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ª EDITH FIORE
JÁ VIVEMOS ANTES
PUBLICAÇÕES EUROPA-AMÉRICA
Título original: You have been here before
Tradução de Maria Luísa Ferreira da Costa
Capa: estúdios P. E. A.
Pág.
AGRADECIMENTOS ........................................................................................................................6
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................7
Deixe-me partilhar consigo a dinâmica de Já Vivemos antes: no Cap. i mostro o meu método para
fazer retroceder uma pessoa para uma vida passada e descrevo as reacções dos doentes e dos outros
indivíduos, na exploração das suas vidas anteriores.
Do Cap. II ao Cap. X há estudos de casos, que incluem descrições, palavra por palavra, das
regressões hipnóticas às vidas passadas. Foram usadas transcrições, para evitar repetições. Nomes e
dados identificativos dos doentes e dos outros indivíduos foram modificados, a fim de proteger as suas vidas
privadas. Mesmo assim muni-me da autorização de cada pessoa para publicar a sua história.
O Cap. XI descreve a experiência da morte e também inclui numerosos excertos e transcrições que
ilustram tanto a individualidade como a similaridade das várias experiências de morte.
No capítulo final discuto as questões por nós levantadas sobre o conceito de vidas anteriores.
Também partilho brevemente as minhas ideias sobre os conceitos de reencarnação e carma.
Escrever este livro foi para mim um começo — o início da cristalização das minhas ideias e da
compreensão dos dramas que se desenrolaram cada dia no meu consultório. Espero que a leitura seja
também para si um começo. Para muitos vós será a confirmação de crenças fortes acerca de viver mais que
uma vez e espero que vos estimule a porem questões a vós mesmos sobre as ricas e variadas vidas que
vivemos. Para outros, que talvez sejam cépticos, espero que seja o início de um novo modo de olharmos
para nós próprios, tanto no que respeita às vidas anteriores como ao facto de termos uma imaginação
extremamente criativa.
CAPÍTULO I - «FECHE OS OLHOS E ...»
Como será a experiência de uma regressão a uma vida passada? Convido-vos a seguirem os meus
passos.
O meu consultório fica num edifício de escritórios de um só andar, partilhado por psicoterapeutas.
Tem uma grande janela que dá para uma zona arborizada. Junto à janela há sicómoros e arbustos floridos;
a dois passos corre um pequeno ribeiro. Grandes gaios com cristas negras, colibris verdes, um amoroso
esquilo cinzento, uma corça e a sua cria, passeiam-se diariamente em frente da minha janela.
Invariavelmente, o primeiro comentário feito pelo recém-chegado, ao entrar no meu consultório e ao olhar lá
para fora, é: «Que bonito e calmo!» Todos parecem ficar deliciados com a vista e especialmente com as
palhaçadas do esquilo e dos seus dois bebés. Por vezes esta cena pode ser bastante cativante — por isso
sentar-me-ei voltada para si, de costas para o exterior?
Depois de se ter instalado na poltrona reclinável, pergunto-lhe o que gostaria de descobrir acerca de
si mesmo, já que veio para uma regressão a uma vida passada e não como um doente para terapia. Os
seus motivos podem ser bastante vagos. Normalmente a resposta é: «Oh! Gostaria de saber apenas quem
fui eu.» Neste momento apresento o menu—vários tópicos, de entre os quais fará a selecção. Temas como
a exploração de um relacionamento em vidas anteriores com um sócio ou membro da família, descoberta de
uma vida na qual um talento ou uma habilidade estava mais altamente desenvolvida, a primeira encarnação
na Terra, a última e/ou uma vida como indivíduo do sexo oposto. Se você tem algum passatempo ou
interesse especial, tal como um fascínio por casas vitorianas, pelas invasões francesas, carros de corrida ou
vela, então talvez queira investigar as suas origens.
Depois de nos decidirmos por pelo menos duas áreas de interesse procuro saber qual a sua posição
sobre o que e ser hipnotizado. Muitas pessoas têm um medo profundo de ceder o seu controlo a alguém.
Também as preocupa o facto de perderem a consciência e de não saberem o que está a acontecer. Como
alguém disse, antes da sua primeira indução hipnótica: «Outro assume o comando e você fica
completamente perdido.» A minha primeira tarefa é dispersar estes receios e ajudá-lo a ver a regressão
como uma aventura excitante. Explico-lhe que você não perderá a consciência, como lhe acontece durante
o sono. O seu consciente está sempre a par do que se passa, tanto dentro como fora de si. No início, e por
vezes durante o transe, você consegue ouvir ruídos no átrio ou fora da sala, mas gradualmente concentrar
se-á cada vez mais no drama interior que se desenrola. A sua consciência pode duvidar, pôr questões ou
rejubilar com as cenas que decorrem. Claro que, em certo grau, está sempre consciente da minha
presença. Por vezes, depois de sair do transe, as pessoas contam que perguntaram a si mesmos a quem
pertenceria aquela voz. Algumas têm consciência de que sou eu e dirigem-se a mim, mesmo durante a
regressão. Outras respondem à voz, mas não lhe dão particular atenção. Está ali e é aceite. Uma doente,
que tinha retrocedido para uma vida coma índia americana que estudava tratamentos medicinais com ervas,
tornou-se muito evasiva e finalmente declarou com determinação: «Não quero falar mais consigo!» Ainda
sob hipnose, mas de volta ao presente, explicou que, como índia, sentia que alguém lhe fazia perguntas.
Como os tratamentos com ervas eram secretos, ficou verdadeiramente assustada comigo. Também não
conseguia compreender quem lhe estava a fazer aquelas perguntas ameaçadoras. Quando tentei explicar
perdemo-nos numa confusão interminável. Então recusou-se a dizer uma única palavra mais e cruzou ate
os braços para acentuar a sua decisão.
Faço-lhe notar que você tem sempre o controlo da situação — por vezes com a consciência, mas sempre
com o subconsciente.
Começo a indução hipnótica pedindo-lhe que se recline na cadeira. Depois sugiro que feche os olhos
e que concentre a atenção na sua respiração. Quando mostra sinais de que começa a descontrair-se peço
lhe que use a imaginação e que «sinta a descontracção escorrer a partir das pálpebras, para a testa, como
um líquido quente e relaxante». Encaminho a sua atenção para esse alastramento, relaxando um por um os
músculos da sua face e depois, progressivamente, os de todo o corpo. Isto demora cerca de dez minutos.
Digo-lhe que se imagine deitado no meio da natureza, no seu local favorito, que use os vários sentidos —
um de cada vez — apercebendo-se do que o cerca e da sua presença ali. Esta é, para si, uma forma fácil
de se preparar para viver as cenas que surgirão durante a regressão.
Agora está num transe suficientemente profundo para uma regressão à vida passada, mas há ainda
dois passos importantes. Estabeleço sinais de dedos, pedindo-lhe que pense muito na palavra «sim» e que
repare que «um dedo se levanta sozinho — comandado apenas pelo subconsciente». A seguir vem o dedo
do «não» e o do «não quero responder». Então pergunto ao subconsciente se deseja que você volte a uma
vida passada. Se recebo um «sim» como resposta, avançamos imediatamente.
Por vezes há uma grande, quase inultrapassável, resistência do subconsciente ao retrocesso — e
frequentemente por razões muito válidas. Por exemplo, depois de muitos meses de resistência a tudo o que
ia além de um ligeiro transe, uma doente encontrou-se finalmente numa mesa de operações, num hospital
psiquiátrico. Os cirurgiões faziam-lhe uma lobotomia pré-frontal. Perdeu sangue até à morte, quando eles se
afastaram após terem desistido. Depois de aflorada a origem do seu medo de «passar para o outro lado»
permitindo que alguém trabalhasse com o seu cérebro, ela retrocedeu a muitas vidas passadas com
facilidade — e está a resolver os seus problemas e a eliminar os seus muitos sintomas.
Se o seu subconsciente indica que há alguma resistência à regressão, então eu discuto com ele.
Apresento-lhe um modo de olhar para os factos que o distancie da experiência. Sugiro que a veja
projectada, como «num écran de cinema». Caso necessário e se você não conseguir aguentar certos
aspectos do que vier a surgir, sugiro uma amnésia pós-hipnótica. Depois de assente esta combinação, faço
o retroceder para um vida passada, contando muito lentamente até dez e sugerindo que ande para trás no
tempo e espaço, através de um túnel do tempo — e «quando chegar a dez, você encontrar-se-á noutro
tempo, noutro lugar e noutro corpo, mas será você». Sugiro que as imagens e impressões venham a ser
muito claras e vivas. Nesta altura, normalmente, você começará a mover os seus olhos fechados, a sua
expressão modificar-se-á: terá um ar espantado ou, de alguma forma especial, dar-me-á a conhecer que
está a experimentar qualquer coisa. Começo a fazer-lhe perguntas e você estará apto a responder — em
inglês. Por vezes será necessária uma certa insistência da minha parte, para que surjam as imagens e para
que você se encontre «ali».
As pessoas experimentam as regressões de modos muito diferentes. Concluí que se experimentam
uma regressão à vida passada de um modo vivo, com os cinco sentidos, normalmente experimentarão
todas as vidas passadas de forma muito semelhante. Algumas dizem que se vêem a si mesmas, como se
olhassem para um filme. Outras revivem completamente cada segundo. Algumas mantêm-se calmas e
passivas, mesmo enquanto descrevem violações, escalpamentos ou mortes em fogueiras. Outras choram,
berram ou gritam. Acho fascinante a observação da reacção de uma pessoa, em personagens e em vidas
diferentes. A maior parte dos meus doentes e indivíduos que se prestam a experiências são «actores»
consumados quando encarnam os seus diferentes papéis. Durante a regressão, muitas pessoas entram tão
bem na personagem que não compreendem certas palavras que eu uso, tal como «ano», «costume» e
«país». Nestes casos suspeito que o seu consciente não está a «actuar». Até agora, ainda ninguém me
falou numa língua estrangeira. No entanto, ultimamente, por uma questão de segurança, antes de fazer a
regressão às pessoas que se prestam à experiência, sugiro que me falem em inglês.
Algumas pessoas são muito concretas acerca de nomes, datas e locais, enquanto outras são
confusas ou misturam vidas diferentes. Por exemplo, durante uma regressão perguntei a uma doente quem
era ela, ao que me respondeu hesitante: «Tia» — depois, à medida que ia mergulhando mais na vida,
corrigiu a sua resposta, mencionando outro nome. Noutra regressão, viu-se claramente como «Tia».
Normalmente posso saber quando há confusão, tanto pela maneira como a resposta é dada como,
evidentemente, pela correlação que tem com o que acontece no seguimento da regressão.
Depois de vistos os acontecimentos significativos da vida anterior, faço-o atravessar a experiência da
morte e levo-o para o estado imediatamente seguinte a essa experiência. Como todas as outras
experiências dolorosas ou traumatizantes, as pessoas sentem-nas de modos diferentes — aparentemente,
de acordo com a sua capacidade para aguentar o stress. Pode ser necessária a minha ajuda, oferecendo
lhe sugestões calmantes durante a morte ou qualquer outro acontecimento desagradável.
Depois de termos percorrido a vida que desejávamos analisar, ou depois de termos lidado com o
material responsável por um problema, e estando ainda profundamente relaxado, sugiro-lhe que volte para
o presente, mencionando o seu nome. Faço uma contagem decrescente de dez ate zero. Uma vez de volta,
discutimos o que acabamos de experimentar. Você pode acrescentar pormenores interessantes, como a
correcção de «mentiras» que a «outra» pessoa disse, ou dar-me a conhecer pormenores ou sentimentos
que na altura eram difíceis de descrever. Pergunto-lhe se alguma das pessoas com quem contactou é
alguém que conheça nesta vida. Às vezes, você pode sentir-se indeciso. Se assim for, ofereço-lhe
sugestões que o ajudem a ver mais claramente. Neste ponto peço ao seu subconsciente que lhe revele
todas as implicações que a vida que acabou de explorar teve na vida presente. Frequentemente, interesses,
receios e outras facetas da personalidade de cada um são devidas a causas insuspeitadas, que muito
facilmente podem ser minimizadas. Mesmo antes de o libertar do transe digo-lhe que se irá sentir «muito
bem, que se lembrará de tudo e que, dentro dos próximos dias, receberá mais e mais percepções acerca
daquela vida». Conto lentamente até três e peço-lhe para abrir os olhos. Muitas vezes as pessoas abrem os
olhos, franzem a testa com cepticismo e dizem: «Mas eu não fui a lado nenhum! Estive sempre aqui!» Então
falamos sobre aquilo que experimentou e sobre o que isso significa para si.
Neste capítulo descrevi as minhas técnicas hipnóticas. Agora queria mostrar-vos, muito claramente,
que há perigos.
Não e de mais vincar que considero que regressões à vida passada — e mesmo regressões a um
período anterior da vida actual — devem ser feitas apenas por uma pessoa muito bem preparada, tanto em
hipnose como em psicoterapia. Personalidades múltiplas, graves depressões, sentimentos de culpa arrei
gados, grande desconforto físico — tudo isto e outros efeitos menores foi sentido por algumas pessoas,
após a experiência da regressão à vida passada. Estes sintomas devem ser tratados com o maior cuidado.
CAPÍTULO II - «ALGUÉM COM UMA MOCA»
A primeira vez que vi Becky senti-me impressionada pela sua aparência delicada e infantil. Parecia
mais uma menina de dezasseis anos que uma mulher de vinte. Leves sardas, bonito cabelo castanho-claro
e uma pequena estatura acentuavam a impressão de uma feminilidade a desabrochar. Estava vestida com
aprumo, com umas calças de ganga azuis e uma camisa indiana, muito colorida, bordada à mão. Numa voz
baixa, dificilmente audível que tremia em sincronia com o seu corpo, tentou explicar porque procurava
ajuda. O queixo tremeu-lhe quando olhou para mim com uns olhos suplicantes, incapaz de continuar.
Sugeri-lhe que se instalasse confortavelmente, que se encostasse na cadeira, que colocasse os pés na
otomana e que respirasse profundamente. Tínhamos muito tempo para tratar dos seus problemas. As
primeiras coisas em primeiro lugar. Alguns momentos depois estava suficientemente recomposta para
continuar.
Explicou, que sentia há muito tempo — desde os treze anos — «dores de cabeça terríveis». Quando
surgia uma, ficava doente durante dias, normalmente vomitava e tinha de ir para a cama. Aspirina e
medicamentos para enxaquecas faziam parte da sua bagagem normal. O médico da família falara-me nela
porque suspeitava que as suas dores de cabeça eram devidas à tensão e pensava que ela precisava de
aprender a relaxar-se. Becky concordou que normalmente se sentia tensa. Riu nervosamente quando
enumerou as causas da sua tensão: achava a faculdade muito exigente, por causa dos tempos-limite, dos
exames e exercícios; tinha problemas com o seu namorado; o seu trabalho enervava-a — e por aí adiante.
Baixou os olhos, fixando as mãos entrelaçadas durante alguns momentos; depois olhou-me e
anunciou sem rodeios: «A minha mãe disse-me para lhe contar que não consigo atingir o clímace.» Becky
declarou ter pensado, a principio, que aquilo era devido ao facto de não estar acostumada às relações
sexuais e que ela e o seu namorado, John, gradualmente se iriam sentir mais à vontade um com o outro.
Nessa altura ela corresponderia melhor. Mas, mês após mês, era sempre o mesmo. «Não há a menor
excitação!» Tal como acontece a muitos casais, a sua falta de reacção aumentava a tensão. Inicialmente
cada um «culpava» intimamente o outro. A medida que o tempo foi passando, o seu namorado acabou por
admitir que se sentia extremamente inadequado como amante. Ela, claro, sentiu-se frustrada.
A cara de Becky iluminou-se quando lhe fiz perguntas acerca da sua vida familiar. A visão que tinha
da sua família era estranhamente ideal. O pai era «perfeito». A mãe era terna e carinhosa. As irmãs eram
muito amigas. Todos se davam bem. Tive a sensação de que ela escondia de si própria sentimentos
bastante incómodos. Senti que a pesquisa desta área tinha de ficar para mais tarde.
Durante os últimos vinte minutos da nossa sessão ensinei a Becky a autohipnose, gravando lhe uma
fita para ela usar em casa. Era uma pessoa difícil de hipnotizar, pois mantinha os olhos abertos enquanto
podia. Depois, tendo finalmente relaxado as pálpebras o suficiente para as fechar, abriu-as de novo.
Obviamente, uma parte dela lutava contra a rendição à irresistível necessidade de relaxamento, de se
deixar levar. Por fim, a maior parte da tensão libertou-se da sua cara e corpo, enquanto ouvia as minhas
sugestões para relaxar os vários grupos de músculos do corpo, um por um. Finalmente ficou
suficientemente descontraída para que eu pudesse estabelecer sinais de dedos — comunicando
directamente com o seu subconsciente. Alguns minutos depois o subconsciente indicava que as suas dores
de cabeça eram devidas a um acontecimento do passado. «Esse acontecimento ocorreu nesta vida?» O
seu dedo do «não» tremeu, enquanto se elevava lentamente. Perguntei ao subconsciente se estava
disposto a prepará-la, a esse nível, para contactar com a vida responsável pelas suas dores de cabeça, a
partir daquela altura e ate à nossa próxima sessão, duas semanas mais tarde. O seu dedo do «sim» elevou
se, depois de trinta segundos cheios de expectativa.
Liberta do transe, Becky olhou para mim divertida: «Que quer isso dizer?» Expliquei-lhe que
descobrira que os sintomas de algumas pessoas tinham origem em vidas passadas. Ela respondeu que não
tinha a certeza da existência da reencarnação. Perguntei-lhe se estava disposta a ver aquilo que o seu
subconsciente nos revelasse, na sessão seguinte — mantendo apenas o espírito aberto. Assentiu, com um
sorriso cheio de esperança e com um aceno. Depois saiu, concordando em praticar a autohipnose pelo
menos duas vezes por dia.
Duas semanas mais tarde, quando me dirigi à sala de espera para a saudar, vi uma jovem diferente.
Parecia mais feliz e menos tensa. Uma vez instalada no consultório sorriu alegremente, dizendo que gostara
de utilizar a fita. Até o seu namorado gostara! Agora também ele se sentia mais relaxado. Mas começou a
ficar tensa quando me perguntou se iríamos retroceder, naquela sessão, até à sua vida passada. Sugeri
que deixássemos esse assunto ao arbítrio do seu subconsciente.
Logo que iniciei a indução pude avaliar os resultados produzidos pelas semanas de prática, pois em
poucos minutos mergulhou num transe profundo. Uma confirmação dos seus sinais de dedos apontou de
novo o nosso alvo, um acontecimento de uma vida anterior. Conduzi-a através do tempo e do espaço,
sugerindo que se localizasse num acontecimento agradável ou neutro da vida passada que precisávamos
de explorar.
A voz de Becky tornou-se ainda mais suave, à medida que descrevia o que via:
B. — Bem.
B. —De laranjeira e são pequeninas ... e como a Primavera ... laranjeira e lavanda.
B. — Tem um aspecto medieval ... parecem umas meias ... uma camisa ... cara.
B. — Cinzentas.
B. — Está puxado para trás, dos lados e em cima — e atrás cai pelas costas.
B. — Hum-humm.
Dr.ª F. — Bom.
B. [Rindo.]
Dr.ª F. — Porque te ris?
B. — Parece tão estranho. Nunca conheci ninguém chamado Ian.
B. — Não sei.
Dr.ª F. — Concentra-te na tua respiração; vou perguntar-te outra vez. Um ... dois ... três; que te vem à
cabeça?
B. — Elaine.
B. — O'Donnell.
B. — Quinze.
B. — Dezasseis.
B. —Sim.
Dr.ª F. — Mil seiscentos e cinquenta e quatro. Agora vamos avançar no tempo cinco ou dez minutos e
veremos o que acontece quando eu chegar a cinco. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco ... Que te vem à
cabeça?
B. — Nada mudou.
B. — Hum-humm.
B. — Estou numa ... acho que é a minha casa ... penso que a cozinha.
B. — Bem ... tem uma grande mesa de madeira, com bancos de ambos os lados.
metal. Não sei que tipo nem que qualidade, mas são limpos.
B. — Duas.
Dr.ª F. — Gostas?
B. —Sim.
B. — É alegre.
B. — O meu pai é gordo ... e de cara vermelha ... cabelo castanho ... careca em cima.
B. — Está em casa.
B. — Trabalho.
B. — Confusão.
Dr.ª F. —Bem. Vou pedir ao teu subconsciente que esclareça a confusão, quando contar até cinco, e
tu saberás claramente onde estás, no próximo acontecimento significativo. Um ... dois ... três ... quatro ...
cinco. Que te vem ao espírito?
B. — Alguém vai partir.
Dr.ª F. — Quem é?
B. — Estou a trabalhar.
B. —Sim.
B. — Vejo soldados.
B. —Agora é.
ª
Dr. F. — Que achas disso?
B. — Dezasseis.
Dr.ª F. — Agora vou pedir ao teu subconsciente que te leve ao próximo acontecimento significativo,
quando eu contar até cinco. Um... dois ... três ... quatro ... cinco. Que vês agora?
B. —Hum ...
B. — Hum-humm.
Dr.ª F. —Porquê?
Dr.ª F. —E que é?
B. — Na rua.
B. — Hum-humm.
B. — Cavalos.
B. — Não sei.
B. —Sim... bom. Sim, estou na loja ... mas não sei onde está a minha família.
Dr.ª F. — Bom. Vou contar de um até cinco e gostaria que avançasses alguns minutos no tempo,
para ver o que acontece. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Que te vem ao pensamento?
B. — Uma pessoa importante acabou de atravessar a cidade. [Voltando a cabeça, como para
observar o movimento.]
Dr.ª F. — Quem era?
B. — Alguém da família real.
Dr.ª F. — Agora vou contar ate cinco e, quando acabar, saberás exactamente quem é. Um ... dois ...
três ... quatro ... cinco .... Que te vem à cabeça?
B. — Príncipe.
B. — Não sei.
Dr.ª F. — Bom. Agora vou pedir ao teu subconsciente que te leve até ao acontecimento seguinte, e
talvez seja esse acontecimento que se relaciona com as tuas dores de cabeça. Conto ate cinco, fica calma
e relaxada. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Que sentes?
B. — Nada.
B. [Pausa longa] — As minhas mãos estão frias. Esta mão parece que está adormecida, mas não sei
se isso é verdade ou não.
Dr.ª F. — Onde estás tu, Elaine?
B. — Não sei.
B. — Dentro.
B. — Tudo mudou.
?
Dr. F. — Tudo mudou. Fala-me mais nisso.
B. — Não vejo nada ... mas parece-me ... que estou sozinha em algum lugar.
B. — De pé.
B. — Não.
B. —Sim.
Dr.ª F. —Há meses? Agora vou contar até cinco e tu voltarás para trás no tempo, para um pouco
antes desse acontecimento. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. O que quer que seja que te surja, diz.
B. — Estou a ser levada.
B. — Não posso ... não posso dizer se ... Sim, fui para algum lado.
B. — num cavalo.
B. — Não sei.
Dr.ª F. — Fala-me nisso. Que consegues recordar, da altura em que foste levada? Onde estavas,
quando te levaram?
B. — Estava na cidade ...na rua ... depois de o príncipe ter passado.
B. — Sim.
Dr.ª F. —E que aconteceu? Que te vem à cabeça? Vou contar de um até três. Um ... dois ... três.
B. — Surpreendida ... mas não me parece que esteja preocupada. [Tornando-se mais calma.]
Dr.ª F. — Que te disse ele, quando pegou em ti?
B. — [Silencio.]
Dr.ª F. — Vou contar de um a três e, quando chegar a três, saberás o que ele disse. Um ... dois ...
três.
B. — Que eu ia com ... disse; «Tu vens com ... as outras mulheres.»
B. — Estou só ... há uma janela pequena ... pelo menos uma ... é tudo o que posso ver agora.
Dr.ª F. — Que fazes no quarto escuro?
B. — Estou de pé.
Dr.ª F. — Vou contar de um a três e, quando chegar a três, já saberás. Um ... dois ... três.
B. — Meses.
B. — Mais ou menos. Acho ... acho que sim, mas nunca tentei fugir.
Dr.ª F. — Porquê?
Dr.ª F. — De que modo é melhor que a tua casa? B. —Ë mais excitante. [Sorrindo ligeiramente.]
Dr.ª F. — Conta-me o que se passa. Que te aconteceu depois de teres sido trazida para aqui, pelos
B. — Fomos bem tratadas, mas penso que estávamos aqui para divertimento dos soldados.
Dr.ª F. — Que queres dizer com isso?
B. — Bom, parece que eles podiam entrar para nos verem, sempre que queriam.
B. — Fiquei sentida!
Dr.ª F. — Agora conta-me o que acontecia quando eles vinham para te ver.
B. — Bem ... eram como soldados ... fora de casa há muito tempo ... queriam mulheres.
dois ... três ... quatro ... cinco. Estiveste afastada muito tempo, Elaine?
B. — Hum-humm.
B. — Hum ... Foram bons. Não foram, bom ... trataram-me bem ... mas foram ... não foram
verdadeiramente agradáveis. Tinham os seus lados bons e os seus lados maus.
Dr.ª F. — Durante esses anos tiveste algum filho? B. — Não.
Dr.ª F. — Durante esses anos tiveste algum amante especial, ou foste mais ou menos usada pela
maior parte dos homens? B. — Pela maior parte dos homens.
Dr.ª F. — Como te sentes acerca disso?
B. — Ressentida. [A sua boca apertou-se.]
Dr.ª F. —E o príncipe? Estiveste com ele alguma vez? Alguma vez o chegaste a conhecer? B. —
Não.
Dr.ª F. — Estiveste alguma vez na sua presença ou na sua companhia?
B. — Não.
Dr.ª F. — Estavas instalada com outras mulheres, ou tinhas um sítio só para ti?
B. — Não.
B. — Não.
Dr.ª F. — O local está em ordem, ou dá a impressão de ter acontecido alguma coisa de repente?
B. — Bom, não está devastado, mas parece que aconteceu qualquer coisa, de repente.
Dr.ª F. — Bom, que te vem à cabeça? Onde julgas que está a tua família? Que poderá ter
acontecido?
B. — Devem ter sido obrigados a partir à pressa ... fugir de qualquer coisa. [Preocupada.]
Dr.ª F. — Que poderia ter sido? Que está a acontecer no campo, nesta altura?
B. — Bom, inquietação. Há muita incerteza. Eles podem ter sido obrigados a partir. Podem ter sido
soldados.
Dr.ª F. — E agora que fazes? Passeias pela casa?
B. — Sim, e decido ir até à loja, para ver se ainda lá está.
B. — Coisas diversas. Tecidos e farinha ... alguns objectos de metal e coisas assim. Um lote
pequeno.
Dr.ª F. —Vês algum velho amigo, ou vizinho?
B. — Não vejo ... ninguém. [Agarrando os braços da cadeira.]
B. —Sim.
Dr.ª F. — Conta-me, passo a passo, o que está a acontecer. Estás a passear agora?
B. — Caminho e a porta está aberta, o que é estranho ... Olho à volta e chamo. Ninguém responde.
Então parece-me que saio pelas traseiras.
Dr.ª F. — Como são as traseiras?
B. —A um beco estreito. Está molhado e cheira mal. [Pondo a mão no nariz.]
B. — Estou a pensar.
B. — Estou a tentar decidir o que vou fazer a seguir ... então fecho a porta e volto para dentro ... não
há dinheiro.
Dr.ª F. — Verificaste isso?
B. — Hum-humm.
B. — Na gaveta ... por trás da secretária ... não é ... o local não parece ter sido roubado, portanto,
creio que apenas partiram para outro sítio.
Dr.ª F. —Mantém-te calma e descontraída; relaxa-te cada vez mais, após cada inspiração. Que fazes
agora?
B. — Agora estou a sair da loja.
B. — Sim ... ouço cães, mas não muitos ... não consigo encontrar pessoas. [Agora nitidamente
preocupada.]
Dr.ª F. —E como te sentes?
B. — Assustada. Estou a começar a ficar muito assustada. Não sei onde se meteu toda a gente.
Dr.ª F. — Mantém-te calma e relaxada. E agora, que estás a fazer?
B. — Deixei de andar às voltas na tentativa de encontrar alguém.
B. — Qualquer pessoa.
Dr.ª F. — Conhecias a maior parte dos comerciantes e das pessoas aqui da cidade?
B. — Hum-humm.
B. — Mais que um. Parecem homens. [Respirando rapidamente —a sua face fica corada.]
Dr.ª F. — Estão atrás de ti?
B. — Hum-humm. [Tremendo violentamente.]
B. — Assustada, porque se ... se fossem pessoas conhecidas, não caminhariam tão depressa atrás
de mim, sem dizer nada ... sem me saudar ... então continuo a caminhar. Eles apanham-me.
Dr.ª F. — Conta-me o que te está a suceder. Que vês?
B. — Vejo três homens. As suas caras estão turvas.
Dr.ª F. — Vou contar de um a três e as caras tornar-se-ão claras para ti. Relaxa-te, faz uma
inspiração profunda ... bem profunda, agora. Expira e deixa que a tensão se liberte. Um ... dois ... três. Que
te vem à cabeça?
B. — Um é louro ... cabelo louro ... o outro, moreno, com um bigode ... outro moreno, mas sem
bigode.
Dr.ª F. — Como são as suas expressões?
B. — Bom ... têm um ar zangado.
B. —Não.
B. — Um está por trás, a agarrar-me os braços ... arrastaram-me para um vão, entre dois edifícios,
tiraram-me a bolsa ... a minha capa.
Dr.ª. F. — Dizem-te alguma coisa?
B. — Não, falam entre eles ... uns com os outros. [Grande tensão no seu corpo.]
B. — Oh, bem sabe: «Depressa, depressa, tragam-na para aqui.» Dizem-me: <(Está calada!» ... uns
para os outros e para mim. Um dos homens tapa-me a boca com a mão.
Dr.ª F. — Como te sentes?
B. — Hmm ... Estou assustada porque acho que eles podem magoar-me. Mas ... estive com muitos
homens, sem ser por minha vontade, portanto, na verdade, essa parte não ... é mais ou menos o mesmo.
Mas desta vez estou assustada, porque eles podem magoar-me mesmo ... e eu não os conheço.
Dr.ª F. —E agora, que acontece?
B. — Alguém tem uma moca qualquer ... metal ... Ohhh ... batem-me na cabeça porque estou a
resistir ... Eu caio, eles deixam-me cair. [O seu corpo desfalece.]
Dr.ª F. — Doeu-te muito, quando te bateram na cabeça?
B. — Sim. Acho que a partiram ... sangue ... bateram-me outra vez. [Soluçando violentamente.]
Dr.ª F. — Onde te bateram desta vez?
B. — Do outro lado da cabeça.
B. — Sim ... não, estão a baixar-se ... de joelhos, sentados ... estão a decidir qual deles me vai violar
em primeiro lugar ... Estou apenas semiconsciente:
Dr.ª F. — Que dizem eles?
B. — Oh! Estão só a discutir: «Eu primeiro.»
B. — Hum-humm. Não posso resistir. Eles ainda me seguram as mãos. [A sua voz tornava-se mais
fraca.]
Dr.ª F. — Ainda estás a lutar?
B. — Não.
B. — Hum-humm.
B. —A pedra fria debaixo de mim ... a pressão nos meus pulsos ... o frio. O meu vestido está todo
levantado.
Dr.ª F. — Mantém-te muito calma e muito relaxada. Descreve o que acontece. Relaxando-te cada vez
mais. Agora, que se passa?
B. — Bom, acho que o louro foi o primeiro ... magoa ... estou a sangrar.
B. — Depois o .. . o outro indivíduo ... o tipo sem bigode ... a mesma coisa.
B. — Sim, da segunda vez não são tão fortes ... quer dizer, não são mais fortes.
B. — Não. Quase não posso ... eu ... quase não consigo contar o que se está a passar.
B. — Apenas sons distantes ... estão muito longe, mas posso sentir a pressão ... e sinto a dor ... mas
não consigo ver nada. Tudo é escuro.
Dr.ª F. —E agora, que acontece?
B. — É o terceiro homem ... e ele tem uma navalha ... e corta-me. [O seu corpo treine.]
B. — Hum-humm ... dói muito e sinto-me escorregar ... e acho que me violou ... Não consigo lembrar
me. [A sua voz começa a arrastar-se.]
Dr.ª F. —E agora, que percepções tens?
B. — Nenhuma.
B. — Frio.
B. — O meu espírito?
B. — Não.
B. — Alívio.
Dr.ª F. — Mantém-te calma e relaxada. Preocupa-te o facto de veres aquele corpo e o sangue?
B. — De certo modo sim, mas, por outro lado ... tudo se coordena.
B. — Bom, preocupo-me porque significa que fui assassinada ... de um modo pouco simpático ... mas
estou aliviada porque agora compreendo porque morri; compreende o que quero dizer?
Pedi a Elaine que avaliasse a sua vida no plano espiritual. Ela disse que sentia que a tinha
desperdiçado — que, na realidade, consentira tacitamente em partir com o soldado, para se afastar da
monotonia da sua vida, que nunca se chegou a desenvolver.
O seu subconsciente revelou que a pancada fora o acontecimento responsável pelas suas dores de
cabeça nesta vida, desde a puberdade. Também revelou a violação múltipla como origem da sua disfunção
sexual. Tal como ela disse: «Não consigo relaxar-me, não consigo ter prazer. Não quero que ninguém me
toque desse modo ... porque, da última vez, eles mataram-me.» Quando lhe fiz perguntas acerca dos seus
anos com os soldados, ela admitiu que não tinha experimentado clímace, que aquilo era mais «como um
trabalho.»
Ainda profundamente hipnotizada, mas de volta ao presente, Becky identificou o segundo violador
como o seu pai, nesta vida. Dei-lhe sugestões pós-hipnóticas para recordar apenas aquilo que
emocionalmente podia suportar.
Mas, liberta do transe, ela lembrava-se de tudo. Abanou a cabeça em sinal de desconfiança, quando
se recordou da sua descoberta acerca do pai. «Mas ele é tão perfeito. É um pai perfeito.» Depois de um
silêncio meditativo acrescentou que não ficara ressentida com ele — agora, ele era uma pessoa diferente.
Perguntava a si mesma se ele teria voltado como seu pai, desta vez, para se redimir do passado.
A sessão seguinte à regressão de Becky como Elaine foi também muito reveladora. Sob hipnose já
não conseguia esconder um ódio arreigado a seu pai. Um ódio completamente reprimido — que
despoletava dores de cabeça, transferindo a sua dor emocional para uma dor física. Tinha andado a pagar,
todos estes anos, o preço da negação dos seus verdadeiros sentimentos. Tinha uma grande resistência,
mesmo quando se encontrava em transe profundo, em reconhecer quem odiava e porquê. Esse ódio era
devido ao facto de ter sido violada por ele, numa vida passada. 0 seu subconsciente revelou, também, que
a sua incapacidade de atingir o orgasmo tinha como causas não apenas a violação, durante a sua vida
como Elaine, come também a reminiscência, bem no fundo de si mesma, de ter sido o seu pai a violá-la; isto
impedia-a de se descontrair. Depois de termos exposto estes sentimentos, ela acrescentou que faltava
ainda qualquer coisa. Inquirido sob este aspecto, o seu subconsciente, lentamente, mostrou-nos uma cena
em que uma menina era mutilada — completamente desmembrada até à morte. Ela observava a cena de
cima, sob a forma de espírito. Reconstituindo o que acontecera, descobrimos que, noutra vida, ela fora feita
prisioneira por ser católica. Da sua sela, troçou de um dos seus carcereiros, chamando-lhe homossexual,
em frente de outros prisioneiros e guardas. Mais tarde, ele foi sub-repticiamente à sua cela, matou-a,
arrancou-lhe os braços e as pernas, cortando-os aos bocados com toda a sua raiva, e violou o seu tronco. O
espírito presenciou esta violência, troçando dele continuamente. Era esta «aquela coisa que faltava»!
Quando conversávamos, depois de liberta da hipnose, Becky acabou por compreender que toda a
vida receara as fúrias do seu pai. Era hipersensível a elas e reagia com uma violência anormal. Ele nunca a
maltratara, tanto física como verbalmente. Becky era muito apegada a ele, amava-o e queria ser totalmente
franca. Decidimos pedir-lhe que viesse com ela, na consulta seguinte, para que Becky pudesse partilhar
com ele tudo o que agora sabia acerca de si própria. A sua maior preocupação era poder magoá-lo.
Na manhã seguinte, sábado, consegui que eles viessem juntos. O pai de Becky é um homem afável,
aberto, cujos olhos inteligentes imediatamente mostram toda a sua sensibilidade. Becky, muito
cuidadosamente e sem rodeios, contou ao pai que numa vida anterior ele fora um dos homens que tinham
violado Elaine. Explicou-lhe que, por causa disso, todos estes anos, ele a tinha aterrorizado — e que
carregara com um ódio profundo e subconsciente em relação a ele. Os olhos do pai encheram-se de
lágrimas enquanto ela descrevia a cena da violação e dizia que preferia não ter visto os homens, ou não
saber quem eles eram. Ele sabia da existência da violação, desde que Becky contara à sua família os
pormenores da regressão, mas ela nunca lhe dissera que havia mais de um homem — e especialmente que
era um deles.
As lágrimas corriam-lhe pela cara, colocou-se junto à filha e abraçou-a; também ela chorava.
Continuaram sentados, frente a frente, de mãos dadas. Pareciam não dar pela minha presença, enquanto
falavam um com o outro. Disse-lhe que estava cheio de remorsos por a ter magoado, mas que nada podia
fazer. Prometeu controlar mais as suas fúrias na frente dela, pois já reparara — na realidade sempre
soubera — que ela ficava extremamente afectada com elas, muito mais que as suas irmãs.
Voltou-se para mim, limpando a cara com um lenço de papel e disse: «Becky e eu sempre tivemos
uma comunicação especial. Ela falou-lhe nisso?» Quando abanei a cabeça, ele continuou, descrevendo a
telepatia existente entre eles. Relatou-me vários episódios passados, em que um forte sentimento, dentro
de si mesmo, o obrigara a ir para casa, onde acabava por descobrir que tinha acabado de acontecer
qualquer coisa a Becky e que ela precisava dele. Agora já sorriam, mas ainda continuavam de mãos dadas.
Quando partiram, todos nos sentimos profundamente comovidos.
Durante as nossas sessões seguintes, bimensais, Becky anunciou-me, delirante, que estava livre das
dores de cabeça. Acrescentou, levemente embaraçada: «Tenho sentido dores de cabeça esporádicas e
pouco importantes, de vez em quando, mas sei que são causadas pela tensão.» Estava tão espantada que,
como ela própria disse: «Tenho medo de contar há quantas semanas elas desapareceram — podem
voltar!» Durante este período notou que era cada vez menos sensível à disposição dos outros e, de modo
geral, sentia-se mais descontraída no seu trabalho e na faculdade.
Cada vez que ela e John tinham relações, a sua reacção era maior. Com um sorriso cheio de orgulho,
disse: «Uma vez que John e eu fazíamos amor senti-me muito tonta e reparei que ele estava a ser quase
violento para comigo — violento em termos de energia e de força dos seus impulsos. Lembrei-me da cena
da violação e tentei acalmar-me. Consegui ficar mais calma, mas, naturalmente, não senti mais prazer.»
Dera a conhecer a John os seus sentimentos e, desde então, ambos tinham apreciado a sua crescente
capacidade de resposta.
Algumas semanas mais tarde telefonou-me e, numa voz chorosa, anunciou-me que o problema das
enxaquecas não estava resolvido. Pediu-me uma consulta antecipada, pois nessa altura encontrávamo-nos
apenas uma vez por mês.
Quando entrou no meu consultório, um grande sorriso amistoso iluminava-lhe a cara. Então,
instalando-se na cadeira, disse: «Cá estou eu de novo! Mas o meu pai lembrou-se de uma coisa que nos
pode ajudar.» Fez notar que, desde os treze anos, as suas dores de cabeça começavam sempre de manhã,
na cama. E aí estava outro elemento de interesse —e importância— para o nosso trabalho de pesquisa. Se
saía para tomar o pequeno-almoço, com John ou qualquer outra pessoa, invariavelmente tinha uma dor de
cabeça que normalmente começava antes de terminada a refeição. Isto convenceu-a de que as suas dores
de cabeça não eram devidas a problemas físicos mas psicológicos. Nas nossas regressões anteriores
tínhamos esquecido qualquer coisa.
Empurrou a cadeira para uma posição reclinada, fechou os olhos e concentrou a atenção na sua
respiração.
Em transe profundo, os sinais dos seus dedos confirmaram que a hora do dia era importante, porque
durante a sua vida como Elaine tinham ocorrido acontecimentos significativos da parte da manhã. Além
disso, a tomada de decisões, como factor causal, era de extrema importância. Localizámos a grande
decisão como sendo o seu plano de deixar a família e partir com os soldados.
Fi-la retroceder no tempo para esse acontecimento. Baixou a voz, falando num tom confidencial:
B. — Bem, diz-se que os soldados vão passar e que trazem com eles algumas mulheres das cidades.
Dr.ª F. — Que fazem eles?
B. — Trazem consigo algumas mulheres e vão levá-las.
Dr.ª F. — Quem?
B. —Bom, pensei que podia ser excitante, diferente ... pareceu-me que era o que tinha a fazer.
Dr.ª F. — Onde estás tu a ouvir isso, Elaine?
B. — Estou na rua a fazer compras. Estava a falar com ele.
B. — Pergunta-me se eu ouvi falar nos soldados. Depois disse-me que ... que há algumas raparigas
que vão com eles.
Dr.ª F. — Disse-te mais alguma coisa sobre o que acontece às raparigas?
B. — Bem, elas vivem no ... vão viver para o palácio. [A sua cara ilumina-se.]
B. — Oh, realmente não me falou nisso, apenas disse que ... eram bem pagas.
B. — Achei bom. Parecia que ia ser fácil e ... é um modo de viver, como sabe.
B. — Oh, eu ... acho que tive a noção de que ... sempre soube que era uma questão de sexo, mas
não queria ... não queria pensar nisso.
Dr.ª F. — Ouviste tudo isso quando fazias compras, na rua?
B. — Sim, ele falou comigo.
B. — Sim.
Dr.ª F. — Como te sentes quando lhe dizes que vais, que irás? Sentes-te segura?
B. — Digo-lhe que sim, mas não tenho a certeza de estar a proceder bem. [Franzindo o nariz.]
Dr.ª F. —E quais são as tuas objecções?
B. — Não falei acerca disso com ninguém e acho que ... que
B. — Não.
B. — Dezasseis.
B. — Um bocado trémula.
B. —Ele ... diz-me apenas para ficar por perto da minha casa.
ª
Dr. F. — Depois de falares com ele, que fazes?
B. — Ficariam preocupados e ... não me deixariam ir e é tarde de mais, porque eu vou, quer gostem
quer não!
Dr.ª F. — Porquê?
B. — Porque eu já lhe disse que ia. Se eu não quisesse ir, eles levar-me-iam, de qualquer maneira.
Dr.ª F. — Como sabes isso?
B. — Ele disse-me.
B. — Hum-humm.
Dr.ª F. — Ela nota que há qualquer coisa errada contigo? Repara nisso?
B. — Cedo.
B. — Ninguém.
B. — Hum-humm.
B. —A minha mãe.
B. — Está zangado.
B. — Hum ... estou a tentar ser forte, mas é difícil, com a minha mãe a chorar. [Lágrimas formam-se
nos seus olhos.]
Dr.ª F. —E agora, que se passa?
B. — Trazem-me um cavalo e eu monto.
B. — O homem com quem falei, na rua, está com eles. Mostra-lhes onde estão todas.
B. — Hum-humm.
B. — Tenho de partir, antes de ficar nervosa e mudar de ideias ... e é demasiado tarde.
B. — Nada.
B. — Não.
significativo, quando eu contar até cinco. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Que te vem à cabeça?
B. — Não, depois de algum tempo ... estive lá muito tempo e, por isso, já não precisavam muito de
mim. Na realidade até ficaram contentes por se verem livres de mim ... porque tinham raparigas mais novas.
Dr.ª F. —E portanto foste para casa dos teus pais. E como te sentias, quando ias a caminho?
B. —Hum ... não sabiam se ficariam ou não contentes por me verem. Mas agora não está cá
absolutamente ninguém.
Dr.ª F. — Como te sentes quando ... ficas surpreendida por não estar aí ninguém?
B. —Sim.
B. — Cedo.
Dr.ª F. — Qual é o aspecto da casa? Onde julgas que estão os teus pais? Onde está a tua família?
B. — Bom, procurei na cozinha, mas não estão ali, então subo as escadas e não está lá ninguém.
Dr.ª F. — Porquê?
B. — Bom, é cedo e não anda ninguém na rua ... Não consigo encontrar ninguém.
B. — Se não tivesse partido, pelo menos saberia onde estão e podia estar com eles. Podia ajudá-los,
se precisassem. Estaria
com a minha família. Se eles foram mortos, também quero morrer.
Dr.ª F. —Agora avança até ao próximo acontecimento significativo e põe-te em contacto com os teus
pensamentos.
Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Que te vem à cabeça?
B. — Caminho pela rua.
Dr.ª F. — Porquê?
B. — Sim.
Dr.ª F. — Porquê?
B. — Porque cometi um erro estúpido, que pode ter custado a vida aos meus pais.
B. — Começam a violar-me!
Rapidamente, trouxe Becky de volta ao presente, pois não havia necessidade de a fazer passar de
novo pelo trauma da violação. Enquanto estava profundamente hipnotizada, fiz-lhe perguntas acerca das
relações entre as suas enxaquecas e os acontecimentos que acabara de relatar. Ficou claramente de
monstrado que, para além das pancadas na cabeça — incidente que havíamos tratado originalmente — o
sentimento de culpa estivera também sempre por trás das suas dores de cabeça. Ajudei-a a libertar-se
desse sentimento de culpa, permitindo que o seu actual subconsciente analisasse aquele acontecimento à
luz dos seus conhecimentos e valores presentes.
Quando Becky saiu do transe olhou-me bem de frente e perguntou: «Acha que foi isso?» Acenando,
respondo: «Pelo menos faz sentido, Becky. Achaste que tinhas abandonado a tua família. Sentiste-te
responsável pela sua morte. Agora compreendes que não tiveste culpa, mas não foi assim que pensaste
naquela altura.» «Será o fim das enxaquecas — para sempre?», perguntou, bastante céptica. Respondi:
«Temos de esperar. Só o tempo o dirá. Se ainda tivermos descurado qualquer coisa, podes ter a certeza de
que o saberás!» Lembrei-lhe que o seu espírito revelava os seus segredos pouco a pouco. Já acontecera
isso, apesar de ela ser facilmente hipnotizável e de ser uma doente altamente motivada.
Depois de ela ter saído pensei de novo em todo o nosso trabalho juntas. Senti-me profundamente
impressionada pela sua coragem — uma coragem que ultrapassou obstáculos de resistência e medo. Agora
era uma pessoa capaz de fazer enormes modificações em toda a sua vida.
A última vez que vi Becky tinham-se passado dois meses sobre a nossa última regressão. Apareceu
radiante. «Boas notícias. As enxaquecas não voltaram! Nem uma só.»
CAPÍTULO III - «SOU UM HOMEM E USO UMA PELE»
Mary Gottschalk, repórter do San Jose Mercury-News, escreveu no fim de 1976 dois artigos acerca
da minha utilização das regressões à vida passada, com os meus doentes. Pouco tempo depois fui invadida
por telefonemas de muitas pessoas que queriam explorar as suas vidas passadas. Algumas tinham
problemas especiais e estavam convencidas de que eles eram provenientes do passado distante; mas a
maior parte apenas queria saber quem tinha sido, numa vida anterior. Caren, a minha secretária, marca as
regressões à vida passada, para aqueles que não são doentes, para os sábados. Estas consultas têm, para
mim, um interesse especial, porque em duas horas encontro duas pessoas — o indivíduo tal como existe
actualmente e um outro, muito diferente, normalmente do sexo oposto, que viveu numa época passada.
Num sábado, em meados de Janeiro de 1977, encontrei duas pessoas que me impressionaram
profundamente.
Jackie é uma mulher franzina, muito bonita, com perto de trinta anos. Os seus olhos pretos e
brilhantes coadunam-se com o seu cabelo preto, curto e encaracolado. Fizera mentalmente uma lista de
tudo o que planeava dizer-me. Tive a sensação de que ela queria aproveitar totalmente todos os minutos.
Estava particularmente interessada em compreender as suas relações turbulentas com o marido, com quem
tinha voltado a casar depois de muitas separações e uniões. Desconfiava da existência de experiências, em
vidas passadas, que pudessem lançar luz sobre as suas vidas agitadas, cheias de altos e baixos. No caso
de não encontrarmos laços com vidas passadas, ou de nos vermos perante uma resistência insuperável,
perguntei-lhe se não haveria qualquer outro assunto de interesse. Ela disse que desde a adolescência tinha
sonhos muito vivos, excitantes e reais, nos quais era um índio moicano — que matava muita gente. Ele/ela,
tinha um corpo fantástico, pernas compridas e fortes e usava apenas um pano em volta da cinta. Por
qualquer razão, as mortes tinham um fim em vista — emendar um erro. Mas, quando sonhava, uma parte
de si mesma não suportava o facto de tirar vidas humanas. Acrescentou que se recordava de uma
sensação de «já visto», ocorrida aos seus dez anos, período particularmente infeliz da sua infância.
Lembrava-se de, sobre um promontório, ter olhado para Bay Area e de «saber» que já tinha estado ali, ou
num lugar semelhante, fazendo exactamente a mesma. Encolheu os ombros e disse: «Foi uma sensação
estranha.» Voltando ao tema da regressão, decidiu que queria explorar as origens dos seus «variados talen
tos». Jackie e guarda-livros. Nos tempos livres pinta e toca órgão. Dirigiu recentemente uma galeria de arte.
Mas sente-se de certo modo «sufocada»; parece-lhe que, na realidade, não consegue encontrar um escape
para a sua criatividade.
Comecei a indução hipnótica. Logo que fechou os olhos, as pálpebras começaram a vibrar. O ritmo
respiratório e as pulsações no pescoço diminuíram imediatamente. Em poucos segundos verifiquei que era
facilmente hipnotizável. Mas em breve nos deparamos com um muro de resistência. O seu subconsciente
recusava-se teimosamente a tratar das relações com o marido. Durante uma desesperante meia hora
apenas descreveu visões de cores, que apareciam e desapareciam, e só teve consciência das suas
sensações físicas. Não viu imagens! Não teve pensamentos! Decidi apontar para outra área. Pedi ao seu
subconsciente que a levasse até um acontecimento, de uma outra vida, que a ajudasse a compreender
porque se sentia tão abafada e não conseguia exprimir a sua criatividade.
Quando contei até dez, a sua voz tornou-se mais baixa; lentamente, e com grande esforço, contou a
sua história:
J. [Lentamente.] — Paredes de cavernas. É tosco ... não há utensílios ... é ainda tão atrasado.
J Estou só.
J. — Estou de pé.
Dr.ª F. — Onde?
J. — Num rochedo ... perto de uma caverna ... Ufa!, sou um homem e uso uma ... pele!
J. — Não estou direito ... estou curvado ... mas não curvado ... estou ... Ufa! Estarei à procura de
alguma coisa? Estou a olhar para qualquer coisa cá de cima. [Voz cheia de admiração.]
Dr.ª F. — Está num sítio muito alto?
J. — Por cima ... por cima do vale ... Sou teimoso ... e é deserto, não há montanhas nem árvores ... é
seco. A caverna é minha ... Estou à procura de qualquer coisa que não vejo ... estou à espera.
Dr.ª F. — Veja se descobre o que sente e quem é ... se há outras pessoas a viver consigo.
J. — Há gente algures, mas não aqui ... Tenho pinturas na minha caverna e estou a protegê-las.
Dr.ª F.— Quem as fez?
J. [Cheio de orgulho.] —São minhas.
J. — Não tinha nada ... não tinha nada. Usei só uma pedra.
J. — Arranhei a parede ... tentava dizer qualquer coisa e estou à procura de alguém e estou a
guardá-los, mas quero alguém ... para que veja o que eu tenho a dizer. Não falo. Não posso falar.
Dr.ª F. — Os outros que o rodeiam conseguem falar?
J. — Não sei. Aqui só estou eu.
J. — Não me lembro.
J. —É uma parede inteira. É a vida ... e animais. Tem de haver sempre animais. [Disse cheio de
certeza.]
Dr.ª F. — Porquê?
J. — Fazem parte de tudo.
Dr.ª F. — Integre-se na visão ... e fale-me dos animais. Que tipo de animais pintou?
J. — Hum ... animais em rebanhos. Grandes e pequenos ... e estão em movimento ... e mexem-se na
minha parede, tal como os vi.
Dr.ª F. — Que mais desenhou na sua parede?
J. — [Pausa.] — Tenho uma moca com uma pedra.
J. — Couro. Está atado e cruzado. Fiz isso ... fui eu que fiz.
J. — Protecção.
J. — É um vale grande ... a caverna é muito alta. É uma confusão de rochas, rochas secas, rochas
redondas ... e estou de pé, procurando ... estou só aqui.
Dr.ª F. — Onde estava, antes de vir para a caverna?
J. — [Evasivamente.] — Fui banido.
Dr.ª F. — De onde?
J. — Sou um estranho e sou diferente. Há em mim coisas que não estão certas.
Dr.ª F. — Descreva-se.
J. — Sou peludo ... não por todo o corpo, mas o meu cabelo está eriçado e é feio ... e não é um
cabelo escuro ... [Suspiros.] ... mas os meus olhos não pertencem ... sei mais que os outros.
Dr.ª F. — Parece-se com os outros?
J. — Não me consigo lembrar deles.
sabem mais que o homem que eu encarno ... mas estou dentro deste homem ... e é tudo.
Dr.ª F. — Porquê?
Dr.ª F. — Porquê?
J. — Não.
J. —São diferentes. São ... não compreendem. Estão a lutar ... [Profundo suspiro desalentado.] ... não
vivem na caverna. Vivem no vale.
Dr.ª F. — Quando diz que sabe coisas, que pretende dizer? Pode falar-me mais acerca disso?
J. — Sei ... hum... devo ensiná-los... e não posso ensiná-los. Eles estão noutra estão noutro sítio e
eu não posso alcançá-los e eles não aprendem e eu uso os meus desenhos ... eles são crianças. Eu sou
mais velho ... eles são crianças ... nesta vida ... eu sei mais ... e não os posso ensinar, porque eles não me
aceitam.
Dr.ª F. — Quando fala em «crianças» quer dizer que são pessoas crescidas mas não são infantis, em
termos de desenvolvimento?
J. —São crianças, sim.
J. — Tudo. Tudo ... tudo. Eles têm de saber. [Faz gestos amplos com as mãos.]
J. — Educá-los ... tirá-los de onde estão. Estão a viver horrivelmente ... não estou melhor, mas eu sou
diferente ... deles. Tenho olhos azuis ... tenho olhos azuis, aqui está a diferença! Eles são todos escuros. E
os meus olhos ... os meus olho são mais ... são brilhantes ... olhos brilhantes. Eles são escuros e pretos ...
cabelo preto, oleosos e nus e eu não estou nu ... e de onde vim eu?
Dr.ª F. — Depois de eu contar até três saberá de onde veio. Um ... dois ... três.
J. — Godos? ... Godos.
Dr.ª F. — Como conseguiu vir do meio dos Godos? [Poderia ele ter estado entre aqueles godos que
se envolveram numa, revolução social, por volta do século IV e que emigraram para a África?]
J. — Fiz ... uma longa viagem.
J. — Havia uma praia e era quente ... mas só lá estava eu. Não estava ninguém comigo ... A minha
cabeça! [Gemidos.]
Dr.ª F. — Continue.
J. —Mão era tão feio como na caverna. Não estava tão gasto ... era mais forte ... lá era diferente. Mas
aqui é estranho, terra seca ... e quente ... não me lembro da viagem... mas devo ter feito uma viagem ... mas
não me lembro da rota. Duas montanhas e um vale ... e o povo ... cabelo preto, preto e grosso. Rodearam
me excitados. São mais pequenos que eu. Sou alto e grande ... há um cão ... há um cão. Há crianças,
bebés ... Estou cansado. [Com uma voz exausta.]
Dr.ª F. — Há quanto tempo está só?
J — Sempre.
J. — Não há ninguém ... de quem me consiga lembrar, além daquelas pessoas ... e de mim ... eu sei
que sou diferente.
Dr.ª F. — Havia outros como você, há muito tempo, noutro lugar, noutra época?
J. — Perderam-se. Eles não ... perderam-se. Eles não estavam no barco.
J. — Agora, há uma batalha ... Como é que eu? ... Há uma batalha algures ... em algum lugar.
Dr.ª F. — Vai tornar-se cada vez mais claro para si e lembrar-se-á.
J. — Há espadas e machados e guardas a fazerem a ronda ... e há lutas, está toda a gente a lutar, a
lutar, lutar ... a matar.
Dr.ª F. — Há aí muitas pessoas? Quantas, mais ou menos?
J. — São todos homens ... estão todos a lutar ... poucos. Não são muitos mas são todos homens
meus.
Dr.ª F. — Estão a lutar uns contra os outros, é isso?
J. — Não. Contra outros como nós ... e eu não sei porquê.
Dr.ª F. — Porquê?
Dr.ª F. — Tornar-se-á claro para si, quando eu contar até três. Um ... dois ... três.
J. — Olhos Brilhantes.
Dr.ª F. — Quem lhe chama assim? Quem lhe chama Olhos Brilhantes?
Dr.ª F. — Tornar-se-á claro para si, quando eu contar até três. Um ... dois ... três.
Dr.ª F. — Como?
J. — Um castigo qualquer. Castigo ... Eu não queria lutar ... não lutava. [Com determinação.] Fui
aceite pelo meu povo, mas continuava a ser um estranho porque não lutava. Vi a luta ... tinha um cinto. Eu
fiz o cinto! Era de couro e cruzava-se sobre os meus ombros e a pele ... mas perdi-o. Na caverna apenas
tenho a pele.
Dr.ª F. — Que se passa agora?
J — Mal sucedido.
Dr.ª F. — Mal sucedido? Pode explicar-me o que quer dizer com isso?
J. — Perdi o meu povo, ou fui mandado embora ... e eu ... encontrei um novo povo ... e estou só.
Dr.ª F. — Porque foi mandado embora?
J. — Lutar ... lutar ... não o faria.
J. — Todo o povo.
J. —Sim.
Dr.ª F. — Agora gostaria que fosse até ao último dia da sua vida, quando eu contar até cinco. Tenha
em atenção ao que se passa. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco.
J. — Ahh ... eles voltaram. Esperei só ... para lhes fazer desenhos, para lhes mostrar coisas ... e eu
vivi na caverna ... e eles atiraram-me pedras. Eles não aceitam. Era um estranho para eles .., estou sob as
pedras.
Dr.ª F. — Morreu?
J. — Sabia que isto me ia acontecer. Era na verdade ...
Dr.ª F. — Veja o que se passa no momento seguinte à sua morte; como se sente e o que acontece.
J. [Silêncio.]
Dr.ª F. — Bem, gostaria que voltasse para trás, para alguns momentos antes da sua morte, e que
reparasse no que se está a passar. Estão a atirar-lhe pedras e calhaus?
J. — Cercaram-me.
Dr.ª F. — Porquê?
J. —Estão todos a atirar pedras ... à frente da minha caverna ... a mim. [Numa voz suave e aliviada.]
Dr.ª F. — Onde está?
J. — Na borda.
Dr.ª F. — Gostaria que fosse até ao momento da sua morte e que soubesse onde lhe acertaram.
J. — Houve mais e mais, mas não, não sinto. E não ... é apenas um corpo.
J. — Numa ... numa pilha ... numa borda e eles continuam a atirar pedras, até que elas se amontoam
... por cima de mim.
Dr.ª F. — Está no seu corpo, quando tudo isto sucede?
J. — Sim.
Dr. F. — Podia ter feito alguma coisa que o levasse a não ter falhado?
Depois de sair do transe, Jackie pestanejou e olhou para mim sem conseguir acreditar. Disse,
lentamente, que ainda estava abalada por aquela invasão de piedade, tristeza e pelo sentimento de
frustração e falhanço. «Era tão real», murmurou. Acrescentou, abanando a cabeça: «Tinha tantos desenhos
no meu espírito — montes de coisas que via e não conseguia descrever.» Disse que a princípio teve de
fazer um grande esforço — as recordações eram tão antigas! Mergulhou numa profunda meditação e
finalmente disse: «Vou ter muito em que pensar, durante os próximos dias e semanas.»
Recordando o esforço que ela tinha feito para responder às minhas perguntas, perguntei-lhe se,
nesta vida, sentira problemas na comunicação verbal. Lágrimas correram-lhe pela cara, acenou com a
cabeça. Confessou que achava muito difícil exprimir-se verbalmente — e frequentemente não era «ouvida»
por aqueles que lhe eram mais chegados.
Quando ia a sair parou à porta, franziu o nariz e disse que estava desapontada por não ter
conseguido retroceder a uma vida com o seu marido. Depois de a porta se ter fechado perguntei a mim
mesma se ela teria compreendido o valor da pedra preciosa que descobrira! Que homem sensível, evoluído
e compreensivo fora o Olhos Brilhantes! Estou satisfeita por o ter conhecido.
CAPÍTULO IV - «SEI O QUE ESTA ATRÁS DAQUELA PORTA!»
A pequena luz azul na parede indicou que a minha nova doente tinha chegado para a sua primeira
consulta — com trinta e cinco minutos de atraso! «Que estupidez a minha! Julguei que a marcação era para
as onze e não para as dez horas. Nunca chego atrasada — de facto chego sempre cedo às consultas.»
Tinha a cara encarnada e falava muito alto. No meu espírito surgiu um pensamento — que resistência
colossal! Isto não vai ser nada fácil!
Elizabeth era uma mulher com excesso de peso; tinha perto de trinta e cinco anos e uma expressão
triste e tímida. Os seus grandes olhos castanhos e tristonhos estavam cercados por profundos círculos
escuros. Vestia sem aprumo; tinha enfiado os seus dez quilos a mais dentro de umas calças de ganga
azuis, dois números abaixo do seu. Uma T-shirt escura e triste e uns sapatos de ténis Adidas completavam
a imagem desleixada. O cabelo escuro, muito curto e pintalgado de cinzento, e a falta de maquilhagem
deram-me a impressão de que esta mulher não pensava muito em si própria.
Pensei se ela teria receio de se sentar de costas para a porta, pois recusara a minha sugestão de se
sentar na cadeira reclinável, normalmente usada pelos doentes.
Apesar de termos passado pouco tempo juntas naquela primeira sessão, Elizabeth conseguiu
comunicar-me a sua imperativa e desesperada necessidade de ajuda. Tal como disse: «Tem de dar
resultado!» Especificou dizendo que o controlo do peso era a sua maior preocupação. «Toda a minha vida
fui gorda. Já quando andava no terceiro ano parecia uma abóbora com uma bola em cima.» Desenhou a
forma com as mãos. Ambas fomos obrigadas a rir. (Boa disposição — um bom sinal.) Com 112 kg a
princípio, lutara com a sua gordura durante os últimos dois anos até conseguir perder 38 kg. Mas agora os
quilos e os centímetros começavam a reaparecer lentamente.
Chris, o seu marido, preferia que ela fosse magra, o que complicava o problema. Descreveu uma
alimentação bastante comum e impulsiva — acordar de manhã decidida e depois ser incapaz de resistir a
comer duas fatias de pão com manteiga de amendoim e compota com um enorme copo de leite, como
almoço, seguido do remorso de estar «fraca». Nesses raros momentos em que pensava que se deveria
sentir bem consigo mesma tinha de fazer qualquer coisa para contrariar os seus sentimentos positivos: «É
inútil! Não tenho fome, para que vou comer aquilo? Mas outra parte de mim mesma diz: ‘Cala-te e come!'»
Assim, se perdia alguns quilos, era certo que fazia uma «comilança» ou cedia a um irresistível gelado,
quente e frio. Fazer dieta tornava-se então para si numa forma de castigo e sentia-se melhor. Um ciclo
vicioso e prejudicial! O mesmo padrão surgia em outras áreas da sua vida — gastar dinheiro, envolver-se
em projectos, em acções.
Cobrindo a boca com as mãos, como para esconder as palavras — e os pensamentos —, aflorou
com hesitação e mágoa os seus verdadeiros problemas. Aqueles com os quais tinha lutado toda a sua vida.
Com um olhar desesperado contou que estava rodeada de receios das alturas, das cobras, de sardões, de
aranhas, de «tudo!». Para além disto estivera imobilizada durante anos, por causa de profundas
depressões. «Vivo à custa de antidepressivos. Sempre fui melancólica», murmurou. «Toda a minha vida tive
um sentimento de culpa ... e não sei do que sou culpada. Por isso, procuro razões.» Apertou os punhos com
força enquanto atirou cá para fora todas as coisas que costumava usar para se sacrificar. Até o facto de vir
pedir ajuda era uma forma de autopunição. Ter de gastar tanto dinheiro consigo! Ao contar o seu passado
delineou um esquema de depressões extremamente periódicas. Há vários anos atrás caíra numa depressão
muito profunda que se arrastara por três anos. Durante esses anos deixava-se ficar sentada, horas sem fim
— e o resto do tempo ocupava-o a ler, na cama. A mais pequena tarefa, era para ela um enorme
empreendimento, que a deixava exausta. Agora sentia-se deslizar para o mesmo esquema e isso
assustava-a. «É uma batalha constante», suspirou ela. Relatou que durante a depressão se lembrava de
chorar muito. Nessa altura, o seu principal receio era suicidar-se durante o sono. O marido escondia
periodicamente todas as facas e lâminas de barbear. Nunca fizera uma tentativa aberta para se autodestruir
mas, de formas pouco subtis, tentara fazer com que a sua vida terminasse prematuramente. Uma úlcera
sangrara durante meses. Quando recuperou, arranjou outra doença grave, um problema de tiróide, e depois
outra e outra.
Durante anos consultara psiquiatras que lhe receitaram antidepressivos e tranquilizantes. Havia
terapeutas que «não falavam. Foi uma experiência longa e horrorosa! Um parou mesmo com toda a minha
medicação, até os antidepressivos. E mesmo assim não falava comigo — só dizia `Hmmmm'». Mais de uma
vez os seus médicos lhe recomendaram internamento imediato. Ela recusou. Com um ar desesperado
admitiu: «Não sei porque tinha tanto medo de ir para o hospital. Obriguei o meu marido a assinar uma
declaração em que dizia que nunca — nem que eu estivesse muito mal — permitiria que me internassem.»
Antes de vir ter comigo para tratamento, o marido pediu-lhe para fazer um exame no serviço de psiquiatria
do hospital local. Apenas por um dia! «A nossa companhia de seguros pagar-nos-ia oitenta por cento. Eu
não conseguia pensar sequer em ficar ali vinte e quatro horas.» Acabada a sua «confissão» calou-se e
olhou para mim com um ar suplicante.
Perguntei-lhe porque se decidira a vir ter comigo. Respondeu imediatamente: «Li um artigo no jornal
acerca do seu trabalho. Desconfio que estas ansiedades provêm de vidas passadas. Não há nada nesta
vida que possa ter causado toda esta angústia.»
No nosso encontro seguinte, Elizabeth explicou o que eram «aquelas ansiedades». Começou por
confessar que na semana anterior sentira uma grande «onda de culpa» por se ter atrasado para a consulta.
«Não permito a mim mesma nenhum erro.» Além da culpa, qualquer erro, mesmo que muito pequeno,
provocava-lhe ansiedade. Encolhendo os ombros continuou, dizendo que não aguentava ver nada que
fosse violento ou destrutivo. «Terror, abuso ou mau uso das pessoas, assusta-me.» Ficava revoltada com a
visão da mais pequena gota de sangue. Se um dos seus três filhos se feria e sangrava, mesmo por causa
de um pequeno arranhão, ela «descontrolava-se»; sentia as mesmas dores que ele. Não conseguiu ver o
nascimento dos seus filhos, mesmo após ter optado por partos normais. Por causa do sangue, insistiu com
a enfermeira para que tapasse o espelho com uma toalha. Escolhia cuidadosamente filmes não violentos.
Percorria as revistas e os anúncios, para se certificar de que os podia suportar. Falava com os amigos,
antes de se aventurar a ir a um espectáculo. Mesmo assim, nem sempre as coisas lhe corriam bem. Teve
de sair muitas vezes à pressa,
quase a vomitar. «Tenho de ler os livros de mistério aos poucos», explicou. «Vi uma operação na
televisão e senti as dores do doente. Torno-me tão sentimental. Choro em espectáculos de mímica.»
Mas, de longe, a mais traumatizante de todas as suas ansiedades era o terror de chegar a casa e
encontrar os seus filhos magoados. Agora que todos eram adolescentes e já tinham passado a idade de
precisarem de uma baby-sitter ainda se sentia mais ansiosa. Cada saída era uma ocasião dolorosa. Ao
voltar a casa, das raras saídas que se permitia, insistia em que o marido fosse ver as crianças. Ela
conservava-se no carro, «verdadeiramente tensa e assustada». Só depois de ele lhe assegurar que
estavam bem é que ela conseguia entrar também. Quando lhe perguntei, directamente, que imaginava que
pudesse ter acontecido, ela mordeu a mão e torceu a cara. «Alguém entrará em casa — matará as crianças
durante a noite. Sempre com uma faca. Sempre horrível!» A sua preocupação exagerada com os filhos
estendia-se a todos os aspectos das suas vidas. Preocupava-se se estavam perto de um corrimão.
Preocupava-se se um deles se atrasava mais de dez minutos a chegar a casa. Tinha medo que eles se
tivessem magoado, perdido, que não se sentissem bem ou que não tivessem amigos — e por aí adiante.
«Tenho medo que os miúdos puxem por facas. Não quero que eles lutem. Mas não lhes consigo meter isso
na cabeça.» Torceu as mãos. «E a eterna culpa! Não consigo dizer-lhes `não' a nada!»
Antes de a sessão terminar, tentei ensinar a Elizabeth a autohipnose. Sugeri-lhe que fechasse os
olhos e se concentrasse na sua respiração. Em vez disso sentou-se muito direita. Com os olhos bem
abertos disse: «Estou mesmo preocupada com o que possa vir a descobrir. Talvez tenha razões para me
sentir culpada — qualquer coisa que não possa ser modificada. E se matei alguém, numa vida anterior?
Mas não. Não seria capaz. Não faz parte da minha personalidade intrínseca.» Então, com uma voz
implorante, disse: «Talvez seja melhor deixar isto em paz.» Discuti com ela outros casos relevantes.
Demonstrei-lhe que outras pessoas, através da compreensão — e com esforço mental e coragem —
conseguiram vencer os seus sintomas e problemas. Finalmente deixou-se afundar lentamente, contra as
costas da cadeira, fechou os olhos e disse com uma voz preocupada: «Está bem, estou pronta.» Comecei
de novo, mas, um minuto depois, os seus olhos abriram-se. «Sinto-me assustada.» Disse que poderia
descontrair-se melhor no chão.
«E porque não experimentamos?», disse eu. Então acomodou no chão o seu corpo atormentado.
«Assim é melhor?», perguntei. «Acho que sim», disse ela. Dei-lhe sugestões calmantes, pedindo-lhe que
fechasse os olhos enquanto eu conversava com ela. Os músculos da sua cara relaxaram-se. As mãos
descontraíram-se. A sua respiração tornou-se mais profunda e regular. A pulsação, que pouco antes corria
veloz e visível no seu pescoço, também se acalmou. Depois de ter relaxado progressivamente todo o corpo,
acedeu prontamente às minhas sugestões. Sorriu. «Isso é bom!» Pedi-lhe que ouvisse duas vezes por dia a
fita que gravara para ela. Depois marcámos a próxima consulta para a semana seguinte.
Quando voltou, começou a sessão anunciando que a fita não a tinha ajudado. Começava realmente a
descontrair-se, até certo ponto — depois descontrolava-se. Não conseguia confiar em si própria. Receava o
que viesse a descobrir. Isso podia atingi-la — qualquer coisa que ali estivesse há anos. «Não consigo ser
feliz. Não consigo ficar descontraída. Tenho medo do que possa estar ali.» Não conseguia deixar a sua
posição defensiva, porque queria evitar a descoberta. De novo tive a nítida sensação de que ajudá-la a
enfrentar o seu subconsciente era o meu maior trabalho.
Para saber em que medida se escondia de si própria perguntei-lhe se sonhava. «Não tenho sonhos.»
Contudo, havia um pesadelo periódico, que ela descrevia como «progressivo» porque se alterava
ligeiramente em cada sonho. Quando era pequena desejava duas coisas: um marido e uma casa vitoriana.
Depois de ter casado sonhava de vez em quando que:
Compramos uma bonita casa antiga. Arranjamo-la. Ela torna-se ainda mais bonita. Gradualmente, um
pouco mais em cada sonho, vou vendo o interior. É encantadora, com muitas madeiras, mas nunca vejo o
andar de cima.
Acrescentou que, quando verificou que nunca tinha visto o andar de cima, se afundara na sua
primeira «terrível depressão». A sua voz tremeu ao descrever a primeira vez, há muitos anos, que tentara
subir a escada.
Foi a noite mais terrível da minha vida — o esforço que foi necessário para subir aquelas escadas! A
casa começou a deteriorar-se. Eu fazia um esforço enorme para subir as escadas. Havia verdadeiros
horrores em cada
quarto. Encontrei nesses quartos monstros, cobras, aranhas, coisas terríveis, que não podia
enfrentar. E estavam nojentos. Limpava um e ele sujava-se de novo. Mas, com muito esforço, finalmente
ficava limpo. Então a casa tornava-se feliz.
Nesta altura, três anos mais tarde, a sua depressão desaparecia. (Isto corroborou a minha convicção
de que a casa simbolizava o seu espírito.) Então ela lembrou-se de uma experiência muito assustadora que
ocorrera mais ou menos nessa altura. Sentindo-se finalmente com forças suficientes para sair de casa, deu
uma volta por umas casas antigas e visitou uma casa de quinta. Ia a entrar num quarto quando se viu
momentaneamente paralisada pelo medo. «Sabia que se passasse aquela ombreira não chegaria viva a
casa. Havia tragédia naquele quarto. Não consegui ficar mais tempo na casa ... Saí a tremer e corri até
chegar a casa.» Tremia até ao recordar o incidente. Levei alguns minutos a acalmá-la.
Então, nessa altura, contou que na noite anterior à nossa consulta tivera o pesadelo. «Mas, desta
vez, há mais um quarto lá em cima — um sótão. Nem sequer consigo imaginar o que estará ali!»
Vi Elizabeth uma vez por semana, durante vários meses. Neste intervalo de tempo continuou na
mesma, começando a sessão na cadeira virada para a porta mas deitando-se no chão quando usávamos a
hipnose. Apesar dos seus receios cumpria sempre as suas marcações — chegando normalmente com meia
hora de avanço. Praticava com a gravação pelo menos uma vez por dia, apesar da grande resistência
anterior. Conseguia descontrair-se cada vez mais com a sua autohipnose, à medida que foi aprendendo a
confiar em mim — e, especialmente, nela mesma.
Nos nossos encontros, semana após semana, fui sabendo mais acerca dela. Tinha um
relacionamento afectuoso e íntimo com o marido que tanto a apoiava. «Amamo-nos e gostamos um do
outro. Há anos que temos um problema sexual, por causa da depressão. Não consigo ficar descontraída. E
se acontecesse qualquer coisa aos miúdos, nessa altura! Estou constantemente à espera e à escuta. Mas
aprendemos a viver com isto. Ajustamo-nos assim, mas é uma desilusão para ambos. Eu não me permito
um momento de descontracção.» Falou de um problema que tinha resolvido há anos. «O meu único grande
receio era que ele se fosse embora. Costumava andar sempre preocupada por causa disso. Por fim,
conseguiu meter-me na cabeça que nunca me deixaria — nunca, por nenhum motivo. Convenceu-me que
eu não tinha razões para pensar assim. Agora não tenho muito medo. Mas ainda sinto um receio terrível
quando ele está fora — talvez alguém entre. Estou sempre a verificar as fechaduras e as janelas. É terrível,
à noite.» Apesar do seu problema sexual e da sua ansiedade quando ele está fora, pareciam ter um
relacionamento realmente baseado no amor.
Os seus três filhos, Betsy, Mark e Judy, são «bons miúdos», apesar dos normais dramas da
adolescência. A sua filha mais velha, Betsy, tem tido problemas esporádicos. «É bastante mandona em
relação aos outros uma mãezinha. Eles não gostam.» Elizabeth preocupava-se por causa de Betsy. «Por
vezes anda em baixo e sente bastante ansiedade. Espero que não venha a ter os mesmos problemas que
eu.»
Continuou a queixar-se do seu peso, dizendo que já não conseguia enfiar as suas calças de ganga,
que eram a sua «farda» diária. (Continuava a vir todas as semanas com a mesma vestimenta. Calças de
ganga e T-shirt.) Pedi-lhe para ser paciente quanto ao seu peso. Precisávamos de tratar das causas subja
centes. Fiz-lhe notar que já estava demasiado tensa, mesmo sem tentar fazer uma dieta. Concordou
rapidamente.
Por fim, uma semana, foi capaz de estabelecer sinais de dedos! Então interroguei o seu
subconsciente. Mas vime perante um inesperado muro de resistência. A maior parte das minhas perguntas
foram respondidas pelo seu dedo «não quero responder». Três sessões mais tarde, o seu subconsciente
anunciou que os seus problemas eram originários de vidas anteriores. Dei-lhe sugestões pós-hipnóticas a
fim de se preparar para, da próxima vez, lidar com os acontecimentos que provocavam o seu sofrimento
psíquico.
Na semana seguinte, quando apareceu, caiu na cadeira e começou a chorar. Lágrimas corriam-lhe
pela cara, disse que nessa semana não queria falar de si. «Aconteceu uma coisa. Foi Betsy.» Relatou
incidentes, ocorridos nas duas últimas semanas, que indicavam que Betsy precisava imediatamente de
auxílio psicológico. Pareceu-me que a rapariga estava profundamente deprimida. Recomendei-lhe uma
se
excelente terapeuta. Tive a nsação, mas não o disse a Elizabeth, de que Betsy era, de certo modo, um
eco da perturbação que a sua mãe sentia, como resultado do nosso trabalho. Tive também a sensação de
que
isto era de certo modo oportuno, para desviar a atenção. Ainda tínhamos alguns minutos; então pedi
a Elizabeth que me deixasse dar-lhe algumas sugestões hipnóticas, que a ajudariam no nosso próximo
encontro. Consentiu e deitou-se no chão. Depois de induzido o transe, transmiti ao seu subconsciente fortes
e repetidas sugestões para se preparar, a esse nível, «para estar a postos para ver os acontecimentos que
são responsáveis pelo seus problemas».
Aparentemente, as minhas sugestões assustaram-na! Cancelou a marcação seguinte, na véspera da
consulta, com a justificação de uma «terrível constipação».
Mas na semana seguinte veio, meia hora mais cedo, como sempre. Quando saí para a cumprimentar,
pensei: «Seria ela capaz de retroceder a uma vida passada? Seria esse o problema?» Entrou com um ar
um pouco tenso. Passámos alguns minutos a falar da sua filha. Parecia que já se sentia melhor e gostava
da terapeuta. Finalmente Elizabeth ficou suficientemente aliviada para se conseguir relaxar. Pula em transe
e ela tentou retroceder até à vida responsável pelos seus receios. Lentamente recebeu algumas impressões
vagas. Depois sentiu uma profunda tristeza, que se agigantava dentro de si. Espontaneamente libertou-se
por completo do transe. «Acho que não consigo. Há aqui qualquer coisa aterradora.» Pedi-lhe que se
relaxasse e dei-lhe mais sugestões para se preparar, esperando que penetrassem no seu subconsciente.
Nas duas semanas seguintes queixou-se de que os antidepressivos não estavam a ajudar. Sentia
«uma tristeza muitíssimo profunda». Acordava todas as manhãs consternada e angustiada. Não conseguia
descontrair-se tanto como antigamente, com as gravações. Além disso estava a ficar «cada vez mais
gorda». Começava a pôr em questão a validade da continuação das sessões. Expliquei-lhe que tudo isso
era um sinal de que nos aproximávamos de coisas importantes.
Felizmente conseguiu por fim ver muito mais; pôde reunir fragmentos de uma infância extremamente
infeliz e de uma vida conjugal precoce, como uma mulher do século XIX, na Europa. Como já era seu
costume, deitava-se no chão para o trabalho hipnótico. Desta vez, porém, depois da indução, quando se
encontrava profundamente relaxada, pediu para se sentar na cadeira reclinável (com as costas para a
porta!). Levantou-se, dirigiu-se à cadeira, deixou-se cair pesadamente e alguns segundos depois retomava
a vivência das semanas anteriores e continuava aquela vida no século XIX. Devido aos traumatismos
estava tão incompleta que levámos uma hora e quinze minutos a percorrê-la. Durante a maior parte chorou
e soluçou histericamente — incapacitada de continuar, por vezes. Nessa vida, como o único adulto
responsável num orfanato, sem nada poder fazer, teve de assistir à dolorosa morte, pelo fogo, das trinta
crianças à sua guarda — todos os seus queridos meninos e meninas. Nessa altura encontrava-se só. O seu
marido estava fora da cidade, a tratar de negócios. Não sabia falar a língua do país onde estava — a Índia
—, portanto não podia pedir ajuda. Depois da regressão ficou completamente exausta. Estava espantada.
Aquilo não se enquadrava com exactidão no quadro dos seus sintomas. Lembrei-me do receio que ela
sentia pelos seus próprios filhos. A regressão explicava a culpa com que carregara toda a vida e o medo
que sentia quando o marido estava longe de si. Mas ainda guardava no meu espírito o quadro no qual ela,
sentada no carro, esperava que o marido se fosse certificar que os seus filhos estavam vivos. Fiquei na
incerteza até à semana seguinte.
«Fiquei exausta durante três dias. Mas, francamente, não me sinto melhor. De facto, de modo geral,
até andei sempre em baixo e deprimida, toda a semana.» Sabia que tínhamos mais trabalho à nossa frente.
E foi o que fizemos. Retrocedeu a uma vida como capitão do mar. Outra, como primeiro-oficial. Ainda outra
como a mulher, pouco amada, de um capitão do mar. Todas eram vidas interessantes e cada uma tinha
afectado de certo modo a sua vida actual. Mas, mesmo assim, não conseguira encontrar o alívio que
procurava. Durante este período da sua terapia, a tensão era demasiada para ela e desistiu da
universidade. (Tinha frequentado alguns cursos de antropologia.) «Tinha três problemas: eu, Betsy e as
aulas. Um deles tinha de desaparecer.» Sentia-se revoltada consigo mesma. «Ainda para piorar tudo, como
cada vez mais e aumento de peso. Acho que é inútil. Sinto-me muito pessimista.» De vez em quando não
suportava ouvir a gravação.
Então, uma semana, catorze sessões após o nosso primeiro encontro, apareceu com um sorriso.
Anunciou que se sentia bem. Tinha até parado com os antidepressivos. Conseguira ouvir a fita, três vezes
por dia, na semana anterior. «Por vezes, quando a ouço, de repente fico tão relaxada que quase
adormeço.» Até o marido lhe tinha dito que ela parecia muito mais descontraída e mais autoconfiante.
(Então, no fundo, as regressões estavam a dar resultado.) Os seus olhos iluminaram-se quando me come
çou a contar um sonho que tivera na noite anterior. Com um ar apologético disse: «Não tem nada a ver com
os meus problemas. Mas como nunca sonho, excepto quando tenho aquele pesadelo, pensei que gostasse
de o ouvir.» Pedi-lhe que descrevesse o sonho, que aqui está transcrito, palavra por palavra:
Era acerca de uma casa. Não era aquela de que lhe falei. Começava com a casa da minha avô e
depois transformava-se na nossa, aquela onde vivemos. Veio uma pessoa fazer uma visita. Estávamos a
ver televisão a cores, o que é estranho, porque o nosso aparelho é a preto e branco. Havia uma parte da
casa escondida. De facto era quase outra casa inteira. Passando através de um armário fui vê-la. Podia ser
arranjada de modo a ficar maravilhosa. Havia belas antiguidades, recordações e coisas de bom gosto. Não
era aterradora. Queria tanto mostrá-la ao nosso amigo! Gostei a sério desta parte. Mas nunca consegui
arranjá-la. Imaginava com que aspecto ficaria se a arranjássemos. Precisa de pintura, tempo, dinheiro e
força. Não o posso fazer sozinha. Podia ser a parte mais bonita de toda a casa. Então, a visita entrou e eu
queria tanto mostrar-lhes — a visita era um casal e ao mesmo tempo, uma só pessoa. É estranho. Sempre
que eu começava a falar nisso surgiam outras coisas. Queria que eles soubessem da sala. Apesar de ali
vivermos já há algum tempo, eu nunca tinha mostrado esta sala a ninguém. Finalmente eles saíram e eu
compreendi que não tinha conseguido mostrar-lhes aquilo. Fiquei tão desapontada!
Depois de contar o sonho, acrescentou: «Ficaria tão bonita se eu arranjasse alguém para me ajudar a
pô-la em ordem. É como aquele quarto aterrador no sótão ... mas não é a mesma coisa. Quem me dera
acabar aquele sonho.»
Senti que aquele «alguém» era eu e que ela me pedia ajuda para resolver o enigma final. Seguindo
esse pressentimento sugeri que terminasse o sonho, sob hipnose. Pedi-lhe que fechasse os olhos, se
concentrasse na sua respiração e se relaxasse. Alguns segundos depois, não estando ainda num transe
muito profundo, disse: «A palavra `assassínio' surgiu-me no espírito. Não tenho a certeza se foi consciente
ou não.» Torcendo as mãos, acrescentou: «Vermelho, faca, caracóis, camisa de noite de menina, uma
quinta.» E depois: «'festa' veio-me ao espírito». Estava a penetrar numa vida passada. Não lhe tinha dado
quaisquer sugestões para andar para trás no tempo — não contei para que retrocedesse. Tinha ido sozinha.
Isto era excepcional — e importante! Perguntei-lhe onde estava:
E. — Acabei ... acabei agora mesmo de jantar e ah ... estamos a dar banho aos miúdos e ... Estamos
a demorar tanto tempo! [Impaciente.]
Dr.ª F. — Parece-lhe que estão a demorar muito tempo?
E. —Hum-humm. Ela está sempre à procura de coisas: «Lava o cabelo deles outra vez, lava-lhes as
orelhas outra vez, lava o ...» ... sempre ah! Ela está preocupada e nervosa e está sempre à procura de
coisas para continuar. [Tornando-se ainda mais aborrecida.]
Dr.ª F. —Que acha disso?
E. — Só quero acabar, de uma vez para sempre!
E. — O mais velho dez ... e uma rapariga de seis e o bebé. E uma rapariga e o mais velho é um
rapaz.
Dr.ª F. — Qual é o seu nome?
E. — Sarah? ... Sim, Sarah.
E. — Estou a arranjar-me para ir a algum sítio ... hmm ... e ah ... ela não quer ir.
E. —É isso ... talvez seja por isso que o ambiente está tenso. Ah ... há zanga aqui e nós tivemos uma
discussão, ou coisa parecida, é isso ... estou muito zangada para pensar ... mas ... ela está a ser tola e está
a ser parva ... e ah ... estou mesmo cheia dela. Passa a vida sentada a choramingar e a queixar-se de que
nunca vai a lado nenhum. Ela nunca faz nada e ... e ah ... ela não quer que eu faça nada também.
Dr.ª F. —Não quer sair, é isso?
E. —Hum-humm.
E. — Trabalha numa ... numa quinta vizinha, mas não é a quinta mais próxima. É longe e ah ... e nós
temos um terreno pequeno e, para ganhar dinheiro, ele emprega-se fora ... é o tempo da colheita e ele
empregou-se.
Dr.ª F. — O casamento deles é feliz?
E. — Nem sequer há um entendimento. Estão casados e é tudo.
E. —É apenas uma festa ... espere um minuto, não é só uma festa, que é?
Dr.ª F. — Quando eu contar até três, você saberá. Um ... dois ... três. Que lhe vem à cabeça?
E. [Sorrindo.] — Oh! Amigos nossos casaram, voltam hoje da lua-de-mel e vão mudar-se para a sua
nova casa e ... e nós fomos convidadas ... e eles disseram para levarmos as crianças, elas podiam dormir lá
em cima ... e eles gostariam que fôssemos ambas.
Dr.ª F. — Haverá outras pessoas na festa?
E. — Sim. É ... é uma cidade pequena e toda a gente se conhece e ... estarão lá outras crianças e
eles vão pôr colchões no chão, lá em cima, e todas as crianças dormirão ali. E ela não quer ir. [Sarcástica.]
Mas continua a dizer que nunca vai a lado nenhum.
Dr.ª F. — Que acha ela a respeito da sua ida?
E. —Bom, ela diz que não quer que eu vá, mas ela só, ah ... ela nunca quer que eu vá. [Muito
irritada.] Ela está sempre sozinha ... infeliz, deprimida. Diz que teve um dia difícil e que só não quer ficar
sozinha.
Dr.ª F. —Na festa estará alguém que você queira ver? Alguém que você deseje ver?
E. [Parecendo procurar mentalmente.]
E. — Não. Surge o nome David, mas isso, ah ... Não há ninguém em especial, não.
Dr.ª F. — Avance alguns momentos no tempo e veja o que tem vestido e como se prepara para a
festa, quando eu chegar a três. Um ... dois ... três. Que lhe vem à cabeça?
E. — Oh, meu Deus. [Mordendo o lábio.]
E. — [Silêncio.]
E. — Estou a subir as escadas e vou para o meu quarto ... e eu ah ... eu só ... é só uma sensação
esquisita, é tudo ... é ... sabe como é, quando se têm sensações esquisitas ... acho que não devo ir ... acho
que não devo ir.
Dr.ª F. — Quando fala em «sensação esquisita», que quer dizer? Pretende dizer que tem alguns
pensamentos ou ... E. — [Interrompendo.] — Sim.
Dr.ª F. — Fale-me deles.
E.—Oh...
Dr.ª F. — Que lhe veio à cabeça?
E. — Bom, quando subi as escadas para o meu quarto ... ia a abrir a porta ... tive esta horrível
sensação de medo e ... e ... eu não devia ir. [Abanando repetidamente a cabeça.] Eu ... eu não devia ir ... é
isso ... e não consigo encontrar nenhum motivo para não ir.
Dr.ª F. — Tem essas sensações muitas vezes?
E. — Não. Francamente não. Não. Hmmm ...
E. — Bom, é estúpido. É ... é só uma sensação ... ela ... talvez seja por saber que ela não quer que
eu vá ... tem andado atrás de mim toda a semana para eu não ir ... e é um ... tem andado sempre atrás de
mim e ... e eu não consigo encontrar um único motivo para não ir.
Dr.ª F. — Agora avance no tempo e, quando eu chegar a cinco, ver-se-á a vestir-se. Um ... dois ...
três ... quatro ... cinco. Que lhe vem à cabeça?
E. — Todas as crianças estão no meu quarto e brincam em cima da cama ... estão a observar-me
enquanto me visto e todas estão contentes ... eles gostariam de ir ... ah. [A sua voz suavizou-se.] Levá-las
ia. Eu devia levá-las. Ela está a ser pouco razoável. Estou ... estou a acabar de me vestir.
Dr.ª F. — Diga-me o que está a fazer.
E. — Bom, estou ... estou a vestir o meu corpete e John, o mais velho, está a apertá-lo, ele diverte-se
muito com isso. [Sorri.] Ah ... vamos ver ... agora vou arranjar o meu cabelo e ... acabar de me vestir.
Dr.ª F. — Que decide acerca das crianças? Vou contar até três. Um ... dois ... três.
E. — Bom, acho ... acho que gostaria de os levar ... eu ... eu ... eu vou lá baixo falar com ela acerca
disso. [Com determinação.] Eles divertir-se-ão, estarão lá outras crianças, nós vivemos tão longe da cidade
... que eles não os vêem muitas vezes ... e eu gostaria de os levar.
Dr.ª F. — Bom, agora, quando eu contar até três, ver-se-á a falar com a sua cunhada. Um ... dois ...
três. Que lhe vem à cabeça?
E. — Ela está na cozinha ... anda muito atarefada porque está zangada. [Inspirando profundamente.]
Ah ... não, ela não quer que os miúdos vão ... e ela não quer que eu vá e ... não quer que ninguém vá. Não
sei porque está tão zangada. É tão negativa ... e não consegue dar-me um motivo. Só não quer que eles
vão ... e está a fazer isto apenas por maldade. Acabaram de tomar banho e estão prontos para ir para a
cama e isto e aquilo ... [Com aborrecimento.] E ah! ...não é justo!
Dr.ª F. — Gostaria que avançasse até ao momento de sair, quando eu contar até três. Um ... dois ...
três. Que vê?
E. — Estou cá fora ... cá fora no átrio da frente ... ah ... ah, é isso, David vai aparecer para me vir
buscar ... e ah ... ele vive na quinta mais próxima ... ainda estou a tentar convencê-la a ir ... [suspiro
profundo] ... e não me consigo libertar desta sensação de que não devia ir ... é uma despedida normal.
Dr.ª F. — Como é que David a leva? Onde é que a leva?
E. — Na carroça ... na carroça dele.
E. — Não, só nós. Ele está ... ele vive na quinta mais próxima e ah ... há lá só ele e o pai e eles
trabalham na quinta ... e o pai dele já tem bastante idade ... sempre fomos vizinhos.
Dr.ª F. — Agora avance até um acontecimento da festa, quando eu contar até três. Um ... dois ... três.
Que lhe vem à cabeça?
E. — Estamos na sala e toda a gente está aqui. E toda a gente está a divertir-se tanto ... é só ...
apenas um divertimento. Dança-se e canta-se.
Dr.ª F. —E você também se está a divertir?
E. — Sim ... sim. Sim. Sou a professora e conheço toda a gente ... e todos os miúdos ... todos os
miúdos se estão a divertir tanto e eu acho que lhes vou dar um trabalho sobre a festa, para fazerem.
Dr.ª F. — Bom. Agora gostaria que avançasse para o próximo acontecimento significativo, quando eu
contar até três. Um ... dois ... três. Que lhe vem à cabeça?
E. — Ainda estou na festa ... eu ... já está a ficar muito tarde e estamos a preparar-nos para sair,
agora. Deve ser meia-noite ou uma da manhã e ... estamos a chegar a casa. [Suspiro profundo.] Estou um
bocado preocupada por voltar a casa.
Dr.ª F. — Porquê?
E. — A sensação nunca desapareceu. Não devia ter vindo. Ela estava tão infeliz.
Dr.ª F. — Bom, vamos ver se acontece alguma coisa durante a viagem ... qualquer coisa que seja
importante que você saiba, quando eu contar até três. Um ... dois ... três. Que lhe vem à cabeça?
E. —Hmm ... David pediu-me que casasse com ele. Porque será que ele não é importante?
[Murmurando.]
Dr.ª F. — Que disse?
E. — Ele não é importante. Eu não o amo. Ele ... é um amigo e ... eu não quero casar com ele. Não
quero casar com ninguém. E, por causa disto, tivemos uma discussão. Também não me parece que ele me
ame. Quer apenas uma companhia. O pai é velho e ... só quer uma companhia.
Dr.ª F. — Que lhe diz?
E. — Digo-lhe isso mesmo. Não ... acho que não devemos casar só por casar ... e ele compreende.
Ele ... ele ... ele sentia-se apenas só ... e eu disse-lhe: «Seremos só amigos» ... é tudo. Foi um pensamento
surpreendente. Ele deve sentir-se muito sozinho.
Dr.ª F. — Agora avance até ao próximo acontecimento significativo, quando eu chegar a cinco. Um ...
dois ... três ... quatro ... cinco.
E. — Bom ... está bem. [Respirando rapidamente.] David foi para casa ... ouço pessoas a correr nos
bosques ... está escuro ... não há lua ... e eu subo o caminho para casa ... a porta da frente está aberta ...
está escuro lá dentro ... há uma boneca no chão. A boneca tem o cabelo encaracolado ... há um ... estou de
pé no ... numa espécie de sala de estar. Hum ... Não sei o que se passa a seguir. [Com voz assustada.] Há
as escadas. Não há velas. Não há luz. Devia haver uma vela junto ... na mesa junto à porta da frente e não
há vela ... está escuro, escuro ... e eu vou lá cima ... [Suspiro profundo.] e eu vou lá cima ... [Tremendo
violentamente.]
Dr.ª F. — Quando sobe as escadas, para onde vai?
E. — É a porta daquele sótão!
Dr.ª F. — Continue.
E. [Pausa longa.] — Só que não é o sótão, é o meu quarto. [Profundo suspiro, tremuras.] Bom.
[Corajosamente.] Eu vou ... vou 16, cima ... estou a subir as escadas ... e elas estão molhadas.
[Murmurando.] É ... é sangue. [Tremendo de novo.]
Dr.ª F. — Que pensa desse sangue?
E. [Cobrindo os olhos.] — Não penso nada ... eu ...
E. — Enjoo.
E. — Bom. Eu ... subo as escadas e ... a porta está fechada ... a porta está fechada. [Murmúrio.] Não
consigo abrir aquela porta. [Chorando.] Não consigo abrir aquela porta. [Trémula
suspirando.] Tenho de abrir aquela porta ... talvez dentro de um minuto. [Longa pausa.] Estou parada
em frente à porta ... Estou tão assustada ... não se ouve barulho nenhum! Sei que abri a porta. Porque não
a consigo abrir agora? [Agarrando-se aos braços da cadeira.]
Dr.ª F. — Vai ser capaz. Deu a si mesma um minuto e esse minuto ainda não passou. Inspire
profundamente, uma inspiração mesmo muito profunda.
E. [Som de inspirações profundas.] —Está bem ... bom ... [Cobrindo de novo os olhos.] Não posso!
Dr.ª F. — Pode sim. Já o fez. Pode fazê-lo de novo. E. — Sei o que está atrás daquela porta!
E. [Choramingando.] — Toda a gente ... naquela casa ... está esquartejada ... e não consigo olhar
E. — Estou cá em baixo.
E. — Estou só. [ com voz exausta.] Tenho de chegar à cidade, de qualquer maneira. Vivemos a cerca
de oito quilómetros da cidade.
Dr.ª F. — Quer sair? Não quer ficar nesse lugar com ...
E. — Não quero estar aqui. [Quase como uma criança.]
E. — Estou a vomitar ... por todo o lado ... estou apenas a tentar sair ... só queria não ter voltado para
casa e ... estou tão confusa e ah ... [Afundando-se mais na cadeira.]
Dr.ª F. — Viu alguém sair? Disse que ouviu alguém correr nos bosques.
E. — Ouvi-o sair a correr pela porta das traseiras e atravessar o bosque, quando vinha e ah ... não
havia mais ninguém aqui. Eu ... sei que ele nunca voltou ... e só sei quem era ... [Abanando a cabeça,
limpando os olhos.] Era o meu irmão.
Dr.ª F. — Que quer dizer com «ele nunca voltou»?
E. — Ele nunca voltou. Eles nunca mais o encontraram. Ele nunca voltou. [Grande suspiro.] E, ah ... é
tudo. Não sei mais nada.
Dr.ª F. — Porque faria ele uma coisa dessas?
E. [Longa pausa.]
Dr.ª F. — Que lhe vem à ideia?
E. — A única coisa que me vem à ideia é estar embriagado.
Dr.ª F. — E a seguir?
E. — A pé.
Dr.ª F. — A noite?
E. — Hum-humm.
Dr.ª F. — Há luar?
E. — Estou enjoada! Não estou assustada. Não há nada no mundo que me pudessem ter feito ... que
me magoasse mais que aquilo ... não queria ter de ir lá, dizer-lhes.
Dr.ª F. — É uma grande caminhada?
E. —Mão faz mal ... não tenho mais nada para fazer.
E. — Estou apenas a caminhar ... e ... estou só a caminho. [Chorando outra vez.]
Dr.ª F. — Agora vou contar de um até cinco e, quando chegar a cinco, estará na cidade. Um ... dois ...
três ... quatro ... cinco. Que faz agora?
E. — Vou para casa do xerife.
Dr.ª F. — Sim?
E. — Já, estou cá dentro. Só ... agora estou lá dentro e não consigo contar-lhe o que aconteceu.
Dr.ª F. — Que lhe diz ele?
E. — Bom, ele quer saber como é que eu fiquei cheia de sangue ... e ... eu digo-lhe: «Não posso
dizer-lhe; mas tem de ir à quinta ... e eu não posso ir consigo ... não posso voltar para lá.» Então chega a
mulher dele, leva-me lá para cima, limpa-me e mete-me na cama ... eles chamam um médico. [Suspirando.]
E, ah ... bebo um bocado de uísque e ela senta-se ao meu lado ... e ... o médico olha para mim e diz que eu
estou bem ... e então eu vou para a cama e morro ... não quero viver mais. [Fazendo uma profunda
inspiração.] Mas tem de ser. Tenho ... e ... então há uma investigação ... e perguntas.
Dr.ª F. — Quem faz a investigação? E. — O xerife.
E. — Sim. Pergunta ... bom, ele sabe que eu estava na cidade ... e ... naquela festa. De qualquer
modo, eles fazem perguntas e eu respondo às perguntas, digo-lhes tudo o que sei e tudo acaba ... e eu
saio.
Dr.ª F. — Fazem-lhe perguntas acerca do seu irmão? E. — Sim.
Dr.ª F. — Que dizem eles? Que perguntas lhe fazem? E. — Onde estava ele.
E. — Disse que, tanto quanto sabia, ele estava naquela outra quinta. [Grande suspiro.] Mas parece
que ele não estava lá. E é por isso que penso que foi ele. Não sabia quem saíra a correr ... honestamente,
não sabia quem era ... não podia dizer quem era.
Dr.ª F. — No entanto, quando viu aqueles corpos, passou-lhe pela cabeça que fora o seu irmão. Não
é verdade?
E. — Ele enfurece-se com tanta facilidade.
E. —Ë muito duro com os animais. Consegue arrasar um cavalo em cinco anos. É um homem
muitíssimo duro e não é muito compreensivo.
Dr.ª F. — Ele tinha alguma navalha?
E. — Oh, sim. Todos têm de ter uma navalha.
Dr.ª F. — Que aconteceu depois da investigação? Voltou alguma vez àquela quinta?
E. — Não!
Dr.ª F. — Aquilo teria acontecido, mesmo que tivesse ficado em casa. Seja realista.
E. — Bom ... podia assassinar-me do mesmo modo ... mas eu também podia ter-lhe acertado bem.
Dr.ª F. — A sua cunhada era uma mulher fraca?
E. — Sim. Eu era ... ah ... bastante mais alta do que ela é ... era. Eu não era matulona, mas era uma
rapariga forte, que toda a sua vida trabalhara numa quinta. Ela fora educada na cidade ... e além disso eu
sabia lidar com o meu irmão.
Dr.ª F. — Então, acha que, se estivesse lá, podia ter evitado o que aconteceu?
E. — Sim. Podia sair alguém ferido ... mas ninguém teria sido morto.
Dr.ª F. — Muito bem. Só lhe quero dizer isto: você não estava lá e não tem qualquer
responsabilidade. Agora tem de se sentir livre. Livre da culpa. Não tem motivos para ainda se sentir
culpada. Você não cometeu esses crimes.
E. — Sinto que os cometi.
Dr.ª F. — Bom, mas não é verdade. Você não cometeu esses crimes, e se estivesse lá. se o seu
irmão estivesse completamente fora de si, como devia estar para fazer essas coisas horríveis, tê-la-ia morto
também. Você seria mais uma morte. Era impossível impedir aquilo. Sabe a violência que foi necessária
para cortar aquelas cabeças e para destruir tudo. Ele não pararia. Tinha uma navalha e você não estava
armada. Não havia maneira ...
E. — Talvez ela ... tenha dito qualquer coisa que o tivesse posto fora de si ... Não sei. [Começa a
chorar de novo.]
Dr.ª F. — Nunca ninguém saberá. O que interessa é que você não podia ter evitado aquilo. Tudo o
que poderia ter acontecido era você ser morta também. Lá dentro de si sabe bem que são precisas uma
força e violência tremendas para cortar uma cabeça e para fazer as coisas que ele fez. E aqueles eram os
filhos dele. Se o seu amor pelos filhos não o obrigou a parar, de certeza que uma ordem ou os esforços da
irmã não o fariam parar também.
E. — Sei isso ... mas sinto-me tão responsável.
Dr.ª F. — Bom, não está agora na disposição de desistir desse sentimento de responsabilidade? E
não gostaria de saber também que, no momento em que ele atacou aquelas pessoas, a consciência delas
deixou o corpo e, portanto, a sua essência não ficou danificada?
E. — É assim que pensa?
Dr.ª F. —É assim. Acredito nisto. Está demonstrado que por vezes, quando as pessoas se encontram
num perigo extremo, a consciência deixa o corpo e, portanto, elas não são afectadas, nem mesmo sentem.
E. — Espero que seja verdade.
Dr.ª F. — Agora, Elizabeth, o seu irmão é alguém que conheça, nesta vida?
E. [Silêncio.]
Dr.ª F. — Quem é o seu irmão? Diga o que lhe vem à cabeça, quando eu contar até três. Um ... dois
... três.
E. — O meu pai.
Dr.ª F. —E quem é a sua cunhada? Ao contar até três. Um ... dois ... três.
E. — A minha mãe.
Dr.ª F. — Isto corresponde a alguma coisa que saiba acerca do seu pai?
E. — Eu, ah ... tenho muito cuidado com isso. Quando ele está nervoso afasto os meus filhos.
Dr.ª F. — Muito bem. Agora já sabe porquê. Todas as coisas se encaixam, não é? Quando se lembrar
disto, quando estiver em casa, vai sentir-se calma e relaxada. Ficará muito calma e relaxada. A partir de
agora, e até à próxima semana, receberá mais e mais visões desta regressão. Agora vou contar de dez até
zero, quero que volte a ser Elizabeth, que volte a ser você mesma, completamente. Traga consigo essas
recordações; é importante que faça isso. Hoje foi muito corajosa, quero dizer-lhe que a considero admirável,
por ter enfrentado aquilo. Teria sido fácil fugir. Dez ... nove ... oito ... sete ... seis ... cinco ... quatro ... três ...
dois ... um ... zero.
De volta ao presente, ainda profundamente hipnotizada, Elizabeth pôs a mão na cabeça e gemeu:
«Dói-me a cabeça.» (Não admira!) Dei-lhe sugestões hipnóticas que eliminaram a dor. Depois libertei-a do
transe.
Surpreendentemente sorriu-me. Devolvi-lhe o sorriso. Tínhamos realmente atravessado juntas uma
coisa importante. Senti-me muito próxima dela. Contou-me que sempre sentira receio do seu pai, o qual,
como soube mais tarde, bebia muito. Aludiu a um incidente no qual ele lhe batera. «... Mas não tenho forças
para falar nisso. Só quero enfiar-me na cama durante o resto da tarde.» Levantou-se e disse: «Bom, se for
isto, amanhã terei a prova.» «Que quer dizer?», perguntei. Ela explicou: «O meu marido e eu vamos a uma
peça a São Francisco. Por causa disso andei preocupada toda a semana.» Mesmo antes de sair pedi-lhe
que partilhasse a regressão com o marido — mas não com os filhos. Queria ter a certeza de que nenhum
bocado de tudo aquilo ficava reprimido de novo depois de ela sair, mesmo apesar de ela me ter dado a
impressão de ter aguentado bem. Então sugeri que fizesse uma lista de tudo o que na sua vida como Sarah
a tinha afectado — nesta vida.
Na sessão seguinte Elizabeth sorria abertamente, com uni alegre vestido indiano decotado.
Comentou, enquanto saía da sala de espera: «Sinto-me óptima!»
Elogiei-lhe o vestido. «Fui eu que o fiz — e estou a fazer outro. E sinto-me confortável, mesmo com
este decote», disse com um ar deliciado. Chamou a atenção para as pregas no fundo do vestido. Observei
que aquilo lhe devia ter dado muito trabalho.
Depois de se ter acomodado na cadeira olhou para mim durante alguns segundos, com uma cara
muito séria. Depois lançou-me um grande sorriso e disse com um alívio notório: «Deu resultado! Chris e eu
fomos àquele espectáculo a São Francisco. Diverti-me. E não me preocupei nada com as crianças. Quando
chegámos entrei directamente em casa, antes de pensar no que tinha feito.»
Ainda não tinha acabado de exprimir todo o meu contentamento por tudo aquilo quando ela me
interrompeu, ansiosa por continuar com as boas notícias. «Uma destas noites tive de ir buscar a minha filha.
Estava numa biblioteca próxima. Resolvi deixar os meus dois filhos sozinhos.» Fez uma pausa. «E assim
foi!» Deixou os filhos sozinhos cerca de meia hora, coisa que nunca tinha feito. Admitiu que eles lhe tinham
dito que estavam um bocadinho assustados. Comentei que, provavelmente, eles estavam a reagir por terem
sido demasiado protegidos durante tantos anos. Tive também a sensação de que, a um nível
subconsciente, eles podiam estar a sentir os efeitos daquele dia, provavelmente há mais de cem anos, em
que ela os deixara sós. Naquela altura fora fatal! Discutimos a possibilidade de Elizabeth lhes contar o que
soubera da vida que vivera com eles — e, de momento, decidimos contra essa revelação, por várias razões.
A terapeuta da sua filha mais velha estava fora, em viagem. E os seus dois filhos provavelmente também
iriam precisar de ajuda, quando a repressão sobre eles se atenuasse — essa seria a razão para lhes contar.
Podiam vir a mostrar-se ainda mais resistentes que a sua mãe, por causa da violência que tinham sofrido.
Não havia dúvida de que para eles seria ainda mais duro. Para eles teria de dispensar mais tempo do que
aquele que o meu horário actual permitia. Pensei nas minhas marcações; sabia que não teria tempo para
novos doentes, pelo menos nos próximos seis meses. Não, teríamos de esperar.
Elizabeth trouxera duas páginas de papel amarelo, cheias de notas — notas que desenhavam
cuidadosos paralelismos entre a vida de Sarah e a sua, e recheadas de conclusões e intuições.
Tinha também comentários acerca dos seus filhos e do modo como eles tinham sido afectados.
Começou a ler:
A minha primeira depressão grave começou quando planeámos sair da Califórnia. Gostava de viver
no Leste. Ainda me sinto atraída por ele. A depressão tornou-se muito profunda, quando finalmente
mudámos para a Pensilvânia. Estava muito longe e sentia que não podia ir a casa se precisassem de mim.
Não podia ajudar a minha mãe se ela necessitasse. Em criança eu era a protectora da minha mãe. Ainda
sou! Muitas vezes (já mais velha) batalhei com o meu pai, para ajudar a minha mãe. Ele assusta-me.
Receio-o e amo-o, ao mesmo tempo. Ele costumava dizer-me que eu era a única pessoa que o
compreendia. Isto acontecia nomeadamente depois de termos discussões violentas.
Parou, pousando as páginas no colo. «O meu pai sempre foi um alcoólico.» Os olhos encheram-se
lhe de lágrimas à medida que falava. «Tivemos algumas discussões violentas. A pior que recordo ocorreu
quando eu ainda era pequena. Devia ter onze anos — não, talvez treze — mais ou menos por essa altura.
Bom, o meu pai passara a noite fora. Foi de manhã. Eu ainda estava na cama. Começou com a minha mãe.
Humilhou-a. Depois fez ameaças. Eu apareci e disse-lhe que, se nos odiava tanto, o melhor era ir-se
embora! E nunca mais voltar! Berrei com ele. Isso chocou-o. Olhou para a porta. Depois saiu. Disse à minha
mãe que nunca mais o deixasse entrar de novo. Voltou alguns dias depois. Aterrorizou-nos. Destruiu a casa!
Partiu tudo! Depois foi-se embora — foi para outro estado.» Os seus punhos estavam cerrados quando
acrescentou entre dentes: «Ela recebeu-o outra vez!»
Sugeri que fechasse os olhos e se descontraísse durante alguns minutos. Dei-lhe algumas sugestões
calmantes e depois acordei-a de novo.
Pegou nas suas notas: «Vou falar-lhe das crianças», disse ela. Leu: ((Mark, com treze anos, tem uma
sensação desagradável quando se encontra sozinho, à noite, no andar de cima. Mesmo que lá esteja
alguém a dormir, continua a sentir que está só. As raparigas não suportam que se lhes aponte nada à
cabeça, especialmente à testa, entre os olhos.» Disse-lhe que isso é uma coisa normal. Quando uma
pessoa é gravemente ferida ou
morta, numa vida passada, com pancadas ou tiros na cabeça, descreve sempre o mesmo tipo de
sensação. Pedi-lhe para continuar a ler. «As minhas filhas conseguem 'ler' as disposições do meu pai.
Aprenderam a dizer-lhe as coisas. Mark é mais audaz — mas, mesmo assim, percebe perfeitamente as
susceptibilidades do meu pai. Não gostam de ficar sós. E eu nnuca os deixo com ele — nem durante um
minuto. Só esta semana percebi o porquê.»
Depois de ter pegado nas suas coisas para sair, sorriu, deu-me um grande abraço e disse: «Ainda
estou espantada por tudo ter sido tão simples!»
Na semana seguinte Elizabeth apareceu com um vestido muito colorido, reflectindo a sua disposição
amigável e alegre. A semana tinha decorrido excepcionalmente bem. Ela e a sua família tinham assistido a
um espectáculo aéreo, que apreciaram muito. Os seus pais tinham vindo passar o fim-de-semana com eles
para os acompanharem. «Qualquer coisa em mim mudou. Estudei o meu pai e a minha mãe, todo o fim-de
semana. Já não sou filha deles. Pelo menos no mesmo sentido de antigamente», disse, franzindo a testa:
«Quem ficou mais chocada foi a minha mãe. Sempre foi a minha confidente. Contei-lhe a regressão. Não
acreditou que aquilo fosse verdade. Tentou impedir-me de falar no assunto. Disse-me: `Deixa isso em paz!'
Agora vejo como ela anda deprimida. Não posso esperar que ela compreenda. Agora não há aproximação
verdadeira. Parte da minha vida está fechada. Observei o meu pai. O seu maior prazer é criticar os outros.
Quando eu era pequena nunca fazíamos nada que fosse interessante — nunca íamos a paradas, nunca
saíamos. Não fazíamos nada! Passou todo o fim-de-semana a criticar quem fazia qualquer coisa.» Encheu
se de alegria quando anunciou: «É novo para mim! Até agora fazia com que a nossa vida seguisse as
passadas da minha. Foi muito traumatizante, para mim, compreender tudo isto. Agora já não tenho de me
encaixar em nenhum padrão. Mas, falando outra vez do espectáculo aéreo: diverti-me a valer! É triste.
Verifiquei que todos estes anos me reprimi constantemente.»
Perguntei-lhe: «Como se sente, quando pensa ou fala na regressão?» Sorriu de novo e respondeu:
«Já não fico tão perturbada com os pormenores assustadores.» Desviou os olhos por alguns momentos, em
profunda meditação. Depois disse: «Coisas que nunca tinham sido resolvidas começam agora a sê-lo. Sinto
isso. Estou mais satisfeita comigo mesma, como pessoa. As alterações são interiores, mas Chris nota que
ando
mais descontraída. Não o consigo descrever, é uma sensação dentro de mim mesma.»
Olhou para o relógio que estava em cima da pequena mesa de teca, perto da sua cadeira. Ainda
tínhamos vinte minutos. «Grava-me uma fita, para o peso?» Concordei e pu-la em transe. Pedi-lhe para se
ver com perto de 58 kg, o seu peso ideal. Depois fiz com que se visse em frente de um espelho de corpo
inteiro, com o seu peso ideal, apreciando, uma por uma, todas as partes do seu corpo elegante. Libertei-a
da hipnose, dei-lhe a fita e disse: «Espero que tenha uma boa semana.»
Pela terceira vez seguida, Elizabeth veio para a consulta de vestido; desta vez era um vestido
decotado, azul e branco, muito atraente. Usava também sandálias novas, brancas, e meias. Até o cabelo
parecia cortado e arranjado.
«Há em mim uma grande modificação. Fiz reservas para passar duas noites fora. E não sinto
ansiedade por causa da viagem. Pedi às crianças que arranjassem maneira de ficar com os seus amigos,
durante o fim-de-semana. Mas o que mais me surpreende é a minha atitude para com eles. A minha filha
mais velha ia fazer o seu papel de mártir e consegui impor-me. Não me zanguei, nem me preocupei.»
Sorrindo, obviamente muito satisfeita, disse: «É realmente fantástico! Não consigo esquecer como foi fácil a
modificação da minha atitude em relação a eles. Já não sinto culpa. Foi tão simples! Sinto-me com controlo.
Antigamente, estes meninos podiam manipular-me, no verdadeiro sentido. Eu estava sempre cansada, por
tentar constantemente acalmar a dor de algum.» Disse que não se sentia mal por cometer erros — já não
ficava embaraçada. Acentuou isso com a seguinte frase: «Agora não faz mal cometer um erro! Não há
razões para que eu não possa cometer um erro!»
Mudando de assunto, discutiu a sua vida sexual, que também tinha melhorado muito. Então notou:
«Sabe, antes de os miúdos nascerem, apreciávamos o sexo. Não sou sexualmente inibida. Apenas não
conseguia ficar descontraída. Estava sempre atenta às crianças.» Com um sorriso acrescentou: «Esta
viagem vai ser uma lua-de-mel de dois dias!»
«Oh, imagine! Perdi três quilos numa semana!», anunciou. De pé, pronta para sair, junto à minha
secretária, reflectiu: «Sabe, a primeira semana após a regressão fiquei completamente aparvalhada. As
minhas emoções eram totalmente diferentes. Pela primeira vez na minha vida tive controlo. A minha
personalidade é a mesma, mas a minha atitude é diferente.»
Passaram-se quase seis meses desde a minha primeira sessão com Elizabeth. O trabalho com ela foi
exigente, excitante, cheio de expectativa e extremamente compensador para mim. Gostei muito de ver — e
de ajudar — o seu drama a desanuviar-se. Fiquei também a gostar muito dela. Um dia senti-me maravilhada
por saber que tinha cancelado as suas consultas por um mês. Planeava oferecer a si mesma uma semana
no Havai e passar as três semanas restantes com Chris, tirando umas «mini férias». Continuaremos a
trabalhar juntas, até que esteja liberta de medos e ansiedades irracionais e se sinta totalmente satisfeita
consigo própria. Isto, para mim, é uma operação de «retoque». O pior já passou.
CAPÍTULO V - «NO BARCO, TODOS ESTÃO ESFOMEADOS»
A cara de William estava tensa e corada quando, cuidadosamente, se instalou na cadeira reclinável,
na minha frente. O seu problema era óbvio: obesidade — quarenta e cinco quilos a mais. Os seus 110 kg
eram bem visíveis porque, na sua estatura de 1,64 m, não havia muito espaço para os esconder. Apesar do
seu peso era um homem atraente, com cerca de trinta anos. Usava uma barba bem cuidada, patilhas, e
tinha um ar aprumado.
Falava num tom desprendido; a sua voz tornou-se sibilante quando me disse: «Fui gordo em bebé e
continuei a ser um miúdo gordo, até ao quinto ano. Nessa altura comecei a crescer e atingi a minha altura
actual — isso ajudou um bocado.» Durante alguns anos tivera um peso apenas ligeiramente superior ao
normal. Depois, os quilos começaram a acumular-se. Pesava perto de 90 kg quando entrou para a
universidade, aos dezoito anos. O facto de ser o único com excesso de peso, numa família muito consciente
dos problemas da gordura, levou-o a suspeitar. «As dietas começaram a fazer parte da minha vida — mas,
cumpri-las tem sido absolutamente impossível.» Acrescentou: «Dou comigo a comer coisas que detesto e
numa noite olho para o frigorífico pelo menos dez vezes. Travo uma luta terrível para não ceder.»
Algumas semanas antes do nosso primeiro encontro, William começara uma nova dieta de calorias e
estava a dar-se bem com ela. «Baixar dos noventa quilos é o verdadeiro desafio porque, durante anos, fui
incapaz de pesar menos de noventa e dois quilos, apesar de tudo o que fiz: injecções, pílulas, Weight
Watchers e todas as dietas.» Tal como a maior parte dos meus doentes obesos, era um perito em toda a
gama de dietas.
Enquanto William continuava a contar-me porque tinha procurado auxílio, soube que tivera um monte
de alergias e que era asmático de nascença. Fizera os testes normais e estava
sob medicação, para controlar as suas reacções. Era sensível às penas de galinha e a pêlos de gato,
bem como ao pêlo de outros animais domésticos. Enumerou uma longa lista de alergénios, mas observou:
«Nunca tive a mais pequena alergia ao pêlo dos animais selvagens. Não é estranho?» Perguntei a mim
mesma se as suas alergias não poderiam estar relacionadas com alguma coisa que em tempos lhe tivesse
acontecido. Nesse caso, pela hipnoterapia ele poderia ganhar muito mais do que imaginava. Decidi esperar
para ver e não partilhar com ele o meu pressentimento. Não podia arriscar-me a dar-lhe a sugestão e não
queria desapontá-lo, no caso de o meu pressentimento não dar certo.
Terminamos a sessão depois de eu lhe ensinar a autohipnose e de lhe gravar uma fita para praticar
em casa. Combinámos uma consulta para a semana seguinte. Partiu dizendo: «Prometi a mim mesmo que
desta vez vou cumprir, até ficar com 64 kg.»
Na semana seguinte William anunciou que tinha ouvido a fita da autohipnose diligentemente, várias
vezes por dia. «Sinto-me realmente muito mais relaxado. Tenho a certeza de que a minha tensão arterial
também baixou um bocado. Parece que, à medida que a ouço, me descontraio cada vez mais
profundamente. Isto é normal?» Acenei e disse: «É exactamente isso que pretendemos. Em breve, sem a
gravação, será capaz de fechar os olhos e dizer a si próprio: 'Relaxa-te, William'; então, ficará
profundamente hipnotizado. Nessa altura poderá dar a si próprio qualquer tipo de sugestão importante no
momento — tanto em relação ao seu peso, como para se relaxar antes de fazer uma conferência ou em
caso de dor. Mas falaremos acerca disso mais tarde. Hoje temos trabalho a fazer.»
William caiu num transe profundo logo que comecei a indução. Inquiri-o acerca da sua obesidade. O
seu subconsciente indicou, pelos sinais de dedos, que o problema de peso tinha raízes subconscientes.
Uma delas estava ligada ao seu traumatizante nascimento. Dei-lhe sugestões para «retroceder aos minutos
anteriores ao nascimento. Quando contar até cinco, reviverá essa experiência. Um ... dois ... três ... quatro
... cinco». Ele fez uma careta. O seu corpo contorceu-se na cadeira. «A minha cabeça! ... está a ser
espremida. Sinto-me a ser esmagado ... Oh ... o meu peito! Oh! ... Ouço gritos ... é a minha mãe ... Oh, não
... a minha mãe está a gritar.» Depois de ter «nascido» relaxou-se. Ajudei-o a compreender que não era
culpado das dores da sua mãe e sugeri-lhe que se libertasse da culpa que carregava consigo. Depois
trouxe-o de volta ao presente, mantendo-o profundamente relaxado. Fiz-lhe perguntas sobre o outro
acontecimento. O seu subconsciente, lentamente, revelou que era uma ocorrência de uma vida passada.
Mas esta semana ele não estava preparado para mais experiências. Dei-lhe sugestões para que se
preparasse, a nível subconsciente, durante o intervalo entre as consultas. O seu dedo do «sim» levantou-se
hesitante, indicando a cooperação do seu subconsciente.
Na semana seguinte fiz William retroceder até «um acontecimento particularmente significativo do
passado», que estivesse relacionado com o seu problema de peso. O seu corpo começou a tremer. A voz
era tão fraca que tive de fazer um esforço para o ouvir.
W. — Tem estado muito calmo ... não há vento ... não há comida suficiente. No barco, todos estão
esfomeados ... talvez até doentes.
Dr.ª F. — Estão todos esfomeados e doentes?
W. — Sim ... é escorbuto.
W. — Temos alguma comida, mas não passa de um bocadinho de papas de cereais ou coisa
parecida.
Dr.ª F. —Mas não é suficiente?
W. — Não.
W. —Sim... Não sei quantos quilos perdi, mas os meus braços e costelas estão escanzelados ...
estamos esfomeados.
Dr.ª F. — Está preocupado consigo?
W. — Sim ... Acho que nunca soube quanto pesei.
W. — Sim.
W. — Isto parece o interior das instalações da tripulação, o castelo da proa ... e há pessoas em
liteiras e ... toda a gente está ali.
Dr.ª F. — Como se sente?
W. — Estou doente ... e os olhos deles estão encovados.
W.— Sally
Dr.ª F. — Sally? Tem mais algum nome?
W. —Tem.
Dr.ª F. — Qual é?
W. — Não sei.
W. — Da América.
W. — Nova Inglaterra.
W. — Bedford, Massachusetts.
W. — Tom.
W. — Jones.
W. — Pouco mais.
Dr.ª F. —É casado?
W. —Jean.
W. [Baixando a voz.] — Acho que peguei numa coisa que não devia.
os oficiais.
W. — [Respirando rapidamente.]
Dr.ª F. — Mantenha-se calmo e relaxado. Não é preciso enervar-se. Como se sente agora?
W. — Um bocado assustado.
W. — Esgueirei-me lá para dentro e peguei nela, quando não estava lá ninguém ... e levei-a para a
proa do barco ... tenho a certeza de que a matei, mas não sei como o fiz.
Dr.ª F. — Veja-se no momento em que a matava.
W. [Pausa longa.] — Torci-lhe o pescoço.
W. — Depenei-a ... e abri-a com os meus dedos e ... é horrível... o cheiro das entranhas. [Fazendo
uma careta.] Tenho vontade de vomitar ... por fim cozinhei-a.
Dr.ª F. — Como conseguiu cozinhá-la?
W. — Eu ... não ... sei.
W. —Bem. [Sorrindo.]
Dr.ª F. — Agora vamos avançar para o próximo acontecimento importante. Um ... dois ... três.
[Pausa.] Que aconteceu?
W. [Evasivamente.] — Fui castigado.
Dr.ª F. — Apanharam-no?
W. — Sim.
W. — Um dos oficiais.
W. — Dizem que me vão bater ... vou apanhar chicotadas [A sua voz está imersa num enorme terror.]
Dr.ª F. — Fique calmo e relaxado, quando eu chegar a três. Um ... dois ... três. Quando fizeram eles
isso?
W. — Algum tempo depois ... no dia seguinte, muito cedo.
Decorreram muitos minutos, durante os quais lhe dei sugestões apaziguadoras, até William se sentir
suficientemente relaxado para continuar. Trouxe-o de volta ao presente, para que ele pudesse compreender
o que lhe tinha acontecido. Tremeu ao relembrar o trauma da escapadela até à zona dos oficiais, para
conseguir a sua refeição. Com uma voz espantada encaixou as peças do quebra-cabeças — a
reminiscência da fome, que o tinha assombrado todos estes anos.
Libertei-o do transe. Abanou a cabeça, espantado. «É verdade que vivi outra vida? Não estou muito
certo da possibilidade de existência de outras vidas.» E explicou: «Mesmo apesar de ter dúvidas sobre tudo
isto, gabo-me de ter um espírito aberto. Isto terá de ser mais aprofundado.»
Quando veio para a consulta, na semana seguinte, anunciou: «Descobri uma coisa espantosa, esta
semana! A minha mulher e eu estávamos a jantar num restaurante. E, pela primeira vez na minha vida,
mandei vir uma coisa de que gostava — e não o prato mais abundante! Todos estes anos andei a comer
como se andasse sempre esfomeado!» Falou também do seu fascínio por barcos, especialmente naufrágios
e história. (Sob hipnose, noutra ocasião, revelou que fora marinheiro em três vidas diferentes.) Durante a
semana teve uma visão. O incidente que recordara durante a sua regressão como Tom ocorrera enquanto o
Sally May estava parado no mar, à espera de barcos britânicos, alguns anos depois da Guerra da
Independência. Depois de estudar alguns livros de história, descobriu que aquele tipo de táctica não era
raro, mesmo após 1776.
Sob hipnose, o seu subconsciente revelou que ele tinha andado no mar durante a maior parte dessa
vida e que tinha chegado a velho. Apesar de nunca mais ter passado fome, ficara com uma marca indelével
— que se mantivera durante quase duzentos anos.
Noutra das nossas sessões hipnanalíticas, o subconsciente de William revelou-nos que algumas das
suas alergias eram devidas a experiências emocionais (bem como a intolerâncias físicas a certos alimentos)
da sua vida actual, enquanto outras tinham as suas origens em vidas anteriores.
Ainda em transe profundo, fi-lo retroceder até à vida responsável pela alergia a pêlo de gato.
Encontramos Tom Jones, de novo:
W. — Duas coisas ... eu estava a comer a galinha ... e o gato encontrou-me. Também queria e eu não
lhe dei. Mandei-lhe um pontapé e ele começou a miar muito alto ... e vieram as pessoas e encontraram-me
com a galinha. [Começando a respirar com um ruído ligeiramente sibilante.]
Dr.ª F. — Foi então por causa do gato que o descobriram com a galinha?
W. — Sim ... eu não queria que me descobrissem. [Respirando rapidamente.]
Dr.ª F. —E o facto de ter sido descoberto provocou-lhe grande ansiedade, não foi?
1
W. — O chicote das nove pontas .
W. [O seu corpo contorce-se violenta e repetidamente] — Trinta vezes e tinha umas esferas
pequenas nas pontas ... elas enfiavam-se na carne ... [arfando] ... e depois tudo acabou, eles põem-me
água do mar nas feridas. [Exausto.]
Dr.ª F. — Como se sente agora?
W. [Tremendo.] — Amedrontado. Dr.ª F. — De que tem medo? W. — Dor.
Dr.ª F. — A dor já passou, já não precisa de ter medo. Mantenha-se calmo e relaxado. Quando eu
chegar a cinco ficará muito calmo e relaxado. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco.
Uma verificação dos seus sinais de dedos demonstrou que toda a sua alergia a penas de galinha se
originara no medo que sentiu quando caçou a galinha e no nojo que teve quando a depenou e a estripou.
Todos os dias, desde a nossa primeira sessão, William assentava meticulosamente, num gráfico, o
seu peso. Costumávamos analisar esse gráfico, logo que nos encontrávamos. A linha do peso descrevia
uma curva descendente, cheia de lutas. William perdia peso continuamente, a uma taxa de cerca de 1,5 kg,
por semana. O seu gráfico reflectia esta diminuição e, finalmente, atingiu os noventa quilos. Nessa altura
aconteceu uma coisa curiosa — apanhou o hábito incrível de comer chocolate! Tornou-se tão forte que
todos os dias como que puxado por um íman, se via a entrar em confeitarias, onde se sentia obrigado a
comprar várias barras de chocolate. «Consigo resistir a todas as outras coisas, mas isto está a estragar a
minha dieta de 800 calorias/dia.» Sentia culpa, ódio por si mesmo, e fazia as promessas normais que,
quase invariavelmente, se seguem a estas transgressões. «Mas não consigo parar. Os chocolates são
absolutamente irresistíveis — e, claro, um só nunca é suficiente.» Decidimos fazer qualquer coisa acerca
disso.
Sob hipnose perguntei ao seu subconsciente se, ao seu nível, havia alguma coisa responsável por
esta mania. O seu dedo do «sim» levantou-se lentamente. «O acontecimento que está relacionado com isto
passou-se nesta vida?» Desta vez respondeu o seu dedo do «não». Fi-lo retroceder «para um
1
Em inglês, cat-o-nine-tails (gato das nove caudas). (N. da T.)
acontecimento ocorrido há muito tempo e que esteja relacionado com o seu desejo de chocolate».
W. — Bom ... à minha volta está tudo escuro. Parece que não consigo ver nada.
W. [Tristemente.] —Está frio ... está escuro e frio. Dr.ª F. — Que faz?
W. — Estou ao ar livre. Está a nevar e acho ... acho que há rochas e árvores, principalmente rochas e
uma espécie de gruta na rocha, ou coisa parecida ... e está a nevar e está frio.
Dr.ª F. — Veja se descobre quem é. Saberá o seu nome e tudo o mais a seu respeito.
W. — Estava a caçar ... e perdi-me e acho que vou ficar congelado! Não sei qual é o meu nome.
[Com voz muito rouca e a tremer.]
Dr.ª F. — Quando chegar a três saberá. Um ... dois ... três.
W. — Fred.
Dr.ª F. — Fred, você perdeu-se ... estava a caçar e perdeu-se, foi isso?
W. — Sim.
W. — Um dia inteiro ... Comecei de manhã, planeava acabar à tardinha e perdi-me; e é noite.
[Totalmente espantado.]
Dr.ª F. — Onde está? Qual é o país ou o estado?
W. — Estou ... Parece-me que são os Estados Unidos ... estou a caçar veados.
W. — Parece-me que não vivo muito perto ... talvez a uns trinta quilómetros.
W. — Estava ... andava sozinho ... eu ... não sei, de repente, as coisas pareceram-me estranhas e
perdi-me. Não sei como ...
Dr.ª F. — Qual é o nome da terra onde vive?
W. — Idaho.
W. — Uma Stevens.
W. — Sim.
W. — Grito-lhe.
W. — É o dia seguinte.
W. — Tem cerca de ... um metro e sessenta e sete e uma estatura normal ... e usa roupas grossas,
por causa do Inverno ... tem uma espingarda ... tem um cachecol e ... a sua barba gelou e ficou com uma
espécie de suíças, por causa do frio, e ... tem um chapéu atado à volta das orelhas.
Dr.ª F. — E depois, que acontece?
W. — Então ele ... diz que me vai levar para a cidade e que a partir daí eu consigo descobrir o
caminho. Não sei porque estou perdido. Não me devia ter perdido. Devia conhecer bem esta zona!
Dr.ª F. — Monta no cavalo dele?
W. —Sim.
W. — Tenho dores, porque estou rígido, por causa do frio. Mas, pelo menos, sei que não vou ficar
com gangrena.
Dr.ª F. — Sabe que não vai ficar com gangrena?
W. — Tenho dores e isso quer dizer que não vou ficar com gangrena.
Dr.ª F. — Muito bem. Avance até ao próximo acontecimento significativo. Um ... dois ... três.
W. — ... Regresso à minha cabana e sinto-me tão bem por estar de volta ... é tão estranho, porque eu
conheço ... conheço a zona. Não me podia ter perdido. Vivo aqui há anos, o que me aconteceu foi estranho.
É bom ... tudo voltou ... aos seus lugares.
Dr.ª F. — Qual é a primeira coisa que faz quando volta à sua cabana?
W. — Procuro alguma coisa para comer; e tudo o que tenho é um pouco de farinha e feijões. Ainda
não arranjei carne de veado e tenho de sair para caçar outra vez, porque tenho de conseguir carne. [Voz
cheia de tristeza.]
Dr.ª F. — Comeu alguma coisa, na cidade?
W. — Sim ... [Sorrindo.] Tomei uma taça de chocolate quente.
W. — Gosto. Quase nunca o arranjo, porque é difícil de conseguir ... deram-mo porque eu estava
meio gelado e fez-me bem.
Dr.ª F. — Quem lho deu?
W. — Alguém da cidade, uma pessoa simpática.
W. — Parece que tomei mais, não me consigo lembrar. Foi bom ... mas tenho de sair outra vez, para
caçar.
Quando acabamos de seguir William em outros acontecimentos da sua vida como Fred, a regressão
terminou e eu libertei-o da hipnose. Franziu a testa e disse: «Ainda estou espantado por me ter perdido.
Estava mesmo preocupado — e com frio!» Depois de alguns segundos, durante os quais esteve
mergulhado num silêncio pensativo, disse: «Agora já sei porque é que o chocolate foi tão importante na
minha vida.» Eu informei-o: «Estamos agora a atravessar a primeira época de frio, talvez isso tenha mexido,
de forma misteriosa e subconsciente, com o enregelamento de Fred.» Recordando o ano anterior, William
lembrou-se de que lhe tinha acontecido o mesmo: conseguira chegar aos noventa quilos e, durante o
período frio, deixou-se levar por uma atracção por chocolate, que destruiu a sua dieta — e a confiança em si
próprio. Era muito tarde para verificar (apenas por uma questão de curiosidade) se havia alguma coisa
estranha, tal como o facto de Fred pesar na altura exactamente noventa quilos. Um dia lá chegaremos. Mas
neste momento isso não é importante.
O subconsciente de William concordou finalmente estar na disposição de ele ir perdendo quilos em
«ziguezague» até atingir o seu objectivo de 64 kg. Decidimos não planear nada e ir trabalhando no que
cada dia surgisse, até ser atingido aquele objectivo. Ambos nos sentimos satisfeitos por William pesar agora
83 kg e também, por já conseguir resistir aos chocolates.
Um dia apareceu com um grande sorriso. «Os gatos têm uma língua realmente áspera! Deixei o gato
do meu vizinho lamber um bocado de manteiga que tinha na ponta do dedo. E até gostei. E o mais
importante é que consegui respirar.» E acrescentou: «Dantes começava a tremer e a respirar com
dificuldade sempre que um gato se aproximava de mim. Até agora ainda não encontrei nenhuma galinha.
Mas ainda continuo a pensar que são estúpidas!»
CAPÍTULO VI - «NÃO HÁ SEXO PARA UMA PESSOA COMO EU»
Quando me apresentei a Patricia, na sala de espera, deparei com uma mulher elegante e bonita, de
cerca de trinta anos, com um cabelo ondulado castanho-claro e uns olhos assustados, cor de avelã. Vestia
se com simplicidade, com uma blusa colorida e calças largas a condizer. Uma vez dentro do consultório,
sentou-se rigidamente na moderna cadeira reclinável — o que não é nada fácil! Agarrou-se aos braços da
cadeira e, com um enorme e evidente desconforto, contou-me, hesitante, porque viera à procura de ajuda.
«O meu marido, Mark e eu, estamos casados há oito anos. Namorámos durante três anos.» Corando e com
lágrimas nos olhos continuou. As palavras saíram-lhe lentamente. «E nunca tivemos relações sexuais.»
Acrescentou rapidamente que Mark estivera fora, em serviço, durante alguns desses anos de namoro. Com
uma ingenuidade surpreendente, Patricia disse: «Parece que falta qualquer coisa no nosso casamento.
Gostamos um do outro — durante algum tempo. Mas tem de haver mais qualquer coisa num
relacionamento.» A medida que desvendava a sua vida, confessou que se sentia «loucamente» ciumenta,
sem a menor razão. Continuando, revelou haver uma grande tensão no relacionamento e discussões que
quase terminavam na violência física.
A medida que falava, conservava-se quase tão tensa como nos primeiros momentos da nossa
sessão. A determinado ponto, disse: «Isto é um assassínio!» Imediatamente decidi ensinar-lhe a
autohipnose e deixei o resto da história para outra altura. Resolvi mostrar-lhe como podia relaxar
progressivamente o seu corpo, começando por fechar os olhos. Normalmente digo: «Deixe a descontracção
das suas pálpebras fechadas escorrer para a sua testa, como um liquido quente e relaxante.» Dei uma
olhadela às suas pálpebras muito contraídas e tomei rapidamente a decisão de evitar a palavra
«relaxamento», pelo menos inicialmente. Depois de se ter concentrado na respiração, durante vários
minutos, notei que, apesar de tudo, a tensão se começava a libertar lentamente. As suas mãos mantiveram
se apertadas entre os joelhos, durante os dez minutos daquela técnica de «relaxamento». No fim desses
dez minutos compreendi que iria ter um grande trabalho para ajudar Patricia no seu estranho problema.
Durante as duas visitas seguintes, utilizando a hipnose, tentei explorar as origens dos seus receios.
Apesar de ela usar duas vezes por dia, cheia de boa vontade, a fita de relaxamento que lhe tinha gravado,
não havia modificações nas suas defesas contra um transe mais profundo. Os seus dedos não se moviam
às minhas sugestões, portanto não podia usar as minhas técnicas normais. Quando lhe pedi que
respondesse verbalmente, não chegámos a lado nenhum. Nada do que ela dizia lançava qualquer luz sobre
o problema — pelo menos não era a suficiente para explicar a sua enorme ansiedade a respeito do sexo.
Marquei um encontro com Mark e, alguns dias depois, ele apareceu só. Era um homem bonito e
novo, com boa aparência; tinha pouco mais de trinta anos e estava vestido com muito cuidado, com cores
que condiziam com o seu belo cabelo castanho. No nosso primeiro encontro ainda aparentou maior
ansiedade que a sua mulher. Na realidade, a entrevista não poderia ter continuado sem o perturbar
injustamente. Então, antes de mais, ensinei-lhe o autorelaxamento, nos primeiros cinco minutos! Depois,
sorriu ligeiramente e todo o seu corpo se acomodou, hesitante, na cadeira. A sua cara continuou corada e a
voz tremeu, quando me falou da sua vida em conjunto.
«Nada dá resultado! Seja o que for que eu tente com Patricia, mais cedo ou mais tarde, e
normalmente bem depressa, ela recusa!» Sentia-se tremendamente frustrado e furioso. Disse: «Parece-me
que ela considera o sexo sujo! Para ela é embaraçoso ficar um tudo nada excitada — depois, desliga.»
Culpava-se a si próprio, pois tinha a sensação de que podia estar a proceder mal em algum aspecto. Tinha
tentado tudo o que conseguira imaginar, incluindo tentativas infrutíferas de a forçar.
Sentia que o seu casamento era bom, pois gostavam um do outro. Mas estava totalmente exasperado
por não conseguirem falar de sexo — «o nosso grande problema». Compreendia que devia ter procurado
`
ajuda mais cedo. Admitiu: «Eu era muito macho' para expor o problema a alguém e Patricia ficava
aterrorizada por falar de sexo com um terapeuta. Na verdade,
o médico dela teve de a empurrar para ela vir ter consigo, quando verificou como ela anda nervosa.»
Começaram a aparecer juntos às sessões. Semana após semana fizeram lentos progressos,
praticando várias tarefas que eu lhes indicava para os ajudar a apreciarem-se um ao outro. A princípio
apenas davam massagens um ao outro, com óleo, em frente ao fogo (Patricia não conseguia ficar
suficientemente descontraída, na cama), e tomavam duches em conjunto. Gradualmente, nos meses que se
seguiram, Patricia começou a gostar — só um bocadinho mais, sem sentir embaraço.
Contudo aparecia sempre o mesmo padrão. Cada semana, apesar das minhas instruções, a
«aproximação» só podia realizar-se aos sábados e domingos. Há anos que Patricia adormecia — «exausta»
— no sofá, depois de jantar, todas as noites que juntos viam televisão. Agora ambos perguntavam se,
nesses dias ela não estaria a evitar o sexo — e, nesse caso, porquê?
Um dia apareceram-me com um grande sorriso e, felizes, presentearam-me com um grande ramo de
crisântemos dourados. Soube imediatamente que tinham ganho a sua primeira vitória. Tinham tido relações
sexuais, pela primeira vez em onze anos! Sentámo-nos e eles contaram-me as boas notícias. Alguns
minutos depois, Mark imitou as caretas de Patricia durante o acto sexual e todos rimos com vontade. Ela
admitiu que tinha tomado uma decisão: «Agora ou nunca», e tentara descontrair-se o suficiente para
permitir a penetração. Estava tão tensa que o marido quase desistiu; mas, por fim, aconteceu.
Várias semanas mais tarde, depois de mais conselhos sexuais, pedi a Patricia que começasse a vir
para a hipnanálise.
Devido à sua confiança em mim e à calma geral, ela era agora facilmente hipnotizável. Mergulhou
prontamente num transe profundo e estabeleceu fortes sinais de dedos. Através desses sinais, o seu
subconsciente tornou claro que as causas do seu problema estavam profundamente escondidas do seu
consciente. As raízes não provinham desta vida, mas sim de vidas anteriores. Leváramos nove meses a
começar a compreender verdadeiramente as origens dos seus receios traumatizantes!
Fi-la retroceder a «um acontecimento muito antigo» relacionado com o seu problema. A sua voz
modificou-se consideravelmente, tornando-se muito segura e incisiva.
Dr.ª F. — Vê alguém?
Dr.ª F. — Agora repare em si; diga-me o que traz vestido e faça-me uma descrição de si própria.
P. — Sou muito alta. Sou elegante, estou bronzeada ... não gosto de estar aqui. Sinto ... está a
P. —Flores.
P. [Silêncio.]
Dr.ª F. — Bom. Gostaria que avançasse até ao momento em que ouça alguém a dirigir-se ao seu pai,
ao contar até três. Um ... dois ... três.
P. — Vejo homens e mulheres de pé. O meu pai está a falar com eles e eles estão a fazer vénias ... e
eu estou apenas ali de pé, a ouvir.
Dr.ª F. — Fala-lhes acerca de quê?
P. — Acho que é acerca de comida.
P. — Aborrecida.
Dr.ª F. — Ouça o nome que eles dão ao seu pai. Ouça esse nome a ser pronunciado.
P. — Hmm ... Estin, vem-me ao espírito. É um nome bonito. Gosto do nome dele.
P. — Vem a cavalo. [Lembrei-me de ter lido algures que os cavalos foram levados, pela primeira vez,
para as ilhas do Havai, por volta do princípio do século XIX.]
Dr.ª F. — Agora que se passa?
P. — Vejo-o chegar. Não sei porque o mandei vir. Não gosto dele a sério, mas preciso dele. Ele é ...
ele é muito bonito, mas tem-se em grande conta ... e não é suficientemente bom para mim.
Dr.ª F. — Já são amantes há muito tempo?
P. — Parece que sim. Penso que até há tempo de mais. Ele põe-me mesmo fora de mim. [Disse com
petulância.]
Dr.ª F. — Que a põe fora de si?
P. — É por causa ... interessa-se por outras mulheres, além de mim. [Pausa longa.]
P.— Estamos deitados na areia ... estamos a ter relações sexuais. Ele agrada-me verdadeiramente,
neste aspecto, mas não ... mas não sob outros aspectos.
Dr.ª F. — Gosta dessa sensação. Tome consciência do seu grau de resposta.
P. — Sou muito activa. Sempre fui, desde que me lembro.
P. — Acho que também houve outros. Sempre me pareceu que era bom.
Dr.ª F. —Sempre foi capaz de se exprimir completamente no campo sexual; é isso que pretende
dizer? É capaz de sentir orgasmos e tudo isso?
P. — Acho que sim. Tenho realmente muito prazer e Estin
P. — Com outros, sim ... com ele não. Ele ... ele é tão convencido. Ama-se a si próprio e não me ama
a mim. [Com um tom de voz casual.]
Dr.ª F. — Os outros, amaram-na?
P. — Sim ... mas eu não os amava. Nessa altura estava bem.
Dr.ª F. — Porquê?
P. — Porque ele só ... ele serve-se de mim e depois vai-se embora. Ele não fala comigo ... não me
conhece. Não gosta de mim em especial, mas gosta ... gosta do que fazemos, tal como eu. Quero que ele
me aprecie e que não seja só ... só sexo.
Dr.ª F. — Quer vê-lo outra vez?
P. — Sim e não. É sempre a mesma coisa ... assim não me sinto bem. Ele não me força. Eu é que lhe
peço.
Dr.ª F. — Mas não está satisfeita com a situação, pois não?
P. — Se eu não gostasse tanto de sexo, seria muito mais fácil, mas é tão bom ... especialmente com
ele.
Dr.ª F. — Ele é muito bom como amante?
P. —Sim. Muito bom. Nesse aspecto é muito meigo, mas nos outros ...
Dr.ª F. — Muito bem. Vou pedir ao seu subconsciente que escolha o próximo acontecimento
importante. Um ... dois ... três.
P. — Acho que vou deixar de lhe ligar. Isso vai ser para ele uma lição! Vai ser mesmo uma lição! Ele
não vai gostar, vai desejar-me, mas eu não precisarei mais dele, porque já não tenho necessidade disto.
Dar-lhe-ei uma lição!
Dr.ª F. — Acha que pode fazer isso? Pode desinteressar-se?
P. — Claro. Posso fazer tudo. [A sua voz estava cheia de confiança e arrogância.]
Dr.ª F. — Bom, agora gostaria que avançasse, para vermos se se desinteressou. Um ... dois ... três.
P. — Acho que sim. Ele veio outra vez, mais tarde. Bateu-me porque eu não queria estar com ele.
Mostrei-lhe ... pu-lo doido. Dr.ª F. — Que fez?
P. — Não quis ter relações sexuais com ele.
P. — Não me senti muito bem, mas ele também não se sentiu lá muito bem; portanto, tudo correu
bem.
Dr.ª F. — Agora gostaria que avançasse de novo, para outro acontecimento muito importante. Um ...
dois ... três. Que lhe está a acontecer?
P. — Estou sentada debaixo de uma palmeira ...
Dr.ª F. — Porquê?
P. — Oh! ... eu, hmmm ... já não gosto ... do sexo. Os outros não me dão prazer como o Estin.
Parecem ... eles não ... não há paixão. Ah ... eles são bons, mas, sabe ... não ... não é a mesma coisa.
Dr.ª F. — Não tem nenhum prazer; é isso que quer dizer?
P. — Não tenho muito. Tenho algum, mas não se compara ao que tinha com Estin.
P. — Não.
P. — Oh, sim ... porque já não sabe tão bem como quando era com ele.
P. — Ele deixou-me, não sei se saiu da ilha. Pode estar ainda aqui, não o tenho visto.
Dr.ª F. — E quando está com outros homens não tem prazer sexual?
P. — Não é ... não é o mesmo, não é a mesma sensação. É ... não é mesmo que com ele.
Dr.ª F. — Antes de o encontrar sentia prazer sexual com outros homens?
P. — Eu pensava que sim, mas depois ... quando tivemos relações sexuais ... compreendi o que tinha
perdido ... [Pausa longa.]
Dr.ª F. — Pode dizer-me mais qualquer coisa acerca de si própria, acerca do que sente?
P. [As palavras saiam lentamente.] — Oh! ... Ele partiu e isso faz-me sentir zangada ... e ...
aborrecida.
Dr.ª F. — Como decorre agora a sua vida? Como preenche os seus dias?
P. — Oh ... levanto-me ... como algumas frutas e ... vou nadar ... a água é boa para nadar e ... ando
por aí ... não ... não trabalho.
Dr.ª F. — Interessa-se por alguma coisa? Gosta de pintar, cantar ou tocar algum instrumento
musical?
P. — Não. Gosto de ... passear pelos ... montes e ... almoçar. Tenho ... tenho um tubo de madeira e
ele emite ... emite sons. Gosto disso. Vou sozinha e sento-me no monte e olho cá para baixo ... para a água.
Levei Estin para ali.
Dr.ª F. — Parece ser um belo lugar.
P. — Hum-humm.
P. — Hum-humm.
P. —Hmm ... os homens pescam todos os dias. Trazem-nos peixe, comida. As mulheres fazem ...
fazem a comida, com o peixe ... e o chefe está, hmmm ... está preocupado.
Dr.ª F. — Porque está ele preocupado?
P. — Parece que uma das outras ilhas vai ... entrar em guerra.
P. — Parece-me que tenho ... três irmãs. Elas são lorpas ... são lorpas, são ...
P. — É ... é só minha.
P. — Hmm ... acho que é para a comida ... e é ... o sol entra e está quente, é bom.
P. — Hum-humm.
P. — Vejo o meu pai, de pé, na praia ... com a sua ... com a sua ... grande barriga. [Ri baixinho.]
Dr.ª F. — Que acha da cena?
P. — Oh ... hmm. É divertida.
P. — Hmm...
P. — Não.
Dr.ª F. — Mas vive com o seu pai e com as suas três irmãs?
P. —Hum-humm.
P. —Hum-humm.
P. — Uns ... uns frutos e peixe e ... peixe esmagado com raízes.
Dr.ª F. — Bom, avance mais no tempo, até um acontecimento muito significativo. Um ... dois ... três.
P. [Pausa longa.] — Acho que estou ... a morrer ... sinto que fui tola, por ter feito o que fiz. [A voz é
pesada e triste.]
Dr.ª F. — Que fez?
P. — Isolei-me. Fiz ... fiz com que eu mesma deixasse de ter prazer e isso foi loucura da minha parte;
que posso fazer? Não posso ter prazer. Foi mesmo loucura da minha parte ... isso.
Dr.ª F. — Sente na realidade que fez uma má escolha, que cometeu um grande erro?
P. — Creio que sim.
P. — Não me parece ... não me parece que seja muito velha, mas ... estou a preparar-me para
morrer.
Dr.ª F. — Como sabe isso.
P. — Não sei.
P. — Sinto a falta de Estin. Já passaram ... já passaram muitos anos, desde a última vez que o vi ...
mas ainda lhe quero da mesma maneira. [Lágrimas enchiam os seus olhos.] Quem me dera não ter feito
aquilo. Tantos anos perdidos.
Dr.ª F. — Casou, teve filhos?
P. — Não, acho que não.
Dr.ª F. —E agora está doente? É por causa disso que está a morrer?
P. — Parece que está muita gente à minha volta. [Calmamente e baixinho.] Não sinto dores, mas sei
que vou morrer.
Dr.ª F. — Onde está? Está em sua casa ou ...?
P. — Estou ao ar livre. Acho que eles vão matar-me.
P. — Acho que sim. Acho que é ... acho que é um sacrifício. Acho que é isso e ... e não me importo.
Não me faz diferença nenhuma morrer.
Dr.ª F. — Como vão matá-la?
P. — Acho que me vão atirar para uma montanha. Para um vulcão? Não sei.
P. — Parece-me ... que me trouxeram numa plataforma, com o meu vestido azul e branco e penso
que me vão atirar.
Dr.ª F. —É um costume do sítio onde vive?
P. — Acho que é.
Dr.ª F. — Ao contar até três saberá exactamente onde está, quais são as razões desse costume e
sob que circunstâncias se escolhe a pessoa. Um ... dois ... três.
P. — Sou a filha do chefe e houve ... foi um ano mau para as colheitas, não há água e a única
maneira de apaziguar os deuses é ... é sacrificarem-me e eu sei isso.
Enquanto ainda se encontrava sob hipnose, concordei com Patricia que ela tinha cometido um erro
em «desligar» e dei-lhe sugestões para permitir a si mesma a recuperação da actividade sexual que
naquela vida tão naturalmente desfrutara. O seu subconsciente indicou concordância.
Saiu da hipnose e conversámos sobre a sua primeira experiência na pele de «outra pessoa».
Dr.ª F. — Sente que é uma pessoa muito diferente daquela que foi?
P. — Sim. Bem, sim e não. Sentia-me muito superior, sabe, mas ...
P. — Vi isso, sim. Sentia, «sou um 'eu' diferente». Eu não sou assim, sabe. Talvez seja, mas não sou.
[Rindo.] Tinha uma atitude desinteressada acerca dos outros amantes, quem se
importa? Não interessa o que eles sentiram por mim. Eu, sabe ... é de loucos!
Dr.ª F. — Sente que esteve muito envolvida emocionalmente com Estin, apesar de não haver um bom
relacionamento?
P. — Sentia-me apegada a ele, mas ele não sentia o mesmo por mim.
P. —Eu não gostava dele, mas de certo modo gostava. Eu estava ... talvez eu não gostasse dele, por
ele não gostar de mim, mas, a verdade, sabe, eu ... queria-o de verdade.
Dr.ª F. — Na verdade, você queria mais qualquer coisa dele. Então decidiu que não gostava dele,
quando na realidade isso não era verdade.
P. — Sim, penso que foi isso.
Dr.ª F. — Isso explica-lhe o que lhe aconteceu nesta vida? Faz sentido para si?
P. — Sim, faz. Na realidade explica porque não me consigo descontrair. É engraçado, por vezes,
nessas ocasiões, eu pensava: «Oh! Isto é só fantasia, sabe, estou a inventar toda esta estúpida coisa!»
Mas, nessas alturas, tinha uma espécie de visões, como cenas, que ...
Dr.ª F. —E na altura do sacrifício, estava lá em cima da montanha, quando fazia a descrição?
P. — Bom, quando comecei a descrição estava cá em baixo, porque só me conseguia ver deitada
numa laje, mas depois estava no cimo da montanha e acho que me atiraram.
Dr.ª Viu-se a ser atirada?
P. — Não.
Dr.ª F. — Não tinha medo?
P. — Não, nem um bocadinho. Era muito ... Sabe ... então?
P. — Pensei: «Quem me estará a fazer todas estas perguntas?» Senti-me muito superior e
incomodada.
Nos primeiros minutos do nosso encontro seguinte, Patricia deliciou-me com os pormenores das
reacções de Mark ao saber que a sua mulher tinha sido uma princesa havaiana. Primeiro sentiu um choque
enorme; depois não acreditou; e finalmente, intrigado, fez milhares de perguntas. Estin seria ele? «Não me
parece que sejas», respondeu Patricia. Mark ficou ciumento durante alguns momentos. Mas a reacção
sexual dela maravilhou-os a ambos. «Disse a Mark que me sentia tão sexy que quase nem acreditava em
mim mesma.» Notou no seu corpo
sensações mais fortes do que jamais sentira (nesta vida!). Quis fazer amor logo ali, mas Mark
aparecera com uma febre intestinal, por isso estava incapacitado por alguns dias. Depois ela própria teve a
mesma febre. Entre as sessões, apenas tinham feito amor uma vez. «Mas que mudança!», exclamou ela.
«Consegui sentir todas aquelas sensações maravilhosas que sentira como Alena — não tão fortes, mas
cem vezes melhor que dantes.» Era evidente que se sentia encorajada e a sua alegria era resplandecente.
Um momento depois, disse: «Aconteceu uma coisa estranha, compreendi que me sentia culpada.»
Fez contrastar esta sensação com os anteriores sentimentos de nojo, raiva e ansiedade, que experimentara
durante os primeiros anos do seu casamento. Agora, sentindo menor ansiedade, tinha a sensação de que
não estava a proceder bem — e, no entanto, sabia que não fazia nada de errado. Estava baralhada.
Hipnotizei-a e perguntei ao seu subconsciente se acontecera alguma coisa que lhe pudesse provocar
aquele sentimento de culpa. Alguns minutos depois viu-se «noutro lugar, noutra época e como outra
pessoa».
P. — Estou sentada debaixo de uma árvore ... acho que é uma macieira ... erva verde.
P. — Parece-me que tenho doze anos ... uso tranças e estou aqui sentada, no alto desta montanha ...
olhando ... lá para baixo, para o vale e para o verde ... é realmente luxuriante e bonito ... está frio ...gosto de
estar aqui.
Dr.ª F. — Gostava que me dissesse o que tem vestido e o que sabe acerca de si própria. Diga o seu
nome.
P. — Kim, vem-me à cabeça ... Kimberly Bjorg. Pele clara. Parece-me que uso um avental azul...
avental aos quadrados azuis. Estou sentada debaixo de uma macieira.
Dr.ª F. —Porque está aí, Kim?
P. — Porque é sossegado e aproveito um dia de Primavera. [Sorrindo.] É muito bonito cá fora.
Dr.ª F. — Onde vive, Kim?
P. — Lá em cima ... no cimo do monte.
P. — Hmm ... não é muito perto ... Vem-me ao espírito ... Knightstown.
P. — Hmm.
Dr.ª F. — Isso surgir-lhe-á quando eu contar até três. Um ... dois ... três.
P. — Mil oitocentos e qualquer coisa ... Mil oitocentos e vinte e cinco, veio-me à cabeça.
Dr.ª F. — Vou pedir ao seu subconsciente que avance até um momento muito significativo. Alguma
coisa que seja importante que você saiba. Um ... dois ... três.
P. —Ë George. Está a subir o monte. [Voz muito excitada.]
P. — Hum-humm.
P. — Mal. Ele vai ... vai querer ... fazer outra vez aquelas brincadeiras e eu ... não gosto nada daquilo,
mas ... ele gosta, sabe ... ele gosta delas.
Dr.ª F. — Pode falar-me dessas brincadeiras?
P. [Timidamente.] — Oh, não.
P. — Sim.
me disser, e não a julgo. Talvez ao saber isto seja mais fácil contar-me.
P. — Hum-humm.
Dr.ª F. — Há muito tempo que ele quer ter essas brincadeiras consigo?
P. — Dez anos.
ª
Dr. F. — Descreva o que se passa quando George se aproxima.
P. — Oh ... ele vem a subir o monte e pergunta-me se eu quero brincar, eu digo «Não» ... mas,
mesmo assim, brincamos.
Dr.ª F. — Já pode dizer-me mais qualquer coisa acerca disso?
P. — Oh, nós tocamo-nos um ao outro e ele faz barulhos esquisitos e ... eu ... eu ... eu gosto, mas ...
mas ... mas acho que não devia. [Baixa a voz para um murmúrio.]
Dr.ª F. — Que a faz pensar que não devia fazer isso?
P. — Bom, nós ... somos irmãos. Parece-me que não devíamos fazer coisas dessas, um com o outro.
Dr.ª F. — Alguém lhe disse isso?
P. — Eu ... ouvi. Sei.
P. — Oh ... sinto ... é muito bom, mas ... depois sinto-me mal.
P. — Eu sei ... ele convence-me a fazer isto, mas sei que não o devíamos fazer.
P. — Não, não!
Dr.ª F. — Ele já lhe sugeriu fazerem mais alguma coisa, além de se tocarem?
P. — Não.
Dr.ª F. — Bom, deixe essa recordação desaparecer e descreva apenas o que se passa.
P. — Oh, ele ... ele vai-se embora, vai a rir-se e eu estou aqui ... e penso que não sou muito esperta
... não me sinto muito bem.
Dr.ª F. — Quando diz que não se sente muito bem, pode explicar-me o que quer dizer isso, para si?
P. — Cá dentro ... não estou satisfeita comigo mesma.
Dr.ª F. — Agora, deixe essa recordação desaparecer e concentre-se de novo na sua respiração. Vou
pedir ao seu subconsciente que a leve para outro acontecimento muito importante. Um ... dois ...três.
P. — George está a casar-se. Agora não faremos mais aquelas brincadeiras ... e eu sinto-me mal,
mas vou sentir a falta delas. Quase sinto ciúmes da mulher dele.
Dr.ª F. — Acabou por aceitar e por gostar daquelas brincadeiras?
P. —Sim.
P. — Quinze.
P. — Vinte.
Dr.ª F. — Conte-me o que aconteceu nesses três anos, desde a época em que tinha doze anos e
estava sentada debaixo da macieira até agora, no que respeita aquelas brincadeiras.
P. — Bom, fizemos mais ... mais coisas além de nos tocarmos.
Dr.ª F. — Experimentar?
P. — Carícias.
Dr.ª F. [Lembrando-me que Patricia evitava o sexo durante os dias de semana.] — Fazem carícias
todos os dias?
P. — Não.
P. — Para a aldeia.
P. — Acho que ... ele traz madeira. Traz madeira cá para cima.
Dr.ª F. — A aldeia é muito longe, ele leva muito tempo a chegar lá?
P. — Horas.
Dr.ª F. — Então, quando vai para baixo, aos fins-de-semana, passa lá a noite?
P. —Sim.
P. — Oh ... sinto a falta dele ... mas, de certo modo, sinto-me aliviada, acho.
Dr.ª F. — Sei que as pessoas se podem sentir atraídas e podem gostar uma da outra, mesmo sendo
irmão e irmã.
P. — Mas isso não está certo.
Dr.ª F. — Os nossos corpos não sabem isso, só o nosso espírito, porque foi assim que nos
ensinaram, é assim que pensa a nossa sociedade. Compreende o que estou a dizer?
P. — Sim.
Dr.ª F. — Então vai contar-me mais coisas sobre o que fizeram juntos?
Dr.ª F. — Quando tinha relações sentia-se excitada, sentia alguma coisa parecida com o clímace?
P. [Pausa.]
P. —Sim.
P. — Oh, há cerca ... há uma semana, e então, ele disse que não podíamos fazer mais aquilo, porque
se ia casar.
Dr.ª F. — Que lhe respondeu?
P. — Disse «Está bem». Que podia eu dizer?
P. — Sim.
P. — Não.
Dr.ª F. — Agora gostaria que deixasse essa recordação desvanecer-se e que se concentrasse na sua
respiração; quero pedir ao seu subconsciente que avance para o próximo acontecimento importante, uma
coisa que precise de saber. Um ... dois ... três.
P. [Pausa.]
P. — Não sei.
Dr.ª F. — Vai tornar-se mais claro, quando eu chegar a três. Um ... dois ... três. Onde se encontra e
que se passa?
P. — Estou sentada à mesa da cozinha ... e a minha mãe e o meu pai estão a discutir.
P. — Sou eu.
P. — Estou ... estou grávida, vou ter um bebé. Não sou casada.
P. — Sim.
P. — Estão zangados, porque eu não sou casada ... mas eles não ... eles não sabem ... quem ... é o
pai.
Dr.ª F. — Não lhes disse?
P. — Não. Não posso. [Quase a chorar.]
P. —Sim.
P. — Não.
Dr.ª F. — Porquê?
P. — Sim.
P. — Ele não sabe ... que é dele. Goza-me. [Voz cheia de raiva.]
P. — Bom ... não o faço por essa razão ... por ele, faço-o por mim, estou tão envergonhada. Não seria
capaz de dizer a ninguém.
Dr.ª F. — Vou pedir ao seu subconsciente que a leve até ao próximo acontecimento importante,
quando eu contar até três. Um ... dois ... três.
P. [Pausa.]
Dr.ª F. — Que sente, Kim?
P. — Bom, não posso continuar aqui. [A sua voz era arrastada e resignada.]
P. — Porque não posso ficar aqui e ter este bebé. Acho ... acho que vou saltar, porque não posso ...
não posso ter este bebé! [Voz apavorada.]
Dr.ª F. — De onde vai saltar?
P. — Da montanha; depois ... depois tudo ficará resolvido.
P. — Não, mas tem de ser ... detesto-me pelo que fiz ... e não quero o bebé. Não me parece verdade.
Não ... não consigo enfrentar George. Não consigo enfrentar a mãe e o pai ... tenho de fazer qualquer coisa.
Sinto-me tão ... tão mal e vou ... será melhor. Pelo menos não terei ... de lhes explicar.
Dr.ª F. — Descreva o que faz a seguir.
P. [Pausa.]
P. [Pausa.]
P. — Saltei ... mas ainda estou ... ainda estou viva. Sinto-me a cair. Não ... hmmm.
P. [Pausa.]
Dr.ª F. — Que sente agora?
P. — Nada. Sinto-me a flutuar. Estou contente por tudo ter acabado.
Trouxe Patricia de volta ao presente e, sob hipnose, expliquei-lhe que havia a possibilidade de a sua
atracção sexual pelo irmão ter atingido o seu consciente, por causa de ter sido uma princesa havaiana na
encarnação anterior (encarnação que, provavelmente, terminara pouco antes da sua vida como Kim). Aos
membros da família real era permitida a manutenção de relações sexuais, uns com os outros;
possivelmente, ela transportara determinado grau dessa permissão para a vida seguinte, o que lhe permitira
ultrapassar o tabu contra o incesto.
Concordou rapidamente e a sua face e corpo relaxaram-se — a sua expressão denotava um alívio
imenso. Resolvi perguntar-lhe se George era alguém que conhecia nesta vida. Respondeu, lentamente, que
era Mark.
Na nossa sessão seguinte, Patricia sorria triunfante ao entrar no meu consultório. Logo que tirou o
casaco e se instalou na cadeira, disse: «Mark e eu estamos a apreciar verdadeiramente a companhia um do
outro.» Com uma torrente de palavras, exclamou: «Pela primeira vez tivemos relações sexuais durante a
semana — e eu gostei!» Num tom espantado, disse: «Sinto-me cada vez mais excitada, quando fazemos
amor.» Perguntei-lhe: «Ainda tem a sensação de culpa, da qual me falou da última vez?» «Desapareceu.
Não me sinto culpada. Sinto prazer puro e simples», respondeu, com um grande sorriso.
Como ainda não sentia o clímace, pu-la em transe e perguntei ao seu subconsciente se havia alguma
coisa que a impedia de gozar completamente o sexo. O seu dedo do «sim» levantou-se. O seu
subconsciente indicou novamente que precisávamos de investigar uma vida anterior. Sugeri que a levasse
para «um acontecimento, que é muito importante que você entenda — que está ligado à sua sexualidade».
Depois de eu contar até dez, ela encontrou-se, «de olhar perdido, com uma sensação de desânimo»,
parada, numa estrada poeirenta, em Larzo, uma cidade perto de Barcelona. Decorria o ano de 1901.
P. — Não há ... não há sexo, para uma pessoa como eu ... ninguém me quer. [A sua voz tremia com
emoção.]
Dr.ª F. — Porque diz isso?
P. — Veja. [Gesticulando.] Sou gorda. Quem quer tudo isto? Tenho regueifas a mais.
P. — Tia.
Dr.ª F. — Porque lhe chamam Tia? [Recordando das minhas aulas de espanhol que «tia» era a
palavra espanhola para «aunt» (tia).]
P. — É o que ... é como me chama o meu sobrinho. Oh, era engraçado e ... pegou.
P. — Margarita.
Dr.ª F. — É casada?
P. — Não.
P. — Bom, ninguém pensaria em ... nenhum homem pensaria e amar-me, assim não sou ... sendo
como sou, não estou disponível, isto é, sou gorda, ninguém pode ... ninguém tenta ... aproximar-se de mim
... e assim, dado que todos pensam do mesmo modo, assim não sofro.
Dr.ª F. — Já alguém a fez sofrer?
P. — Não.
Dr.ª F. — Quem?
P. — O meu pai deixou-a por causa de... de outra que era mais nova e bonita e riu-se dela, disse-lhe
que ela era gorda e feia e que já não a queria.
Dr.ª F. — Assistiu a isso?
P. —Sim.
P. —Sete.
Liberta do transe, Patricia abanou a cabeça, espantada. «Ah! Era eu também?», perguntou. «Ela
sentia que ninguém a queria — tinha tanto medo de sofrer.» Admitiu, que no fundo, tinha muitos daqueles
receios, mas, felizmente não eram tão vincados.
Na semana seguinte, Patricia declarou: «Quando Mark e eu temos relações, sinto cada vez maior
prazer. Estou mais descontraída e, por vezes, dou comigo com vontade de fazer amor. Antigamente nunca
sentia vontade.» Quando lhe fiz um inquérito mais cerrado revelou, num tom espantado e frustrado: «Agora
tenho consciência de que fico tensa. Sinto uma grande ansiedade, no momento em que Mark inicia a
penetração.» Acrescentou rapidamente: «Mas estou verdadeiramente feliz, porque o sexo está a tornar-se
agradável. Que mudança!»
Surgiu no meu espírito a imagem de uma cebola — mal tiramos uma casca, logo deparamos com
outra!
Tal como tínhamos previsto, sob hipnose, o subconsciente de Patricia indicou que havia uma outra
experiência, numa vida passada, que obstruía a livre expressão da sua sexualidade. Fi-la retroceder; lenta e
tristemente, disse:
P. —No Egipto.
Dr.ª F. — Porquê?
Dr.ª F. — Porquê?
P. — Não.
P. — Não sei.
Dr.ª F. — Quer dizer que vai para essa cidade e quando lá chegar vai ter de se desenvencilhar
sozinha?
P. — Hum-humm.
P. — Hmm ...
P. [Pausa.]
Dr.ª F. — Ocorreu-lhe alguma coisa?
P. — Não.
Dr.ª F. —Vou pedir-lhe para avançar no tempo, para a altura da chegada a essa cidade. Um ... dois ...
três.
P. — Estou ... estou na nova cidade. Sinto-me ... completamente só. Não sei para onde hei-de ir ...
estou ... perdida. [Tristemente.]
Dr.ª F. — Então, sente-se completamente só?
P. — Hum-humm.
P. — Não sei.
P. — Tenho sido ... tenho sido criada ... ah ... mas agora não sei ... o que irei fazer.
Dr.ª F. — Porque a mandaram embora? Disse que não podia ficar por causa da idade. É costume as
pessoas serem mandadas embora?
P. — Mas foi o que me disseram.
P. — Acho que o meu pai gostava de mais de mim e a minha mãe ... a minha mãe mandou-me
embora por causa disso.
Dr.ª F. — Diz que o seu pai gostava de mais de si. Pode falar-me mais acerca disso?
P. — Tinha uma amizade exagerada. A minha mãe ficou com muitos ciúmes.
P. — Bom, eu gostava do meu pai ... não pensei em nada de especial, mas a minha mãe pensou.
Dr.ª F. — Que lhe disse a sua mãe?
P. — Disse que eu era ... era demasiado bonita ... que o meu pai gostava mais de mim do que dela e
que eu tinha de partir.
Dr.ª F. — Que acha da atitude da sua mãe?
P. — Acho que ela não tinha razão, mas eu devia obedecer-lhe.
P. — Zat.
P. — Que é um «ano»?
P. [Pausa.]
Dr.ª F. — Se não sabe não faz mal. Diga-me o que traz vestido.
P. — É muito leve.
P. — Nada.
Dr.ª F. — O quê?
P. — Um ponto azul.
P. — No meio.
Dr.ª F. — É um costume?
P. — Sim.
P. — Todos os dias.
P. — Meteus.
Dr.ª F. — Como é?
P. — Procurar alguma coisa para fazer. Não tenho dinheiro suficiente para ficar aqui muito tempo.
Tenho de arranjar mais dinheiro.
Dr.ª F. —É a primeira vez que sai da casa?
P. — Sim, é. [Começando a ficar assustada.]
P. — Eu ... não sei. Eu ... o meu espírito estava preocupado, com ... medo de ... «Que vou eu fazer.»
Dr.ª F. — Foi uma viagem longa?
P. — Não.
P. — Não sei.
Dr.ª F. — Porquê?
P. — Ouço-o.
Dr.ª F. — Porquê?
P. — Sim.
P. — Em casa.
para fazer.
P. — Não.
P. — Apenas o que sei fazer. Humm ... ser ... hmm ... criada, em algum restaurante ... pequeno.
Dr.ª F. — E eles não precisam de ajuda?
P. — Não.
P. — Não sei.
Dr.ª F. — Avance até ao próximo acontecimento importante, após a contagem até três. Um ... dois ...
três.
P. — Estou outra vez no meu quarto e ... a sensação de solidão ... e ele está de novo à minha porta.
Dr.ª F. — Sabe quem é ele? Viu-o?
P. — Acho que é o dono da pensão.
F. — Quer entrar.
P. — Oh ... sexo.
P. — Sei.
P. — Não.
P. — Sim.
P. —Sim.
P. — Ele está ... a obrigar-me ... a ter relações com ele. [Respirando com força.]
P. — Oh, está ... a beijar-me e a puxar-me e ... é feio. [Dito com nojo.]
Dr.ª F. —Bom, avance até ao próximo acontecimento importante. Um ... dois ... três.
P. —Ufa!
ª
Dr. F. — Que foi?
P. — Oh, ele ... depois de ter terminado, riu-se de mim. [Pequena gargalhada].
P. — Sim.
P. — Desesperada.
P. — Ele era ... ele era ... muito grande ... e eu sou muito pequena ... e magoou-me. [Treme.]
Dr.ª F. — Magoou-a?
P. — Hum-humm. Eu ... senti ... que gostaria de o matar!
Dr.ª F. — Conserve-se calma e relaxada e deixe que o seu subconsciente a leve agora para o
próximo acontecimento significativo, após a contagem até três. Um ... dois ... três. Que se passa agora?
P. — Oh, ele voltou de novo. [Deprimida.]
P. — De manhã.
P. —Sim. [Tremendo.]
P. — A mesma coisa.
P. — Igual.
P. — Tento, mas ele ... ele é tão grande ... é um cavalo! [Contorcendo-se.]
P. — Sim e a lutar e ... mas isso não tem a mais pequena influência.
Nesse mesmo dia Meteus deixou o hotel e, por sorte encontrou trabalho, como criada na casa de um
velho casal. Descreveu os seus deveres no trabalho doméstico, um dos quais era ir buscar água, em
ocasiões especiais, a uma fonte no deserto, montada em «animais» que eram «desajeitados mas
amorosos» (camelos?). Casou e morreu aos vinte e seis anos, durante o nascimento do seu primeiro filho,
Foi um parto difícil, apenas com a assistência do marido para a ajudar. Depois de o seu filho ter
nascido, viu-se «afastando-se cada vez mais, cada vez para mais longe, sentindo paz, pela primeira
vez em muitos anos».
Liberta do transe, abanou tristemente a cabeça, enquanto balbuciava: «Oh, meu Deus, foi terrível ser
violada!» Lágrimas correram-lhe pela cara. Soluçou baixinho, durante alguns minutos. Quando já se
encontrava recomposta, fiz-lhe perguntas sobre as outras pessoas da regressão. «Senti que o meu pai
naquela vida era Mark; e o homem que me violou era o meu sogro. Nunca me senti bem junto dele.»
Mesmo apesar de todas estas sensações serem muito fortes, disse: «Não estou totalmente convencida de
que isto tenha acontecido; porque inventaria eu tal história?»
Na semana seguinte, Patricia irradiava felicidade quando anunciou: «No aspecto sexual, as coisas
estão melhor que nunca. Sinto-me tão apaixonada. Nunca julguei que pudesse existir tanta paixão.» Com
um ar sério acrescentou: «Tenho a certeza de que estive perto de um orgasmo, mas ainda não consegui
atingi-lo.»
Alguns minutos depois, após ter mergulhado num transe profundo, o seu subconsciente revelou que
ainda havia outra vida que precisávamos de analisar. Era a quinta, em cinco sessões! Seria este o
obstáculo final?
Alguns minutos depois, a voz de Patricia modificou-se totalmente e uma «menina» iniciou,
timidamente, o relato da sua história:
P. —É o meu pai.
P. — Estou cá fora.
Dr.ª F. — Fale-me de si.
P. — Tenho cinco anos.
P. — Rapariga.
P. — Becky. [Timidamente.]
P. — Arizona.
ª
Dr. F. —P. um homem mais novo que o seu pai?
P. — Hum-humm.
P. — Ele ... caminha na minha direcção. Sinto-me ... sinto-me ... fraca.
Dr.ª F. — Porquê?
P. — Não comi.
P. — Dois dias.
Dr.ª F. —Porque?
P. — Pai.
P. — Hum-humm.
Dr.ª F. — Conhece-o?
P. — Já o vi.
P. — Ele pega em mim ... e ... segura-me. Não sei porque faz isto. [Com voz espantada.] Eu não ...
não gosto nada dele, sabe?
Dr.ª F. — E agora, que está a acontecer?
P. — Está a despir-me. [Receosa.]
P. — Fora de casa.
P. — Confusão. Porque ... porque fará ele aquilo? ... Não gosto. [Cobre os olhos com as duas mãos.]
Dr.ª F. —E agora, que faz ele?
P. — [Murmurando.] — Está ... está a tocar-me.
P. — Estou a lutar ... eu ... não gosto do que ele me está a fazer. [Num tom perturbado.]
Dr.ª F. — E agora?
P. — Põe-me no chão e ... fica apenas a olhar para mim e depois ... vai falar com o meu pai.
Dr.ª F. —Neste momento tem alguma peça de roupa no corpo?
P. — Não.
P. —Não.
Dr.ª F. —Diz-lhe alguma coisa?
P. —Não.
P. — Sim.
P. — Estou de pé, ao lado da casa. Não quero que ele me veja. [Murmurando.]
Dr.ª F. — Vestiu-se?
P. — Ele olha para mim e não diz nada. Acho que ele sabe, mas não faz nada, nem diz nada.
Dr.ª F. — Agora gostaria que avançasse no tempo, para o próximo acontecimento importante, uma
P. —Não.
P. — Ele tem ... uma casa bonita, muito melhor que a nossa. É limpa. Ele tem comida e, hmmm,
estou com tanta fome.
Dr.ª F. — Que faz ele, quando chega a casa?
P. — Ele ... deixa-me comer.
P. — Feijões, pão.
P. — Acho que sim ... acho que está uma menina. É mais velha que eu.
P. — Ele ... diz-me que estou aqui para trabalhar ... que eu ... devo dar de comer às galinhas e limpar
a casa com ... com a outra menina.
Dr.ª F. — Quais são os seus sentimentos a respeito da outra menina?
P. — Não a conheço. Parece simpática.
Dr.ª F. — Bom, avance até ao próximo acontecimento significativo, quando eu contar até três. Um ...
dois ... três.
P. — Ela está a contar-me o que se passa ali, naquele lugar.
P. — Diz que ele se aproveita das suas raparigas mas que também as alimenta, para que não fiquem
com fome ... diz que não passará fome.
Dr.ª F. — De que modo se aproveita delas?
P. — Ele ... faz com elas o que me fez a mim.
P. — Acho que está a acontecer ... eu ... acho que ele ... lhe está a fazer o que me fez a mim.
Dr.ª F. — Está a olhar para ela e a tocar-lhe?
P. — Hum-humm.
Dr.ª F. — Porquê?
P. — Não muito. Dois dias ou ... roubei comida. Estou a fugir ... eu ...
P. — Não quero ... não quero sentir o que senti com ... Não quero que ele me faça aquilo.
Dr.ª F. — Ele fez-lhe alguma coisa enquanto estava na sua casa? Pode contar-me.
P. — Ele ... olhou para mim ... ele tocou-me e usou o seu ... o seu dedo.
P. — Não sei.
P. —Sim.
P. — Eu estou ... gorda. Eu ... não me posso mexer. [Dito com espanto total.]
P. — Estou deitada.
Dr.ª F. — Quando?
P. — Acho que era ... uma cobra, mordeu-me. Tentei desviar-me, mas ...
P. — O sol, muito quente ... sinto-me ainda mais fraca do que quando estava com fome ... estou tão
inchada! Sinto-me como se fosse explodir. [A voz é mais fraca.]
Dr.ª F. — Sente alguma dor?
P. — Só sinto a minha pele esticada.
Dr.ª F. —Vá até ao próximo acontecimento significativo, depois da contagem até três. Um ... dois ...
três.
P. — Ouço alguém aproximar-se, mas sinto-me tão fraca ...
P. — Estou só ... só ali deitada. Não posso fazer nada, não posso mexer-me.
P. — Muito.
P. — Hum-humm.
P. —Sim.
P. — Pega em mim.
Dr.ª F. — E agora?
P. — Voltamos para aquele lugar. Eu ... não quero ir, mas não tenho forças.
P. —A rapariga.
P. — Ela ... deu-me qualquer coisa para beber que fez com que o inchaço desaparecesse.
Dr.ª F. — Era algum remédio?
P. — Foi qualquer coisa que ela arranjou no deserto.
P. — Hum-humm.
P. — Não sei.
P. — Hum ... qualquer coisa que cheira bem ... hum ... estou deitada, com ... com os braços ... os
meus braços estão cruzados.
Dr.ª F. — Onde estão?
P. — Estão cruzados sobre o meu ... meu peito. Estou ... deitada numa caixa. A rapariga trouxe
flores.
Dr.ª F. — Que está a fazer na caixa?
P. — Eu ... já não estou ... no meu corpo.
P. — Estou ... algures, mas posso ver-me deitada ali. Sou eu.
P. — Sim.
P. — Hum-humm.
P. — Não.
P. —Sim.
P. — Vai-se embora.
P. — Não.
P. — Estou a flutuar.
P. — Não me sinto só. [A voz é agora mais forte.] Não sinto nada. Não sinto o calor.
P. — Não.
P. — Humm. Estou satisfeita. Eu ... não ... eu ... sinto ... [Longo silencio.] Eu não sinto ... alegria ... é
paz, eu não ... não tenho medo ... hum ... estou suspensa.
Dr.ª F. — E ao olhar para trás, para a vida de Becky, pode dizer-me em que época viveu ela?
P. —Era o tempo da seca ... Mil oitocentos e quarenta e nove?
Dr.ª F. —Revendo a vida de Becky, pode dizer-me se sexualmente lhe aconteceu mais alguma coisa,
além de o homem lhe ter tocado?
P. — Sim. Ela não diria nada.
P. — Oh, ele tentou meter o seu ... seu pénis, dentro dela, mas não conseguiu.
Dr.ª F. — Porquê?
P. —Sim.
Depois de sair do transe, Patricia tinha um ar muito triste. Disse: «Becky experimentou todos os
sentimentos: raiva, humilhação, medo e certas sensações sexuais que eu também sentia e que eram
confusas.» Olhou-me bem nos olhos e apercebi-me da sua profunda piedade por tudo aquilo que tinha
suportado enquanto Becky. Os seus olhos estavam cheios de lágrimas. Mergulhou num silêncio meditativo.
Desta vez Mark não estava envolvido na sua vivência anterior. Enquanto meditava, aparentava um ar
cansado e, ao mesmo tempo, espantado: «Acha que é isto? Precisaremos de percorrer mais vidas?»
Encolhi os ombros. Apenas o seu subconsciente poderia dar a resposta.
O facto é que o seu subconsciente respondeu rapidamente às minhas perguntas, na sessão seguinte.
Ainda tínhamos uma vida para explorar.
Sob hipnose recuou facilmente através dos anos, para um acontecimento que estava ligado ao seu
problema de não conseguir um completo prazer sexual.
P. — Hum-humm.
P. — Estou de pé, numa planície, olhando para ... olhando para um rio.
P. — Humm ... é ... é pêlo ... de animal. Chama-se ... chama-se, humm ... tupa.
Dr.ª F. —Tupa?
Dr.ª F. —Está a fazer mais alguma coisa, além de olhar para o rio?
P. — Pesco.
P. — Pau aguçado. Tenho de ... tenho de ser rápida, excepto para com os peixes grandes, que são
lentos. São fáceis de apanhar, mas não sabem tão bem.
Dr.ª F. — Com que frequência pesca?
P. — Todos os dias. Tenho ... tenho de estar atenta. Estou do outro lado do rio a alguns ... alguma
coisa pode apanhar-me. Tenho de ... tenho de ter atenção.
Dr.ª F. — Receia ser apanhada por quem?
P. — Os gatos grandes ou ... outra tribo.
P. — Shulu.
Dr.ª F. — Shulu? Em que país se encontra?
P. [Silêncio.]
Dr.ª F. — Sabe?
P. — Não.
Dr.ª F. — É esse o costume do seu povo, ou ele fá-la trabalhar mais que as outras mulheres?
P. — Mais. Ele está quase sempre sentado a fazer lanças. Não quer sair para caçar, com os outros.
As outras pessoas da tribo ... riem-se de nós, porque ele ... ele não vai. Ele ... acho que tem medo. [A sua
voz estava cheia de desprezo.]
Dr.ª F. — Nessas caçadas as pessoas magoam-se?
P. —Sim.
P. — Nós ... somos fortes. Mas, por vezes, as outras tribos desafiam-nos, por causa da nossa
situação. Nós temos ganho, mas nem sempre assim será.
Dr.ª F. — Quando vos desafiam, entram na vossa aldeia?
P. — Sim. Geralmente à noite.
P. — Tentam ... matar os nossos homens e ... mas não o têm conseguido. Não sei que fazem além
disso. Não ... não gosto disso.
Dr.ª F. — Além da pesca, que faz? Tem outros deveres, ou outras coisas que goste de fazer?
P. — Apanho fruta.
Dr.ª F. — Bom. Disse que estava do outro lado do rio e que tem de se manter atenta. Está só?
P. —Sim.
P. — Fizemos ... pusemos tábuas ... árvores ... podemos ... atravessar sem cair à água.
P. — Hum-humm.
Dr.ª F. — Bem. Agora gostaria que avançasse no tempo, até ao próximo acontecimento significativo,
quando eu contar até cinco. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco.
P. — Voltei para a minha cabana. Ele ainda está ali. Nós não falamos. Ele sabe ... que me sinto
envergonhada por causa dele. Ele não se importa. [Mordendo o lábia.]
Dr.ª F. — Há quanto tempo estão juntos?
P. — Hmmm.
Dr.ª F. — Se não sabe, não interessa. Talvez mais tarde lhe surja. Continue e veja o que se passa
enquanto está em casa.
P. — Tenho de ... limpar o peixe. Tenho de ... eu ... tenho de os limpar ... de trincar as cabeças dos
peixes.
Dr.ª F. — Arranca as cabeças com os dentes?
P. — Sim.
P. — É uma coisa que tem de se fazer, depois posso enfiar lá dentro um pau aguçado e rasgar as
entranhas. Depois já posso limpá-los e cozê-los.
Dr.ª F. — Agora avance no tempo até ao próximo acontecimento significativo, depois da contagem
até cinco. Um ... dois ... concentre-se apenas na sua respiração e deixe essa recordação desaparecer
enquanto começa a surgir a nova ... três ... quatro ... cinco.
P. — Humm ... é noite. É a altura que mais detesto. É agora que ele se levanta ... [Voz cheia de raiva
e resignação.]
Dr.ª F. — Que pretende dizer com «levanta»?
P. — Ele ... vem para a cama ... e quer ... tentar ... ah ... bebés. Eu quero bebés, mas ... não ... gosto
de estar com ele.
Dr.ª F. — Não gosta de estar com ele?
P. — Não. Ele não é um guerreiro.
P. — Hum-humm. Se tivermos filhos, espero que eles ... não sejam fracos, como ele.
P. — Não. Não gosto dele ... mas é o meu homem. Se eu quero bebés ... temos de fazer isto ... por
isso, fazemos.
Dr.ª F. — Como é esse acto para si?
P. — Não é nada.
P. — Todas as noites ... até ... até eu ficar com um bebé e depois ... só após ... ele ter nascido. Posso
... posso fazer aquilo.
Dr.ª F. — Pode fazer aquilo?
P. — Hum-humm.
P. —Sim.
P. — Não! [Resmungando.]
Dr.ª F. — E as outras mulheres da sua tribo? Falam a respeito do que sentem ao fazer isso?
P. — Algumas gostam. Algumas têm ... têm homens bons e contam-me coisas nas quais eu consigo
acreditar.
Dr.ª F. — O quê, por exemplo?
P. — Que isso ... lhes dá prazer, sensações de ... como ... como o sol, só prazer. Eu ... eu não sei.
Dr.ª F. — Agora gostaria que o seu subconsciente a levasse até ao próximo acontecimento
significativo, após a contagem até cinco. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco.
P. [A sua cara ilumina-se com um sorriso.] — Estou ... estou com uma criança. Vou ... ter um bebé.
Dr.ª F. — Como se sente, a respeito disso?
P. — Ohh ... bem.
P. —Não.
P. — Não se importa. [Franzindo a cara de novo.] Ele ... é como uma pedra. Ele não ... não se
importa ... não tem ... ele não tem sol ... não tem sol interior ... ele é ... é ... é como ... como uma pedra.
Dr.ª F. — Agora gostaria que avançasse, mais ou menos, cinco anos. Vá até um acontecimento
significativo, após a contagem até cinco. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco.
P. — Ali está o meu rapaz. [Com uma voz cheia de orgulho.] Ele trouxe-me muita felicidade. Não
estou ... já não me sinto totalmente envergonhada. [Agora a voz era mais doce.] Será ... ele será um bom
guerreiro. Os homens ... os outros homens já
o treinam. Ele é ... ele já matou um ... macaco, um macaco grande e ele ainda é novo. [O seu orgulho
materno era muito evidente.]
Dr.ª F. — Então, sente-se orgulhosa?
P. — Oh, sim. Ele ... vai ser muito bom.
P. — Shittu.
P. — Zawn.
Dr.ª F. — Sabe qual é o país onde vive? Qual é o nome do lugar onde vive?
P. — Eu ... ouvi uns barcos ... barqueiros a falar. Disseram que era ... o Lugar Escuro ... grande ...
não sei.
Dr.ª F. —Bom. Gostaria que avançasse até ao último dia da sua vida, após a contagem até cinco,
mantendo-se calma e relaxada. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco.
P. —Hum ... o meu filho está aqui a olhar para mim. Está de pé, por cima de mim. [A voz é mais
fraca.] Sinto um grande orgulho nele. Não me importo de partir.
Dr.ª F. — Qual é a expressão dele?
P. — Hum ... mágoa.
P. — Não.
Dr.ª F. — É velha?
P. — Sim.
P. — Oh ... sinto o ... disseram-me que estou muito doente e que em breve partirei e eu sinto-me
muito fraca.
Dr.ª F. — Qual é a sua doença?
P. — Estou apenas ... velha.
Dr.ª F. — Que supõe que lhe acontecerá depois de morrer, depois de partir? Quais são as suas
crenças?
P. — O meu sol interior ... sai do meu corpo e eu misturo-me com o outro ... os outros que já partiram.
É ... se a sua vida estava em paz, assim estará o seu sol.
Dr.ª F. — Sente que a sua vida estava em paz?
P. — Sim, tive o meu rapaz. [Sorrindo.] É o meu orgulho.
Dr.ª F. — Acha que o seu sol volta, noutro corpo, noutra época?
P. — Parece que não estou no meu corpo. Não estou ... onde deveria estar.
P. — Sinto-me no meio ... Já não faço parte da vida. Não faço parte de outra existência, sou ... e, ao
mesmo tempo, não sou.
Dr.ª F. — Está só?
P. — Sinto-me só. [A sua cara apresenta uma expressão calma.]
Dr.ª F. — Quando olha para trás, para a sua vida, sabe onde e em que época ela decorreu?
outros. O meu cabelo era liso; era ... um cabelo liso e áspero.
P. — Usava-o pelos ombros. Pegava num pau e fazia uma risca ... fazia esta linha de pele e penteava
o cabelo a direito, para baixo.
Dr.ª F. — No corpo usava algum adorno?
P. — Usava ... cascas, nozes, dentes e garras.
P. — Sim.
Dr.ª F. —Tinha outros ornamentos ou fazia alguma coisa ao seu corpo, para o ornamentar?
P. — Tinha ... um buraco na orelha e usava um ... um osso de macaco na orelha, para mostrar o meu
Pedi a Patricia que regressasse ao presente e voltasse a ser ela mesma — depois libertei-a do
transe. Ela disse: «Esta regressão foi a mais viva de todas e pareceu-me muito recente.» Perguntei. «O seu
homem era alguém que conheça nesta vida?» «Sim», disse ela. «Tive sempre a sensação de que era
Mark.»
Depois de se levantar para sair, voltou-se e comentou: «Espero que acabemos em breve com o
nosso trabalho», e acrescentou sorrindo: «O que acabei de sentir explica-me muitas coisas. Esta semana
ainda adormeci muitas vezes — mais do que gostaria. Pergunto a mim mesma se esta regressão não virá a
melhorar as minhas relações com Mark.»
Logo que a porta atrás de si se fechou sentei-me e, mentalmente, contactei de novo com todas as
facetas que Patricia encontrara, no espaço de alguns meses: a altiva Alena, a princesa de Kauai; a pobre
Kim, que se odiava tanto que se lançou para a morte; a Tia, gorda e com medo de sofrer; a solitária Meteus,
que tão brutalmente fora violada; a pequena Becky, de quem tinham abusado igualmente; e agora Zawn,
cuja única alegria era o seu filho. Que gama fascinante de personagens — todas tão diferentes umas das
outras, e cada uma com uma contribuição tão substancial para o notável problema inicial de Patricia. Dados
os enormes progressos feitos até agora, possivelmente não haveria mais — pelo menos muitos mais. Ou
haveria?
Durante a sessão seguinte, sob hipnose, chegámos à conclusão de que não havia mais vidas com
interferência nos problemas sexuais de Patricia! Na verdade, quase já não havia problemas, neste aspecto.
O relato das suas relações amorosas era brilhante. Todas as semanas esperava vê-la chegar com a boa
notícia, dizendo que tinha atingido o clímace. Mas como ainda não o atingira, e baseada na sua descrição
do modo como faziam amor, senti que eles precisavam apenas de desenvolver um método ligeiramente
diferente de técnica sexual. Pedi-lhes que viessem juntos.
Na semana seguinte discutimos os progressos que tinham feito. Mark observou que já tinham um
relacionamento caloroso, harmonioso e íntimo. Gostavam realmente de fazer muitas coisas juntos. As
discussões pertenciam praticamente ao passado. Agora ele sentia dificuldade em descobrir quando esta
vam para começar os períodos menstruais de Patricia — o que, segundo ele, era um verdadeiro milagre.
Patricia acrescentou que, nas últimas festas em que tinham participado, não sentirão menor ciúme e até
estivera à vontade com as outras mulheres.
Durante estes meses ambos tinham adquirido passatempos absorventes. Patricia até tomou a
decisão de deixar de trabalhar e de voltar à universidade. Senti alegria ouvindo-os apoiando-se tanto um ao
outro — e descrevendo as habilidades e talentos naturais um do outro. O amor que sentiam um pelo outro
iluminava as suas caras.
Dei-lhes algumas indicações acerca de técnicas sexuais e tive a certeza de que seria apenas uma
questão de semanas para me poder despedir de Patricia e Mark, como doentes.
Três semanas mais tarde vieram juntos — inesperadamente para a consulta de Patricia. Com
grandes sorrisos, presentearam-me com outro maravilhoso ramo de flores. Senti uma enorme felicidade por
estas duas pessoas amorosas e carinhosas, que acabaram por se tornar minhas amigas. Senti, dentro de
mim, uma sensação profunda e boa — senti que tínhamos partilhado muitas e ricas experiências e que nos
tínhamos aproximado muito. Quando eles partiram, de lágrimas nos olhos, fiquei triste e feliz, ao mesmo
tempo.
CAPÍTULO VII - «MEDO, MEDO E UM ... TERROR!»
«Nem a minha mulher sabe. Uso todo o tipo de desculpas, excepto a verdade», revelou Mike, com o
sentimento de culpa estampado no rosto. O seu problema? Um inexplicável medo das alturas. Descreveu a
ansiedade que sentia em lugares altos e que até, às vezes, se transformava em terror. Sentado na minha
frente estava um advogado com cerca de quarenta e cinco anos, alto, alegante, bronzeado e com uma
barba bem cuidada. Batia com os dedos no braço da cadeira, com nervosismo, e evitava olhar-me de frente,
enquanto continuava a explicar porque procurara ajuda. Descreveu-se como um mestre em evasão, uma
pessoa que evitava encontros sociais e de negócios que o obrigassem a uma viagem de carro sobre uma
ponte ou em zonas montanhosas. Os prejuízos que sofrera na sua vida profissional, por causa destas
restrições, eram incalculáveis. No entanto conseguira ser bem sucedido no aspecto financeiro. Abanou a
cabeça desgostoso, quando mencionou o que poderia fazer se tivesse a liberdade de pegar no seu carro e
ir para qualquer lado, ou de entrar num avião, o que para ele estava totalmente fora de questão. Lamentava
ter de negar à sua mulher e a si próprio o prazer de visitas familiares ou de uma volta pela Europa. Mike era
orgulhoso. O seu medo não se coadunava com a imagem que tinha de si próprio; portanto, escondia-o de
toda a gente — família, amigos e conhecimentos de negócios. Durante anos tinha desabafado com uma
legião de terapeutas — um analista freudiano de Nova Iorque, um outro que organizava encontros de
grupos-maratona durante fins-de-semana, um terceiro especializado em fobias, um médico bem conhecido
pelo seu método de «confronto-e-conquista». Apesar dos esforços de todas estas pessoas envolvidas no
seu tratamento, a sua fobia persistia, inabalável.
Mike era psicologicamente sofisticado. Andava há tantos anos em tratamento que «conhecia» as
razões do seu medo.
Concluíra que tinha um medo tremendo de morrer, paradoxalmente aliado a uma forte propensão
para se autodestruir. Estava convencido de que o seu problema era, na realidade, um verdadeiro terror de
perder o controlo e de fazer mal a si mesmo ou aos outros. No entanto, isto não se coadunava com o resto
da sua vida. Tinha um casamento bem sucedido, dava-se bem com os seus filhos e a sua carreira
profissional era excepcionalmente boa. Era estimado e tinha muitos amigos íntimos. Apreciava também
desportos e interessava-se muito por música. Admitiu ter uma grande paixão por ópera. Tal como ele
próprio disse: «Sinto um grande prazer em viver!»
Mike estava sentado no meu consultório porque escutara a parte final de um programa radiofónico;
ouvira o suficiente para se inteirar do meu trabalho com as vidas anteriores. A sua curiosidade foi
despertada — e sentia-se desesperado. Receava não poder ser hipnotizado. Sim, também tinha tentado
isso! Mas reduzira-se apenas a uma consulta, numa clínica de hipnose.
Nesta nossa primeira sessão dispúnhamos de duas horas, pois viera para uma regressão a vidas
passadas. Depois de o entrevistar, ensinei-lhe a autohipnose e, depois, conduzi-o para o passado distante.
Caiu num profundo transe e conseguiu ver com facilidade cenas bem pormenorizadas. Mas tudo o que
conseguimos foram imagens calidoscópicas — cenas que pareciam ter sido originadas em muitas vivências
diferentes. Uma «série» destacava-se das outras. Descreveu um telhado, de um edifício gótico, muito
grande. Na cena seguinte aparecia um caixão. Seguiam-se relances de cenas de morte. O nosso tempo
atingira o seu limite e ainda tínhamos muito trabalho para fazer. Decidimos marcar consultas semanais.
Durante as semanas que se seguiram, o subconsciente de Mike levou-nos através de um labirinto.
Vimos muitos acontecimentos do passado — alguns desta vida e outros de vidas anteriores. Tudo levava a
crer que ele tinha outros problemas e que contornava os acontecimentos que conduziam à sua
traumatizante fobia.
Um dia apareceu feliz. Na semana anterior dera-lhe uma sugestão pós-hipnótica, para que o seu
subconsciente o preparasse para ver o material que precisávamos de compreender e para que recebesse
percepções, através de sonhos ou de visões, durante o dia. Contou-me um fragmento de um sonho, muito
vivo — e assustador — que tivera sobre ele um efeito imensamente libertador. Viu o corpo de um homem,
com a cabeça espetada numa estrutura de madeira. A cara estava distorcida pela agonia. O corpo e tudo o
que o rodeava estava coberto de sangue. Vira tudo isso, de uma forma muito real, em technicolor. Olhara
rapidamente, duas vezes, para a cena, só para se certificar de que o homem estava morto. Foi tudo o que
pôde suportar. Repetiu muitas vezes que «nunca vira nada como aquilo». Apesar de o sonho ter sido muito
rápido, «fora inacreditavelmente medonho». Mas nos momentos seguintes sentiu uma grande onda de
autoconfiança e uma sensação de segurança, que se manteve durante dias. Estava excitado com esta
mudança, pois via-a como o primeiro passo em frente, em direcção ao seu objectivo de liberdade.
Encostou-se na cadeira, ansioso por ser hipnotizado. Quando ficou em transe profundo, pedi ao seu
subconsciente que o levasse para a vida, com que tinha sonhado apenas alguns dias antes. Os seus olhos
moveram-se sob as pálpebras fechadas. Abanou a cabeça de um lado para o outro, como se estivesse a
olhar em volta para alguma coisa. Hesitantemente, numa voz suave e pouco segura, começou a descrever
o que via:
M. — Ahh ... pessoas ... eu ... vejo aquele que julgo ser eu.
M. — Destemido.
M. — Parece que está a falar com um grupo de pessoas num ... num passeio ou calçada. Não tenho
a certeza se é um passeio ou uma rua.
Dr.ª F. — Como se encontra vestido?
M. — Tem um saco no braço ... no ombro ... pendurado ... com uns utensílios.
M. — Sim, parece que sim ... roupas de trabalho, um sobretudo ou coisa parecida. Parece estar a
dirigir-se a alguém, na rua.
Dr.ª F. — Descreva o cenário.
M. — Oh, é agradável. O céu está azul ... e há muitos telhados, cobertos de telhas. [Murmurando.]
Dr.ª F. — Que tipo de telhados?
M. —São de telha ... vermelhos e alguns cor-de-rosa ... telha alaranjada.
ª
Dr. F. — De que cor são os edifícios?
Dr.ª F. — Aperceber-se-á do assunto da conversa, após a contagem até três. Um ... dois ... três.
M. — Bom, essas palavras surgiram-me. Calculo que a discussão fosse sobre isso ... e os utensílios
no saco, para e um ... não sei, eu estava cá fora, em frente daqueles ... edifícios ... e um deles parecia
bastante alto, com dois andares, sabe.
Dr.ª F. — Que tipo de edifício era?
M. — Não consigo ver o ... não consigo descobrir.
Dr.ª F. — Tornar-se-á cada vez mais claro. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco.
M. — Sim.
Dr.ª F. —Após a contagem até três saberá porque anda à procura de um padre. Mantenha-se calmo e
relaxado. Um ... dois ... três. Diga o que lhe vier A. cabeça.
M. [Respirando pesadamente.] — Bom, vejo-o levantar a mão ou ... para o telhado.
M. — Sim, parece que está a dar uma ideia geral ... apontando para trás, em direcção ... aquele lado,
o lado direito.
Dr.ª F. — E que diz ele? Após a contagem até três terá uma ideia geral do que ele está a dizer. Um ...
dois ... três.
M. — Não tenho ... acho que a única coisa ... vejo-me noutra cena, saindo de gatas de um buraco no
lado do telhado ... é uma janela, redonda ou em forma de octógono ... e há uma escada até lá cima ... e eu
estou cá fora, no telhado. Parece ser bastante alto ... telhas, outra vez. Acho que está mais alguém lá em
cima. Esta é uma ... uma ... uma daquelas alas ... as igrejas antigas eram desenhadas em forma de cruz ...
tinham uma longa entrada até ao meio e depois dois muros laterais ... duas coisas laterais ... e parece-me
que eu fui de gatas através de um dos lados da esquerda, para chegar ao lado direito. Porquê, não sei.
Dr.ª F. — Disse que havia mais alguém lá em cima?
M. [Limpando as mãos às calças.] —Hum-humm. Não sei porque é que tenho as mãos a transpirar.
Dr.ª F. — Fique calmo e relaxado. Que se passa agora? Que faz agora?
M. — Estou apenas a trabalhar nas telhas ... com aquilo que tirei do meu saco.
Dr.ª F. — Explique-se como está a trabalhar. Que tipo de utensílios usa? Que faz com eles?
M. — São utensílios de ferro. Ah ... utensílios de metal, com uma espécie de alavanca para levantar
as telhas e substituir a madeira apodrecida e subsuperfícies danificadas, onde a água penetrou e para colar;
tenho um pequeno martelo e um pequeno ... uma espécie de ... martelo de um lado e um utensílio para
cortar ou lascar do outro.
Dr.ª F. —É esta a sua especialidade: arranjar telhados, telhas partidas?
M. — Não sei. Parece que está alguém a dirigir ... e parece que há outra pessoa a falar comigo, mas
não sei ... acho que está relacionado com o trabalho, mas não sei o que estão a dizer.
Dr.ª F. — Vou contar de um a três e, então, saberá. Um ... dois ... três. Diga o que lhe vier à cabeça.
M. — Quando eu acabar daquele lado, para ir para o lado direito.
M. — Sim. Porque eu não estou a trabalhar naquele lado, estou a trabalhar no ... lado esquerdo, para
quem está virado para a frente.
Dr.ª F. — E como se sente, enquanto está lá em cima a trabalhar?
M. — Bom, parece que é alto e aos degraus e mais ou menos ... eu não ... tive uma sensação, logo
que soube que isto era alto ... devia ver bem onde punha os pés. [A sua cara fica repentinamente coberta
de gotas de suor.]
Dr.ª F. — Que usa nos pés?
M. —Parece-me que estão atados. Há qualquer coisa que faz com que não escorreguem, mas eu não
consigo perceber o que é.
Dr.ª F. — Tem atada à sua perna algum tipo de sandália?
M. — Sim, couro macio, para ... você vai precisar de ir até ali ... e um ... sem cair ... parece que está a
ficar um bocado húmido.
Dr.ª F. — Está a ficar húmido, porquê?
M. — Deve estar a chover.
M. [Respirando agora rapidamente.] — Bom, a primeira vez que fui lá cima ... são cores que aqui não
vejo com frequência ... é uma ... diferente, parece o Sul da Europa ... com aquele tipo de elevações ... e esta
igreja parece ficar numa elevação. Há outros montes e sítios com casas e, sei lá que mais, em estuque ...
nevoeiro, nevoeiro azul e neblina e ...
Dr.ª F. — M. quanto tempo estava a trabalhar no telhado, até começar a chover?
M. — Não sei. Não posso ... só ... não sei quanto tempo passou. Estava apenas a trabalhar neste
lado e nas caleiras, vejo caleiras verdes de cobre ...
Dr.ª F. — Conte-me mais coisas. De que se consegue aperceber?
M. — Oh, estava só a olhar para as caleiras e à volta, para as cornijas da igreja, e sentia uma certa
ansiedade.
Dr.ª F. — Porquê?
M. — Ao olhar para baixo. Ao olhar para baixo, pois é bastante alto.
M. — Não ... não. Só tenho consciência ... que é por causa da chuva ou neblina, ou qualquer coisa;
mas elas estão molhadas. As telhas estão molhadas. E estou a ser particularmente cuidadoso. Mas é o meu
trabalho ... e parece que sei ... andar por aqui.
Dr.ª F. — Que está a fazer agora?
M. — Estou a levantar-me e a atravessar para o outro lado, estou a fazer uma inspecção por alto do
... do, ah ... parece que este padre usa um solidéu e um manto.
Dr.ª F. — O padre também está no telhado?
M. — Sim ... é ele que me está a dirigir.
M. — Estou apenas a olhar para baixo, para o ... parece que tento encontrar a zona. Ele está de pé,
na borda do telhado, ou ligeiramente para a esquerda, olhando para baixo, para mim. E eu tenho
consciência da altura. [Tornando-se visivelmente preocupado.]
Dr.ª F. — Como se sente? Reparo que está a cerrar os punhos e a esfregar as mãos.
M. — Ah, só um pouco ... de humidade ... se é de estar a segurar ...
M. — Tenho consciência de ter perdido alguns utensílios, de ter rolado para o lado e ... de estar
deitado, esticado ... não sei se estou a tentar recuperá-los ou não.
Dr.ª F. — Tome nota do que se passa. Conte-me apenas o que se segue. De que se consegue
aperceber?
M. — Bom, de qualquer modo, há algumas telhas soltas, e aquilo entra nisto. Para onde diabo vai eu
... eu não sei, parece ser apenas aquela parte ... a perda dos utensílios é qualquer coisa, cair e chegar até
eles ... desistir e ... ficar suspenso, balouçando na caleira e as telhas e ... é uma ... e parece ter três andares
de altura ... é mesmo alto!
Dr.ª F. — Onde está agora?
M. —Eu ... estou pendurado naquela maldita, ah ...
Dr.ª F. — Onde?
M. — Estou pendurado naquela ... caleira e estou agarrado a algumas daquelas telhas, que estão
soltas e partidas, mas elas não ajudam muito e estão a cair.
Dr.ª F. — Onde está o seu corpo?
M. — Estou na lado de fora, suspenso ... apenas ... parece-me que o braço na caleira ou ... uma mão
na caleira e o outro braço no cimo do ... mas fico mesmo ali. Não me parece que vá ... cair. [Cara banhada
em suor.]
Dr.ª F. — Onde está o padre? Está aí?
M. — Não ... Foi embora.
M. [Pausa longa.]
Dr.ª F. — De que tem consciência? Que pensamentos lhe atravessam o espírito?
M. — Bom, eu ... eu não ... eu ... eu ... sinto ansiedade, mas não o terror de cair. Não tenho o ... não
vejo isto ... parece que parei ali. Eu não ... eu tenho consciência dos edifícios.
Dr.ª F. —De quais edifícios se apercebe?
M. — O edifício onde estou ... a igreja e ... onde estou, em que posição e em que sítio, e que ... eu
não ... passo dali.
Dr.ª F. — Ainda está a balouçar? Está pendurado na caleira, seu corpo balança e um dos seus
braços agarra as telhas, em cima?
M. [Acena com a cabeça, em sinal afirmativo.]
Dr.ª F. — Vou pedir-lhe que se concentre na sua respiração. Vou contar de um a três, ficará muito
mais relaxado e calmo e o seu subconsciente deixá-lo-á continuar, passo a passo, para que possa ver o
que lhe acontece. Um ... ficando mais relaxado à medida que se vai apercebendo do que está a acontecer
... dois ... três. De que se apercebe?
M. — Há algumas pessoas a tentar ajudar ... estão de pé do outro lado e deixam cair qualquer coisa,
uma corda ou coisa parecida.
Dr.ª F. —E agora? Dizem-lhe alguma coisa?
M. — Estou ... em parte seguro essa corda ... e estou agarrado à caleira, as telhas ... e balanço de
um lado para outro.
Dr.ª F. — Que sente?
M. — Sinto o balanço e a ... posição precária em que me encontro. [Contorcendo-se.]
M. — Medo, medo e um ... terror! Isto é, estou a tentar agarrar-me o melhor que posso ... [Cobrindo a
cara com as mãos.] Um deles escorrega e eu perdi ...
Dr.ª F. — Uma das pessoas escorrega?
M. — Sim.
M. —Sim.
M. — Tudo aquilo está ... toda a caleira está a cair, com telhas e fragmentos.
M. — Bom, apenas me vejo a cair. A princípio era eu, depois ... afastei-me e vi alguém cair.
Dr.ª F. — Consegue ver a cara dessa pessoa, consegue ver o seu corpo, durante a queda?
M. — Voltado ... ao contrário.
M. — Certo.
M. — Não, o corpo ... costas e frente, primeiro ... as suas costas e a frente em primeiro lugar e as
mãos no ar, tal como quando estavam agarradas ao ... e abertas, afastadas. [Fazendo a demonstração,
com os braços esticados.]
Dr.ª F. — Que fez ele durante a queda?
M. — Apenas ...
M. — Só ao longe. Só ao longe.
Dr.ª F. — Ouvirá.
M. — Bom, uma espécie de grito ... ouço um grito, não sei se é ele ou não. Ah ...
M. — Sim.
M. — Parece que é tudo o que eu posso ... é bastante escuro, lá em baixo, onde ele está a cair ... a
cair. Julguei que fosse entre dois edifícios, mas ... talvez seja ... talvez seja uma parede ... parede ... o que
escurece aquilo, lá em baixo. Mas não consigo ver o corpo ... lá em baixo.
Dr.ª F. — Relaxe-se. Agora vou contar de um a três e verá o corpo. Um ... dois ... três. Que vê?
M. — Vejo a cara espetada. Bom, vejo uma expressão de agonia, eu só ... de morte na sua ... forma
completa. Ele está nestes ... andaimes ... de madeira ... atravessou-o, quase completamente, isto é, eu ... foi
... a parte horrível de tudo aquilo ... parece que tinha sido ... tinha sido ... obrigado, sabe ... cair sobre isto ou
... não sei, não sei. O que eu quero dizer é que isto é ... [Respirando rapidamente.] Posso olhar lá para
cima.
Dr.ª F. — Que lhe vem à cabeça? Que lhe está a suceder agora?
M. — Estou apenas a observar o edifício. Quero ver todo o edifício ... vejo a caleira partida, vejo tudo
o ... que está acima de mim e o céu. Parece que agora se tornou branco.
Dr.ª F. — Onde se encontra agora?
M. — Em baixo, olhando para cima.
M. — No chão, estendido.
Dr.ª F. —E agora, de que se apercebe? Quais são os seus pensamentos, enquanto está aí, no chão?
M. — Acho que não apanho nada disso. Só vejo ... pessoas à volta e ... alguém tentando ajudar-me
... alguém a levantar-me a cabeça.
Dr.ª F. — E agora, que acontece?
M. — Bom, parece que fica cada vez mais escuro ... parece que o sol fica encoberto ... acho que ...
não sou capaz de ver ... mas tenho uma sensação do que se está a passar à minha volta ... as pessoas
olham assustadas e ... vejo essencialmente o mesmo grupo que vi antes.
Dr.ª F. — Fale-me nele outra vez. Quem era?
M. — Nesse sonho ... não na mesma posição, mas deitado, estendido ...
M. — Bastante parecida ... não tão real ... apenas uma ... aquilo foi apenas uma ... visão que cega.
Essa coisa ... aparecia e desaparecia ... não foi isto. Isto é ... isto é o grupo que eu vi em frente daquilo,
parece-me que aquilo era a igreja, os edifícios. Uns olhos azuis, amigáveis.
Quando saiu do transe, Mike lançou-me um ligeiro sorriso. Era óbvio que se encontrava
emocionalmente exausto, devido ao trauma que tinha acabado de reviver. Limpou o suor da cara e das
mãos, passou os dedos pelo cabelo e levantou-se abruptamente. Queria fugir da cena, que tanta dor
psíquica lhe tinha causado. Tínhamos ultrapassado o nosso tempo; portanto, saiu, confirmando a sua
marcação para a semana seguinte.
Depois de ele sair, deixei-me afundar na minha cadeira. A sua regressão também fora esgotante para
mim. Revia mentalmente, recordando as suas reacções, especialmente a ansiedade que experimentara
com tanta evidência. Lembrei-me que ele trocara a sua posição de participante por uma posição de
observador-narrador. Tentou furtar-se ao pânico e à dor, evitando constantemente enfrentar a situação. Isso
tornara extremamente difícil a aproximação ao resultado da queda. Senti que
tinha apontado para o acontecimento responsável pelo seu medo das alturas, mas ele precisava de
experimentar a sensação real, a fim de conseguir o alivio que procurava e de que precisava. Meti-me dentro
da sua pele e tive pena dele. Iria ser muito duro voltar a passar por tudo aquilo!
CAPÍTULO VIII - «APENAS A OUVIR ... A OBSERVAR»
Quando Joe veio à procura de auxílio estava desesperado. Tinha de resolver o seu problema: insónia
grave. A maior parte das noites não conseguia adormecer senão de madrugada, a não ser que tomasse
quatro soporíferos — todos ao mesmo tempo. Pagava sempre o preço dessa atitude, dormindo durante
doze horas e sentindo lhe o efeito muitas mais horas. Noite após noite mantinha-se acordado, resistindo aos
comprimidos. Sem excepção, a sua mente mergulhava numa torrente de pensamentos incongruentes. Tal
como frequentemente acontece com todos os sintomas, a sua insónia provocava-lhe outros problemas. Era
lhe impossível concentrar-se. E bem precisava da concentração, pois andava a preparar-se para um exame
sobre direito de propriedade. Era imperativo que decorasse páginas e páginas de factos e leis. Sem sono,
preocupava-se com a passagem no exame — o que fazia com que fosse mais difícil conciliar o sono,
durante a noite. Era um ciclo vicioso.
Joe era um homem aprumado, com cerca de trinta e cinco anos. Dentro da estatura mediana, não
tinha nem um quilo a mais. Vestia-se impecavelmente, com camisas vistosas, calças bem feitas e botas de
cowboy bem engraxadas. Tinha um aspecto que parecia dizer-nos automaticamente: «Sou um individua
lista.»
O motivo da sua primeira visita fora o seu vício de fumar três maços de cigarros por dia. Mas, desta
vez, veio por causa de uma palestra que fiz numa faculdade dos arredores. Quando relacionei com vidas
passadas as causas de vários casos de desordens do sono, o seu interesse foi despertado. Marcou uma
consulta logo no dia seguinte.
Sob hipnose, e através de sinais de dedos, o subconsciente de Joe indicou que o seu problema
estava relacionado com dois acontecimentos de uma vida passada. Dei sugestões ao seu subconsciente
para o preparar, a esse nível, para que, na
consulta seguinte, pudesse olhar para essa vida. Quando ia a sair, parou à porta. «A ideia de uma
existência anterior intriga-me.» Riu. «Não faço a menor ideia de quem teria sido.»
Voltou na semana seguinte. Cinco minutos depois comecei a indução hipnótica — queria dispor de
todo o tempo possível para a sua regressão à vida passada. Confirmei os sinais do seu dedo e vi que o seu
subconsciente o tinha preparado. Continuei com a regressão, fazendo a contagem decrescente para «outro
lugar, outra época» e esperei ... esperei. Nada surgiu. Ele não estava a sentir nada. Fiquei espantada. Tive
o pressentimento de que ele estava a resistir e que provavelmente precisava de maior preparação. Dei-lhe,
de novo, sugestões hipnóticas, para o prepararem para uma regressão à vida passada, durante essa
semana, e libertei-o do transe. Quando discutíamos o que acontecera, ele revelou que vira «uma loja e uma
cena de rua, com grande nitidez» — vira inclusivamente sulcos na rua suja e gastos passeios de madeira.
Mas não falara em nada, porque pensara que «era tudo invenção». Quando se preparava para sair, disse:
«Agora compreendo. Da próxima vez confiarei no meu subconsciente e relatarei tudo o que me surgir, quer
faça sentido, quer não!»
Ao entrar no meu consultório, confessou que na semana anterior, ao vir para a consulta, se tinha
sentido muito receoso — de facto, ficara até quase com suores frios. Assegurou-me que desta vez estava
preparado. Repeti-lhe as instruções para relatar tudo. Caiu muito rapidamente num transe profundo. Depois
de ter retrocedido até um acontecimento agradável ou neutro, ocorrido na infância da vida responsável pelo
seu problema de sono, disse:
J. — Dez anos.
J. — Dale.
J. — Short.
Dr.ª F. — Onde?
J. — Kentucky.
J. — É o chefe da polícia.
Dr.ª F. — Morreu?
J. — Foi morto.
J. — A tiro.
J. — Hum-humm.
J. — Pistoleiro.
J. — Sinto-me mal, por causa da minha mãe e da minha irmãzinha ... nunca pensei que, ah ... alguém
o pudesse bater.
Dr.ª F. — Está mesmo surpreendido.
J. — Hum-humm.
J. — Dezassete anos.
Dr.ª F. — Ponha de parte, de momento, esses sentimentos e recordações. Concentre-se na sua
respiração enquanto eu conto até cinco. Fique calmo e relaxado. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Que
sente agora, Dale?
J. — Junto de uma fogueira. Muita gente.
J. -É uma caravana.
Dr.ª F. — É noite?
J. — Hum-humm.
J. — Vinte anos.
J. — É Primavera, ou Verão.
J. — E quente.
J. — Não.
Dr.ª F. — Porquê?
J. — Eles só sabem tratar da terra e ... vão para o Oeste para arranjar terras e ... não estão
preparados. [Com altivez.]
Dr.ª F. — Que pretende dizer com isso?
J. — Não se podem defender.
J. — Hum-humm. Não sob todos os aspectos ... mas em grande parte deles.
J. —Sim.
Dr.ª F. — Então está sentado e encostado ... está encostado à sua carroça?
J. — Nós íamos ... a aproximarmo-nos de um desfiladeiro e os índios estavam ... estavam escondidos
nos lados do desfiladeiro e começaram a atirar sobre nós.
Dr.ª F. — Que armas tinham eles?
J. — Algumas espingardas ... arcos e flechas.
J. — Tivemos de deixar ... deixar as carroças porque ... não podíamos juntar as carroças ... não é
uma boa posição defensiva.
Dr.ª F. — Todos deixaram as carroças; e que fizeram depois?
J. — Corremos para as árvores.
J. — Entre as árvores.
J. — Tenho pena dessas pessoas ... metade são mulheres ... puxam-nas para os seus cavalos e
partem com elas ... estas pessoas não conseguem acertar em nada, com as armas. [Exasperado.]
Dr.ª F. —São alvos fáceis, não são? Já foi morto algum?
J. — Alguns índios ... atirei sobre alguns.
J. — Hum-humm ... Atirei sobre uma mulher ... não consegui acertar só no índio.
J. — De propósito.
J. — Hum-humm.
Dr.ª F. — Deixe que essas recordações desapareçam e avance até ao próximo acontecimento
significativo. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Que se passa agora, Dale?
J. — Estou na cidade ... nos montes ... montanhas ... é uma cidade mineira, minas de ouro.
Dr.ª F. — Que está a fazer neste momento?
J. — Estou a descer a rua, pelo passeio ... mineiros, muitas pessoas, homens.
J. — Califórnia.
Dr.ª F. — Revendo aquele ataque índio, pode dizer-me qual foi o resultado?
J. [Pausa longa.] — Aguentámo-nos até àquela noite ... não ficaram muitos ... disse-lhes que
passassem a palavra e que cada um tentasse escapar por si ... que não se juntassem, porque os índios
podiam perceber e ... seria melhor sozinhos. Parti só.
Dr.ª F. — Partiu durante a noite?
J. — Hum-humm.
J. — Não.
J. — Apenas ... apenas com o luar e ... talvez os índios nos seguissem o rasto, na manhã seguinte ...
não me parece ... [suspiro profundo] ... que os outros tenham tido sorte.
Dr.ª F. — Acha que os outros não têm hipóteses, mas você sabe muito bem o que está a fazer, não
é?
J. — Hum-humm.
J. —Não. Os índios andavam ... à nossa volta ... apanhei alguns com a minha faca, nessa noite.
Dr.ª F. — Com a sua faca? Foi uma luta corpo a corpo, não foi?
J. — Hum-humm.
J. — Não!
Dr.ª F. — Não se atreveria a correr esse risco, pois não? Aproximadamente, a que horas de noite se
J. — Hum-humm. Ouvia gente gritar, de quando em quando, porque ... [suspirando profundamente] ...
os índios os tinham apanhado com um machado ou com uma faca.
Dr.ª F. — Deve ter sido uma noite terrível para si.
J. — Eu não estava com medo. [Dizendo a verdade.]
J. — Apenas a ouvir ... a observar. Apesar de não se conseguir ver quase nada. Só as árvores, ali
não entrava luar ... bons lutadores.
Dr.ª F. — Quem eram eles?
J. — Crows.
J. — Sabia que naquela zona havia Crows ... os Crows são os únicos hostis. As outras tribos são
pacíficas.
Dr.ª F. — Disse que estava ali na floresta. Ouvia gritos de quando em quando, mas não tinha medo.
Só estava muito atento. J. — Hum-humm.
Dr.ª F. — Sabia que, se não prestasse atenção, podiam morrer todos, é isso?
J. — Bom, só pensava em proteger-me a mim mesmo. Não tinha nenhuma hipótese de proteger o
grupo. [A sua voz era deprimida.]
Dr.ª F. —E agora, aqui está, nesta cidade mineira. Onde se encontra?
J. — Estou na rua.
J. — Ainda não faço nada. Não ... não me parece que vá ficar aqui. Estou só a ver como é isto.
Dr.ª F. — Vou pedir-lhe que avance até ao próximo acontecimento significativo, após a contagem até
Dr.ª F. — Esconderijo?
J. — Hum-humm.
Dr.ª F. — Porque se esconde?
J. [Murmurando.] — Assaltei uma diligência ... para arranjar dinheiro.
J. — Hum-humm.
J. — Sabe, tinha ficado sem dinheiro e ... trabalhava a maior parte do tempo em ranchos e ... não
gosto desse tipo de trabalho. Vi esta diligência, então assaltei-a ... só fiz uma emboscada. Não matei
ninguém.
Dr.ª F. — Tomou essa decisão momentaneamente, ou já tinha isso planeado?
J. — Sentia curiosidade em saber como seria.
J. — Hum-humm.
J. — Talvez há um mês.
J. —Eu ... vou ficar aqui durante algum tempo e depois volto pelo Texas. Devo ser procurado na
Califórnia.
Dr.ª F. — Bom. Agora vou contar de um a cinco e, quando chegar a cinco, gostaria que avançasse
até ao próximo acontecimento significativo. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Onde está agora, Dale?
J. — Estou num bar. Têm, ah ... mesas de jogo, raparigas que dançam ... eu mantenho isto calmo ...
sou o guarda.
Dr.ª F. — Que faz?
J. — Estou aqui para não haver roubos.
J. — Francamente, não.
J. — Três meses.
J. — No Texas.
J. — Não.
Dr.ª F. — É um solitário?
J. — Sim.
Dr.ª F. — Agora deixe que estas recordações se desvaneçam e avance até ao próximo
acontecimento significativo, apôs a contagem até cinco. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco.
J. — Estou numa diligência ... como guarda ... é um trabalho fácil.
J. — Para Wichita.
J. — Não.
J. — Nem por isso. Melhor que o trabalho no rancho ... tratando do gado.
Dr.ª F. — E agora vou pedir-lhe que deixe desaparecer essa recordação e que avance para o próximo
acontecimento significativo, após a contagem até cinco. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Diga o que lhe
vier à cabeça.
J. — Sou o xerife.
J. — Hum-humm.
J. — Dois anos.
J. — Pittsburgo.
J. — Estou a caminhar pela rua ... no passeio ... digo «Olá» às pessoas. Não há muito que fazer
durante o dia.
Dr.ª F. — Tem mais trabalho à noite?
J. — Hum-humm.
J. —Lojas ... e o ... bar, estão constantemente a embriagar-se e a dar tiros uns aos outros.
[Impacientemente.]
Dr.ª F. — Já casou, Dale?
J. — Não.
J. — Tenho uma casa pequena que a cidade me dá, faz parte do trabalho.
Dr.ª F. —E você anda a passear pela rua; anda só a dar uma vista de olhos, não?
J. — Hum-humm.
J. —É uma cidade pequena ... ah ... muitas pessoas dos ranchos vêm cá ... tratadores de gado e
donos de ranchos, agricultores ... não há muitas pessoas a viver na cidade ... donos de lojas.
Dr.ª F. — A cidade tem prosperado?
J. — Tem crescido ... aqui não há muitos delitos.
J. — Não me parece. Não ... não há movimento suficiente ... os tratadores de gado embriagam-se,
começam a atirar uns sobre os outros ... e normalmente atingem uma pessoa que não era aquele que
visavam. Depois pensam que são bons e ... se não foi uma luta leal, então querem tiroteio comigo. São uns
miúdos.
Dr.ª F. — Que faz, quando eles querem tiroteio consigo?
J. — Normalmente não são nada rápidos e, se estou perto, acerto-lhes no joelho ... isso deita-os ao
chão. Normalmente nem mesmo tiram a pistola do coldre. Se falho à primeira ... então mato-os. Não lhes
vale a pena matarem-me para tentarem salvar as suas vidas. [A sua voz arrasta-se com desgosto.]
Dr.ª F. — Agora deixe essas recordações desaparecerem e avance até ao próximo acontecimento
significativo. Vou contar de um a cinco e, depois da contagem, vá até ao acontecimento ou acontecimentos
responsáveis pelo seu problema de sono. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco.
J. [Pausa longa. Franze a testa enquanto pesquisa a sua memória.] - É uma cidade maior ... sou o
chefe da polícia e não o xerife. É o Colorado. Há muitos saloons na cidade ... mais pistoleiros ... e vadios ...
aqui, as pessoas já sabem lidar melhor com as suas armas. Não são como os lojistas ou os tratadores de
gado. Mas gosto.
Dr.ª F. — Gosta disso?
J. — Hum-humm. [A sua cara torna-se animada.] É excitante.
J. — Estou bronzeado ... o meu cabelo é escuro ... e sou musculoso ... ancas estreitas, cinta ... botas
pretas.
Dr.ª F. — Vou pedir ao seu subconsciente que o leve até ao próximo acontecimento significativo.
Após a contagem até cinco. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco.
J. — O banco foi roubado.
J. — Não.
Dr.ª F. — Quando aconteceu isso? A que hora do dia?
J. — Foi por volta do meio-dia. Veio alguém ao meu escritório dizer-me.
J. — Seis ou sete.
J. — Não têm grande avanço. Não têm muitos sítios para onde fugir.
J. — Hum-humm.
J. — Hum-humm.
J. — Hum-humm ... e estas pessoas são simpáticas, banqueiro ... presidente da câmara. Todos eles
têm mesas de bilhar em casa.
Dr.ª F. — Está em casa de alguém?
J. — Não ... este ... é o salão de bilhar da cidade.
J. — Hum-humm.
Dr.ª F. — E agora, se acontecer qualquer coisa durante essa noite, o seu subconsciente levá-lo-á
para esse momento, após a contagem até cinco. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco.
J. [Recua com violência.] Alguém me alvejou.
J. — Foi uma caçadeira ... atravessou o meu peito e o meu estômago. [Arfando.]
J. — Estou acima de tudo surpreendido. Dói mas não, não muito. Estou apenas surpreendido por ter
deixado que isso acontecesse.
Dr.ª F. — Que quer dizer?
J. — Que eu não era ... é que eu não seria apanhado apenas ... por alguém me ter armado uma
emboscada. [Raiva na sua voz e na sua cara.]
Dr.ª F. — Está surpreendido por não ter sido suficientemente cauteloso?
J. —Sim.
J. — Hum-humm.
J. — Eles levaram-me para a cama ... lá para cima ... médico ... o meu estômago dói-me. [Gotas de
suor aparecem na sua cara.]
Dr.ª F. — Está a perder muito sangue?
J. — Hum-humm.
J. —Hum.
J. — Este é o médico ... e uma mulher que o ajuda ... o banqueiro e o presidente da câmara ... um
dos ajudantes ...
Dr.ª F. — Então, acha que vai sobreviver?
J. — Não é possível!
J. — Com uma caçadeira ... [risada curta] ... muito sobre o estômago.
Dr.ª F. — Quais são os seus pensamentos acerca disso? Que pensa acerca da morte?
J. — Isso não ... não me incomoda muito. Só estou ... louco ... deixei que me apanhassem assim!
Dr.ª F. — Como os deixou apanharem-no? Estava desatento ou que aconteceu?
J. — Só não contava com isto.
J. — Hum-humm.
Dr.ª F. — Se estivesse à espera disto, que teria feito? Que atitude teria tomado?
J. — Não estaria numa sala iluminada, com as persianas abertas ... teria ficado alerta. Mantinha-me
fora dos edifícios. Eles alvejam, quando saímos pela porta. A luz está nas nossas costas.
Dr.ª F. — Foi desse modo que isso se passou? No momento em que ia a sair pela porta?
J. — Eu estava no salão de bilhar. Ele atirou através da janela. Não podia falhar.
Dr.ª F. — Bom, agora avance alguns minutos e veja o que está a acontecer. Um ... dois ... três ...
quatro ... cinco. Em que situação se encontra?
J. — O médico está a pôr o lençol ... sobre a minha cara.
J. — Vejo o médico ... a sua enfermeira, limpando os seus ... objectos, instrumentos. O banqueiro e o
presidente da câmara ... dizendo que lamentam muito tudo aquilo.
Dr.ª F. — Além disso que vê? Que vê na cama?
J. — Apenas um lençol ensanguentado ... e eu. [Com indiferença.]
J. — Sim.
Dr.ª F. — De onde?
J. —Do céu.
Dr.ª F.— Do céu? Está a olhar para dentro da casa, através dos telhados?
Dr.ª F. — Sente que pode ver as expressões e ouvir o que dizem as pessoas?
J. [Acena de novo.]
J. — Não.
J. — Está vestida com uma espécie de fato, com um aspecto muito distinto. Não o conheço.
Dr.ª F. — Estão aí consigo?
J. — Hum-humm.
J. — Eles estão ... estão a conduzir-me e como que a consolar-me, mas ... não com palavras. Mas eu
sei o que eles querem dizer.
Dr.ª F. — Como se sente interiormente, agora?
J. — Sinto-me bem. Sinto ... a falta de raiva.
Dr.ª F. — Tem consciência que dantes sentia raiva; é isso que quer dizer?
J. — Hum-humm.
Dr.ª F. — Acha que o ataque índio teve alguma coisa a ver com o seu problema de sono?
J. — Sim, teve ... perseguiram-me durante vários dias ... Não podia dormir à noite.
J. — Não.
J. — Dormitava, mas ... mas só quando estavam muito afastados de mim. Quando eu tinha atingido
um lugar alto.
Liberto da hipnose, Joe ficou estonteado, por momentos. Depois, lentamente, sorriu: «Há na verdade
muitos paralelismos!» Inclinando-se da sua cadeira na minha direcção, explicou ansiosamente: «Não lhe
tinha falado nisto, mas o tiro, é ... tem sido, desde os meus tempos de criança ... o meu desporto favorito.»
Sorriu ao acrescentar: «E sou muito bom nisso!» Retomando um ar sério, juntou as mãos, dedo com dedo,
e ficou a olhar para elas, em profunda meditação. «Sou basicamente um solitário. Não deixo as pessoas
aproximarem-se. Dale e eu temos isso em comum. Isto é, quando eu era Dale, era o mesmo que sou
agora.» Parecia um pouco envergonhado quando admitiu: «Tenho jeito para descobrir as fraquezas dos
outros — consigo até localizá-las.»
Sorri, quando me lembrei que ele me tinha chamado a atenção para um erro — um lapsus linguae —
que eu cometera durante a palestra a que ele assistira. Acenei, concordando, que ele parecia apanhar os
erros e «fraquezas». Disse-lhe: «Como `trabalho de casa', Joe, anote as fraquezas que vê nas outras
pessoas. Descobri que, desse modo, podemos aprender muito sobre aquilo que consideramos fraquezas
em nós mesmos.» Um sorriso, meio culpado, espalhou-se pelo seu rosto. «Hmm, talvez tenha razão.»
Quando se levantou para sair lançou-me um grande sorriso — e, ao mesmo tempo, abanou lentamente a
cabeça, semi-incrédulo. «Se tudo isto for verdade, explica realmente porque estou tão alerta todas as
noites. Espero que isso se modifique.» «Também o espero», repliquei. Parecia estimulado.
Algumas semanas mais tarde, por telefone, Joe comunicou-me os resultados da sua regressão à vida
passada. Na noite seguinte à nossa sessão, adormeceu de imediato e dormiu profundamente até de
manhã. Na noite seguinte contou à sua família «a história toda», com todos os pormenores assustadores da
sua vida como Dale Short. Quando foi para a cama, reviu tudo no seu espírito e sentiu-se tão intrigado com
os pormenores que lhe foi impossível descontrair-se o suficiente para dormir bem. Mas, desde essa altura,
tem dormido profundamente todas as noites — sem pastilhas.
Também estava radiante por me poder dizer que tinha passado no seu exame de direito de
propriedade!
CAPÍTULO IX - «CHAMAM-LHE BEIJAR!»
A voz de criança não se coadunava com a sua cara de mexicana, bonita mas triste. Os enormes
olhos negros dominavam o seu rosto. Não usava maquilhagem. O cabelo preto, muito ondulado, estava
dividido ao meio e apanhado junto ao pescoço, com um elástico. Tinha uns bons treze quilos a mais e
usava roupa escura, para esconder a sua figura.
Maria, de quarenta e seis anos, desabafou: «Olhe para mim! Sou tão gorda que já nem eu própria me
suporto. Cada vez fico mais furiosa comigo mesma. A minha vida é uma confusão. Sabe, não há unta única
coisa em mim, ou na minha vida, da qual eu goste.» Com os olhos cheios de lágrimas, disse: «Não tenho
ninguém. Nunca tive ninguém. Estive casada anos — mas isso não era suficiente. Os meus filhos são
lindos. Mas não é a isso que me refiro. Porque será que não consigo amar um homem? Acabei por
desistir.» Neste momento já cobrira os olhos com as mãos. Alguns momentos depois recompôs-se um
pouco. Tentando limpar as lágrimas, que continuavam a cair, avançou: «Desde a minha infância que é
sempre a mesma coisa. Costumava ter paixões terríveis. Depois ficava desapontada, por qualquer razão.
As vezes penso que invento motivos. Nunca resultou.»
Vi Maria durante seis sessões. Para mim tornou-se muito claro que ela sofria — sofria até mais do
que ela própria admitia. Achava que os seus problemas eram devidos ao facto de «não ter ninguém — e de
ser tão 'monstra'». O nosso trabalho trouxe à tona a verdadeira razão, uma completa negação da sua
sexualidade.
Os dois relacionamentos principais da sua vida, com o seu marido, Robert, e mais tarde com um
amante, Alfonso, tinham terminado ambos pelo desinteresse. Tivera encontros sexuais muito breves e
frenéticos, que a deixaram mais deprimida que antes. «Nunca me senti realizada sexualmente. Consigo
ficar ligeiramente excitada no princípio de uma experiência sexual, mas, pouco tempo depois, nada sinto.
Tenho uma enorme sensação de frustração e depressão.» Acabou por ver o seu conflito como uma
aproximação-rejeição. Evitava o sexo porque era fisicamente doloroso e degradante. «Sempre senti que se
serviam de mim. Mesmo com Alfonso, sentia que ele se servia de mim. Sei que não faz sentido, mas era
assim que me sentia.» Corou e baixou a voz. «A parte doentia de tudo isto é que, se não sinto que se estão
a servir de mim, e, pior, se não me magoo fisicamente, sinto-me ludibriada. É assim que tem sido até
agora.»
A sua incapacidade para gostar do sexo embotava e, eventualmente, destruía não só os seus
relacionamentos como também a sua autoestima. Estava admirada com a sua falta de calor e de entrega,
durante o acto sexual, pois, em todos os outros aspectos da sua vida, estas eram qualidades bem vincadas.
Durante a adolescência, apercebera-se perfeitamente da sexualidade. «Tinha aos homens um medo de
morte. Pensava que estavam todos prontos para saltar para cima de mim.» Descobrimos que as raízes de
algumas das suas atitudes em relação ao sexo e a si mesma, como mulher, estavam na sua infância, altura
em que fora educada pela avó, que falava contra tudo o que se relacionava com o sexo e desaprovava
activamente a feminilidade. Mas isto apenas aflorou a superfície de uma completa compreensão do seu
problema principal.
Durante uma das nossas sessões, Maria falou sobre as suas frustrações. Um tema comum na sua
oratória era a sensação de que não era ninguém — nada, de que não tinha importância. «Nunca senti que
alguém me levasse a sério. As pessoas não me ouvem, porque tenho a voz de uma menina.» Sorrindo
ligeiramente, relatou vários incidentes que ilustravam esta afirmação. Uma vez, quando mandava um
telegrama, a telefonista deu-lhe os parabéns «por uma menina tão pequenina se ter desembaraçado tão
bem». Várias vezes a telefonista tinha pedido para falar com alguém mais velho, que pudesse autorizar uma
chamada a pagar. Apesar de rir, ao recordar estes acontecimentos, o seu riso tinha uma nota de pesar —
uma sensação de mediocridade e frustração.
Outro problema que surgiu durante o nosso trabalho em conjunto foi a revolta de Maria. Tornou-se
cada vez mais visível, à medida que ela lutava para se manter no programa de dieta e meditação que
estabelecêramos durante a nossa primeira sessão. A revolta parecia também incompatível com o seu
carácter. Não se coadunava com a responsabilidade com que desempenhava o seu trabalho com as
pessoas — com a sua inteligência e maturidade superiores. Tal como ela disse: «Tudo anda em conflito; o
peso que quero atingir, o problema que quero resolver; o relaxamento que quero aprender, pela medi
tação.» Pensei nestas duas discrepâncias: a voz infantil e a sua revolta. Tomei-as como coisas que
poderíamos entender através do nosso trabalho hipnótico.
Durante uma das nossas sessões, sob hipnose, o subconsciente de Maria indicou que os seus
problemas em relação ao sexo se tinham originado num acontecimento de uma vida passada. O local
parecia a Arábia. Fi-la recuar até esse acontecimento.
M. — Não gosto do que vejo. [A sua voz torna-se ainda mais infantil.]
M. — Pertenço a alguém.
Dr.ª F. — Sim?
M. — Trouxeram-me para um sala. Havia lá muitos homens. Oh! Não quero fazer isto! [Lágrimas
começavam a formar-se.]
Dr.ª F. — Sabe quem é?
M. [Chorando.] —É quase como se não fosse ninguém.
M. — Nove anos.
M. — Phillepa.
Dr.ª F. —Não faz mal. Diga-me o que se está a passar, Phillepa. Quem a levou para a sala?
Dr.ª F. — Quem é?
M. — Um homem feio.
M. — Não ... não! Não são amigos. São apenas homens. Acho que são comerciantes ... ele é um
comerciante qualquer. Não sei o que faz.
Dr.ª F. — Quantos são?
M. [Olhando em volta.] — Onze.
M. [Silêncio.]
Dr.ª F. — Conte-me o que se passa.
M. [Murmurando.] —Não quero saber.
Dr.ª F. — Fique calma e relaxada. Vou contar até cinco. Depois de cada número, sentir-se-á mais
relaxada. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco.
M. [Pausa longa.] — Tenho pressentimentos ... e penso coisas ... mas toda a gente age como se eu
não o fizesse, como se eu não ... apenas pertenço a alguém ... e eles podem mandar-me aqui, podem
mandar-me ali, «Faça isto, faça aquilo» ... Eles não acreditam que eu tenho direitos. Mas eu acredito.
Dr.ª F. — Você sabe que tem direitos, mas eles não.
M. — Eles dizem que não.
M. — Todas estas pessoas. Aquele a quem eu pertenço e as pessoas que vieram ... até agem como
se eu não existisse — sou uma coisa.
Dr.ª F. — Que tipo de tarefas tem de fazer? Faz trabalhos de casa e coisas desse género?
M. — Não é isso. Não é isso que é mau. É a parte sexual, que é má ... eu podia morrer que eles não
se importavam.
Dr.ª F. — Não representa nada para eles?
M. — Nasci ... eles não se importam.
Dr.ª F. — Como é que este homem conseguiu ser seu dono? Onde estão os seus pais?
Dr.ª F. — É na realidade a parte sexual que a preocupa e não o trabalho da casa, não é?
M. — Levanto-me de manhã e desço para ir buscar qualquer coisa para comer ... não há
aquecimento, a casa está sempre fria, chão de pedra ... não esperam que eu faça nada, só me dizem para
sair da sua frente.
Dr.ª F. — Quem lhe diz isso?
M. — As mulheres que estão a cozinhar.
Dr.ª F. — Elas sabem que se servem de si no aspecto sexual?
M. — Hum-humm. É para isso que ali estou.
M. — Há muito tempo.
Dr.ª F. — Agora está pronta para ir para aquela sala e para me contar o que se passa?
M. [Longo silêncio.]
Dr.ª F. —É muitíssimo importante que torne a viver este acontecimento, apesar de não ser agradável.
Saber libertá-la-á. E agora quero que entre na sala e que me conte o que se passa.
M. [Longo silêncio.]
Dr.ª F. — E o que é?
M. — Há muitos sentimentos.
M. — É ... é excitante ... [o seu rosto anima-se] ... e é doloroso ... [franzindo a testa] ... mas sinto
qualquer coisa, mas que ao mesmo tempo faz com que me sinta mal ... é que eu não sou real, para eles.
Dr.ª F. — Conte-me mais.
M. — Não compreendo bem ... devo dizer-lhe? [Chorando.]
M. — É terrível!
Dr.ª F. — Quero ajudá-la. Acho que o facto de saber isso a ajudará muitíssimo.
M. — Então vou contar. [Tentando limpar as lágrimas.] Vou junto a cada um dos homens, foi o que
eles me ensinaram a fazer. [Começava a soluçar de novo.]
Dr.ª F. — Ensinaram-na a ir junto a cada um dos homens ...
M. — É como se fosse uma saudação; e eu saúdo-os.
M. —Sim.
M. — Tenho uma túnica branca, que visto especialmente para isto. Não uso nada por baixo. Vou junto
a cada um dos homens e dispo-os, não totalmente e ... então ... [baixando a voz] ... eles chamam a isso
beijar! Acham que é tão divertido!
Dr.ª F. — Quais são os seus sentimentos, a respeito do que tem de fazer?
M. — Tenho nisso um certo prazer, mas não do modo a que me obrigam a fazê-lo.
M. — Não me importo de fazer aquilo, mas eles não vêem que eu sou uma pessoa ... não se
importam com o que eu sinto. Por isso, enquanto estou ... estou assustada ... estou furiosa com eles, mas
sinto-me mal. O que sinto é também raiva ... [alegrando-se] ... sabe, acho que sei que não sou obrigada a
fazer isto. Eles dizem-me para o fazer, mas não sou obrigada a fazer isto e, por isso, faço-o porque quero.
[Voz cheia de espanto.]
Dr.ª F. — Foi educada assim e foi treinada para fazer isto, não é verdade? Esta é também uma
maneira de lhe prestarem atenção. Já alguma vez tinha pensado nisto?
M. — Não.
M. — Hum-humm. E, durante todo o tempo que faço isto, penso neles ... e penso que gosto disto,
eles não sabem que eu gosto, e por isso ... é quase como se eu os andasse a enganar ... pois eu não
deveria sentir nada. Eu devo ser um objecto. E por isso, eu penso, eles acham que eu não sou nada, mas
estou a enganá-los! ... É assim que me sinto às vezes, como se me pudesse rir deles. Mas, mesmo assim,
estes sentimentos esquisitos ... como agora, tudo o que sinto é que eles são estúpidos!
Dr.ª F. — Conte-me o que se passa, além disso.
M. — Sabe, sinto-me melhor quando penso que eles são estúpidos. Porque se não sinto que eles são
estúpidos ... então, sinto que não sou nada ... que estão a servir-se de mim.
Dr.ª F. — Que se passa a seguir, depois da saudação?
M. — Desta vez não faço o que eles normalmente querem. [Desafiando.]
Dr.ª F. — Que é?
M. — Desta vez rio-me deles. [Atira com as palavras.] Desta vez digo-lhes que são estúpidos.
Dr.ª F. — Continue.
M. —É a altura em que me sinto melhor, porque sei que não tenho de fazer mais isto. Não sou
obrigada ... e agora não quero ... e não vou fazer. [Murmurando.]
Dr.ª F. — Como reagem eles?
M. [Sorrindo.] — O meu dono está zangado.
M. — Sim. Ele está zangado, porque está a fazer figura de parvo em frente dos seus ... destes
homens ... e eu vou mostrar-lhe. E acho que, para mim, chega!
Dr.ª F. — Normalmente, que a obrigam a fazer?
M. — Fazem os seus joguinhos, quando me mandam chamar e ... e eu saúdo-os, o que os estúpidos
chamam «beijo». Os velhos porcos! ... [A sua voz treme, com a emoção.] E depois põem-me na mesa, no
meio da sala e fazem tudo o que querem ... um por um ... e os outros ficam à volta ... a ver.
Dr.ª F. — Então, desta vez, não vai fazer isso?
M. — Não, porque não me podem obrigar.
M. — Está mesmo furioso ... eu não me importo ... acho que ele me vai matar ... mas não me importo
... prefiro isso. Tenho de fazer isso.
Dr. F. — Que a leva a pensar que ele a vai matar, ou que tenciona matá-la?
M. — Eu não faço o que ele quer e isto é a única coisa que eu faço. Não faço mais nada.
M. —É assim que me sinto ... não sou obrigada a fazer isto. Não quero, e o máximo que ele pode
fazer é matar-me. Não me pode magoar mais ... ele Disse-me que não sou uma pessoa, que não existo.
Eles não ... eles não disseram isso, sabe, mas é isso que eles ... está nas suas atitudes. E, então, estou
apenas a dizer que não é verdade.
Dr.ª F. — Conte-me o que lhe diz. Diga-me as suas palavras exactas.
M. — Ponho-me de pé em cima da mesa e digo: «Vocês são todos estúpidos! Pensam que eu não
tenho sentimentos. Pensam que eu sou apenas uma coisa, como a mesa, e que
as únicas pessoas importantes são vocês, o que pensam e o que sentem ... Estão mais preocupados
com o que as outras pessoas, os outros homens, pensam a vosso respeito do que com aquilo que eu
penso. E, durante todo o tempo, eu estou a pensar; e estou a pensar em como vocês são lorpas, como
vocês são estúpidos, como vocês são feios; porque sou eu quem vos está a usar, acho que vocês nem
sequer pensam.» [Baixando a voz.] Eles julgam que eu estou louca.
Dr.ª F. — Como sabe isso? Que dizem eles?
M. — Falam acerca de mim.
ª
Dr. F. — Que dizem eles a seu respeito?
M. — Só disse: «Não faz mal. Há outra.» Agora já não me sinto tão bem, porque há outra ... isso quer
dizer que outra menina terá de fazer isto.
Dr.ª F. —É isso que a preocupa, ou preocupa-a o facto de não ser a única?
M. [Voz arrastada, por causa da tristeza.] — Talvez. Só me mandaram embora. Então acabei por
perder. Não me importo.
Dr.ª F. — Perdeu realmente? Defendeu os seus direitos e não fez o que não queria fazer, não foi?
Isso não me parece ter sido uma derrota.
M. — Sim, mas, como sabe, conseguirem isso de mim ou de outra pessoa é-lhes indiferente. Não
ouviram o que eu lhes disse ... sabe, julgo que sou uma velha, porque às vezes pergunto a mim mesma
como pude pensar assim.
Dr.ª F. — Sente-se uma velha com toda a sua sabedoria; é isso que quer dizer?
M. — Como consegui eu pensar assim? Eles são mais velhos que eu.
ª
Dr. F. — Que aconteceu depois de subir para cima da mesa? Foi para o chão?
M. — O velho diz: «Sai!» E eu penso: «Poderá ser assim tão simples?» Julgo que eles têm medo de
mim. E agora tenho medo, porque ... Que vou fazer agora?
Dr.ª F. — Que se passa depois?
M. — Elas não me deixam ficar mais tempo na casa. [Todo o seu corpo começa a tremer.]
Dr.ª F. — Quem são «elas»?
M. — As mulheres.
M. — Acho que têm medo. Pensam que eu sou louca. Talvez seja.
Dr.ª F. — Você não me parece louca. Apenas me parece uma menina que defendeu os seus direitos
e que não queria ser considerada um zero, um objecto.
M. — Não pareço uma velha?
Dr.ª F. — Parece. Talvez tenha uma sabedoria interior, mas isso não a torna louca Agora gostaria que
continuasse, até ao próximo acontecimento significativo. Vou contar até cinco. Um ... dois ... três ... quatro ...
cinco.
M. [Longo silêncio.]
M. — Acho que saí e me sentei num muro branco. Estou aí sentada, com a cabeça apoiada nas
mãos; estou apenas ali sentada. Pensei que iam matar-me e não o fizeram ... apenas sentada ou e ... e o
que penso agora ... [recuando] ... alguém veio por trás de mim e ... e cortou-me a cabeça!
Dr.ª F. — Então acabou por ser morta, mas não percebeu; é isso?
M. — Consigo sentir ... [Colocando a mão por trás do pescoço.]
M. — Estou ali sentada e ... no entanto estou fora dali e ... consigo ver. A menina nunca soube, mas
alguém surgiu por trás dela e, com uma faca enorme, cortou-lhe a cabeça. Ela nunca soube ... ela ainda
julga que está a pensar.
Dr.ª F. — Gostaria que voltasse ao presente, Maria ... continuando profundamente relaxada. Quando
eu chegar a zero voltará a Setembro de 1976. Dez ... nove ... oito ... sete ... seis ... cinco ... quatro ... três ...
dois ... um. Fale-me da menina. Como foi a vida dela?
M. — Bom, foi uma vida muito vazia. Não havia muito que fazer. Na realidade, ela não tinha nada que
fazer, não tinha tarefas, sabe. Não precisavam dela para coser ou para qualquer outra coisa. Apenas estava
ali ... quase como ...como uma boneca, ou um gatinho, que não tem nada que fazer. Todo o seu trabalho é
estarem presentes, no caso de alguém querer
brincar com eles. E era assim. Todas as mulheres a alimentavam, mas diziam-lhe: «Sai da minha
frente!»
Dr.ª F. — E que lhe aconteceu, no final?
M. — Bom, ela estava a pensar em como tinha conseguido sair daquela sala, pois tinha a certeza de
que iria ser morta ... e então saiu, sentou-se e estava a pensar, eu ia morrer e ... então, quase que a posso
ver, sentada ali, ainda a pensar; e depois alguém apareceu atrás dela e cortou-lhe a cabeça.
Quando saiu da hipnose começou a chorar baixinho. Levou alguns minutos a recompor-se. Depois de
limpar as lágrimas, com um lenço de papel, olhou para mim e, com uma voz ainda emocionada, disse: «Que
coisinha triste eu fui.» Tremendo, continuou: «Eram uns homens tão feios. Não admira que eu não seja
muito aberta.» Levantou-se para sair. Depois voltou-se para mim: «Obrigada por tudo aquilo. Nunca teria
chegado a saber. E eu preciso de saber.»
Quando Maria voltou, para a sessão seguinte, parecia mais leve e mais feliz. No entanto, a sua
disposição alterou-se rapidamente, quando se perdeu em meditação. Relembrava a sua regressão como
Phillepa. Disse: «Ainda me sinto como aquela menina. Agora, interiormente, já sei porque abafei toda a
minha sexualidade. Não me admira que não me consiga entregar. Compreendo porque via os homens como
uns seres cheios de luxúria.» Agora sabia também porque tinha necessidade e ao mesmo tempo aversão à
dor, ao facto de se servirem dela e à degradação. Sentia a revolta de Phillepa, e era exactamente o mesmo
sentimento que a acompanhava quando era preciso que fizesse alguma coisa. Ambas sentimos que a sua
voz de criança era um vestígio de Phillepa, simbolizando a poderosa influência que essa parte dela tinha
sobre todo o seu ser.
Sob hipnose, o subconsciente de Maria indicou, através dos seus sinais de dedos, que tivera muitas
encarnações como mulher. Revelou que nunca se realizara sexualmente, depois da sua vida de
degradação sexual como Phillepa. Enquanto ainda se encontrava profundamente hipnotizada, retrocedeu
para uma vida como freira e para outra como médica no Arizona. Em ambas se devotou à vida espiritual e à
cura de doentes. Contudo, mesmo na sua vida como freira, a tragédia andou aliada ao amor e à experiência
sexual. Fi-la recuar para essa vida. Tornou-se tensa e disse:
Dr.ª F. — Porquê?
M. — Porque eu era freira e não podia acreditar no amor. Tinha de fazer outra coisa mais importante
e ... e ele desinquietava-me constantemente com a sua presença.
Dr.ª F. — Quem era ele?
M. [Muito perturbada, com dificuldade em respirar.] —Um soldado. [Voltando a cabeça para o lado,
como se estivesse a ver alguém.] Mente, quando diz que me ama! ... [Voltando de novo para mim.] Amei-o e
ele continuava a vir ... e acho que alguém descobriu ... acho que ele nos deve ter assassinado. [Cobre os
olhos com as mãos.]
Dr.ª F. — Foi morta por causa do seu amor por ele?
M. — Não. [Muito agitada.]
M. — Oh! Não me sinto bem! ... Tive relações sexuais com ele ... porque ele me convenceu!
Dr.ª F. — Foi morta por causa dessas relações?
M. [Lágrimas corriam pela sua cara.] — Sim ... atiraram-nos para aquele lago. [Apontando.]
Maria e eu trabalhámos juntas mais duas sessões. A voz infantil ainda nos acompanha. Os quilos
começam a desaparecer, com a dieta. Para ela não é fácil, porque a comida mexicana faz parte da sua
vida. Contudo está a aprender a dar atenção às calorias e à boa nutrição, pela primeira vez na sua vida. Já
não come devido à ansiedade, ao aborrecimento ou à depressão — mas sim porque gosta de comida.
Maria é agora uma pessoa feliz. Está cheia de energia e faz muitos projectos novos. O mais excitante
é uma viagem ao Arizona. «Sinto-me impelida a lá ir. Acha que me sentirei em casa?», perguntou. Outro
projecto é a modificação da sua aparência. Anda à procura de um bom cabeleireiro, porque quer usar o
cabelo muito curto — para pôr em destaque os seus caracóis. E ultimamente tem usado uma ligeira
maquilhagem.
Sonha agora com o aparecimento do «príncipe encantado». Tem esperanças — sonhos.
Maria libertou-se das recordações subconscientes, velhas de séculos, que lhe tinham roubado o seu
direito natural — o direito à expressão sexual.
CAPÍTULO X - «CUSTOU-ME A VIDA!»
«Desde que me lembro que tenho dificuldade em tomar decisões.» Roger estava embaraçado. A sua
voz era suave e hesitante. «Não interessa; tanto faz serem decisões triviais ou importantes, sempre que
penso nelas é uma agonia.
Roger era um homem atraente e alto, de cabelo escuro, com cerca de trinta e cinco anos. As roupas
que usava eram obviamente importadas e de excelente qualidade: calças castanhas, francesas, de corte
impecável, uma elegante camisa estampada e botas bem engraxadas. Até a sua água-de-colónia sugeria
uma etiqueta francesa. Os seus olhos castanhos mudavam de expressão a todo o momento, à medida que
se descrevia como um homem constantemente vacilante — e muitas vezes completamente imobilizado.
«Sou impulsivo; deste modo, obrigo-me a mim próprio a agir e, por vezes — não, muitas vezes —, com
pouca sensatez.» Deu inúmeros exemplos de todo o tipo e gama de decisões que se tinham tornado
obstáculos inultrapassáveis. O seu corpo, bem como as suas palavras, exprimiam frustração, desespero,
irritação, confusão e raiva — tudo dirigido contra si mesmo. Suspirou profundamente quando explicou que o
seu problema fora a razão principal porque mantivera um casamento falhado, durante mais de uma década.
Acabou por se ver livre dele. Mas alguém tomou a decisão por si. Agora, a sua maior preocupação era se
devia ou não cortar uma carreira de treze amos, como professor universitário, para iniciar outra, como
realizador de filmes.
Num tom terra-a-terra continuou a fazer uma descrição de si próprio. A sua indecisão não se
coadunava com todas as suas restantes características. Quando fazia qualquer coisa, fazia-a bem. As suas
aulas eram das mais populares; a opinião dos estudantes a seu respeito era extremamente favorável. Os
poucos filmes que produzira tinham sido muito louvados pelos seus colegas cineastas. Era excelente em
qualquer projecto ou assunto a que se dedicasse.
Viera ter comigo porque a hipnose era o seu último recurso. Tinha corrido muitos tipos de terapias,
desde a terapia reichiana até à análise transaccional — e até grupos-maratona. «A hipnose pode revelar
qualquer coisa a nível subconsciente.» Eu concordei: «E, nesse caso, pode ajudá-lo a pegar num assunto, a
tomar uma decisão positiva e a agir em conformidade.» Roger sorriu e disse: «Pode ser que me livre das
minhas dores de cabeça e dos meus problemas de costas. Já não seria nada mau!»
Roger provou ser um excelente sujeito hipnótico. Todo o seu corpo se relaxou quando fechou os
olhos. A sua respiração tornou-se lenta e regular. Estabeleceu sinais de dedos, claros e rápidos, sem
dificuldade. O seu subconsciente mostrou-nos que havia seis acontecimentos, em seis vidas passadas,
responsáveis pelo seu problema.
Pedi ao seu subconsciente que, a esse nível, o preparasse para ver esses acontecimentos no nosso
próximo encontro. Pouco antes de terminar a primeira sessão, sentiu-se muito satisfeito e entusiasticamente
exclamou: «Se resolvo este problema, nada mais me fará parar!»
Cerca de dez dias depois, Roger veio para a sua consulta. Chegou uns bons dez minutos mais cedo.
Depois de esperar, entrou na sala e, rapidamente, instalou-se na cadeira reclinável. Sorriu e disse: «Estou
pronto. Espero que resulte.»
Fechou as pálpebras e começou a concentrar-se na sua respiração. Os seus olhos rodaram. As suas
pálpebras vibraram. Já se encontrava em transe. Tornei-o mais profundo e avancei para a regressão. Sugeri
ao seu subconsciente que o levasse para um dos seis acontecimentos do passado responsáveis pelo seu
problema. Fiz com que retrocedesse no tempo e perguntei-lhe o que se estava a passar.
R. — Não.
ª
Dr. F. — De que se consegue aperceber?
R. — Talvez um torneio.
Dr.ª F. — Gostaria que voltasse ali. Vou contar de um a três, e você voltará. Um ... dois ... três. Que
sente?
R. — Confusão.
Dr.ª F. — Receberá impressões muito reais, após a contagem até três. Um ... dois ... três. E agora,
que se passa?
R. — Bom, era ... muitas tendas coloridas... algumas tendas coloridas, um ... relvado com pessoas ...
passeando.
Dr.ª F. — Como estão vestidas as pessoas?
R. — Algumas estão elegantemente vestidas, outras não.
R. — Bom, alguns parecem monges, estão embrulhados numa ... numa espécie de capa castanha
com capuz, e outros estão vestidos com um ... uma espécie de calças, clara, têm coroas e condecorações
muito coloridas; outros ainda vestem roupas muito comuns, feitas com tecidos ásperos, lã feita à mão e por
aí fora.
Dr.ª F. — Qual é o acontecimento?
R. — Creio ... sim, é um torneio.
R. — Bom, ah ... Tenho a sensação de que eu vou entrar ... e tenho de escolher um ... entre ... entre
um pau com uma ... uma bola, uma cadeia e um machado.
Dr.ª F. — Qual vai escolher? Qual desses objectos usa normalmente?
R. — Normalmente uso o pau com a bola e a corrente com a bola de pontas ... mas acho que escolhi
o machado.
Dr.ª F. - Que o fez decidir-se pelo machado?
R. — Pensei que seria o melhor.
R. — Hum-humm.
R. — Estou só à espera.
R. — Estou sentado e estou no meu, ah ... estou sentado num cavalo e com a minha armadura.
Dr.ª F. —Fale-me de si. Que idade tem?
R. — Tenho dezanove anos.
R. — William.
R. — Gosto, sim.
Dr.ª F. — Compreendo. Que significado terá, para si, conseguir ser cavaleiro?
R. — Mil quatrocentos ... acho que é 1486. [Recordando a história de Inglaterra, seria Henrique VII.]
Dr.ª— Como se sente enquanto está aí à espera, William?
R. [Formam-se na sua cara gotas de suor.] —Estou ... estou um bocadinho nervoso.
R. — O meu estômago está ... sinto o meu estômago, é ... é ... parece um ... um ... um ... está aos
saltos e está ... muito quente ... e sinto-me como ... como se fosse vomitar.
Dr.ª F. — Já tinha sentido essas sensações?
R. — Está quente por dentro.
R. — No meu estômago.
R. — Acho que ele vai ter um ... [Suspiro profundo.] Temos ambos a mesma. Uma lança e outra
arma.
Dr.ª F. — Quais são as regras dos torneios? Se você escolher a outra arma, o machado, o seu
opositor terá também de usar o machado?
R. — Não tenho a certeza ... acho que sim.
Dr.ª F. — Vou contar de um a três; quando terminar, você saberá tudo acerca das regras dos
torneios. Um ... dois ... três. Que lhe vem ao espírito?
R. [Com segurança.] — Se eu tiver um machado, ele fica com o pau e vice-versa.
R. — Pegamos em pauzinhos.
Dr.ª F. — Continue.
R. — Fui eu.
Dr.ª F. — Está satisfeito com isso? É importante ter a possibilidade de fazer a escolha?
Dr.ª F. — Agora, enquanto espera, Fale-me de si, William. Vive com a sua família?
R. — Não tão fortes nem tão grandes como eu. [Dito com um orgulho evidente e um sorriso.]
Dr.ª F. — Quanto mede?
R. [Silêncio.]
Dr.ª F. —Sabe quanto mede?
R. — Três paus, ou coisa parecida.
Dr.ª F. — Vou contar de um até três e então, você saberá. Um ... dois ... três. Que lhe vem à cabeça?
R. — Medem-nos com paus ... um pau. Não sei o que é isso. Mas é um pau e eu tenho três paus de
altura.
Dr.ª F. —É bastante mais alto que a maioria das pessoas?
R. — Humm. Sim. Sou cerca de uma cabeça mais alto que a maioria.
R. —É ... sou alto e ... e ... e musculoso, mas não sou gordo.
Dr.ª F. — Bom. Agora vou pedir-lhe que avance até ao próximo acontecimento significativo, após a
contagem até cinco. Deixe que essas recordações desapareçam. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Que
lhe vem A. cabeça?
R. — Estou na rampa.
R. — Ah ... sinto-me mais envergonhado que assustado, mas ... [pausa longa, a sua voz torna-se
arrastada] ... estou meio desorientado.
Dr.ª F. — Por causa da maneira como caiu?
R. — Acho que o meu estômago está ferido.
R. — Ele está ... a tentar colocar-se atrás de mim ... faz círculos atrás de mim e ... ataca-me com o
seu pau.
Dr.ª F. — Ele continua montado?
R. — Sim, pode mexer-se mais rapidamente que eu ... e estou a tentar afastá-lo de mim.
R. — Parcialmente.
R. — Continua a rodear-me, depois ataca por trás e ... [inclinando-se rapidamente para um dos lados]
... bate-me com o seu pau. Tento acertar-lhe com o meu machado, mas ele está no seu cavalo e é difícil
acertar-lhe com o machado.
Dr.ª F. — Se tivesse escolhido outra arma, qual teria sido o resultado?
R. — Podia ter conseguido deitá-lo abaixo ... podia ter conseguido arrancá-lo do seu cavalo com ...
enrolando-a à volta do seu pescoço.
Dr.ª F. —Que pensa agora acerca da escolha das armas?
R. — Terme-la saído melhor com o pau.
R. — Acho que ele me derrubou com o cavalo e ... e que me bateu com ... bateu-me na cabeça com o
seu ... com o seu ... com o seu pau. [A sua cara exprime agonia.]
Dr.ª F. — Onde está?
R. [A sua voz vai-se sumindo.] —Estou caído no relvado.
R. [Silêncio.]
Dr.ª F. — Do que se consegue aperceber?
R. — Não sinto nada ... só uma espécie de calor e um ... parece sangue ... sangue vermelho, um
sangue quente, corre pelo meu corpo ... e estou ... numa espécie ... vi uma luz branca e ... parece que parti,
a flutuar.
Já que não parecia cansado pelo nosso trabalho, pedi ao seu subconsciente que o levasse até outro
dos acontecimentos que precisávamos de analisar. Após uma certa resistência inicial, comentou: «A palavra
`Alemanha' surgiu-me.» Mencionou um certo «desconforto» ao longo da sua coluna vertebral. Esbarrámos
com mais resistência e, finalmente, avançámos. Depois de uma longa pausa, disse:
R. — Vejo, ah ... fardas alemãs, ah ... fardas de oficiais ... e tenho a impressão de que eu era um
coronel das SS.
Dr.ª F. — Qual é o seu nome?
R. [Silêncio.]
Dr.ª F. — Diga o que lhe vier à cabeça, quando eu contar até três. Um ... dois ... três.
R. — Tenho a sensação de que é «Karl».
R. — Posso senti-lo ... faz força no meu pescoço. [Pondo as mãos no pescoço.]
R. —Não.
ª
Dr. F. — Continue. O que está a sentir?
R. [Suspiro profundo.] — Ah ... eu ... eu ... eu era suspeito de ter sido desleal para com Hitler ... e
bateram-me ... e depois torturaram-me ... despiram-me e enforcaram-me ... penduraram-me pelo pescoço,
num fio ... e tiraram-me fotografias.
Dr.ª F. — Porque lhe tiraram fotografias?
R. — Para servir de exemplo para os outros ... ah ... os meus homens foram obrigados a assistir ao
meu enforcamento ... [Tornando-se agitado.]
Dr.ª F. — Mantenha-se calmo e relaxado ... calmo e muito relaxado. Conte-me o que está a sentir.
R. [Relaxando um pouco.] — Bom, estava a sentir todo o meu ódio ao elevado grau da burocracia e
aos ... aos políticos no exército alemão ... e, ah ... sentia que não se podia ser um alemão se não se fosse
um bom ... soldado, dentro daquela estrutura.
Dr.ª F. — Agora, deixe que essas recordações desapareçam. Concentre-se apenas na sua
respiração. O seu subconsciente levá-lo-á até ao acontecimento responsável pelo seu problema na sua vida
actual. Vou contar de um até cinco. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Que lhe vem à cabeça?
R. — Estou numa reunião, com oficiais de alta patente ... em Berlim.
R. — Estavam a discutir a estupidez de ... a estupidez de Hitler e ... como ele vai ... perder a guerra
para a Alemanha.
Dr.ª F. — Que diz você?
R. — Só sinto a tensão nas minhas cordas vocais. Parece que não estou a dizer nada.
ª
Dr. F. — Além disso, de que se consegue aperceber?
R. — Sinto muito orgulho no meu uniforme e no meu país ... e na minha filiação às SS, a minha
posição.
Dr.ª F. — Que sente?
R. — Sinto no meu corpo muita emoção ... mas não consigo ver nada.
Dr.ª F. — Após a contagem até cinco, isso tornar-se-á muito claro para si. Ficará mais calmo após
cada número. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Que lhe surge?
R. — Estou num conselho.
R. — Há ... três oficiais que eu admiro. Acho que são generais ou coronéis. Um deles é general. Tem
uma divisa vermelha no uniforme cinzento.
Dr.ª F. — Que está ali a fazer?
R. — Dou só a minha aprovação.
R. — Somos cinco, na reunião. Acho que estão envolvidos sete ... ou mais que cinco.
Dr.ª F. — Conte-me mais coisas. Que estão a planear? Como planeiam matá-lo?
Dr.ª F.—Como?
R. — Colocar uma bomba num... num... avião ou num abrigo ... perto de Hitler.
R. — Um coronel com um ... um ... um ... um olho ... uma venda num olho.
Dr.ª F. — Porquê?
R. — Para salvar a Alemanha ... e tomar o controlo da guerra pelos ... soldados que morreram.
Dr.ª F. —É esta a decisão que o seu subconsciente considera uma má decisão, no que respeita aos
resultados que daí advirão para si? Se é verdade, levantar-se-á o seu dedo do «sim»; se não, levantar-se-á
o seu dedo do «não».
R. [Levanta-se o dedo do «não».]
Dr.ª F. — Tomou outra decisão e é essa que considera a má?
R. — Acho que a má decisão foi entrar numa conspiração
com tantas pessoas ... acho que esse foi o verdadeiro erro.
R.—1940.
R. —Eles entraram e ... sovaram-me, por cima da minha mesa ... sobre a minha secretária, com as
coronhas das suas espingardas ... partiram-me a espinha ... paralisado.
Dr.ª F. — Foi disso que se lembrou, no princípio?
R. — Foi assim que me bateram. E então penduraram-me ... mais tarde ... nu, com um ... um ...
estrangularam-me com um fio, à volta do pescoço ... mas eu já devia estar morto ... com ... numa sala, com
outras pessoas ... toda a gente foi obrigada a ver.
Dr.ª F. — Bom, vou pedir ao seu subconsciente que deixe desaparecer essas recordações. E agora
que o leve para outra vida, na qual há um acontecimento que de algum modo esteja relacionado com o seu
problema da indecisão. Vou pedir ao seu subconsciente que o leve até esse acontecimento, após a con
tagem até dez. Um ... dois ... três. [Continua a contar.] Onde está agora?
R. — Ah ... montanha.
R. [Pausa longa.]
Dr.ª F. — Após a contagem até três saberá. Um ... dois ... três.
R. — Acho que sou um hindu ou um ... membro de uma tribo tibetana, ou qualquer coisa ... pequena.
Dr.ª F. — Fale-me mais de si.
R. — O meu nome é Tanakee ... Sou um homem pequeno, entroncado, forte.
R. — Dezanove anos.
R. — Bom, alguém está a falar comigo acerca de escalar aquela montanha ... ou de os ajudar a
escalar a montanha ... levar-lhes as coisas.
Dr.ª F. — Quem lhe fala nisso?
R. —Um estrangeiro. Acho que é um suíço.
R. — Não!
Dr.ª F. — Porquê?
Dr.ª F. — Quando disse que era contra os seus princípios, que pretendia dizer?
R. — A Terrível.
R. — Por causa dos ventos, ventos terríveis que vêm de lá ... os ventos frios que vêm da montanha ...
vasta e ameaçadora.
Dr.ª F. — Conte-me mais coisas.
R. —É demasiado grande ... e demasiado perigosa para ser escalada.
Dr.ª F. —Porquê?
R. — Um tanto por dia. Cinquenta cêntimos por dia. É muito dinheiro; mais do que aquilo que
conseguimos ganhar.
Dr.ª F. — Que acham os outros, acerca da ida?
R. — Estão excitados. Estamos todos excitados por causa do desafio e por irmos ganhar ... o
dinheiro.
Dr.ª F. — Que faz ou que diz?
R. — Hmm. Acho que vou com eles.
R. — Eles estão afastados, para o lado, para a nossa esquerda ... à espera de uma resposta. Há uma
enorme excitação e um grande movimento. As pessoas perguntam-se se nós vamos e ... falar do que
poderá acontecer se formos.
Dr.ª F. — Você diz alguma coisa?
R. — Não sou o chefe.
R. — Eu quero ir.
R. — Tenho um barrete, casaco e umas compridas calças quentes ... e os meus pés estão ... muito
frios. Gelados!
Dr.ª F. — Apenas os seus pés estão frios?
R. —E as minhas mãos. [Esfregando-as.]
R. — Estão quentes. A minha cabeça está quente ... a minha cara está queimada do ... sol.
Dr.ª F. — Dói-lhe?
R. — Está ressequida e dói-me.
Dr.ª F. — Descreva-me como se sente. Ainda se sente satisfeito por estar a fazer isso?
R. — Vejo a cena. Nós os três íamos ... caindo, porque estávamos presos uns aos outros com
cordas. Eu fui puxado para trás. Um estava atravessado ... mas puxado para trás. [Respirando muito
rapidamente.]
Dr.ª F. — Fique calmo e relaxado ... muito calmo ... muito relaxado.
R. [O seu corpo descontrai-se consideravelmente; a respiração é mais lenta.]
Dr.ª F. — Foi tomada alguma decisão acerca da travessia daquela ponte de gelo, ou era apenas uma
coisa que tinha de ser feita?
R. — Acho que eu queria voltar para trás, mas não queria ... fomos mais ou menos forçados a ir.
Dr.ª F. — Agora vou pedir ao seu subconsciente que, após a contagem até três, o faça perceber este
acontecimento; que o faça perceber qual foi o incidente relacionado com o seu problema de tomar decisões,
nesta vida. Um ... dois ... três. Que lhe vem à cabeça?
R. — Acho que não agi segundo o que achava correcto.
R. — Voltar para trás ... mas eu não iria ... não confiei em mim mesmo.
R. — Quis voltar, quando os meus pés ficaram gelados ... mas não confiei em mim próprio.
Dr.ª F. — O seu subconsciente indicará se este é o incidente relacionado com o seu problema, aqui,
em 1977.
R. [O dedo do «sim» levanta-se instantaneamente.]
Dr.ª F. —É o facto de não ter regressado e de ter os pés frios, o facto de querer voltar e de não o
fazer?
R. [O dedo do «sim» levanta-se de novo.]
Dr.ª F. — Fale-me mais da decisão.
R. — Acho que tomei a decisão de continuar, em vez de mostrar confiança em mim mesmo ... em vez
de falar.
Dr.ª F. — Bom. Há outras decisões ...?
R. —A outra decisão era eu não querer atravessar o gelo e estou ali de pé. Discutimos isso ... e eu
sou o primeiro a ir.
Dr.ª F. — Não queria ir?
R. —Não.
R.— Bom, porque fui empurrado pelos outros ... por dois dos outros.
Dr.ª F. — Essa é também uma das decisões responsáveis pelo seu problema nesta vida?
R. [Dedo do «sim».]
Dr.ª F. — Há mais algum problema nessa vida que tenha afectado a sua vida actual? Outro aspecto
qualquer dessa vida? Diga o que lhe vier à cabeça.
R. — Acho ... que o facto de me deixar influenciar pelos outros.
Dr.ª F. — Bom, há outras influências além daquela, quaisquer características físicas, mentais ou
emocionais? Que lhe vem à cabeça? [O seu dedo do «sim» está a mover-se.]
R. — Bom, os únicos acontecimentos foram: o facto de eu ter sido puxado para trás, para a fenda e ...
ter partido a espinha, de novo ... a parte de trás de minha cabeça foi esmagada.
Dr.ª F. — Isso afectou-o na sua vida actual?
R. — Sim. Dores de cabeça que começavam na nuca ... e problemas de costas.
R. — Ah ... arrepios que sobem e descem pelas minhas costas. Sinto frequentemente uma falta de
sensibilidade nas costas, quando me encontro naquela situação.
Dr.ª F. — Que situação?
R. — Uma decisão de grupo.
R. [Suspiro profundo.] — O amor pelos espaços abertos ... um medo de montanhas, talvez, ou ...
antes, da fúria de uma montanha ... de certo modo, receio os grandes desafios.
Dr.ª F. — Há mais alguma coisa, nesta vida, que para si seja importante saber?
R. [Levanta-se o dedo do «não».]
Dr.ª F. — Agora vou pedir-lhe que deixe desaparecer aquelas recordações. Avance para o próximo
acontecimento relacionado com o seu problema de decisão. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Onde se
encontra agora?
R. — Acho que estou no Oeste, talvez em Nova Orleães ... de facto, é o Oeste.
R. [Endireitando-se.] — Estou a conduzir uma carruagem ... Estou elegantemente vestido ... desço
uma rua.
Dr.ª F. — Qual é o seu nome?
R. — Edgar.
R. [Pausa longa.]
Dr.ª F. — Quando chegar a três, saberá. Um ... dois ... três. Que lhe veio à cabeça?
R. — Tyrone, ou qualquer coisa parecida.
R. — Cabelo preto.
R. — Não.
Dr.ª F. — É casado?
R. — Não.
R. — Um chapéu castanho ... não, um chapéu preto e um fato ... um casaco elegante com uma bela
... bela camisa de pregas ... muito elegante ... vistoso. [Parecendo muito satisfeito consigo mesmo.]
Dr.ª F. — Onde vai?
R. — Vou ver alguém.
R. — A princípio pensei que ia para um ... uma espécie de jogo ... gosto de jogar ... e depois tive a
impressão de que, ah ... ia ver uma rapariga bonita.
Dr.ª F. — Avance no tempo, até chegar ao seu destino. Um ... dois ... três. Que lhe vem à cabeça?
R. — Barco a vapor.
R. — Bom, há um barco a vapor, conduzi a minha carruagem até este barco a vapor.
R. — Rapariga bonita.
R. — Eileen.
R. — Não ... acho que ando apenas a fazer-lhe a corte ... e que nos dirigimos para o barco a vapor.
Dr.ª F. — Agora avance no tempo até ao próximo acontecimento significativo, após a contagem até
cinco. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Que lhe vem à cabeça?
R. — No barco estão a jogar.
R. — Estou a ver o jogo com muita atenção. Toda a gente está a ver o jogo. [Suspiro profundo.] Estão
a convencer-me a jogar e eu não quero ... ela está a convencer-me
Dr.ª F. — Preste atenção ao que ela lhe diz. Após a contagem até três. Um ... dois ... três. Que lhe diz
ela?
R. — «Todos os homens jogam e você pode conseguir tanto dinheiro.»
R. — Sinto que não quero. Mas quero ser igual a todos os outros homens. Acho que a quero
impressionar ... mas não quero jogar. [Parecendo descontente.]
Dr.ª F. — Porquê?
R. — Não gosto de jogar.
Dr.ª F. — Já experimentou?
R. — Não ... agora peguei no dado, faço rolar o dado. Então, estou a jogar!
Dr.ª F. — Após a contagem até cinco, vá até ao próximo acontecimento significativo. Um ... dois ...
três ... quatro ... cinco. Que lhe vem ao espírito?
R. — Há uma discussão acerca do ... jogo ... estou a discutir ... perdi e estou a discutir, dizendo que
eles fizeram batota.
Dr.ª F. — Quem fez batota?
R. — Os jogadores.
R. [Pausa longa.] —Eu estava a discutir e ... e ... [Faz um movimento para trás.] ... fui apunhalado
pelas costas! Outro homem veio por trás de mim, agarrou-me e ... e apunhalou-me nas costas. [Respirando
muito depressa, agora.]
Dr.ª F. — Em que zona das costas?
R. —No fundo das costas. [Agora a sua voz é fraca, cansada.]
R. — Num barco.
R. — Um barco de pesca.
R. — Dezassete anos.
Dr.ª F. — Porquê?
Dr.ª F. — Quem?
R. — Não sei.
Dr.ª F. — Vou contar de um a três. Quando chegar a três, saberá. Um ... dois ... três. Que lhe vem à
cabeça?
R.—0 meu capitão.
Dr.ª F. —Esse barco onde se encontra é grande?
R. — Acho que estamos três cá dentro.
R. — Não tenho ... uma espécie ... qualquer coisa começada por «M».
Dr.ª F. — Vou contar até três e, quando acabar, saberá o seu nome. Um ... dois ... três. Que lhe vem
à cabeça?
P. — Moustache. [Já naquele tempo os Gregos gostavam de alcunhas! — pensei cá para mim.]
Dr.ª F. — Não quer entrar no nevoeiro. Mas o seu capitão diz que tem de ir. É isso?
R. [Acena em sinal afirmativo.]
Dr.ª F. — Diz alguma coisa ao capitão a respeito do nevoeiro, Moustache?
R. — Não me parece.
R. — Acho que é uma atitude errada e perigosa. [A pulsação no seu pescoço tornava-se mais rápida.]
Dr.ª F. — Porque não diz nada?
R. — Acho que é melhor ser corajoso ... é melhor cumprir as ordens.
Dr.ª F. — Bom. Avance até ao próximo acontecimento significativo, após a contagem até cinco. Um ...
dois ... três ... quatro ... cinco. Que se passa?
R. — Batemos em alguns rochedos e ... e eu fui cuspido de cabeça ... para cima das rochas.
[Contorcendo a cara, como se estivesse a sentir dores.]
Dr.ª F. — Fale-me mais acerca disso.
R. — Fui cuspido de cabeça e de costas ... para umas rochas ... e elas esmagaram-me.
Sob hipnose explicou que, uma vez mais, a sua necessidade de agradar se tinha sobreposto ao que
considerava correcto. Encontrara-se de novo incapacitado de expor as suas necessidades e desejos.
Percebeu também que o seu velho terror ao nevoeiro se tinha originado nessa vida; acrescentou que
confirmava sempre as condições atmosféricas, antes de fazer uma viagem de carro para áreas onde
regularmente aparecia nevoeiro. Nada mais dessa vida parecia estar a afectá-lo actualmente.
Pelos seus sinais de dedos descobri que Roger tinha tomado outra decisão errada (quem sabe se
também fatal?). Pedi ao seu subconsciente que fosse até esse acontecimento. A sua cara contorceu-se e
agarrou-se ao pescoço. Sentia tal ansiedade que fui obrigada a dar-lhe sugestões calmantes e a levá-lo
para um acontecimento anterior e neutro. Alguns momentos depois perguntei-lhe onde se encontrava.
R. — Bom, estou numa corte, que é uma espécie de ... acho que eu era ... [suspiro profundo] ... talvez
eu ... uso veste e tenho uma posição elevada na corte ... em França.
Dr.ª F. — Qual é o seu nome?
R. — Pierre.
Dr.ª F. — O seu subconsciente irá levá-lo para um acontecimento responsável pelo seu problema,
nesta vida. Avance até esse acontecimento, após a contagem até três. Um ... dois ... três. Que lhe vem à
cabeça?
R. — Acho que tentei agradar ao povo.
R. — Há uma parte de mim que queria agradar ... aos outros ... mas cá dentro de mim havia uma voz
que me dizia para ... para não fazer isso.
Dr.ª F. — Fale-me das circunstâncias que rodearam isso.
R. — Acho que estava com pena do povo.
R. — Toda a gente falava em se livrar do rei ... em se livrar da corte. Um ... um tremendo idealismo,
acerca de um sistema melhor.
Dr.ª F. — Como se sentiu?
R. — Senti-me em conflito.
Dr.ª F. — Porquê?
R. — Era leal ao meu rei e ao mesmo tempo sentia a lealdade para com o povo.
R. — Não ... ah ... não quero apoiá-lo ... mas não quero . , . ah ... ah ... denunciá-lo.
Dr.ª F. — A quem?
R. — Um grupo de assassinos.
R. — As suas ideias políticas não eram as minhas ... e eu não me pronunciei. Não fui corajoso. Devia
tê-lo enfrentado.
Dr.ª F. — Que aconteceu?
R. — Fizeram chantagem comigo, para que eu fornecesse informações. [Murmurando.]
R ou seria denunciado.
Dr.ª F. — E depois, que aconteceu? Avance no tempo e veja o que acontece como consequência de
...
R. — Ele fala ... e denunciou-me ... disse que eu tinha feito aquilo!
Quando Roger se libertou da hipnose, esticou os braços por cima da cabeça. Depois deixou-se cair
para trás, na cadeira. Tinha um ar exausto. A voz era cansada. «Não sabia o que me esperava!» Tínhamos
ultrapassado o nosso tempo em trinta minutos. Só conseguimos ver por alto de que modo a sua decisão
tinha sido «fatal» em cada caso. Pedi-lhe que fizesse um «trabalho de casa», no intervalo entre esta e a
consulta seguinte: pedi-lhe que repensasse cada vivência e que analisasse o papel que cada uma tivera na
sua vida actual — queria todos esses pensamentos por escrito. Examina-los-íamos na nossa sessão
seguinte.
Duas semanas mais tarde, Roger saltou da sua cadeira, na sala de espera, e avançou, rápida e
confiantemente, para o meu consultório. Com um grande sorriso, acenou-me com a sua lista de duas
páginas. Fizera o seu trabalho de casa! Com uma voz cheia de energia, disse: «A lista terá de esperar —
quero falar-lhe de todas as grandes decisões que tomei nestas duas semanas.» Decidido, deitou-as cá para
fora. Variavam entre a resignação ao seu cargo de professor na faculdade, e a compra de uma carrinha
Dodge e de uma lancha exótica — para o seu novo projecto: um filme sobre esqui aquático. Sorri e repeti as
suas próprias palavras: «Se resolvo este problema, nada me fará parar!» Continuou, dizendo que sentira a
«cabeça fresca» e estivera relaxado, pela primeira vez na sua vida. Como era bom analisar uma situação,
saber o que devia fazer — e fazê-lo!
A energia que se encontrava dentro daquela sala quase fazia faísca! A excitação e a vitalidade
iluminavam a sua expressão — e espalhavam-se pelos seus gestos, pela força da sua voz.
Pegou na lista que estava sobre a pequena mesa de teca, junto à sua cadeira, e começou a ler.
Analisara os efeitos das suas seis vidas. Começou com a última, a do oficial das SS. Fez notar que morrera
no mesmo ano em que nascera como Roger. «Não tive muito tempo para recuperar!» Agora compreendia
porque o intrigara sempre o III Reich. Passou a mão pelo queixo, murmurando: «Tive uma experiência
estranha, perto de Munique. Quando lá fui, pela primeira vez, em 1968, tive uma sensação esquisita do «já
visto» — senti que tinha lá passado no passado.» Sentiu-se também dominado pela ansiedade — e não
conseguiu compreender a razão dessa sensação.
Como já tínhamos visto muitos dos aspectos da sua vida como Tanakee, passou rapidamente por
cima deles. Foi com nostalgia que falou do seu amor pela natureza e pelas montanhas. Disse-me que
adorava fazer esqui. Relacionou a sua aversão pelo jogo — relutância até em jogar com amigos íntimos o
«21» a um cêntimo a ficha — com a sua existência como Edgar. Sorriu. Com um ar de culpa, confessou:
«Gosto de me vestir bem e tenho gasto rios de dinheiro para arranjar um belo guarda-roupa.» O fascínio
pela política e pelas manobras clandestinas de estruturas rivais do poder tinham sido para ele quase um
passatempo. Atribuía isto à sua vida na corte de França e na Alemanha. A sua voz tornou-se arrastada
quando me falou dos seus problemas de costas e dores de cabeça frequentes. Não admira!
«O traço comum entre todas estas vidas foi a minha incapacidade para me impor e a necessidade de
agradar aos outros, em meu prejuízo — passando muitas vezes por cima das minhas próprias opiniões»,
disse ele.
Por fim, olhou para o último assunto da lista. Riu-se e disse: «Bom, será interessante verificar se me
modifico nestes aspectos — acabarei por ser tão vulgar que não me suportarei a mim mesmo!»
CAPÍTULO XI - «ESTOU ... A FLUTUAR»
Ajudei mais de um milhar de pessoas a morrer. Todas estas mortes tiveram lugar no meu consultório.
Por vezes, durante uma sessão de cinquenta minutos, um doente chega a morrer três e mesmo quatro
vezes — sempre como uma pessoa diferente: cada um dos indivíduos que o paciente encarnou nas suas
vidas passadas.
Na maior parte dos casos, a experiência da morte é o acontecimento responsável pelos sintomas e
problemas da pessoa. As mortes anteriores afectam-nos de muitos modos — uns óbvios, outros subtis. A
queda de um penhasco resulta numa fobia das alturas. Um afogamento, no medo da água. A queda de um
avião durante uma guerra provoca o medo de voar. A morte provocada pela «tísica» resulta em problemas
pulmonares crónicos. Ser morto com uma baioneta durante o sono provoca insónia.
Observei muitas semelhanças e também muitas especificidades nestas mortes. Nos capítulos
anteriores viu como as pessoas descrevem as suas experiências de morte. Neste capítulo partilho consigo
as minhas observações acerca deste acontecimento. Uma descrição do interlúdio intervidas, extraído dos
relatos fascinantes dos meus doentes, terá de esperar por uma futura publicação. Ocupa um livro inteiro!
A morte e o momento da agonia são, para muita gente, assuntos muito comovedores. Graças ao
trabalho de investigadores, de entre os quais o mais proeminente é Elisabeth Kübler-Ross, que escreveu On
Death and Dying (Nova Iorque: MacMillan Publishing Company, Inc., 1969) as pessoas começam a
aprender e a aceitar este aspecto da vida e a olhar a morte de um modo mais positivo.
Alguns dos meus doentes mostraram um grande temor perante a perspectiva da experiência da
morte, sob hipnose. Uma pessoa perguntou até, com verdadeira preocupação: «Acha que
eu posso morrer, realmente, outra vez?» Temos de eliminar os receios da pessoa acerca da morte —
bem como os receios acerca de qualquer acontecimento traumatizante — antes de podermos avançar. A fé
e confiança que os meus doentes e sujeitos hipnóticos depositam em mim é o aspecto mais essencial e
valioso do nosso trabalho em conjunto. Para mim é artigo de fé nunca os empurrar para uma coisa que
emocionalmente não possam suportar. Uso várias técnicas para minimizar o desconforto resultante da
repetição das dores físicas ou emocionais. Além destas técnicas devo, por vezes, estabelecer o contacto
das pessoas com a sua primeira morte, pouco a pouco. Nunca foi necessário fazer isto mais de uma vez.
Ocasionalmente faço-os observar a sua morte, no écran dos seus espíritos, como se assistissem à
experiência de outrem. Então, gradualmente, vão-se permitindo a si próprios uma maior participação,
quando voltamos ao acontecimento. Finalmente, experimentam tudo, completa e integralmente.
Tudo o que lhes irei mostrar corrobora as descobertas de Raymond A. Moody Jr., M. D. O seu livro
Life after Life (Covington, Jórgia, Mockinbird Books, 1975) é baseado em entrevistas com mais de cem
pessoas que «morreram» durante operações, doenças ou acidentes. As descrições das suas experiências
antes da ressurreição são virtualmente idênticas às dos meus pacientes sob hipnose — excepto no facto de
muitos dos meus doentes lembrarem acontecimentos no intervalo intervidas, enquanto os de Moody não. E
por razões óbvias. Os seus doentes nunca fizeram a transição completa. Os seus doentes escolheram não
morrer ou foram forçados a voltar. É interessante saber que o antigo Livro dos Mortos Tibetano também
relata muitos dos mesmos acontecimentos que os meus doentes e sujeitos hipnóticos descreveram.
Um dos aspectos notáveis dos relatos das experiências de morte é que a consciência se mantém,
sem interrupção. Além disso, todos os pacientes e sujeitos hipnóticos descreveram uma libertação da dor
física e/ou emocional, no momento da morte — por vezes até antes. Se uma pessoa está a morrer de fome,
por exemplo, deixa de sentir fome. Se o problema é congestão pulmonar, muitas vezes, a primeira
exclamação é: «Consigo respirar!»
Um homem, já na casa dos trinta, retrocedeu a uma vida em que assassinava a sua mulher adúltera.
Foi morto, pelo seu crime, na câmara de gás.
L. [A sua cara cobriu-se de gotas de suor.] —Não posso dar-lhe a entender que estou perturbado.
Dr.ª F. — Diga-me como se sente. Eu não lhes conto nada.
L. — Estão a amarrar-me. [O seu corpo treme, assim como a sua voz.]
Dr.ª F. — Vá até ao momento da sua morte após a contagem até três. Um ... dois ... três.
O mesmo doente, em outra vida, encontrou-se numa trincheira, durante a segunda guerra mundial.
L. [O seu corpo salta. Agarra-se ao pescoço.] — ... Morri outra vez ... atingido no pescoço.
Dr.ª F. — Como sentiu a morte?
L. — Dei apenas um salto.
L. — Oh, melhor!
Numa vida passada, uma jovem viu a sua caravana atacada por índios, que eventualmente a
escalparam e violaram, deixando-a à morte. Depois de um longo silêncio, disse:
C. — Não.
Uma mulher descreve o momento da sua morte. Acabou de ser esmagada por uma parelha de
cavalos e uma carruagem.
Dr.ª F. — Agora vou pedir-lhe para ir até ao exacto momento da sua morte, após a contagem até três.
Um ... dois ... três. Conte-me o que está a sentir.
B. — Deixo-me ir.
B. — Sinto-me livre.
B. — No chão.
Dr.ª F. — Onde?
B. — Parece enrugado.
B. — Sentimento de alívio.
Uma mulher de vinte anos, com um problema de excesso de peso, morreu de fome numa vida
anterior, com a idade de cinquenta e sete anos. Durante essa vida foi doente e muito pobre.
Dr.ª F. — Há quanto tempo tem esse problema de alimentação, por falta de dinheiro?
S. — Oh ... há alguns anos. Não sei há quanto tempo ... [Lágrimas caíam-lhe pela cara.] Não me sinto
bem.
Dr.ª F. — Gostaria que avançasse um dia. Vou contar até cinco. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco.
Conte-me o que se passa consigo.
S. [Murmurando.] — Estou a morrer.
Dr.ª F. — Vá até ao momento da sua morte. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco.
S. [Silencio.]
Dr.ª F. — Margaret, que lhe está a acontecer agora?
S. [Voz mais forte.] — Estou morta ... e já não tenho fome.
S. — Sinto-me bem.
Uma das mais comoventes experiências de morte a que assisti foi provocada por uma série de
acontecimentos perturbantes. Uma mulher, com pouco mais de trinta anos, sob hipnose, explorava a origem
do pânico que a assaltava nas numerosas ocasiões em que sentia determinado cheiro, especialmente se se
encontrava numa sala ou recinto pequeno.
Começou a nossa sessão descrevendo um grau de pânico tão intenso que quase desmaiou e que a
fez sentir-se nauseada e doente, durante vários dias. Entrara inocentemente num elevador que acabara de
ser limpo. O cheiro do desinfectante era ainda muito intenso.
A busca da causa para a sua reacção, levou-nos à Alemanha nazi, no princípio dos anos 40. Depois
de descrever uma vida cheia de acontecimentos aterradores, viu-se enfiada num vagão para gado, onde, no
meio da escuridão que a rodeava, quase foi esmagada por muitos outros judeus aterrorizados. O cheiro a
excrementos era sufocante. Não havia janelas por onde entrasse ar ou luz. Depois do que lhe pareceu uma
eternidade, mas que na realidade tinham sido apenas três dias, o comboio parou. Saiu para a ofuscante luz
do dia e os guardas conduziram-na para um lugar onde lhes foi dito, a ela e aos outros, que se despissem,
a fim de se prepararem para um banho. Havia rumores! Havia medo! Enquanto se despia encontrava-se
extremamente assustada. Colocou os seus sapatos num grande monte de sapatos de todos os tipos, a sua
aliança em outro monte, o seu vestido noutro monte ainda. Tremendo, seguiu os outros para uma grande
sala.
A. [Baixinho.] — Sim.
Dr.ª F. —Diz que estão muito apertados para tomarem banho. Que quer dizer com isso?
A. — Muito juntos.
Dr.ª F. — Está a tocar em alguém? Está mesmo muito apertada ou pode abrir os braços?
A. — Posso andar de um lado para o outro. Mas isto está cheio de gente!
A. —Não há janelas ... o chão é de cimento. Sinto-o nos meus pés ... é frio ...
A. — Não, está muito escuro. Havia uma luz, mas não está acesa.
A. —Sim.
Dr.ª F. —E agora, em que pensa, ou que sente? Continue muito relaxada, cada vez mais relaxada a
cada inspiração ...
A. [Respirando com força. A pulsação no seu pescoço galopa.]
Dr.ª F. — Que fazem as pessoas?
A. — Não sei. Já não vejo com muita clareza.
Dr.ª F. — Vou pedir-lhe apenas que se relaxe; respire sob a luz do sol, durante um minuto,
aproximadamente; concentre-se na respiração sob a luz dourada. Vou contar novamente até dez. Enquanto
o faço, o seu subconsciente duplicará a descontracção. Concentre-se apenas na respiração sob a luz
dourada, bonita e relaxante; quando chegar a dez, encontrar-se-á profundamente relaxada. Entretanto,
descontraia-se apenas, cada vez mais profundamente. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco ... seis ... sete,
relaxe-se cada vez mais após cada número ... oito ... nove ... dez. E agora, Leah, Fale-me mais dessa sala
onde se encontra. Que fazem as pessoas?
A. — Sinto outra vez um cheiro.
A. — Respiradouros. [O seu corpo treme.] As pessoas começam a afastar-se deles ... acumulam-se e
... e afastam-se.
Dr.ª F. — A que distância se encontra dos respiradouros?
A. — Afastada, mas estão a juntar-se contra mim.
A. — Não sei.
Dr.ª F. — Preste atenção e ouça. Vou contar até três; ouça o que eles dizem. Um ... dois ... três.
A. [Silêncio.]
Dr.ª F. — Que dizem eles?
A. [Silêncio.]
Dr.ª F. — Que lhe vem à cabeça?
A. —«0h, não! », dizem as pessoas. E ... e «Meu Deus! », dizem outras.
A. — Sinto-me esquisita.
Dr.ª F. — Fale-me disso. Diga-me como se sentia, um pouco antes de escorregar e cair. Que está a
sentir? No que está a pensar?
A. — Estou aterrorizada.
A. — Não sei.
Dr.ª F. — Tente aperceber-se do que se está a passar consigo. Onde sente que se encontra, nessa
amálgama de corpos?
A. — Sinto que estou a ver isto de cima para baixo. Agora apenas me sinto confusa.
A. — Sim.
Por vezes, os doentes choram após a sua morte, quando ao olhar para baixo vêem os seus parentes
a sofrer. A tristeza é sempre pelos outros e nunca pela pessoa que foram — por mais traumatizante que
tenha sido a sua morte. Por vezes ficam momentaneamente preocupados, quando olham para baixo e vêem
o seu corpo; no entanto, alguns segundos depois, exprimem alívio. É como se a libertação da agonia e a
alegria e êxtase que experimentam se sobrepusessem ao sofrimento passado. Para muitos, a morte é mais
um suave deslizar para um estado diferente — e melhor.
Quase todas as pessoas que experimentam a morte, sob hipnose, usam a palavra «flutuar», para
descrever a sensação corporal que segue imediatamente a morte. Sentem-se subir no ar e observam a
cena, lá em baixo. Dizem ouvir grandes ruídos — campainhas, zumbidos, música celestial. Alguns têm a
sensação de entrar num túnel, com uma luz na outra extremidade.
Quase todos os doentes dizem encontrar-se sós, no estado espiritual imediatamente após a morte.
Depois da sensação de flutuação, na maior parte dos casos, alguns segundos depois, é sentida a presença
de guias espirituais ou de um «anjo da guarda». Muitos apercebem-se deles como uma luz brilhante — uma
luz com uma essência benigna e carinhosa — que está ali para os ajudar. Por vezes a transição é auxiliada
por entidades mais definidas. A pessoa é frequentemente saudada por parentes ou amigos mortos e, num
caso a que assisti, por um cão fiel que anos atrás a pessoa possuíra. Muitas vezes isto provoca uma
reacção emocional, expressa em lágrimas de alegria.
Roger, que você encontrou no capítulo décimo, morreu durante o torneio.
R. — Bom, um ... um calor espalhou-se pelo meu sistema circulatório ... por todo o meu corpo ... vi
uma luz branca e parti a flutuar.
Dr.ª F. — Que significa isso para si?
R. [Risada curta.] — Bom, significa que morri.
R. — Alívio ... uma sensação de calor por todo o corpo e a libertação do meu corpo.
Roger descreveu outra morte, por esfaqueamento, durante uma discussão à mesa de jogo.
R. — Já estou morto. Mas ... foquei um feixe de luz ... e logo me senti muito feliz, é estranho ...
Dr.ª F. — E a seguir?
R. — A luz.
R. — Era uma explosão de luz que ... caiu sobre mim ... e não me deixava ver ... não me deixava ver
mais nada, excepto a própria luz. A princípio era pequena, depois expandiu-se muito rapidamente. Senti-me
subir a flutuar e expandi-me na luz.
Dr.ª F. — Teve mais alguma sensação além da luz?
R. — Calor.
Uma jovem fazia tratamento, devido a graves dores de cabeça. Durante uma regressão a uma vida
passada viveu os acontecimentos principais de uma vida como aristocrata, durante a Revolução Francesa.
Com dezasseis anos de idade, foi capturada pelos soldados quando fugia, à noite, com a sua ama. Os seus
pais já tinham sido presos no dia anterior. Descreveu a cena na guilhotina:
C. — Estou a ajoelhar-me.
C. — Os soldados.
C. — Terrivelmente doloroso.
C. — Não.
C. — Cinco.
C. — Sim, claro.
Dr.ª F. — Porquê?
C. — Porque são os meus guias. Estão sempre ali, quando eu venho para casa.
Dr.ª F. —Está aí mais alguém? Outros espíritos, além dos seus guias, que você reconheça?
Margaret, uma mulher com cerca de cinquenta e cinco anos, sofria há muito tempo de uma fobia das
alturas. Mesmo em criança, tivera pesadelos frequentes, nos quais caía, mas acordava sempre antes de
atingir o solo. O marido sugerira-lhe recentemente uma viagem à Europa. A sua reacção foi o pânico e o
desespero. Como gostaria de ir. Mas voar estava fora de questão! Esperávamos resolver o problema a
tempo, antes do início das férias do seu marido, dali a alguns meses.
Este problema era particularmente intrigante, porque, enquanto trabalhávamos noutro sintoma,
descobrimos por acaso que numa vida anterior ela também sofrera da fobia das alturas. (Não é raro
encontrar sintoma transportado por várias vidas anteriores.)
Após uma bastante forte resistência à regressão, ela viu-se num dirigível, no princípio do século. Era
um jovem holandês, Hans, que trabalhava como navegador, numa nave aérea militar experimental. Uma
grande turbulência forçou o dirigível a sair do seu curso e levou-o para o oceano. Um relâmpago atingiu-o.
As chamas irromperam e ele partiu-se em dois. Aterrorizado, Hans viu o capitão e os outros membros da
equipagem serem cuspidos, quando o aparelho começou a perder altura. Agarrado a um anel de metal,
disse:
M. —A cair ...
M. — Parece que vou a cair, muito, muito rapidamente ... a água está cada vez, mais perto e eu grito.
M. — Sei que vou morrer ... e estou assustado. Não gosto ...
não gosto disso e a água está a aproximar-se com muita rapidez ... bato na água e parto o pescoço.
M. —A minha cabeça.
M. — Acho que eu estava ... acho que tudo acabou muito depressa.
M. [Suspiro profundo.]
M. — Estou só a ver.
Dr.ª F. — Onde?
M. — Estou a vê-lo afundar-se, fundo, fundo ... como uma ... como uma boneca de trapos.
Dr.ª F. — E agora, de que se consegue aperceber?
M. — Não quero ficar aqui mais tempo.
Dr.ª F. —E depois?
M. —E continuo a avançar.
M. — Óptima. Vejo ... [Aclara a voz.] ... Consigo ver os destroços, flutuando na água.
M. — Sim, eu ... eu ... há outros, mas ... hum ... não falamos.
M. — Estão ... não estão ali fisicamente, mas estão ... sei que estão ali.
Outra mulher, uma doente, morreu como superior de um mosteiro contemplativo, em Itália, no século
XVI. No momento da sua morte, disse:
H. — É ... paz.
H. — Flutuo.
H. — Parece que vou ao encontro de alguém. Estou só, mas não ... me sinto só.
Alguns minutos depois de ter sido morta à paulada, Becky, a jovem cujo relato foi descrito no Cap. II,
disse:
B. —É a minha família.
B. — Estou feliz.
B. — As minhas irmãs e os meus pais. [Murmurando.] Eles devem ter sido mortos.
B. [Não responde.]
B. —Sim.
B. —Mais vaporosos.
Dr.ª F. — Está aí mais alguém ou mais alguma coisa? Olhe à volta e veja.
B. — Afastada, distante.
B. — Abraça-me.
B. — Não.
B. — Felicidade.
Uma mulher que sofria de depressão morreu de fome na sua última encarnação.
S. — Feliz.
S. — Estão a abraçar-me.
S. — Bom, a minha mãe parece muito velha. Já não a via há muito tempo. Mas não usa óculos.
Dr.ª F. — Ela usava óculos?
S. — Sim e ela ... ela diz que não tem o aspecto que eu estou a ver, mas que tenho de me habituar a
ela.
Dr.ª. F. —Está aí alguém que não conheça?
S. — Há na verdade aqui alguns que eu não conheço. Mas está tudo bem.
S. — Não, vejo luzes no meu corpo. Não vejo realmente mais nada para além da forma, mas sinto-me
bem.
Os meus doentes e sujeitos hipnóticos descreveram muitas vezes e com grandes pormenores, o que
acontece ao corpo, depois de o espírito se libertar e flutuar sobre ele. Durante algum tempo pode haver uma
certa consciência de sensações físicas, no corpo sem vida — alternando com as sensações expe
rimentadas bem fora do corpo. Doentes conseguiram determinar a origem da claustrofobia no facto de
terem sido «enterrados vivos», mas, na realidade — pelas suas descrições —, provavelmente já se
encontravam mortos quando foram enterrados. Tudo leva a crer que a sensibilidade e a consciência
regressaram aos seus corpos. Isto acontece mesmo depois de terem assistido à remoção e enterro do
corpo. Doentes comentaram os seus próprios funerais, exprimindo por vezes descontentamento por um ou
outro pormenor, tal como a ausência de um parente. Sob hipnose, uma mulher localizou a sua repugnância
— náusea, até — ao cheiro das rosas. A cena passava-se na Alemanha nazi; o seu corpo era lançado a
uma trincheira, juntamente com outros. Percebeu que o cheiro das rosas lhe fazia lembrar o cheio dos
corpos em decomposição. Outra doente descobriu que a sensação de calor que sentia quando estava
nervosa era devida ao facto de ter sido cremada.
Esta alternância da consciência, que tantas vezes é experimentada, é bem visível neste excerto de
uma transcrição de um doente. A história da sua queda de um telhado de uma catedral foi relatada no Cap.
VII.
Dr.ª F. — Que é?
M. — Não sei, era uma coisa rígida, não sei o que ... porque faziam eles isso.
M. — Não consegui perceber, porque estava ... no chão, acho que foi daí que vi isso.
M. — Sim.
M. — Comprida, como um homem, com um ... Não sei porque é que eles estavam a fazer aquilo ...
Dr.ª F. — Não sabe porque é que eles estavam a fazer aquilo?
M. — Não, mas qualquer que seja o motivo ... bom, é apenas ... fecham-no por cima e empurram-no.
Tinha rodas.
Dr.ª F. — Que disse?
M. — Fecham-no por cima ... tinha uma espécie de ... de tampa e dois deles empurram-no.
M. — Um carrinho.
Dr.ª F. — Que levam dentro do carrinho? Que puseram lá dentro? Que lhe vem à cabeça?
M. [Profundo e prolongado suspiro.] — Oh, vejo o interior do carrinho, é todo ... parece um túnel
M. — Hum-humm. É ... agora vejo uma luz azul ... agora vejo qualquer coisa a ser descarregada ...
vejo homens ... levando um ... qualquer coisa para ... é nesta altura que vejo o azul.
Dr.ª F. —E agora, que se passa?
M. —Vi apenas um homem, como se me encontrasse de novo em baixo, dentro deste carrinho ...
seguravam o corpo, em direcção ... em direcção à cova, em direcção a mim.
Dr.ª F. — Você encontra-se dentro da cova e vê-os trazendo esse corpo?
M. — Estou dentro da cova.
M. —Sim.
Dr.ª F. —E agora?
M. — Vejo duas pedras ... coisas ao meu lado e terra solta ... pedras pousadas na terra solta.
Dr.ª F. — Sobre a terra solta?
M. — Hum-humm.
Um adolescente ficou afectado por uma morte, num campo de concentração nazi. Depois de ter sido
gaseado, o seu corpo foi atirado para uma vala aberta. Escavadoras empurraram montes de terra para cima
de todos os corpos. Ele sentiu a terra cobrindo a sua cara. Apanhara há três anos um grave tique facial, o
qual foi a razão por que procurou ajuda. A terra secou na sua cara, quando ajudava os amigos a colocar
uma vedação. Foi incapaz de a tirar, durante várias horas. Sob hipnose, retrocedeu até esse acontecimento
e, depois, foi ainda mais longe, até ao acontecimento original — no campo de concentração. O seu tique
fora provocado pelo cheiro a gás e pelo facto de ter contorcido a cara no momento em que caiu, nos
chuveiros. A um nível profundamente subconsciente, a terra seca recordava-lhe a época em que fora
gaseado até à morte.
Vários doentes relataram que os seus espíritos faziam troça dos assaltantes ou assassinos. O breve
excerto que se segue mostra-nos um exemplo deste tipo de conduta. Uma doente descobriu a origem de
uma alergia que lhe afectava os pulmões e os seios nasais, numa morte ocorrida na selva.
H. — Um guerreiro.
H. — Wanna.
H. — Há outros guerreiros que me perseguem pela ... pela selva e está muito calor, húmido ... a água
escorre pelo meu corpo. [Respiração acelerada.]
Dr.ª F. — Sabe quem são as pessoas que o perseguem? Viu-as?
H. —São outros guerreiros ... negros ... de outra tribo. Quero dizer, Utsa.
Dr.ª F. — Utsa?
Dr.ª F. — Porquê?
H. — O ar parece-me muito pesado, como se houvesse gás ou ... muita humidade ... e eu tropeço e
caio em areias movediças e ... e estou a ser engolido. [Em pânico.]
Dr.ª F. — Onde se encontram os outros, que o perseguiam?
H. — Ouço-os berrar e gritar e luto, nestas areias movediças ... e não consigo sair e continuo a lutar,
sempre.
Dr.ª F. — De que se consegue aperceber agora?
H. —É a minha garganta. [Voz estrangulada.] Está a subir-me pelo nariz, não posso ... vou morrer.
[Aparecem gotas de suor no seu rosto.]
Dr.ª F. — Quais são os seus pensamentos?
H. — Que modo ... modo de morrer. Sem ... honra. [Respirando com dificuldade.]
H. — Entram-me pelo nariz. É um cheiro horrível ... e putrefacto ... continuo a lutar e o peso, sobre
mim, é tão grande! [Lutando.] Não me posso mexer. [Contorcendo o rosto.]
Dr.ª F. — Neste momento pode respirar?
H. — Não, eu ... desisto por fim ... e afundo-me.
H. — Paz. [Todo o seu corpo se relaxa.] Ouço o meu coração palpitar, nos ouvidos, e só sinto que as
minhas narinas e a boca ... e é esta areia muitíssimo áspera ... parece que queima e ... está a desaparecer
e eu fico cheio de paz e finalmente desisto e é tudo. [A sua cara está calma.]
Dr.ª F. — Que acontece depois?
H. — Depois morro.
H. — Descontracção. Parece que me observo por momentos, a mim mesmo, a afundar, depois vejo
os guerreiros chegarem e eu ... parece que o meu espírito se está a rir, como se, por fim, eu os tivesse
vencido. [Como um grande sorriso.]
Dr.ª F. — Apercebe-se do seu espírito?
H. — Não, o meu espírito não fica ali muito tempo. Mantém-se ali apenas um momento, observa os
guerreiros e sente-se divertido por eles não o terem conseguido apanhar; depois leva-me ... e eu parto a
flutuar.
Incluo o excerto seguinte de uma transcrição porque ele representa uma das experiências mais fora
do vulgar, jamais descritas por um doente (pelo menos até agora!). Proporciona-nos uma visão da morte, do
outro lado, do ponto de vista de um espírito que descreve a morte de outrem.
Margaret, com quem já se encontraram mais atrás, neste mesmo capítulo, descobriu que várias vidas
contribuíram para as suas fobias de voar e das alturas.
Sob hipnose, retrocedeu a uma vida como um jovem oriental, Wong-Tu. Descreveu uma existência
extremamente primitiva. Wong vivia numa cabana de palha com a avó, muito velha, cheia de rugas e que
muito amava. Um dia, esgotaram-se todos os seus alimentos. Os outros habitantes da aldeia não podiam
partilhar com eles as suas parcas reservas. Wong atravessou então uma ponte para peões, suspensa entre
duas montanhas, e desceu uma vertente, até chegar a outra aldeia. Rapidamente arrebatou uma presa —
uma galinha — e subiu de novo pela montanha, correndo, com os aldeões furiosos em sua perseguição.
Iniciou a travessia da ponte pouco firme, segurando a galinha com uma das mãos e fazendo deslizar a outra
ao longo da corda. Os pequenos pedaços de bambu, que constituíam o pavimento da ponte, estavam
perigosamente escorregadios, por causa do denso nevoeiro. Para horror de Wong, os homens desistiram da
perseguição e começaram a abanar a ponte, com todas as suas forças. Olhou para baixo e viu um
precipício de milhares de metros. Nunca sentira medo, nas numerosas ocasiões em que atravessara a
ponte. Perguntei-lhe como se sentia naquele momento.
M. — Estou aterrado ... eu ... deixo cair a galinha para me poder agarrar com ambas as mãos ... mas
... estou ... o meu pé escorrega ... e fico pendurado na corda de um lado, do lado esquerdo da ponte, e eu ...
Dr.ª F. — Quais são as suas sensações neste momento, Wong?
M. — Começo a gritar por ajuda e eles continuam a abanar as cordas da ponte ... e olho para baixo. É
tudo rochas e, lá no fundo, rochas e água.
Dr.ª F. — Em que pensas agora, Wong?
M. [Tremendo violentamente.] — Estou a cair ...
M. — Estou a cair ... [suspiro profundo] ... parece que vou a cair para sempre.
M. — Vejo o meu corpo a cair, mas eu ... eu já não tenho medo. É como se estivesse a flutuar.
Dr.ª F. — Olhe para o seu corpo e Conte-me o que lhe acontece.
M. — Cai em cima das rochas.
M. —Eu ... a minha cara está nas rochas, mas eu não ... não sinto nada. Estava muito ... estava com
muito medo, mas não ... estou ... estou apenas surpreendido.
Dr.ª F. — Onde sente que está?
M. — Não sei onde estou. [Admirado.] Estou apenas ... estou apenas a flutuar. O corpo estava a cair,
mas eu parei de cair. Sinto ... [Longa pausa.]
Dr.ª F. — Agora gostaria que avançasse no tempo, até ao próximo acontecimento significativo.
Mantendo-se no estado de espírito. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. De que tem consciência?
M. — Estou a olhar para a minha avó e ela está ali, à minha espera ... e não há comida ... e ... ela
senta-se, aninha-se e põe as mãos à volta dos joelhos. É muito velha e está cheia de fome e agora não ...
não viverá muito tempo, porque não tem comida. Não me tem a mim para a ajudar ... e isso entristece-me ...
mas não me parece que ... não me parece que ela se importe ... porque de qualquer modo, estará ...
[suspiro profundo] ... está pronta para deixar aquele mundo.
Dr.ª F. — Está com alguém no estado espiritual?
M. — Não.
M. — Não.
Dr.ª F. — Gostaria que avançasse para o próximo acontecimento significativo, mantendo-se no seu
estado espiritual. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Onde está agora e que sente?
M. —Nada.
M. — Não.
M. — Não sei.
Dr.ª F. — Gostaria que avançasse até ao momento do reencontro com a sua avó. Um ... dois ... três
... quatro ... cinco. Que se está a passar?
M. — Bom, ela está ... estou à espera dela e ela ... está a morrer de fome, mas está ... posso
comunicar com ela.
Dr.ª F. — Que lhe comunicou, até agora?
M. — Digo-lhe que não tenho medo, que não se preocupe, porque em breve estaremos juntos e ela
diz que será uma grande alegria para si, estar comigo ... é tudo.
Dr.ª F. —Vá até ao momento da morte dela, após a contagem até cinco. Um ... dois ... três ... quatro
... cinco. Conte-me o que está a ver agora.
M. — Ela ... vejo-a ao lado do seu próprio corpo, olhando para ele ... chamo-a e ela volta-lhe as
costas e avança na minha direcção, muito depressa, como se estivesse num ... oh ... algum ... apenas se
move muito rapidamente, a direito, através, através do espaço.
Dr.ª F. — Qual é a aparência dela?
M. — Tem muito melhor aspecto ... tem a mesma aparência que tinha antes ... tem a mesma
aparência que tinha ... antes de eu roubar a galinha ...antes de morrer de fome. Ainda é velha, mas ...
parece feliz, está a sorrir e estende-me as mãos ... e ... não posso tocá-la, mas consigo vê-la.
Dr.ª F. — Comunica com ela?
M. —Sim.
Dr.ª F. — Que lhe está a dizer, ou melhor, que lhe está a comunicar?
M. — Digo-lhe apenas que estou contente por ela estar comigo. Depois conto-lhe o que se passou
com a galinha,
porque ela nunca chegou a saber o que me aconteceu ... a razão por que não voltei.
Dr.ª F. — Que lhe comunica ela?
M. — Ela diz que agora ficaremos sempre juntos. Está a sorrir.
M. — Sim.
M. — Movemo-nos, apenas.
Muitos dos meus doentes disseram-me que a experiência da morte teve sobre eles um efeito muito
profundo e que os alertou. Foi uma experiência-piloto, uma descoberta nesta vida. Para aqueles que
acreditavam na vida após a morte foi tranquilizante e quase constituiu uma prova. Na maior parte dos casos
inspirou temor. Para aqueles que não acreditavam desencadeou uma reacção em cadeia, abalando as
velhas convicções e provocando modificações dramáticas nas crenças filosóficas. básicas. As pessoas
sentiram um incentivo para lerem tudo o que conseguiram encontrar, a fim de tentar consubstanciar a sua
experiência pessoal. Para alguns criou conflitos com as suas convicções religiosas. Estas pessoas
resolveram estes conflitos crescendo — isto é, pensando pela sua própria cabeça. Sentiram-se bem e
descontraídos quando compreenderam que não seriam condenados como pecadores, pelo facto de come
çarem a pôr questões.
Para a maior parte afastou o medo da morte, um medo que parece ser na verdade um medo das
dores da morte, o medo de deixar ficar entes queridos e, em última análise, o medo do desconhecido.
Depois de experimentarem as suas próprias mortes, os seus receios dissiparam-se. De facto, muitos
declararam preferir a após-vida às suas vidas actuais!
A característica que mais se evidenciava era o sentimento profundo e pessoal da sobrevivência após
a morte. Tal como disse um doente: «É maravilhoso saber que, quando morremos, isso não passa de um
recomeço.
CAPÍTULO XII - «VIVEMOS MUITAS VIDAS»
O trabalho apresentado neste livro levanta muitas questões. Esperemos que igualmente responda a
muitas.
A primeira questão a considerar é a seguinte: estarão a mentir deliberadamente os doentes e sujeitos
hipnóticos? Estarão a representar? Se isso é verdade, muitos devem ser apontados para os «Oscares» da
Academia! Ouvi e vi pessoas sob hipnose, em regressões a vidas passadas, durante milhares de horas.
Estou convencida de que não há uma tentativa, nem deliberada nem consciente, para enganar. As lágrimas,
tremuras, sorrisos, recuos, faltas de ar, gemidos, suores e outras manifestações físicas são demasiado
reais.
A pergunta seguinte que nos surge, é: poderá a vida anterior ser uma fantasia, na qual o doente
acredita verdadeiramente? É possível que a mente humana, sendo o notável «computador» que é, seja
capaz de apanhar sintomas desta vida para fazer surgir uma «vida anterior» muito realista, que explique os
problemas. Até agora, a questão ainda não está definitivamente esclarecida no meu espírito. Neste
momento, investigo vidas em que há datas de nascimento ou datas de morte e outras «provas» concretas.
Esta investigação será divulgada numa futura publicação. Ian Stevenson tem desenvolvido uma excelente
pesquisa sobre esta questão (Twenty Cases Suggestive of Reincarnation, Nova Iorque, American Society
for Psychical Research, 1966). Apresenta vinte casos bem documentados, provenientes de várias zonas do
globo.
Neste ponto, acho que o resultado final, em termos de desaparição de sintomas, é quase uma prova
concludente. Vejo a terapia da vida passada como virtualmente idêntica à hipnanálise, que faz retroceder a
pessoa a acontecimentos significativos da sua vida actual. Parentes e o próprio doente estabelecem, com
muita frequência, a validade dos acontecimentos revividos, uma vez trazidos à luz. Os doentes ficam
frequentemente surpreendidos — e felizes — quando a experiência do seu nascimento, por exemplo, é
reforçada pelos relatos das suas mães. Vejo a vida anterior essencialmente como outro ponto dessa mesma
sequência.
Ao repensar as regressões em que participei, é notável que as vidas revividas sejam normalmente
pouco aliciantes e pouco fantasiosas. Doentes e sujeitos hipnóticos experimentam frequentemente vidas
muito prosaicas, monótonas e tristonhas, sem o menor encanto. No entanto, não podemos afastar
totalmente a possibilidade destas regressões serem pura fantasia, apenas porque as vidas não se integram
no estereótipo daquilo que deveria ser uma fantasia.
Outra questão se levanta: se vivemos muitas vidas, qual é o fim da reencarnação? Uma mulher que
veio ter comigo para uma regressão à vida passada é a fonte da resposta. Contou-me uma experiência
esclarecedora:
No momento do nascimento do meu filho, um parto normal, ouvi uma voz. Essa voz explicou-me
porque estamos aqui — qual a razão da nossa existência, qual o fim da nossa vida, a verdade. E a verdade
é que estamos todos a caminhar para Deus e que vivemos muitas vidas. Vivemos pela lei de Carma, que na
realidade diz que temos de regularizar todas as dívidas das nossas vidas passadas. Uma vez mortos,
olhamos para trás, para vermos como vivemos aquela vida. Nós olhamos, para descobrir onde falhámos.
Talvez sejamos como uma agulha que grava constantemente. A nossa alma mantém a agulha
permanentemente a rodar, gravando os nossos feitos, os nossos pensamentos, as nossas acções, se
estamos ou não a magoar alguém — e é para isso que ela serve. Amor é o modo como tratamos os outros,
pelas nossas palavras e pelas nossas acções. Depois de termos feito a travessia, analisamos o modo como
vivemos as nossas últimas vidas, vemos onde falhamos e onde vencemos. Depois escolhemos a vida
seguinte. Nós escolhemos a nossa vida seguinte, de modo a sermos capazes de conseguir fazer aquilo que
não fomos capazes de realizar nas nossas vidas anteriores. E esta voz, Disse-me isto numa fracção de
segundo!
Os casos fascinantes relatados neste volume constituem não apenas uma abordagem totalmente nova da
psicoterapia, como uma visão da vida e do mundo capaz de transformar radicalmente os conceitos correntes.
A Dr.ª Edith Fiore doutorou-se em Psicologia pela Universidade de Maryland e Miami e é membro de várias
sociedades científicas, como a American Psychological Association, a International Society of Hypnosis, a American
Society of Clinical Hypnosis, entre outras.