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Dialogos Sobre As Redefinicoes Peroni PDF
Dialogos Sobre As Redefinicoes Peroni PDF
OI OS
EDITORA
2015
© Dos autores – 2015
veraperoni@gmail.com
Editoração: Oikos
Capa: Juliana Nascimento
Revisão (textos em português – Parte 1): Luís M. Sander
Arte-final: Jair de Oliveira Carlos
Impressão: Rotermund S. A.
Conselho Editorial
Antonio Sidekum (Nova Harmonia)
Arthur Blasio Rambo (IHSL)
Avelino da Rosa Oliveira (UFPEL)
Danilo Streck (UNISINOS)
Elcio Cecchetti (UFSC e UNOCHAPECÓ)
Ivoni R. Reimer (PUC Goiás)
Luis H. Dreher (UFJF)
Marluza Harres (UNISINOS)
Martin N. Dreher (IHSL – MHVSL)
Oneide Bobsin (Faculdades EST)
Raul Fornet-Betancourt (Uni-Bremen e Uni-Aachen/Alemanha)
Rosileny A. dos Santos Schwantes (UNINOVE)
Apresentação ............................................................................................. 7
Prefácio ...................................................................................................... 9
PRIMEIRA PARTE
Implicações da relação público-privado para a democratização
da educação no Brasil ............................................................................... 15
Vera Maria Vidal Peroni
O histórico da relação público-privado e a formação do
Estado Nacional: implicações para a constituição da esfera pública .......... 35
Daniela de Oliveira Pires
As relações do Estado com empresários nas políticas educacionais:
PDE/PAR e guia de tecnologias educacionais. ......................................... 52
Liane Maria Bernardi
Lucia Hugo Uczak
Alexandre José Rossi
A educação infantil no Brasil: direito de toda criança ainda em construção . 72
Maria Otilia Kroeff Susin
Monique Robain Montano
Ensino Médio no Brasil e a proposta educacional do Instituto Unibanco:
considerações sobre a mercantilização da educação pública ...................... 89
Maria Raquel Caetano
Vera Maria Vidal Peroni
O Pronatec na fronteira entre o público e o privado ................................ 108
Romir de Oliveira Rodrigues
Maurício Ivan dos Santos
SEGUNDA PARTE
Políticas, processos e atores de privatização da educação
em Portugal: apontamentos .................................................................... 129
Fátima Antunes
Pela “causa” da educação pré-escolar em Portugal:
aproximações às políticas de Terceira Via ............................................... 144
Emília Vilarinho
“O efeito menina”: o investimento corporativo transnacional
dos Estados Unidos na educação de meninas ......................................... 175
Kathryn Moeller
Políticas educativas en el Chile actual ..................................................... 198
Rolando Pinto Contreras
Mercados educativos y segmentación de la oferta escolar:
efectos sobre las desigualdades educativas en Chile ................................... 216
Adrián Zancajo
Xavier Bonal
Antoni Verger
Cambios en el sistema universitario argentino (2003-2013).
¿inclusión? ¿privatización? ...................................................................... 237
Laura R. Rodríguez
Susana E. Vior
Democratização e privatização da educação em Portugal:
da revolução dos cravos à “Contrarevolução” liberal ............................... 256
Belmiro Gil Cabrito
Luisa Cerdeira
Dinámicas público-privadas en el posgrado en Argentina:
redefiniciones de las tradicionales fronteras en la educación superior ...... 276
Estela M. Miranda
Dante J. Salto
Cenário emergente do ensino superior privado no Quênia ...................... 295
Ibrahim Oanda
Tristan Mccowan
Sobre os autores e as autoras .................................................................. 321
6
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
Apresentação
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Apresentação
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
Prefácio
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Prefácio
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
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PRIMEIRA PARTE
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
Introdução
O artigo tem como objetivo propor algumas discussões teóricas que
embasam a pesquisa “Implicações da relação público-privada para a democra-
tização da educação básica no Brasil”1, que analisa como as redefinições no
papel do Estado reorganizam as fronteiras entre o público e o privado, mate-
rializando-se das mais diferentes formas na educação básica pública, e suas
implicações para o processo de democratização da educação no Brasil.
Na pesquisa, analisamos as políticas educacionais que envolvem a rela-
ção entre público e privado na educação básica no Brasil, em todas as etapas
(ensino infantil, fundamental e médio) e modalidades (Educação de Jovens e
Adultos, Educação Especial e Educação Profissional), assim como o histórico
desta relação. Constatamos várias formas de privatização do público: ou atra-
vés da alteração da propriedade, ocorrendo a passagem do estatal para o ter-
ceiro setor ou privado; ou através de parcerias entre instituições públicas e
privadas com ou sem fins lucrativos, onde o privado acaba definindo o públi-
co; ou, ainda, aquilo que permanece como propriedade estatal, mas passa a ter
a lógica de mercado, reorganizando principalmente os processos de gestão e
redefinindo o conteúdo da política educacional brasileira.
Entendemos que o relacionamento entre o público e o privado na políti-
ca educacional é parte constitutiva das mudanças sociais e econômicas; não é
uma questão de determinação, mas de relação e processo2. Deste modo, tanto
o Estado quanto a sociedade civil são partes constitutivas do movimento de
1
O grupo de pesquisa está vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Univer-
sidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGEDU/ UFRGS) e é composto por duas bolsistas
PIBIC, mestrandos, doutorandos, mestres, doutores e docentes do Programa, assim como pes-
quisadores de outras instituições, totalizando 15 membros. A pesquisa é financiada pelo CNPq.
2
Relação em processo na perspectiva de Thompson (1981).
15
PERONI, V.. M. V. • Implicações da relação público-privado para a democratização da educação no Brasil
3
Correlação de forças na concepção de Gramsci (1982).
4
Sujeitos individuais ou coletivos na concepção de Thompson (1981).
5
Contexto histórico e geográfico na concepção de Harvey (2008)
6
Sobre a não separação entre o econômico e o político, ver Wood (2003.)
7
Pesquisa “Implicações da relação público-privada para a democratização da educação”, finan-
ciada pelo CNPq e realizada pelo Grupo de Pesquisa: Relações entre o Público e o Privado na
Educação, vinculado ao Núcleo de Política e Gestão da Educação do Programa de Pós-Gradua-
ção em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
16
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
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Conforme Thompson (1989, 2012).
17
PERONI, V.. M. V. • Implicações da relação público-privado para a democratização da educação no Brasil
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
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PERONI, V.. M. V. • Implicações da relação público-privado para a democratização da educação no Brasil
da, de criar um “bom clima de negócios”, para atrair o capital financeiro trans-
nacional e conter (por meios distintos dos controles de câmbio) a fuga de capi-
tal para “pastagens” mais verdes e lucrativas (HARVEY, 1989, p. 160). Além
disso, há o fato de a acumulação flexível procurar, mais do que o fordismo, o
capital financeiro como poder coordenador, o que significa maior possibilida-
de de crises financeiras e monetárias autônomas. Essas crises fazem com que o
Estado acabe intervindo no mercado financeiro. Assim, verifica-se que mes-
mo os governos mais comprometidos com a lógica neoliberal não intervencio-
nista têm sido grandes interventores a favor do grande capital.
Harvey (2008) faz um balanço do neoliberalismo na prática, o que cha-
ma de neoliberalização. No processo de neoliberalização, o mercado regula
inclusive o bem-estar humano. A competição é o mecanismo regulador; “as
regras de base da competição no mercado têm de ser adequadamente observa-
das [...]”. E adverte ainda que “em situações nas quais estas regras não este-
jam claramente estabelecidas, ou em que haja dificuldades para definir os di-
reitos de propriedade, o Estado tem de usar o seu poder para impor ou inven-
tar sistemas de mercado” (HARVEY, 2008, p. 13).
Clarke e Newman (2012) destacam que com a crise de 2008 a fé nos
mercados ficou abalada. “Os estados entraram como os salvadores de institui-
ções financeiras falidas e tentaram apaziguar mercados assustados e em pâni-
co. [...] As instituições públicas pareciam com os salvadores em potencial do
capitalismo global.”. Mas, no que entendemos ser um processo de correlação
de forças,
a atitude de negócios como sempre foi rapidamente restaurada com o fra-
casso da prometida regulação e reforma em se materializar e com a continu-
ação dos piores excessos de atores gerenciais e empresariais empoderados,
apesar de considerável descrédito e a raiva do público (CLARKE; NEW-
MAN, 2012, p. 375).
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
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PERONI, V.. M. V. • Implicações da relação público-privado para a democratização da educação no Brasil
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Sobre parceria entre Instituto Ayrton Senna e Escolas de Ensino Fundamental, ver Adrião;
Peroni (2010).
10
Sobre parceria entre Instituto Unibanco e Escolas de Ensino Médio, ver Peroni; Caetano (2014).
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
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PERONI, V.. M. V. • Implicações da relação público-privado para a democratização da educação no Brasil
ção pública” (VIEIRA, 1998, p. 12). Afirma também: “Quanto mais coletiva a
decisão, mais democrática ela é. Qualquer conceito de democracia, e há vários
deles, importa em grau crescente de coletivização de decisões” (ibid.).
O argumento para este repasse de responsabilidades nas decisões para o
setor privado é parte do diagnóstico neoliberal (BUCHANAN et al., 1984)
que aponta as instituições democráticas contemporâneas como irresponsáveis,
e o remédio seriam medidas restritivas constitucionais para conter os gover-
nos, colocando-se os instrumentos de controle fora das instituições represen-
tativas e partindo-se do princípio de que os controles políticos são inferiores
aos de mercado. Observamos, nas pesquisas acerca das parcerias entre o públi-
co e o privado, que esta tem sido uma justificativa apontada pelas instituições
privadas para fazer a parceria.
Para Buchanan, o paradigma da ação humana em todas as dimensões
passa pela relação de troca, pelo jogo de interesses. Isso é tanto um pressupos-
to como uma prescrição, no sentido de que todas as relações tenham a troca
como modelo (BUCHANAN et al., 1984). Essas mudanças ocorrem através
da disseminação de valores e práticas de empreendimento, empreendedoris-
mo e transposição do discurso internacional do gerencialismo. Clarke e New-
man (2012) caracterizam o gerencialismo:
[...] mesmo onde os serviços públicos não foram totalmente privatizados (e
muitos permaneceram no setor público), era exigido que tivessem um de-
sempenho como se estivessem em um mercado competitivo. Era exigido que
se tornassem semelhantes a negócios e este ethos era visto como personifica-
do na figura do gerente (em oposição ao político, ao profissional ou ao admi-
nistrador). Isto introduziu novas lógicas de tomada de decisão que privilegia-
vam economia e eficiência acima de outros valores públicos (CLARKE; NEW-
MAN, 2012, p. 358).
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
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PERONI, V.. M. V. • Implicações da relação público-privado para a democratização da educação no Brasil
A especificidade brasileira
As redefinições no papel do Estado implicam o processo de democrati-
zação e a minimização de direitos universais e de qualidade para todos, o que
traz consequências para as populações de todo o mundo; no entanto, em paí-
ses que viveram ditaduras e um processo recente de luta por direitos materiali-
zados em políticas, o processo de privatização é ainda mais danoso.
No Brasil, historicamente o Estado foi vinculado aos interesses priva-
dos (FERNANDES, 1976; VIEIRA, 1998; PIRES, 2015; CURY, 2005). Após
o último período de ditadura, a partir de meados dos anos 1980, entrou na
pauta da sociedade, mesmo que de forma tímida, o processo de democrati-
zação, participação, coletivização das decisões, assim como direitos sociais
materializados em políticas. Ao mesmo tempo, os processos de neoliberalis-
mo, reestruturação produtiva e financeirização redefiniam o papel do Esta-
do para com as políticas sociais, com um diagnóstico de crise fiscal e redu-
ção de custos. Assim, ocorreram avanços inegáveis no acesso à educação, no
entanto com os “recursos possíveis” e, muitas vezes, em detrimento de salá-
rios e condições de trabalho dos profissionais da educação. A ampliação de
direitos pela universalização do acesso, inclusão de alunos com necessida-
des especiais, maior participação na vida escolar não foi seguida de condi-
ções materiais com a mesma intensidade das mudanças.
Vivemos a contradição de que, ao mesmo tempo em que a privatiza-
ção do público é cada vez maior, também, em um processo de correlação de
forças, estamos avançando lentamente em alguns direitos materializados em
políticas educacionais. Trata-se de direitos que foram reivindicados no pro-
cesso de democratização, nos anos 1980, e materializados em parte na Cons-
tituição Federal/88 e na Lei de Diretrizes e Bases de 1996, como a gestão
democrática da educação, a educação básica entendida como educação in-
fantil, fundamental e média, a gratuidade da educação pública, entre outros.
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
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PERONI, V.. M. V. • Implicações da relação público-privado para a democratização da educação no Brasil
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Sobre gestão democrática e gestão gerencial, ver Peroni (2012); Paro (2012).
12
Sobre a relação entre o Movimento Todos pela Educação e a venda de produtos educacionais
no Guia de Tecnologias, ver o texto do grupo de pesquisa que trata deste assunto: Bernardi;
Uczak; Rossi (2014); e sobre a presença do setor privado em geral no Guia de Tecnologias, ver
Rossi; Bernardi; Uczak (2013).
13
Sobre assessoria da McKinsey & Company ao governo federal, ver Bittencourt; Oliveira (2013).
14
Sobre creches comunitárias ver Susin (2009) e Flores; Susin (2013).
15
Sobre o Programa Brasil Alfabetizado, ver o texto do grupo de pesquisa que trata deste assun-
to, Comerlato; Moares, 2013.
16
Sobre o PRONATEC, ver o texto do grupo de pesquisa que trata deste assunto, Rodrigues;
Santos (2013).
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
Considerações finais
Na pesquisa apresentada, observamos no Brasil um misto de ampliação
de direitos, principalmente na oferta educacional; no entanto, em um proces-
so de correlação de forças políticas e econômicas, o setor privado pressiona
para assumir a direção das políticas educacionais que considera mais adequa-
das, instrumentais a este período particular do capitalismo.
Vivenciamos um processo de ajuste fiscal no país, no mesmo período
em que houve a ampliação da educação básica sem o financiamento necessá-
rio. Neste período, ainda, houve a expansão do ensino fundamental em detri-
mento de outras etapas ou modalidades da educação básica. O próprio ensino
fundamental se expandiu com os recursos disponíveis, sem o financiamento
necessário, tanto em termos de condições materiais das escolas quanto do sa-
lário de professores. Houve, assim, a naturalização da precarização em todas
as etapas e modalidades, e cada vez mais o repasse da execução ou direção
para instituições privadas com ou sem fins lucrativos, mas que imprimem a
lógica mercantil à educação.
Observamos que no ensino fundamental e médio, no Brasil, a expansão
da oferta ocorreu via escola pública e a privatização ocorreu via conteúdo da
educação através de parcerias ou venda de sistemas de ensino17, em que o pri-
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PERONI, V.. M. V. • Implicações da relação público-privado para a democratização da educação no Brasil
vado define a direção das políticas, mas também sua execução, já que atua na
gestão, currículo, formação de professores, avaliação, além de monitorar os
resultados. A expansão da oferta em creches, Educação de Jovens e Adultos,
educação profissional ocorreu via Terceiro Setor com financiamento público.
Neste caso, destacamos pontos polêmicos, como:: 1) os recursos públicos sen-
do repassados para instituições privadas, em vez de fortalecer e expandir a
rede pública; 2) a precarização da oferta, com expansão via racionalização de
recursos; 3) as instituições privadas não necessariamente seguem princípios
constitucionais de gestão democrática e gratuidade, apesar do financiamento
ser público 4) a precarização do trabalho docente, que não tem estabilidade,
plano de carreira e, em alguns casos, recebe bolsa e não salário; 5) o privado
define o conteúdo da educação.
Outra questão importante é que o mercado justifica a sua atuação no
público para formar um sujeito instrumental à reestruturação produtiva e um
projeto de desenvolvimento competitivo em nível internacional; no entanto,
as parcerias atuam com produtos padronizados e replicáveis, no sentido de
igual para todos, o que é considerado em nossas pesquisas como um retroces-
so. Enfim, a educação sempre esteve vinculada ao capital, mas lutamos no
período de democratização para avançar no sentido de uma proposta demo-
crática e realmente pública de educação. Educação entendida como processo
societário de formação humana. Neste sentido, consideramos a lógica de mer-
cado na educação um retrocesso.
Vivemos um período de naturalização da perda de avanços já havidos
no campo da democratização da educação, o que não prejudica apenas a efeti-
vação da gestão democrática nas escolas, mas também coloca em risco a cons-
trução de um projeto de país mais democrático em todos os sentidos. Enten-
demos que a democracia é pedagógica em seu processo de efetivação. Trata-se
de uma aprendizagem, que envolve muitos conflitos, sendo o ambiente da es-
cola um espaço privilegiado para esta construção. Vivemos um período peri-
goso para a democracia em que o mercado determina o que é qualidade e
quais são a cultura e os princípios educacionais a serem construídos.
Questionamos até que ponto nosso país estaria desistindo de construir,
de fato, uma sociedade democrática, já que a democracia não passa a existir
apenas pela ausência da ditadura. Será que neste momento pensamos que já
vivemos em uma sociedade democrática? Ou será que entendemos que a de-
mocracia não deu certo e então partiremos para os critérios técnicos? A socie-
17
Sobre sistemas de ensino, ver Adrião; Garcia; Borgui; Arelaro (2009).
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
dade civil do capital está mais organizada do que a sociedade civil que luta
pela escola pública. Quem são os interlocutores do governo federal para a de-
finição das políticas educativas? Qual é o espaço dos diferentes sujeitos?
Entendemos que a relação entre o público e o privado na direção e exe-
cução da educação é um processo de correlação de forças, que não ocorre por
acaso e que está cada vez mais dando direção para a política pública. Lutamos
por processos democráticos e de justiça social na educação e quanto mais avan-
çamos neste caminho, mais o capital se organiza para retomar o seu papel na
educação. Assim, retomamos a ideia de que são distintos projetos societários
de classe em relação.
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PERONI, V.. M. V. • Implicações da relação público-privado para a democratização da educação no Brasil
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
Introdução
O objetivo geral desse estudo é demonstrar a constituição histórica da
correlação de forças entre o público e o privado na promoção do direito social
à educação e as suas consequências para a consolidação da esfera pública no
Brasil. A relação público-privado na educação demonstra os desafios para a
constituição da esfera pública no Brasil, devido à permanente aproximação
com o setor privado. Entendo que a relação entre tais esferas deve primar pela
satisfação dos interesses de toda a coletividade. Porém, a esfera privada, sendo
excludente, hegemônica e privatista, provoca exatamente o contrário.
Nesse sentido, a educação passa a ser compreendida como parte de um
movimento maior. Logo, o processo educacional deve considerar as caracte-
rísticas do momento histórico do qual ele é parte constitutiva. O referencial
teórico adotado é o do materialismo dialético. Ao escolher o objeto de pesqui-
sa, levo em consideração as conjunturas políticas, sociais e econômicas relati-
vas ao seu contexto histórico. Tenho presente que, qualquer que seja o método
escolhido para a realização da pesquisa, ele procede de características e de
uma apreciação própria do real. Nesse sentido, o referencial materialismo-
histórico-dialético possibilita uma análise mais completa, já que não se funda-
menta na análise do objeto propriamente dito, mas, necessariamente, relacio-
na-se à realidade social. Portanto, pode-se inserir o objeto como parte consti-
tutiva do movimento do real.
O marco histórico inicial do estudo é definido a partir das especificida-
des do final do séc. XIX e se deve principalmente à ênfase que a educação
recebia naquele período. A educação passa a ser relacionada ao ideário repu-
blicano de construção da nação, que acaba por estreitar ainda mais os víncu-
los entre a esfera estatal e a esfera privada em relação à sua promoção.
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ção em relação ao ensino primário, resssignificando mais uma vez tal relação.
A União assumia explicitamente a responsabilidade pelo ensino secundário e
superior, considerados os “motores” da industrialização do país, conforme
podemos verificar com base na produção legislativa do período:
A ação de Francisco Campos, como ministro, logo se fez presente através de
uma série de decretos que efetivaram as chamadas Reformas Francisco Cam-
pos na educação brasileira. Foram eles: 1. Decreto nº 19.850, de 11 de abril
de 1931, que criou o Conselho Nacional de Educação; 2. Decreto nº 19.851,
da mesma data, que dispôs sobre a organização do ensino superior no Brasil
e adotou o regime universitário; 3. Decreto nº 19.852, também da mesma
data, que dispôs sobre a organização da Universidade do Rio de Janeiro; 4.
Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931, que dispôs sobre a organização do
ensino secundário; 5. Decreto nº 19.941, de 30 de abril de 1931, que instituiu
o ensino religioso como matéria facultativa nas escolas públicas do País; 6.
Decreto nº 20.158, de 30 de junho de 1931, que organizou o ensino comerci-
al e regulamentou a profissão de contador; 7. Decreto nº 21.241, de 14 de
abril de 1932, que consolidou as disposições sobre a organização do ensino
secundário (MORAES, 1992, p. 296).
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PIRES, D. de O. • O histórico da relação público-privado e a formação do Estado Nacional
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
45
PIRES, D. de O. • O histórico da relação público-privado e a formação do Estado Nacional
46
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
47
PIRES, D. de O. • O histórico da relação público-privado e a formação do Estado Nacional
48
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
Considerações finais
Ao final do estudo, podemos inferir que historicamente a educação pú-
blica brasileira foi expressão dos interesses da esfera privada. O estudo teve
início com a instauração da República; a partir do século XX e o predomínio
da lógica capitalista, o governo passou a manter algumas instituições públi-
cas, consideradas “instituições-modelos”, as quais deveriam servir de parâme-
tro para as instituições privadas. Essa postura estatal refletia ainda o perfil
descompromissado do governo para com a educação, pois em vez de aumen-
tar o número de instituições públicas, o que ampliaria o atendimento à popu-
lação, restringia sua própria atuação apenas à organização das escolas-mode-
los, fortalecendo a ação privatista. Verifiquei que dos anos 1930 aos anos 1960
ocorreram a regulamentação nacional do ensino e a necessidade da renovação
pedagógica, sendo justificadas essencialmente pelo estágio econômico em curso
de fomento à industrialização. A educação foi ressignificada, sendo incorpo-
rada ao projeto nacional de desenvolvimento, com vistas à instrução da gran-
49
PIRES, D. de O. • O histórico da relação público-privado e a formação do Estado Nacional
50
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
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51
As relações do Estado com empresários
nas políticas educacionais: PDE/PAR
e guia de tecnologias educacionais
Introdução
Neste artigo1 apresentamos as discussões sobre como o setor privado
mercantil adentra e influencia as políticas educacionais brasileiras. Para tanto,
vamos percorrer um caminho de análises que vai desde o Movimento Todos
pela Educação (TPE), que se constitui num movimento empresarial brasileiro
– passando pelo Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação – até a
implantação do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), que se cons-
titui em uma política educacional implementada pelo governo de Luiz Inácio
Lula da Silva e mantida por Dilma Rousseff. Tal programa se materializou
através do Plano de Ações Articuladas (PAR), o qual, partindo de um diag-
nóstico da realidade local2, propõe a elaboração de um plano de educação que
é constituído de ações e subações. Estas são de assistência técnica e financeira
e podem ser de responsabilidade do MEC ou do próprio estado ou município.
Parte da assistência oferecida se encontra no Guia de Tecnologias Educacio-
nais, que é um documento que contém a descrição de diversas tecnologias e
informações suplementares acerca de materiais pedagógicos elaborados por
instituições ou empresas públicas e/ou privadas e que são pré-qualificadas pelo
MEC.
A partir da metodologia de análise documental, constatamos a indução
de parcerias com entidades do setor privado desde a etapa inicial até a imple-
1
Este artigo integra a pesquisa ‘Parcerias entre sistemas públicos e instituições do Terceiro Setor
no Brasil, Argentina, Portugal e Inglaterra: implicações para a democratização da educação’,
realizada por um grupo de pesquisadores junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, coordenado pela Professora Dra. Vera Maria
Vidal Peroni.
2
Nos estados e/ou municípios.
52
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
3
Trevor Gale distingue dois conceitos: politics (processo de formulação da política) e policy (o resul-
tado, o efeito, o objeto), mas ressalta que estes dois níveis de análise não devem ser separados.
53
BERNARDI, L. M. et al. • As relações do Estado com empresários nas políticas educacionais
4
Aqui nos referimos ao movimento de empresários que encabeçam o Movimento Todos pela
Educação. Sobre a relação entre o público e o privado na educação brasileira, ver Pires (2015).
54
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
5
Em 2006, realizou-se a Conferência Ações de Responsabilidade Social em Educação: melho-
res práticas na América Latina, promovido pela Fundação Lemann, Fundação Jacobs e Grupo
Gerdau, com apoio do PREAL. Os representantes das empresas brasileiras reunidos elabora-
ram um documento sobre educação: “Compromisso Todos Pela Educação”.
55
BERNARDI, L. M. et al. • As relações do Estado com empresários nas políticas educacionais
6
A convocatória inicial do TPE foi feita pelo Itaú Unibanco Holdings S.A.
56
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
7
Este quadro foi atualizado em 25 de maio de 2015. Destacamos que anteriormente José Fran-
cisco Soares, representante do INEP, integrava tal conselho, caracterizando a participação do
governo federal no Movimento TPE.
57
BERNARDI, L. M. et al. • As relações do Estado com empresários nas políticas educacionais
8
<http://www.todospelaeducacao.org.br>. Acesso em: 25 maio 2015.
58
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
9
<http://www.todospelaeducacao.org.br>. Acesso em: 10 set. 2014.
10
Site consultado em 10 de setembro de 2014.
59
BERNARDI, L. M. et al. • As relações do Estado com empresários nas políticas educacionais
11
A segunda pesquisa realizada pelo MEC em parceria com o Banco Mundial, que deu base ao
Plano de Metas, examinou sistemas municipais que apresentavam resultados de qualidade em
comparação ao baixo desempenho obtido por municípios com as mesmas características soci-
oeconômicas.
12
Undime – União dos Dirigentes Municipais de Educação; CNTE – Confederação Nacional
dos Trabalhadores em Educação, Consed – Conselho Nacional de Secretários Estaduais de
Educação.
60
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
13
Para exemplificar as relações do empresariado na política educacional, no contexto de formu-
lação da política, tomemos por base o Rio Grande do Sul, onde o Decreto 45529 de 05 de
março de 2008 estabeleceu o Comitê Estadual de gestão do Plano de Metas Compromisso
Todos pela Educação; coordenado por Marisa Abreu, teve a representação da Undime, CEED,
Ministério Público, Conselhos Tutelares, o ex-ministro da Educação Paulo Renato Souza e
representantes de associações de empresários como o Instituto Gerdau e a Fundação Mauri-
cio Sirotsky Sobrinho – que pertence à RBS, afiliada da Rede Globo, entre outros.
61
BERNARDI, L. M. et al. • As relações do Estado com empresários nas políticas educacionais
14
Cabe destacar que o MEC “avalia e pré-qualifica aquelas tecnologias e materiais que conside-
ra inovadores e capazes de promover a qualidade da educação básica em todas as etapas e
modalidades. Com o objetivo de disseminar tecnologias inovadoras, essa pré-qualificação se
realiza a partir de critérios próprios e, após a avaliação da implantação e implementação,
podem ser certificadas pelo MEC, caso se constate que tenham gerado impacto positivo na
evolução dos indicadores da qualidade da educação básica” (ROSSI; BERNARDI; UCZAK,
2013, p. 211-212).
15
O Guia de Tecnologias publicado em 2013 não foi incluído neste estudo por considerarmos
que houve uma mudança quanto ao foco das tecnologias ofertadas, uma vez que todas con-
templam a educação integral, como indicado no título do Guia: Educação Integral e Integra-
da e a articulação com seu território.
62
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos Guias de Tecnologias Educacionais 2009 e
2011/2012.
63
BERNARDI, L. M. et al. • As relações do Estado com empresários nas políticas educacionais
64
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
GTE
PEJ Prjt Entre Gestão da
Acelera Jovens Educação
Se liga
Circuito
Campeão Jovem de Fund. Itaú Social
Futuro
Instituto Unibanco
Luiz Paulo Saade Montenegro Danilo Santos de Miranda SESC/SP Div Regional
Conselho de
Grupo Pão de Açúcar
Governança Denise Aguiar Alvarez
Dir. Fund. Bradesco
Ana Maria dos S. Diniz
Fernão Bracher
Itaú - BBA
Luís Norberto Pascoal
Luciano Monteiro
3UHV*UXSR'¶3DVFKRDOH Projeto Sala de
)XQG(GXFDU'¶3DVFKRDO Leitura
José Paulo Soares Martins
José Roberto Marinho
Dir. rel. institucionais da
Wanda Engel Aduan Editora Moderna
Guia de Tecnologias
Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos Guias de Tecnologias Educacionais 2009 –
2011/2012 e a partir do site http://www.todospelaeducacao.org.br.
16
Trabalho compreendido conforme Evangelista e Leher citado anteriormente.
65
BERNARDI, L. M. et al. • As relações do Estado com empresários nas políticas educacionais
66
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
67
BERNARDI, L. M. et al. • As relações do Estado com empresários nas políticas educacionais
Considerações finais
Neste artigo, abordamos o Movimento Todos pela Educação, fundado
por empresários, até a criação do Compromisso Todos pela Educação pelo
governo federal, que incorporou a agenda empresarial. Evidenciamos as pos-
sibilidades de parcerias público-privadas que se abrem a partir da elaboração
do Plano de Ações Articuladas aos estados e municípios que assinaram o
Compromisso. Buscamos destacar os caminhos pelos quais o setor privado
adentra e influencia o setor público nas políticas educacionais, com destaque
para a apropriação por parte dos empresários do discurso da agenda produzi-
da pela luta em defesa da democratização da educação e a redefinição dos
caminhos a serem executados.
Vimos que os mesmos empresários que fundaram o TPE são interlocu-
tores junto ao Estado na definição de políticas e na venda de produtos pedagó-
gicos a partir do Guia de Tecnologias Educacionais, que é uma ferramenta
disponibilizada aos municípios que elaboram o PAR, no qual constam progra-
mas e informações suplementares acerca de materiais pedagógicos elaborados
por instituições ou empresas públicas e/ou privadas e que são pré-qualificados
pelo MEC.
Esta afirmação do poder de ação do grupo empresarial ligado ao TPE,
que, ao mesmo tempo, é interlocutor que induz a definição de propostas e
programas educacionais e torna-se cliente do Estado, pode ser definida como
um movimento de classe. Os empresários colocaram o mercado como a solu-
ção para todos os problemas da educação e a lógica da gestão empresarial
como única alternativa de sucesso. Neste sentido, entendemos que os empre-
sários que constituem o TPE como classe organizada são os representantes da
classe dominante. Os mesmos que dão o tom para a criação de algumas das
políticas educacionais brasileiras são os que irão ofertar as “soluções” para os
“problemas” educacionais.
Ao se constituírem em rede, os empresários em ação no Movimento
Todos pela Educação, se não pautam diretamente as políticas como interlocu-
tores diretos ou clientes, fazem-no na mediação, no apoio que oferecem a ou-
tras empresas que ofertam produtos ou que ajudam a determinar o tipo de
qualidade educacional defendida por eles: medida, ranqueada e solucionada
pelo mercado.
Ao mesmo tempo, a política educacional construída pelo governo atra-
vés do PDE/PAR constitui-se em uma estratégia utilizada para regulamentar
o regime de colaboração com municípios, estados e Distrito Federal, e, com a
participação das famílias e da comunidade, visa à mobilização social pela
68
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
Referências
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cado no D.O.U., Seção 3, p. 41/42/43/44, 21 maio 2009.
BRASIL. Decreto nº 6.094, de 24 abril de 2007. Dispõe sobre a implementação do Plano
de Metas Compromisso Todos pela Educação, pela União Federal, em regime de cola-
17
Farenzena (2012) defende que a política está consolidando o regime de colaboração entre os
entes federados no país.
69
BERNARDI, L. M. et al. • As relações do Estado com empresários nas políticas educacionais
70
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
71
A educação infantil no Brasil:
direito de toda criança
ainda em construção
Introdução
O presente texto analisa a oferta da educação infantil por meio da parce-
ria público-privada no Brasil, evidenciando a flexibilização do sistema regulató-
rio que normatiza a educação, bem como a sua relação com os preceitos e reco-
mendações para os países parceiros e/ou signatários presentes nos documentos
de organismos internacionais. A partir daí, a análise dedica-se a apontar o quan-
to estes movimentos interferem no conteúdo da educação brasileira, cuja pro-
posta, até o presente momento, está alicerçada na democratização do acesso a
uma educação de qualidade, pública e gratuita a ser assegurada pelo poder pú-
blico a todo cidadão brasileiro de 0 (zero) até os 17 (dezessete) anos de idade.
A parceria público-privada para a oferta da educação infantil no país
conta com a atuação de múltiplos sujeitos, mas neste texto em particular va-
mos trabalhar com um destes sujeitos, o Banco Mundial, considerando a im-
portância e abrangência da sua atuação na educação em inúmeros países.
O conteúdo trabalhado neste documento faz parte de uma pesquisa de-
senvolvida pelo Núcleo de Estudos de Política e Gestão da Educação da Uni-
versidade Federal do Rio Grande do Sul/Brasil-Faculdade de Educação, cujo
objeto é analisar a relação público-privado que se dá por meio das “parcerias
entre sistemas públicos e instituições do terceiro setor e as suas consequências
para a democratização da educação no Brasil, Argentina, Inglaterra e Portu-
gal”, coordenada pela Drª Vera Maria Vidal Peroni.
A metodologia utilizada consiste na análise de documentos legais brasi-
leiros que envolvem a educação, com destaque para a educação infantil, pas-
sando por documentos de organismos internacionais dos quais o Brasil é par-
ceiro e/ou signatário, tendo como ponto de partida a trajetória de luta da edu-
cação infantil, que ainda hoje busca sua legitimação como política pública de
direito universal, assegurada pelo Estado brasileiro.
72
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
1
Direito que não pode ser questionado ou discutido e deve ser assegurado a todo cidadão brasi-
leiro. Neste caso, não se aplica o poder discricionário do gestor.
73
SUSIN, M. O. K.; MONTANO, M. R. • A educação infantil no Brasil
2
Tanto o FUNDEF quanto o FUNDEB são fundos de abrangência estadual constituídos por
percentual de determinados impostos, definidos em lei, havendo variação do valor do custo
aluno por estado, o qual não pode ser inferior ao custo aluno mínimo definido nacionalmente.
Quando isso ocorre, há suplementação da União.
3
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, realizou estudos sobre os insumos a serem
considerados na definição do Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi) e o Custo Aluno Qualida-
de (CAQ) divulgados em seu site www.campanhaeducacao.org.br e matéria constante de suas
publicações, bem como o Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica CNE/
CEB aprofundou estudos e apresentou o CAQi no Parecer CNE/CEB nº 8/2010, aprovado em
5 de maio de 2010 que “Estabelece normas para aplicação do inciso IX do artigo 4º da Lei nº
9.394/96 (LDB), que trata dos padrões mínimos de qualidade de ensino para a Educação Bási-
ca pública”, ainda não homologado pelo Ministério de Educação do Brasil.
74
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
4
Palestra proferida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS (Brasil/RS) em 02
de março de 2015.
75
SUSIN, M. O. K.; MONTANO, M. R. • A educação infantil no Brasil
5
O Programa Bolsa Creche foi criado pelo município de São Paulo, capital do estado de mesmo
nome, e se constitui em auxílio para mães que não conseguem vagas para os seus filhos em
creches públicas municipais. Para participar do referido programa é necessário estar cadastra-
da junto à Prefeitura Municipal. Este programa existe em outros municípios do estado de São
Paulo, além da capital.
76
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
6
Sobre esta matéria ver Susin, 2009, em tese de doutorado intitulada “A qualidade da educação
infantil em Porto Alegre: estudo de caso em quatro creches conveniadas”.
7
O Relatório trata de um levantamento sobre a qualidade da educação infantil do Brasil.
77
SUSIN, M. O. K.; MONTANO, M. R. • A educação infantil no Brasil
8
Neste caso, ver Susin, 2009.
78
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
79
SUSIN, M. O. K.; MONTANO, M. R. • A educação infantil no Brasil
política de educação e aponta ações que considera mais adequadas para o cum-
primento da universalização da pré-escola.
Na apresentação dos fatos, o relatório afirma que a oferta da educação
infantil tem impacto positivo ou negativo: de curto prazo para o desenvolvi-
mento cognitivo; de médio prazo para os níveis de aprendizado, apresentado
pelo resultado das avaliações externas, e de longo prazo para os índices de
escolaridade e renda, assinalando que o maior impacto positivo ocorre para as
crianças de famílias pobres. O documento pauta suas análises a partir da reso-
lução de problemas sociais tendo como parâmetro o crescimento econômico e
não o direito à educação, e considera a intervenção (oferta) como investimen-
to que, na educação infantil, traz impactos positivos contínuos sobre as crian-
ças, com benefícios que superam em muito os gastos realizados inicialmente,
com a adição de programas de outras áreas com baixo custo.
Na análise da implicação da política, o mesmo texto afirma alguns pon-
tos que merecem destaque, como, por exemplo, a questão de investimento estra-
tégico em educação infantil: “O Brasil terá que investir estrategicamente em
educação infantil e usar outros modelos criativos para atingir as crianças”, ad-
vogando o atendimento para crianças muito pequenas por centros de educação
infantil (espaços que acolhem crianças de 0 a 3 anos) para áreas de menor densi-
dade populacional, a fim de que estas não preencham vagas de creche ou pré-
escola que exigiriam um grande deslocamento para o acesso, e registra:
Programas como o do Estado do Acre, Asas da Florestania Infantil (para
pré-escola), ou o Primeira Infância Melhor (para crianças ainda menores),
no Rio Grande do Sul, servem como modelo para potenciais alternativas de
disseminação. Além de fornecer estímulo para crianças, eles dão treinamen-
to para os pais, reforçando os benefícios da atenção fora do ambiente esco-
lar (BANCO MUNDIAL, s.d., fl. xvi).
80
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
81
SUSIN, M. O. K.; MONTANO, M. R. • A educação infantil no Brasil
82
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
ção que ali se constrói, onde as instituições mais aquinhoadas [...] que con-
tam com mais recursos oferecem melhores condições de qualidade e as co-
munidades mais carentes [...] serão as mais prejudicadas nesta relação desi-
gual com a qualidade a que estão submetidas. A disparidade entre as insti-
tuições faz com que se perca de vista o paradigma da igualdade do direito de
todo cidadão a uma educação de qualidade, assegurada por princípio cons-
titucional (SUSIN, 2009, p. 268).
83
SUSIN, M. O. K.; MONTANO, M. R. • A educação infantil no Brasil
9
Lei Federal n.º 12.796, de 04 de abril de 2013, que altera a Lei n.º 9394, de 20 de dezembro de
1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
84
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
ao currículo desta etapa da educação básica, que, nos moldes das demais eta-
pas, terá uma base nacional comum e uma parte diversificada, bem como a
avaliação com acompanhamento e registro do desenvolvimento da criança sem
objetivo de promoção, já existente anteriormente a esta alteração da lei. A
mudança neste aspecto diz respeito ao registro dessa avaliação em documento
que ateste os processos de desenvolvimento da criança, muito nos moldes das
estratégias do BM, cuja avaliação de viés meritocrático deve atestar o resulta-
do final do processo para garantir o alcance da relação custo-benefício tam-
bém na educação. Não esqueçamos que os dois eixos do documento em pauta
são a flexibilização do ordenamento jurídico dos sistemas e a avaliação.
Ao referenciar a questão da qualidade, o documento afirma:
O Governo Federal deve incentivar fortes sistemas de monitoramento muni-
cipais para garantir que as instituições de Educação Infantil sejam responsá-
veis por seus resultados, introduzir uma ferramenta padrão de observação e
fornecer diretrizes de licenciamento para padrões mínimos de qualidade aos
quais os municípios possam se adaptar (BANCO MUNDIAL, 2001, fl. xviii).
10
Infant-Toddler Environment Rating Scale (Escala de Avaliação do Ambiente de Creche).
11
Early Childhood Environment Rating Scale-Revised (Escala de Avaliação do Ambiente de
Educação Infantil).
85
SUSIN, M. O. K.; MONTANO, M. R. • A educação infantil no Brasil
Considerações finais
O estudo feito até o presente momento, a partir dos documentos legais
nacionais e internacionais que pautam a educação infantil no Brasil, permite-
nos afirmar que o caminho indicado e praticado na educação infantil está a
consagrar, como política de atendimento para esta faixa etária, a parceria do
poder público com a sociedade civil, proporcionando o afastamento do Esta-
do na operacionalização desta política, mas mantendo-o como regulador. Esta
regulação, presente na atual legislação brasileira, está a referendar as reco-
mendações dos organismos multilaterias dos quais o Brasil é parceiro, com
destaque para a atuação do Banco Mundial, o qual exerce importante papel
nos rumos da educação mundial, influenciando sobremaneira as políticas de
educação no Brasil.
No processo de regulação, a atuação do Estado se faz por meio da emis-
são de leis e orientações que dão seguimento às recomendações e às sugestões
que envolvem a participação da iniciativa privada, não só pela “sua eficiên-
cia”, mas também pela “redução dos custos”, frente à atuação pública, numa
propalada eficiência e eficácia que nem sempre assegura o direito a todos e
todas. A tomada de decisões do Estado no processo de regulação da educação
é influenciada ainda pelos parceiros econômicos privados e filantrópicos que
atuam ativamente na definição das políticas educacionais brasileiras.
A flexibilização dos sistemas de ensino e a atuação de parceiros em pro-
gramas ofertados por outros espaços que não os espaços institucionais de edu-
cação infantil não podem ser aceitas como substitutos desta, mas como mais
uma oportunidade para o envolvimento das crianças e das famílias em ativida-
des sociais ou assistenciais complementares à educação, esta última direito de
todos os brasileiros e brasileiras. Somente políticas públicas que efetivem di-
reitos constitucionalmente assegurados podem ser aceitas como práticas de
responsabilização do Estado na garantia dos direitos dos cidadãos.
É por meio do poder público que será assegurada educação de qualida-
de para todas as crianças numa sociedade capitalista e desigual como a brasi-
leira, pois não há igualdade de direitos em uma sociedade de classes. O que
estamos afirmando é a efetivação do direito à educação enquanto direito pú-
blico inalienável e urgente, pois a educação na infância, se descuidada, não
pode mais ser resgatada e passará a ser uma dívida que nunca será paga.
86
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
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dá outras providências. Presidência da República, Casa Civil, 1996.
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cação – FUNDEB, de que trata o art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Tran-
sitórias; altera a Lei no 10.195, de 14 de fevereiro de 2001; revoga dispositivos das Leis
nos 9.424, de 24 de dezembro de 1996, 10.880, de 9 de junho de 2004, e 10.845, de 5 de
março de 2004; e dá outras providências. Presidência da República, Casa Civil, 2007.
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2009.
87
SUSIN, M. O. K.; MONTANO, M. R. • A educação infantil no Brasil
88
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
Introdução
O artigo tem como objetivo analisar como o setor privado interfere no
público, através da parceria entre o Instituto Unibanco e escolas de ensino
médio no Brasil. Neste caso, entendemos que a propriedade permanece públi-
ca, mas a instituição privada interfere no conteúdo da educação, através da
gestão por resultados, trazendo uma lógica empresarial individualista e com-
petitiva, em detrimento de princípios focados no processo de construção de
valores democráticos. Abordaremos também como se dá a influência dos su-
jeitos que participam do Conselho de Governança do Instituto e suas redes de
relações. O enfoque teórico-metodológico para a análise de redes parte da con-
cepção de que o Estado e a sociedade civil são entendidos como relação e
processo em um movimento de sujeitos em correlação de forças de classes
sociais e projetos societários distintos. Neste sentido, as redes são analisadas
como sujeitos em relação com objetivo de classe1 (PERONI, 2013).
Nesse artigo, analisamos como a lógica mercantil tem participado ati-
vamente da direção e execução das políticas sociais e como a presença desses
sujeitos passa a influenciar fortemente essas políticas, deixando as responsabi-
lidades ficarem cada vez mais diluídas na materialização dos direitos, nesse
caso a educação.
Ressaltamos que o Ensino Médio foi ampliado nas últimas décadas, e
essa ampliação ocorreu na esfera pública. Das matriculas totais do ensino mé-
dio no Brasil, conforme o IBGE em 2014, 86,75% estão nas escolas públicas e
1
Relação, processo e classe social na perspectiva de Thompson (1981).
89
CAETANO, M. R.; PERONI, V. M. V. • Ensino Médio no Brasil e a proposta educacional do Instituto Unibanco
90
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
2
No Brasil, o governo Lula formulou e promulgou a Lei de Parcerias Público-Privadas (PPPs, Lei
No 11.079, de 30 de dezembro de 2004), alterada no governo Dilma pela Lei 12.766/2012, que se
expandiu na esteira do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) e também na educação.
91
CAETANO, M. R.; PERONI, V. M. V. • Ensino Médio no Brasil e a proposta educacional do Instituto Unibanco
para imprimir uma suposta qualidade à educação sob a ótica dos resultados.
Para isso, utilizam-se diversas estratégias, entre elas os contratos de gestão,
termos de cooperação, PPPs, que formam quase mercados, onde a proprieda-
de permanece pública, mas o conteúdo da gestão é privado.
Uma das formas de viabilizar essas parcerias é expressa por Anthony
Giddens (2001, p. 105) quando afirma que “os incentivos fiscais podem ser
mesclados com outras formas de regulamentação. Os incentivos positivos à
filantropia, por exemplo, podem ter um papel tão significativo quanto o dos
impostos na transmissão direta de riqueza”.
O Estado cria ordenamentos políticos e jurídicos que favorecem tanto o
envolvimento da sociedade civil quanto a privatização de setores estratégicos,
estimulando e expandindo o setor privado. Isso ocorre, por exemplo, através
da renúncia fiscal, do repasse de dinheiro público por convênios, parcerias ou
outras formas de favorecimento a essas instituições. Para o autor,
um clima positivo para a independência do empresariado e a iniciativa deve
ser alimentado. Mercados flexíveis são essenciais para que se reaja com efi-
cácia à mudança tecnológica. A expansão das empresas não deve ser obstru-
ída por demasiados regulamentos e restrições (GIDDENS, 2001, p. 16).
92
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
3
Ver Adrião (2014); Peroni (2013); Adrião e Garcia (2009); Adrião; Peroni (2011).
93
CAETANO, M. R.; PERONI, V. M. V. • Ensino Médio no Brasil e a proposta educacional do Instituto Unibanco
94
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
95
CAETANO, M. R.; PERONI, V. M. V. • Ensino Médio no Brasil e a proposta educacional do Instituto Unibanco
ponsável por validar as ações, supervisionadas por técnicos, que realizam visi-
tas, conferem a organização de atividades e analisam relatórios e cronogra-
mas. Além da supervisão intensiva, o monitoramento físico-financeiro tam-
bém é contínuo, como forma de zelar pela adequada aplicação dos investi-
mentos, ou promover sanções, quando necessário, em função de resultados
negativos (INSTITUTO UNIBANCO, 2011).
Assim, o Conselho Escolar, um dos importantes pilares da gestão demo-
crática, perde importância, já que é formado outro conselho gestor na escola
vinculado ao projeto. Para o Instituto Unibanco, a “função do Grupo Gestor é,
em conjunto com o diretor da escola, planejar e coordenar a elaboração do Pla-
no de Ação, implementar e executar o ProEMI/JF, tomando as decisões neces-
sárias para garantir o seu sucesso” (INSTITUTO UNIBANCO, 2014).
A gestão focada em resultados é efetivada na escola através da constru-
ção do Plano de Ação, “a partir de atividades de planejamento, execução,
monitoramento e avaliação que compõem um processo cíclico, retroalimenta-
do e contínuo, denominado ‘Circuito de Gestão’” (INSTITUTO UNIBAN-
CO, 2014, p. 10).
O Programa Jovem do Futuro incentiva ainda o desenvolvimento de um
trabalho de gestão escolar voltado para a obtenção de resultados predefinidos,
que estão distribuídos em três eixos centrais: aluno, professor e gestão. Os eixos
apresentados se referem aos públicos-alvo na execução das ações propostas pela
escola, sendo que, para cada eixo, existem dois resultados de referência. No
Quadro 1, aparecem os resultados esperados na execução do projeto.
96
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
Mas o que não está sendo dito é que a “focalização no básico” restringe o
currículo de formação da juventude e deixa muita coisa relevante de fora,
exatamente o que se poderia chamar de “boa educação”. Além disso, assi-
nala para o magistério que, se conseguir ensinar o básico, já está bom, em
especial para os mais pobres (FREITAS, 2012, p. 389, grifo do autor).
4
Ver relatório de atividades Instituto Unibanco (2011, p. 17 e 25).
97
CAETANO, M. R.; PERONI, V. M. V. • Ensino Médio no Brasil e a proposta educacional do Instituto Unibanco
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
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CAETANO, M. R.; PERONI, V. M. V. • Ensino Médio no Brasil e a proposta educacional do Instituto Unibanco
100
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
5
O Insper é uma instituição sem fins lucrativos de ensino superior e pesquisa reconhecida como
referência em Administração, Economia, Direito e Engenharia. Recentemente criou o Centro
de Políticas Públicas, cuja área de pesquisa é a educação e se organiza através de um Núcleo de
Pesquisa em Ciências para a Educação coordenado por Ricardo Paes de Barros, ligado à Cáte-
dra do Instituto Ayrton Senna, e o Núcleo Ciência para a Infância, com o objetivo de contribuir
para a melhora das políticas públicas brasileiras voltadas ao desenvolvimento da primeira in-
fância, por meio da “tradução” do conhecimento científico, produzido por pesquisadores, para
uma linguagem mais acessível à sociedade, segundo o site http://www.insper.edu.br/cpp/.
101
CAETANO, M. R.; PERONI, V. M. V. • Ensino Médio no Brasil e a proposta educacional do Instituto Unibanco
6
Entre 2011 e 2015, foi subsecretário de Ações Estratégicas da Secretaria de Assuntos Estratégi-
cos da Presidência da República (governo Dilma Roussef). É professor titular da Cátedra Insti-
tuto Ayrton Senna no Insper e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Ciências para Educa-
ção do Centro de Políticas Públicas – CPP.
102
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
Considerações finais
Em nossas pesquisas, analisamos as várias formas de relação entre o
público e o privado na educação básica. Aqui, buscamos analisar mais especi-
ficamente como o privado interfere no público através de uma parceria em que
a propriedade permanece pública, mas a instituição privada interfere no currí-
culo, trazendo uma lógica empresarial individualista e competitiva. Esta lógi-
ca foca nos resultados em detrimento do processo democrático, que tem prin-
cípios coletivistas e focados na construção de valores democráticos.
Enfatizamos que, no período atual, a garantia do acesso ao ensino mé-
dio foi ampliado na escola pública, o que consideramos um avanço nesse pro-
cesso. No entanto, também verificamos a presença cada vez maior do setor
103
CAETANO, M. R.; PERONI, V. M. V. • Ensino Médio no Brasil e a proposta educacional do Instituto Unibanco
104
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
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105
CAETANO, M. R.; PERONI, V. M. V. • Ensino Médio no Brasil e a proposta educacional do Instituto Unibanco
106
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
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107
O Pronatec na fronteira
entre o público e o privado
108
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
1
Conforme site oficial do Programa <http://pronatec.mec.gov.br>. Acessado em: 01 jun. 2015.
2
Verificado por acesso ao site http://pronatec.mec.gov.br/, em 01 jun. 2015.
109
RODRIGUES, R. de O.; SANTOS, M. I. dos • O Pronatec na fronteira entre o público e o privado
A Bolsa Formação tem por objetivo ampliar a oferta da EPT para estu-
dantes do ensino médio da rede pública e para trabalhadores, a partir da con-
cessão de bolsas financiadas pelo Governo Federal para a ocupação de vagas
em cursos ofertados pelas redes públicas e Sistema S. A Bolsa Formação é
dividida em três modalidades: (i) estudantes, com oferta de cursos de Forma-
ção Inicial e Continuada e cursos Técnicos concomitantes aos estudantes do
ensino médio público; (ii) trabalhador – modalidade Seguro-Desemprego, a
partir da oferta de cursos FIC para beneficiários do seguro-desemprego, com
recorte inicial de reincidência, baixa escolaridade e faixa etária; e (iii) traba-
lhador – modalidade Inclusão Produtiva, com oferta de cursos FIC, Brasil
Alfabetizado e Mulheres Mil, atendendo o público dos programas federais de
inclusão social, especialmente o Bolsa Família, com recorte inicial de baixa
escolaridade e faixa etária.
Ao priorizar os beneficiários do Programa Bolsa Família, a partir dos
critérios de reincidência, escolaridade, faixa etária e capacidade de oferta do
município, evidencia-se a intenção do Pronatec de promover a articulação
de diferentes ações do Estado visando à qualificação profissional das classes
populares para uma possível inclusão social pelo acesso ao emprego. Porém,
como conclui Cátia Guimarães, em reportagem em que entrevistou Marise
Ramos, o Programa mantém uma concepção de educação profissional mui-
to estreita e, principalmente, “a versão atual dessa política está ignorando
estudos que, segundo ela [referindo-se a Marise Ramos], já mostram que
essa população não tem conseguido sair do círculo da transferência de ren-
da, tendendo a migrar de um programa assistencial para outro” (GUIMA-
RÃES, 2014, p. 3).
Importa destacar que essa ação do Pronatec, em especial na Bolsa For-
mação modalidade estudantes, retoma a concomitância na oferta da educação
profissional de nível médio, separada e complementar ao ensino médio, pres-
supondo a existência de matrículas distintas para cada curso. A proposta do
Programa consiste em que os estudantes do ensino médio das redes públicas
cursem a formação geral em suas escolas de origem e, em contraturno, desen-
volvam a formação profissional, utilizando as estruturas públicas ou privadas
instaladas na região. O impacto para a aprendizagem dos estudantes nessa
convivência com institucionalidades distintas, muitas vezes com diferenças
significativas em sua estrutura física, equipamentos, recursos humanos, for-
mas de gestão e no papel que desenvolvem na sociedade, precisa ser mais bem
avaliado, sob o risco de serem criadas falsas dicotomias, valorizando o polo
privado como modelo de eficiência em comparação ao público. Além disso,
110
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
3
O Ensino Médio Integrado é caracterizado, entre outros elementos, pela articulação entre con-
teúdos do ensino médio e da formação profissional, que devem ser trabalhados de forma inte-
grada durante todo o curso, e pela oportunidade de elevar a escolaridade simultaneamente com
a aquisição de uma formação específica para a inclusão no mundo do trabalho. Sobre este tema
ver Frigotto; Ciavatta; Ramos (2005) e Ramos (2011).
111
RODRIGUES, R. de O.; SANTOS, M. I. dos • O Pronatec na fronteira entre o público e o privado
112
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
4
Dados retirados do site do BNDES: <http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/
Institucional/Sala_de_Imprensa/Noticias/2012/social/20120229_senai.html>. Acesso em: 29
mar. 2015.
113
RODRIGUES, R. de O.; SANTOS, M. I. dos • O Pronatec na fronteira entre o público e o privado
5
Fonte: SETEC/MEC.
114
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
7 1 - SENAI
6
5 2 - SENAC
4 1 3 - REDE FEDERAL
4 - REDE ESTADUAL
3 5 - SENAT
6 - SENAR
2
7 - REDE PRIVADA
Fonte: SETEC/MEC.
115
RODRIGUES, R. de O.; SANTOS, M. I. dos • O Pronatec na fronteira entre o público e o privado
116
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
6
Sobre essa questão, ver Rodrigues; Santos 2013.
117
RODRIGUES, R. de O.; SANTOS, M. I. dos • O Pronatec na fronteira entre o público e o privado
7
Existe uma efetiva polêmica referente à utilização do termo “neo” ou “novo” desenvolvimen-
tismo devido à vinculação de cada grafia a concepções teóricas diferentes. Essa discussão,
porém, extrapola o objetivo deste capítulo, e visando uniformizar a escrita, optou-se pelo termo
neodesenvolvimentismo.
118
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
8
Modelo econômico desenvolvido no Brasil, e de forma geral na América Latina, característico
das décadas de 1940 a 1970, que, baseado em trabalhos produzidos por intelectuais cepalinos e
isebianos, representou uma alternativa para a superação do subdesenvolvimento latino-ameri-
cano e consequente consolidação do capitalismo nesta região. O nacional-desenvolvimentismo
previa uma intervenção direta do Estado na economia, atuando como promotor do desenvolvi-
mento a partir de investimentos na infraestrutura através de obras estruturantes.
119
RODRIGUES, R. de O.; SANTOS, M. I. dos • O Pronatec na fronteira entre o público e o privado
9
Para uma discussão mais qualificada sobre gerencialismo, ver Clarke; Newman, 2006.
120
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
121
RODRIGUES, R. de O.; SANTOS, M. I. dos • O Pronatec na fronteira entre o público e o privado
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
123
RODRIGUES, R. de O.; SANTOS, M. I. dos • O Pronatec na fronteira entre o público e o privado
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10
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124
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
125
RODRIGUES, R. de O.; SANTOS, M. I. dos • O Pronatec na fronteira entre o público e o privado
126
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
SEGUNDA PARTE
127
128
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
Fátima Antunes
Introdução
Desde 2011, Portugal tem um governo – visto por alguns como o quarto
membro da tróica (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Mo-
netário Internacional) que representa os credores – que assumiu o programa
austeritário com a determinação de ir além da tróica; em boa medida este desíg-
nio foi cumprido concretizando um conjunto de políticas com vista à desagre-
gação do (frágil) Estado de Bem-estar português, nas suas dimensões estrutu-
rantes da saúde, educação e segurança social e dos direitos fundamentais asso-
ciados (Reis, 2014)1. De resto, a educação e a saúde destacaram-se pela dimen-
são dos brutais cortes orçamentais, associados à depauperação das estruturas
públicas e, em particular, à drástica redução do corpo de profissionais que
produz o serviço público. Preparado desde 2014 e concretizado já em 2015, o
despedimento de mais de seiscentos trabalhadores devastou também a admi-
nistração pública da segurança social enquanto, simultaneamente, ampliava o
processo de transferência de funções e recursos públicos para instituições do
chamado terceiro setor, mais concretamente as designadas instituições parti-
culares de solidariedade social (IPSS)2. A privatização da educação recrudes-
1
Este estudo foi financiado por fundos nacionais da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecno-
logia (Projeto PEst-OE/CED/UI1661/2014).
2
Estudos económicos sustentam que terá ficado mais cara a opção governamental de financiar
instituições do chamado setor solidário para prestar serviços, em lugar de transferir recursos
para os sujeitos, dando cumprimento à prévia formação de direitos pelos cidadãos. A confir-
mar-se a continuação de tal tendência, este processo insidioso de privatização do bem-estar
social de feição residualista corresponde a um duplo empobrecimento e transferência de recur-
sos do domínio público para mãos privadas: (i) uma prestação-direito do cidadão é-lhe retirada
(ao mesmo tempo que a autonomia de a gerir); (ii) se fica mais caro adquirir serviços a terceiros
do que atribuir prestações aos cidadãos, todos os contribuintes são penalizados em favor da
entidade privada provedora do serviço adquirido pelo Estado em nome dos cidadãos (um qua-
se-mercado de bem-estar cujos custos – acrescidos – são socializados). Eis uma forma de parceria
público-privado no domínio da segurança e ação social que levanta múltiplas questões quanto
aos sentidos políticos de tais arranjos de provisão de bem-estar. Nestes processos, sobressaem
quer as organizações da sociedade civil como braços do Estado, quer o favorecimento da socieda-
129
ANTUNES, F. • Políticas, processos e atores de privatização da educação em Portugal
ceu nestes quatro anos, através de antigos e novos processos, atores e políticas.
O financiamento ao setor privado manteve-se ou alterou-se conforme as rúbri-
cas, geralmente em prejuízo do sistema, do interesse e da gestão eficiente dos
recursos públicos. Entretanto, observam-se cortes em serviços de educação
especial e atrasos de pagamentos a provedores de outras respostas educativas
adquiridas a privados (tratando-se, desta vez, de uma sociedade civil estranha ao
Estado?). Está no terreno um projeto societal que passa por criar um sistema
educativo público empobrecido que, mais cedo ou mais tarde, venha a tornar-
se um sistema educativo pobre para pobres?
De seguida discuto três argumentos para uma problemática em torno
de políticas, processos e atores de privatização nos 40 anos de democracia em
Portugal: (i) o Estado, central e local, tem sido um protagonista chave, princi-
palmente através de políticas públicas, mas também pelo patrocínio, favoreci-
mento e legitimação de certos atores e processos; (ii) mais recentemente multi-
plicaram-se os sujeitos e os desenvolvimentos da luta sociopolítica pela preva-
lência de interesses particulares face ao bem comum; (iii) desde 2011, no qua-
dro das políticas regressivas de ajustamento estrutural austeritário, há passos visí-
veis que promovem e abrem caminho à expansão da privatização para um
projeto societal de rutura com direitos fundamentais que inclui a alteração do
estatuto, do papel e do âmbito da educação pública na sociedade portuguesa.
de civil íntima, secundária e tutelada pelo Estado (Santos, 1990), quer a retração e expansão do
Estado, desenvolvimentos bem conhecidos e estudados desde há mais de duas décadas na pers-
petiva da gestão pública gerencialista ou Estado gerencial (Newman & Clarke, 1997; Clarke &
Newman, 2012).
3
A compreensão do Estado como relação política e campo de luta política (Santos, 1990, 1993,
1998: 66; Peroni, 2011: 24 e ss.) permite elucidar o seu protagonismo nestes 40 anos em dois
processos entrelaçados e paralelos: a expansão do sistema público de educação que constitucio-
nalmente realiza e consolida o direito à educação da população portuguesa, enquanto favorece
e fomenta atores e processos de privatização e mercadorização, que fragilizam e precarizam o
mesmo direito fundamental. A crise e consolidação do semi-Estado-providência e da escola de mas-
sas em Portugal, o neoliberalismo educacional mitigado (Santos, 1990; Stoer & Araújo, 1992; Afonso,
1998) têm naquela duplicidade do Estado um dos seus fundamentos. Como aqui se sugere,
desde 2011, as políticas regressivas austeritárias interromperam este padrão para inscrever um
projeto societal alternativo (cf. Reis, 2014).
130
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
131
ANTUNES, F. • Políticas, processos e atores de privatização da educação em Portugal
4
Desde os anos 80, em que a procura de educação cresceu mais do que as estruturas disponíveis,
o Estado celebrava contratos diversos (de associação, de patrocínio, …) com escolas privadas,
através dos quais financiava a escolarização de alunos que não tinham resposta (vagas) nas
escolas públicas. Em alguns casos, as escolas privadas eram (e são) totalmente financiadas por
estes contratos, já que não eram ou são frequentadas por outros estudantes nem possuíam ou
possuem qualquer outra fonte de financiamento. Desde meados dos anos 90, segundo notícias
da comunicação social, este processo começou a assumir outros contornos, quer com a manu-
tenção daqueles contratos, quando o sistema e as escolas públicos já podiam responder à pro-
cura, quer com a não criação de escolas públicas em certas localidades porque já lá operavam
escolas privadas sustentadas por contratos com o Estado. Há algum tempo, em relação a deter-
minadas situações foram desencadeados processos de investigação policial e judicial por parte
das autoridades portuguesas (cf. http://www.publico.pt/sociedade/noticia/judiciaria-faz-bus-
cas-em-colegios-do-grupo-gps-1620493. Recentemente, foi também aprovado um novo estatu-
to do ensino particular e cooperativo, que abre caminho à expansão do cheque-ensino (cf.
Decreto-Lei n.º 152/2013 de 4 de novembro, in http://www.dgae.mec.pt/web/14662/eepc1,
consultado em 28 de março de 2014).
132
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
5
Só desde 2010 a educação obrigatória se estendeu ao ensino secundário (10º, 11º, 12º anos).
6
Por limitações de ordem prática, não avançarei neste texto com a discussão em torno do cami-
nho aberto pelo atual governo à expansão do cheque-ensino (cf. Decreto-Lei n.º 152/2013 de 4
de novembro). Por outro lado, há algumas semanas, a Resolução do Conselho de Ministros n.º
42-A/2015 lançou uma nova fase no financiamento do ensino privado através dos chamados
contratos de associação com escolas, por via de um concurso que comprometerá o Estado por
três anos, em lugar da definição anual que vigorou até agora (cf. https://dre.pt/home/-/dre/
67541675/details/maximized?p_auth=sJP86xsf&serie=I&day=2015-06-19&date=2015-06-01;
http://www.dgae.mec.pt/web/14662/eepc1, consultados em 31 de Julho de 2015). Não é des-
piciendo notar que esta mudança ocorre a cerca de três meses de eleições legislativas que cons-
tituirão um novo governo. Razões igualmente pragmáticas impedem-me de ir mais longe no
debate sobre este importante processo.
133
ANTUNES, F. • Políticas, processos e atores de privatização da educação em Portugal
Começarei por uma breve referência à primeira destas formas mais re-
centes de privatização, enquanto fabricação do espaço educacional (Seddon,
2014) por referência ao universo da intervenção e gestão privadas. A associa-
ção Empresários pela Inclusão Social/EPIS foi publicamente lançada em 2006,
na sequência de um apelo do Presidente da República e tem nos seus órgãos
sociais representantes de algumas das maiores empresas portuguesas (como a
Galp, a EDP, a Jerónimo Martins ou a Unicer), fundações (como a Manuel
António da Mota), bancos (como o Banco Espírito Santo ou o Deutsche Bank)
ou consultoras (como a Price, Waterhouse & Coopers). Atua no domínio do
insucesso e abandono escolar, incluindo ainda programas de apoio à gestão
das escolas, patrocinados por empresas (como a Bosch ou EDP), promovendo
o “emparelhamento escola–empresa, com o objetivo de introduzir boas práti-
cas de gestão empresarial em ambiente escolar”. Atribui Bolsas Sociais EPIS a
estudantes carenciados e desenvolve um programa de Mediadores e Mentores
para o Sucesso Escolar. Segundo consta na página eletrónica, atua em 32 conce-
lhos, 179 escolas e 3729 alunos (ou cerca de 7000, segundo outras notícias7).
Publicou documentos como o ‘Barómetro EPIS’ ou o ‘Atlas da Educação’
(conjuntamente com um centro de investigação de uma universidade pública),
reunindo dados sobre educação no país e realiza iniciativas com grande cober-
tura mediática como a Conferência realizada a 17 de Março de 2015, “Educa-
ção 2020-Agenda para uma legislatura”, “para debater os desafios da Educa-
ção tendo em vista o horizonte de 2020 e dar um contributo para a governação
da nova legislatura que se iniciará em 2015”. Esta iniciativa foi transmitida
por uma rádio de referência nacional e teve a participação de três ex-Ministros
e um ex-Secretário de Estado da Educação, bem como de um ex-Secretário de
Estado do Emprego e de membros de diversos governos. A EPIS é recebida
pelo Presidente da República que é seu ‘Associado de Honra’8.
A avaliar pela atividade descrita na página eletrónica e pelas notícias
vindas a público, trata-se de uma entidade que desenvolve um conjunto de
metodologias de intervenção junto de estudantes, famílias e escolas, em coor-
denação com autarquias, o que sugere uma influência forte configurando for-
mas de privatização da política educativa no sentido apontado por Ball & You-
dell quando argumentam que “organizações do terceiro setor e ONG estão
crescentemente envolvidas quer na formação, quer na implementação da polí-
tica” e que as redes de relações sociais entre políticos, funcionários públicos, e
7
In http://observador.pt/2014/09/22/epis-duplica-investimento-combate-ao-insucesso-escolar-
abrangendo-sete-mil-alunos/, consultada em 3 de Março de 2015.
8
Conferir http://www.epis.pt/homepage, consultada a 16 de Março de 2015.
134
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
9
Segundo informação oficial, trata-se de um organismo da Universidade de Cambridge, pre-
sente em cento e trinta países onde organiza exames de domínio do inglês realizados por
quatro milhões de pessoas (conferir http://www.cambridgeenglish.org/pt/about-us/cambridge-
english/, consultado em 10 de agosto de 2015).
10
Conferir http://preliminaryenglishtest.iave.pt/np4/documentacao.html, acesso em 1 de agosto
de 2015.
11
Segundo informação direta pessoal de responsáveis das escolas, em contexto de entrevista de
pesquisa, no setor privado não é raro que as escolas, a título de oferta adicional de serviços aos
seus alunos, assumam o papel de intermediárias e celebrem contratos de realização de exames
e respetiva certificação de domínio da língua (geralmente o inglês), com entidades externas
estrangeiras privadas, que comercializam esses serviços, em regra custeados pelos alunos. O
que é inédito e altamente problemático é que o Estado assuma este papel de intermediário da
comercialização de um serviço educativo por uma entidade estrangeira.
135
ANTUNES, F. • Políticas, processos e atores de privatização da educação em Portugal
12
Conferir: http://www.fenprof.pt/?aba=27&mid=115&cat=226&doc=8431; http://aventar.eu/
2014/03/20/ligacoes-perigosas-na-escola-publica/, consultados em 28 de Março de 2014.
13
Conferir http://iave.pt/np4/227.html, consultado a 10 de agosto de 2015.
14
Conferir http://rr.sapo.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=29&did=192946, consultado em 3 de
agosto de 2015. De acordo com informação disponível, desde o início que esta possibilidade
estaria prevista: “Apesar de ser apenas uma prova de diagnóstico, e concebida por uma entida-
de externa, fora da alçada do Ministério da Educação, foi dada a possibilidade de os resulta-
dos do teste dos alunos do 9.º ano serem utilizados na ponderação da nota de final de ano, com
um peso de 25%, se os professores assim entendessem e se houvesse aprovação por parte do
Conselho Pedagógico das escolas.” In http://www.educare.pt/noticias/noticia/ver/?id=28022,
consultado em 3 de março de 2015.
15
Conferir http://www.educare.pt/noticias/noticia/ver/?id=28022; http://iave.pt/np4/
219.html, consultados a 1 de agosto de 2015.
136
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
137
ANTUNES, F. • Políticas, processos e atores de privatização da educação em Portugal
16
O Memorado de Entendimento estabelece para a educação um corte de 370 milhões de euros,
durante os três anos do programa (195 milhões (2012); 175 milhões (2013); mas o orçamento
de 2014 registava menos 1100 milhões de euros do que o orçamento de 2011 (Portugal – Me-
morando de entendimento sobre as condicionalidades de política económica, in http://
www.portugal.gov.pt/pt/os-temas/memorandos/memorandos.aspx; Ministério das Finanças,
2013, pp. 188-196).
17
Conferir, por exemplo, Jornal de Negócios, edição de 6 Junho 2011, in http://
www.jornaldenegocios.pt/economia/detalhe/passos_coelho_diz_que_governo_pode_
surpreender_e_ir_aleacutem_das_metas_da_troika.html, consultado em 20 de julho de 2014.
138
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
139
ANTUNES, F. • Políticas, processos e atores de privatização da educação em Portugal
18
Cf. http://www.jornaldasoficinas.com/pt/mercado/item/1664-iefp-e-atec-reforcam-parceria-
para-o-sistema-dual ou https://www.atec.pt/en/academia-formacao-atec/quem-somos.html,
consultado a 6 de outubro de 2014. Segundo a última página eletrónica, a ATEC tem como
promotores a Volkswagen Autoeuropa, a Siemens, a Bosch e a C.C.I.L.A. (ou AHK – Câmara
de Comércio e Industria Luso-Alemã).
19
A estranheza da situação deve-se ainda ao facto de o número de diplomados registado em 2012/
13 ser superior ao número de inscritos em CA no ano anterior (cf. DGEEC, 2014: 45-50).
140
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
Nota final
Procurou-se contribuir para esboçar uma problemática de pesquisa em
torno da privatização em educação, no quadro das relações entre o Estado e os
domínios público e privado e tomando como horizonte a construção do direi-
to fundamental à educação e do bem-estar social, situados no Portugal demo-
crático. Argumentou-se que o Estado e as políticas públicas têm, nestes 40
anos, desempenhado um papel central naqueles processos. Durante muito tem-
po, com fases e combinações distintas, pode observar-se uma espécie de dupli-
cidade na ação estatal, com o acento tónico ora na expansão e consolidação
do sistema público, ora no apoio e sustentação de atores e dinâmicas de amplia-
ção do espaço e da influência privados, às vezes assumindo simultaneamente
uma e outra orientação em setores diferenciados. Sugere-se, no entanto, que,
desde 2011, no quadro de políticas regressivas austeritárias de ajustamento
estrutural, com origem na União Europeia, se assistiu a uma rutura em favor
de um projeto societal neoliberal radical que, a ser bem sucedido, procura ins-
tituir um sistema educativo pobre para pobres e alterar o estatuto e o papel do
direito à educação e do sistema público que constitucionalmente o realiza.
Referências
Adrião, Theresa & Peroni, Vera (orgs.) (2005). O Público e o Privado na Educação. Interfa-
ces entre Estado e Sociedade. São Paulo: Xamã.
Afonso, Almerindo J. (1998). Políticas Educativas e Avaliação Educacional. Para uma Aná-
lise Sociológica da Reforma Educativa em Portugal (1985-1995). Braga: Universidade do
Minho.
Antunes, Fátima (2000). Novas diferenciações e formas de governação em educação: o
processo de criação das Escolas Profissionais em Portugal. Revista Brasileira de Política e
Administração da Educação, 16 (1), pp. 31-45.
Ball, Stephen J. & Youdell, Deborah (2007). Hidden Privatisation in Public Education. In
http://www.ei-ie.org/annualreport2007/upload/content_trsl_images/613/
Hidden_privatisation-EN.pdf, acesso 17 fevereiro 2009.
Barroso, João (2013). Autonomia das escolas: entre público e privado. In Vera Peroni
(org.),. Redefinições das Fronteiras entre o público e o privado: Implicações para a democratiza-
ção da educação. Brasília: Liberlivro, pp. 48-57.
141
ANTUNES, F. • Políticas, processos e atores de privatização da educação em Portugal
142
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
143
Pela “causa” da educação pré-escolar
em Portugal: aproximações às políticas
de Terceira Via
Emília Vilarinho1
Introdução
No presente texto apresentamos alguns elementos de uma pesquisa reali-
zada anteriormente que se centrou na análise das políticas de Educação Pré-
Escolar em Portugal2 (1995-2010), procurando discutir a relação entre o Estado
e o Terceiro Setor na conceção e implementação de uma “nova política” para
este nível de educação. Nesta pesquisa, entre outros referenciais teóricos, mobi-
lizamos a abordagem de ciclo de políticas proposta por (Bowe, Ball & Gold,1992) e
fizemos a análise da trajetória da medida política (Ball & Shilling, 1994; Ball, S.,
1994) mais relevante – o Programa de Expansão e Desenvolvimento da Educa-
ção Pré-Escolar. Focalizaremos a nossa análise no período de revitalização (Vilari-
nho, 2011, 2013), iniciado a partir de 1995, onde se deu início à definição de
uma nova política (Dale, 1989, 1994) de educação pré-escolar e a implementa-
ção de importantes políticas educativas para este nível de educação. A Lei-Qua-
dro da Educação Pré-Escolar – Lei nº. 5/97, de 10 de Fevereiro –, aprovada por
unanimidade na sessão plenária de 11 de Dezembro de 1996, é a peça legislativa
que define a agenda da política para a Educação Pré-Escolar.
Neste trabalho daremos particular destaque ao contexto sócio-político
que influenciou a definição da política de educação pré-escolar e como se fo-
ram tecendo as conexões entre o público e o privado (terceiro setor) na imple-
mentação das politicas educativas. Integramos elementos para o debate acerca
da influência das políticas de Terceira Via na definição das políticas educativas
portuguesas.
1
Departamento de Ciências Sociais da Educação do Instituto de Educação da Universidade do
Minho – Investigadora do Centro de Investigação em Educação da Universidade do Minho.
Endereço: evilarinho@ie.uminho.pt.
2
Educação Pré-Escolar é o termo oficial utilizado em Portugal para designar o atendimento
institucional das crianças dos 3 aos 5 anos. A frequência é facultativa e o atendimento é realiza-
do em jardins de infância (escolas infantis), sendo da responsabilidade de educadores de infân-
cia (professoras habilitadas com formação superior especializada).
144
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
145
VILARINHO, E. • Pela “causa” da educação pré-escolar em Portugal
3
Assinado entre o Governo, a Associação Nacional dos Municípios Portugueses, a Associação
Nacional de Freguesias, a União das Instituições Particulares de Solidariedade Social, a União
das Misericórdias Portuguesas e a União das Mutualidades Portuguesas.
146
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
rios e programas que, ao longo das duas últimas décadas anteriores à sua pu-
blicação, foram sendo apresentados por diferentes entidades governamentais,
académicas e profissionais. Entre os problemas identificados, destacamos: i) a
baixa taxa de pré-escolarização (ano letivo 1998/99 – 64,6%), e as assimetrias
regionais de oferta; ii) a predominância de jardins de infância da rede particu-
lar e as desigualdades de acesso das crianças à Educação Pré-Escolar; iii) a
desarticulação interministerial entre o Ministério da Educação e o Ministério
do Trabalho e da Segurança Social e a consequente fragmentação institucio-
nal e sócio-jurídica derivada da diversidade de promotores e de diferentes tute-
las ministeriais; iv) a predominância da função assistencial sobre a educativa
nos jardins de infância da rede privada.
Para um melhor entendimento do conteúdo e importância deste novo
enquadramento jurídico da Educação Pré-Escolar, apresentamos os seus aspe-
tos fundamentais, organizados nas seguintes categorias:
A: Conceção e Objetivos
– A orientação educativa é reforçada com a assunção da Educação Pré-
Escolar como “a primeira etapa da educação básica no processo de educação
ao longo da vida” (artigo 2º)4, que visa promover “a formação e desenvolvi-
mento equilibrado da criança, tendo em vista a sua plena inserção na socieda-
de como ser autónomo, livre e solidário” (artigo. 2º);
– Mantém a orientação de que a Educação Pré-Escolar é complemen-
tar à ação educativa da família e que com ela deverá ser estabelecida uma
estreita colaboração. Neste sentido, mantém o regime facultativo de frequên-
cia das crianças dos 3 anos de idade até ao ingresso no ensino básico (artigos
2º e 3º, pontos 1 e 2). Reforça a participação da família nos aspetos organiza-
tivos e, pela primeira vez, é referida a possibilidade de a família “participar,
em regime de voluntariado, sob a orientação da direção pedagógica da insti-
tuição, em atividades educativas de animação e de atendimento” (alínea d) do
artigo 4º);
– Dá nova formulação aos objetivos da Educação Pré-Escolar previstos
na lei de Bases do Sistema Educativo, adequando-os às novas preocupações
educativas e cívicas da educação da infância e aos novos imperativos da edu-
cação portuguesa;
4
A referência à Educação Pré-Escolar como processo de educação ao longo da vida aparece
pela primeira vez no corpo desta lei, sendo um acrescento importante à proposta de lei, uma
vez que reforça a sua conceção educativa não escolarizante.
147
VILARINHO, E. • Pela “causa” da educação pré-escolar em Portugal
5
Sob este último ponto de vista, para além do atendimento prestado nos jardins de infância,
mantêm as modalidade de educação itinerante e animação infantil e comunitária, iniciadas
nos finais da década de 80.
6
Este novo modelo organizacional integra duas componentes: i) Componente educativa, que
corresponde ao tempo de 25 horas exclusivamente dedicado ao trabalho de natureza curricular
da responsabilidade de um(a) educador(a) de infância; ii) Componente socioeducativa, que diz
respeito ao restante tempo de permanência das crianças nas instituições, que integra atividades
de acolhimento, tempos livres e serviço de refeições e é da responsabilidade de educadores/
asinnte: ???menos de 30 e com 50 e mais anos, no Conitente só nas redes privada e solidária) e/
ou outros técnicos/as de educação, como por exemplo, animadores/as sociais e educadores/as
sociais.
7
Com esta medida, os jardins de infância públicos passam também a assumir a função social de
apoio às famílias, integrando os serviços de refeição e de tempos de acolhimento, animação das
crianças, que até então eram apenas prestados nos jardins da rede privada.
148
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
8
Implementação de orientações curriculares, do Programa de Avaliação Integrado, de orienta-
ções para a edificação dos edifícios, organização pedagógica e materiais das salas de ativida-
des, entre outros.
149
VILARINHO, E. • Pela “causa” da educação pré-escolar em Portugal
9
Entre 1990 e 1997, o investimento público na educação teve um aumento importante - 11% do
Orçamento Geral do Estado, valores que são superiores ao investimento feito, por exemplo, no
Reino Unido (5%), na Espanha (4%) e na Grécia (9%). Em termos percentuais, só a Holanda,
a Finlândia e a Irlanda tiveram um investimento público superior ao de Portugal (Ministério
da Educação, 2000: 167).
10
O Partido Socialista ganhou as eleições legislativas em 1995 com 43,7% dos votos, ficando
com uma maioria relativa no parlamento, após 10 anos de governação do Partido Social De-
mocrata, onde este obteve duas maiorias absolutas em 1987 e 1991.
150
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
11
Segundo Giddens (1999:31-32) esta expressão teria aparecido na passagem do século XIX
para o século XX, sendo utilizada durante a década de 1920 pela direita, embora maioritaria-
mente por sociais-democratas e socialistas. Mais tarde, no período do pós-guerra, os sociais-
democratas e socialistas europeus utilizavam-na para definirem um caminho alternativo ao
capitalismo americano e ao comunismo soviético. No âmbito da Internacional Socialista, em
1951, a expressão terceira via era usada para designar aquele caminho/hipótese divergente.
Nos anos setenta, o economista checo Ota Sik referia-se ao “socialismo de mercado” para lhe
dar conteúdo. No final da década de 1980, aquela expressão foi utilizada pelos sociais-demo-
cratas suecos para referirem uma reformulação programática do partido. Um outro autor,
Alex Callinicos (2002: 4), recorda ainda que “já em 1912, Ramsay MacDonald apresentava o
trabalhismo como a terceira via entre o socialismo de Estado e o sindicalismo (…). Para o
trostsquista americano Max Shachtman, o “terceiro campo” representava as forças capazes de
realizarem uma maior democracia de progresso social, num mundo dominado por dois com-
plexos de poder imperialistas rivais – primeiro, as democracias liberais ocidentais e a Alema-
nha nazi, depois, os blocos das duas superpotências durante a Guerra Fria”. A partir de mea-
dos da década de 1990, o debate acerca da distinção entre direita e esquerda ganhou maior
intensidade na Europa. Nesta época, questionava-se aquela divisão, se ela teria, ou não, o
mesmo significado político que tinha durante as primeiras décadas do mesmo século.
151
VILARINHO, E. • Pela “causa” da educação pré-escolar em Portugal
foram aqueles que tiveram maior visibilidade social e política no mundo oci-
dental e que levaram os seus partidos ao poder naqueles países12.
A expressão terceira via é ambígua, polémica, alvo de muitas críticas.
Alguns cientistas e analistas políticos referem-se a ela como sendo um concei-
to, um slogan, uma ideia alternativa, ou, os mais críticos, como um discurso
retórico de um certo branqueamento do neoliberalismo. No seu livro The Third
Way, publicado em 199813, Anthony Giddens assume
“a perspectiva de que a terceira via é uma estrutura do pensamento e de defi-
nição de políticas que procura adaptar a social-democracia a um mundo que
passou por transformações fundamentais durante as últimas duas ou três
décadas. É uma terceira via no sentido de que se trata de uma tentativa para
superar tanto a social-democracia clássica como o neoliberalismo” (Gid-
dens, 1999:32).
Callinicos (2002: 8), numa obra onde faz uma crítica à Terceira Via14,
referindo-se à dificuldade de definição do conceito e seus princípios e valores,
chama a atenção para a ambiguidade da expressão. Como refere este autor, o
próprio Giddens dá-se conta das diferentes “terceiras vias” existentes na Euro-
pa: a perspetiva “orientada para o mercado”, do New Labour do Reino Uni-
do, a perspetiva da Suécia, do “estado de bem-estar reformado” que mantém a
continuidade com o passado, a perspetiva holandesa, “orientada para o mer-
cado e para o consenso”, e a perspetiva francesa, que optou pela “via liderada
pelo Estado”, dando assim continuidade ao processo iniciado no passado.
No contexto europeu, os partidos do centro-esquerda que ganharam as
eleições procuraram criar alternativas ao capitalismo para serem capazes de
superar os excessos de uma direita utilitarista e os excessos de uma esquerda
igualitarista (Giddens, 1999). Se o socialismo real, enquanto sistema econó-
mico conduzido pelo Estado, morreu no mundo ocidental, ele sobrevive en-
quanto sistema de valores. Revisitar e atualizar os valores tradicionais da social-
democracia e do socialismo democrático para os mobilizar numa estratégia
alternativa aos governos de direita, que governam sob a bandeira do mercado,
parece ter sido (ser) mais ou menos consensual nos partidos do centro-esquer-
da. Apesar das diferentes condições de partida dos países europeus, pensar e
12
Recorde-se que, na 2ª metade da década de noventa, os partidos de esquerda europeus con-
quistaram a maioria (treze, incluindo Portugal) dos quinze governos da União Europeia, numa
Europa onde a direita se apresenta muito próxima do discurso neoliberal dominante.
13
Neste texto, as referências a este livro serão sempre relativas à edição publicada em Portugal
pela Editorial Presença em 1999.
14
Título original: Against the third Way: An Anti-Capitalist Critique (2001). Neste trabalho, as refe-
rências a esta obra são da edição portuguesa com o título Contra a Terceira Via. Uma Crítica
Anticapitalista, publicada em 2002, pela Celta Editora.
152
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
15
In Europe: The Third Way/Die Neue Mitte – Tony Blair and Gerhard Schtoder”, 8 de Julho
de 1999, www.labour.org.uk, p. 1, citado Callinicos (2002: 7-8).
16
Citadas em Callinicos (2002: 8).
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Conferência proferida em Berlim, no Walter Hallstein-Institute for European Constitutional
Law, Universidade de Humboldt a 7 de Maio de 2001.
156
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
Alberto Martins (2007: 225), a União Europeia tem que ser “um espaço
inclusivo e coeso. Um espaço de direitos, liberdades e garantias, mas também
de responsabilidade e solidariedade. Um império da lei democrática. Só assim
a Europa poderá fazer sentido no futuro. E só assim a Europa terá um futuro
no futuro”.
Centremo-nos novamente na análise do que ocorreu em Portugal, com
a vitória das legislativas de 1995 pelo Partido Socialista. O projeto da “nova
maioria” foi incorporado no programa do XIII Governo Constitucional e, mais
tarde, em 1999, é integrado e reforçado no programa do XIV Governo Consti-
tucional18. A estratégia renovadora do Partido Socialista foi marcada por uma
aproximação ao centro do espectro político português. Na linha das premissas
da terceira via, o PS, não querendo relegar os valores do socialismo democráti-
co, redefiniu a sua intervenção política colocando a tónica naqueles valores,
na ética da responsabilidade, na solidariedade voluntária, no diálogo social,
no combate à exclusão social, na coesão social e na cidadania solidária (cf.
Oliveira Martins, 1999). O aprofundamento da democracia, com o reforço da
participação da sociedade civil e das suas organizações na comunidade, são
também vetores importantes do discurso governamental. A defesa de concre-
tização de parcerias entre o Estado e as organizações da sociedade civil ten-
dentes ao bem-estar das comunidades é entendida como forma de melhorar a
governação e, simultaneamente, reforçar naquelas organizações o sentido da
ética e da responsabilidade do serviço público. Neste sentido, dos discursos
emergem uma maior crença na liberdade e autonomia e nas virtudes solidárias
das organizações da sociedade civil, entendidas como expressões de cidadãos
livres, responsáveis e solidários. Esta crença nas virtudes solidárias da socie-
dade civil não era visível nos discursos da esquerda, o que pode significar a
libertação de um preconceito ideológico da esquerda clássica em relação à
sociedade civil, por parte do (novo) PS. Contudo, aquela crença emerge neste
18
As eleições legislativas de 1999 deram novamente a vitória ao Partido Socialista, ficando de-
pendente de um deputado uma maioria absoluta no parlamento.
157
VILARINHO, E. • Pela “causa” da educação pré-escolar em Portugal
19
O Pacto Educativo para o Futuro foi apresentado em Fevereiro de 1996. O Pacto de Cooperação
para a Solidariedade Social foi assinado a 19 de Dezembro de 1996 pelo Governo e pelos presi-
dentes da Associação Nacional dos Municípios Portugueses, da Associação Nacional de Fre-
guesias, da União das Instituições Particulares de Solidariedade Social, da União das Miseri-
córdias Portuguesas e da União das Mutualidades Portuguesas.
158
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
tando mais pela denúncia da herança negativa deixada pelo governo anterior.
Acrescenta o mesmo autor: “o que houve, ao invés, foi um discurso incisivo
imputando aos antecessores a responsabilidade pela inexistência de uma polí-
tica educativa legitimada pela participação e pela negociação” (Afonso, 2009:
22). É aquela herança que estes governantes querem alterar através da mobili-
zação centrada num pacto educativo nacional. Das análises produzidas em
torno do Pacto Educativo para o Futuro, há autores que o consideram como um
documento desnecessário face à existência da Lei de Bases do Sistema Educa-
tivo (fruto de um consenso alargado), que tem propósitos idealistas, desígnios
imprecisos e enunciados difusos, que não garante credibilidade porque não é
fundado numa avaliação prévia da situação (Teixeira, 1996, citado por Afon-
so, 1999), e quem considere que as intenções neles expressas são um sinal
positivo, denotativo de uma evolução dos modelos de decisão política no cam-
po da educação (Ambrósio, 1996, citado por Afonso, 1999).
Como referimos anteriormente, relativamente às políticas de Educação
Pré-Escolar (Vilarinho, 2000) e na linha da análise do Pacto Educativo de vários
autores, como por exemplo, Sucena (1996), neste documento o Estado é apre-
sentado como mobilizador, mediador e regulador do sistema e não como o
principal agente da promoção do provimento da educação pública, parecendo
relegar para segundo plano o papel que lhe é conferido pela Constituição da
República Portuguesa e pela Lei de Bases do Sistema Educativo.
O Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social (PCSS) é o instrumento
principal de regulação da participação das organizações da sociedade civil em
diferentes áreas de intervenção social. Este Pacto visa “criar condições para o
desenvolvimento de estratégias de cooperação entre instituições do sector so-
cial (…), a Administração Central do Estado e as Administrações Regional e
Local” (PCSS – I), podendo abranger áreas de competências de vários minis-
térios: solidariedade e segurança social, saúde, educação, qualificação e em-
prego, justiça, equipamento, planeamento e administração do território e fi-
nanças (PCSS – II, ponto nº. 2). Partindo de pressupostos, que têm como ele-
mentos agregadores o reconhecimento da importância das Instituições Parti-
culares de Solidariedade Social (IPSS)20 como instâncias mediadoras entre a
Família, a Comunidade e o Estado, e do trabalho por elas desenvolvido, são
20
De acordo com os Estatutos das Instituições Particulares de Solidariedade Social (Decreto-
Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro, atualizado pelo Decreto-lei n.º 172-A/2014 de 14 de No-
vembro), as IPSS são instituições constituídas sem finalidade lucrativa, por iniciativa de parti-
culares, com o propósito de dar expressão organizada ao dever moral de solidariedade e de
justiça entre os indivíduos e desde que não sejam administradas pelo Estado ou por um corpo
autárquico.
159
VILARINHO, E. • Pela “causa” da educação pré-escolar em Portugal
21
Outros domínios considerados estratégicos na intervenção: “educação especial; apoio a pesso-
as com deficiência e a pessoas com doença mental; apoio a idosos e/ou outros grupos vulne-
ráveis, especialmente os grandes dependentes e as pessoas em convalescença, quer se encon-
trem no domicílio quer em equipamentos sociais; apoio a crianças e jovens vítimas de maus
tratos, abandono, ou que se encontrem em situações de risco; apoio e tratamento de toxicode-
pendentes; apoio e tratamento de pessoas infectadas com o vírus HIV; apoio às famílias caren-
ciadas e à implementação do Rendimento Mínimo Garantido; promoção de iniciativas de
emprego e de desenvolvimento local” (PCSS – IV).
160
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
Como também refere Peroni (2013: 12) a Terceira Via não rompe com o
diagnóstico neoliberal da crise atual do capitalismo nas suas diferentes dimen-
sões. Assim, “o Estado não deve ser o executor das políticas, como era na
antiga social-democracia, mas também não deve ser o Estado mínimo do neo-
liberalismo”.
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In Diário da Assembleia da República, VII Legislatura, I Série, 28 de Junho de 1996: 2996.
23
Recordamos que a Lei-Quadro (Lei n.º 5/97) definiu a Educação Pré-Escolar como a primeira
etapa da educação básica, reforçando assim a orientação educativa dos jardins de infância.
162
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
24
In Diário da Assembleia da República, VII Legislatura, I Série, 28 de Junho de 1996: 2996-
2997.
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Decreto-lei que regulamenta a Lei-Quadro.
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Outro aspeto a salientar é que, embora uma das grandes finalidades das IPSS
seja a prestação de um serviço de utilidade pública no âmbito do social, sem
usufruir lucros desses serviços, “nem obedecerem às racionalidades próprias
dos agentes do mercado” (Hespanha, 1999: 24), o que é um facto é que para a
sua sobrevivência elas têm que captar o número suficiente de utentes (ou alar-
gá-lo) que lhes garanta o “plafond” financeiro, negociado com o Estado, per-
mitindo assegurar os custos da prestação de serviços. Acresce a este problema
o facto da tabela de comparticipação do Estado ser uniforme e não ter em
conta as diferentes capacidades económicas das instituições 26. Daí que, como
concluiu Hespanha (1999: 27), as IPSS são instituições pouco autónomas, com
excessiva “governamentalização dos seus meios materiais e humanos e com
uma estratégia de gestão mais orientada pelas regras da sobrevivência econó-
mica do que pelas necessidades da população utente”, sendo grande a proba-
bilidade das IPSS se tornarem uma extensão da burocracia do Estado. Acres-
centaríamos que, no atual enquadramento da Lei-Quadro da EPE, este risco
se torna ainda maior no que se refere às IPSS com jardins de infância. Com a
publicação do Decreto-Lei n.º 147/97 foram regulamentados os procedimen-
tos de controlo e avaliação da EPE extensíveis à rede privada e solidária. A
autonomia daquelas instituições em relação ao Estado passa pela sua capaci-
dade de gerar recursos próprios, que é muito reduzida27. Este aspeto leva mui-
tas vezes as IPSS a não cumprirem com os ratios criança/sala previstos no
D.L. n.º 147 /1997, e, em alguns casos, à seleção (ainda que camuflada) de um
público com maiores possibilidades económicas28, de forma a não correrem o
“risco de remercadorização”. Assim, o princípio associativo-assistencial que está
na origem das IPSS parece esbater-se à medida que a concorrência alarga (a
rede pública é agora uma forte concorrente, dado o alargamento de horários).
Como temos vindo a referir, as instituições do terceiro setor ganharam
nova centralidade na implementação das políticas de Educação Pré-Escolar.
26
Apesar de, pela Lei-Quadro, terem sido definidos novos enquadramentos para o apoio finan-
ceiro. Por exemplo, a criação do Fundo de Compensação Sócio-Económica (Despacho Con-
junto do Ministério da Educação e do Ministério do Trabalho e Solidariedade, n.º 413/99), ao
qual as IPSS que têm prejuízo podem candidatar-se. Esta medida de discriminação positiva foi
criada para compensar economicamente as instituições que recebem crianças cujas famílias
têm fraca capacidade económica, e cujas comparticipações familiares não chegam para cobrir
os custos dos serviços prestados, nomeadamente com a contratualização de educadores de
infância.
27
Recorde-se que, para além do apoio financeiro do Estado, a única fonte de recursos é a com-
participação paga pelas famílias pela frequência das crianças nestas instituições.
28
A comparticipação paga pelos utentes varia em função do rendimento per capita do seu agrega-
do familiar.
166
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
29
Na sua grande maioria, a sua proveniência era de Programas da União Europeia.
30
Fontes/Entidades: DGEEC/MEC | INE, PORDATA
Última atualização: 2015-06-26.
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
31
Nome fictício. Neste estudo utilizámos como técnicas de recolha de informação a observação
não participante, a análise documental e a entrevista semi-estruturada, sendo esta última tra-
tada através da análise de conteúdo. Identificámos os atores significativos e agrupamo-los em
três grupos, tendo em conta a especificidade do lugar e o papel que cada grupo de atores
assume na implementação das políticas: Grupo I – Representantes políticos regionais e repre-
sentantes nacionais das organizações do terceiro setor; Grupo II – Representantes políticos e
das estruturas educativas locais; Grupo III – Presidentes de entidades locais parceiras na im-
plementação da CAF.
32
Para uma análise ver Vilarinho (2011).
33
Este efeito tem sido definido com referência à existência de uma panóplia de iniciativas e
normas, com o fim de porem em prática processos de desregulação e privatização, comuns em
vários países, que são usadas, muitas vezes, de forma avulsa em diferentes tempos e espaços.
Daqui decorre que a “visão” que se tem da educação nesses países “corresponde mais à ima-
gem de um “mosaico” de unidades isoladas do que à de um agregado coerente de elementos,
interagindo entre si com o mesmo fim” (Barroso, 2003: 33). O mesmo significa ver, nalguns
países, não um “sistema escolar” mas um “sistemas de escolas” ou ver não um “sistema naci-
onal” mas um “sistema local”. Ao nível local, a existência de múltiplos espaços de microrregu-
lação local e o consequente efeito de mosaico introduzem, no seio do sistema educativo nacional
maior diversidade, mas também podem acentuar a sua desigualdade, criando, entre outros,
desiguais condições de sucesso educativo aos seus beneficiários.
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VILARINHO, E. • Pela “causa” da educação pré-escolar em Portugal
34
Esta ideia de “clonização” decorre do que Natalie Mons (2011) tem referido relativamente ao
crescimento do ensino privado. Para a autora, existe uma espécie de clonização do público nas
escolas privadas, uma vez que estas são submetidas aos mesmos programas e a um certa ins-
trumentalização pelos poderes públicos.
170
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
so à EPE, fez-nos estar mais atentos a ele ao nível local. No que diz respeito à
comparticipação estatal, os dados são objetivos: os valores elegíveis são trans-
feridos para o Município que, por sua vez, transfere para as entidades parcei-
ras. Em relação às comparticipações familiares, a recolha de informação tor-
nou-se muito difícil. O município não sabe em concreto que procedimentos as
entidade parceiras estão a adotar, apesar de no protocolo assinado entre am-
bos impor o cumprimento do Despacho Normativo Conjunto nº 300/97. Da
parte dos nossos entrevistados, verificamos que existiam muitas hesitações e
imprecisões relativamente às comparticipações pagas pelas famílias. Pelo cru-
zamento de dados conseguimos apurar a realidade, constatando que: em de-
zasseis jardins de infância públicos, dez aplicam um valor único; em três jar-
dins existe uma tabela com seis escalões; um jardim tem uma tabela com três
escalões; e num jardim de infância as crianças só pagam as refeições pelo valor
legalmente previsto (•32,12) sendo as atividades de animação gratuitas.
Esta realidade configura uma infidelidade normativa (Lima, 1992) na apli-
cação da comparticipação familiar. O espírito da lei vai no sentido da discri-
minação positiva das crianças provenientes de famílias com rendimentos bai-
xos. O valor único e mesmo os escalões atribuídos sem ter em conta a diferen-
ciação por escalões de rendimentos per capita, prescrita no Despacho Normati-
vo, são indicadores do desrespeito pelo princípio de discriminação positiva.
Este facto levanta questões muito sérias em relação à igualdade de acesso das
crianças à frequência da EPE. Os responsáveis pelas entidades parceiras, bem
como os dirigentes dos agrupamentos de escolas35 revelaram não ter consciên-
cia dos efeitos produzidos e afirmam que há concordância por parte dos pais.
Muitas vezes, este acordo obtém-se através de formas aparentemente demo-
cráticas: “Na reunião de pais do início do ano, a associação põe a votação se o
pais querem pagar todos o mesmo” (educadora JI B). O que pode estar a acon-
tecer é que as crianças provenientes de famílias economicamente mais desfa-
vorecidas estejam a ser fortemente penalizadas em relação às crianças das classes
média e média-alta. Ora, este facto introduz um efeito de 2ª ordem, (Ball, 2004)
não esperado e altamente perverso, podendo ser uma das razões explicativas
da procura da classe média pelos jardins de infância da rede pública e da trans-
ferência das crianças da rede solidária para a pública. Como referiu o dirigente
da entidade parceira do jardim de infância de Astrolábio “algumas crianças
estavam em privados, vieram para aqui” (EPA). Tentando compreender por-
35
Estrutura organizativa estatal que agrega os jardins de infância e escolas dos ensinos básico e,
por vezes do secundário, de um determinado território, dirigidas por um diretor e tutelada pelo
Ministério da Educação.
171
VILARINHO, E. • Pela “causa” da educação pré-escolar em Portugal
que tal situação acontece, consideramos ser possível justificá-la pela presença
de um conjunto de processos de multiregulação que se anulam entre si. Por
outo lado, o facto de o governo autárquico não assumir “a coordenação da
governação” da CAF de Mareantes e de a sua presença neste processo ser muito
frágil, favorece a presença deste efeito – desiguais condições de acesso em fun-
ção dos rendimentos familiares. Por outro lado, consideramos que este efeito é
também justificável pela ausência de uma análise política do texto da lei.
Considerações finais
No que respeita à relação do Estado com o terceiro setor, a nossa investiga-
ção revelou aspetos extremamente interessantes. O discurso apelativo dos go-
vernos liderados por António Guterres, próximos da terceira via, parece ter sido
entendido pelos representantes das instituições do terceiro setor, mas foi sempre
questionado, nomeadamente, quanto às intenções governamentais. O receio
colocava-se a dois níveis: um, relacionado com a perda da sua autonomia, ou-
tro, relacionado com o financiamento das suas instituições. “Condenados a en-
tenderem-se” é a expressão referida por um dos dirigentes que melhor exprime o
sentido com que estes parceiros entraram no referido projeto. Se a avaliação que
fazem da parceria nos dois primeiros ciclos de governação é positiva, o mesmo
não acontece a partir daquele momento. As estruturas de diálogo e concertação
deixaram de funcionar e começaram a surgir indicadores de desrespeito pelos
compromissos assumidos, nomeadamente ao nível do planeamento da rede.
Houve uma melhoria na expansão da oferta educativa, contudo, verifi-
cam-se problemas na implementação do novo modelo e foram criados novos
obstáculos à igualdade de acesso das crianças à educação.
A forma como a CAF foi implementada no concelho estudado, mobili-
zando parcerias com a sociedade civil, ampliou o hibridismo desta medida,
uma vez que à reconciliação dos interesses e direitos das crianças e das famílias
(que legitimaram esta inovação política), a ela juntaram os interesses e lógi-
cas das diferentes entidades parceiras. Verificamos problemas de relaciona-
mento institucional que permitiram interpretações diferentes da medida, com
especial impacto nas questões da qualidade, quer de natureza contextual, quer
processual, e na promoção da igualdade de oportunidades de acesso das crian-
ças. A ausência de mecanismos de acompanhamento, no que concerne à atri-
buição das comparticipações familiares, introduz um efeito altamente perver-
so no sistema. Estas perversidades do sistema exigem uma atenção especial
dos líderes políticos. No jardim de infância público, através das parcerias esta-
belecidas, verificam-se lógicas de quase-mercado, onde, entre outros aspetos, a
disputa dos “clientes” começa a ser uma realidade.
172
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
Kathryn Moeller
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
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MOELLER, K. • “O efeito menina”: o investimento corporativo transnacional dos Estados Unidos...
Metodologia
Este capítulo faz parte de um estudo mais amplo que examina o investi-
mento corporativo transnacional dos Estados Unidos na educação de meni-
nas. Ele procura compreender por que corporações americanas estão investin-
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MOELLER, K. • “O efeito menina”: o investimento corporativo transnacional dos Estados Unidos...
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
equipe se empenhavam, na maioria dos casos com bastante êxito, para encon-
trar vagas para elas nas escolas públicas de ensino médio na localidade.
Através de seu programa, a ONG visava empoderar as jovens mulheres
para entrar no mercado de trabalho formal ou dedicar-se a atividades empre-
sariais.1 Como explicou Susanna, membro dirigente da equipe, durante um
evento de recrutamento em uma escola local de ensino médio: “O objetivo do
curso é a qualificação para o mercado de trabalho com o jeito de ser que o
mercado procura. Ele prepara você com o perfil que as empresas estão procu-
rando”. Ela ainda explicou: “Nós desenvolvemos capacidades que o mercado
de trabalho busca, como trabalho em equipe, disciplina, respeito”. Descreveu
o compromisso às estudantes: “O programa tem dois cursos principais: técni-
ca de administração e empreendedorismo. É um curso intensivo de cinco me-
ses de duração, de segunda a sexta, das 8 às 13 ou das 13 às 17”.
Neste programa intensivo em termos de tempo, o curso delas enfocava
duas áreas: formação para se tornarem assistentes administrativas e empreen-
dedorismo. Além disso, elas aprendiam noções básicas de computação, revisa-
vam seus conhecimentos de matemática, praticavam a escrita e a leitura e en-
focavam seus direitos legais, humanos e de gênero. O programa, na maioria
dos casos, não conseguia encontrar empregos para elas, seja antes ou depois
de se formarem e ganharem seus certificados. Quando conseguia, com poucas
exceções, encaminhou-as para empregos inseguros e mal remunerados em
empresas, muitas vezes call centers, supermercados e empresas de ônibus.
Como resultado do desejo da ONG de provar com sucesso o efeito meni-
na, os achados da pesquisa deste estudo demonstram que a população alvo do
programa e seu currículo e pedagogia refletiam, em grande medida, a lógica do
efeito menina, na medida em que o sucesso ou o fracasso percebido da interven-
ção educacional espelhava esta lógica. O restante do capítulo se vale de quatro
momentos etnográficos para ilustrar como esta lógica ocorria na prática.
1
Os dados apresentados no restante desta seção são extraídos de Moeller (no prelo-a).
2
Esta seção é extraída de Moeller (no prelo-a).
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MOELLER, K. • “O efeito menina”: o investimento corporativo transnacional dos Estados Unidos...
folhetos brancos sobre as mesas de outras ONGs locais. O perfil das partici-
pantes constava nos folhetos: “Sexo feminino, 16 a 24 anos, gostar de esportes
e estar interessada em ingressar no mercado de trabalho ou se tornar empreen-
dedora”.
Num final de tarde, visitamos uma associação de bairro próxima. Quan-
do entramos, Susanna perguntou à presidente se ela conhecia meninas adoles-
centes do bairro que pudessem se inscrever no programa.3 A presidente pen-
sou por um momento antes de perguntar sobre a idade das participantes que
estávamos procurando. Susanna afirmou: “Entre 16 e 24 anos”. A presidente
pensou por um momento antes de explicar: “Conheço muitas meninas, mas
todas estão grávidas”. Eu esperava que Susanna fosse incluí-las no programa
de recrutamento; mas ela não fez isso, apesar da presença de mães no progra-
ma. Antes de deixar o escritório, a mulher mais velha nos perguntou: “Vocês
têm um programa para adultos?” Susanna respondeu: “Não, só para jovens
mulheres”. A mulher ainda disse: “Eu estou desempregada”. Susanna per-
guntou: “Que tipo de trabalho você faz?” “Eu cozinho.” Então ela parou um
instante, afirmando com mais confiança: “Eu sou cozinheira”. Susanna perce-
beu o desconforto da mulher, de modo que explicou por que estava perguntando
e disse: “Pergunto porque eu poderia ficar sabendo de uma vaga”. Quando a
conversa terminou, Susanna entregou à presidente um novo cartaz e uma série
de pequenos folhetos informativos brancos antes de deixarmos o escritório.
Jamais encontramos as cem participantes necessárias para preencher o
número exigido da ONG. Assim, o programa começou com aproximadamen-
te 70 participantes. Mas durante esse tempo encontramos uma multidão de
indivíduos que estavam interessados no programa e necessitavam de forma-
ção. Estes incluíam jovens mulheres grávidas, mulheres mais velhas e homens
jovens. Chamava a atenção como nossa procura excluía todas as pessoas que
não se enquadravam na categoria populacional, apesar de não se conseguir
encontrar um número suficiente de pessoas para o programa.
A busca ilustra como o efeito menina se baseia no que identifico como a
percepção do “potencial de Terceiro Mundo” em meninas (Moeller, no prelo-a).
Eu o defino como “o potencial imaginado de sua particular diferença corporal
para reproduzir ou para pôr fim à pobreza em um determinado momento histó-
rico” (Moeller, no prelo-a). Ela se baseia na “suposição de que elas já são res-
ponsáveis por mais do que elas mesmas, e que os investimentos em sua educa-
3
Veja Moeller (no prelo-a) para obter mais detalhes sobre quem podia se inscrever no programa
e como isso complica a categoria universalizada de menina adolescente.
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
ção e formação simplesmente estão permitindo que elas desencadeiem este po-
tencial em múltiplas escalas” (Moeller, no prelo-a). Mediante este conceito, a
“menina do Terceiro Mundo” é simultaneamente a “resposta” em potencial para
o desenvolvimento e sua vítima universal da opressão que necessita de salvação.
Através de sua parceria com a Fundação Nike, o programa buscou uma
população com este potencial; ela é definida pela possibilidade de adiar a gra-
videz e o casamento a fim de desencadear seu potencial econômico. Contudo,
se este potencial era percebido como excluído ou não existente, como no caso
de jovens mulheres grávidas, mulheres mais velhas e homens jovens encontra-
dos na busca, essas pessoas não eram recrutadas. Isso ocorreu apesar da deses-
perada necessidade da ONG de preencher seu programa com o número sufici-
ente de pessoas e da diversidade muito real de necessidades e desejos educaci-
onais na comunidade em que o programa atuava. Dentro da lógica do efeito
menina, as jovens mulheres grávidas já perderam seu potencial de pôr fim à
pobreza. A intervenção educacional precisa moldá-las durante o momento tem-
poral da adolescência antes de se tornarem mães para assegurar seu sucesso
em acabar com a pobreza.
Correspondentemente, a lógica para as mulheres adultas mais velhas é
semelhante, na medida em que “se imagina que elas não tenham mais o po-
tencial de acabarem com a pobreza” (Moeller, no prelo-a). Elas já passaram
para seus “papéis adultos como esposa, mãe, trabalhadora e cidadã” (Levine,
Lloyd, Greene e Grown, 2008, p. 10), conforme a descrição que se encontra
em “Girls Count: A Global Investment & Action Agenda” [As meninas são
importantes: uma agenda global de investimento & ação], um relatório finan-
ciado pela Fundação Nike. Sob esta conceituação, o momento temporal para
a intervenção passou (Moeller, no prelo-a). Além disso, os homens jovens não
possuem a capacidade reprodutiva nem o suposto potencial social para pôr
fim à pobreza, e os homens adultos são excluídos pelos mesmos motivos. Mas
eu fui abordada por numerosos homens jovens ou seus pais que se mostraram
interessados no programa, seja durante o recrutamento ou no local onde o
programa ocorria. Não obstante, este programa e o outro programa de ONG
no Portfólio de Empoderamento Econômico no Brasil somente recrutavam
meninas adolescentes, embora ambos tivessem trabalhado anteriormente com
homens e mulheres jovens e voltassem posteriormente a trabalhar também
com homens jovens depois de suas verbas acabarem.
Além disso, apesar da natureza oficialmente neutra em termos de cor da
pele com que a Fundação Nike emprega a categoria de menina adolescente, a
busca de meninas no Brasil era altamente racializada. Ela “correspondia à
‘formação racial’ (Omi e Winant, 1994) desta cidade brasileira onde a distri-
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MOELLER, K. • “O efeito menina”: o investimento corporativo transnacional dos Estados Unidos...
O “adiamento” da gravidez4
Quando me aproximava do fim de meu trabalho de campo, durante uma
longa reunião de equipe, num fim de tarde, observei como o objetivo da Fun-
dação Nike de retardar a gravidez se materializava na prática. Quando a con-
versa anterior estava terminando, Susanna sacudiu gentilmente a cabeça e dis-
se: “Tenho algo triste a dizer. Temos de novo uma menina no programa que
está grávida. Não alcançamos nossa meta, nosso indicador”. Voltando-se para
outro membro da equipe, perguntou: “De quantos meses ela está grávida?”
“Três meses”, respondeu o membro da equipe. Susanna disse calmamente: “E
depois da aula de gênero”.
Essa história reflete como a lógica do efeito menina resultou em forte
ênfase no sentido de retardar a idade da gravidez e do casamento. Na época do
estudo, um dos três “indicadores universais” da Fundação Nike para compre-
ender meninas adolescentes em todo o mundo era a “idade do primeiro nasci-
mento” ou a “idade de gravidez” (Entrevista, 2009). Na visão estratégica da
Fundação Nike durante este período de tempo, estes “indicadores universais”,
medidos por meio de um questionário pré e pós, serviam como “medidas subs-
titutas” para as “medidas últimas” de “níveis de renda” e “ativos acumula-
dos”, o que incluía tanto ativos financeiros quanto bens materiais. Como des-
creveu um alto gerente da Fundação Nike, estas medidas faziam parte do pro-
pósito de posicionar o efeito menina como “uma equação econômica”. Isso
levou a contínuas intervenções pedagógicas e curriculares através do progra-
ma para regulamentar as práticas heterossexuais das participantes, incluindo
constantes conversas explícitas com as jovens mulheres por parte de membros
dirigentes da equipe sobre a meta do programa de adiar os primeiros encon-
tros sexuais delas e de “retardar” a idade da gravidez. O medo do “fracasso”
4
Esta seção é extraída de Moeller (no prelo-a).
188
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
programático era algo ameaçador para a ONG, de modo que assegurar que as
meninas adolescentes não engravidassem fazia parte da garantia de que ela
provava o efeito menina, que era a medida última do sucesso mais amplo do
programa. Porém, de acordo com a alusão de Susanna, neste caso as interven-
ções pedagógicas e curriculares através da aula de gênero e das interações diá-
rias na sala de aula tinham fracassado.
Embora o curso devesse ter oferecido um espaço para abordar questões
de gênero e sexualidade com as jovens mulheres, o enfoque mais amplo no
“adiamento” da gravidez no programa marginalizou outros aspectos impor-
tantes de gênero e sexualidade. Isso incluía conversas sobre relações sexuais
saudáveis e seguras independentemente da orientação sexual e os direitos da
maternidade ou paternidade, suas responsabilidades e os desafios que ela apre-
senta. Além disso, como o gênero e a sexualidade são “coformados” (Bacchet-
ta, 2007) com outros eixos de diferença, incluindo a raça, a classe e o lugar
nesse contexto, o programa não abordou de maneira adequada ou explícita as
experiências específicas de ser pobre, jovem mulher negra ou mulher de cor
vivendo em favelas na periferia da cidade. Como Susanna explicou quando
perguntei por que o programa não discutia a questão da raça com as jovens
mulheres: “Nós enfocamos o gênero, não a raça”. É importante dizer que ele
não abordava diretamente as formas como o posicionamento racializado de-
las impactaria suas trajetórias e experiências nos sistemas de ensino superior e
no mercado de trabalho.
189
MOELLER, K. • “O efeito menina”: o investimento corporativo transnacional dos Estados Unidos...
190
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
ilustrar isso, ela lhes perguntou: “Se vocês vão à praia passar o dia, e os outros
não têm dinheiro, quem paga?” As meninas todas responderam: “A mulher”,
concordando que as mulheres pagam para si mesmas, para seus filhos e para
os homens. Uma das meninas disse: “A mulher paga pelo transporte e pelo
almoço”. Carolina perguntou: “E quem ganha?” “A mulher e todos ao redor
dela”, explicou.
Educadores e membros da equipe da ONG comunicaram a lógica de
responsabilidade do efeito menina às meninas do programa, reforçando, dessa
maneira, o que a teórica crítica do desenvolvimento Chant (2006) chama de
“feminização da responsabilidade e da obrigação” (p. 206), começando na
escala de menina. Em interações diárias em sala de aula e em atividades do
programa, a ideia de que as meninas e mulheres são responsáveis pela vida de
outras pessoas muito além delas mesmas foi comunicada às participantes.
Mas esta lógica não ficou incontestada. Com o passar do tempo, vários
membros da equipe começaram a questionar a maneira como ela posicionava
as meninas. Em certa ocasião, um membro dirigente da equipe, Marcela, co-
mentou comigo durante uma conversa: “Às vezes, acho que estamos pedindo
demais delas. Assim, elas farão o que as mães e avós delas fizeram”. Na parte
final de meu trabalho de campo, ela compartilhou esta ideia durante uma reu-
nião da equipe. Estávamos todas envolvidas na conversa quando ela afirmou:
“Elas não vão ser todas líderes ou mudar a realidade de suas comunidades. O
que você pede de sua filha?” Um dos membros da equipe observou: “Que seja
alguém na vida”. Marcela continuou: “As meninas primeiramente têm de cui-
dar de sua própria vida e de sua educação. Temos de parar com esta ideia”, e
ela fez uma pausa, “de que elas vão cuidar das ruas”.
Se determinadas meninas e mulheres são mais responsáveis, isso se ba-
seia em um determinado conjunto de condições econômico-políticas e socio-
culturais historicamente produzidas que faz com que seja assim. Não é que
elas sejam naturalmente mais responsáveis ou altruístas do que outras meni-
nas, mulheres ou homens. Como diz Leonardo (2004): “Pedindo emprestada
uma expressão do feminismo radical, podemos dizer que o ‘pessoal é estrutu-
ral’” (p. 13). Por isso, se elas são isso, é por serem estruturalmente posiciona-
das para serem assim (Moeller, no prelo-a).
Conclusão
Investir na educação de meninas está no topo da agenda global de de-
senvolvimento de muitas agências internacionais. Porém, como revela este
estudo, uma lógica instrumental vinculada à preparação para o emprego e ao
191
MOELLER, K. • “O efeito menina”: o investimento corporativo transnacional dos Estados Unidos...
192
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
Agradecimentos
A pesquisa e a escrita deste capítulo foram financiadas por uma bolsa
de pós-doutorado no Haas Institute for a Fair and Inclusive Society na Univer-
sidade da Califórnia, Berkeley, e por verbas da National Science Foundation,
Fullbright-Hays, e da National Academy of Education/Spencer Foundation.
Sou grata a Miguel Zamora, Patricia Baquedano-López, Ananya Roy, Zeus
Leonardo, Paola Bacchetta, Cecilia Lucas, Hiba Bou Akar, Rebecca Alexan-
dra, Emily Gleason, Erica Boas, Susan Woolley e Genevieve Negron-Gonza-
les por apoiarem este estudo e por seu feedback sobre este capítulo. Também
gostaria de agradecer aos indivíduos e às instituições que participaram de meu
estudo por sua generosidade, seu tempo e suas percepções. Todos os erros no
capítulo são meus próprios.
193
MOELLER, K. • “O efeito menina”: o investimento corporativo transnacional dos Estados Unidos...
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Políticas educativas en el Chile actual
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
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PINTO CONTRERAS, R. • Políticas educativas en el Chile actual
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
1
En la historia de la educación pública chilena se muestra dos polos antagónicos de la manera
como se concibe ésta, por un lado la visión conservadora oligárquica, vinculada a la Iglesia
Católica, que entendía la “Libertad de Enseñanza” como una función propia de la Iglesia y la
familia, y al Estado le correspondía la función de facilitar los recursos económicos que subsidiara
a la Iglesia y por otro lado, el pensamiento laico liberal que entendía que la educación era una
función propia del Estado y que correspondía a éste ofrecerla de manera gratuita a todos los
chilenos. Esta polémica política/ideológica permanece en la historia chilena y vuelve a surgir,
201
PINTO CONTRERAS, R. • Políticas educativas en el Chile actual
con todo el apoyo de la Dictadura Militar, en los años 1980, imponiéndose finalmente el principio
de “libertad de enseñanza”, que siempre tuvieron las oligarquías conservadoras. Recomendamos
ver el libro de Carlos Ruiz (2010), op.cit.
202
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
2
A fines de los años 80 comienza un fenómeno de desagregación y autonomía de algunas sedes
Universitarias que pertenecían antiguamente a las Universidades de Chile, de la Pontificia
Universidad Católica de Chile y de la Ex Universidad Técnica del Estado; esta desagregación
tiene una causa financiera: las casas matrices no podía asegurarles el financiamiento ni su
apoyo docente/investigativo, a sus sedes; la alternativa era o buscaban su propia subsistencia o
se cerraban. Así, estas Universidades, todas ubicadas en Regiones que deciden continuar su
existencia autónoma, comienzan a ser beneficiadas con este Fondo de Financiamiento Público
Directo, constituyen un total de 4 Universidades Católicas Independientes (1 en el Norte; otra
en la Región del Maule; otra en Concepción y otra en Temuco), 8 Universidades Públicas
Regionales (son las de Arica, Iquique, Antogasta; la Serna; la de Playa Ancha de Valparaíso; la
Metropolitana de Ciencias de la Educación; la Frontera de Temuco; la de Los Lagos y la de
Magallanes) y 2 Universidades que resultan de la alianza entre la Universidad de Chile y
Universidad Técnica del Estado (Universidad de Atacama y la Universidad Tecnológica
Metropolitana).
3
Al año 1990 se habían creado 48 Universidades Particulares Pagadas, algunas de ellas de origen
regional pero al día de hoy con filiales en todos los lugares de poblaciones mayores de país.
Durante los gobiernos de transición, se crearon 10 Universidades privadas más. Sólo para tener
como referente histórico de la magnitud y la profundidad del cambio que la Dictadura provocó
en sus 17 años de instalación, en relación a la existencia y matrícula de las Universidades
Chilenas veamos algunos antecedentes interesantes: en el año 1973, habían dos Universidades
Públicas Fiscales, la Universidad de Chile y la Universidad Técnica del Estado, que juntas
tenían el 67,2% de la matrícula y el Estado cubría el 86,2% del presupuesto de funcionamiento
de ellas. Las Universidades Privadas, en total 4 (Universidad Católica de Chile, Universidad
Técnica Santa María, Universidad de Concepción y Universidad Austral de Valdivia), tenían
sólo el 22,8% de la matrícula universitaria. En el año 2000, el conjunto de las Universidades
Públicas y Privadas subsidiadas por el Estado eran en total 16 y concentraban el 54% de la
matrícula universitaria y en su conjunto para su funcionamiento recibían el 24% de su
presupuesto basal de parte del Estado, y el sistema Particular Privado lo constituían un total de
58 Universidades, con un total de 46% de la matrícula universitaria, sin aporte del Estado. Esto
se ha mantenido igual hasta nuestros días. Datos proporcionados por el Consejo Nacional de
Rectores, Chile, 2002.
203
PINTO CONTRERAS, R. • Políticas educativas en el Chile actual
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
4
Lo que me llamó la atención a mi regreso al país en 1990, después de 17 años de exilio obligado
era el énfasis de “sobrevivencia” que tenía el discurso político de los dirigentes gubernamentales
que asumían y la ingenuidad del análisis de la situación a la que se enfrentaban. La verdad es
que no me explicaba, en ese momento, los vacios ideológicos y teóricos que tenían muchos de
estos intelectuales y dirigentes, con muchos de ellos habíamos compartido espacios de análisis
y discusión política y los valoraba por su lucidez conceptual, durante el exilio, pero transformados
en administradores gubernamentales parecían no entender para nada el carácter mercantilista
y de privatización de lo público que imponía la lógica del modelo dictatorial. En ese debate que
quise iniciar en 1990 y al recibir solo descalificaciones, cada vez más me fui distanciando de los
gobiernos de la Concertación, hasta terminar rompiendo con ella en el año 2008, justamente
ante el engaño que se le hizo al Movimiento de los “Pingüinos” (Estudiantes Secundarios), a
propósito del cambio de la Ley General de Educación.
205
PINTO CONTRERAS, R. • Políticas educativas en el Chile actual
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
5
En los últimos años y con el Gobierno de la señora Michelle Bachelet y continúo con el gobierno
de derecha de Sebastián Piñeira, esto es de 2008 hasta 2015, se habló del eufemismo “Crédito
Solidario con el aval del Estado”, pero otorgado y administrado por el sistema bancario comercial
nacional. Los efectos sociales de esta acción es que los estudiantes que se educaron con estos
créditos “solidarios”, están prácticamente como deudores con la Banca que se los otorgo, durante
un promedio de 15 años una vez egresados de sus estudios universitarios o superiores.
207
PINTO CONTRERAS, R. • Políticas educativas en el Chile actual
6
Solo como un ejemplo de las muchas Comisiones de “Expertos Extranjeros” que visitaron
Chile para ver la realidad de su Educación Pública, entre los años 2000/2014, referimos aquí la
realizada por una Comisión de la OCDE que visitó escuelas municipales y particular
subvencionadas, se entrevistó con varios directivos Municipales de la Educación y Sostenedores
Privados, también conversó con la organización nacional de Profesores y con algunos
académicos, y llegó a una conclusión lapidaria: es imposible el mejoramiento de la calidad de
la educación pública de Chile, sin un cambio del modelo económico-social que tiene el país.
Ver: Informe de la Comisión OCDE “Situación y perspectivas de la Educación Pública en
Chile. Informe de recomendaciones para el Mejoramiento de su Calidad”, Santiago, 2011.
208
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
7
Tan sólo con el ánimo de ilustrar con algunos títulos recientes, citamos: Fernando ATRIA
(2012). La Mala Educación. Ideas que inspiran al movimiento estudiantil en Chile, Catalonia
y CIPER Ediciones, Santiago (Chile); Francisco FIGUEROA (2013). Llegamos para quedarnos.
Crónicas de la revuelta estudiantil. LOM Ediciones, Santiago (Chile); Giorgio JACKSON (2013).
El País que soñamos. Random House Mondadori S.A., Colección Debate, Santiago (Chile);
Rolando PINTO CONTRERAS (2014). Pedagogia Crítica para una Educación Pública de
Calidad. DERRAMA MAGISTERIAL Ediciones, Lima (Perú); Richard YÁÑEZ y Jessica
VISOSTKY (2014). ¡Tomar la Escuela! Editorial Quimantú, Colección A-probar, Santiago
(Chile); entre otras. Y como ejemplos de la dinámica social, algunos eventos académicos que
son muy importantes para lo que sería la anticipación de una apertura a pensar la reconstrucción
de lo público en la educación: la creación y funcionamiento, asentado en la Universidad de
Chile, del Observatorio Chileno de Políticas Públicas; el Movimiento Pedagógico del Colegio
de Profesores y el Foro Chileno por el Derecho Democrático a la Educación Pública de Calidad.
De manera directa me ha tocado participar en el segundo y el tercero de estos eventos.
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PINTO CONTRERAS, R. • Políticas educativas en el Chile actual
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
sistema tributario del país, con criterio de equidad social; cambiar la Constitución
Política del Estado para que éste asuma, nuevamente su carácter democrático y
desarrollista; cambiar el sistema de Salud, de Previsión Social y hacer justicia a
los jubilados; en fin, avanzar a la eliminación paulatina de los enclaves de poder
instalados por la Dictadura: eliminar el sistema electoral Binominal; terminar
con la lógica de las Concesiones Privadas en la Construcción de Obras Públicas,
volviendo a las inversiones mixtas pero con seguridad en la gestión del Estado.
Es decir, el Gobierno actual se proyecta como factor de cambio del país.
En lo que respecta al cambio educativo, el Gobierno adopta una estrategia
de aplicación gradual y fragmentada del cambio educativo y establece una
“Agenda del Plan de Reformas” que sigue el itinerario de cuatro propósitos
políticos del cambio, en todo el período que dura en sus funciones: 2014-2018.
Según el discurso formal que orienta estas políticas, el 21 de Mayo de
2014, la señora Presidenta declara: “Tenemos razones éticas para llevar adelante
esta Reforma, que se basa en el profundo convencimiento de que recibir una
educación de calidad es el mecanismo más eficaz para reducir la desigualdad.
La educación es un derecho social que no puede depender de los recursos
económicos de los estudiantes o sus familias” (Mensaje Presidencial al Congreso
Nacional). Con esta motivación se señalan los 4 propósitos políticos de este
Reforma Educativa:
1) Crear una institucionalidad que garantice el acceso libre a la educación
y la seguridad a las familias;
2) Garantizar una Educación Pública de Calidad para todos los chilenos;
3) Avanzar a una profesión docente moderna, dignificada y mejor
remunerada; y
4) Desarrollar una Educación Superior Pública gratuita y de calidad.
El Plan de Ejecución de estas políticas y las acciones específicas que se
implementan son:
– Año Julio de 2014/Junio de 2015: envío y aprobación en el Congreso
de la Ley de la República que pone fin al lucro, a la selección para el acceso libre
de las familias a la educación pública y la gratuidad de la Educación Básica y
Media en cualquier modalidad y dependencia administrativa de la institución
educativa. Esta Ley se encuentra en su trámite legislativo final. Es importante
señalar como explicación de la lentitud aprobatoria del Congreso que al interior
de la propia Coalición Gubernamental tuvieron que superarse diferencias
importantes acerca de la conveniencia de la “eliminación de la selección en los
establecimientos públicos y del financiamiento compartido”, ya que con toda la
perversidad social heredada hay un importante componente de la población
chilena, los autoproclamados sectores sociales medios, que defienden ambos
211
PINTO CONTRERAS, R. • Políticas educativas en el Chile actual
8
Es importante señalar que la actual Coalición Gubernamental “Nueva Mayoría” está constituida
por la totalidad de los Partidos de la antigua Concertación de Partidos por la Democracia,
donde todavía predominan las tendencias neoliberales; el Partidos Comunista, otros partidos
menores de izquierda y varios movimientos sociales del país, estas “ampliaciones políticas” a
la Concertación, son claramente partidarias de un cambio democrático profundo y al parecer
tendrán que convivir en esta tensión política antagónica, si quieren mantener la coalición.
También hay que tener presente que tanto el PC como los demás representantes de la izquierda
y del movimiento social, son los que tienen mayor presencia en el movimiento social democrático
en Chile y la señora Presidenta pareciera representarse mejor en ellos.
9
Particularmente en toda esta creación de Instituciones de educación superior se muestra la
voluntad política de favorecer a las Regiones del país, justamente una de las promesas de campaña
de la señora Presidenta; pero además la voluntad de crear, por primera vez en estos 35 años de
historia, Universidades Públicas y Centros de Formación Técnica Superior.
212
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
10
No obstante el diálogo de la Directiva del Gremio Docente con el Gobierno, las bases regionales
y locales de los profesores no aceptaron esta Propuesta de Mejoramiento Docente acordada y
al no ser escuchadas las bases se produce una división interna en el gremio entre los profesores
que apoyan este acuerdo y los disidentes; muchos de estos últimos están por la creación de un
nuevo referente gremial que lo llaman Sindicato Único de Trabajadores de la Educación/
SUTE, que recupera el nombre de la antigua organización unitaria de los profesores,
desaparecida con el Golpe Militar de 1973.
11
En este Consejo participan las actuales 12 Universidades Estatales; 5 Universidades Privadas
pero con Financiamiento del Estado y de carácter nacional, algunas de ellas desarrolladas
desde sus orígenes en las Capitales Regionales de Valparaíso (2), de Concepción (1), de Valdivia
(1) y en Santiago (1); además de estas 5 Universidades Particulares Subvencionadas, integran
el Consejo de Rectores todas la Universidades Católicas, antiguas filiales de la Pontificia
Universidad Católica de Chile y que adquieren su autonomía en el tiempo de la Dictadura, en
total son 5 Universidades Católicas localizadas en Regiones. En síntesis, el Consejo Nacional
de Rectores represente en el conjunto, el 55% de la Matrícula Universitaria; el 80% de los
Proyectos Científicos de Investigación adjudicados con apoyo del Estado y el 90% de los
Postgrados del país.
12
A nosotros nos llama profundamente la atención que el Gobierno, hasta ahora, no haya señalado
ninguna orientación sobre lo que tiene que ser una Educación Pública de Calidad y por otro
lado, que no exista de manera explícita ni mecanismos, ni temarios, ni plazos para estos diálogos
ciudadanos. Lo malo de esta ambigüedad es que ya comienzan a constituirse movimientos
ciudadanos que reclaman una mayor participación efectiva en esos diálogos sociales.
213
PINTO CONTRERAS, R. • Políticas educativas en el Chile actual
214
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
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Mercados educativos y segmentación
de la oferta escolar: efectos sobre las
desigualdades educativas en Chile1
Adrián Zancajo
Xavier Bonal
Antoni Verger
Departamento de Sociología de la
Universitat Autònoma de Barcelona2
Introducción
La larga trayectoria del cuasi-mercado educativo chileno, en torno a treinta
años, ofrece una oportunidad única para observar los efectos a largo plazo de
este tipo de políticas educativas. Existe una amplia literatura sobre los efectos de
los cuasi-mercados sobre el rendimiento, la eficiencia y las desigualdades, así
como sobre el comportamiento de la demanda educativa en un entorno de libre
elección de centro. En cambio, la evidencia respecto al comportamiento de la
oferta educativa en un entorno de competencia y, específicamente, su efecto
sobre las desigualdades educativas es mucho más escasa.
El objetivo del presente trabajo es analizar las repuestas del los proveedores
educativos en un contexto de competencia, así como la manera en que dichas
respuestas contribuyen a segmentar el sistema educativo. El análisis planteado
se desarrolla tomando como referencia la ciudad de Valparaíso, en un intento de
delimitar las iteraciones entre los diferentes proveedores en el contexto de un
mercado educativo local.
El artículo ha sido estructurado en cuatro apartados principales. En primer
lugar, revisamos las principales premisas teóricas relacionadas con el
1
Este capítulo es una reproducción de un artículo aparecido en la revista Témpora. Revista de
Sociología de la Educación, núm. 17, 2014, pp. 11-30.
2
Este artículo se ha realizado en el marco de los proyectos Cuasi mercados en educación en América
Latina. Un análisis de su implementación e impacto sobre la desigualdad y la pobreza (EDUMERCAL,
Ref. CSO2011-22697) y Public-Private Partnerships in Educational Governance: An analysis of its
dissemination, implementation and impact in a globalizing world (EDUPARTNER, Ref. GA-2012-
322350. Programme “PEOPLE” – Call FP7-PEOPLE-2011-CIG).
216
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
217
ZANCAJO, A.; BONAL, X.; VERGER, A. • Mercados educativos y segmentación de la oferta escolar
La competencia entre los centros puede ser definida como “las relaciones
de interacción entre las escuelas vinculadas a su deseo de obtener los recursos codiciados y
escasos” (van Zanten, 2009: 86). Entre estos recursos, de naturaleza tanto material
como simbólica, podemos encontrar los alumnos, los docentes o la reputación
del centro educativo. En este contexto de competencia, los centros están afectados
por las acciones del resto, ya sea directa o indirectamente (Pfeffer y Salancik,
1978).
Para analizar estas relaciones de interdependencia derivadas del contexto
de competencia, resulta interesante distinguir entre el primer y el segundo orden
de competencia (Grewirtz et al., 1995). El primer orden de competencia se
establece en relación a la distribución del conjunto de alumnos que se encuentran
en el mercado educativo local, producto del hecho de que en la mayoría de cuasi-
mercados educativos los recursos de cada centro se asignan en función del número
de estudiantes matriculados. En cambio, el segundo orden de competencia es el
referido a la competencia por los alumnos con determinadas características, ya
sea su nivel socioeconómico, su rendimiento o su comportamiento. En la medida
en que las características del alumnado condicionen las circunstancias en las
que los proveedores realizan el servicio educativo, los centros competirán para
atraer a aquellos alumnos que les resulten más favorables.
Otro de los elementos clave para poder analizar las situaciones de
competencia e interdependencia entre los proveedores de un mercado educativo
es la definición de los espacios geográficos de competencia. Las relaciones entre
proveedores y familias que se dan en estos espacios de competencia están influidas
por las regulaciones nacionales y por las características específicas del sistema
educativo, pero al mismo tiempo por particularidades locales. La
contextualización de los espacios locales de competencia – o lo que Taylor (2002)
denomina como ‘geografía del mercado educativo’ – permite analizar con más
precisión las relaciones que se dan en el interior de dichos espacios. En esta
misma línea argumental, Lubienski et al. (2009) afirman que los mercados
educativos locales son una unidad de análisis central a la hora de entender cómo
las reformas de mercado afectan los comportamientos de la demanda y la oferta
educativa.
Tomando pues en consideración el carácter local de los mercados
educativos, es necesario analizar la jerarquización de las escuelas también desde
esta perspectiva. La posición de un centro escolar en la jerarquía local, que como
se analizará a continuación puede tener influencia en su comportamiento, se
218
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
3
El autor define la competencia estructural como una medida del numero de proveedores
disponibles en el mercado local y la distribución de las cuotas de mercado entre estos proveedores.
219
ZANCAJO, A.; BONAL, X.; VERGER, A. • Mercados educativos y segmentación de la oferta escolar
220
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
4
Las corporaciones son escuelas de formación profesional gestionadas por empresas y que cuentan
con financiación del Estado, pero no a través del sistema de vouchers (Cox, 2004).
221
ZANCAJO, A.; BONAL, X.; VERGER, A. • Mercados educativos y segmentación de la oferta escolar
Metodología
Para llevar acabo el análisis de las estrategias de los proveedores educativos
en el contexto del sistema educativo chileno se ha seleccionado como muestra el
conjunto de los centros escolares que imparten educación primaria en la ciudad
de Valparaíso. La elección de Valparaíso responde a dos motivos principales. En
primer lugar, la ciudad dispone de una amplia diversidad de centros educativos
distribuidos según titularidad de manera muy similar a la media del conjunto
del sistema educativo chileno. En el año 2013, la ciudad contaba con 112 centros
de educación primaria, de los cuales el 39% de titularidad pública, el 53% privados
subvencionados y el 8% privados. En segundo lugar, parece razonable suponer
que la ciudad de Valparaíso es un único mercado local. En este sentido, la elección
del mercado educativo de Valparaíso como unidad de análisis tiene como objetivo
controlar las características locales que pueden afectar los comportamientos de
la demanda y la oferta educativa, incorporando la perspectiva geográfica en el
análisis de la competencia entre escuelas (Taylor, 2001).
5
Véase “Mineduc advierte de prácticas ilegales en proceso de matrícula en colegios” La Tercera, 24 de
Julio de 2013.
222
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
6
Los datos utilizados para elaborar el gráfico pueden ser consultados en el anexo.
223
ZANCAJO, A.; BONAL, X.; VERGER, A. • Mercados educativos y segmentación de la oferta escolar
7
Las cuotas están expresadas en pesos chilenos. El tipo de cambio entre el peso chileno y el euro
es aproximadamente 1•=700$.
224
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ZANCAJO, A.; BONAL, X.; VERGER, A. • Mercados educativos y segmentación de la oferta escolar
8
Los datos utilizados para elaborar el gráfico pueden ser consultados en el anexo.
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
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ZANCAJO, A.; BONAL, X.; VERGER, A. • Mercados educativos y segmentación de la oferta escolar
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
b) Selección y expulsión
Como se ha comentado anteriormente, aunque ilegal, la selección de
estudiantes es todavía una práctica habitual entre los centros educativos que
conforman el sistema educativo chileno. Esta práctica se acostumbra a asociar
con una voluntad por parte de los centros para ejercer un control sobre la
229
ZANCAJO, A.; BONAL, X.; VERGER, A. • Mercados educativos y segmentación de la oferta escolar
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
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ZANCAJO, A.; BONAL, X.; VERGER, A. • Mercados educativos y segmentación de la oferta escolar
Conclusiones
Es bien sabido que la introducción de reformas educativas con orientación
de mercado puede intensificar los procesos de segregación entre centros (Dronkers
y Avram, 2009). En el caso concreto de Chile, Hsieh y Urquiola (2006) concluyen
que la introducción del sistema de vouchers ha fomentado la huida de la clase
media de la escuela pública a la privada, mientras que otros trabajos demuestran
cómo ha incrementado significativamente el nivel de segregación fruto de la
concentración de alumnos de nivel socioeconómico bajo en los centros públicos
(Valenzuela et al., 2013). Tradicionalmente, el efecto de los cuasi-mercados sobre
la segregación se ha explicado como consecuencia del comportamiento
diferenciado de las familias según su nivel socioeconómico. Es decir, las familias
de clase media o alta reaccionaban a los mecanismos de mercado – principalmente
la mayor capacidad de elección – seleccionado aquellos proveedores que
maximizan su utilidad. En cambio, aquellas familias que pertenecían a niveles
socioeconómicos más bajos no lo hacían de esta manera, principalmente por
falta de información. Este tipo de estudios, centrados en el comportamiento de
las familias, relega a un segundo plano el papel de los proveedores educativos en
la explicación de la segmentación y de la segregación educativas. Precisamente,
al centrarse en el comportamiento de la oferta, este artículo contribuye a llenar
parte de las lagunas existentes en esta área de estudios. De esta manera, esperamos
contribuir a reforzar la comprensión del fenómeno de la segregación y la
segmentación escolar de una forma más compleja y dialéctica.
Sin duda, el elevado nivel de desregulación del sistema educativo chileno
ofrece una interesante oportunidad para adoptar esta perspectiva. Los resultados
de nuestro análisis muestran que, más allá de las diferencias entre el sector público
y el privado, existe una segmentación escolar importante dentro de cada uno de
estos sectores. La cuota cobrada a las familias, el uso de mecanismos de selección,
los motivos de elección o la posición en los rankings de rendimiento representan
los principales mecanismos utilizados por los proveedores educativos para
responder al contexto de competencia fruto de las políticas de cuasi-mercado en
Chile. Con estas respuestas, los proveedores tienen como objetivo posicionarse
en la jerarquía del mercado educativo local, pero al mismo tiempo ofrecer un
servicio diferenciado del de aquellos proveedores que ocupan una posición similar
en esta jerarquía. Esta doble dinámica conlleva, siguiendo el marco de análisis
232
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
Referencias
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234
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
235
ZANCAJO, A.; BONAL, X.; VERGER, A. • Mercados educativos y segmentación de la oferta escolar
Anexo
Público Privado
Subvencionado Privado
Q1 32,3 11,5 0,0
Q2 27,0 17,1 0,2
Q3 21,5 23,2 0,6
Q4 14,2 26,5 4,0
Q5 5,1 21,7 95,2
Total 100 100 100
Cuadro 3. Distribución de los estudiantes según quintil del índice de nivel socioeconómico
y tipología de centro educativo (%). Valparaíso 2011.
Tipología Q1 Q2 Q3 Q4 Q5 Total
Público 1 39,0 32,6 18,2 8,6 1,6 100
2 26,9 30,4 26,5 13,8 2,4 100
3 28,4 30,5 27,4 11,6 2,1 100
Privado 4 13,8 27,5 27,5 26,2 5,0 100
subvencionado 5 8,5 22,4 34,1 27,4 7,6 100
6 3,5 9,3 26,3 36,0 24,8 100
7 0,0 1,5 11,8 27,9 58,8 100
Privado 8 0,0 7,7 30,8 7,7 53,8 100
9 0,0 0,0 7,1 28,6 64,3 100
10 0,0 0,0 0,7 2,7 96,7 100
236
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
Cambios en el sistema
universitario argentino (2003-2013).
¿inclusión? ¿privatización?
Laura R. Rodríguez
Susana E. Vior
237
RODRÍGUEZ, L. R.; VIOR, S. E. • Cambios en el sistema universitario argentino (2003-2013)
1
En 2005, por ejemplo, el Program on Education Policy and Governance at Harvard University organizó
la conferencia “Mobilizing the Private Sector for Public Education” conjuntamente con el Banco
Mundial (BM), y con el apoyo financiero de la Fundación John Olin, la Corporación Financiera
Internacional (CFI) y el Instituto del BM, con el objetivo de discutir “las asociaciones público-
privadas en educación tanto en países desarrollados como en países en desarrollo, así como la
eficacia de tales iniciativa”, con la participación de economistas, politólogos, políticos e
investigadores interesados en la política educativa (disponible en: http://www.hks.harvard.edu/
pepg/conferences/MPSPE.htm). En 2009, una publicación de UNESCO afirmaba: “La
Conferencia Mundial sobre Educación Superior en 2009 es una oportunidad para reflexionar
sobre temas y tendencias que han aparecido desde la Conferencia Mundial de 1988, así como
para instalar un interés por examinar de qué manera el panorama continuará evolucionando.
A pesar de que a lo largo de la década pasada la provisión privada en el sector se ha expandido
exponencialmente en varios países, el tema de la educación superior privada, o no estatal, no
estuvo presente” (BJARNASON, S.,, en BJARNASON et al, 2009: 1). En la agenda de los
organismos internacionales (UNESCO, OCDE, BM), el interés predominante es, por un lado,
impulsar la provisión privada o público-privada como forma de descomprimir el presupuesto
público frente a las crisis financieras recurrentes, y por otro, recomendar un papel central de los
Estados en la regulación de los proveedores, haciéndose cargo de la explosión de ofertas de
“mala calidad” provocada por el libre juego de la lógica de mercado en los ´90. Ver:
BJARNASON, Svava; CHENG, Kai-Ming; FIELDEN, John; LEMAITRE, Ma. J.; LEVY, D.;
VARGHESE, N.V. A new dynamic: Private Higher Education. Paris, UNESCO, 2009. ALTBATCH,
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Academic Revolution. A Report prepared for the UNESCO 2009 World Conference on Higher Education.
Paris, UNESCO, 2009. LEVY, Daniel. The Global Growth of Private Higher Education. En
LEVY, D. Levy et al, The Global Growth of Private Higher Education: ASHE Higher Education
Report, Vol.36 (3), 2010, p. 121-133. PATRINOS, Anthony H.; BARRERA-OSORIO, Felipe;
GUÁQUETA, Juliana. The Role and Impact of Public-Private Partnerships in Education. Washington:
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Paris, OECD Publications, 2008.
238
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
2
Se encuentra actualmente en desarrollo el Proyecto “Estado, Política Universitaria y Tercer
Sector: Nuevas articulaciones entre lo público y lo privado. Consecuencias para la
democratización de la Universidad”.
3
1930/32, 1943/46, 1955/58, 1966/73, 1976/83.
239
RODRÍGUEZ, L. R.; VIOR, S. E. • Cambios en el sistema universitario argentino (2003-2013)
4
En este trabajo, por razones de síntesis, se analizan sólo datos agregados para el conjunto del
sistema. Pero es importante dejar constancia que en todos los indicadores educativos, y por lo
tanto también en los que se refieren a la composición público-privada de la matrícula, existen,
históricamente, fuertes disparidades entre jurisdicciones provinciales Por ejemplo, para
mencionar sólo el dato más reciente (2013), la Ciudad de Buenos Aires tiene la mitad de su
matrícula de los niveles pre-universitarios en el segmento privado, mientras que en la provincia
de Santiago del Estero sólo alcanza el 2,3% (DiNIECE, 2013b).
240
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
El sector educativo fue uno de los sectores más castigados por las políticas
de ajuste fiscal, inauguradas con la transferencia inconsulta de las instituciones
de nivel medio y superior no universitario que históricamente había sostenido el
Estado Nacional en las provincias5. La privatización de la matrícula continuó
en todos los niveles educativos, excepto en el inicial, en el cual la participación
del sector privado se mantuvo estable (28%). Hacia 2001 había llegado a absorber
el 20,5% de la matrícula del primario, el 27% del secundario, y el 41,5% del
superior no universitario (DiNIECE, 2013b)6.
Pero ese año, el deterioro de las condiciones económicas y sociales
nacionales, y la crisis política consecuente, generaron un terreno fértil para aceptar
la revisión del programa neoliberal que venía siendo planteada a nivel mundial y
que, por ese entonces, reconocía los límites del mercado como mecanismo
regulador y base de cohesión social. La crisis asiática y la creciente polarización
y exclusión social originadas por el proyecto original, impulsaron a los sectores
dominantes a buscar una nueva arquitectura institucional para la sociedad de
mercado (JESSOP, 2000) (ACUÑA & TOMASSI, 1999). Los conceptos de
“gobernanza”, “desarrollo sustentable”, “inclusión” y “sociedad civil activa”
suplantaron a los más duros conceptos de “competencia”, “crecimiento”,
“eficiencia” y “gerencialismo”. Así, desde 2003 y hasta 2009, aproximadamente,
los gobiernos de N. Kirchner y de C. Fernández de Kirchner, aprovecharon una
coyuntura internacional que les permitió abrir una fase de reactivación
económica, calificada por algunos autores como “neodesarrollista” (FÉLIZ &
LÓPEZ, 2010) (KATZ, 2010). Buscando recomponer su legitimidad, estos
gobiernos implementaron acciones que suponían recuperar el papel del Estado
en la compensación de las contradicciones generadas por el sistema socio-
económico, dando prioridad a la educación en la recuperación presupuestaria.
Cerrada la etapa del ajuste estructural, desprestigiado el modelo de “Estado
Mínimo”, la “sociedad civil” fue entronizada como elemento central de “alianzas
estratégicas” para el desarrollo de políticas sociales.
El gobierno de N. Kirchner (2003-2007) avanzó en la derogación de las
normas “neoliberales” simbólicamente representadas por la Ley Federal de
Educación de 1993. Restableció la modalidad técnica (a través de la Ley de
5
En 1978, durante la Dictadura Militar, el Estado Nacional ya había transferido las instituciones
de nivel pre-primario y primario.
6
Las tasas de escolarización de la población indicaban para ese año que se había logrado la
universalización del nivel primario. La tasa neta de escolarización en el nivel medio sólo
involucraba al 71,5%, con persistentes problemas de sobreedad, repitencia y deserción, ya que,
sobre el cambio de siglo, sólo alrededor del 48% de los jóvenes terminaba la escuela media en la
edad correspondiente (RIVAS, 2010).
241
RODRÍGUEZ, L. R.; VIOR, S. E. • Cambios en el sistema universitario argentino (2003-2013)
7
El subsistema de educación superior no universitaria de formación docente creció, entre 2003
y 2011 un 24,9%. El sector público creció más (32,1%) que el privado (6,9%). Ver: Centro de
Estudios de la Educación Argentina – Universidad de Belgrano (CEA). Avances en la educación
superior no universitaria. Año 2, N° 16, 2013.
242
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
La privatización en la Universidad
Teniendo a la vista este marco general, analizaremos ahora el recorrido
de la “privatización” en el nivel universitario, que tiene rasgos específicos que lo
diferencian del proceso seguido por el resto del sistema educativo. Pero antes de
hacerlo, es importante tener en cuenta otra característica particular: mientras
que Argentina en su historia contemporánea sancionó sólo tres leyes educativas
de rango nacional (la Ley 1420 de 1884, la LFE de 1993, y la LEN de 2006), las
universidades fueron reguladas, desde 1885, por siete normas, siendo la última,
la ley “neoliberal”, conocida como “Ley de Educación Superior” (LES) de 1995.
Pese a la existencia de iniciativas legislativas para sancionar una nueva Ley de
Educación Superior, y a la organización de un ciclo de debates en el Congreso
de la Nación con participación de diversos colectivos (universidades, académicos,
sindicatos, organismos corporativos, representaciones estudiantiles, etc.), la
derogación de dicha ley quedó postergada, y por lo tanto sigue vigente.
Del análisis de ese proceso histórico surgen cuatro rasgos particulares: 1) el
establecimiento tardío de la gratuidad (1949); 2) la vigencia de un prolongado monopolio
estatal (1958); 3) la inexistencia de un régimen integral de subsidios, y 4) la aparición de
organismos colegiados que representan intereses privados en el sistema de coordinación y
concertación de políticas.
En cuanto al primer rasgo, hay que notar que las universidades nacionales
cobraron diverso tipo de tasas hasta que el Decreto 29.337/49, durante el primer
gobierno de J.D. Perón, estableció la gratuidad del nivel universitario al suspender
el cobro de aranceles con retroactividad a junio de ese año, cumpliendo de este
modo el principio de gratuidad de la educación pública establecido en la
Constitución sancionada dicho año. Si bien el arancelamiento fue restablecido
durante la dictadura del período 1976-1983, el gobierno de R. Alfonsín lo dejó
sin efecto, recuperando la gratuidad de las UUNN.
En relación con el fin del monopolio estatal, existieron múltiples demandas
y propuestas legislativas de autorización de universidades “libres” o “particulares”
8
Pueden mencionarse: el Plan FiNES y el Plan PROGRESAR (ambos creando circuitos
especiales para la finalización de estudios secundarios y universitarios), y la Asignación Universal
por Hijo (AUH) para familias de bajos recursos, subsidio condicionado al cumplimiento de la
obligatoriedad escolar y la prevención sanitaria.
243
RODRÍGUEZ, L. R.; VIOR, S. E. • Cambios en el sistema universitario argentino (2003-2013)
desde 1885 (año en que se sancionó la primera ley universitaria). Recién en 1955
–durante un gobierno de facto–, el Decreto 6403 estableció la posibilidad de
creación de instituciones privadas. El gobierno de A. Frondizi, a través de la Ley
14.557/58 y su Decreto Reglamentario 1404/59 especificó las condiciones y
modalidades para su funcionamiento (debían ser fundaciones sin fines de lucro,
presentar un proyecto educativo adecuadamente fundado y financiado, pasar
por un período de autorización provisoria, etc.); el decreto estableció
taxativamente que no podrían recibir “recursos estatales” (Art. 1°). Durante el
gobierno del Gral. Onganía, un decreto-ley reguló de forma más integral a estas
universidades (1967); esta norma dio carácter oficial al Consejo de Rectores de
Universidades Privadas (CRUP), organizado algunos años antes como espacio
de representación de intereses ante las autoridades públicas. Desde 1958 hasta el
presente, estas instituciones son creadas sin intervención del Congreso de la
Nación, por decretos del Poder Ejecutivo9. La LES de 1995, al crear un sistema
de evaluación y acreditación universitaria a cargo de la Comisión Nacional de
Evaluación y Acreditación Universitaria (CONEAU), incorporó el requisito
previo de un informe positivo sobre el proyecto.
Entre 1958 y 1963, el sector privado –sobre todo el ligado a la Iglesia
Católica– abrió más universidades que las creadas hasta entonces por el Estado10.
La década del ´60 fue etapa de gran crecimiento de instituciones privadas (19
universidades). La década del ´70 (en particular 1972/74, durante el último año
de la Dictadura Militar de A. Lanusse y el tercer gobierno de J.D. Perón), fue de
creación de universidades públicas (14 instituciones). Un segundo impulso
privatizador tuvo lugar durante el primer gobierno de C. Menem: entre 1990 y
1995 se crearon 20 instituciones, mientras que sólo se crearon 7 públicas. En los
´00, la dinámica se invierte: se crearon 14 universidades estatales, frente a la
autorización de sólo 9 privadas. En términos gruesos, los ciclos de crecimiento de las
instituciones privadas se vinculan con la presencia de ciertos intereses privados –de la Iglesia
Católica, de sectores empresarios, etc.– en los bloques de fuerzas en los que se apoyó cada
9
La creación de universidades públicas se realiza por ley del Congreso, e históricamente, en
este proceso influyen fuertemente factores políticos y clientelares. En los 90, la creación de
universidades públicas en el Conurbano Bonaerense fue un recurso del gobierno de Menem
para desequilibrar el balance de poder opositor a la reforma neoliberal. En los ´00, con la
negociación de intereses políticos entre el gobierno nacional y las jurisdicciones municipales.
Es ampliamente debatida en el ámbito académico la irracionalidad o falta de planificación
que caracteriza la expansión del sistema.
10
Ellas fueron: Universidad Católica de Córdoba, Católica de Santa Fe, Católica de Cuyo,
Universidad del Salvador, Católica Argentina, del Norte Santo Tomás de Aquino, y Católica
de Mendoza, que se sumaron a las instituciones privadas no confesionales (Universidad del
Museo Social Argentino y Universidad J. A. Maza).
244
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
gobierno, cosa que no siempre coincidió con gobiernos de facto, como claramente lo muestra
el proceso acontecido en los ´90.
En lo que al financiamiento respecta, cuando se autorizó la existencia de
instituciones privadas, se lo hizo con prohibición expresa de subsidiarlas; por
ello, hasta el presente, se sostienen fundamentalmente con el cobro de matrículas
y aranceles, pagos por servicios prestados y donaciones. A partir de 1967, durante
la dictadura militar de Onganía, una nueva legislación (Ley de Universidades
Privadas) les permitió solicitar, al Estado, financiamiento para proyectos
específicos de enseñanza o investigación, pero sólo tuvo aplicación en casos
aislados. En los ´90, el artículo 66 de la LES redefinió esta posibilidad
estableciendo que: “El Estado nacional podrá acordar a las instituciones con
reconocimiento definitivo que lo soliciten, apoyo económico para el desarrollo
de proyectos de investigación que se generen en las mismas, sujeto ello a los
mecanismos de evaluación y a los criterios de elegibilidad que rijan para todo el
sistema”. Desde entonces y hasta el presente, ello permitió su participación, con
el mismo status que las universidades públicas, en la competencia por fondos
distribuidos a través de Programas especiales de financiamiento originados en la
Secretaría de Políticas Universitarias. A partir de 2003, su participación se fue
ampliando a programas no exactamente relacionados con la investigación
(extensión, voluntariado, etc.). Si bien, según datos provistos por la Agencia
Nacional de Promoción Científica y Tecnológica para 2008 y 2009, sólo el 2%
de los proyectos financiados se desarrollaban en universidades privadas
(ANPCyT, 2011), estos cambios han permitido reactivar demandas de las instituciones
universitarias privadas por una mayor asistencia financiera por parte del Estado, como
es el caso de reclamos para acceder a los programas de becas para estudiantes de
carreras consideradas “estratégicas” –tal el caso, recientemente, de las Ingenierías,
las Ciencias de la Atmósfera o la Informática-.
Finalmente, la representación de los intereses privados integrada al aparato del
Estado se produce con la LES de 1995. Por primera vez, esta ley, regula
simultáneamente a las instituciones públicas y privadas, garantizando, a estas
últimas, mayores libertades en materia de gobierno, estructura organizativa, y
manejo presupuestario. Sus regulaciones fortalecieron la concentración de poder
de imposición de políticas en el Poder Ejecutivo, y completaron el proceso que
garantizó la presencia de organismos colegiados que representan intereses
privados en el sistema de coordinación y concertación de políticas, integrándolos
a la estructura del Estado. Incluyó dos organismos nuevos: el Consejo de
Universidades –integrado por las Comisiones Ejecutivas del CIN y del CRUP-,
expresión del “Estado Concertador”, y la Comisión Nacional de Evaluación y
245
RODRÍGUEZ, L. R.; VIOR, S. E. • Cambios en el sistema universitario argentino (2003-2013)
246
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
11
Según datos de OECD (2012) sólo el 1,4% del gasto educativo total (público y privado) del
nivel terciario y universitario correspondía, en 2009, a gastos de capital. En Brasil ascendían al
13,6%, y en los países de la OECD, en promedio, al 9%. Esto implica que la meta alcanzada de
inversión del 1,6% del PBI en educación terciaria en 2009 (porcentaje semejante al promedio
invertido en los países de la OCDE), cubre mayormente gastos corrientes (en particular, gastos
en personal).
12
Fundamentalmente en municipios del llamado Conurbano Bonaerense, región densamente
poblada que –a semejanza de las provincias del norte del país– registra los peores indicadores
socio-económicos: desempleo, empleo no registrado, necesidades básicas insatisfechas, etc.
247
RODRÍGUEZ, L. R.; VIOR, S. E. • Cambios en el sistema universitario argentino (2003-2013)
13
Se trata de trabajos descriptivos centrados sólo en la situación nacional (Zelaya, 2004 y 2011)
(CAILLON, 2005) (CHIROLEU, 2012) (GARCÍA de FANELLI,, 1997 y 2011) (DEL BELLO
et al, 2007), o en el contexto latinoamericano (GARCÍA de FANELLI & JACINTO, 2010)
(SVERDLICK et al, 2005) (GAZZOLA et al, 2008) (VESSURI et al, 2010). Muchos de ellos
aportan elaboraciones de datos estadísticos que permiten aproximaciones indirectas o que
proporcionan una visión del contexto social amplio del problema de la “privatización”. En
muchos casos, se trata de estudios que analizan una variedad de indicadores sobre la Educación
Superior en general, con discriminación del nivel universitario. Tal el caso de García de Fanelli
& Jacinto (2010), quienes abordan el problema de la equidad en el nivel superior terciario no
universitario y universitario de varios países de América Latina (incluido Argentina), sobre la
base de datos de las Encuestas de Hogares. En varias de estas producciones se correlaciona el
ritmo de expansión del nivel universitario con el avance de la escolarización en el nivel medio,
nivel educativo que se volvió obligatorio a partir de la nueva legislación nacional de 2006.
14
Durante el gobierno radical de 1983-1989, las universidades públicas fueron normalizadas,
recuperando su autonomía y el gobierno colegiado, y se restableció la gratuidad y el ingreso
sin cupos y, al menos hasta 1987, se aumentaron el presupuesto y las inversiones de capital. A
diferencia del segmento privado –dentro del cual no fue autorizada ninguna institución nueva-,
en ese lapso la universidad pública experimentó un fuerte crecimiento de la matrícula: en
1984, la matrícula aumentó un 82% respecto del año anterior; para 1989, la cantidad de
estudiantes se había duplicado, pasando de 318.300 en 1982 a 698.561 en 1989, a pesar del
agravamiento de la situación económica que desembocaría en la finalización anticipada del
gobierno de R. Alfonsín. Ese ritmo de crecimiento nunca volverá a repetirse.
248
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
15
La matricula pública pasó de 698.561 en 1992 a 1.437.605 en 2013. La privada, de 105.062 a
393.132 en esos mismos años.
16
En la década 1992-2002 la matrícula pública crece a un ritmo del 5,6% anual, y las privadas al
6,2%. En la década 2003-2013, la pública crece un 1,2% promedio anual, y las privadas un
6,3%.
17
Por ejemplo, las tasas de crecimiento interanual para el sector público entre 2001 y 2013 oscilan
entre 4,09% anual y –2,77% anual; las mayores tasas se dan en 2009/2010, años en que
comenzaron a funcionar 9 universidades públicas. En el privado, entre una tasa máxima de
10,13% y una mínima de 2,75%, y nunca registra tasa negativas.
18
Aún siendo claro que las dos fuentes de datos no proporcionan información comparable, también
debe advertirse que en el caso del Censo 2010 se observaron fuertes diferencias entre la matrícula
contabilizada por los Anuarios y la población que declara asistir al nivel universitario. El
ANUARIO 2010 informa alrededor de 500 mil estudiantes de grado y pregrado más que los
que aparecen en el Censo 2010 asistiendo a algún establecimiento de nivel universitario mientras
que el Censo relevó a 1.216.722 habitantes asistiendo al nivel de grado (cifra que se eleva a
1.281.489 si se incluyen los que declararon estar cursando posgrados), el ANUARIO consignó
1.718.507 estudiantes (en el sector público y privado).
249
RODRÍGUEZ, L. R.; VIOR, S. E. • Cambios en el sistema universitario argentino (2003-2013)
expansión de la matrícula entre 1984 y 1988, una fase de menor dinamismo del segmento
privado. Durante la segunda década del período (2001-2010) la tasa neta se estancó
en alrededor del 15% para la población de 18-24 años; la tasa bruta de
escolarización, que pasó entre 1991 y 2001 del 18,4% al 25,6%, permaneció
estable en el decenio siguiente (25,7%).
Tomando ahora los datos de la Encuesta Permanente de Hogares se puede
profundizar algo más en el análisis de esta expansión considerando la evolución
de las tasas netas de escolarización terciaria según quintiles de ingreso19, aunque
sólo de manera muy aproximada e indirecta, pues los datos no discriminan entre
nivel superior universitario y no universitario y, por lo tanto sobreestiman la
participación de la población perteneciente a los quintiles de ingresos más bajos20.
Por otro lado, estos datos presentan el problema de ser referidos a una muestra
de aglomerados urbanos que fue objeto de modificaciones (paso de EPH puntual
a EPH continua en 2003 y modificaciones técnicas realizadas luego de 2007 al
intervenirse el organismo). Haciendo estas salvedades, tomaremos las
elaboraciones del CEDLAS sobre la evolución del porcentaje de jóvenes de 18-
24 años asistiendo a establecimientos superiores no universitarios entre 1980 y
2003 y universitarios (sin discriminar público o privado), por quintiles de ingreso
equivalente entre 1980 y 2010. Lo que se observa es que, en primer lugar, entre
1980 y 2003, la tasa neta global se duplicó (pasó del 16 al 34,9%), estancándose
entre 2003 y 2013. Y en segundo lugar, que el crecimiento en el primer quintil se
produce hasta 1992 y desde 2003, pasando de 5% en 1980 a 19 % en 2012, lo cual
implica que aumenta cuatro veces, lo mismo que el segundo quintil (pasa de 6 %
a 24%). Los quintiles 3 a 5 aumentan pero a un ritmo menor21. Es decir, la
estratificación del nivel superior por quintiles de ingresos, entre 2003 y 2013, muestra una
pauta oscilante con lo que parecería ser una modesta mejora en beneficio de los grupos de
menores ingresos.
19
En Argentina, los quintiles se ordenan del 1 al 5, de menor a mayor nivel de ingresos.
20
Esto es así porque históricamente el nivel universitario tiene niveles de selectividad mayores
que el superior no universitario.
21
El quintil 3 pasa de incorporar el 12,3% del grupo de edad en 1980, al 33.3% en 2012; el
quintil 4: de 17,8% a 44,5%; y el Quintil 5: de 37,3% a 53,2%. Fuente: Tasas netas de
escolarización terciaria de la población de 19-24 años, por quintiles e ingreso. Socio-Economic
Database for Latin America and the Caribbean (CEDLAS y Banco Mundial).Acceso el 12 de
junio de 2014. Disponible en: http://sedlac.econo.unlp.edu.ar/esp/estadisticas-
detalle.php?idE=20.
250
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
22
Existe un relativo consenso entre los investigadores en estimar la presencia de varios “ejes de
continuidad” con las políticas de la década anterior: FELDFEBER & GLUZ (2011) dudan de
que se haya abierto “una nueva agenda que dé cuenta de una ruptura significativa respecto de
la agenda reformista instalada en los ´90” (idem, p. 348-349); CHIROLEU (2010), al analizar
en forma comparada la agenda de política sectorial de los gobiernos denominados “progresistas”
de Venezuela, Brasil y Argentina, afirma la continuidad antes que la ruptura con las políticas
de los ´90, pues “la universidad no constituy[ó] una prioridad para el gobierno y los cambios
que se introdu[jeron] son casi cosméticos…. la educación superior no ha logrado ocupar un
lugar relevante en la agenda de gobierno y la introducción de nuevos programas no llega a
conformar políticas de peso para el sector” (idem, p. 15-16).
251
RODRÍGUEZ, L. R.; VIOR, S. E. • Cambios en el sistema universitario argentino (2003-2013)
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
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Democratização e privatização
da educação em Portugal:
da Revolução dos Cravos à
“Contrarevolução” Liberal
Introdução
Portugal viveu um longo período de ditadura ao longo do século XX. Na
verdade, desde 1928, ano em que o ditador Oliveira Salazar assumiu a governa-
ção, até à Revolução Democrática de 1974, Portugal não viveu em democracia.
Durante este longo período de 48 anos, a censura, a proibição e priva-
ção da liberdade, o medo e a repressão encontravam-se na “ordem do dia”.
Foram décadas de vivências fechadas, onde qualquer manifestação popular de
descontentamento era acompanhada de perseguições, prisões e exílios políti-
cos. Foram anos difíceis num país povoado pelo analfabetismo e o obscuran-
tismo (em 1970, a taxa de analfabetismo era ainda de 26% da população). O
conhecimento era privilégio de poucos, muito poucos, aqueles que deveriam
assegurar o funcionamento futuro do estado, agindo “A bem da Nação”. À
semelhança de outros sectores sociais, a educação era para as elites (Mónica,
1978). A escola, verdadeiro aparelho ideológico de estado (Althusser, 1970)
encontrava-se ao serviço da reprodução social, bem no sentido que nos aler-
tam cientistas sociais como Bourdieu & Passeron (1964, 1970), Baudelot &
Establet (1971), Boudon (1973), Bowles & Gintis (1974), Willis (1977), entre
outros.
A Revolução de Abril de 1974 fez a diferença: a Revolução de Abril insta-
lou a democracia no país, restaurou liberdades e garantias, garantiu direitos,
nomeadamente o direito à educação. E, se há algo de que Portugal, e a sua
população, se pode actualmente orgulhar é, exactamente, o desenvolvimento
que conheceu no quadro social, particularmente no campo educativo nas últi-
mas quatro décadas.
256
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
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CABRITO, B. G.; CERDEIRA, L. • Democratização e privatização da educação em Portugal
parte significativa dos jovens entre os 15-17 anos (cerca de 30% ainda não está
matriculada) e também pela grave crise de austeridade económica que desde
2010 e 2011 se abateu no país com a entrada do resgaste financeiro e com a
apelidada “Troika” (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e
Comissão Europeia). Veja-se como o número de candidatos ao ensino superior
público evoluiu entre 1977 e 2014:
260
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
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CABRITO, B. G.; CERDEIRA, L. • Democratização e privatização da educação em Portugal
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
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CABRITO, B. G.; CERDEIRA, L. • Democratização e privatização da educação em Portugal
Fonte: Cabrito, 2002; Cerdeira, 2009; Cerdeira, Cabrito, Patrocínio, Machado & Brites, 2014.
Nota: Rendimento baixo < 870 •/mês; Rendimento Médio 870-1500 •/mês; Rendimento
médio alto/elevado < 1500 •/mês
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
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Quadro 7 – Despesa por aluno (em euros, preços correntes, alunos inscritos em
todos os níveis de ensino)
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
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CABRITO, B. G.; CERDEIRA, L. • Democratização e privatização da educação em Portugal
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
Anos 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Valor 187 212 234 257 278 283 279 303 307
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
periores politécnicos públicos têm convivido com uma procura crescente de edu-
cação e uma contribuição financeira decrescente por parte do Orçamento do
Estado. Perante este défice de financiamento, estas instituições têm procurado
novas fontes de financiamento. A primeira grande fonte de financiamento exter-
no que iniciou este processo de privatização da educação superior pública, foi o
estudante e respectiva família.
Todavia, uma vez que as taxas de frequência não podem crescer indefini-
damente, por incapacidade de pagamento por parte dos estudantes, estes estabe-
lecimentos procuram novas fontes externas, nomeadamente através da presta-
ção de serviços à sociedade, de contratos de investigação aplicada, de mecenato
prosseguindo uma política que se desenvolve também a nível mundial, a da di-
versificação das fontes de financiamento e de partilha de custos (Johnstone, 1998,
2004). Obviamente, esta procura de financiamento externo pode colocar e risco
a autonomia e liberdade destas instituições. De facto, dependentes do financia-
mento externo, é possível que as decisões por parte dos órgãos de governo destas
instituições sejam condicionadas pelas vontades e necessidades dos seus finan-
ciadores, colocando em risco a autonomia das instituições de ensino superior,
em particular as universidades (Charle, Buono, Gaubert & Soulié, 2004).
É neste quadro que se vem assistindo nas universidades, mormente as
europeias, a uma alteração do tradicional modelo de governação que assentava
na comunidade académica para um reforço de poder dos órgãos executivos e de
supervisão compostos por elementos da comunidade académica e, também, por
elementos externos à instituição, indivíduos provenientes dos diversos sectores
da comunidade e que terão por objectivo a aproximação das instituições à
sociedade e ao mercado. Nestas circunstâncias, a tomada de decisão passa pelos
objectivos daqueles membros externos que, representando os diversos sectores
da sociedade, podem colocar em risco a autonomia da universidade que se en-
contra cada vez mais dependentes do mercado.
Ora, em Portugal, em 2007, foi publicado o novo Regulamento Jurídico
das Instituições de Ensino Superior (RJIES) que pode contribuir para a perca de
autonomia destas instituições de ensino. A autonomia universitária é uma das
características do sistema de ensino superior português garantida pela Consti-
tuição da República Portuguesa, 1.ª Revisão (1982), ao estabelecer no seu artigo
76.º: “As universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia científica, pe-
dagógica, administrativa e financeira”. Mais tarde, a Lei de Bases do Sistema
Educativo (Lei n.º 48/86, de 14 de Outubro) e a Lei de Autonomia das Univer-
sidades (Lei n.º 108/88, de 24 de Outubro) criaram as bases para um governo
democrático e colegial das universidades, reforçando a autonomia de que go-
zam. De igual forma, os institutos superiores politécnicos gozam de autonomia
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CABRITO, B. G.; CERDEIRA, L. • Democratização e privatização da educação em Portugal
Desde há alguns anos verifica-se, pois, uma forte tendência para a privati-
zação da educação superior pública em Portugal, resultante de medidas de polí-
tica de natureza liberal que surgem em contra-corrente com o processo de demo-
cratização, uma espécie de contra-democracia no dizer de Rosanvallon (2006),
que contraria expectativas decorrentes do processo de democratização e que se
os governos continuarem a alimentar, acabará por desembocar numa situação
de carência educativa do país e num retrocesso do desenvolvimento e da demo-
cracia de que os portugueses dificilmente recobrarão nas próximas décadas.
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275
Dinámicas público-privadas en el posgrado en
Argentina: redefiniciones de las tradicionales
fronteras en la educación superior
Estela M. Miranda
Dante J. Salto
Introducción
La educación superior pública en Argentina se ha caracterizado,
históricamente, por estar íntegramente financiada por el gobierno nacional. Más
allá de intentos por introducir la noción de educación superior como bien privado
por parte de gobiernos de tendencia neoliberal, sigue siendo fundamentalmente
gratuita para los estudiantes en el nivel de grado porque es considerada un bien
público. Sin embargo, los posgrados no forman parte del presupuesto anual que
reciben las universidades nacionales, y se autofinancian con los aranceles de los
estudiantes (Lvovich, 2009).
En Argentina si bien se reconoce la existencia del posgrado en el origen
de la Universidad (Universidad Nacional de Córdoba, 1613), bajo la forma
tradicional y meramente honorífica del doctorado, Pedro Krotsch (1996) sostiene
que hasta los años ochenta las iniciativas existentes se caracterizan por su carácter
“espontáneo” e “informal”, “una región olvidada”. La evolución cuantitativa y
las transformaciones cualitativas comenzaron a consolidarse a mediados de los
años noventa como consecuencia, entre otras, del aumento en las relaciones e
intercambios académicos y de investigación científica entre las universidades
argentinas, con los países centrales y latinoamericanos y la introducción de
mayores exigencias académicas locales e internacionales que generaron la
necesidad de acceder a credenciales de nivel cuaternario (Jeppesen, Nelson, &
Guerrini, 2004; Krotsch, 1996).
La institucionalización de los posgrados en Argentina, sin embargo, careció
de una planificación adecuada, tanto desde las políticas gubernamentales como
de las instituciones universitarias, dando como resultado una oferta desarticulada
y heterogénea en términos de organización y calidad. A ello se agrega la ausencia
de financiamiento público a la oferta, que introduce dinámicas privadas más
relacionadas al mercado que al planeamiento institucional (Salto, 2014).
276
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MIRANDA, E. M.; SALTO, D. J. • Dinámicas público-privadas en el posgrado en Argentina
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“El gasto en educación, ciencia y técnica se incrementó en un 0,6% del PBI entre los dos
puntos de comparación (2001-2003 versus 2007-2009) y el gasto universitario en particular,
creció 0,3% del PBI en ese período” (Suasnábar & Rovelli, 2012).
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2
Esta sección ha sido revisada y traducida del original publicado en Salto (2014).
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MIRANDA, E. M.; SALTO, D. J. • Dinámicas público-privadas en el posgrado en Argentina
Período
Pre 1985 1985-1995 Post 1995
Tipo de Desregulada Desregulada Regulada
competencia por el Estado por el Estado por el Estado
Tipo de Auto-regulación Auto-regulación Regulación estatal
regulación académica del mercado para la competencia
Coordinación Estado Baja (por medio de becas a Medio-Alta (por ley
estudiantes de doctorado) y agencias del
Estado)
Oligarquía Alta (creación de carreras sin Media (necesidad de
académica necesidad de aprobación aprobación
gubernamental) gubernamental;
participación de
pares académicos en
la acreditación de
carreras)
Mercado Baja Alta (oferta Medio-Alta
basada en (regulación estatal
necesidades del diseñada para
mercado) fortalecer el
mercado)
Fuente: Salto (2014) en base a Clark (1983); Jordana & Levi-Faur (2004).
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
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MIRANDA, E. M.; SALTO, D. J. • Dinámicas público-privadas en el posgrado en Argentina
de revisión por pares. Los programas que no son acreditados no pueden seguir
otorgando diplomas (García de Fanelli, Kent Serna, Álvarez Mendiola, Ramirez
García, & Trombetta, 2001). Las carreras de posgrado también pueden solicitar
voluntariamente una categoría que los clasifica en estándares de calidad
preestablecidos. Sus propósitos siendo legitimidad en el mundo académico y en
especial en el mercado, para reducir la asimetría de información existente.
En lugar de regular a través de la propiedad pública (Majone, 1996), el
estado se convirtió en un mediador entre las instituciones y el mercado mediante
la adopción de un tipo de regulación para la competencia (Jordana & Levi-Faur,
2004). El Estado ofrece incentivos a los programas de posgrado a través de la
subvención de la demanda mediante dos organismos principales: el Consejo
Nacional de Investigaciones Científicas y Tecnológicas (CONICET) y la Agencia
Nacional de Promoción Científica y Tecnológica (ANPCyT). Ambos organismos
siguen un enfoque de financiamiento basado en la demanda que promueve la
elección de los estudiantes y la competencia entre programas de doctorado con
el fin de atraer esos fondos.
La acreditación funciona junto a la categorización de los carreras
individuales. Por ejemplo, los programas ganan mejor reputación cuando
categorizan “A” o “B” en lugar de “C” o no categorizado. Las agencias de
investigación han legitimado el ranking de los programas de posgrado. Busto
Tarelli (2007) menciona que las tres primeras convocatorias de propuestas (1997/
99) de ANPCYT requerían que el estudiante haya elegido una carrera acreditada
y categorizada. Esa política se modificó en 2000, cambiando el requisito de
categorización por una preferencia. Por lo tanto, los estudiantes tienen que
inscribirse preferentemente en una carrera acreditada. Esta realidad indica un
papel creciente del Estado en el fortalecimiento de la gobernabilidad a través del
mercado. CONICET también solía depender de la categorización, mediante la
concesión de becas a aquellos estudiantes matriculados en programas
categorizados “A” o “B”. En la actualidad, esa agencia sólo restringe las
aplicaciones a los estudiantes de posgrado que deseen seguir sus estudios en un
doctorado acreditado. Estas políticas que vinculan acreditación con
financiamiento fueron claramente diseñadas como una forma de informar al
mercado sobre diferentes opciones y promover el mejoramiento de la calidad a
través de la competencia.
Las carreras siguen diversas motivaciones cuando solicitan ser
categorizadas, en parte relacionadas con razones financieras. Por ejemplo, algunos
programas de cooperación internacional promovidos por el gobierno nacional a
través de la Secretaría de Políticas Universitarias (SPU) legitiman la clasificación
oficial de los programas de posgrado, ya que la elegibilidad para competir por
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MIRANDA, E. M.; SALTO, D. J. • Dinámicas público-privadas en el posgrado en Argentina
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MIRANDA, E. M.; SALTO, D. J. • Dinámicas público-privadas en el posgrado en Argentina
Sector
Área disciplinar/ Público Privado Total
/Tipo de carrera
Ciencias Aplicadas 529 67 596
Doctorado 108 8 116
Especialización 212 33 245
Maestría 209 26 235
Ciencias Básicas 86 0 86
Doctorado 58 0 58
Especialización 6 0 6
Maestría 22 0 22
Ciencias de la Salud 312 219 531
Doctorado 25 10 35
Especialización 246 179 425
Maestría 41 30 71
Ciencias Humanas 315 116 431
Doctorado 65 29 94
Especialización 134 50 184
Maestría 116 37 153
Ciencias Sociales 508 299 807
Doctorado 62 28 90
Especialización 262 132 394
Maestría 184 139 323
Total 1750 701 2451
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
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MIRANDA, E. M.; SALTO, D. J. • Dinámicas público-privadas en el posgrado en Argentina
que logran obtener una matrícula mínima para su autofinanciamiento son las
que sobreviven en el sistema, haciendo el sistema completamente dependiente
de las fuerzas del mercado. Iniciativas recientes, tales como la autoevaluación
de las carreras de posgrado de la Universidad Nacional de Córdoba han
identificado esta problemática. Las posibles soluciones implican una
redistribución de los recursos para que carreras más profesionalistas sostengan a
carreras más académicas (por ejemplo, maestrías a doctorados).
Como bien detalla Unzué (2011), el crecimiento del posgrado tanto en
oferta como en demanda mediante el cobro de aranceles significó una
redefinición, para las universidades públicas, de la concepción de gratuidad de
las universidades. En este sentido, universidades que tradicionalmente se
opusieron a arancelar el grado universitario, debieron resignificar la gratuidad
para excluir el posgrado y varias actividades de extensión (consultorías, cursos
de extensión, etc.). Esto nos remite a los cambios introducidos por este tipo de
reformas del Estado que tienden a reducir la visibilidad de las fronteras público-
privadas para dar lugar a formas encubiertas o solapadas de privatización. Una
a través del arancelamiento de actividades en universidades públicas. Otra,
mediante la introducción del sector privado en directa competencia con las
universidades públicas.
Consideraciones finales
Este trabajo se planteó discutir la relación entre NGP, privatización y el
desdibujamiento progresivo de las fronteras entre lo público y lo privado en los
posgrados en Argentina. Como ya se señalara este nivel tiene un desarrollo
temprano que se vincula a los orígenes de la primera universidad trasplantada
en esta parte del mundo y se caracterizó, hasta fines del siglo anterior, por un
precario desarrollo vinculado a algunos campos disciplinarios de orientación
científica y con fuerte vínculos internacionales, con bastante retraso de los
procesos de modernización del sistema científico y universitario de otros países
como México y Brasil.
En los años noventa y en el contexto de una fuerte reestructuración del
sector público y de reformas en la educación superior, Follari (2002) sostiene
que “La presencia del posgrado alcanza fuerza en la Argentina a partir de la Ley
de Educación Superior promulgada en 1995”, en la que se “ordenaba que en un
lapso de cinco años a partir de entonces, los profesores de las universidades
estarían obligados a poseer título de posgrado”. No obstante, las resistencias
iniciales por el carácter compulsivo de las exigencias académicas locales, la
demanda surgió de la propia comunidad académica, entre otros factores, por la
290
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
3
Por Decreto Nº 29.337 del año 1949 se suprimieron todos los aranceles universitarios,
fundamentándose tal decisión en la obligación del Estado de prestar todo su apoyo a los jóvenes
estudiantes que aspiren a contribuir al bienestar y prosperidad de la Nación suprimiendo todo
obstáculo que les impida o trabe el cumplimiento de tan notable como legítima vocación.
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MIRANDA, E. M.; SALTO, D. J. • Dinámicas público-privadas en el posgrado en Argentina
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294
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
Cenário emergente do
ensino superior privado no Quênia
Ibrahim Oanda
Tristan McCowan
Introdução
O ensino superior testemunhou globalmente um aumento surpreendente
no envolvimento do setor privado ao longo do século XX e no início do século
XXI (Altbach & Levy 2005). Este envolvimento assumiu uma variedade de for-
mas diferentes. Primeiramente, e mais obviamente, o número de instituições
privadas, bem como a proporção de matrículas totais contabilizada por elas,
testemunhou um aumento significativo. Mais de um terço de todas as matrícu-
las globais no ensino superior estão centradas, neste momento, nestas institui-
ções e em países como as Filipinas, a Coreia do Sul e o Brasil, sendo que a
proporção é de mais de 70% das matrículas (Altbach et al. 2009). Estritamente
falando, o surgimento de instituições privadas não constitui um novo desenvol-
vimento historicamente, já que as primeiras universidades europeias eram, de
fato, privadas; em vez disso, trata-se de uma reversão da incorporação da educa-
ção superior do início e da metade do século XX na área estadual caracterizada,
em muitos países, pelas vagas gratuitas geralmente disponíveis aos que deixam
o ensino secundário e pelo controle central das instituições. O novo setor priva-
do, entretanto, tem sido caracterizado, principalmente, pelo surgimento de pres-
tadores com fins lucrativos. As instituições privadas tradicionais nos sistemas
mistos têm sido as filantrópicas de elite e as religiosas, tais como as universida-
des de Ivy League, nos EUA, ou as universidades católicas da América Latina.
As maiores expansões nos últimos anos foram uma geração muito diferente de
instituições, seguindo a University of Phoenix, com uma orientação forte co-
mercial e um currículo e procedimentos padronizados, buscando economias de
escala, das quais as maiores constam listadas na bolsa de valores.
Entretanto, há uma variedade de outros processos associados à privatiza-
ção. Outro desenvolvimento marcante desde as décadas finais do século XX é o
envolvimento privado gradual nas instituições supostamente públicas. Confor-
me documentado por Bok (2003), a comercialização começou a afetar o períme-
tro das instituições públicas envolvendo serviços aos alunos, tais como serviços
295
OANDA, I.; McCOWAN, T. • Cenário emergente do ensino superior privado no Quênia
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
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OANDA, I.; McCOWAN, T. • Cenário emergente do ensino superior privado no Quênia
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OANDA, I.; McCOWAN, T. • Cenário emergente do ensino superior privado no Quênia
1
http://www.theglobeandmail.com/report-on-business/international-business/african-and-mide-
ast-business/africas-middle-class-boom-is-real-study-shows-and-its-gaining-speed/arti-
cle20127909/.
300
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
tradicionais que são registradas como privadas estão dando espaço a uma multi-
plicidade de instituições e parcerias para a oferta de ensino superior privado no
continente. Algumas são integradas às instituições existentes de ensino superior
públicas e privadas, tais como a iniciativa de centros de excelência do Banco
Mundial; algumas são uma iniciativa parcialmente privada para a oferta de al-
guns aspectos do ensino superior e para o estímulo do crescimento das matrícu-
las, tais como as iniciativas público-privadas de construção de moradias para
alunos no Quênia, algumas assumiram o modelo dos campi no exterior, en-
quanto outras têm observado as empresas privadas multinacionais patrocina-
rem a matrícula dos alunos em esquemas privados nas universidades públicas e
privadas existentes. O caso do Quênia, no qual parcerias público-privadas leva-
rão a um aumento substancial do envolvimento privado em instituições públi-
cas, é uma ilustração deste novo modelo. Em parceria com uma empresa de
capital fechado baseada em Nova York, a Integras, a Kenyatta University está
pronta para construir moradias estudantis com um total de 10.000 leitos, sob
uma parceria público-privada de acordo com a qual a universidade fornecerá o
terreno para a construção enquanto os investidores irão desenvolver as moradias,
administrá-la por 20 anos para recuperar o investimentos, e entregá-los à univer-
sidade (Nganga 2015). Este é um de uma série de fundos sendo atraídos para o
setor de ensino superior privado do Quênia por meio de uma entidade pública.
Enquanto alguns destes modelos não aparentam possuir um motivo de lucro
imediato, conforme Therin (2013) argumenta, muitas destas instituições e enti-
dades não fariam tais investimentos se não houvesse uma prospecção clara de
um retorno de seus investimentos. Também houveram iniciativas para a melho-
ria dos ambientes regulatórios para o ensino superior privado por meio da pres-
tação de suporte ao desenvolvimento das políticas e regulamentos nacionais
referentes à operação eficaz das instituições privadas de ensino superior; do for-
talecimento da garantia da qualidade e dos procedimentos de reconhecimento;
do auxílio aos governos para a exploração de modelos alternativos de financia-
mento para o ensino superior privado; e da prestação de suporte à pesquisa na
responsividade do ensino superior privado no mercado de trabalho.
Também não existem indicações de se as universidades privadas estão
oferecendo programas acadêmicos nas áreas nas quais a África possui déficit de
habilidade em seus empenhos de desenvolvimento. Um relatório realizado pelo
Banco de Desenvolvimento Africano, pela OCDE e pelo PNUD demonstra que
as matrículas nas instituições de ensino superior na África Subsaariana tendem
em direção às Ciências Sociais, Estudos Comerciais e Direito (44%); Educação,
Artes e Humanas (26%); Saúde e Bem-Estar (5%); Engenharia, Fabricação e
Construção (4%) e Agricultura (2%) (AfDB/OECD/UNDP 2012). Dados pre-
301
OANDA, I.; McCOWAN, T. • Cenário emergente do ensino superior privado no Quênia
302
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
é o inverso do que a política havia previsto, já que foi previsto que o crescimento
das universidades privadas levaria a um declínio das universidades públicas. Esta
tendência ganhou um ímpeto, em sua maior parte, nas universidades públicas
da África Oriental, onde o crescimento do ensino superior privado está ocorren-
do nas instituições públicas. As universidades públicas, desde o início dos anos
2000, foram autorizadas a admitir alunos pagadores de taxa de matrícula além
dos alunos financiados pelo estado admitidos por mérito acadêmico, formando
uma corrente privada paralela. A corrente paralela se tornou uma fonte essenci-
al de renda para as instituições públicas e, em muitas universidades, constitui
mais da metade dos alunos. Este desenvolvimento conseguiu obstruir o colapso
previsto da universidade pública, mas não o desejo de realinhar os programas
acadêmicos das instituições em questões mais globais. Este novo interesse é mais
mobilizado na descoberta geralmente celebrada do Banco Mundial de que as
“universidades são importantes para a construção das economias do conheci-
mento da África” e no novo entusiasmo para regenerar as instituições por meio
de diferentes formas de suporte. Nestes 10 anos (2000 – 2010), o programa Par-
cerias para Educação Superior na África montadas por diversas fundações ame-
ricanas e o plano recentemente anunciado pelo Banco Mundial de criação de
centros de excelência em diversas universidades da África entram nesta última
estratégia, na qual universidades públicas estão sendo utilizadas como platafor-
mas para estimular os mercados de educação superior privada, conforme con-
templada nos anos de 1980. Com este novo entusiasmo, a maioria das universi-
dades africanas fundadas na metade dos anos de 1990, com o apoio de “parcei-
ros de desenvolvimento” colocaram fim aos “Atos universitários” que as estabe-
leceram como instituições nacionais nos anos de 1970 e as substituíram com
novos esquemas de governança que ampliaram a representação e a influência
do setor privado em uma variedade de atividades das instituições, incluindo o
planejamento dos programas de estudo2. No caso da Makerere University, Ugan-
da, por exemplo, a influência do Fórum do Setor Privado da Makerere Univer-
sity domina fortemente os assuntos operacionais da universidade. Além do nú-
mero crescente de alunos privados em universidades públicas, o realinhamento
de seus currículos ou de seus aspectos para que se adequem ao que os programas
2
Por exemplo: em Gana, o Conselho Nacional de Ensino Terciário foi estabelecido em 1993; a
Comissão de Universidades da Tanzânia, em 2005; o Conselho Nacional da Uganda para Ensino
Superior, em 2001, e a Comissão do Quênia para Ensino Superior, em 1985, posteriormente
reconstituída como a Comissão de Ensino Universitário (CEU, em 2013). Uma característica
principal destes novos sistemas regulatórios é a proeminência que eles dão ao encorajamento
das instituições de educação superior privada e a acomodação dos representantes do setor privado
na governança da educação superior.
303
OANDA, I.; McCOWAN, T. • Cenário emergente do ensino superior privado no Quênia
O contexto do Quênia
O ensino superior privado no Quênia não é novo, mas, por diversos moti-
vos, hesitou em tirar vantagem de condições favoráveis de expansão que preva-
leceram ao longo do tempo. O estabelecimento da University of Nairobi como
uma universidade pública nacional, em 1970, coincidiu com a abertura da Uni-
ted States International University (USIU), a qual abriu um pequeno campus
em Nairobi, no mesmo ano. A University of East Africa, Baraton, foi estabele-
cida em 1980, poucos anos antes do estabelecimento da segunda universidade
do Quênia, Moi. É importante observar que o Grupo de Trabalho para o estabe-
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
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OANDA, I.; McCOWAN, T. • Cenário emergente do ensino superior privado no Quênia
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
dos (D’Souza 2001). O efeito destas condições era criar um marcado preparado
para as universidades privadas, já que os alunos qualificados viam as universida-
des privadas como primeira alternativa para as universidades públicas. A intro-
dução das reformas também levou a recursos públicos muito limitados nas uni-
versidades, restringindo, assim, seus esforços de expansão. O número de univer-
sidades privadas reconhecidas, então, subiu para cinco com a USIU, recebendo
um registro em 1999. Consequentemente, as matrículas dos alunos cresceu no-
toriamente em 78 por cento, de 3.888, em 1998/99, para 6.920 durante o ano
sob revisão (Oanda et al 2008). Todas as universidades experimentaram um cres-
cimento significativo nas matrículas dos alunos, com a Daystar registrando 57,3
por cento de aumento, enquanto a Catholic e a Baraton registraram 10,1 e 9,9
por cento de aumento, respectivamente (Economic Survey 2000). O que este
crescimento afirmava era a medida em que a intervenção do Banco Mundial e
das políticas governamentais do Quênia incentivavam as matrículas nas univer-
sidades privadas, dentro de um contexto político sendo promovido no sentido
de que o envolvimento do governo no mercado era ruim para os negócios. Seria
sustentado que uma falsa imagem foi criada em relação à capacidade do privado
através das intervenções governamentais; um fato que funcionaria como vanta-
gem das universidades privadas, mas o qual o setor das universidades privadas
falhou em explorar para obter uma vantagem de longo prazo.
A posição acima pode ser apreciada se olharmos para o crescimento das
universidades privadas no período anterior ao ano 2000 e no período posterior
ao ano 2000. O período anterior ao ano 2000 pode ser descrito como dominado
pelo otimismo e esperança com as universidades privadas. Por exemplo, as des-
pesas de desenvolvimento do governo no ensino superior declinou drasticamen-
te em cerca de 87 por cento, de K£ 43,36 milhões em 1998/99 para K£ 5,6
milhões no exercício financeiro de 1999/2000 (Republic of Kenya 2000). A maior
parte deste declínio foi ocasionada pela redução no financiamento de projetos
em universidades públicas que estavam reservados para a expansão das matrícu-
las. O resultado desta contração no financiamento do governo foi que a matrícu-
la nas universidades públicas cresceu marginalmente em cerca de 3 por cento, de
40.613 em 1998/99 para 41.825 em 1999/2000, enquanto as universidades pri-
vadas perceberam uma explosão em suas matrículas em cerca de 78 por cento,
de 3.888 em 1998/99 para 6.920 em 1999/2000 (Republic of Kenya 2000). Mas
a tendência de crescimento nas universidades privadas começou a cair no perío-
do posterior ao ano 2000. Por exemplo, as universidades privadas registraram
um crescimento mais lento de 1,5 por cento nas matrículas em 2001/2002, com-
parado aos 9,1 por cento registrados em 2000/2001 (Republic of Kenya 2002).
Esta tendência de queda continuou principalmente devido a uma inversão na
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OANDA, I.; McCOWAN, T. • Cenário emergente do ensino superior privado no Quênia
308
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
ram que atender a alguns critérios religiosos para serem admitidos. Isto, junto
com seu currículo limitado, significou que as universidades privadas não seriam
instituições absorvedoras de demanda crítica, mas instituições que serviam a
uma clientela específica – servindo a função “diferente”, mas não a função
“mais”, em outras palavras (Geiger).
Em seu trajeto, o governo, no período posterior ao ano de 2000, conti-
nuou com as reformas que criaram melhores oportunidades para o setor privado
investir em educação. Uma maneira pela qual isto foi demonstrado, foi por meio
do surgimento da parceria público-privada nas oportunidades crescentes de en-
sino superior, tanto nas universidades públicas quanto nas privadas.
Atualmente, o setor de educação superior do Quênia consiste de 17 insti-
tuições registradas (reconhecidas) e 5 instituições que operam com cartas de
autoridade provisória. As instituições que operam com cartas de autoridade pro-
visória são autorizadas a operarem enquanto receberem orientação e instruções
da CEU para continuarem a desenvolver recursos e instalações que levarão ao
status de reconhecimento universitário completo. Elas estão autorizadas a ad-
mitir alunos para os programas de estudos aprovados. Uma característica do
setor de ensino superior privado no Quênia é o grande número de instituições
que são afiliadas a algumas organizações religiosas e que foram estabelecidas
como instituições sem fins lucrativos. Das 17 universidades privadas registra-
das, 13 são afiliadas ou foram estabelecidas por organizações religiosas e são
classificadas como instituições sem fins lucrativos. Duas universidades secula-
res; a USIU e a Kabarak University também foram estabelecidas como sem fins
lucrativos. A USIU é uma instituição independente sem fins lucrativos servindo
5534 alunos, representando 62 nacionalidades; 85% das quais são nacionais e
15% são internacionais. A Kabarak University, apesar de ser uma entidade co-
mercial privada, foi estabelecida como uma instituição baseada no Cristianis-
mo. Dentre as 17 universidades privadas registradas, apenas a Mt Kenya Uni-
versity é registrada como uma instituição com fins lucrativos. A principal carac-
terística do setor de ensino superior privado no Quênia é, portanto, o grande
número de instituições que são afiliadas a organizações religiosas, o grande nú-
mero de instituições estabelecidas como sem fins lucrativos e o pequeno numero
de matrículas nas instituições. A grandeza deste setor é, portanto, mais em ter-
mos de número de instituições que em termos de volume de alunos matricula-
dos. Alguns estudos também questionaram o estabelecimento sem fins lucrati-
vos das instituições, já que tendiam cada vez mais a operarem como “com fins
lucrativos” (Oanda et al 2008). A tabela abaixo fornece um resumo das institui-
ções privadas e seus status.
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OANDA, I.; McCOWAN, T. • Cenário emergente do ensino superior privado no Quênia
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OANDA, I.; McCOWAN, T. • Cenário emergente do ensino superior privado no Quênia
para a conquista das metas desta política. Isto porque cerca de um terço dos
alunos das universidades privadas estão matriculados em cursos para a conces-
são de diplomas ou certificados, sendo sua maioria financiada de maneira priva-
da (Waruru 2015). A CEU tentou interferir e corrigir esta anomalia, garantindo
que as universidades deixem de oferecer cursos a não ser as de graduação. Mas
esta tentativa enfrentou uma resistência das universidades privadas, que obtém
de 30% a 40% de sua renda dos alunos dos cursos de diploma ou certificado
(Waruru 2015). Visto por este ângulo, seria sustentado que as universidades pri-
vadas no Quênia estão contribuindo com as mesmas distorções que, em primei-
ro lugar, deveriam ser obrigadas a ajudar a corrigir.
Fora os problemas de qualidade, um problema relacionado à expansão
das instituições privadas, em particular, é que a maioria ainda não oferece cur-
sos de Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática. Elas estão, em vez dis-
so, focadas em programas de Artes, Humanas e Negócios. Isto quer dizer que as
universidades públicas, geralmente desacreditadas, ainda arcam com a respon-
sabilidade de oferecer treinamento nestas áreas, algumas das quais geralmente
contém custos financeiros superiores. A falta de investimentos gerais nos pro-
gramas de Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática é uma causa de
preocupação, dado o fato de que o país ainda experimenta um déficit de habili-
dades nestas áreas. E a demanda por estes cursos entre os alunos qualificados
ainda existe. Dados dos Serviços de Colocação Central dos Colégios e Universi-
dades do Quênia mostram que a maioria dos alunos que se qualificaram para
cursos em medicina, engenharia e tecnologia não seriam colocados devido à
falta de capacidade das instituições, mas ao longo dos anos, as instituições
privadas não se mobilizaram para abordar esta lacuna. Então, a descrição do
setor de ensino superior puramente privado como absorvedor da demanda
nunca foi verdadeira. Talvez as inovações no setor público foram verdadei-
ras a esta descrição.
Surgimento da diferenciação
Mas o setor do ensino superior privado não pode ser descrito como intei-
riço. Enquanto a demanda por acesso nas universidades continuou a modelar o
crescimento do setor de ensino superior de maneira geral, a evidência crescente
do desemprego dos graduados contribuiu para remodelar o caráter do ensino
superior privado, oferecido no setor puramente privado ou público. Desta for-
ma, o comportamento das instituições e dos programas que ofereciam foi condi-
cionado a como são capazes de unir a acessibilidade e a empregabilidade como
dois atributos que sustentam sua reputação. Isto, obviamente, pode não ser ver-
314
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
dade, mas funcionou para atrair diferentes alunos com diferentes objetivos a
diferentes instituições.
Estimado o número de candidaturas, aparentaria que as universidades
públicas ainda permanecem como instituições de escolha, mesmo aos alunos
que buscam admissões como alunos privados. A fim de deter a pressão das uni-
versidades públicas por alunos, as universidades privadas elaboraram estratégias
que segmentaram as instituições e seus programas. Por exemplo, a Strathmore
University, uma universidades privada recente em relação à sua situação de ní-
vel universitário, projetou e reuniu diversos programas executivos com altas ta-
xas de matrícula que não ofereciam, necessariamente, qualquer conteúdo novo,
mas que acabou atraindo uma clientela específica mesmo além do Quênia3. Uti-
lizando esta estratégia, a Strathmore conseguiu evitar a tentação da massifica-
ção, e ainda é financeiramente operacional com uma avaliação positiva do mer-
cado. No meio, estão as instituições que permanecem fixas no período anterior
ao ano de 2000, mas que seguiram fortes em alguns programas. A Daystar Uni-
versity, com seu curso de Bacharelado em comunicação, e os cursos de Admi-
nistração Internacional de Empresas da USIU permaneceram como melhores
ilustrações destas tendências. Além de permanecerem pequenas e focadas, algu-
mas instituições como a USIU e a nova participante, a Mt Kenya University,
adotaram as Ciências Médicas, uma área curricular que as universidades priva-
das mantiveram excluída no passado devido aos altos custos envolvidos no lan-
çamento dos programas.
Por outro lado, há o surgimento de admissões flexíveis e com baixa taxa
de matrícula e mais instituições que oferecem diplomas e certificados. A Mt
Kenya University, uma universidade secular recente, liderou esta tendência por
meio da abertura de um campi em vários lugares do interior do país e na África
Oriental. A universidade tomou medidas para abrir um campus na capital da
Somalilândia, Hargeisa. A Somalilândia se declarou como um estado indepen-
dente não reconhecido pelas Nações Unidas, o qual se separou da Somália apos
anos de conflitos civis. Ela também abriu campus em Kigali, Ruanda e em Kam-
pala, Uganda. A atitude ousada da Mount Kenya University foi influenciada
pela concorrência na África Oriental, e uma evidência emergente de que o aces-
3
Uma análise do curso de bacharelado em Ciências Informáticas oferecido na University of
Nairobi mostra que na Strathmore University, o programa foi dividido em três programas
diferentes de bacharel. São eles: Bacharel em Ciências em Tecnologia da Informação Empresaria,
Bacharel em Ciências em Informática e Ciências Informáticas e Bacharel em Ciências em
Telecomunicações. Isto significa que um programa que é oferecido como um único curso na
Nairobi foi dividido em três programas diferentes de graduação na Strathmore.
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OANDA, I.; McCOWAN, T. • Cenário emergente do ensino superior privado no Quênia
Conclusão
O Quênia, portanto, mostra evidências de ambas as principais formas
contemporâneas de privatização: crescimento das instituições privadas e o sur-
gimento da privatização no setor público. Mas quais são as implicações desta
privatização para o acesso e a qualidade no sistema? Dado que, segundo Mar-
ginson (2008), não possamos supor uma correspondência necessária entre a
propriedade pública e o benefício público, ou entre a propriedade privada e o
benefício unicamente privado, qual é a natureza dos bens produzidos por este
setor?
Conforme foi explorado acima, o setor privado no Quênia possui algu-
mas características contraditórias. Inicialmente promovido como um setor ab-
sorvedor da demanda que resolveria os problemas de acesso do Quênia, esta
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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação
função foi, de fato, assumida pela corrente paralela nas universidades públicas.
Em alguns casos, o setor privado representou uma opção “melhor”, com insti-
tuições de elite, tais como a Strathmore e a USIU, mas as principais universida-
des públicas ainda são de maior prestígio. No entanto, preocupações acerca de
proporções aluno-equipe muito grandes nas universidades públicas, e mais aten-
ção às habilidades profissionais em algumas universidades privadas, podem le-
var os alunos em direção a estas. Finalmente, em termos de “diferente” de Gei-
ger, há algumas diferenciações das instituições privadas em relação à orientação
religiosa. Entretanto, eles exerceram uma função insuficiente neste sentido, com
um alto grau de plágio de cursos das instituições existentes, com evidência de
diluição da missão e sem diversidade suficiente para oferecer. O setor é caracte-
rizado mais pela diferenciação vertical que horizontal. Há sinais de estratifica-
ção crescente, com diferenciais de taxas de matrícula correspondentes às dife-
renças na qualidade do curso e no prestígio do diploma no mercado de trabalho.
Em termos de impacto sobre o acesso, não há dúvidas de que o setor
privado trouxe alguns benefícios no aumento do número total de vagas disponí-
veis. Entretanto, a expansão não atendeu às expectativas. Ademais, a captação
das universidades privadas não pertence exclusivamente ao Quênia, aceitando
alunos de diversos países e, combinada com as altas taxas de matrícula em algu-
mas universidades, tais como a Strathmore e a USIU, este fator exclui um núme-
ro de alunos quenianos. Conforme declarado acima, a corrente paralela nas
universidades públicas está expandindo rapidamente o número de vagas. Toda-
via, trata-se de uma política altamente injusta, permitindo que famílias abona-
das do país possam “comprar” sua passagem para as universidades públicas de
prestígio. Ademais, há a concepção de que, em alguns programas, tais como
Ciências Médicas, os alunos privados recebem mais atenção e instruções de qua-
lidade em comparação aos alunos regulares, uma situação que tem causado,
ocasionalmente, o ressentimento dos alunos regulares.
Em termos de qualidade de prestação, algumas universidades privadas –
especialmente as sem fins lucrativos – mantiveram a proporção aluno-equipe
inferior à das instituições públicas, permitindo que, em alguns casos, prestem
instrução de melhor qualidade em um certo número de programas. Há, tam-
bém, esforços concertados em algumas instituições privadas para implantar pro-
gramas de desenvolvimento do corpo docente e para aprimorar a pedagogia,
introduzindo abordagens de ensino e aprendizagem mais participativas. Entre-
tanto, elas não expandiram a uma ampla gama de programas e, para a maior
parte, não estão fornecendo cursos nos quais há uma necessidade de desenvolvi-
mento local e nacional. Com exceção da Aga Khan University, que oferece Ci-
ências da Saúde, poucas universidades privadas oferecem cursos mais caros. Ade-
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OANDA, I.; McCOWAN, T. • Cenário emergente do ensino superior privado no Quênia
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