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Estou voando, na classe executiva, não suportaria estar numa classe econômica, um
galinheiro de gente. Costumo dizer que os aeroportos e os aviões, além de todos os lugares do
mundo, viraram um grande churrasco na laje. O futuro do mundo é ser brega. Isso é um fato,
apesar de ser um pecado mortal afirmá-lo. Mas pecado contra o que mesmo, se é a mais pura
verdade? Ainda não vou dizer “pecado contra o que”, mas pode ver neste livro, caro leitor,
desde já, a confissão de um pecador.
Este livro não é um livro de história da filosofia, mas sim um ensaio de filosofia do cotidiano,
mais especificamente um ensaio de ironia filosófica que dialoga com a filosofia e sua história,
movido por uma intenção específica: ser desagradável para um tipo específico de pessoa (que,
espero, seja você ou alguém que você conhece), ou, talvez, para um tipo de comportamento
(que, espero, seja o seu ou o de um amigo inteligentinho que você tem). Mas, afinal, que tipo
de pessoa? Esse tipo que vive numa “bolha de consciência social” (nunca entendi bem o que
vem a
ser “consciência social”) sendo politicamente correto, ao que, às vezes, me refiro neste ensaio
como a “praga PC”. Se você é uma delas, tenha em mim um fiel e devoto inimigo. Desejo sua
extinção.
A ironia na filosofia é uma prima-irmã do ceticismo. Como o ceticismo, ela duvida, mas,
diferente dele, ela tem “afeto” na sua dúvida – nesse sentido, ela é mais venenosa do que seu
primo e cai sobre sua vítima de forma mais cruel: sua intenção é a desmoralização do opositor,
quase uma humilhação com intenções filosóficas, isto é, ela, a ironia, visa demonstrar alguma
verdade que o opositor esconde e que, ao vir à tona, o humilha. Para a ironia filosófica, a
mentira que seu opositor esconde é sempre de ordem moral, um caso de hipocrisia a ser
revelado. Portanto, o problema do conhecimento, a verdade do conhecimento, digamos, para a
ironia, está sempre tingida da cor moral. Uma mentira moral é sempre uma hipocrisia.
Sendo assim, este livro é uma confissão de um pecador irônico.
E qual é essa mentira moral contra a qual peco ironicamente? O politicamente correto, que
direi já o que vem a ser de forma mais precisa, mas tenha paciência.
Eu dizia que estou voando, na classe executiva. Volto da Islândia, um país maravilhoso. Antes
de tudo porque ainda é vazio. Talvez dure um pouco antes de ser devorado pela breguice da
indústria do turismo. Um amigo meu costuma dizer que, no futuro, gente culta e rica não viajará
mais porque o mundo será como um grande bingo. Como a Islândia é “no fim do mundo”, muito
fria (no verão a temperatura varia entre 6 e 13 graus centígrados!), quase sem lojas e com
muitos
vulcões, talvez resista à praga da “revolução dos bichos”.
Mas não pense mal de mim, caro leitor. No fundo, sou um pobre melancólico que acha a
“felicidade” muito barulhenta e cheia de gente. Ironizo porque sofro. Diriam os psicanalistas que
“minha filosofia” é uma formação reativa, ou, no melhor dos casos, uma forma primitiva de
defesa infantil. Tenho medo do mundo, por isso, com a idade (hoje tenho 52 anos), tenho me
tornado um homem sem muita curiosidade pelos outros, porque no fundo as pessoas são bem
monótonas.
Ao chegar à Islândia, minha mulher me chamou atenção para uma propaganda colada nas
paredes do aeroporto. Tratava-se do anúncio de uma grife de roupa islandesa chamada 66º
North. Na foto, havia um homem com roupas para o inverno islandês, ao lado de um texto, que
dizia: “Respeite a natureza, mas não há garantias de que ela o respeitará de volta”. Tomo esse
“lema” islandês como inspiração para este ensaio. Aliás, também como início do meu diálogo
específico com a baboseira verde (a “teoria gaia”), uma forma de romantismo para idiotas que
tomou conta do mundo. Texto de Luiz Felipe Pondé, extraído da obra Guia Politicamente
Incorreto da Filosofia.