o
banco de dados está em constante atualização pelo público.
Outra iniciativa que utiliza mais de uma tipologia de
crowdsourcing é o site Cientista que Virou Mãe (CQVM), que
promove um financiamento coletivo para produzir seus conteúdos
a partir do financiamento e das sugestões de pauta do público. O
funcionamento se baseia no financiamento coletivo de todos os
textos, de acordo com informações do site. O tema do texto e um
resumo informativo sobre o tema, geralmente produzido por 30
escritoras cadastradas como colaboradoras, são apresentados às
leitoras em um local específico do site, assim o público escolhe
aqueles que lhe interessam e financiam com o valor que quiserem,
sendo que cada texto possui um valor mínimo para a publicação, que
é direcionado para o pagamento de quem escreve e para a
manutenção do site. O texto é então enviado por e-mail, em 72
horas, para os apoiadores, e publicado em uma semana no portal
para livre acesso do público em geral. Também são oferecidas
recompensas simbólicas, como o nome das apoiadoras no final de
cada texto. Se o financiamento mínimo para a produção de um texto
não for atingido, o dinheiro é redirecionado para a produção de
outro conteúdo. Além disso, qualquer leitora pode fazer um cadastro
para sugerir temas ou pautas que deseja ler no portal. Nessa
experiência, o público, ligado por interesses segmentados pelo
conteúdo do site, colaboram não só com a sugestão de pautas, como
também com o financiamento e a manutenção financeira tanto da
plataforma, quanto do financiamento dos textos escolhidos pelos
próprios leitores. Assim, o gatewatcher é responsável por produzir
as reportagens sugeridas e financiadas pelo seu próprio público.
Marina Parreira Barros Bitar | 233

4 Considerações finais

O papel do jornalista como gatekeeper e gatewatcher na


internet ainda é um campo de pesquisa vasto para o meio
comunicacional. Ainda que muitos veículos permaneçam com as
rotinas produtivas tradicionais da comunicação de massa e que os
modelos colaborativos no jornalismo ainda não sejam hegêmonicos,
não há como ignorar o poder que agora há nas mãos do público,
sempre vigilantes aos equívocos da mídia. Em uma comunicação de
muito para muitos, a própria atividade exercida pelo jornalista tem
sido revista e modificada. Assim, desde o surgimento da Teoria do
Gatekeeper, novas abordagens têm surgido (como a de gatewatcher
proposta por Bruns), principalmente com as novas mídias e o poder
colaborativo que a internet oferece, possibilitando que a relação
entre o público e o jornalista seja modificada, aqui demonstrada na
figura do vigia do portão e não mais do guardião e detentor de todo
o processo de apuração, produção e divulgação das notícias. Essas
dinâmicas têm sido constantemente modificadas principalmente
com a interação e compartilhamento presente nas redes sociais e no
registro e divulgação instantânea das informações por meio dos
dispositivos móveis portáteis.
O crowdsourcing, por outro lado, é um conceito sempre em
construção, sendo apropriado de maneiras bem distintas pelos
meios de comunicação, proporcionando maior ou menor
participação e colaboração do público, seja na produção de
conteúdos jornalísticos, na sugestão de pautas ou ajudando a
analisar documentos que servirão de fonte para reportagens. Há
nesse processo a figura do jornalista como um vigia, um mediador
dessas informações geradas pelo público, ou seja, o gatewatcher. Em
suma, essa modalidade de participação da multidão deve ser
incentivada dentro do meio jornalístico, a partir de projetos
inovadores que possibilitem a produção de conteúdo com múltiplas
vozes. No entanto, é indispensável priorizar sempre a apuração e a
checagem dos fatos presentes no processo jornalístico, tarefas de
234 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

responsabilidade do gatewatcher a partir das informações advindas


da multidão. Dessa maneira, são necessários mais estudos afim de
aprofundar as características que definem a função do gatewatcher
em práticas colaborativas com a diversidade de objetivos como as
apresentadas nessa pesquisa.

Referências

ARMAND; MATTELART, M. Histórias das teorias da comunicação. São Paulo:


Edições Loyola, 2010.

BARDOEL, J.; DEUZE, M. Network journalism: Converging competencies of old


and new media professionals. In: Australian Journalism Review, 2001,
v. 23, n. 3, p. 91-103. Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/267969191_Network_Journ
alism_Converging_competences_of_old_and_new_media_professionals
>. Acesso em: 25 jun. 2017.

BARSOTTI, A. Jornalista em mutação: do cão de guarda ao mobilizador de


audiência. Florianópolis: Insular, 2014.

BRUNS, A. Gatewatching, not gatekeeping: collaborative online news. In: Media


International Australia Incorporating Culture and Policy, n. 107, p. 31-44,
2003.

BRUNS, A. Gatekeeping, gatewatching, realimentação em tempo real: novos


desafios para o jornalismo. Brazilian Journalism Research, v.11. n.2,
2011. Disponível em:
<http://bjr.sbpjor.org.br/bjr/article/view/342/315> . Acesso em: 09 jul.
2017.

CANAVILHAS, J. Do gatekeeping ao gatewatcher: o papel das redes sociais no


ecossistema mediático. In: 2° Congreso Internacional Comunicación 3.0,
2010, Universidade de Salamanca. Anais... Salamanca: Nuevos Medios,
Nueva Comunicación, 2010. Disponível em:
<http://campus.usal.es/~comunicacion3punto0/comunicaciones/061.pd
f>. Acesso em: 12 jul. 2017.

CASTELLS, M. A galáxia da internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.


Marina Parreira Barros Bitar | 235

CASTELLS, M. et al. Comunicación móvil y sociedad, una perspectiva global.


Madrid: Ariel-Fundación Telefónica, 2007, 475 p.

DOMINGO, D. et al. Participatory journalism pratices in the media and beyond:


an international comparative study of Initiatives in online newspapers.
Journalism Practice, [s.l.], v. 2, n. 3, p.326-342, out. 2008.
http://dx.doi.org/10.1080/17512780802281065. Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/239835289_Participatory_J
ournalism_Practices_in_the_Media_and_Beyond_An_International_Com
parative_Study_of_Initiatives_in_Online_Newspapers>. Acesso em: 08
jul. 2017.

GLICKHOUSE, R. Technology update: a crowdsourcing guide to Latin America.


[online] 2012. Disponível em: &lt;http://www.as-
coa.org/articles/technology- update-crowdsourcing- guide-latin-
america&gt;. Acesso em: 06 jul. 2017

HERMIDA, Alfred; THURMAN, Neil. A clash of cultures: The integration of user-


generated content within professional journalistic frameworks at British
newspaper websites. Journalism Practice, [s.l.], v. 2, n. 3, p.343-356, out.
2008. http://dx.doi.org/10.1080/17512780802054538. Disponível em:
<http://openaccess.city.ac.uk/53/2/hermida_thurman_a_clash_of_cultu
res.pdf>. Acesso em: 08 jul. 2017.

LEMOS, A. Cidade e mobilidade. telefones celulares, funções pós-massivas e


territórios informacionais. In: Revista MATRIZes, USP, v. 01, n. 01, 2007.
Disponível em:
<http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/andrelemos/Media1AndreLe
mos.pdf>. Acesso em: 12 jul. 2017.

LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999.

MCLUHAN, M. Os meios de comunicação como extensões do homem. São


Paulo: Cultrix, 1964.

MCQUAIL, D. Teoria da comunicação de massas. Lisboa: Fundação Calouste


Gulbenkian, 2003.

MOREIRA, R. de M. Os processos de massificação: fronteiras entre massa e


multidão. VIDAL DE SOUZA, R. M.; MARQUES DE MELO, J.; MORAIS, O.
236 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

J. de (Orgs). Teorias da comunicação: correntes de pensamento e


metodologia de ensino. São Paulo: Intercom, 2014. p. 15-33.

PRADO, J. A. B.; ANJOS, E. O. dos. Arquiteturas de participação aplicadas ao


crowdsourcing: sistematizando processos e práticas de apuração
jornalística em ambientes digitais convergentes. In: Revista Líbero, São
Paulo, v. 19, n. 38, p. 143-152, jul./dez. de 2016.

PRIMO, A. O aspecto relacional das interações na Web 2.0. In: E- Compós,


Brasília, v. 9, p. 1-21, 2007.. Disponível em:
<http://www.compos.org.br/seer/index.php/e-
compos/article/view/153>. Acesso em: 29 jun. 2017

ROBERTS, C. Gatekeeping theory: an evolution. In: Association for Education in


Journalism and Mass Communication, San Antonio, Texas. 2005.
Disponível em: <http://chrisrob.com/about/gatekeeping.pdf>. Acesso
em: 9 jul. 2017

SHIRKY, C. A cultura da participação: criatividade e generosidade no mundo


conectado. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

SELIGMAN, L. Velhos e novos porteiros – a teoria do gatekeeping. VIDAL DE


SOUZA, R. M..; MARQUES DE MELO, J.; MORAIS, O. J. de (Orgs). Teorias
da comunicação: correntes de pensamento e metodologia de ensino. São
Paulo: Intercom, 2014. p. 315-327.

SHOEMAKER, P. J.; VOS, T. P.; REESE, D. Journalists as gatekeepers. In: WAHL-


JORGENSEN, Karin; HANITZSCH, Thomas (Orgs). The handbook of
journalism studies. New York: Routledge, 2008, p. 73-87.

THOMPSON, J. B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia.


Petrópolis: Ed. Vozes, 2011.

TRAQUINA, N. Teorias do jornalismo: porque as notícias são como são.


Florianópolis: Insular, 2 ed., 2005, 224 p.

VÄÄTÄJÄ, H. et al. Crowdsourced news reporting: supporting news content


creation with mobile phones. In: 13th International Conference on
Human Computer Interaction with Mobile Devices and Services [s.l.],
p.435-444, 2011. ACM Press. http://dx.doi.org/10.1145/2037373.2037438.
Disponível em:
Marina Parreira Barros Bitar | 237

<https://www.researchgate.net/publication/221270888_Crowdsourced
_news_reporting_Supporting_news_content_creation_with_mobile_pho
nes>. Acesso em: 26 jun. 2017.

WHITE, D. M. The 'Gate Keeper': a case study in the selection of news. In:
BERKOWITZ, Dan. Social meanings of news: a text-reader. Califórnia:
Sage Publications, 1997, p. 63 -80.

WOLF, M. Teorias da Comunicação. Lisboa: Editorial Presença, 1999.


Capítulo 11

Agenda setting: análise da percepção de


influência dos media nos indivíduos
sobre a visão positiva da seleção
brasileira de futebol
Laís Pereira Ferreira1

1 Introdução

Após o desempenho catastrófico da seleção brasileira de


futebol na Copa do Mundo de 2014, especificamente, sobre a goleada
histórica para a seleção alemã na semifinal da competição, a seleção
ficou desacreditada perante os torcedores. Devido a isso, os meios
de comunicação definiram suas pautas esportivas na busca de
reafirmar o patriotismo e a esperança da reconstrução do time para
voltar a enfrentar e obter a vitória frente as grandes seleções.
Maxwell McCombs e Donald Shaw em 1972 propõem a
hipótese da agenda setting ou do agendamento. McCombs e Shaw
(2002) afirmam que os Media têm o poder de escolher e agendar os
conteúdos que serão veiculados e qual será sua intensidade. Pode-se
assim afirmar que esta escolha da mídia sobre os assuntos, geram
uma consequência cognitiva sobre o público.

1
Mestranda em Comunicação e Sociedade – PPGCOM/Universidade Federal do Tocantins – UFT. E-
mail: lais.p.ferreira26@gmail.com.
240 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

Diversos setores da sociedade são afetados por este


agendamento midiático. Takeshita (2006, p. 276, tradução nossa)
comenta sobre o efeito psicológico que a hipótese do agendamento
causa no público pelo impacto de influência que são afetados.
‘‘Quando perguntado em uma entrevista qual é a questão mais
importante que o país enfrenta, um entrevistado tende a mencionar
questões ou temas que têm saturado a notícia’’. Um exemplo desta
hipótese no esporte, é a exaltação do jogador de futebol brasileiro
Neymar Júnior, mesmo que o indivíduo não seja torcedor de futebol
e não acompanhe a editoria de esporte, em algum momento, irá
recorda-se do nome do jogador. Isto ocorre pela intensidade que
Takeshita (2006) relata sobre a forma como os Media veiculam a
imagem do atleta.
Tedesco (2005) relata que décadas após McCombs e Shaw
proporem a hipótese do agendamento, seu estudo continua em
diversos contextos políticos, no âmbito nacional e internacional. E
as extensões da agenda permanecem até a atualidade na proposta
de medir a influência da internet, propaganda política, debates
políticos, problemas e atributos.
Este trabalho tem por objetivo analisar a percepção dos níveis
de influência dos Media sobre os indivíduos na construção de uma
imagem positiva da seleção brasileira de futebol, após a Copa do
Mundo de 2014. Para tanto, foi aplicado um questionário online com
100 pessoas de diferentes faixas etárias e escolaridade, cujo intuito
foi medir a percepção de qual nível de influência os Meios de
Comunicação apresentam quando estes referem-se a seleção
brasileira de maneira positiva. Gil (2008) relata que a aplicação de
questionário possibilita ao pesquisador abordar uma amostra
diversificada para obter os resultados da pesquisa.
Em termos metodológicos, a pesquisa apresenta uma
abordagem quantitativa, com análise dos resultados do questionário
e qualitativa, cuja pesquisa bibliográfica está ancorada nos estudos
de McCombs (2002 e 2006), Rossetto e Silva (2012) para abordar a
Laís Pereira Ferreira | 241

hipótese do agendamento e sobre o jornalismo esportivo recorreu-


se a Helal (2011) e Gastaldo (2003).

2 Agenda Setting

Os estudos sobre a hipótese do agendamento iniciaram muito


antes da década de 70, os primeiros relatos ocorreram com Walter
Lippmann em seu clássico de 1922, Public Opinion, no qual propôs
a ideia de que os indivíduos não respondiam diretamente os fatos do
mundo real, mas conviviam em um mundo falso, que era composto
por imagens em suas cabeças. Lippmann afirmava que a mídia tinha
um papel fundamental no fornecimento e criação destas imagens,
além da configuração deste mundo falso. Porém, foi no início da
década de 70 com McCombs e Shaw que a hipótese do agendamento
consolida-se.
Harris et al (2001, p.1118, tradução nossa) explica que as
primeiras experiências da hipótese do agendamento ocorreram no
âmbito político norte americano por McCombs e Shaw, no qual o
estudo concluiu:

[...] a mídia parecia ter influenciado significativamente os


julgamentos dos eleitores, cujos principais problemas da
campanha era que havia uma forte relação entre a ênfase dada pela
mídia a diferentes questões de campanha e a importância que os
eleitores aplicavam para eles.

Agenda setting é uma metáfora que utiliza a ideia simbólica


de agenda, que se preocupa com a agenda dos meios de comunicação
e a agenda da sociedade, além de como são retratados os assuntos
para persuadir o público. Na visão de Ferreira e Varão (2014, p. 426)
a agenda setting está apresentada como:

[...] os mass media oferecem categorias em que os leitores podem


colocar esses temas, criando, de certa forma, uma dependência
cognitiva em relação aos media: os meios oferecem a ordem do dia
242 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

dos assuntos e problemas a serem pensados e hierarquiza a


importância e prioridade segundo a ordem do dia.

A dependência cognitiva relatada por Ferreira e Varão (2014)


é observada por meio dos assuntos mais comentados na sociedade.
Diariamente os Meios de Comunicação impõem a ordem de
importância dos acontecimentos de acordo com os seus interesses.
Vale ressaltar, que esta imposição não resulta em como as pessoas
irão pensar, mas sim sobre o que os leitores pensarão.
Dalton et al (1998) debate que as explicações do cenário da
hipótese do agendamento surgem de diversas fontes e algumas
vezes contraditórias. Pois, alguns críticos apontam para uma
orientação liberal de jornalistas e argumentam que esses
profissionais projetam seus próprios pontos de vistas e interesses
nas campanhas. Outros autores mencionam a concentração de
grandes corporações associadas a imprensa e consequentemente
gera um recorde distintamente conservador nas notícias veiculadas.
Todavia, Christie (2006, p. 520, tradução nossa) lembra a
importância da influência da mídia em determinados contextos e
afirma que ‘‘[...] estudos sobre a influência das agendas de mídia em
condições políticas e sociais mostraram a importância da orientação
de mídia (atribuindo importância a questões e eventos) para novos
problemas’’.
McCombs (2002) relata que embora a influência da mídia seja
significativa, não determina a agenda pública sozinha, visto que os
leitores têm a liberdade de serem contrários as ideias divulgadas.
Na evolução da hipótese da agenda setting, surge um segundo
nível, que é explicado por Escobar et al (1998), no qual o foco sobre
a transferência do objeto expande-se em relação ao foco do primeiro
nível, além das condições que ampliam ou reduzem os efeitos do
agendamento. De acordo com Scheufele e Tewksbury (2007), o
segundo nível da agenda setting seria um refinamento da hipótese
original.
Laís Pereira Ferreira | 243

Rossetto e Silva (2012, p.105) relatam que ‘‘a proeminência


dos atributos de um tema específico muda com certa frequência ao
longo do tempo. Assim, o segundo nível de agendamento amplia a
compreensão de como as notícias dos meios de comunicação
formatam a opinião pública nos assuntos do dia’’.

Figura 1 – Hipótese do agendamento 1º e 2º níveis.

Fonte: Rossetto e Silva (2012, p. 104).

A figura 1 explica a transferência de saliência do primeiro nível


e do segundo nível da hipótese do agendamento das agendas
midiáticas e pública, no qual a preocupação em entender como as
notícias influenciam os leitores no dia a dia.

2.1 Níveis de influência da hipótese do agendamento

Partindo desta definição de influência da agenda setting, que


as pessoas criam uma dependência cognitiva em relação aos
assuntos mais abordados quando o público não tem um
aprofundamento sobre este para posicionar-se perante as notícias
que recebem, duas hipóteses foram construídas para medir a
244 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

percepção em níveis de influência dos Meios de Comunicação nos


indivíduos:
H1 – Os meios de comunicação exercem influência significativa no
público, em relação a uma visão positiva da seleção brasileira de
futebol;
H2 – A influência exercida atinge todos os níveis de público (eu, o
semelhante e o outro).

Para comprovar as duas hipóteses, elaborou-se um


questionário online que foi aplicado do período do dia 30 de junho
a 04 de julho e priorizava entender a percepção dos Media em uma
escala de quatro níveis de influência: nenhuma influência (zero);
pouca influência (um); influência significante (dois) e muita
influência (três).
Os usuários responderam uma série de perguntas
relacionadas a questão social e referentes a persuasão dos meios de
comunicação, 100 respostas foram obtidas com pessoas de todos os
níveis de escolaridade e faixa etária, para a mensuração e análise dos
dados foi utilizado o programa de estatísticas SPSS.
Três perguntas fechadas no formato de escala eram
direcionadas, especificamente, a questão da influência dos Meios de
Comunicação sobre uma visão positiva da seleção brasileira de
futebol masculina: 1 - Você acredita que a Mídia exerce influência na
formação de uma visão positiva nas pessoas sobre a seleção
brasileira de futebol?; 2 - Você acredita que em algum momento os
Meios de Comunicação já exerceram uma influência sob você para
formar uma opinião positiva sobre a seleção? e 3 - Você acredita que
as notícias publicadas pelos Meios de Comunicação influenciam
pessoas próximas a você (amigos, colegas de trabalho/faculdade,
familiares) para formar uma opinião sobre a seleção?. Gil (2008)
comenta que as perguntas fechadas em um questionário facilitam a
tabulação dos dados, além de tenderem a um consenso nas
respostas.
Laís Pereira Ferreira | 245

A mesma escala foi utilizada nestas três perguntas, com as


respostas variando de zero a três. Os respondentes não tiveram a
opção ‘‘não tenho opinião a respeito’’ para não interferir no
resultado do nível de percepção de influência. Cabe pontuar que
cada pergunta aparecia separadamente, para que o indivíduo não
comparasse sua resposta com a questão anterior e o mesmo não
nivelasse o questionário.
Após a tabulação das respostas, observou-se que 62% do
público que preencheu a pesquisa correspondeu ao sexo feminino e
38% ao masculino. Com um perfil de escolaridade diversificada, 2%
possuíam o nível fundamental; 37% o ensino médio; 43%
graduação; 7% tinham especialização; 8% mestrado e apenas 3%
doutorado.
A faixa etária evidencia a escolaridade do público, com 12% os
leitores de 15 a 18 anos; mais de 70% das pessoas que responderam
à pesquisa encontram-se na faixa etária entre 19 a 30 anos (47% de
19 a 25 anos e 25% entre 26 a 30 anos); indivíduos com mais de 31
anos somaram 16%.
Na primeira pergunta sobre o indivíduo acreditar que a Mídia
exerce influência na formação de uma visão positiva nos outros,
92% dos usuários revelaram que realmente creem que os meios de
Comunicação exercem forte influência sobre as pessoas. 59% dos
participantes da pesquisa marcaram a opção de Muita Influência,
logo em seguida a opção de Influência Significante com 33%. A
minoria das respostas optou pela opção de Pouca Influência (7%) e
apenas 1% acredita que não há presença de influência da mídia.
Como mostram os resultados da tabela 1.
246 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

Tabela 1 - Você acredita que a mídia exerce influência na formação


de uma visão positiva nas pessoas sobre a seleção brasileira de
futebol?
Porcentagem Porcentagem
Frequência Porcentagem válida acumulativa
Válido Nenhuma
1 1,0 1,0 1,0
Influência
Pouca
7 7,0 7,0 8,0
Influência
Influência
33 33,0 33,0 41,0
Significante
Muita
59 59,0 59,0 100,0
Influência
Total 100 100,0 100,0
Fonte: Elaboração própria/SPSS.

McCombs (2002) comenta que a presença ou ausência dos


efeitos da agenda setting é explicada por um traço psicológico
básico, a necessidade de orientação. Cada indivíduo tem dentro de
si uma necessidade de compreender o contexto que o rodeia.
Sempre que encontram-se em uma situação nova, surge um
sentimento psicológico desconfortável nas pessoas que é suprimido
até que se explore e compreenda o que está ocorrendo.
A tabela 1 reflete justamente essa necessidade de orientação,
no qual o público que não acompanha com frequência os jogos e
competições da seleção brasileira de futebol masculino tende a ser
mais nocivo aos efeitos da hipótese do agendamento. Em outra
pesquisa sobre a opinião pública, McCombs (2006, p.111) explica
sobre essa dependência cognitiva:

Não temos na nossa cabeça o mundo tal como ele é, mas sim a
imagem que fazemos dele. Formamos mapas sobre o entorno
exterior. A necessidade de orientação é um conceito que explica o
porquê de darmos sentido ao mundo que nos cerca, além de
explicar a transferência de relevância da agenda midiática à
pública.
Laís Pereira Ferreira | 247

Diversos fatores fazem com que os leitores não acompanhem


assiduamente a seleção, os principais são a falta tempo para assistir
aos jogos e o conhecimento limitado das regras da partida e para
suprimir a necessidade de orientação, recorrem as notícias
veiculadas pelos meios de comunicação com o objetivo de
compreender o atual momento que o time se encontra.

2.2 Jornalismo esportivo e a imagem positiva da Seleção


Brasileira

O esporte é praticado há séculos e está presente na sociedade


como forma de entretenimento e interação social. Todavia, não
eram todas as modalidades que foram bem aceitas pelo jornalismo
assim que surgiram, o futebol, que hoje é considerado uma paixão
nacional, já sofreu certa resistência para ser noticiado. De acordo
com Coelho (2006, p.7), muitos jornalistas não consideravam o
assunto relevante para que fosse destaque nos jornais. ‘‘Pouca gente
acreditava que o futebol fosse assunto para estampar manchetes. A
rigor, imaginava-se que até mesmo o remo jamais estamparia as
primeiras páginas de jornal’’. Com o passar do tempo, a
popularização do esporte e criação de grandes clubes geraram um
certo interesse da mídia para a editoria esportiva.
A cada dia que passa o jornalismo esportivo vem se
consolidando e atraindo leitores pela forma como é apresentado,
uma vez que antes era feito para informar e agora para entreter.
Nelson Rodrigues2 já colocava paixão na linguagem esportiva
quando escrevia suas crônicas sobre o futebol.
Barbeiro e Rangel (2013, p. 119) afirmam que além da
interação entre os indivíduos ocorre uma movimentação na
economia. ‘‘O esporte é uma prática social e também um business
2
Um dos maiores dramaturgos brasileiros, Nelson Falcão Rodrigues também foi um importante
cronista na década de 60. Em sua biografia ‘‘O anjo pornográfico’’ a paixão de Nelson pelo futebol é
retratada.
248 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

imenso que no Brasil movimenta milhões de dólares, e no mundo


chega a bilhões’’. Bezerra (2008) explica que a transmissão dos jogos
de futebol passou por modificações e atualmente há uma
preocupação com a colocação das câmeras, enquadramento, cortes,
edição, replay e utilização de equipamentos de última geração.

Nas transmissões esportivas vemos placas, faixas e painéis,


estrategicamente colocados no ângulo de visão da TV. As camisetas
dos atletas esportivos também têm espaços reservados para o
nome dos patrocinadores. Tudo é pensado como forma de
espetáculo e faz parte da indústria que o esporte movimenta
(BEZERRA, 2008, p. 78).

A seleção brasileira de futebol está inserida neste


investimento, principalmente, a modalidade masculina, que recebe
investimentos por parte da Confederação Brasileira de Futebol
(CBF). Os jogos disputados pela seleção tornam-se uma vitrine para
empresas que desejam divulgar suas marcas. A mídia transforma
em espetáculo desde a convocação dos jogares até os acontecimentos
pós-jogos.
Helal (2011, p.12) relembra o surgimento do futebol no Brasil
e relata que ‘‘desde que chegou ao país, o futebol passou por um
processo de incorporação cultural até se constituir no que
chamamos de “paixão nacional”, como se afirmássemos que o nosso
futebol é o melhor do mundo e o Brasil é o lugar onde mais se ama
e se entende do assunto’’. Porém, em uma pesquisa realizada pelo
Instituto Paraná Pesquisas e publicada no final de 2016, mostra que
no cenário esportivo a maior torcida no Brasil entre os clubes está
concentrada nas pessoas que não torcem para nenhum time,
somando aproximadamente 20%.
Gastaldo (2003) relata que os clubes de futebol representam
um pertencimento social com características específicas, porém há
uma divisão entre os torcedores por conta dos clubes regionais, a
‘‘união’’ só é criada pela seleção brasileira de futebol.
Laís Pereira Ferreira | 249

Esse interesse é catalisado numa dimensão ‘‘nacional’’ quando está


em campo a ‘‘seleção brasileira’’. Este time de futebol especial
realiza uma espécie de ‘‘unidade nacional’’, por meio da superação
das diferenças clubísticas em prol de um bem comum: o
desempenho do ‘‘Brasil’’ perante outros ‘‘países’’. Todos estes
termos estão empregados no sentido metonímico que
cotidianamente permeia a relação entre a ‘‘seleção nacional’’ e a
‘‘nação’’ ou o ‘‘país’’ (seja o ‘‘Brasil’’, seja seu adversário). Boa parte
da legitimação desta apropriação simbólica provém da imprensa
esportiva, particularmente importante nos períodos de Copa do
Mundo. Assim, é frequente que no discurso da crônica esportiva a
‘‘seleção brasileira’’ venha a ‘‘representar’’ (no sentido mais
metonímico do termo) o ‘‘povo brasileiro’’ (Gastaldo, 2003, p. 3).

No Brasil, a Copa do Mundo é vista como o ápice das


competições no mundo esportivo, a importância dada pela mídia a
cobertura deste evento é superior ao das Olímpiadas; por ser
considerada como o maior evento esportivo, ‘‘o país do futebol’’
volta-se completamente para a competição, visto que o campeão é
considerado o ‘‘melhor do mundo’’. Entretanto, após a eliminação
histórica para a seleção alemã na Copa do Mundo de 2014, a seleção
brasileira além de perder algumas posições no ranking mundial da
FIFA (Fédération Internationale de Football Association) por conta
da derrota, também perdeu o prestígio entre os torcedores, que não
mostravam empolgação com os amistosos posteriores a competição
de 2014.
Para mudar esta situação os meios de Comunicação,
investiram em narrativas bem construídas para exaltar a seleção
brasileira de forma positiva nas eliminatórias da Copa do Mundo de
2018, uma vez que os torcedores já não demonstravam interesse em
acompanhar os acontecimentos sobre a seleção.
Por conta do enfoque que os meios de comunicação
disponibilizam a seleção brasileira de futebol, pessoas que não
acompanham com frequência o esporte, recorrem as notícias e por
consequência, acabam tornando-se nocivas a influência da hipótese
do agendamento.
250 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

McCombs (2002) relata que a necessidade de orientação dos


leitores varia de um indivíduo para outro, pois, em determinadas
pessoas há pouca necessidade de orientação, enquanto que para
outros a necessidade de orientação tem importância significativa.
Além de apresentar duas características para os indivíduos se
interessarem por um determinado assunto: relevância e incerteza.

A relevância é a condição de definição inicial que determina o nível


de necessidade de orientação para cada indivíduo. Se um tópico é
percebido como irrelevante - ou muito baixo em relevância - então
a necessidade de orientação é baixa. Os indivíduos nessa situação
prestam pouca ou nenhuma atenção aos relatórios das mídias de
notícias e, no máximo, demonstram efeitos fracos da configuração
da agenda (McCombs, 2002, p. 9, tradução nossa).

Essa afirmação de McCombs sobre a relevância é observada


nos meios de comunicação pela intensidade com que a notícia é
veiculada, o tempo que é disponibilizado, as fontes entrevistadas e
as estratégias comunicativas. No questionário aplicado, mais da
metade dos respondentes além de acreditarem que os meios de
comunicação influenciam os outros, acreditam que em algum
momento já foram influenciados pelos Media na formação de uma
opinião com caráter positivo sobre a seleção brasileira.
Laís Pereira Ferreira | 251

Tabela 2 - Você acredita que em algum momento os Meios de


Comunicação já exerceram uma influência sob você para formar
uma opinião positiva sobre a seleção?
Porcentagem Porcentagem
Frequência Porcentagem válida acumulativa
Válido Nenhuma
7 7,0 7,0 7,0
Influência
Pouca
18 18,0 18,0 25,0
Influência
Influência
45 45,0 45,0 70,0
Significante
Muita
30 30,0 30,0 100,0
Influência
Total 100 100,0 100,0
Fonte: Elaboração própria/SPSS.

Os respondentes do questionário foram bem incisivos em


relatar a influência significante dos meios de comunicação sobre si
para formar uma opinião positiva da seleção brasileira em algum
momento, 45% optaram pela representação de persuasão dois,
numa escala até três. O que remete que a construção dos discursos
criados pelos Media, surtem efeito em diversos níveis da sociedade,
impactando o público que apresenta diferentes graus de
escolaridade e faixa etária. A minoria (25%) relatou que nunca
foram influenciados ou tiveram pouca influência por meio dos
Media para formar uma opinião sobre o assunto.
Essa consciência dos 75% do público de que em algum
momento já foram influenciados com um nível alto ou significativo
de persuasão é justificada pela ideia de pertencimento social
mencionada por Gastaldo (2003), pois a ideia de patriotismo e amor
a nação são exaltadas por frases veiculadas na mídia como ‘‘orgulho
de ser brasileiro’’, exaltação da imagem dos atletas em heróis,
divulgação na reformulação da seleção após o resultado de 7x1 para
a seleção alemã em 2014 e pela promoção da imagem do atual
treinador, que disseminam a ideia de que é o profissional capaz de
252 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

conquistar o hexa campeonato. Consequentemente, para


compreenderam o que está ocorrendo no ambiente o público que
não acompanha intensivamente o esporte passam a receber as
informações dos Media para construir seu próprio entendimento
sobre o atual momento da seleção de futebol.
A alavancada da seleção com vitórias seguidas na classificação
para a Copa do Mundo de 2018, fortaleceram os argumentos dos
veículos de comunicação na construção da visão positiva, além de
reforçarem a ideia que o atual time que está sendo convocado não
tem relação com o time que foi eliminado anos atrás e entrou para
a história do futebol como a ‘‘pior’’ eliminação de uma seleção em
um evento esportivo como a Copa do Mundo.
Helal (2003, p.29) defende a ideia de que a visão positiva
veiculada sobre a seleção brasileira está relacionada às
características do povo brasileiro. ‘‘Aqui, principalmente em Copas
do Mundo, tendemos a valorizar o lado mais estético, alegre,
criativo, e ‘artístico’ do futebol, como sendo características típicas da
sociedade brasileira’’.
Vale destacar que na percepção do público pesquisado, os
Media também influenciam o semelhante (pessoas próximas),
acreditando inclusive que estes são mais influenciados do que os
próprios pesquisados.
Laís Pereira Ferreira | 253

Tabela 3 - Você acredita que as notícias publicadas pelos Meios de


Comunicação influenciam pessoas próximas a você (amigos,
colegas de trabalho, faculdade, familiares) para formar uma opinião
sobre a seleção?
Porcentagem Porcentagem
Frequência Porcentagem válida acumulativa
Válido Nenhuma
2 2,0 2,0 2,0
Influência
Pouca
5 5,0 5,0 7,0
Influência
Influência
42 42,0 42,0 49,0
Significante
Muita
51 51,0 51,0 100,0
Influência
Total 100 100,0 100,0
Fonte: Elaboração própria/SPSS.

Tomando como base o grupo de indivíduos que afirmaram


que os meios exercem influência significante ou muita influência na
formação de suas próprias opiniões, vê-se que, quando eles relatam
suas impressões sobre a influência dos meios na formação da
opinião dos seus semelhantes, 93% das pessoas alegaram que os
meios exercem significante ou muita influência. A observação destes
dados, quando analisados com cautela, sugere a confirmação da
hipótese dois, pois evidencia a propensão que os indivíduos têm de
acreditar que os media exercem influência maior na formação da
opinião de todos os níveis de público.
254 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

Tabela 4 – Estatísticas sobre a média do nível de influência nos


outros, semelhantes e eu em relação a uma visão positiva da seleção
brasileira.
Desvio
N Média
Padrão
Erro
Estatística Estatística Estatística
Padrão
Você acredita que a mídia exerce
influência na formação de uma visão
100 2,50 ,067 ,674
positiva nas pessoas sobre a seleção
brasileira de futebol?
Você acredita que em algum momento
os Meios de Comunicação já exerceram
uma influência sob você para formar 100 1,98 ,088 ,876
uma opinião positiva sobre a seleção?
Você acredita que as notícias publicadas
pelos Meios de Comunicação influenciam
pessoas próximas a você (amigos, colegas 100 2,42 ,068 ,684
de trabalho, faculdade, familiares) para
formar uma opinião sobre a seleção?
N válido (de lista) 100
Fonte: Elaboração própria/SPSS.

A quarta tabela evidencia que as hipóteses propostas neste


trabalho foram confirmadas. A hipótese 1 afirmava que os meios de
comunicação exercem influência significativa no público, em relação
a uma visão positiva da seleção brasileira de futebol. Esta foi
comprovada com a média de influência mais alta da tabela, de
acordo com as estimativas dos 100 respondentes a percepção de
influência nos outros é de 2,50. Este resultado em relação a
percepção de influência no eu e no semelhante é o mais significativo
da tabela, o que indica que os efeitos do media são em maior nível
nos outros.
A segunda média de impacto fica com os próprios
pesquisados, que avaliaram uma média de 1,98 de influência dos
meios de comunicação em relação a formação de uma visão positiva
sobre a seleção brasileira. O que chama a atenção é o fato dos leitores
Laís Pereira Ferreira | 255

afirmarem que sofrem menos influência em relação aos outros,


porém, seus semelhantes (pessoas próximas, amigos, colegas de
trabalho/faculdade e familiares) sofrem um impacto de influência
parecido com os outros.
McCombs (2002) relata que o indivíduo tem a possibilidade
de não ser influenciado pela mídia, basta procurar outros meios e
não formular seu pensamento apenas com o que os Media relatam,
porém, os resultados demonstraram que os respondentes são
influenciados e seus semelhantes (pessoas próximas) são mais
impactadas em relação ao público pesquisado.
Em relação a segunda hipótese os resultados obtidos
demonstram níveis significativos de influência, no qual mais de
60% dos respondentes apontaram que os Media têm forte
persuasão na formação de opinião do público em relação a seleção.

3 Conclusão

A Agenda Setting é uma hipótese que teve seus primeiros


estudos nos Estados Unidos, porém, a questão do agendamento já
está retratada em diversas partes do mundo. Quatro décadas depois
do seu surgimento, a proposta foi aperfeiçoada por diversos
pesquisadores, mas manteve a sua essência. Em síntese,
compreende-se que os meios de comunicação oferecem temas
sobres os quais o público devem pensar e que os efeitos deste
impacto de influência são gerados a longo prazo.
Além de que os Media abordam temas e assuntos que estão
integrados na agenda pública, sendo atuantes na formação da
opinião do público em diferentes níveis sobre a seleção brasileira. As
duas hipóteses testadas neste trabalho foram comprovadas por meio
da percepção dos 100 respondentes que participaram do
questionário.
Através dos resultados obtidos, a mídia continua a ter uma
persuasão perante o público em relação a seleção brasileira de
futebol. Em outras esferas pode ocorrer um recente fenômeno
256 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

conhecido como contra agenda, no qual o indivíduo determina os


temas a serem abordados pelos Media, todavia, não há indícios que
este fenômeno ocorre na questão que envolve o esporte e
especificamente, a seleção brasileira. No geral, os níveis de
percepção que mais afetam o público para formarem uma visão
positiva sobre a seleção são os mais altos da escala proposta
(influência significante e muita influência). Vale destacar que o
indivíduo pesquisado acredita que a influência da mídia atinge todos
os níveis com diferentes graus de impacto.
O trabalho buscou primeiramente abordar os estudos da
hipótese da Agenda Setting, a partir de suas colocações,
possibilidades e conceitos. Em seguida, buscou entender por meio
da análise dos resultados do questionário como a mídia tem
participação na formação de opinião do público. A compreensão é
de há funcionalidade na hipótese da agenda setting na persuasão do
público na atualidade.

Referências

BARBERO, Heródoto, RANGEL, Patrícia. Manual do jornalismo esportivo. 2. ed.


1º reimpressão. São Paulo: Editora Contexto, 2013.

BEZERRA, Patrícia Rangel Moreira. O futebol midiático: Uma reflexão crítica


sobre o jornalismo esportivo nos meios eletrônicos. 151 f. Dissertação
(Mestrado), Faculdade Cásper Líbero. Mestrado em Comunicação, São
Paulo, 2008.

CASTRO, Ruy. O anjo pornográfico: a vida de Nelson Rodrigues. 9. Reimpressão.


São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

CHRISTIE, Thomas B. Framing rationale for the Iraq war: The Interaction of
Public Support with Mass Media and Public Policy Agendas. International
Communication Gazette, vol. 68 (5-6), pp. 519 - 532, 2006.

COELHO, Paulo Vinicius. Jornalismo esportivo. 4. ed. São Paulo: Editora


Contexto, 2006.
Laís Pereira Ferreira | 257

DALTON, Russell J. BECK, Paul Allen. HUCKFELDT, Robert. KOETZLE, William.


A test of media-centered agenda setting: newspaper content and public
interests in a presidential election. political communication. 15:463-481,
1998.

ESCOBAR, Esteban Lopez. LLAMAS, Juan Pablo. McCombs, Maxwell. LENNON,


Federico Rey. Two levels of agenda setting among advertising and
news in the 1995 spanish elections. Political Communication, 15:225 –
238, 1998.

FERREIRA, Fernanda Vasques. VARÃO, Rafiza. Copa do Mundo FIFA 2014,


seleção alemã e agendamento: uma análise das notícias do portal UOL
como resultado das redes sociais. Estudos em Jornalismo e Mídia. vol. 11 –
nº 2, julho a dezembro de 2014.

GASTALDO, Édison. A Pátria na “imprensa de chuteiras”: futebol, mídia e


identidades brasileiras. Trabalho apresentado no XXVII Encontro Anual
da ANPOCS - Associação Nacional em Pós-Graduação e Pesquisa em
Ciências Sociais, Caxambú, 2003.

GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. Editora São
Paulo. Atlas, 2008.

HARRIS, Phil. KOLOVOS, Ioannis. LOCK, Andrew. Who sets the agenda? An
analysis of agenda setting and press coverage in the 1999 Greek European
elections. European Journal of Marketing, Vol. 35 No. 9/10, pp. 1117-1135,
2001.

HELAL, Ronaldo. A construção de narrativas de idolatria no futebol


brasileiro. ALCEU- v.4 - n.7, p. 19 a 36, jul./dez, 2003.

HELAL, Ronaldo. Futebol, Comunicação e Nação: a trajetória do campo


acadêmico. Comunicação, Mídia e Consumo, ESPM, São Paulo, v. 8, p. 11-
37, 2011.

MCCOMBS, Maxwell. The agenda-setting role of the mass media in the


shaping of public opinion, 2002. Disponível em:
<sticerd.lse.ac.uk/dps/extra/McCombs.pdf> Acesso em: 04 de julho de
2017.
258 | Media Effects, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing

McCOMBS M. Estableciendo la agenda. El impacto de los médios en la opinión


pública y en el conocimiento. Barcelona: Paidós Comunicación, 2006.

ROSSETTO, Graça Penha Nascimento. SILVA, Alberto Marques. Agenda-setting


e Framing: detalhes de uma mesma teoria? Intexto, Porto Alegre, UFRGS,
n.26, p. 98-114, jul. 2012.

SCHEUFELE, Dietram. A.; TEWKSBURY, David. Framing, agenda setting, and


priming: The Evolution of Three Media Effects Models. Journal of
Communication, 2007, 57(1), 9-20.

TAKESHITA, Toshio. Current critical problems in agenda-setting research.


International Journal of Public Opinion Research Vol. 18 No. 3, 2006.

TEDESCO, John C. Issue and strategy agenda setting in the 2004 presidential
election: exploring the candidate-journalist relationship. Journalism
Studies, Volume 6, Number 2, pp. 187-201, 2005.

Você também pode gostar