JULHO/2018
O Passo e a Rítmica Dalcroze
Resumo
O presente trabalho refere-se a um estudo sobre o método de educação musical O Passo,
elaborado em 1996 por Lucas Ciavatta e publicado em 2003, e sua relação com a Rítmica
Dalcroze. O trabalho tem como objetivo geral reconhecer aspectos de aproximação e de
distanciamento entre O Passo e o Método Dalcroze e, como objetivos específicos caracterizar
a Rítmica Dalcroze; verificar o processo de ensino-aprendizagem proposto pelo método O
Passo, seus princípios e pilares; e estabelecer a relação entre ambos os métodos. Através de
uma revisão bibliográfica, utilizada como procedimento metodológico, a partir de Dalcroze
(1965) e Ciavatta (2003), buscamos responder às seguintes questões: em que consiste o Método
Dalcroze? E o método O Passo? Como se dá o processo de ensino-aprendizagem n’O Passo?
Quais são os principais aspectos de aproximação e de distanciamento entre este método e a
Rítmica Dalcroze? Este estudo justifica-se por buscar ampliar o conhecimento e a compreensão
a respeito das propostas pedagógicas O Passo e Rítmica Dalcroze, apontando possíveis direções
que possam nortear um ensino musical mais significativo, vivo e enriquecedor.
Palavras-chave: O Passo; Rítmica Dalcroze; educação musical.
1. Introdução
Convivemos constantemente, como professores de música em contínua formação, com
posicionamentos diversos em relação à abordagem da música em sala de aula. Conhecer ações
e práticas pedagógicas, compreendendo as metodologias disponíveis, pode ser bastante
proveitoso, por propiciar opções de escolha e possibilitar a aplicação em sala de aula daquilo
que cada método oferece de mais apropriado para cada situação. Nosso trabalho justifica-se por
buscar ampliar o conhecimento e a compreensão a respeito das propostas pedagógicas O Passo
e Rítmica Dalcroze1, apontando possíveis direções que possam nortear um ensino musical mais
significativo, vivo e enriquecedor.
O objetivo geral do presente trabalho é reconhecer aspectos de aproximação e de
distanciamento entre O Passo e a Rítmica Dalcroze. Como objetivos específicos, destacamos:
caracterizar o Método Dalcroze; verificar o processo de ensino-aprendizagem proposto pelo
método O Passo, seus princípios e pilares; e estabelecer a relação entre ambos os métodos.
Através de uma revisão bibliográfica, utilizada como procedimento metodológico, a partir de
1
Método de ensino de música, criado por Émile Jaques-Dalcroze (1865-1950), músico e educador austro-
húngaro. A Rítmica Dalcroze é, também, denominada Método Dalcroze e Eurritmia.
Dalcroze (1965) e Ciavatta (2003), buscamos responder às seguintes questões: em que consiste
o Método Dalcroze? E o método O Passo? Como se dá o processo de ensino-aprendizagem n’O
Passo? Quais são os principais aspectos de aproximação e de distanciamento entre este método
e a Rítmica Dalcroze?
De acordo com Santos (CIAVATTA, 2003, quarta página), O Passo é um método de
educação musical, que propõe uma mudança efetiva no ensino de música e viabiliza encontrar
possíveis respostas a desafios colocados, há cerca de um século, por Dalcroze (1865-1950),
músico e educador austro-húngaro, criador do sistema de educação musical denominado
Rítmica, difundido a partir da década de 1930 e precursor dos chamados métodos ativos na área
da educação musical.
A respeito dos métodos ativos, consideramos o pensamento de Fonterrada (2005), que
estabelece uma classificação dos mais influentes educadores musicais do século XX,
compreendendo-os como pertencentes a duas gerações distintas. Para Fonterrada (2005), no
início do século XX, os educadores da primeira geração criaram os métodos ativos. Dentre
estes, destacam-se: Émile Jaques-Dalcroze, Edgar Willems, Zoltán Kodály, Carl Orff e Shinichi
Suzuki. De acordo com Mantovani (2009), a prioridade no pensamento da primeira geração é
a vivência, a experiência e o fazer musicais, em oposição às ideologias presentes nas
metodologias do século XIX, que visavam um aprendizado abstrato. Os educadores musicais
da segunda geração surgem na segunda metade do século XX. Eles se diferenciam dos
anteriores “pela utilização de material musical alinhado às mudanças ocorridas na música de
vanguarda, em contraposição à música tradicional e folclórica, enfatizada pelos primeiros”
(MANTOVANI, 2009, p. 39). Segundo Fonterrada (2005), pertencem a esta segunda geração:
George Self, John Paynter, Murray Schafer e Boris Porena. Nestas propostas, pode-se perceber
grande ênfase nos processos de composição, de improvisação, de criação e de escuta ativa.
Abordaremos, ao longo do trabalho, o Método Dalcroze e o método O passo – que,
atualmente, é utilizado no Brasil e no exterior –, descrevendo suas principais características e
verificando aproximações e distanciamentos entre ambos.
2. A Rítmica Dalcroze
A experiência de Dalcroze como professor do Conservatório de Música de Genebra é
fundamental para a criação de seu método. Em 1892, quando é nomeado para as cadeiras de
Harmonia e Solfejo Superior, percebe que muitos de seus alunos apresentam dificuldades
rítmicas e compreendem a harmonia unicamente como abstração matemática. Determinado a
resolver tais questões, o educador realiza investigações acerca da relação música-ritmo-
movimento-expressão, que culminam, em 1903, na criação do sistema de educação musical
denominado Rítmica (MADUREIRA, 2008; PAZ, 2013).
Dalcroze publica cerca de 40 pequenos textos teóricos, entre 1898 e 1939. Parte destes
está no compêndio Le Rythme, la Musique et l’Éducation, sua obra mais importante. Os demais
são publicados na revista bilingue Le Rythme/Der Rhythmus, a qual tem grande circulação pela
Europa nas primeiras décadas do século XX. Em 1915, é inaugurado o Instituto Jaques-
Dalcroze de Genebra, fundamental para a formação de rythmiciens2 (MADUREIRA, 2008).
Dalcroze considera a prontidão corporal uma condição primordial do fazer musical e, a
Rítmica uma preparação para todas as artes. Seu sistema de educação musical é fundamentado
no ritmo, que, para ele, “está na base de todas as manifestações da vida, da ciência e da arte. O
ritmo é ao mesmo tempo a ordem, a medida no movimento e o modo pessoal de executar esse
movimento”3 (DALCROZE, 1965, p. 89). De acordo com Madureira (2008), o educador busca
cultivar nos alunos a percepção do tempo musical, que é diferente do tempo mecânico, muito
bem traduzido pelo metrônomo de Maezel:
Executar metricamente exercícios corporais constitui, não resta dúvida, uma
excelente educação do sentido da ordem e da precisão, mas a métrica não é o
mesmo que o ritmo, ainda que ela se encontre com frequência ligada a ele. Em
relação à métrica, o ritmo expressa a diversidade na unidade. A métrica, por
sua vez, confere unidade à diversidade. O ritmo é individual, a métrica
disciplinar (DALCROZE, 1930, p. 9-10 apud MADUREIRA, 2008, p. 67).
Dalcroze conduz as lições ao piano e toma a marcha como ponto de partida da educação
musical, devido à sua regularidade. Em seguida, ornamenta as marchas com movimentos dos
braços: um gesto para cada tempo do compasso. O educador apropria-se das convenções
preestabelecidas da regência para os compassos binário, ternário e quaternário, e cria novas
sequências de movimento para os compassos divididos em 5, 6, 7, 8 e 9 tempos. Para as pernas,
que, inicialmente, marcam a pulsação, elabora uma gestualidade, também para cada tempo do
compasso, inspirando-se nos movimentos do balé clássico e, em seguida, introduz na marcha
exercícios de dissociação. (MADUREIRA, 2008). O principal intuito dos exercícios propostos
por Dalcroze é “despertar e desenvolver nos alunos aquilo que ele denominou como ‘sentido
rítmico’ ou ‘sentido rítmico-muscular’” (MADUREIRA, 2008, p. 67). Para o educador, “o
objetivo dos estudos rítmicos é regular os ritmos naturais do corpo e, graças à sua automação,
criar imagens rítmicas definitivas no cérebro” (DALCROZE, 1965, p. 137).
2
Profissionais ou estudantes da Rítmica Dalcroze.
3
Todos os trechos citados do livro Le rythme, la musique et l´éducation, de Dalcroze, publicado em 1965, foram
traduzidos pela autora.
Dalcroze emprega o “hop” musical como uma das estratégias da Rítmica. Pronunciado
em voz de comando, “hop” é um sinal de alerta que indica o momento oportuno para agir. O
“hop” constitui-se de sinais musicais que desequilibram o curso dos exercícios, modificando,
por exemplo, a direção da marcha ou ordenando uma parada brusca. O caráter aleatório dos
sinais “hop” impede qualquer previsão, “obrigando os alunos a permanecerem em estado de
jogo” (MADUREIRA, 2008, p. 68).
A proficiência em música, advoga Madureira (2008), é uma condição fundamental ao
rythmicien. Os exercícios de Rítmica são elaborados sobre as possibilidades do piano,
instrumento que Dalcroze domina com grande virtuosismo, porém estes podem ser efetuados,
também, por meio do canto e do acompanhamento realizado por instrumentos de percussão. O
domínio da arte da improvisação torna-se, para o educador, uma exigência para o rythmicien
que “deve ter estudado profundamente a improvisação ao piano e todas as relações possíveis
entre a harmonia dos sons e a harmonia dos movimentos, sendo capaz de traduzir os ritmos
corporais em ritmos musicais e vice-versa” (DALCROZE, 1916, p. 7 apud MADUREIRA,
2008, p. 69).
Dalcroze insiste que a criança deve vivenciar a música antes de estudar a linguagem
musical. Para ele, se a educação da sensibilidade da criança for realizada antes que ela tenha
que estudar um instrumento, é muito provável que seus poderes de apreciação da música, que
seu gosto, que seu temperamento sejam muito mais desenvolvidos (DALCROZE, 1965). A
respeito disso, o educador afirma: “É um absurdo real que a criança inicie estudos instrumentais
antes que possa manifestar qualidades de ritmo e reconhecimento sonoro” (DALCROZE, 1965,
p. 52). O estudo das progressões harmônicas deve, também, ser realizado através de exercícios
corporais, em estado de jogo. Dalcroze advoga: “o importante [...] é que a criança aprenda a
sentir a música, a acolhê-la, a unir corpo e alma com ela ... a ouvi-la não apenas com os ouvidos,
mas também com todo o seu ser” (DALCROZE, 1965, p.48). Segundo o educador, o estudo do
contraponto, por exemplo, só deve ser abordado pelo indivíduo no momento adequado:
Quando seu ser e sua mente estiverem saturados de melodias, quando seus
ritmos naturais adquirirem uma completa liberdade de exteriorização, quando
a música se tornar uma parte de seu ser, quando todo o seu organismo estiver
em estado de vibrar em uníssono com as impressões e emoções que o assolam
(DALCROZE, 1965, p. 53).
Para Dalcroze (1965, p. 134), “a mesma emoção da vida anima a música dos sons e a
música dos gestos”. Com este pensamento, o educador organiza um sistema de relações entre
música e gestualidade, denominado Plástica Animada, que é realizada em grupo e conduz à
percepção física dos elementos da música. Através da Plástica Animada, se define uma
possibilidade de expressão corporal para cada componente musical. A percepção rítmica é
desenvolvida através da sensibilidade, visando à “realização expressiva do ritmo e à sua
vivência através do movimento corporal” (PAZ, 2013, p. 255).
Frequentemente, nas aulas que utilizam o Método Dalcroze, inicialmente, se busca uma
tomada de consciência do corpo e da respiração. O aluno vivencia os elementos musicais
através de coreografias, com dissociação de movimentos, e, também, através do andar, do correr
e do pular, percorrendo toda a sala, em direções variadas. São empregadas canções e as
atividades são sempre acompanhadas por um instrumento, preferencialmente o piano. Cada
parte do corpo é trabalhada, explorando-se o movimento corporal, a partir da música. Neste
método, a rítmica, o solfejo e a improvisação são ferramentas básicas. O material didático deve
ser elaborado pelo professor, de forma progressiva, segundo a necessidade dos alunos. Nas
atividades de Plástica Animada, qualquer fenômeno musical é objeto de representação por meio
de movimentos corporais: pulso, acento, compasso, altura, timbre, intensidade, tensão,
relaxamento, frases, formas e outros são representados fisicamente, com a finalidade de
experimentar, expressar e vivenciar a música. Explorando a relação tempo-espaço-energia, a
Rítmica pode ser compreendida como um estímulo à atividade motora através dos eventos
musicais.
O importante é que as emoções, que criaram os ritmos sonoros e o estilo em
que eles tomaram forma [...], são encontradas em sua representação plástica, e
que a mesma emoção da vida anima a música dos sons e a música dos gestos
(DALCROZE, 1965, p. 134).
3. O Passo
Em 1996, nas aulas de música, Lucas Ciavatta observa e mapeia diferenças entre as
dificuldades de seus alunos do primeiro segmento do ensino fundamental. Observando que as
realizações destes revelavam a presença ou a ausência de suingue4, Ciavatta (2003) desenvolve
procedimentos didáticos, possibilitando que, em pouco tempo, praticamente todas as
dificuldades que inviabilizavam a prática musical em grupo fossem superadas por todos. Sua
experiência é nomeada O Passo.
Olhando para trás, percebo que eu buscava, na verdade, respostas para as
minhas próprias dificuldades e, acima de tudo, uma alternativa ao processo
4
Balanço, gingado, fazer musical com flexibilização do ritmo em determinado período de tempo (definição da
autora).
altamente seletivo do acesso à prática musical tanto nos espaços acadêmicos
quanto nos espaços populares (CIAVATTA, 2009, p. 15).
Tendo como princípios a inclusão e a autonomia, O Passo entende o fazer musical como
um fenômeno indissociável de seus pilares: corpo, representação, grupo e cultura. Baseado num
andar específico, em que há um deslocamento do eixo do corpo, O Passo trabalha o equilíbrio,
que traz a noção de regularidade e possibilita o aprendizado da pulsação. A percepção da
pulsação, associada ao movimento corporal, permite que algo abstrato como o tempo possa ser
mapeado, pois passa a ser concreto, a partir do estabelecimento de uma relação direta entre o
movimento corporal e o fazer musical. Através desse mapeamento, alcança-se um entendimento
que possibilita a realização e a consciência sobre esta realização. Assim, torna-se possível uma
aproximação tanto da escrita musical quanto do improviso e da composição. Cada tempo é
percebido por todo o corpo. Qualquer imprecisão ao tocar ou cantar é facilmente sentida ou
pelo aluno ou pelo professor e corrigida por ambos (CIAVATTA, 2003).
Para Ciavatta (2003), a maior inspiração d’O Passo vem da riqueza do fazer musical
popular brasileiro, principalmente da relação corpo e música no processo de aquisição do
suingue. O Passo introduz novos conceitos no ensino-aprendizagem de ritmo e som, como
posição e espaço musical, e novas ferramentas, como o andar que dá nome ao método, notações
orais e corporais e a partitura de aproximação5. O método aborda, inicialmente, a questão
rítmica, seguindo em direção à melódica, e busca a construção de uma base, que traz inúmeras
possibilidades e abre uma porta, não apenas para os ritmos e os sons, mas para a rítmica como
um todo e para uma real aproximação com o universo sonoro. Para seu idealizador, a principal
responsável pelas conquistas d’O Passo é a forma específica utilizada para trabalhar com a
pulsação, que ele define como “uma série de marcações, audíveis ou não, com intervalos
regulares de tempo entre si, utilizadas como referência para que se possa tocar, cantar, compor,
registrar ou ler um determinado ritmo” (CIAVATTA, 2003, p. 19). A definição de uma
marcação como pulsação está associada à sua utilização como referência para uma realização
musical. A regularidade presente no andar, por exemplo, é uma importante referência para
possibilitar o aprendizado da regularidade dentro do âmbito musical e o trabalho com a
pulsação. O caminhar deve ser controlado, consciente e flexível: um passo para cada pulsação,
para frente e para trás, terminando no mesmo lugar, por questões de espaço. De forma simples
e objetiva, dar um passo para frente com o pé forte, trazer o outro para completar o
5
Notação gráfica d’O Passo, que pode conter números (tempos) e letras (subdivisão dos tempos). Na partitura de
aproximação, além dos números relativos aos tempos a serem tocados, são escritos, entre parênteses, os números
relativos aos tempos que não devem ser tocados.
deslocamento, dar um passo para trás com o pé que iniciou o movimento e trazer de novo o
outro. Assim, quatro passos formam um ciclo, denominado O Passo (CIAVATTA, 2003).
De acordo com Ciavatta (2009), O Passo pode ser considerado um método de Educação
Musical, já que utiliza em alguns momentos uma sequência específica de exercícios. Porém,
após rever sua avaliação, seu idealizador afirma que, por haver um sentido mais amplo nos
conceitos, ferramentas, habilidades e compreensões propostos e os canais utilizados para
construir o conhecimento musical serem os mais diversos possíveis, “O Passo pode ser melhor
definido como uma abordagem multissensorial” (CIAVATTA, 2009, p.15).
Ciavatta (2003) introduz os conceitos de espaço musical, movimento musical e posição,
este último relacionado aos tempos e aos ciclos de tempos (compassos). Como espaço musical,
entende-se o intervalo de tempo que ganha uma forma ao ser representado a partir de um fazer
musical; como movimento musical, compreende-se a progressão de uma nota à outra em um
espaço musical; e como posição, entende-se a definição do lugar ocupado por um evento dentro
de um espaço musical, que determina de onde vem e para onde vai este evento, ou seja, seu
movimento musical. Ciavatta (2009, p. 44) esclarece:
O conceito de posição, que desenvolvi no trabalho com O Passo, vê o espaço
musical como sendo tridimensional, como tendo um relevo, e se dedica a
identificar as características de cada um destes lugares dentro deste relevo,
Seguindo o caminho proposto pelos gregos, o conceito de posição relaciona
espaço musical e movimento corporal e assim revela lugares que estão “no
alto” ou “em suspenso”, e lugares que estão “embaixo” ou “em repouso”, e que
por isso geram movimentos musicais distintos.
A autonomia é o outro princípio d’O Passo. A proposta do método é que todos tenham
independência diante de situações ou desafios musicais que se apresentem, sem necessitar de
ajuda. Assim, O Passo busca desenvolver a autonomia do aluno no fazer e no pensar a música.
Devido ao deslocamento do eixo corporal e à consequente percepção de cada tempo por todo o
corpo, qualquer imprecisão ao tocar ou cantar é facilmente sentida e corrigida, partindo da
comparação que o aluno faz entre o que ele toca ou canta e as referências que O Passo fornece.
Muitas vezes ao professor cabe apenas observar, pois, sozinho, o aluno percebe o erro e o
corrige. Além disso, afirma Ciavatta (2003, p. 38), “com O Passo, o aluno leva consigo uma
referência clara de movimento, e, junto com os processos de representação que envolvem um
tipo específico de partitura, refaz os caminhos percorridos e recompõe as realizações”,
possibilitando, assim, o desenvolvimento de sua autonomia no fazer musical.
Veremos, agora, os pilares d’O Passo.
Ciavatta (2003) trata da relação entre música e dança e aborda também algumas
propostas para estabelecer as áreas de intercessão entre ambas, a partir de Dalcroze,
Willems e Noisette. O idealizador d’O Passo esclarece que o foco deve estar sempre na
música, no som e em seu movimento musical: música e dança interagem, mas não se
confundem; possuem a mesma origem, o ritmo musical, mas envolvem diferentes
compreensões e habilidades. Percebemos, aqui, mais um ponto de aproximação entre O
Passo e a Rítmica Dalcroze: apesar de ambos os métodos partirem da movimentação
corporal, o foco está no aprendizado musical e não na estética do movimento, na arte da
dança. De acordo com Madureira (2008, p. 37), Dalcroze:
insistiu com todas as forças que a Rítmica não era uma técnica de dança e que
as suas rythmiciènnes não eram, absolutamente, dançarinas. No entanto, suas
pesquisas sobre a relação ritmo-corpo-expressão acabaram por orientar, direta
e indiretamente, os caminhos da dança novecentista, do Ausdruckstanz alemão
ao Modern Dance estadunidense. (MADUREIRA, 2008, p. 37)
Dalcroze opta pela utilização do andar, pois, sua regularidade fornece “um modelo
perfeito de medida e de divisão dos tempos em partes iguais” (DALCROZE, 1965, p.39).
De acordo com o educador, “encontramos na caminhada regular o ponto de partida natural para
a iniciação da criança no ritmo” (DALCROZE, 1965, p. 39). Contudo, o andar na Rítmica
Dalcroze não é semelhante ao andar n’O Passo, o que aponta para um distanciamento entre
os métodos. Madureira (2008, p. 34) nos conta:
Ao solicitar aos alunos para retirarem os sapatos durante as lições de Rítmica,
Dalcroze incitou a fúria dos puritanos. Na realidade, ele não tinha a intenção
de ofender ninguém, apenas quis proporcionar aos futuros musicistas um maior
conforto durante os exercícios de marcha. (MADUREIRA, 2008, p. 34)
5. Considerações finais
Embora existam questionamentos em relação à limitação do ensino da música
encaminhado pela utilização de um único método – visto que, quando se elege um método para
o ensino-aprendizagem musical e se trabalha exclusivamente com este, todos os caminhos e
possibilidades restantes são excluídos –, acreditamos que conhecer e compreender
metodologias pode ser bastante enriquecedor, a fim de que se disponibilize opções para aplicar
em sala de aula o que cada método oferece de mais apropriado para cada situação.
Vale ressaltar que, a partir deste estudo, pudemos realizar observações em relação
ao método e ao pensamento de Ciavatta e, com o intuito de promover reflexão, decidimos
aqui destacá-las: n’O Passo, são trabalhadas somente músicas com pulsação regular,
excluindo-se, portanto toda música situada no âmbito da não regularidade e da não pulsação,
limitando o ensino musical. Além disso, Ciavatta destaca a perspectiva de que o corpo seja
uma unidade de construção de conhecimento distinta da mente, assinalando a existência de
um diálogo entre corpo e mente. No entanto, a dicotomia corpo e mente, a nosso ver, é
inexistente, não havendo, por assim dizer, dissociação entre ambos.
No decorrer do trabalho, ao abordarmos os processos de ensino-aprendizagem propostos
pela Rítmica Dalcroze e pelo método O Passo, estabelecendo a relação entre estes, observamos
que as propostas de Dalcroze e de Ciavatta se aproximam em alguns aspectos, principalmente,
na abordagem do corpo como centro de seus posicionamentos a respeito do ensino-
aprendizagem da música e na defesa de uma ação pedagógica musical que nasça da prática e da
percepção. Como uma proposta ativa de aprendizagem, O Passo utiliza práticas presentes na
Rítmica Dalcroze, porém de modo diferenciado. O andar, por exemplo, é praticado em ambos
os métodos para uma vivência da regularidade, do pulso, no entanto a utilização deste não
ocorre de forma similar: O Passo, a partir de um andar controlado, em ciclos, introduz novas
formas de notação, tais como: notação oral, notação corporal e notação gráfica, através da
partitura de aproximação. Assim, o que é falado ou escrito leva a uma decodificação, traduzida
por um movimento específico, e o movimento corporal leva ao musical. Já na Rítmica Dalcroze,
o que o aluno ouve deve ser expresso corporalmente através do andar, de gestos, com todo o
corpo. Assim, o movimento musical leva ao corporal.
Apesar de reconhecermos aproximações entre O Passo e a Rítmica Dalcroze,
verificamos que os distanciamentos são muitos – como, por exemplo, a maneira diversa de
vivenciar a pausa; as características diferenciadas dos movimentos; e os posicionamentos
opostos em relação à inclusão –, demonstrando que, embora haja uma estreita relação entre
ambos os métodos, suas singularidades se afirmam, reforçando, portanto, a importância das
contribuições específicas de cada um destes para uma educação musical mais viva, rica e
significativa.
Referências
CIAVATTA, Lucas. O Passo: a pulsação e o ensino-aprendizagem de ritmos. Rio de Janeiro:
L. Ciavatta, 2003.