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Súplica do

Coração
The Praying Heart
Loreley Mckenzie

Na Idade Média, um jovem aristocrata tem uma visão mística e


decide dedicar a vida a São Francisco de Assis. Em suas
peregrinações ele encontra uma jovem acusada de bruxaria, cujo
único pecado foi nascer linda e com um corpo perfeito. Quando essas
duas vidas se cruzam nasce uma arrebatadora história de amor,
marcada pela dúvida, pela perseguição implacável, pela tragédia.
Sete séculos depois, em 2006, os mesmos personagens voltam a se
encontrar em novas situações, com uma preciosa chance de reparar
os erros do passado.
Mas será que eles estariam realmente prontos para empenhar seu
amor nessa decisiva batalha entre a Luz e as Trevas?

Disponibilização: Marisa
Coleção Amor e Sedução – 05
Helena
Digitalização: Vicky B
Revisão: Cris Bailey
Formatação: Alê M e Cris
Bailey
SÚPLICA DO CORAÇÃO
Título original: The Praying Heart
© 2006 MYTHOS EDITORA LTDA.
Mythos Editora Ltda.
DIRETORES Dorival Vitor Lopes Helcio de Carvalho
EDITORA Camila F. Nóbrega
TRADUÇÃO Milene Stromm
DIAGRAMAÇÃO Altair Sampaio
REVISÃO Iná de Carvalho
ILUSTRAÇÃO DE CAPA Cláudio Gianfardoni
IMPRESSÃO Gráfica Cunha-Facchini
DISTRIBUIÇÃO Fernando Chinaglia Distribuidora

Dizem que o verdadeiro amor é invisível aos olhos. Que só o enxergamos bem com o coração. Ao
escrever este livro, procurei manter esta frase em mente e mostrar que, mais do que nossa
mente, nossos corações sabem reconhecer quando o amor de nossas vidas está próximo.
Com carinho,
Loreley McKenzie

A todos que, como eu, olharam nos olhos de alguém e viram neles o reflexo de sua própria alma.

Prólogo
Roma, a Cidade Eterna. Berço de conquistas, de grandes exércitos e
imperadores, o legado desta cidade encontra-se mundo afora, nas legislações,
na arquitetura, na moda, na culinária, nos costumes, na religião.
Parada em frente à Casa das Vestais, no antigo Fórum Romano, Lizbeth
olhava maravilhada para as ruínas que evocavam outros tempos e a faziam
sentir-se uma intrusa ali, como se o fato de tudo estar aberto aos turistas e
suas infalíveis filmadoras e máquinas fotográficas constituísse, por si, um
sacrilégio.
O dia claro e ensolarado de verão despertava um enorme desejo de relaxar

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Coleção Amor e Sedução – 05
em um dos inúmeros cafés da cidade, desocupando a mente de todo e
qualquer problema. Apenas ficar sentado e deixar o pensamento solto,
flutuando no ar.
Os cabelos ruivos e ondulados da moça reluziam sob a luz solar e ela
recolocou os óculos escuros, protegendo os olhos intensamente verdes da
claridade do dia. Vagueou pelas ruínas do Fórum sem pressa, deixando-se
envolver pelo ambiente milenar.
Tão entretida ela estava em meio à imponente construção que não reparou
no homem de terno que passou correndo e nem viu os outros dois que vieram
logo atrás. Continuou caminhando com vagar, como se apenas ela existisse no
mundo.
Ouviu vários estampidos, que julgou serem fogos de artifício, e só quando
ouviu gritos vindos do outro lado percebeu que alguma coisa séria estava
acontecendo. Lizbeth mudou de rumo e apressou o passo em direção aos
gritos, chegando quase a correr.
Em posição contrária vinha um homem, também correndo. O choque entre
os dois foi inevitável e forte o bastante para derrubar a jovem. Joelhos e
cotovelos machucados pela queda, ela olhou para o agressor, cujos olhos
negros pareciam cruéis e ao mesmo tempo assustados.
Ele a encarou por alguns segundos, sem saber o que fazer, e continuou em
louca disparada, sumindo entre as ruínas.
Limpando as roupas e vendo o ferimento onde a calça havia se rasgado pelo
atrito com o chão áspero, a ruiva levantou-se e, mal havia dado alguns passos,
quando vários policiais a cercaram.
— O que houve? Você está bem? — perguntou um deles em italiano.
Ela fez que sim com a cabeça e contou o incidente com o desconhecido.
— Viu o rosto dele? — a ansiedade na voz do homem assustou-a.
— Sim...
— Neste caso, venha comigo.
Lizbeth piscou várias vezes até entender o que realmente estava
acontecendo e acompanhou o policial. Ali tinha início uma difícil jornada das
trevas para a luz, que levaria a jovem ruiva a descobrir, entre outras coisas,
inúmeros mistérios de vidas passadas, e que a alma e o amor não morrem
jamais.

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Coleção Amor e Sedução – 05

Capítulo I
Os jornais da manhã estampavam em letras garrafais o assassinato de
Rafael Giuseppe Mancini, o milionário morto a tiros nas ruínas do Fórum
Romano.
A notícia caiu feito uma bomba sobre Roma e repercutiu pelo mundo todo, já
que o falecido Sr. Mancini tinha negócios espalhados por boa parte do globo. O
assassino, diziam, era um mercenário conhecido pelo codinome Ombra Nera -
Sombra Negra - já que ninguém jamais tinha visto seu rosto e ele nunca
deixava de matar as testemunhas de seus crimes.
Mas desta vez tinha sido diferente. Segundo os jornais, Ombra Nera havia
deixado viva uma pessoa capaz de reconhecê-lo: uma turista estrangeira cuja
identidade e nacionalidade estavam sendo mantidas em absoluto segredo
pelas autoridades.
Lizbeth atirou o jornal para o lado e verificou as malas. Estava de partida
para a lendária cidade de Assis e nem o assassinato do próprio Papa a
impediria de seguir seu caminho.
As batidas na porta causaram um sobressalto na moça, mas então ela se
lembrou de que havia pedido para que o café fosse servido em seu quarto. A
jovem não queria ver ninguém e estava realmente apavorada com a
possibilidade de ser encontrada pelo homem a quem chamavam de Sombra.
As autoridades italianas insistiram para que permanecesse em Roma sob
proteção, mas ela não aceitou. Sua viagem à Itália tinha um propósito:
conhecer Assis e tudo o que fosse possível sobre a vida de São Francisco,
percorrendo, inclusive, muitos dos caminhos feitos há quase 800 anos pelo
santo homem.
Assim que o garçom se retirou, Lizbeth serviu-se de uma xícara de café
preto e forte, pensando em tudo o que havia acontecido, deixando que
memórias antigas retornassem à superfície de sua mente.
Aos cinco anos, quando caminhava pelas ruas de Pittsburgh com a mãe, ela
passou por três monges franciscanos, de longas túnicas marrons, usando a
típica corda amarrada à cintura. A menina parou, petrificada. Seus olhos

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verdes encheram-se de lágrimas e ela, soltando-se da mãe, correu até os
frades e os abraçou, tomada pela emoção.
Surpresos, os religiosos pensaram que a menina estava perdida, mas logo
perceberam que se tratava de algo mais. Ela chorava copiosamente e repetia
sem parar: "Que saudade! Que saudade!".
A mãe, protestante convicta como toda a família, não soube o que dizer e,
embora não gostasse nada daquilo, foi obrigada a deixar que a menina se
acalmasse agarrada a um dos franciscanos antes de levá-la embora. Um dos
monges deu-lhe um santinho de papel com a imagem de São Francisco em um
lado e uma oração do outro, e, para horror da mãe, benzeu-a antes de deixá-la
ir.
Foi assim que começou o que seu pai chamava de "febre católica" e a mãe
de "bobagem de criança". Contudo, conforme a garota crescia, a curiosidade e
o fascínio que sentia pelos franciscanos só aumentou. Mesmo com a família
combatendo veementemente suas atitudes, ela passou a ler sobre a vida do
santo e a freqüentar as igrejas da ordem, não por ter sentido algum despertar
religioso, mas porque tudo aquilo simplesmente a fascinava.
Usou o dinheiro que ganhou de uma tia no aniversário de 15 anos para
comprar um hábito marrom com capuz, que usava sempre que se sentia triste
ou desamparada.
Os pais, depois de algum tempo, desistiram de brigar com ela e acabaram
encarando seu comportamento como uma "excentricidade". Afinal, embora
fosse obviamente fascinada por aquele universo sacro-medieval, não havia na
jovem um pingo de vocação religiosa.
Pelo contrário. Mesmo freqüentando igrejas e lendo avidamente tudo que se
relacionasse ao santo protetor dos animais, Liz terminou os estudos e entrou
para a universidade, formando-se em Teoria da Computação e Análise de
Sistemas.
Aos 21 anos, arrumou seu primeiro emprego e começou a juntar dinheiro
para visitar a Itália. Como tinha planos de ficar no país por tempo
indeterminado, trabalhou o máximo que pôde, fez horas extras, bicos e
economizou cada centavo para a viagem. O único dinheiro gasto no período foi
com um curso de italiano, que lhe valeu fluência e desenvoltura no idioma.
Foram oito anos de economia, mas ela finalmente conseguiu. Desembarcou

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no norte da Itália no início de maio, sozinha e com dinheiro suficiente para
permanecer no país durante alguns meses.
A viagem começou por Milão. Então ela foi para Gênova, Verona, Veneza e
Florença. De lá, partiu direto para Roma, e então, segundo seus planos,
seguiria para Assis, onde pretendia ficar o quanto fosse possível ou até
descobrir, afinal, por que aquele lugar a fascinava tanto.
Se para sua família era difícil aceitar tamanha paixão por São Francisco, para
ela não era diferente. Vezes sem conta questionou-se sobre aquela obsessão,
buscando respostas para o que sentia, mas o coração só lhe dizia que seu
destino estava inexoravelmente ligado àquele lugar.
Agora, sentada e tomando o café da manhã, Lizbeth imaginava como seriam
seus próximos dias. Cada vez mais ela sentia que precisava chegar logo a Assis
e ajoelhar-se na Basílica. Não encontrava uma razão lógica para tamanha
urgência, mas tinha a firme convicção de que, no momento em que pusesse os
pés naquele lugar sagrado, algo muito profundo aconteceria.
O destino havia colocado um perigoso assassino em seu caminho, que muito
provavelmente só tinha poupado sua vida pelas circunstâncias em que se
trombaram no Fórum Romano. Se a polícia italiana estava mesmo certa em
suas suspeitas, ele não descansaria até encontrá-la outra vez para terminar o
serviço.
Mas Lizbeth não se deixou amedrontar. Bateu o pé na chefatura e decidiu
continuar viagem, certa de que tudo acabaria bem. Naquele momento isso lhe
pareceu o mais acertado a fazer, mas agora, de malas prontas e com muitos
quilômetros a percorrer, a idéia não lhe parecia mais tão boa assim.
"Deus do céu. Preciso me acalmar!", pensou. "Meu coração quase saltou
pela boca só de alguém ter batido na porta do quarto!"
Ela tirou da carteira o santinho de papel que ganhou na infância, já
desbotado e marcado pelas dobras, e olhou a figura de São Francisco. "Você
me atraiu até aqui. Pois trate de me proteger!"

Adrian Hudson estava em pé na sacada de sua clínica em Assis, os olhos


escuros pensativos, os cabelos ondulando ao vento. Apesar de não serem
longos, eram tão lisos que uma mecha deles estava sempre caída sobre sua
testa. Por que não os cortava mais curto ainda? Pura teimosia.

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O sol brilhante de verão refletia-se nas árvores do jardim e nas grandes
flores vermelhas espalhadas pelo gramado, dando à clínica uma aparência de
casa de veraneio.
Adrian havia ido à cidade logo após se formar e nunca mais saiu. Apaixonou-
se pelas construções medievais, preservadas como eram no século XIII, pelas
ruazinhas estreitas, pela beleza da Basílica com seus afrescos de Giotto e
Lorenzetti, pela atmosfera sacra, pela paisagem exuberante estampada nos
vales e colinas da região.
A cidade, que recebe milhares de turistas todos os anos, acolheu o jovem
médico americano com braços amigos, e como muitos dos visitantes são de
língua saxônia, ele se deu bem por lá.
Quando houve o terremoto em 1997, Adrian foi um dos muitos que juntaram
suas forças para consertar a cidade. Ele se incorporou às campanhas de auxílio
solidário e isso só serviu para que as pessoas o vissem com mais simpatia e
boa vontade.
Com 32 anos, alto, forte, bonito e dono de um sorriso cativante, na maior
parte do tempo Adrian mantinha o semblante sério, característica que lhe dava
um certo ar de mistério e acentuava ainda mais seu magnetismo pessoal.
Solteiro convicto, não por ser contra o casamento, mas por achar que não tinha
o perfil para isso, passava seus dias entre os pacientes, os jantares na casa de
Francesca Tamborelli - uma senhora de 80 anos tão apaixonada por Assis e São
Francisco quanto ele mesmo - e passeios ocasionais pela bela região da
Umbria, onde se ergue a cidade.
Neste instante, porém, o médico estava perdido em pensamentos obscuros.
Havia lido sobre a morte de Rafael Giuseppe Mancini nos jornais e, por algum
motivo que não entendia, a leitura o deixou perturbado. Tinha a sensação de
que algo estava para acontecer em sua vida e que isso tinha a ver com a
morte daquele homem.
Adrian, que nunca havia sido religioso e vivia olhando desconfiado para os
inúmeros milagres que as pessoas atribuíam a São Francisco, surpreendeu-se
pedindo ao santo que o protegesse.
Rindo de si mesmo, virou as costas para o jardim perfumado e voltou ao
trabalho.
Ao passar pela secretária, uma simpática senhora na casa dos 50 anos,

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Adrian deu-lhe uma piscada, cheio de charme.
— Doutor, doutor... Não me tente! Eu tenho sangue italiano e, quando ele
ferve... ai, ai,ai! — brincou ela.
O médico parou e olhou-a com um sorriso:
— Ah, se você fosse solteira, Enrica. Ah, se você fosse solteira!
A mulher riu e ele entrou no consultório, onde o primeiro paciente o
aguardava. Cinco minutos depois já havia se esquecido do assassinato, de suas
cismas e de São Francisco.
O santo, porém, não havia se esquecido dele.

O Hotel Hassler é um dos melhores de Roma. Localizado na Piazza Trinitá dei


Monti, possui acomodações luxuosas e serviço internacional, proporcionando a
seus hóspedes uma agradável sensação de exclusividade e sofisticação.
Exatamente por isso, quando o trabalho o levava a Roma, Peter Holthe, cujo
nome verdadeiro era Vulko Mladenov, hospedava-se ali.
Menino nascido pobre nos arredores de Sofia, na Bulgária, quinto filho de
uma prole de dez, passou fome, frio e padeceu nas ruas da cidade, até que aos
oito anos foi encontrado por um piedoso senhor, ardoroso devoto de são
Francisco de Assis, e levado a uma instituição de caridade.
Na época, o regime comunista em vigor não permitia a prática religiosa.
Aqueles que, apesar dos pesares conseguiram manter sua fé, eram forçados a
fazer suas orações em silêncio e segredo.
O menino cresceu forte e demonstrando incrível capacidade para os estudos,
inteligência arguta e um espetacular instinto de sobrevivência. Ficou na
instituição até os 20 anos, quando o regime comunista caiu e a União Soviética
esfacelou-se em várias repúblicas que até hoje lutam por liberdade.
A Bulgária era uma delas.
Sem os comunistas para dirigi-los e diante de um mundo muito mais
avançado tecnologicamente, os búlgaros se viram em situação difícil. Não
havia trabalho, não havia remédios ou socorro suficientes para a população, e
a pobreza, mascarada pelo regime antigo, explodiu em níveis assustadores.
A instituição onde o então rapaz cresceu foi fechada e ele se viu perdido,
sem futuro ou destino.
O caminho que encontrou foi o trilhado pela maioria dos excluídos: a

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criminalidade. Mas Vulko não tinha paciência para quadrilhas ou pequenos
furtos. Era agitado demais e extremamente individualista. Um belo dia
descobriu que um figurão estava procurando um assassino de aluguel para dar
cabo de um delator e aceitou o trabalho.
Foi a primeira de uma longa fila de mortes por encomenda. Frio, calculista,
discreto e muito eficiente, sua fama correu rápido e, em poucos anos, o rapaz
tornou-se um dos mais procurados profissionais do submundo.
Ficou rico, comprou um apartamento em Paris e adquiriu uma dúzia de
identidades diferentes. A Interpol só se deu conta de sua existência quando
ele, em 1998, matou um diplomata francês e outro belga durante um encontro
secreto dos dois países.
Nos anos subseqüentes, Vulko, cuja identidade real permanecia um mistério,
entrou para a lista dos mais procurados de todas as agencias de segurança do
globo e acabou ganhando dos italianos o ridículo apelido de Ombra Nera.
A personalidade conflituosa do rapaz compreendia tanto o menino carente,
que recebeu de seu protetor os ensinamentos de caridade e bondade, quanto o
homem frio e violento para quem matar era como ir ao cinema.
Em sua bagagem Vulko carregava tanto as armas que usaria para eliminar
as vítimas quanto uma imagem de São Francisco de Assis, para quem o lado
cristão de sua personalidade rezava todas as noites.
E era justamente este homem, o assassino impiedoso para quem a vida
humana significava apenas dinheiro, que estava agora sentado no Hotel
Hassler, perguntando-se como faria para encontrar e eliminar a mulher com
quem havia trombado no Fórum Romano.
Os jornais obviamente não traziam qualquer informação sobre ela, a não ser
o fato de se tratar de uma turista americana.
O matador coçou o queixo, pensativo. Quem ele conhecia na Itália capaz de
lhe dar a informação de que precisava? Olhou para a imagem de São Francisco
e pediu:
— Um dia me disseram que você salvou minha vida. Agora preciso de sua
ajuda outra vez para continuar vivo.
Ainda listando as pessoas que conhecia naquele país, terminou seu café
tranqüilamente e começou a telefonar. Meia hora depois, saiu com um sorriso
no rosto, certo de que os dias da jovem ruiva estavam contados.

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Seus olhos, entretanto, não sorriam. Neles, o brilho da morte resplandecia
como uma ameaçava fria e implacável.

Marcello Tardizzi, o inspetor que cuidava do assassinato de Rafael Giuseppe


Mancini, não se conformava por não conseguir manter Lizbeth na cidade.
— Americanos! — desabafou com seu auxiliar. — Acham que o mundo é
deles!
Mas, apesar do risco que a moça estava correndo, o inspetor não havia
usado sua prerrogativa de mantê-la sob custódia e deixou a garota livre. Tinha
certeza de que o Sombra Negra iria atrás dela e, quando o criminoso a
alcançasse, seria imediatamente preso.
A possibilidade de o plano falhar e do inspetor se ver envolvido em um
incidente internacional não lhe passava pela cabeça. Tudo o que ele queria era
colocar as mãos naquele que era, com certeza, o mais famoso assassino
internacional.
Em posse do roteiro de viagem de Lizbeth Carter e tendo cada movimento
da moça sob controle, Tardizzi dizia a si mesmo que era tudo uma mera
questão de tempo.
Em sua mesa, o informe dizia que a americana viajaria aquela manhã para
Assis. A cidade não era muito grande, mas a quantidade de turistas que
circulava por ela constituía talvez o maior obstáculo para a proteção de
Lizbeth, uma vez que qualquer um deles poderia ser o criminoso.
De qualquer maneira, ele estava contente. Sem dúvida era mais fácil vigiar
alguém em Assis do que em Roma.
— Tudo pronto? — perguntou o inspetor ao auxiliar que o acompanharia na
viagem.
— Sim, senhor. Seguiremos atrás do ônibus da signorina Carter e um de
nossos homens estará dentro dele.
Marcello Tardizzi suspirou. "É só uma questão de tempo", pensou,
preocupado, retirando-se da sala.
****
François Duvallier acordou naquela manhã sentindo a perna dolorida. Olhou
a bengala encostada ao lado da cama e suspirou. Há anos sofria com aquelas
dores irritantes, conseqüência de um acidente de esqui que quase lhe tirou a

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vida, deixando-o ligeiramente manco.
Indisposto, pediu que lhe servissem o café na cama e, enquanto se
alimentava, lia os jornais, como fazia todos os dias, à caça de algum leilão ou
obra de arte à venda. Aquela manhã, porém, o que lhe chamou a atenção foi
outra coisa: Rafael Giuseppe Mancini havia sido assassinado em Roma.
François e Rafael eram velhos conhecidos e já haviam se encontrado muitas
vezes em leilões e eventos envolvendo museus e colecionadores. O francês
sabia que o outro tinha feito fortuna de maneira nebulosa e conhecia os
rumores sobre suas ligações com a Máfia, mas nunca acreditou nisso.
Agora, contudo, ao ler a trágica notícia, ele teve certeza: a Máfia não
contratava gente de fora para fazer seus trabalhos. Se Rafael havia sido morto
pelo tal Sombra Negra, a organização criminosa nada tinha a ver com isso, mas
o italiano com certeza estava metido em negócios escusos.
"Preciso mandar um telegrama de pêsames à família", pensou, enquanto
meditava por alguns segundos sobre a imprevisibilidade da morte. Depois,
mudou o rumo de seus pensamentos e concentrou-os na procura de leilões.
De sua cama ele via os campos verdes da França estendendo-se colina
abaixo. Banhados pela luz do sol e acariciados pela brisa já quente àquela hora
da manhã, Duvallier soube que teria mais um dia de verão em plena
primavera.
Jogou os jornais para o lado, afastou a bandeja e com dificuldade chegou até
às janelas, enchendo os pulmões com o perfume do campo. Sem nada mais
para fazer a não ser apreciar a vida, o homem decidiu que talvez fosse hora de
viajar um pouco: ir até a Suíça ou quem sabe a Espanha. Sempre se achavam
grandes peças na Espanha, perdidas em meio a pequenas vilas e aldeias, mas
a idéia não o agradou.
"Estou inquieto e não entendo por que...", pensou, olhando a paisagem.
"Deve ser a dor na perna", concluiu, voltando para a cama.
Então, sem saber o motivo, lembrou-se dos diários de Marino Giacomidi, que
havia comprado há pelo menos vinte anos em um leilão.
O texto, escrito na linguagem rebuscada do século XIV, contava a história de
um caso de amor trágico envolvendo um jovem que havia largado família e
fortuna para tornar-se um peregrino como São Francisco.
"Ah, a juventude! Quanta bobagem fazemos quando somos jovens, achando

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que a vida será exatamente como nós queremos!", pensou. Ainda sem
entender muito bem a razão de estar relembrando aquilo, chamou o mordomo
para ajudá-lo a se vestir, decidido a reler o texto de Giacomidi.
A história ali narrada, verídica segundo o autor, havia acontecido nas
florestas da Itália e possuía todos os contornos de um caso de amor, desses
que lotam cinemas e arrancam lágrimas da platéia.
"Alguém devia publicar isso", conjecturou, enquanto se dirigia à biblioteca.
Lá chegando, pegou uma cópia do texto dos diários, já que os originais
estavam conservados em uma vitrine de vidro longe de fungos e qualquer
outra coisa capaz de danificá-los, e mergulhou na leitura.

Capítulo Ii
Corria o ano de 1314. Adriano Lucchesi estava com 22 anos e, como tantos
outros rapazes de sua época e posição social, levava uma vida de boêmia e
mulheres que muito desgostava seus pais.
Filho de um rico comerciante de tecidos e educado nas melhores escolas da
Itália, o rapaz não demonstrava a mínima inclinação para os negócios e,
verdade seja dita, para nada mais a não ser a vida noturna, os amigos e as
mulheres.
Noites sem conta dormia fora de casa em camas cujas donas causavam
arrepios à sua mãe, ou então chegava de manhãzinha, trocando as pernas,
bêbado e cantando alto, acordando a casa que dormia em silêncio.
Era um rapaz bonito e vistoso, alegre e simpático, para quem a vida era uma
aventura a ser aproveitada e nada mais. As preocupações e sacrifícios deixava
para a mãe, os compromissos para as irmãs, a seriedade para o pai. A ele
cabia apenas se divertir.
Tudo isso, entretanto, mudou de uma hora para outra quando o rapaz,
durante uma crise de febre alta, teve uma visão. Nela, um homem
desconhecido dizia-lhe para deixar o que tinha e aventurar-se pelo mundo em
peregrinação, ajudando os necessitados e humildes, dando suas posses aos
miseráveis, suas roupas aos descamisados, sua bondade aos esquecidos.

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O homem da visão também lhe disse que, após três anos de peregrinação,
fosse até a Basílica de Assis, onde seria abençoado e receberia outras
revelações.
O sonho foi tão nítido e causou tamanha impressão no rapaz que, durante
todo o tempo em que esteve enfermo, ele não falou de outra coisa, chegando
mesmo a rezar para ter febre novamente e assim poder rever o desconhecido.
De todos os amigos com quem gostava de estar, Marino Giacomidi era o
predileto. Havia entre os dois mais do que camaradagem ou amizade. Era
como se fossem irmãos de alma. Nada acontecia com um que o outro não
soubesse, e vice-versa. Camaradas, colegas, amigos, irmãos. Era assim que se
apresentavam às pessoas.
Passavam as noites de farra juntos, jogavam juntos, bebiam juntos e
vagabundeavam juntos, desfrutando do dinheiro dos pais.
Marino conhecia Adriano tão bem ou melhor do que conhecia a si mesmo e
justamente por isso não acreditou em uma só palavra do que o amigo dizia.
— Você está inventando isso para conquistar alguma jovenzinha carola. A
mim não engana — ele repetia todas as vezes que o amigo tocava no assunto.
— Quando eu sarar e puder me levantar da cama eu lhe mostrarei quem
está brincando! — respondia Adriano, com seu jeito moleque.
A cura do rapaz evoluía lentamente e, enquanto se achava sob os cuidados
da família, passou a conversar horas a fio com o clérigo da região,
aprofundando-se nos ensinamentos de São Francisco e encontrando diversos
pontos comuns entre sua vida e a do santo.
Francisco também tinha sido rico e farrista. Também adoeceu e teve visões
e, assim como Adriano pretendia fazer assim tão logo se curasse, abandonou
família e fortuna e partiu pelo mundo.
— Só não quero mudar meu nome. Foi um presente de minha mãe e
pretendo conservá-lo — dizia ao amigo, que caía na gargalhada.
Alguns meses depois, Adriano restabeleceu-se plenamente e pode, enfim,
sair da cama para voltar à vida normal. Mas algo havia mudado no rapaz. A
boêmia não perdeu o encanto e a cama das donzelas mais atiradas saiu de
seus planos. Ele deixou de jogar e praticamente não bebia mais, exceto uma
taça de vinho durante as refeições.
Distanciou-se dos amigos e, quando Marino foi vê-lo e o confrontou por conta

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de sua nova maneira de agir, o rapaz abriu-se:
— Não sinto mais vontade de beber ou de ficar na rua até altas horas.
Também não desejo mais me deitar com todas as mulheres da cidade. Eu
mudei, amigo. Mudei para melhor.
O outro olhou com desconfiança, mas não o importunou. Quem poderia
saber o que Adriano estava aprontando desta vez?
Ninguém acreditava que o rapaz pretendesse mesmo sair pelo mundo ou
abrir mão da boa vida que levava. Mas foi exatamente isso que ele fez quando
sentiu que já estava em condições de se aventurar.
Partiu cedo, antes que o galo cantasse, deixando cartas aos pais, aos
colegas de farra e uma especial para Marino. Nesta última dizia que o amigo
não o quisesse mal pelo que estava fazendo, mas que lhe desejasse sucesso
em sua empreitada.
Começava assim, para Adriano, um longo período de sofrimento, meditação
e confronto com a miséria e pobreza do mundo, com as quais não estava
acostumado.
Durante meses ele vagou pelo país, caminhando por estradas perigosas,
pelos bosques, pelos vilarejos. Ajudou a tratar doentes, a enterrar os mortos, a
cultivar a terra.
O pouco que sabia sobre as escrituras ensinava às pessoas que cruzavam
seu caminho. Dormiu ao relento, passou frio, fome e privações. Adoeceu
algumas vezes e, em todas elas, foi tratado por outros que, como ele, também
peregrinavam pelo país.
As longas horas de solidão pelas estradas o tornaram mais calado e
contemplativo, suprimiram de seu rosto o riso fácil, substituindo-o por um ar de
sabedoria e ternura. Mas não foi apenas a alma do rapaz que se transformou.
Seu corpo enrijeceu, as pernas se tornaram vigorosas, os braços fortes e de
músculos resistentes como aço. Os cabelos cresceram, assim como a barba,
que ele passou a não cortar.
As mãos, antes delicadas e finas, agora eram fortes, calejadas e ásperas, os
pés grossos e judiados pela poeira. Nada havia nele que lembrasse o jovem
fidalgo de outrora.
Cumpridos os três anos de peregrinação conforme lhe dissera o estranho em
sonho, Adriano sentiu que era hora de ir para Assis.

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Naquela época, onde profundas transformações de cunho místico-religioso
ocorriam nas pessoas, muitas senhoras ricas se juntaram em lugares ermos e
dedicavam suas vidas à meditação, oração e caridade. Conhecidas como as
Irmãs da Floresta, viviam afastadas do convívio social e davam guarida e
proteção a quem lhes pedisse.
Adriano encontrava-se próximo a Nápoles e, ao chegar na cidade, deparou-
se com a notícia de que o filho mais velho de um nobre da região havia sido
assassinado por uma escrava.
Por todo lugar onde andava as pessoas só falavam sobre o desespero do pai
e a perseguição que seus homens faziam à mulher que lhe causara tamanha
perda. O próprio Adriano chegou a ser detido por serviçais montados em
vigorosos cavalos, que o crivaram de perguntas e deram a descrição detalhada
da criminosa que procuravam.
Como não era, segundo pensava ele, sua tarefa envolver-se em assuntos de
tal natureza, continuou seu caminho, vendo, mesmo já estando bem distante
da cidade, que as patrulhas continuavam.
Firme em seu propósito de chegar a Assis, no final de uma tarde fria e
chuvosa de outono bateu às portas das Irmãs da Floresta em procura de
abrigo, sem saber que, na verdade, ele batia às portas de seu destino.

Neste ponto da leitura, François levantou os olhos do texto e encarou o


mordomo:
— Falei que não queria ser incomodado, Maurice.
— Eu sei, monsieur, mas é madame Francesca Tamborelli, de Assis, ao
telefone. Achei que o senhor falaria com ela.
— Francesca? Por que não disse logo? Agora ela vai passar meia hora
reclamando que a deixei esperando e que gastou uma fortuna de interurbano!
Maurice não respondeu. Apenas passou o telefone ao patrão e retirou-se.
— Francesca! Mas que prazer! — mentiu, esticando os olhos para o texto que
estava lendo.
— Olá, François. Por que demorou tanto para atender? Não sabe que os
interurbanos custam uma fortuna?
O homem suspirou.
— Desculpe, minha querida. Mas o que me faz merecedor de um telefonema

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Coleção Amor e Sedução – 05
seu?
— Na verdade, quero lhe pedir um favor... Não para mim, mas para alguém
que conheço.
Então ela deu início a uma detalhada descrição da conversa que teve na
semana passada com um dos freis da Basílica e falou da curiosidade do
religioso em conhecer melhor os diários de Marino Giacomidi.
— Como sabe, os diários nunca foram publicados e apenas você possui os
originais — disse ela, cheia de lisonja na voz.
François lançou um olhar surpreso ao texto sobre a mesinha lateral,
imaginando que estranha coincidência seria aquela. Há anos não pensava
naquele relato e, justamente hoje, quando cismou de revê-lo, Francesca ligava
da Itália para falar sobre ele.
— Bem... Eu não posso remover os originais daqui. Tenho medo de
contaminá-los e...
— Mas você possui uma transcrição dos textos, não é?
Ele disse que sim, evitando mencionar que estava justamente relendo-a
naquele momento.
— Eu pensei que talvez você pudesse fazer o imenso favor de me enviar
uma cópia e atender ao pedido desse meu amigo...
Ele disse que faria o favor, é claro, e desligaram.
François olhou para as folhas de papel descansando sobre a mesinha ao lado
da poltrona e suspirou, pensando em Francesca. "Eu conheço essa mulher. Ela
está tramando alguma coisa! Mas, o que será...?"
O francês voltou à leitura e, cinco minutos depois, já havia esquecido a
amiga.
Ela, entretanto, não parava de pensar nele...

Francesca Tamborelli estava com 80 anos, era lúcida, forte, decidida,


fervorosa devota de São Francisco e amante de um bom vinho. Apesar da
aparência frágil e delicada, das roupas sóbrias e dos cabelos imaculadamente
brancos, que mantinha sempre bem arrumados, de frágil ela não tinha nada.
Muito menos mostrava desânimo perante a vida ou pensava na morte, o que
seria de se esperar devido à sua idade.
Dona de um pulso forte e intuição afiadíssima, a mulher se atirava com

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Coleção Amor e Sedução – 05
afinco ao que mais gostava de fazer: colecionar tudo aquilo que se referia ao
santo de Assis ou à arte sacra.
Sua casa parecia um museu, exibindo desde pinturas até tapetes raros e
caríssimos. E ela adorava todas as peças e sabia de cor a história de cada uma.
No entanto, dentre a sua vasta coleção de objetos raros, o que ela mais
gostava era uma pintura do século XIV chamada Súplica do Coração, comprada
diretamente de um príncipe europeu falido por meio de negociações sigilosas.
O quadro, sem assinatura, mostrava uma cena dramática que havia
enfeitiçado seu espírito. Ela mantinha o quadro oculto atrás de portas de
carvalho, em seu dormitório, e pouquíssimas pessoas tiveram o privilégio e vê-
lo. Até porque a mulher não deixava ninguém entrar em seus aposentos.
Nascida em Roma, Francesca mudou-se para Assis quando enviuvou aos 30
anos e de lá nunca saiu ou voltou a se casar.
— Um marido já me foi suficiente — respondia sempre que perguntada
sobre sua longa viuvez.
As pessoas pensavam que ela não se casava novamente porque havia
amado muito o esposo, mas a verdade era outra. O finado, homem muito rico e
poderoso, bem mais velho que Francesca, era também um tirano e a tratava
muito mal.
Ela deu graças a Deus quando o crápula partiu e, durante a missa fúnebre,
apesar de manter as aparências de viúva entristecida, sentiu muito mais alívio
do que dor.
Agora, 50 anos depois, seus pensamentos estavam ocupados com François
Duvallier e o precioso texto medieval.
Olhando para o quadro, ela sentiu um arrepio de excitação. Seria possível
que aquela tela e os diários de Marino Giacomidi falavam da mesma pessoa? E
o homem no quadro... ele seria mesmo Adriano Lucchesi?
Francesca examinou cuidadosamente a pintura, mas o rosto do monge
ajoelhado não estava visível. Apenas os braços em súplica, com as mãos
expressando desespero, podiam ser vistos saindo das mangas do manto
marrom. Os braços eram musculosos e as mãos calejadas, de aparência forte -
características não muito comuns para as pinturas da época.
O autor desconhecido que retratou a cena deve ter ficado realmente
impressionado para pintá-la de modo tão dramático.

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Francesca desviou os olhos do quadro e os fixou na paisagem que a janela
emoldurava. Enquanto as flores dançavam à brisa fresca, deixou o pensamento
solto e, ao dar por si, eles haviam se fixado em Adrian Hudson.
O médico que a italiana conheceu tão logo ele se fixou em Assis era um
amigo querido. Tão querido quanto um filho, se ela houvesse tido algum.
Bonito, inteligente, dotado de um senso de humor refinado e com uma pitada
de sarcasmo, o rapaz se tornou seu convidado mais freqüente e aquele com
quem adorava jantar e passar horas conversando.
Ela também não perdia uma oportunidade de apresentar-lhe moças que
julgava serem boas pretendentes, mas Adrian nunca se interessou por
nenhuma.
— Sou um solitário, assim como você — dizia, desviando o assunto.
Mas a intuição da mulher lhe falava outra coisa. Ele não era um solitário,
mas alguém que parecia carregar uma grande dor na alma. Dor que ele
mesmo desconhecia.
"Se eu acreditasse em outras vidas diria que Adrian sofre por algo que
aconteceu num passado muito distante", ela pensou, com os olhos fixos na
paisagem.
****
Lizbeth desembarcou em Assis na hora do almoço e não percebeu que seus
passos eram acompanhados de perto por um rapaz alto, usando jeans e
camiseta. O policial que a seguia mais parecia um universitário em férias do
que um agente bem treinado pelo serviço de inteligência.
A moça, após hospedar-se em um simpático hotelzinho de canteiros floridos
nas janelas e paredes pintadas de branco, armou-se com uma filmadora e
começou a explorar a cidade.
Várias vezes teve a impressão de estar sendo seguida, mas quando se
virava não havia ninguém. Achando estar cismada pelo que havia escutado na
polícia, ela riu de si mesma e continuou seu roteiro, visitando lugares que
encantaram sua alma.
Algo naquela pequena e milenar cidade a fazia sentir-se em casa, protegida
e amparada. Sentia em Assis o mesmo conforto de espírito que lhe
proporcionava o manto franciscano de sua adolescência.
Enquanto Liz desfrutava do passeio, fascinada com a beleza dos

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monumentos e construções antigas, Vulko Mladenov pagava a um homem de
índole duvidosa uma soma vultuosa para obter determinada informação.

— Vai demorar alguns dias. Onde posso encontrá-lo? — perguntou o


desconhecido.
— Não se preocupe, eu encontro você. Agora suma. Tenho mais o que fazer.
O informante desapareceu pelas vielas de Roma e Vulko, consultando o
relógio, continuou seu caminho rumo às lojas onde costumava comprar
presentes para as mulheres com quem saía.
Desta vez seria uma condessa que conheceu durante uma recepção para
estudar os passos de Rafael Giuseppe Mancini, o milionário que agora estava
morto.

O final do dia chegou em tons de ouro e púrpura, tingindo os céus da Umbria


com o esplendor do fogo. E a noite, conforme se aproximava, trazia consigo um
vento frio, que convidava a uma taça de vinho e, quem sabe, alguns bocados
de queijo.
Lizbeth estava saindo da Basílica quando se sentiu estranha. A cabeça
parecia vazia, os sons foram ficando distantes, as pernas cada vez mais
amolecidas, até que a moça tombou desmaiada sobre o piso frio.
O rapaz, que a seguia de longe, correu até ela, e o mesmo fez o inspetor
Marcello Tardizzi, ambos pensando que a jovem tinha sido vítima de algum tiro
disparado pelo assassino desconhecido.
Em meio ao tumulto que se formou, eles tiveram dificuldades para chegar
até a garota e, quando conseguiram, ela já estava sendo levada para a clínica
Saint Francis, cujo dono também era americano.
Adrian estava a meio caminho de casa quando seu celular tocou. Eram seis e
meia da tarde e o rapaz viu seus planos de uma noite tranqüila irem por água
abaixo ao saber que uma turista americana estava inconsciente em sua sala de
emergência.
— Essa gente que não se alimenta direito... — ele rosnou, virando o carro de
repente.
Certo de que passaria a madrugada ao lado de uma velhinha carola pronta
para jurar que o desmaio havia sido algum sinal do santo de Assis, ele

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surpreendeu-se ao ver a linda jovem de cabeleira ruiva sendo atendida por
suas auxiliares.
Ao lado dela, dois homens, um vestindo jeans e outro com um terno todo
amarrotado, crivavam de perguntas as enfermeiras que entravam e saíam da
sala.
Adrian pediu que ambos se retirassem e fechou a porta.
— Quem são? — perguntou a uma das enfermeiras.
— Policiais.
Ele olhou para o rosto de Lizbeth, surpreso:
— E ela, quem é? Alguma atriz famosa?
— Lizbeth Carter. Americana, 29 anos, solteira. Ao menos é o que diz o
passaporte.
Os sinais vitais da moça pareciam em ordem e não havia muito a ser feito
com ela desacordada. Ainda assim, o médico colheu amostras de sangue,
pediu algumas radiografias e então foi conversar com os policiais.
— O que aconteceu? Como está ela? — perguntou o inspetor, mostrando a
Adrian sua identificação.
— Não sei... deve ter tido um desmaio por cansaço. Não encontrei nada de
errado com ela, mas só vamos saber ao certo com o resultado dos exames.
Seja como for, enquanto não acordar a moça ficará aqui.
— Bem, se ela vai ficar, nós também ficaremos — afirmou o inspetor. Adrian
não gostou nada de ter a polícia de plantão em sua clínica, mas não havia nada
que ele pudesse fazer a respeito.
— Desde que não interfiram no tratamento dela, fiquem à vontade. Agora, se
me dão licença...
O médico voltou à sala de emergência e pediu que transferissem a jovem
para um quarto, enquanto esperava os exames. Desacordada, Lizbeth
encontrava-se em um mundo sem sonhos, alheia a tudo que se passava ao seu
redor.
Parado ao lado da moça, ele olhou-a com ternura.
— Pobrezinha. O que você fez de tão grave para merecer isso?
Os traços do rosto, delicados e provocantes, os seios generosos, a boca
perfeita, a pele macia, clara e lisa davam a ela a aparência de uma pintura
medieval, mesmo vestida com uma camisola verde típica dós hospitais.

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Adrian ficou surpreso com o próprio interesse e censurou-se por aquilo: "A
moça é uma paciente, meu Deus do céu! Será que você perdeu o juízo?".
— Espero que acorde logo, Lizbeth Carter. Seus amigos da polícia estão
ansiosos lá fora para falar com você — ele disse em voz baixa e um sorriso
terno brotou em seus lábios.

François Duvallier retomou a leitura que havia interrompido pelo telefonema


de Francesca somente após o jantar. Assim como havia feito aquela manhã,
pediu para que não o incomodassem e trancou-se na biblioteca.
Por alguma razão que lhe fugia ao conhecimento ele sentia que aquela
leitura era importante e que o levaria a descobrir a solução para algum
problema extremamente sério. Esquecido do mundo à sua volta, mergulhou na
história medieval, aprofundando-se na vida de Adriano Lucchesi e no estranho
destino do monge franciscano...
O rapaz alcançou a casa das irmãs da floresta ao final de uma tarde fria e
chuvosa, com as roupas molhadas e o corpo gelado, sendo recebido por uma
senhora rotunda e corada, que o acolheu com hospitalidade.
Ela providenciou para ele uma grande tina com água quente, deu-lhe roupas
secas e um prato de sopa, acompanhada de pão e vinho, que o homem sorveu
com gratitude.
— Então está a caminho de Assis, irmão? — quis saber, enquanto comia
junto com ele e as outras senhoras que ali moravam.
— Sim. Peregrino há três anos e agora sinto que chegou o momento de ir à
Basílica encontrar novos rumos para minha vida.
— Gostaria de compartilhar conosco sua história? — pediu uma das
mulheres e Adriano, olhando-a cheio de bondade, narrou sua vida até aquele
momento.
Ele não era o único naqueles tempos que largava tudo e saía pelo mundo
atrás de revelações espirituais, fazendo caridade e ajudando os necessitados.
Muitos rapazes bem nascidos, filhos de famílias ricas e poderosas,
abandonavam suas posses faziam o mesmo.
Pelo caminho, convertiam infiéis e falavam sobre as benesses da religião
cristã. Numa época em que a ignorância imperava e qualquer comportamento
fora do comum era atribuído à bruxaria ou pacto com o demônio, condenando

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inocentes à fogueira, a presença de um frade peregrino era sempre muito bem
recebida pelos pobres, mas mal vista pelas famílias que não queriam seus
filhos arriscando-se mundo afora.
Em três anos, Adriano havia acumulado experiência suficiente para manter-
se longe de encrencas e sua antiga vida boêmia também o ajudava muito em
certas ocasiões. Como ele sempre dizia: "Todas as criaturas de Deus têm algo
a nos ensinar, ainda que seja um mau exemplo que não devemos seguir".
Embora tivesse sido recebido com alegria pelas irmãs da floresta, o rapaz
sentia que elas estavam escondendo algo e o vigiavam constantemente,
mesmo quando recolhido em oração.
Durante os três primeiros dias de sua estada no refúgio ele ajudou com os
trabalhos mais pesados, carregando e cortando lenha, limpando o chão e
cuidando dos animais. Ao final da tarde do terceiro dia, quando se preparava
para jantar, Adriano ouviu batidas e gritos do lado de fora do portão.
A mesma senhora rotunda que o recebera abriu as portas e uma comitiva de
cinco cavaleiros entrou, o casco dos animais espalhando lama sobre as vestes
da mulher.
Eles estavam caçando uma criminosa de nome Lisa Torino, que havia
assassinado a facadas o filho de um nobre na região de Nápoles. Adriano,
lembrando-se do caso, aproximou-se para ouvir melhor a história:
— Dizem que ela é uma bruxa e tem parte com o demônio — comentou um
dos cavaleiros, sorvendo um copo de vinho.
— Ela atacou o rapaz sem razão alguma e matou-o com crueldade,
arrancando e comendo seu coração — completou outro dos homens, fazendo o
sinal da cruz.
— E como é essa mulher? — perguntou Adriano, entrando na conversa. —
Peregrino pelos campos e estradas e pode acontecer de encontrá-la.
— Bonita, não muito alta e tem os cabelos cor de fogo, como toda bruxa.
Seus olhos verdes são penetrantes e seu corpo parece o de uma deusa. Dizem
que enfeitiça suas vítimas antes de matá-las. Se encontrá-la, tenha cuidado,
padre.
— Não sou padre, apenas um pobre peregrino — explicou Adriano.
— Seja como for, é um homem santo. Do tipo que as bruxas adoram tentar.
Tome muito cuidado.

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Adriano calou-se. Durante seus anos de boêmia tinha visto algumas das
moças que conhecia serem acusadas de bruxaria apenas porque esposas
traídas sentiam ciúmes de sua beleza e encanto.
Pessoalmente, ele não acreditava em bruxas, embora soubesse que o mal
muitas vezes encontra-se oculto por trás de rostos angelicais e cheios de
pureza. Também não concordava com prisões, torturas e fogueiras, mas, por
uma questão de sobrevivência, guardava suas opiniões para si.
Aquela noite, quando a casa toda dormia em silêncio, ele acordou com
passos no corredor. Levantou-se e, ao olhar pela abertura gradeada da porta,
viu algumas senhoras passarem correndo, levando consigo uma pessoa cujas
formas se escondiam sob um manto longo e escuro.
Súbito, o capuz que cobria o rosto da pessoa desconhecida caiu e Adriano,
surpreso, viu uma longa cabeleira ruiva surgir e ser rapidamente coberta outra
vez.
Então era isso que as irmãs da floresta escondiam: a jovem procurada por
bruxaria e assassinato estava ali!
Perturbado e temendo que algum mal acontecesse, não só à garota mas a
todos ali, o rapaz voltou ao leito e rezou com fervor para que São Francisco os
protegesse e permitisse que a justiça maior se fizesse presente.
Ainda não havia amanhecido quando os cavaleiros deixaram o lugar,
agradecendo a acolhida e mais uma vez recomendando que tomassem cuidado
com a perigosa bruxa. Adriano esperou que se fossem e então procurou
Catarina Arizzi, a senhora que o recebeu e que também era a líder da
congregação.
Após narrar à mulher o que havia visto, ele perguntou por que eles
protegiam uma criminosa, a mulher encarou-o:
— Acredita mesmo que aquela pobre jovem seja uma bruxa perigosa que
nos cozinhará a todos em seu caldeirão durante uma noite sem lua?
— Bem... A senhora, pelo jeito, não acredita.
— E nem o senhor, já que não nos denunciou.
O rapaz observou atentamente o rosto da mulher. Nele havia bondade, mas,
acima de tudo, força e resolução. A sua frente não estava uma criatura frágil e
indefesa, mas alguém de fibra, que sabia muito bem o que queria fazer,
independente da opinião alheia.

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Catarina convidou-o a sentar-se e, enquanto lhe servia um chá forte e um
pedaço de pão recém-assado, narrou a história de Lisa Torino:
— A moça chegou até nós ardendo em febre, molhada até os ossos, suja e
toda arranhada. Não comia há dias e seus pés e pernas estavam feridos. Nós a
acolhemos como fazemos com todos que aqui chegam, alimentamos, vestimos
e tratamos de suas feridas. Ela passou dias num estado semiconsciente,
balbuciando que era inocente e nós não sabíamos do quê. Quando melhorou e
sentiu-se forte o suficiente para falar, contou-nos o que havia ocorrido e, desde
então, temos mantido a pobrezinha entre nós.
— E que história ela contou às senhoras?
Catarina pareceu mergulhar em lembranças por algum tempo. Dentro de
seus olhos passaram sombras e brilhos que evocavam sua vida antes de morar
naquele lugar. Adriano não a apressou. Conhecedor que havia se tornado da
natureza humana, sabia que as pessoas precisavam de tempo para certas
coisas.
Quando a mulher finalmente voltou a falar, havia um tom de melancolia em
sua voz e seu semblante exibia uma luminosidade diferente, indicando que,
interiormente, revia cenas nada agradáveis.
— Para entender o que vou lhe falar você precisa conhecer um pouco sobre
a minha pessoa.
Adriano olhou-a com bondade e ela continuou:
— Eu nasci em Nápoles, filha de uma família rica e poderosa. Sempre tive
tudo o que desejava. Meus irmãos e irmãs eram alegres, meus pais bondosos e
nossa mesa farta. Minha mãe, que Nosso Senhor a tenha e ilumine sua alma,
era uma piedosa criatura que ajudava a todos e não hesitava em acolher os
desconhecidos que pediam sua ajuda.
— Vejo que segue os passos dela — observou Adriano. A mulher sorriu.
— Minha vida foi tranqüila e generosa até que completei 13 anos. Na
ocasião, meu pai decidiu casar-me com um dos filhos de Giorgio Campesinno,
Luigi, que na época tinha 15 anos e era um vigoroso rapaz. Quando todos os
preparativos estavam prontos, nós nos casamos e eu me mudei para a casa de
meu sogro. Luigi era como eu, apenas uma criança. Nenhum de nós dois sabia
muito bem o que fazer ou como se comportar, mas como ele tinha um gênio
fácil e gentil, demo-nos bem e vivemos felizes por muitos anos, até ele falecer

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vítima de uma febre misteriosa.
Catarina sorria e seus olhos brilhavam de ternura ao lembrar-se do falecido
esposo.
— Quando Luigi morreu, meu cunhado mais novo, Sandro, estava com 13
anos e já mostrava bem a pessoa que viria a ser. Era desrespeitoso e cruel com
os empregados e já naquela época gostava de se deitar com as escravas da
casa, chagando inclusive a engravidar algumas. Ele chegou a se insinuar até
mesmo para mim. Quando me queixei a meu sogro, ele justificou a atitude do
filho dizendo que o menino tinha saúde e era homem. Diante disso, escrevi a
meu pai e roguei que me recebesse de volta, coisa que ele fez indo buscar-me
pessoalmente, pouco depois, quando demonstrei vontade de retirar-me do
mundo, meu pai construiu este lugar e me deixou uma pequena fortuna para
poder mantê-lo.
— Uma história bonita e comovente, mas não entendo o que ela tem a ver
com a fugitiva — disse Adriano.
— Já vou chegar lá, irmão. A paciência é a virtude dos santos — disse ela,
sorrindo, e prosseguiu seu relato: — Mesmo morando com meus pais, eu
recebia notícias da casa de meu sogro e sabia do comportamento de Sandro.
Quanto mais crescia, pior ele ficava. Foi várias vezes acusado de violentar
jovens indefesas e atacar moças mais pobres, abandonando-as depois com o
fruto de seu pecado. Só quando o acusaram de ter matado uma mocinha que
fazia entregas na cidade é que meu sogro tomou providencia, mandando-o
para fora de Nápoles. Quando ele retornou, eu já não mais me encontrava na
casa de meus pais.
Adriano ouvia atentamente, procurando entender onde a mulher queria
chegar.
— Não tive mais notícias de meu cunhado desde então. Pelo menos não até
Lisa Torino chegar aqui e contar-nos o que lhe aconteceu.
Os olhos do peregrino se arregalaram.
— A senhora está dizendo que...
— Que o homem morto em Nápoles era meu cunhado, Sandro Campesinno.
E a moça o matou, não por ser uma feiticeira, mas para defender sua honra e
sua vida. Ela era uma das escravas de meu sogro e Sandro passou a persegui-
la dia e noite. Quando finalmente percebeu que não teria sucesso em seus

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Coleção Amor e Sedução – 05
assédios, ele a agarrou à força e começou a espancá-la. Foi neste momento
que ela o matou, cravando-lhe uma faca no pescoço e fugindo em seguida.
Adriano olhou horrorizado:
— E a senhora acreditou nessa história?
— Eu conhecia meu cunhado muito bem e a moça ainda trazia as marcas da
agressão quando chegou aqui. Aquele homem era um animal. Que Deus me
perdoe, mas é melhor ele estar morto do que vivo.
O rapaz não sabia o que dizer. Lisa era apenas uma entre tantas mulheres
que valiam menos do que uma mula de carga e eram tratadas como lixo por
seus senhores. Aquela jovem não tinha chance alguma. O pai do morto com
certeza não descansaria até vê-la ardendo nas chamas de uma fogueira do
Santo Oficio.
— Mas, o que pretende fazer, irmã? A senhora não conseguirá escondê-la
para sempre!
Catarina mediu o rapaz com olhos inteligentes:
— Deus há de nos mostrar o caminho, irmão. Tudo o que peço é seu silêncio
sobre o assunto.
— Que assunto, irmã? Até agora, a senhora só me contou a receita deste pão
maravilhoso.
Adriano piscou para ela e a mulher sorriu agradecida.
— Vejo que é um bom homem, irmão. Um bom homem. E São Francisco há
de proteger-lhe o caminho pela bondade de seu coração.
Aquela noite, deitado em sua cama humilde, Adriano pensava na pobre
moça e na massa de cabelos vermelhos que viu quando caiu o capuz. Apesar
de nada saber a respeito dela, imaginava que seu destino não seria dos
melhores.
— Como o mundo é injusto, senhor. Como os homens estão imersos na
ignorância! — ele dizia em oração, pensando se algum dia haveria um tempo
em que as pessoas poderiam viver em paz.
O peregrino adormeceu ainda pensando nos cabelos ruivos que tanto o
haviam impressionado.

François deixou o texto de lado, esfregando os olhos cansados. Decidiu que


era hora de dormir, embora a história de Adriano Lucchesi o motivava a

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continuar.
Olhou o relógio e viu que já era alta madrugada.
Enquanto se encaminhava para o quarto apoiado na inseparável bengala,
longe dali, Lizbeth abria os olhos sem entender onde estava.

Capítulo Iii
O quarto estava mergulhado na penumbra. As paredes pintadas de um tom
de verde muito claro, quase branco, refletiam a luz amarelada da mesinha de
cabeceira. Ela abriu os olhos tentando se localizar.
Aquele não era o quarto do hotel. Aliás, de nenhum hotel onde já havia
estado. Também não era o quarto de seu apartamento. "Onde estou?", pensou
Lizbeth, perdida.
Ela sentou-se na cama e olhou em volta. Aquilo parecia um hospital. A jovem
levantou-se e caminhou até as janelas fechadas por persianas estreitas e olhou
para fora. Viu contornos que lembravam um jardim e luzes da cidade mais
além, depois dos muros.
"Vamos ver... Eu estava em Roma, saí para ir ao Fórum e... Deus do céu...
não me lembro de mais nada!"
O assassinato, o encontro com o criminoso, os depoimentos à polícia, a
viagem a Assis, tudo havia desaparecido de sua mente.
"Devo ter me sentido mal e alguém me trouxe a um hospital. Estou em
Roma", pensou, voltando à janela. Mas as luzes da cidade não pareciam ser de
Roma.
Confusa e sentindo-se um pouco zonza, voltou para a cama e adormeceu.
Quando a enfermeira entrou para vê-la, Lizbeth dormia profunda e
tranqüilamente.

O dia raiou em um espetáculo de luzes e cores, despertando a cidade


medieval para mais um glorioso dia de final de primavera. Pelos campos
floridos, pássaros em profusão anunciavam que o dia seria quente, apesar da
brisa que soprava, fazendo as árvores dançarem em um ritmo suave e
delicado.

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Coleção Amor e Sedução – 05
O delicioso perfume dos pães, queijos e bolos serpentava pelas ruazinhas de
Assis, aguçando o apetite dos madrugadores, enquanto as janelas iam se
abrindo para a vida.
Adrian, que havia dormido um sono profundo, despertou cedo e, quando
chegou à clínica, até mesmo o policial montando guarda fora do quarto da
moça estava adormecido.
— Bela proteção! — disse ele em tom irônico. O rapaz acordou assustado e
levou a mão à arma, mas em seguida olhou envergonhado para o médico.
O doutor encontrou Liz dormindo serenamente. Aproximou-se para observá-
la melhor e ela abriu os olhos, confusa:
— Adriano... — a jovem murmurou e sorriu para ele com olhos brilhantes.
— Quase isso... Adrian. Adrian Hudson — respondeu o médico retribuindo o
sorriso. — Como se sente?
— Faminta. Onde estou? O que aconteceu comigo?
— A senhorita desmaiou quando saía da Basílica.
— Basílica? Mas eu ia ao Fórum Romano. Não estou entendendo..
Adrian observou-a com atenção. Ela estaria mentindo? Afinal, a polícia
estava ali e ele não sabia nada sobre a garota, que podia tanto ser uma
assassina quanto uma heroína.
— Qual é a última coisa de que se lembra, Srta. Carter?
Ela disse e o medicou olhou-a, preocupado.
— Então não se lembra de ter vindo para cá?
— Não. Onde estou?
— Em Assis, na Clínica Saint Francis. Eu sou Adrian Hudson, o médico que a
atendeu.
— Assis? Como assim? Como vim parar aqui?
— Não faço idéia, mas talvez o policial lá fora possa dizer...
— Que policial? Do que está falando?! — Liz sentia-se como se alguém a
tivesse colocado em algum universo paralelo, onde nada fazia sentido.
O médico sentou-se na beirada da cama e pacientemente relatou o que
sabia, enquanto os olhos dela iam se abrindo cada vez mais até estarem
totalmente arregalados.
— Meu Deus! Ou o senhor é louco ou então eu perdi a memória!
— Dizem que de médico e de louco todos temos um pouco — brincou ele.

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Coleção Amor e Sedução – 05
— Como pode brincar com uma coisa dessas? Eu... eu... — Liz ameaçou
levantar-se, mas Adrian olhou-a com firmeza:
— Fique deitada. Vou pedir que alguém lhe traga o café e então vamos
examiná-la para descobrir o que está havendo, ok?
Apesar do medo que começava a sentir, o tom de voz do médico conseguiu
acalmá-la e ela voltou a se deitar. Antes de sair do quarto, Adrian perguntou:
— Por que me chamou de Adriano? É a versão italiana do meu nome, mas
como sabia?
— Não sei do que está falando... Eu nunca o vi na vida!
— Está certo. Procure ficar tranqüila, senhorita Carter — disse ele, saindo e
dando de cara com o policial que o aguardava.
— Como ela está?
— Perdeu a memória — informou Adrian, afastando-se e deixando o outro
pensando como o inspetor Tardizzi ia reagir àquela notícia.
****
Enquanto Lizbeth aguardava os novos exames que teria de fazer, em Roma
a polícia se deparava com um caso incomum de crime sexual envolvendo uma
mulher importante da antiga nobreza italiana e um homem desconhecido, de
quem não havia a menor pista.
Nenhuma testemunha havia visto quando o corpo da condessa Marina
Schiaro foi jogado completamente nu nas pedras frias de uma viela qualquer e
nem quando o motorista que o deixou ali partiu em alta velocidade.
A mulher tinha sido violentada e depois estrangulada a sangue frio. Seu
corpo mostrava marcas de violência, queimaduras e tortura.
Sem pistas e com o inspetor-chefe em Assis, nada restava a fazer até que o
resultado da autópsia saísse e quem sabe algum vestígio do criminoso fosse
encontrado.
O fato de a moça ser de família rica só tornava as coisas piores, com a
imprensa toda transformando o caso num verdadeiro escândalo. Primeiro, o
milionário morto na Casa das Vestais, e agora a condessa brutalmente
assassinada. Não que houvesse qualquer pista interligando os dois crimes, mas
que importância isso tem para os jornais?

Em seu confortável quarto no hotel Hassler, Vulko Mladenov havia acabado

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de sair do banho e, enrolado na toalha, via as notícias pela TV. Marina Schiaro
estava morta. Fotos da mulher usando caros vestidos de festa, trajes de esqui,
de montaria e mais uma infinidade de outros eram mostradas, enquanto o
drama de sua morte e as aventuras de sua vida eram esmiuçados aos
espectadores ávidos por sensacionalismo.
Vulko sorriu ligeiramente, lembrando-se da noite passada e, pegando um
anel que havia levado como suvenir, começou a brincar com ele, jogando-o de
uma mão para a outra.
Havia mesmo sido uma excelente noite e Marina tinha se mostrado uma
amante fogosa, mesmo tendo um gosto um tanto estranho por violência.
— Bata em mim, querido — ela disse, derretendo-se em sensualidade. Ele
bateu. Ela pediu mais. Ele atendeu. Então as coisas saíram do controle e,
quando Vulko deu por si, a condessa estava morta.
— Fatalidades acontecem — disse a si mesmo, cheio de cinismo. — Pelo
menos ela morreu feliz.

A casa onde Francesca morava tinha uma sacada que se abria para o vale
logo abaixo e, quando o tempo permitia, era ali que ela gostava de fazer as
refeições. Aquela manhã, em especial, isso lhe deu imenso prazer - o belo dia
de primavera coloria os campos floridos e trazia até ela o aroma de mato que a
mulher tanto apreciava.
Assim como ela, quem gostava o prazer de fazer refeições ao ar livre era
Adrian. Pensando nisso, Francesca lembrou-se de que o rapaz não aparecia há
algum tempo e achou que era hora de convidá-lo para um jantar.
Assim que pensou nele a colecionadora recordou-se do monge no quadro.
Por alguma razão que não conseguia entender, sempre que se lembrava de um
a imagem do outro lhe surgia na mente. Nada havia de concreto unindo
aqueles dois, mas sua intuição lhe dizia que ambos estavam intrinsecamente
conectados.
"Deve ser a velhice. Velhos é que têm mania de enxergar coisas que não
existem", pensou, sabendo que ela não tinha manias e nem demonstrava
sinais de idade. Mas, se não era isso, o que era então?
Refletindo sobre o assunto, saboreou a refeição com calma e só então pediu
os jornais do dia. Encontrou neles apenas as notícias de sempre: atentados no

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Coleção Amor e Sedução – 05
Iraque, israelenses e palestinos em guerra, pobreza na África e na América do
Sul, fofocas, escândalos e notícias de economia que nunca mudavam.
Terminou a refeição e recolheu-se ao escritório, onde ligou a TV para ver o
que diziam os noticiários matinais.
A imagem de Marina Schiaro apareceu em todas as emissoras, sua morte
contada e recontada vezes sem-fim, enquanto jornalistas de plantão em frente
ao prédio central da polícia de Roma entravam no ar ao vivo, sem acrescentar
um pingo de novidade ao caso, mas tornando-o ainda mais escabroso do que já
era.
Francesca sentiu o sangue gelar e seu coração disparou. Por alguma razão
aquilo a deixou com medo, da mesma forma que os relatos de Lisa Torino
apavoraram Catarina Arizzi, séculos antes.
Catarina, porém, sabia a quem temer. Já Francesca...

Adrian voltou ao quarto de Lizbeth e a encontrou alimentada, de banho


tomado e usando uma camisola limpa.
— E então, sentindo-se melhor? — ele perguntou com um tom de ternura
que ele mesmo estranhou. Ver aquela jovem de cabelos vermelhos e olhos cor
de esmeralda mexia com suas emoções.
Ela deu um sorriso, mas seu olhar mostrava apreensão:
— O policial lá fora esteve aqui. Falou comigo sobre um crime em Roma e
disse que eu vi o assassino. Só que não consigo me lembrar de nada!
— Chamei um colega neurologista para vê-la. Ele deve estar chegando.
Minha clínica não é a melhor do mundo, mas estamos bem equipados. Quem
sabe você caiu e bateu a cabeça... ou então pode ser estresse pós-traumático.
Muitas vezes o subconsciente apaga informações chocantes para nos proteger.
É um mecanismo de defesa, entende?
Ela fez que sim com a cabeça e Adrian aproximou-se mais:
— Você disse que a última coisa de que se lembra é estar em Roma antes do
crime, certo? E as memórias anteriores, você as tem?
— Claro. Lembro de minha vida inteira até o momento em que saí do hotel
para ir ao Fórum Romano. Depois, nada.
O médico olhou-a intrigado e começou a ligar os pontos. Rafael Mancini
havia sido morto ali, no Fórum, e segundo diziam os jornais uma turista

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Coleção Amor e Sedução – 05
estrangeira tinha visto o criminoso... o tal Ombra Nera. A moça estava sendo
guardada por dois policiais, que não arredavam o pé de sua porta. Ninguém
quis lhe falar nada sobre o caso e agora ela dizia que tinha presenciado um
crime do qual não se lembrava. Lizbeth só podia ser a tal turista estrangeira de
quem os jornais falavam.
— O resultado dos exames que fizemos ontem mostraram que está tudo
bem com você, ao menos fisicamente. Com certeza essa sua perda de
memória é algo passageiro.
Ela sorriu.
Ele também.
Seus olhos se encontraram em determinado momento e uma centelha se
formou. Rápida, luminosa, invisível e determinante.
Nenhum deles sabia explicar como, mas ambos sentiram que não estavam
se conhecendo naquele dia, apenas se reencontrando.
O coração dela disparou, o estômago dele doeu. Sem graça, desviaram os
olhares e Lizbeth, encabulada, perguntou quem havia tirado suas roupas.
— Não se preocupe... foi a enfermeira da noite.
Ela achou sua atitude ridícula, já que a pessoa na sua frente era um médico
e nada mais normal do que médicos verem suas pacientes nuas, ainda mais
em um caso como o dela. Porém... Adrian não era um médico qualquer. Ele
era... o homem que tinha feito seu coração disparar!
"Estou confusa. É isso...", confortou-se.
Adrian sorriu novamente e saiu do quarto. Liz pensou que nunca havia visto
um homem tão bonito em sua vida e voltou a se deitar, sentindo a cabeça um
pouco zonza e um sorriso bobo surgir em seus lábios.

— COMO ASSIM PERDEU A MEMÓRIA? — gritou o inspetor Marcello Tardizzi,


arregalando os olhos até adquirir uma aparência cômica.
— Foi o que disse o médico. Falei com a moça pessoalmente, inspetor. Não
acho que ela esteja mentindo.
— Está me dizendo que a única pessoa neste mundo capaz de reconhecer o
Ombra Nera não se lembra de absolutamente nada?
— Bem... ela se lembra de tudo até o momento em que saiu do hotel em
Roma para ir ao Fórum. — explicou o rapaz, tentando acalmar sei superior.

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Coleção Amor e Sedução – 05
— É mesmo? Mas que ótimo! Assim ela poderá reconhecer o pai, a mãe, até
o vizinho, MAS NÃO O OMBRA NERA!!!
O rapaz calou-se, sem graça. Que situação aquela e que hora para a moça
ter amnésia!
— O pior é que, sem se lembrar do assassino, a coitada não poderá nem
fugir, caso ele se aproxime. Temos que redobrar a vigilância. — falou o moço,
pensando alto.
Tardizzi ia responder, mas o celular tocou e, quando atendeu, o rapaz viu o
rosto dele empalidecer. Eram as notícias do brutal assassinato de Marina
Schiaro chegando um tanto atrasadas.
— Dio Mio! — exclamou o homem, sentando-se. — Preciso voltar a Roma
imediatamente. Não perca a tal signorina Carter de vista um só segundo. Vou
mandar alguém para ajudar você.
— O que aconteceu? — perguntou o rapaz, assustado.
O policial resumiu o que havia acontecido e eles ligaram a TV. Tardizzi soltou
um palavrão ao ver os noticiários, maldizendo o momento em que tinha
escolhido aquela carreira e imaginando o que lhe diria o prefeito, o governador,
o presidente.
Dois crimes brutais numa das cidades mais visitadas do mundo e em menos
de uma semana!
Ou ele fazia alguma coisa ou perderia o emprego. Juntou seus pertences e
saiu batendo a porta, para reaparecer segundos depois, gritando:
— O que está fazendo aqui ainda? Volte já para o hospital!

Sentado sob a sombra de uma das arvores frondosas de seu jardim, François
desfrutava do aroma das rosas que perfumavam o ar matinal, apreciando o
luxo e o conforto de sua casa, de seus jardins e de sua vida.
A perna, hoje doendo um pouco menos, permitia que ele fizesse uma
pequena caminhada, sentindo o prazer de estar vivo. "Um belo dia realmente",
pensou, enchendo os pulmões de ar puro.
A seu lado, cuidadosamente encadernada, estava a transcrição do texto de
Marino. François abriu a brochura e reiniciou a leitura...
Catarina contou sobre a moça que escondiam e pediu a Adriano que
guardasse o segredo, coisa que o jovem monge aceitou prontamente.

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Coleção Amor e Sedução – 05
Os dias seguintes passaram em paz e tranqüilidade, com a chuva gelada
diminuindo e o sol de outono finalmente surgindo em um céu totalmente azul e
sem nuvens. Apesar disso, as temperaturas continuavam muito baixas e o
vento frio chegava a queimar a pele das pessoas.
Foi justamente quando o tempo se firmou que Adriano decidiu partir. Por
mais agradável que fosse aquele lugar e por mais necessária que fosse sua
ajuda às irmãs da floresta, ele tinha um destino a cumprir.
Desde o dia em que Catarina Arizzi se abriu com ele, não tocaram mais no
assunto da jovem Lisa Torino. O rapaz não sabia onde a moça estava
escondida e achou que assim era melhor. Ele só não conseguia tirar da mente
os cabelos cor de fogo e nem a forma como caíam sobre os ombros da moça, e
rezava todas as noites para que São Francisco iluminasse o destino daquela
pobre criatura.
Na véspera de sua partida, quando ainda arrumava seus raros pertences e
as provisões que as irmãs haviam lhe dado para a viagem, Catarina o
procurou. Os olhos dela estavam firmes, mas Adriano viu neles incerteza e
medo:
— Irmão, vim lhe solicitar um favor. Como sabe, a permanência de certa
pessoa entre nós é arriscada e coloca em perigo todas as moradoras deste
lugar.
Adriano sentiu o coração parar de bater, deduzindo o que a piedosa senhora
ia lhe pedir, mas não disse uma palavra.
— O que tenho a pedir não é fácil e entenderei plenamente sua recusa, mas
o senhor é nossa única esperança.
Ele suspirou.
— Quer que eu a leve comigo, não é?
— Por favor. Deixe-a em Assis... de lá ela poderá continuar sozinha para o
norte ou misturar-se a outros peregrinos.
— Mesmo que eu concorde, e se uma patrulha nos parar, irmã? Não tenho
armas e, mesmo que as tivesse, sou um homem de paz. O que poderia fazer
para defender a moça, ou a mim mesmo?
Catarina olhou-o demoradamente antes de responder:
— Pensei que fosse um homem de fé.
— E sou. Mas tenho juízo também e conheço esses caçadores de bruxas.

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Coleção Amor e Sedução – 05
Além disso, a moça é inconfundível com aqueles cabelos vermelhos. Quando a
virem, logo saberão quem é.
O argumento era forte, mas Catarina não se deixaria vencer tão facilmente e
nem permitiria que uma inocente fosse queimada por ter defendido a própria
vida.
— Isso não é problema. O dia em que uma mulher não puder mais mudar a
cor dos cabelos o mundo estará no fim.
Adriano encarou-a. Ele sinceramente partilhava das preocupações da
senhora, mas viajar acompanhado de uma mulher não estava em seus planos.
— Pode dizer que ela é sua parente, uma prima ou irmã, que está levando a
Assis para ser curada de algum mal por um milagre de São Francisco.
— Isso é mentir. Estarei enganando as autoridades e dando guarida a uma
assassina que...
— Muitas vezes precisamos ajudar a justiça neste mundo de Deus, meu
irmão. Se para isso é necessário fazer coisas que nossas almas piedosas
desprezam, que assim seja!
Adriano sorriu:
— Mulheres, mulheres... Quem consegue demovê-las de alguma coisa? Está
bem, irmã, farei o que pede. Pretendo partir antes do amanhecer. Diga à jovem
que me espere amanhã na cozinha.
— Que Deus o abençoe, irmão Adriano!
"E me dê cobertura também", pensou ele, preocupado com o que teria pela
frente.

A cozinha ainda estava escura quando o rapaz viu Lisa Torino pela primeira
vez. Seus cabelos agora estavam negros como ébano sabe-se lá por qual
tintura e firmemente presos no alto da cabeça. A moça usava blusa azul e uma
saia marrom, limpa e cheia de remendos. Por cima de tudo, uma capa de lã
com capuz lhe cobria a cabeça e as formas curvilíneas.
Ela manteve os olhos voltados para o chão, como se temesse contemplar
seu protetor.
— Caso alguém pergunte, você será minha prima — ele começou a explicar.
— Sofre de uma moléstia na garganta que a impede de falar e tem febres
constantes. Isso deverá manter os curiosos afastados. Estamos indo a Assis

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Coleção Amor e Sedução – 05
rogar por um milagre de São Francisco. Isso é o que direi caso alguém
pergunte. Entendeu tudo?
Ela fez que sim com a cabeça sem tirar os olhos do chão.
Adriano aproximou-se e tocou o queixo da garota, levantando o rosto dela
para vê-lo. Quando o verde intenso daqueles olhos assustados pousou sobre
ele, algo aconteceu. Uma chama surgiu no coração do rapaz e ele sentiu o
corpo todo se aquecer.
Lisa Torino era bela. Muito bela. A pele tinha um tom ligeiramente moreno, a
boca era vermelha como as cerejas, o nariz reto era perfeito, os olhos
pareciam um mar de esmeraldas, as maçãs de sua face eram ligeiramente
salientes e o queixo esculpido com uma delicadeza sem igual.
O monge não conseguiu conter um sorriso involuntário nos lábios
comumente sérios.
— Não tenha medo, irmãzinha. Tudo dará certo e, em algumas semanas,
chegaremos em Assis.
A moça tomou-lhe a mão e beijou-a em sinal de respeito:
— Deus o abençoe, padre.
Adriano não se deu ao trabalho de dizer que não era padre. Ela era linda
demais e ele não tinha ficado indiferente à sua presença. Enquanto pensasse
que estava ao lado de um clérigo, ela iria respeitá-lo e ele estaria protegido.
Não da jovem, mas de si mesmo.
Partiram antes do sol raiar, com as bênçãos de Catarina na alma e as
provisões em duas trouxas.
Caminharam em silêncio por um bom tempo, Adriano na frente, ela logo
atrás seguindo seus passos. Alguns trechos da estrada de terra tinham poças
de água e muita lama, o que, além de sujar as vestes, tornava a caminhada
ainda mais cansativa.
Em seus pensamentos, o monge refletia sobre o motivo de sua peregrinação
e rogava que Deus lhe indicasse o que fazer assim que chegasse em Assis.
Seja o que fosse que São Francisco esperava dele, esses planos com certeza
incluíam a vida daquela garota.
Durante dias a jornada transcorreu tranqüila e eles caminhavam até que luz
do dia desaparecesse. Sempre em silêncio, comiam pouco e dormiam sob a
copa protetora das árvores.

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Coleção Amor e Sedução – 05
Fazia uma semana que haviam partido quando Adriano, reconhecendo o
lugar por onde passavam, lembrou-se de que havia uma choupana
abandonada por ali que poderia lhes servir de refúgio durante a noite. O frio
aumentado pelo vento gélido tornava as noites difíceis de suportar.
— Vamos por ali — disse ele sem olhar para Lisa.
Embrenharam-se pela floresta até avistarem um casebre, quase em ruínas,
sem portas ou janelas, que o mato começava a invadir. O interior do lugar
indicava que ele estava abandonado há anos, com detritos e sujeira de animais
por todo lado.
Na choupana havia o que um dia tinha sido um fogão a lenha e vestígios de
uma lareira, cuja chaminé de pedras ainda era visível.
— Vou procurar algo para fazer um pouco de fogo. Fique aqui, irmãzinha, e
não saia por razão alguma.
Adriano mal tinha virado as costas para sair quando pisou numa touceira de
mato seco e a serpente, nela escondida, picou-o na perna. O monge gritou de
dor e Lisa correu até ele, ajudando-o a se sentar no chão. O veneno agiu com
rapidez e começou a paralisar seus movi mentos. A perna doía horrivelmente,
começando a se avermelhar.
Aflita, a jovem ruiva saiu correndo e voltou, minutos depois, com um maço
de ervas. Ela acendeu um fogo e, despejando a água de suas provisões em
uma panela velha que encontrou jogada num canto, ferveu parte das plantas e
deu a infusão a Adriano, que já começava perder a consciência.
Sua visão embaçada não o deixava discernir o que estava acontecendo, e
ele desmaiou logo em seguida.
Lisa deitou-o com a cabeça mais alta que o corpo e lavou o local da picada,
pingando sobre ele o sumo das ervas que havia colhido. Ela agia seguindo
ensinamentos de seus pais e avós, acostumados a viverem no mato. Mesmo
ciente de que o conhecimento das ciências antigas era considerado bruxaria
naquela era de trevas e que ela poderia ser queimada por utilizá-lo, Lisa sabia
que aquele homem santo estava tentando salvar sua vida e o mínimo que
podia fazer era salvar a dele também.
Durante dias a moça dormiu pouco, cuidando com dedicação de Adriano,
que continuava inconsciente e consumido por febre e espasmos. Quando não
estava ao lado dele, estava limpando e arrumando o lugar, pegando água em

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Coleção Amor e Sedução – 05
um riacho próximo, colhendo frutas ou matando algum animal pequeno para
servir de alimento.
Para lavar os trajes do rapaz ela o deixou nu, enrolado no manto de lã que
usava, aquecido pelo calor da lareira. Lisa estava com 18 anos e já era
considerada "velha" para os padrões da época, uma vez que a maioria das
moças de sua idade já estava casada e com filhos.
Vendida ainda bem pequena para uma família rica, a pobrezinha não pôde
se dar a tal luxo. Mudou de mãos várias vezes até finalmente ir parar na casa
dos Campesinno.
Desde seu primeiro dia ali ela sentiu que aquela casa não lhe traria alegria e
os acontecimentos seguintes mostraram que estava com a razão.
Sandro não lhe dava paz. Todos os dias perseguia a moça pela casa,
tentando dominá-la à força, até o fatídico momento em que tentou estuprá-la e
acabou morto com uma facada no pescoço.
Não fosse a bondade das senhoras que a recolheram e agora a piedade do
monge, ela já teria ardido numa fogueira.
Lisa lançou um olhar demorado ao homem cujo torso nu estava à mostra. Ele
era forte, com braços musculosos e corpo viril. Os cabelos escuros e ondulados
que caíam sobre seus ombros e a barba ligeiramente dourada lhe davam uma
aparência severa e lembravam a imagem de Nosso Senhor.
As mãos de Adriano eram belas, fortes e tinham dedos vigorosos. A jovem se
surpreendeu pensando como seria sentir um carinho feito por elas.
Certa de que estava cometendo um sacrilégio e que Deus a castigaria por
aquilo, ajoelhou-se e rezou com fervor, pedindo perdão por seus pensamentos
impuros. Mas a idéia dos carinhos dele estava, definitivamente, plantada em
sua mente.

François sorriu ao terminar de ler essa passagem. "Então eles se


apaixonaram. Ah, o amor...". Como francês, ele tinha pontos de vista bem
liberais a este respeito e acreditava que amar é sempre uma grande virtude.
Fechou o livro e caminhou sem pressa de volta à casa. Ainda não havia
providenciado as cópias de Francesca, não por descaso, mas porque estava
pensando em ir ele mesmo levar-lhe o texto.
Uma viagem viria bem naquele momento. Assis era uma linda cidade, cheia

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Coleção Amor e Sedução – 05
de coisas interessantes para se ver, e a casa da amiga, agradável e bela, ainda
contava com os serviços de uma cozinheira de mão cheia. E se havia algo que
François apreciava tanto quanto suas obras de arte era uma boa refeição.

Capítulo Iv
O neurologista que Adrian chamou para avaliar o caso da americana
também não encontrou nada de errado com ela.
— Reações normais, está coerente, os exames físicos estão melhores do que
os meus — informou. — Vejo duas alternativas possíveis: ela está mentindo, o
que não acredito, ou realmente sofreu estresse pós-traumático.
Adrian coçou o queixo, decidindo se revelava ou não a identidade de Lizbeth
ao colega.
— E o que recomenda?
— Descanso, um calmante leve, boa alimentação e paciência. A memória
voltará, só não dá para precisar quando. Seria interessante também que ela
não ficasse sozinha.
Adrian deu uma risada irônica, pensando no policial que não saía da porta.
Só, com toda certeza, ela não estaria.
Quando o neurologista foi embora, o rapaz voltou para o quarto da moça e
lhe transmitiu exatamente o que havia escutado minutos antes.
— Quer dizer que posso ficar anos assim? — os olhos verdes dela se
arregalaram.
— Não há como dizer.
— E quando posso voltar ao hotel? Fisicamente estou bem, não estou?
— Sim, mas seria melhor que ficasse aqui pelo menos mais um dia. Por
precaução.
— E o policial... Ele continua aqui?
— Do outro lado da porta. Acho que você vai ter companhia permanente...
— Não entendo como isso foi acontecer justamente comigo. Minha vida
nunca foi agitada e eu sempre achei que coisas estranhas só aconteciam com
os outros...
— Nunca se sabe o que a vida nos reserva, não é mesmo?

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Coleção Amor e Sedução – 05
Adrian olhou-a com ternura. Havia algo por demais atraente naquela jovem,
algo que tocava diretamente seu coração e o fazia querer passar o maior
tempo possível com ela.
Liz decidiu voltar para o hotel. Não fazia sentido ficar no hospital. O médico
entregou-lhe a receita do calmante e, após recomendar que descansassem,
deu-lhe alta.
— Muito obrigada por tudo, doutor. O senhor foi muito atencioso e eu sei que
estive em ótimas mãos.
Ele sorriu e ela deixou a clínica, acompanhada pelo policial.
— Como se chama? Já que vai andar grudado em mim, pelo menos quero
saber seu nome.
— Frederico Minelli, signorina. Mas não podemos ficar conversando e nem
andar juntos. Pode comprometer sua segurança.
— Acha mesmo que o tal Sombra vira atrás de mim?
— Tão certo como o sol vai brilhar amanhã. Ele é um criminoso cruel e a
signorina é a única que pode reconhecê-lo.

Depois que a moça partiu, Adrian não conseguiu mais sossegar. Estava
preocupado com ela. Desmemoriada, com um assassino internacional em seu
encalço, sendo protegida por um policial jovem e, com certeza, despreparado.
"Mas o que posso fazer? E por que isso me importa tanto?", pensou.
Mesmo indo contra todas as suas regras de conduta e princípios éticos, ele
estava pessoalmente interessado na jovem de cabelos de fogo e olhos de
esmeralda. Adrian nunca tinha olhado para uma paciente de forma não-
profissional e, mesmo quando as mais atiradas tentavam seduzi-lo, ele dava
um jeito de desconversar e escapar da situação.
— Dottore? — a voz da secretária Enrica arrancou-o de suas preocupações.
— La signora Francesca Tamborelli ao telefone.
Adrian atendeu imediatamente, com satisfação na voz:
— Caríssima! Mas que prazer! Está tudo bem com você?
— Não se preocupe, eu não liguei procurando um médico — ela riu. — Quero
convidar meu amigo para jantarmos juntos hoje. O que me diz?
— Digo que é sempre maravilhoso jantar com você. É a união perfeita entre
boa comida e companhia inigualável.

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Coleção Amor e Sedução – 05
— Adrian, você já passou tempo demais aqui. Está falando como um italiano!
Ele gargalhou.
— Pode trazer alguém, se quiser... — Nem ela entendeu por que havia dito
aquilo e Adrian, para sua surpresa, respondeu:
— É uma boa idéia. Talvez eu leve alguém comigo, sim.
— Não me diga que está namorando!
— Não... É apenas alguém que conheci... vamos ver. Ainda preciso saber se
ela vai aceitar.
— E que mulher, em sã consciência, recusaria um convite seu?
Francesca estava flertando com ele e Adrian brincou:
— Francesca, Francesca... Tenha juízo...
Ela riu e ambos desligaram.
"Bem, logo vou saber quem é a felizarda", a mulher pensou. "Só espero que
seja alguém à altura dele".

Conforme o inspetor Tardizzi supunha, sua situação não era das melhores. O
assassinato da condessa havia sido muito cruel. A coitada estava coberta de
hematomas, sem falar nas queimaduras de cigarro espalhadas pelos seios,
ventre e coxas. Era nauseante ter que olhar para aquele corpo ainda cheio de
juventude e reconstruir as brutalidades que tinha sofrido.
— Alguma pista sobre a pessoa com quem ela se encontrou ontem à noite?
— Tardizzi perguntou ao encarregado do caso.
— Nada. Segundo os empregados, ela saiu de casa por volta das 21 horas e
parecia bem animada. A condessa era uma mulher, digamos, de vida livre. Sua
lista de "casos" tem mais nomes do que a nossa de criminosos procurados.
— Mas alguém deve ter visto alguma coisa. Não é possível que uma mulher
como ela, dirigindo uma Ferrari, tenha passado totalmente despercebida.
— Bem, nós vamos continuar interrogando empregados, conhecidos, amigos,
inimigos...
Tardizzi suspirou, irritado.
— E quanto aos motivos que levaram à morte de Rafael Mancini? O Sombra
só age quando é muito bem pago. Ele não matou o homem porque não
gostava dos seus olhos.
— Teremos novidades sobre isso ainda hoje. Estamos vasculhando a vida do

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Coleção Amor e Sedução – 05
signore Mancini também.
— Ótimo. Vou falar com uma amiga da condessa. Quem sabe não consigo
pescar alguma coisa? E se o prefeito ligar, você não sabe onde estou, certo?
O outro fez que sim e o inspetor saiu.
Esperando por ele em uma das salas do prédio estava alguém que, se não
esclarecesse o crime, ao menos jogaria alguma luz sobre a situação: Tereza
Baccino, amiga e confidente da vítima.

A Piazza Del Comune, em Assis, é dominada de um lado pelas colunas do


Templo de Minerva, erguido na época do imperador Augusto, e de outro pelo
Palazzo Comunale, que abriga uma galeria de arte medieval conhecida como
Pinacoteca Comunale, onde Lizbeth agora se encontrava.
Caminhando pelas galerias antigas, a moça estava fascinada com as
pinturas e trabalhos artísticos, com a arquitetura do prédio e principalmente
com a atmosfera do lugar. Seus passos ressoavam pelas pedras do chão,
enquanto, alguns metros atrás, o jovem policial Frederico Minelli não a perdia
de vista um segundo.
Liz demorou algum tempo frente a um quadro de Giotto representando a
Madona e o Menino Jesus, impressionada pela beleza das figuras. Tudo ali
evocava em sua alma uma sensação de familiaridade que ela não conseguia
explicar.
Quando finalmente retornou à Piazza, já passava do meio da tarde. Olhou
por sobre os ombros e viu Frederico logo atrás. Contendo a vontade de acenar
para ele, entrou no Templo de Minerva.
A construção, que remonta ao século I a.C, com sua fachada perfeitamente
conservada, era realmente digna de uma deusa. As colunas em estilo de
Corinto, altas e trabalhadas, e o pequeno rufo são tudo o que resta da
edificação original, no século XVII foi transformada em uma capela de estilo
barroco conhecida como Santa Maria sopra Minerva.
Liz chegou a ficar com dor no pescoço de tanto admirar o teto finamente
trabalhado daquele lugar e postou-se diante do altar, fazendo uma prece a
Santa Maria e outra a Minerva, já que ambas eram homenageadas ali.
Sentado no último banco da igreja, o policial observava a riqueza do lugar,
todo pintado em ouro, com frisos e arremates rebuscados, começando a achar

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Coleção Amor e Sedução – 05
que sua missão não era tão ruim assim, afinal.
O celular de Liz havia tocado no momento que ela colocou os pés na Piazza.
Meio sem saber como convidá-la para o jantar e condenando-se por achar que
não era correto sair com uma paciente, Adrian tocou no assunto de uma forma
inusitada:
— Liguei para saber como está se sentindo — ele disse com voz macia.
— Estou bem... Passeando, conforme o senhor recomendou...
— Por favor, não se canse. E não me chame de senhor. Adrian fica melhor.
Ela sorriu.
— Estava pensando... Já que você está aqui a turismo e se interessa por arte
sacra, eu tenho uma amiga colecionadora que talvez você gostasse de
conhecer...
— Eu adoraria! — disse a moça, mais interessada em rever o médico do que
em encontrar a tal amiga.
— Vou jantar com ela hoje. Se estiver disposta, podemos ir juntos. O que
acha?
— Mas é claro que eu aceito!
Adrian combinou de buscá-la no hotel e desligou, mentindo para si mesmo
que estava apenas contribuindo para o bem-estar de uma paciente.

Vulko Mladenov passou o dia no hotel. O encontro da noite anterior, apesar


de muito mais calmo e menos intenso do que o que resultara na morte de
Marina Schiaro, havia sido extremamente prazeroso tanto para ele quanto para
a mulher com quem esteve.
A moça, bem nascida e de educação fina, acreditava estar nos braços de um
homem da mesma classe social que ela, e brindou Vulko com carícias
inesquecíveis. Como sempre fazia, o búlgaro deixou uma rosa vermelha e uma
pequena jóia sobre o travesseiro antes de partir em silêncio.
Agora, tranqüilamente deitado e vendo TV em seu quarto, ele sabia que era
hora de voltar ao trabalho. Encontraria seu informante na manhã seguinte e
então iria à caça da ruiva intrometida que, para azar dela, cruzou seu caminho.
O matador pensou em Lizbeth um instante. Era uma linda mulher, com olhos
de um raro tom de verde e corpo bem proporcionado. Em outras circunstancias
ele com certeza a cortejaria, mas naquele momento sua única intenção em

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relação à jovem era plantar uma bala no meio de sua testa.

Adrian chegou ao hotel às 7 em ponto. Embora negasse para si mesmo,


havia se arrumado com capricho e talvez até exagerado um pouco na loção
pós-barba.
Quando a jovem surgiu em um vestido preto e sapatos de salto alto, a
cabeleira ruiva cuidadosamente arrumada e usando uma maquiagem leve que
ressaltava os lábios bem feitos e os olhos cintilantes, Adrian quase perdeu a
respiração. Ela estava magnífica!
— Olá, Lizbeth. Pelo seu aspecto, você deve estar se sentindo
maravilhosamente bem! — ele comentou, sorrindo.
— Estou, sim. Ainda desmemoriada, mas bem.
Ela trocou olhares com ele e corou, lembrando que aquele homem já havia
visto seu corpo nu. Quando chegaram à porta do hotel, a jovem voltou
correndo e cochichou para Frederico:
— Você vai entrar comigo na casa onde vou jantar?
O rapaz fez que não com a cabeça.
— Então vou ver se consigo que alguém leve comida para você. E me deseje
sorte. Este é meu primeiro encontro em anos!
— Tanti Auguri — disse o rapaz, percebendo que estava começando a
simpatizar com aquela garota.
— Que aconteceu? — perguntou Adrian assim que Liz retornou.
— Fui falar com minha escolta.
Ele riu e achou-a deliciosa.
Durante o rápido percurso até a casa de Francesca, a conversa girou em
torno das afinidades que ambos sentiam por aquela pequena e sagrada cidade.
Ficaram surpresos em saber que tanto um quanto o outro dividiam uma paixão
inexplicável por tudo que se relacionava a São Francisco.
Quando Adrian parou o carro frente ao alto muro da entrada, Liz arregalou
os olhos. A casa devia ter, no mínimo, 400 anos. Como a fachada era voltada
para dentro, da rua viam-se apenas os muros, as flores que pendiam deles e
um antigo portão duplo, de ferro trabalhado, pintado de cor escura.
O rapaz tocou o interfone e, após identificar-se, os portões se abriram.
Uma alameda de cascalho claro conduzia à entrada principal, atravessando

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Coleção Amor e Sedução – 05
os jardins bem cuidados e contornando uma graciosa fonte, que Liz imaginou
remontar à Renascença.
Parada diante da sólida porta de ferro e cristal de sua residência, Francesca
Tamborelli não conseguiu conter uma interjeição de surpresa ao olhar para a
moça. Ela conhecia aquela mulher! Mas de onde? Onde já havia visto aquele
rosto, aquele sorriso?
Tentando parecer natural, ela aproximou-se e estendeu as mãos para Liz:
— Benvenuta, cara mia!
Quando os olhos de Liz encontraram os da mulher, ela teve uma imediata
sensação de alegria, como se estivesse revendo uma amiga de longa data,
muito querida.
— Grazie, signora. Belíssima casa, a sua.
— Lizbeth Carter, esta é Francesca Tamborelli, a mulher mais fascinante que
já conheci na vida. Infelizmente ela rejeitou todos os meus pedidos de
casamento — disse Adrian, beijando a mão da velha senhora.
Entre os três havia uma atmosfera de proximidade, de união, que nenhum
deles conseguia explicar.
A sala onde Francesca os acomodou era ampla, de paredes altas, cobertas
por quadros com motivos religiosos, tanto cristãos quanto pagãos. Os móveis,
pesados e antigos, estavam imaculadamente limpos. Os tapetes eram os mais
ricamente trabalhados que Liz já tinha visto e, sobre um móvel, havia um
pesado ostensório de prata, todo incrustado com jóias coloridas.
Espalhados pelo ambiente havia sofás e poltronas forrados de veludo e
couro, enquanto cortinas adamascadas em tons de bege e com forros claros
emolduravam as janelas largas e compridas.
— Tudo aqui é simplesmente... lindo! — exclamou a moça, olhando ao redor.
— Fico feliz que tenha gostado, querida — disse a mulher, sentando-se com
eles. — Agora me digam... Onde foi que se conheceram?
Adrian e Liz contaram sobre o desmaio e tudo o mais. Enquanto os ouvia,
Francesca começou a sentir o coração pesado. Na verdade, parecia-lhe que de
alguma forma aquela situação não era nova. Ela estava certa de que já havia
visto a jovem em perigo anteriormente e a tinha ajudado. Mas quando? Onde?
— Então você viu o assassino de Rafael Mancini... o Ombra Nera? —
perguntou.

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— Parece que sim... mas não me lembro de nada.
— Madona Mia! — exclamou Francesca, olhando para Adrian.
Liz falou sobre o policial que a estava protegendo e aproveitou para
perguntar à anfitriã se seria possível enviar uma refeição ao rapaz.
— Cara mia, aqui é a Itália! E na Itália, bambina, ninguém passa fome! Seu
amigo será regiamente alimentado.
A moça sorriu agradecida e a conversa tomou outro rumo. Francesca, porém,
não desgrudava os olhos dos dois e Adrian percebeu que alguma coisa estava
incomodando a mulher.
Na primeira oportunidade em que ficaram a sós ele perguntou:
— Você está sentindo alguma coisa que não quer me dizer?
— Ora... com certeza! Eu sinto que vocês estão completamente
apaixonados! — E soltando uma risada alta, afastou-se, deixando o rapaz
falando sozinho.

Já passava das 21 horas quando o inspetor Tardizzi recebeu os relatórios


sobre Rafael Mancini. Antes de lê-los, porém, dedicou um bom tempo para
ouvir as gravações daquela tarde, onde estavam os depoimentos de Tereza
Baccino, amiga da condessa morta.
Segundo a moça, a condessa gostava de aventuras e de homens
misteriosos. Ela sabia que a amiga ia se encontrar com um estrangeiro que
tinha conhecido numa festa.
— Polonês, tcheco, búlgaro, algo assim — foi seu comentário.
Quando perguntada se fazia idéia de por que sua amiga tinha sido morta de
forma tão violenta, Tereza suspirou:
— O que estou dizendo não vai sair daqui, não é? Não quero ser responsável
por escandalizar ainda mais a vida de Marina.
Tardizzi garantiu que aquilo era estritamente confidencial e a jovem se
abriu:
— Marina gostava de sexo violento. Era... como posso dizer... excêntrica. Era
comum, depois de seus encontros sigilosos, ela aparecer com muitas marcas
no corpo. Certa vez foi preciso ir a um hospital porque um de seus amantes
quebrou seu braço.
O inspetor não disse nada, mas pensou que quebrar o braço de alguém era

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algo que ultrapassava, e muito, a excentricidade sexual.
A moça forneceu o nome do hospital que atendeu a condessa e também o
nome de alguns homens que haviam se deitado em sua cama. Sobre aquele
que a havia matado, ela pouco sabia:
— Não faço a menor idéia de quem era, mas Marina dizia que ele deixava
uma jóia e um botão de rosas no travesseiro ao partir.
— Então eles já se encontravam há algum tempo.
— Aquele foi o terceiro encontro. Marina não costumava se abrir logo de
cara. Nem todos os homens compartilham esse tipo de... gosto, o senhor sabe.
"Estou diante de um assassino sem rosto que deixa flores e rosas ao sair,
minha principal testemunha perdeu a memória e ainda nem li metade do que
tenho aqui. Quando este pesadelo vai terminar, Dio mio?", ele pensou, irritado,
e pegou os relatórios do caso Mancini. Quem sabe ali não havia alguma pista
que o tirasse do atoleiro em que se encontrava?
****
Enquanto Tardizzi mergulhava nos papéis à sua frente, François Duvallier
sentava-se na biblioteca, pronto para mais uma sessão de leitura. Ele havia
passado o dia preparando sua viagem para Assis, embora nada tivesse dito a
Francesca. Queria fazer uma surpresa à amiga.
— Vejamos, onde foi mesmo que parei...? — perguntou-se, folheando a
brochura. — Ah, sim, o jovem Adriano Lucchesi, inconsciente, sendo tratado
pela bela Lisa Torino...
Adriano abriu os olhos numa manhã, dias após o incidente. Ainda fraco e
sentindo a perna dolorida, olhou em volta procurando saber onde se
encontrava. Reconheceu o local, mas estranhou o fato de estar limpo e
arrumado, o fogo aceso e um delicioso aroma de comida brotando do fogão.
Sentou-se e percebeu que estava seminu. Quanto a Lisa, nem sinal da ruiva.
Procurou suas roupas e as encontrou limpas e cuidadosamente dobradas aos
pés do colchão de folhas em que dormia. Vestiu-se rapidamente e, quando
pensava em sair à procura da jovem, ela entrou trazendo algumas maçãs na
saia.
— Acordou, padre! Graças a Deus e a São Francisco! — exclamou sorrindo, e
então calou-se a abaixou os olhos.
— O que houve comigo? Quem fez... tudo isso? — ele perguntou, indicando a

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casa.
— Fui eu, padre. O senhor foi picado por uma serpente. Eu lhe dei uma
poção de ervas e cuidei da ferida...
Adriano sentou-se sobre as folhas que lhe serviam de cama e chamou a
moça para mais perto:
— Por favor, conte-me tudo. Há quanto tempo... estamos aqui?
Lisa sentou ao lado dele, observando uma distância que julgou respeitosa e
relatou o que havia acontecido.
— Meu Deus! Eu devia protegê-la, irmã, e não o contrário.
Ela sorriu e Adriano tomou suas mãos.
— Obrigado por ter salvo minha vida.
— O senhor arriscou-se por mim, padre. Era o mínimo que eu podia fazer.
— Não sou padre, irmã — ele confessou, embaraçado, e contou a ela sobre
suas visões e a razão de sua peregrinação.
— O senhor... foi casado? — Lisa perguntou, erguendo os olhos para olhá-lo.
— Não... embora minha família sempre insistisse para que o fizesse.
Confesso que estava mais interessado em me divertir do que constituir família.
Ela sorriu.
— Mas tenho me mantido casto e sóbrio desde minhas visões. Tenho rezado
para que isso ajude a apagar meu passado de pecados.
— O senhor está com fome?
— Faminto. E a comida cheira bem...
A moça serviu-lhe um pouco do que havia preparado e eles comeram juntos.
A primeira barreira entre os dois havia caído. Agora, ambos se falavam
normalmente e, aos poucos, foram se abrindo um com o outro. Adriano sentiu
o coração apertado ao conhecer a história da jovem e a vida injusta que, como
tantas outras de sua idade, ela havia levado até encontrar as irmãs da floresta.
Ele, envergonhado, narrou sobre a fartura de sua casa, o luxo de que
desfrutava e os exageros e desperdícios em tudo o que fazia. Lisa gostou de
ouvi-lo e pediu que contasse mais. Quando percebeu, o peregrino estava
falando de seus amigos, irmãos e irmãs, tios, primos e sobrinhos, além de
descrever as viagens que tinha feito e o quanto aprendera durante os três anos
em que corria pelo mundo.
— Este Marino... O senhor gosta muito dele, não?

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— Muito. Como se fosse um irmão. Sempre penso que, se algum dia não me
restar mais nada neste mundo, ainda terei meu bom amigo. Você também
gostaria dele, se o conhecesse.
Os olhos verdes da moça cintilaram e seus lábios se entreabriram
ligeiramente. O rapaz teve que se conter para não se aproximar mais.
Lisa era a tentação em forma de mulher, embora não se desse conta disso.
Ele respirou fundo e, alegando que queria fazer suas orações, caminhou para
fora da cabana.
A jovem permaneceu lá dentro, revivendo o sorriso dele, seus gestos, o
corpo nu, os braços poderosos e as mãos fortes.
— Me perdoe, São Francisco, por pensar estas coisas — suplicou,
arrependida, sabendo que, por mais que rezasse, jamais conseguiria deixar de
pensar nele como homem e não como santo.
Como Adriano estava demorando para voltar, ela temeu que o rapaz tivesse
passado mal e saiu à sua procura. Encontrou-o sentado à beira do rio,
contemplando as águas que corriam tranqüilas. Ele a convidou para sentar-se a
seu lado, mas evitou dirigir-lhe o olhar.
Lisa ficou ali por muito tempo, em silêncio, apenas desfrutando da presença
do rapaz. Se era tudo o que podia ter dele, ela se contentaria com aquilo.
Por fim, o monge se ergueu e voltou para casa sem nada dizer. A jovem o
seguiu a distância, pensando que o havia ofendido de alguma forma.
— Não tenho sua educação. Sou apenas uma escrava que só está viva
graças à bondade de criaturas como o senhor. Rogo que me perdoe se fiz algo
que não tenha gostado — ela disse, olhando para o chão, as mãos entrelaçadas
em sinal de prece.
Adriano não respondeu. Apenas levantou-se e saiu outra vez.

François resolveu ir dormir. A perna estava começando a doer e ele sabia


que, após tomar seus remédios, não conseguiria mais ler uma linha sequer.
Ainda assim, levou consigo o texto caso tivesse insônia. A verdade é que
estava empolgado com a história daqueles jovens e não queria parar de ler.

Francesca serviu um licor digestivo após o jantar que, na opinião de Lizbeth,


não poderia ser mais saboroso. Frederico, lá fora, concordava com ela.

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A mulher quis saber mais sobre a admiração da moça pelos franciscanos e
ouviu, fascinada, seus relatos sobre a infância e adolescência. O médico,
interessadíssimo, não perdia uma só palavra.
— Adrian também é um admirador de São Francisco, sabia?
Ela disse que não e Francesca pediu:
— Conte-nos sua história, Adrian. Tenho certeza de que Lizbeth ficará
encantada em saber o que o trouxe até Assis.
Ele lançou um olhar à amiga, como se dissesse: eu sei o que você está
querendo fazer, mas ela ignorou-o totalmente.
— Bem — começou o rapaz —, Eu estava com 10 anos quando sonhei que
entrava em uma igreja monumental, cheia de pinturas nas paredes. De
repente, um homem usando um manto marrom veio a meu encontro e me
abraçou carinhosamente. Em seguida, ele se virou para partir e, antes de
desaparecer, disse: Espero sua volta, Adriano. Fiquei tão impressionado com
aquilo que não sosseguei até descobrir o que significava.
— Ele chamou você de Adriano? — perguntou a moça, lembrando que ela
ainda semiconsciente havia feito a mesma coisa.
O rapaz fez que sim com a cabeça e continuou:
— Minha mãe, uma mulher que só acreditava no que podia tocar, ver e ouvir,
ficou preocupada e me levou até a igreja católica da nossa cidade, no interior
de Oklahoma. Lá o pároco ouviu minha narrativa e disse que eu havia sonhado
com a Basílica de Assis e que o homem que me abraçou era São Francisco. Eu
fiquei extasiado, minha mãe caiu na gargalhada e disse que não sabia quem
estava mais fraco das idéias eu ou o padre.
Francesca sorriu, pensando na pouca fé das pessoas.
— Seja como for — Adrian falava com olhos perdidos no passado —, daquele
dia em diante passei a ler tudo o que podia sobre São Francisco. Acho até que
o fato de ter escolhido a Medicina como profissão foi influência de minhas
leituras. Queria fazer algo de bom, assim como o santo fez e, como não tenho
a mínima queda para a vida religiosa, pensei que cuidar de enfermos seria uma
boa opção.
— Ele é um médico excelente, querida — explicou Francesca. — Só cobra de
quem pode pagar e nunca, nunca mesmo, se recusa a atender ninguém, por
mais pobre que a pessoa seja.

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Adrian lançou um olhar de repreensão à amiga. Ele não gostava de que seus
atos de caridade fossem enaltecidos, mas, ao perceber que o olhos de Liz
reluziram de aprovação, sorriu e retornou à sua história:
— Eu me formei há exatos 11 anos. Após a residência, que fiz em Kansas
City, juntei minhas economias e vim para cá. Até hoje não sei se vim a passeio,
por curiosidade ou talvez porque tinha mesmo que vir. Minha mãe não
acreditou quando soube que eu estava de viagem marcada para a Itália e
brigou comigo na ocasião. Só voltamos a no falar dois anos atrás. Ela ficou
muito furiosa com a minha partida.
— E seu pai? — perguntou Liz, interessada.
— Faleceu quando eu ainda era garoto. Mal o conheci e pouco me lembro
dele. Como ia dizendo, cheguei a Itália com pouco dinheiro sem saber o que
esperar. Passei dois dias em Roma, mas, como tudo lá é muito caro, desisti do
turismo e vim direto para Assis. Cheguei aqui com fome, cansado e louco para
encontrar uma pousada ou um albergue. Alguém me indicou uma pequena
hospedagem próxima ao hotel onde você está e eu acabei ficando por lá
mesmo.
— Agora vem a melhor parte. Depois que ele contar, diga-me se isso não foi
coisa de São Francisco — comentou Francesca.
— Era minha primeira noite na hospedaria — continuou o rapaz — e acordei
no meio da madrugada ouvindo alguém gemendo de dor. Levantei e saí
correndo do quarto, encontrando o dono do lugar, um senhor de sessenta e
poucos anos, caído no chão, queixando-se de fortes dores no peito. Fiz um
exame rápido e apliquei-lhe os primeiros socorros, enquanto alguém chamava
uma ambulância. Acompanhei o homem até o hospital e, naquela mesma
noite, eu estava empregado.
— Nossa! E o que aconteceu com o paciente? — perguntou Liz.
— Vai viver pelo menos até os 80 — disse Francesca com orgulho.
— Depois disso, fiquei dois anos clinicando no hospital, até que o dono me
convidou para ser seu sócio numa clínica mais sofisticada, onde atenderíamos
menos pacientes, mas com os melhores recursos disponíveis. Eu, é claro,
aceitei. Alguns anos depois, quando meu sócio decidiu aposentar-se, comprei a
parte dele e estou aqui até hoje.
— E os sonhos... Nunca mais voltaram?

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— Apenas uma vez... Eu estava em Assis, há alguns meses, quando perdi
uma paciente de apenas 16 anos, vítima de infecção generalizada. Fiquei tão
arrasado que fui até a capela do hospital e, ajoelhado em frente à imagem de
São Francisco, dei-lhe uma bronca. Disse que era obrigação dele me ajudar e
mais um monte de coisas do gênero. Aquela noite sonhei que estava parado,
vendo um estrada cheia de pessoas indo e vindo, apressadas. Então alguém
me perguntou o que estava vendo e eu disse: pessoas indo e vindo. Senti uma
mão em meu ombro e uma voz sussurrou: — Assim é a vida, meu caro doutor.
As pessoas vêm a este mundo e não cabe a nenhum de nós tentar saber
quando ou por que chegou a hora de uma delas partir. Siga em frente com a
sua missão e aguarde.
— Nossa, fiquei arrepiada! — disse Liz, sentindo os cabelos eriçados.
Adrian riu e olhou-a com carinho
"Ele a ama", pensou Francesca.
"Pareço um bobo", pensou o rapaz.
"Ele é lindo!", suspirou Liz.
"Será que alguém podia me trazer um café?", pensou Frederico lá fora,
vigiando atentamente o lugar.

Capítulo V
François estava profundamente adormecido no momento em que Liz e
Adrian se despediram da anfitriã. Francesca insistiu para que a moça viesse vê-
la na manhã seguinte:
— Posso lhe mostrar tudo por aqui, inclusive muito mais do que os guias.
Aguardo você às dez. Podemos tomar um café e então saímos.
Agradecida, ela concordou e abraçou a mulher carinhosamente ao despedir-
se, surpresa consigo mesma.
Adrian convidou Liz para uma volta pela cidade antes de levá-la ao hotel:
— Há um lugar de onde se pode ver o céu, que é maravilhoso. Acho que
você vai gostar.
Atrás deles, Frederico suspirou, pensando que, depois de tantos anos na
polícia, tinha virado babá de namorados.
Adrian estacionou o carro na estrada que subia para a pequena Capela de

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São Damião, no alto da montanha. Dali era possível ter uma esplêndida visão
do céu estrelado.
Os dois saíram do carro para respirar o ar noturno. Ambos sabiam que algo
especial estava acontecendo com eles, mas nenhum se sentia pronto para
tocar no assunto. Por fim, Adrian quebrou o silêncio:
— Eu nunca faço isso, sabia?
— Vir até aqui?
— Não... Sair com uma paciente. É completamente contra minhas regras.
— Bom, nós podemos voltar, se quiser...
— Mas eu não quero, aí é que está.
Ela mordeu os lábios, sem saber o que dizer.
— Você é comprometida nos Estados Unidos? — Adrian estava com as mãos
nos bolsos e falava sem olhar para a moça.
— Não...
— Eu também não. Quero dizer, nem lá e nem aqui...
— Ah...
— Lizbeth, você... Você acha que talvez se interessasse em me conhecer
melhor?
O coração dela disparou. Ele tentou explicar:
— O que eu quero saber é se... se você está interessada em mim, porque
eu... estou muito interessado em você.
A jovem sorriu e Adrian viu o brilho verde dos olhos dela incendiarem os
seus.
— Interessado como? Isso tem vários sentidos...
Adrian aproximou-se e a beijou suavemente. Os lábios macios da moça e o
doce perfume dos cabelos ruivos despertaram seus sentidos mais íntimos.
Liz sentiu o calor que vinha dele percorrer seu corpo e correspondeu ao
beijo, abrindo os lábios para que o médico a tomasse com mais paixão. O que o
rapaz tencionava ser apenas um beijo suave transformou-se num carinho
voluptuoso, como se os dois estivessem sedentos por aquilo.
Frederico olhou para o lado, encabulado, enquanto o casal, esquecido de sua
presença, entregava-se ao ardor de suas carícias.
Liz sentiu as mãos firmes do rapaz acariciarem suas costas e o corpo dele
aproximar-se cada vez mais, até que Adrian a abraçou com força, quase com

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Coleção Amor e Sedução – 05
desespero. Acima do desejo e da paixão despertos em seus corpos, acima de
qualquer coisa que pudessem pensar, era como se uma saudade imensa os
tivesse invadido, como se há séculos esperassem por aquele momento.
Sem conseguirem se afastar e um tanto confusos pelo que estavam
sentindo, agarraram-se ainda mais, até que Adrian suspirou:
— Que saudade de você, meu amor!
Liz olhou-a com olhos brilhantes:
— Também sinto isso... Como se há anos esperasse para reencontrá-lo. Eu
não entendo...
— Nem eu. Só sei que não quero deixá-la nunca mais.
Liz sorriu e encostou a cabeça no peito do rapaz.
— Vamos embora — disse ele, e havia um convite implícito no tom de sua
voz e no brilho de seus olhos. A moça aceitou sem hesitar.
Enquanto Adrian a levava para sua casa, Liz pensou na rapidez com que as
coisas estavam acontecendo em sua vida desde que pusera os pés naquele
país. Como se seu destino já estivesse traçado, apenas esperando que ela
chegasse.
A casa do médico era talvez um décimo da de Francesca, mas a jovem
achou-a confortável e aconchegante, com um belo jardim florido e paredes de
pedra.
Adrian abriu a porta e Liz viu uma sala simples, com sofá, algumas
almofadas e diversos quadros nas paredes. Havia uma pequena lareira em
frente ao sofá, uma TV num dos cantos e um computador mais adiante.
— Charmosa — disse ela, olhando em volta.
— Fico pouco aqui... — ele abraçou sua cintura e a puxou para si.
— E onde passa a maior parte do tempo, doutor?
— Tratando de moças que perdem a memória....
Ele beijou-a novamente com toda a força de sua alma, saboreando a maciez
dos lábios e língua da amada, explorando toda a extensão daquela boca
perfeita. Cada vez mais avidamente eles se tocavam, envolvidos por uma
paixão e um desejo seculares.
As mãos de Adrian percorriam suas costas e nádegas para subirem
novamente até seus cabelos e retornaram à cintura, apertando Liz contra seu
corpo, que pulsava de desejo. A moça, por sua vez, entregue e consumida por

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Coleção Amor e Sedução – 05
aquela onda de paixão, colou-se a ele, sentindo a masculinidade firme do rapaz
atiçar ainda mais as brasas de sua paixão, e gemeu quando Adrian
suavemente percorreu seu pescoço com a língua úmida e quente.
Ele a mordeu e apertou mais, até que a tomou nos braços e levou para o
quarto.
— Estou louco de desejo por você — murmurou, e sorriu ao ver a pele clara
dela arrepiar-se. Liz também compartilhava do mesmo sentimento.
Adrian começou a despir-se e a garota, ao vê-lo, sentiu o corpo pulsar com
tanta intensidade que o puxou de volta para si.
O corpo do médico, forte e musculoso, exalava um delicioso aroma de
colônia. Sem pensar no que fazia, navegando naquele mar de fogo que cercava
os dois, ela beijou-lhe o peito, acariciando a pele dele com o rosto e descendo
pela barriga até sentir a masculinidade de Adrian de encontro à face.
O rapaz a puxou para si novamente e desceu o zíper do vestido que,
escorregando pelas costas lisas da moça, caiu a seus pés.
Os olhos dele brilharam ao vê-la seminua. A pele clara contrastando com a
lingerie negra, os seios firmes saltando pelo decote do sutiã, as pernas
modeladas descendo de suas virilhas em curvas graciosas, a cintura fina
formando um vale profundo que destacava os quadris bem torneados.
— Como você é linda! — a voz dele, baixa e carregada de paixão, fez o corpo
da garota pulsar ainda mais forte.
Liz, os olhos fixos nos dele, livrou-se do sutiã e seus seios desabrocharam
em toda a plenitude, exibindo formas perfeitas, com mamilos rosados e
sedentos pelo toque de Adrian.
Ele aproximou-se e a conduziu até a cama, deitando-se ao lado dela. Sua
boca foi invadida pela língua do rapaz, que desceu pelo pescoço e,
contornando os seios, deteve-se sobre um dos mamilos, enquanto acariciava o
outro com dedos ávidos e experientes.
Liz gemeu alto, arranhando as costas fortes e de músculos bem desenhados,
e isso deixou Adrian ainda mais excitado. Ele sugou-lhe um dos seios, depois
outro, e lentamente desceu a boca por seu ventre até encontrar a calcinha
úmida, ainda encobrindo a parte mais feminina de sua amada.
Retirou a lingerie sem pressa e beijou os delicados pêlos púbicos, sentindo-a
contorcer-se sob seus carinhos. A língua foi lentamente acariciando a

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Coleção Amor e Sedução – 05
intimidade dela e, ao senti-la pulsando ainda mais por ele, Adam terminou de
se despir, sob os gemidos e sussurros da jovem, que o chamava:
— Venha para mim, por favor...
A força do desejo de ambos era tamanha que não agüentaram mais esperar.
O rapaz penetrou-a de uma só vez, levando Liz a sensações indescritíveis, na
medida em ele se movia dentro dela dizendo coisas que a excitavam ainda
mais. O ritmo da milenar dança do amor os tomou completamente, até que,
não suportando mais tanto desejo, explodiram de prazer, num grito demorado
e profundo, que os unificou não apenas no corpo, mas principalmente na alma.
Adrian virou-se e a colocou sobre ele.
— Ainda quero você — disse com voz carregada e Liz sentiu sua vontade
reacender com muita intensidade, como se ela não tivesse acabado de chegar
ao clímax. Cavalgou o corpo de seu amante com volúpia e sensualidade,
estimulando o rapaz com palavras de amor e paixão.
Ao ver os olhos da amada soltando chispas verdes, sua boca ofegante, seus
lábios intumescidos de paixão, o médico ficou completamente enlouquecido e
colocou-se dentro de Liz mais uma vez, envolvendo-a em uma nova explosão
de prazer.
Deitada sobre o peito do médico, a masculinidade dele ainda em seu íntimo,
ela murmurou:
— Adriano...
E ele soube definitivamente que aquela era a mulher por quem estava
esperando desde o dia em que nasceu.
— Amo você, Lizbeth. Mais do que minha própria vida. Não consigo entender
de onde vem tanto amor... Só sei que quero ficar o resto da minha existência
com você...
Liz sentiu os olhos se encherem de lágrimas. As palavras dele transmitiam
exatamente aquilo que ela estava sentindo, e tudo o que conseguiu dizer foi:
— Ti amo. Per sempre.
Ele acariciou os cabelos vermelhos e abraçou-a com carinho.
— Também não sei de onde vem tanto sentimento... só sei que não quero
deixá-lo nunca mais...
Adrian beijou-a outra vez, sentindo o corpo escultural tremer eu seus braços.
Ele sabia que mais alguns minutos e o desejo de ambos se reacenderia.

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Coleção Amor e Sedução – 05
Acariciou os seios generosos e percebeu que os mamilos dela se enrijeceram.
Sorrindo, Adrian fechou os olhos. Finalmente havia encontrado sua metade
perdida.
****
Vulko Mladenov subiu as escadas que davam acesso ao Castel Sant'Angelo e
lançou um olhar rápido às águas do Rio Tibre, que mais pareciam um espelho
aquela manhã. Sobre a imensa construção, a figura do Arcanjo Miguel
destacava-se contra o céu gritantemente azul.
O lugar, que já havia servido de prisão, mausoléu e abrigo, abria-se à
visitação do publico, desde suas masmorras até os aposentos renascentistas
usados pelos Papas.
O assassino evidentemente não estava interessado em nada disso.
Acompanhando um grupo de turistas, ouvia as palavras do guia sem prestar a
mínima atenção, até que localizou a pessoa com quem iria se encontrar.
Discretamente, distanciou-se do grupo e entrou num dos corredores laterais,
onde alguém o esperava.
— Trouxe o que lhe pedi? — perguntou com voz baixa.
— Você trouxe meu dinheiro? — quis saber o outro.
Vulko entregou-lhe um envelope e recebeu outro de volta. Ambos conferiram
os conteúdos e se afastaram.
O informante sumiu levando o dinheiro. Vulko retornou ao hotel. Ele tinha
trabalho a fazer e, de agora em diante, todos os seus sentidos estariam
voltados para a morte de Lizbeth Carter, americana, 29 anos, solteira,
residente em Pittsburgh, formada em análise de sistemas. O homem realmente
havia lhe conseguido informações completas.
"O dinheiro é mesmo mágico", pensou o búlgaro, lendo as folhas
atentamente, demorando-se mais na descrição do roteiro de viagem de sua
futura vítima. Ela estava em Perúgia e seguiria para Assis na semana seguinte.
"Assis... É uma boa oportunidade para rever a Basílica", pensou, fazendo o
sinal da cruz ao lembrar-se de São Francisco. "Vou direto para lá".

Embora quisessem passar o resto do dia na cama, nem Liz nem Adrian
podiam se dar a tal luxo. Ele precisava trabalhar e ela tinha um encontro com
Francesca.

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— Gostei tanto dela... Como se já fossemos amigas há anos — disse,
tomando uma xícara de café sentada no colo do rapaz. Estavam ambos nus, os
cabelos molhados denunciando que haviam acabado de sair do banho.
Adrian beijou-lhe o rosto e ela continuou:
— Acho que é o ar desta cidade. Não entendo como todo mundo aqui me
parece familiar...
— E você consegue entender o que aconteceu conosco? — os olhos dele
estavam cheios de desejo outra vez.
Liz levantou-se e o puxou para si:
— Não me lembro bem... O que foi mesmo que aconteceu conosco?
Liz colou-se nele e, ao sentir masculinidade dele rija e quente em sua
barriga, gemeu:
— Quero você agora...
Adrian levou-a de volta para o quarto e, quando finalmente saíram de casa,
nenhum dos dois conseguia esconder o sorriso de felicidade nem o brilho de
satisfação no olhar.

François estava com tudo certo para a viagem a Assis. Embarcaria no dia
seguinte para Roma e de lá seguiria em um carro alugado, hospedando-se
primeiro em um hotel. Só então procuraria Francesca. As cópias que ela lhe
pediu já estavam sendo encadernadas e estariam prontas a tempo.
Com tudo resolvido, ele sentou-se no mesmo banco do jardim e, como havia
feito no dia anterior, recapitulou o que já havia lido antes de mergulhar nas
anotações de Marino Giacomidi...
Adriano, recuperado pelo tratamento de Lisa, encontrava-se em um dilema
espiritual: de um lado, seu propósito de manter-se casto e fiel aos
ensinamentos de São Francisco; de outro, o amor e a paixão que começava a
sentir pela moça.
Durante dias o rapaz evitou conversar ou permanecer com ela mais do que o
necessário. Quando se sentiu plenamente recuperado, anunciou:
— Vamos partir. Logo esfriará muito e não poderemos mais avançar.
Lisa Torino, certa de que cometera algum erro grave ao tentar se aproximar
do homem, também se encontrava em um dilema: Adriano era belo e ela o
queria como homem, mas ele também era um religioso e, naquele momento,

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Coleção Amor e Sedução – 05
representava sua salvação de uma morte dolorosa nas chamas da Inquisição.
Sem vontade de falar, acatou a ordem dele, juntou o pouco que tinham em
uma trouxa e seguiu sem pronunciar uma única palavra.
Caminharam em ritmo acelerado pelos bosques que margeavam as
estradas, procurando permanecer ocultos das pessoas que ocasionalmente
transitavam por ali.
Assim como nas vezes anteriores, dormiam ao relento, enrolados em seus
mantos, sob a copa protetora das árvores. Comiam pouco e por iniciativa
mutua, evitavam se falar. Mas isso não impedia que o amor entre eles
continuasse a crescer e a perturbar seus corações.
Adriano, quando a moça não o estava olhando, surpreendia-se observando
seus movimentos, achando-a cada dia mais graciosa e feminina.
Lisa, sem se deixar ver, acompanhava cada gesto dele, admirando a sua
bondade de seu olhar e a beleza de suas mãos.
A tensão sexual pairava entre os dois como uma ameaça de prazer e dor, e
ambos tentavam resistir com toda as forças de que dispunham.
Certa manhã, quando se achavam a meio caminho de Roma, Lisa não
acordou. Preocupado, o rapaz foi até ela e a encontrou ardendo de febre. Sem
saber o que fazer, pegou-a nos braços e voltou para a estrada, pesando em
pedir ajuda a alguém.
Não tardou a cruzar com uma família de agricultores levando uma carroça
cheia de legumes e verduras, que pretendiam vender numa feira das
proximidades. Ao verem o monge pedindo ajuda com a moça nos braços,
pararam e os levaram consigo.
— Vou descarregar a carroça na feira — disse o agricultor. — Em seguida,
meu filho leva o senhor e sua irmã para nossa casa, padre, minha Maria vai
ficar feliz de ter um homem santo em nossa casa.
Adriano agradeceu e, deitando Lisa sobre os legumes, cobriu-a com o manto
de lã, preocupado que alguém a reconhecesse na cidade.
A aldeia onde pararam era pequena e pobre, com casas mal feitas, ruas
malcheirosas e crianças imundas, que corriam de um lado para outro pedindo
esmolas. Ainda assim, o comércio ali era movimentado e cheio de mercadorias.
— Vem gente de todo lado para cá — explicou o agricultor. — É a única feira
da região.

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Coleção Amor e Sedução – 05
Adriano ajudou o homem a descarregar a carroça e a montar as madeiras da
barraca, olhando em volta para certificar-se de que não havia patrulhas ou
coisa parecida por ali. Preocupado, tentou descobrir se o agricultor sabia de
alguma coisa sobre a fugitiva:
— Eu e minha irmã fomos parados durante nossa viagem por um grupo de
soldados — ele mentiu, pedindo perdão por isso.
— Eles estiveram aqui, padre. São de Nápoles. Vieram à procura de uma
bruxa que matou um fidalgo.
Adriano olhou para o homem, que continuou:
— Bruxaria, pois sim! A mulher devia ganhar uma estátua por matar quem
nos explora com impostos e cobranças. Eles levam tudo que temos, padre.
Quando as mercadorias já estavam arrumadas, o agricultor mandou que o
filho mais novo levasse Adriano e Lisa para sua casa, e despediu-se deles com
um comentário intrigante:
— Fique tranqüilo, irmão. Ninguém irá importuná-los.
A moça, ardendo em febre, foi acolhida com carinho pela mulher rotunda e
corada de nome Maria, cujo casebre era imaculadamente limpo e estava
perfumado com o delicioso aroma de carne e verduras.
A moça tomou vários chás escaldantes e foi enrolada em panos grossos para
que transpirasse, enquanto Adriano era servido com vinho, pão e frutas. Tudo
muito simples, mas oferecido de coração.
— Sua irmã ficará boa, padre — disse a mulher, beijando a mão do religioso.
— Enquanto ela se recupera, o senhor poderia nos falar sobre Nosso Senhor e
seus ensinamentos? Temos poucas oportunidades de ouvir um sermão.
Durante os dias que ficaram ali ele fez o que lhe foi pedido e sentiu sua fé se
reacender nos olhos daquela gente tão simples e de bondade maior do que o
próprio coração.
Lisa, deitada em um canto, ouvia as palavras dele com fervor, pedindo
perdão por seus sentimentos, que julgava pecaminosos, enquanto sentia a
saúde e a vida voltar às suas veias.
Uma semana depois, seguiram viagem, levando consigo uma boa
quantidade de alimentos, as roupas limpas e as forças recuperadas.
Antes de partirem, o agricultor chamou Adriano de lado:
— Não siga por Roma, padre. Ouvi dizer que há muitas patrulhas por lá.

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Coleção Amor e Sedução – 05
Parece que o tal fidalgo morto era alguém importante.
— Farei como diz, meu amigo — respondeu ele, constrangido por perceber
que seu segredo havia sido descoberto.
— Sigam em paz e que Deus os acompanhe. Nenhuma palavra sairá desta
casa para comprometê-los.
Adriano agradeceu e, benzendo toda a família, seguiu seu caminho Lisa
seguia seus passos como sempre, mantendo-se em silêncio. Então, certa tarde,
quando já estavam adiantados em sua jornada e Roma havia ficado para trás,
ela aproximou-se e pediu:
— Padre... Fale comigo como falou para a família que nos acolheu. Suas
palavras me fizeram bem.
A boca sensual e carnuda ergueu-se ligeiramente em direção ao monge e o
manto de lã, caído sobre os ombros, deixou a mostra uma parte de seu colo
perfeito.
Adriano fechou os olhos e respirou fundo antes de responder:
— Eu... não posso. Não consigo!
— O que eu fiz de tão grave para que evite me olhar ou sequer falar comigo?
Sei que sou um fardo em seu caminho e, se quiser, vou embora... — os olhos
dela estavam cheios de lágrimas.
Ele a olhou com o peito apertado, sufocando a vontade de tomá-la e beijar
cada uma daquelas lágrimas, e respondeu simplesmente:
— Você não fez nada, irmãzinha. Apenas nasceu como é, pela graça do
Criador. Não sabe o efeito que sua beleza e inocência têm sobre mim, e o
quanto me perturba o sono tê-la tão perto e ser obrigado a mantê-la tão longe.
Lisa olhou para ele, surpresa, as lágrimas rolando pelo rosto e deixando-a
ainda mais tentadora aos olhos do rapaz.
— Padre... Está dizendo que seu coração sente o mesmo que o meu? Que
gosta de mim como eu do senhor?
Adriano tocou-lhe a face com suavidade, enquanto um duelo infernal
acontecia em sua alma. Nada o impedia de fazê-la sua naquele momento,
exceto sua proposta de uma vida dedicada unicamente a Deus. Ele queria ser
como São Francisco e praticar a castidade, a humildade e a caridade.
A súplica nos olhos da moça atingiu seu coração como uma lança, e Adriano
sentiu a respiração faltar quando a moça deu um passo em sua direção.

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Coleção Amor e Sedução – 05
— Eu não posso, Lisa. Perdoe-me, mas não posso! Fique longe de mim! Fique
longe de mim! — implorou gritando, e deixou-a olhando assustada, enquanto
ele sumia por entre as árvores.
A moça caiu ao chão, chorando convulsivamente, amargurada por ter
nascido com aquela aparência. "Devo ser mesmo uma bruxa, amaldiçoada com
o pecado da tentação", dizia para si mesma, enquanto seu coração gritava
angustiado: "Mas eu o amo! Eu o amo!"

François, os olhos cheios de lágrimas, colocou o volume ao seu lado,


enquanto pensava na tristeza daqueles jovens apaixonados. "Que situação
terrível a desses dois. Que horror ter vivido assim!"
Então, passeando os olhos pelo jardim à sua frente, perguntou-se em voz
alta.
— Como seria se eles tivessem outra chance?

Liz chegou pontualmente à casa de Francesca, que a recebeu com um


abraço carinhoso e um olhar significativo. O rosto da moça não escondia a
alegria que estava sentindo. "Eles dormiram juntos", pensou a mulher com
alegria.
— Há muito para ver em Assis, querida. Igrejas, monumentos, obras de arte.
Mas o que vou lhe mostrar é algo que poucos olhos tiveram o privilégio de
contemplar. Venha comigo.
Francesca guiou a moça através da casa, que por si já era um lugar digno de
demorada visita, até chegar a seus aposentos.
— Entre — convidou-a, fechando a porta do quarto.
Liz viu-se em um espaço amplo e de pé direito alto, com paredes recobertas
por um fino tecido de tom levemente rosado, grandes painéis de madeira, uma
enorme cama de dossel coberta por colchas e almofadas macias, mesinhas
com objetos delicados e um grande armário de carvalho, que lhe pareceu
muito, muito antigo.
Francesca então abriu um dos painéis de madeira e, diante dela, com toda a
sua pujança e beleza, surgiu uma tela que simplesmente hipnotizou a moça.
— Chama-se Súplica do Coração — explicou Francesca, notando o fascínio da
amiga. — Este quadro foi pintado no século XIV usando uma técnica que, na

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Coleção Amor e Sedução – 05
época, foi considerada profana. Como sabe, esse estilo de pintura só passou a
ser apreciado na Renascença. Nos idos de 1300 ninguém pintava nus e corpos
expostos com tal riqueza de detalhes, e muito menos mostrava mulheres belas
e tentadoras.
— Mas ele é lindo... lindo! E a moça... Os cabelos dela são...
— Como os seus... flamejantes.
— A cena é tão triste e tocante... Quem é o autor?
— Desconhecido, claro. Ninguém se atreveria a desafiar a Igreja desta
forma, colocando seu nome numa obra assim. O quadro só sobreviveu porque
foi adquirido por um fidalgo da época, que o manteve escondido. Depois,
passou para outras mãos e só chegou a mim porque o homem que o vendeu
estava precisando muito de dinheiro.
— E por que o mantém oculto? É tão maravilhoso...
— Por segurança, ciúmes, por sentir que esta não é uma pintura que deve
ser vista por todos. Ela capta um momento muito pessoal, muito íntimo da vida
de duas criaturas que parecem amar-se muito.
Lizbeth olhou atentamente para os traços fortes retratados na pintura e não
conseguiu evitar que seus olhos se enchessem de lágrimas. Francesca sorriu,
como se aquilo tudo fizesse muito sentido para ela.
— Quem são eles? — perguntou a moça.
— Não sei ao certo. Pedi que um conhecido me enviasse um texto antigo, de
sua propriedade, que, desconfio, conta a história dos dois. Pesquisei esta
pintura durante anos, porque ela também me impressiona e toca meu coração.
— Obrigada por me mostrar. E por confiar em mim.
Francesca aproximou-se mais e a olhou nos olhos:
— Quando vi você, senti que a conhecia há muito tempo, Lizbeth. Não sabia
de onde e nem como, até que me lembrei do quadro. Você é muito parecida
com a jovem nele.
— Os cabelos, talvez... e os olhos... Meu Deus, eu pareço mesmo! — Liz
empalideceu.
Francesca fez correr o painel de madeira, ocultando novamente a pintura e
levou a amiga para fora do quarto.
— Acho que precisa de um pouco de ar puro e de uma boa refeição. Depois,
podemos passar o dia andando pela cidade.

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Coleção Amor e Sedução – 05
A jovem não respondeu. Ainda estava sob o impacto de ver seu rosto
retratado numa pintura de sete séculos atrás.
****
Dentre todos os relatórios que Marcello Tardizzi leu sobre a vida de Rafael
Mancini, um em especial lhe chamou a atenção. O homem, vindo de uma
família rica e poderosa, havia passado por uma grave crise financeira que o
obrigou a desfazer-se de boa parte de seu patrimônio, incluindo casas em
outros países da Europa e propriedades na América. Mesmo assim não houve
grande melhora em sua situação, até que, em meados de 1998, grandes
somas de dinheiro começaram a entrar em suas contas. A origem dos recursos,
entretanto, era nebulosa e o inspetor tinha certeza de que, se conseguisse
chegar à fonte do dinheiro, encontraria o mandante do crime e, o assassino.
Reunido com alguns agentes da Interpol, expôs a situação e pediu ajuda em
caráter de urgência.
— Por que não nos informou antes sobre isso? — perguntou um dos policiais.
— Não quis expor a segurança da testemunha ou do plano que tracei para
capturar o Sombra — explicou ele.
A explicação não convenceu, mas àquela altura isso não tinha mais
importância, já que a americana estava com amnésia. Era preciso chegar ao
assassino por outros meios.
Assim que os homens saíram, Tardizzi ligou para Frederico. Não havia
novidades no caso, a não ser o fato da moça ter iniciado um romance com o
médico.
— É cada uma que me acontece! — praguejou o inspetor, desligando.
"Americanos!", pensou, aborrecido, imaginando se aquela garota entendia o
perigo que estava correndo.

Francesca deixou Liz no hotel quando começou a anoitecer. Haviam virado a


cidade do avesso e a moça estava fascinada com tudo o que viu e com as
pessoas que conheceu. Mas nada se comparava à impressão causada pela
pintura na casa da mulher.
As mãos e braços do monge em atitude de súplica, a expressão no rosto da
mulher e os cabelos e olhos que ela conhecia tão bem deixaram uma marca
profunda em seu coração.

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Coleção Amor e Sedução – 05
Assim que entrou em seu quarto ela encontrou um grande buquê de flores
acompanhado de um cartão de Adrian e de um convite para jantar. Ele viria
buscá-la em pouco tempo e Liz correu para o chuveiro.
Enquanto a água morna escorria sobre seu corpo perfeito, a jovem pensava
em tudo o que estava acontecendo em sua vida. E contrariando os
pensamentos do inspetor, ela estava, sim, muito preocupada com seu destino
e o do homem que amava — apesar de simpatizar com Frederico, não tinha a
menor confiança de que ele era capaz de protegê-los.
"Não deixe que nada de mal nos aconteça", rogou a São Francisco, enquanto
se arrumava para o encontro.
De repente, seus pensamentos retornaram ao quadro e um arrepio
percorreu sua espinha. Ela não queria ter o mesmo destino da mulher na
pintura. Não queria morrer diante dos olhos do homem amado.

Capítulo Vi
Enquanto Liz e Adrian jantavam numa romântica cantina, saboreando um
delicioso vinho e trocando olhares cheios de amor e paixão, François, já de
malas prontas, recolhia-se mais cedo. Não porque estivesse com sono, mas
para voltar à história dos amantes medievais.
Ele havia parado no ponto em que Adriano, torturado pelo amor que sentia,
fugiu de Lisa, embrenhando-se na floresta.
Quando retornou, horas mais tarde, encontrou a moça adormecida depois de
muito chorar. A noite fria e úmida caía sobre os dois e o rapaz aproximou-se
em silêncio.
O monge queria acordá-la. Não suportaria ver seus olhos inchados ou ter que
enfrentar os apelos de seu coração. Enrolou-se no manto e deitou-se aos pés
de uma árvore próxima.
Adriano não sabia quanto tempo havia dormido, mas foi despertado pelos
gritos de socorro da ruiva. Correu até ela e a tomou nos braços:
— Calma, irmãzinha, foi apenas um pesadelo.
Apavorada, ela abriu os olhos e agarrou-se nele, chorando muito. Havia
sonhado ter sido capturada por vários homens que, após despi-la, cravaram

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Coleção Amor e Sedução – 05
uma lança em seu coração.
O monge aninhou a moça nos braços como se fosse uma criança e falou com
ela mansamente, até que voltasse a dormir. Por fim, ele também adormeceu,
sentindo a presença e o calor de Lisa em seu corpo.
A manhã seguinte os encontrou deitados um nos braços do outro, os rostos
quase se tocando. A moça abriu os olhos no mesmo instante que Adriano, e
ele, sem conseguir se conter, puxou-a para si e a beijou demoradamente. Lisa,
sem saber se aquilo era sonho ou realidade, abriu os lábios para recebê-lo e o
arrebatou, com sua boca sensual e quente, para um mundo de prazer e
carinho.
Todo o desejo, a paixão e o amor que eles haviam negado e contra os quais
tinham lutado com tanta determinação agora emergiam com plenitude e
urgência.
Adriano a beijava com sofreguidão e desespero, enquanto ela se colava ao
amado, sentindo o corpo musculoso do rapaz comprimido de encontro ao seu.
Não havia palavras naquele momento, só a vontade de se pertencerem.
Lisa, olhos fechados pela emoção e pelo medo de acordar daquele sonho
bom, tirou o manto que lhe cobria o corpo e levou a mão do rapaz até seus
seios. Aos senti-los, macios e volumosos, o desejo dele explodiu e Adriano
agarrou-a com paixão. O corpo dela, frágil e delicado, deixou-o enlouquecido.
Beijou-a cada vez mais intensamente, segurando os cabelos tingidos de negro
e puxando a cabeça da moça para trás, enquanto beijava a pele macia de seu
pescoço e colo.
Lisa abriu os olhos e eles pareciam um mar de esmeraldas, no qual Adriano
mergulhou sem pensar.
— Sou seu primeiro homem? — ele perguntou, arfando.
— E será meu único, senhor.
— Você é como se fosse a primeira mulher de minha vida — ele sussurrou. —
É a primeira que amo e será a única por toda a eternidade.
Ela não respondeu. A voz não lhe saía.
Amaram-se com sofreguidão, como duas almas gêmeas que o Criador havia
colocado no mundo para se complementar.
A manhã passou ligeira, até que, exaustos, dormiram abraçados seus corpos
nus cobertos pelos mantos de lã.

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Coleção Amor e Sedução – 05
Antes de fechar os olhos, Lisa murmurou baixinho:
— Ti amo. Per sempre.

François fechou o manuscrito, extasiado. Que amor grandioso, que paixão,


que sinceridade. Mais forte que as convenções, que o medo, que a vida!
Ele não leria mais aquela noite. Queria dormir como Adriano Lisa, cheio de
paz e felicidade no coração.

Francesca estava sentada e olhando para seu quadro. Por mais que negasse,
não conseguia deixar de pensar que aquela ruiva nua, deitada em um chão
coberto de folhas, cujos olhos expressavam ao mesmo tempo amor, tristeza e
tragédia era Lizbeth Carter em outra vida.
"Dio Santo! Será que fiquei louca? Esse tipo de coisa não existe!", censurou-
se. Ela era católica e católicos não acreditam em reencarnação. Porém, quanto
mais olhava a cena, mais seu coração lhe dizia que tanto ela, quanto Liz e
Adrian faziam parte de uma mesma história, acontecida há muito tempo.
Perturbada, fechou o painel de madeira, apenas para abri-lo em seguida.
"Preciso ler o relato de Marino Giacomidi! Talvez lá eu encontre o que procuro
e entenda de uma vez por todas o mistério desta pintura", pensou e decidiu
ligar para o francês logo de manhã.

Liz e Adrian olhavam-se cheios de amor, enquanto o médico a levava de


volta para o hotel.
— Fique comigo. Eu não quero deixar você — ele pediu.
— Quer que eu durma na sua casa?
— Não... Quero que fique comigo para sempre. Tenho medo de deixá-la,
querida. Não quero correr o risco de que algo aconteça e que eu não a veja
mais.
— Está falando do tal Sombra Negra?
— Não sei do que estou falando. Só quero que venha comigo, por favor.
Havia tanto desespero na voz e no olhar dele que Liz se emocionou.
— Está bem. Vou pegar minhas coisas e fechar a conta do hotel. Só espero
que não mude de idéia amanhã e me mande embora...
— Isso nunca! Se você for embora, acho que eu morro de tristeza, Liz.

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Coleção Amor e Sedução – 05
— Ei, calma. Eu só estava brincando — ela disse, beijando-o com carinho.
Meia hora depois, com as malas no carro, Lizbeth Carter foi para a casa de
Adrian Hudson, acompanhados de Frederico Minelli.
****
O dia amanheceu quente, claro e ensolarado. François partiu rumo a Paris
muito cedo a fim de pegar seu vôo, o primeiro do dia para Roma. Na bagagem,
além de um belo vinho francês, que pretendia dar a Francesca apenas para
aborrecê-la — a mulher achava que nenhum vinho do mundo se comparava
aos da Itália —, ele também levava cópias dos escritos de Marino.
Já dentro do avião, ele pegou a sua própria cópia, que levava na bagagem de
bordo, ávido para retomar a leitura, já que o trecho da noite anterior o havia
feito sonhar com seus anos de juventude e paixão.

Enquanto François voava sobre a França, Vulko Mladenov fechava a conta do


hotel e embarcava no carro que havia alugado como Peter Holthe. Eram
poucas horas até Assis e, já que seu alvo ainda estava em Perugia, havia
tempo para apreciar a paisagem e aprimorar seus planos.
— Boa viagem, Signore — desejou o manobrista que lhe entregou o carro. O
búlgaro deu-lhe uma generosa gorjeta e arrancou pelas ruas centenárias da
cidade.

Quando o sol brilhou sobre Roma, Marcello Tardizzi já estava em seu


vigésimo café. Sem dormir, sem comer e sentindo que o corpo pedia descanso,
ele berrou para o auxiliar:
— ME TRAGA MAIS UM CAFÉ!
A sua frente havia uma verdadeira Babilônia de papéis, xícaras, cinzeiros
transbordando e anotações desconexas que só faziam sentido em sua cabeça.
Debruçado sobre a bagunça, ele cruzava dados e fazia telefonemas como um
louco. Duas horas depois, gritou:
— ALGUÉM CHAME O TAL AGENTE DA INTERPOL AGORA!!! E PREPAREM UM
CARRO. VAMOS PARA O HOTEL HASSLER.
Ele se levantou correndo e deu de cara com o auxiliar parado na porta.
— O que você quer? — perguntou, nervoso.
— Trouxe o seu café, inspetor.

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Coleção Amor e Sedução – 05
Tardizzi agarrou o copo e saiu sorvendo a bebida pelo corredor, o rapaz da
Interpol atrás dele.
— O que aconteceu? — indagou o jovem.
— Vocês nunca lêem os relatórios que recebem? O Sombra está hospedado
no Hassler, com o nome de Peter Holthe!
— Ora,... Então vamos prendê-lo!
Tardizzi nem se deu ao trabalho de responder. Ele apenas saiu, rezando para
que o assassino ainda estivesse lá.

Liz acordou nos braços de Adrian, sentindo que ele acariciava seus cabelos
com ternura. Ainda de olhos fechados, ela sorriu e ronronou com sensualidade.
— Eu não sei mais viver sem você, Liz. Sinto que até hoje estive apenas
esperando para encontrá-la.
— Engraçado isso... Eu sinto o mesmo. E depois que vi aquele quadro isso
ficou mais forte ainda.
— Quadro? Que quadro?
— O que está na casa de Francesca. Chama-se Súplica do Coração — e
explicou a ele do que se tratava.
— Francesca nunca me mostrou. Então... a moça se parece com você?
— Na verdade, eu me pareço com ela, já que nasci depois. Você precisa vê-
lo. É emocionante, pungente... Não sei explicar.
— Já reparou como nestes últimos dias não param de acontecer coisas que
não sabemos explicar?
Ela sorriu, ele a beijou e o dia começou cheio de paixão para os dois.

François abriu o texto e voltou à leitura, com o clima do trecho anterior ainda
vivido em sua mente...
Horas se passaram até que Adriano e Lisa finalmente retomaram sua
jornada. Ele seguia na frente e, como antes, não se falavam. Ocasionalmente o
monge se virava para olhá-la e recebia um sorriso feliz como resposta. "Meu
Deus, como fui tolo em pensar que amar alguém é incompatível com servir a
Deus!", pensou ele, sentindo a vida finalmente lhe sorrir.
Estavam a uns dois dias de viagem de Assis quando alcançaram um vilarejo
que servia de parada para os peregrinos. Adriano hospedou-se com Lisa numa

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Coleção Amor e Sedução – 05
estalagem, dizendo que sua irmã padecia de um grave mal e estavam indo a
Assis em busca de um milagre.
O dono do lugar deu-lhes um quarto nos fundos, pequeno, apertado, abafado
e malcheiroso, e Adriano pagou com algumas moedas que possuía.
— Fique aqui — disse à garota. — Vou ver se arrumo alguma coisa para
comermos. Eu amo você.
Ela sorriu e o abraçou com força. Adriano olhou-a com ternura e saiu. Lisa
olhou pela pequena e encardida janela do quarto e viu os campos que se
estendiam lá fora até serem engolidos pelo bosque circundando o local. As
crianças sujas corriam alegres e entre os varais cheios de panos estendidos.
Ainda achando que tudo aquilo era um sonho e que Adriano era mais do que
ela poderia esperar da vida, a jovem deitou-se no colchão de palha e deixou os
pensamentos soltos. Minutos depois, estava profundamente adormecida.
O monge perambulou pela vila e logo descobriu que não havia muito para se
ver ali. Pediu que levassem uma refeição completa à sua irmã e sentou-se para
tomar um copo de vinho.
— Então, padre, o que tem visto por esse mundo afora? — perguntou o
estalajadeiro.
— Nada além do que se vê em todas as partes, meu amigo. Doenças,
pobreza, injustiça... e muita gente necessitada.
— Soube das buscas à bruxa de Nápoles?
Adriano sentiu o sangue gelar. Eles estavam muito longe da cidade. Como
aquelas notícias tinham ido parar ali?
— Não sei do que está falando, senhor...
— Bem, parece que uma mulher, uma bruxa, assassinou o filho de um
fidalgo napolitano. Como ninguém conseguiu encontrá-la, o homem juntou-se
aos cavaleiros do Santo Ofício e está oferecendo uma recompensa de quarenta
moedas de ouro para quem capturá-la viva ou morta.
Adriano sentiu o coração parar. Viva ou morta? Quarenta moedas de ouro?
— Imagine só... Um pagamento tão grande por uma vadia qualquer. É o fim
dos tempos, padre. E pensar que Nosso Senhor foi vendido por apenas trinta
moedas... e de prata.
— Respeite Nosso Senhor, irmão — advertiu Adriano.
— Desculpe, padre... É que eu fico pensando na sorte de quem receber tanto

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Coleção Amor e Sedução – 05
dinheiro.
— Ninguém pode ter sorte ao ser pago pela vida de outro ser humano,
homem! — A voz do monge soou dura e o aldeão o olhou surpreso, um tanto
desconfiado.
Adriano voltou para o quarto e encontrou Lisa devorando sua refeição. Ela
estava faminta e, ao vê-lo, sorriu e continuou comendo.
Ela era linda, doce, carinhosa e dedicada. Cozinhava bem, entendia de
remédios e ervas, era comedida e discreta. Uma jovem que, nascida em outra
classe social, seria disputada a espadas por nobres pretendentes. No entanto,
pobre como era, ela com certeza seria disputada a espadas pelos caçadores de
recompensas.
Lisa merecia uma vida decente e confortável, um lugar para viver e criar os
filhos que um dia teria. Merecia um marido que lhe oferecesse segurança,
estabilidade e conforto. Adriano a amava e seria capaz de dar sua vida por
ela... mas casar-se significaria abdicar das peregrinações e ele não sabia se
queria isso.
Mesmo certo de que ela o acompanharia aonde quer que fosse, a vida
asceta era dura e sofrida demais para alguém tão linda e doce. Olhando a
companheira comer com tanto gosto, o rapaz sentiu mais uma vez o coração
povoado de dúvidas.
Havia recebido uma mensagem divina para peregrinar durante três anos e
então ir a Assis. Ele havia feito exatamente isso e acabou se deparando com
um terrível dilema: escolher entre ser um homem santo ou ser o marido de
Lisa.
Isso se conseguisse levá-la em segurança até a cidade.
Assim que terminou de comer ela estendeu os braços para o amado:
— Venha, meu senhor. Sinto muito a sua falta.
O monge sentiu seu corpo esquentar e um rubor forte subiu-lhe às faces.
Lisa sorriu e ele sabia exatamente o que aquele sorriso significava.
Beijou-a e deitou-se a seu lado. Quando as mãos da garota tocaram suas
pernas por baixo do manto, Adriano esqueceu todas as preocupações e
entregou-se aos carinhos oferecidos, desejando sentir o fogo da paixão e do
desejo consumir-lhe a alma.

71
Coleção Amor e Sedução – 05
O aviso para apertar os cintos de segurança e a voz do comandante
avisando que estavam se aproximando de Roma fez François guardar o texto
de volta em sua bolsa de viagem. Pela janela da aeronave viu a Cidade Eterna
resplandecer a seus pés, em toda a sua glória e plenitude.
Ainda pensava em Adriano e Lisa enquanto o avião descia e Roma se
tornava mais visível, exibindo suas ruínas, seus monumentos, suas igrejas e
fontes milenares.
****
Marcello Tardizzi estava espumando de irritação. Havia chegado pelo menos
três horas depois da partida de Peter Holthe.
— Ele não disse mesmo para onde ia? — perguntou pela terceira vez ao
atendente na recepção.
— No, signore. Apenas que faria uma viagem pelo interior.
A empresa que alugara o carro também não conhecia o itinerário do
assassino, mas Tardizzi não tinha dúvidas de que o Sombra estava indo direto
para Assis.
Pelo celular ele avisou a Frederico para dobrar a vigilância sobre a garota e
quase explodiu quando soube que ela havia se mudado para a casa do médico
e que passava os dias perambulando pela cidade:
— Mande-a ficar em casa! Diga que o Sombra está em Roma e não a perca
de vista um segundo!
— Sim, senhor — respondeu o moço, imaginando que a monotonia
finalmente chegaria ao fim. Ele só não fazia idéia de quanta agitação o
aguardava.
As câmaras de segurança do hotel forneceram a imagem que o inspetor
mais aguardava: o rosto do temido matador. Espalhou cópia; para todas as
centrais de polícia, agentes de campo, informantes e postos de fronteira.
Alguém, em algum lugar, iria reconhecê-lo.
O banco de dados da Interpol foi acionado e a imagem começou a ser
cruzada com milhões de outras na tentativa de descobrir a verdadeira
identidade do criminoso e seu nome.
— Ainda não entendo como chegou até ele — comentou o jovem e bem
vestido agente caminhando apressado ao lado do inspetor, cujo terno
amarrotado e barba por fazer lhe davam a aparência de um bêbado que tinha

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Coleção Amor e Sedução – 05
acabado de se levantar da sarjeta.
— Na verdade, devo isso à Condessa Schiaro e suas estranhas tendências
sexuais. Descobrimos, entre as ligações telefônicas que ela fez duas para Peter
Holthe. Vendo os relatórios sobre Rafael Mancini percebi uma ligação com o
nome de Holthe.
— Então... o senhor não tem nada de concreto. É apenas um palpite.
O policial parou e encarou o rapaz com um olhar assustador:
— Palpite é o que se tem antes de jogar na loteria. Eu estou dizendo que
este é o nosso homem!
Tardizzi saiu de Roma em direção a Assis uma hora antes de François, que
acabou se demorando à espera do carro alugado. Seu problema na perna o
impedia de dirigir e por isso ele havia levado o mordomo junto, que não falava
italiano e se confundiu todo. No final, conseguiram o automóvel e seguiram
viagem, sob o sol forte que iluminava a morada do Coliseu.
***
Vulko chegou à cidade pouco depois do almoço. Hospedou-se em um hotel
discreto usando um passaporte americano em nome de John Simons.
O primeiro passo era localizar a garota. Para isso, foi até o hotel onde ela
tinha se hospedado, certo de que uma boa gorjeta faria com que as pessoas
mostrassem uma incrível disposição para contar o que sabiam.
Disfarçado com uma peruca e bigodes grisalhos, o búlgaro saiu passeando
calmamente pelas ruazinhas da cidade. Encontrou turistas armados de
filmadoras, moradores locais, senhoras que se dirigiam às igrejas.
O Hotel Giotto Assisi, onde Liz havia se hospedado, é uma das estruturas
mais antigas e famosas da cidade e Vulko o encontrou sem a menor
dificuldade.
Ao entrar viu, dois policiais que conversavam com o recepcionista e parou
para ouvir o que diziam. Para sua surpresa, descobriu que estavam à sua
procura e agradeceu à experiência, que o havia feito mudar de aparência ainda
na estrada.
Esperou os homens se afastarem e só então se aproximou do balcão.
Ao colocar os olhos sobre o rosto do atendente percebeu que não seria difícil
obter a informação que desejava. Com um sorriu amistoso, perguntou:
— Boa tarde, senhor. Poderia me dizer se Lizbeth Carter está hospedada

73
Coleção Amor e Sedução – 05
aqui?

— Não posso sair por quê? — perguntou Liz, olhando surpresa para
Frederico.
— São ordens do inspetor. Temos informações de que o Sombra se encontra
a caminho de Assis, isto é, se já não está aqui.
— Mas o senhor acabou de me dizer que já descobriram o rosto do homem...
e eu nem me lembro dele!
Frederico explicou à moça que o assassino não sabia que sua identidade
havia sido descoberta pela polícia e não por meio dela. Para ele, Liz era a
delatora.
— Isso é um absurdo! — foi a resposta. Mas, absurdo ou não, ela acabou
cedendo, principalmente depois de conversar com Adrian.
— Bom, posso pelo menos visitar Francesca?
Adrian olhou para Frederico e o rapaz concordou, desde que ele a levasse.
— De agora em diante, estarei sempre ao seu lado, signorina.
Liz forçou um sorriso. Continuava achando que, se sua segurança
dependesse daquele jovem, ela estaria mesmo em apuros.

François não leu durante a viagem. Queria apreciar o percurso que sabia ser
belíssimo. Ao ver a Basílica despontar sobre a colina na qual Assis estava
erguida, ainda na estrada, seus pensamentos foram direto para Adriano
Lucchesi e Lisa Torino. Como seria a visão daquele lugar no século XIV?
O hotel onde se hospedou era o San Francesco Assisi, situado bem na frente
da Basílica, a 500 metros da Piazza central. Assim que se instalou, ligou para
Francesca e comunicou sua chegada.
— Por que não me disse que viria? Eu teria mandado preparar meu melhor
quarto. Francamente, François!
Apesar da contrariedade na voz, era evidente que ela estava encantada com
a surpresa. E curiosa também.
— O que o trouxe a Assis?
— Estava precisando sair um pouco de casa, e também porque gostaria de
falar pessoalmente com seu amigo padre, aquele que pediu o texto.
— Venha jantar comigo hoje. Há um casal de amigos que certamente você

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Coleção Amor e Sedução – 05
ficará encantado de conhecer.
— Seu amigo padre estará presente? — Ele estava insistindo no tal padre
porque tinha certeza de que a mulher havia inventado aquela história.
— Não... Na verdade ele não está na cidade. Eu explico tudo no jantar.
Ele sorriu e desligou. Mulher terrível, aquela. Mas o que ela queria com um
texto tão antigo?

Vulko deixou o hotel pensativo. Então a jovem tinha passado mal, foi
internada e depois se mudou para a casa de amigos. Mas que amigos? Será
que ela conhecia alguém na cidade? E se conhecia, por que havia passado
vários dias no hotel?
Segundo o recepcionista, Lizbeth foi atendida numa clínica chama da Saint
Francis, dirigida por um médico americano. Não dava para ir até lá a pé e ele
decidiu pegar um táxi. No caminho, cruzou com dois carros repletos de homens
vestindo terno escuro.
"Policiais", reconheceu logo. Então, mudando de idéia, pediu ao motorista
que o levasse de volta ao hotel. A clínica ficaria para depois.
Antes de chegar à cidade, ele havia abandonado seu carro em um matagal.
Com a aparência diferente e sem o veículo para identificá-lo, estava
relativamente seguro.
Pensou em Lizbeth por alguns instantes e involuntariamente apertou a
coronha do revolver que levava na cintura, sob a camisa. "Aproveite a vida,
senhorita Carter, porque ela está bem próxima do fim."

Marcello Tardizzi, há mais de 24 horas sem dormir, jogou-se na cama do


hotel e desmaiou. Estava cansado. Muito cansado. Tudo o que podiam fazer
eles tinham feito.
A polícia possuía fotos do criminoso, a descrição do carro e Lizbeth estava
sendo vigiada por mais dois policiais, além de Frederico.
Em toda a cidade, agentes disfarçados circulavam no meio dos turistas,
atentos a tudo que parecesse suspeito.
O inspetor sabia que o Sombra não demoraria para aparecer. Enquanto isso,
ele só queria dormir...
****

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Coleção Amor e Sedução – 05
François não resistiu à tentação de retomar a leitura. Sentou-se na varanda
do hotel e, enquanto a brisa agradável trazia até ele os suaves aromas da
cidade, mergulhou no passado, de volta à história de Lisa e Adriano...

Capítulo Vii
Adriano, por mais que tentasse não pensar no assunto, não conseguia evitar
o dilema que torturava seu coração. Amava Lisa, mas também a vida que
escolheu para si, e estes dois amores, na sua opinião, eram incompatíveis.
Como peregrino, correr o mundo, dormir em qualquer lugar, sujeito a
assaltos, chuva, frio, à falta de alimento e privações era tudo o que ele podia
oferecer à sua amada. "Vou amá-la para sempre, mas não posso obrigá-la a
uma vida de tantos sacrifícios", pensava, tentando encontrar uma saída.
Como estava a apenas dois dias de Assis, achou melhor ir sozinho até a
cidade e se aconselhar com os padres da Basílica, ou então com o próprio São
Francisco por meio de orações e meditação.
Procurou o dono da estalagem e suplicou-lhe que tomasse conta da irmã,
que segundo ele era muda, e não deixasse ninguém se aproximar do quarto,
uma vez que a moléstia da moça podia ser contagiosa.
— Não posso hospedar gente com peste aqui! — protestou o camponês.
— Ela não tem a peste, mas febres que vem e vão. É melhor deixá-la a sós,
enquanto vou a Assis providenciar um lugar para ficarmos.
O homem não gostou muito da idéia, mas Adriano entregou-lhe as últimas
moedas que tinha e ele concordou.
A parte mais difícil foi explicar a Lisa por que iria só. Ele não queria repartir
com ela suas dúvidas com medo de magoá-la.
— Eu sei que você não vai mais voltar... — a jovem respondeu com a voz
embargada.
— Não seja tola! É claro que voltarei! Não vou abandonar você, Lisa. Nunca!
Adriano estava sendo sincero. Ainda que decidisse não continuar com ela,
daria um jeito de ampará-la. Lisa, cuja vida dependia daquele homem e
sabendo que pessoas de sua classe social valiam menos do que uma mula,
sentiu o coração oprimido, mas nada disse.

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Coleção Amor e Sedução – 05
Aproximou-se do amado e agarrou-se a ele, esforçando-se para não chorar.
— Ouça bem — disse Adriano, olhando-a com carinho. — Eu a amo e sempre
amarei. Nunca haverá outra para mim. Você acredita nisso?
Ela fez que sim com a cabeça e abraçou-o com força.
— Parto amanhã bem cedo e estarei de volta o mais depressa possível.
Neste meio tempo, não saia do quarto. Você receberá as refeições aqui e, por
favor, sob pretexto algum, não deixe que vejam seu rosto.
Lisa não falou a ele sobre os medos e angústias que açoitavam sua alma.
Também não revelou a sensação que tinha de que, se ele partisse, os dois
nunca mais se veriam. A moça apenas sorriu e abraçou-o com força.
Passaram o resto da tarde e toda a noite conversando e se amando. No dia
seguinte, antes de ir embora, ele a olhou demoradamente, como se quisesse
fixar aquele rosto angelical na memória para todo o sempre. Mesmo que não
ficassem juntos, jamais haveria outra mulher em sua vida.
Através da minúscula janela do quarto, Lisa viu o rapaz sumir pela estrada
de terra e caiu de joelhos, em prantos, rezando para que São Francisco
protegesse os passos e a vida de seu amado, e que o trouxesse de volta.
Sozinho, Adriano seguia perdido nos próprios pensamentos: "Não posso ficar
com ela querendo partir e não posso partir querendo ficar com ela. Preciso
serenar a mente e encontrar o caminho."
Lembranças de sua vida anterior à peregrinação mesclavam-se com as
revelações que havia tido em sonhos, com os anos de dedicação a Deus, com
seus dias ao lado de Lisa. Adriano não fazia apenas uma viagem até Assis, mas
também uma jornada interior buscando encontrar o caminho para sua alma.
Ao cair da tarde, quando ajeitou-se para dormir sob a copa protetora de uma
árvore, sentiu mais ainda a falta da jovem plebéia, e era nela que seus
pensamentos estavam quando o sono demorado finalmente chegou.
Depois de passar o dia rezando e mal tocar nos alimentos que a esposa do
estalajadeiro lhe trouxe, Lisa enrolou-se sobre o colchão duro e adormeceu,
pensando no monge e na falta que sentia de seus braços, do cheiro de sua
pele.
No andar de baixo, o casal proprietário da hospedaria conversava, e o
destino de Adriano e sua amada começava a ser definido:
— O que está dizendo, mulher? — perguntou o homem, achando que a

77
Coleção Amor e Sedução – 05
esposa estava delirando.
— Digo o que vi! Ela tem cabelos ruivos, que estão apenas pintados de
negro. Quando levei a refeição pude observar: as raízes são vermelhas!
— Por acaso você está insinuando que a moça pode ser a bruxa assassina do
jovem Campesinno?
— Isso mesmo. E se for, estamos ricos!
— Mas, e o padre? Será que ele é bruxo também?
— Duvido... mas o demônio pode ter se disfarçado de mulher e o pobre
homem nem percebeu!
— Não sei. Não podemos denunciar uma inocente... Por outro lado, 40
moedas de ouro são uma fortuna...
A mulher não respondeu. Conhecia bem o marido. Ele ia matutar sobre
aquilo durante um tempo e só depois resolveria o que fazer.
Em seu sono, Lisa estremeceu e Adriano enrolou-se mais no manto, como se
uma sombra negra e aterradora se aproximasse dos dois.
A sombra da morte.

François largou o texto e consultou o relógio. Já era hora de começar a se


preparar para o jantar com Francesca. Estava ansioso para saber que
desculpas a mulher ia dar para a pequena mentira que tinha contado.
****
Adrian recebeu o convite de Francesca com alegria. Faria bem a Liz sair um
pouco e ele estava curioso para ver o tal quadro que a amiga mantinha oculto.
Saiu da clínica um pouco mais cedo e não reparou no homem sentado no
banco de trás do táxi que passou por ele. Chegou em casa no mesmo instante
em que Vulko parava na porta da clínica e pedia ao motorista que o esperasse.
Na recepção, o assassino perguntou pela moça e foi informado de que ela
havia recebido alta. O único endereço que eles tinham era o do hotel.
— Ela já saiu de lá... e eu preciso encontrá-la. Sou amigo da família e os pais,
sabendo que eu ia passar férias na cidade, me pediram para lhe entregar algo
muito importante.
— Bem... Eu não sei onde ela está — disse a recepcionista —, mas vou lhe
dar o telefone do Dr. Hudson. Talvez ele possa ajudá-lo.
— Dr. Hudson?

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Coleção Amor e Sedução – 05
— O médico que tratou da senhorita Carter.
Vulko agradeceu e saiu. Com o telefone seria fácil descobrir o endereço do
doutor — afinal, algumas coisas se resolvem melhor pessoalmente. Entrou no
táxi e retornou ao seu hotel sentindo a adrenalina jorrar nas veias. Ele
conhecia aquela excitação muito bem. Ela sempre surgia quando estava
próximo de matar alguém.
****
Assis, com suas ruazinhas estreitas e calçamento de pedras, começava a se
despedir dos últimos raios de sol quando Marcello Tardizzi finalmente
encontrou-se com sua equipe. Mais descansado, ele não reagiu com irritação,
mas frustração quando soube das notícias:
— O carro foi encontrado a alguns quilômetros da cidade, abandonado —
informou um dos agentes. — Nosso pessoal já está lá, mas duvido que
descubram qualquer pista.
— E a identificação de quem o alugou? Já sabemos quem é?
— A locadora de veículos nos passou a identidade. Já checamos e ela é falsa.
Frederico avisou que a Srta. Carter e o namorado vão jantar com amigos esta
noite.
— Eles vão a um restaurante?!
— Não. Vão à casa de uma senhora chamada Francesca Tamborelli. Ligamos
para ela e, além dos dois, há mais um convidado para o jantar: François
Duvallier, um amigo da anfitriã.
— Não gosto que a signorina Carter fique zanzando por aí, mas também não
posso amarrá-la em casa. Mande Frederico e os outros ficarem de olhos bem
abertos. Cedo ou tarde o Sombra vai aparecer.
— Acha que ele se atreveria a tentar alguma coisa mesmo com nosso
pessoal por perto?
Foi o agente da Interpol quem respondeu:
— O homem já assassinou dois presidentes da república em países
diferentes onde havia batalhões de seguranças. Acha que alguns policiais o
intimidariam?
A pergunta ficou suspensa no ar sem que ninguém tivesse vontade de
responder.

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Coleção Amor e Sedução – 05
Vestindo um elegante costume escuro e usando um colar com várias voltas
de pérolas no pescoço, Francesca dava as últimas orientações sobre a mesa de
jantar quando a campainha tocou.
François tinha chegado.
A mulher respirou fundo, sabendo que teria de expor a verdade ao amigo.
Não havia padre algum interessado naquele texto. Ela havia usado essa
pequena mentira porque não queria revelar a François o que pensava sobre o
quadro.
Recebeu o homem com sorriso aberto e um abraço bem à moda italiana:
— François! Mas que prazer!
— Você está magnífica, Francesca! Precisa me contar que poção mágica usa
para manterá mesma aparência dos últimos doze anos.
Enquanto acompanhava a mulher, reparou nos magníficos objetos que ela
possuía, na elegância e bom gosto de sua casa, que com o tempo só havia
ficado melhor.
— Vejo que adquiriu novas peças.
— Uma coisinha aqui, outra ali... — ela disse, servindo uma bebida ao
francês.
— E seu amigo, o padre? Por que não pode estar conosco hoje?
Ela suspirou:
— Você sabe muito bem que eu menti, François! Pare de ficar tentando me
encostar na parede.
— Mas mentiu por quê? Eu não me recusaria a lhe fazer um favor.
— Não sei... Esta história tem mexido muito comigo.
— História? Que história? Do que está falando?
— Há muitos anos adquiri uma obra. Um quadro... Você já deve ter ouvido
falar. Chama-se Súplica do Coração.
François empalideceu.
— Você... Você o tem?! Como conseguiu manter isso em segredo? Essa é
uma daquelas telas que carregam consigo uma história inteira!
— Sim, eu sei. E justamente a história do quadro que me fez chegar até os
escritos de Marino Giacomidi.
— Eu posso ver o quadro? Por favor?
— Bem, como sabe, a pintura não está assinado e foi proscrita pelo Vaticano,

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Coleção Amor e Sedução – 05
que a considerou uma heresia. Isso sem falar nas escolas de arte da época...
— Sim. Sei de tudo isso, mas ainda não entendo...
— Para resumir, creio que Marino registrou em papel aquilo que o quadro
registra em imagem. Por isso quero tanto ler o texto que ele escreveu.
— Neste caso, aqui está sua encomenda.
Ele entregou um volume cuidadosamente embrulhado para presente, mas
Francesca não teve tempo de abrir o pacote. Adrian e Liz tinham acabado de
chegar.
— Queridos! Que bom ver vocês! — disse a mulher com um sorriso. —
Entrem. Quero que conheçam meu bom amigo François Duvallier. Ele acabou
de chegar de Paris.
Durante as apresentações, Adrian notou que o velhinho à sua frente não
tirava os olhos do cabelo ruivo de Lizbeth, como se estivesse diante de uma
aparição.
— Sente-se bem, senhor? — perguntou o rapaz, intrigado.
— Adrian é médico. Ele sempre pergunta isso para todo mundo — explicou
Francesca.
— Tem belos cabelos, mademoiselle — elogiou François, sorrindo para
Lizbeth.
— Obrigada. Minha mãe diz que é herança de nosso passado pagão. —
brincou a moça.
— Que passado pagão? Não sabia disso... — Adrian olhou-a, surpreso.
— A família de minha mãe é de origem européia. O sobrenome original
perdeu-se com os casamentos que foram acontecendo de geração em geração.
Minha mãe dizia que nossa família é muito, muito antiga e que tivemos alguns
antepassados queimados nas fogueiras.
— Você nunca comentou nada...
— Porque nunca levei essa história muito a sério — justificou ela.
François calou-se e Francesca desviou o assunto:
— Seu acompanhante, querida... Ele também veio?
— Oh. Sim. Agora são três. Parece que o assassino chegou à cidade e a
polícia reforçou a vigilância...
— Do que estão falando? — quis saber François.
Adrian resumiu a história e o francês, mais uma vez, olhou para Lizbeth de

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Coleção Amor e Sedução – 05
modo estranho:
— Então mademoiselle é a tal testemunha misteriosa? Mon Dieu!
— Na verdade, não sou testemunha de nada. Apenas trombei com o homem
e acabei perdendo a memória.
A jovem contou o resto da história, explicando inclusive como ela e Adrian
haviam se conhecido e se apaixonado.
— Ah, l’amour... Sempre nos pregando peças, não é mesmo?
— Com certeza. Mas, sobre o que falavam quando chegamos? — perguntou
Adrian.
Francesca trocou um rápido olhar com o francês e o homem respondeu:
— Uma história que ocorreu séculos atrás, envolvendo um texto antigo, uma
tela que o Vaticano amaldiçoou e um caso de amor que, sinceramente, ainda
não sei como terminou.
— Fala do quadro Súplica do Coração? Liz me contou sobre ele. Eu gostaria
muito de vê-lo, Francesca.
— E eu também — ecoou François.
— Depois do jantar. Agora, vamos comer que estamos na Itália! — disse
Francesca, levantando-se e olhando para François como quem diz: linguarudo!
O homem sorriu e a seguiu até a sala de jantar, ansioso para provar as
delícias que as mãos da cozinheira haviam preparado.
Enquanto jantava, ele começou a matutar. Talvez tudo não passasse de uma
grande coincidência, mas a moça de cabelos vermelhos chamava-se Liz,
versão saxônia de Lisa, e estava apaixonada por um homem, Adrian... Adriano,
em italiano. Alguém queria matá-la e o rapaz estava ajudando a protegê-la... O
francês conhecia aquela história muito bem!
— Acredita em reencarnação, senhorita? — ele perguntou de supetão,
pegando a moça de surpresa e fazendo Francesca engasgar com o vinho.
— Bem... eu não sei. Acho que nunca pensei muito sobre isso. Por que
pergunta?
— Tenho bastante idade, minha cara, e os velhos tendem a achar que tudo
nesta vida é uma imensa e constante repetição. Perguntei apenas por
curiosidade.
Mas Francesca, por alguma razão que apenas sua intuição sabia, teve
certeza de que François pensava o mesmo que ela: Lizbeth Carter e a moça do

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Coleção Amor e Sedução – 05
quadro eram a mesma pessoa.

Vulko encontrou com facilidade a casa do médico. Depois de caminhar pelas


imediações, teve certeza de que não havia segurança alguma ali e, pulando o
muro do jardim, entrou por uma janela lateral.
Não sabia exatamente por que estava se dando àquele trabalho, quando
poderia resolver tudo por telefone, mas seu instinto lhe dizia que o tal doutor
Hudson guardava segredos em casa e que não lhe daria uma informação
sequer sobre Lizbeth Carter.
Usando uma lanterna de mão, deu uma olhada pela casa e, quando chegou
ao quarto, sorriu. Sua intuição nunca falhava. Encontrou os pertences de Liz e,
na escova de cabelos do banheiro, vários fios ruivos e compridos lhe deram a
certeza de que estava no lugar certo.
Então era ali que ela se escondia.
A falta seguranças o intrigou. Por que a polícia não estava vigiando a casa?
Aquilo não fazia sentido, uma vez que Vulko sabia que sua presença na cidade
era conhecida.
Saiu da mesma forma que entrou, tomando o cuidado de deixar tudo
exatamente como estava.
Assim que começou a caminhar, pressentiu que alguém o seguia. Esgueirou-
se pelas ruas escuras e se ocultou em meio às sombras.
O policial que vigiava a casa tinha visto o homem entrar e sair, e só então foi
atrás dele. Seguindo as ordens de Tardizzi, pediu reforços antes de iniciar a
perseguição.
Vulko, experiente e treinado, aguardou o rapaz se aproximar. De onde
estava possuía visão privilegiada da rua e as sombras o protegiam. Quando
seu perseguidor estava a alguns metros de distancia, ele sacou a arma.
O tiro certeiro e abafado pelo silenciador fez o jovem tombar sem emitir um
único som. Vulko retomou sua caminhada, afastando-se apressadamente.
****
Toda a calma que Tardizzi demonstrara naquela tarde evaporou-se como
água no calor do deserto. O inspetor estava espumando de raiva, enquanto
esperava pela ambulância.
Para ele, aquele era um caso difícil de resolver. Para o destino, aquele era

83
Coleção Amor e Sedução – 05
um caso que há séculos esperava uma solução.

Após o jantar, Francesca conduziu os convidados de volta à sala, onde


poderiam tomar o café mais confortavelmente. Embora o assunto fosse outro,
mais uma vez François retornou ao tema, desta vez de forma direta:
— A senhorita disse que sua família é muito antiga. E a sua, Dr. Hudson?
— Engraçado o senhor perguntar... — respondeu o médico. — Na verdade, é.
Meus bisavós paternos eram italianos, mas, assim como aconteceu com Liz, o
sobrenome perdeu-se com o tempo e os casamentos.
— Você tem sangue italiano? Por que nunca me disse? — perguntou
Francesca um tanto indignada.
— Não sei... Realmente é uma boa pergunta. Acho que nunca dei
importância para nisso...
— Quando podemos ver o quadro? — François estava aflito.
— Agora, se quiserem. Acho que nunca tive tantas visitas em meu quarto de
uma só vez. — Francesca se levantou e os outros a seguiram.
Quando os painéis de madeira correram e a pintura surgiu, François soltou
uma interjeição de espanto e Adrian sentiu o coração parar.
A cena mostrava uma estrada de terra entrando na floresta. No canto
esquerdo, caída ao chão, uma jovem completamente nua sangrava ao lado de
uma lança partida. O rosto dela lembrava demais o de Lizbeth.
Seus cabelos vermelhos espalhados pelo chão pareciam ter sido cortados de
modo grosseiro, enquanto seus olhos, profundamente verdes, fitavam o monge
de joelhos a seu lado. O rosto da moça, pintado com uma incrível riqueza de
detalhes, expressava amor, sofrimento e perdão, enquanto seus braços se
estendiam na direção do homem, como se rogando para que ele a tocasse.
O rosto do monge não podia ser visto. Ele estava coberto por um manto
escuro e puído, e apenas seus braços apareciam. Braços fortes, vigorosos,
unidos em posição de súplica, enquanto sua cabeça não se voltava para o céu,
mas para a jovem que agonizava.
Havia tal força naquela pintura que era impossível olhar para ela e
permanecer indiferente.
— Súplica do Coração. É como a tela ficou conhecida. Seu nome original
ninguém sabe.

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Coleção Amor e Sedução – 05
— Mas dá para entender por que o Vaticano amaldiçoou a obra. Mulheres
nuas e extremamente belas ao lado de monges não é exatamente o que se
espera ver numa pintura religiosa — comentou François, e acrescentou: — O
quadro é simplesmente maravilhoso. Os olhos da moça, a expressão das mãos
do monge... Deus, como é lindo! E como a ruiva se parece com você,
mademoiselle!
— Lembra mesmo, não? Talvez sejam os cabelos, ou os olhos... — Liz não
sabia o que dizer.
Adrian estava calado. Não sabia explicar por que, mas a cena mexeu
profundamente com ele. Era como se pudesse sentir a mesma dor do padre ao
ver a jovem morta. Com certeza eles eram amantes e o pobre homem devia
estar sofrendo as penas do inferno naquele momento. Além disso, o rosto da
moça, suas feições... Ela era idêntica a Liz!
— O que acha, Dr. Hudson? — perguntou François, observando atentamente
as reações do rapaz.
— Que o padre sofre e que ela, de alguma forma, lhe diz que a culpa não é
dele. Há perdão no olhar da pobrezinha e um sofrimento imenso nas mãos
dele. Incrível... É como se eu sentisse a dor dele em meu coração.
— Adrian! — Liz abraçou-o com carinho.
Mas o médico estava perturbado, emocionado e de tal forma envolvido com
a cena que não conseguiu se calar:
— O monge nunca mais teve paz. Viveu amargurado até o último dia de
vida. Aquela mulher foi seu grande amor, o único que jamais teve... e por sua
culpa morreu de forma horrível...
— Adrian! Pare! — pediu Lizbeth. — O que há com você? Por que está
dizendo essas coisas?
— O nosso caro doutor está tendo uma espécie de "Síndrome de Jerusalém"
— explicou François. — Uma profunda identificação com a pintura deve estar
produzindo essas reações. Ele julga sentir o que os personagens sentem.
Chamam isso de "Síndrome de Jerusalém" porque muitas pessoas, depois de
visitarem a Terra Santa, começam a alegar ter visto os Apóstolos, Nossa
Senhora e mais uma infinidade de coisas, apenas por influência do lugar.
— Delírios? — perguntou Lizbeth, assustada.
— Não... Apenas uma experiência imaginativa — concluiu François.

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Adrian, parecendo acordar de um transe, desviou os olhos do quadro e,
fitando intensamente a garota, pediu:
— Não me deixe nunca. Por favor.
— É melhor voltarmos para a sala — disse Francesca, correndo o painel e
ocultando a pintura. — Vou pegar um conhaque para você, Adrian. Sei que está
precisando.
François deixou que os jovens seguissem na frente e puxou Francesca pelo
braço:
— Creio, minha cara, que há mais aqui do que uma simples síndrome. Estes
dois jovens têm mais em comum do que podemos supor.
— Do que está falando?
— Ainda não terminei de ler o texto de Giacomidi, mas digo-lhe que sua
pintura é o retrato da narrativa.
— Acha mesmo? Então as pessoas no quadro são...
— Adriano Lucchesi e Lisa Torino, que na minha opinião também são Adrian
Hudson e Lizbeth Carter. E não me peça para explicar e nem me olhe como se
eu estivesse louco! Não sei por que digo isso, mas eu tenho certeza.
Francesca nada disse. Apenas olhou demoradamente para François e
concordou com a cabeça.

Capítulo Viii
O resto da noite na casa de Francesca transcorreu em clima de
tranqüilidade, apesar de haver um certo peso no ambiente. Adrian ainda
sentia-se ligado à pintura e tinha certa dificuldade para acompanhar a
conversa, que agora girava sobre as diversas ocasiões em que Francesca e
François haviam disputado obras de arte em leilões mundo afora.
Alegando cansaço, Adrian acabou indo embora com Lizbeth, seguido por
Frederico e seus colegas. Quando ficaram sozinhos, Francesca encarou o
amigo:
— Agora me conte tudo. Sei que está doido para falar.
— Ainda tem daquela torta maravilhosa servida no jantar?
Francesca riu e, pegando o homem pelo braço, o conduziu até a cozinha.

86
Coleção Amor e Sedução – 05

Adrian e Liz encontraram Marcello Tardizzi esperando por eles em frente à


casa. O homem explicou o que tinha acontecido e pediu ao casal que olhasse
com atenção para ver se algo havia sido levado.
— Foi o tal Sombra? — perguntou Adrian, assustado.
— Ele mesmo. Matou um de meus homens na fuga. Eu lamento, mas terão
que sair daqui. O lugar não é mais seguro para vocês.
— E até quando vai isso? — perguntou Lizbeth. — Vamos ficar fugindo pelo
resto da vida?
— Não, signorina. Só até pegarmos o assassino.
— Pois eu cansei de fugir! Isso não é justo!
— Liz... o inspetor tem razão. É melhor ficarmos uns dias em outro lugar...
— Vocês ficarão no mesmo hotel que nós — sentenciou Tardizzi, feliz por ver
que ao menos o médico tinha bom senso.
Contrariada, a moça arrumou suas coisas e partiu para o novo endereço.
Adrian afagou-lhe os cabelos:
— Tenha calma, Liz. Logo a polícia prende o homem e nós estaremos livres.
— Aqui é a Itália! Sabe qual é a fama da polícia daqui? — cochichou para ele.
Adrian não respondeu. Realmente a polícia italiana não gozava de muito
prestígio, mas isso não significava que fosse ineficiente. Alem do mais, ele
tinha outra preocupação no momento: não conseguir esquecer a pintura e as
emoções que ela havia lhe despertado.

Depois de comer dois generosos pedaços de torta e tomar um café recém-


passado, François começou a falar. Contou a Francesca sobre a necessidade
que sentiu de ler a história de Marino e sobre a coincidência do telefonema
dela.
Em seguida, comentou suas suspeitas em relação a Liz e Adrian.
— Eu entendo o que está dizendo, François. A primeira vez que vi a garota,
corri de volta ao quadro... Algo me dizia que eram a mesma pessoa.
— Terá mais certeza ainda depois que ler a história.
— Conte-me até o ponto que você leu. Assim economizo tempo.
François começou o relato e, conforme ia falando, os olhos da amiga iam
adquirindo um brilho estranho, quase de reconhecimento.

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Coleção Amor e Sedução – 05
— Esta Catarina Arizzi... Você pesquisou sua existência?
— Confesso que não tive tempo... Fiquei completamente absorto pela
história.
— Bem, faremos isso depois. É que me identifiquei muito com ela, entende?
Ele fez que sim e continuou a narrativa até o ponto em que tinha parado.
— Então o jovem monge deixou a pobrezinha em uma estalagem e veio
sozinho para Assis? Com a Inquisição procurando por ela? Que loucura! —
exclamou Francesca.
— Ele estava perdido, cheio de dúvidas. De um lado, o amor de sua vida. De
outro, a vocação religiosa. E era o século XIV. As pessoas tinham uma certa
tendência ao exagero naquela época...
— Mas e depois? O que aconteceu?
— Não sei, só cheguei até este ponto. Mas o texto está aqui... podemos ler
juntos, se você quiser.
— Se não o conhecesse, diria que está me cortejando.
— Querida, eu já passei dessa idade. Mas confesso que a idéia não me é
desagradável...
De braços dados, voltaram para a sala onde Francesca havia deixado o
presente de François e, sentados lado a lado, começaram a ler o desfecho da
história.
****
Vulko, que jamais dormia cedo, sentiu-se incrivelmente cansado aquela
noite. Talvez pelo fato de quase ter sido apanhado, ou talvez ele já estivesse
tempo demais naquele serviço e fosse hora de parar.
O assassino estava rico e sua verdadeira identidade, desconhecida das
agências de investigação, poderia voltar a ser usada a qualquer momento.
"Talvez eu vá para o Caribe. Ou Brasil. Dizem que a policia de lá é ainda pior
que a da Itália", pensou, enquanto se deitava. "Mas antes, um último trabalho:
livrar o mundo da bisbilhoteira Lizbeth Carter."
Vulko sabia que não precisava mais matá-la, uma vez que a polícia tinha
obtido sua foto, mas ceifar aquela vida tinha se tornado uma questão de honra.
Algo naqueles cabelos vermelhos e olhos verdes evocavam uma sensação
indescritível em sua alma.
Súbito, o rosto de Liz surgiu em sua mente e, para surpresa de Vulko, ele

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Coleção Amor e Sedução – 05
teve uma ereção. "Me aguarde, querida. Vou lhe mostrar um pouco de meu
sangue búlgaro antes de dar cabo de você", pensou e logo em seguida caiu no
sono.
O assassino começou a sonhar. Há anos aquilo não acontecia.
No sonho, ele era um nobre italiano e Lizbeth uma escrava em sua casa.
Vulko estava obcecado por aquele corpo perfeito, aqueles olhos cintilantes e
cabelo de fogo. Desejava a moça com ferocidade. Queria agarrá-la, mordê-la,
violentá-la até saciar a fome que o consumia. De repente, o homem que o
salvara na infância apareceu no sonho, implorando para que Vulko partisse e
deixasse a moça em paz. Mas ele não o ouviu e continuou a perseguir sua
presa até finalmente dominá-la...

— Aquele quadro me perturbou. Quando vi a jovem morta, o olhar dela... e


as mãos em súplica do monge... não sei explicar, mas tive a sensação de que
aqueles dois éramos nós! — disse Adrian de repente, acariciando os cabelos de
Liz. — E ela se parece tanto com você!
Estavam deitados com as luzes apagadas e a luminosidade que se infiltrava
pela janela definia suas silhuetas.
— É um quadro forte. Também me impressionei quando vi...
— E depois, aquela conversa do amigo de Francesca sobre reencarnação...
Lizbeth o beijou com carinho.
— Era só uma pintura, querido. Marcante, sem dúvida, mas só uma pintura.
Ela colocou as mãos do rapaz em seus seios e completou:
— Estes somos nós, aqui e agora. E nada neste mundo poderá nos separar.
O rapaz a agarrou e beijou com paixão, lutando para esquecer o que sentia.
E assim que Liz o envolveu em seus braços, o mundo desapareceu, restando
apenas os dois e o amor que os unia.

Enquanto isso, na casa de Francesca, a leitura continuava: Quando Adriano


acordou já havia amanhecido. O ar estava frio e úmido, indicando que o
inverno se aproximava rapidamente. Mal havia dado alguns passos na estrada
quando uma carruagem passou por ele e parou. O monge olhou desconfiado
para o bem vestido cocheiro que se aproximava. Quem seria?
— A bênção, padre. Meu senhor pergunta se está indo para Assis e, caso

89
Coleção Amor e Sedução – 05
esteja, se gostaria de partilhar o resto do trajeto conosco.
— Deus o abençoe, irmão. Sigo para Assis, mas não quero causar incômodo.
O empregado voltou à carruagem, transmitiu o recado e em seguida
retornou até o monge:
— Meu senhor insiste que viaje conosco. Ele diz que quer lhe falar sobre
questões pessoais...
Adriano não entendeu bem, mas acompanhou o homem. O quanto antes
chegasse em Assis, melhor. Assim Lisa não ficaria tanto tempo sozinha.
Preparou-se para subir ao lado do cocheiro, mas este não deixou:
— O senhor seguirá junto com meu senhor, padre.
A porta da carruagem se abriu, revelando seu interior luxuoso e bem
cuidado. Adriano sabia que não cheirava bem e que não seria agradável ao fino
cavalheiro partilhar de sua companhia, mas não teve outro jeito a não ser
aceitar.
Usando trajes sofisticados, o homem nem sequer o olhou quando ele entrou.
Estava olhando pela janela e Adriano não conseguiu ver-lhe o rosto.
— Agradeço sua bondade, irmão. Que Deus o abençoe.
O homem voltou-se para ele e sorriu. Adriano viu o rosto redondo, de amplas
bochechas, de lábios grossos e olhos escuros, e murmurou:
— Não é possível... É você mesmo?
— Como você cheira mal, homem! Não toma banho nunca? E essa barba e
cabelos não devem ver um pente há anos!
— Marino!! Meu Deus, é você mesmo?
— Em pessoa! E, pelo visto, em condições bem melhores que você!
Emocionados, os dois homens se abraçaram com força.
— Deus, você parece um gambá, Adriano! Sua mãe ficaria horrorizada se o
visse!
— Como vai ela? E meu pai, meus irmãos? E você, o que está fazendo aqui?
Não me diga que virou religioso!
— Na verdade, estou indo cumprir uma promessa por outra pessoa. Minha
irmã Beatrice, lembra-se dela? Teve problemas com o filho mais novo e
prometeu que, se o menino se curasse, ela viria a Assis e deixaria no altar uma
peça de roupa do garoto. Como está para dar à luz e não pode viajar, adivinhe
quem ficou incumbido da missão?

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Coleção Amor e Sedução – 05
— Só assim mesmo para você pisar numa Igreja! Mas me conte as
novidades, quero saber de todas!
Suspeitando que além de precisar de banho o amigo também precisava de
alimento, Marino passou-lhe uma cesta com guloseimas e, enquanto via o
outro devorar os pãezinhos confeitados, colocou Adriano a par de tudo sobre
sua família e conhecidos. A mãe andara adoentada, mas havia melhorado, seus
irmãos e irmãs estavam todos casados e o pai, após sofrer uma queda de
cavalo logo após a partida do rapaz, agora andava com o auxílio de uma
bengala. De resto, todos bem e felizes.
— Sua mãe sente muito sua falta, amigo. Sempre que a vejo ela me
pergunta se tive notícias suas. Não pretende retornar mais à sua casa?
— Há tanto para lhe dizer, meu amigo. Tanto. Estes últimos três anos
parecem que foram trinta, tamanhas as experiências e situações pelas quais
passei. E quando achava que nada mais podia me alterar o caminho, Deus me
colocou diante de uma encruzilhada.
— Como assim? O que aconteceu com você?
— Apaixonei-me.
Primeiro Marino pareceu não entender o que o amigo disse. Então
lentamente, um brilho de compreensão tomou conta de seus olhos e ele
explodiu numa gargalhada. Quando finalmente se acalmou, pediu:
— Conte tudo, mas do começo, do momento em que largou sua família para
andar fedorento por aí.
Adriano narrou tudo o que havia ocorrido nos últimos anos. Quando chegou à
história de Lisa, foi interrompido:
— Eu conheço a família Campesinno, embora nunca vi Sandro pessoalmente.
A fama do homem, entretanto, fala por si. Ele era escória, meu amigo. Não
tinha caráter e nem respeito pelo que quer que fosse. Está melhor morto do
que vivo.
— Você é a segunda pessoa que diz isso.
— Contudo... O pai está obcecado para pegar a mulher que o matou. Há uma
grande confusão por causa disso e... Bem, você sabe que não sou muito
religioso e Deus me perdoe se cometo uma heresia, mas pior do que a mulher
que tirou a vida daquele crápula são os assassinos que a perseguem. Mas,
desculpe... Eu o interrompi. Continue, por favor.

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Coleção Amor e Sedução – 05
Com um tom de voz mais intimista, parecendo falar mais para si mesmo do
que para o outro, Adriano contou-lhe o que tinha ocorrido até o momento em
que saiu da miserável estalagem onde Lisa o aguardava.
Marino ficou longos minutos em silêncio, até que, por fim, perguntou o que o
monge pretendia fazer.
— Tenho pensado nisso há dias. Casar-me com Lisa significa retornar à casa
de meu pai, trabalhar, constituir família. Só que eu tinha dedicado minha vida
ao trabalho de Deus. Estou indo a Assis aconselhar-me porque sinceramente
me sinto em uma terrível encruzilhada.
— Não é seguro deixar a moça sozinha, Adriano. Vamos a Assis, você fala
com seu conselheiro, eu cumpro a promessa de Beatrice e voltamos juntos
para buscar sua companheira. Assim será mais rápido e seguro. Os homens de
Campesinno não se atreveriam a parar minha carruagem.
— Não sei como lhe agradecer, Marino. Você é mesmo o melhor amigo que
um homem poderia ter.
— E ainda por cima tomo banho!

A mulher do estalajadeiro, ansiosa, aguardava que o esposo tomasse uma


decisão sobre chamar os homens para prender a ruiva e receber a
recompensa. Mas seu marido não parecia muito disposto a fazê-lo.
E se a moça fosse inocente? E se, depois de entregá-la, o fidalgo não os
pagasse? Seu estabelecimento ficaria com má fama e nenhum dos pobres
miseráveis que costumavam dormir ali voltaria.
— Não sei... — disse, coçando o queixo barbado. — Precisamos ter certeza
de que é ela mesmo.
Irritada e cheia de ganância, a mulher disse que descobriria a verdade. Fez o
marido prometer que, caso Lisa fosse mesmo a procurada, ele a entregaria.
Usando de uma desculpa qualquer, ela bateu à porta da jovem e a
convenceu a sair do quarto para que pudesse arejá-lo.
— Vá dar uma volta lá embaixo. Se não quiser ficar no salão, desça a escada
e vire à direita. Há uma porta que leva aos fundos da casa. Saia para caminhar
um pouco. Vai lhe fazer bem.
Lisa olhou-a com gratidão e inocentemente seguiu as instruções. Assim que
pisou fora da casa, o filho mais velho da proprietária virou-lhe uma tina cheia

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Coleção Amor e Sedução – 05
de água na cabeça, deixando-a ensopada da cabeça aos pés.
Lisa soltou um grito e xingou o menino. A mulher, que tinha planejado a
armadilha, correu até o local e encontrou a jovem ainda atônita.
— O que houve com você? Quem fez isso? — ela perguntou.
— Eu não sei... Saí como a senhora disse e então alguém... Oh, meu Deus...
Lisa empalideceu visivelmente. Acabara de se lembrar que um dos sintomas
de sua pretensa doença era não conseguir falar. Apavorada, encarou a mulher
e só então percebeu o pior: Com a água, a tinta de seus cabelos começou a
escorrer, deixando à mostra a cor vermelha.
Sem saber o que fazer e encharcada até os ossos, ela correu para dentro de
casa, com a mulher em seus calcanhares.
— Deixe que eu ajudo — dizia a estalajadeira. — Fique tranqüila que seu
segredo está bem guardado comigo.
Tremendo e sem outra opção, Lisa confiou na sinceridade daquelas palavras.
Conforme a mulher enxugava os cabelos dela, o resto da tinta escura ia saindo
e revelando cada vez mais o ruivo original. "Menina tola'', pensava a traidora.
"Graças à sua inocência ficaremos ricos!"
Assim que terminou o trabalho, a víbora trouxe uma muda de roupas secas e
deu-lhe um prato de sopa quente. Então, sem que Lisa percebesse, ao sair do
quarto trancou a porta por fora.
— Pronto! Agora é só fazer chegar aos cavaleiros que temos a bruxa aqui! —
ela disse ao marido, já antecipando o que faria com a recompensa.
— Pense bem, Maria. Não é prudente atrair a atenção do Santo Oficio sobre
nós...
— Deixe de ser burro, Antônio! Esta é uma chance única! De que outra
forma gente como nós poderia conseguir tanto dinheiro?
— Vou pensar, vou pensar — disse ele, afastando-se.
Mas Maria não tinha o que pensar. Despachou o filho mais velho a Assis com
a recomendação de que não parasse para nada no caminho e explicou ao
rapaz exatamente o que fazer. Com sorte, em três ou quatro dias, quarenta
moedas de ouro estariam tilintando em suas mãos.
Por questão de segurança, achou melhor não dizer nada ao marido.
"Enquanto ele pensa, eu deixo a família rica", pensou consigo mesma e foi
cuidar da vida.

93
Coleção Amor e Sedução – 05

— Cansado? — perguntou Francesca notando que François parecia abatido.


— Bastante. Foi um dia longo...
— Por que não continuamos amanhã? Afinal, isso já aconteceu há quase 700
anos. Acho que pode esperar mais um pouco.
Ele riu.
— Vou acordar Maurice. Deve estar roncando no carro.
— Bobagem! Durma aqui. Seu motorista já está num quarto de hóspede e o
carro na garagem. Não pensou mesmo que eu fosse deixá-lo voltar ao hotel,
não é?
François apenas sacudiu a cabeça. Estava exausto demais para discutir.
— Amanhã faremos um belo desjejum e retomaremos o texto — disse a
mulher acompanhando o amigo até seus aposentos.
François, cansado como estava, nem quis parar para admirar quadro que lhe
pareceu um autêntico Rubens. Jogou-se na cama adormeceu em seguida.
Não viu Maurice entrar, tirar-lhe os sapatos e cobri-lo. Naquele momento, ele
sonhava com Adriano Lucchesi e Lisa Torino, cujas vidas já se misturavam à
sua.
****
Adrian acordou cedo, muito cedo. Tinha dormido mal, com sonhos
carregados de pesadelos, todos evocados por aquela pintura misteriosa.
Com todo o cuidado para não acordar Lizbeth, que dormia profundamente,
tomou seu banho e saiu do quarto, deixando um bilhete sobre o travesseiro
dizendo que a amava e que ligaria mais tarde.
A moça estava segura e protegida. Afinal, tinha pelo menos uma dúzia de
policiais espalhados pelo hotel.
O salão de refeições estava praticamente vazio, à exceção de Tardizzi e de
um outro moço muito bem vestido que Adrian soube tratar-se de um agente da
Interpol.
— O senhor nunca dorme? — perguntou ao inspetor.
— Terei tempo para dormir depois. Agora tenho trabalho a fazer. Onde está
a signorina Carter?
— Dormindo. Não quis acordá-la...
— Está indo trabalhar, suponho? — Tardizzi o observava com olhos cansados

94
Coleção Amor e Sedução – 05
e marcados por olheiras. — Um de meus homens vai acompanhá-lo.
— Não é necessário. Eu sei cuidar de mim, inspetor.
— Sua casa foi invadida ontem e um de meus homens foi morto, Dr. Hudson.
Sabe o que isso significa? Que o romance que está mantendo com sua paciente
já foi descoberto pelo Sombra. O senhor se tornou um alvo tanto quanto ela.
Adrian se calou. O homem estava certo, é claro, mas a idéia de andar com
um policial a tiracolo não lhe agradava.
Terminou seu café em silêncio e saiu. Durante todo o trajeto foi seguido por
um carro bege, dirigido por um rapaz alto e bastante sério. Quando Adrian
finalmente entrou na clínica o rapaz fez o mesmo.
— Vai ficar colado em mim aqui também? — perguntou o médico.
O policial riu e respondeu:
— Ordens são ordens!
Fora da clínica, um homem fazendo-se passar por mendigo observava a cena
sentado no meio-fio da calçada. Ele ficaria ali até que Adrian saísse e então
seguiria atrás. Vulko Mladenov não media esforços quando se tratava de
executar uma vítima.

Francesca, que acordava com as galinhas, conforme ela mesma dizia, já


estava em pé quando François apareceu para o café da manhã. Cheia de
energia e vitalidade, olhou para o amigo e achou-o abatido:
— Você não me parece muito bem, François.
— Ainda estou me refazendo da viagem, só isso. A propósito, achei
magnífico o quadro que está em meu quarto!
A mulher sorriu envaidecida, como se o elogio fosse a ela e não à pintura.
— Tinha pensado em irmos até a Basílica, mas não sei se você gostaria...
— Passear numa bela manhã com esta, ao lado de uma mulher como você?
O que poderia dar mais prazer a um francês, minha cara?
"Falar mal do governo", pensou ela, mas apenas sorriu.

Capítulo Ix
Construída no final do século XIII para receber os restos mortais de São

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Coleção Amor e Sedução – 05
Francisco, a Basílica de Assis causa verdadeiro fascínio a quem tem o privilégio
de conhecê-la. Aproveitando o declive natural da montanha, a construção se
projeta esplendorosa sobre o Monte Subásio.
Apesar de deslumbrante na arquitetura externa, nada se compara aos
tesouros artísticos que ela guarda em seu interior. E era justamente isso que
Francesca e François estavam fazendo: admirando a riqueza dos afrescos de
Giotto, pintados oito séculos atrás.
— Cada vez que venho aqui penso em quantas coisas estas paredes já
presenciaram... — confidenciou Francesca.
— Quantos Adrianos e Lisas teriam passado por elas? É isso que quer dizer?
— Também. Lizbeth me confidenciou que desde criança tem verdadeira
fixação em tudo que se relaciona com São Francisco e os monges franciscanos.
O homem não respondeu e ela continuou:
— Adrian também. Parece que teve um sonho quando garoto ou algo
assim...
François esperou ela verbalizar o que lhe ia à alma:
— Sei que minha religião não aceita o que vou dizer, e eu sou muito
religiosa, como você sabe... Mas também não sou cega. Eu lido com an-
tigüidades e obras de arte, e acontecem muitas coisas estranhas neste ramo,
não é verdade?
— Muitas mesmo... — concordou ele.
— A noite passada, depois que nos recolhemos, fiquei pensando sobre o que
você falou... sobre Lizbeth ser Lisa Torino.
— Sim?
— Bem... Eu não consigo deixar pensar que você está com a razão!
— É só um palpite, nada mais. É que são tantas coincidências...
— Um amigo sempre me diz que não existem coincidências... que elas
apenas são sinais de coisas que ainda não conseguimos entender.
— O psiquiatra Carl Jung falou a mesma coisa... Mas muitas pessoas não o
levam em consideração, você sabe.
Ela não respondeu. Apenas continuou caminhando, admirando as pinturas,
seus passos ecoando pelas paredes seculares.
— Se o quadro retrata o que aconteceu aos jovens amantes, então Adriano
não conseguiu salvá-la, não é? — Francesca continuava incomodada.

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Coleção Amor e Sedução – 05
— E você tem medo que a cena se repita... Que o tal Sombra dê cabo da
garota.
— Exato. Eu gosto dela, François. Gosto muito. Não sei explicar bem por que,
mas tenho um afeto imenso pelos dois.
— Confesso a você que também me sinto ligado a eles de alguma forma.
Interessante, não?
— Sabe o que eu acho? Que devemos voltar e terminar de ler o texto. Talvez
alguma coisa na tragédia do passado possa evitar que ela se repita no
presente.
Ele concordou. Estava se mordendo de curiosidade para saber o que havia
acontecido, afinal.

Liz acordou pouco depois que Adrian saiu para o trabalho. Leu o bilhete dele
e mandou-lhe um beijo em pensamento.
Sozinha no quarto demorou-se para levantar. O médico havia dito que
estavam acontecendo coisas demais e ele não conseguia processar tudo de
uma vez. Liz também se sentia assim, e como sentia que desde o dia em que
colocou os olhos em Adrian aquela sensação de estar buscando alguma coisa
desapareceu por completo. E sua estranha admiração pelos franciscanos havia,
visivelmente, arrefecido.
Não que tivesse deixado de admirá-los ou a São Francisco. Apenas sentia
que fosse o que fosse que sua alma procurava, ela encontrou no dia em que
conheceu o médico.
E também havia o quadro. Ele tinha mexido muito com seus sentimentos.
Ver uma mulher idêntica a ela, nua e ensangüentada numa pintura do século
XXIII era algo no mínimo assustador.
Claro que tudo podia ser apenas obra da imaginação, uma conseqüência do
tal stress pós-traumático que lhe roubara a memória, mas Lizbeth estava
convencida de que não.
"Por que aquele homem teria me perguntado se eu acredito em
reencarnação? E os olhares que ele e Francesca trocavam... Era como se os
dois soubessem de alguma coisa que eu também deveria saber", pensou com
seus botões.
Tentando não mergulhar demais em assuntos além de sua compreensão, a

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Coleção Amor e Sedução – 05
jovem se levantou, tomou banho e ligou para Francesca.
— A signora Tamborelli foi à Basílica com o signore Duvallier — informou o
empregado.
"Ir até a Basílica pode ser uma boa idéia... Estou mesmo precisando me
distrair um pouco." Liz saiu do quarto e olhou para o corredor. "Vazio",
suspirou. "Bela Proteção!".
Mal deu dois passos e surgiu um policial olhando desconfiado:
— Aonde vai, senhorita?
— Dar uma volta... Estava pensando em visitar a Basílica.
— Lamento, mas não pode sair sem autorização do inspetor Tardizzi.
— Como não posso sair? Então estou presa aqui? Isso é um absurdo!
— Lamento, signorina. Se quiser esperar alguns minutos, posso ligar para o
inspetor e ele decide.
Ela concordou com a cabeça e, enquanto o rapaz entrou no quarto para fazer
a ligação, Liz correu até a rua e entrou num táxi.
— Para a Basílica, por favor — disse ao motorista, que arrancou com o
automóvel no momento em que o policial chegava à porta do hotel. Ele ficou
olhando o veículo se afastar, soltou um palavrão e correu até seu carro para ir
atrás dela.

Adrian terminava de escrever a receita para um paciente quando seu celular


tocou. Aos berros, Marcello Tardizzi resumiu o que havia acontecido.
— Estou indo, inspetor.
— Não. Fique aí que nós cuidamos disso. Caso ela ligue, pergunte onde está
exatamente que iremos encontrá-la.
O médico terminou o atendimento, pegou as chaves do carro e saiu. Ao
passar pela secretária, mudou de idéia:
— Veio trabalhar de carro, Enrica?
— Si, signore.
Alguns minutos mais tarde, Adrian saía da clínica a bordo do pequeno Fiat da
mulher. Mais uma vez não reparou no mendigo que comia um pedaço de pão,
esparramado na calçada. O mendigo, contudo, não tirava os olhos dele.
****
A Basílica estava lotada aquela manhã. Vários ônibus trazendo fiéis

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Coleção Amor e Sedução – 05
acabavam de chegar, despejando um mar de pessoas na cidade. Liz misturou-
se a elas e seguiu com um grupo de turistas até a igreja.
Sabia que já havia estado ali antes de perder a memória, mas por mais que
se esforçasse não se lembrava de nada.
Desviou-se do grupo e entrou por um corredor que parecia mais vazio. O
som de seus passos ecoava no silêncio do ambiente sacro como batidas na
porta do infinito. Lentamente o som foi crescendo em sua mente, crescendo
cada vez mias, até que a moça sentiu uma forte tontura e foi obrigada a
sentar-se no chão.
Suando frio, Liz começou a perder os sentidos e imediatamente imagens
surgiram em sua visão interior: ela saindo do hotel em Roma, as ruínas do
Fórum, ela andando pela Casa das Vestais. Então, o som de tiros.
— Filha... Você não está se sentindo bem?
Liz ergueu o rosto e viu um monge olhando para ela com certa preocupação.
— Fiquei... um pouco zonza, padre... mas já estou melhorando.
— Quer que eu chame alguém?
— Meu namorado... Mas saí com tanta pressa que acabei esquecendo o
celular...
O padre sorriu e a levou consigo até uma pequena sala que servia de
escritório.
— Pode usar o telefone daqui, senhorita. Eu espero lá fora.
Liz sentou-se, ainda sentindo a cabeça rodar e ligou para Adrian. O celular
do médico tocou no momento em que ele chegava à Basílica.

Vulko, ao ver o pequeno Fiat passar, subiu na lambreta oculta em meio a


alguns arbustos e saiu atrás do médico. Estranhou quando ele pegou o
caminho da Basílica e mais ainda ao vê-lo entrar. Apesar do intenso movimento
de turistas, o assassino não deixou de notar quando vários policiais chegaram
e adentraram a construção por uma porta lateral.
Precavido como sempre, resolveu permanecer do lado de fora. Era muito
mais seguro esperar o doutor Hudson sair do que cair em alguma armadilha.

Antes que Francesca e François retomassem a leitura, a mulher tentou


retornar o telefonema de Liz, mas sem sucesso.

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Coleção Amor e Sedução – 05
— Não entendo. Ela não atende o celular, não está em casa... Vou ligar para
Adrian.
Contudo, o médico não se encontrava mais na clínica e seu celular estava
desligado.
— Tentamos novamente daqui a pouco — disse a italiana, mergulhando os
olhos no texto secular á sua frente...

Adriano chegou a Assis muito antes do que esperava e tanto ele quanto
Marino seguiram direto para a Basílica. Enquanto o companheiro se dirigia ao
altar principal para deixar a roupa do sobrinho, o peregrino caminhou pelo
lugar, admirando o tamanho e beleza das pinturas, absorvendo o ar de
santidade que permeava o lugar.
Perguntou a um atendente pelo monsenhor e foi levado à presença de um
homem de aspecto severo e profundos olhos azuis, que o recebeu com
educação. O eclesiástico que atendia pelo nome de Irmão Lúcio di Francesco
estava na casa dos 50 anos, tinha a cabeça praticamente raspada e não usava
barbas ou bigode.
Curioso pela aflição que via nos olhos de Adriano, ele indagou:
— Em que posso ajudá-lo, irmão? Pelo que parece, está em peregrinação há
muito tempo, não?
— Três anos, meu senhor. E vim em busca de orientação.
Lúcio, sabendo por experiência que antes de qualquer conversa uma pessoa,
levada pelo calor das emoções, tendia a exagerar nas cores de seus
sentimentos, aconselhou:
— Sugiro que tome um banho, coma, descanse e venha me ver. Um corpo
cansado leva confusão à alma. Tem onde ficar?
— Estou com um amigo que encontrei na estrada.
— Pois bem. Estarei á sua espera amanhã de manhã. Rezaremos juntos e
então poderá me contar o que o aflige.
O rapaz seguiu o conselho e retirou-se. Passou um bom tempo em frente ao
túmulo de são Francisco, rogando para que o santo protegesse sua amada
Lisa. Por fim, cansado, procurou pelo amigo e o encontrou à sua espera na
parte superior da igreja.
— Você pode se hospedar comigo — disse Marino. — Está precisando de um

100
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banho urgente. Aliás, com certeza o monsenhor mandou que voltasse amanhã
porque não agüentou seu cheiro.
Adriano sorriu, mas seu coração estava pesado. Queria resolver logo aquela
situação, mas como apressar as coisas da alma?
Lisa passou o dia encolhida na cama sem saber que estava trancada em seu
quarto. Apenas no começo da noite, quando precisou sair, deu-se conta do que
estava acontecendo: a mulher do estalajadeiro, com certeza atraída pela
recompensa, havia lhe preparado uma cilada e ela havia caído feito criança.
— Tola! Burra! — praguejou em voz baixa.
A porta do quarto era pesada e pela janela não havia como sair. Se gritasse,
seria pior, pois chamaria atenção de outras pessoas. Só lhe restava esperar
que alguém aparecesse trazendo comida e tentar escapar.
Durante o dia inteiro, Antônio observou a esposa. Casado há muitos anos,
conhecia aquela criatura bem demais para não desconfiar que algum plano
maquiavélico estava em andamento.
— O que aprontou, mulher? Diga!
— Ora... Por acha que aprontei alguma coisa?
— Onde está Alberto? Não o encontrei em lugar algum.
Maria empalideceu. Ela havia enviado o rapaz até Assis.
— Quero saber o que está havendo aqui!
Sem outra opção, ela contou o que havia feito.
— Você enlouqueceu? Eu disse para esperar...
— É nossa oportunidade de enriquecer, homem! E você demora demais para
se decidir! Agora é tarde. Alberto já deve estar quase lá.
Antônio soltou todo o seu repertório de palavrões, ameaçou a mulher com os
piores castigos, mas no final rendeu-se à situação. Se o garoto já estava
chegando em Assis não havia mais nada que pudesse fazer.
— Onde está a comida da coitada? Eu mesmo vou levar para ela.
— Por quê? O que pretende fazer?
Ele não respondeu. Pegou um prato, colocou um pouco de sopa fria e foi até
o quarto da prisioneira. Assim que abriu a porta, encontrou Lisa sobre a cama
olhando apavorada. Os cabelos, agora uma mistura de preto e ruivo, estavam
desalinhados, e pelo inchaço dos olhos ela havia chorado muito.
— Sua comida...

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Coleção Amor e Sedução – 05
— Por favor, senhor, não me tranque aqui! Não me entregue à Inquisição! Eu
imploro em nome de São Francisco! Tenha piedade!
O coração daquele homem duro e grosseiro partiu-se ao ouvir o desespero
na voz da moça.
— Por que... Por que você matou o filho de Campesinno?
— Ele quis me desonrar, senhor! Sei que sou apenas uma mulher e, pior
ainda, uma escrava sem direito de recusar os avanços de seu amo, mas eu não
pude suportar.
— O padre que a acompanha... Quem é ele?
— Apenas um homem santo e piedoso que consentiu em me ajudar.
Antônio olhou-a, pensativo. Linda como era, com certeza Sandro
Campesinno havia perdido a cabeça por ela. E se até um padre a estava
ajudando, quem era ele para julgar se a moça merecia ou não ser condenada?
— Por favor, me ajude!
— Preciso pensar. Preciso pensar! — ele respondeu, fechando a porta e
deixando Lisa ainda trancada no quarto.
A noite chegou fria e úmida, trazendo consigo um vento gélido que
assobiava pelas paredes da estalagem.

Longe de Lisa, limpo e alimentado, Adriano andava de um lado para outro,


ansioso pela conversa com monsenhor Lúcio. No fundo do coração ele sabia
que sua decisão já estava tomada, mas sentia necessidade de ouvir as
palavras que o homem com certeza lhe diria.
Caiu de joelhos e rezou com todas as forças, pedindo que Deus iluminasse
sua alma. Por fim, exausto, caiu na cama e dormiu.
Lisa acordou no meio da madrugada com o som da porta se abrindo. A
escuridão era total.
— Quem está aí? — perguntou, assustada.
— Shhh! Sou eu. Fale baixo — respondeu Antônio.
O sangue da moça gelou. O que ele queria com ela aquela hora da noite?
Assustada, pensando nas cenas de violência quando foi atacada por Sandro
Campesinno, preparou-se para o pior. E desta vez não tinha faca alguma para
se defender.
Antônio acendeu a vela que tinha nas mãos e fez um gesto para que ela o

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Coleção Amor e Sedução – 05
seguisse. Silenciosamente desceram as escadas e apenas quando julgou
seguro o homem sussurrou:
— Vá embora. Fuja o mais rápido que puder. Meta-se na floresta. Suba em
alguma arvore e fique ali até o dia clarear para livrar-se dos lobos. É só o que
posso fazer por você, menina.
Lisa o olhou, cheia de gratidão e espanto:
— Não sei como agradecer, senhor! Deus lhe pague!
— Agradeça nunca mais voltando aqui. E se for capturada, diga que fugiu
sozinha. Agora vá e leve isto para comer — disse, entregando a ela um pedaço
de pão.
A moça enrolou-se na capa de lã e sumiu na escuridão. Não enxergava um
palmo à frente do nariz, mas lembrava a localização da estrada. O frio da noite
gelava seus pés, que doíam horrivelmente. Não quis arriscar-se na floresta e
continuou caminhando pela estrada até sentir que as forças a abandonavam.
Não ouviu uivos e nem sons que denunciassem a presença de lobos por ali.
Durante horas avançou pelas trevas da noite, até que vencida pelo cansaço
tombou no chão e adormeceu.
E enquanto ela dormia, Alberto, o rapaz enviado a Assis pela mãe, batia às
portas do Santo Ofício. Os guardas não o deixaram entrar e mandaram que
voltasse no dia seguinte. Sem saber o que fazer e sem ter para onde ir, deitou-
se ali mesmo, no chão, e adormeceu.
****
Adrian encontrou Liz abatida e assustada com as memórias que começavam
a retornar.
— Você está bem? Que idéia maluca foi essa de fugir do hotel?
— Eu não fugi! Apenas quis ficar um tempo a sós... e esperar Francesca
voltar.
— O que Francesca tem a ver com isso?
Ela explicou.
Adrian olhou-a por alguns instantes sem saber o que fazer.
— Venha. Eu a levo até a casa de Francesca, mas antes vamos falar com a
polícia e dizer que você está bem.
— Lamento tê-lo preocupado, Adrian...
Ele sorriu:

103
Coleção Amor e Sedução – 05
— Pelo menos sua memória começou a voltar. Isso é um excelente sinal.
— Mas não consigo me lembrar de tudo...
— Relaxe, querida. Isso vai acontecer quando você menos esperar.
Estavam chegando ao estacionamento e o vento agitava os cabelos ruivos
da garota, dando a ela uma expressão extremamente sensual.
Vulko sentiu o coração disparar quando a viu. Diferente da primeira vez que
se encontraram, agora ele sentia um elo entre os dois, como se a jovem lhe
trouxesse lembranças de um passado que o assassino nem sequer conhecia.
O casal entrou no carro e partiu, seguido por Vulko em sua lambreta.
O búlgaro parou no começo da rua de Francesca, uma ladeira íngreme e,
fingindo que consertava alguma coisa na motocicleta, ficou observando seus
alvos. Ele também notou o carro da polícia que os acompanhava.
Adrian e Liz entraram na casa e algum tempo depois o médico sozinho.
Vulko sorriu o sorriso dos predadores.

Francesca interrompeu a leitura para receber a moça, que lhe pareceu


bastante agitada.
— Você está bem? — ela perguntou assim que Adrian saiu.
— Na verdade, não. Não consigo esquecer aquele quadro. Não sei explicar...
E algo me diz que você sabe mais sobre isso do que está me dizendo.
A mulher lançou um olhar para François, respirou fundo e respondeu:
— Sente-se, querida. Pelo visto, você teve uma noite agitada. O que
aconteceu?
Liz contou sobre o arrombamento na casa de Adrian, sobre o policial morto e
sobre a transferência deles para o hotel, mas não era sobre isso que queria
falar.
— Que horror! — exclamou a mulher, assustada.
— O que você sabe que eu não sei, Francesca? Por favor, não tente me
enganar.
Rendida aos fatos e com a ajuda de François a mulher disse a Liz o que
suspeitava.
— Absurdo! — disse a jovem. — Vocês estão deixando a imaginação ir longe
demais!
— Em que parte a senhorita acha que nos deixamos levar? — perguntou o

104
Coleção Amor e Sedução – 05
homem com gentileza.
— Sobre eu e Adrian sermos a reencarnação de Lisa e Adriano! Admito que
há uma coincidência de nomes e que eu me pareço com a garota do quadro,
mas é só.
— Há uma coincidência de situações também, não acha?
— E não matei ninguém!
— Mas viu alguém que matou. O perigo que corre é o mesmo.
Liz olhou de um para outro, sem entender muito bem o que queriam dizer.
— Este Adriano e a namorada dele... O que houve com eles? Quem eram,
afinal?
— Acomode-se, querida — disse Francesca. — É uma história e tanto...
Conforme os dois amigos relatavam para Liz acontecimentos de mais de
setecentos anos, Vulko elaborava os últimos detalhes de seu plano de ataque
retornando ao hotel.

— Nós o encontramos! — disse o policial entusiasmado frente a um inspetor


Tardizzi cada vez mais nervoso. — Está usando o nome de John Simons.
— Como sabe?
— As câmeras de segurança na clínica do Dr. Hudson. O Sombra esteve lá
perguntando pela senhorita Carter. Veja... Está disfarçado, mas é ele.
— Já sabe em que hotel está hospedado?
— Sim, senhor. O recepcionista o reconheceu.
— E o que estamos fazendo aqui? Vamos para lá agora!
Eles chegaram minutos antes do assassino. Ao ver as viaturas na porta, deu
meia volta com a lambreta e foi embora. Para sua sorte, jamais deixava em
hotéis qualquer coisa que pudesse identificá-lo e trazia a arma sempre consigo.
"Vou ter que terminar logo com isso", pensou, esquecendo seus planos
voluptuosos em relação a Lizbeth.
Sem tempo para agir metodicamente como sempre fazia, achou que o
melhor seria tentar uma abordagem. Tinha visto apenas dois policiais parados
na frente da casa onde seu alvo se encontrava. Não seria difícil livrar-se deles
e nem entrar na propriedade, contanto que não houvesse mais nenhum
segurança lá dentro. A maneira como a casa foi construída não lhe permitia
outra forma de invadi-la senão pelo portão principal.

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Coleção Amor e Sedução – 05
Conferiu o pente de balas em sua automática, calculando tempo e espaço,
pois não havia margens para erros ali.
****
— E o que aconteceu depois? — perguntou Liz completamente envolvida por
aquela história de amor.
— Ainda não sabemos. Estávamos lendo quando você chegou — Francesca
respondeu com carinho.
— Podemos terminar de ler agora, juntos? Quero saber como isso termina.
— Claro. Vamos até a biblioteca.
Minutos depois, os três se acomodaram e François retomou do ponto onde
haviam parado.

Adriano chegou cedo à igreja, onde fez suas orações e acompanhou a missa
ao lado do padre Lúcio. Apesar de todos os seus esforços, mal conseguia
esconder sua ansiedade. Para sua surpresa, percebia que as dúvidas que
atormentavam sua alma pareciam cada vez menores. Ele amava Lisa e queria
ficar com ela. Se para isso precisasse abrir mão de sua vida errante, que assim
fosse. Voltaria para casa dos pais e viveria ali até o fim dos dias, protegendo e
cuidando de sua família.
Quando finalmente a missa terminou e o padre o chamou para conversarem,
Adriano seguiu o homem pelos corredores, até que finalmente se viram em
uma sala reservada, onde poderiam falar a sós.
Mal fecharam a porta e alguém bateu, transmitindo ao clérigo um recado.
Quando o mensageiro partiu, ele convidou Adriano a se sentar.
— Muito bem, meu filho, agora me diga o que o aflige. Adriano contou ao
homem sua história, parando apenas para responder alguma pergunta ou tirar
uma duvida.
— Então você teve uma visão! Isso é algo muito especial — comentou o
padre, pedindo a ele que continuasse.
O rapaz narrou os acontecimentos subseqüentes com calma, sem saber que,
enquanto fazia isso, o menino Alberto já havia cumprido sua terrível
incumbência e uma dezena de cavaleiros armados partiam em busca da bruxa
assassina.

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Coleção Amor e Sedução – 05
Lisa, assim que acordou, tratou de sair da estrada e enfiar-se na floresta.
Caminhando a esmo, procurou ao menos se manter na mesma direção da
estrada para Assis. Pensava em chegar à cidade e encontrar Adriano, que a
protegeria de tudo.
— Interessante o que me está me dizendo — comentou Lúcio, olhando nos
olhos do rapaz. — Então a moça estava apenas lutando para defender sua
virtude.
— Sim. Nada mais do que isso.
— Acho que você deve partir imediatamente, meu filho. O recado que recebi
logo que chegamos aqui era do Santo Oficio. Mandaram me avisar que estão
indo buscar uma mulher acusada de bruxaria não muito longe daqui.
Adriano empalideceu.
— Se me for dada a liberdade de interpretar a visão que teve, eu diria que
nosso amado Francisco, ao incentivá-lo a peregrinar, estava preparando-o para
encontrar esta jovem e salvar-lhe a vida. O divino, você sabe, age por
caminhos misteriosos. Vá ter com seu destino, Adriano Lucchesi, e que o
Senhor o proteja.
O rapaz beijou a mão do homem e saiu em disparada atrás de seu amigo.
— Não há tempo para carruagens — disse Marino. — Vamos a cavalo que
seremos chegaremos mais rápido.
Adriano olhou para ele com um olhar agradecido.
— Não pense que faço isso por bondade — comentou o outro, encabulado. —
Minha esperança é que, casado, você tomará banho com mais freqüência.

Lisa ouviu os cavaleiros passarem pela estrada. Escondida, reconheceu as


vestimentas vermelhas e o estandarte que levavam. Eram do Santo Oficio e
estavam atrás dela. Assustada e lutando pela vida, embrenhou-se floresta
adentro.

A distância entre Adriano e aqueles homens era de algumas horas. Sabia


que tinham de voar para alcançá-los e ainda assim precisariam da intervenção
divina para impedir que Lisa fosse apanhada. Cavalgando feito louco, ele
avançou pela estrada, Marino a seu lado, enquanto rezava desesperadamente
por um milagre.

107
Coleção Amor e Sedução – 05

— O que você fez, homem? — perguntou Maria olhando enraivecida para o


marido.
— Fiz o que achei que devia. Não podia entregar uma inocente à fogueira.
— Ela é uma bruxa! Bruxas mentem e enganam! Como você é burro!
— Veja como fala comigo! A única bruxa por aqui é você e dê-se por feliz de
eu não entregá-la à Igreja.
Mas Maria estava inconsolável! Eram 40 moedas de ouro! E logo mais os
cavaleiros chegariam, se Alberto tivesse feito tudo conforme ela mandou.
A mulher não ia perder aquele dinheiro por nada, e imediatamente começou
a pensar em um novo plano. Um brilho cruel passou por seus olhos. Antônio ia
se arrepender de ameaçá-la. Ah, se ia!
A tarde já começava a caminhar para o anoitecer quando a comitiva
finalmente chegou à estalagem. Entraram com brutalidade chamando pela
bruxa. Antônio disse que não havia ninguém ali e que tudo não passara de um
engano da mulher.
— É mentira! — gritou ela — Ele a libertou! Está enfeitiçado!
Antônio foi cercado:
— Que história é essa? Onde está a procurada?
— Essa víbora queria o dinheiro, por isso chamou vocês. Não há procurada
alguma aqui!
Um dos homens agarrou o filho menor deles, que assistia a tudo grudado nas
saias da mãe e colocou a espada em seu pescoço:
— A verdade. Onde está a bruxa?
Maria desesperada caiu no choro junto com a criança e rogou ao marido que
dissesse a verdade
— Na floresta... fugiu durante a noite... — ele disse, por fim.
O guarda soltou o menino e encarou Antônio:
— É bom que esteja falando a verdade ou quem vai para a fogueira é você!
— E a recompensa? — perguntou a mulher, já esquecida do perigo de
instantes atrás.
— A única recompensa que vai ter é uma série de chibatadas se não calar
esta boca.
O homem saiu, acompanhado pelos outros, e sumiu floresta adentro

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Coleção Amor e Sedução – 05
cavalgando como louco.

— Ouviram isso? — perguntou François, interrompendo a leitura.


— Isso o quê? Não ouvi nada — respondeu Francesca e Lizbeth concordou.
— Não sei... Tive a impressão de ter escutado um barulho...
— A polícia está lá fora, não está? — Francesca olhou a moça com olhos
atentos.
— Está, sim... dois policiais.
— Então relaxe, François, e continue a ler.
Mas ele não relaxou. Não confiava em policiais, muito menos os italianos.

Capítulo X
Vulko retornou à rua de Francesca e desta vez acelerou a lambreta até bem
perto do carro dos agentes. Ele deixou o motor morrer e desceu, coçando a
cabeça, como se o veículo estivesse enguiçado.
— Ei, amigos! Será que podiam me ajudar aqui? — gritou para os policiais.
Eles se olharam, desconfiados. A rua estava completamente deserta, o dia
era claro e ensolarado e o homem parecia tão inofensivo quanto sua lambreta.
Um dos agentes desceu do carro:
— O que aconteceu?
— Este traste velho quebrou outra vez.
O outro rapaz também saiu do carro e se deteve no meio do caminho entre
Vulko e a viatura, apenas observando. O primeiro se aproximou e olhou para a
moto.
— Traste velho mesmo, hein, amigo?
Vulko sorriu e, rápido como um gato, saltou e partiu o pescoço do policial,
enquanto sacava a arma e alvejava o outro, que tombou ensangüentado.
Largando os dois homens no chão, com a certeza de que estavam mortos,
aproximou-se do portão e, usando os desenhos da grade como escada, pulou
para dentro, ágil como um menino de dez anos.

Assim que chegou à clínica, Adrian soube que o Sombra havia estado lá

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Coleção Amor e Sedução – 05
atrás de Liz e teve vontade de socar a recepcionista.
— Por que não me avisou?
— Não sabia que era importante, doutor. Conversando com o policial
comentei sobre o homem e ele reagiu como o senhor...
"Preciso avisar Liz", pensou e ligou para Francesca, mas ninguém atendeu.
Tentou o celular da moça, mas então se lembrou de que ela o havia deixado no
hotel.
Sem outra alternativa, ligou para Tardizzi.
— Vou falar com os homens que estão de guarda na entrada — respondeu o
inspetor.
Mas ninguém respondia na viatura e nem nos comunicadores.
— Estamos indo para lá, doutor. Não consigo falar com eles.
— Eu vou junto — afirmou o médico.
— Não! Fique onde está! Não quero civis metidos nisso!
Tardizzi estava irritado novamente, mas Adrian já havia desligado.

Vulko caminhou pelos jardins e se aproximou da casa. Não havia nenhum


sistema de segurança ali e as janelas e portas estavam destrancadas,
facilitando a entrada.
Parado ao lado de duas janelas grandes e parcialmente abertas, ele ouviu
vozes vindo de dentro. Pelo vão da cortina, identificou os cabelos vermelhos de
Liz e um casal de velhinhos. Aquilo ia ser mais fácil do que roubar doces de
uma criança.
— Vamos, François! Continue a ler! Quer me matar de curiosidade?
— Ainda acho que devíamos dar uma olhada na casa. Tenho certeza de que
ouvi alguma coisa...
— Eu faço isso — disse Liz, levantando-se.
— Não há necessidade, senhorita Carter — disse Vulko, pulando a janela e
invadindo a biblioteca de arma em punho.
— Quem... Quem é você?! — perguntou a jovem, assustada.
— Não se lembra de mim? Nos encontramos em Roma. Nas Vestais, para ser
mais exato.
— Dio Santo! — Francesca sentiu o coração parar.
— Eu perdi a memória... Não me lembro de nada além dos tiros...

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Coleção Amor e Sedução – 05
— Pobrezinha... Ela perdeu a memória — Vulko comentou em tom irônico e
soltou uma sonora gargalhada. — Isso agora não tem a menor importância.
Você já me deu trabalho demais e vai morrer de qualquer jeito... você e todos
os seus amigos.
— Não! P-Por favor, deixe-os em paz!
Vulko saboreou o medo estampado nos olhos dela e misteriosamente teve a
certeza de que já havia visto aquele rosto com aquela mesma expressão de
pavor antes. Aliás, tudo naquela moça lhe parecia familiar demais: os cabelos,
o rosto, os olhos... Quem seria ela, afinal?
Ele avançou um passo.
— Você aí, venha para cá — ordenou a François.
O homem obedeceu, apoiando-se na bengala.
— Onde estão os empregados? — perguntou a Francesca.
— Nos fundos...
— Muito bem, vamos subir. Há quartos aqui, não?
Um brilho passou pelos olhos de François neste momento.
— Sandro Campesinno... — ele murmurou com espanto.
— O que disse, velho?
— Já que vai nos matar de qualquer jeito, ao menos permita que eu lhe
conte uma história antes.
— Uma... história? De que tipo... das Mil e uma Noites? Não seja ridículo.
Vamos andando.
Francesca seguiu na frente, Liz e François logo atrás, e por fim Vulko, de
arma em punho. A mulher conduziu-os até seu quarto, onde os painéis ainda
abertos deixavam exposto A Súplica do Coração.
Vulko olhou para o quadro instintivamente. Ao ver a mulher nua e
ensangüentada na pintura, olhou para Lizbeth, intrigado, como se de alguma
maneira tivesse percebido que a conhecia desde muito tempo atrás. Sentiu
uma dor de cabeça lancinante, o peito apertado, as mãos tremendo de forma
descontrolada.
— Que quadro... Que quadro é esse? — perguntou, aflito.
— A Súplica do Coração — respondeu François, sereno.
Vulko mandou que todos se sentassem na cama e se aproximou da tela.
Lizbeth, com a imagem de São Francisco na mente, rogava ao santo que os

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Coleção Amor e Sedução – 05
salvasse com um milagre.
O búlgaro sentia o coração disparado. Por mais que quisesse desviar os
olhos do maldito quadro, matar aquelas pessoas e sumir dali, simplesmente
não conseguia.
— Lisa Torino... La Strega di Napoli... A Bruxa de Nápoles — ele murmurou
com lábios trêmulos.
— Você conhece o quadro? — François perguntou, admirado.
Vulko estava pálido e lutava para reagir contra a força estranha que parecia
brotar em seu peito como se ele fosse duas pessoas ao mesmo tempo.
— Cale-se! — ordenou. Sua cabeça ainda latejava muito e suas mãos
suavam frio.
François levantou-se e caminhou até ele:
— Cena chocante, não? A jovem era realmente de Nápoles e foi condenada
como bruxa...
A cabeça de Vulko continuava querendo explodir, atrapalhando seu
raciocínio.
— Achamos que ela e a senhorita Carter são a mesma pessoa — François
completou, apavorando Francesca e Lizbeth com sua audácia.
— Feche essa boca maldita! — o assassino gritou ameaçadoramente para o
velho, que voltou a se sentar com um sorriso quase imperceptível nos lábios.
Adrian chegou antes de Tardizzi. Viu os homens caídos no chão e soube que
estavam mortos. Exatamente como Vulko havia feito antes dele, saltou o
portão de ferro e entrou na casa.
Olhou o andar de baixo rapidamente e subiu as escadas, dando graças pelos
tapetes espessos que abafavam seus passos. Pela porta fechada do quarto de
Francesca ouviu Vulko gritar para que François se calasse, e só então se deu
conta de que estava desarmado.
Sem saber o que fazer, decidiu que o melhor seria distrair a atenção do
criminoso e jogou contra o chão a primeira coisa que encontrou: um vaso de
porcelana caro e antigo que Francesca adorava.
A estratégia funcionou: Vulko abriu a porta, atraído pelo barulho, e Adrian
golpeou-o na cabeça com um pesado candelabro. O homem tombou inerte, a
arma escapou-lhe das mãos e Adrian entrou no quarto.
— Doutor Hudson?! — exclamou François.

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Coleção Amor e Sedução – 05
— Venham logo! — gritou Adrian. — Precisamos sair daqui! Você está bem,
Liz? Ele fez alguma coisa...
— Eu estou bem, querido. Apenas assustada.
Os quatro desceram as escadas e alcançaram a entrada da casa. Lá fora,
Tardizzi e seus homens já haviam saltado o portão.
— Onde ele está? — perguntou o inspetor.
— Lá em cima. Desmaiado.
Os policiais iam começar a subir quando ouviram disparos. Armados até os
dentes foram avançando com cuidado pela escada até chegar ao quarto onde
o criminoso havia estado.
Lá dentro não havia ninguém. Mas algo deixou os policiais intrigados: a tela
de um quadro estava perfurada por vários tiros.
— Pessoas não somem como fumaça! — o inspetor comentou quando seus
homens lhe comunicaram que não haviam encontrado ninguém. — Ele deve
estar escondido em algum lugar!
E estava. Lá fora, no jardim, com a perna ferida pelo salto de mais de cinco
metros através da janela. Vulko parecia ensandecido. Ele já não se importava
mais consigo mesmo — só queria destruir aquela mulher, que também parecia
estar na misteriosa pintura que tentou destruir.
Oculto por trás de um arbusto, segurou sua automática com as duas mãos e
apontou-a para Lizbeth. Sua cabeça latejava e a perna começava a sangrar. A
jovem e o médico estavam parados poucos metros à frente, na varanda de
entrada, conversando com um jovem policial.
De repente, como se guiado por uma força mística, Adrian virou o rosto e viu
o assassino prestes a atirar.
Tudo o que aconteceu em seguida não durou mais que um segundo: o
policial sacou a arma e atirou ao mesmo tempo que Vulko. Adrian colocou-se
na frente de Liz e tombou em seguida, sentindo o peito arder como fogo. O
assassino também caiu, sentindo a vista embaçar e a luz apagar-se
rapidamente.
Ele não ouviu os gritos desesperados da jovem ruiva e nem viu os outros
policias se aproximarem. Tudo o que conseguiu perceber antes de mergulhar
na escuridão eterna foi a imagem de São Francisco de Assis olhando para ele,
cheio de pesar.

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Coleção Amor e Sedução – 05
— Meu Deus, Adrian... Fale comigo, por favor! — Liz gritava de desespero,
esvaindo-se em lágrimas.
Francesca, que mal conseguia se manter sobre as pernas, procurava acalmá-
la, enquanto François acompanhava o trabalho dos paramédicos.

Adrian foi levado à sua própria clínica para ser operado em caráter de
emergência. Liz, como se tivesse perdido algo mais precioso do que a própria
vida, repetia sem parar:
— Não o deixe morrer, meu Deus! Não o deixe morrer!
O corpo de Vulko foi levado para o necrotério. Em seus bolsos encontraram
apenas uma carteira com dinheiro, cartões de crédito falsificados e uma
pequena imagem de São Francisco, toda suja de sangue.
— Vamos conhecer sua verdadeira identidade assim que analisarmos as
digitais, inspetor.
Tardizzi encarou o agente da Interpol e suspirou:
— Duvido muito.
Em seguida, aproximou-se do jovem Frederico e cumprimentou o policial:
— Bom trabalho, garoto. Graças a você, a carreira do Sombra chegou ao
fim. Vai receber uma menção especial por isso.

A cirurgia de Adrian, extremamente delicada, já entrava na quarta hora de


duração sem nenhuma notícia. Liz, que a cada cinco minutos ia perguntar se as
enfermeiras sabiam de algo, finalmente ouviu os pedidos da amiga e
concordou em acompanhá-la até a capela da clínica, dedicada a São Francisco.
— Por que Adrian fez isso, Francesca? Por quê?!
— Ele salvou sua vida, querida.
— Mas a que preço, santo Deus? A que preço? Nunca vou me perdoar se o
pior acontecer...
As duas se ajoelharam e, enquanto rezavam juntas pela vida do médico,
François voltou para casa. Ele estava terrivelmente abalado pelo que havia
acontecido, mas tinha decidido terminar de ler o relato de Marino. Talvez o
passado pudesse lhe dar as respostas para os acontecimentos do presente...

Os homens da Inquisição caçavam a ruiva por toda a floresta. A jovem

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Coleção Amor e Sedução – 05
continuava correndo sem saber para onde ir, enquanto Adriano, voando sobre
o cavalo, aproximava-se da estalagem. Antônio viu-o chegar junto com um
cavalheiro evidentemente rico e bem vestido.
— A moça! Onde está ela? — o monge perguntou, afobado. Antônio, com
medo, não respondeu.
— Fale, homem! Onde está a moça?! — ordenou Marino.
Maria, correndo em direção aos dois, gritou:
— Na floresta! Ela fugiu para lá!
Sem pensar um segundo, Adriano deu meia volta com o cavalo e partiu em
disparada. Marino olhou para o casal de estalajadeiros:
— Não pensem que vou embora. Eu voltarei... para saber exatamente o que
aconteceu! — soltando fogo pelos olhos, ele esporou o cavalo e saiu no encalço
do amigo.
— Achamos um manto! — gritou um dos inquisidores, segurando a capa de
Lisa com a ponta de sua lança. — Ela não deve estar muito longe.
Machucada, com os braços e os pés sangrando, Lisa continuava correndo
sem o menor senso de direção. A cada minuto o som de vozes se aproximava
mais e ela não sabia para onde ir. De repente, as palavras de Antônio surgiram
em sua mente: para livrar-se dos lobos, suba em alguma árvore e fique nela
até o dia clarear.
Olhou para as árvores que a cercavam e reuniu as últimas energias para
escalar a mais alta. Em determinado momento, ao se esgueirar por entre as
folhas, sua saia de tecido velho e puído enroscou-se num dos galhos. Tentando
soltá-la, a jovem acabou deixando um pedaço de tecido para trás.
Encolhida sobre o ponto mais alto que conseguiu alcançar, Lisa mal
respirava, tentando controlar o pavor que sentia.
Minutos depois eles chegaram. Altos, fortes, montados em cavalos vigo-
rosos, cujos pelos encharcados de suor reluziam sob a parca luz da floresta.
Procuraram por ela em todos os cantos e nada encontraram. Seguiram
adiante.
Lisa esperava em silêncio, encolhida, os olhos verdes muito abertos, a boca
seca. Seu corpo lavado de suor já começava a sentir a ação do frio vespertino.
Foi então que ela percebeu o pedaço de pano mais abaixo, balançando ao
sabor do vento.

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Coleção Amor e Sedução – 05
Apavorada, a jovem começou a descer cuidadosamente pelos galhos da
grande árvore na tentativa de pegá-lo antes que fosse avistado.
Um dos homens, certo de que tinha ouvido algo, colocou-se à espreita atrás
de um tronco imenso e pegou-a em flagrante! Ele e Lisa fitaram-se por alguns
segundos: nos olhos da moça, a súplica pela vida; nos dele, a alegria da
descoberta.
O soldado gritou e os outros retornaram.
Ela podia subir de volta e tentar fugir pela copa das árvores, mas não o fez.
Lisa estava exausta, fraca e assustada demais para qualquer coisa.
— Desça daí! — ordenou o líder do grupo.
Ela obedeceu.
— Você é Lisa Torino, a Bruxa de Nápoles?
— N-Não sou bruxa... — sua voz saiu quase inaudível.
— Claro. Vocês nunca são, até virarmos as costas e nos lançarem uma
terrível maldição!
— Vamos levá-la viva? — perguntou um dos homens.
— Antes, quero me certificar. As bruxas costumam trazer no corpo as
marcas do demônio. Tirem a roupa dela.
Cercada pelo bando de homens rudes e implacáveis, já sem forças até para
implorar, a jovem foi vendo suas vestes serem arrancadas uma a uma até ficar
completamente nua.
— Um corpo realmente bonito. Não é de se estranhar que tenha seduzido o
pobre Sandro Campesinno.
— Eu não seduzi ninguém! Ele me agarrou...!
— Cale-se! — disse um deles, desferindo-lhe uma forte bofetada.
Os soldados esquadrinharam cada parte de sua pele, buscando marcas ou
cicatrizes, mas não havia nenhuma. Tremendo de frio, de humilhação e de
vergonha, Lisa apenas rezava para que o suplício terminasse logo.
O líder do grupo ponderou alguns momentos. Será que a moça era mesmo
inocente? Indeciso sobre o que fazer, ordenou:
— Você. Corte os cabelos dela. Certa vez um bispo me disse que toda a força
das feiticeiras está no cabelo. Se for mesmo uma bruxa, ela deverá tombar
sem vida.
O homem que recebeu a ordem se aproximou, juntou a volumosa cabeleira

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Coleção Amor e Sedução – 05
com uma das mãos e começou a cortá-la com uma adaga, espalhando as
madeixas ruivas pelo chão.
Os outros olhavam a jovem nua com um misto de medo e desejo. Mesmo
com os cabelos tosados de forma grosseira, suas curvas perfeitas, seios bem
desenhados e coxas roliças eram capazes de deixar qualquer um
enlouquecido.
— Bem, os cabelos já foram cortados e ela não parece mais enfraquecida —
comentou o líder. — Creio que só nos resta um último teste. Muitos dizem que
as bruxas não sangram quando são perfuradas.
Lisa gelou ao ouvir aquilo.
Com um sorriso diabólico, o soldado segurou-a pelo braço e sacou a espada.
Ela fechou os olhos e aguardou.
A dor que lhe invadiu o ventre foi tão lancinante que o grito nem conseguiu
deixar sua garganta. Lisa apenas caiu de joelhos, ofegante, vendo seu sangue
se esvair sobre o chão coberto de folhas.
Ao se dar conta de que a moça não tinha nenhum poder sobre-humano, o
líder dos inquisidores mandou que o grupo montasse para partir.
— Mas, senhor... E a recompensa? — perguntou um deles.
— Esqueça. Moedas sujas de sangue inocente só são apreciadas pelo
demônio. Que Deus nos perdoe pelo que fizemos aqui seguindo as diretrizes da
Santa Madre Igreja.

Lisa se encontrava num estado de torpor. Era como se tudo no mundo


tivesse parado, inclusive a dor. Caída no chão, a jovem só conseguia pensar
em Adriano, em como tinha sido feliz nos poucos dias que passou ao lado
daquele homem. Homem, não... santo. E essas lembranças... essa imensa
felicidade gravada em sua alma ninguém jamais, em tempo algum, poderia lhe
tirar.
De repente, incapaz de raciocinar com clareza, ela teve a impressão de ouvir
o som de cavalos se aproximando. Cavalos? Quem seriam? Mais soldados, com
certeza. Mas isso pouco importava naquele momento. O suplício de sua
existência estava quase no fim.
Mal conseguindo respirar, a vida escorrendo pelo ventre aberto, ela sentiu
alguém lhe tomar nos braços. Seria um sonho ou um mero delírio?

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Coleção Amor e Sedução – 05
Com dificuldade, ela abriu os olhos e encontrou o rosto desesperado de
Adriano:
— Lisa! Santo Deus... LISA!!
Ela olhou para o monge sentindo o fim cada vez mais próximo. Incapaz de
falar, procurou expressar através dos olhos com era bom revê-lo, quanto amor
sentia por ele.
— Meu Deus! Perdão, querida! PERDÃO! O que fizeram com você?!
Lágrimas brotaram dos olhos verdes já quase opacos. Ela queria dizer que o
amava muito, mas não conseguia.
Marino assistia à cena, incrédulo. Jamais na vida havia presenciado algo tão
devastador.
— Eu te amo tanto, Lisa! Por favor, não me deixe! — suplicou com todas as
forças do espírito, mas ela já não podia ouvir mais nada.
O grito do monge rasgou o ar frio do entardecer e perdeu-se em meio às
árvores escuras da floresta. De joelhos, ele elevou as mãos em súplica,
pedindo inutilmente aos céus que aquilo não fosse verdade. Ao seu lado, o
rosto da moça, mesmo sem vida, expressava amor, sofrimento e perdão,
enquanto seus braços caídos se estendiam na sua direção, como se rogando
para que ele a tocasse.

Marino ajudou-o a enrolar o corpo em um manto.


— O que eu fiz, santo Deus? Por que parti? Por que deixei-a sozinha?
O amigo apenas abraçou-o e ajudou a levar a jovem dali.
— Eu daria minha vida pela dela, Marino! Faria qualquer coisa, qualquer
coisa para que ela voltasse a viver! Se ao menos eu tivesse uma nova chance,
se eu pudesse provar isso para Deus...
Lisa foi levada até Assis e enterrada como cristã. Adriano cuidou para que
ela tivesse em seu funeral as mesmas honras que receberia caso fossem
casados.
Depois do sepultamento, ele nunca mais foi o mesmo. O riso abandonou seu
rosto, a alegria fugiu de sua alma. Marino insistiu para que o amigo voltasse a
morar com os pais, mas em vão.
— Não há mais nada para mim neste mundo, meu caro Marino. Tudo o que
me resta é caminhar por aí, na tentativa de sanar meus pecados e falhas

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Coleção Amor e Sedução – 05
através da caridade. O Adriano Lucchesi que você conhecia morreu naquela
floresta junto com a mulher que amava.
Um mês após a morte de Lisa, o jovem partiu, deixando uma carta para o
amigo, na qual pedia que cuidasse do túmulo de sua amada e que se
lembrasse de orar por eles. Mas Marino não sossegou. Adriano era bem mais
do que um irmão. Incansavelmente ele buscou encontrá-lo usando de todos os
meios possíveis, mas todas as pistas que seguia acabavam resultando em pura
frustração.
Trinta anos depois, durante uma fria noite de inverno, alguém bateu em sua
casa. Marino estava com 50 anos, uma idade já bem avançada para sua época.
Ao abrir a porta, deparou-se com um monge velho e doente pedindo guarita.
Com lágrimas nos olhos ele viu as faces encovadas, o sorriso cansado e as
mãos agora trêmulas de Adriano.
— Não chegue muito perto... Eu ainda cheiro mal.
Em prantos e transbordando felicidade, Marino abraçou-o e levou para
dentro.
Dois dias depois, Adriano Lucchesi faleceu vítima de tuberculose. Como
última homenagem ao irmão de alma, providenciou para que ele fosse
enterrado ao lado de Lisa Torino.
Algum tempo depois, Marino recebeu a visita de um pintor conhecido, que
ficou muito impressionado com a história do monge e da aldeã. Seguindo as
orientações do fidalgo, procurou eternizar o último adeus dos jovens amantes
em uma obra que batizou de Súplica do Coração.
O realismo e dramaticidade da pintura, somados ao fato de que ela mostrava
um padre ao lado de uma paga nua, fizeram com que o quadro caísse em
desgraça e Marino foi obrigado a escondê-lo para que não fosse destruído.
Antes de morrer, no ano de 1350, pediu que seus herdeiros o mantivessem
oculto até o dia em que finalmente pudesse ser pendurado à vista de todos.

François estava emocionado. Leu e releu o final daquela história,


completamente envolvido pela atmosfera de amor e tragédia que a cercava.
Sua concentração era tamanha que mal ouviu o homem pigarreando a seu
lado:
— Signore, telefono.

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Coleção Amor e Sedução – 05
Assim que pegou o aparelho ele ouviu a voz de Francesca gritar em seu
ouvido:
— Ele sobreviveu! Ele sobreviveu!
Sorrindo, François desligou e voltou à biblioteca, pensando nos estranhos
caminhos do destino. Para ele, Adriano finalmente havia tido a chance de
oferecer sua vida pela de Lisa, e agora eles com certeza poderiam viver tudo o
que lhes foi negado 700 anos antes.

Embora não corresse mais risco de vida, Adrian demorou alguns dias para
recobrar a consciência. Liz, Francesca e François se revezavam no hospital, e
sempre havia um deles no quarto com o médico. Quando finalmente abriu os
olhos e chamou por Liz, foi François quem o atendeu.
— Dr. Hudson, graças a Deus! Como está se sentindo? A srta. Lizbeth e
Francesca acabaram de sair... Foram descansar.
— Ele esteve comigo, François. Esteve comigo! E seu sorriso... tão humilde,
tão cheio de amor...
— De quem está falando, Dr. Hudson?
— São Francisco. A aparência dele era bem mais jovem do que imaginei... e
havia tanta sabedoria em seu olhar!
François não respondeu. Apenas ouviu o relato de Adrian em respeitoso
silêncio. Segundo o médico, ele se viu sentado em um gramado perfeito e sob
uma árvore quando o iluminado de Assis se aproximou e lhe estendeu a mão:
— Vamos, irmãozinho. Está na hora de voltar e eu vou acompanhá-lo.
Intrigado, o rapaz obedeceu e se levantou sem nada perguntar. Os dois
seguiram por uma estrada florida e, embora o sol brilhasse com intensidade, a
temperatura era muito agradável. Havia uma brisa fresca no ar que soprava
macia e ondulava as vestes simples do grande santo.
— Eu... Eu não entendo. O que aconteceu comigo? Onde estou...?
Francisco olhou para ele com ternura:
— Você está no lugar certo, mas na hora errada. Ainda não chegou o
momento de mudar-se para cá em definitivo.
— Mas... que lugar é este? E o quadro... Liz e aquele assassino...
— Adriano Lucchesi teve uma visão quando jovem e abandonou tudo para
seguir a vida monástica. Mas não era esse o seu destino. Se tivesse um pouco

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Coleção Amor e Sedução – 05
de serenidade para orar profundamente e abrir-se ao Poder Maior ele
perceberia que seu destino não era se tornar um monge, mas preparar-se para
receber a mulher que o destino lhe designou desde o início dos tempos, junto
da qual poderia viver um amor verdadeiramente divino.
— Está falando de Lisa...?
— Há várias formas de servir a Deus e experimentar a alegria divina, irmão.
A de Adriano era casar-se com Lisa Torino e constituir uma família, que serviria
de exemplo para tantas outras...
— Francesca... Ela acha que eu sou Adriano...
— E você, o que acha?
— Não sei... Eu jamais deixaria Lisa, como Adriano fez...
— Fico feliz em ver que aprendeu essa lição, irmãozinho. A vida nada mais é
do que uma grande escola, a qual freqüentamos para aprender incontáveis
lições. Agora vá e termine aquilo que começou... Há muitas pessoas à sua
espera.
— Eu... não tenho palavras. Só de estar na sua presença... O senhor tem
cuidado de mim há tanto tempo. Por quê? Eu com certeza não mereço...
— Ninguém foi menos merecedor da Graça Divina do que este humilde
pecador chamado Francisco, meu querido Adriano. Como já disse, há muitas
formas de servir a Deus e experimentar a alegria divina. Nunca se esqueça de
que é dando que se recebe... é perdoando que se é perdoado... e é morrendo
para o egoísmo que se vive para a vida eterna.
Com um sorriso indescritível, o santo de Assis colocou a mão sobre a cabeça
do médico e, no instante seguinte, ele despertou. François olhou para Adrian
com os olhos marejados.
— Obrigado por tudo, François. Do fundo do coração. E agora... Você poderia
ligar para Liz? Eu gostaria tanto de vê-la...
— Estou aqui — disse ela, aproximando-se da cama. — Voltei para pegar
minha bolsa e fiquei ouvindo suas palavras.
— Querida! Eu a amo tanto! Me perdoe por tê-la deixado...
Liz abraçou-o com lágrimas nos olhos.
— Seu bobo! Isso foi há mais de 700 anos! Já nem me lembro mais... — ela
tentou brincar, lutando com as próprias emoções.
Discretamente, François retirou-se e foi procurar o médico responsável.

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Coleção Amor e Sedução – 05
Novamente teve a sensação de que o equilíbrio rompido há tantos séculos
havia sido finalmente restaurado, que tudo estava bem e que dali em diante
ficaria cada vez melhor.
Talvez fosse hora de publicar os diários de Marino Giacomidi, ele pensou.
Aquela história era empolgante demais para ficar relegada a uma velha
biblioteca. O mundo tinha direito de conhecer e emocionar-se com ela.

Epílogo
Meses após a morte de Vulko, a polícia continuava tentando identificá-lo,
sem sucesso. Francesca e François tratavam da publicação dos manuscritos de
Marino e, por insistência do amigo, ela concordou que A Súplica do Coração
servisse como capa do livro homônimo.
— É uma pintura impressionante... As pessoas ficarão sensibilizadas — disse
o francês.
— Espero que Adrian e Liz voltem da Lua de Mel em tempo de participar do
coquetel de lançamento.
— Eles voltarão, querida — e ergueu sua taça de vinho. — Agora, um brinde
ao amor!
— E a São Francisco! — respondeu Francesca, com um sorriso de orelha a
orelha.

Longe dali, deitados nas areias quentes de uma praia deserta, no Caribe,
Adrian e Liz desfrutavam o prazer de estarem vivos.
— Estava pensando... Nós juramos ficar juntos até que a morte nos separe...
mas isso é uma mentira — disse ela, com os olhos fixos no céu cor de anil.
— Por quê? Você pretende se livrar de mim antes? — ele sentou-se e a
olhou, intrigado.
— Claro que não, seu bobo! Estou falando de outra coisa... que a morte não
pode separar ninguém. Nós somos a maior prova disso.
— É verdade. Pena que demorou tanto para voltarmos a ficar juntos...
— Bem, pelo menos agora temos certeza de que será para sempre!

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Coleção Amor e Sedução – 05
Os dois se beijaram de forma ardente. O mar verde-azulado e o céu sem
uma única nuvem foram as únicas testemunhas do que aconteceu em seguida.
Como São Francisco havia dito, há muitas formas de experimentar a alegria
divina. Para eles, aquela era a favorita.

Fim
Loreley McKenzie superou-se num uma vez, trazendo toda a mútua da Idade
Média em um romance dramático e avassalador, que atravessa o tempo para
encontrar sua redenção ate séculos depois!

— Love Reviews —

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