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Diálogos sobre as redefinições

no papel do Estado e nas fronteiras


entre o público e o privado na educação
Vera Maria Vidal Peroni
Organizadora

Diálogos sobre as redefinições


no papel do Estado e nas fronteiras
entre o público e o privado na educação

OI OS
EDITORA

2015
© Dos autores – 2015
veraperoni@gmail.com

Editoração: Oikos
Capa: Juliana Nascimento
Revisão (textos em português – Parte 1): Luís M. Sander
Arte-final: Jair de Oliveira Carlos
Impressão: Rotermund S. A.

Conselho Editorial
Antonio Sidekum (Nova Harmonia)
Arthur Blasio Rambo (IHSL)
Avelino da Rosa Oliveira (UFPEL)
Danilo Streck (UNISINOS)
Elcio Cecchetti (UFSC e UNOCHAPECÓ)
Ivoni R. Reimer (PUC Goiás)
Luis H. Dreher (UFJF)
Marluza Harres (UNISINOS)
Martin N. Dreher (IHSL – MHVSL)
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Os textos redigidos em Espanhol ou traduzidos de outros idiomas (Parte 2), seguem as


normas editoriais dos países de origem de seus autores e são mantidas nesta publicação.

D536 Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre


o público e o privado na educação / Organizadora Vera Maria
Vidal Peroni. – São Leopoldo: Oikos, 2015.
326 p.; 16 x 23 cm.
ISBN 978-85-7843-539-4
1. Educação. 2. Educação – Estado. 3. Educação – Relação públi-
co-privado. 4. Política educacional. 5. Democratização do ensino. I. Pe-
roni, Vera Maria Vidal.
CDU 37
Catalogação na publicação: Bibliotecária Eliete Mari Doncato Brasil – CRB 10/1184
Sumário

Apresentação ............................................................................................. 7
Prefácio ...................................................................................................... 9

PRIMEIRA PARTE
Implicações da relação público-privado para a democratização
da educação no Brasil ............................................................................... 15
Vera Maria Vidal Peroni
O histórico da relação público-privado e a formação do
Estado Nacional: implicações para a constituição da esfera pública .......... 35
Daniela de Oliveira Pires
As relações do Estado com empresários nas políticas educacionais:
PDE/PAR e guia de tecnologias educacionais. ......................................... 52
Liane Maria Bernardi
Lucia Hugo Uczak
Alexandre José Rossi
A educação infantil no Brasil: direito de toda criança ainda em construção . 72
Maria Otilia Kroeff Susin
Monique Robain Montano
Ensino Médio no Brasil e a proposta educacional do Instituto Unibanco:
considerações sobre a mercantilização da educação pública ...................... 89
Maria Raquel Caetano
Vera Maria Vidal Peroni
O Pronatec na fronteira entre o público e o privado ................................ 108
Romir de Oliveira Rodrigues
Maurício Ivan dos Santos

SEGUNDA PARTE
Políticas, processos e atores de privatização da educação
em Portugal: apontamentos .................................................................... 129
Fátima Antunes
Pela “causa” da educação pré-escolar em Portugal:
aproximações às políticas de Terceira Via ............................................... 144
Emília Vilarinho
“O efeito menina”: o investimento corporativo transnacional
dos Estados Unidos na educação de meninas ......................................... 175
Kathryn Moeller
Políticas educativas en el Chile actual ..................................................... 198
Rolando Pinto Contreras
Mercados educativos y segmentación de la oferta escolar:
efectos sobre las desigualdades educativas en Chile ................................... 216
Adrián Zancajo
Xavier Bonal
Antoni Verger
Cambios en el sistema universitario argentino (2003-2013).
¿inclusión? ¿privatización? ...................................................................... 237
Laura R. Rodríguez
Susana E. Vior
Democratização e privatização da educação em Portugal:
da revolução dos cravos à “Contrarevolução” liberal ............................... 256
Belmiro Gil Cabrito
Luisa Cerdeira
Dinámicas público-privadas en el posgrado en Argentina:
redefiniciones de las tradicionales fronteras en la educación superior ...... 276
Estela M. Miranda
Dante J. Salto
Cenário emergente do ensino superior privado no Quênia ...................... 295
Ibrahim Oanda
Tristan Mccowan
Sobre os autores e as autoras .................................................................. 321

6
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Apresentação

Este livro é parte da pesquisa “Implicações da relação público-privado


para a democratização da educação”, financiada pelo CNPq, que tem como
objetivos: 1) aprofundamento do debate sobre as mudanças ocorridas nas rela-
ções entre o público e o privado, neste período particular do capitalismo, de
redefinições do papel do Estado, e as suas implicações para a democratização
da educação; 2) entendimento de como este processo de privatização está se
materializando em políticas de educação básica no Brasil; 3) interlocução teó-
rica com pesquisadores, para dialogar sobre instrumentos e conceitos para
analisar diferenças e semelhanças entre realidades com trajetórias e correlação
de forças específicas e que vivem o mesmo período particular do capitalismo
de crise e de diminuição de direitos sociais universais materializados em polí-
ticas públicas.
Neste sentido, ele apresenta as duas partes complementares da pesquisa
que estamos realizando: uma de mapeamento das formas de relação público-
privado nas etapas e modalidades da educação básica no Brasil, que será apre-
sentada na primeira parte do livro, e a outra de interlocução teórica com os
autores internacionais, que será apresentado na segunda parte. Apesar de nos-
sas pesquisas focarem na educação básica, vários autores com os quais dialo-
gamos têm estudado como se materializa o processo de privatização na educa-
ção superior. Assim, os últimos quatro artigos do livro tratam deste tema em
diferentes países e contextos.
O livro está inserido em um projeto maior e de longo prazo, que propõe
o aprofundamento teórico de temas centrais para a análise da relação público-
privado, como a concepção de democracia, relação Estado/sociedade civil,
direito à educação, papel do Estado na consecução do direito, no atual perío-
do de mudanças nas fronteiras entre o público e o privado, no que se refere
tanto à mudança de propriedade quanto ao que permanece estatal, mas passa
ter a lógica de mercado.
Entendemos que a interlocução teórica com os pesquisadores e grupos
de pesquisa ocorre em um processo. Assim, a proposta deste livro é a continui-
dade e aprofundamento das questões que emergiram. Como parte dessa visão
de processo, esta publicação é a continuidade do diálogo proposto no livro
anterior, “Redefinições das fronteiras entre o público e o privado: implicações

7
Apresentação

para a democratização da educação”. Prosseguiremos o debate acerca das re-


definições no papel do Estado, as diversas formas de relação entre o público e
o privado, assim como questões teórico-metodológicas que envolvem o estudo
do tema.
No decorrer da pesquisa, ficou mais evidente a diversidade de formas
de relação entre o público e o privado em cada país, de acordo com a sua
história e atual correlação de forças políticas. Também por isso, julgamos inte-
ressante trazer parte destas questões para o livro, através dos autores e suas
pesquisas. Para continuar o diálogo com os outros países, analisamos as polí-
ticas educacionais que envolvem a relação entre público e privado na educa-
ção básica no Brasil, em todas as etapas (infantil, fundamental e médio) e
modalidades (Educação de Jovens e Adultos, Educação Especial e Educação
Profissional), assim como o histórico desta relação. O “Grupo de pesquisa
relações público-privado na educação” está vinculado ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(PPGEDU/UFRGS). No decorrer da primeira parte do livro, apresentaremos
a produção de cada subgrupo.
Em nossas pesquisas, temos analisado que as fronteiras entre o público
e o privado têm se modificado no contexto atual de crise do capitalismo, em
que as suas estratégias de superação – neoliberalismo, globalização, reestrutu-
ração produtiva e Terceira Via – redefinem o papel do Estado, principalmente
para com as políticas sociais, como parte do diagnóstico de que a crise está no
público e o privado deve ser o parâmetro de qualidade.
As redefinições no papel do Estado implicam o processo de democrati-
zação e a minimização de direitos universais e de qualidade para todos, o que
traz consequências para as populações de todo o mundo. No entanto, em paí-
ses que viveram ditaduras e um processo recente de luta por direitos materiali-
zados em políticas, o processo de privatização é ainda mais danoso.
Nossas pesquisas demonstram que no Brasil o processo de privatização
do público ocorre de várias formas, tanto através da direção, como é o caso
Movimento Todos pela Educação, em que os empresários acabam influenci-
ando o governo federal na agenda educacional, quanto na venda de produtos
educativos; ou da execução direta, que ocorre principalmente para as pessoas
mais vulneráveis, na Educação de Jovens e Adultos, creches, educação especi-
al e educação profissional. Mas também acontece, ao mesmo tempo, na exe-
cução e direção, como verificamos nos estudos sobre as parcerias, em que ins-
tituições privadas definem o conteúdo da educação e também executam sua
proposta através da formação, avaliação do monitoramento, premiação e san-
ções que permitem um controle de que seu produto será executado.

8
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Prefácio

Uma das principais contradições que as sociedades democráticas en-


frentam no mundo ocidental é a substituição gradativa dos direitos sociais
pela priorização das necessidades do mercado e do capital. Em função disso, a
reforma do Estado está no centro das discussões e impasses na luta para viabi-
lizar ou os direitos, ou o mercado.
A redefinição do papel do Estado vem sendo implementada a partir da
tríade: 1) privatização e/ou terceirização, com repasse de obrigações do esta-
do para privados e para viabilizá-los são estabelecidos “contratos de gestão”;
2) um processo de centralização crescente das atividades, envolvendo um pla-
nejamento minucioso das ações e um monitoramento permanente das opera-
ções e neste caso estabelece-se a uniformização como o critério principal de
avaliação de competências; 3) a defesa do consenso, para permitir que a diver-
gência, em qualquer setor seja punida ou deslegitimada, em especial, os con-
selhos, sindicatos, associações científicas e movimentos sociais, que no mo-
mento anterior deveriam garantir a gestão democrática por meio da participa-
ção popular na definição das políticas sociais.
Este complexo processo, no entanto, vem ganhando espaço político e
convicções de grupos sociais que há pouco tempo atrás seriam inimaginá-
veis. Tem sido comum, em muitos países, em nome da governabilidade, que
governantes eleitos com um programa democrático de direitos, passem a
defender e implantar as premissas dos conservadores ou do neoliberalismo,
como são chamados, desempenhando o papel de convencimento e cooptação
que os conservadores não conseguiriam, pois os teriam como adversários crí-
ticos ativos.
Neste comportamento contraditório perdem sua legitimidade de demo-
cratas e defensores dos direitos de todos como condição de cidadania e justifi-
cam a concretização da homogeneidade das propostas economicistas dos or-
ganismos multilaterais como critério para a ressignificação de direitos sociais.
“Não há mais condições para dar tudo a todos” é a justificativa alegada, pois
os ricos já não se conformam em serem só ricos, eles precisam, cada vez mais,
serem “mais ricos” para comandar o mundo a seu bel-prazer. Não por acaso, o
próprio Banco Mundial admite que 10% da população é dona e usufrui de
75% de tudo que é produzido no planeta. É justo que seja assim?

9
Prefácio

Nesta teia de relações, o público e o privado se confundem e suas dife-


renças, gradativa, mas sistematicamente, vão sendo obnubiladas. Na área da
educação este processo vem se tornando cada dia mais nítido e exigente. E os
privados cada vez mais “gulosos” dos recursos financeiros públicos.
Com a implantação de sistemas centralizados de avaliação da aprendi-
zagem, introduz-se “indicadores de desempenho” cuja função é demonstrar a
“incompetência estrutural” do estado para gerir o direito público. Poucas es-
colas públicas atingem os valores desejados ou ideais e quando isso se viabili-
za argumenta-se que foi por ação ou influência de entidade ou associação pri-
vada, que “motivou” a escola à transformação mágica de suas práticas peda-
gógico-educacionais.
Fica suprimida, em função dessa lógica, a existência de classes sociais
antagônicas, pois a atual organização social (capitalista) dispõe para todos
os cidadãos, o conhecimento de tudo, bastando para isso “comprá-lo”. É
verdade, também, que os preços variam e nem sempre os pobres – maioria da
população mundial – conseguem o mesmo acesso, apesar das tecnologias
informáticas, por falta de tempo, dedicação ou incompetência. Esta é outra
falácia.
Nesta hora, os empresários privados se apresentam para definir o que
é básico e essencial que as escolas ensinem para que estes grupos sociais não
fiquem “marginalizados” das conquistas do mercado e possam nele ser rapi-
damente integrados. É verdade que este processo exige uma significativa uni-
formização de conteúdos curriculares, pois facilita a produção e venda de
materiais pedagógicos que garantem o lucro do investimento em grupos so-
ciais que, se não forem por sua atuação, não compreenderiam sequer os avan-
ços dos “novos” valores de consumo e estilos de viver da modernidade.
Para que esta estratégia seja bem sucedida, os professores e os gestores
escolares precisam colaborar cumprindo o que lhes foi determinado, seja na
obediência aos conteúdos constante dos livros e apostilas propostos pelos es-
pecialistas externos, seja no monitoramento do conjunto das ações desenvol-
vidas, em função dos novos parâmetros de “sucesso escolar”.
Redefine-se, assim, sub-repticiamente, a função da educação pública, o
papel da escola e dos profissionais da educação que nela atuam, em qualquer
dos níveis ou modalidades de ensino.
Por isso, é importante que pesquisas acadêmicas sejam realizadas e
seus resultados divulgados propiciando que suas análises críticas favoreçam
e estimulem as ações e o pensamento contra hegemônico. Este livro repre-
senta este esforço. São quinze artigos que tratam de forma consistente este

10
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

fenômeno, que não é só brasileiro, e que corrói as políticas educacionais,


emudecendo o pensamento crítico, a autonomia escolar e a ação coletiva no
projeto educacional.
É um convite à leitura ativa, aonde, de artigo em artigo vai sendo gesta-
da a vontade e a necessidade de “fazer diferente” o que aí está. De reagir. De
achar que a felicidade social é possível! Entremos nesta aventura! É um prazer
ousado.
São Paulo, setembro de 2015.
Lisete R. G. Arelaro

11
PRIMEIRA PARTE
14
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Implicações da relação público-privado


para a democratização da
educação no Brasil

Vera Maria Vidal Peroni

Introdução
O artigo tem como objetivo propor algumas discussões teóricas que
embasam a pesquisa “Implicações da relação público-privada para a democra-
tização da educação básica no Brasil”1, que analisa como as redefinições no
papel do Estado reorganizam as fronteiras entre o público e o privado, mate-
rializando-se das mais diferentes formas na educação básica pública, e suas
implicações para o processo de democratização da educação no Brasil.
Na pesquisa, analisamos as políticas educacionais que envolvem a rela-
ção entre público e privado na educação básica no Brasil, em todas as etapas
(ensino infantil, fundamental e médio) e modalidades (Educação de Jovens e
Adultos, Educação Especial e Educação Profissional), assim como o histórico
desta relação. Constatamos várias formas de privatização do público: ou atra-
vés da alteração da propriedade, ocorrendo a passagem do estatal para o ter-
ceiro setor ou privado; ou através de parcerias entre instituições públicas e
privadas com ou sem fins lucrativos, onde o privado acaba definindo o públi-
co; ou, ainda, aquilo que permanece como propriedade estatal, mas passa a ter
a lógica de mercado, reorganizando principalmente os processos de gestão e
redefinindo o conteúdo da política educacional brasileira.
Entendemos que o relacionamento entre o público e o privado na políti-
ca educacional é parte constitutiva das mudanças sociais e econômicas; não é
uma questão de determinação, mas de relação e processo2. Deste modo, tanto
o Estado quanto a sociedade civil são partes constitutivas do movimento de

1
O grupo de pesquisa está vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Univer-
sidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGEDU/ UFRGS) e é composto por duas bolsistas
PIBIC, mestrandos, doutorandos, mestres, doutores e docentes do Programa, assim como pes-
quisadores de outras instituições, totalizando 15 membros. A pesquisa é financiada pelo CNPq.
2
Relação em processo na perspectiva de Thompson (1981).

15
PERONI, V.. M. V. • Implicações da relação público-privado para a democratização da educação no Brasil

correlação de forças3 de sujeitos4 situados em um contexto histórico e geográ-


fico5, perpassados por projetos societários distintos.
Nesse sentido, não se trata de uma contraposição entre Estado e socie-
dade civil, pois vivemos em uma sociedade de classes em que sociedade civil e
Estado são perpassados por interesses mercantis. Tendo como base esta con-
cepção, enfocamos em nossas pesquisas a sociedade civil mercantil, onde o
privado está vinculado ao mercado (PERONI, 2013).
E, assim como a sociedade civil e o Estado, a democracia também não é
entendida como uma abstração, mas como materialização de direitos e de igual-
dade social6 (WOOD, 2003) e “coletivização das decisões” (VIEIRA, 1998),
com efetiva participação na elaboração de políticas com base na prática social
crítica e autocrítica no curso de seu desenvolvimento (MÉSZÁROS, 2002).
Assim sendo, o foco da análise é a privatização do público, na lógica mercan-
til, com implicações para a democratização da educação.
É importante ressaltar a especificidade brasileira na análise das redefini-
ções do papel do Estado, pois os avanços das lutas por direitos sociais acontece-
ram no momento pós-ditadura, na década de 1980, mesmo período de crise do
modelo fordista/keynesiano. Em seu lugar, o capitalismo propunha um conjun-
to de estratégias para retomar o aumento das taxas de lucro, reduzindo direitos,
com graves consequências para a construção da democracia e da efetivação dos
direitos sociais, materializados em políticas públicas, dando lugar ao que temos
chamado de “naturalização do possível” (PERONI, 2003, 2006, 2013).
Entendemos que para avançar nas análises do tema, precisamos apro-
fundar o referencial teórico metodológico que fundamenta nossa pesquisa. O
item seguinte traz para debate as ferramentas que estamos construindo para
interrogar tão complexa realidade.

O caminho teórico metodológico


No enfoque teórico metodológico que embasa esta pesquisa7, buscamos
entender como se materializa a relação entre o público e o privado na educa-
ção, neste período particular do capitalismo, analisando o objeto de estudo em

3
Correlação de forças na concepção de Gramsci (1982).
4
Sujeitos individuais ou coletivos na concepção de Thompson (1981).
5
Contexto histórico e geográfico na concepção de Harvey (2008)
6
Sobre a não separação entre o econômico e o político, ver Wood (2003.)
7
Pesquisa “Implicações da relação público-privada para a democratização da educação”, finan-
ciada pelo CNPq e realizada pelo Grupo de Pesquisa: Relações entre o Público e o Privado na
Educação, vinculado ao Núcleo de Política e Gestão da Educação do Programa de Pós-Gradua-
ção em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

16
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

suas múltiplas relações, enquanto movimento, que se materializa na realidade


social com muitas contradições, através de sujeitos com processos societários
distintos, em uma relação de classe e não como estruturas estáticas.8
Lukács nos ajuda a caminhar nesta difícil perspectiva de análise, quan-
do enfatiza a importância do conceito de relação neste processo: “O singular
não existe senão em sua relação com o universal. O universal só existe no
singular, através do singular” (LUKÁCS, 1978, p. 109). E também quando
enfatiza a importância do particular como mediação na análise: “O movimen-
to do singular ao universal e vice-versa é sempre mediatizado pelo particular,
ele é um membro intermediário real, tanto na realidade objetiva quanto no
pensamento que a reflete de um modo aproximadamente adequado”
(LUKÁCS, 1978, p. 112). Assim, entendemos o objeto de estudo, a relação
entre o público e o privado na educação, como parte de um contexto histórico
e geográfico particular, com contradições, e uma história de lutas pela demo-
cratização da educação materializada em direitos.
Também buscamos a categoria analítica do particular no sentido de en-
tender as especificidades deste período particular do capitalismo, que conser-
va questões estruturantes do capitalismo, mas tem particularidades que o defi-
nem também. Não entendemos que seja um pós-capitalismo, mas capitalismo
com características específicas, particulares, no sentido de que mantém a rela-
ção com o universal e materializam o universal com as características e corre-
lações de forças do seu tempo histórico.
As fronteiras entre o público e o privado têm se modificado no contexto
atual de crise do capitalismo, em que as suas estratégias de superação – neoli-
beralismo, globalização, reestruturação produtiva e Terceira Via – redefinem o
papel do Estado, principalmente para com as políticas sociais. O neoliberalis-
mo e a Terceira via, atual social-democracia, têm o mesmo diagnóstico de que
o culpado pela crise atual é o Estado e têm o mercado como parâmetro de
qualidade.
O papel do Estado para com as políticas sociais é alterado, pois com
esse diagnóstico as prescrições são racionalizar recursos e esvaziar o poder das
instituições, já que instituições públicas são permeáveis às pressões e deman-
das da população e improdutivas, pela lógica de mercado. Buchanan et al.
(1984), teóricos neoliberais, apontam as instituições democráticas contempo-
râneas como irresponsáveis, e o remédio seriam medidas restritivas constitucio-
nais para conter os governos, colocando-se os instrumentos de controle fora

8
Conforme Thompson (1989, 2012).

17
PERONI, V.. M. V. • Implicações da relação público-privado para a democratização da educação no Brasil

das instituições representativas e partindo-se do princípio de que os controles


políticos são inferiores aos de mercado (PERONI, 2012).
Nesta perspectiva, a responsabilidade pela execução e direção das polí-
ticas sociais deve ser repassada para a sociedade. Observamos, nas pesquisas,
que esta tem sido uma a justificativa apontada pelas instituições privadas para
fazer a parceria.
Outra questão metodológica importante é que não tratamos o público e
o privado apenas como propriedade, mas como projetos societários em rela-
ção, permeados por classes sociais em correlações de forças. Neste sentido, é
importante definir que entendemos classe, na perspectiva de Thompson, como
“uma relação e não uma coisa” (THOMPSON, 1981, p. 11), “um fenômeno
visível apenas no processo” (THOMPSON, 2012, p. 77) e, ainda, que “classe
não é esta ou aquela parte da máquina, mas a maneira pela qual a máquina
trabalha” (THOMPSON, 2012, p. 169).
E assim, ao dialogar com autores dentro da própria concepção teórica
marxista, Thompson enfatiza: “Não vejo classe como estrutura ou categoria,
mas como algo que ocorre efetivamente (e cuja coerência pode ser demonstra-
da) nas relações humanas” (THOMPSON, 1981, p. 10). Ainda, para o autor:
Classe não é categoria estática, é uma categoria histórica descritiva de pes-
soas numa relação no decurso do tempo e das maneiras pelas quais se tornam
conscientes das suas relações, como se separam, unem, entram em conflito,
formam instituições e transmitem valores de modo classista. Neste sentido,
classe é uma formação tão “econômica” quanto “cultural”, é impossível favo-
recer um aspecto em detrimento do outro (THOMPSON, 2012, p. 260).

Quando analisamos as relações entre o público e o privado, observamos


que estas ocorrem via execução ou direção, levando a lógica de mercado para
o conteúdo da educação. Neste sentido, entendemos que existem projetos so-
cietários e de educação em correlação. E assim, concordamos com Thompson
(2002) quando afirma que classe, no seu sentido heurístico, é inseparável da
noção de luta de classes:
Não podemos falar de classes sem que as pessoas, diante de outros grupos,
por meio de um processo de luta (o que compreende uma luta em nível cul-
tural) entrem em relação e em oposição sob uma forma classista, ou ainda
sem que modifiquem suas relações de classe, herdadas, já existentes (p. 275).

Portanto, entende-se que as políticas sociais são respostas às lutas sociais,


em um processo histórico de correlação de forças, conforme afirma Evaldo Vieira:
Não tem havido, pois, política social desligada dos reclamos populares. Em
geral, o Estado acaba assumindo alguns destes reclamos, ao longo de sua
existência histórica. Os direitos sociais significam antes de mais nada a con-

18
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

sagração jurídica de reivindicações dos trabalhadores. Não significam a con-


sagração de todas as reivindicações populares, e sim a consagração daquilo
que é aceitável para o grupo dirigente no momento (VIEIRA, 2007, p. 144).

Em síntese, analisamos a relação entre o público e o privado em uma


perspectiva de classe social; conforme Thompson, “a noção de classe traz con-
sigo a noção de relação histórica”, e a “relação precisa estar sempre encarnada
em pessoas e fatos reais” (THOMPSON, 1981, p. 10). Assim, entendemos que
esse processo não é uma abstração, é realizado por sujeitos (individuais e cole-
tivos) em relação com um projeto de classe.

Redefinições no papel do Estado


– o mercado passa a ser parâmetro de qualidade
Em trabalhos anteriores (PERONI, 2003, 2006, 2013a), analisamos as
redefinições no papel do Estado como parte de mudanças sociais e econômi-
cas deste período particular de crise estrutural do capital, em que as contradi-
ções estão mais acirradas. Concordamos com Mészáros (2011) que “a crise do
capital que estamos experimentando é uma crise estrutural que tudo abrange”
(MÉSZÁROS, 2011, p. 2) e que a crise do fordismo e do keynesianismo foi a
expressão fenomênica de um quadro crítico mais complexo de tendência de-
crescente da taxa de lucros (ANTUNES, 1999).
Brenner (2008) destaca ainda que a “combinação da fragilidade da acu-
mulação de capital com a crise do sistema bancário transformou o presente
declínio econômico numa crise de difícil resolução pelo poder político e que
potencialmente pode se tornar um desastre” (BRENNER, 2008, p. 1). E ad-
verte que quem está pagando a “conta” da crise são os Estados e os trabalha-
dores, já que ocorreu o aumento da exploração, com a expansão da jornada de
trabalho e a diminuição salarial, além do endividamento dos Estados ao fi-
nanciarem a crise (PERONI, 2013).
O Estado foi chamado historicamente a tentar controlar ou regular as
contradições do capital e a relação capital/trabalho. Atualmente, apesar do
Estado mínimo anunciado pelo neoliberalismo, este é chamado a “socorrer” o
capital produtivo e financeiro nos momentos de maior crise. E, contraditoria-
mente, foi e é considerado o “culpado pela crise”, conforme a teoria neoliberal
(PERONI, 2013a).
Contudo, é importante frisar que o Estado mínimo proposto é mínimo
apenas para as políticas sociais conquistadas no período de bem-estar social.
Na realidade, o Estado é máximo para o capital, porque, além de ser chamado
a regular as atividades do capital corporativo, no interesse da nação, tem, ain-

19
PERONI, V.. M. V. • Implicações da relação público-privado para a democratização da educação no Brasil

da, de criar um “bom clima de negócios”, para atrair o capital financeiro trans-
nacional e conter (por meios distintos dos controles de câmbio) a fuga de capi-
tal para “pastagens” mais verdes e lucrativas (HARVEY, 1989, p. 160). Além
disso, há o fato de a acumulação flexível procurar, mais do que o fordismo, o
capital financeiro como poder coordenador, o que significa maior possibilida-
de de crises financeiras e monetárias autônomas. Essas crises fazem com que o
Estado acabe intervindo no mercado financeiro. Assim, verifica-se que mes-
mo os governos mais comprometidos com a lógica neoliberal não intervencio-
nista têm sido grandes interventores a favor do grande capital.
Harvey (2008) faz um balanço do neoliberalismo na prática, o que cha-
ma de neoliberalização. No processo de neoliberalização, o mercado regula
inclusive o bem-estar humano. A competição é o mecanismo regulador; “as
regras de base da competição no mercado têm de ser adequadamente observa-
das [...]”. E adverte ainda que “em situações nas quais estas regras não este-
jam claramente estabelecidas, ou em que haja dificuldades para definir os di-
reitos de propriedade, o Estado tem de usar o seu poder para impor ou inven-
tar sistemas de mercado” (HARVEY, 2008, p. 13).
Clarke e Newman (2012) destacam que com a crise de 2008 a fé nos
mercados ficou abalada. “Os estados entraram como os salvadores de institui-
ções financeiras falidas e tentaram apaziguar mercados assustados e em pâni-
co. [...] As instituições públicas pareciam com os salvadores em potencial do
capitalismo global.”. Mas, no que entendemos ser um processo de correlação
de forças,
a atitude de negócios como sempre foi rapidamente restaurada com o fra-
casso da prometida regulação e reforma em se materializar e com a continu-
ação dos piores excessos de atores gerenciais e empresariais empoderados,
apesar de considerável descrédito e a raiva do público (CLARKE; NEW-
MAN, 2012, p. 375).

No livro The Managerial State, os autores (2006) apontam para redefini-


ções no papel do Estado, o que não significa que ele tenha diminuído sua
atuação, e sim apenas a modificou:
O estado tem se retirado em alguns aspectos, seus poderes e aparelhos têm
sido expandidos em outros – transferindo responsabilidades, mas simultanea-
mente criando as capacidades de fiscalização e reforço para garantir que estas
responsabilidades estejam sendo cumpridas. Isto tem envolvido a dispersão
do poder estatal através de uma variedade de locais e espaços (CLARKE;
NEWMAN, 2006, p. 126).

É importante destacarmos que, nas parcerias estudadas na atual pesqui-


sa, tanto no caso do Instituto Unibanco quanto do Instituto Ayrton Senna, a

20
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

fiscalização “para saber se as responsabilidades” estão sendo cumpridas ocor-


re por parte do ente privado para com o público.
Segundo os autores, o discurso gerencialista aborda
representações particulares de relacionamento entre problemas sociais e so-
luções. Ele é linear e orientado para um “único objetivo” através de padroni-
zação. Ele é concebido com objetivos e planos em vez de intenções e julga-
mentos. É sobre ação em vez de reflexão. Ele baseia-se em análises (dividindo
problemas) em vez de sínteses. Estabelece fronteiras entre “política” e “execu-
ção”, “estratégia” e “implantação”, pensar e agir. Oferece um discurso técni-
co que separa o debate de seus fundamentos políticos, então o debate sobre
meios suplanta o debate sobre fins (CLARKE; NEWMAN, 2006, p. 148).

Observamos em nossas pesquisas que esta análise de Clarke e Newman


está muito presente, no sentido de que o material proposto pelas parcerias é
padronizado e replicável. Observamos, também, o retorno da histórica sepa-
ração entre o pensar e o fazer, sendo que as instituições privadas determinam
e monitoram e as escolas executam.
Wood (2014) também trata do importante papel do Estado para o capi-
tal neste período particular do capitalismo de financeirização e globalização:
“O Estado é hoje mais essencial do que nunca para o capital mesmo – ou
especialmente – em sua forma global. A forma política da globalização não é
um estado global, mas um sistema global de Estados múltiplos” (WOOD, 2014,
p. 18). A autora ainda argumenta que
[...] o capitalismo global é o que é não somente por ser global, mas acima de
tudo por ser capitalista. Os problemas associados à globalização [...] – não
existem simplesmente porque a economia é global, ou porque as empresas
globais são incomparavelmente cruéis, nem mesmo por serem excepcional-
mente poderosas [...] a globalização é o resultado e não a causa.

A autora ressalta que as empresas globais devem seguir as leis de merca-


do para sobreviver e que nem mesmo a mais benigna ou responsável consegue
fugir à compulsão do capital; assim, o problema não é uma ou outra empresa
ou agência internacional, mas o sistema capitalista em si (WOOD, 2014). E
critica as concepções que apontam para uma “soberania não estatal, que se
encontra em toda parte e em parte nenhuma”; “essas visões não apenas des-
prezam algo atual na ordem global, mas também nos deixam impotentes para
resistir ao Império do capital” (WOOD, 2014, p. 18). E, neste sentido, critica
também a concepção de governança global:
Não existe forma concebível de “governança global” capaz de oferecer o
tipo de regularidade diária das condições de acumulação de que o capital
necessita. O mundo hoje, na verdade, é mais do que nunca um mundo de
Estados-nação. A forma política de globalização é, mais uma vez, não um

21
PERONI, V.. M. V. • Implicações da relação público-privado para a democratização da educação no Brasil

Estado global, mas um sistema global de múltiplos Estados locais, estrutu-


rados numa relação complexa de dominação e subordinação (WOOD, 2014,
p. 27-28).

Concordamos com as críticas da autora sobre o conceito de governança


global, largamente utilizado por autores que analisam as relações entre o pú-
blico e o privado. Entendemos que, neste conceito, as responsabilidades pela
execução dos direitos ficam diluídas e ressaltamos a importância do Estado
como o principal responsável pelo direito à educação, principalmente em paí-
ses em que os direitos sociais não estão consolidados e o dever do Estado é
ainda mais relevante. Muitos autores têm trazido uma multiplicidade de ato-
res atuando na educação. Nossas pesquisas analisam criticamente o fato de o
poder público se retirar da responsabilidade da execução e direção da política
educativa.
Outra questão relevante é que mencionamos o Estado como poder pú-
blico, destacando que não se restringe ao governo. Entendemos que, em uma
sociedade democrática, as instituições públicas devem atuar em um processo
de coletivização das decisões, com espaços de participação que devem ser cada
vez mais alargados. O “público”, em oposição ao privado, neste sentido, está
sendo construido e está intimamente vinculado com o democrático.
Assim, quando analisamos as redefinições do papel do Estado em rela-
ção com o setor privado, através de nossas pesquisas, questionamos: como
atua? financia? controla? se retira? está mais presente? imprime a lógica de
mercado através do Estado gerencial? Verificamos, em nossas pesquisas, em
relação ao papel do Estado na relação entre o público e o privado – que, no
neoliberalismo, seria de retirar-se da provisão das políticas, através da execu-
ção direta ou do financiamento, com a justificativa de racionalizar recursos –
que, em muitos casos, o Estado continua financiando os programas, apesar da
execução ser privada. No que se refere à direção, observamos, em alguns ca-
sos, que o poder público continua sendo o executor, mas a direção e controle
passam a ser de instituições privadas, como nos casos do Instituto Ayrton Sen-
na9 e Instituto Unibanco10.
Quanto ao controle, observamos que o Estado em parte permanece
atuando, principalmente via avaliações, mas também através dos editais de
contratação das instituições do Terceiro Setor que vão executar as políticas
educativas. O governo acaba definindo um determinado produto e contrata

9
Sobre parceria entre Instituto Ayrton Senna e Escolas de Ensino Fundamental, ver Adrião;
Peroni (2010).
10
Sobre parceria entre Instituto Unibanco e Escolas de Ensino Médio, ver Peroni; Caetano (2014).

22
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

quem se ajusta a este perfil, o que também prejudica o processo de democra-


tização.
Ao longo dos estudos, muitas questões foram surgindo, tais como quem
são os sujeitos (individuais e coletivos) que atuam no setor privado, como atuam
e como se organizam para influenciar em todas as esferas do público, desde o
nível internacional, nacional, local até a escola e a sala de aula. Enfim, quem
são os sujeitos deste processo e qual é o conteúdo da proposta do privado no
público. O próximo item trata destas questões.

O processo de mercadificação da educação pública:


sujeitos e conteúdo da proposta do privado para o público
São várias as formas como o privado tem atuado no setor público. Veri-
ficamos na pesquisa o quanto a relação entre o público e o privado é complexa
e multifacetada. Entendemos que a mercadificação da educação pública não é
uma abstração, mas ocorre via sujeitos e processos. Trata-se de sujeitos indivi-
duais e coletivos que estão cada vez mais organizados, em redes do local ao
global, com diferentes graus de influência e que falam de diferentes lugares:
setor financeiro, organismos internacionais, setor governamental. Algumas
instituições têm fins lucrativos e outras não, ou não claramente, mas é impor-
tante destacar que entendemos as redes como sujeitos (individuais e coletivos)
em relação, com projeto de classe.
O processo de mercantilização ocorre também com o privado definindo
o conteúdo da educação. Neste caso, observamos em parte o poder público
assumindo a lógica do privado na administração pública através da gestão
gerencial e também quando abre mão de decidir o conteúdo da educação, re-
passando a direção para instituições privadas.
A propriedade permanece pública, mas a direção do conteúdo das polí-
ticas educativas é repassada para o setor privado. As instituições públicas, se
democráticas, são permeáveis à correlação de forças, com processos decisórios
em que não se tem previamente o controle do produto. São instituições de
propriedade pública, mas se o processo decisório está ausente, já que tudo é
previamente definido e monitorado por uma instituição privada e os professo-
res apenas executam tarefas, entendemos que este também é um processo de
privatização da educação.
Este processo de privatização do público tem consequências para a de-
mocratização da educação, pois concordamos com Vieira que “não há estágio
democrático, mas há processo democrático pelo qual a vontade da maioria ou
a vontade geral vai assegurando o controle sobre os interesses da administra-

23
PERONI, V.. M. V. • Implicações da relação público-privado para a democratização da educação no Brasil

ção pública” (VIEIRA, 1998, p. 12). Afirma também: “Quanto mais coletiva a
decisão, mais democrática ela é. Qualquer conceito de democracia, e há vários
deles, importa em grau crescente de coletivização de decisões” (ibid.).
O argumento para este repasse de responsabilidades nas decisões para o
setor privado é parte do diagnóstico neoliberal (BUCHANAN et al., 1984)
que aponta as instituições democráticas contemporâneas como irresponsáveis,
e o remédio seriam medidas restritivas constitucionais para conter os gover-
nos, colocando-se os instrumentos de controle fora das instituições represen-
tativas e partindo-se do princípio de que os controles políticos são inferiores
aos de mercado. Observamos, nas pesquisas acerca das parcerias entre o públi-
co e o privado, que esta tem sido uma justificativa apontada pelas instituições
privadas para fazer a parceria.
Para Buchanan, o paradigma da ação humana em todas as dimensões
passa pela relação de troca, pelo jogo de interesses. Isso é tanto um pressupos-
to como uma prescrição, no sentido de que todas as relações tenham a troca
como modelo (BUCHANAN et al., 1984). Essas mudanças ocorrem através
da disseminação de valores e práticas de empreendimento, empreendedoris-
mo e transposição do discurso internacional do gerencialismo. Clarke e New-
man (2012) caracterizam o gerencialismo:
[...] mesmo onde os serviços públicos não foram totalmente privatizados (e
muitos permaneceram no setor público), era exigido que tivessem um de-
sempenho como se estivessem em um mercado competitivo. Era exigido que
se tornassem semelhantes a negócios e este ethos era visto como personifica-
do na figura do gerente (em oposição ao político, ao profissional ou ao admi-
nistrador). Isto introduziu novas lógicas de tomada de decisão que privilegia-
vam economia e eficiência acima de outros valores públicos (CLARKE; NEW-
MAN, 2012, p. 358).

Ocorre também o que Ball e Olmedo (2013) chamam de filantropia 3.0,


já que a filantropia está vinculada ao lucro, através da venda de produtos para
as escolas e sistemas públicos, mesmo aquela que se diz sem fins lucrativos:
“O que há de ‘novo’ na ‘nova filantropia’ é a relação direta entre o ‘doar’ e os
‘resultados’ e o envolvimento direto dos doadores nas ações filantrópicas e nas
comunidades de políticas. [...]” (BALL; OLMEDO, 2013, p. 33).
Os autores apontam que as mudanças na filantropia tradicional ocorre-
ram em três etapas, “da doação paliativa (ou seja, a filantropia tradicional ou
a ‘filantropia 1.0’) à filantropia para o desenvolvimento (‘filantropia 2.0’), e,
finalmente, à doação ‘rentável’, constituindo aquilo que é chamado de ‘filan-
tropia 3.0’ (BALL; OLMEDO, 2013, p. 34).
Ball e Olmedo (2013) destacam ainda que esta terceira etapa da filantro-
pia ocorre através das redes, “como nós interconectados que operam de acor-

24
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

do com lógicas de rede e configuram suas agendas e ligações de formas mutan-


tes e fluidas” (BALL; OLMEDO, 2013, p. 40).
Para Ball e Junemann (2012), o conceito de policy network (redes de po-
líticas) é um termo analítico e descritivo que se refere a uma forma de gover-
nança que entrelaça mercados inter-relacionados e hierarquias. Algumas par-
tes do Estado têm menos controle e outras têm mais do que antes (BALL;
JUNEMANN, 2012). O Estado pode mudar de parceiros facilmente, uma vez
que programas e iniciativas podem ser encerrados, contratos rescindidos e agên-
cias fechadas.
Para os autores, é importante verificar o que é novo na nova filantropia,
e destacam, entre outros fatores, a relação com os resultados (giving to outco-
mes). Um empresário entrevistado por eles deixa claro que vai investir onde os
resultados são mais efetivos. Outro aspecto da nova filantropia, vinculado aos
resultados, é que os financiadores querem ver e mensurar os impactos. A filan-
tropia estratégica busca projetos inovadores. Os autores ressaltam que, se o
projeto prova a sua eficácia, é apresentado aos governos para ampliá-lo e fi-
nanciá-lo. Os empresários têm investido em projetos-piloto (BALL; JUNE-
MANN, 2012). Foi o que verificamos com o Instituto Unibanco: o Programa
Jovem de Futuro passou por uma fase piloto, de validação da tecnologia, até
se transformar em política pública.
Outra característica da nova filantropia apontada pelos autores é o ven-
ture capitalism, capitalismo de risco; isto é, os empresários querem ver o retor-
no, mas aceitam riscos. E, assim, os filantropos tomam as decisões sobre onde
colocar o dinheiro, influenciando ou definindo as políticas sociais em geral e,
em particular, as políticas educacionais.
Os autores destacam, ainda, os interesses indiretos com a filantropia,
como o status e marketing, o que chamam de capital simbólico, através de fes-
tas, jantares, colunas sociais, prêmios, associando a filantropia à celebridade e
ao interesse de acesso a outros campos e redes. Apresentam o exemplo da
revista Time, que revelou que a “generosidade é moda de novo” e apresentou
uma lista dos filantropos com faixa de arrecadação.
Os autores afirmam ainda que a localização na rede é chave para o capi-
tal social. As redes são feitas de capital social que pode ser desenvolvido, in-
vestido e acumulado e têm fluxos de ideias e pessoas entre o público e o priva-
do. Os participantes são multifacetados: atores individuais podem ser envolvi-
dos nas redes em uma variedade de modos (significados e tipos de influência).
Foi o que se constatou na pesquisa, nas redes do Instituto Unibanco e do
Movimento Todos pela Educação.

25
PERONI, V.. M. V. • Implicações da relação público-privado para a democratização da educação no Brasil

Questionamos as consequências para a democratização da educação


em particular e dos direitos sociais em geral, já que as redes não têm represen-
tatividade social e nem compromissos com justiça social ou com a materiali-
zação de direitos.
Em síntese, entendemos que o setor privado mercantil, organizado ou
não em redes, não é uma abstração; é formado e operado por sujeitos indivi-
duais e coletivos em um projeto de classe. E são parte de uma ofensiva históri-
ca do capital e com especificidades neste período particular do capitalismo.

A especificidade brasileira
As redefinições no papel do Estado implicam o processo de democrati-
zação e a minimização de direitos universais e de qualidade para todos, o que
traz consequências para as populações de todo o mundo; no entanto, em paí-
ses que viveram ditaduras e um processo recente de luta por direitos materiali-
zados em políticas, o processo de privatização é ainda mais danoso.
No Brasil, historicamente o Estado foi vinculado aos interesses priva-
dos (FERNANDES, 1976; VIEIRA, 1998; PIRES, 2015; CURY, 2005). Após
o último período de ditadura, a partir de meados dos anos 1980, entrou na
pauta da sociedade, mesmo que de forma tímida, o processo de democrati-
zação, participação, coletivização das decisões, assim como direitos sociais
materializados em políticas. Ao mesmo tempo, os processos de neoliberalis-
mo, reestruturação produtiva e financeirização redefiniam o papel do Esta-
do para com as políticas sociais, com um diagnóstico de crise fiscal e redu-
ção de custos. Assim, ocorreram avanços inegáveis no acesso à educação, no
entanto com os “recursos possíveis” e, muitas vezes, em detrimento de salá-
rios e condições de trabalho dos profissionais da educação. A ampliação de
direitos pela universalização do acesso, inclusão de alunos com necessida-
des especiais, maior participação na vida escolar não foi seguida de condi-
ções materiais com a mesma intensidade das mudanças.
Vivemos a contradição de que, ao mesmo tempo em que a privatiza-
ção do público é cada vez maior, também, em um processo de correlação de
forças, estamos avançando lentamente em alguns direitos materializados em
políticas educacionais. Trata-se de direitos que foram reivindicados no pro-
cesso de democratização, nos anos 1980, e materializados em parte na Cons-
tituição Federal/88 e na Lei de Diretrizes e Bases de 1996, como a gestão
democrática da educação, a educação básica entendida como educação in-
fantil, fundamental e média, a gratuidade da educação pública, entre outros.

26
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Nos anos 1990, o Brasil viveu um processo difícil para a democratiza-


ção, entendida como materialização de direitos em políticas sociais e também
como a coletivização das decisões, pois, na primeira eleição direta após o perío-
do ditatorial que iniciou em 1964, foi eleito pelo voto direto o presidente Co-
llor de Mello, que representava assumidamente o projeto neoliberal para o
Brasil, com o discurso da modernização e de que o país seria competitivo em
nível internacional. Apesar do impeachment’ que afastou o presidente ter colo-
cado novamente nas ruas os movimentos sociais, os governos que o seguiram
tinham o ajuste fiscal como meta principal, com sérias consequências para as
políticas sociais. Vivemos, então, o que chamamos de um processo de “natu-
ralização do possível” (PERONI, 2013a), isto é, a população que mal tinha
iniciado a luta por direitos sociais para todos e com qualidade acaba aceitando
políticas focalizadas “para evitar o caos social”, priorizando populações em
vulnerabilidade social e nem sempre oferecidas pelo poder público.
Na educação, o processo de focalização aconteceu principalmente na
priorização do ensino fundamental, em detrimento da educação infantil e en-
sino médio, quebrando assim a ideia de educação básica, que permaneceu
apenas na Constituição Federal. Só em 2007, com a criação do FUNDEB
(Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valori-
zação dos Profissionais da Educação), a educação básica retorna em parte à
pauta, mas a sua efetivação ocorrerá até 2016, quando o poder público será
obrigado a oferecer a educação de 4 a 17 anos para todos (BRASIL, 2009).
Registre-se, ainda, que a educação básica não será totalmente obrigatória, já
que as creches ainda não foram contempladas.
A oferta se ampliou para quem historicamente não teve acesso, e esta
ampliação ocorreu na escola pública; conforme dados do IBGE em 2007, a
taxa de escolarização era de 86,41para a população de 5 ou 6 anos, 97,67% de
7 a 14 anos, 98,13% de 7 a 9 anos, 97,41% de 10 a 14 anos e 82,35 % entre 15
e 17 anos.
Observamos que no ensino fundamental e médio a oferta permanece pú-
blica, com 84,26% das matrículas no ensino fundamental (EF) e 86,75% no
ensino médio (EM), e em instituições privadas há apenas 15,73% no EF e 13,25%
no EM (IBGE, 2014). A oferta permanece sendo majoritariamente pública, sen-
do que a privatização ocorreu no que chamamos de “conteúdo da proposta”,
com a lógica mercantil no pedagógico e na organização da escola pública.
A luta pela universalização da educação foi acompanhada de um impor-
tante debate, com algumas políticas já implantadas sobre as especificidades, como
educação indígena, educação do campo; além disso, as questões de gênero e
sexualidade foram incorporadas, assim como a luta contra o racismo e a homo-

27
PERONI, V.. M. V. • Implicações da relação público-privado para a democratização da educação no Brasil

fobia. Foi criada uma secretaria no Ministério da Educação, a SECADI (Secre-


taria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão), que apre-
senta políticas mais específicas para contemplar estas reivindicações.
A gestão democrática, duramente conquistada na Constituição Federal
de 1988, é parte do processo de aprendizagem da participação e está em dispu-
ta com a gestão gerencial11 ou outras formas de gestão historicamente vincula-
das ao mercado. Ela é parte do projeto de construção da democratização da
sociedade brasileira. Portanto, a construção do projeto político-pedagógico, a
participação em conselhos, a eleição para diretores, a autonomia financeira
são processos pedagógicos de aprendizagem da democracia, tanto para a co-
munidade escolar quanto para a comunidade em geral, porque a participação
é um longo processo de construção.
Entretanto, ao mesmo tempo em que ocorrem algumas conquistas so-
ciais para a democratização da educação, em um processo de correlação de
forças, verifica-se a organização de setores vinculados ao mercado, influencian-
do as políticas educativas das mais diversas formas, redefinindo as fronteiras
entre o público e o privado com implicações para o processo de democratização.
Nossas pesquisas demonstram que, no Brasil, o processo de privatiza-
ção do público ocorre tanto através da direção como da execução ou de am-
bas. No processo de direção, pesquisamos o Movimento Todos pela Educa-
ção, em que os empresários acabam influenciando o governo federal, tanto na
agenda educacional quanto na venda de produtos educativos,12 e a assessoria
do grupo internacional McKinsey & Company ao governo federal13.
No processo de privatização via execução, pesquisamos a expansão da
oferta via Terceiro Setor nas creches comunitárias14, nos Programas de Educa-
ção de Jovens e Adultos como o Brasil Alfabetizado15, e de Educação profissio-
nal como o PRONATEC (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e
Emprego)16. Observamos que são políticas e/ou programas que ocorrem prin-

11
Sobre gestão democrática e gestão gerencial, ver Peroni (2012); Paro (2012).
12
Sobre a relação entre o Movimento Todos pela Educação e a venda de produtos educacionais
no Guia de Tecnologias, ver o texto do grupo de pesquisa que trata deste assunto: Bernardi;
Uczak; Rossi (2014); e sobre a presença do setor privado em geral no Guia de Tecnologias, ver
Rossi; Bernardi; Uczak (2013).
13
Sobre assessoria da McKinsey & Company ao governo federal, ver Bittencourt; Oliveira (2013).
14
Sobre creches comunitárias ver Susin (2009) e Flores; Susin (2013).
15
Sobre o Programa Brasil Alfabetizado, ver o texto do grupo de pesquisa que trata deste assun-
to, Comerlato; Moares, 2013.
16
Sobre o PRONATEC, ver o texto do grupo de pesquisa que trata deste assunto, Rodrigues;
Santos (2013).

28
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

cipalmente para as pessoas mais vulneráveis. A oferta, com algumas exceções,


dá-se de forma precarizada, com bolsas ou salários simbólicos, em locais pou-
co apropriados, sem espaços democráticos de participação.
Mas essec processo também ocorre ao mesmo tempo na execução e di-
reção, como verificamos nos estudos sobre as parcerias, em que instituições
privadas definem o conteúdo da educação e também executam sua proposta
através da formação, avaliação do monitoramento, premiação e sanções que
permitem um controle de que seu produto será executado. As parcerias anali-
sadas na pesquisa ocorreram com escolas do ensino fundamental e médio,
onde a expansão ocorreu pelo setor público, mas sem as condições materiais
adequadas, pois ocorreu em períodos de ajuste fiscal e, também, com a natura-
lização do possível. As avaliações constataram o óbvio, isto é, problemas de
qualidade e, em vez de proporcionar políticas públicas para elevá-la, o poder
público buscou o setor privado para comprar “pacotes de qualidade” para a
educação básica. O setor privado, com base no diagnóstico neoliberal de que a
crise é do Estado e não do capital e que o privado deve ser o parâmetro de
qualidade, pressiona o poder público para assumir a direção e execução das
políticas, o que temos chamado de “conteúdo da proposta” (PERONI, 2013).

Considerações finais
Na pesquisa apresentada, observamos no Brasil um misto de ampliação
de direitos, principalmente na oferta educacional; no entanto, em um proces-
so de correlação de forças políticas e econômicas, o setor privado pressiona
para assumir a direção das políticas educacionais que considera mais adequa-
das, instrumentais a este período particular do capitalismo.
Vivenciamos um processo de ajuste fiscal no país, no mesmo período
em que houve a ampliação da educação básica sem o financiamento necessá-
rio. Neste período, ainda, houve a expansão do ensino fundamental em detri-
mento de outras etapas ou modalidades da educação básica. O próprio ensino
fundamental se expandiu com os recursos disponíveis, sem o financiamento
necessário, tanto em termos de condições materiais das escolas quanto do sa-
lário de professores. Houve, assim, a naturalização da precarização em todas
as etapas e modalidades, e cada vez mais o repasse da execução ou direção
para instituições privadas com ou sem fins lucrativos, mas que imprimem a
lógica mercantil à educação.
Observamos que no ensino fundamental e médio, no Brasil, a expansão
da oferta ocorreu via escola pública e a privatização ocorreu via conteúdo da
educação através de parcerias ou venda de sistemas de ensino17, em que o pri-

29
PERONI, V.. M. V. • Implicações da relação público-privado para a democratização da educação no Brasil

vado define a direção das políticas, mas também sua execução, já que atua na
gestão, currículo, formação de professores, avaliação, além de monitorar os
resultados. A expansão da oferta em creches, Educação de Jovens e Adultos,
educação profissional ocorreu via Terceiro Setor com financiamento público.
Neste caso, destacamos pontos polêmicos, como:: 1) os recursos públicos sen-
do repassados para instituições privadas, em vez de fortalecer e expandir a
rede pública; 2) a precarização da oferta, com expansão via racionalização de
recursos; 3) as instituições privadas não necessariamente seguem princípios
constitucionais de gestão democrática e gratuidade, apesar do financiamento
ser público 4) a precarização do trabalho docente, que não tem estabilidade,
plano de carreira e, em alguns casos, recebe bolsa e não salário; 5) o privado
define o conteúdo da educação.
Outra questão importante é que o mercado justifica a sua atuação no
público para formar um sujeito instrumental à reestruturação produtiva e um
projeto de desenvolvimento competitivo em nível internacional; no entanto,
as parcerias atuam com produtos padronizados e replicáveis, no sentido de
igual para todos, o que é considerado em nossas pesquisas como um retroces-
so. Enfim, a educação sempre esteve vinculada ao capital, mas lutamos no
período de democratização para avançar no sentido de uma proposta demo-
crática e realmente pública de educação. Educação entendida como processo
societário de formação humana. Neste sentido, consideramos a lógica de mer-
cado na educação um retrocesso.
Vivemos um período de naturalização da perda de avanços já havidos
no campo da democratização da educação, o que não prejudica apenas a efeti-
vação da gestão democrática nas escolas, mas também coloca em risco a cons-
trução de um projeto de país mais democrático em todos os sentidos. Enten-
demos que a democracia é pedagógica em seu processo de efetivação. Trata-se
de uma aprendizagem, que envolve muitos conflitos, sendo o ambiente da es-
cola um espaço privilegiado para esta construção. Vivemos um período peri-
goso para a democracia em que o mercado determina o que é qualidade e
quais são a cultura e os princípios educacionais a serem construídos.
Questionamos até que ponto nosso país estaria desistindo de construir,
de fato, uma sociedade democrática, já que a democracia não passa a existir
apenas pela ausência da ditadura. Será que neste momento pensamos que já
vivemos em uma sociedade democrática? Ou será que entendemos que a de-
mocracia não deu certo e então partiremos para os critérios técnicos? A socie-

17
Sobre sistemas de ensino, ver Adrião; Garcia; Borgui; Arelaro (2009).

30
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

dade civil do capital está mais organizada do que a sociedade civil que luta
pela escola pública. Quem são os interlocutores do governo federal para a de-
finição das políticas educativas? Qual é o espaço dos diferentes sujeitos?
Entendemos que a relação entre o público e o privado na direção e exe-
cução da educação é um processo de correlação de forças, que não ocorre por
acaso e que está cada vez mais dando direção para a política pública. Lutamos
por processos democráticos e de justiça social na educação e quanto mais avan-
çamos neste caminho, mais o capital se organiza para retomar o seu papel na
educação. Assim, retomamos a ideia de que são distintos projetos societários
de classe em relação.

Referências
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de privatização da educação pública: a aquisição de “sistemas de ensino” por municí-
pios paulistas. Educ. Soc., v. 30, n. 108, p. 799-818, out. 2009. ISSN 0101-7330.
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34
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

O histórico da relação público-privado


e a formação do Estado Nacional:
implicações para a constituição
da esfera pública

Daniela de Oliveira Pires

Introdução
O objetivo geral desse estudo é demonstrar a constituição histórica da
correlação de forças entre o público e o privado na promoção do direito social
à educação e as suas consequências para a consolidação da esfera pública no
Brasil. A relação público-privado na educação demonstra os desafios para a
constituição da esfera pública no Brasil, devido à permanente aproximação
com o setor privado. Entendo que a relação entre tais esferas deve primar pela
satisfação dos interesses de toda a coletividade. Porém, a esfera privada, sendo
excludente, hegemônica e privatista, provoca exatamente o contrário.
Nesse sentido, a educação passa a ser compreendida como parte de um
movimento maior. Logo, o processo educacional deve considerar as caracte-
rísticas do momento histórico do qual ele é parte constitutiva. O referencial
teórico adotado é o do materialismo dialético. Ao escolher o objeto de pesqui-
sa, levo em consideração as conjunturas políticas, sociais e econômicas relati-
vas ao seu contexto histórico. Tenho presente que, qualquer que seja o método
escolhido para a realização da pesquisa, ele procede de características e de
uma apreciação própria do real. Nesse sentido, o referencial materialismo-
histórico-dialético possibilita uma análise mais completa, já que não se funda-
menta na análise do objeto propriamente dito, mas, necessariamente, relacio-
na-se à realidade social. Portanto, pode-se inserir o objeto como parte consti-
tutiva do movimento do real.
O marco histórico inicial do estudo é definido a partir das especificida-
des do final do séc. XIX e se deve principalmente à ênfase que a educação
recebia naquele período. A educação passa a ser relacionada ao ideário repu-
blicano de construção da nação, que acaba por estreitar ainda mais os víncu-
los entre a esfera estatal e a esfera privada em relação à sua promoção.

35
PIRES, D. de O. • O histórico da relação público-privado e a formação do Estado Nacional

Quando busco a compreensão acerca do processo histórico da relação


público-privado, procuro aprofundar a temática escolhida, associando-a a uma
perspectiva que compreende a história enquanto processo, por vezes, com rup-
turas e/ou descontinuidades, já que não a entendemos como resultante de
fatos isolados, isto é, sem relação aparente uns com ou outros.
A metodologia adotada tem como fundamento a pesquisa bibliográfica
histórica e legislativa com base em diversas fontes. As escolhas se justificam
na medida em que a relação público-privado necessita de uma regulamentação
ante a esfera jurídica, quais sejam, as fontes legislativas. Assim, analiso as Cons-
tituições brasileiras, bem como as legislações ordinárias esparsas e os decretos
que possuam relação com o tema deste estudo.
O artigo apresentará a relação público-privado, especialmente através
da formação do Estado Federalista Republicano Presidencialista Brasileiro,
especificamente em relação ao período da chamada “Primeira República” ou
ainda “República Velha” (1889-1930). O enfoque é o do aprofundamento das
suas particularidades sociais, políticas, econômicas e jurídicas, por intermédio
da sua produção normativa e das correlações de forças que influenciaram na
promoção do direito à educação. Nessa parte será abordado o Manifesto dos
Pioneiros da Escola Nova de 1932, entendido como uma tentativa de altera-
ção do status quo, no qual sustenta que a educação é uma responsabilidade do
Estado e um direito de todos os cidadãos. Os seus principais articuladores
foram Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Fernando de Azevedo e outros. Em
contraposição, o governo federal fortalecerá a presença da esfera privada tanto
na Reforma do Ensino Secundário (1931) quanto na criação do Sistema “S”,
em meados da década de 1940, significando o incentivo à formação profissio-
nal aliada às necessidades da indústria. Também será apresentado o contexto
da conturbada posse de João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros em
1961; relato a tentativa de reconfiguração do papel do Estado na educação e a
aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1961, em que destaco
o aprofundamento da relação público-privado. A partir da conflagração do
Golpe Civil-Militar, em 1º de abril de 1964, problematizo o legado ditatorial,
principalmente na área educacional com a hegemonia da lógica privatizante e
do favorecimento aos grupos privados.
Por fim, apresento o advento do neoliberalismo, que irá redefinir a rela-
ção entre o público e o privado, aproximando estas esferas na promoção do
direito à educação. No que diz respeito à relação público-privado, devo mencio-
nar que, nos anos de 1980, vimos a propagação do neoliberalismo e, posterior-
mente, o surgimento da Terceira Via. Tanto o neoliberalismo quanto a Tercei-
ra Via acreditam que a crise dos Estados advém do fato de que, ao se legitima-

36
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

rem perante a população, investiram muito em políticas sociais, entrando em


crise, e que, para superá-las, deviam passar por reformas no seu campo de
atuação. Nas conclusões será ratificada a relação público-privado na educação
como parte constitutiva de um processo histórico-dialético, que sofre avanços
e retrocessos ao longo da trajetória política brasileira.

O processo de proclamação da república


e a formação do Estado Brasileiro
Florestan Fernandes afirma que o processo de Proclamação da Repúbli-
ca é o momento pelo qual se caracteriza a “expansão da ordem social compe-
titiva” (FERNANDES, 2005). Esse momento se caracteriza também pela cons-
tituição da classe burguesa e pelo incremento do sistema capitalista, que pos-
sui raízes que remontam ao período da colonização. A configuração do Esta-
do nacional republicano se estabeleceu com a instauração do federalismo e
com o desenvolvimento da chamada “burguesia nacional” e da “nação brasi-
leira” e com as suas implicações para o desenvolvimento da relação público-
privado na educação. Quando toco na questão da especificidade do caso brasi-
leiro, é deveras relevante mencionar que a ordem burguesa brasileira, em ter-
mos particulares, não se coadunava com as características que ensejavam a
formação da burguesia europeia.
Tomando como fio condutor o ordenamento jurídico vigente, constatei
que a constituição da relação público-privado, na primeira fase republicana
brasileira, apresenta, inicialmente, a transferência interna da responsabilidade
entre as esferas públicas da União para os estados, restando à primeira o suporte
financeiro em caso de necessidade, de acordo com o parágrafo quarto do mes-
mo decreto: “§ 4º: Fixar a despesa pública do Estado e criar e arrecadar os im-
postos para ela necessários, contanto que estes não prejudiquem as imposições
gerais dos Estados Unidos do Brasil”. O parágrafo é claro, “desde que não pre-
judicasse os interesses emergentes do recém-criado Estado republicano”. Par-
tindo deste pressuposto de que não havia interesse na educação por parte da
União, de que o repasse de verbas não seria contemplado, os investimentos edu-
cacionais estariam dificultados, quando não impedidos de acontecerem.
A descentralização da educação, segundo pude perceber, fazia parte de
um projeto de Estado liderado pelos setores da alta burguesia nacional, ex-
pressos nos interesses da atividade agroexportadora. O texto da Carta de 1891
também servia como manifestação de tais propósitos. Com a Proclamação da
República, a ordem social se estabeleceu com base nos autênticos valores capi-
talistas, entre eles a competitividade e a lucratividade, de modo semelhante à

37
PIRES, D. de O. • O histórico da relação público-privado e a formação do Estado Nacional

atuação da aristocracia durante o Império. Nesse contexto, sobressaíram duas


nações: a “nação concreta ou real” e a “nação minoritária ou privilegiada”.
Sobre este aspecto destacamos a contribuição de Fernandes (2005):
[...] a Primeira República preservou as condições que permitiam, sob o Impé-
rio, a coexistência de “duas nações”, a que se incorporava à ordem civil (a rala
minoria, que realmente constituía uma “nação de mais iguais”), e a que estava
dela excluída, de modo parcial ou total (a grande maioria, de quatro quintos
ou mais, que constituía a “nação real”) (FERNANDES, 2005, p. 242).

A República Velha, também denominada Primeira República, velha no


sentido da manutenção da estrutura de privilégios da fase imperial, ao excluir
principalmente os analfabetos do exercício dos direitos políticos, acabava por
assumir a configuração de um Estado “liberal” republicano, que se afastava da
titularidade na promoção dos direitos sociais. Portanto, distanciava-se da edu-
cação, tão necessária e essencial como mecanismo de inclusão da massa de
analfabetos à possibilidade do voto, ao exercício da cidadania. O que noto
aqui é que a teoria liberal se justifica a partir dos interesses das potências esta-
tais hegemônicas do referido período histórico, um período de aprimoramen-
to do capitalismo industrial.
É possível relacionarmos o processo de construção da República com o
consequente rompimento formal entre o Estado e a Igreja, com o avanço do
capitalismo agroindustrial, com a propagação do ideário liberal e, por conse-
guinte, com a ausência do Estado brasileiro no campo da promoção dos direi-
tos sociais, especialmente no campo educacional, justificando a tese dos “dois
brasis”, fortalecida no final da Primeira República. O que observo é uma coa-
lização de forças políticas internas e da ordem hegemônica internacional, sen-
do que as mudanças políticas advindas da República não aconteciam isolada-
mente, mas faziam parte de uma conjuntura liderada pelos países imperialis-
tas naquele momento histórico específico. Esses exigiam o desenvolvimento
da industrialização em escala global.
Resta claro que, durante a Primeira República, em termos legais, a edu-
cação não era uma prioridade do Estado federalista brasileiro. Fazendo men-
ção ao texto constitucional, apenas o ensino secundário e o ensino superior
eram tratados como tal, não havendo qualquer referência à educação funda-
mental. O texto reservava maior destaque aos direitos civis do que aos direitos
sociais. De acordo com os autores Carlos Roberto Jamil Cury, José Silvério
Baía Horta e Osmar Fávero:
[...] sob o ímpeto de um Estado federativo e não interventor nas relações
contratuais e acalentando as ilusões de uma generalizada “sociedade de (in-
divíduos) iguais”, a educação escolar primária sequer conseguiu avocar para

38
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

si, ou melhor, reinscrever o princípio da gratuidade, tal como rezava a Cons-


tituição Imperial de 1824 (CURY; HORTA; FÁVERO, 2005, p. 06).

Entre o prescrito e o real, entre o legal e o material existia um profundo


distanciamento em termos histórico-educacionais no Brasil. Quando me pro-
pus a analisar o histórico da relação público-privado no Brasil, especialmente
na etapa inicial da instauração da República, inferi haver muitos interesses em
disputa, que acabaram redefinindo as fronteiras desta relação. Neste período,
vislumbra-se um esforço para a construção da esfera pública, e a educação
como parte deste processo sofre as consequências, pois ela é declarada públi-
ca, mas não existe a contrapartida em termos de financiamento, acesso e difu-
são, abrindo espaço para os interesses privados, ou ainda, para a ação privada
e a influência católica, no qual se afigura uma espécie de continuísmo, se rela-
cionado ao período imperial.

Os anos 1930 e o processo de industrialização nacional:


a educação como força propulsora do desenvolvimento nacional
O movimento de 1930 não conseguiu romper de imediato com o predo-
mínio da influência oligárquica no país, mesmo porque qualquer mudança no
Brasil é consequência de um processo histórico, que depende das conjunturas
políticas e das forças sociais em relação. Não há, portanto, um período prede-
terminado para que as mudanças ocorram. Assim, de acordo com Carlos Ja-
mil Cury:
[...] com o declínio do poder agrícola não significou a passagem mecânica e
automática para o modo de produção capitalista urbano-industrial, o equilí-
brio instável e os deslocamentos dos “sócios” do poder implicarão “condo-
mínio de poder” ao mesmo tempo em que apresentar-se-ão resistências visí-
veis às transformações por parte dos representantes das oligarquias (CURY,
1984, p. 22).

Carlos Jamil Cury vem corroborar o nosso entendimento acerca das


análises históricas, pois não existem processos estanques, compartimentados,
isto é, cada processo é o resultado de variações, lutas, contradições, perma-
nências e rupturas que podem ser evidenciadas na alternância política pro-
movida, neste caso, pelo Movimento de 1930. Aqui não houve ruptura com-
pleta com a fase anterior, da Primeira República, e existiu o continuísmo da
influência dos grupos oligárquicos, especialmente na educação.
Entre as décadas de 1930 e de 1960, o período se destaca pelo impulso
ao desenvolvimento capitalista e industrial. Neste período, que culmina com a
consolidação da industrialização brasileira, entendida como etapa derradeira

39
PIRES, D. de O. • O histórico da relação público-privado e a formação do Estado Nacional

do desenvolvimento das relações capitalistas de produção, a educação irá so-


frer implicações, adequando-se à nova estrutura do Estado brasileiro. Derme-
val Saviani (2005), por sua vez, enfocando a história da escola pública no Bra-
sil, propõe que se encare o período de 1931 a 1961 como aquele da regulamen-
tação nacional do ensino e do ideário pedagógico renovador.
Em uma perspectiva lato sensu, até os anos 1930, a educação pública
apresentava um caráter privatizante, servindo aos interesses das elites e dos
grupos hegemônicos da sociedade, segregando do processo educacional a
maioria da população. Porém, tal realidade não se coadunava com o atual
perfil capitalista-industrial que o Estado passava a incorporar. Era premente a
necessidade de alteração no sistema de organização e prestação educacional.
A educação, segundo o “enlace” histórico entre o público e o privado
que a caracteriza, sofreu rupturas e/ou permanências ao longo da trajetória
brasileira, adaptando-se às condições materiais e estruturais do contexto polí-
tico e econômico. Exemplo disso é que, no período ora analisado, passaram a
existir de maneira determinante duas modalidades de escola: a que conserva-
va os interesses da elite e a que passava a “aproximar” as camadas subalternas
da experiência escolar, sobressaindo a seguinte reflexão: Em termos de perma-
nência, a educação historicamente foi forjada a partir dos interesses privados,
mas devido à lógica capitalista que o Estado incorporava definitivamente nos
anos 1930. A mudança em relação ao período político anterior fica evidencia-
da a partir da postura de o Estado dar maior atendimento ao direito à educa-
ção, sem, contudo, romper com a lógica da relação entre o público e o privado.
Uma das razões para a continuidade dessa relação, dentre outras, foi que neste
período tem-se a consolidação do liberalismo, entendido como uma condição
sine qua non para o desenvolvimento do próprio capitalismo.
A educação para e não contra o capitalismo, a educação para superar o
atraso industrial do Brasil, ou ainda a educação como o instrumento para se
contrapor ao atraso da política dos coronéis, esta é a sua função primordial
nos anos posteriores ao primeiro quartel do século XX: vencer o atraso institu-
cional e preparar o povo para servir à lógica do progresso, controlando qual-
quer movimento organizado, reivindicatório por parte dos trabalhadores. A
educação fica a serviço da satisfação da lógica privada, dos interesses dos gran-
des industriais, dos grupos econômicos, enfim, da lógica do capitalismo. A
relação público-privado na educação sofreu alterações ao longo da trajetória
histórica. Como exemplo dessa alteração/permanência encontram-se os anos
1930 no Brasil, pois percebemos o aumento da centralização da esfera federal
na produção normativa. Entretanto, na medida em que se fortaleceu a centra-
lização nos processos legislativos, repassou-se para a esfera privada a atribui-

40
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

ção em relação ao ensino primário, resssignificando mais uma vez tal relação.
A União assumia explicitamente a responsabilidade pelo ensino secundário e
superior, considerados os “motores” da industrialização do país, conforme
podemos verificar com base na produção legislativa do período:
A ação de Francisco Campos, como ministro, logo se fez presente através de
uma série de decretos que efetivaram as chamadas Reformas Francisco Cam-
pos na educação brasileira. Foram eles: 1. Decreto nº 19.850, de 11 de abril
de 1931, que criou o Conselho Nacional de Educação; 2. Decreto nº 19.851,
da mesma data, que dispôs sobre a organização do ensino superior no Brasil
e adotou o regime universitário; 3. Decreto nº 19.852, também da mesma
data, que dispôs sobre a organização da Universidade do Rio de Janeiro; 4.
Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931, que dispôs sobre a organização do
ensino secundário; 5. Decreto nº 19.941, de 30 de abril de 1931, que instituiu
o ensino religioso como matéria facultativa nas escolas públicas do País; 6.
Decreto nº 20.158, de 30 de junho de 1931, que organizou o ensino comerci-
al e regulamentou a profissão de contador; 7. Decreto nº 21.241, de 14 de
abril de 1932, que consolidou as disposições sobre a organização do ensino
secundário (MORAES, 1992, p. 296).

Constata-se que a presença ativa do Estado na educação, fundamental-


mente, foi impulsionada pela lógica capitalista e pela necessidade de organi-
zar internamente o país, para se inserir na lógica internacional da competitivi-
dade e da lucratividade. Este contexto de elitização da educação, através do
acesso ao ensino secundário e superior, resultou em uma reação dos movi-
mentos “renovadores”, que, desde a década de 1920, principalmente com a
criação da Associação Brasileira da Educação – ABE, em 1924, lutavam por
uma maior democratização do acesso à educação, principalmente para a po-
pulação mais carente. Tal contexto de crítica à conjuntura nacional educacio-
nal iria resultar no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932.
Este movimento de intelectuais foi voltado para a construção efetiva de
uma nação e, assim, para a superação de seus problemas sociais mais profun-
dos, dentre os quais destacamos a desigualdade social e a dificuldade de inser-
ção dos menos favorecidos no espaço escolar. “A renovação educacional no
início da Segunda República estava alicerçada nas teorias psicológicas de Lou-
renço Filho, na contribuição sociológica de Fernando de Azevedo e no pensa-
mento filosófico e político de Anísio Teixeira” (SANDER, 2007, p. 28). De
acordo com o Manifesto dos Pioneiros:
Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância
e gravidade o da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem
disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional. Pois, se a evolu-
ção orgânica do sistema cultural de um país depende de suas condições eco-
nômicas, é impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção

41
PIRES, D. de O. • O histórico da relação público-privado e a formação do Estado Nacional

sem o preparo intensivo das forças culturais e o desenvolvimento das apti-


dões à invenção e à iniciativa que são os fatores fundamentais do acréscimo
de riqueza de uma sociedade (AZEVEDO, 2010, p. 43).

O Manifesto pretendia enfrentar a conjuntura histórica segmentada em


que a educação nacional havia sido empreendida, uma educação para os po-
bres e outra para os ricos. Acrescento o fato de que as reformas consubstancia-
das possuíam um componente de fragmentação e regionalização, isto é, não
havia sido organizado um projeto político educacional mais amplo, em ter-
mos nacionais, ou seja, os Pioneiros proclamaram a função do Estado en-
quanto esfera pública na promoção da educação. O Estado, segundo o movi-
mento, é entendido como o ente responsável pela condução dos indivíduos na
nova fase modernizadora, a partir da necessidade de desenvolver a sua função
eminentemente pública. Isso não significa o abandono da teoria do liberalis-
mo pelos Pioneiros. O movimento teve um papel sui generis na defesa da escola
pública. Prova disso é o papel decisivo que o Movimento dos Pioneiros teve
durante o processo constituinte de 1933-1934, que antecedeu a promulgação
da Constituição Federal de 1934. A Carta Política de 1934 foi considerada um
avanço, pois estabeleceu, pela primeira vez, a educação como um direito social,
definiu a obrigação do Estado pela sua promoção e estabeleceu pela primeira
vez na história do constitucionalismo brasileiro a vinculação de recursos para
o seu financiamento.
Em 26 de julho de 1934, após a eleição de Getúlio Vargas para a presi-
dência da República, Gustavo Capanema foi escolhido para assumir o Minis-
tério da Educação e da Saúde Pública, permanecendo como titular da pasta
até outubro de 1945, com o fim do Estado Novo. O seu primeiro desafio foi
estabelecer a intermediação na seara de disputas entre os católicos e os renova-
dores. A sua política foi de fortalecimento da esfera federal, coadunando-se
com as diretrizes propostas pela Constituição de 1934, que eram sintetizadas
por meio do já mencionado art. 150, segundo o qual caberia à União “traçar
as diretrizes da educação nacional”, além de coordenar e fiscalizar o ensino
em geral. Ademais, a União ficaria responsável pelo estabelecimento do Plano
Nacional de Educação. Ao final deste período, a esfera privada se consagrou,
seja pela ampliação do número de estabelecimentos, seja pela pressão exercida
pelos diretores das escolas ante os poderes públicos, tanto o executivo quanto
o legislativo. Isso resultou em medidas que favoreceram o investimento públi-
co nos estabelecimentos de ensino privado, institucionalizando a relação pú-
blico-privado na educação.

42
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Do advento do Estado Novo à criação das entidades paraestatais


Ao final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os países afetados
pelo conflito, direta e indiretamente, como o Brasil, ansiavam pelo retorno das
garantias individuais e das liberdades civis e políticas. Neste período, o país
era governado por Getúlio Vargas, que institucionalizou o Estado Novo e as
perseguições políticas, prisões arbitrárias e a prática da tortura. No texto final
aprovado em 1946, a Constituição seguia algumas tendências estabelecidas na
Carta Política de 1937, demonstrando que algumas temáticas educacionais,
como a preservação do ensino religioso nos estabelecimentos oficiais, e os de-
safios ante a responsabilização do Estado pela sua promoção, independem do
grau de democracia experimentado pelo país, mesmo que, em tempos demo-
cráticos, ocorra um maior tensionamento e discussão entre os setores públicos
e privados. Isso fez com que tais características acabassem redundando na sua
permanência, pois elas revelavam a influência católica, que rompeu com o
período imperial e teve continuidade na fase republicana.
A outra questão, a mais relevante para o nosso estudo, foi a dificuldade
da esfera pública brasileira se constituir a favor da coletividade, e não em ra-
zão dos interesses de grupos hegemônicos, quando aprofundamos a questão
educacional. Era evidente que, de maneira geral, a Carta de 1946 diferia da
Constituição de 1937. A primeira diferença era dada pelo contexto no qual
cada uma delas foi produzida. O texto de 1937 foi imposto à população, pois
não foi precedido de uma assembleia, sendo, portanto, outorgado, diferente-
mente do texto de 1946, que possuía uma tendência mais democrática, evi-
dentemente com contradições, avanços e retrocessos, mas que, ao afirmar a
obrigação do Estado, em todos os seus níveis, pela manutenção do ensino
público, demonstrava certo avanço democrático, qual seja a necessidade de
fortalecimento da educação pública. Isso não significava que não houvesse
resistência por parte da iniciativa privada. A constituição reafirmava o caráter
gratuito do ensino primário, outra manifestação do incremento do ideário de-
mocrático. Com isso, afirmo que quanto maior for o estágio democrático de
um país, maior será a possibilidade de se efetivar políticas públicas universais.
Especialmente na década de 1940, criaram-se entidades relativas a de-
terminadas categorias profissionais, administradas pelas respectivas agremia-
ções coletivas (os serviços sociais). As funções das paraestatais eram de cunho
social e profissional, oferecendo cursos de formação e serviços de treinamen-
to. Ao Estado cabia estabelecer uma forma de financiamento público para
suas atividades e exercer a fiscalização sobre tais entidades. Sua disciplina
normativa se fundava em leis e regulamentos públicos específicos, assim como

43
PIRES, D. de O. • O histórico da relação público-privado e a formação do Estado Nacional

seus estatutos internos. Tratava-se de entidades conhecidas por suas siglas,


dentre elas SESI, SESC, SENAC, SENAI, SENAR, SEBRAE, SESCOOP,
que se constituíram no chamado Sistema S. Em 1942, foi criada a primeira
entidade: o Serviço Nacional da Aprendizagem Industrial, o SENAI, que vi-
nha ao encontro das necessidades da indústria. Concomitantemente à sua cria-
ção, foi aprovada a Lei Orgânica do Ensino Industrial, em 1942, proposta pelo
Ministério da Educação, que podia ser considerada como uma resposta à ten-
dência educacional profissional de ordem privatista em que se baseava a orga-
nização do SENAI. Gustavo Capanema defendia que a educação não poderia
reduzir o trabalhador a uma máquina a serviço dos propósitos das indústrias.
“Ele se opõe, assim, à especialização prematura e apressada, que levaria o
trabalhador à similitude com a máquina” (SCHWARTZMAN; BOMENY;
COSTA, 2000, p. 256). A posição do ministro Capanema não era unânime no
interior do Ministério da Educação, mas possuía partidários importantes. As
autoras sintetizam que o setor público se estruturou em prol da iniciativa pri-
vada no que se refere à educação industrial, à criação do SENAI e ao incentivo
à relação público-privado. Atualmente o Sistema S recebe 2,5% sobre a folha
de salários das empresas. Desse total, 1,5% é destinado aos serviços sociais e
1% aos serviços de aprendizagem. Isso equivale a dizer que o sistema recebe
diretamente valores que são descontados do próprio trabalhador, acrescido do
repasse público; entretanto, o controle social é questionável, pouco transpa-
rente. Sendo assim, desde 2013, o Tribunal de Contas da União passou a exi-
gir que as entidades que compõem o sistema realizem publicações trimestrais
de seus relatórios, pois o que se observa é uma “liberalidade” do uso do di-
nheiro público para fins privados, tendo em vista que o sistema serve essenci-
almente à lógica privatista.
Um avanço da Carta de 1946 em comparação com a Carta de 1937 foi a
retomada da determinação de percentuais mínimos da arrecadação de impos-
tos que deveriam ser utilizados para fins de financiamento educacional, fican-
do assim estabelecido: “Art. 169 - Anualmente, a União aplicará nunca menos
de dez por cento, e os estados, o Distrito Federal e os municípios nunca menos
de vinte por cento da renda resultante dos impostos na manutenção e desen-
volvimento do ensino”. A Constituição de 1937 não mencionava em nenhum
dos seus dispositivos os percentuais mínimos dos impostos a serem aplicados
em educação. Contraditoriamente, admitia a possibilidade do fornecimento
de bolsas em escolas particulares aos alunos carentes, financiadas pelo próprio
Estado; ou seja, a prioridade não era ampliar o número de estabelecimentos
públicos oficiais, mas sim o investimento estatal nas entidades privadas. As
discussões sobre a educação no texto de 1946 acabaram por evidenciar as dis-

44
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

putas do setor público e do privado, materializados na correlação de forças


entre o Estado e a Igreja Católica, os estabelecimentos de ensino públicos e
privados, pois “Esta polarização não pode ser desprezada nem subdimensio-
nada, sob pena de se perder de vista uma de nossas mais significativas polari-
zações em termos de história educacional” (OLIVEIRA, 2005, p. 187).

O contexto da ditadura civil-militar


e o estímulo à lógica privatista da educação
No dia 1º de abril de 2014 ocorreu a “descomemoração” em razão dos
50 anos do Golpe Civil-Militar (1964-1985) que afastou do poder o presidente
eleito João Goulart e se estendeu por mais de duas décadas, contando com o
apoio de vários setores da classe dominante brasileira: os militares, os setores
da política nacional, o empresariado, os latifundiários, a grande mídia e, é
claro, o apoio decisivo dos Estados Unidos, que financiaram todas as ditadu-
ras que ocorreram neste período nos países da América Latina. No caso brasi-
leiro, foram 21 anos de rupturas constitucionais e violações dos direitos hu-
manos e das garantias fundamentais. O nosso enfoque será a condução da
política educacional e a lógica privatista; com isso, não ignoramos todas as
violações cometidas, as perseguições e torturas. José Willington Germano sin-
tetiza o perfil do Estado Militar:
O Estado Militar é assim encarado em sua historicidade, enquanto expres-
são de uma fase do desenvolvimento do capitalismo no Brasil, que ocorre
sob a égide dos monopólios e que expressa, sobretudo, os interesses dos
conglomerados internacionais, de grandes grupos econômicos nacionais e
das empresas estatais, formando um bloco cuja direção é recrutada nas For-
ças Armadas e que conta com o decisivo apoio dos setores tecnocráticos
(GERMANO, 1994, p. 21).

O estágio do desenvolvimento capitalista brasileiro durante o governo


militar se caracterizou pela intervenção do Estado na economia, favorecendo
a burguesia industrial e o capital internacional. O governo militar passou a
investir nas áreas de construção de estradas, energia elétrica e telecomunica-
ções, através do “apoio” financeiro das instituições estrangeiras. A educação
sob o ponto de vista do Estado Civil-Militar deveria se tornar uma atividade
essencialmente lucrativa, ou seja, a prioridade era a privatização do ensino.
Para tanto, o repasse de recursos para a educação pública era visto como um
prejuízo, pois não atendida às expectativas do mercado; no entanto, o investi-
mento nos estabelecimentos de ensino privado legitimava a mercantilização
da educação e impulsionava o aumento dos ganhos dos aliados políticos da
ditadura. A hegemonia do setor privado na educação se estabeleceu em todos

45
PIRES, D. de O. • O histórico da relação público-privado e a formação do Estado Nacional

os níveis de ensino, com especial destaque para o ensino superior, a partir do


advento das reformas educacionais que tiveram início nos primeiros anos do
Golpe Civil-Militar. A educação está inserida em um momento específico do
desenvolvimento capitalista, no qual a correlação de forças sociais foi materiali-
zada pela hegemonia do setor privado, com a anuência do Estado Civil-Militar.
É importante frisar que os golpistas viam na educação, além do seu cará-
ter lucrativo, também um importante instrumento de controle ideológico das
massas. Neste aspecto não se reconheceu a desobrigação do Estado; ao contrá-
rio, ele passou a assumir as atividades voltadas à repressão e à perseguição dos
sujeitos da educação que questionavam as diretrizes da esfera do poder central.
Para tanto, em determinadas situações era estratégico que o Estado
atuasse de maneira direta e centralizadora. Neste período, o Estado passou a
intervir diretamente na economia, ocorrendo a institucionalização da milita-
rização do Estado. É possível concluir, até o momento, que este foi o período
da história brasileira em que houve maior impulso à lógica privatista na edu-
cação. Na realização deste estudo, constatamos que o estímulo à relação pú-
blico-privado se deu das mais variadas formas, inclusive em períodos de maior
avanço democrático, como ocorreu na Constituição de 1934, que declarava o
dever do Estado em relação à educação e favorecia os estabelecimentos de
ensino privado com isenções fiscais, ou ainda na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação de 1961, que estimulava de forma ampla o financiamento público
das instituições de ensino privadas, conforme estabelece o art. 21: “O ensino,
em todos os graus, poderá ser administrado em escolas públicas, mantidas por
fundações cujo patrimônio e dotações sejam provenientes do Poder Público,
ficando o pessoal que nelas servir sujeito, exclusivamente, às leis trabalhistas”.
Entretanto, é a partir da Ditadura Civil-Militar que ocorreu um maior estímu-
lo ao empresariado da educação, no qual o seu propósito passou a ser es-
sencialmente a lucratividade.
O Estado Civil-Militar legitimava este novo paradigma educacional
amparado no texto constitucional e nas legislações infraconstitucionais. O pri-
meiro retrocesso em relação à educação pública ocorreu com a outorga da
Carta Política de 1967, que, contrariando uma tendência constitucional que
teve início na Constituição de 1934 e havia sido retomada na Carta Política de
1946, retirou a determinação de fixar percentuais mínimos a serem emprega-
dos na educação pelos entes federados, fazendo com que o financiamento na
educação pública diminuísse consideravelmente. Outra previsão constitucio-
nal determinava a possibilidade de concessão de bolsas de estudos para as
instituições privadas, sob a alegação de que o poder público deveria prestar
amparo técnico e financeiro a tais entidades.

46
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Da abertura democrática nos anos 1980


ao advento das parcerias público-privadas
na educação nos anos 1990: perspectivas atuais
Os anos 1980 foram marcados pelo aprofundamento da crise econômi-
ca em escala internacional e nacional e, também, pelo processo de redemocra-
tização que ocorreu de forma lenta e gradual no país, tendo sua primeira ma-
nifestação a partir da aprovação da lei nº 6.683, de 17 de agosto de 1979, co-
nhecida como a Lei da Anistia. É importante identificarmos a seguinte con-
tradição, pois enquanto o Brasil (e os países latino-americanos) lutava pelo
fim das ditaduras civil-militares, pela defesa da escola pública e de uma maior
participação do governo na sua promoção, mundialmente estava havendo exa-
tamente o contrário, o avanço do neoliberalismo, que defende exatamente o
oposto, a privatização dos direitos sociais, a não intervenção do Estado na eco-
nomia e a maximização da influência dos organismos financeiros mundiais. É
neste processo histórico de avanços (internos) e retrocessos (internacionais)
que a educação pública voltou ao debate nacional. Uma das manifestações
sociais deste período foi o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública
(FNDEP). O principal objetivo do FNDEP era a organização de um processo
constituinte que levasse à discussão de uma nova constituição para o país.
Segundo Vera Peroni:
O fórum foi oficialmente lançado em Brasília, em 9 de abril de 1987, na
Campanha Nacional em Defesa da Escola Pública e Gratuita, tendo sido
denominado, inicialmente, de Fórum da Educação na Constituinte em De-
fesa do Ensino Público e Gratuito (PERONI, 2003, p. 75).

Dentre as suas reivindicações, duas questões se destacavam, a luta con-


tra a Ditadura Civil-Militar e a defesa da educação pública (GOHN, 1994). As
demandas contidas nas pautas dos movimentos sociais expressam o repúdio
da sociedade para com a forma como a política educacional brasileira havia
sido conduzida pelo governo militar, caracterizada pelo seu viés privatizante e
de recusa ao caráter social e coletivo do ensino. A resposta dos setores priva-
dos foi imediata, reafirmando a correlação de forças sociais entre o público e o
privado durante o processo constituinte de 1987.
Durante o processo constituinte, as principais forças que se opuseram ao
FNDEP, segundo Gohn (1994), foram as escolas particulares privadas por
meio da Federação Nacional de Estabelecimentos de Ensino (Fenem) e o
setor privado confessional, por intermédio da Associação Brasileira de Es-
colas Superiores Católicas (Abesc) e da Associação da Educação Católica
(PERONI, 2003, p. 76).

47
PIRES, D. de O. • O histórico da relação público-privado e a formação do Estado Nacional

Historicamente, o embate público-privado perpassa toda a discussão


acerca da política educacional, conforme estamos demonstrando, apesar de
que, ao longo da sua trajetória, os sujeitos sociais que materializam o embate
se alternam; conforme Romualdo Portela de Oliveira podemos citar a relação
entre católicos, liberais e positivistas dos primeiros anos da República brasilei-
ra; com base nos estudos de Carlos Jamil Cury (1984), durante os anos 1920
há predominância do conflito entre os católicos e os liberais que se estende até
os anos 1960. Durante o processo constituinte de 1987-1988, o fortalecimento
da bipolaridade público-privado evidencia algumas questões candentes, como
o ensino religioso nas escolas públicas, questão que atravessou todo o período
republicano, e o repasse de verbas públicas para escolas particulares, que se
fortaleceu fundamentalmente a partir da LDB de 1961. A partir da década de
1990 surge uma orientação que se define como uma alternativa ao neolibera-
lismo, a Terceira Via, que possui como um dos seus principais teóricos An-
thony Giddens. Tal orientação foi incorporada primeiramente pelo primeiro-
ministro da Inglaterra na época, Tony Blair. De acordo com Giddens, a Tercei-
ra Via se coloca entre a social-democracia e o neoliberalismo, pois pretende
“adaptar a social-democracia a um mundo que se transformou fundamental-
mente ao longo das duas ou três últimas décadas” (GIDDENS, 2001, p. 36). As
parcerias público-privadas na educação, que foram amplamente difundidas a
partir dos anos 1990, foram estimuladas pelo neoliberalismo, mas fundamental-
mente pela Terceira Via. A Terceira Via teve origem na Inglaterra e apresenta
como características gerais a presença do voluntariado, a desresponsabilização
da esfera estatal para com os direitos sociais, a meritocracia nas questões da
avaliação escolar e a responsabilidade pela execução da sociedade civil. Impor-
tante salientar que as entidades não governamentais (ONGs) e o chamado Ter-
ceiro Setor não representam de fato a totalidade da sociedade e não expressam a
complexidade do todo social, mas sim os interesses das elites dirigentes.
O neoliberalismo e a Terceira Via acreditam que a crise está no Estado,
mas, enquanto que para o neoliberalismo a estratégia utilizada são as privati-
zações, para a Terceira Via a solução se encontra no Terceiro Setor, através da
constituição de parcerias entre o Estado e a sociedade civil. De acordo com
Ricardo Antunes, passam a haver novas regulamentações entre a esfera pública e
a privada. Ao prevalecer a sociedade de tipo solidário e voluntariosa, chama-
da pela Terceira Via de sociedade ativa, tem-se como consequência o fortaleci-
mento da relação entre o público e o privado, no qual o poder público finan-
cia, na maioria das vezes, a prestação das políticas sociais, que são executadas
seguindo uma lógica privatista. O poder público continua a financiar a educa-
ção, entretanto, a esfera privada impõe a sua filosofia; em outras palavras,

48
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

ocorre o distanciamento dos valores da gestão democrática e a prevalência da


orientação empresarial nos sistemas de ensino. A “mercantilização dos direi-
tos sociais”, no Brasil, tem início no período da Ditadura Civil-Militar e con-
tinua sob a doutrina do neoliberalismo, durante a década de 1980, e posterior-
mente, com a Terceira Via, na década de 1990.
Essas doutrinas foram determinantes para as reformas na administra-
ção pública que ocorreram na década de 1990, especialmente no período de
1995/2000 com o gerencialismo da Era FHC e a Nova Administração Pública
(New Public Management) a partir dos anos 2000, que redefiniram o papel do
Estado brasileiro em vários setores. Dentre eles, destacou-se a promoção do
direito à educação, aproximando-se a esfera do público e do privado através
do advento das parcerias público-privadas, com destaque para o Plano Diretor
de Reforma do Aparelho do Estado – PDRAE – e a Emenda Constitucional
nº 19, ambos dos anos 1990, que definiram a educação e os demais direitos
sociais como serviços não exclusivos do Estado. Na esteira desses aconteci-
mentos, no final dessa década, foi editada a lei das Organizações Sociais e das
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, que legalizam a relação
entre o Estado e as entidades do Terceiro Setor. Nos anos 2000, foi elaborada
uma proposta de criação da Lei Orgânica da Administração Pública, a qual
possui como objetivo a incorporação das entidades privadas sem fins lucrati-
vos na estrutura estatal, que passariam a figurar como autênticas representan-
tes da administração pública indireta.

Considerações finais
Ao final do estudo, podemos inferir que historicamente a educação pú-
blica brasileira foi expressão dos interesses da esfera privada. O estudo teve
início com a instauração da República; a partir do século XX e o predomínio
da lógica capitalista, o governo passou a manter algumas instituições públi-
cas, consideradas “instituições-modelos”, as quais deveriam servir de parâme-
tro para as instituições privadas. Essa postura estatal refletia ainda o perfil
descompromissado do governo para com a educação, pois em vez de aumen-
tar o número de instituições públicas, o que ampliaria o atendimento à popu-
lação, restringia sua própria atuação apenas à organização das escolas-mode-
los, fortalecendo a ação privatista. Verifiquei que dos anos 1930 aos anos 1960
ocorreram a regulamentação nacional do ensino e a necessidade da renovação
pedagógica, sendo justificadas essencialmente pelo estágio econômico em curso
de fomento à industrialização. A educação foi ressignificada, sendo incorpo-
rada ao projeto nacional de desenvolvimento, com vistas à instrução da gran-

49
PIRES, D. de O. • O histórico da relação público-privado e a formação do Estado Nacional

de parcela populacional que historicamente esteve alijada das políticas gover-


namentais, mas que passava a figurar, nesse período específico da trajetória
política brasileira, como a “força propulsora nacional”.
Em 1º de abril de 1964, foi deflagrado o Golpe Civil-Militar, o qual
provocou violações dos direitos humanos e das garantias fundamentais de toda
ordem. Em termos educacionais, esse período foi o de maior impulso à priva-
tização da educação. O estágio econômico experimentado pelo país naquele
momento beneficiou a burguesia industrial e o capital financeiro. Já os anos
1980 marcaram o esgotamento do Estado Ditatorial e a luta dos movimentos
sociais pela redemocratização e pela educação pública, dos quais destaquei o
Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública. Todavia, apontei que, nesse
mesmo momento, a orientação neoliberal se tornava hegemônica, possuindo
como estratégia a privatização dos setores sociais e a não intervenção do Esta-
do na economia. É nesse contexto que a Constituição Federal de 1988 foi
promulgada. Ela consagrou, além da esfera do público e do privado, uma nova
categoria, o confessional ou filantrópico, que significava a ação particular, mas
com um sentido público, o chamado público não estatal. As entidades públi-
cas não estatais foram amplamente estimuladas a partir dos anos 1990, com o
advento das parcerias público-privadas, entre o Estado e as entidades do Ter-
ceiro Setor, que se qualificaram juridicamente como entidades de direito pri-
vado sem fins lucrativos e passaram a receber o título de OS ou OSCIP, defini-
das respectivamente pela lei 9.637/98 e a lei 9.790/99. Nos anos 2000, tem-se
o desenvolvimento da proposta de alteração da administração pública elabo-
rada pela Comissão de Juristas. Essa comissão foi instituída pelo ministro do
Planejamento, Orçamento e Gestão, Paulo Bernardo, durante a vigência do
governo do então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (2003-
2010), e produziu um relatório no qual estabeleceu a possibilidade da inserção
das entidades do Terceiro Setor na estrutura da administração pública, a partir
de uma nova estrutura para o seu funcionamento e das suas relações com aque-
las entidades, que passariam a se denominar Entes de Colaboração. Até o pre-
sente momento, não houve o encaminhamento para a aprovação do Antepro-
jeto de Lei Orgânica da Administração Pública pelo Congresso Nacional.
Assim, ao final foi possível comprovar que, quando o Estado se aproximava
da titularidade da promoção da educação, admitindo a sua função e empe-
nhando esforços para executá-la, as forças sociais privatizantes se organiza-
vam para deslegitimar essas pretensões, reafirmando o caráter privatista da
educação pública nacional.

50
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

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51
As relações do Estado com empresários
nas políticas educacionais: PDE/PAR
e guia de tecnologias educacionais

Liane Maria Bernardi


Lucia Hugo Uczak
Alexandre José Rossi

Introdução
Neste artigo1 apresentamos as discussões sobre como o setor privado
mercantil adentra e influencia as políticas educacionais brasileiras. Para tanto,
vamos percorrer um caminho de análises que vai desde o Movimento Todos
pela Educação (TPE), que se constitui num movimento empresarial brasileiro
– passando pelo Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação – até a
implantação do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), que se cons-
titui em uma política educacional implementada pelo governo de Luiz Inácio
Lula da Silva e mantida por Dilma Rousseff. Tal programa se materializou
através do Plano de Ações Articuladas (PAR), o qual, partindo de um diag-
nóstico da realidade local2, propõe a elaboração de um plano de educação que
é constituído de ações e subações. Estas são de assistência técnica e financeira
e podem ser de responsabilidade do MEC ou do próprio estado ou município.
Parte da assistência oferecida se encontra no Guia de Tecnologias Educacio-
nais, que é um documento que contém a descrição de diversas tecnologias e
informações suplementares acerca de materiais pedagógicos elaborados por
instituições ou empresas públicas e/ou privadas e que são pré-qualificadas pelo
MEC.
A partir da metodologia de análise documental, constatamos a indução
de parcerias com entidades do setor privado desde a etapa inicial até a imple-

1
Este artigo integra a pesquisa ‘Parcerias entre sistemas públicos e instituições do Terceiro Setor
no Brasil, Argentina, Portugal e Inglaterra: implicações para a democratização da educação’,
realizada por um grupo de pesquisadores junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, coordenado pela Professora Dra. Vera Maria
Vidal Peroni.
2
Nos estados e/ou municípios.

52
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

mentação da política. Também podemos observar e mapear os sujeitos priva-


dos e sua ligação com a oferta dos produtos do Guia de Tecnologias.
A base material da pesquisa traz os dados coletados nos documentos
disponibilizados pelo MEC: Decreto nº 6.094/07, Guia de Ações 2007-2011 e
2011-2014, Guia de Tecnologias Educacionais (2009 e 2011/2012). Utiliza-
mos também o site do Movimento Todos pela Educação e sites relacionados a
empresas e empresários que compõem o Movimento. A sustentação teórica
do estudo está nos argumentos de Peroni (2011, 2013), Laval (2004), Gale
(2007), Ozga e Lingard (2007), Shiroma, Garcia e Campos (2011), Thompson
(1981), Ball e Olmedo (2013), Voss (2011) e ainda Evangelista e Leher (2012).
Uma das perspectivas iniciais é a definição de como o olhar será dirigi-
do à política. Considerando que ela não é algo estático, observaremos o jogo
que perpassa a política desde sua formulação até a execução – “a política da
política” (GALE, 2007), p. 122). O autor3 propõe que se observe as fronteiras
e interfaces entre quem produz e quem implementa a política, quem tem per-
missão ou condições de estabelecer o “quê” e o “como” da política e como
ocorre a coalizão de interesses, o que será adotado neste trabalho evidencian-
do as relações entre os integrantes do Conselho de Governança do Movimen-
to Todos pela Educação na elaboração da política do Plano de Ações Articula-
das e na execução da mesma com a oferta de produtos no Guia de Tecnologias
Educacionais.
Jenny Ozga e Bob Lingard (2007) também contribuem para a discussão
sobre as políticas contemporâneas quando afirmam que a atual agenda das
políticas educacionais promove grande dependência da medição e gestão de
desempenho ao propor comparações e soluções padronizadas e uma “varieda-
de de parcerias público-privadas, de sistemas e serviços de fornecimento” (p.76)
que são apresentadas de várias formas, ora influenciando propostas ou o con-
teúdo, ora ofertando táticas de gestão ou ainda ofertando produtos tecnológi-
cos pedagógicos. Procuramos observar esta variedade de intervenções no caso
brasileiro.
Um segundo elemento do qual partimos é a definição de classe. Adota-
mos o conceito construído por Thompson (1981), em que classe não é tomada
como uma categoria isolada, mas é entendida como processo e como relação,
algo que ocorre concretamente e pode ser demonstrado nas relações humanas.
Nesse sentido, é preciso considerar a correlação de forças que se estabelece

3
Trevor Gale distingue dois conceitos: politics (processo de formulação da política) e policy (o resul-
tado, o efeito, o objeto), mas ressalta que estes dois níveis de análise não devem ser separados.

53
BERNARDI, L. M. et al. • As relações do Estado com empresários nas políticas educacionais

como um princípio de pesquisa e de interpretação, e destacamos que processo


e relação também compõem o nosso entendimento sobre o público e o privado
na política educacional, e os compreendemos como parte constitutiva das
mudanças sociais e econômicas produzidas pelo capital e pelo Estado.
O artigo está organizado em três seções: (i) “Do Movimento Todos pela
Educação ao Compromisso Todos pela Educação”, na qual apresentamos a
articulação dos empresários em torno do TPE até a incorporação desta agen-
da pelo governo federal com a criação do Plano de Metas Compromisso To-
dos pela Educação, mostrando como se constituiu a política do PDE; (ii) “Do
Plano de Ações Articuladas ao Guia de Tecnologias Educacionais: amplian-
do as relações com o setor privado”, em que evidenciamos a materialização do
PDE através do PAR e destacamos como a relação público-privado vai se con-
solidando neste programa bem como no Guia de Tecnologias Educacionais,
que é uma das ações propostas pelo PAR, que exemplifica como se realizam as
parcerias, destacando as possibilidades de parcerias pré-qualificadas pelo MEC;
(iii) “Redes de influência e interlocutores do Estado: a quem interessa o mer-
cado educacional”. Por fim, fazemos algumas considerações sobre políticas
educacionais em curso no Brasil e a relação entre o setor privado e o setor
público educacional.

Do movimento Todos pela Educação


ao Compromisso Todos pela Educação
Nos anos de 19904, os empresários brasileiros organizaram fóruns e lan-
çaram documentos onde apontam interesse na construção de uma agenda edu-
cacional voltada à “produção de uma nova sociabilidade mais adequada aos
interesses privados do grande capital nacional e internacional” (SHIROMA;
GARCIA; CAMPOS, 2011, p. 227). Nesta ótica, propõem reformar a educa-
ção e a escola tornando-a mais eficaz para as novas demandas do capital, for-
mando um novo trabalhador que domine as novas competências tecnológicas
e organizacionais. Nesta perspectiva, além de propor a importação da eficácia
do modelo empresarial pretendia-se “repor a função social da educação e da
escola destituindo-as, contudo, do seu caráter público” (ibid.).
As reivindicações das lutas pela democratização da educação são incor-
poradas e ressignificadas, e o empresariado brasileiro, empregando o discurso

4
Aqui nos referimos ao movimento de empresários que encabeçam o Movimento Todos pela
Educação. Sobre a relação entre o público e o privado na educação brasileira, ver Pires (2015).

54
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

de “educação para todos e todos pela educação”, apresenta propostas alinha-


das com as reformas educacionais implementadas em vários países europeus e
latino-americanos a partir da década de 1990. Tais reformas anunciavam como
objetivo central a melhoria da qualidade da educação, o que inclui ampliação
da jornada escolar, universalização do atendimento, propostas de avaliação
em larga escala, incentivos à realização de parcerias externas buscando apoio
às atividades educacionais, investimento em formação inicial e continuada e
valorização dos profissionais da educação, entre outras questões (BARÃO,
2009). Apropriam-se de parte do discurso da agenda positiva para a educação
proveniente das lutas pela democratização e o mesclam com elementos geren-
ciais. A questão divergente é que essa agenda positiva da qualidade educacio-
nal não será conseguida pela via pública, mas, para os empresários, ela será
possível pela via privada.
No Brasil, a indicação dessa política de forte cunho gerencialista foi
constituída a partir do movimento empresarial Todos pela Educação5 (TPE),
o qual, segundo Shiroma, Garcia e Campos (2011, p. 233), foi “criado por um
grupo de intelectuais orgânicos do capital”, que iniciaram a realização de di-
versos eventos durante dois anos, propondo um grande pacto pela educação
com sindicatos, sociedade educacional e civil, que logo ganhou a adesão da
mídia. “Os empresários se antecipam e pautam a agenda governamental: rea-
firmam o papel do Estado redefinindo, no entanto, o sentido e o significado da
educação pública” (ibid., p. 226). O Movimento propõe a mobilização da ini-
ciativa privada e das organizações sociais do Terceiro Setor para atuar junto
com o Estado no provimento da educação.
Segundo o ex-ministro da Educação Paulo Renato Souza, o fato de o
setor privado organizar eventos para discutir como melhorar os sistemas edu-
cacionais da região latino-americana constitui uma novidade. Ao explicar as
razões para as proposições dos empresários, Souza associa-se aos argumentos
dos teóricos neoliberais afirmando que tal iniciativa é indicativa de que “o
Estado sozinho não é capaz de resolver esses graves problemas num período
curto de tempo” (SOUZA, 2006). O argumento da ineficiência do Estado tem
sido utilizado para justificar a necessidade da intervenção dos empresários nas
questões sociais e, ao mesmo tempo, para dar visibilidade às “propostas salva-
doras” recomendadas pelo setor privado.

5
Em 2006, realizou-se a Conferência Ações de Responsabilidade Social em Educação: melho-
res práticas na América Latina, promovido pela Fundação Lemann, Fundação Jacobs e Grupo
Gerdau, com apoio do PREAL. Os representantes das empresas brasileiras reunidos elabora-
ram um documento sobre educação: “Compromisso Todos Pela Educação”.

55
BERNARDI, L. M. et al. • As relações do Estado com empresários nas políticas educacionais

O TPE se apresenta como uma iniciativa da sociedade civil, mas “cons-


titui-se, de fato, como uma rede política que congrega agentes sociais, intelec-
tuais, empresas, instituições públicas e privadas e grupos de interesses hetero-
gêneos, articulados em torno de um discurso comum” (VOSS, 2011, p. 52). A
maioria dos integrantes não provêm do campo da educação, e são “profissio-
nais ligados à economia, administração, comunicação, ao mundo dos negócios
ou pessoas que ocuparam determinados cargos políticos nos governos federal
ou estaduais” (ibid.).
O discurso inicial de garantia do acesso à educação, originalmente en-
tendido e defendido como um direito, é substituído pelo discurso da “qualida-
de”, cujo sentido para este grupo está na avaliação e construção de um parâ-
metro de qualidade pensado e definido pelo TPE e aceito socialmente. Sobre
isso Dulce Voss afirma que
O discurso da educação como fator estratégico de desenvolvimento social e
econômico é atualmente recontextualizado, pois a ênfase central das refor-
mas educacionais contemporâneas não é a expansão da escolarização, mas
a equidade, entendida como a oferta eficiente e eficaz do ensino, de modo a
garantir condições de aquisição de habilidades e informações que permitam
competir no mercado profissional (VOSS, 2011, p. 45).

Ao retomarmos o histórico de constituição do Todos pela Educação e o


papel dos sujeitos, fazemos isso embasados em Thompson (1981), quando afir-
ma que não existe processo histórico sem sujeito, assim como também não
existem sujeitos sem história. Destarte, entendemos o movimento TPE como
sujeito coletivo que produz história, defendendo interesses particulares e, por-
tanto articulados em torno de um projeto social. A prática do TPE, compreen-
dido como sujeito histórico, é uma iniciativa de classe que se constituiu inde-
pendentemente do Estado, mas funciona articulando-se com o governo e com
setores da educação no país e, desse modo, determina o que vem a ser a quali-
dade da educação “traduzindo-a sob a forma de subordinação à formação para
o trabalho explorado requerido pelo capitalismo” (EVANGELISTA; LEHER,
2012, p. 9).
Capitaneado pelo setor financeiro6 e articulado com o setor empresarial,
o Movimento fez a convocação para a intervenção na educação, e, como afir-
mam Olinda Evangelista e Roberto Leher, isso
Partiu da constatação de que as corporações estavam atuando em centenas
de grandes projetos educacionais com objetivos educacionais pertinentes,

6
A convocatória inicial do TPE foi feita pelo Itaú Unibanco Holdings S.A.

56
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

afins aos interesses corporativos que os patrocinam, mas que a dispersão


dos esforços impedia uma intervenção ‘de classe’ na educação pública, obje-
tivo altamente estratégico, pois envolve a socialização de mais de 50 milhões
de jovens, a base da força de trabalho dos próximos anos. Os setores domi-
nantes, após a articulação política dos grupos econômicos em prol do movi-
mento, passaram a atuar por meio de suas fundações privadas ou de suas
Organizações Sociais, como Itaú Social, Faça Parte, Ayrton Senna, Roberto
Marinho, Gerdau, Victor Civita, Abril, Bunge, D’Pascoal, Bradesco, San-
tander, Vale, PREAL, Lemann, entre outros (EVANGELISTA; LEHER,
2012, p. 7).

Tendo em vista o exposto, passamos a descrever a estrutura de gover-


nança e composição de colegiados que atuam no Movimento Todos pela Edu-
cação, visando destacar os sujeitos integrantes deste coletivo.
Existe um Conselho de Governança composto atualmente por 17 integran-
tes, que é presidido por Jorge Gerdau Johannpeter. Também possui um Conse-
lho Fiscal com três integrantes e uma Comissão Técnica com 14 integrantes, co-
ordenados por Viviane Senna. Todos os integrantes listados são empresários,
banqueiros ou consultores de empresas, que na mesma página do site apare-
cem listados junto a outros nomes intitulados de sócios fundadores do TPE. Es-
tes sujeitos representam empresas financeiras e grandes conglomerados do
capital produtivo no país. Nos limites deste artigo, destacaremos apenas o
Conselho de Governança do Movimento Todos pela Educação, que está re-
presentado no quadro abaixo:

Quadro 1 – Conselheiros de Governança do Todos Pela Educação e suas em-


presas7

NOME DO CONSELHEIRO EMPRESA QUE REPRESENTA


Jorge Gerdau Johannpeter Instituto Gerdau
Ana Maria dos Santos Diniz Instituto Grupo Pão de Açúcar
Antonio Jacinto Matias Fundação Itaú Social
Beatriz Johannpeter Instituto Gerdau
Daniel Feffer Susano Holding SA e Membro do Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social – Brasil
Danilo Santos de Miranda Diretor Regional SESC SP
Denise Aguiar Alvarez Diretora Fundação Bradesco

7
Este quadro foi atualizado em 25 de maio de 2015. Destacamos que anteriormente José Fran-
cisco Soares, representante do INEP, integrava tal conselho, caracterizando a participação do
governo federal no Movimento TPE.

57
BERNARDI, L. M. et al. • As relações do Estado com empresários nas políticas educacionais

Fernão Carlos Botelho Bracher Itaú e Banco BBA Creditanstalt, ex-presidente do


Banco Central
José Roberto Marinho Fundação Roberto Marinho – Rede Globo
Luciano Monteiro Diretor de relações institucionais da Editora Moderna
Luís Norberto Pascoal Grupo D’Pascoal e Fundação Educar D’Pascoal
Luiz Paulo Saade Montenegro Instituto Paulo Montenegro
Millú Villela Presidente do Instituto Faça Parte e Brasil Voluntário
Mozart Neves Ramos Diretor de articulação e inovação do Instituto
Ayrton Senna
Ricardo Manuel dos Santos Superintendente executivo do Instituto Unibanco
Henriques
Viviane Senna Instituto Ayrton Senna
Wanda Engel Aduan Conselheira do Movimento Educar para Crescer

Fonte: Elaboração dos autores a partir do site http://www.todospelaeducacao.org.br8.

Vale destacar que os sujeitos aqui nomeados se relacionam entre si e


com outras redes em âmbito nacional e internacional. A organização em redes
facilita a inserção simultânea dos sujeitos em diversos espaços, instaurando os
princípios de “comunicabilidade, solidariedade e a importância do fluxo de
informação, como formas de articulação não hierárquicas e mais dinâmicas entre
o próprio e o alheio, entre os interesses individuais e os gerais” (KRAWCZYK,
2000, p. 5). E esta organização é fundamental para garantir a formação de consen-
sos e a defesa dos objetivos e metas estabelecidos pelo Movimento. Ball e Ol-
medo (2013) explicam as intervenções do setor privado como novas formas de
filantropia através de sua articulação em redes de políticas globais. Para eles, a
“rede é um mecanismo analítico e um tropo-chave dentro desse redireciona-
mento da atenção, como se fosse um tipo de tecido conectivo que se une e
oferece alguma durabilidade a essas distantes e fugazes formas de interação
social” (ibid., p. 36). Ao mesmo tempo, a rede confere certa “proteção” aos
sujeitos para a ação, pois podem agir na construção do consenso, na definição
de políticas, no direcionamento empresarial a este “filão” de mercado, sem,
no entanto, serem expostos diretamente às críticas, pois estão diluídos na rede,
que não é um, mas são todos, e não se distingue onde ou quem iniciou o
processo.
O significado deste intrincado processo de relações empresariais que
toma conta de uma fatia do mercado educacional é justificado pelos empresá-

8
<http://www.todospelaeducacao.org.br>. Acesso em: 25 maio 2015.

58
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

rios através de um discurso comum de “qualidade da educação” e se constitui


numa rede política que oferece a competência gerencial para o sucesso desta
missão; ou seja, para o Movimento é preciso “ajustar as políticas educacionais
e as práticas institucionais e pedagógicas aos moldes da gestão empresarial, do
mercado e da performatividade neoliberal” (VOSS, 2011, p. 53). E essa quali-
dade empresarial se baseia em princípios de eficiência e produtividade que
possam ser mensuradas através de provas padronizadas aplicadas a estudantes
de todo o país.
Configurando esta discussão de classe do Movimento Todos pela Edu-
cação, os empresários dão a direção da política educacional e promovem o
consenso em torno de cinco metas propostas como objetivos a serem alcança-
das até 2022 (metas essas que não são exclusivas do grupo em questão; aqui
verificamos mais uma vez que se apropriam de demandas que historicamente
foram pautadas pelo movimento de democratização da educação) que estão
publicadas em seu site9:
• Meta 1 – Toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola
• Meta 2 – Toda criança plenamente alfabetizada até os 8 anos
• Meta 3 – Todo aluno com aprendizado adequado ao seu ano
• Meta 4 – Todo jovem de 19 anos com Ensino Médio concluído
• Meta 5 – Investimento em educação ampliado e bem gerido
A partir dessas metas, o Movimento propõe a divulgação e monitora-
mento da educação no país e passa a intervir nos parâmetros do que considera
qualidade, divulgando amplamente o que considera gestão de sucesso, com
uso das inovações didáticas e tecnologias ofertadas por seus próprios parcei-
ros. O ponto a ser questionado, mais uma vez, é a forma como estas metas
serão perseguidas, centrada nos modelos do mercado.
Constatamos, através de notícia publicada na página do Movimento
Todos Pela Educação, que ele explicita também possuir parceria com o gover-
no federal e entidades públicas educacionais.
O Movimento Compromisso Todos pela Educação é nacional, iniciado por
um grupo de lideranças da sociedade civil em sintonia com o MEC, Con-
sed (Conselho Nacional de Secretários da Educação) e Undime (União
Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação), numa parceria pioneira,
onde o objetivo principal é garantir educação de qualidade a todas as crian-
ças e jovens brasileiros até 2022, ano que o Brasil celebra o bicentenário da
Independência. (http://www.todospelaeducacao.org.br/educacao-na-midia/
indice/574)10 (Grifos nossos).

9
<http://www.todospelaeducacao.org.br>. Acesso em: 10 set. 2014.
10
Site consultado em 10 de setembro de 2014.

59
BERNARDI, L. M. et al. • As relações do Estado com empresários nas políticas educacionais

Alguns autores (SAVIANI, (2007); MARTINS (2009); NARDI, SCH-


NEIDER e DURLI (2010); FREITAS (2012); entre outros, reconhecem que
essa “sintonia” com a proposta do empresariado influenciou diretamente o
governo federal, através do Ministério da Educação (MEC), a criar em 2007 o
Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação e lançar o Plano de De-
senvolvimento da Educação (PDE), que, como o próprio nome já diz, é um
plano que prevê o desenvolvimento da educação no Brasil com o objetivo de
investir na educação básica através de projetos que envolvam toda a comuni-
dade escolar por meio de iniciativas que garantam o sucesso e a permanência
com qualidade do aluno na escola. Concordamos com esta posição e lembra-
mos que o PDE assumiu todas as metas do Movimento, evidenciando a sujei-
ção da política educacional ao consenso construído pelos empresários brasi-
leiros.
Lucia Camini (2013), ao analisar o Plano de Desenvolvimento da Edu-
cação/Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação (2007-2009), afir-
ma que o MEC elaborou o PDE após passar um “pente fino” nos seus progra-
mas e que, neste processo de construção do Plano, chamou para dialogar o
Unicef (com quem realizou pesquisa em que, no mesmo município, escolas
com características semelhantes tiveram excelentes resultados e outras não)11,
a Unesco, o Consed, a Undime e, por último, a CNTE12. Ou seja, o MEC,
além de dialogar com empresários, passa a construir a proposta com os orga-
nismos internacionais e só depois, para construir o consenso, chama os repre-
sentantes e dirigentes educacionais.
O Plano de Metas segue as recomendações contidas no Decreto nº 6.094/
07, que tem como objetivo a melhoria da qualidade da educação básica no
Brasil. Ele é constituído de 28 diretrizes, as quais englobam aspectos relacio-
nados ao acesso e à permanência dos alunos na escola, e também trata da
organização do trabalho pedagógico, bem como sobre a formação e a carreira
dos profissionais da educação, a gestão da escola e das redes de ensino, a valo-
rização dos profissionais da educação, entre outras questões. O Plano de Me-
tas, de acordo com Farenzena (2012, p. 11), “conta com sua [Governo Fede-
ral] intervenção na promoção e na implementação das ações, e envolve, igual-

11
A segunda pesquisa realizada pelo MEC em parceria com o Banco Mundial, que deu base ao
Plano de Metas, examinou sistemas municipais que apresentavam resultados de qualidade em
comparação ao baixo desempenho obtido por municípios com as mesmas características soci-
oeconômicas.
12
Undime – União dos Dirigentes Municipais de Educação; CNTE – Confederação Nacional
dos Trabalhadores em Educação, Consed – Conselho Nacional de Secretários Estaduais de
Educação.

60
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

mente, com as mesmas funções, as redes estaduais e municipais de ensino,


mediante a adesão dos respectivos poderes executivos”.
Das 28 diretrizes, destacamos as de número XXVII e XXVIII, que suge-
rem as parcerias com setores privados:
XXVII - firmar parcerias externas à comunidade escolar, visando à melho-
ria da infraestrutura da escola ou à promoção de projetos socioculturais e
ações educativas;
XXVIII - organizar um comitê local do Compromisso, com representantes
das associações de empresários, trabalhadores, sociedade civil, Ministério
Público, Conselho Tutelar e dirigentes do sistema educacional público, en-
carregado da mobilização da sociedade e do acompanhamento das metas
de evolução do IDEB (BRASIL, 2007, grifos nossos).

Podemos observar que, contraditoriamente, ao mesmo tempo em que


propõem aumentar a participação da sociedade, elas também indicam certa
desobrigação do papel do Estado para com o provimento e a manutenção da
educação, repassando o que é de sua responsabilidade às escolas. Também
fica evidente a indicação de entidades com uma lógica de mercado dentro da
escola pública, influenciando na elaboração e no acompanhamento de políti-
cas educacionais, de modo afinado aos discursos dos empresários do Movi-
mento Todos Pela Educação13.
O PDE foi pensado com o propósito de agrupar todas as ações e proje-
tos no âmbito da educação que já vinham sendo desenvolvidos através das
secretarias do MEC, bem como agrupar ações e projetos desenvolvidos no
âmbito da educação por outros ministérios.
No âmbito do Plano de Metas, os entes federados foram “convocados”’
pelo então ministro da Educação Fernando Haddad a aderir ao Compromisso
Plano de Metas – Compromisso Todos Pela Educação. A adesão habilitou os
municípios e estados a receber assistência técnica e financeira através da ela-
boração do Plano de Ações Articuladas. Em 2008, quase a totalidade dos
municípios e todos os estados estavam habilitados a elaborar o PAR. As metas
do Movimento ganhavam status de política nacional, consolidando-se em to-
dos os recantos do país.

13
Para exemplificar as relações do empresariado na política educacional, no contexto de formu-
lação da política, tomemos por base o Rio Grande do Sul, onde o Decreto 45529 de 05 de
março de 2008 estabeleceu o Comitê Estadual de gestão do Plano de Metas Compromisso
Todos pela Educação; coordenado por Marisa Abreu, teve a representação da Undime, CEED,
Ministério Público, Conselhos Tutelares, o ex-ministro da Educação Paulo Renato Souza e
representantes de associações de empresários como o Instituto Gerdau e a Fundação Mauri-
cio Sirotsky Sobrinho – que pertence à RBS, afiliada da Rede Globo, entre outros.

61
BERNARDI, L. M. et al. • As relações do Estado com empresários nas políticas educacionais

Do plano de ações articuladas ao guia de tecnologias:


ampliando as relações com setor privado
O PAR é o planejamento multidimensional da política de educação que
cada rede pública de educação deve fazer para um período de quatro anos
(2008 a 2011 e 2011 a 2014). O roteiro oferecido pelo MEC para auxiliar os
entes federados na elaboração do PAR é constituído de três etapas: o diagnós-
tico da realidade da educação e a elaboração do plano são as primeiras etapas
e estão na esfera do município ou estado. A terceira etapa é a análise técnica,
feita pela Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação e pelo
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que emite um
termo de cooperação com as ações de responsabilidade de execução do MEC,
no qual constam os programas aprovados e classificados segundo a prioridade
municipal.
Entre as ações oferecidas no PAR aos municípios e estados estão pro-
cessos, ferramentas e materiais de natureza pedagógica qualificados14 pelo MEC
no Guia de Tecnologias Educacionais. Este Guia é um documento que con-
tém a descrição de diversas tecnologias e informações suplementares acerca
de materiais pedagógicos elaborados por instituições ou empresas públicas e/
ou privadas e que são pré-qualificadas pelo MEC.
Segundo o Aviso de Chamamento Público do MEC 01/2009, poderiam
apresentar propostas de tecnologias “quaisquer pessoas físicas ou jurídicas
nacionais, de direito público ou privado, tais como: institutos de ensino supe-
rior, centros e museus de ciências, instituições educacionais, organizações não
governamentais, fundações, organizações empresariais e centros de pesqui-
sa”.
O Guia inicialmente estava organizado em seis categorias e na versão
2011/201215 teve o acréscimo de mais uma categoria, como demonstramos no
quadro abaixo:

14
Cabe destacar que o MEC “avalia e pré-qualifica aquelas tecnologias e materiais que conside-
ra inovadores e capazes de promover a qualidade da educação básica em todas as etapas e
modalidades. Com o objetivo de disseminar tecnologias inovadoras, essa pré-qualificação se
realiza a partir de critérios próprios e, após a avaliação da implantação e implementação,
podem ser certificadas pelo MEC, caso se constate que tenham gerado impacto positivo na
evolução dos indicadores da qualidade da educação básica” (ROSSI; BERNARDI; UCZAK,
2013, p. 211-212).
15
O Guia de Tecnologias publicado em 2013 não foi incluído neste estudo por considerarmos
que houve uma mudança quanto ao foco das tecnologias ofertadas, uma vez que todas con-
templam a educação integral, como indicado no título do Guia: Educação Integral e Integra-
da e a articulação com seu território.

62
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Quadro 2 – Tecnologias Educacionais

Item Categoria Tecnologia desenvolvida Tecnologia Total


pelo MEC externa ao MEC
2009 2011 2009 2011 2009 2011
1 Gestão da educação 9 11 6 7 15 18
2 Ensino-aprendizagem 4 9 51 51 55 60
3 Formação dos profissionais
da educação 10 12 14 15 24 27
4 Educação inclusiva 6 11 1 1 7 12
5 Portais educacionais 4 5 12 11 16 16
6 Diversidade e Educação
de Jovens e Adultos 10 17 7 11 17 28
7 Educação Infantil - - - 8 - 8
TOTAL 43 65 91 104 134 169

Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos Guias de Tecnologias Educacionais 2009 e
2011/2012.

Observando o Guia, constata-se a presença do setor privado em quase


todas as categorias, porém destaca-se a concentração predominante numa área
estratégica para a educação, que é o ensino-aprendizagem. Das 60 tecnologias
pré-qualificadas, 51 são externas ao MEC e, destas, seis são de entidades pú-
blicas, uma de pessoa física, 31 de empresas com fins lucrativos e 13 do Tercei-
ro Setor, ou seja, entidades públicas não estatais.
Olinda Evangelista e Roberto Leher afirmam que este tecnicismo peda-
gógico sustentado no fetiche da tecnologia reduz o professor a “manuseador
de métodos, pacotes de tecnologias e informação e cartilhas comercializadas
por corporações. [...] como propósito o apagamento do professor e do aluno
como sujeitos históricos” (EVANGELISTA; LEHER, 2012, p. 11) com a im-
posição de um papel coadjuvante. Nesta lógica, os autores concluem que o
que se instituiu é a “intervenção de grupos privados nos sistemas públicos de
ensino, supostamente portadores da varinha de condão cujo toque produzirá a
educação de ‘boa qualidade’, afinal os empresários sabem buscar resultados!”
(ibid.).
O Guia de Tecnologias Educacionais acaba se constituindo como a con-
solidação da ação da rede de empresas que oferta produtos, seja de forma dire-
ta, seja sob a forma de associados e/ou apoiados pelos empresários, materiali-
zando a ampliação das relações da educação pública com o setor privado no
Brasil. Destacamos nesta relação a presença dos sujeitos membros do Movi-

63
BERNARDI, L. M. et al. • As relações do Estado com empresários nas políticas educacionais

mento Todos pela Educação tanto no momento da formulação da política


quanto na oferta de tecnologias educacionais presentes no Guia, como abor-
daremos a seguir.

3 Redes de infuência e interlocutores do Estado:


a quem interessa o mercado educacional?
Como destacamos na segunda seção, houve uma ampliação das rela-
ções com o setor privado no Plano de Ações Articuladas e Guia de Tecnolo-
gias Educacionais. Retomando as discussões sobre rede mencionadas na pri-
meira seção, quando tratamos do Movimento Todos pela Educação, entende-
mos que a atuação em rede possibilita uma mobilização maior entre os sujei-
tos, ora na proposição da política educacional, ora na mobilização para cons-
truir o consenso em torno das metas a serem alcançadas, ora na oferta da
forma e dos meios para atingir as metas, ou seja, a gestão e os produtos educa-
cionais.
Entendemos que o TPE configura-se como um movimento que “emba-
ralha intencionalmente a linha divisória entre negócios, empreendimento, de-
senvolvimento e o bem público” (BALL; OLMEDO, 2013, p. 37) na medida
em que, além da indicação de parceria com o setor privado e empresarial, po-
demos observar que os mesmos sujeitos do movimento empresarial Todos pela
Educação são agentes e interlocutores do setor público, junto ao Ministério da
Educação, tornando-se potenciais clientes do Estado ao ofertarem produtos
no Guia de Tecnologia ou recomendações.
Agora vejamos no quadro abaixo, onde aparecem o Conselho de Go-
vernança, as instituições ligadas aos sujeitos e as tecnologias ofertadas no Guia
(2009-2011/2012):

64
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Figura 1 – Sujeitos individuais e coletivos e relações com o Guia de Tecnologias

GTE
PEJ Prjt Entre Gestão da
Acelera Jovens Educação
Se liga
Circuito
Campeão Jovem de Fund. Itaú Social
Futuro
Instituto Unibanco

Instituto Ayrton Senna Antonio Jacinto Matias


Inst. Brasil Voluntário
Ricardo Manuel dos
Santos Henriques
Pres. Faça Parte Viviane Senna Instituto Gerdau
Beatriz Johannpeter
Milu Vilella
Mozart Neves Ramos Daniel Feffer Suzano Holding SA
Instituto Paulo Montenegro

Luiz Paulo Saade Montenegro Danilo Santos de Miranda SESC/SP Div Regional

Conselho de
Grupo Pão de Açúcar
Governança Denise Aguiar Alvarez
Dir. Fund. Bradesco
Ana Maria dos S. Diniz
Fernão Bracher
Itaú - BBA
Luís Norberto Pascoal
Luciano Monteiro
3UHV*UXSR'¶3DVFKRDOH Projeto Sala de
)XQG(GXFDU'¶3DVFKRDO Leitura
José Paulo Soares Martins
José Roberto Marinho
Dir. rel. institucionais da
Wanda Engel Aduan Editora Moderna

Dir. Fund. Roberto Marinho


Dir. Inst. Gerdau
LEGENDA
A Criança de 6
Prg. FC anos no Ens.
Conselheira Educar Fundamental Conselho de Governança
Multicurso
Matemática para Crescer
Vínculos Institucionais

Guia de Tecnologias

Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos Guias de Tecnologias Educacionais 2009 –
2011/2012 e a partir do site http://www.todospelaeducacao.org.br.

Observando o quadro acima, constatamos que os sujeitos e empresas


do Conselho de Governança do TPE oferecem tecnologias que constam no
Guia de Tecnologias Educacionais predominantemente em três áreas essen-
ciais: Aprendizagem (Circuito Campeão, Acelera e Se Liga, todos ofertados
pelo Instituto Airton Sena; Sala de Leitura, pela Editora Moderna); Forma-
ção para o trabalho16 (Projeto Entre Jovens e Jovem de Futuro, pelo Instituto
Unibanco); Gestão da Educação (também o Instituto Unibanco com o GTE).
Estes exemplos ilustram não só a oferta de produtos das empresas, caracteri-
zando as relações comerciais, como também a oferta de tecnologias que influen-
ciam na gestão da educação, ao indicar a forma.

16
Trabalho compreendido conforme Evangelista e Leher citado anteriormente.

65
BERNARDI, L. M. et al. • As relações do Estado com empresários nas políticas educacionais

Diversas são as relações entre sujeitos integrantes do Conselho e entre


as empresas. Neste quadro, destacamos somente a oferta direta de tecnologias.
Há ainda uma série de apoios e parcerias entre os sujeitos que não destacamos
neste recorte, mas que podemos nomear; como exemplo do que queremos di-
zer, mencionamos o Instituto Gerdau, que não oferta produtos diretamente,
mas apoia e financia a Fundação Roberto Marinho, que oferta tecnologia edu-
cacional.
Ressaltamos que o Conselho de Governança do TPE apresentado está
em constante mudança ou ajuste. Como exemplos, podemos indicar a saída
de José Francisco Soares do Conselho Consultivo do Inep, responsável pela
Prova Brasil e Provinha Brasil, no final de 2014. Também Wanda Engel Adu-
an saiu do Instituto Unibanco, que continuou a ofertar seus produtos tecnoló-
gicos, mas ela passou a ser conselheira do Educar para Crescer (nova institui-
ção no Conselho de Governança), e em seu lugar entrou Ricardo Manuel dos
Santos Henriques, ex-secretário da SECADI/MEC no período 2003/2007 e
atual superintendente executivo do Instituto Unibanco. Em 2015, Luciano
Monteiro, diretor de Relações Institucionais da Editora Moderna, passou a
integrar o Conselho.
Ao enfatizarmos as relações dos sujeitos da esfera pública com o setor
privado nas políticas sociais, evidenciamos que as políticas são pautadas pelo
setor privado mercantil; como já destacou Vera Peroni, estas passam a ser execu-
tadas pelo público não estatal – iniciativas particulares com sentido público:
[...] com o público não estatal, a propriedade é redefinida, deixa de ser esta-
tal e passa a ser pública de direito privado. Verificamos dois movimentos
que concretizam a passagem da execução das políticas sociais para o públi-
co não estatal: ou por meio do público, que passa a ser de direito privado, ou
o Estado faz parcerias com instituições do terceiro setor para a execução das
políticas sociais. E com o quase mercado, a propriedade permanece sendo
estatal, mas a lógica de mercado é que orienta o setor público, principalmen-
te por acreditar que o mercado é mais eficiente e produtivo do que o Estado
(PERONI, 2013, p. 247).

O modelo empresarial de gestão é apresentado como alternativa para a


qualificação da educação. Esta guinada para o mercado ou a construção de
um negócio educacional – Edu business (BALL, 2012) –, com a oferta de pro-
gramas, cartilhas replicáveis, softwares e materiais didáticos para as escolas
públicas, tem crescido muito no país nos últimos anos. Estas políticas são ofer-
tadas aos sistemas de ensino em todos os níveis com o discurso de qualificação
da educação e chegam às escolas desdobradas em várias possibilidades de par-
cerias (voluntários, privados, ONGs) para tratar dos problemas enfrentados
nas instituições. Ou seja, a solução apontada está no mercado.

66
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Entretanto, Ball e Olmedo (2013) destacam que estas parcerias e “aju-


das” de voluntários e ONGs, que antes eram em grande proporção doações
dos filantropos, deixam de sê-lo e passam a ser investimentos em negócios
educacionais, o que os autores denominam de “filantropia 3.0” ou “caridade
lucrativa” (BALL; OLMEDO, 2013, p. 34).
Essa nova filantropia se configura como um “conjunto de relações liga-
das a problemas de desenvolvimento e aos grandes desafios” (ibid., p.40). Os
autores chamam essa lógica e essas relações de “filantropia de rede”, ou seja,
os sujeitos não podem ser analisados isoladamente, mas sim como “nós inter-
conectados que operam de acordo com lógicas de rede e configuram suas agen-
das e ligações de formas mutantes e fluidas” (ibid.).
Embasados em Peroni (2011, 2013), entendemos que estas relações re-
configuram o papel do Estado e as fronteiras entre o público e o privado. Nes-
te contexto, o Estado deve ser “regulador, incentivador e corrector de assime-
trias” (AFONSO, 2002, p. 53), diminuindo sua presença ao mesmo tempo em
que reforça a “mobilização da comunidade e a iniciativa da sociedade civil”
(ibid.). Aqui o conceito de sociedade civil é compreendido como uma expres-
são “mágica e adaptável” (WOOD, 2003, p. 208) a qualquer situação, melhor
dizendo, à situação que interessa àqueles que estão com o poder econômico,
sendo usada para identificar uma “arena fora do Estado” (ibid.). Neste senti-
do, torna-se um conceito tão amplo que é capaz de abranger todas as institui-
ções e relações da economia capitalista, que vão desde os sindicatos e/ou
movimentos como o Movimento Sem Terra (MST) até as empresas privadas,
identificando conforme seus interesses aqueles que detêm os meios de produ-
ção como sociedade civil. Neste sentido, concordamos com a autora acima
citada que, de certo modo, “trata-se da privatização do poder público que criou
um mundo historicamente novo da sociedade civil” (ibid., p. 127), esvaziando
assim a democracia como luta.
Este é um ponto-chave para a compreensão do que afirmamos ao longo
deste artigo: existe um forte movimento da classe empresarial dominante que,
como parte do capitalismo internacional, seguiu suas recomendações e cons-
truiu uma relação de interlocução com o Estado, definiu a pauta educacional
brasileira e tornou-se cliente, pois, ao mesmo tempo em que estabelece o con-
teúdo de propostas e programas educacionais, oferta produtos tecnológicos
para “dar conta” de solucionar todos os problemas. Enquanto isso, apesar do
intenso movimento de classe que realiza, usando a convocação da união de
“todos” na busca da qualidade da educação (qualidade esta definida pelos
empresários), propõe o fim do conflito de classe e constrói o consenso em
torno de suas definições.

67
BERNARDI, L. M. et al. • As relações do Estado com empresários nas políticas educacionais

Considerações finais
Neste artigo, abordamos o Movimento Todos pela Educação, fundado
por empresários, até a criação do Compromisso Todos pela Educação pelo
governo federal, que incorporou a agenda empresarial. Evidenciamos as pos-
sibilidades de parcerias público-privadas que se abrem a partir da elaboração
do Plano de Ações Articuladas aos estados e municípios que assinaram o
Compromisso. Buscamos destacar os caminhos pelos quais o setor privado
adentra e influencia o setor público nas políticas educacionais, com destaque
para a apropriação por parte dos empresários do discurso da agenda produzi-
da pela luta em defesa da democratização da educação e a redefinição dos
caminhos a serem executados.
Vimos que os mesmos empresários que fundaram o TPE são interlocu-
tores junto ao Estado na definição de políticas e na venda de produtos pedagó-
gicos a partir do Guia de Tecnologias Educacionais, que é uma ferramenta
disponibilizada aos municípios que elaboram o PAR, no qual constam progra-
mas e informações suplementares acerca de materiais pedagógicos elaborados
por instituições ou empresas públicas e/ou privadas e que são pré-qualificados
pelo MEC.
Esta afirmação do poder de ação do grupo empresarial ligado ao TPE,
que, ao mesmo tempo, é interlocutor que induz a definição de propostas e
programas educacionais e torna-se cliente do Estado, pode ser definida como
um movimento de classe. Os empresários colocaram o mercado como a solu-
ção para todos os problemas da educação e a lógica da gestão empresarial
como única alternativa de sucesso. Neste sentido, entendemos que os empre-
sários que constituem o TPE como classe organizada são os representantes da
classe dominante. Os mesmos que dão o tom para a criação de algumas das
políticas educacionais brasileiras são os que irão ofertar as “soluções” para os
“problemas” educacionais.
Ao se constituírem em rede, os empresários em ação no Movimento
Todos pela Educação, se não pautam diretamente as políticas como interlocu-
tores diretos ou clientes, fazem-no na mediação, no apoio que oferecem a ou-
tras empresas que ofertam produtos ou que ajudam a determinar o tipo de
qualidade educacional defendida por eles: medida, ranqueada e solucionada
pelo mercado.
Ao mesmo tempo, a política educacional construída pelo governo atra-
vés do PDE/PAR constitui-se em uma estratégia utilizada para regulamentar
o regime de colaboração com municípios, estados e Distrito Federal, e, com a
participação das famílias e da comunidade, visa à mobilização social pela

68
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

melhoria da qualidade da Educação Básica. Embora amplie a presença do


Estado no atendimento da Educação Básica17, contraditoriamente, ela reforça
a lógica de que o mercado apresenta as soluções mais adequadas para melhoria
da qualidade da educação. Entendemos que a forma da sua execução pautada
pelo mercado não contribui para a democratização da educação, pois, nessa
relação, pode afastar os profissionais da educação e as comunidades escolares
das discussões e construções de alternativas participativas, e coloca na mão dos
empresários a possibilidade de concretizar mudanças na educação.

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BRASIL. Decreto nº 6.094, de 24 abril de 2007. Dispõe sobre a implementação do Plano
de Metas Compromisso Todos pela Educação, pela União Federal, em regime de cola-

17
Farenzena (2012) defende que a política está consolidando o regime de colaboração entre os
entes federados no país.

69
BERNARDI, L. M. et al. • As relações do Estado com empresários nas políticas educacionais

boração com Municípios, Distrito Federal e Estados, e a participação das famílias e da


comunidade, mediante programas e ações de assistência técnica e financeira, visando
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70
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

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71
A educação infantil no Brasil:
direito de toda criança
ainda em construção

Maria Otilia Kroeff Susin


Monique Robain Montano

Introdução
O presente texto analisa a oferta da educação infantil por meio da parce-
ria público-privada no Brasil, evidenciando a flexibilização do sistema regulató-
rio que normatiza a educação, bem como a sua relação com os preceitos e reco-
mendações para os países parceiros e/ou signatários presentes nos documentos
de organismos internacionais. A partir daí, a análise dedica-se a apontar o quan-
to estes movimentos interferem no conteúdo da educação brasileira, cuja pro-
posta, até o presente momento, está alicerçada na democratização do acesso a
uma educação de qualidade, pública e gratuita a ser assegurada pelo poder pú-
blico a todo cidadão brasileiro de 0 (zero) até os 17 (dezessete) anos de idade.
A parceria público-privada para a oferta da educação infantil no país
conta com a atuação de múltiplos sujeitos, mas neste texto em particular va-
mos trabalhar com um destes sujeitos, o Banco Mundial, considerando a im-
portância e abrangência da sua atuação na educação em inúmeros países.
O conteúdo trabalhado neste documento faz parte de uma pesquisa de-
senvolvida pelo Núcleo de Estudos de Política e Gestão da Educação da Uni-
versidade Federal do Rio Grande do Sul/Brasil-Faculdade de Educação, cujo
objeto é analisar a relação público-privado que se dá por meio das “parcerias
entre sistemas públicos e instituições do terceiro setor e as suas consequências
para a democratização da educação no Brasil, Argentina, Inglaterra e Portu-
gal”, coordenada pela Drª Vera Maria Vidal Peroni.
A metodologia utilizada consiste na análise de documentos legais brasi-
leiros que envolvem a educação, com destaque para a educação infantil, pas-
sando por documentos de organismos internacionais dos quais o Brasil é par-
ceiro e/ou signatário, tendo como ponto de partida a trajetória de luta da edu-
cação infantil, que ainda hoje busca sua legitimação como política pública de
direito universal, assegurada pelo Estado brasileiro.

72
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Os caminhos da educação infantil no Brasil:


o ordenamento legal e a prática do conveniamento

O sistema educacional brasileiro está organizado por entes da Federa-


ção, que é composta por União, Estados e Municípios, os quais mantêm sua
independência enquanto entes federados, com responsabilidades específicas
emanadas da lei maior brasileira, a Constituição Federal do Brasil de 1988
(CF/88). No ordenamento legal, há previsão da existência de sistemas estadu-
ais e, por decorrência, sistemas municipais de ensino, todos vinculados a um
Sistema Nacional de Educação, ao qual compete emitir normas nacionais a
serem seguidas pelos demais sistemas, cuja competência normativa é comple-
mentar. De acordo com as leis brasileiras, fazem parte dos sistemas de ensino
das três esferas públicas, federal, estadual e municipal, as instituições públicas
e privadas de educação básica e superior, esta última de competência da União
e dos estados (quando se trata de instituições públicas estaduais), e os órgãos
federais, estaduais e municipais de educação.
No Brasil, por força da CF/88, a educação básica é direito de todo cida-
dão e deve ser ofertada pelo Estado a partir dos 0 anos até os 17 anos de idade.
Em 2009, foi aprovada emenda à Constituição Federal tornando a educação
básica a partir dos 4 anos de idade, portanto a partir da pré-escola, e até os 17
anos, direito público subjetivo1, a ser assegurado pelo poder público. No caso
da educação infantil, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional/LDBEN, de 20 de dezembro de 1996, a faixa etária dos 0 aos 3 anos
de idade corresponde à creche e a dos 4 aos 5 anos à pré-escola.
A CF/1988, no Artigo 208, define as competências dos diferentes entes
federados em relação à oferta da educação no Brasil. Os municípios são res-
ponsáveis pela educação infantil e, juntamente com os estados, também pelo
ensino fundamental, ambos de oferta pública. Este documento prevê a coexis-
tência de instituições privadas de educação com as mesmas responsabilidades
e direitos que as instituições públicas.
Fazendo coro com a Constituição Federal está o Estatuto da Criança e
do Adolescente/ECA (ECA/90), lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990,
que reforça o que já vinha sendo assegurado na CF/88 ao consagrar a criança
enquanto sujeito de direito e não mais sujeito de tutela, como o faziam as leis
anteriores, consignando direitos sociais a este público.

1
Direito que não pode ser questionado ou discutido e deve ser assegurado a todo cidadão brasi-
leiro. Neste caso, não se aplica o poder discricionário do gestor.

73
SUSIN, M. O. K.; MONTANO, M. R. • A educação infantil no Brasil

Enquanto a CF/88 e o ECA/90 asseguram o direito à educação infantil


a todas as crianças em creches e pré-escolas, a política de financiamento da
educação implementada pela Lei n.º 9.424, de 24 de dezembro de 1996, criou
o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério/FUNDEF, regulamentando o financiamento das
matrículas do ensino fundamental, mas deixou de fora a educação infantil, a
educação de jovens e adultos e o ensino médio. A insuficiência de recursos
destinados à educação compromete a expansão da educação infantil pelo viés
público, impulsionando seus caminhos para a parceria público-privada.
Passados dez anos, a evolução do financiamento da educação no Brasil,
com a Lei n.º 11.494, de 20 de junho de 2007, que regulamenta o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação/FUNDEB2, embora contemple toda a educação
básica e suas modalidades e, nesse caso, a educação infantil (e também o ensino
médio), traz no seu conteúdo perda para a garantia da oferta pública da educa-
ção infantil ao incluir no financiamento público da educação as matrículas ofer-
tadas pela parceria entre o poder público e as organizações da sociedade civil,
confessionais ou filantrópicas, ambas sem fins lucrativos. Mais uma vez, este
movimento na direção da sociedade civil redefine o papel do Estado em relação
à política pública de educação para a infância a partir do incentivo ao atendi-
mento privado, por meio de parceria, financiado com recursos públicos.
As leis que definem o financiamento da educação acima analisadas não
contemplam, no seu conteúdo, a ampliação das fontes de recursos para o fi-
nanciamento da educação e, nos dois casos, mantêm a lógica da repartição
dos recursos pelo número de alunos constantes do censo escolar do ano ante-
rior. O avanço para o financiamento da educação no Brasil, ampliando os
recursos, bem como contemplando indicadores que levem em conta os insu-
mos necessários para definir um custo aluno/qualidade3, constam na meta 20

2
Tanto o FUNDEF quanto o FUNDEB são fundos de abrangência estadual constituídos por
percentual de determinados impostos, definidos em lei, havendo variação do valor do custo
aluno por estado, o qual não pode ser inferior ao custo aluno mínimo definido nacionalmente.
Quando isso ocorre, há suplementação da União.
3
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, realizou estudos sobre os insumos a serem
considerados na definição do Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi) e o Custo Aluno Qualida-
de (CAQ) divulgados em seu site www.campanhaeducacao.org.br e matéria constante de suas
publicações, bem como o Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica CNE/
CEB aprofundou estudos e apresentou o CAQi no Parecer CNE/CEB nº 8/2010, aprovado em
5 de maio de 2010 que “Estabelece normas para aplicação do inciso IX do artigo 4º da Lei nº
9.394/96 (LDB), que trata dos padrões mínimos de qualidade de ensino para a Educação Bási-
ca pública”, ainda não homologado pelo Ministério de Educação do Brasil.

74
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

e estratégias 20.6 e 20.7 do Plano Nacional de Educação, recentemente insti-


tuído pela lei federal n.º 13.005/2014, de 25 de junho de 2014, que aprova o
Plano Nacional de Educação – PNE 2014/2024 e dá outras providências.
O Plano Nacional de Educação afirma ainda, na meta 1, o ano de 2016
como limite para a universalização da pré-escola no Brasil já prevista na Emenda
Constitucional n.º 59, de 11 de novembro de 2009. Nessa meta, está determi-
nado que todas as crianças de 4 a 5 anos e 11 meses estejam matriculadas em
pré-escolas até o ano de 2016 e 50% das crianças em creche até o ano de 2024.
Como uma das estratégias para o alcance dessa meta consta a articulação da
oferta de matrículas gratuitas em creches certificadas como entidades benefi-
centes de assistência social na área de educação, como uma possibilidade de
expansão da oferta de responsabilidade da rede escolar pública, passando esta
a ser vista como expansão da rede pública. Mais uma vez, evidencia-se o mo-
vimento da legislação brasileira em direção da institucionalização da parceria
público-privada na oferta da educação infantil. Esta prática está referendada
no conteúdo da estratégia 1.7 da referida meta: “articular a oferta de matrícu-
las gratuitas em creches certificadas como entidades beneficentes de assistên-
cia social na área de educação com a expansão da oferta na rede escolar pú-
blica” [grifo nosso].
Segundo Lizete Arelaro4, “o PNE e o FUNDEB incorporaram, para
todo sempre, a educação infantil reconceituada nesta complexidade que são
as leis brasileiras”. A reconceituação aqui referida diz respeito à parceria pú-
blico-privada para a oferta da educação infantil instituída pelas leis brasileiras,
já citadas neste texto.
Neste mesmo diapasão está a afirmação de Borghi, Adrião e Garcia
(2011) em pesquisa realizada em municípios do estado de São Paulo sobre a
aplicação de recursos do FUNDEB na educação privada, pois a sua criação
[...] deverá contribuir para a consolidação da tradição de convênios e parce-
rias entre o setor público e o privado na oferta de educação infantil, ainda
que tenha resgatado o conceito de educação básica como um direito, uma
vez que nele estão incluídas todas as etapas e modalidades de ensino (BOR-
GHI, ADRIÃO e GARCIA, 2011, p. 298).

Historicamente, a educação infantil no Brasil está alicerçada na parce-


ria público-privada, principalmente nos municípios com densidade populacio-
nal mais elevada, o que ocorre nas capitais de estados. Há, ainda, por parte de

4
Palestra proferida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS (Brasil/RS) em 02
de março de 2015.

75
SUSIN, M. O. K.; MONTANO, M. R. • A educação infantil no Brasil

alguns municípios, a prática da compra de vagas pelo poder público municipal


em escolas privadas, para atender crianças cujas famílias não encontram vagas
em escolas públicas.
Destacando ainda outras práticas presentes no processo de parceria pú-
blico-privada para a oferta da educação infantil, trazemos novamente a contri-
buição de Borghi, Adrião e Garcia (2011) em pesquisa sobre os convênios dos
municípios de São Paulo que possuem o Programa Bolsa Creche5, os quais
fazem uma opção clara pela ampliação da oferta de vagas em creches via
instituições privadas com fins lucrativos, evidenciando um novo arranjo ins-
titucional entre o público e o privado, que caminha no sentido da privatiza-
ção dessa etapa de ensino (BORGHI, ADRIÃO, GARCIA, 2011, p. 289).

A oferta da educação infantil obrigatória por instituições comunitárias


encontra respaldo no governo federal e é garantida por leis que incentivam
organizações não governamentais a se ocuparem de políticas públicas medi-
ante repasse de recursos públicos, como é o caso do Fundo da Educação Bási-
ca, referido anteriormente, e por meio de orientações oficiais como as “Orien-
tações sobre convênios entre secretarias municipais de educação e instituições
comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos para a oferta
de educação infantil” publicadas pelo Ministério de Educação/Secretaria de
Educação Básica em Brasília no ano de 2009.
O objetivo do referido documento é
[...] orientar secretarias e conselhos estaduais e municipais de educação nas
questões referentes ao atendimento de crianças de zero a seis anos de idade,
realizado por meio de convênio da Prefeitura/Secretaria Municipal de Edu-
cação com instituições privadas, sem fins lucrativos, comunitárias, filantró-
picas e confessionais (BRASIL, 2009, p. 9).

Este é um exemplo típico da institucionalização da oferta público-pri-


vada da educação infantil que, paulatinamente, vai concretizando a redefini-
ção do papel do Estado na oferta pública de educação para a infância, repas-
sando-a para a sociedade civil. Segundo Montaño (2002), analisando a atua-
ção do Terceiro Setor nas questões sociais, o que se deve considerar é a
[...] alteração de um padrão de resposta social à ‘questão social’ (típica do
Welfare State), com a desresponsabilização do Estado, a desoneração do
capital e a autorresponsabilização do cidadão e da comunidade local para

5
O Programa Bolsa Creche foi criado pelo município de São Paulo, capital do estado de mesmo
nome, e se constitui em auxílio para mães que não conseguem vagas para os seus filhos em
creches públicas municipais. Para participar do referido programa é necessário estar cadastra-
da junto à Prefeitura Municipal. Este programa existe em outros municípios do estado de São
Paulo, além da capital.

76
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

esta função (típica do modelo neoliberal ou funcional a ele) (MONTAÑO,


2002, p. 185).

A prática da parceria, além de responsabilizar a sociedade civil pelo


atendimento de suas demandas, ainda despolitiza os conflitos entre Estado e
sociedade, que agora passa a ser parceira do Estado. É a sociedade civil que,
por meio de organizações, sociais passa a ofertar educação infantil a baixo
custo, atendendo uma demanda de responsabilidade do Estado, sem assegurar
a qualidade exigida pelas normatizações nacionais e locais e sem assegurar
direito, uma vez que essa oferta não é gratuita, como detalharemos adiante.
A possibilidade do rebaixamento do custo aluno com consequências
para a qualidade da educação infantil ofertada por instituições conveniadas
com o poder público está alicerçada em práticas que barateiam o custo opera-
cional, como a contratação de profissionais não habilitados, ou, quando habi-
litados, a sua contratação como técnicos de educação, cujos salários são infe-
riores ao dos professores. Há ainda a precariedade dos espaços físicos e dos
materiais pedagógicos, bem como das ações desenvolvidas com as crianças,
que, na maioria das vezes, ficam confinadas às salas de atividades e muito
tempo expostas a programas de televisão.6

As recomendações internacionais para a educação no Brasil:


documentos do Banco Mundial
Aqui estamos enfocando a participação dos organismos multilaterais
na educação brasileira, com destaque para o Banco Mundial, o qual desempe-
nha importante papel na educação e serve de paradigma para a ONU (Organi-
zação das Nações Unidas), o UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a
Infância) e a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação,
Ciência e Cultura), influenciando as políticas públicas de educação.
Em documento emitido no ano de 2011 intitulado “Programas para a
Geração Mais Importante do Brasil”7, o Banco Mundial/BM destaca a capa-
cidade da “alavancagem de agentes não públicos” na expansão da educação
infantil. Afirma que as instituições privadas prestam “‘cuidados’ de qualidade
superior e ‘educação’ a custo igual ou inferior” ao custo público, sendo a par-
ceria público/privada uma possibilidade a ser considerada pelos municípios
como uma modalidade de expansão (BANCO MUNDIAL, 2011, p. 69).

6
Sobre esta matéria ver Susin, 2009, em tese de doutorado intitulada “A qualidade da educação
infantil em Porto Alegre: estudo de caso em quatro creches conveniadas”.
7
O Relatório trata de um levantamento sobre a qualidade da educação infantil do Brasil.

77
SUSIN, M. O. K.; MONTANO, M. R. • A educação infantil no Brasil

Há que se destacar que a qualidade das instituições privadas convenia-


das, em muitos casos, não supera a qualidade da educação pública8 e ainda
que a dicotomia entre cuidado e educação já está superada nas teorias que
orientam a educação tanto infantil como fundamental e média no Brasil, pois
cuidado e educação são indissociáveis na ação pedagógica desenvolvida no
processo educativo escolar. Para o grupo executivo do Banco Mundial, “Além
do modelo conveniado, a expansão de parcerias público-privadas pode com-
pensar alguns dos impactos orçamentários de ampliação da cobertura e me-
lhoria da qualidade da Educação Infantil no Brasil” (ibid., p. 69).
Recorrendo a informações referentes a programas que envolvem outras
áreas como assistência e saúde juntamente com a educação, como é o caso do
Programa Primeira Infância Melhor (visitação às famílias por agentes de saú-
de ou da assistência, com periodicidade semanal), o Banco Mundial, pelos
resultados obtidos, considera
muito provável que essas melhorias superem os benefícios de oferecer aten-
dimento de menor qualidade em creches a todas as crianças que buscam
uma vaga. Desse modo, atender a toda a demanda reprimida – em detri-
mento da qualidade da creche – pode ser um mau investimento (BANCO
MUNDIAL, 2011, p. 59).

Mais uma vez, o BM incentiva a oferta de programas alternativos em


substituição à educação, naturalizando a impossibilidade de atendimento dos
direitos das crianças pequenas pela falta de aporte de recursos em políticas
sociais, como se fossem estas as causadoras dos problemas econômicos do
Brasil.
Corroborando a oferta da educação infantil em espaços não institucio-
nais de educação está outro documento do Banco Mundial/BM, “Aprendiza-
gem para Todos. Investir nos Conhecimentos e Competências das Pessoas para
Promover o Desenvolvimento. Estratégia 2020 para a Educação do Grupo
Banco Mundial” ao afirmar que a centralidade não é a escolaridade, mas a
aprendizagem para todos, pois “[...] as pessoas aprendem dentro e fora da
escola, desde o jardim-escola até o mercado de trabalho”. Esta estratégia de-
fende a concepção de sistema de ensino que envolve não somente os espaços
institucionalizados responsáveis pela educação, mas a sociedade civil e o mundo
do trabalho (BM, s.d., p. 1). Desta forma, confundem-se, numa mesma con-
ceituação, processos formativos mais amplos próprios da família, da socieda-
de civil e do trabalho com a educação escolar que se desenvolve em espaços

8
Neste caso, ver Susin, 2009.

78
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

institucionalizados e ocupados pela instituição escola, uma vez que o objetivo


global do BM neste documento orientador dos “países clientes” não é só “a
escolaridade, mas a aprendizagem”. O Grupo do Banco Mundial têm como
estratégia e prioridades-chave para a educação a criação de oportunidades de
crescimento aos pobres e vulneráveis, promovendo ações coletivas globais e
reforçando a governação. Esta justificativa da focalização em grupos vulnerá-
veis da sociedade deixa de lado a visão do direito ao propor uma educação
mais focalizada nas populações carentes, que passam a aceitar a educação
possível, o que desresponsabiliza o Estado da oferta de educação pública e de
qualidade para todos.
O Banco Mundial, ao dialogar com os países parceiros, estimula a for-
mação de uma cultura nacional na qual os sistemas de ensino desempenhem
papel fundamental na capacitação de pessoas para desenvolver potencialida-
des humanas, como: habilidades da força de trabalho para o crescimento eco-
nômico sustentado; a contribuição para a redução da pobreza e desigualdade
por meio da educação; a transformação de gastos com educação em resulta-
dos educacionais, desconsiderando a pobreza e as desigualdades sociais como
estruturantes de uma sociedade capitalista de classes.
A concepção de sistema de ensino constante em documentos do BM se
diferencia da concepção das leis brasileiras quando responsabiliza a sociedade
civil por este processo, o que possibilita e reforça práticas de parceria, a partir
do momento em que trabalha com a flexibilização de políticas e dos
mecanis-mos de responsabilização dos sistemas de educação.
Fazem parte das alavancas do reforço dos sistemas educacionais dos
países clientes do BM estratégias relativas ao:
Conhecimento- Ferramentas de avaliação e comparação do sistema- Avaliação
da aprendizagem- Avaliação e pesquisa sobre o impacto
Apoio Técnico e Financeiro- Apoio técnico para fortalecer o sistema- Financia-
mento orientado para os resultados- Abordagem multissetorial
Parcerias Estratégicas (Agências da ONU, comunidade de doadores, organiza-
ções da sociedade civil) (BM, s.d.).

O Banco Mundial defende uma educação utilitarista com vistas a res-


ponder a um mercado de trabalho e adverte que irá concentrar cada vez mais a
sua ajuda financeira e técnica em reformas dos sistemas que promovam os
resultados da aprendizagem, ou seja, somente receberão ajuda os países par-
ceiros que se alinharem às suas recomendações.
O Relatório do Banco Mundial “Educação Infantil: Programas para a
Geração Mais Importante do Brasil”, já citado anteriormente, apresenta posi-
cionamento a partir da análise que faz de constatações ou “fatos” relativos à

79
SUSIN, M. O. K.; MONTANO, M. R. • A educação infantil no Brasil

política de educação e aponta ações que considera mais adequadas para o cum-
primento da universalização da pré-escola.
Na apresentação dos fatos, o relatório afirma que a oferta da educação
infantil tem impacto positivo ou negativo: de curto prazo para o desenvolvi-
mento cognitivo; de médio prazo para os níveis de aprendizado, apresentado
pelo resultado das avaliações externas, e de longo prazo para os índices de
escolaridade e renda, assinalando que o maior impacto positivo ocorre para as
crianças de famílias pobres. O documento pauta suas análises a partir da reso-
lução de problemas sociais tendo como parâmetro o crescimento econômico e
não o direito à educação, e considera a intervenção (oferta) como investimen-
to que, na educação infantil, traz impactos positivos contínuos sobre as crian-
ças, com benefícios que superam em muito os gastos realizados inicialmente,
com a adição de programas de outras áreas com baixo custo.
Na análise da implicação da política, o mesmo texto afirma alguns pon-
tos que merecem destaque, como, por exemplo, a questão de investimento estra-
tégico em educação infantil: “O Brasil terá que investir estrategicamente em
educação infantil e usar outros modelos criativos para atingir as crianças”, ad-
vogando o atendimento para crianças muito pequenas por centros de educação
infantil (espaços que acolhem crianças de 0 a 3 anos) para áreas de menor densi-
dade populacional, a fim de que estas não preencham vagas de creche ou pré-
escola que exigiriam um grande deslocamento para o acesso, e registra:
Programas como o do Estado do Acre, Asas da Florestania Infantil (para
pré-escola), ou o Primeira Infância Melhor (para crianças ainda menores),
no Rio Grande do Sul, servem como modelo para potenciais alternativas de
disseminação. Além de fornecer estímulo para crianças, eles dão treinamen-
to para os pais, reforçando os benefícios da atenção fora do ambiente esco-
lar (BANCO MUNDIAL, s.d., fl. xvi).

O deslocamento de crianças pequenas para a escola representa outro


problema a ser enfrentado quando do cumprimento do direito à oferta de edu-
cação para crianças de 0 a 5 anos, considerando a prática da nucleação (agru-
pamento) de escolas em um único espaço geográfico.
Em que pese o caráter compensatório que representa a oferta de progra-
mas assistenciais para famílias de baixa renda, como forma de proporcionar
condições para a sua inserção na sociedade, esse não é o caso da política de
educação, direito do cidadão e das suas famílias, que não pode ser substituído por
programas eventuais, conforme prevê o BM nas suas afirmações acima. A educa-
ção pública, gratuita, laica e de qualidade é direito que deve ser assegurado.
Dentre outras questões apresentadas no documento em pauta, desta-
cam-se a avaliação dos professores como motivadora para a interação com as

80
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

crianças e o uso de livros e guias para os professores da educação infantil.


Aqui se destaca a interferência de materiais didáticos padronizados que deter-
minam a ação dos professores no trabalho com o conhecimento, pois os con-
teúdos são preestabelecidos e universais. Em um país como o Brasil, cuja di-
versidade cultural e populacional não permite padronização, corremos o risco
de desqualificar a proposta de educação e negar a cultura das diferentes regiões,
tornando o trabalho pedagógico estranho ao aluno e à sua realidade.
Concordamos com a crítica feita por Corrêa, em pesquisa realizada em
2012 sobre o uso de livros e guias para os professores da educação infantil que
detalham, de modo padronizado, as ações a serem desenvolvidas com as crian-
ças, pois tanto a CF/1988 como a LDBEN/96 apontam para uma educação
gestada de forma democrática e coletiva, o que não inclui “receituário” defi-
nindo “o que” e “como” o professor deve trabalhar a educação infantil. Desta-
ca ainda Corrêa, que o MEC, em seus documentos, faz referência à qualidade
e diz a quem compete a sua definição:
[...] Tanto a Constituição Federal de 1988, assim como a Lei 9394/96 que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional apontam para uma
educação gestada democraticamente em um processo construído coletiva-
mente. Os educadores têm historicamente lutado pela democratização da
educação pública e suas demandas, a partir de muita luta, foram parcial-
mente incorporadas ao corpo de algumas legislações educacionais.
Também o MEC disponibiliza em seus documentos apontadores à qualida-
de gestada democraticamente [...] [afirmando] “quem pode definir bem esse
conceito de qualidade na escola e ajudar nas orientações gerais sobre essa
qualidade, de acordo com os contextos socioculturais locais, é a própria
comunidade escolar” (CORRÊA, 2012, p. 20) [grifos do original].

Ainda sobre sistemas apostilados adquiridos por gestores municipais


para as escolas públicas, afirmam os autores Adrião, Damaso e Gazerano
(2013), em pesquisa realizada com professores de educação infantil no estado
de São Paulo/Brasil,
Em se tratando da educação infantil, a adoção dos sistemas privados de
ensino, além de acentuar a não autoria do professor sobre o seu trabalho, ao
se pautar na padronização das atividades, rotinas e conteúdos, pouco dialo-
gam [sic] (quando o fazem) com expectativas e necessidades dos grupos
específicos de crianças pequenas (ADRIÃO; DAMASO: GAZERANO, 2013,
p. 456).

Além da padronização do método e material, a adoção de apostilamen-


to rompe com a proposta de processo coletivo de educação pública pensada a
partir das questões sociais colocadas para a escola e presentes nas diferenças
sociais impostas pelo modelo econômico estabelecido.

81
SUSIN, M. O. K.; MONTANO, M. R. • A educação infantil no Brasil

O BM, fiel aos seus preceitos, centra o alcance da qualidade da educação


para a infância na avaliação do professor, citando como fonte para essa afirma-
ção as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil, normativa emiti-
da pelo Conselho Nacional de Educação do Brasil que concebe a avaliação como
“[...] instrumento de reflexão sobre a prática pedagógica na busca de melhores
caminhos para orientar as aprendizagens das crianças” (Parecer CNE/CEB, N.º
20/2009, p. 16). No entanto, a normativa nacional brasileira apresenta a avalia-
ção como instrumento para repensar a prática do professor ao longo do proces-
so, diferentemente da avaliação centrada no desempenho do professor.
Por fim cabe destaque ao seguinte tópico: “Parcerias fora do setor públi-
co podem oferecer recursos significativos para expandir os serviços de desen-
volvimento da primeira infância, melhorar sua qualidade e inovar para alcan-
çar as populações mais carentes.” Aqui o BM destaca a capacidade do setor
privado em ofertar o atendimento às crianças.
Os dados mais recentes mostram que mais de um terço das vagas em creches
são fornecidas pelo setor privado: 29% totalmente privado e 14% convenia-
do (ou contratado pelo governo). Da mesma forma, no nível pré-escolar, um
quarto da provisão vem do setor privado: 19% totalmente privado e 5% con-
veniado. O número de centros contratados pelo governo está crescendo ra-
pidamente, com centenas de instituições infantis contratadas a cada ano. O
aumento da oferta indica uma capacidade significativa do setor privado para
complementar os esforços do setor público na prestação de serviços para a
primeira infância (BANCO MUNDIAL, s.d., fl. xix).

Conforme pesquisa de Susin (2009) em tese de doutorado, que desen-


volveu um estudo de caso em quatro creches comunitárias conveniadas com o
poder público municipal em Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do
Sul, a educação infantil ofertada nos espaços conveniados não é gratuita, pois
os mesmos, ao afirmarem que os gastos com a oferta de educação não são
cobertos pelos repasses oriundos do conveniamento, solicitam às famílias uma
contribuição mensal em dinheiro intitulada “espontânea”. Além dessa, há tam-
bém a contribuição com gêneros alimentícios ou a participação dos pais nos
mais diferentes serviços de manutenção do espaço, que vai desde a pintura até
a limpeza de jardim ou pátio, e suporte de trabalho para o funcionamento
diário das instituições, como limpeza, auxílio na cozinha e até mesmo no
manejo com as crianças.
Há que se destacar ainda, com base na mesma pesquisa, as condições
socioeconômicas em que vivem as famílias da periferia da cidade que são o
público-alvo desta oferta:
As condições diferenciadas nas quais se incluem os sujeitos da educação
infantil comunitária permitem evidenciar diferenças na qualidade da educa-

82
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

ção que ali se constrói, onde as instituições mais aquinhoadas [...] que con-
tam com mais recursos oferecem melhores condições de qualidade e as co-
munidades mais carentes [...] serão as mais prejudicadas nesta relação desi-
gual com a qualidade a que estão submetidas. A disparidade entre as insti-
tuições faz com que se perca de vista o paradigma da igualdade do direito de
todo cidadão a uma educação de qualidade, assegurada por princípio cons-
titucional (SUSIN, 2009, p. 268).

Outros fatores que importam para a qualificação da oferta e democratiza-


ção da educação são observados nas instituições conveniadas de educação infan-
til, como é o caso da precarização dos salários dos profissionais, presente na des-
valorização da remuneração dos professores, já referida anteriormente, o que não
acontece com os salários de outros profissionais de apoio, como secretária de es-
cola e motorista, cuja justificativa é o tempo de serviço, e não a formação, o que
evidencia a falta de critérios para a admissão e pagamento dos profissionais.
Os valores salariais pagos aos professores e aos demais funcionários dos
espaços conveniados, consideradas as exigências de habilitação e formação
continuada dos professores, apresentam distorção significativa, pois nestas
instituições o salário dos profissionais de serviços gerais de limpeza e da
cozinha é superior ao das educadoras (SUSIN, 2009, p. 283).

Ainda sobre a democratização da gestão destes espaços, a pesquisa em pau-


ta evidenciou a ausência da participação das famílias na tomada de decisões, o
que legitima a atuação isolada das direções das instituições comunitárias, que de-
cidem inclusive os critérios para o ingresso das crianças, comprometendo o pro-
cesso democrático da decisão coletiva, bem como o da garantia do direito à esco-
la, pois, neste caso, os critérios elencados têm por base a exclusão, na medida em
que acolhem uns em detrimento de outros que ficarão fora da escola.
Necessário se faz, ainda, trazer para análise neste texto o “Relatório Nº
22841-BR, Brasil Desenvolvimento da Primeira Infância: Foco sobre o Impac-
to da Pré-Escola”, versão setembro de 2001, que tem como enfoque a pré-
escola e o desenvolvimento da primeira infância, com vistas a identificar situa-
ções para a melhoria dos grupos mais pobres da população. Por deficiência de
dados sobre as crianças em idade de creche (0 a 3 anos), o referido estudo está
voltado para a pré-escola, e quando os dados o permitem, a análise contempla
creches e outros serviços para estas crianças.
O termo “Desenvolvimento da Primeira Infância/DPI” refere-se a ser-
viços prestados a crianças de 0 a 6 anos de idade relativos ao seu crescimento
físico e intelectual, incluindo entre eles os serviços não formais prestados em
creches e pré-escolas, que não se destinam somente à educação, mas também à
saúde e nutrição, não aprofundando a análise destes serviços, mas consideran-
do que estas intervenções são “[...] importantes no início da vida [e] são vistas

83
SUSIN, M. O. K.; MONTANO, M. R. • A educação infantil no Brasil

como pequenos investimentos que geram altos retornos no bem-estar físico,


mental e econômico durante a vida da criança e do adulto” (BANCO MUN-
DIAL, 2001, viii). O relatório afirma ainda que “Os programas não formais
são importantes exemplos de alternativas de baixo custo às pré-escolas pú-
blicas formais” (ibid.) [grifo nosso].
A justificativa do BM para o atendimento informal na EI está presente
no capítulo IV, “Políticas e Programas de Educação da Primeira Infância”, e
destaca que a política atual de educação, “[...] apesar de ter ambiciosas metas
para a educação da primeira infância a longo prazo dá maior prioridade à
melhoria do acesso, eficiência e qualidade do sistema de educação básica, co-
meçando com a primeira série”. Ao afirmar a insuficiência de recursos do
governo, justifica “[...] a viabilidade do exame do papel de sistemas informais
alternativos e de sistemas de ONGs que podem ajudar a fortalecer, ou que
podem até mesmo agir como substitutos para as creches e pré-escolas tradi-
cionais” (BANCO MUNDIAL, 2001, p. 30) [grifo nosso].
O Relatório mais uma vez reforça a tônica dos documentos do BM ao
afirmar que, em muitos países, existem programas formais e não formais de
educação infantil, e destaca:
De formato flexível e de administração mais barata que o jardim de infân-
cia formal, os programas informais podem trazer múltiplos benefícios. Se
usados para melhorar as habilidades das mães, eles podem beneficiar, além
da criança que visam, os parentes mais jovens (BANCO MUNDIAL, 2001,
p. 31) [grifo nosso].

Estes programas focalizados são destinados a crianças cujas famílias


são de baixa renda e têm diferentes formatos, como “[...] programas de cre-
ches em casa, jardins de infância comunitários dirigidos por mães ou lições
pelo rádio. Os programas informais são geralmente gerenciados por profissio-
nais treinados, com assistência das mães participantes” (ibid., p. 32).
Substituir a educação institucional realizada em escolas por programas
não formais de educação têm vantagens que vêm em detrimento da qualidade.
Estes são desenvolvidos por profissionais não habilitados para atuar em edu-
cação, cuja remuneração não condiz com a dos profissionais da área, o que
vem a baratear o custo da oferta.
A educação infantil no Brasil, país cliente do Banco Mundial, já vem
recebendo alterações dos marcos legais, como é o caso da LDBEN9, referentes

9
Lei Federal n.º 12.796, de 04 de abril de 2013, que altera a Lei n.º 9394, de 20 de dezembro de
1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.

84
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

ao currículo desta etapa da educação básica, que, nos moldes das demais eta-
pas, terá uma base nacional comum e uma parte diversificada, bem como a
avaliação com acompanhamento e registro do desenvolvimento da criança sem
objetivo de promoção, já existente anteriormente a esta alteração da lei. A
mudança neste aspecto diz respeito ao registro dessa avaliação em documento
que ateste os processos de desenvolvimento da criança, muito nos moldes das
estratégias do BM, cuja avaliação de viés meritocrático deve atestar o resulta-
do final do processo para garantir o alcance da relação custo-benefício tam-
bém na educação. Não esqueçamos que os dois eixos do documento em pauta
são a flexibilização do ordenamento jurídico dos sistemas e a avaliação.
Ao referenciar a questão da qualidade, o documento afirma:
O Governo Federal deve incentivar fortes sistemas de monitoramento muni-
cipais para garantir que as instituições de Educação Infantil sejam responsá-
veis por seus resultados, introduzir uma ferramenta padrão de observação e
fornecer diretrizes de licenciamento para padrões mínimos de qualidade aos
quais os municípios possam se adaptar (BANCO MUNDIAL, 2001, fl. xviii).

O documento aponta que, para além dos padrões mínimos de qualida-


de, já estabelecidos pelo MEC, deverá ser determinado
um nível adicional de diretrizes de licenciamento, que será aplicado a rela-
ções aluno-professores e às qualificações do professor. Os municípios po-
dem melhorar a qualidade por meio da introdução de ferramentas padroni-
zadas de observação, tais como os instrumentos ITERS-R10 e ECERS-R11 –
entre outros – que permitem um monitoramento regular e sistemático da
qualidade das atividades e da estrutura do programa (ibid., fl. xviii).

Para o BM, a publicização destes dados, já adotada em sistemas inter-


nacionais, serviria para que os pais fizessem a escolha dos melhores centros
para matricular seus filhos, assim como forneceria aos gestores elementos para
verificação do desempenho da educação, a fim de intervir na política educacio-
nal, melhorando a qualidade dos “centros de qualidade precária”.
Por fim, reforçamos que os documentos internacionais aqui analisados
estão a alterar o conteúdo da educação brasileira e suas bases democráticas
alcançadas até então. Estas constatações nos levam a afirmar as influências
sofridas pela educação infantil na sua materialização como política pública
que cada vez mais encontra dificuldade em se afirmar enquanto direito de
todas as crianças pequenas brasileiras.

10
Infant-Toddler Environment Rating Scale (Escala de Avaliação do Ambiente de Creche).
11
Early Childhood Environment Rating Scale-Revised (Escala de Avaliação do Ambiente de
Educação Infantil).

85
SUSIN, M. O. K.; MONTANO, M. R. • A educação infantil no Brasil

Considerações finais
O estudo feito até o presente momento, a partir dos documentos legais
nacionais e internacionais que pautam a educação infantil no Brasil, permite-
nos afirmar que o caminho indicado e praticado na educação infantil está a
consagrar, como política de atendimento para esta faixa etária, a parceria do
poder público com a sociedade civil, proporcionando o afastamento do Esta-
do na operacionalização desta política, mas mantendo-o como regulador. Esta
regulação, presente na atual legislação brasileira, está a referendar as reco-
mendações dos organismos multilaterias dos quais o Brasil é parceiro, com
destaque para a atuação do Banco Mundial, o qual exerce importante papel
nos rumos da educação mundial, influenciando sobremaneira as políticas de
educação no Brasil.
No processo de regulação, a atuação do Estado se faz por meio da emis-
são de leis e orientações que dão seguimento às recomendações e às sugestões
que envolvem a participação da iniciativa privada, não só pela “sua eficiên-
cia”, mas também pela “redução dos custos”, frente à atuação pública, numa
propalada eficiência e eficácia que nem sempre assegura o direito a todos e
todas. A tomada de decisões do Estado no processo de regulação da educação
é influenciada ainda pelos parceiros econômicos privados e filantrópicos que
atuam ativamente na definição das políticas educacionais brasileiras.
A flexibilização dos sistemas de ensino e a atuação de parceiros em pro-
gramas ofertados por outros espaços que não os espaços institucionais de edu-
cação infantil não podem ser aceitas como substitutos desta, mas como mais
uma oportunidade para o envolvimento das crianças e das famílias em ativida-
des sociais ou assistenciais complementares à educação, esta última direito de
todos os brasileiros e brasileiras. Somente políticas públicas que efetivem di-
reitos constitucionalmente assegurados podem ser aceitas como práticas de
responsabilização do Estado na garantia dos direitos dos cidadãos.
É por meio do poder público que será assegurada educação de qualida-
de para todas as crianças numa sociedade capitalista e desigual como a brasi-
leira, pois não há igualdade de direitos em uma sociedade de classes. O que
estamos afirmando é a efetivação do direito à educação enquanto direito pú-
blico inalienável e urgente, pois a educação na infância, se descuidada, não
pode mais ser resgatada e passará a ser uma dívida que nunca será paga.

86
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Referências
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do Brasil. Documento do Banco Mundial. São Paulo, 2011.
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Escritório Regional do Caribe. Documento do Banco Mundial. 21 de dezembro de
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tenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, na
forma prevista no art. 60, § 7º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e
dá outras providências. Presidência da República, Casa Civil, 1996.
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cação – FUNDEB, de que trata o art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Tran-
sitórias; altera a Lei no 10.195, de 14 de fevereiro de 2001; revoga dispositivos das Leis
nos 9.424, de 24 de dezembro de 1996, 10.880, de 9 de junho de 2004, e 10.845, de 5 de
março de 2004; e dá outras providências. Presidência da República, Casa Civil, 2007.
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ção – PNE e dá outras providências. Presidência da República, Casa Civil, 2014.
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88
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Ensino Médio no Brasil e a


proposta educacional do Instituto Unibanco:
considerações sobre a mercantilização
da educação pública

Maria Raquel Caetano


Vera Maria Vidal Peroni

Introdução
O artigo tem como objetivo analisar como o setor privado interfere no
público, através da parceria entre o Instituto Unibanco e escolas de ensino
médio no Brasil. Neste caso, entendemos que a propriedade permanece públi-
ca, mas a instituição privada interfere no conteúdo da educação, através da
gestão por resultados, trazendo uma lógica empresarial individualista e com-
petitiva, em detrimento de princípios focados no processo de construção de
valores democráticos. Abordaremos também como se dá a influência dos su-
jeitos que participam do Conselho de Governança do Instituto e suas redes de
relações. O enfoque teórico-metodológico para a análise de redes parte da con-
cepção de que o Estado e a sociedade civil são entendidos como relação e
processo em um movimento de sujeitos em correlação de forças de classes
sociais e projetos societários distintos. Neste sentido, as redes são analisadas
como sujeitos em relação com objetivo de classe1 (PERONI, 2013).
Nesse artigo, analisamos como a lógica mercantil tem participado ati-
vamente da direção e execução das políticas sociais e como a presença desses
sujeitos passa a influenciar fortemente essas políticas, deixando as responsabi-
lidades ficarem cada vez mais diluídas na materialização dos direitos, nesse
caso a educação.
Ressaltamos que o Ensino Médio foi ampliado nas últimas décadas, e
essa ampliação ocorreu na esfera pública. Das matriculas totais do ensino mé-
dio no Brasil, conforme o IBGE em 2014, 86,75% estão nas escolas públicas e

1
Relação, processo e classe social na perspectiva de Thompson (1981).

89
CAETANO, M. R.; PERONI, V. M. V. • Ensino Médio no Brasil e a proposta educacional do Instituto Unibanco

apenas 13,25% na rede privada. Com a introdução de programas privados com


a lógica mercantil, houve um processo de privatização do conteúdo da educa-
ção. Apresentaremos um exemplo de como este processo está se materializando
através da parceria do Instituto Unibanco com escolas públicas de ensino médio.
Como vivemos uma ditadura recente, a luta pela democratização da
escola pública é que ela seja cada vez mais democrática, um espaço de correla-
ção de forças, em que as decisões sejam definidas coletivamente.
O artigo está organizado em quatro seções: 1) Mudanças no papel do
Estado e a relação público-privado na educação, em que apresentamos as trans-
formações na gestão pública, a atuação do Estado e as alterações no público
sob a influência da lógica mercantil na educação; 2) Instituto Unibanco, Ensi-
no Médio Inovador e o Programa Jovem de Futuro: o conteúdo da proposta
educacional em que evidenciamos o Programa Ensino Médio Inovador, o Pro-
grama Jovem de Futuro e os pressupostos educacionais que vêm alterando o
conteúdo da proposta no ensino médio, através da direção e execução de pro-
gramas e ações para a educação e a escola; 3) Os sujeitos e as redes de relações
do Instituto Unibanco, abordando as parcerias estabelecidas com sujeitos in-
dividuais e/ou coletivos e o Conselho de Governança do Instituto. Por fim,
fazemos considerações a respeito das relações público-privado e como uma
instituição privada como o Instituto Unibanco altera a lógica da educação
pública, trazendo consequências para a democratização da educação pública.

Mudanças no papel do Estado e a relação


público-privado na educação
O Estado vem redefinindo seu papel para com a educação pública, re-
passando, parte de sua função, por opção política, para o Terceiro Setor ou o
mercado já que o Estado apresenta limites, à medida que amplia a oferta de
educação básica à população.
Partindo dessa premissa, avançam as formas de privatização que vêm
alterando a maneira como a educação é planejada, organizada, gerida e execu-
tada e como o currículo é definido (CAETANO, 2015a). Também alteram a
forma como o desempenho dos alunos é avaliado.
As tendências à privatização estão tendo maior ou menor influência
nos diferentes países e se concretizam de diferentes formas nos sistemas de
educação pública, redefinindo as funções do Estado.
No Brasil, o Plano Diretor da Reforma do Estado (PDRE) instituiu a
administração pública gerencial (1994-2001), com continuidades e aprofunda-
mentos na gestão do presidente Lula da Silva (2003-2010) até os dias atuais. A

90
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

lógica gerencial vem alterando as fronteiras entre o público e o privado, forman-


do quase mercados (SOUZA; OLIVEIRA, 2003; PERONI, 2014). Ao exami-
nar o quase mercado na educação básica, verificamos que a ‘lógica do merca-
do’, que antes era limitada, passa agora a constituir-se num ‘mercado em ascen-
são’ em nível global com a introdução de mecanismos mercantis no interior da
gestão da educação pública, sem alterar a propriedade das mesmas. A escola
continua pública, mas a gestão, a proposta educacional, a formação de professo-
res, o currículo passam a ser conduzidas segundo a esfera privada/mercantil.
As experiências introduzidas nas reformas do Estado pela “New Public
Management” (NPM) representaram uma múltipla e diversificada experiência
teórica e aplicada, com variadas ênfases e formatos, redefinindo a gestão nos
Estados. Esta forma de gestão é marcada, predominantemente, por conceitos
comuns, como valorização das funções gerenciais na administração pública,
controle de resultados, autonomia de gestão, responsabilidade individual na
prestação de serviços públicos baseados em metas de desempenho, desenvol-
vimento de instrumentos que visam à eficiência e à eficácia na gestão, avalia-
ção dos programas e medidas de incentivos aos administradores para melho-
rar a gestão.
A reforma gerencial do Estado brasileiro, com desdobramentos até os
dias atuais, instaurou uma transformação cultural em relação aos princípios e
valores que deveriam reger o processo público administrativo, fortalecendo o
controle do desempenho, a avaliação, os resultados, a eficiência, o rendimen-
to, etc. Nesse sentido, constituiu-se no Estado brasileiro, sobretudo após a ins-
tauração desse modelo, um processo de valorização da racionalidade econô-
mica própria da iniciativa privada na condução dos negócios públicos, redefi-
nindo o papel do Estado: de Estado executor ao Estado regulador/avaliador
(AFONSO, 1998; SOUZA, 2003).
Um dos pontos que altera a lógica de gestão do público está na forma de
controle, que deixa de basear-se nos processos para concentrar-se nos resulta-
dos e que, no contexto da educação, gera mudanças na condução das políticas
educacionais e na escola.
O modelo gerencial possibilita que o Estado crie condições para o au-
mento dos investimentos privados na educação pública. As diferentes mani-
festações da privatização da educação pública através das parcerias público-
privadas2 se tornam uma prática de gestão adotada pelos sistemas públicos

2
No Brasil, o governo Lula formulou e promulgou a Lei de Parcerias Público-Privadas (PPPs, Lei
No 11.079, de 30 de dezembro de 2004), alterada no governo Dilma pela Lei 12.766/2012, que se
expandiu na esteira do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) e também na educação.

91
CAETANO, M. R.; PERONI, V. M. V. • Ensino Médio no Brasil e a proposta educacional do Instituto Unibanco

para imprimir uma suposta qualidade à educação sob a ótica dos resultados.
Para isso, utilizam-se diversas estratégias, entre elas os contratos de gestão,
termos de cooperação, PPPs, que formam quase mercados, onde a proprieda-
de permanece pública, mas o conteúdo da gestão é privado.
Uma das formas de viabilizar essas parcerias é expressa por Anthony
Giddens (2001, p. 105) quando afirma que “os incentivos fiscais podem ser
mesclados com outras formas de regulamentação. Os incentivos positivos à
filantropia, por exemplo, podem ter um papel tão significativo quanto o dos
impostos na transmissão direta de riqueza”.
O Estado cria ordenamentos políticos e jurídicos que favorecem tanto o
envolvimento da sociedade civil quanto a privatização de setores estratégicos,
estimulando e expandindo o setor privado. Isso ocorre, por exemplo, através
da renúncia fiscal, do repasse de dinheiro público por convênios, parcerias ou
outras formas de favorecimento a essas instituições. Para o autor,
um clima positivo para a independência do empresariado e a iniciativa deve
ser alimentado. Mercados flexíveis são essenciais para que se reaja com efi-
cácia à mudança tecnológica. A expansão das empresas não deve ser obstru-
ída por demasiados regulamentos e restrições (GIDDENS, 2001, p. 16).

Esse ideário atua na formação de uma nova cultura, “baseada na perda


da centralidade da luta de classes e na mercantilização da vida social” (LIMA,
2007, p. 91), na qual a educação é considerada a principal estratégia política
de conformação dos indivíduos à ordem do capital (ibid.). Articula capacida-
de individual e igualdade de oportunidades com responsabilidade e solidarie-
dade social, na qual defende a humanização ou reforma do capitalismo.
Na perspectiva de Giddens (2001), a principal força no desenvolvimen-
to de capital humano obviamente deve ser a educação. É o principal investi-
mento público que deve estimular a eficiência econômica e a coesão cívica
(ibid., p. 78). A educação precisa ser redefinida de forma a se concentrar nas
capacidades que os indivíduos poderão desenvolver ao longo da vida. Esses
pressupostos vêm ao encontro das estratégias utilizadas pelo Banco Mundial
para a Educação 2020, em que um dos enfoques passa a ser a recomendação
das parcerias entre Estado e mercado (BANCO MUNDIAL, 2011).
Dessa forma, com as recentes orientações do Banco Mundial e com a
ampliação do acesso à educação pública pelo Estado, a importância do setor
privado passa a ser primordial na execução das políticas educacionais. Dito de
outra maneira, as virtudes do setor privado podem chegar aonde o Estado não
chega. Portanto, a redefinição do papel do Estado ocorre especialmente na
execução e na condução das políticas educacionais à medida que o Estado, ao

92
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

ofertar a educação básica, repassa a execução e consecução da educação para


o setor privado mercantil.3
É nesse contexto que as políticas educacionais se tornam cada vez mais
globais, em vez de locais ou nacionais (BALL, 2014). Na sequência, abordare-
mos a proposta de educação do Instituto Unibanco no Programa Jovem de
Futuro, destinado as escolas públicas de Ensino Médio no Brasil, as relações
que estabelecem com os sujeitos no Conselho de Governança e o conteúdo da
proposta que altera a gestão, o currículo e a formação de professores.

Instituto Unibanco – Ensino Médio Inovador e o Programa


Jovem de Futuro: o conteúdo da proposta educacional
O Instituto Unibanco foi criado em 1982, inicialmente para promover
as ações e os investimentos sociais do Banco. O Instituto tinha como objetivo
que suas tecnologias se transformassem em políticas públicas; por isso, em
2007, concebeu e implantou o Projeto Jovem de Futuro (PJF), que atuou em
escolas de ensino médio, de forma experimental. Em 2011, o PJF teve sua tec-
nologia validada e ampliada para a aplicação em larga escala, em parceria com
o Ministério da Educação, no Programa Ensino Médio Inovador (PROEMI). A
parceria passou a se chamar ProEMI/JF.
O PROEMI foi um programa governamental construído em um proces-
so de correlação de forças por uma concepção de currículo diferente da que
vinha se desenvolvendo no país, que estava vinculada às habilidades e compe-
tências. O Programa Ensino Médio Inovador foi criado “com vistas a apoiar e
fortalecer o desenvolvimento de propostas curriculares inovadoras nas escolas
do ensino médio não profissional” (Portaria 971/09 art. 1, Brasil, 2009).
Verificamos que a proposta apresentada tem o objetivo de fomentar
metodologias emancipadoras e dar condições para que sistemas públicos e
escolas construam propostas curriculares democraticamente debatidas:
O Programa visa apoiar as Secretarias Estaduais de Educação e do Distrito
Federal no desenvolvimento de ações de melhoria da qualidade do ensino
médio não profissionalizante, com ênfase nos projetos pedagógicos que pro-
movam a educação científica e humanística, a valorização da leitura, da
cultura, o aprimoramento da relação teoria e prática, da utilização de novas
tecnologias e o desenvolvimento de metodologias criativas e emancipadoras
(BRASIL, 2009).

3
Ver Adrião (2014); Peroni (2013); Adrião e Garcia (2009); Adrião; Peroni (2011).

93
CAETANO, M. R.; PERONI, V. M. V. • Ensino Médio no Brasil e a proposta educacional do Instituto Unibanco

Verificamos ainda que o PROEMI tem o objetivo de oferecer condições


para que sistemas públicos e escolas construam propostas curriculares em con-
junto com a comunidade escolar. Conforme o documento orientador do PRO-
EMI, “A construção do Projeto de Redesenho Curricular (PRC) deverá ocor-
rer de forma coletiva e participativa contemplando ações que correspondam à
realidade da escola e dos estudantes” (BRASIL, 2014, p. 14).
O documento apresenta uma definição de currículo que embasa sua pro-
posta:
O currículo, em todas suas dimensões e ações, deverá ser elaborado de for-
ma a garantir o direito à aprendizagem e ao desenvolvimento dos estudantes
por meio de ações e atividades que contemplem, nessa perspectiva de inte-
gração curricular, a abordagem de conhecimentos, o desenvolvimento de
experiências e a promoção de atitudes que se materializam na formação
humana integral, gerando a reflexão crítica e a autonomia dos estudantes
(BRASIL, 2009, p. 8-9).

No entanto, o próprio governo federal, que possibilitou a construção de


uma política participativa e democrática de currículo para o ensino médio, fir-
mou convênio com o Instituto Unibanco, abrindo a possibilidade de que os sis-
temas estaduais, que são responsáveis pelo ensino médio no país, fizessem par-
cerias para a implantação do PROEMI. Assim, no lugar de uma construção
democrática e coletiva na escola, a proposta curricular passa a ser feita através
de um sistema de gestão e avaliação padronizado que, na concepção do Institu-
to Unibanco, seria o caminho para qualificar a aprendizagem dos alunos.
Para o Jovem de Futuro, uma gestão eficiente, participativa e com foco nos
resultados positivos de aprendizagem pode influenciar de maneira decisiva
a qualidade da educação oferecida pela escola. Nessa perspectiva, além de
incentivar o redesenho curricular das escolas, com orientação e recursos fi-
nanceiros direcionados pelo MEC, o ProEMI/JF também busca fortalecer
a gestão escolar, com foco na melhoria dos resultados de ensino (INSTITU-
TO UNIBANCO, 2013, p. 11).

Como vimos, a proposta do PROEMI tem o foco no currículo, enquan-


to o Instituto Unibanco, através do Programa Jovem de Futuro, apresenta uma
proposta mais vinculada à gestão da escola como indutora da aprendizagem
dos alunos e focada nos resultados.
O Programa Jovem de Futuro parte do diagnóstico de que o problema
está na gestão da escola, considerada ineficiente e ineficaz, e propõe a Gestão
Escolar para Resultados (GEpR), que adota sistemas de informação voltados
para o monitoramento, controle e avaliação e a utilização de programas de co-
municação para garantir ampla adesão da comunidade às ações da escola, com
objetivos orientados para os resultados na aprendizagem (MOFACTO, 2014).

94
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Segundo o Instituto, o Programa busca fortalecer a gestão escolar, com


foco na melhoria da aprendizagem dos estudantes. Nesse contexto, o Instituto
Unibanco oferece formação para gestores e supervisores, apoio técnico, acom-
panhando e monitorando os resultados por meio de instrumentos pedagógi-
cos e gerenciais. Os Estados são os responsáveis por toda a implementação do
ProEMI/JF em suas respectivas redes, com infraestrutura e equipe necessárias,
inclusive disponibilizando equipes de técnicos para a supervisão e o monitora-
mento das escolas.
O conceito de GEpR parte do pressuposto de que qualquer organização,
principalmente aquelas voltadas para o interesse público, deve ter uma qualifi-
cação técnica e social da gestão (INSTITUTO UNIBANCO, 2014, p. 4, grifo
das autoras). O Instituto entende que a gestão da escola não tem especificidades
e que pode adotar a perspectiva de gestão de “qualquer organização”.
Consideramos que o princípio da gestão democrática envolve tanto o cur-
rículo quanto a proposta de gestão da educação e da escola. A gestão para resul-
tados não é um mecanismo da gestão democrática, tendo em vista as ferramen-
tas que são utilizadas, baseadas nas práticas mercantis voltadas para avaliação,
indicadores e resultados que desconsideram o processo educacional democráti-
co e as práticas escolares voltadas para a formação do sujeito histórico e social
(CAETANO, 2013). Em nossa concepção, tais propostas são incompatíveis.
Verificamos também que a formação de professores e gestores é baseada
na gestão por resultados, sendo obrigatória a participação em um curso de 120
horas durante os três anos do projeto. Na escola, participam o diretor, o coor-
denador pedagógico e um professor, e na Secretaria de Educação participam
supervisores e técnicos responsáveis por acompanhar as escolas, profissionais
que integram o centro das decisões na condução das políticas educacionais.
O Jovem de Futuro propõe às escolas uma ação multidimensional, susten-
tada por recursos financeiros, apoio técnico e um conjunto de metodologias. O
grupo gestor é preparado para liderar o processo, durante todo o ciclo de ativi-
dades do programa Gestão Escolar para Resultados.
Para abordar essas questões, foi desenvolvido o Curso de GEpR, oferecido
durante os três anos do projeto, com cerca de 120 horas de formação presen-
cial, em que participam três profissionais por unidade de ensino: o diretor, o
coordenador pedagógico e um professor, que, após o curso, adquire um pa-
pel multiplicador na escola. Além disso, são formados supervisores e técni-
cos das Secretarias Estaduais, sendo que cada supervisor é responsável por
acompanhar, em média, 10 escolas (INSTITUTO UNIBANCO, 2012, p. 15).

O grupo gestor da escola é integrado por membros da direção, da coor-


denação do projeto e representantes dos alunos e familiares. A equipe é res-

95
CAETANO, M. R.; PERONI, V. M. V. • Ensino Médio no Brasil e a proposta educacional do Instituto Unibanco

ponsável por validar as ações, supervisionadas por técnicos, que realizam visi-
tas, conferem a organização de atividades e analisam relatórios e cronogra-
mas. Além da supervisão intensiva, o monitoramento físico-financeiro tam-
bém é contínuo, como forma de zelar pela adequada aplicação dos investi-
mentos, ou promover sanções, quando necessário, em função de resultados
negativos (INSTITUTO UNIBANCO, 2011).
Assim, o Conselho Escolar, um dos importantes pilares da gestão demo-
crática, perde importância, já que é formado outro conselho gestor na escola
vinculado ao projeto. Para o Instituto Unibanco, a “função do Grupo Gestor é,
em conjunto com o diretor da escola, planejar e coordenar a elaboração do Pla-
no de Ação, implementar e executar o ProEMI/JF, tomando as decisões neces-
sárias para garantir o seu sucesso” (INSTITUTO UNIBANCO, 2014).
A gestão focada em resultados é efetivada na escola através da constru-
ção do Plano de Ação, “a partir de atividades de planejamento, execução,
monitoramento e avaliação que compõem um processo cíclico, retroalimenta-
do e contínuo, denominado ‘Circuito de Gestão’” (INSTITUTO UNIBAN-
CO, 2014, p. 10).
O Programa Jovem do Futuro incentiva ainda o desenvolvimento de um
trabalho de gestão escolar voltado para a obtenção de resultados predefinidos,
que estão distribuídos em três eixos centrais: aluno, professor e gestão. Os eixos
apresentados se referem aos públicos-alvo na execução das ações propostas pela
escola, sendo que, para cada eixo, existem dois resultados de referência. No
Quadro 1, aparecem os resultados esperados na execução do projeto.

Quadro 1 – Resultados esperados no Programa Jovem de Futuro

ALUNOS PROFESSORES GESTÃO ESCOLAR


R1 – alunos com competências R1 – Professores com alto R1 – Gestão Escolar por
e habilidades desenvolvidas índice de frequência. resultados.
em Língua Portuguesa e R2 – Práticas pedagógicas R2 – Infraestrutura da escola
Matemática melhoradas. melhorada.
R2 – Alunos com alto índice
de frequência.

Fonte: Relatório Unibanco, 2013.

O que chama a atenção no quadro apresentado, na questão dos resulta-


dos, é a ênfase dada ao currículo, especialmente a Português e Matemática.
Quando as avaliações incluem determinadas disciplinas e deixam outras de
fora, os professores tendem a focar o trabalho mais naquelas disciplinas, dei-
xando de dar ênfase a outros aspectos formativos importantes.

96
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Mas o que não está sendo dito é que a “focalização no básico” restringe o
currículo de formação da juventude e deixa muita coisa relevante de fora,
exatamente o que se poderia chamar de “boa educação”. Além disso, assi-
nala para o magistério que, se conseguir ensinar o básico, já está bom, em
especial para os mais pobres (FREITAS, 2012, p. 389, grifo do autor).

Assim, os resultados esperados para todas as escolas que aderem ao


programa são os mesmos, independentemente das necessidades, dos locais e
dos sujeitos que atendem. Pautadas nesses objetivos e resultados, elaboram
seus “Planos de Ação”, programando as atividades que deverão ser desenvol-
vidas. O conjunto de orientações do projeto define ainda que este “Plano de
Ação” deve ser elaborado a cada ano letivo. Os indicadores de gestão para
resultados são: efetividade do grupo gestor no projeto da escola; clima escolar;
diversidade nas parcerias existentes; salas ambientes montadas e equipadas
em condições de uso. Destaca-se que o PJF induz as parcerias como apresen-
tado no Quadro 1, no indicador diversidade de parcerias existentes na escola,
que faz parte da avaliação.
O Plano de Ação é elaborado para garantir os resultados esperados atra-
vés do monitoramento e controle da escola e das redes. Nesse caso, as políti-
cas de incentivo ou sanção do ProEMI/Jovem de Futuro são fundamentadas
em sistemas de monitoramento e avaliação das escolas . Para o Instituto, há a
necessidade de promover um controle em larga escala através do SGP - Siste-
ma de Gestão de Projetos (INSTITUTO UNIBANCO, 2011, p. 34).
Observamos que as sanções e premiações4 por desempenho são enten-
didas pelo Instituto como incentivos e formas de controle na lógica mercantil.
A meritocracia passa a fazer parte da rotina escolar. Em escolas carentes de
tudo, professores com baixíssimos salários e alunos em condição social precá-
ria, o Instituto acaba entrando com a sua proposta pedagógica e de gestão sem
grandes resistências.
Outras formas de monitoramento e controle são a plataforma online de
gestão de projetos das escolas e a formação à distância, atualmente compostas
pelo Sistema de Gestão de Projetos (SGP) e pelo Ambiente Virtual de Apren-
dizagem (AVA).
A plataforma permite às escolas construir seus Planos de Ação de for-
ma alinhada às diretrizes do MEC (PDE Interativo, outros programas do Mi-
nistério ou mesmo outras fontes de financiamento). Conforme o Instituto, após
a aprovação do plano, elaborado de acordo com as necessidades identificadas

4
Ver relatório de atividades Instituto Unibanco (2011, p. 17 e 25).

97
CAETANO, M. R.; PERONI, V. M. V. • Ensino Médio no Brasil e a proposta educacional do Instituto Unibanco

pelo diagnóstico da escola, é possível realizar o acompanhamento da execu-


ção das ações e identificar desvios em relação ao que foi planejado, seja em
relação ao tempo ou ao orçamento.
Para colaborar com o alcance dos resultados propostos no Plano de Ação
pelas escolas participantes do projeto, o Jovem de Futuro disponibiliza meto-
dologias, também chamadas de cardápio,
que são estratégias educacionais elaboradas a partir de necessidades detec-
tadas no cotidiano escolar. Elas buscam fomentar ações, projetos e traba-
lhos de forma interdisciplinar; corrigir dificuldades e fragilidades específi-
cas encontradas nas escolas; articular a comunidade escolar, visando à sus-
tentabilidade e obtenção de resultados; e potencializar ações já existentes na
escola. São elas: Entre Jovens, Valor do Amanhã, Jovem Cientista, Enten-
dendo o Meio Ambiente, Introdução ao Mundo do Trabalho, Agente Jo-
vem, Superação na Escola, Campanha Estudar Vale a Pena, Monitoria e
Fundos Concursáveis (Sobre o PROEMI/PJF, em 18 de julho de 2015).

Parece-nos conveniente afirmar que as soluções para os problemas da


escola já estão preestabelecidos, ou seja, para cada problema que a escola apre-
senta já existe uma solução prévia. Se a escola apresentar dificuldades no pro-
cesso de ensino e aprendizagem, existem metodologias para tal. Caso as difi-
culdades sejam de participação, o PJF apresenta outras soluções metodológi-
cas, como em um manual operacional. A escola e a comunidade devem parti-
cipar, mas sua participação fica restrita ao estabelecido pelo programa.
As metodologias empregadas são padronizadas e replicáveis, ao contrá-
rio das propostas de reestruturação produtiva do próprio capital, que propõem
a formação de um trabalhador criativo, que responda rapidamente às deman-
das do mercado, apresente capacidade de raciocínio e trabalho em equipe (PE-
RONI, 2012).
A ideia de um currículo construído pelo coletivo da escola e baseado na
qualidade do processo educacional em todas as suas instâncias e com recursos
financeiros poderá obter resultados significativos. Não é um programa gesta-
do fora da escola que vai garantir o sucesso ou o fracasso da educação (CAE-
TANO, 2015b).

Os sujeitos e as redes de relações do Instituto Unibanco


Pela importância da análise das relações entre o público e o privado e
pelo caso específico do Instituto Unibanco, apresentaremos a rede de relações
do Instituto Unibanco com pessoas e instituições tanto do setor público quan-
to do privado, as parcerias estabelecidas e como os sujeitos do Conselho de

98
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Governança interagem com outros sujeitos e instituições (Figura 1). Nesse


caso, sujeitos e instituições que compõem a rede se reconhecem em interação,
e essa relação está incorporada pelos grupos ou pelas pessoas que essas Redes
colocam em circulação.
É no contexto atual do capitalismo que empresários participam das mais
diferentes organizações da sociedade civil, elencadas aqui como institutos,
fundações ou outras. Além disso, “a importância outorgada pelas lideranças
empresariais à educação decorre do fato dela ser considerada essencial para o
aumento da competitividade econômica nacional e para a melhoria das condi-
ções de inserção do país na nova ordem mundial” (BEGHIN, 2005, p. 56).
Portanto, por razões econômicas e pelo fato de carregar uma forte aceitação
da população como uma ação que produz melhoria na vida das pessoas, a
educação tem sido a área eleita pela maioria dos dirigentes de empresas como
área para a qual direcionam suas ações de responsabilidade social. As ações
empresariais no campo da educação desenvolvem práticas que promovem a
síntese entre interesse individual e interesse geral. Essas ações não interfe-
rem nos interesses econômicos nem se opõe ao Estado, ao contrário, atua
através e com o Estado, modificando a cultura organizacional, visando que
o Estado aprenda com as “qualidades” do setor privado: a flexibilidade, ino-
vação, eficiência e eficácia, ou seja, os valores do mercado.
Quanto aos sujeitos, faz-se necessário considerá-los como sujeitos indi-
viduais e/ou como sujeitos coletivos na perspectiva de Thompson (1981), si-
tuados em um contexto histórico e geográfico (HARVEY, 2005), mas também
como nós interconectados que operam sob a lógica de rede (BALL; OLME-
DO, 2013). Essas redes repovoam e retrabalham a comunidade de políticas de
ajuda e desenvolvimento, conectando de novas maneiras os interesses de ativi-
dades de empresas, governos, filantropias e agências governamentais (BALL;
OLMEDO, 2013).
Para analisar as redes, é necessário identificar quem são os sujeitos e
apresentar como são utilizadas as influências políticas na rede. É importante
compreendermos como os processos de troca de informações e recursos ocor-
rem, bem como os mecanismos que norteiam essas trocas: regras, relações,
ligações organizacionais, etc. Para apreendermos a atuação do IU, apresenta-
mos na figura 1 o Conselho de Governança e sua composição.

99
CAETANO, M. R.; PERONI, V. M. V. • Ensino Médio no Brasil e a proposta educacional do Instituto Unibanco

Figura 1 – Conselho de Governança do Instituto Unibanco e suas relações

Fonte: Relatório Unibanco/Jovem de Futuro, 2013.


Organização: As autoras.

Ressaltamos no quadro os sujeitos que participam do Conselho de Go-


vernança, bem como onde atuam ou atuaram. Destacamos a própria institui-
ção financeira Itaú/Unibanco, governo, instituições privadas educacionais, do
Terceiro Setor, organizações internacionais e outras instituições financeiras
para analisarmos as suas experiências, no sentido dado a este conceito por
Thompson (1981), isto é, de onde falam e como se relacionam ou não com a
educação. Os sujeitos que participam do Conselho de Governança defendem
interesses individuais ou coletivos e de classe; por isso, é necessário entendê-
los nas relações que estabelecem com indivíduos ou grupos.
Os membros do Conselho de Governança (CG) também ocupam car-
gos importantes na Instituição Financeira Unibanco, sendo pessoas que têm
princípios e práticas empresariais e não têm expertise na área educacional. No
entanto, influenciam a política educacional brasileira. Outro fator importante

100
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

que observamos foi a relação entre o governo federal e o Instituto, através da


presença de Ricardo Henriques, que foi secretário da SECAD/MEC (2004-
2007) e é, atualmente, o superintendente do Conselho de Governança, assim
como Ricardo Paes de Barros, que foi, até 2015, subsecretário de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República, ocupou cargo de conselheiro no
Conselho de Governança do Instituto e depois migrou para o Insper5 (Institu-
to de Ensino e Pesquisa), onde atualmente coordena o Núcleo de Pesquisa em
Ciências para Educação que integra a Cátedra Instituto Ayrton Senna.
Notamos, também, a presença de sujeitos atuantes em outras institui-
ções privadas de educação. Entre esses se destacam o conselheiro Claudio de
Moura Castro, presidente do Conselho Consultivo da Faculdade Pitágoras e
assessor especial da presidência do grupo Positivo, bem como Claudio Luiz
da Silva Haddad, ex-presidente do Insper e presidente do Conselho do Grupo
Ibmec S.A., entidade mantenedora das Faculdades Ibmec Rio de Janeiro, Mi-
nas Gerais, Brasília e das Faculdades Veris (INSTITUTO UNIBANCO, 2015)
além de Marcos de Barros Lisboa, atual presidente do Insper e ex-secretário
de Política Econômica do governo Lula. Destaca-se que o Insper também pos-
sui em seu Conselho Fiscal sujeitos que hoje estão ou já estiveram no conselho
do Instituto Unibanco e em outras instituições que se propõem influenciar e
definir políticas educacionais tendo como parâmetro o mercado.
Na figura acima, verificamos que um dos elos em comum aos conse-
lheiros do Instituto Unibanco é o Movimento Todos pela Educação (TPE).
Dos sete conselheiros, cinco fazem parte do TPE. Vale destacar que o TPE se
denomina uma aliança nacional apartidária composta pela sociedade civil,
iniciativa privada e organizações sociais de educadores e de gestores públicos
da educação. O seu principal objetivo é incidir em políticas públicas para a
educação básica brasileira, em nível nacional, a partir da bandeira do direito à
qualidade da educação.
Ricardo Henriques, superintendente do Instituto Unibanco (2012), diz
que assumiu a responsabilidade de conduzir os trabalhos do Instituto e a opor-
tunidade de disseminar o Projeto Jovem de Futuro. Para ele, essa é uma iniciati-

5
O Insper é uma instituição sem fins lucrativos de ensino superior e pesquisa reconhecida como
referência em Administração, Economia, Direito e Engenharia. Recentemente criou o Centro
de Políticas Públicas, cuja área de pesquisa é a educação e se organiza através de um Núcleo de
Pesquisa em Ciências para a Educação coordenado por Ricardo Paes de Barros, ligado à Cáte-
dra do Instituto Ayrton Senna, e o Núcleo Ciência para a Infância, com o objetivo de contribuir
para a melhora das políticas públicas brasileiras voltadas ao desenvolvimento da primeira in-
fância, por meio da “tradução” do conhecimento científico, produzido por pesquisadores, para
uma linguagem mais acessível à sociedade, segundo o site http://www.insper.edu.br/cpp/.

101
CAETANO, M. R.; PERONI, V. M. V. • Ensino Médio no Brasil e a proposta educacional do Instituto Unibanco

va com resultados testados e efetivos, construídos em sólida base técnica e


forte articulação institucional, ainda na gestão anterior. Após a fase piloto e
um extraordinário impacto na aprendizagem dos alunos, confirmado pela ava-
liação externa, conduzida pelo pesquisador Ricardo Paes de Barros, o Jovem
de Futuro passou a integrar uma agenda que contemplará, até 2016, em torno
de 2,5 mil escolas e mais de 2 milhões de alunos com a parceria do Ministério
da Educação (INSTITUTO UNIBANCO, 2012).
Ricardo Henriques, nas suas colocações sobre os novos desafios do Ins-
tituto e do Projeto Jovem de Futuro, diz que, em 2012, foi iniciada uma rede-
finição do modo de atuar do Instituto Unibanco, mudando estruturas inter-
nas, redesenhando atribuições e governanças e criando condições operacio-
nais de implantação. Assim, constituiu-se um escritório de projetos, definindo
procedimentos de acompanhamento, análise e avaliação que criaram condi-
ções de funcionalidade, eficácia e eficiência para oferecer às redes de ensino
uma parceria profissional, qualificada e robusta (INSTITUTO UNIBANCO,
2012).
Para Henriques, a iniciativa do ProEMI/JF se configura em um exem-
plo de que é possível instituir um arranjo institucional virtuoso de cooperação
entre o setor público responsável pela política educacional e o investimento
social privado para a construção de um espaço público, não estritamente go-
vernamental: “Trata-se de uma experiência concreta, que revela a possibilida-
de de geração de bens públicos a partir de esforços de complementaridade
referentes às responsabilidades compartilhadas entre governos, sociedade civil
e setor privado” (INSTITUTO UNIBANCO, 2012, p. 7).
Ricardo Paes de Barros6, membro do Conselho do Instituto Unibanco e
ex-secretário de Ações Estratégicas da Secretaria de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República, diz que a parceria do Instituto com o MEC é de
extrema importância tanto do ponto de vista simbólico quanto prático. O Jo-
vem de Futuro é uma tecnologia social de interesse público desenvolvida
pelo setor privado (grifo nosso) com vistas a aprimorar o funcionamento de
qualquer escola pública que contemple o ensino médio. Para ele, a “parceria
com o MEC representa o reconhecimento federal da efetividade da estratégia
JF e, daí, vem a relevância do setor privado para a melhoria da qualidade da
educação pública no país” (INSTITUTO UNIBANCO, 2012, p. 22). Ricardo

6
Entre 2011 e 2015, foi subsecretário de Ações Estratégicas da Secretaria de Assuntos Estratégi-
cos da Presidência da República (governo Dilma Roussef). É professor titular da Cátedra Insti-
tuto Ayrton Senna no Insper e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Ciências para Educa-
ção do Centro de Políticas Públicas – CPP.

102
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Paes de Barros é também responsável pela avaliação dos resultados obtidos


pelo Projeto através da avaliação de impacto nas escolas participantes.
No caso do Instituto, os nós geradores facilitam parcerias, novos proje-
tos e agendas de investimentos (BALL; OLMEDO, 2013), como é o caso do
Movimento Todos pela Educação e a relação com o governo federal, com base
no capital simbólico e de influências que os participantes conseguem mobili-
zar. Para Ball e Olmedo (2013, p. 41), eles criam “redes dentro de redes [...].
Esses são canais para a promoção de políticas e as ideias delineadas [...] se
formam e são colocadas em prática”.
A indústria de especialistas é parte do novo setor de serviços de educa-
ção que inclui um número crescente de consultores que operam globalmente,
organizações de gestão de educação, bem como fundações de ensino e filan-
tropos engajados na concepção da prática e da política educacional. Nesse
contexto, delega-se ao mercado o poder de decisão da coisa pública. Dessa
forma, a privatização do público influencia procedimentos, conteúdos e rela-
ções de poder, que passam a funcionar sob o dogma do mercado. “Os parcei-
ros, liderando uma coalizão em rede ou uma aliança, irão construir efetiva-
mente as bases para o desenvolvimento de uma confiança mútua” (KISSLER;
HEIDEMANN, 2006, p. 496). Além disso, esses especialistas/consultores ora
estão no Estado, ora no mercado, influenciando a elaboração, a direção e a
consecução das políticas educacionais.
Compreendemos que essa rede de empresários e intelectuais orgânicos
precisa exercer uma atividade ininterrupta para não perder sua hegemonia sobre
o conjunto da sociedade. Eles se utilizam de estratégias de obtenção de con-
sensos, do estabelecimento de relações entre empresas e buscam a adesão da
população ao seu projeto político e econômico.

Considerações finais
Em nossas pesquisas, analisamos as várias formas de relação entre o
público e o privado na educação básica. Aqui, buscamos analisar mais especi-
ficamente como o privado interfere no público através de uma parceria em que
a propriedade permanece pública, mas a instituição privada interfere no currí-
culo, trazendo uma lógica empresarial individualista e competitiva. Esta lógi-
ca foca nos resultados em detrimento do processo democrático, que tem prin-
cípios coletivistas e focados na construção de valores democráticos.
Enfatizamos que, no período atual, a garantia do acesso ao ensino mé-
dio foi ampliado na escola pública, o que consideramos um avanço nesse pro-
cesso. No entanto, também verificamos a presença cada vez maior do setor

103
CAETANO, M. R.; PERONI, V. M. V. • Ensino Médio no Brasil e a proposta educacional do Instituto Unibanco

privado mercantil, que define o “conteúdo” pedagógico e de gestão da escola,


com a justificativa de que assim está contribuindo para a qualidade da educa-
ção pública.
As parcerias são uma das formas encontradas pelos sujeitos e institui-
ções do setor privado para chegar diretamente à escola, à sala de aula, definin-
do e controlando o que e como será ensinado. No ensino médio, havia a tenta-
tiva de um processo democrático para a definição do currículo escolar. Com a
parceria entre MEC e Instituto Unibanco, o foco foi deslocado para a gestão
para resultados, com base em princípios da administração empresarial. Este
deslocamento do currículo para a gestão é parte do diagnóstico neoliberal de
que a crise atual é uma crise de má gestão do setor público e que com uma
gestão gerencial seria resolvida a suposta falta de produtividade da escola. Este
diagnóstico parte de um pressuposto de que a aprendizagem é um produto e
que ela deve ser mensurada e ter mecanismos gerenciais para que o “resulta-
do” esteja de acordo com as metas definidas.
A concepção de aprendizagem como um produto mensurável, altamente
prescritiva, padronizada e replicável, ou seja, igual para todos, é parte de uma
visão mercadológica em que tudo é produto e tem valor de troca, inclusive o
conhecimento, os sujeitos e processos societários. Neste sentido, questionamos o
motivo pelo qual as redes públicas têm buscado as parcerias com as instituições
privadas, abrindo mão da possibilidade de discutir coletivamente o currículo vin-
culado a um processo de produção de conhecimento e um projeto societário. Ve-
rificamos que são comprados pelas escolas o currículo e a proposta pedagógica da
escola, como se comprassem cadernos, lápis ou qualquer bem de consumo.
Outra questão fundamental que destacamos são os sujeitos que partici-
pam do Instituto e de onde falam para propor as mudanças na educação. Veri-
ficamos que a maioria dos membros está vinculada à Instituição Financeira
Itaú/Unibanco e não tem nenhum vínculo com a educação. Já aqueles que
possuem vínculos com a educação pertencem a instituições privadas com fins
lucrativos e uma lógica de mercado bem definida. Observamos também uma
relação muito estreita entre governo e Instituto, com membros atuando ora no
Instituto Unibanco, ora no governo, ora em instituições que possuem estreitas
ligações com as reformas educacionais. E, através desses sujeitos, o Instituto
passa a influenciar a direção e execução da política de ensino médio nacional-
mente e não apenas nas parcerias pontuais, assumindo o que seriam tarefas do
Estado para com as políticas públicas de educação.
Questionamos a “compra da escola pública”, precarizada após a falta
de investimentos em políticas educacionais que ocorreu no Brasil, principal-
mente na década de 1990.

104
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

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107
O Pronatec na fronteira
entre o público e o privado

Romir de Oliveira Rodrigues


Maurício Ivan dos Santos

Este texto está vinculado ao processo de investigação desenvolvido pelo


grupo de pesquisa “Implicações da relação público-privado para a democrati-
zação da educação”, com a coordenação da professora Vera Maria Vidal Pero-
ni, da UFRGS, e financiamento da Capes, que procura analisar as formas como
ocorre a relação entre o público e o privado nas diferentes etapas e modalida-
des da educação básica brasileira e as suas consequências para a construção da
democracia na sociedade brasileira.
O objetivo deste capítulo é apresentar as várias dimensões envolvidas
no Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – Pronatec –
, buscando compreendê-lo como campo de disputa entre os setores público e
privado e tendo como foco as iniciativas previstas para a execução do Progra-
ma e elementos do conteúdo de sua proposta. Para isso, intenta-se articular a
descrição do Programa, para caracterizá-lo em suas singularidades, com um
exercício de interpretação que o compreende como uma forma particular do
movimento dialético entre o singular e o universal. É importante salientar que
será privilegiada a fase de elaboração e implantação do Programa, ainda na
primeira gestão da presidenta Dilma Roussef (2011-2014).
Visando à consecução deste objetivo, este capítulo se organiza em três
seções, cada uma das quais evidencia aspectos específicos que estão articula-
dos no efetivo desenvolvimento do Programa. A primeira seção apresenta o
Pronatec a partir da análise de seus objetivos, ações e iniciativas, articulando
dados quantitativos com o diálogo com autores que têm pesquisado o Progra-
ma. A segunda seção explicita alguns elementos do conteúdo da proposta per-
quirindo o documento Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego
– Pronatec –, elaborado pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos
Deputados para subsidiar a tramitação do Projeto de Lei 1209/11. Por fim, na
terceira seção são esboçadas algumas considerações tendo como foco as rela-
ções entre o público e o privado que conformam o Programa.

108
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Uma análise crítica das iniciativas do Pronatec


Criado pela Lei 12.513, em 26 de dezembro de 2011, o Pronatec tem “o
objetivo de expandir, interiorizar e democratizar a oferta de cursos de educa-
ção profissional e tecnológica no país, além de contribuir para a melhoria da
qualidade do ensino médio público”1.
Visando à concretização de seus objetivos e ações, o Pronatec desenvol-
ve as seguintes iniciativas: (i) expansão da Rede Federal de Educação Profissio-
nal e Tecnológica – EPT; (ii) Bolsa-Formação Estudante e Trabalhador, esta
última nas modalidades Seguro-Desemprego e Inclusão Produtiva; (iii) FIES
Técnico Estudante e Empresa; (iv) E-TEC Brasil; (v) Brasil Profissionalizado;
(vi) continuidade do Acordo de Gratuidade Sistema S; e (vii) Ampliação da
Capacidade do Sistema S.
Analisando essas iniciativas, em estudo realizado sobre o Pronatec para
o IPEA, Maria Martha M. C. Cassiolato e Ronaldo Coutinho Garcia salien-
tam que “boa parte delas já era executada anteriormente pela SETEC/MEC,
mas o PRONATEC passa a congregá-las incorporando dois novos componen-
tes: o Projeto Bolsa-Formação e o Fies Técnico e Fies Empresa” (CASSIOLA-
TO; GARCIA, 2014, p. 34). Outro dado importante está vinculado ao fato de,
atualmente, as iniciativas do FIES Técnico Estudante e Empresa e a Amplia-
ção da Capacidade do Sistema S não constarem mais no site oficial do Progra-
ma2, sem uma aparente explicação sobre essa alteração.
A Expansão da Rede Federal possuía como meta a ampliação da rede físi-
ca para a oferta de vagas na rede federal de EPT, prevendo, em 2011, a criação
de 208 novas unidades até 2014. Os dados disponibilizados pelo Inep/MEC
indicam que, até 2013, foram implementadas 151 unidades, o que ficou abai-
xo da meta inicial.
Essa expansão está relacionada diretamente à criação dos Institutos
Federais de Educação, Ciência e Tecnologia – IF –, por meio da Lei 11.892, de
29 de dezembro de 2008, que propunha um novo modelo para a educação
profissional com a oferta de cursos de nível médio, cursos superiores de tecno-
logia, licenciaturas, mestrados e doutorados. Contemplando todos os estados
brasileiros, foram criados 38 IFs, com uma estrutura multicampi, autonomia
administrativa, patrimonial, financeira, pedagógica e disciplinar, inserção nas
áreas de pesquisa e extensão e vinculação com as demandas dos arranjos pro-
dutivos locais.

1
Conforme site oficial do Programa <http://pronatec.mec.gov.br>. Acessado em: 01 jun. 2015.
2
Verificado por acesso ao site http://pronatec.mec.gov.br/, em 01 jun. 2015.

109
RODRIGUES, R. de O.; SANTOS, M. I. dos • O Pronatec na fronteira entre o público e o privado

A Bolsa Formação tem por objetivo ampliar a oferta da EPT para estu-
dantes do ensino médio da rede pública e para trabalhadores, a partir da con-
cessão de bolsas financiadas pelo Governo Federal para a ocupação de vagas
em cursos ofertados pelas redes públicas e Sistema S. A Bolsa Formação é
dividida em três modalidades: (i) estudantes, com oferta de cursos de Forma-
ção Inicial e Continuada e cursos Técnicos concomitantes aos estudantes do
ensino médio público; (ii) trabalhador – modalidade Seguro-Desemprego, a
partir da oferta de cursos FIC para beneficiários do seguro-desemprego, com
recorte inicial de reincidência, baixa escolaridade e faixa etária; e (iii) traba-
lhador – modalidade Inclusão Produtiva, com oferta de cursos FIC, Brasil
Alfabetizado e Mulheres Mil, atendendo o público dos programas federais de
inclusão social, especialmente o Bolsa Família, com recorte inicial de baixa
escolaridade e faixa etária.
Ao priorizar os beneficiários do Programa Bolsa Família, a partir dos
critérios de reincidência, escolaridade, faixa etária e capacidade de oferta do
município, evidencia-se a intenção do Pronatec de promover a articulação
de diferentes ações do Estado visando à qualificação profissional das classes
populares para uma possível inclusão social pelo acesso ao emprego. Porém,
como conclui Cátia Guimarães, em reportagem em que entrevistou Marise
Ramos, o Programa mantém uma concepção de educação profissional mui-
to estreita e, principalmente, “a versão atual dessa política está ignorando
estudos que, segundo ela [referindo-se a Marise Ramos], já mostram que
essa população não tem conseguido sair do círculo da transferência de ren-
da, tendendo a migrar de um programa assistencial para outro” (GUIMA-
RÃES, 2014, p. 3).
Importa destacar que essa ação do Pronatec, em especial na Bolsa For-
mação modalidade estudantes, retoma a concomitância na oferta da educação
profissional de nível médio, separada e complementar ao ensino médio, pres-
supondo a existência de matrículas distintas para cada curso. A proposta do
Programa consiste em que os estudantes do ensino médio das redes públicas
cursem a formação geral em suas escolas de origem e, em contraturno, desen-
volvam a formação profissional, utilizando as estruturas públicas ou privadas
instaladas na região. O impacto para a aprendizagem dos estudantes nessa
convivência com institucionalidades distintas, muitas vezes com diferenças
significativas em sua estrutura física, equipamentos, recursos humanos, for-
mas de gestão e no papel que desenvolvem na sociedade, precisa ser mais bem
avaliado, sob o risco de serem criadas falsas dicotomias, valorizando o polo
privado como modelo de eficiência em comparação ao público. Além disso,

110
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

desde o Decreto 5154, de 23 de julho de 2004, essa forma de oferta da EPT


havia sido secundarizada pela priorização dada aos cursos integrados3.
De acordo com Marise Ramos (2008), a concomitância poderia ser uma
alternativa emergencial, como uma etapa de transição para a oferta integrada
e não um fim em si mesmo devido, entre outros fatores, à demanda por estabe-
lecer uma unidade político-pedagógica interinstitucional, tendo em vista que
o molde previsto para a oferta concomitante de formação técnica paralela ao
ensino médio implica na articulação entre duas instituições distintas.
Outra iniciativa do Pronatec é o FIES Técnico, que consiste no provi-
mento de linha de crédito para a realização de cursos técnicos de nível médio
no Sistema S e em instituições privadas habilitadas pelo Ministério da Educa-
ção. Está dividido em duas modalidades: (i) modalidade Estudante, voltada
para alunos e egressos do ensino médio que realizam contratos individuais
com taxa de juros de 3,4% ao ano, prazo de carência de 18 meses e amortiza-
ção de três vezes o tempo do curso; (ii) modalidade Empresa, para trabalhado-
res empregados e setor empresarial para o custeio de cursos da EPT.
A Rede E-Tec Brasil é a quarta iniciativa do Pronatec e já estava em ope-
ração quando do lançamento do Programa. Na descrição feita por Cassiolato
e Garcia (2014, p. 40), a rede E-Tec Brasil “amplia e democratiza a educação
profissional por intermédio da oferta de cursos à distância a partir de centenas
de polos pelo país inteiro. Os recursos são originados do MEC, do Fundo de
Amparo ao Trabalhador (FAT), dos serviços nacionais de aprendizagem e do
BNDES”.
O Brasil Profissionalizado, criado pelo Decreto 6.302, de 12 de dezembro
de 2007, é outra iniciativa que já estava em andamento e passa a incorporar o
Pronatec. Objetiva promover a ampliação da oferta e o fortalecimento da educa-
ção profissional e tecnológica integrada ao ensino médio nas redes estaduais,
em parceria com o Governo Federal. Segundo dados apresentados por Cassio-
lato e Garcia (2014), até o final de 2014 teriam sido conveniados cerca de R$
1,8 bilhão com estados e municípios, prevendo investimentos em infraestrutu-
ra, desenvolvimento da gestão, práticas pedagógicas e formação de professo-
res. Para se habilitarem aos recursos, os entes públicos devem realizar um “di-
agnóstico do ensino médio [contendo] a descrição dos trabalhos político-

3
O Ensino Médio Integrado é caracterizado, entre outros elementos, pela articulação entre con-
teúdos do ensino médio e da formação profissional, que devem ser trabalhados de forma inte-
grada durante todo o curso, e pela oportunidade de elevar a escolaridade simultaneamente com
a aquisição de uma formação específica para a inclusão no mundo do trabalho. Sobre este tema
ver Frigotto; Ciavatta; Ramos (2005) e Ramos (2011).

111
RODRIGUES, R. de O.; SANTOS, M. I. dos • O Pronatec na fronteira entre o público e o privado

pedagógicos, orçamento detalhado e cronograma de atividades. O incremento


de matrículas e os indicadores sociais da região, como analfabetismo, escolari-
dade, desemprego, violência e criminalidade de jovens entre 18 e 29 anos”
(CASSIOLATO; GARCIA, 2014, p. 44).
O Acordo de Gratuidade com o Sistema S, firmado em 2008, inicialmente
entre o Governo Federal e o SENAI e SENAC, prevê ampliar progressivamen-
te a aplicação em matrículas gratuitas de cursos técnicos e FIC dos recursos
recebidos através da Contribuição Compulsória (fundos públicos) até a meta
de 66,67% das matrículas, em 2014. No exame que fazem desta iniciativa e seu
processo de constituição, Cassiolato e Garcia consideram que ocorreu “a ‘vitó-
ria do consenso’ promovida pelo protocolo de compromisso [que representou]
mais um passo dado pelo Sistema S e o governo federal para o enfrentamento de
um dos mais desafiadores obstáculos ao desenvolvimento do Brasil: a falta de
mão de obra qualificada” (CASSIOLATO; GARCIA, 2014, p. 45).
Como referência para a análise do Acordo de Gratuidade, o Relatório
Geral 2013, do SENAC, apresenta alguns indicativos dos resultados do Pro-
grama SENAC de Gratuidade (PSG), que desenvolve cursos de Formação Ini-
cial e Continuada (FIC) e de nível Médio (sem escolarização). Segundo o Re-
latório, foram 462.586 matrículas nos cursos que integram o PSG, represen-
tando 27,8% do total de matrículas do SENAC em 2013. Em relação às metas
do Acordo, o Relatório expõe que foi aplicado em educação profissional gra-
tuita “um total de R$ 1,1 bilhão, representando 57,72% dos recursos advindos
da receita compulsória líquida. Ultrapassando a meta prevista em quase 3%, o
SENAC mantém o histórico de superação das metas anuais estabelecidas no
acordo com o Governo Federal” (SENAC, 2014). Além disso, o Relatório Geral
2013 do SENAC apresenta o Pronatec como uma das ações de gratuidade,
indicando 479.437 matrículas, apesar de ter linha de crédito específica para o
desenvolvimento de seus cursos, com repasse de recursos, no caso do Bolsa
Formação Estudante e Trabalhador, diretamente do FNDE, conforme Reso-
lução CD/FNDE nº 62 de 11 de novembro de 2011.
Ao analisar o Relatório Anual 2013 do SENAI, SESI e IEL, apesar de ele
não ter uma referência explícita ao acordo de gratuidade, alguns números po-
dem ser identificados para compreender o papel preponderante do SENAI no
Pronatec, respondendo sozinho por 41% das matrículas do Programa. Segundo
o Relatório, foram disponibilizadas 623 mil vagas, cobrindo 1,6 mil municípios
brasileiros, sendo que destas foram confirmadas 560.333 matrículas, das quais
89% estavam concentradas em cursos FIC, gerando recursos de 1,3 bilhão. Esta
priorização de cursos de curta duração – 200 horas, segundo o Relatório – deve

112
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

ter um acompanhamento mais cuidadoso, visando aferir a efetividade deles para


a inserção dos trabalhadores no mundo do trabalho, pois, na ótica de Grabo-
wski (2010), podem estar sendo oferecidas “vagas nas áreas mais baratas, nos
cursos que não exigem grandes tecnologias e grandes laboratórios”.
Somam-se a essa questão as preocupações levantadas pela Confedera-
ção Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE – de que, devido à
possibilidade do Sistema S receber recursos do Bolsa Formação Trabalhador,
como explicitado anteriormente, estas novas receitas possam suplantar os cus-
tos das vagas gratuitas originadas do acordo com o Governo Federal e, em
alguns casos, até superá-los. Com isso, segundo a Confederação Nacional,
existem indicativos de que “a concessão de bolsas visa compensar as perdas
financeiras com as vagas gratuitas com que o sistema terá de arcar, com mais
peso, a partir de 2014” (CNTE, 2011, p. 181).
A Ampliação da Capacidade do Sistema S é uma iniciativa do Pronatec que
objetiva ampliar e readequar a infraestrutura e os equipamentos dos Serviços
Nacionais de Aprendizagem, visando atender o aumento da demanda induzi-
do pelo atendimento ao Pronatec. O financiamento tem como fonte o Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que, em 2012,
havia repassado R$ 1,5 bilhão ao Programa SENAI para a Competitividade
Industrial para investimento em obras de infraestrutura (construção, moderni-
zação e ampliação de unidades), além da aquisição de máquinas e equipamen-
tos destinados ao aparelhamento das unidades4.
Deve-se salientar a mudança ocorrida no enquadramento institucional
do Sistema S, que, de acordo com o artigo 20 da Lei 12.513, de 2011, passa a
integrar o sistema federal de ensino, mantendo, porém, “autonomia para a
criação e oferta de cursos e programas de educação profissional e tecnológica,
mediante autorização do órgão colegiado superior do respectivo departamen-
to regional da entidade, resguardada a competência de supervisão e avaliação
da União” (BRASIL, 2011). Dessa forma, segundo capítulo 6º da mesma Lei,
a União fica autorizada a “transferir recursos financeiros às instituições de
educação profissional e tecnológica das redes públicas estaduais e municipais
ou dos serviços nacionais de aprendizagem correspondentes aos valores das
bolsas-formação” (BRASIL, 2011) e, como registra o parágrafo 1° do referido
capítulo, “as transferências de recursos de que trata o caput dispensam a reali-
zação de convênio, acordo, contrato, ajuste ou instrumento congênere, obser-

4
Dados retirados do site do BNDES: <http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/
Institucional/Sala_de_Imprensa/Noticias/2012/social/20120229_senai.html>. Acesso em: 29
mar. 2015.

113
RODRIGUES, R. de O.; SANTOS, M. I. dos • O Pronatec na fronteira entre o público e o privado

vada a obrigatoriedade de prestação de contas da aplicação dos recursos” (BRA-


SIL, 2011).
Ainda nessa direção, a Resolução/FNDE/CD/Nº 31, de 1º de julho de
2011, que dispõe sobre a descentralização e execução de créditos orçamentári-
os do FNDE para órgãos e entidades da administração pública federal, em seu
capítulo 1º, dispensa a apresentação de certidões de regularidade e as consul-
tas ao Cadastro Informativo de créditos não quitados do setor público federal
(Cadin) e ao Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Fe-
deral (SIAFI), bastando a realização de Termo de Cooperação.
Compreender o Pronatec é, portanto, analisar essas inter-relações entre
os setores público e privado que sustentam o Programa e percebê-lo como
integrante de um movimento de escala superior, organicamente articulado às
proposições do atual Estado brasileiro. A análise dos dados disponíveis a res-
peito da execução do Programa acaba por referendar esse contexto e aponta
para sua centralidade na agenda educativa brasileira.
Os dados oficiais divulgados apontam para a efetivação do Programa e
sua capilaridade no país. Segundo dados da SETEC/MEC, o Pronatec possui
ações em 3.535 municípios, o que corresponde a 63,5% do total, e conseguiu
ultrapassar a meta inicialmente proposta – de 8 milhões de matrículas –, che-
gando, em 2014, a 8.728.168 matriculas, divididas em 71,3% para cursos FIC
e 28,7% em cursos técnicos.
Porém, quando esses dados de matrícula são abertos e distribuídos pe-
las redes ofertantes, a supremacia da oferta privada fica evidente, com o SE-
NAI e o SENAC respondendo por 71% do total de matrículas realizadas, a
rede federal pública por 17% e outras instituições – tanto públicas como priva-
das – por 12%5. Dessa forma, mantém-se a trajetória histórica de oferta de
educação profissional, que segue hegemonizada pelo setor privado.
Essa supremacia da oferta privada fica mais explicitada quando são di-
vididas as matrículas por rede ofertante e tipo de curso – FIC ou Técnico. O
Gráfico 1, retirado do Relatório de Gestão do exercício de 2013 da SETEC/
MEC, demonstra que apenas na iniciativa Bolsa-Formação, no ano de 2013, o
Sistema S foi responsável por 70,45% das matrículas, enquanto as redes públi-
cas (federal e estadual) responderam por 19,96% e a rede privada, por 9,59%.
Agrupando ainda mais os dados, verifica-se que o setor privado foi responsável
por mais de 80% das matrículas, indicando ser o desenho do Programa melhor
formatado para o tipo de oferta historicamente realizado por esse setor.

5
Fonte: SETEC/MEC.

114
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Gráfico 1 – Participação relativa de cada ofertante na Bolsa-Formação 2013

7 1 - SENAI
6
5 2 - SENAC
4 1 3 - REDE FEDERAL
4 - REDE ESTADUAL
3 5 - SENAT
6 - SENAR
2
7 - REDE PRIVADA

Fonte: SETEC/MEC.

Essa mesma condição de supremacia da oferta privada pode ser percebi-


da ao se abrir os dados referentes à participação das diferentes redes nos cur-
sos ofertados pelo SISUTEC 2013. Ressalta-se que se trata de cursos técnicos
de nível médio, com cargas horárias variáveis, reguladas pelo Catálogo Nacio-
nal de Cursos Técnicos. Nos dados apresentadas pela SETEC/MEC referen-
tes a 2013, a rede pública é responsável pela oferta de 28% das matrículas,
enquanto a rede privada, agregando o Sistema S com a oferta das instituições
privadas mercantis, é responsável por 72% do total de matrículas.
Aqui é importante sublinhar o ingresso significativo da rede privada
mercantil, que passa a atuar fortemente no Pronatec, tornando-se, percentual-
mente, a maior ofertante dos cursos pelo SISUTEC, em 2013, e buscando
acessar os subsídios públicos dos programas do Governo Federal. Como mos-
tram os dados da reportagem de Cátia Guimarães (2014), o grupo Anhangue-
ra-Kroton – considerado a maior empresa educacional do mundo – tinha, no
primeiro semestre de 2014, 35 mil alunos em cursos técnicos e a possibilidade
de ampliar esse número em 28.104 matrículas até o final do referido ano. Ain-
da segundo a reportagem, o grupo Estácio – o segundo maior no ranking das
instituições de ensino superior – “já tem este ano [2014] quase 25 mil matrícu-
las – e, neste caso, todas no Rio de Janeiro, estado em que as IES privadas vão
oferecer 4,5 vezes mais vagas de cursos técnicos do que o SENAI” (GUIMA-
RÃES, 2014a, p. 15).
Os dados apresentados até agora buscaram evidenciar como esse com-
plexo arranjo entre sujeitos públicos e privados está ocorrendo na execução
das variadas iniciativas do Programa. A próxima seção se propõe analisar do-
cumentos anteriores à criação do Pronatec visando identificar alguns elemen-
tos que integram o conteúdo de sua proposta e como eles impactam o desen-
volvimento posterior do Programa.

115
RODRIGUES, R. de O.; SANTOS, M. I. dos • O Pronatec na fronteira entre o público e o privado

Para além da aparência: elementos do conteúdo


da proposta do Pronatec
Analisar o conteúdo presente na proposta de um programa abrangente
e multifacetado como o Pronatec constitui uma tarefa intrincada, que requer
do pesquisador a dedicação de um tempo longo para interpretar várias fontes
e contextos aos quais elas estão vinculadas. Neste sentido, como parte de uma
pesquisa em andamento, realiza-se uma primeira aproximação, restrita ao do-
cumento Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – Pro-
natec –, elaborado pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos De-
putados para subsidiar a tramitação do Projeto de Lei 1209/11.
Esse documento foi organizado por Márcia Abreu e Márcio Cordiolli e
é composto por: descrição dos membros da Comissão de Educação e Cultura
– CEC –, gestão 2011; apresentações da presidenta da CEC, deputada Fátima
Bezerra (PT/RN), e do relator, deputado Biffi (PT/MS); texto sobre a partici-
pação do SENAC no Pronatec, assinado por Antônio Oliveira Santos, presi-
dente do SENAC; o Projeto de Lei que institui o Pronatec; a Exposição de
Motivos Interministerial nº 019/MEC/TEM/MF/MP/MDS, de 28 de abril
de 2011; e o conjunto de emendas apresentadas pelos parlamentares ao Proje-
to. A escolha desse documento está assentada no fato de ele contemplar a fase
preliminar de elaboração do Programa, sendo, portanto, portador de algumas
ideias centrais que justificaram sua aprovação posterior.
Um primeiro pressuposto está contido na apresentação da presidenta
da CEC, deputada Fátima Bezerra (PT/RN), que afirma que no Brasil existe
“uma baixa qualidade de ensino” (BEZERRA, 2011, p. 11), e, dirigindo-se às
políticas da EPT, que estas estão defasadas em relação a outros países devido,
primeiro, à não priorização da educação e, segundo, às “políticas equivocadas
e fragmentadas adotadas para essa área no passado” (ibid., p. 11). A deputada
ressalta que uma nova etapa está se constituindo, com o Governo Federal “in-
vestindo na expansão e no fortalecimento da educação profissional” (ibid., p.
11). Esta concepção é reforçada pelo relator, deputado Biffi (PT/MS), ao afir-
mar que, desde a retomada das políticas de expansão da rede federal da educa-
ção profissional, ainda no governo Luís Inácio Lula da Silva, “profundas mu-
danças na qualidade e na filosofia do ensino público estão em andamento em
todo o país” (BIFFI, 2011, p. 14). Esse mesmo argumento é retomado na Ex-
posição de Motivos Interministerial nº 019/MEC/TEM/MF/MP/MDS –
EMI – ao asseverar que o Governo Federal “tem empreendido iniciativas es-
truturais para o desenvolvimento e melhoria da qualidade da educação profis-
sional e tecnológica no País” (BRASIL, 2011, p. 28).

116
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Com isso, a ideia apresentada é que existia uma situação de estagnação


e crise na EPT brasileira e, visando solucionar esta questão, o Governo Fede-
ral passou a colocar em ação um conjunto de iniciativas, de forma planejada e
gradual, que se consolidam com a criação do Pronatec.
Essa inflexão de ações e recursos em direção à qualificação da EPT brasi-
leira está organicamente vinculada às demandas do processo de desenvolvimen-
to econômico do país. Como registrado na EMI, o objetivo prioritário do Prona-
tec é ofertar “oportunidade de formação profissional aos trabalhadores e jovens
estudantes brasileiros, criando condições favoráveis para sua inserção no merca-
do de trabalho” (BRASIL, 2011, p. 28). Essa iniciativa, segundo o documento,
visa superar um dos maiores problemas para a continuidade do crescimento
econômico experimentado pelo Brasil nos últimos anos, “que é a falta de mão
de obra qualificada” (ibid., p. 28), e o Programa “nasce como estratégia não só
para resolver a questão dos gargalos de mão de obra, mas também como instru-
mento de melhoria da qualidade da educação” (ibid., p. 30). A justificativa é
utilizada também pelo relator da matéria na CEC, ao considerar que o atual
momento histórico caracteriza-se por “grandes avanços científicos, e a chave
para acompanhar esta fantástica evolução é, com certeza, o amplo acesso ao
ensino técnico-profissional” (BIFI, 2011, p. 14). Reforça esse raciocínio a alega-
ção do presidente do SENAC, Antônio Oliveira Santos (2011, p. 17): “há um
aumento da demanda por qualificação entre os trabalhadores brasileiros, cujo
sucesso no mundo do trabalho depende cada vez mais de novas habilidades”.
Compilando essas ideias, a formação e a qualificação da mão de obra
são compreendidas como investimento econômico, insumo para o desenvolvi-
mento dos processos produtivos e, indiretamente, como direito dos trabalha-
dores. A EPT torna-se, então, uma possibilidade de superar essa defasagem
técnica do trabalhador brasileiro e, ao mesmo tempo, traz para o âmbito da
iniciativa pessoal a busca por superar essa situação e inserir-se no mercado de
trabalho, como ratifica a EMI ao afirmar que a articulação entre educação
básica e profissional “produzirá impactos positivos no desenvolvimento eco-
nômico do País, notadamente prejudicado pela ausência de mão de obra qua-
lificada e apta a acompanhar o ritmo das inovações tecnológicas e produtivas”
(BRASIL, 2011, p. 30-31).
Essa imagem da existência de um apagão de mão de obra ou de um apagão
educacional, além de carecer de uma comprovação empírica efetiva6, remete,
como indicam Frigotto e Ciavatta (2011), a uma situação conjuntural e provi-
sória, que pode ser superada com ações direcionadas e efetivas. Tal interpreta-

6
Sobre essa questão, ver Rodrigues; Santos 2013.

117
RODRIGUES, R. de O.; SANTOS, M. I. dos • O Pronatec na fronteira entre o público e o privado

ção, porém, deixa opaco o fato de que as determinações últimas do chamado


apagão estão vinculadas à imposição, por parte da classe dominante brasileira,
de “um projeto societário de capitalismo dependente, associando-se de forma
subordinada aos centros hegemônicos do grande capital e aos organismos in-
ternacionais, que representam seus interesses” (FRIGOTTO; CIAVATTA,
2011, p. 632). Com isso, as reformas educacionais que foram implementadas
nas últimas décadas no Brasil seguiram o ideário desse projeto, e nele não está
prevista, por exemplo, a universalização do ensino médio ou a formação inte-
gral dos trabalhadores; assim, concluem os autores, “os que proclamam o apa-
gão educativo, por sua posição de classe, não percebem que o mesmo é cria ou
produto de suas decisões e políticas” (ibid., p. 632-633).
Esta análise se amplia quando, metodologicamente, as políticas sociais
são compreendidas em relação aos movimentos do capital para superar sua crise
estrutural (MÉSZÀROS, 2002; ANTUNES, 2009; HARVEY, 2001) e vincula-
das à dialética universal-particular, evidenciando, desta forma, a inter-relação
entre as políticas econômicas e sociais, a ponto de se distinguirem apenas for-
malmente (VIEIRA, 1992). Nesta perspectiva, as características centrais do atu-
al período do capitalismo – globalização, reestruturação produtiva, neoliberalis-
mo e Terceira Via – acabaram por redefinir o papel do Estado e refletem no
conteúdo e na forma de execução das políticas públicas (PERONI, 2008).
Nesta linha, o Brasil apresenta uma alteração na função do Estado, que
passa a operacionalizar um conjunto de estratégias que podem ser caracteriza-
das, segundo Bresser-Pereira (2006), Castelo (2009) e Alves (2014), como Neo-
desenvolvimentismo7.
Um dos principais teóricos deste debate, Luiz Carlos Bresser-Pereira
(2006, p. 12), define o neodesenvolvimentismo como “um conjunto de pro-
postas de reformas institucionais e de políticas econômicas, por meio das quais
as nações de desenvolvimento médio buscam, no início do século XXI, alcan-
çar os países desenvolvidos”. Segundo o autor (ibid., p. 12), trata-se, concomi-
tantemente, de um “terceiro discurso”, situado entre o discurso populista e o
da ortodoxia convencional, e de um “conjunto de diagnósticos e ideias que
devem servir de base para a formulação, por cada Estado-Nação, da sua estra-
tégia nacional de desenvolvimento”. O Estado passa a ter, na avaliação de
Bresser-Pereira (2006), a função de propor um “grande acordo” entre as clas-

7
Existe uma efetiva polêmica referente à utilização do termo “neo” ou “novo” desenvolvimen-
tismo devido à vinculação de cada grafia a concepções teóricas diferentes. Essa discussão,
porém, extrapola o objetivo deste capítulo, e visando uniformizar a escrita, optou-se pelo termo
neodesenvolvimentismo.

118
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

ses sociais, uma integração entre os diferentes estratos, visualizando o hori-


zonte comum do desenvolvimento econômico e formando, assim, uma “verda-
deira nação”. Este consenso deve incorporar, na argumentação do autor (ibid.,
p. 13), “empresários do setor produtivo, trabalhadores, técnicos do governo e
classes médias profissionais” e permitir o fortalecimento do Estado “fiscalmen-
te, administrativamente e politicamente, e, ao mesmo tempo, dar condições às
empresas nacionais para serem competitivas internacionalmente”.
Em contraposição, Castelo (2009, p. 79) coloca que, desde sua origem, o
Estado moderno funciona, no plano político e econômico, como “guardião, em
última instância, da ordem burguesa que produz e reproduz as desigualdades
sociais de diversas formas”. Portanto, o Estado funciona de forma complemen-
tar ao mercado, sendo “funcional ao capital na garantia de certos pressupostos
legais para a acumulação de capital derivada da exploração das classes subalter-
nas” (CASTELO, 2009, p. 79). Dessa forma, o “grande acordo” social proposto
pelos neodesenvolvimentistas, com o objetivo comum de alcançar o desenvolvi-
mento econômico, induzido por um Estado promotor do bem-estar universal,
acima dos interesses de classe, não é aplicável no âmbito do capitalismo.
Em relação à ideia de um terceiro discurso, Plínio de Arruda Sampaio
Jr. (2012) identifica que, para os economistas do neodesenvolvimentismo, o
crescimento econômico é o caminho para a confrontação das desigualdades
sociais e, para isso, o autor aponta que a proposta opera no limite de uma
conciliação entre
os aspectos “positivos” do neoliberalismo – compromisso social com a esta-
bilidade da moeda, austeridade fiscal, busca por competitividade internaci-
onal, ausência de qualquer tipo de discriminação contra o capital internaci-
onal – [...] [e] os aspectos “positivos” do velho desenvolvimentismo – com-
prometimento com o crescimento econômico, industrialização, papel regu-
lador do Estado, sensibilidade social (SAMPAIO JR., 2012, p. 679).

Ao contrário do que preconizava o nacional-desenvolvimentismo brasi-


leiro8, o quadro teórico do neodesenvolvimentismo mantém os pressupostos
macroeconômicos que caracterizam as políticas neoliberais, como estabilida-
de da moeda, austeridade fiscal e liberalização da economia, conseguindo ape-
nas “atenuar os efeitos mais deletérios da ordem global sobre o crescimento, o

8
Modelo econômico desenvolvido no Brasil, e de forma geral na América Latina, característico
das décadas de 1940 a 1970, que, baseado em trabalhos produzidos por intelectuais cepalinos e
isebianos, representou uma alternativa para a superação do subdesenvolvimento latino-ameri-
cano e consequente consolidação do capitalismo nesta região. O nacional-desenvolvimentismo
previa uma intervenção direta do Estado na economia, atuando como promotor do desenvolvi-
mento a partir de investimentos na infraestrutura através de obras estruturantes.

119
RODRIGUES, R. de O.; SANTOS, M. I. dos • O Pronatec na fronteira entre o público e o privado

parque industrial nacional e a desigualdade social” (SAMPAIO JR., 2012, p.


680). Este fator é reforçado por Reinaldo Gonçalves (2012) ao afirmar que o
nacional-desenvolvimentismo se organizava a partir da valorização do capital
nacional industrial e do investimento estatal, enquanto que no neodesenvolvi-
mentismo “a política macroeconômica é mais importante do que a política
industrial e as outras políticas estruturantes” (GONÇALVES, 2012, p. 660).
Giovanni Alves (2014) coloca que o neodesenvolvimentismo acaba por
se alinhar muito mais com o eixo da continuidade do que do rompimento do
padrão macroeconômico neoliberal. Trata-se, no entender do autor, de um
projeto de desenvolvimento que prioriza a constituição de estratégias para a
acumulação do capital que permitam, concomitantemente, “redistribuir ren-
da, ampliar o mercado consumidor e instaurar suportes sociais mínimos de
existência para a classe trabalhadora pobre, aumentando o gasto social do Es-
tado nos limites do orçamento público, comprometido com o pagamento da
dívida publica” (ALVES, 2014, p. 136).
Associado a estas questões, é na análise do papel desempenhado pelo
protagonismo do Estado que podem ser identificadas com mais clareza as ca-
racterísticas do novo projeto de desenvolvimento implantado no Brasil no sé-
culo XXI. Segundo Branco (2009), no neodesenvolvimentismo o Estado pas-
sa a atuar como uma instância reguladora das atividades econômicas, criando
as condições propícias para o capital realizar seus investimentos financeiros.
Esta mudança no papel do Estado durante o neodesenvolvimentismo se con-
solida, entre outras formas, por meio do repasse de verbas públicas para o
setor privado, através do estabelecimento de parcerias.
Estas parcerias público-privadas estão ancoradas em uma mudança cul-
tural, uma forma de conceber a administração pública a partir de elementos
do setor privado que, ideologicamente, são considerados mais avançados, di-
nâmicos e capazes de responder às demandas da sociedade de forma mais
eficiente. Para isso, é necessário transformar a ação e a tomada de decisões
políticas em atos de gestão através da criação de “quase mercados”, levando a
gestão pública, em última instância, a comportar-se como se fosse uma “cor-
poração empresarial”, a fim de potencializar a participação da nação na com-
petição no mercado global (CLARKE; NEWMAN, 2006). Estas estratégias
demonstram mudanças efetivas na forma de organizar, gerir e executar políti-
cas por parte do Estado que se sintetizam no termo gerencialismo9.
O Pronatec desenha-se como uma política articulada a estas caracterís-
ticas de projeto de modelo de desenvolvimento e de redefinição do papel do

9
Para uma discussão mais qualificada sobre gerencialismo, ver Clarke; Newman, 2006.

120
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Estado, com destaque para o estabelecimento de parcerias entre os setores


público e privado, pois, como afirma a EMI, para atingir os objetivos do Pro-
grama é necessário conjugar todos os esforços visando garantir a expansão da
educação profissional e tecnológica com qualidade contando com a participa-
ção da rede privada, e, “neste contexto, as entidades do chamado ‘Sistema S’
têm importantíssimo papel a desempenhar” (BRASIL, 2011, p. 31). Na mes-
ma direção, o relator da matéria na CEC reforça que a implantação e amplia-
ção das ações e projetos que compõem o Programa só serão viáveis “em parce-
ria com as redes estadual e federal, instituições de ensino privadas e o sistema
S de ensino” (BIFI, 2011, p. 16). Esse chamamento ao Sistema S é respondido
pelo presidente do SENAC ao afirmar que “o SENAC se prontifica a estar
entre as instituições que poderão colaborar, efetivamente, com o sucesso do
Pronatec” (SANTOS, 2011, p. 18).
Torna-se fundamental destacar o protagonismo que, historicamente, o
Sistema S desempenha no contexto da educação profissional brasileira. Se-
gundo Manfredi (2002), o Sistema S, criado na década de 1940 durante o Go-
verno Vargas, representa, na sua origem, uma estratégia empregada pelos in-
dustriais paulistas para disciplinar o trabalhador brasileiro e garantir a paz
social, alicerçando-se nas premissas de colaboração entre capital e trabalho e
na representação de que a indústria interessava a todos os brasileiros, indepen-
dentemente da classe social. O Sistema S possui uma estrutura híbrida, na qual
sua gestão é privada, orientada por empresários, sem a efetiva participação do
governo e dos trabalhadores. No entanto, a maior parte de seus recursos são
públicos, provenientes das contribuições compulsórias incidentes sobre a folha
de pagamento das empresas de determinados setores, arrecadadas pelo Instituto
Nacional de Seguridade Social (INSS), órgão do governo federal.
Devido ao seu histórico protagonismo e notória capilaridade no contex-
to da educação profissional, o Sistema S se apresenta como beneficiário direto
e preferencial de recursos públicos em muitas das iniciativas do Pronatec. Essa
centralidade do setor privado nas ações do Programa também pode ser perce-
bida na priorização da oferta de educação profissional de nível médio de for-
ma concomitante, focalizada no treinamento de mão de obra com o objetivo
de atender as demandas do mercado de trabalho, que se confunde, nesta con-
cepção, com as necessidades de desenvolvimento da nação.
Reforçando essa avaliação sobre a oferta concomitante da formação pro-
fissional, a CNTE (2011, p. 183) critica o fato de terem sido secundarizadas as
“premissas curriculares e o papel social da formação dos(as) trabalhadores(as)”
construídas por pesquisadores e educadores brasileiros nos últimos anos. Es-
sas premissas, que propunham a integração entre educação, trabalho, ciência

121
RODRIGUES, R. de O.; SANTOS, M. I. dos • O Pronatec na fronteira entre o público e o privado

e tecnologia com foco no desenvolvimento de aptidões dos trabalhadores para


a vida produtiva e social, foram substituídas por um reducionismo curricular
que contempla as demandas dos setores produtivos, cujo interesse na forma-
ção de trabalhadores se resume à qualificação operacional da mão de obra, e,
“para que seus objetivos sejam atingidos com segurança, optaram por direcio-
nar a formação a cursos e instituições privadas, com currículos adstritos aos
interesses corporativos” (CNTE, 2011, p. 183).
A inflexão para a concomitância no referencial do Pronatec indica uma
mudança na concepção da educação profissional e seu papel no desenvolvi-
mento econômico e social do país em comparação a outros movimentos que
estavam sendo realizados na EPT brasileira. Esse é o caso da forma integrada
de oferta da educação profissional, prioritária desde o Decreto 5154/2004,
que, segundo o secretário de Educação Profissional e Tecnológica Eliezer Pa-
checo, propunha a criação de um novo desenho institucional – sinalizado pela
criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia – e estava
inserida num planejamento de nação soberana e democrática, comprometida
com uma educação emancipatória vinculada ao mundo do trabalho. Com isso,
afirma Pacheco (2011, p. 15), esse novo desenho buscaria promover “uma for-
mação profissional mais abrangente e flexível, com menos ênfase na formação
para ofícios e mais na compreensão do mundo do trabalho e em uma partici-
pação qualitativamente superior nele”.
Essa perspectiva perde força com a implantação do Pronatec e a reto-
mada da forma concomitante de oferta de educação profissional de nível mé-
dio, apontando para uma concepção de educação com forte vinculação ao
mercado, de caráter tecnicista e ancorada em uma renovada Teoria do Capital
Humano. Esta concepção transparece nos documentos relacionados ao Pro-
grama, como demonstra a Exposição de Motivos Interministerial n° 19, de
28.04.2011 ao afirmar ser o objetivo principal do Programa a oferta de “opor-
tunidade de formação profissional aos trabalhadores e jovens estudantes bra-
sileiros, criando condições favoráveis para sua inserção no mercado de traba-
lho”. Esta estratégia, segundo o documento, visa superar um dos maiores pro-
blemas para a continuidade do crescimento econômico experimentado pelo
Brasil nos últimos anos, “que é a falta de mão de obra qualificada”.
Cumpre observar que essa mudança, priorizando a concomitância – e
que pode ser ampliada para a oferta subsequente dos cursos técnicos –, reflete a
prioridade que esta forma de oferta possui na rede privada. Comparando dados
de matrícula da educação profissional de 2013, do Inep/MEC, a rede privada
respondia por 64,70% das matrículas da forma concomitante e apenas 7,74% da
forma integrada. Este direcionamento está vinculado, entre outros fatores, à

122
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

cultura institucional, especialmente do Sistema S, que historicamente não de-


senvolve a escolarização dos seus estudantes, priorizando uma formação profis-
sional tecnicista, e ao custo necessário para o desenvolvimento da forma inte-
grada, pois, para ser executada com qualidade, ela demanda um grande investi-
mento, desde espaços físicos adequados até um corpo docente mais numeroso.
Esta análise dos objetivos, ações e iniciativas previstas no desenho legal
e institucional do Pronatec é fundamental para compreender as várias dimen-
sões que o constituem e as conexões entre os sujeitos individuais e coletivos
envolvidos em sua execução. Na próxima seção serão apresentadas algumas
considerações finais originadas da análise dos dados até agora pesquisados,
visando salientar as relações entre os setores público e privado.

Considerações finais: o Pronatec


e a centralidade da esfera privada
Neste sentido, como um rio que recebe águas de vários afluentes, o Pro-
natec forma-se na confluência de vários elementos. As políticas de um Estado
desenvolvimentista, característico do projeto neodesenvolvimentista, a com-
preensão da educação profissional como investimento em capital humano, a
inserção de práticas gerencialistas na gestão estatal e a implantação de parcerias
público-privadas são alguns desses elementos cristalizados nos pressupostos
do Pronatec, pois, desde os documentos e leis que o implantaram, é possível
visualizar a esfera privada como elemento central neste Programa.
Nesta perspectiva, torna-se relevante destacar o Sistema S como o agen-
te focal, contemplado como beneficiário direto e preferencial de recursos pú-
blicos em muitas das iniciativas do Programa. O ingresso do Sistema S no
sistema federal de ensino vem corroborar essa conclusão, pois, entre outras
coisas, facilita o repasse de recursos públicos diretamente, sem a necessidade
de realização de convênios ou de seguir as demais diretrizes das políticas pú-
blicas da EPT devido à permanência de sua autonomia pedagógica, financeira
e administrativa. Esse processo se dá, também, pelo reconhecimento, por par-
te do governo e de parcelas da sociedade, de que, por se tratar de entidades
privadas, são mais dinâmicas, com capacidade de execução mais eficiente dos
recursos públicos por estarem baseadas em estratégias gerenciais de mercado e
não em decisões políticas.
A centralidade do setor privado também pode ser percebida na forma de
oferta dos cursos pelo Programa, quer na priorização da oferta de educação
profissional de nível médio de forma concomitante, quer na Formação Inicial
e Continuada. Apesar das especificidades, ambas as ofertas estão focalizadas

123
RODRIGUES, R. de O.; SANTOS, M. I. dos • O Pronatec na fronteira entre o público e o privado

no treinamento de mão de obra com o objetivo de atender as demandas do


mercado de trabalho, que se confundem, nesta concepção, com as necessida-
des de desenvolvimento da nação. Nessa direção, é possível identificar uma
oferta fragmentada e tecnicista de formação profissional presente no Prona-
tec, pois sinaliza para o trabalhador que sua qualificação é uma ação individu-
alizada, relacionada com seu interesse particular, e apresenta um leque de pos-
sibilidades para serem escolhidas livremente. Porém, observada de forma mais
atenta, esta liberdade de escolha é reduzida, pois, analisando o Guia Pronatec
de Cursos FIC – 3ª edição10, é possível identificar uma padronização da dura-
ção dos cursos – em 160 h – e o predomínio do enfoque tecnicista linear.
Estes elementos permitem identificar uma priorização das demandas
do setor privado como eixo central tanto da execução, consolidando-se como
via de acesso ao fundo público, quanto do conteúdo das propostas, caracteri-
zando os requerimentos do sistema do capital como os da própria sociedade.
Por certo estas considerações precisam ser mais bem desenvolvidas no trans-
correr das pesquisas nas quais este capítulo se fundamenta, tendo em vista o
Pronatec possuir um aspecto líquido, com alta capacidade adaptativa, e per-
mitir, por esta característica, diversas abordagens para sua compreensão.

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126
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

SEGUNDA PARTE

127
128
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Políticas, processos e atores de privatização


da educação em Portugal: apontamentos

Fátima Antunes

Introdução
Desde 2011, Portugal tem um governo – visto por alguns como o quarto
membro da tróica (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Mo-
netário Internacional) que representa os credores – que assumiu o programa
austeritário com a determinação de ir além da tróica; em boa medida este desíg-
nio foi cumprido concretizando um conjunto de políticas com vista à desagre-
gação do (frágil) Estado de Bem-estar português, nas suas dimensões estrutu-
rantes da saúde, educação e segurança social e dos direitos fundamentais asso-
ciados (Reis, 2014)1. De resto, a educação e a saúde destacaram-se pela dimen-
são dos brutais cortes orçamentais, associados à depauperação das estruturas
públicas e, em particular, à drástica redução do corpo de profissionais que
produz o serviço público. Preparado desde 2014 e concretizado já em 2015, o
despedimento de mais de seiscentos trabalhadores devastou também a admi-
nistração pública da segurança social enquanto, simultaneamente, ampliava o
processo de transferência de funções e recursos públicos para instituições do
chamado terceiro setor, mais concretamente as designadas instituições parti-
culares de solidariedade social (IPSS)2. A privatização da educação recrudes-

1
Este estudo foi financiado por fundos nacionais da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecno-
logia (Projeto PEst-OE/CED/UI1661/2014).
2
Estudos económicos sustentam que terá ficado mais cara a opção governamental de financiar
instituições do chamado setor solidário para prestar serviços, em lugar de transferir recursos
para os sujeitos, dando cumprimento à prévia formação de direitos pelos cidadãos. A confir-
mar-se a continuação de tal tendência, este processo insidioso de privatização do bem-estar
social de feição residualista corresponde a um duplo empobrecimento e transferência de recur-
sos do domínio público para mãos privadas: (i) uma prestação-direito do cidadão é-lhe retirada
(ao mesmo tempo que a autonomia de a gerir); (ii) se fica mais caro adquirir serviços a terceiros
do que atribuir prestações aos cidadãos, todos os contribuintes são penalizados em favor da
entidade privada provedora do serviço adquirido pelo Estado em nome dos cidadãos (um qua-
se-mercado de bem-estar cujos custos – acrescidos – são socializados). Eis uma forma de parceria
público-privado no domínio da segurança e ação social que levanta múltiplas questões quanto
aos sentidos políticos de tais arranjos de provisão de bem-estar. Nestes processos, sobressaem
quer as organizações da sociedade civil como braços do Estado, quer o favorecimento da socieda-

129
ANTUNES, F. • Políticas, processos e atores de privatização da educação em Portugal

ceu nestes quatro anos, através de antigos e novos processos, atores e políticas.
O financiamento ao setor privado manteve-se ou alterou-se conforme as rúbri-
cas, geralmente em prejuízo do sistema, do interesse e da gestão eficiente dos
recursos públicos. Entretanto, observam-se cortes em serviços de educação
especial e atrasos de pagamentos a provedores de outras respostas educativas
adquiridas a privados (tratando-se, desta vez, de uma sociedade civil estranha ao
Estado?). Está no terreno um projeto societal que passa por criar um sistema
educativo público empobrecido que, mais cedo ou mais tarde, venha a tornar-
se um sistema educativo pobre para pobres?
De seguida discuto três argumentos para uma problemática em torno
de políticas, processos e atores de privatização nos 40 anos de democracia em
Portugal: (i) o Estado, central e local, tem sido um protagonista chave, princi-
palmente através de políticas públicas, mas também pelo patrocínio, favoreci-
mento e legitimação de certos atores e processos; (ii) mais recentemente multi-
plicaram-se os sujeitos e os desenvolvimentos da luta sociopolítica pela preva-
lência de interesses particulares face ao bem comum; (iii) desde 2011, no qua-
dro das políticas regressivas de ajustamento estrutural austeritário, há passos visí-
veis que promovem e abrem caminho à expansão da privatização para um
projeto societal de rutura com direitos fundamentais que inclui a alteração do
estatuto, do papel e do âmbito da educação pública na sociedade portuguesa.

1. A omnipresença do Estado…no vasto caminho da privatização


Se procurarmos recensear dinâmicas de privatização da educação em
Portugal, nos quarenta anos de democracia, encontramos, em primeiro lugar,
quer cronologicamente, quer quanto ao impacto, um conjunto de medidas
impulsionadas pelo Estado3, ainda que seja importante também a presença

de civil íntima, secundária e tutelada pelo Estado (Santos, 1990), quer a retração e expansão do
Estado, desenvolvimentos bem conhecidos e estudados desde há mais de duas décadas na pers-
petiva da gestão pública gerencialista ou Estado gerencial (Newman & Clarke, 1997; Clarke &
Newman, 2012).
3
A compreensão do Estado como relação política e campo de luta política (Santos, 1990, 1993,
1998: 66; Peroni, 2011: 24 e ss.) permite elucidar o seu protagonismo nestes 40 anos em dois
processos entrelaçados e paralelos: a expansão do sistema público de educação que constitucio-
nalmente realiza e consolida o direito à educação da população portuguesa, enquanto favorece
e fomenta atores e processos de privatização e mercadorização, que fragilizam e precarizam o
mesmo direito fundamental. A crise e consolidação do semi-Estado-providência e da escola de mas-
sas em Portugal, o neoliberalismo educacional mitigado (Santos, 1990; Stoer & Araújo, 1992; Afonso,
1998) têm naquela duplicidade do Estado um dos seus fundamentos. Como aqui se sugere,
desde 2011, as políticas regressivas austeritárias interromperam este padrão para inscrever um
projeto societal alternativo (cf. Reis, 2014).

130
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

das estratégias das famílias (como ocorre com as ‘explicações’) ou a ação de


setores e grupos mais ou menos organizados e autónomos (Associações EPIS,
do Ensino Particular e Cooperativo, empresas). Nesse sentido, a privatização
da educação é, em Portugal como em outros países e contextos, em boa medi-
da uma obra do Estado e uma política pública (Lima, 1996). Por outro lado,
trata-se de um processo polifacetado e prolongado (privatizações), cujas mani-
festações e debate têm já várias décadas podendo, desde os anos 80, observar-
se ritmos e desenvolvimentos diferenciados, em Portugal como em outras lati-
tudes (cf., por exemplo, Estevão, 1998; Afonso, 1998; Adrião & Peroni, 2005;
Ball & Youdell, 2007; Barroso, 2013).
Assim, entre meados dos anos 80 e o início do século, conhecemos no
nosso país três dos principais processos em que o Estado desempenhou esse
papel de estimular a criação de um espaço para provedores privados, lucrativos ou não:
falamos da expansão do ensino superior e da educação de infância, bem como,
desde 1989, do ensino profissional (Seixas, 2000; Vilarinho, 2000; Antunes, 2000).
No primeiro e segundo casos, num contexto de insuficiente resposta pública à
procura existente, o Estado desregulou e liberalizou a expansão do setor privado
no ensino superior e desobrigou-se da construção de um sistema público dimen-
sionado para atender toda a população, na educação de infância. Para o ensino
profissional, o Estado criou ativamente o espaço privado de provisão, apelando
à contratualização da resposta educativa privada com financiamento totalmen-
te público, segundo uma modalidade de parceria público-privado, constituindo
uma fórmula de quase-mercado (com os provedores privados a concorrer por con-
tratos de financiamento público) (cf. Le Grand & Bartlett, 1993).
Este último processo, com variações, veio a ser largamente utilizado em
todos os setores da educação e por todos os governos, desde o final dos anos
80, como estratégia de expansão da resposta pública e da população abrangi-
da, sem a correspondente criação (no caso da educação e formação de adul-
tos) ou ampliação de estruturas públicas permanentes e/ou dimensionadas
para a população a atender (nos setores da educação de infância ou da educa-
ção básica, por exemplo para o programa Escola a Tempo Inteiro (Pires, 2014)).
Dada a diversidade de situações aqui consideradas, haverá casos (como o ensi-
no artístico articulado ou quiçá certas respostas de educação especial) em que
a aquisição de serviços por parte do Estado a fornecedores privados terá o
estatuto de uma resposta específica e/ou uma expressão menos significativa,
quer em termos da população, quer dos profissionais, ou dos recursos envolvi-
dos. O mesmo não se passa com a educação de infância (uma política tenden-
cialmente universal) e a educação e formação de jovens ou de adultos em que,
para além da universalidade, se levantam ainda questões sobre as implicações

131
ANTUNES, F. • Políticas, processos e atores de privatização da educação em Portugal

da desescolarização dos jovens académica e socialmente mais frágeis, com o


envolvimento de instituições não-escolares e empresas lucrativas na provisão
das respostas educativas.
Por outro lado, desde há cerca de duas décadas, está em vigor a lei que
reforçou a importância do pagamento de taxas de frequência (propinas) pelos
alunos do ensino superior público, processo com expressão crescente nos últi-
mos anos, em que as instituições se vêm debatendo com problemas de fi-
nanciamento, marcado pela incerteza, pela instabilidade, por acordos e leis
incumpridos por parte do governo e, mais recentemente, por cortes orçamen-
tais (cf. CNE, 2014a: 274 e ss.). O pagamento de propinas, entre outras questões,
condiciona o acesso ao ensino superior, em função da capacidade económica,
fomentando a exclusão dos estudantes mais desfavorecidos (cf. Cerdeira, 2009).
Também desde meados dos anos 90, há denúncias de situações em que
o Estado vem financiando a escolarização privada de alunos do ensino básico
e secundário, em concorrência com escolas públicas, às vezes situadas na mes-
ma ou em localidades muito próximas, que assim vêm os seus recursos físicos
e materiais desbaratados, enquanto são carreados vultuosos financiamentos
para o setor privado4.
Poderíamos talvez considerar esta uma primeira geração de políticas
que, já desde os anos 80 e 90, constituíram o Estado português como promo-
tor de processos de privatização da educação, – the state as a market-maker (Ball
& Youdell, 2007: 39). Dessa forma, até meados da primeira década deste sécu-
lo, o Estado atuou nesta matéria principalmente nos seguintes sentidos: (i) por
insuficiência da estrutura e escassez da resposta pública de educação, deixando
espaço para, e estimulando, a oferta privada, por exemplo, no ensino superior

4
Desde os anos 80, em que a procura de educação cresceu mais do que as estruturas disponíveis,
o Estado celebrava contratos diversos (de associação, de patrocínio, …) com escolas privadas,
através dos quais financiava a escolarização de alunos que não tinham resposta (vagas) nas
escolas públicas. Em alguns casos, as escolas privadas eram (e são) totalmente financiadas por
estes contratos, já que não eram ou são frequentadas por outros estudantes nem possuíam ou
possuem qualquer outra fonte de financiamento. Desde meados dos anos 90, segundo notícias
da comunicação social, este processo começou a assumir outros contornos, quer com a manu-
tenção daqueles contratos, quando o sistema e as escolas públicos já podiam responder à pro-
cura, quer com a não criação de escolas públicas em certas localidades porque já lá operavam
escolas privadas sustentadas por contratos com o Estado. Há algum tempo, em relação a deter-
minadas situações foram desencadeados processos de investigação policial e judicial por parte
das autoridades portuguesas (cf. http://www.publico.pt/sociedade/noticia/judiciaria-faz-bus-
cas-em-colegios-do-grupo-gps-1620493. Recentemente, foi também aprovado um novo estatu-
to do ensino particular e cooperativo, que abre caminho à expansão do cheque-ensino (cf.
Decreto-Lei n.º 152/2013 de 4 de novembro, in http://www.dgae.mec.pt/web/14662/eepc1,
consultado em 28 de março de 2014).

132
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

e na educação de infância; (ii) contratualizando com estabelecimentos privados


a escolarização de jovens de uma dada localidade, na educação obrigatória e/
ou de nível secundário5; (iii) optando por não edificar estruturas públicas per-
manentes e/ou mobilizando instituições escolares e não-escolares privadas, lu-
crativas ou não, sob contratualização de serviços (quase-mercado), no âmbito
de programas temporários, na educação profissional de jovens ou na educação
de adultos; (iv) reforçando a importância da cobrança de taxas de frequência
aos estudantes do ensino superior público.

2. Privatizações: das políticas aos currículos,


o Estado, os atores económicos, os negócios
Já neste século, em particular nos últimos anos, outras formas de priva-
tização da educação, em regra envolvendo a ação direta ou o apoio do Estado,
têm vindo a ser ensaiadas e ganho visibilidade. Três desses desenvolvimentos
merecem particular destaque: por um lado, há entidades filantrópicas que ad-
quiriram certo protagonismo mediático em torno quer da sua ação no terreno,
quer da sua estratégia de influência na política educativa (de que é ilustrativo o
caso da associação EPIS-Empresários pela Inclusão Social); por outro lado, a
celebração de um contrato, pelo Estado português, envolvendo o coração do
sistema público e as funções centrais de avaliação e certificação no âmbito da
educação básica universal, com a aquisição, a uma agência global da Universi-
dade de Cambridge, de exames obrigatórios de inglês e certificação, dirigidos a
todos os estudantes do 9º ano; por último, a introdução legal do cheque-ensi-
no. A importância de qualquer destes processos reside na sua novidade no
país, no facto de se encontrarem em franco desenvolvimento e de revelarem
amplas implicações, em particular o último, pelo seu potencial de mudança da
configuração e do sentido do direito à educação e do sistema público que cons-
titucionalmente o realiza6.

5
Só desde 2010 a educação obrigatória se estendeu ao ensino secundário (10º, 11º, 12º anos).
6
Por limitações de ordem prática, não avançarei neste texto com a discussão em torno do cami-
nho aberto pelo atual governo à expansão do cheque-ensino (cf. Decreto-Lei n.º 152/2013 de 4
de novembro). Por outro lado, há algumas semanas, a Resolução do Conselho de Ministros n.º
42-A/2015 lançou uma nova fase no financiamento do ensino privado através dos chamados
contratos de associação com escolas, por via de um concurso que comprometerá o Estado por
três anos, em lugar da definição anual que vigorou até agora (cf. https://dre.pt/home/-/dre/
67541675/details/maximized?p_auth=sJP86xsf&serie=I&day=2015-06-19&date=2015-06-01;
http://www.dgae.mec.pt/web/14662/eepc1, consultados em 31 de Julho de 2015). Não é des-
piciendo notar que esta mudança ocorre a cerca de três meses de eleições legislativas que cons-
tituirão um novo governo. Razões igualmente pragmáticas impedem-me de ir mais longe no
debate sobre este importante processo.

133
ANTUNES, F. • Políticas, processos e atores de privatização da educação em Portugal

Começarei por uma breve referência à primeira destas formas mais re-
centes de privatização, enquanto fabricação do espaço educacional (Seddon,
2014) por referência ao universo da intervenção e gestão privadas. A associa-
ção Empresários pela Inclusão Social/EPIS foi publicamente lançada em 2006,
na sequência de um apelo do Presidente da República e tem nos seus órgãos
sociais representantes de algumas das maiores empresas portuguesas (como a
Galp, a EDP, a Jerónimo Martins ou a Unicer), fundações (como a Manuel
António da Mota), bancos (como o Banco Espírito Santo ou o Deutsche Bank)
ou consultoras (como a Price, Waterhouse & Coopers). Atua no domínio do
insucesso e abandono escolar, incluindo ainda programas de apoio à gestão
das escolas, patrocinados por empresas (como a Bosch ou EDP), promovendo
o “emparelhamento escola–empresa, com o objetivo de introduzir boas práti-
cas de gestão empresarial em ambiente escolar”. Atribui Bolsas Sociais EPIS a
estudantes carenciados e desenvolve um programa de Mediadores e Mentores
para o Sucesso Escolar. Segundo consta na página eletrónica, atua em 32 conce-
lhos, 179 escolas e 3729 alunos (ou cerca de 7000, segundo outras notícias7).
Publicou documentos como o ‘Barómetro EPIS’ ou o ‘Atlas da Educação’
(conjuntamente com um centro de investigação de uma universidade pública),
reunindo dados sobre educação no país e realiza iniciativas com grande cober-
tura mediática como a Conferência realizada a 17 de Março de 2015, “Educa-
ção 2020-Agenda para uma legislatura”, “para debater os desafios da Educa-
ção tendo em vista o horizonte de 2020 e dar um contributo para a governação
da nova legislatura que se iniciará em 2015”. Esta iniciativa foi transmitida
por uma rádio de referência nacional e teve a participação de três ex-Ministros
e um ex-Secretário de Estado da Educação, bem como de um ex-Secretário de
Estado do Emprego e de membros de diversos governos. A EPIS é recebida
pelo Presidente da República que é seu ‘Associado de Honra’8.
A avaliar pela atividade descrita na página eletrónica e pelas notícias
vindas a público, trata-se de uma entidade que desenvolve um conjunto de
metodologias de intervenção junto de estudantes, famílias e escolas, em coor-
denação com autarquias, o que sugere uma influência forte configurando for-
mas de privatização da política educativa no sentido apontado por Ball & You-
dell quando argumentam que “organizações do terceiro setor e ONG estão
crescentemente envolvidas quer na formação, quer na implementação da polí-
tica” e que as redes de relações sociais entre políticos, funcionários públicos, e

7
In http://observador.pt/2014/09/22/epis-duplica-investimento-combate-ao-insucesso-escolar-
abrangendo-sete-mil-alunos/, consultada em 3 de Março de 2015.
8
Conferir http://www.epis.pt/homepage, consultada a 16 de Março de 2015.

134
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

os negócios e os movimentos entre o Estado, os serviços públicos e o setor


privado “informam e influenciam o pensamento político sobre educação”, do
mesmo modo que “No seio destas redes, as distinções entre conselhos, apoio e
influência para obter trabalho (lobbying for work) são por vezes difíceis de ver”
(Ball & Youdell, 2007: 59, 56).
Em Setembro de 2013, o governo português assinou um contrato com a
Cambridge English Language Assessment9 para a aplicação de um teste diag-
nóstico de domínio do inglês, obrigatório para todos os alunos finalistas (9º
ano) do ensino básico. A realização desta prova deu lugar a uma nova respon-
sabilidade do Instituto de Avaliação Educacional (IAVE) público, a ser finan-
ceiramente custeada, segundo informação oficial, por uma parceria de cinco
entidades privadas e pelos certificados opcionais pagos pelos estudantes10.
Desde o início, este contrato originou controvérsia: (i) dado o inédito da aqui-
sição de serviços de avaliação compulsiva pelo Estado a uma entidade externa
e privada, num domínio (ensino de línguas ou da língua inglesa) em que não é
conhecido qualquer indício de insuficiência de competências no sistema edu-
cativo, público ou privado; (ii) pelo inesperado da decisão política, que não foi
precedida por qualquer estudo, debate ou iniciativa preparatórios; (iii) pelo
caráter altamente problemático do papel de intermediação assumido pelo Es-
tado, em favor de uma entidade terceira, num contrato que é, para todos os
efeitos, de comercialização de serviços educativos; (iv) pela restrita informa-
ção prestada sobre os fundamentos e objetivos desta ocorrência singular no
sistema educativo português11. Aquela controvérsia agudizou-se nos dois anos
em que a prova se realizou (2014 e 2015), ateada por diversos e graves desen-
volvimentos, que envolveram uma greve de professores: (i) circularam notí-
cias de que havia escolas e docentes do sistema público a ser utilizados na
promoção de contratos com entidades privadas, para a preparação dos tes-
tes, envolvendo o compromisso de pagamento de somas avultadas pelas famí-

9
Segundo informação oficial, trata-se de um organismo da Universidade de Cambridge, pre-
sente em cento e trinta países onde organiza exames de domínio do inglês realizados por
quatro milhões de pessoas (conferir http://www.cambridgeenglish.org/pt/about-us/cambridge-
english/, consultado em 10 de agosto de 2015).
10
Conferir http://preliminaryenglishtest.iave.pt/np4/documentacao.html, acesso em 1 de agosto
de 2015.
11
Segundo informação direta pessoal de responsáveis das escolas, em contexto de entrevista de
pesquisa, no setor privado não é raro que as escolas, a título de oferta adicional de serviços aos
seus alunos, assumam o papel de intermediárias e celebrem contratos de realização de exames
e respetiva certificação de domínio da língua (geralmente o inglês), com entidades externas
estrangeiras privadas, que comercializam esses serviços, em regra custeados pelos alunos. O
que é inédito e altamente problemático é que o Estado assuma este papel de intermediário da
comercialização de um serviço educativo por uma entidade estrangeira.

135
ANTUNES, F. • Políticas, processos e atores de privatização da educação em Portugal

lias12; (ii) foram mobilizados professores e escolas do sistema público e priva-


do para organizar e realizar toda a operação, incluindo a correção, do exame,
sob supervisão da Cambridge English Language Assessment; (iii) foi requeri-
da formação adicional a docentes titulados pelas universidades portuguesas;
(iv) foi retirado tempo letivo de trabalho com os alunos para realizar tarefas
relacionadas com este exame; (v) foi levada a cabo uma greve de professores à
realização do serviço relacionado com a mesma prova13; (vi) soube-se que o
Estado português teria de financiar a prova junto da Cambridge English Lan-
guage Assessment, já que muitos milhares de alunos, contrariamente ao su-
posto, não haviam requerido e pago o certificado e parte das entidades que se
haviam comprometido a custeá-la se haviam retirado do protocolo; (vii) admi-
te-se a possibilidade de este exame vir a integrar o conjunto de exames curricu-
lares obrigatórios e financiados pelo orçamento de Estado.
Neste quadro, o Ministro da Educação e Ciência entende que “É claro
que esta avaliação deve ser incorporada na nota. Vamos dar às escolas a liber-
dade para escolherem como isso é feito, qual a ponderação que dão ao teste,
mas é importante que os professores, alunos e encarregados percebam que este
teste deixou de ser só de diagnóstico mas é um teste de auxílio para a determi-
nação da classificação final” 14. Como se aponta num órgão de comunicação
social, apesar de “concebida por uma entidade externa, fora da alçada do Mi-
nistério da Educação” e estrangeira, para além de privada, esta prova pode, de
acordo com o Ministro e a documentação oficial “Diagnosticar, monitorizar e
avaliar, de forma sustentável e fiável, o desempenho dos alunos do sistema de
ensino português na aprendizagem da língua inglesa” e ser tomada pelos pro-
fessores como referência para “saber onde há falhas a colmatar”, garantindo
que as escolas “podem começar já a tomar medidas”15.
Não surpreenderia, pois, que a controvérsia venha ainda a adensar-se.
Para tal contribui justamente a possibilidade, publicamente admitida, de dele-

12
Conferir: http://www.fenprof.pt/?aba=27&mid=115&cat=226&doc=8431; http://aventar.eu/
2014/03/20/ligacoes-perigosas-na-escola-publica/, consultados em 28 de Março de 2014.
13
Conferir http://iave.pt/np4/227.html, consultado a 10 de agosto de 2015.
14
Conferir http://rr.sapo.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=29&did=192946, consultado em 3 de
agosto de 2015. De acordo com informação disponível, desde o início que esta possibilidade
estaria prevista: “Apesar de ser apenas uma prova de diagnóstico, e concebida por uma entida-
de externa, fora da alçada do Ministério da Educação, foi dada a possibilidade de os resulta-
dos do teste dos alunos do 9.º ano serem utilizados na ponderação da nota de final de ano, com
um peso de 25%, se os professores assim entendessem e se houvesse aprovação por parte do
Conselho Pedagógico das escolas.” In http://www.educare.pt/noticias/noticia/ver/?id=28022,
consultado em 3 de março de 2015.
15
Conferir http://www.educare.pt/noticias/noticia/ver/?id=28022; http://iave.pt/np4/
219.html, consultados a 1 de agosto de 2015.

136
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

gar sumariamente autoridade e capacidade de avaliação dos alunos no âmbito


da educação básica universal a uma entidade externa cuja relação com o siste-
ma educativo português carece de mandato e legitimidade políticos ou de fun-
damento cultural, científico ou pedagógico. A ligação existente assume con-
tornos perturbadores e problemáticos: um Estado soberano assume o papel de
intermediário, a favor de uma entidade terceira estrangeira, na comercializa-
ção de um serviço educativo que torna compulsivo e integra no currículo oficial.
São os processos democráticos de construção do debate e da decisão em edu-
cação que saem também feridos deste processo de alienação e trivialização
sumárias da autoridade e da legitimidade políticas do Estado, da autoridade e
legitimidade profissionais dos docentes, bem como de outras instâncias e pro-
tagonistas politica, cientifica e tecnicamente constituídos e reconhecidos.
Uma outra expressão significativa de privatização das políticas educati-
vas, sobretudo ao nível do seu desenvolvimento no terreno, passa pela criação
de um mercado, crescentemente amplo, de serviços de consultoria no domínio
da educação, adquiridos frequentemente por iniciativa ou com a mediação
dos municípios. Aqueles serviços de consultoria consistem não raro na disse-
minação de programas importados (de países como Espanha ou Estados Uni-
dos), quer se trate da avaliação externa de escolas, com forte ênfase nos de-
sempenhos dos alunos, da melhoria e eficácia das escolas ou da aprendizagem
do empreendedorismo. Estas intervenções, envolvendo ao longo de vários anos
dezenas ou centenas de municípios e de milhares de alunos, são pouco debati-
das e ainda menos estudadas, pelo que permanecem uma espécie de face igno-
rada da realidade educacional no terreno, apesar de frequentemente se desen-
rolarem com o envolvimento publicitado de autoridades municipais, respon-
sáveis centrais ou regionais do Ministério da Educação e instituições de inves-
tigação educacional.

3. O financiamento e a revolução neoliberal


em educação: tempos regressivos
Portugal fez no curtíssimo período de tempo dos últimos anos severos
cortes no orçamento público, o que implicou reduzir o âmbito, os recursos, a
capacidade, os beneficiários das políticas sociais públicas de saúde, educação,
segurança social. Assim, as condições para prover os serviços e satisfazer as
necessidades sociais tornaram-se mais difíceis e insuficientes (consultar, por
exemplo, European Parliament, 2014; European Parliamentary Research Ser-
vice, 2013; EAPN, 2013; Reis, 2014). No mesmo sentido, também as condi-
ções para aprender (e ensinar) se deterioraram substancialmente, em especial

137
ANTUNES, F. • Políticas, processos e atores de privatização da educação em Portugal

para os mais desfavorecidos, frequentemente penalizados pelo sistema de en-


sino (como a população adulta pouco escolarizada ou os jovens em situação
de insucesso ou abandono escolares).
Quando analisamos as opções recentes do governo português para a
educação, encontramos diversas medidas orientadas para a redução do finan-
ciamento e o chamado ajustamento estrutural; os cortes orçamentais atingiram,
entre 2011-2014, o triplo do que havia sido definido no Memorando de Enten-
dimento (ME)16, porque o governo português abraçou tão fortemente a políti-
ca de austeridade que anunciou e cumpriu a sua determinação em ir além da
tróica17. Ao mesmo tempo, só para citar alguns exemplos, há notícias de que
um significativo contrato de 500.000 euros foi celebrado com a ATEC (uma
entidade de formação) para desenvolver Cursos de Aprendizagem durante 2014-
2015; ou de que os contratos simples, que financiam as famílias para a frequên-
cia do ensino privado, aumentaram, entre 2013 e 2014, de 16 717 000 euros
para 19 400 000 euros (cf. CNE, 2014b).
No ensino superior, os cortes orçamentais foram tão brutais que o orça-
mento para as instituições e o custo por aluno e o financiamento da investiga-
ção em Ciência & Tecnologia, em 2013, regressaram a valores de meados da
década anterior (CNE, 2014a). Este estrangulamento produziu, entre muitas
outras, duas preocupantes consequências: por um lado, as instituições ficaram
cada vez mais dependentes das chamadas receitas próprias (propinas, financia-
mento externo proveniente de projetos de investigação e outros, prestação de
serviços como consultoria, por exemplo), que em algumas delas chegam a
atingir percentagens tão altas como 40% do orçamento anual; por outro lado,
vem-se tornando cada vez mais frequente ouvir os dirigentes das instituições
falar de internacionalização, atração e mobilidade de estudantes estrangeiros
como uma atividade económica de exportação. O estatuto do estudante estrangei-
ro requerido por estes responsáveis insere-se nesta prioridade política de atra-
ção de estudantes estrangeiros que pagam propinas várias vezes mais altas do

16
O Memorado de Entendimento estabelece para a educação um corte de 370 milhões de euros,
durante os três anos do programa (195 milhões (2012); 175 milhões (2013); mas o orçamento
de 2014 registava menos 1100 milhões de euros do que o orçamento de 2011 (Portugal – Me-
morando de entendimento sobre as condicionalidades de política económica, in http://
www.portugal.gov.pt/pt/os-temas/memorandos/memorandos.aspx; Ministério das Finanças,
2013, pp. 188-196).
17
Conferir, por exemplo, Jornal de Negócios, edição de 6 Junho 2011, in http://
www.jornaldenegocios.pt/economia/detalhe/passos_coelho_diz_que_governo_pode_
surpreender_e_ir_aleacutem_das_metas_da_troika.html, consultado em 20 de julho de 2014.

138
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

que os estudantes portugueses; no entanto, há já longo tempo se argumenta


no sentido de que: “o «mercado» de estudantes estrangeiros não representa
senão uma etapa na liberalização dos serviços públicos” (Poupeau & Garcia,
2003). A escassez e o estrangulamento financeiros das instituições têm um
impacto adicional no agravamento das dificuldades das famílias e dos alunos
mais desfavorecidos, já que os estudantes portugueses são, na Europa, dos que
suportam custos mais elevados para concretizar projetos académicos no ensi-
no superior (Cerdeira, 2009) e apresentam, em percentagens mais elevadas,
razões económicas para abandonar o ensino superior e/ou não o frequentar
como prática de educação ao longo da vida.
Como se apontou já, e em linha com políticas europeias do chamado
ajustamento estrutural, o governo português assumiu uma política de cortes or-
çamentais (e privatização) em educação que, a partir de 2012 e no ensino se-
cundário, se traduziu também pela contenção de abertura de Cursos Profissio-
nais nas escolas públicas, mas também nas escolas profissionais privadas, e
pela ampliação das vagas no Sistema de Aprendizagem tutelado pelo Instituto
de Emprego e Formação Profissional (IEFP).
Mesmo se o conhecimento e o debate são relativamente escassos e os
dados estatísticos divulgados se mostram insuficientemente elucidativos ou
contraditórios, é possível apontar o ano letivo de 2012/13, em que entrou em
vigor a escolaridade obrigatória de 12 anos, como o início de uma trajetória de
canalização, para fora da escola, de jovens academicamente mais frágeis e/ou
socioeconomicamente desfavorecidos com as consequências expectáveis de
segregação social e académica das instituições e dos percursos formativos.
Não é claro se há ou haverá, por esta via, uma redução do financiamen-
to público, tendo em conta os fundos estruturais europeus para a educação e
formação – mesmo que possa haver uma diminuição da responsabilidade or-
çamental do Estado português, já que deixa de pagar professores e outros re-
cursos que, nas escolas públicas, seriam necessários para a educação destes
jovens. Pode ocorrer antes a deslocação e concentração de financiamento pú-
blico para operadores privados do sistema de formação. Ou ambos os proces-
sos podem ter lugar, dependendo dos modos como se constitua a governação
do sistema. Dados divulgados pelo IEFP, acerca da execução física e financei-
ra das políticas (total anual acumulado até setembro de 2014) registam que,
para um total de 31 860 inscritos em Cursos de Aprendizagem, 19 586 (61.5%)
estão alocados a entidades externas (IEFP, 2014). Ainda, como já se referiu, e
segundo notícias divulgadas pela própria, a ATEC – Associação de Formação
para a Indústria e o IEFP teriam celebrado um contrato de meio milhão (500
000) de euros relativo ao desenvolvimento pela primeira de CA durante 2014-

139
ANTUNES, F. • Políticas, processos e atores de privatização da educação em Portugal

201518. Estes dados reforçam a perceção veiculada por múltiplos testemunhos


orais de responsáveis e professores de escolas públicas e de escolas profissio-
nais privadas, de que vários milhares de jovens após a conclusão do ensino
básico foram canalizados, através da política pública de oferta de educação
secundária, para um quadro institucional exterior à escola pública (e mesmo à
escola como instituição), que deixou de ser responsável pela sua educação.
Assim, o Sistema de Aprendizagem cresceu 58,5%, entre 2012 e 2013,
de 21 056 para 33 366 inscritos, uma evolução sem paralelo em qualquer outra
modalidade de nível secundário: dos 13 398 novos frequentadores do nível de
educação secundária em 2013, 91,8% correspondem ao crescimento do Siste-
ma de Aprendizagem, cerca de 5,8 vezes mais do que o aumento do número
de inscritos nos Cursos Profissionais, que mostram a segunda maior progres-
são com 2 136 alunos mais do que em 2012. Mais surpreendente ainda é o
facto de, de acordo com os dados oficiais, em 2013 terem concluído o ensino
secundário, através da modalidade de Cursos de Aprendizagem, 26 958 jo-
vens, um número que ultrapassa em muito o dos diplomados pelos Cursos
Profissionais (21 466) e acima da soma dos diplomados pelos CA nos quatro
anos anteriores19. De acordo com o Plano Nacional de Reforma, apresentado
pelo governo português à Comissão Europeia em Abril de 2014, a meta é ter
100.000 inscritos em Cursos de Aprendizagem em 2020, bem como substituir
as atuais modalidades (CP, CA, Cursos Tecnológicos, Cursos de Educação e
Formação, Cursos Vocacionais) por um “sistema dual como única modalida-
de de educação e formação de dupla certificação” (Portugal, 2014: 36-39).
Porque se pode falar destas políticas, na maior parte dos casos associa-
das à redução do financiamento da educação pública, como uma revolução
neoliberal em educação? Como defendem Poupeau & Garcia (2003): “Basta ao
Estado organizar a degradação do serviço público para que se estabeleça uma
bipartição entre público e privado, fazendo do primeiro um serviço educativo
pago e do segundo um lugar de gestão dos mais desmunidos de capital econó-
mico e cultural”. No mesmo sentido, argumento que está em causa uma pro-
funda mudança no lugar da educação na Constituição da República e na socie-
dade portuguesas. Se atingir os objetivos visados, esse conjunto de medidas

18
Cf. http://www.jornaldasoficinas.com/pt/mercado/item/1664-iefp-e-atec-reforcam-parceria-
para-o-sistema-dual ou https://www.atec.pt/en/academia-formacao-atec/quem-somos.html,
consultado a 6 de outubro de 2014. Segundo a última página eletrónica, a ATEC tem como
promotores a Volkswagen Autoeuropa, a Siemens, a Bosch e a C.C.I.L.A. (ou AHK – Câmara
de Comércio e Industria Luso-Alemã).
19
A estranheza da situação deve-se ainda ao facto de o número de diplomados registado em 2012/
13 ser superior ao número de inscritos em CA no ano anterior (cf. DGEEC, 2014: 45-50).

140
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

ameaça devastar o sistema de educação pública e ter como consequência tor-


nar mais difícil alcançar o nível de qualidade, de desempenho e de resultados
desejáveis e assim minar a centralidade e o estatuto da educação pública, bem
como o acesso desmercadorizado à educação como um direito fundamental.

Nota final
Procurou-se contribuir para esboçar uma problemática de pesquisa em
torno da privatização em educação, no quadro das relações entre o Estado e os
domínios público e privado e tomando como horizonte a construção do direi-
to fundamental à educação e do bem-estar social, situados no Portugal demo-
crático. Argumentou-se que o Estado e as políticas públicas têm, nestes 40
anos, desempenhado um papel central naqueles processos. Durante muito tem-
po, com fases e combinações distintas, pode observar-se uma espécie de dupli-
cidade na ação estatal, com o acento tónico ora na expansão e consolidação
do sistema público, ora no apoio e sustentação de atores e dinâmicas de amplia-
ção do espaço e da influência privados, às vezes assumindo simultaneamente
uma e outra orientação em setores diferenciados. Sugere-se, no entanto, que,
desde 2011, no quadro de políticas regressivas austeritárias de ajustamento
estrutural, com origem na União Europeia, se assistiu a uma rutura em favor
de um projeto societal neoliberal radical que, a ser bem sucedido, procura ins-
tituir um sistema educativo pobre para pobres e alterar o estatuto e o papel do
direito à educação e do sistema público que constitucionalmente o realiza.

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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

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143
Pela “causa” da educação pré-escolar
em Portugal: aproximações às políticas
de Terceira Via

Emília Vilarinho1

Introdução
No presente texto apresentamos alguns elementos de uma pesquisa reali-
zada anteriormente que se centrou na análise das políticas de Educação Pré-
Escolar em Portugal2 (1995-2010), procurando discutir a relação entre o Estado
e o Terceiro Setor na conceção e implementação de uma “nova política” para
este nível de educação. Nesta pesquisa, entre outros referenciais teóricos, mobi-
lizamos a abordagem de ciclo de políticas proposta por (Bowe, Ball & Gold,1992) e
fizemos a análise da trajetória da medida política (Ball & Shilling, 1994; Ball, S.,
1994) mais relevante – o Programa de Expansão e Desenvolvimento da Educa-
ção Pré-Escolar. Focalizaremos a nossa análise no período de revitalização (Vilari-
nho, 2011, 2013), iniciado a partir de 1995, onde se deu início à definição de
uma nova política (Dale, 1989, 1994) de educação pré-escolar e a implementa-
ção de importantes políticas educativas para este nível de educação. A Lei-Qua-
dro da Educação Pré-Escolar – Lei nº. 5/97, de 10 de Fevereiro –, aprovada por
unanimidade na sessão plenária de 11 de Dezembro de 1996, é a peça legislativa
que define a agenda da política para a Educação Pré-Escolar.
Neste trabalho daremos particular destaque ao contexto sócio-político
que influenciou a definição da política de educação pré-escolar e como se fo-
ram tecendo as conexões entre o público e o privado (terceiro setor) na imple-
mentação das politicas educativas. Integramos elementos para o debate acerca
da influência das políticas de Terceira Via na definição das políticas educativas
portuguesas.

1
Departamento de Ciências Sociais da Educação do Instituto de Educação da Universidade do
Minho – Investigadora do Centro de Investigação em Educação da Universidade do Minho.
Endereço: evilarinho@ie.uminho.pt.
2
Educação Pré-Escolar é o termo oficial utilizado em Portugal para designar o atendimento
institucional das crianças dos 3 aos 5 anos. A frequência é facultativa e o atendimento é realiza-
do em jardins de infância (escolas infantis), sendo da responsabilidade de educadores de infân-
cia (professoras habilitadas com formação superior especializada).

144
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Nos contextos internacional e nacional observa-se uma crescente valo-


rização do papel da sociedade civil na recomposição dos sistemas de proteção
social e educativo, tendo como pressuposto uma nova repartição das compe-
tências entre o Estado e outros agentes da comunidade. Nas últimas décadas,
o Estado tem redefinido o seu papel como fornecedor de serviços e observa-se,
simultaneamente, uma reafirmação da sociedade civil (mercado e ou comuni-
dade). Esta reafirmação surge associada a uma pluralidade de conceções e
representações de sociedade civil que, num contexto marcadamente neoliberal,
têm redefinido a importância das suas iniciativas (cf. Afonso, 2010, Jerez, 1997).
Como referem Ball e Olmedo (2013), é fundamental construir novos conceitos
e métodos para a análise das mudanças na governação da educação dentro de
uma estrutura global e da emergência de uma nova filantropia. Como adian-
tam os mesmos autores “a nova filantropia está trazendo novos jogadores à
arena do desenvolvimento internacional, estabelecendo novos papéis e rela-
ções de políticas e desenvolvimento, criando novos terrenos de políticas e re-
trabalhando as redes políticas existentes” Ball e Olmedo (2013: 34).
Em Portugal, tem vindo a ganhar visibilidade crescente a provisão social
e educativa privada (nas áreas da infância, terceira idade, saúde), com particu-
lar relevo para “as formas instituicionalizadas no âmbito do sector designado
por “solidariedade social” ou, mais genericamente, por terceiro sector. Apesar
da heterogeneidade organizativa, o conjunto das iniciativas designadas de so-
lidariedade é reconhecido como setor de utilidade pública, não estatal e não
lucrativo e supostamente avesso aos modos de organização burocrática e do
mercado” (Hespanha et al. 2000: 119). Estas iniciativas são apresentadas como
alternativa, mais económica e flexível, da provisão estatal. Neste sentido, este
sector tem reivindicado “a representação política de valores e interesses que,
eventualmente poderá configurar o referido sector como substituo funcional
do Estado de bem-estar nos processos de regulação social” (Hespanha et al.
2000: 120).
A Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar iniciou um novo ciclo de rees-
truturação deste nível de educação, num quadro de uma conjuntura nacional
e transnacional em que são visíveis as crescentes influências dos processos de
globalização e transnacionalização, com repercussões nas políticas educati-
vas, e onde as reformas e orientações de índole neoliberal e de caris próximo
da terceira via revalorizaram (em sentidos vários) os apelos e as medidas direci-
onadas para uma maior participação do mercado, da sociedade civil e do ter-
ceiro sector nas políticas públicas.
A construção das políticas de Educação Pré-Escolar é um processo com-
plexo em que são múltiplos e diversificados os atores e as instâncias que nele

145
VILARINHO, E. • Pela “causa” da educação pré-escolar em Portugal

interferem, apesar de estes assumirem níveis diferentes de envolvimento, res-


ponsabilidade e poder, sendo visível a sua influência no processo e no resulta-
do das medidas implementadas. Importa desde já realçar que a definição das
políticas e mudanças introduzidas são também moldadas pelas perspetivas
internacionais, nomeadamente europeias, acerca da educação e dos cuidados
para a infância. Neste caso, trata-se de orientações, entendimentos e compro-
missos políticos assumidos (metas a atingir, objetivos), aos quais Portugal se
vincula como país integrante da União Europeia. Se, na análise das políticas
públicas, é importante ter em atenção os processos de influência e de regula-
ção supranacional, também é fundamental ter em conta as especificidades his-
tóricas, políticas e culturais da Educação Pré-Escolar, de modo a que se possa
evidenciar a realidade portuguesa que, embora “contaminada” por fatores,
conceitos e modelos exógenos, não é uma mera cópia dos modelos preconiza-
dos pelas instâncias internacionais e transnacionais. Ter em conta este aspeto
na nossa análise é particularmente relevante, uma vez que, neste nível de edu-
cação, e com maior expressão no período entre 1995 e 2002, a negociação com
a administração local e os parceiros sociais foi determinante (como procurare-
mos demonstrar) para a concretização das medidas políticas previstas no Pro-
grama de Expansão e de Desenvolvimento da Educação Pré-Escolar. Aqueles
parceiros sociais, legitimados por um mandato de representatividade das insti-
tuições particulares sem fins lucrativos, que prestam serviços para a infância,
reforçados com a assinatura do Pacto de Cooperação para a Solidariedade
Social3, em 1996, não só alargaram o campo de disputa entre os interesses da
rede pública e da rede privada, como através das parcerias estabelecidas com o
Estado introduziram algumas especificidades nos modos de definição e deci-
são política, no financiamento e nos padrões e modalidades de governação.

1. A definição da política de Educação Pré-Escolar


A Lei n.º 5/97, de 10 de Fevereiro – Lei-Quadro da Educação Pré-Esco-
lar – consagra conquistas importantes em torno dos direitos das crianças à
Educação Pré-Escolar e na clarificação concetual e organizativa deste nível de
educação como parte integrante do sistema educativo. Com a publicação da
referida lei, o XIII Governo Constitucional, liderado pelo partido socialista,
propôs-se resolver os problemas identificados em diferentes pareceres, relató-

3
Assinado entre o Governo, a Associação Nacional dos Municípios Portugueses, a Associação
Nacional de Freguesias, a União das Instituições Particulares de Solidariedade Social, a União
das Misericórdias Portuguesas e a União das Mutualidades Portuguesas.

146
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

rios e programas que, ao longo das duas últimas décadas anteriores à sua pu-
blicação, foram sendo apresentados por diferentes entidades governamentais,
académicas e profissionais. Entre os problemas identificados, destacamos: i) a
baixa taxa de pré-escolarização (ano letivo 1998/99 – 64,6%), e as assimetrias
regionais de oferta; ii) a predominância de jardins de infância da rede particu-
lar e as desigualdades de acesso das crianças à Educação Pré-Escolar; iii) a
desarticulação interministerial entre o Ministério da Educação e o Ministério
do Trabalho e da Segurança Social e a consequente fragmentação institucio-
nal e sócio-jurídica derivada da diversidade de promotores e de diferentes tute-
las ministeriais; iv) a predominância da função assistencial sobre a educativa
nos jardins de infância da rede privada.
Para um melhor entendimento do conteúdo e importância deste novo
enquadramento jurídico da Educação Pré-Escolar, apresentamos os seus aspe-
tos fundamentais, organizados nas seguintes categorias:

A: Conceção e Objetivos
– A orientação educativa é reforçada com a assunção da Educação Pré-
Escolar como “a primeira etapa da educação básica no processo de educação
ao longo da vida” (artigo 2º)4, que visa promover “a formação e desenvolvi-
mento equilibrado da criança, tendo em vista a sua plena inserção na socieda-
de como ser autónomo, livre e solidário” (artigo. 2º);
– Mantém a orientação de que a Educação Pré-Escolar é complemen-
tar à ação educativa da família e que com ela deverá ser estabelecida uma
estreita colaboração. Neste sentido, mantém o regime facultativo de frequên-
cia das crianças dos 3 anos de idade até ao ingresso no ensino básico (artigos
2º e 3º, pontos 1 e 2). Reforça a participação da família nos aspetos organiza-
tivos e, pela primeira vez, é referida a possibilidade de a família “participar,
em regime de voluntariado, sob a orientação da direção pedagógica da insti-
tuição, em atividades educativas de animação e de atendimento” (alínea d) do
artigo 4º);
– Dá nova formulação aos objetivos da Educação Pré-Escolar previstos
na lei de Bases do Sistema Educativo, adequando-os às novas preocupações
educativas e cívicas da educação da infância e aos novos imperativos da edu-
cação portuguesa;

4
A referência à Educação Pré-Escolar como processo de educação ao longo da vida aparece
pela primeira vez no corpo desta lei, sendo um acrescento importante à proposta de lei, uma
vez que reforça a sua conceção educativa não escolarizante.

147
VILARINHO, E. • Pela “causa” da educação pré-escolar em Portugal

– Reafirma o papel da Educação Pré-Escolar na promoção do sucesso


educativo das crianças, bem como a sua função compensatória das desigual-
dades sociais. A garantia legal da igualdade de acesso constitui-se como fator
fundamental para a universalização desta oferta educativa;
– Consagra a gratuitidade da componente educativa em todas as unida-
des pré-escolares, sejam elas de natureza pública, privadas de solidariedade
social (ponto 1 do artigo 16º). Determina que a aplicação desta medida se
inicia no ano letivo de 1997/1998 para as crianças que tenham completado 5
anos de idade e que deverá ser alargada progressivamente às restantes idades
até ao ano letivo de 2000/2001 (artigo 23º, ponto 2).

B: Rede e Princípios Organizativos


– Clarifica a tipologia das redes de Educação Pré-Escolar, como sendo
constituída pela rede pública e rede privada e as modalidades da Educação
Pré-Escolar, sendo mantida a orientação de atendimentos diversificados, quer
sob o ponto de vista da natureza do serviço, quer sob o ponto de vista dos
modos de organização do atendimento (artigos, 13º,14º e 15º)5;
– Define o novo modelo organizativo dos estabelecimentos de Educa-
ção Pré-Escolar – “instituição que presta serviços vocacionados para o atendi-
mento à criança, proporcionando-lhe atividades educativas e apoio à família”6
(artigo 3º, ponto 3);
– Define um novo horário de funcionamento para os jardins de infância
públicos, de modo a que este seja adequado ao desenvolvimento de atividades
educativas, de animação e de apoio à família (artigo 12º, pontos 1 e 2), permi-
tindo, desta forma, o alargamento do horário de atendimento das crianças
nestes jardins7. Esta medida deverá ser implementada de imediato e até ao
início do ano letivo de 2000/2001 (artigo 23º, ponto 1);

5
Sob este último ponto de vista, para além do atendimento prestado nos jardins de infância,
mantêm as modalidade de educação itinerante e animação infantil e comunitária, iniciadas
nos finais da década de 80.
6
Este novo modelo organizacional integra duas componentes: i) Componente educativa, que
corresponde ao tempo de 25 horas exclusivamente dedicado ao trabalho de natureza curricular
da responsabilidade de um(a) educador(a) de infância; ii) Componente socioeducativa, que diz
respeito ao restante tempo de permanência das crianças nas instituições, que integra atividades
de acolhimento, tempos livres e serviço de refeições e é da responsabilidade de educadores/
asinnte: ???menos de 30 e com 50 e mais anos, no Conitente só nas redes privada e solidária) e/
ou outros técnicos/as de educação, como por exemplo, animadores/as sociais e educadores/as
sociais.
7
Com esta medida, os jardins de infância públicos passam também a assumir a função social de
apoio às famílias, integrando os serviços de refeição e de tempos de acolhimento, animação das
crianças, que até então eram apenas prestados nos jardins da rede privada.

148
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

– Assume que “cada estabelecimento de Educação Pré-Escolar dispõe,


de entre outros órgãos, de uma direção pedagógica assegurada por quem dete-
nha as habilitações legalmente exigíveis para o efeito “e que nos jardins de
infância da rede pública “a direção será eleita de entre os educadores” (art.11º,
ponto 2). À direção pedagógica compete garantir “as linhas de orientação cur-
ricular e a coordenação da atividade educativa” (artigo 11º, ponto 1).

C: Papel do Estado, Rede e Financiamento


– Assume o dever do Estado de “criar uma rede pública de Educação
Pré-Escolar, generalizando a oferta dos respetivos serviços, de acordo com as
necessidades” (alínea a) do artigo 5º) e de “apoiar a criação de estabelecimen-
tos de Educação Pré-Escolar por outras entidades da sociedade civil, na medi-
da em que a oferta disponível seja insuficiente” (alínea b) do artigo 5º);
– Prevê que o Estado possa comparticipar os custos da componente so-
cioeducativa (de apoio social às famílias) às famílias com necessidades socio-
económicas (artigo 16º, ponto 2);
– Consagra a assunção da tutela pedagógica e técnica e a criação de
mecanismos de supervisão e avaliação das redes, assumindo os papeis de regu-
lador e avaliador do sistema, chamando a si a definição de critérios de avalia-
ção da qualidade dos serviços prestados e o controlo do funcionamento peda-
gógico e técnico dos jardins de infância (artigos 20ºe 21º)8;
– Assume a definição de normas gerais para o financiamento das moda-
lidades de Educação Pré-Escolar, a explicitação dos investimentos público di-
retos e às iniciativas privadas, bem como os critérios a adotar para a concreti-
zação da gratuitidade da componente letiva e da componente de apoio à famí-
lia (artigo 22º);
– Define que o Estatuto Profissional e de Carreira dos educadores de
infância da rede privada deve ser gradualmente aproximado ao Estatuto da
Carreira Docente da rede pública, condicionando o financiamento das insti-
tuições ao cumprimento deste preceito legal (artigo 18º, ponto 2 e artigo 23º,
ponto 3).
Estamos perante uma lei-quadro que contempla uma conceção ampla
de uma política (politics, na aceção anglo-saxónica) de Educação Pré-Escolar e
que cria os alicerces de um novo projeto para a Educação Pré-Escolar em Por-
tugal. A partir da análise do conjunto de documentos e normativos, dos dis-

8
Implementação de orientações curriculares, do Programa de Avaliação Integrado, de orienta-
ções para a edificação dos edifícios, organização pedagógica e materiais das salas de ativida-
des, entre outros.

149
VILARINHO, E. • Pela “causa” da educação pré-escolar em Portugal

cursos e depoimentos de responsáveis políticos, identificamos três eixos estra-


tégicos de desenvolvimento das políticas: i) Ao nível da rede – a reorganização
e a expansão da oferta; ii) Ao nível da conceção – a consolidação da Educação
Pré-Escolar como primeira etapa da Educação Básica e como serviço básico
de apoio à família; iii) Ao nível organizacional – a promoção da qualidade e a
implementação do modelo integrado de serviços. Neste texto centraremos a
nossa análise no contributo do terceiro setor no primeiro e último eixos.
Neste período, há vontade política em investir neste nível de educação9,
como disso daremos conta no ponto seguinte. Nele, esboçamos o contexto de
influência e o contexto de produção de texto (Bowe, Ball & Gold,1992) da política
de temos vindo a apresentar.

2. A Educação Pré-Escolar e o ciclo da governação Socialista


(1995-2002): o Período de Revitalização

2.1 O contexto político internacional e a emergência de uma política de


terceira via
A política governamental dos XIII e XIV Governos Constitucionais de
Portugal é ancorada em um conjunto de pressupostos políticos, fortemente in-
fluenciados pelos contextos sócio-político, económico e cultural transnacional.
As eleições legislativas de 1995 deram o poder ao Partido Socialista,
após uma década de governação social-democrata10. Como alguns analistas
políticos afirmaram na época, esta vitória não se deve apenas ao desgaste go-
vernativo do partido social-democrata e à rejeição das suas propostas políticas
pela maioria dos eleitores portugueses, às novas propostas apresentadas pelo
Partido Socialista (mais ao centro), mas também pela capacidade que António
Guterres teve de convencer o eleitorado de que se iria inaugurar uma nova
forma de fazer política em Portugal, mais aberta à participação política e social
da sociedade civil. Este trunfo começou a ser jogado com a organização das
jornadas do projeto Nova Maioria que se constituiu como um fórum de debate

9
Entre 1990 e 1997, o investimento público na educação teve um aumento importante - 11% do
Orçamento Geral do Estado, valores que são superiores ao investimento feito, por exemplo, no
Reino Unido (5%), na Espanha (4%) e na Grécia (9%). Em termos percentuais, só a Holanda,
a Finlândia e a Irlanda tiveram um investimento público superior ao de Portugal (Ministério
da Educação, 2000: 167).
10
O Partido Socialista ganhou as eleições legislativas em 1995 com 43,7% dos votos, ficando
com uma maioria relativa no parlamento, após 10 anos de governação do Partido Social De-
mocrata, onde este obteve duas maiorias absolutas em 1987 e 1991.

150
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

de ideias para a resolução dos problemas da sociedade portuguesa, ao qual se


associaram figuras independentes das diferentes áreas científicas e artísticas.
O projeto da Nova Maioria não só consubstanciava um novo caminho para a
sociedade portuguesa, como também materializava uma renovação do Parti-
do Socialista, na linha do debate que vinha a acontecer no seio da Internacio-
nal Socialista.
No contexto internacional, o debate em torno da “renovação” socialis-
ta e social-democrata ganhou nova expressividade com a procura de soluções
democráticas alternativas aos efeitos produzidos pelo colapso do comunismo,
pela crise do estado de bem-estar Keynesiano e pela disseminação ideológica
do neoliberalismo que foi favorecida pelo processo de globalização. Como re-
fere Giddens (1999: 45) “a globalização, juntamente com a desintegração do
comunismo alterou os contornos da esquerda e da direita”, pelo que os parti-
dos sociais-democratas e socialistas da Europa buscam uma solução não só
para a própria crise da esquerda como a sua afirmação num mundo globaliza-
do e capitalista.
Neste cenário, enquadram-se os debates políticos que tiveram lugar nos
Estados Unidos da América no final da década de oitenta e na Europa a partir
de meados da década de noventa do século passado, e que fizeram ressurgir a
discussão em torno do conceito de Terceira Via11. Estamos a referir-nos aos
posicionamentos políticos de Bill Clinton nos Estados Unidos da América, de
Wim Kok na Holanda, de Romano Prodi na Itália, de Lionel Jospin na Fran-
ça, de Tony Blair no Reino Unido e de Gerhard Schroder na Alemanha, que

11
Segundo Giddens (1999:31-32) esta expressão teria aparecido na passagem do século XIX
para o século XX, sendo utilizada durante a década de 1920 pela direita, embora maioritaria-
mente por sociais-democratas e socialistas. Mais tarde, no período do pós-guerra, os sociais-
democratas e socialistas europeus utilizavam-na para definirem um caminho alternativo ao
capitalismo americano e ao comunismo soviético. No âmbito da Internacional Socialista, em
1951, a expressão terceira via era usada para designar aquele caminho/hipótese divergente.
Nos anos setenta, o economista checo Ota Sik referia-se ao “socialismo de mercado” para lhe
dar conteúdo. No final da década de 1980, aquela expressão foi utilizada pelos sociais-demo-
cratas suecos para referirem uma reformulação programática do partido. Um outro autor,
Alex Callinicos (2002: 4), recorda ainda que “já em 1912, Ramsay MacDonald apresentava o
trabalhismo como a terceira via entre o socialismo de Estado e o sindicalismo (…). Para o
trostsquista americano Max Shachtman, o “terceiro campo” representava as forças capazes de
realizarem uma maior democracia de progresso social, num mundo dominado por dois com-
plexos de poder imperialistas rivais – primeiro, as democracias liberais ocidentais e a Alema-
nha nazi, depois, os blocos das duas superpotências durante a Guerra Fria”. A partir de mea-
dos da década de 1990, o debate acerca da distinção entre direita e esquerda ganhou maior
intensidade na Europa. Nesta época, questionava-se aquela divisão, se ela teria, ou não, o
mesmo significado político que tinha durante as primeiras décadas do mesmo século.

151
VILARINHO, E. • Pela “causa” da educação pré-escolar em Portugal

foram aqueles que tiveram maior visibilidade social e política no mundo oci-
dental e que levaram os seus partidos ao poder naqueles países12.
A expressão terceira via é ambígua, polémica, alvo de muitas críticas.
Alguns cientistas e analistas políticos referem-se a ela como sendo um concei-
to, um slogan, uma ideia alternativa, ou, os mais críticos, como um discurso
retórico de um certo branqueamento do neoliberalismo. No seu livro The Third
Way, publicado em 199813, Anthony Giddens assume
“a perspectiva de que a terceira via é uma estrutura do pensamento e de defi-
nição de políticas que procura adaptar a social-democracia a um mundo que
passou por transformações fundamentais durante as últimas duas ou três
décadas. É uma terceira via no sentido de que se trata de uma tentativa para
superar tanto a social-democracia clássica como o neoliberalismo” (Gid-
dens, 1999:32).

Callinicos (2002: 8), numa obra onde faz uma crítica à Terceira Via14,
referindo-se à dificuldade de definição do conceito e seus princípios e valores,
chama a atenção para a ambiguidade da expressão. Como refere este autor, o
próprio Giddens dá-se conta das diferentes “terceiras vias” existentes na Euro-
pa: a perspetiva “orientada para o mercado”, do New Labour do Reino Uni-
do, a perspetiva da Suécia, do “estado de bem-estar reformado” que mantém a
continuidade com o passado, a perspetiva holandesa, “orientada para o mer-
cado e para o consenso”, e a perspetiva francesa, que optou pela “via liderada
pelo Estado”, dando assim continuidade ao processo iniciado no passado.
No contexto europeu, os partidos do centro-esquerda que ganharam as
eleições procuraram criar alternativas ao capitalismo para serem capazes de
superar os excessos de uma direita utilitarista e os excessos de uma esquerda
igualitarista (Giddens, 1999). Se o socialismo real, enquanto sistema econó-
mico conduzido pelo Estado, morreu no mundo ocidental, ele sobrevive en-
quanto sistema de valores. Revisitar e atualizar os valores tradicionais da social-
democracia e do socialismo democrático para os mobilizar numa estratégia
alternativa aos governos de direita, que governam sob a bandeira do mercado,
parece ter sido (ser) mais ou menos consensual nos partidos do centro-esquer-
da. Apesar das diferentes condições de partida dos países europeus, pensar e

12
Recorde-se que, na 2ª metade da década de noventa, os partidos de esquerda europeus con-
quistaram a maioria (treze, incluindo Portugal) dos quinze governos da União Europeia, numa
Europa onde a direita se apresenta muito próxima do discurso neoliberal dominante.
13
Neste texto, as referências a este livro serão sempre relativas à edição publicada em Portugal
pela Editorial Presença em 1999.
14
Título original: Against the third Way: An Anti-Capitalist Critique (2001). Neste trabalho, as refe-
rências a esta obra são da edição portuguesa com o título Contra a Terceira Via. Uma Crítica
Anticapitalista, publicada em 2002, pela Celta Editora.

152
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

implementar um projeto, que se assumisse como um bloqueio ao neoliberalis-


mo através do recurso a políticas públicas de reforço da coesão social firmadas
naqueles valores, parece ter sido a alavanca que levou alguns daqueles parti-
dos ao poder na Europa. Pelo menos ao nível dos discursos, os principais líde-
res europeus reforçavam insistentemente, nas suas intervenções públicas, a
importância de não deixar cair os valores fundadores da social-democracia e
do socialismo democrático, apesar de terem de mudar as políticas destinadas a
realizá-los, em virtude das mudanças operadas no contexto económico e polí-
tico europeu e mundial. Por exemplo, Blair e Schroder afirmavam:
“A equidade e a justiça social, a liberdade e a igualdade de oportunidades, a
solidariedade perante os outros são valores intemporais. A social-democra-
cia nunca se sacrificará. Tornar estes valores presentes no mundo de hoje
exige políticas realistas e dotadas de visão a longo prazo, capazes de enfren-
tarem os desafios do século XXI. A modernização visa a adaptação a condi-
ções que objectivamente mudaram, e não se confundem com o cálculo elei-
toral”15.

Em França, Jospin parece não ter abandonado o ideal de ser o Estado a


conduzir o sistema económico e de prosseguir com os ideais socialistas. Em
duas intervenções públicas, a primeira feita nas Jornadas Parlamentares do
Grupo Socialista em Setembro de 1999, e a segunda feita no Congresso da
Internacional Socialista, em Novembro do mesmo ano, Jospin afirmava:
“(…) o estado deve dotar-se de novos instrumentos de regulação adaptados à reali-
dade do capitalismo actual”.
“(…) devemos (…) redescobrir o que há de útil no método marxista: a análise críti-
ca das realidades sociais e, por isso do capitalismo. Devemos continuar a pensar o
capitalismo, a fim de o contestarmos, de o dominarmos e de o reformarmos”16.

Neste sentido, a grelha de leitura através da qual os proponentes da ter-


ceira via leem o mundo é a inter-relação entre os valores éticos e políticos e a
mudança social e económica (Callinicos, 2002). Como refere Anthony Gid-
dens (1999: 62)
“o primeiro objectivo de uma política de terceira via deveria ser o de ajudar
os cidadãos a encontrar um caminho através das revoluções mais importan-
tes do nosso tempo: globalização, transformação da vida pessoal e o nosso
relacionamento com a Natureza”.

A histórica dicotomia direita/esquerda balizou a discussão em torno


do Estado, entre os critérios da diminuição do Estado (direita) e o critério da

15
In Europe: The Third Way/Die Neue Mitte – Tony Blair and Gerhard Schtoder”, 8 de Julho
de 1999, www.labour.org.uk, p. 1, citado Callinicos (2002: 7-8).
16
Citadas em Callinicos (2002: 8).

153
VILARINHO, E. • Pela “causa” da educação pré-escolar em Portugal

expansão do Estado (esquerda). A terceira via consolida a ideia de que o Estado


tem que ser reconstruído e ajustado às novas realidades introduzidas pela glo-
balização. A sociedade global e as instituições que definem orientações trans-
nacionais provocaram algumas perdas de autoridade e legitimidade do Esta-
do, pelo que estas dimensões têm que ser renovadas, através de um processo
de “democratização da democracia”. Na proposta de Giddens, a reforma do
Estado pressupõe um processo de aprofundamento e de alargamento da de-
mocracia, que terá como uma das suas bases a renovação e desenvolvimento
da comunidade. Neste sentido, os governos terão que agir em parceria com as
organizações da sociedade civil para definirem estratégias de desenvolvimen-
to das comunidades onde estão inseridas.
A questão da renovação da sociedade civil é fundamental para a política
da terceira via. Consideram os proponentes desta “nova política” que os gover-
nos devem promover diretamente a renovação da cultura cívica. Importa dar
mais conteúdo e sentido à “Comunidade”, de modo que esta não promova as
formas tradicionais de solidariedade social, mas que incentive a que as organi-
zações da sociedade civil se tornem mais úteis (solidárias e profissionais, dize-
mos nós) na resolução dos problemas sociais da comunidade:
“Uma sociedade civil forte protege o indivíduo do poder discricionário do
Estado. No entanto, a sociedade civil não é, como muitos gostam de imagi-
nar, uma fonte espontânea de ordem e harmonia. A regeneração das comu-
nidades pode criar problemas próprios e tensões específicas” (Giddens, 1999:
80).

Esta constatação levanta a questão de até onde pode ir a coordenação/


supervisão local, bem como quem deve gerir os conflitos que se geram a partir
de posicionamentos diferentes acerca da resolução dos problemas e de visões
acerca do futuro da comunidade. Neste sentido, Giddens considera que o Es-
tado não se deve confundir com a sociedade civil e deve assumir o papel de
protetor, de árbitro e de regulador.
Desta relação de parceria entre o Estado e a sociedade civil emergirá
uma nova base económica que Giddens (1999: 67) designou de “nova econo-
mia mista”. É “nova”, na medida em que:
“procura uma sinergia entre os sectores público e privado, fazendo uso do
dinamismo dos mercados mas sem perder de vista o interesse público. Isto
envolve o equilíbrio entre regulação e desregulação, tanto a nível transnacio-
nal como a nível nacional e regional; e o equilíbrio entre o económico e o
não económico na vida da sociedade” (Giddens, 1999: 91).

Para uma política da terceira via é importante a reconstrução do Estado-


providência. Apesar das críticas neoliberais ao grande aumento das despesas

154
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

de proteção social e à generalização e perpetuação da dependência dos subsí-


dios sociais, os proponentes da terceira via consideram que o Estado-providên-
cia tem de acautelar os novos tipos de riscos da atual sociedade, nomeadamen-
te os decorrentes da modernização tecnológica, da alteração dos modos e rela-
ções laborais e das mudanças na estrutura das famílias. O Estado tem que ser
dinâmico e responsável, procurando fazer uma gestão efetiva do risco (indivi-
dual e coletivo), de modo a que o fornecimento de recursos disponíveis possa
ser assumido. Nesta reconstrução do Estado-providência é importante que o
governo estimule o sentido de responsabilidade social das empresas e a econo-
mia social. As organizações do terceiro setor têm um papel importante naque-
la reconstrução, podendo ser apoiadas financeiramente pelo Estado para po-
derem cumprir com os seus objetivos de ação e proteção social.
Esta breve síntese acerca da política da terceira via permite-nos compreen-
der melhor o conteúdo político da estratégia do Partido Socialista português,
particularmente no que diz respeito às políticas sociais e educativas. A ques-
tão que para nós se coloca é compreender quais foram os valores e princípios
mais estruturantes da política socialista que sustentam a trajetória seguida em
Portugal.

2.2 Portugal a caminho de uma política de terceira via?


A análise das intervenções políticas de governantes, dos programas de
governo, e das medidas implementadas, leva-nos a concluir que, entre 1995 e
2002, durante os XIII e XIV Governos Constitucionais, o Partido Socialista
ensaiou uma política de terceira via para Portugal (Vilarinho, 2011). O discurso
político é rico, sob o ponto de vista da argumentação, em favor de mudanças
que são legitimadas e ancoradas em princípios e valores próximos daqueles
que Giddens identificou como sendo os que configuram a terceira via.
O hibridismo observado nas políticas públicas portuguesas é consequên-
cia dos múltiplos fatores, influências e condições, presentes quer no momento
da conceção, quer no momento da produção das políticas. Por um lado, a
defesa da matriz ideológica e política do partido em processo de renovação;
por outro, os compromissos assumidos decorrentes da inserção de Portugal
numa comunidade regional onde a alternância das forças políticas introduziu
novos pressupostos e linhas de ação; por outro, as grandes pressões das orga-
nizações internacionais, entre elas o Fundo Monetário Internacional, o Banco
Mundial, marcadas pela agenda neoliberal; e, finalmente, pela conjuntura po-
lítica e as reais condições da sociedade portuguesa para receberem e imple-
mentarem as medidas políticas.

155
VILARINHO, E. • Pela “causa” da educação pré-escolar em Portugal

Como referimos anteriormente, para o Partido Socialista português é


clara a intencionalidade de reforma do partido no projeto “Nova Maioria”.
Como escreveu o ministro Guilherme Oliveira Martins (1999: 49), “no caso
português, importa salientar que o projeto da nova maioria (1995) se integra
dentro de um espírito de renovação paralelo ao do new labor, mas com uma
configuração específica – procurando aliar rigor económico e consciência so-
cial”. Também Carlos Zorrinho realça o papel do projeto “nova maioria”,
quer sob ponto de vista interno, quer externo:
“A mais recente experiência socialista em Portugal, iniciada em 1995 e com
horizonte previsível que entra pelo novo milénio, constitui um laboratório
rico e talvez mesmo um dos nódulos mais importantes da rede de incubado-
ras necessárias para a gestação do neo-socialismo, como contributo essencial
para o revigoramento da democracia à escala global. Os portugueses, tendo
como âncora de intervenção o Partido Socialista e a nova maioria, têm assu-
mido neste domínio um protagonismo que transcende em muito o peso geo-
estratégico do País” (Zorrinho, 1999: 24).

O protagonismo de que fala Zorrinho passou também pelo papel assu-


mido por António Guterres, quer na Internacional Socialista, quer na União
Europeia e na Organização das Nações Unidas. António Guterres posiciona-
se contra o neoliberalismo selvagem e aponta o caminho para os países enfren-
tarem este fenómeno:
“Mas o facto é que só com organizações regionais fortes, cada uma delas
preservando os seus próprios modelos sociais e políticos, conseguiremos
construir um mundo multipolar para evitar uma globalização selvagem e
descontrolada que, muito provavelmente, abriria caminho a uma globaliza-
ção da pobreza e a uma diminuição, ao seu nível mais baixo, dos direitos
económicos e sociais em todo o mundo” (Guterres, 2001: 917).

Num outro momento da mesma conferência, o então primeiro-minis-


tro, na linha de Giddens, refere-se à necessidade de “democratizar a democra-
cia”, a partir da renovação cívica da comunidade e da construção de nações
cosmopolitas como formas de resolução dos problemas sentidos no seio da
União Europeia:
“Em minha opinião, o principal problema – ou desafio, se preferirem – com
que nos confrontamos, é aquilo que eu e outros identificamos como um pro-
blema de défice democrático. Seria, no entanto, ingénuo pensar que este
défice, que muitos sugerem ser o principal obstáculo ao processo de integra-
ção, possa ser facilmente diluído por uma mera reforma institucional. Não é

17
Conferência proferida em Berlim, no Walter Hallstein-Institute for European Constitutional
Law, Universidade de Humboldt a 7 de Maio de 2001.

156
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

assim. O problema tem raízes mais profundas e remete para a ideia de um


espaço público europeu. A essência da democracia moderna – e permitam-
me que cite o filósofo alemão Habermas – não reside nos métodos formais
que fazem com que as instituições funcionem e no voto democrático do
povo, mas antes num fluxo de comunicação interactivo entre o poder políti-
co e a sociedade civil organizada. Esta ligação interactiva tem um papel
fundamental no processo de formulação de decisões, dado que as decisões
políticas são continuamente influenciadas pelas opiniões expressas pela so-
ciedade organizada.” (…)

Alberto Martins (2007: 225), a União Europeia tem que ser “um espaço
inclusivo e coeso. Um espaço de direitos, liberdades e garantias, mas também
de responsabilidade e solidariedade. Um império da lei democrática. Só assim
a Europa poderá fazer sentido no futuro. E só assim a Europa terá um futuro
no futuro”.
Centremo-nos novamente na análise do que ocorreu em Portugal, com
a vitória das legislativas de 1995 pelo Partido Socialista. O projeto da “nova
maioria” foi incorporado no programa do XIII Governo Constitucional e, mais
tarde, em 1999, é integrado e reforçado no programa do XIV Governo Consti-
tucional18. A estratégia renovadora do Partido Socialista foi marcada por uma
aproximação ao centro do espectro político português. Na linha das premissas
da terceira via, o PS, não querendo relegar os valores do socialismo democráti-
co, redefiniu a sua intervenção política colocando a tónica naqueles valores,
na ética da responsabilidade, na solidariedade voluntária, no diálogo social,
no combate à exclusão social, na coesão social e na cidadania solidária (cf.
Oliveira Martins, 1999). O aprofundamento da democracia, com o reforço da
participação da sociedade civil e das suas organizações na comunidade, são
também vetores importantes do discurso governamental. A defesa de concre-
tização de parcerias entre o Estado e as organizações da sociedade civil ten-
dentes ao bem-estar das comunidades é entendida como forma de melhorar a
governação e, simultaneamente, reforçar naquelas organizações o sentido da
ética e da responsabilidade do serviço público. Neste sentido, dos discursos
emergem uma maior crença na liberdade e autonomia e nas virtudes solidárias
das organizações da sociedade civil, entendidas como expressões de cidadãos
livres, responsáveis e solidários. Esta crença nas virtudes solidárias da socie-
dade civil não era visível nos discursos da esquerda, o que pode significar a
libertação de um preconceito ideológico da esquerda clássica em relação à
sociedade civil, por parte do (novo) PS. Contudo, aquela crença emerge neste

18
As eleições legislativas de 1999 deram novamente a vitória ao Partido Socialista, ficando de-
pendente de um deputado uma maioria absoluta no parlamento.

157
VILARINHO, E. • Pela “causa” da educação pré-escolar em Portugal

período associada ao reforço da democracia (do Estado democrático), da ne-


cessidade de articular competitividade e cooperação, e de renovar o espírito de
comunidade que se deve edificar na solidariedade.
Este posicionamento requeria a construção de um novo contrato social,
só possível de empreender com uma forte mobilização cívica. Este objetivo
marcou os discursos e as práticas governativas do XIII Governo Constitucio-
nal. A transformação dos problemas da sociedade portuguesa em grandes cau-
sas nacionais foi um dos aspetos mais marcantes desta legislatura. Todos fo-
ram chamados a colaborar na mudança. Esta construção exigiu habilidade
política dos governantes que foi, sobretudo, conseguida através da elaboração
de um discurso de legitimação muito forte, assente em lemas como, por exem-
plo, “as pessoas primeiro”. Este lema enfatiza a valorização das pessoas, que
se concretiza através da educação e da formação, na promoção da igualdade
de oportunidades e no combate à exclusão social. Estamos na presença de um
discurso assente no conceito de redistribuição das oportunidades, que terá bastan-
te eco na sociedade portuguesa, proporcionando um interessante debate entre
diferentes agentes sociais e educativos.
É neste contexto que, na Assembleia da República, é apresentado o Pac-
to Educativo para o Futuro pelo Ministro da Educação Marçal Grilo, e é assina-
do o Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social. Trata-se de dois instrumen-
tos fundamentais de definição das políticas sociais e educativas, ensaiando
um novo relacionamento do Estado com a sociedade civil19.
O Pacto Educativo para o Futuro apela à mobilização cívica pela causa da
educação. A redefinição do papel do Estado é justificada pela importância e
necessidade de assegurar uma maior participação dos parceiros sociais nas
decisões e na execução das políticas educativas. Aquele documento aponta as
linhas programáticas para a ação no campo da educação, procurando a equipa
governativa, através da sua discussão pública, criar os consensos necessários
para a sua implementação e legitimação.
O slogan das campanhas socialistas “paixão pela educação” é outro ele-
mento apropriado pelo Governo para a mobilização de todos em torno do
pacto educativo. Todavia, como escreveu Afonso (2009), os responsáveis pelo
Ministério da Educação não aderiram de forma entusiasta àquele slogan, op-

19
O Pacto Educativo para o Futuro foi apresentado em Fevereiro de 1996. O Pacto de Cooperação
para a Solidariedade Social foi assinado a 19 de Dezembro de 1996 pelo Governo e pelos presi-
dentes da Associação Nacional dos Municípios Portugueses, da Associação Nacional de Fre-
guesias, da União das Instituições Particulares de Solidariedade Social, da União das Miseri-
córdias Portuguesas e da União das Mutualidades Portuguesas.

158
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

tando mais pela denúncia da herança negativa deixada pelo governo anterior.
Acrescenta o mesmo autor: “o que houve, ao invés, foi um discurso incisivo
imputando aos antecessores a responsabilidade pela inexistência de uma polí-
tica educativa legitimada pela participação e pela negociação” (Afonso, 2009:
22). É aquela herança que estes governantes querem alterar através da mobili-
zação centrada num pacto educativo nacional. Das análises produzidas em
torno do Pacto Educativo para o Futuro, há autores que o consideram como um
documento desnecessário face à existência da Lei de Bases do Sistema Educa-
tivo (fruto de um consenso alargado), que tem propósitos idealistas, desígnios
imprecisos e enunciados difusos, que não garante credibilidade porque não é
fundado numa avaliação prévia da situação (Teixeira, 1996, citado por Afon-
so, 1999), e quem considere que as intenções neles expressas são um sinal
positivo, denotativo de uma evolução dos modelos de decisão política no cam-
po da educação (Ambrósio, 1996, citado por Afonso, 1999).
Como referimos anteriormente, relativamente às políticas de Educação
Pré-Escolar (Vilarinho, 2000) e na linha da análise do Pacto Educativo de vários
autores, como por exemplo, Sucena (1996), neste documento o Estado é apre-
sentado como mobilizador, mediador e regulador do sistema e não como o
principal agente da promoção do provimento da educação pública, parecendo
relegar para segundo plano o papel que lhe é conferido pela Constituição da
República Portuguesa e pela Lei de Bases do Sistema Educativo.
O Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social (PCSS) é o instrumento
principal de regulação da participação das organizações da sociedade civil em
diferentes áreas de intervenção social. Este Pacto visa “criar condições para o
desenvolvimento de estratégias de cooperação entre instituições do sector so-
cial (…), a Administração Central do Estado e as Administrações Regional e
Local” (PCSS – I), podendo abranger áreas de competências de vários minis-
térios: solidariedade e segurança social, saúde, educação, qualificação e em-
prego, justiça, equipamento, planeamento e administração do território e fi-
nanças (PCSS – II, ponto nº. 2). Partindo de pressupostos, que têm como ele-
mentos agregadores o reconhecimento da importância das Instituições Parti-
culares de Solidariedade Social (IPSS)20 como instâncias mediadoras entre a
Família, a Comunidade e o Estado, e do trabalho por elas desenvolvido, são

20
De acordo com os Estatutos das Instituições Particulares de Solidariedade Social (Decreto-
Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro, atualizado pelo Decreto-lei n.º 172-A/2014 de 14 de No-
vembro), as IPSS são instituições constituídas sem finalidade lucrativa, por iniciativa de parti-
culares, com o propósito de dar expressão organizada ao dever moral de solidariedade e de
justiça entre os indivíduos e desde que não sejam administradas pelo Estado ou por um corpo
autárquico.

159
VILARINHO, E. • Pela “causa” da educação pré-escolar em Portugal

definidos os princípios e os compromissos a serem assumidos pelo Governo e


pelos subscritores daquele instrumento de cooperação. Os princípios da auto-
nomia, do reconhecimento de natureza e dos fins das IPSS, da subsidiarieda-
de, do planeamento e da participação, são os que devem reger as relações entre
os signatários do Pacto (PCSS – III). Se, por um lado, se respeita a identidade
das instituições, considerando que deva ser respeitado que elas desenvolvam o
seu trabalho social de acordo com o seu quadro axiológico, estas têm que res-
peitar o cumprimento da legislação em vigor. Por outro lado, o reconhecimen-
to da sua natureza e dos seus fins implica “uma avaliação objectiva das finali-
dades prosseguidas, das actividades desenvolvidas e das condições para o seu
exercício” (PCSS – III, ponto nº. 3). O princípio da subsidiariedade é, no PCSS,
mobilizado neste sentido:
“sem prejuízo da obrigação do Estado de garantir a efectivação dos direitos
sociais consagrados, implica a intervenção das entidades mais abrangentes
sempre que, respeitados os princípios de autonomia e igualdade de condi-
ções e salvaguardada a conveniente afectação de recursos a nível local, os
problemas sociais possam ser resolvidos pelas entidades que se encontrem
mais próximas dos cidadãos” (PCSS – III, ponto n.º 4).

Apesar de respeitar a autonomia e a identidade das IPSS, de as conside-


rar “parceiras” na intervenção social, o Estado não abre mão do papel de regu-
lador e de avaliador.
Do conjunto das áreas estratégicas de intervenção do PCSS, a Educa-
ção Pré-Escolar é um dos domínios contemplados21. Este documento serviu
de “chapéu” para a conceção do novo quadro regulador da Educação Pré-
Escolar, para a implementação do Programa de Expansão e Desenvolvimento
da Educação Pré-Escolar, bem como para a alteração dos Acordos de Coope-
ração entre o Estado e as Instituições Particulares de Solidariedade Social
(IPSS).
A orientação política do governo socialista manteve-se no seu segundo
governo, registando-se uma maior explicitação pública daquela orientação e
princípios subjacentes, a partir da presidência de Portugal do Conselho Euro-

21
Outros domínios considerados estratégicos na intervenção: “educação especial; apoio a pesso-
as com deficiência e a pessoas com doença mental; apoio a idosos e/ou outros grupos vulne-
ráveis, especialmente os grandes dependentes e as pessoas em convalescença, quer se encon-
trem no domicílio quer em equipamentos sociais; apoio a crianças e jovens vítimas de maus
tratos, abandono, ou que se encontrem em situações de risco; apoio e tratamento de toxicode-
pendentes; apoio e tratamento de pessoas infectadas com o vírus HIV; apoio às famílias caren-
ciadas e à implementação do Rendimento Mínimo Garantido; promoção de iniciativas de
emprego e de desenvolvimento local” (PCSS – IV).

160
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

peu, em 2000. A Declaração de Lisboa, onde Portugal teve um papel fundamen-


tal na construção dos documentos de orientação política europeia fundacio-
nais da chamada Europa Social, tem em si vetores que denotam uma influên-
cia da política da terceira via.
No que diz respeito à educação, o programa apresenta duas grandes
apostas transversais: a sociedade do conhecimento e a igualdade de oportuni-
dades (cf. Cap. II). Neste sentido a educação e (agora de forma mais explícita)
a Formação continuam na agenda do Governo.
Em síntese, pela análise aqui produzida, poderemos afirmar que, pelo
menos em algumas áreas, o discurso político justificativo da implementação
de novas políticas aproximou-se da orientação política da terceira via. No en-
tanto, o facto de os discursos se direcionarem naquela orientação política, não
significa que tenham produzido os efeitos pretendidos na prática. Os discur-
sos políticos cumprem muitas vezes a função de dar credibilidade e legitimida-
de às políticas que se implementaram ou se pretendem implementar. Por outro
lado, como refere S. Ball (2007: 2) “os discursos da reforma têm efeitos distin-
tivos mas estes efeitos não são determinados, nem facilmente previsíveis, nem
trabalham de forma independente de outros mecanismos extra-discursivos”.
Assim, é importante desenvolver trabalhos empíricos para se compreender a
relação entre os discursos, a sua implementação e os efeitos das medidas im-
plementadas.
No cenário de globalização neoliberal, a experiência de alguns países
revela que o Estado tem incentivado a criação de redes e de alianças necessárias
para que sejam salvaguardados os direitos sociais. No entanto, o Estado não
se pode substituir à sociedade civil na prestação de serviços de proteção social
e de educação, sob pena daqueles direitos serem fragilizados. Como alguns
críticos da ideia da terceira via têm referido (Harvey, 2008, entre outros) a sua
argumentação pode não passar de um discurso retórico que encobre a retração
do Estado e não rompe com a ideologia neoliberal. A. Callinicos é um dos
autores que tem assumido este posicionamento, afirmando:
“Longe de renovar a social-democracia, a Terceira Via corresponde à tentati-
va de mobilizar o capital político da esquerda reformista em apoio de um
projecto que abandona por completo as reformas de fundo e adere, em con-
trapartida, ao neoliberalismo” (Callinicos, 2002: 118).

Como também refere Peroni (2013: 12) a Terceira Via não rompe com o
diagnóstico neoliberal da crise atual do capitalismo nas suas diferentes dimen-
sões. Assim, “o Estado não deve ser o executor das políticas, como era na
antiga social-democracia, mas também não deve ser o Estado mínimo do neo-
liberalismo”.

161
VILARINHO, E. • Pela “causa” da educação pré-escolar em Portugal

2.3 As políticas de Educação Pré-Escolar: um ensaio de aproximação


A análise das políticas de Educação Pré-Escolar promovidas entre 1995
e 2002 em Portugal permitiu-nos afirmar que a sua configuração se aproxima,
em alguns aspetos, das políticas de terceira via (Vilarinho, 2011, 2012).
Uma primeira constatação é que o governo socialista propôs-se desen-
volver e expandir a oferta educativa pré-escolar com modalidades diferentes e
assumindo novos papéis. A mobilização da sociedade civil configura-se como
uma estratégia da ação fundamental para a expansão da oferta e para a sensi-
bilização da comunidade para os benefícios da sua frequência. As palavras do
Sr. Ministro da Educação, no dia da apresentação da proposta de Lei n.º 44/
VII (27/06/96) na Assembleia da República, revelam esta intenção:
“Na Educação Pré-Escolar, cuja lei-quadro o Governo apresenta à Câmara,
torna-se indispensável lançar uma autêntica mobilização cívica, de contor-
nos pacíficos, que obrigará a uma grande determinação de toda a sociedade
portuguesa” (...).
“Este é um caso em que a estratégia não pode deixar de envolver todos.
Estamos perante uma concretização paradigmática do Pacto Educativo para
o Futuro. O Governo assume a sua responsabilidade. A sociedade é chama-
da à acção pelo envolvimento de praticamente todos os protagonistas signi-
ficativos do processo educativo: as autarquias locais, as associações de pais,
os sindicatos, os educadores, os funcionários, as instituições particulares de
solidariedade social” (Marçal Grilo)22.

Este apelo serve de base de justificação e legitimação para as inovações


que se prendiam introduzir. Em primeiro lugar, é redefinida a rede de jardins
de infância. Esta é concretizada pela criação da Rede Nacional de Educação
Pré-escolar, uma única rede que integra as redes anteriormente existentes e
autónomas entre si: a rede pública gratuita, propriedade do Estado e que era
tutelada pelo Ministério da Educação, e a rede privada, não gratuita, proprie-
dade de entidades privadas com fins lucrativos e de entidades privadas sem
fins lucrativos, que era comparticipada e tutelada pelo Estado, através do Mi-
nistério do Trabalho e da Segurança Social. A rede nacional passa a ter a tute-
la pedagógica do Ministério da Educação, que desta forma passa a regular o
“conteúdo” do trabalho a desenvolver com as crianças (orientações curricula-
res)23, as condições estruturais do fornecimento da educação (tipo de edifícios,
equipamentos e materiais pedagógicos, número de crianças por sala, relação

22
In Diário da Assembleia da República, VII Legislatura, I Série, 28 de Junho de 1996: 2996.
23
Recordamos que a Lei-Quadro (Lei n.º 5/97) definiu a Educação Pré-Escolar como a primeira
etapa da educação básica, reforçando assim a orientação educativa dos jardins de infância.

162
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

número de adultos por grupo de crianças) e as condições organizacionais (ho-


rários, qualificação e afetação dos recursos humanos, instrumentos de avalia-
ção e controlo da qualidade). Assim, o Estado reforça e alarga o seu papel
regulador da rede, pois passa a intervir no domínio pedagógico e organizacio-
nal da rede privada.
Ainda acerca da redefinição da rede e da sua natureza, no discurso de
apresentação da proposta de lei, o Ministro da Educação, adiantando-se às
possíveis interpelações e críticas sobre a matéria, explicava:
“Muito se tem dito sobre a expressão constitucional «sistema público de
Educação Pré-Escolar». Importa neste momento clarificar as coisas. O que
se pretende com a proposta de lei é exactamente dar corpo ao desiderato da
lei fundamental. Entendemos, porém, não ser o sistema público sinónimo
de sistema estatal. (...) a noção de rede pública de Educação Pré-Escolar
deve estar ligada à defesa concreta do interesse público e começar na inicia-
tiva pública baseada na ideia de função estratégica do Estado, no planea-
mento das necessidades da rede, na afectação de fundos públicos à prosse-
cução dos objectivos definidos e na mobilização do poder local, dos agentes
sociais e de organizações não governamentais para a concretização da rede
nacional de Educação Pré-Escolar” (Marçal Grilo)24.

Esta intervenção clarifica a natureza da rede. O sistema público passa a


integrar a rede privada sem fins lucrativos, diluindo assim as fronteiras entre o
público e o privado.
Em segundo lugar, pelo facto de a expansão da oferta não ser unica-
mente feita pela rede pública, mas pelo incentivo à diversificação da oferta
através mobilização da sociedade civil, em particular da rede solidária do ter-
ceiro setor. A estratégia de expansão passou pela mobilização do terceiro se-
tor, e assim observa-se o alargamento da base social da oferta sem que o Esta-
do seja o único provedor. A rede solidária, pela via da contratualização, tor-
nou-se pública e, neste sentido, o Estado, pelo menos em termos formais, ga-
rantiu a equidade do acesso gratuito à componente educativa da Educação
Pré-Escolar. Em terceiro lugar, pelo facto de se legislar a gratuitidade da com-
ponente letiva para a rede solidária e a comparticipação familiar da compo-
nente de apoio à família em ambas as redes. Este último aspeto é aquele que se
reveste de maior novidade e importância. No entanto, ao criar um novo mode-
lo organizacional para os jardins de infância da rede pública, com a extensão
de horário que permite a frequência em tempo integral, não salvaguardou a
gratuitidade da componente de apoio à família.

24
In Diário da Assembleia da República, VII Legislatura, I Série, 28 de Junho de 1996: 2996-
2997.

163
VILARINHO, E. • Pela “causa” da educação pré-escolar em Portugal

Uma segunda constatação foi a de que nos dois ciclos de governação do


Partido Socialista observa-se uma recomposição do Estado, onde o terceiro
setor ganha mais visibilidade e protagonismo na implementação de políticas
sociais e onde o Estado remete para si próprio, cada vez mais, o papel de Regu-
lador, de Avaliador e de Articulador. Ao nível da Educação Pré-Escolar, na-
quele ciclo político, o Estado parece ter tido como preocupação central a edi-
ficação do projeto assente num quadro normativo extenso, que regulasse as
diferentes dimensões do desenvolvimento do mesmo, instituindo formas dife-
rentes de coordenação, controlo e governação da rede nacional de Educação
Pré-Escolar. É no decurso deste ciclo político, e a partir da publicação do De-
creto-Lei nº. 147/9725, que o Estado vai reforçar o seu poder regulador, crian-
do, sucessivamente, instrumentos de regulação institucional de cariz jurídico-
burocrático em áreas como o currículo, a organização pedagógica, a edifica-
ção, o apetrechamento de equipamentos e materiais pedagógicos para as salas
de atividades dos jardins de infância, entre outros. Este facto é ilustrado pela
assunção da tutela pedagógica única pelo Ministério da Educação, reforçada
pela publicação das Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar
(Despacho n.º 5220/SEEI/97, de 4 de agosto) pelo controle da qualidade atra-
vés de mecanismos de avaliação, supervisão e inspeção e ainda pelo estabele-
cimento de regras de financiamento. Num curto espaço de dois anos são pu-
blicados a maioria dos documentos normativos que passaram a regulamentar
este subsistema.
A terceira constatação é a de que os Governos socialistas (há semelhan-
ças com o que aconteceu no Reino Unido, com Tony Blair) solicitaram apoio
a especialistas da área da Educação da Infância para a conceção das grandes
linhas estratégicas das políticas pré-escolares e para integrar o Conselho Con-
sultivo do Gabinete Interministerial para a Expansão e Desenvolvimento da
Educação Pré-escolar (GIEDEPE). Recordamos aqui o pedido feito a João
Formosinho e a Teresa Vasconcelos para a elaboração do Plano Estratégico de
Expansão e Desenvolvimento da Educação Pré-Escolar, bem como a presença
de João Formosinho e de Bairrão Ruivo no referido conselho consultivo do
GIEDEPE. Esta colaboração foi relevante, em especial, no reforço da orienta-
ção educativa da Educação Pré-Escolar, no respeito pela sua especificidade
pedagógica e pela identidade e valorização profissional dos educadores de in-
fância. Por outro lado, a aliança conjuntural entre a Academia e o Governo foi
importante para legitimar na opinião pública as medidas que se pretendiam

25
Decreto-lei que regulamenta a Lei-Quadro.

164
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

implementar. A presença de elementos representantes dos interesses da rede


solidária do terceiro setor no conselho consultivo do GIECEPE serviu tam-
bém a estratégia governamental para mobilizar a sociedade civil, para ganhar
credibilidade, e para ganhar a confiança dos parceiros sociais. Por outro lado,
o terceiro setor ganhou um novo estatuto e reforçou o seu poder negocial.

3. O papel das instituições do terceiro setor no Programa de Expansão


e Desenvolvimento da Educação Pré-Escolar
As organizações e associações não lucrativas, que integramos no desig-
nado terceiro setor, assumiram sempre um papel relevante no atendimento e
educação das crianças. No caso português, as iniciativas do terceiro setor servi-
am de “tampão” à pressão das famílias (cf. Vilarinho, 2000), uma vez que a
oferta estatal era bastante reduzida.
No atual enquadramento da Educação Pré-Escolar, importa questionar
as condições (debilidades e potencialidades) da rede privada solidária para res-
ponder aos novos desafios do Programa de Expansão e Desenvolvimento da
Educação Pré-Escolar. É importante perceber como aquelas organizações en-
frentaram os novos desafios e que capacidades organizativa, financeira e hu-
mana têm para assumirem as novas responsabilidades (por exemplo, a aproxi-
mação gradual ao estatuto remuneratório da função pública dos educadores
de infância e a gratuitidade da componente educativa imposta pela Lei-Qua-
dro), sem terem de introduzir na administração das suas organizações meca-
nismos de mercado.
Como referem Mishra (1999) e Santos (1993), as instituições da socie-
dade civil podem desempenhar um papel relevante na consolidação de práti-
cas emancipatórias porque, dada a sua natureza jurídica, têm mais autonomia
para adequarem as suas práticas às necessidades das comunidades, neste caso
concreto, às crianças e suas famílias. No entanto, esta autonomia é frágil pelo
facto de as IPSS portuguesas dependerem financeiramente do Estado (através
da celebração de acordos de cooperação) e das mensalidades pagas pelos uten-
tes. Esta realidade obriga as instituições a regerem-se por normas prescritas
pelo Estado e a aproximarem-se das suas práticas organizacionais que, como
sabemos, são caracterizadas, entre outros aspetos, por uma grande normativi-
dade e pela burocratização dos serviços. Por outo lado, mais recentemente,
observa-se um movimento tendente à acreditação da qualidade destas institui-
ções. Esta acreditação é vista como diferenciadora do bem social e educativo
prestado pelas instituições, que gera competição entre elas, e neste sentido
assume-se, na linha de Harvey (2008) como um novo mecanismo regulador.

165
VILARINHO, E. • Pela “causa” da educação pré-escolar em Portugal

Outro aspeto a salientar é que, embora uma das grandes finalidades das IPSS
seja a prestação de um serviço de utilidade pública no âmbito do social, sem
usufruir lucros desses serviços, “nem obedecerem às racionalidades próprias
dos agentes do mercado” (Hespanha, 1999: 24), o que é um facto é que para a
sua sobrevivência elas têm que captar o número suficiente de utentes (ou alar-
gá-lo) que lhes garanta o “plafond” financeiro, negociado com o Estado, per-
mitindo assegurar os custos da prestação de serviços. Acresce a este problema
o facto da tabela de comparticipação do Estado ser uniforme e não ter em
conta as diferentes capacidades económicas das instituições 26. Daí que, como
concluiu Hespanha (1999: 27), as IPSS são instituições pouco autónomas, com
excessiva “governamentalização dos seus meios materiais e humanos e com
uma estratégia de gestão mais orientada pelas regras da sobrevivência econó-
mica do que pelas necessidades da população utente”, sendo grande a proba-
bilidade das IPSS se tornarem uma extensão da burocracia do Estado. Acres-
centaríamos que, no atual enquadramento da Lei-Quadro da EPE, este risco
se torna ainda maior no que se refere às IPSS com jardins de infância. Com a
publicação do Decreto-Lei n.º 147/97 foram regulamentados os procedimen-
tos de controlo e avaliação da EPE extensíveis à rede privada e solidária. A
autonomia daquelas instituições em relação ao Estado passa pela sua capaci-
dade de gerar recursos próprios, que é muito reduzida27. Este aspeto leva mui-
tas vezes as IPSS a não cumprirem com os ratios criança/sala previstos no
D.L. n.º 147 /1997, e, em alguns casos, à seleção (ainda que camuflada) de um
público com maiores possibilidades económicas28, de forma a não correrem o
“risco de remercadorização”. Assim, o princípio associativo-assistencial que está
na origem das IPSS parece esbater-se à medida que a concorrência alarga (a
rede pública é agora uma forte concorrente, dado o alargamento de horários).
Como temos vindo a referir, as instituições do terceiro setor ganharam
nova centralidade na implementação das políticas de Educação Pré-Escolar.

26
Apesar de, pela Lei-Quadro, terem sido definidos novos enquadramentos para o apoio finan-
ceiro. Por exemplo, a criação do Fundo de Compensação Sócio-Económica (Despacho Con-
junto do Ministério da Educação e do Ministério do Trabalho e Solidariedade, n.º 413/99), ao
qual as IPSS que têm prejuízo podem candidatar-se. Esta medida de discriminação positiva foi
criada para compensar economicamente as instituições que recebem crianças cujas famílias
têm fraca capacidade económica, e cujas comparticipações familiares não chegam para cobrir
os custos dos serviços prestados, nomeadamente com a contratualização de educadores de
infância.
27
Recorde-se que, para além do apoio financeiro do Estado, a única fonte de recursos é a com-
participação paga pelas famílias pela frequência das crianças nestas instituições.
28
A comparticipação paga pelos utentes varia em função do rendimento per capita do seu agrega-
do familiar.

166
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

O seu contributo foi expressivo a dois níveis: i) na expansão da oferta – com a


criação de novos jardins de infância ou com o alargamento da capacidade dos
existentes;
ii) nas parcerias estabelecidas com as autarquias para implementação e
governação da componente de apoio à família nos jardins de infância da rede
pública (CAF).

3.1 As parcerias na expansão da oferta


Como já referimos, as instituições da rede privada sem fins lucrativos
(em Portugal, na sua maioria instituídas como IPSS) tiveram apoios financei-
ros estatais significativos29, que lhes permitiu não só construir de raiz equipa-
mentos educativos, como ampliar e requalificar os existentes. A participação
destas instituições tinha como finalidade atingir os objetivos traçados no Pla-
no de Desenvolvimento e Expansão da Educação Pré-Escolar, de modo a re-
solver os graves problemas observados na sociedade portuguesa – a baixa taxa
de cobertura nacional, as assimetrias regionais de oferta e consequentemente
as desigualdades de acesso das crianças à Educação Pré-Escolar.
As metas traçadas para a expansão da oferta apontavam para que, até
ao final do século XX, a oferta global da Educação Pré-Escolar fosse a seguin-
te: para as crianças de 5 anos – 90%; para as crianças de 4 anos – 75%; e para
as crianças de 3 anos – 60%. Estas metas significavam um aumento de 20% da
oferta e a possibilidade de mais 45.000 crianças poderem frequentar este nível
de educação. Apesar destas metas não terem sido cumpridas nas datas previs-
tas, é inegável o aumento da oferta.
De acordo com as estatísticas disponíveis30, a taxa de pré-escolarização
teve um aumento de mais de 30% nas últimas duas décadas – início década de
1990 – 50,7%; ano letivo 1998/99 – 64,6%; no letivo de 2011/12 – 85,7% e no
ano letivo de 2012/13 – 88,5%. Em 2009, a taxa portuguesa ultrapassou a
média da União Europeia (UE27). Os últimos dados disponíveis da UE27 são
de 2010 e a média situava-se em 81,2%, tendo Portugal, nesse mesmo ano,
uma taxa de pré-escolarização de 83,9%.
Verifica-se, contudo, que essa taxa não é uniforme em todas as idades:
em 2007/08, a pré-escolarização das crianças de 5 anos estava já próxima dos
90%, mas, para as crianças de 3 anos, ficava-se pelos 64,9%. Os últimos dados

29
Na sua grande maioria, a sua proveniência era de Programas da União Europeia.
30
Fontes/Entidades: DGEEC/MEC | INE, PORDATA
Última atualização: 2015-06-26.

167
VILARINHO, E. • Pela “causa” da educação pré-escolar em Portugal

disponíveis indicam que em 2010 a taxa real de pré-escolarização para as cri-


anças de 3 anos era de 75,3%, para as de 4 anos era de 87,8%, e para as crian-
ças com 5 anos era 93,4% (PORDATA, 2015).
Observando a evolução das crianças inscritas, constata-se que na rede
pública estão inscritas 141.999, na rede privada dependente do Estado (tercei-
ro setor) 81.142 crianças e na rede privada não dependente do Estado estão
inscritas 41.603 (DGEEC, 2013/2014). Constata-se que houve crescimento
na rede privada sem fins lucrativos, após a publicação da rede e que nos últi-
mos anos ela se tem mantido estável.
Pelos dados disponíveis, o alargamento do acesso é indiscutível. No
entanto, importa afirmar que este acesso não é totalmente gratuito.
O presidente da CNIS levanta também o mesmo problema observado a
nível municipal.
“Mas, quando estamos a falar da rede pública estamos predominantemente
a falar do ministério da educação, portanto ligado a autarquias, que muitas
vezes por razões compreensíveis e louváveis, têm possibilidade de se repor-
tar também a componente social, torna-la progressivamente também gratui-
ta para as crianças o que favorece uma concorrência, diria, desleal”. (…) As
instituições de solidariedade social não podem, não têm meios para isso, os
pais têm de suportar a componente social, se vão para a rede pública muitas
vezes a autarquia disponibiliza meios para que seja também gratuita a com-
ponente social e portanto isto desfavorece as instituições de solidariedade
em detrimento da rede pública” (CNIS).

Importa também questionar quantas, das 81.142 crianças inscritas na


rede das IPSS, só frequentam a componente letiva. Esta questão tem sido le-
vantada, pois observam-se estratégias de priorizar a admissão das crianças que
pretendam a frequência em tempo integral.
O outro problema identificado pelos representantes das IPSS é o não
cumprimento do princípio da complementaridade das redes. Esta situação
agravou-se a partir do processo de reordenamento do parque escolar dos esta-
belecimentos da rede pública, iniciado em 2006.
“Como neste momento também está a surgir um outro problema que com-
plica bastante a rede social, com os novos centros escolares, em que, têm
obrigatoriamente de ter também o pré-escolar independentemente de já ha-
ver resposta social ou não ao lado, isso criará problemas complicados às
instituições de solidariedade porque acabarão ostracizadas e penso que era
preciso combater esse problema” (CNIS).

As questões levantadas nos enunciados corporizam os receios que sem-


pre existiram e evidenciam problemas na concretização dos princípios da com-
plementaridade das redes (assente no da subsidiariedade) e na relação entre os
parceiros.

168
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

3.2 As parcerias na governação da CAF


Neste tópico, para ilustrar estas parcerias entre o público e o privado,
apresentamos alguns dados de um estudo de caso da implementação da compo-
nente socioeducativa de apoio à família (CAF) em jardins de infância públi-
cos, realizado no período compreendido entre 2003 e 2010, no concelho de
Mareantes31, situado no Norte de Portugal32.
A CAF introduziu maior complexidade organizacional aos jardins de
infância da rede pública, alargou a possibilidade da participação da sociedade
civil na implementação e governação da mesma e trouxe novos problemas que
nos interessou identificar e analisar.
No Protocolo de Cooperação celebrado em 28 de Julho de 1998 entre os
Ministérios da Educação e do Trabalho e da Solidariedade, a Associação Na-
cional de Municípios Portugueses e os representantes das instituições sociais,
são definidas responsabilidades aos diversos parceiros, sendo da competência
dos Municípios a operacionalização desta componente, no que diz respeito a
espaços, recursos humanos e materiais.
O Município de Mareantes optou por delegar competência nas entida-
des e organizações das freguesias. Esta opção promoveu a emergência da di-
versificação de modalidades e padrões de governação, levando à ocorrência
do efeito de mosaico33 (cf. Barroso, 2003) naquele território. Por outro lado, o
governo dos jardins de infância públicos é partilhado entre parceiros que, até
há pouco tempo, estavam de costas voltadas. Apesar do empenho e vontade de

31
Nome fictício. Neste estudo utilizámos como técnicas de recolha de informação a observação
não participante, a análise documental e a entrevista semi-estruturada, sendo esta última tra-
tada através da análise de conteúdo. Identificámos os atores significativos e agrupamo-los em
três grupos, tendo em conta a especificidade do lugar e o papel que cada grupo de atores
assume na implementação das políticas: Grupo I – Representantes políticos regionais e repre-
sentantes nacionais das organizações do terceiro setor; Grupo II – Representantes políticos e
das estruturas educativas locais; Grupo III – Presidentes de entidades locais parceiras na im-
plementação da CAF.
32
Para uma análise ver Vilarinho (2011).
33
Este efeito tem sido definido com referência à existência de uma panóplia de iniciativas e
normas, com o fim de porem em prática processos de desregulação e privatização, comuns em
vários países, que são usadas, muitas vezes, de forma avulsa em diferentes tempos e espaços.
Daqui decorre que a “visão” que se tem da educação nesses países “corresponde mais à ima-
gem de um “mosaico” de unidades isoladas do que à de um agregado coerente de elementos,
interagindo entre si com o mesmo fim” (Barroso, 2003: 33). O mesmo significa ver, nalguns
países, não um “sistema escolar” mas um “sistemas de escolas” ou ver não um “sistema naci-
onal” mas um “sistema local”. Ao nível local, a existência de múltiplos espaços de microrregu-
lação local e o consequente efeito de mosaico introduzem, no seio do sistema educativo nacional
maior diversidade, mas também podem acentuar a sua desigualdade, criando, entre outros,
desiguais condições de sucesso educativo aos seus beneficiários.

169
VILARINHO, E. • Pela “causa” da educação pré-escolar em Portugal

todos, foram identificados alguns problemas, muitos deles decorrentes da frá-


gil relação institucional. Verificamos, por exemplo, que no que diz respeito à
coordenação da CAF, os educadores estiveram muito tempo ausentes. Esta
ausência foi tacitamente aceite pelos parceiros que, no fundo, desejavam a
manutenção desta situação. Contudo, ela propiciou o desenvolvimento de ser-
viços de qualidade variável que se traduziram em desigualdades de condições
oferecidas às crianças. A assunção daquela coordenação aparece gradualmen-
te ao longo dos anos, à medida que os educadores de infância e os Agrupa-
mentos de Escolas tomam consciência profissional e institucional da sua im-
portância. Será através do Despacho n.º 14460/2008, de 26 de Maio, que defi-
ne as normas a observar na oferta das atividades de enriquecimento curricular
e de animação e de apoio à família (1º ciclo e EPE), que os Agrupamentos de
Escolas vão encontrar a justificação e legitimação para contrariar práticas e
lógicas de ação autónomas das entidades parceiras, no que concerne à planifi-
cação das atividades de animação socioeducativas. A planificação e o desen-
volvimento destas atividades pelas entidades parceiras no espaço público cria-
ram ainda as condições para que lógicas do mercado educacional fossem pau-
latinamente entrando nas dinâmica pedagógicas dos jardins de infância. Por
exemplo, a introdução do ballet, do inglês, da música, da expressão físico-
motora. Poderemos questionar até que ponto não estaremos na presença de
uma certa “clonização”34 do privado, uma vez que aquelas atividades eram
mais desenvolvidas nos jardins de infância da rede privada, e eram apresenta-
das como modalidades de enriquecimento curricular.
A EPE tem co-financiamento do Estado e das famílias, sendo que a com-
participação familiar só se aplica à frequência da CAF. Os mecanismos e instru-
mentos de financiamento estão regulamentados e plasmados no protocolo de
cooperação celebrado entre os diferentes parceiros. Nas entrevistas que nos con-
cederam, os presidentes da União das Misericórdias Portuguesas e da Confede-
ração Nacional das Instituições Sociais e a diretora do Regional de Educação do
Norte e a Diretora do Centro Distrital de Segurança Social da área do concelho
estudado levantaram questões em relação aos diferentes procedimentos de atri-
buição da comparticipação familiar, adotados em diferentes municípios.
A relevância deste assunto face aos seus efeitos, quer na consolidação
das duas redes (pública e solidária), quer no que concerne à igualdade de aces-

34
Esta ideia de “clonização” decorre do que Natalie Mons (2011) tem referido relativamente ao
crescimento do ensino privado. Para a autora, existe uma espécie de clonização do público nas
escolas privadas, uma vez que estas são submetidas aos mesmos programas e a um certa ins-
trumentalização pelos poderes públicos.

170
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

so à EPE, fez-nos estar mais atentos a ele ao nível local. No que diz respeito à
comparticipação estatal, os dados são objetivos: os valores elegíveis são trans-
feridos para o Município que, por sua vez, transfere para as entidades parcei-
ras. Em relação às comparticipações familiares, a recolha de informação tor-
nou-se muito difícil. O município não sabe em concreto que procedimentos as
entidade parceiras estão a adotar, apesar de no protocolo assinado entre am-
bos impor o cumprimento do Despacho Normativo Conjunto nº 300/97. Da
parte dos nossos entrevistados, verificamos que existiam muitas hesitações e
imprecisões relativamente às comparticipações pagas pelas famílias. Pelo cru-
zamento de dados conseguimos apurar a realidade, constatando que: em de-
zasseis jardins de infância públicos, dez aplicam um valor único; em três jar-
dins existe uma tabela com seis escalões; um jardim tem uma tabela com três
escalões; e num jardim de infância as crianças só pagam as refeições pelo valor
legalmente previsto (•32,12) sendo as atividades de animação gratuitas.
Esta realidade configura uma infidelidade normativa (Lima, 1992) na apli-
cação da comparticipação familiar. O espírito da lei vai no sentido da discri-
minação positiva das crianças provenientes de famílias com rendimentos bai-
xos. O valor único e mesmo os escalões atribuídos sem ter em conta a diferen-
ciação por escalões de rendimentos per capita, prescrita no Despacho Normati-
vo, são indicadores do desrespeito pelo princípio de discriminação positiva.
Este facto levanta questões muito sérias em relação à igualdade de acesso das
crianças à frequência da EPE. Os responsáveis pelas entidades parceiras, bem
como os dirigentes dos agrupamentos de escolas35 revelaram não ter consciên-
cia dos efeitos produzidos e afirmam que há concordância por parte dos pais.
Muitas vezes, este acordo obtém-se através de formas aparentemente demo-
cráticas: “Na reunião de pais do início do ano, a associação põe a votação se o
pais querem pagar todos o mesmo” (educadora JI B). O que pode estar a acon-
tecer é que as crianças provenientes de famílias economicamente mais desfa-
vorecidas estejam a ser fortemente penalizadas em relação às crianças das classes
média e média-alta. Ora, este facto introduz um efeito de 2ª ordem, (Ball, 2004)
não esperado e altamente perverso, podendo ser uma das razões explicativas
da procura da classe média pelos jardins de infância da rede pública e da trans-
ferência das crianças da rede solidária para a pública. Como referiu o dirigente
da entidade parceira do jardim de infância de Astrolábio “algumas crianças
estavam em privados, vieram para aqui” (EPA). Tentando compreender por-

35
Estrutura organizativa estatal que agrega os jardins de infância e escolas dos ensinos básico e,
por vezes do secundário, de um determinado território, dirigidas por um diretor e tutelada pelo
Ministério da Educação.

171
VILARINHO, E. • Pela “causa” da educação pré-escolar em Portugal

que tal situação acontece, consideramos ser possível justificá-la pela presença
de um conjunto de processos de multiregulação que se anulam entre si. Por
outo lado, o facto de o governo autárquico não assumir “a coordenação da
governação” da CAF de Mareantes e de a sua presença neste processo ser muito
frágil, favorece a presença deste efeito – desiguais condições de acesso em fun-
ção dos rendimentos familiares. Por outro lado, consideramos que este efeito é
também justificável pela ausência de uma análise política do texto da lei.

Considerações finais
No que respeita à relação do Estado com o terceiro setor, a nossa investiga-
ção revelou aspetos extremamente interessantes. O discurso apelativo dos go-
vernos liderados por António Guterres, próximos da terceira via, parece ter sido
entendido pelos representantes das instituições do terceiro setor, mas foi sempre
questionado, nomeadamente, quanto às intenções governamentais. O receio
colocava-se a dois níveis: um, relacionado com a perda da sua autonomia, ou-
tro, relacionado com o financiamento das suas instituições. “Condenados a en-
tenderem-se” é a expressão referida por um dos dirigentes que melhor exprime o
sentido com que estes parceiros entraram no referido projeto. Se a avaliação que
fazem da parceria nos dois primeiros ciclos de governação é positiva, o mesmo
não acontece a partir daquele momento. As estruturas de diálogo e concertação
deixaram de funcionar e começaram a surgir indicadores de desrespeito pelos
compromissos assumidos, nomeadamente ao nível do planeamento da rede.
Houve uma melhoria na expansão da oferta educativa, contudo, verifi-
cam-se problemas na implementação do novo modelo e foram criados novos
obstáculos à igualdade de acesso das crianças à educação.
A forma como a CAF foi implementada no concelho estudado, mobili-
zando parcerias com a sociedade civil, ampliou o hibridismo desta medida,
uma vez que à reconciliação dos interesses e direitos das crianças e das famílias
(que legitimaram esta inovação política), a ela juntaram os interesses e lógi-
cas das diferentes entidades parceiras. Verificamos problemas de relaciona-
mento institucional que permitiram interpretações diferentes da medida, com
especial impacto nas questões da qualidade, quer de natureza contextual, quer
processual, e na promoção da igualdade de oportunidades de acesso das crian-
ças. A ausência de mecanismos de acompanhamento, no que concerne à atri-
buição das comparticipações familiares, introduz um efeito altamente perver-
so no sistema. Estas perversidades do sistema exigem uma atenção especial
dos líderes políticos. No jardim de infância público, através das parcerias esta-
belecidas, verificam-se lógicas de quase-mercado, onde, entre outros aspetos, a
disputa dos “clientes” começa a ser uma realidade.

172
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Na nova governação da educação pré-escolar é visível a diluição das fron-


teiras entre o público e o privado, dimensões de quase-mercado educacional e
processos de clonização (Mons, 2013). Carecendo ainda de maior aprofunda-
mento, estes últimos processos são visíveis em dois sentidos: clonização do pú-
blico – pela ampliação da regulação estatal do privado e clonização do privado –
pela introdução de lógicas de gestão privada e de novas atividades socioeducati-
vas influenciadas pelo mercado educacional nos jardins de infância públicos.

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Este trabalho contou com o apoio de Fundos Nacionais através da FCT –


Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do projecto PEst-OE/
CED/UI1661/2014 do CIEd-UM.

174
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

“O efeito menina”: o investimento corporativo


transnacional dos Estados Unidos
na educação de meninas

Kathryn Moeller

Em meio ao aprofundamento da crise financeira global, o Fórum Eco-


nômico Mundial realizou uma sessão plenária intitulada “O efeito menina
sobre o desenvolvimento” em 31 de janeiro de 2009, em seu Encontro Anual
em Davos, na Suíça (World Economic Forum, 2009). Foi a primeira sessão
sobre meninas na história da organização e o quarto evento mais frequentado
durante o encontro (World Bank, 2009). Nas palavras da moderadora, Dra.
Helene Gayle, diretora executiva de CARE, o objetivo era abordar as “necessi-
dades, desafios e oportunidades singulares” provenientes do investimento em
meninas (World Economic Forum, 2009). O painel contou com a presença de
indivíduos de instituições poderosas, incluindo a Nike, Inc., uma corporação
transnacional norte-americana que integra a lista da Fortune 500; a Fundação
Bill e Melinda Gates, que é a maior fundação privada do mundo; duas agências
multilaterais, o Banco Mundial e o Fundo das Nações Unidas para a Infância;
CARE, uma organização não governamental transnacional (ONG); o Banco
Grameen, uma ONG transnacional ganhadora do Prêmio Nobel; e o Ministé-
rio do Comércio da Indonésia. Embora não estivessem no painel, Maria Eitel,
a presidente e CEO da Fundação Nike e vice-presidente da Nike, Inc., e sua
equipe da Fundação Nike estavam entre os principais organizadores junta-
mente com a Fundação das Nações Unidas e a Fundação NoVo.
Durante a sessão, o painel enfocou o “impacto potencial, de trilhões de
dólares, das meninas sobre as economias nacionais, o custo econômico de não
investir e o impacto destes investimentos em economias desenvolvidas” (Nike,
Inc., 2009). A painelista Ngozi Okonjo-Iweala, então diretora executiva do
Banco Mundial, improvisou em seus comentários com base no lema do Banco
Mundial para seu Plano de Ação em Questões de Gênero: “Investir em mu-
lheres é economia inteligente, e investir em meninas, apanhando-as quando
estão contra a corrente, é economia mais inteligente ainda. Se você investir
nas meninas, se educar as meninas, se empregar as meninas, você resolve mui-

175
MOELLER, K. • “O efeito menina”: o investimento corporativo transnacional dos Estados Unidos...

tos problemas, o problema populacional, o problema da mudança climática, a


pobreza” (World Economic Forum). As afirmações das painelistas foram atri-
buídas ao “efeito menina”.

Definição do “efeito menina”


A Fundação Nike define o efeito menina como “o potencial singular de
250 milhões de meninas adolescentes para pôr fim à pobreza para si próprias e
para o mundo” (Nike Inc., 2011). Ele é uma marca da Fundação Nike – o
braço filantrópico da Nike, Inc., o maior produtor mundial de artigos e roupas
esportivos. Ela atribui a determinadas meninas adolescentes – pobres, de cor e
que vivem no Sul Global – o potencial de pôr fim à pobreza no novo milênio.
Este suposto potencial se baseia no que a fundação define como “a capacida-
de das meninas adolescentes nos países em desenvolvimento de produzirem
mudanças econômicas e sociais sem precedentes para suas famílias, comunida-
des e países” (Nike, Inc., 2008). Esta capacidade supostamente gera um “efeito
cascata” (Nike Foundation, 2008, p. 3) em múltiplos indicadores de desenvolvi-
mento, incluindo a diminuição da pobreza, a promoção do crescimento econô-
mico, a redução das taxas de fertilidade e do crescimento populacional, o con-
trole da difusão do HIV e da AIDS e a conservação de recursos ambientais.
A Fundação Nike lançou a marca em 2008 com o apoio financeiro da
fundação NoVo, três anos depois de a Nike, Inc. ter transformado a fundação
para se concentrar exclusivamente em meninas adolescentes. A marca foi desen-
volvida mediante a colaboração entre a equipe de criação interna da Fundação
Nike e a agência de publicidade da Nike, Inc. há muito tempo, Weiden+Kennedy,
radicada em Portland, a criadora da logomarca (chamada swoosh [jorro, esgui-
cho] em inglês) da Nike, que é provavelmente uma das logomarcas mais reco-
nhecíveis no mundo. Usando esta marca, a corporação e sua fundação promo-
vem o investimento global em meninas adolescentes mediante parcerias institu-
cionais com organizações como aquelas representadas no painel “O efeito me-
nina sobre o desenvolvimento” no Fórum Econômico Mundial (2009).

A importância dos investimentos corporativos transnacionais


na educação de meninas
Desde o início do novo milênio, as corporações transnacionais dos Es-
tados Unidos expandiram significativamente sua influência sobre programas
e políticas no campo do gênero, da educação e do desenvolvimento. Elas fize-
ram isso mediante discursos crescentemente entrelaçados de igualdade de gê-

176
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

nero, erradicação da pobreza, crescimento econômico e responsabilidade so-


cial corporativa. As corporações e fundações corporativas incluem a Becton
Dickenson, Chevron, Cisco Systems, ExxonMobil, Gap, Inc., General Elec-
tric, Gucci, Intel Corporation, J. P. Morgan Chase, Johnson & Johnson, Mi-
crosoft Corporation, Nike, Inc., Standard Chartered Bank e Starbucks Corpo-
ration, mas não estão limitadas a estas.
Estas corporações estão se baseando em décadas de evidências empíri-
cas, especialmente de uma perspectiva econômica e populacional, de que in-
vestir na educação de meninas gera uma alta taxa de retorno para o desenvol-
vimento (Herz e Sperling, 2004; King e Hill, 1993; Psacharopoulos e Patrinos,
2002; Summers, 1992; Tembon e Fort, 2008). Ao longo da última década,
estas evidências circularam cada vez mais em uma constelação – sempre em
transformação e continuamente em expansão – de agências internacionais,
ONGs, fóruns globais, universidades e, mais recentemente, corporações e fun-
dações corporativas. Novas redes e plataformas para o compartilhamento de
conhecimentos e a mobilização de recursos, como o painel “O efeito menina
sobre o desenvolvimento” no Fórum Econômico Mundial, surgiram a partir
desta constelação. Elas facilitaram o que Peck (2011) identifica como a “inte-
gração de políticas rápidas” ou “a globalização (ainda desigual) de racionali-
dades e práticas prevalecentes na gestão da pobreza” (p. 166). Por meio deste
“regime de políticas rápidas”, as formas de conhecimento e expertise sobre
gênero são profundamente reducionistas e, assim, despolitizadoras (Ferguson,
1994; Peck, 2011, p. 177). O foco na igualdade de gênero nestes discursos, que
se reflete no lema do Banco Mundial “Igualdade de gênero é economia inteli-
gente”, funciona como código para um enfoque estratégico nas meninas e
mulheres como uma população frequentemente divorciada do gênero como
construção social e relação estruturante de poder.
As corporações incorporaram estas lógicas para fazer afirmações ainda
mais fortes em prol das finalidades do desenvolvimento e para elaborar pro-
gramas e políticas que posicionam as meninas como um recurso para o desen-
volvimento. Maria Eitel (2010), a atual presidente da Fundação Nike, ilustra
isso quando diz: “Jamais me cansarei de dizer o seguinte: as meninas consti-
tuem o maior recurso inexplorado do mundo para o crescimento e a prospe-
ridade econômica” (§ 7). Utilizando esta abordagem, estes programas financia-
dos por empresas empregam uma lógica instrumental que se concentra no retor-
no de seu investimento, educando as meninas mais como um meio do que
como fins em e para si mesmos (Unterhalter, 2007). Mas este retorno resulta
de condições socioculturais e político-econômicas injustas que tornam as me-
ninas de cor pobres – ou, mais especificamente, o tropo racializado e definido

177
MOELLER, K. • “O efeito menina”: o investimento corporativo transnacional dos Estados Unidos...

em termos de classe da “menina do Terceiro Mundo” – desproporcionalmente


responsáveis pelo bem-estar e futuro de outras pessoas, de modo que sua edu-
cação gera um efeito cascata em múltiplos indicadores de desenvolvimento
desde a escala da família até a do mundo (Moeller, no prelo-a). Mediante sua
abordagem, estas corporações correm o risco de manter – se não de potencial-
mente exacerbar – relações desiguais de poder em múltiplos eixos de diferença
– de gênero, racial, de classe, religiosa e geográfica – ao perpetuarem papéis
tradicionalmente desiguais de reprodução social (Moeller, no prelo-a).
Além disso, em nosso contexto histórico de contínuas crises econômi-
cas, as pessoas e comunidades que se insurgem em todo o mundo revelaram o
desalinhamento fundamental do poder corporativo em nossa economia global.
Três décadas de desregulamentação e reregulamentação em favor das corporações
nos Estados Unidos e em nível global fizeram com que essas empresas se tornas-
sem desproporcionalmente poderosas em aspectos fundamentais de nossa vida,
desde as finanças, passando pela habitação e assistência médica, até a educação.
Este estudo sobre o desenvolvimento corporativo na educação de meninas é im-
portante para compreender uma das maneiras pelas quais as corporações estão
ampliando seu poder e influência na educação. Ele conceitua teórica e politica-
mente as corporações como atores educacionais e demonstra empiricamente como
as meninas, os/as educadores/as e as salas de aula passam a fazer parte do domí-
nio corporativo. Isso representa uma compreensão teórica e empírica ampliada
das corporações na educação. A utilidade desta conceituação se estende além da
educação de meninas para lançar luz sobre a expansão da filantropia corporativa
na educação (Ball, 2012; van Fleet, 2011), em parcerias público-privadas (Robert-
son, Mundy e Verger, 2012), na indústria privada de serviços suplementares na
educação (Acosta, Good, Burch e Stewart, 2013; Burch, 2009; Good et al., no
prelo) e na tecnologia em salas de aula no mundo inteiro (Bhanji, 2012). Ao fazer
isso, revela uma nova compreensão espaçopolítica da corporação. Embora a sala
de aula normalmente não seja compreendida como parte de uma geografia corpo-
rativa, este estudo revela que temos de examinar novas esferas da influência cor-
porativa para entender como ela afeta a provisão da educação e para considerar
como atores sociais e institucionais desiguais negociam práticas e políticas corpo-
rativas em múltiplas escalas espaciais (Ball, 2012).

Metodologia
Este capítulo faz parte de um estudo mais amplo que examina o investi-
mento corporativo transnacional dos Estados Unidos na educação de meni-
nas. Ele procura compreender por que corporações americanas estão investin-

178
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

do na educação de meninas no Sul Global, a lógica que elas empregam e as


consequências intencionais e não intencionais de suas práticas. A fim de in-
vestigar este fenômeno, este estudo examinou a Nike, Inc. e os investimentos
filantrópicos da Fundação Nike no efeito menina. Ele se baseia em dois anos
(2009-2010) de trabalho de campo etnográfico sobre a Nike, Inc., a Fundação
Nike e suas relações com instituições nos Estados Unidos e no Brasil, incluin-
do duas ONGs transnacionais no Brasil, o Banco Mundial em Washington,
DC, e a Iniciativa Global Clinton na cidade de Nova Iorque.
Em 2008, visitei a sede em duas ocasiões para entrevistas formais. Conti-
nuei a entrevistar um grupo seleto destes funcionários e de novos funcionários
relevantes em 2010 e 2012, pois as taxas de rotatividade são altas na fundação.
Além disso, realizei entrevistas com ex-funcionários da fundação, consultores e
outros parceiros institucionais entre 2007 e 2012. Gravei todas as minhas entre-
vistas com funcionários da Fundação Nike e da Nike, Inc., usando extensos
apontamentos de campo e gravações de áudio. A única exceção foi minha pri-
meira entrevista na Fundação Nike, que a fundação gravou para si mesma. Tam-
bém realizei constante observação participante e entrevistas em uma ONG (2009-
2010) no Brasil. Para garantir a proteção das pessoas envolvidas, não revelarei a
ONG específica enfocada por este artigo ou sua localização no Brasil. Irei me
referir a ela apenas como ONG e a seu programa educacional para meninas
adolescentes como um programa de “empoderamento econômico”.
O trabalho de campo enfocou o efeito menina como seu objeto de análi-
se. Portanto, foi uma decisão teórica consciente não estudar as meninas nos
programas da ONG como os objetos de análise. A pesquisa voltou, pelo contrá-
rio, seu olhar das meninas para o “aparelho de desenvolvimento” (Ferguson,
1994, p. 23) que atua em torno delas e afirma intervir a seu favor. Estudar o
efeito menina é compreender empiricamente como os processos de globalização
neoliberal, corporatização e outrização racializada das meninas são articulados
através das práticas e políticas da educação de meninas que operam em múlti-
plas escalas espaciais. Ao fazer isso, o estudo emprega a compreensão de Hart
(2002) de que “a globalização – tanto no sentido de processos intensificados de
interconexão espacial associados com a reestruturação capitalista quanto de dis-
cursos através dos quais se produz conhecimento – está profundamente imbuí-
da do exercício do poder” (p. 12, grifo no original). A compreensão das relações
de poder desiguais que constituem o efeito menina requer que se observe a nego-
ciação da lógica do efeito menina e seus efeitos em instituições e em diferentes
escalas. A pesquisa examinou cuidadosamente como estas negociações ocorri-
am em uma constelação específica dos investimentos da Nike no Brasil a fim de
lançar luz sobre suas práticas mais amplas e os efeitos destas.

179
MOELLER, K. • “O efeito menina”: o investimento corporativo transnacional dos Estados Unidos...

Desta maneira, o esboço do estudo é informado por recentes etnografias


críticas e plurilocalizadas de corporações, desenvolvimento e globalização. Cada
local funciona como um “nó de trabalho de campo” estratégico (Roy, 2003, p.
36). Em contraposição a concepções tradicionais de locais como localidades
delimitadas, estes nós não são limitados. Eles atuam como aquilo que Goldman
(2005) chama de “locais de encontro” em sua etnografia do Banco Mundial (p.
24). São constituídos por meio de relações interconectadas, mas desiguais, e
intercâmbios de dinheiro, conhecimento, recursos e trabalho entre diversas ins-
tituições e indivíduos, muitos dos quais jamais terão contato direto com uma.
A análise do estudo procura entender como os investimentos da Funda-
ção Nike no efeito menina são criados, transformados e experimentados atra-
vés da prática e através de conexões espaciais com arenas regionais, nacionais
e transnacionais. Ao examinar cuidadosamente uma determinada constela-
ção dos investimentos da Fundação Nike no Brasil, a análise visa elucidar sua
lógica de investimentos mais ampla, suas práticas e, em última análise, seus
efeitos intencionais e não intencionais (Hart, 2002). É analisando como estas
relações são produzidas e transformadas na prática em uma constelação espe-
cífica que uma determinada parte da estratégia e prática de investimentos da
Fundação Nike pode elucidar um todo mais amplo. Embora não se espere que
as experiências da Nike, Inc., de sua fundação e de seus parceiros institucio-
nais em qualquer local geográfico específico venham a ser replicadas exata-
mente por outro conjunto de instituições focado no efeito menina ou por ou-
tras corporações ou fundações corporativas que estão investindo na educação
de meninas, este estudo coloca estes investimentos em uma constelação mais
ampla de discurso e prática a fim de compreender este fenômeno emergente.
Com base nesta análise, este capítulo propõe que o efeito menina funcio-
na por meio de uma lógica generificada e racializada do neoliberalismo (Moel-
ler, no prelo-a). Ela se baseia na relação entre a suposta capacidade reprodutiva
e o imaginado potencial econômico futuro de determinadas meninas ou, mais
especificamente, daquelas que ocupam a posição de sujeito racializado de “me-
nina do Terceiro Mundo”. Ela “tenta ‘retardar’ a maternidade e o casamento a
fim de ‘desencadear’ o futuro potencial econômico delas. Esta relação estreita
entre sexualidade e economia permite a produção do retorno – real ou imagina-
do – que estes investimentos corporativos supostamente criam em múltiplas es-
calas espaciais” (Moeller, no prelo-a). A educação de meninas torna-se um meio
para alcançar isso. Consequentemente, quando a lógica neoliberal do efeito
menina é materializada por meio da prática, ela molda a população atendida
pelos programas financiados pela corporação, seu currículo e sua pedagogia, e
as relações sociais e institucionais da educação de meninas.

180
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

A história do investimento na educação de meninas


Um vigoroso discurso globalizado surgiu na década de 1980 e no início
da de 1990 sobre os benefícios do investimento na educação de meninas no
Sul Global como uma solução de desenvolvimento (World Bank, 1995; quan-
to a críticas desta formulação estreita das questões de gênero, ver Cortina e
Stromquist, 2000; Heward e Bunwaree, 1999; Vavrus, 2003). Ele se desenvol-
veu, inicialmente, como uma criada que atenuasse a dor dos devastadores pro-
gramas de ajuste estrutural do Banco Mundial e do Fundo Monetário Interna-
cional no Sul Global durante a década de 1980 e início da de 1990. Em segun-
do lugar, ele surgiu como fruto dos esforços progressivamente mais estridentes
do feminismo liberal no sentido de assegurar igualdade de oportunidades para
as meninas e mulheres na educação, no mercado de trabalho e no processo de
desenvolvimento. Em terceiro lugar, seu poder e legitimidade provieram de
sua correspondência aos apelos em favor do acesso de meninas e mulheres à
escolaridade no Sul Global e aos desejos autênticos de meninas e mulheres
por educação e segurança econômica como uma população que foi historica-
mente excluída da escolaridade e que arcava desproporcionalmente com os
custos das políticas de austeridade.
A convergência destes múltiplos fatores no início da década de 1990
produziu um (neo)liberalismo racializado e generificado – uma nova face libe-
ral sobre valores neoliberais assediados – que representava, ao mesmo tempo,
o ressurgimento do liberalismo e a furtiva, mas dogmática persistência do ne-
oliberalismo. A promoção dos ideais políticos liberais de igualdade e direitos
humanos para as meninas e mulheres foi crucial para a reconstituição e relegi-
timação da agenda neoliberal após a devastadora década de 1980. Contudo, a
estes valores liberais subjaz um conjunto persistente de práticas econômico-
políticas que promovem a “menina do Terceiro Mundo” como ator autônomo
e o mercado como garantidor do bem-estar socioeconômico na esteira do re-
cuo do Estado de bem-estar social. Ele a imagina como tendo a responsabili-
dade e a agência necessária para resolver os problemas estruturais da pobreza
e as contradições do desenvolvimento econômico, embora práticas e políticas
neoliberais tenham criado e/ou exacerbado condições de vulnerabilidade para
as meninas, mulheres e pobres ao longo das últimas três décadas.
Com o passar do tempo, a ideia de investir na educação das meninas
começou a funcionar como uma solução natural, aparentemente óbvia, para
pôr fim à pobreza ou, na linguagem de Gramsci (1971), como “senso comum”.
Segundo ele o descreve, “trata-se das características difusas, não coordenadas
de uma forma genérica de pensamento comum a um determinado período e a

181
MOELLER, K. • “O efeito menina”: o investimento corporativo transnacional dos Estados Unidos...

um determinando ambiente popular” (p. 330). Não é “algo rígido e imóvel,


mas está continuamente se transformando, enriquecendo-se com ideias cientí-
ficas e com opiniões filosóficas que entraram na vida ordinária” (Gramsci,
1971, p. 326). A noção de investimento na educação de meninas passou a
funcionar como uma solução natural, aparentemente óbvia, para reduzir a
pobreza neste momento histórico. Sendo assim, um amplo conjunto de atores
individuais e institucionais com lógicas diversas e, talvez, contraditórias se
uniu em torno dela, desde organizações multilaterais até ONGs. No início do
novo milênio, as corporações tiraram proveito desta ideia do “senso comum”
na medida em que procuravam encontrar uma maneira não controversa de
entrar no negócio do desenvolvimento.

Responsabilidade social corporativa


Desde o começo do novo milênio, as corporações e suas fundações ex-
pandiram rapidamente seus esforços na área do desenvolvimento mediante o
discurso da responsabilidade social corporativa (RSC). Simplificando, a RSC
se baseia em “dar-se bem fazendo o bem”. O consentimento para “dar-se bem”
é construído através da outra metade do mantra – “fazendo o bem”. Os inves-
timentos corporativos no desenvolvimento, incluindo as áreas de educação,
saúde, finanças e meio ambiente, costuram as duas metades. Isto ocorre na
medida em que essas empresas financiam, defendem, esboçam, implementam
e atribuem uma marca a programas e políticas na área, o que permite que
“dar-se bem” e “fazendo o bem” ocorram em sintonia, e não conflitem entre
si. Desta maneira, a responsabilidade se tornou uma palavra corporativa. Ela
é proclamada com tal frequência que é difícil lembrar um momento em que as
corporações não tenham se envolvido na atividade de serem responsáveis. Mas
este nem sempre foi o caso.
Na esteira dos movimentos contra as péssimas condições de trabalho e a
globalização no final do século XX, as corporações foram pressionadas a reagir
às exigências de críticos preocupados com suas práticas deletérias do ponto de
vista social, moral, econômico e ambiental (Browne e Milgram, 2009; Dolan e
Rajak, 2011; Rajak, 2011; Schwittay, 2006). Esta crise cultural do capitalismo
corporativo foi definida por crescentes pressões sociais, políticas e econômicas
para que essas empresas prestassem contas à força de trabalho, aos consumido-
res, às comunidades locais, aos governos e em relação ao meio ambiente.
Embora as corporações há muito tempo sejam arquitetas e beneficiárias
importantes do desenvolvimento, desde o início do novo milênio elas vêm se
tornando cada vez mais influentes no financiamento, na defesa, no esboço,

182
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

na implementação e na atribuição de marcas a programas e políticas na área.


Poderosos fóruns globalizados como o Fórum Econômico Mundial, a Inicia-
tiva Global Clinton, o Pacto Global das Nações Unidas e o Fórum de Líde-
res do Setor Privado do Banco Mundial têm sido cruciais para ampliar a
influência corporativa no negócio do desenvolvimento. Como mostram et-
nografias críticas recentes das corporações na área do desenvolvimento (Ra-
jak, 2011; Schwittay, 2006), o crescente envolvimento dessas empresas e suas
fundações no desenvolvimento constituiu um mecanismo vigoroso para res-
ponder e se recuperar da crítica – tanto externa quanto interna – das práticas
corporativas. E, assim, ele foi importante para corrigir suas imagens macula-
das e assegurar suas “licenças sociais para atuar” e, correspondentemente,
seus resultados financeiros. Sendo assim, estes esforços voltados ao desen-
volvimento foram cruciais para a restauração da hegemonia corporativa no
início do novo milênio, ampliando, com isso, a legitimidade, a autoridade e
o alcance dessas empresas sem ter de lidar com as contradições fundamen-
tais em suas práticas de negócios e no próprio capitalismo. Para os executi-
vos corporativos (Fiorina, 2007) e outros proponentes (McElhancy, 2008), a
RSC não é meramente um empreendimento altruísta; ela contribui para o
resultado financeiro da corporação (Muirhead, 1999) ao fortalecer a partici-
pação no mercado já existente, abrir novos mercados e produzir novos con-
sumidores e trabalhadores em potencial.
No início do novo milênio, a ampla aprovação da RSC tornou as críti-
cas das péssimas condições de trabalho e da globalização da década de 1990
quase obsoletas. Além disso, a institucionalização da RSC por meio do desen-
volvimento corporativo permitiu que as corporações se dedicassem a pôr fim à
pobreza e a promover o desenvolvimento social e econômico. Elas subscreve-
ram pactos morais e prometeram dedicar-se a apoiar os Objetivos de Desen-
volvimento do Milênio. Igualmente canalizaram sua influência através de pla-
taformas em instituições voltadas ao desenvolvimento e, por fim, tornaram-se
grandes doadoras de ONGs como aquelas que estudei no Brasil. Em suma,
elas rapidamente se colocaram na vanguarda do desenvolvimento (Rajak, 2011)
e, mais especificamente, do desenvolvimento educacional internacional (Bhanji,
2012; Schwittay, 2006; van Fleet, 2011).

O caso da Nike, Inc.


No início da década de 1990, a Nike surgiu como o alvo por excelência
dos movimentos contra as péssimas condições de trabalho e a globalização
(Locke, 2003). A crítica se concentrou nas bem documentadas práticas abusi-

183
MOELLER, K. • “O efeito menina”: o investimento corporativo transnacional dos Estados Unidos...

vas da corporação contra sua força de trabalho feminina predominantemente


pobre, não instruída e jovem no Sul Global. Para responder a acusações desa-
bonadoras contra si, incluindo relatos da mídia sobre trabalho infantil, o en-
tão CEO Phil Knight afirmou publicamente em 1998: “O produto da Nike se
tornou sinônimo de salários miseráveis, horas extras forçadas e abuso arbitrá-
rio” (Knight, 1998). A despeito das afirmações de Knight no sentido de trans-
formar as práticas corporativas há mais de uma década, persistem acusações
de problemas de trabalho abusivo em suas fábricas terceirizadas, que se refle-
tem em recentes e bem divulgadas greves de trabalhadores no Camboja, em
Honduras e na Indonésia (Barber, 2013; Casey e Pura, 2008; Hookway e
Nguyen, 2008). Não obstante, desde este momento de crise, a corporação se
concentrou em refazer-se como uma empresa socialmente responsável. Po-
rém, como mostram etnografias críticas de corporações (Rajak, 2011; Schwit-
tay, 2006), o crescente envolvimento dessas empresas e suas fundações no ne-
gócio de acabar com a pobreza mostrou ser um mecanismo poderoso para se
recuperar da crítica externa e interna. Ele assegura suas “licenças sociais para
atuar” e seus resultados financeiros sem ter de lidar com as contradições fun-
damentais em suas práticas de negócios e no próprio capitalismo. O efeito
menina é um produto desta constelação de forças. Sua lógica passou a influen-
ciar a maneira como as instituições de desenvolvimento e outras corporações
compreendem as meninas no Sul Global e como estruturam intervenções edu-
cacionais em seu nome. Para ilustrar isso, o restante do capítulo enfoca uma
ONG no Brasil onde realizei observação participante durante nove meses.

Investindo no “efeito menina” no Brasil


Com base em seu contrato de subvenção com a Fundação Nike, a ONG
se comprometeu a educar meninas adolescentes no Brasil durante três anos
(2008-2011) mediante seu programa educacional extracurricular não formal.
Embora a Fundação Nike vise como população a meninas adolescentes, a
ONG empregava o termo jovens mulheres quando designava as participantes de
seus programas. Este capítulo, portanto, refere-se às participantes como jo-
vens mulheres. As participantes deste curso de cinco meses de duração eram
jovens mulheres pobres, predominantemente afro-brasileiras e plurirraciais,
com idade entre 16 e 24 anos e provenientes de favelas. Embora algumas já
tivessem se formado, a maioria delas frequentava simultaneamente o ensino
médio e participava do programa no contraturno de seu horário escolar. Para
as jovens mulheres que tinham abandonado a escola anteriormente, uma das
exigências da ONG era que se rematriculassem na escola. Os membros da

184
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

equipe se empenhavam, na maioria dos casos com bastante êxito, para encon-
trar vagas para elas nas escolas públicas de ensino médio na localidade.
Através de seu programa, a ONG visava empoderar as jovens mulheres
para entrar no mercado de trabalho formal ou dedicar-se a atividades empre-
sariais.1 Como explicou Susanna, membro dirigente da equipe, durante um
evento de recrutamento em uma escola local de ensino médio: “O objetivo do
curso é a qualificação para o mercado de trabalho com o jeito de ser que o
mercado procura. Ele prepara você com o perfil que as empresas estão procu-
rando”. Ela ainda explicou: “Nós desenvolvemos capacidades que o mercado
de trabalho busca, como trabalho em equipe, disciplina, respeito”. Descreveu
o compromisso às estudantes: “O programa tem dois cursos principais: técni-
ca de administração e empreendedorismo. É um curso intensivo de cinco me-
ses de duração, de segunda a sexta, das 8 às 13 ou das 13 às 17”.
Neste programa intensivo em termos de tempo, o curso delas enfocava
duas áreas: formação para se tornarem assistentes administrativas e empreen-
dedorismo. Além disso, elas aprendiam noções básicas de computação, revisa-
vam seus conhecimentos de matemática, praticavam a escrita e a leitura e en-
focavam seus direitos legais, humanos e de gênero. O programa, na maioria
dos casos, não conseguia encontrar empregos para elas, seja antes ou depois
de se formarem e ganharem seus certificados. Quando conseguia, com poucas
exceções, encaminhou-as para empregos inseguros e mal remunerados em
empresas, muitas vezes call centers, supermercados e empresas de ônibus.
Como resultado do desejo da ONG de provar com sucesso o efeito meni-
na, os achados da pesquisa deste estudo demonstram que a população alvo do
programa e seu currículo e pedagogia refletiam, em grande medida, a lógica do
efeito menina, na medida em que o sucesso ou o fracasso percebido da interven-
ção educacional espelhava esta lógica. O restante do capítulo se vale de quatro
momentos etnográficos para ilustrar como esta lógica ocorria na prática.

“Potencial de Terceiro Mundo”2


Para alcançar a meta do programa de educar cem meninas adolescentes
durante sua segunda sessão, acompanhei Susanna, membro dirigente da equi-
pe, no recrutamento de meninas adolescentes durante um período de quatro
meses. Caminhávamos pelas comunidades vizinhas, pendurando cartazes com
o programa nas janelas de salões de beleza e lan houses, e deixando pequenos

1
Os dados apresentados no restante desta seção são extraídos de Moeller (no prelo-a).
2
Esta seção é extraída de Moeller (no prelo-a).

185
MOELLER, K. • “O efeito menina”: o investimento corporativo transnacional dos Estados Unidos...

folhetos brancos sobre as mesas de outras ONGs locais. O perfil das partici-
pantes constava nos folhetos: “Sexo feminino, 16 a 24 anos, gostar de esportes
e estar interessada em ingressar no mercado de trabalho ou se tornar empreen-
dedora”.
Num final de tarde, visitamos uma associação de bairro próxima. Quan-
do entramos, Susanna perguntou à presidente se ela conhecia meninas adoles-
centes do bairro que pudessem se inscrever no programa.3 A presidente pen-
sou por um momento antes de perguntar sobre a idade das participantes que
estávamos procurando. Susanna afirmou: “Entre 16 e 24 anos”. A presidente
pensou por um momento antes de explicar: “Conheço muitas meninas, mas
todas estão grávidas”. Eu esperava que Susanna fosse incluí-las no programa
de recrutamento; mas ela não fez isso, apesar da presença de mães no progra-
ma. Antes de deixar o escritório, a mulher mais velha nos perguntou: “Vocês
têm um programa para adultos?” Susanna respondeu: “Não, só para jovens
mulheres”. A mulher ainda disse: “Eu estou desempregada”. Susanna per-
guntou: “Que tipo de trabalho você faz?” “Eu cozinho.” Então ela parou um
instante, afirmando com mais confiança: “Eu sou cozinheira”. Susanna perce-
beu o desconforto da mulher, de modo que explicou por que estava perguntando
e disse: “Pergunto porque eu poderia ficar sabendo de uma vaga”. Quando a
conversa terminou, Susanna entregou à presidente um novo cartaz e uma série
de pequenos folhetos informativos brancos antes de deixarmos o escritório.
Jamais encontramos as cem participantes necessárias para preencher o
número exigido da ONG. Assim, o programa começou com aproximadamen-
te 70 participantes. Mas durante esse tempo encontramos uma multidão de
indivíduos que estavam interessados no programa e necessitavam de forma-
ção. Estes incluíam jovens mulheres grávidas, mulheres mais velhas e homens
jovens. Chamava a atenção como nossa procura excluía todas as pessoas que
não se enquadravam na categoria populacional, apesar de não se conseguir
encontrar um número suficiente de pessoas para o programa.
A busca ilustra como o efeito menina se baseia no que identifico como a
percepção do “potencial de Terceiro Mundo” em meninas (Moeller, no prelo-a).
Eu o defino como “o potencial imaginado de sua particular diferença corporal
para reproduzir ou para pôr fim à pobreza em um determinado momento histó-
rico” (Moeller, no prelo-a). Ela se baseia na “suposição de que elas já são res-
ponsáveis por mais do que elas mesmas, e que os investimentos em sua educa-

3
Veja Moeller (no prelo-a) para obter mais detalhes sobre quem podia se inscrever no programa
e como isso complica a categoria universalizada de menina adolescente.

186
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

ção e formação simplesmente estão permitindo que elas desencadeiem este po-
tencial em múltiplas escalas” (Moeller, no prelo-a). Mediante este conceito, a
“menina do Terceiro Mundo” é simultaneamente a “resposta” em potencial para
o desenvolvimento e sua vítima universal da opressão que necessita de salvação.
Através de sua parceria com a Fundação Nike, o programa buscou uma
população com este potencial; ela é definida pela possibilidade de adiar a gra-
videz e o casamento a fim de desencadear seu potencial econômico. Contudo,
se este potencial era percebido como excluído ou não existente, como no caso
de jovens mulheres grávidas, mulheres mais velhas e homens jovens encontra-
dos na busca, essas pessoas não eram recrutadas. Isso ocorreu apesar da deses-
perada necessidade da ONG de preencher seu programa com o número sufici-
ente de pessoas e da diversidade muito real de necessidades e desejos educaci-
onais na comunidade em que o programa atuava. Dentro da lógica do efeito
menina, as jovens mulheres grávidas já perderam seu potencial de pôr fim à
pobreza. A intervenção educacional precisa moldá-las durante o momento tem-
poral da adolescência antes de se tornarem mães para assegurar seu sucesso
em acabar com a pobreza.
Correspondentemente, a lógica para as mulheres adultas mais velhas é
semelhante, na medida em que “se imagina que elas não tenham mais o po-
tencial de acabarem com a pobreza” (Moeller, no prelo-a). Elas já passaram
para seus “papéis adultos como esposa, mãe, trabalhadora e cidadã” (Levine,
Lloyd, Greene e Grown, 2008, p. 10), conforme a descrição que se encontra
em “Girls Count: A Global Investment & Action Agenda” [As meninas são
importantes: uma agenda global de investimento & ação], um relatório finan-
ciado pela Fundação Nike. Sob esta conceituação, o momento temporal para
a intervenção passou (Moeller, no prelo-a). Além disso, os homens jovens não
possuem a capacidade reprodutiva nem o suposto potencial social para pôr
fim à pobreza, e os homens adultos são excluídos pelos mesmos motivos. Mas
eu fui abordada por numerosos homens jovens ou seus pais que se mostraram
interessados no programa, seja durante o recrutamento ou no local onde o
programa ocorria. Não obstante, este programa e o outro programa de ONG
no Portfólio de Empoderamento Econômico no Brasil somente recrutavam
meninas adolescentes, embora ambos tivessem trabalhado anteriormente com
homens e mulheres jovens e voltassem posteriormente a trabalhar também
com homens jovens depois de suas verbas acabarem.
Além disso, apesar da natureza oficialmente neutra em termos de cor da
pele com que a Fundação Nike emprega a categoria de menina adolescente, a
busca de meninas no Brasil era altamente racializada. Ela “correspondia à
‘formação racial’ (Omi e Winant, 1994) desta cidade brasileira onde a distri-

187
MOELLER, K. • “O efeito menina”: o investimento corporativo transnacional dos Estados Unidos...

buição espacializada de oportunidades se dá de acordo com critérios altamente


definidos em termos de raça e classe” (Moeller, no prelo-a). O recrutamento de
meninas somente acontecia em favelas, comunidades mais pobres onde os mo-
radores são, em sua maioria, afro-brasileiros, plurirraciais e de pele mais escura
(Moeller, no prelo-a). Portanto, a busca por meninas adolescentes para o progra-
ma também revela a constituição racializada da categoria de menina adolescen-
te no efeito menina e, correspondentemente, a natureza racializada do “poten-
cial de Terceiro Mundo” que sua posição de sujeito supostamente possui.

O “adiamento” da gravidez4
Quando me aproximava do fim de meu trabalho de campo, durante uma
longa reunião de equipe, num fim de tarde, observei como o objetivo da Fun-
dação Nike de retardar a gravidez se materializava na prática. Quando a con-
versa anterior estava terminando, Susanna sacudiu gentilmente a cabeça e dis-
se: “Tenho algo triste a dizer. Temos de novo uma menina no programa que
está grávida. Não alcançamos nossa meta, nosso indicador”. Voltando-se para
outro membro da equipe, perguntou: “De quantos meses ela está grávida?”
“Três meses”, respondeu o membro da equipe. Susanna disse calmamente: “E
depois da aula de gênero”.
Essa história reflete como a lógica do efeito menina resultou em forte
ênfase no sentido de retardar a idade da gravidez e do casamento. Na época do
estudo, um dos três “indicadores universais” da Fundação Nike para compre-
ender meninas adolescentes em todo o mundo era a “idade do primeiro nasci-
mento” ou a “idade de gravidez” (Entrevista, 2009). Na visão estratégica da
Fundação Nike durante este período de tempo, estes “indicadores universais”,
medidos por meio de um questionário pré e pós, serviam como “medidas subs-
titutas” para as “medidas últimas” de “níveis de renda” e “ativos acumula-
dos”, o que incluía tanto ativos financeiros quanto bens materiais. Como des-
creveu um alto gerente da Fundação Nike, estas medidas faziam parte do pro-
pósito de posicionar o efeito menina como “uma equação econômica”. Isso
levou a contínuas intervenções pedagógicas e curriculares através do progra-
ma para regulamentar as práticas heterossexuais das participantes, incluindo
constantes conversas explícitas com as jovens mulheres por parte de membros
dirigentes da equipe sobre a meta do programa de adiar os primeiros encon-
tros sexuais delas e de “retardar” a idade da gravidez. O medo do “fracasso”

4
Esta seção é extraída de Moeller (no prelo-a).

188
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

programático era algo ameaçador para a ONG, de modo que assegurar que as
meninas adolescentes não engravidassem fazia parte da garantia de que ela
provava o efeito menina, que era a medida última do sucesso mais amplo do
programa. Porém, de acordo com a alusão de Susanna, neste caso as interven-
ções pedagógicas e curriculares através da aula de gênero e das interações diá-
rias na sala de aula tinham fracassado.
Embora o curso devesse ter oferecido um espaço para abordar questões
de gênero e sexualidade com as jovens mulheres, o enfoque mais amplo no
“adiamento” da gravidez no programa marginalizou outros aspectos impor-
tantes de gênero e sexualidade. Isso incluía conversas sobre relações sexuais
saudáveis e seguras independentemente da orientação sexual e os direitos da
maternidade ou paternidade, suas responsabilidades e os desafios que ela apre-
senta. Além disso, como o gênero e a sexualidade são “coformados” (Bacchet-
ta, 2007) com outros eixos de diferença, incluindo a raça, a classe e o lugar
nesse contexto, o programa não abordou de maneira adequada ou explícita as
experiências específicas de ser pobre, jovem mulher negra ou mulher de cor
vivendo em favelas na periferia da cidade. Como Susanna explicou quando
perguntei por que o programa não discutia a questão da raça com as jovens
mulheres: “Nós enfocamos o gênero, não a raça”. É importante dizer que ele
não abordava diretamente as formas como o posicionamento racializado de-
las impactaria suas trajetórias e experiências nos sistemas de ensino superior e
no mercado de trabalho.

O empoderamento econômico de meninas


O foco do efeito menina no empoderamento econômico levou a enca-
minhar as meninas a empregos inseguros e mal remunerados, em vez de en-
frentar as injustiças educacionais centrais com que elas se deparam. Bem no
início do programa, as meninas nos falaram de seus objetivos profissionais a
despeito das múltiplas limitações em sua vida – uma queria ser farmacêutica;
outra, médica; outra ainda, veterinária, etc. Porém, no final do programa de
seis meses, cujo ponto alto era um curso que as formava para se tornarem
assistentes administrativas, o mesmo grupo de meninas falou a uma visitante
dos Estados Unidos sobre o que elas queriam ser. A maioria delas queria ser
assistente administrativa. Era surpreendente. A visitante efetivamente se vi-
rou para mim, bastante surpresa, e perguntou por que todas elas queriam ser
assistentes administrativas. Esta mudança de enfoque parece vinculada à sua
experiência no programa; é possível que as jovens mulheres tenham reelabora-
do seus objetivos para adequá-los aos do programa.

189
MOELLER, K. • “O efeito menina”: o investimento corporativo transnacional dos Estados Unidos...

Neste caso, seus desejos ou imaginações profissionais do que elas pode-


riam ser foram realmente transformados ou, mais especificamente, diminuí-
dos, embora o programa supostamente lhes estivesse abrindo oportunidades.
Este momento etnográfico ilustra que o programa, pelo fato de ter de provar
que estava empoderando economicamente as meninas, se concentrava em en-
caminhá-las imediatamente para empregos inseguros e mal remunerados em
call centers, supermercados ou empresas de ônibus em vez de enfrentar injusti-
ças educacionais centrais na vida delas que resultam em dificuldades de con-
cluir a educação secundária e acessar o ensino superior a fim de iniciar a vida
profissional que desejavam. Em decorrência disso, o programa teve o efeito de
diminuir suas possibilidades em vez de ampliá-las, embora, de modo geral, ele
não conseguisse colocar a maioria das participantes em empregos antes ou
depois de concluírem o curso. Embora as aptidões que o programa lhes ensi-
nava, como escrever uma carta, atender ao telefone ou criar uma planilha,
sejam efetivamente úteis, essas aptidões não enfrentam os desafios educacio-
nais primordiais delas.
Se o programa estivesse concentrado em realmente transformar o futu-
ro delas, poderia ter potencialmente trabalhado com as participantes para que
elas fossem aprovadas no rigoroso e altamente competitivo exame nacional
que possibilita o ingresso no sistema universitário brasileiro público gratuito e
de alta qualidade para aspirarem aos empregos profissionais estáveis que elas
desejavam e aos quais as jovens mulheres ricas e da classe média terão acesso.
No entanto, ser aprovado no exame requer uma base educacional sólida e amplo
acompanhamento, e estas aulas, que são em sua maioria particulares, estavam
muito além de seus recursos. Embora pesquisadores tenham demonstrado a
persistência destes desafios educacionais estruturais no Brasil (Plank, 1996)
apesar da implementação de políticas de ação afirmativa no início da década
(Htun, 2004; McCowan, 2007), o programa poderia ter adaptado seus recur-
sos para enfrentar significativas barreiras educacionais relacionadas a ques-
tões de raça e de classe no contexto brasileiro.

Transferência do ônus do desenvolvimento para as meninas


Por último, a lógica do efeito menina de transferir o ônus do desenvolvi-
mento para as meninas foi comunicada às participantes do programa. Duran-
te as entrevistas de seleção em grupo, uma das meninas perguntou por que só
havia meninas adolescentes no programa. Carolina, um membro da equipe,
explicou que haviam decidido se concentrar somente em meninas porque, quan-
do se investe em meninas e mulheres, todas as demais pessoas ganham. Para

190
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

ilustrar isso, ela lhes perguntou: “Se vocês vão à praia passar o dia, e os outros
não têm dinheiro, quem paga?” As meninas todas responderam: “A mulher”,
concordando que as mulheres pagam para si mesmas, para seus filhos e para
os homens. Uma das meninas disse: “A mulher paga pelo transporte e pelo
almoço”. Carolina perguntou: “E quem ganha?” “A mulher e todos ao redor
dela”, explicou.
Educadores e membros da equipe da ONG comunicaram a lógica de
responsabilidade do efeito menina às meninas do programa, reforçando, dessa
maneira, o que a teórica crítica do desenvolvimento Chant (2006) chama de
“feminização da responsabilidade e da obrigação” (p. 206), começando na
escala de menina. Em interações diárias em sala de aula e em atividades do
programa, a ideia de que as meninas e mulheres são responsáveis pela vida de
outras pessoas muito além delas mesmas foi comunicada às participantes.
Mas esta lógica não ficou incontestada. Com o passar do tempo, vários
membros da equipe começaram a questionar a maneira como ela posicionava
as meninas. Em certa ocasião, um membro dirigente da equipe, Marcela, co-
mentou comigo durante uma conversa: “Às vezes, acho que estamos pedindo
demais delas. Assim, elas farão o que as mães e avós delas fizeram”. Na parte
final de meu trabalho de campo, ela compartilhou esta ideia durante uma reu-
nião da equipe. Estávamos todas envolvidas na conversa quando ela afirmou:
“Elas não vão ser todas líderes ou mudar a realidade de suas comunidades. O
que você pede de sua filha?” Um dos membros da equipe observou: “Que seja
alguém na vida”. Marcela continuou: “As meninas primeiramente têm de cui-
dar de sua própria vida e de sua educação. Temos de parar com esta ideia”, e
ela fez uma pausa, “de que elas vão cuidar das ruas”.
Se determinadas meninas e mulheres são mais responsáveis, isso se ba-
seia em um determinado conjunto de condições econômico-políticas e socio-
culturais historicamente produzidas que faz com que seja assim. Não é que
elas sejam naturalmente mais responsáveis ou altruístas do que outras meni-
nas, mulheres ou homens. Como diz Leonardo (2004): “Pedindo emprestada
uma expressão do feminismo radical, podemos dizer que o ‘pessoal é estrutu-
ral’” (p. 13). Por isso, se elas são isso, é por serem estruturalmente posiciona-
das para serem assim (Moeller, no prelo-a).

Conclusão
Investir na educação de meninas está no topo da agenda global de de-
senvolvimento de muitas agências internacionais. Porém, como revela este
estudo, uma lógica instrumental vinculada à preparação para o emprego e ao

191
MOELLER, K. • “O efeito menina”: o investimento corporativo transnacional dos Estados Unidos...

crescimento econômico domina este discurso, e as corporações estão tirando


proveito disso para finalidades que vão além da educação de meninas. Este
capítulo não investigou se os supostos benefícios de educar as meninas são ver-
dadeiros ou não, ou se essas empresas conseguem gerar estes resultados através
de seus programas. Procurou, antes, intervir neste discurso global dominante
oferecendo evidências empíricas quanto aos efeitos de programas e políticas
corporativas que empregam esta lógica. Fez isso examinando as consequências
não intencionais de investir no efeito menina e, mais especificamente, os efeitos
de sua lógica sobre a prática educacional em um contexto etnográfico específico
no Brasil visando esclarecer um fenômeno mais amplo. Desta maneira, o estudo
contribui para os contínuos esforços feitos no campo do gênero, da educação e
do desenvolvimento no sentido de assegurar que os programas e políticas educa-
cionais empreguem práticas discursivas, curriculares e pedagógicas que procu-
rem transformar as condições econômico-políticas e socioculturais persistente-
mente injustas que tornam as meninas e mulheres de cor pobres desproporcio-
nalmente responsáveis pelo bem-estar e pelo futuro de outras pessoas.
Através de programas e políticas instrumentais na educação de meni-
nas, as corporações estão ampliando seu poder e influência sobre novos cor-
pos, instituições e geografias. Mas estão fazendo isso sem prestar contas às
meninas, mulheres e comunidades que supostamente estão servindo e sem
abordar contradições fundamentais em suas práticas corporativas de negócios
que, muitas vezes, criam ou exacerbam condições de vulnerabilidade para
meninas e mulheres, como demonstra o caso dos constantes problemas traba-
lhistas da Nike, Inc. Estas contradições na responsabilidade social corporativa
devem ser examinadas e enfrentadas mais a fundo pelas pessoas preocupadas
com o desalinhamento do poder corporativo em termos globais.
Como exemplo disso, organizações transnacionais feministas e de mu-
lheres reagiram intensamente ao mais recente relatório feito pelo Painel de
Alto Nível de Pessoas Eminentes do secretário-geral das Nações Unidas sobre
a “Agenda de Desenvolvimento Pós-2015” (United Nations, 2013). Elas se
mostraram preocupadas com dois aspectos de particular relevância. Em pri-
meiro lugar, focaram o “papel privilegiado que o relatório do Painel dá ao
setor empresarial e corporativo para impulsionar o desenvolvimento” em con-
traposição a “um marco muito frágil no sentido de responsabilizar as corpora-
ções” (Association for Women’s Rights in Development, 2013, § 16). Em es-
pecial, o Centro de Direitos Econômicos e Sociais (Centre for Economic and
Social Rights, 2013) criticou o fato de as Nações Unidas facilitarem isso ao
dar “proeminência indevida a uma visão antiquada do desenvolvimento diri-

192
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

gido pelo mercado e pelas empresas” (§ 12). Em segundo lugar, observaram


que, embora a igualdade de gênero fosse “abordada de forma mais abrangente
do que sob os atuais Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, ela ainda é
formulada de maneira reducionista e instrumental” (§ 8). A inter-relação entre
esta formulação da igualdade de gênero e a simultânea priorização das empre-
sas para o desenvolvimento pelas Nações Unidas e outras organizações inter-
nacionais facilita o poder e a influência cada vez maior das corporações no
desenvolvimento, como este capítulo procurou ilustrar.
Os resultados deste estudo também têm implicações para uma compre-
ensão mais ampla da crescente influência corporativa na educação em todo o
mundo. Eles exigem que comecemos a fazer perguntas mais vigorosas sobre
como as corporações estão influenciando globalmente o currículo e a pedago-
gia das escolas e a vida, a educação e o futuro das pessoas jovens. A passagem
das corporações para a esfera da educação está ocorrendo sob e mediante o
pretexto da benevolência. Embora algumas das intenções e ações realmente
possam ser benevolentes, é necessário compreender as consequências intencio-
nais e não intencionais destes empreendimentos. A expansão do poder corpora-
tivo na educação está estreitamente relacionada com o concomitante encolhi-
mento do compromisso público com a educação e a decrescente regulamenta-
ção pública na educação em muitos países, incluindo os Estados Unidos, e, quan-
do isso acontece, os indivíduos e comunidades marginalizadas são os primeiros
a serem afetados. Sendo assim, a influência corporativa em diversas áreas de
políticas e práticas na educação deve ser cuidadosamente estudada e regulamen-
tada a fim de assegurar a equidade educacional para todas as pessoas.

Agradecimentos
A pesquisa e a escrita deste capítulo foram financiadas por uma bolsa
de pós-doutorado no Haas Institute for a Fair and Inclusive Society na Univer-
sidade da Califórnia, Berkeley, e por verbas da National Science Foundation,
Fullbright-Hays, e da National Academy of Education/Spencer Foundation.
Sou grata a Miguel Zamora, Patricia Baquedano-López, Ananya Roy, Zeus
Leonardo, Paola Bacchetta, Cecilia Lucas, Hiba Bou Akar, Rebecca Alexan-
dra, Emily Gleason, Erica Boas, Susan Woolley e Genevieve Negron-Gonza-
les por apoiarem este estudo e por seu feedback sobre este capítulo. Também
gostaria de agradecer aos indivíduos e às instituições que participaram de meu
estudo por sua generosidade, seu tempo e suas percepções. Todos os erros no
capítulo são meus próprios.

193
MOELLER, K. • “O efeito menina”: o investimento corporativo transnacional dos Estados Unidos...

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197
Políticas educativas en el Chile actual

Rolando Pinto Contreras

Una breve introducción


El sentido, el contenido y el proceso de desarrollo de las políticas públicas
en educación, durante estos 35 años, de cuya definición y desarrollo no han
tenido ninguna participación los educadores y las Instituciones Formadoras de
Profesores del país, adquiere su real dimensión en el momento actual en que se
anuncia un nuevo Proyecto de Reformas Educativas, que pretenden cambiarle
el sentido y la realidad a la educación pública nacional.
En la definición de las políticas públicas en educación, que han imperado
en estos casi 35 años, han participado, principalmente, intelectuales y
profesionales vinculados a la Dictadura Militar, grupos empresariales y sectores
académicos vinculados a grupos católicos, ideológicamente integristas, que
asumieron la tarea de implementar la visión mercantilista de la educación, de
modelar desde lo privado la visión y función social que debía tener el Estado
Chileno. Y en los Gobiernos de la Concertación de Partidos por la Democracia
(1990-2010), fueron fundamentalmente economistas y sociólogos, autocalificados
de “progresistas y de expertos”, los que definieron las políticas de ajuste y
corrección de las acciones educativas que se sustentaban en el modelo educativo
mercantilista y privatizador, impuesto por la Dictadura.
En lo fundamental las políticas educativas que se instalaron en Chile en
estos 35 años, son: la “libertad de enseñanza”; la “subsidiariedad del Estado a la
oferta educativa”; la “subordinación de la acción educativa pública, al modelo
de enseñanza particular pagada”; y “el intento redistributivo de mejorar la calidad
de la educación pública, en una perspectiva de darle más equidad, a los sectores
sociales vulnerables”.
En la actual coyuntura política que define un proceso de cambios al sentido
y organización institucional de la educación pública, por primera vez en esta
historia de 35 años, se abre una pequeña posibilidad de pensarla como una acción
de calidad y de equidad de oportunidades formativas, para todos los chilenos,
sin discriminación alguna y como derecho social de todos los ciudadanos del
país. Y este no es un dato irrelevante, sino que un hito político de sincera voluntad

198
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

democrática de incluir a todas las voces y matices sociales en estos cambios


enunciados.
A nuestro entender, esta posibilidad coyuntural del cambio obedece a una
reacción ciudadana de rechazo a la ambigüedad discursiva/activa de los
Gobiernos de la Concertación. Se puede afirmar que en esta demanda ciudadana
hay un repudio masivo a la actitud política concertacionistas de hacerse cómplice
del compromiso de continuar en la “gobernabilidad mercantilista” e impedir la
profundización del cambio democrático-social y educativo que requería el país
y que reclamaba la mayoría ciudadana.
En el balance de estas tres décadas y media, se comprueba la mayor
desigualdad social y cultural, la discriminación negativa hacia los sectores
populares de los beneficios marginales que produce el modelo, la libertad para
los que tienen para seguir teniendo más y la pobreza y la pésima calidad de vida
como una acumulación natural para las grandes mayorías nacionales.
Ahora, ¿cómo se explica que recién ahora se reconozca el fracaso del
modelo dominante y se vuelva a pensar y hablar abiertamente sobre los
responsables políticos de este fraude político e ideológico?
Son dos los factores que, a nuestro juicio, permiten explicar esta situación.
Por un lado, la fuerza y legitimidad de la denuncia y resistencia del
Movimiento Social de Estudiantes Universitarios, de los Profesores Chilenos y
de los Empleados Públicos de la Salud y otros servicios del Estado, en el sentido
de develar la falsa realidad de los indicadores optimista que tenían los gobiernos
de transición democrática, acerca de la disminución de la pobreza y la ampliación
de oportunidades de mejor calidad para la mayoría de los chilenos.
La realidad develada en la denuncia es que no hay mejoramiento en nada
de la calidad y equidad de vida para la mayoría de los chilenos; la pobreza subsiste
y aumenta, organizada en otros indicadores de existencia; para el pueblo lo único
que se continua desarrollando son las cada vez menos oportunidades de acceder
al derecho de tener una buena atención de salud, de una educación pública de
calidad, de vivienda propia y digna, de derecho a una jubilación sustentable y
justa, de menos atropellos a los derechos ciudadanos. La superación de esta
realidad es todavía una promesa adeuda y lo que queda, además de la rabia y la
frustración, son las experiencias cotidianas de vida de menor calidad y de
sobrevivir amargamente la existencia cotidiana de la mayoría de los chilenos.
Por otro lado, está el debilitamiento de la alianza social, entre Dictadura
Militar (Fuerzas Armadas), Partidos Políticos Tradicionales, expresados en dos
conglomerados dominantes: la Concertación de Partidos por la Democracia (que
gobernó el país durante 20 años post-dictadura, 1990-2010) y la Alianza por
Chile (agrupación de los Partidos que surgieron como expresión civil de los

199
PINTO CONTRERAS, R. • Políticas educativas en el Chile actual

sectores empresariales y grupos medios, que apoyaron a la Dictadura y que


gobernaron el país, durante todo el tiempo que ésta estuvo (1973-1989) y vuelven
a ser gobierno elegido por el sufragio popular, entre 2010 a 2013, y la Iglesia
Católica. Este es el pacto que debía darle progreso y “gobernabilidad” al país
post-dictadura y ello lo avalaban todos los sectores sociales, económicos e
ideológicos dominantes institucionalmente en nuestra sociedad nacional.
Pero este pacto comienza a debilitarse, justamente, por ya no representar
más la posibilidad del sentido de progreso prometido al pueblo y por la corrupción
moral y económica que comienzan a evidenciar sus representantes. Es decir,
hay una crisis de credibilidad en este tipo de “gobernabilidad”, sustentada en el
equilibrio de usufructo privado del país y del consenso de las elites dirigentes
para seguir ajustando la acción política a la mantención de este pacto. Este
debilitamiento muestra la crisis de un ciclo político que significó dejar a los
“expertos económicos de la educación” la gestión de la meritocracia, el ascenso
social, la sana competencia regulada por el mercado, la democracia representativa
binominal, en fin, la posibilidad de tener oportunidades de progreso personal,
según el apoyo subsidiario que daba el Estado.
Pues bien, en estos 5 últimos años este pacto se descompone
aceleradamente, precisamente por la realidad de los efectos sociales de estas
políticas prometidas: no hay progreso a compartir con el pueblo, sólo las elites
políticas, empresariales y militares, bendecidas por la Iglesia Católica,
usufructúan, abusan y se corrompen en el goce y beneficio del poder capitalista
moderno.
Ambos factores han sido develados a la luz pública y comienza a generarse
un clima de crisis de credibilidad en la autoridad y en el funcionamiento de las
instituciones sociales y políticas nacionales; ante esta constatación casi cotidiana
del abuso y la corrupción del poder, comienza a revitalizarse la visión democrática
de un pueblo, que aspira a generar un auténtico proyecto democrático social,
que lleve, finalmente, a nuestro país, por un carril de mayor equidad, calidad
democrática y desarrollo humano digno para todos los chilenos.

Las políticas educativas dominantes en estos 35 años


La Dictadura y sus intelectuales habían instalado en todo el
funcionamiento de la sociedad nacional, ciertos enclaves legales e institucionales
que daban el sentido de normalidad a la vida de la población chilena, enmarcada
en la lógica del Modelo Económico Social de Mercado, impuesto por la Dictadura
y la continuidad de esa lógica, condicionaba a los gobiernos de transición
democrática en su transcurrir político. Estos enclaves son:

200
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

• A fuerza y fuego la Dictadura impuso autoritariamente al país un modelo


de desarrollo capitalista, modernizado en la expresión “Economía Social de
Mercado”, que significó subordinar todo el funcionamiento de la sociedad a las
leyes del libre mercado. Con respecto a la educación pública ello se expresó en la
instalación de una fundamentación política y filosófica, que subordino a la
educación nacional a funcionar con una “racionalidad económica” de mercado
y privatizó un derecho ciudadano de un bien cultural, transformándolo en un
“bien cultural familiar, regulado por el mercado”. Para asegurar esta imposición
ideológica, la Dictadura, con su Constitución del año 1980, instala y reemplaza
el concepto de “ciudadano de derecho” y el Modelo de Estado Desarrollista,
por el de “consumidor de bienes materiales y culturales” y por el Estado
Subsidiario.
De esta manera la educación se instala en la normativa Constitucional,
como una Política de Estado regulada por el mercado, por tanto, en una mercancía
adquirible en ese mercado capitalista. Toda la institucionalidad educativa que
impone la Dictadura, tiene esta racionalidad mercantilista y de producción
cultural individualista y privada.
• El primer dispositivo institucional que crea la Dictadura es el propósito
orgánico-constitucional de reconocer el “derecho de la familia” a obtener una
educación de calidad. Es, entonces, la propia Constitución Política del Estado
Chileno, que define la Dictadura en 1980, que orienta los fines de la Educación
Nacional. Sus artículos iníciales señalan el principio de Subsidiaridad “como la
función del Estado de velar por el bien común de la sociedad, lo que significa
fundamentalmente que debe respetar el adecuado cumplimiento de los fines
propios de los organismos sociales intermedios (familia, organizaciones sociales
comunales y empresas). El Estado no debe, en esta perspectiva, intentar sustituir
a ellos, salvo en el caso de que estas organizaciones se vean imposibilitadas de
realizar sus fines por su cuenta” (Prieto, 1983).
El Estado Subsidiario que se instala en la Constitución significa subordinar
al interés privado el comportamiento de lo público; es, como dice el analista
Fernando Atria (2012, “La Mala Educación”, págs. 88 a 103), el funcionamiento
“patas arriba” de lo público, esto es “pensar lo público desde lo privado”1.

1
En la historia de la educación pública chilena se muestra dos polos antagónicos de la manera
como se concibe ésta, por un lado la visión conservadora oligárquica, vinculada a la Iglesia
Católica, que entendía la “Libertad de Enseñanza” como una función propia de la Iglesia y la
familia, y al Estado le correspondía la función de facilitar los recursos económicos que subsidiara
a la Iglesia y por otro lado, el pensamiento laico liberal que entendía que la educación era una
función propia del Estado y que correspondía a éste ofrecerla de manera gratuita a todos los
chilenos. Esta polémica política/ideológica permanece en la historia chilena y vuelve a surgir,

201
PINTO CONTRERAS, R. • Políticas educativas en el Chile actual

La continuidad de los artículos de la Constitución establecen el carácter


social privado de la Educación: ella es una acción de libertad de los organismos
intermedios para enseñar y para aportar los recursos financieros necesarios que
permitan cumplir sus fines; la regulación de la calidad de esta enseñanza la
supervisan los organismos técnicos del Estado, pero la regula el mercado.
En la misma Constitución, se reconoce además el derecho de la familia
chilena para exigir una educación de calidad, que debe ser ofrecida por los
organismos intermedios comunales o privados.
• Los diversos Decretos Ministeriales van dando la organización de la
institucionalidad de la Educación Nacional, que primeramente reconocen el
ordenamiento del sistema educativo nacional, así las Escuelas Públicas que
dependían del Estado hasta el año 1980, pasan a ser administradas por las
Municipalidades, subsidiadas por el Estado; otras son transferidas a organismos
sociales privados (empresarios particulares) quiénes administran la oferta
educativa, generándose el subsistema de “Escuelas Particulares Subvencionadas”,
que también son financiadas por el Estado pero que posibilitan un cobro a las
familias, para mejorar “supuestamente” la oferta formativa; y las Escuelas
Particulares Pagadas, tradicionales en Chile y que su mayor progreso se nota
por el alto nivel del costo de sus aranceles o colegiaturas que cobran a las familias
chilenas y que re-invierten en los mismos colegios.
• Con respecto a la Educación Superior, se amplía su posibilidad de
comprensión y en ella no sólo reconocen las Universidades, sino que los Institutos
Técnico Profesionales Superiores y los Centros de Especialización Técnica
Laboral. También se establece el subsidio educacional a la Instituciones
Nacionales o Regionales pero con impacto nacional, llamado “Fondo de
Financiamiento Público Directo”, que lo reciben las Universidad de origen fiscal
y que dependían directamente del Estado para su funcionamiento y desarrollo
(esto fue así hasta el año 1980), pero que a partir de 1981 ese Fondo solo les
cubre los costos salariales y el pago de servicios domésticos de la Universidad y
que para su desarrollo académico, se ven obligadas a cobrar aranceles altísimos
a sus estudiantes y /o familias; también fueron beneficiadas con este Fondo
algunas Universidades privadas de mayor desarrollo académico nacional, tales
como: la Pontificia Universidad Católica de Chile; la Pontificia Universidad
Católica de Valparaíso; la Universidad Técnico Santa María, también de

con todo el apoyo de la Dictadura Militar, en los años 1980, imponiéndose finalmente el principio
de “libertad de enseñanza”, que siempre tuvieron las oligarquías conservadoras. Recomendamos
ver el libro de Carlos Ruiz (2010), op.cit.

202
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Valparaíso; la Universidad de Concepción y la Universidad Austral de Valdivia2.


Todas las demás Universidades Privadas que se generan a partir de los años
1980 y que pertenecían a grupos empresariales, casi todos vinculados a la
Dictadura, no recibían este subsidio estatal3.
Además el Sistema de Educación Superior lo conformaban los Institutos
Técnico-profesionales Superiores y los Centros de Capacitación Técnico-
profesional de Aplicación Laboral. Tanto las Universidades Privadas
Empresariales, los Institutos y Centros de Educación Técnica-profesional, fijaban
libremente sus aranceles y se les autorizaba a lucrar con la formación que
entregaban, así como generar ofertas de carreras de manera libre.
• Desde el momento que la Dictadura pierde la posibilidad de manejar
directamente los asuntos políticos del país, en el año 1989, comienza el proceso
de “amarre de la institucionalidad creada por la Dictadura”. Este proceso
significó, por un lado, dictar las Leyes de amarre político-institucional, entre

2
A fines de los años 80 comienza un fenómeno de desagregación y autonomía de algunas sedes
Universitarias que pertenecían antiguamente a las Universidades de Chile, de la Pontificia
Universidad Católica de Chile y de la Ex Universidad Técnica del Estado; esta desagregación
tiene una causa financiera: las casas matrices no podía asegurarles el financiamiento ni su
apoyo docente/investigativo, a sus sedes; la alternativa era o buscaban su propia subsistencia o
se cerraban. Así, estas Universidades, todas ubicadas en Regiones que deciden continuar su
existencia autónoma, comienzan a ser beneficiadas con este Fondo de Financiamiento Público
Directo, constituyen un total de 4 Universidades Católicas Independientes (1 en el Norte; otra
en la Región del Maule; otra en Concepción y otra en Temuco), 8 Universidades Públicas
Regionales (son las de Arica, Iquique, Antogasta; la Serna; la de Playa Ancha de Valparaíso; la
Metropolitana de Ciencias de la Educación; la Frontera de Temuco; la de Los Lagos y la de
Magallanes) y 2 Universidades que resultan de la alianza entre la Universidad de Chile y
Universidad Técnica del Estado (Universidad de Atacama y la Universidad Tecnológica
Metropolitana).
3
Al año 1990 se habían creado 48 Universidades Particulares Pagadas, algunas de ellas de origen
regional pero al día de hoy con filiales en todos los lugares de poblaciones mayores de país.
Durante los gobiernos de transición, se crearon 10 Universidades privadas más. Sólo para tener
como referente histórico de la magnitud y la profundidad del cambio que la Dictadura provocó
en sus 17 años de instalación, en relación a la existencia y matrícula de las Universidades
Chilenas veamos algunos antecedentes interesantes: en el año 1973, habían dos Universidades
Públicas Fiscales, la Universidad de Chile y la Universidad Técnica del Estado, que juntas
tenían el 67,2% de la matrícula y el Estado cubría el 86,2% del presupuesto de funcionamiento
de ellas. Las Universidades Privadas, en total 4 (Universidad Católica de Chile, Universidad
Técnica Santa María, Universidad de Concepción y Universidad Austral de Valdivia), tenían
sólo el 22,8% de la matrícula universitaria. En el año 2000, el conjunto de las Universidades
Públicas y Privadas subsidiadas por el Estado eran en total 16 y concentraban el 54% de la
matrícula universitaria y en su conjunto para su funcionamiento recibían el 24% de su
presupuesto basal de parte del Estado, y el sistema Particular Privado lo constituían un total de
58 Universidades, con un total de 46% de la matrícula universitaria, sin aporte del Estado. Esto
se ha mantenido igual hasta nuestros días. Datos proporcionados por el Consejo Nacional de
Rectores, Chile, 2002.

203
PINTO CONTRERAS, R. • Políticas educativas en el Chile actual

otras la Ley Orgánica de la Educación, que le da el carácter constitucional a


cualquier intento de cambio de los fines y de las Instituciones de la Educación
Nacional; la Ley Orgánica Electoral que instala el Sistema Binominal de elección
parlamentaria, que genera el amarre legislativo para impedir cualquier intento
político de cambiar nada de lo instalado por la Dictadura y muchas otras acciones
legales, casi una por sector de intervención gubernamental, como por ejemplo
las Leyes de Consignaciones de Obras Públicas o de Explotación Minera, que se
entregaron directamente a Empresas Extranjeras.
Y, por otro lado, el condicionamiento al Gobierno de Transición
Democrática sobre el tipo de políticas que era necesario desarrollar y para lo
cual las Fuerzas Armadas se establecían como garantía de respeto y control;
entre otras “recomendaciones” de la Dictadura estuvieron el acuerdo de amnistiar
los crímenes de lesa humanidad y proteger a los autores de los atropellos a los
derechos humanos; la mantención del Dictador como Jefe de las Fuerzas
Armadas, hasta cuando él estimara necesario; la mantención del Consejo de
Seguridad Nacional integrado por la totalidad de los Comandantes de las diversas
ramas de las Fuerzas Armadas; en fin, el respeto a la legalidad vigente; y
naturalmente, el “Pacto de Gobernabilidad” firmado en 1989, una vez que el
país había elegido al Presidente Patricio Aylwin, y en el cual los firmantes se
comprometían a respetar la “transición” pero manteniendo el poder institucional,
legal y económico instalado por la Dictadura. Este condicionamiento político,
la Dictadura lo llamó: “Democracia Protegida”.
En este contexto, el desafío político del primer Gobierno de transición
democrática quedaba condicionado en su actuar, y se le presentaban dos
posibilidades de acción o romper estas amarras institucionales heredadas y
consecuentemente romper con el pacto de “gobernabilidad” que había firmado
con la Dictadura, posibilidad que tenía sus riesgos pero que contaba con el fervor
aspiracional popular y la mayoría relativa que tenían el nuevo gobierno civil, en
el Congreso Nacional; o simplemente se acomodaba a esta realidad y aceptaba
continuar administrando el modelo económico-social, con algún resquicio legal
para introducir algunos cambios o correcciones de imperfecciones o abusos en
el funcionamiento de este modelo, esto es, aceptaba el pacto de gobernabilidad
firmado con los que dominaban el país.
El Gobierno del señor Patricio Aylwin optó, según un criterio que
autodefinieron de “realismo político”, aceptar la adopción del modelo e introducir
en él algunas acciones marginales que lo suavizaban en sus efectos sociales más
perversos. De esta manera el Gobierno del señor Patricio Aylwin (1990-1994) se
centró en el tema político más candente y urgente que heredaba, era el tema de
“Justicia, Reparación, Castigo y Reconciliación” a las víctimas de los atropellos

204
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

sistemáticos a los Derechos Humanos, identificando la naturaleza de esos


atropellos y a los responsables directos de esos crímenes, cometidos por la
Dictadura, pero sin tocar a Pinochet ni a los demás Comandantes en Jefes de las
Fuerzas Armadas. Curiosamente este tema fue una preocupación transversal de
todos los Gobiernos de la Concertación y todavía no está resuelto en su amplitud
necesaria.
Otras políticas fueron las que centraron la preocupación, también
transversal a todos los gobiernos de la Concertación y al de la “Alianza por
Chile”, la ampliación de la cobertura de la oferta educativa y el mejoramiento
del acceso y permanencia de los educandos en el sistema nacional de educación;
los planes focalizados de disminuir la pobreza; la creación de oportunidades
laborales y de capacitación técnico-profesional funcional para los jóvenes chilenos
vulnerables; y la construcción de muchas obras públicas, realizadas con el sistema,
también heredado de la Dictadura, de las concesiones a empresas particulares
nacionales y extranjeras para su ejecución y mantenimiento, y que se han
transformado, en el tiempo histórico mediato, en el mejor mecanismo de
corrupción de la función pública, de altos funcionarios concertacionistas y de
derecha, de los gobiernos de transición de turno.
La ingeniería y estrategia de instalación de este “realismo pragmático” 4 y
que fueron implementadas transversalmente durante todos los Gobiernos de la
Concertación de Partidos por la Democracia, fueron ideadas por los expertos e
intelectuales de este “conglomerado político” y que definieron los ámbitos
institucionales, entre otros, el de la educación, susceptibles de ser mejorados en
su funcionamiento.
Las acciones de mejoramiento/funcionalidad económica de la educación
que se desarrollaron, fueron: la actualización del contenido de los Currículos
Oficiales; el perfeccionamiento didáctico de los profesores, mejorando sus
prácticas comunicacionales; diseño de manera “tecnocrática” de las evaluaciones

4
Lo que me llamó la atención a mi regreso al país en 1990, después de 17 años de exilio obligado
era el énfasis de “sobrevivencia” que tenía el discurso político de los dirigentes gubernamentales
que asumían y la ingenuidad del análisis de la situación a la que se enfrentaban. La verdad es
que no me explicaba, en ese momento, los vacios ideológicos y teóricos que tenían muchos de
estos intelectuales y dirigentes, con muchos de ellos habíamos compartido espacios de análisis
y discusión política y los valoraba por su lucidez conceptual, durante el exilio, pero transformados
en administradores gubernamentales parecían no entender para nada el carácter mercantilista
y de privatización de lo público que imponía la lógica del modelo dictatorial. En ese debate que
quise iniciar en 1990 y al recibir solo descalificaciones, cada vez más me fui distanciando de los
gobiernos de la Concertación, hasta terminar rompiendo con ella en el año 2008, justamente
ante el engaño que se le hizo al Movimiento de los “Pingüinos” (Estudiantes Secundarios), a
propósito del cambio de la Ley General de Educación.

205
PINTO CONTRERAS, R. • Políticas educativas en el Chile actual

de logros educacionales; mejoramiento de la gestión administrativa de la


educación en los Municipios, principalmente los más vulnerables; en fin, un
Plan de Inversiones para la Educación que significó construir nuevos
establecimientos educacionales y mejorar la infraestructura de las Escuelas
Municipalizadas. En el esfuerzo correctivo del modelo y con el propósito
socio-económico redistributivo, se impulsaron las acciones políticas
sectoriales por nivel educativo, que significó canalizar recursos públicos hacia
la educación municipalizada y particular subvencionada, así surgen los
Programas de Mejoramiento de la Educación Básica; de la Educación Rural;
de la Enseñanza Media, principalmente la modalidad Técnico-profesional,
de la Educación de Adultos y de la Educación Superior. Fueron los llamados
MECES sectoriales.
Junto a estas acciones redistributivas en la educación, también de manera
transversal a todos los Gobiernos Concertacionistas, se desarrollaron otras
acciones modernizantes, tales como: la ampliación de la atención primaria y
preventiva de la salud y el Plan de Licitaciones Privadas a empresas nacionales y
extranjeras de la totalidad de los servicios públicos del país: Agua, Electricidad,
Telefonía, Previsión Social, Salud Curativa, Transporte Público, Gas y
naturalmente de Educación y Cultura.
Es decir, los Gobiernos Concertacionistas ampliaron la administración
privada del Estado e instalaron y mejoraron el funcionamiento del
enriquecimiento privado con recursos del Estado. Y a esta lógica de
funcionamiento se acostumbraron los dirigentes de los Partidos Concertados,
tanto de derecha como de centro-izquierda. Lo más grave, es que este
funcionamiento generó conciencias y culturas subordinantes en las relaciones
sociales cotidianas, y que, en su prolongación temporal, instalaron una conciencia
ciudadana de la indolencia y del oportunismo individualista. Al cambio de estas
condiciones subordinantes de la conciencia y la conducta ciudadana, es a lo que
deberían apuntar las actuales políticas de reforma educativa y cultural que
promete el gobierno actual de la Nación.
Si se observa sólo al ámbito de la educación, cualquier observador crítico
o estudioso/a de la educación chilena podría percibir que todos aquellos factores
y mecanismos que condicionaban el funcionamiento estructural de una
educación pública de calidad, no fueron tocados, en ningunos de los cuatro
Gobiernos de la Concertación (1995-2010) y menos en el de la Derecha “Alianza
por Chile” (2010-2013). Por el contrario, se mantuvo y se fortaleció la visión
privada de los público: el co-pago en las Escuelas Subvencionadas; el crédito
con aval del estado a los estudiantes provenientes de sectores socio-económicos

206
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

pobres o medios5; las evaluaciones nacionales de logros, centradas en las


Mediciones Estandarizadas del SIMCE, se siguieron perfeccionando; la no
gratuidad de la educación pública media y superior, no se toco; el no
mejoramiento moderno de las condiciones de trabajo docente y de los salarios
que se les destinaban (siempre primo el criterio economicista de pagar más por
desempeño, un carácter “subsidiario” del salario y no el de justicia social a una
profesión fundamental para avanzar a una sociedad democrática); la valoración
del aporte económico privado, exonerándolo de impuestos a sus ganancias
económicas; la instalación de los Colegios de Excelencia; las exigencias de logros
de la educación municipalizada y particular subvencionada, equivalentes a los
de los Colegios Privados Pagados; en fin el criterio de selectividad de los colegios
para mantener segregados a los “malos estudiantes” que, por lo general, coinciden
con ser los más pobres; etc.
La mantención del criterio de “referencia modelar” de la Educación de
alta calidad de los países capitalistas desarrollados, imitados muy malamente
por los Colegios Particulares Pagados Chilenos, que le da un protagonismo en el
aprendizaje de los educandos y una orgánica de funcionamiento, sustentada en
la disposición abundante de recursos; fue lo propio de todos los gobiernos de la
Concertación. Esta estrategia de tener como “modelo”, lo ajeno y referenciarlo
para una educación municipalizada y particular subvencionada, que no tienen
ni los mismos recursos ni el capital pedagógico equivalente, que además arrastran
un acumulado de deprivaciones de sus educandos y sus familias, es casi una
intención comparativa injusta, que cae hasta en lo perverso.
En efecto, los Colegios Particulares Pagados de Chile, que funcionan de
acuerdo al modelo de “College” de USA y Europa, tienen una organización
interna de los procesos pedagógicos, tales como la valoración del trabajo educativo
usando metodologías y recursos tecnológicos modernos, centrado en el educando;
además de un docente mejor pagado, con menos alumnos por profesor y teniendo
los asistentes para la atención personalizada de los educandos y una
infraestructura institucional equivalentes a colegios del Primer Mundo
Capitalista, son el modelo de exigencia para una educación pública abandonada
a la capacidad financiera de sus sostenedores (Municipios y Pequeños o medianos

5
En los últimos años y con el Gobierno de la señora Michelle Bachelet y continúo con el gobierno
de derecha de Sebastián Piñeira, esto es de 2008 hasta 2015, se habló del eufemismo “Crédito
Solidario con el aval del Estado”, pero otorgado y administrado por el sistema bancario comercial
nacional. Los efectos sociales de esta acción es que los estudiantes que se educaron con estos
créditos “solidarios”, están prácticamente como deudores con la Banca que se los otorgo, durante
un promedio de 15 años una vez egresados de sus estudios universitarios o superiores.

207
PINTO CONTRERAS, R. • Políticas educativas en el Chile actual

Empresarios), sin recursos propios, sin infraestructura adecuada, sin docentes


bien pagos, sin sostenedores preparados para dirigir centros formadores, etc. y
se les compara en su logros con los Colegios Particulares Pagados. Naturalmente
tales modelos de desempeño para el mejoramiento de la calidad de la educación
pública, no tenían ni tienen ninguna posibilidad de suceder en Chile y su
comparación, es simplemente perversa.
Incluso muchas comisiones de “expertos” extranjeros que se invitaron
durante los gobiernos de la Concertación, señalaban que con la baja inversión
pública en estas dependencias formativas municipales; con el tipo de malla
curricular, centrada en la “transmisión de saberes cristalizados”, que
transversalmente tiene la educación nacional; la pérdida de identidad de país o
proyecto de país que reflejaba la educación pública; la mala calidad de la
formación que tenían los docentes chilenos; y con la mantención de la
institucionalidad educativa heredada, era simplemente “inviable” el
mejoramiento de la calidad de la educación pública en Chile6.
Sin duda que esta lógica perversa del modelo privado/capitalista instalado
con la Dictadura, no fue alterado en lo más mínimo con las políticas
redistributivas de inversión en la calidad educativa que impulsaron los gobiernos
de la Concertación.
De esta manera el escenario para el cambio educativo público, después de
25 años de gobiernos de transición que perfeccionaron el modelo de privatización
de lo público, resulta, por lo menos, ser el mismo que el de 1990, con la diferencia
que actualmente el arrastre de dificultades se han complejizado, agudizado y
aumentado enormemente.
Muchas de las acciones redistributivas que impulsaron los Gobiernos
Concertacionistas son en sí misma interesantes pero que al ser intervenciones
fragmentadas no impactan en el mejoramiento estructural de la calidad de la
formación pública.
Desgraciadamente para los docentes y educandos de estas escuelas
públicas, el sentimiento de fracaso y de desesperanza, la frustración, la negación
de la escuela y el aumento de la violencia intraescolar, son los efectivos resultados

6
Solo como un ejemplo de las muchas Comisiones de “Expertos Extranjeros” que visitaron
Chile para ver la realidad de su Educación Pública, entre los años 2000/2014, referimos aquí la
realizada por una Comisión de la OCDE que visitó escuelas municipales y particular
subvencionadas, se entrevistó con varios directivos Municipales de la Educación y Sostenedores
Privados, también conversó con la organización nacional de Profesores y con algunos
académicos, y llegó a una conclusión lapidaria: es imposible el mejoramiento de la calidad de
la educación pública de Chile, sin un cambio del modelo económico-social que tiene el país.
Ver: Informe de la Comisión OCDE “Situación y perspectivas de la Educación Pública en
Chile. Informe de recomendaciones para el Mejoramiento de su Calidad”, Santiago, 2011.

208
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

que se están logrando, con estos 25 años de realización política de “reformas


neoliberales”, en Chile.
En síntesis, reconocemos la sinceridad del enorme esfuerzo redistributivo
que hicieron los gobiernos nacionales en estos 25 años, pero ello no fue suficiente,
ya que la continuidad subsidiaria del Estado, la visión modelar de la acción y
organización privada/empresarial y la permanencia de los fines de mercado que
regulaban la educación, mantuvieron el orden económico, social, cultural y
pedagógico de la desigualdad y del arbitrio mercantil de la educación.
Sin querer ser peyorativos, concordamos con varios investigadores chilenos
que señalan que el mayor déficit de los Gobiernos de la Concertación de Partidos
por la Democracia con el país, es el bajo impacto social que tuvieron las políticas
educativas y culturales que aplicaron, entre 1990 y hasta el año 2010.

Renace la esperanza (o ¿una nueva desilusión?): las políticas educativas


del cambio en el gobierno actual
La demanda de los movimientos sociales instalaron la necesidad de una
Educación Pública de Calidad y Democrática, esta necesidad se caracteriza por
cuatro propósitos explícitos:
• En primer lugar, instalar una visión de Estado Orientador y de Derecho
Social a una Educación de Calidad para todos los chilenos. Este es un imperativo
que se reitera en todos los discursos de protesta, de resistencia y de reivindicación
masiva de los estudiantes Universitarios en Chile, de los movimientos docentes
y de las luchas salariales de todos los empleados y obreros de empresas públicas
del país. Es tal el nivel de convocatoria popular que tiene este imperativo, que
nadie en el país pareciera estar en desacuerdo con la necesidad de tener una
educación pública de calidad. Hay doctrina y libros que se han formulado y
elaborado a este respecto7, todos argumentan sobre la necesidad de un nuevo

7
Tan sólo con el ánimo de ilustrar con algunos títulos recientes, citamos: Fernando ATRIA
(2012). La Mala Educación. Ideas que inspiran al movimiento estudiantil en Chile, Catalonia
y CIPER Ediciones, Santiago (Chile); Francisco FIGUEROA (2013). Llegamos para quedarnos.
Crónicas de la revuelta estudiantil. LOM Ediciones, Santiago (Chile); Giorgio JACKSON (2013).
El País que soñamos. Random House Mondadori S.A., Colección Debate, Santiago (Chile);
Rolando PINTO CONTRERAS (2014). Pedagogia Crítica para una Educación Pública de
Calidad. DERRAMA MAGISTERIAL Ediciones, Lima (Perú); Richard YÁÑEZ y Jessica
VISOSTKY (2014). ¡Tomar la Escuela! Editorial Quimantú, Colección A-probar, Santiago
(Chile); entre otras. Y como ejemplos de la dinámica social, algunos eventos académicos que
son muy importantes para lo que sería la anticipación de una apertura a pensar la reconstrucción
de lo público en la educación: la creación y funcionamiento, asentado en la Universidad de
Chile, del Observatorio Chileno de Políticas Públicas; el Movimiento Pedagógico del Colegio
de Profesores y el Foro Chileno por el Derecho Democrático a la Educación Pública de Calidad.
De manera directa me ha tocado participar en el segundo y el tercero de estos eventos.

209
PINTO CONTRERAS, R. • Políticas educativas en el Chile actual

referente de identidad para la acción docente y como acciones que superen el


caos educacional, que han provocado las Reformas Educativas Neoliberales.
• En segundo lugar, se señala también con la misma fuerza: No al lucro
educativo y si a la gratuidad de la Educación Pública. Todo este movimiento
social muestra que las acciones de eventual equidad redistributiva, que han
impulsado o promovido los gobiernos de la “transición democrática” han
develado la complejidad política y social que tiene la visión mercantilista y de
lógica privada, en el desarrollo de una educación pública equitativa y de calidad
para todos los chilenos. Dos instrumentos que imposibilitan la equidad de
oportunidades de calidad educativa para todos, es la actual visión de negocio
que se ha instalado en la educación chilena y el sometimiento de lo público a lo
privado, por el lucro y la regulación del mercado a un derecho social; por eso No
al Lucro y si a la gratuidad educativa.
• En tercer lugar la urgencia de cambiar la gestión y el clima cultural de la
educación pública, para ello hay que terminar con la actual municipalización de
la escuela, que ha contribuido al deterioro de la escuela pública; acabar con la
selección mediante criterios arbitrarios, el ingreso libre a la educación; y terminar
con el sistema del “financiamiento compartido” en las instituciones públicas de
educación. El conjunto de estas eliminaciones, permitirán al Estado volver a ser
el auténtico responsable de una educación pública de calidad y legítimamente
democrática.
• Y en cuarto lugar cambiar la convivencia escolar, se trata de instalar un
clima de armonía, confianza y de felicidad educativa y ello es solo posible, si
instalamos una teoría y una práctica de educación para la libertad, para la
autonomía, para la colaboración, para la construcción de conocimientos, para
el mejoramiento de la calidad de vida de todos los que estamos implicados en
las acciones educativas. Este desarrollo educativo no se logra con una educación
hegemonizante, que es una camisa de fuerza que obliga a todos alcanzar los
mismos resultados formativos, medidos estandarizadamente. Los resultados
históricos del SIMCE solo son relativamente “buenos” para los estudiantes
provenientes de la educación particular pagada, los demás, la mayoría de los/las
niños/niñas y jóvenes chilenos, sólo muestran resultados relativamente mediocres
o insuficientes; y que esto repetido durante 25 años ha contribuido a aumentar
la desigualdad de resultados escolares o lo que es peor, el aumento de la
desesperanza y de la baja autoestima en los educandos populares, que acumulan
los peores logros en sus aprendizajes.
Pues bien, en el contexto de estas demandas políticas y sociales de la
ciudadanía, es que el gobierno actual asume su compromiso reformista. Y este
compromiso no es sólo de cambiar la educación sino que también: reformar el

210
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

sistema tributario del país, con criterio de equidad social; cambiar la Constitución
Política del Estado para que éste asuma, nuevamente su carácter democrático y
desarrollista; cambiar el sistema de Salud, de Previsión Social y hacer justicia a
los jubilados; en fin, avanzar a la eliminación paulatina de los enclaves de poder
instalados por la Dictadura: eliminar el sistema electoral Binominal; terminar
con la lógica de las Concesiones Privadas en la Construcción de Obras Públicas,
volviendo a las inversiones mixtas pero con seguridad en la gestión del Estado.
Es decir, el Gobierno actual se proyecta como factor de cambio del país.
En lo que respecta al cambio educativo, el Gobierno adopta una estrategia
de aplicación gradual y fragmentada del cambio educativo y establece una
“Agenda del Plan de Reformas” que sigue el itinerario de cuatro propósitos
políticos del cambio, en todo el período que dura en sus funciones: 2014-2018.
Según el discurso formal que orienta estas políticas, el 21 de Mayo de
2014, la señora Presidenta declara: “Tenemos razones éticas para llevar adelante
esta Reforma, que se basa en el profundo convencimiento de que recibir una
educación de calidad es el mecanismo más eficaz para reducir la desigualdad.
La educación es un derecho social que no puede depender de los recursos
económicos de los estudiantes o sus familias” (Mensaje Presidencial al Congreso
Nacional). Con esta motivación se señalan los 4 propósitos políticos de este
Reforma Educativa:
1) Crear una institucionalidad que garantice el acceso libre a la educación
y la seguridad a las familias;
2) Garantizar una Educación Pública de Calidad para todos los chilenos;
3) Avanzar a una profesión docente moderna, dignificada y mejor
remunerada; y
4) Desarrollar una Educación Superior Pública gratuita y de calidad.
El Plan de Ejecución de estas políticas y las acciones específicas que se
implementan son:
– Año Julio de 2014/Junio de 2015: envío y aprobación en el Congreso
de la Ley de la República que pone fin al lucro, a la selección para el acceso libre
de las familias a la educación pública y la gratuidad de la Educación Básica y
Media en cualquier modalidad y dependencia administrativa de la institución
educativa. Esta Ley se encuentra en su trámite legislativo final. Es importante
señalar como explicación de la lentitud aprobatoria del Congreso que al interior
de la propia Coalición Gubernamental tuvieron que superarse diferencias
importantes acerca de la conveniencia de la “eliminación de la selección en los
establecimientos públicos y del financiamiento compartido”, ya que con toda la
perversidad social heredada hay un importante componente de la población
chilena, los autoproclamados sectores sociales medios, que defienden ambos

211
PINTO CONTRERAS, R. • Políticas educativas en el Chile actual

mecanismos: la selección y el copago, ya que ambos se visualizan como la razón


directa del mejoramiento de la calidad de la educación; la verdad es que ambos
mecanismos generan la falsa idea de que la calidad de ésta se reduce a los buenos
resultados cuantitativos de los aprendizajes, según el modelo privado de la
educación que se tiene en Chile. Pues bien, algunos de los Partidos que componen
la coalición gobernante actual, identificados electoralmente con estos sectores
medios, requería que esta Ley estableciera “la gradualidad de aplicación de estas
medidas, que es lo que finalmente aconteció y así el Gobierno pudo avanzar en
su aprobación8.
– En este mismo período de tiempo se avanza en el inicio del cambio de la
institucionalidad educativa del país y se comenzó con dos acciones inmediatas:
la creación de la Subsecretaria de la Educación Parvularia de Chile y la
construcción de 534 Nuevas Salas Cunas, lo que muestra la importancia política
que el gobierno da a esta modalidad educativa; y la re-instalación de la
Superintendencia de Educación, con funciones de control de calidad a la
Educación Privada del país.
También se decreta la creación de dos nuevas Universidades Públicas
Regionales en Aysén y en O’Higgins; y cinco Centros de Formación Técnica del
Estado en Antofagasta, Coquimbo, Valparaíso, Maule y Magallanes9, todas
ciudades importantes de las Regiones más pobres del país; y para el segundo
semestre de 2015 se comenzarían a construir.
– Para el período Enero 2015 y Diciembre de este mismo año, se programan
cuatro acciones principales: 1) Se implementa el nuevo sistema de financiamiento
de la Educación Básica y Media Pública (nueva Ley de Subvenciones Escolares);
2) Junto con el Colegio de Profesores de Chile, se define el “Plan Nacional de
Desarrollo Docente” (nuevo Estatuto de la Carrera Docente) que implica tres
capítulos específicos: el aumento salarial escalonado y progresivo, según valores

8
Es importante señalar que la actual Coalición Gubernamental “Nueva Mayoría” está constituida
por la totalidad de los Partidos de la antigua Concertación de Partidos por la Democracia,
donde todavía predominan las tendencias neoliberales; el Partidos Comunista, otros partidos
menores de izquierda y varios movimientos sociales del país, estas “ampliaciones políticas” a
la Concertación, son claramente partidarias de un cambio democrático profundo y al parecer
tendrán que convivir en esta tensión política antagónica, si quieren mantener la coalición.
También hay que tener presente que tanto el PC como los demás representantes de la izquierda
y del movimiento social, son los que tienen mayor presencia en el movimiento social democrático
en Chile y la señora Presidenta pareciera representarse mejor en ellos.
9
Particularmente en toda esta creación de Instituciones de educación superior se muestra la
voluntad política de favorecer a las Regiones del país, justamente una de las promesas de campaña
de la señora Presidenta; pero además la voluntad de crear, por primera vez en estos 35 años de
historia, Universidades Públicas y Centros de Formación Técnica Superior.

212
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

horas establecidas por el Colegio de Profesores; Bonificación Extraordinaria para


los docentes en servicio que estén en edad de jubilarse; y mejoramiento del
perfeccionamiento docente, se acuerda un Plan especial que se le llama “Innovar
para ser mejor” y que comenzaría en el Segundo Semestre de 201510. La Ley
sobre el Estatuto de la Carrera se prevé que será aprobada en el Primer Semestre
de 2015; 3) Junto al Consejo Nacional de Rectores11 se discute actualmente el
“Plan Nacional de Mejoramiento de la Educación Superior” que tiene tres
ámbitos prioritarios: la democratización del ingreso de estudiantes calificados a
una formación profesional y académica gratuita; el nuevo marco legal regulatorio
de la calidad de la educación superior y del desarrollo de la investigación científica
y tecnológica que requiere el país; y propuesta de una orgánica política e
institucional de la Educación Superior en Chile. Este diálogo no esta exento de
dificultades ya que para los Rectores de las Universidades Estatales “la
preocupación preferentes del Estado debe ser la Educación Superior Estatal”,
ya que ella es en esencia la educación pública; y 4) La construcción de la nuevas
“institucionalidad” de la Educación Pública, aquí se anuncia la creación de una
Comisión de Expertos que teniendo en cuenta los criterios de descentralización
y participación ciudadana, se avance a la generación de “Servicios Locales de
Innovación Educativa” y a “Agencias Regionales de Acreditación/evaluación
de la Calidad Institucional”12.

10
No obstante el diálogo de la Directiva del Gremio Docente con el Gobierno, las bases regionales
y locales de los profesores no aceptaron esta Propuesta de Mejoramiento Docente acordada y
al no ser escuchadas las bases se produce una división interna en el gremio entre los profesores
que apoyan este acuerdo y los disidentes; muchos de estos últimos están por la creación de un
nuevo referente gremial que lo llaman Sindicato Único de Trabajadores de la Educación/
SUTE, que recupera el nombre de la antigua organización unitaria de los profesores,
desaparecida con el Golpe Militar de 1973.
11
En este Consejo participan las actuales 12 Universidades Estatales; 5 Universidades Privadas
pero con Financiamiento del Estado y de carácter nacional, algunas de ellas desarrolladas
desde sus orígenes en las Capitales Regionales de Valparaíso (2), de Concepción (1), de Valdivia
(1) y en Santiago (1); además de estas 5 Universidades Particulares Subvencionadas, integran
el Consejo de Rectores todas la Universidades Católicas, antiguas filiales de la Pontificia
Universidad Católica de Chile y que adquieren su autonomía en el tiempo de la Dictadura, en
total son 5 Universidades Católicas localizadas en Regiones. En síntesis, el Consejo Nacional
de Rectores represente en el conjunto, el 55% de la Matrícula Universitaria; el 80% de los
Proyectos Científicos de Investigación adjudicados con apoyo del Estado y el 90% de los
Postgrados del país.
12
A nosotros nos llama profundamente la atención que el Gobierno, hasta ahora, no haya señalado
ninguna orientación sobre lo que tiene que ser una Educación Pública de Calidad y por otro
lado, que no exista de manera explícita ni mecanismos, ni temarios, ni plazos para estos diálogos
ciudadanos. Lo malo de esta ambigüedad es que ya comienzan a constituirse movimientos
ciudadanos que reclaman una mayor participación efectiva en esos diálogos sociales.

213
PINTO CONTRERAS, R. • Políticas educativas en el Chile actual

– Para el período total del Gobierno (2014-2018) se señala la “Agenda de


apoyo y fortalecimiento de la Calidad de la Educación Pública” y para su avance
se establece el mecanismo del “Diálogo Ciudadano” a través de mesas de consulta
ciudadana convocadas por el Ministerio del ramo, para proponer políticas
específicas de mejoramiento de la calidad de la educación, hasta el momento
conocemos tres mesas de diálogo que están funcionando: para la Educación de
Personas Jóvenes y Adultas; para la Educación Multicultural y Bilingüista; y
para la Educación Técnica Profesional, de carácter público
Pues bien, este es el Plan de Reformas que está impulsando el Gobierno,
hay varios temas que estuvieron presentes en el debate nacional que provocaron
los estudiantes universitarios en el año 2011 y que además constituyeron parte
de las demandas específicas del Movimiento Social, que son considerados
parcialmente en esta agenda de la Reforma Educativa del Gobierno, pero hay
otros temas que no aparecen, hasta ahora, en la agenda gubernamental y que
son cruciales para tener claridad sobre el rumbo democrático que debe seguir
esta política reformista.
Estos temas relevantes tienen que ver con cuatro ámbitos del cambio de
paradigma educativo en Chile:
• En primer lugar, el tema de la comprensión global del proyecto de cambio
de la sociedad y la educación chilena, todavía no se explicita con claridad los
fines de este cambio socio-educativo profundo, no se reconocen los sentidos
proyectivos que se le quiere dar a todo el proceso de reordenamiento jurídico y
económico del país y dentro de él, la función que tendrá la educación pública
nacional en relación al ciudadano que queremos formar y a la sociedad que
aspiramos llegar.
• En segundo lugar el tema de la gestión política, social y administrativa
de la nueva institucionalidad que debe generarse para la educación pública; aquí
también hay una vacío de propósitos, de contenidos y de mecanismos de gestión;
está el acuerdo de terminar con la actual municipalización de la educación, pero
aún se precisa la institucionalidad que se generaría.
• En tercer lugar el gran tema de la calidad pedagógica de la nueva
educación pública, aquí simplemente no hay nada formulado; son los temas del
Currículo, la Evaluación, las Didácticas Específicas, las Metodologías para el
Aprendizaje significativo y socialmente útil, en fin, la construcción de saberes
pedagógicos necesarios para una educación democrática y de calidad; y
• En cuarto lugar, el tema de la Formación de Profesores y del
perfeccionamiento como acción de acompañamiento permanente del ser docente;
tampoco aquí hay orientaciones precisas. En esto habría que recoger ahí las

214
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

propuestas que permitan diagnosticar la realidad y elaborar acciones de cambio


cualitativo, casi paradigmático de la formación más actual de educadores.

Referencias
ATRIA, F. (2012). La Mala Educación. Ideas que inspiran al movimiento estudiantil en
Chile, Catalonia Ediciones/CIPER, Santiago (Chile).
COMISIÓN OCDE (2011). “Situación y perspectivas de la Educación Pública en Chile.
Informe de recomendaciones para el Mejoramiento de su Calidad”, Santiago, 2009.
DONOSO, S. y OTROS. (2010). Las Políticas Educativas en Chile: desde el Régimen
Militar hasta los Gobiernos de la Concertación de Partidos por la Democracia.
Investigación FONDECYT, Informe Final, Santiago (Chile).
FIGUEROA, F. (2013). Llegamos para quedarnos. Crónicas de la revuelta estudiantil.
LOM Ediciones, Santiago (Chile).
FREIRE, P. (1998). Pedagogía de la Autonomía. Siglo XXI Editores, S.A., México.
GARCIA HUIDOBRO, J.E. (1999). La Reforma Educacional Chilena. Editorial Popular,
Madrid (España).
GOBIERNO DE CHILE. (2014). Mapa de la Reforma Educacional Chilena. Documento
del Ministerio de Educación, Santiago (Chile).
JACKSON, G. (2013). El país que soñamos. Random House Mondadori S.A.; Colección
DEBATE, Santiago (Chile).
PINTO CONTRERAS, R. (2014). Pedagogía Crítica para una educación pública y
transformadora. DERRAMA MAGISTERIAL, Colección Cooperación con la formación
docente en América Latina, Vol. II, Lima (Perú).
PRIETO, A. (1983). La Modernización Educacional. Ediciones Universidad Católica,
Santiago (Chile).
ROJO, G. (2014). Los gajos del oficio. Ensayos, entrevistas y memorias. LOM Ediciones,
Colección Ciencias Sociales y Humanas. Santiago (Chile).
RUIZ SCHNEIDER, C. (2010). De la República AL mercado. Ideas educacionales y
política en Chile. LOM Ediciones, Santiago (Chile).
WAISSBLUTH, M. (2013). Cambio de rumbo. Una nueva vía chilena a la educación.
Random House Mondadori S.A., Santiago (Chile).
YAÑEZ, R. Y VISOSTKY, J. (EDITORES, 2014). Tomar la Escuela. Editorial Quimantú,
Grupo Cultural Victor Jara, Santiago (Chile).

215
Mercados educativos y segmentación
de la oferta escolar: efectos sobre las
desigualdades educativas en Chile1

Adrián Zancajo
Xavier Bonal
Antoni Verger
Departamento de Sociología de la
Universitat Autònoma de Barcelona2

Introducción
La larga trayectoria del cuasi-mercado educativo chileno, en torno a treinta
años, ofrece una oportunidad única para observar los efectos a largo plazo de
este tipo de políticas educativas. Existe una amplia literatura sobre los efectos de
los cuasi-mercados sobre el rendimiento, la eficiencia y las desigualdades, así
como sobre el comportamiento de la demanda educativa en un entorno de libre
elección de centro. En cambio, la evidencia respecto al comportamiento de la
oferta educativa en un entorno de competencia y, específicamente, su efecto
sobre las desigualdades educativas es mucho más escasa.
El objetivo del presente trabajo es analizar las repuestas del los proveedores
educativos en un contexto de competencia, así como la manera en que dichas
respuestas contribuyen a segmentar el sistema educativo. El análisis planteado
se desarrolla tomando como referencia la ciudad de Valparaíso, en un intento de
delimitar las iteraciones entre los diferentes proveedores en el contexto de un
mercado educativo local.
El artículo ha sido estructurado en cuatro apartados principales. En primer
lugar, revisamos las principales premisas teóricas relacionadas con el

1
Este capítulo es una reproducción de un artículo aparecido en la revista Témpora. Revista de
Sociología de la Educación, núm. 17, 2014, pp. 11-30.
2
Este artículo se ha realizado en el marco de los proyectos Cuasi mercados en educación en América
Latina. Un análisis de su implementación e impacto sobre la desigualdad y la pobreza (EDUMERCAL,
Ref. CSO2011-22697) y Public-Private Partnerships in Educational Governance: An analysis of its
dissemination, implementation and impact in a globalizing world (EDUPARTNER, Ref. GA-2012-
322350. Programme “PEOPLE” – Call FP7-PEOPLE-2011-CIG).

216
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

comportamiento de los proveedores educativos en contextos de competencia.


En segundo lugar, presentamos las principales características del sistema
educativo chileno, centrándonos en aquellos aspectos del marco regulatorio que
se relacionan más directamente con el comportamiento de los proveedores
educativos. En tercer lugar, desarrollamos el estudio de caso sobre segmentación
de la oferta educativa en Valparaíso. Para ello, presentamos, por un lado, la
metodología del estudio y, por el otro, los principales datos y resultados del
análisis tanto cuantitativo como cualitativo. En cuarto y último lugar, discutimos
los principales resultados y concluimos el artículo.

Los cuasi-mercados educativos como espacios de competencia


Tradicionalmente, en contextos de cuasi-mercado educativo, el efecto del
comportamiento diferencial de las familias en el momento de elegir centro
educativo ha sido analizado como una fuente de desigualdad educativa. Muchos
estudios demuestran que las familias, en función de su nivel socioeconómico,
tienen acceso a información distinta y que el uso de esta información provoca
que desarrollen estrategias de elección diferentes en contextos donde existe un
amplio margen de libertad de elección de centro (Ball, 2003; Karsten et al., 2001).
También existe una extensa evidencia sobre la prevalencia de criterios de elección
de centro no relacionados estrictamente con la calidad educativa. Muy a menudo,
la composición social, la disciplina escolar o la distancia son criterios más
centrales en las decisiones de elección escolar de las familias, que otros elementos
más directamente relacionados con la calidad educativa de las escuelas (Córdoba,
2011; Elacqua et al., 2006, Härmä 2009).
En cambio, la evidencia sobre los efectos de las estrategias desarrolladas
por los proveedores educativos en contextos de cuasi-mercado es mucho menor.
Esta falta de evidencia es sorprendente si tenemos en cuenta que gran parte de
las políticas de cuasi-mercado implementadas a nivel internacional se
fundamentan en la competencia entre los centros educativos como un supuesto
motor para la mejora de la calidad del sistema educativo. Chubb y Moe (1990)
en el influyente libro Politics, Markets, and America’s Schools afirman:
“While schools controlled only by the market are free to organize any way
they want, then, an environment of competition and choice gives them strong
incentives to move toward the kinds of “effective-school” organizations that
academics and reformers would like to impose public schools. Of course, no
all schools in the market will respond equally well to these incentives. But
those that falter will find it more difficult to attract support, and they will tend
to be weeded out in favor of schools that are better organized. This process of
natural selection, based on ease of entry and performance-based attrition,

217
ZANCAJO, A.; BONAL, X.; VERGER, A. • Mercados educativos y segmentación de la oferta escolar

complements the incentives of the marketplace in propelling and supporting a


population of autonomous, effectively organized schools” (Chubb y Moe,
1990:190).

La competencia entre los centros puede ser definida como “las relaciones
de interacción entre las escuelas vinculadas a su deseo de obtener los recursos codiciados y
escasos” (van Zanten, 2009: 86). Entre estos recursos, de naturaleza tanto material
como simbólica, podemos encontrar los alumnos, los docentes o la reputación
del centro educativo. En este contexto de competencia, los centros están afectados
por las acciones del resto, ya sea directa o indirectamente (Pfeffer y Salancik,
1978).
Para analizar estas relaciones de interdependencia derivadas del contexto
de competencia, resulta interesante distinguir entre el primer y el segundo orden
de competencia (Grewirtz et al., 1995). El primer orden de competencia se
establece en relación a la distribución del conjunto de alumnos que se encuentran
en el mercado educativo local, producto del hecho de que en la mayoría de cuasi-
mercados educativos los recursos de cada centro se asignan en función del número
de estudiantes matriculados. En cambio, el segundo orden de competencia es el
referido a la competencia por los alumnos con determinadas características, ya
sea su nivel socioeconómico, su rendimiento o su comportamiento. En la medida
en que las características del alumnado condicionen las circunstancias en las
que los proveedores realizan el servicio educativo, los centros competirán para
atraer a aquellos alumnos que les resulten más favorables.
Otro de los elementos clave para poder analizar las situaciones de
competencia e interdependencia entre los proveedores de un mercado educativo
es la definición de los espacios geográficos de competencia. Las relaciones entre
proveedores y familias que se dan en estos espacios de competencia están influidas
por las regulaciones nacionales y por las características específicas del sistema
educativo, pero al mismo tiempo por particularidades locales. La
contextualización de los espacios locales de competencia – o lo que Taylor (2002)
denomina como ‘geografía del mercado educativo’ – permite analizar con más
precisión las relaciones que se dan en el interior de dichos espacios. En esta
misma línea argumental, Lubienski et al. (2009) afirman que los mercados
educativos locales son una unidad de análisis central a la hora de entender cómo
las reformas de mercado afectan los comportamientos de la demanda y la oferta
educativa.
Tomando pues en consideración el carácter local de los mercados
educativos, es necesario analizar la jerarquización de las escuelas también desde
esta perspectiva. La posición de un centro escolar en la jerarquía local, que como
se analizará a continuación puede tener influencia en su comportamiento, se

218
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

define como la clasificación de las escuelas de acuerdo a criterios concretos o


valores sociales. Estos criterios pueden ser académicos, educativos o relativos a
la composición social de los estudiantes (Maroy, 2004).

Las lógicas de acción de los proveedores educativos


A menudo se utiliza el concepto de lógicas de acción para hacer referencia
a las respuestas de los proveedores educativos en entornos de competencia. El
concepto de lógicas de acción no debe confundirse con el de estrategia. Aunque
en ambos casos se presupone una racionalidad subyacente a las prácticas de las
escuelas en un entorno de competencia, el concepto de lógica de acción se
diferencia del de estrategia al no presuponer una consciencia de los efectos de
las decisiones tomadas, ni un cálculo en términos de costes y beneficios (van
Zanten, 2009). Según Ball y Maroy (2009) las lgicas de acción de las escuelas
engloban un gran numero de prácticas, ya sean de carácter externo o interno. El
objeto de estudio de este trabajo es analizar las respuestas externas de los centros
en un entorno de competencia, entendiendo por respuestas externas aquellas
que afectan principalmente la relación entre la escuela y su entorno (Waslander
et al., 2010) y que pueden tener un efecto directo en la estratificación social de las
escuelas a raíz de la distribución de alumnos resultante.
Para el desarrollo de estas lógicas de acción es necesario una percepción
de competencia por parte de los centros. En este sentido, cabe destacar que no
siempre una situación estructural de competencia se corresponde con la
percepción de los responsables de las escuelas. La relación entre la competencia
estructural y percibida suele ser débil. Generalmente, la competencia percibida
es significativamente menor que la competencia estructural3 (Levacic, 2004).
Uno de los factores que se han mostrado más determinantes para explicar la
percepción de competencia es la posición ocupada en la jerarquía local de
escuelas; los responsables de las escuelas que se encuentran en el punto medio
de la jerarquía afirman tener una mayor percepción de competencia que los
directores de los centros escolares situados en la parte baja o alta de dicha jerarquía
(Ladd y Fiske, 2003).
Entre los centros que se encuentran en contextos de competencia y que la
perciben como tal, las posibles respuestas a esta situación son diversas y se pueden
dar en múltiples ámbitos. Evidentemente, la capacidad de respuesta en entornos

3
El autor define la competencia estructural como una medida del numero de proveedores
disponibles en el mercado local y la distribución de las cuotas de mercado entre estos proveedores.

219
ZANCAJO, A.; BONAL, X.; VERGER, A. • Mercados educativos y segmentación de la oferta escolar

competitivos está vinculada a la regulación del cuasi-mercado donde tiene lugar


esta competencia. Se ha demostrado cómo en aquellos contextos de competencia
donde los centros tienen capacidad para seleccionar a sus alumnos, parte de
estos centros desarrollan mecanismos de selección basados en las habilidades
académicas o en las características socioeconómicas de sus futuros alumnos
(West, 2006; Contreras at al., 2007). Dos razones principales explican este
comportamiento. En primer lugar, a través de la selección del alumnado los
centros pretenden poder tener control sobre la composición social de sus
estudiantes y de esta manera “mejorar su posición en el mercado sin necesidad de
mejorar la calidad de su servicio educativo” (Bellei, 2005: 44). En segundo lugar, los
mecanismos de rendición de cuentas que suelen acompañar a la implementación
de los cuasi-mercados educativos, incentivan la aparición de estrategias de
selección adversa por parte de los centros educativos para asegurar el acceso de
aquellos alumnos que pueden garantizar un buen nivel de rendimiento en las
pruebas de evaluación externa (Waslander, 2010). Más allá de la selección de
alumnos, diversos autores han identificado un aumento de las campañas de
marketing como respuesta para mejorar sus posición en la jerarquía local de
escuelas (Wylie, 2006; Garces, 2009).
Como resultado de estas diferentes lógicas de acción la teoría sobre los
mercados educativos pronostica una diversificación de la oferta escolar, en
términos de programas educativos o currículum, para dar respuesta a la demanda
diferenciada de las familias. En este sentido es importante diferenciar lo que
Lubienski (2006) denomina diversificación vertical y horizontal. La
diversificación horizontal se definiría como la diferenciación de la oferta educativa
en función de aproximaciones pedagógicas específicas. En cambio, la
diferenciación vertical se vincula con la posición en la jerarquía local en función
de los resultados educativos o la composición social del alumnado.

El sistema educativo chileno: elementos principales


para el análisis de las estrategias de los proveedores
Durante la década de los ochenta, Chile llevó a cabo una profunda reforma
de su sistema educativo. Esta reforma, se caracteriza principalmente por la
introducción del sistema de vouchers para regular la demanda educativa. Bajo
este sistema, los centros públicos y parte de los centros de titularidad privada
reciben una subvención por parte del Estado en función de la matrícula y
asistencia de los estudiantes. Desde la introducción de este nuevo sistema de
financiación, la matrícula en centros educativos privados ha aumentado de

220
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

manera considerable. Con carácter ilustrativo, el cuadro 1 muestra la evolución


de la matrícula según titularidad en niveles no universitarios entre 1990 y 2010.
En este periodo la matrícula en centros de titularidad privada (58,1%),
subvencionados y no subvencionados, ha superado a la de los centros públicos
(40,3%). En el año 2010, los centros privados subvencionados eran los que
matriculaban a la mayoría de los estudiantes.

Cuadro 1. Matrícula en educación no universitaria según tipo de centro escolar


(%). 1990-2010.

1990 1995 2000 2005 2010


Público 58,4 57,4 54,3 48,7 40,3
Privado subvencionado 31,8 31,9 35,3 43,0 50,9
Privadado 7,9 9,1 8,9 6,7 7,2
Corporaciones 4
1,9 1,6 1,5 1,6 1,5

Fuente: Elaboración propia a partir de datos del MINEDUC.

El sistema de financiación mediante voucherss complementó en el año


1993 con la aprobación de la ley de Financiamiento Compartido. Esta regulación
permite a los establecimientos particulares subvencionados cobrar una cuota de
carácter obligatorio a las familias a cambio de un descuento en la cantidad
asignada en concepto de subvención por parte del Estado. Este sistema de
financiación complementaria ha sido ampliamente discutido desde su puesta en
marcha. Mientras sus defensores afirman que permite inyectar fondos adicionales
a un sistema caracterizado por una bajo gasto por alumno, sus detractores afirman
que tiene efectos negativos sobre la segregación escolar, concentrando en las
escuelas gratuitas a aquellos alumnos sin capacidad de pago (Elacqua et al., 2013).
Otra de las características distintivas del sistema educativo chileno es el
extendido uso de la selección de alumnos por parte de los centros. Un estudio
del año 2007, mostraba como el 30% de los estudiantes había pasado algún tipo
de proceso de selección, mayoritariamente selección por habilidades (27%).
Además también se mostraba como estos procesos eran mucho más frecuentes
en escuelas particulares subvencionadas (55%) que en escuelas públicas (6%)
(Contreras et al. 2007). La Ley General de Educación (LGE), aprobada el año

4
Las corporaciones son escuelas de formación profesional gestionadas por empresas y que cuentan
con financiación del Estado, pero no a través del sistema de vouchers (Cox, 2004).

221
ZANCAJO, A.; BONAL, X.; VERGER, A. • Mercados educativos y segmentación de la oferta escolar

2008, prohíbe expresamente la selección durante la educación preescolar y


primaria por razones académicas o socioeconómicas. A pesar de ello, tanto el
Ministerio de Educación como la propia Superintendencia de Educación Escolar
han continuado documentando este tipo de prácticas.5
Por último, otro elemento central en el sistema educativo chileno es el
Sistema de Medición de la Calidad en Educación (SIMCE). Esta evaluación
nacional de aprendizaje, que se aplica a los alumnos en tres cursos de la educación
primaria y tres de la educación secundaria, es uno de los principales mecanismos
diseñados para orientar la elección de centro de las familias. Los resultados de
esta evaluación se hacen públicos anualmente, de manera que durante el proceso
de elección las familias pueden consultar la puntuación de cada centro y su
situación respecto a otros centros de la zona. A lo largo de sus más de veinte
años de aplicación, SIMCE es concebido como un mecanismo con el que
introducir presión competitiva en los centros aunque tradicionalmente las familias
lo han utilizado de forma muy desigual a la hora de llevar a cabo la elección de
centro (OECD, 2004).

Estudio de caso: la segmentación del mercado educativo chileno

Metodología
Para llevar acabo el análisis de las estrategias de los proveedores educativos
en el contexto del sistema educativo chileno se ha seleccionado como muestra el
conjunto de los centros escolares que imparten educación primaria en la ciudad
de Valparaíso. La elección de Valparaíso responde a dos motivos principales. En
primer lugar, la ciudad dispone de una amplia diversidad de centros educativos
distribuidos según titularidad de manera muy similar a la media del conjunto
del sistema educativo chileno. En el año 2013, la ciudad contaba con 112 centros
de educación primaria, de los cuales el 39% de titularidad pública, el 53% privados
subvencionados y el 8% privados. En segundo lugar, parece razonable suponer
que la ciudad de Valparaíso es un único mercado local. En este sentido, la elección
del mercado educativo de Valparaíso como unidad de análisis tiene como objetivo
controlar las características locales que pueden afectar los comportamientos de
la demanda y la oferta educativa, incorporando la perspectiva geográfica en el
análisis de la competencia entre escuelas (Taylor, 2001).

5
Véase “Mineduc advierte de prácticas ilegales en proceso de matrícula en colegios” La Tercera, 24 de
Julio de 2013.

222
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Desde el punto de vista metodológico, el análisis se ha realizado


combinando métodos cuantitativos y cualitativos. Para la fase cuantitativa se
han seleccionado el conjunto de centros educativos que imparten educación
primaria en la ciudad de Valparaíso y disponen de información en la base de
datos de la evaluación nacional SIMCE del año 2011. El objetivo de esta fase es
el de identificar un conjunto de tipologías de centros educativos en función de
las estrategias desarrolladas para responder al contexto de competencia. Las
variables seleccionadas para construir estas tipologías son las siguientes: precio,
prácticas de selección de estudiantes, motivos de elección por parte de las familias
y puntuación en la evaluación SIMCE. A partir de estas tipologías se pretende
analizar cuál es el nivel de estratificación social de los estudiantes en función de
su nivel socioeconómico. Para ello se ha elaborado un indicador sintético con el
que determinar el nivel socioeconómico del alumnado. Este indicador se ha
construido a partir de cuatro variables: el nivel de ingresos del hogar, el nivel
educativo del padre, el nivel educativo de la madre y la cantidad de libros en el
hogar. A partir de estas variables se ha construido un índice de nivel
socioeconómico (SES), en el que el peso de cada variable se pondera a partir de
un análisis de componentes categóricos.
En el caso de la fase cualitativa, el objetivo planteado ha sido profundizar
en las lógicas de acción y en las estrategias de los proveedores de cara a identificar
los mecanismos que explican el comportamiento de los centros como respuesta
al cuasi-mercado. En este caso se ha seleccionado una sub-muestra de 10 escuelas
situadas en uno de los barrios de la ciudad. Esta sub-muestra de escuelas está
formada por dos centros escolares públicos, siete privados subvencionados y
uno privado. En cada una de las escuelas se ha llevado a cabo una entrevista en
profundidad con el director o directora del centro, así como con otros miembros
de la comunidad educativa, aunque a efectos del presente análisis nos centramos
únicamente en las entrevistas al personal directivo.

Tipologías de proveedores educativos: una aproximación a la segmentación del mercado


La distribución de los estudiantes de educación primaria según el quintil
de nivel socioeconómico y la tipología de centro en Valparaíso (Gráfico 1)6 puede
ser interpretado como un primer indicador del nivel de estratificación dentro del
mercado educativo local. Los datos presentados muestran cómo el sector privado
no subvencionado atiende mayoritariamente a la población situada en el último
quintil de nivel socioeconómico (95,2%). Aunque la situación el sector privado

6
Los datos utilizados para elaborar el gráfico pueden ser consultados en el anexo.

223
ZANCAJO, A.; BONAL, X.; VERGER, A. • Mercados educativos y segmentación de la oferta escolar

subvencionado y público es mas heterogénea, también se pueden observar algunos


patrones claros. Mientras los centros privados subvencionados atienden
mayoritariamente a alumnos del cuarto y tercer quintil (49,7%), la mayoría de
los estudiantes de los centros públicos pertenecen al primer y segundo quintil
(59,3%).

Gráfico 1. Distribución de los estudiantes de educación primaria según tipología


de centros y quintil de nivel socioeconómico (%). Valparaíso 2011.

Fuente: Elaboración propia a partir de datos SIMCE-2011.

Teniendo en cuenta los patrones de estratificación social identificados y


el grado de heterogeneidad observado en el sector público y privado
subvencionado, la principal hipótesis de este trabajo es que la presencia de
tipologías diferenciadas dentro de cada sector es un elemento que determina un
mayor grado de estratificación. En el caso del mercado educativo local de
Valparaíso el objetivo planteado es identificar una serie de tipologías producto
de las lógicas de acción externas (selección, precio, etc.) como respuesta de los
centros educativos al contexto de cuasi-mercado. Para construir la tipologías de
proveedores se seleccionaron cinco variables:
– Titularidad del centro educativo: Público, Privado subvencionado y
Privado.
– Cuota escolar: gratuita, baja (menos de 10.000$), media (entre 10.001$
y 50.000$) y alta (más de 50.000$)7.

7
Las cuotas están expresadas en pesos chilenos. El tipo de cambio entre el peso chileno y el euro
es aproximadamente 1•=700$.

224
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

– Selección de estudiantes. Variable dicotómica que identifica que un


centro selecciona a sus estudiantes por razones económicas o académicas si más
de la mitad de las familias afirma que durante el proceso de admisión han tenido
que presentar algún tipo de certificado de remuneraciones, o si el alumno tuvo
rendir alguna prueba antes de ingresar en la escuela.
– Principal razón de elección expresada por las familias. Esta variable
recoge si la mayoría de las familias expresa haber escogido el centro por la
distancia a su domicilio como primer motivo o en cambio si la elección se realizó
por cualquier otro motivo.
– Nivel de resultados. El nivel de resultados se ha construido tomando
como referencia la distribución de puntuación en SIMCE de 4º básico para el
conjunto de escuelas de la ciudad de Valparaíso: bajo (1º cuartil), medio (2º y 3º
cuartil) y alto (4º cuartil).
A partir de las categorías de cada una de las variables construidas, se
elaboró una clasificación de los centros seleccionando aquellas tipologías que
agrupaban como mínimo a un 5% de los centros de cada una de las titularidades.
Con el objetivo de simplificar la clasificación de los centros educativos, aquellas
tipologías obtenidas que únicamente se diferenciaban en el valor de una de las
variables fueron agrupadas en una sola categoría. El cuadro 3 muestra las
tipologías de centros educativos así como el porcentaje de centros que tienen las
características que las definen para cada una de los tres sectores existentes en el
sistema educativo chileno. En la última de las columnas se especifica el número
de centros clasificados para cada uno de los tres tipos de titularidad.

Cuadro 2. Tipologías de centros educativos. Valparaíso 2011.

Fuente: Elaboración propia a partir de datos SIMCE-2011 y MIME.

225
ZANCAJO, A.; BONAL, X.; VERGER, A. • Mercados educativos y segmentación de la oferta escolar

Dentro del sector público, de titularidad municipal, se pueden distinguir


tres tipologías diferenciadas por el criterio de elección de las familias y el nivel
de resultados obtenidos en SIMCE. Las dos primeras categorías contemplan
centros que han sido elegidos por las familias por la proximidad a su domicilio,
pero que en cambio se sitúan en dos niveles de resultados en SIMCE
diferenciados, bajo y medio respectivamente. La tercera de las tipologías se
distingue por el hecho de que las familias declaran motivos distintos a la distancia
a su domicilio como criterio de selección.
El sector particular subvencionado es el que agrupa un mayor número de
tipologías diferentes, hecho que se explica parcialmente porque es el sector con
un mayor número de centros y alumnos matriculados. En su marco, encontramos
dos tipologías que no establecen cuota mensual a sus alumnos, pero que en
cambio se distinguen por el hecho de realizar (o no) pruebas de selección a sus
alumnos. Las otras dos tipologías de centros particulares subvencionados se
dividen entre aquellas que incluyen centros que cobran una cuota de nivel bajo o
medio. Destaca el hecho de que los centros de cuota baja son los mayoritarios
(40,8%) dentro del sector particular subvencionado.
Por último dentro del sector particular las tipologías de centro se distinguen
principalmente por el nivel de cuota cobrado a las familias, aunque más de la
mitad de los centros particulares pagados se sitúan en la tipología de centros con
cuotas altas (62,5%).
¿Hasta qué punto las diferentes tipologías identificadas están vinculadas
con el nivel de estratificación de los centros educativos? El gráfico 2 presenta la
distribución de los alumnos según el quintil de nivel socioeconómico para cada
una de las tipologías de centro analizadas anteriormente.8

8
Los datos utilizados para elaborar el gráfico pueden ser consultados en el anexo.

226
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Gráfico 2. Distribución de los estudiantes según quintil del índice de nivel


socioeconómico y tipología de centro educativo (%). Valparaíso 2011.

Fuente: Elaboración propia a partir de datos SIMCE-2011 y MIME.

A partir de la distribución del alumnado según nivel socioeconómico y


tipo de centro, se pueden observar importantes diferencias relacionadas con la
composición social de las diferentes tipologías dentro de cada sector. Dentro del
sector público, la tipología 1, caracterizada por resultados de nivel bajo y elegida
por las familias mayoritariamente por la distancia a su domicilio, concentra una
proporción de alumnos del primer quintil 10 puntos porcentuales superior a las
otras dos tipologías identificadas. Estas diferencias entre las tipologías de un
mismo sector son aún más evidentes en el caso del sector privado subvencionado.
En este caso, entre la tipología 4 y la 7 se observa un desplazamiento gradual y
pronunciado de la composición social del alumnado, que va de los quintiles
inferiores a los superiores. Este aumento progresivo del porcentaje de alumnos
de quintiles superiores en detrimento de los de quintiles inferiores se encuentra
estrechamente vinculado a las diferencias de precio y al uso de procesos de
selección. Por último, en el caso de las tipologías del sector privado, la mayor
diferencia se observa entre la tipología 8 y las dos restantes especialmente en el
porcentaje de alumnos del tercer quintil escolarizados.
Aunque las tipologías identificadas son capaces de mostrar mayores niveles
de estratificación social que simplemente la que se observa a partir de la variable
titularidad, también se observa que tipologías con características diferenciadas

227
ZANCAJO, A.; BONAL, X.; VERGER, A. • Mercados educativos y segmentación de la oferta escolar

tienen distribuciones del alumnado según nivel socioeconómico similares. Por


ejemplo, las tipologías 1 y 2, que se caracterizan por compartir el motivo de
elección de las familias, presentan un composición social del alumnado muy
similar. El mismo fenómeno se puede identificar entre las tipologías 4 y 5 aunque
sólo una de ellas seleccione a sus alumnos.
A la vista de los resultados presentados, todo parece apuntar a que se
estarían dando dos fenómenos de manera simultánea. En primer lugar, un proceso
tradicional de jerarquización, o diversificación vertical, donde las escuelas tratan
de posicionarse en el mercado educativo local a través de la composición social
de su alumnado derivada de sus respuestas externas al contexto de competencia.
En segundo lugar, un fenómeno de diversificación horizontal que, al contrario
de lo que prevén los supuestos de funcionamiento del mercado educativo, no se
basa únicamente en aspectos curriculares o pedagógicos sino también en la
voluntad de presentar un servicio educativo diferenciado al de aquellos
proveedores que ocupan el mismo nivel en la jerarquía local. Es decir, aunque en
algunas ocasiones las diferencias entre proveedores que ocupan la misma posición
en la jerarquía pueden responder a diferencias en el enfoque pedagógico, en
otros casos se trata de diferencias simbólicas más vinculadas a cómo se presentan
los servicios ofrecidos (Lubienski, 2006).

Lógicas de acción de los proveedores educativos y su relación con la segmentación educativa


A continuación se presenta un análisis más detallado, fruto de las
entrevistas a los directores, de cómo las estrategias de segmentación son
concebidas y llevadas a cabo por los diez centros del mercado educativo local
estudiados en profundidad. El análisis se ha estructurado a partir de cuatro
ámbitos: percepción de competencia y segmentación, selección y expulsión del
alumnado, la cuota como estrategia de segmentación y las políticas de evaluación
e información.

a) Percepción de competición y segmentación


En líneas generales, la percepción de estar inmerso en una situación de
competencia en el contexto local para atraer alumnos es muy baja para la mayoría
de los responsables de los centros educativos. Aunque la competencia objetiva,
es decir el número de centros que se encuentran en el mercado educativo local,
es muy elevada en el caso de la ciudad de Valparaíso, la mayoría de los directores
entrevistados afirman no percibir tal presión, al menos por parte de los centros
situados en su misma área. No hay por lo tanto percepción de estar compitiendo
en un mercado educativo único. La mayoría de responsables de los centros

228
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

educativos señalan principalmente como sus competidores a aquellos centros


que tienen una oferta y atraen a un público similar, es decir, centros de su misma
tipología.
“Yo creo que geográficamente vamos a tener… en cada espacio habrá una o
dos escuelas. Nosotros tendríamos que robarle los alumnos a la Escuela Pública
02 y más allá… en ese espacio. Per la verdad es que hay tanto sello marcado
que nuestra población llega sola”. (Escuela Pública 01)

Concretamente, esto implica que, de los diez centros que se sitúan en el


barrio analizado, los directores tienden a identificar, a lo sumo, a un único centro
como su directo competidor. Esta percepción de competencia se puede producir
por dos motivos. En primer lugar, por la creencia de que su centro y el ‘competidor’
comparten un alumnado potencial con características socioeconómicas similares.
– Entrevistador(E):¿Tienen percepción de competencia con otras escuelas de la zona?
– Director (D):No. Quizá con el Particular 01 tengamos un público similar. Con el
Particular 01 es el único. (Particular subvencionado 01)

En segundo lugar, encontramos motivos de competencia de naturaleza


más pedagógica. Aunque este tipo de motivos aparecen con menor frecuencia,
determinados centros también perciben una competencia explícita con aquellos
proveedores educativos que tienen un oferta pedagógica similar a la suya.
– E:¿Tienen sensación de que compiten con otros centros por los alumnos de la zona?
– D: No. Es que son tan distintas las escuelas[…]. [desde que empezamos] éramos los
únicos… y claro el otro que era el colegio de competencia directa era un colegio que
ahora se fue a Viña. Quizá yo diría que la competencia directa es Particular subvencionado
01 que es un colegio muy similar. (Particular subvencionado 02)

Cabe destacar que ninguno de los directores entrevistados afirma haber


desarrollado estrategias de cooperación con otros centros más allá de experiencias
de colaboración puntuales en algunas actividades, o en la resolución de conflictos
puntuales entre su alumnado. Diversos estudios en otros contextos donde se
han implementado políticas para promover la competencia entre los centros han
identificado estrategias de cooperación como respuesta a entornos competitivos
(Pater y Waslander., 2009), pero ésta no parece ser la lógica predominante en el
cuasi-mercado chileno.

b) Selección y expulsión
Como se ha comentado anteriormente, aunque ilegal, la selección de
estudiantes es todavía una práctica habitual entre los centros educativos que
conforman el sistema educativo chileno. Esta práctica se acostumbra a asociar
con una voluntad por parte de los centros para ejercer un control sobre la

229
ZANCAJO, A.; BONAL, X.; VERGER, A. • Mercados educativos y segmentación de la oferta escolar

composición social del alumnado. No obstante, se trata de una práctica tan


naturalizada e incluso aceptada entre la comunidad educativa que, en ocasiones,
algunos centros la conciben como una estrategia de marketing.
– E: ¿Les interesa captar algún perfil de estudiante en especial?
– D: Mira, lo primero creo yo es que tengan un clara visión de lo que quieren ellos lograr.
Con eso de repente a mi me basta. […] En rigor, yo creo que el próximo año lo vamos
hacer a través de pruebas. ¿Por qué? Por los mismo que yo les decía que los papás de
alguna manera.. esto se pasa de boca a boca y dirán no pues que cualquier niño no entre
allí tiene que tener algún… ¿Te fijaste? ¿Es un poco marketing? (Privado 01)

De esta manera, existe una cierta concepción entre un sector de la


comunidad educativa de que los procesos de selección de alumnado son una
estrategia de distinción efectiva, que convierte los centros que la practican en
más apetecibles para las familias que valoran este tipo de prácticas.
En paralelo a la selección, muchos centros admiten expulsar a alumnos
que no encajan en el proyecto del centro.
– E: ¿Han tenido que cancelar matrícula de algún niño por algún motivo?
– D: Las dos veces no ha sido con papel de “se cancela la matrícula”, sino que ha sido
casi como un acuerdo, una sugerencia con los padres que han accedido. O sea, pero ellos
no quieren irse, pero nosotros les planteamos que, en realidad, es muy complejo porque
este proyecto no les sirve. (Particular subvencionado 02)

Muchos de estos alumnos acaban siendo escolarizados en centros


municipales o en aquellos centros particulares subvencionados que atienden una
población más desfavorecida. Aunque los directores no admiten abiertamente
que la expulsión sea una práctica orientada a la competitividad, con ella pretenden
generar un clima escolar más sosegado, así como un entorno más homogéneo
en términos de composición social y/o conductual.

c) El precio como estrategia de segmentación


Como se desprende de las tipologías identificadas en el apartado anterior,
la cuota cobrada a las familias es uno de los elementos clave para explicar la
segmentación del mercado. Los responsables de los centros son plenamente
conscientes de cómo la cuota que establecen tiene consecuencias sobre el perfil
de población que atraen y la composición social de su alumnado.
– Yo creo que la población [que atrae] es de nivel medio porque a pesar de ser un
particular, hay otros particulares mucho más caros. Entonces, está a un nivel un poco
más elevado que el particular subvencionado porque el particular subvencionado puede
cobrar hasta 75 mil pesos más o menos, y aquí cobramos 120 – 130 mil; pero hay otros
que valen 250 mil. Es otro nivel de ingreso. (Privado 01)

Además la decisión de establecer un nivel de cuota concreto responde a


un análisis coste-beneficio por parte de los responsables del centro con el que

230
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

pretenden orientar su oferta de la forma más directa posible al que consideran es


su nicho de mercado.
– E:¿Qué criterio utilizó para establecer la mensualidad?
– D: Lo que se podía pagar. Puede paliar una parte, en algo puedes tener un recurso
adicional sin que significara estrangular a las familias y que se nos fueran porqué no
podían pagar. (Privado subvencionado 03)

d) Políticas de evaluación e información


El SIMCE es concebido como una herramienta objetiva y externa con la
que medir la calidad educativa de los centros y fomentar la competencia. Parece
pues razonable suponer que este mecanismo será eficaz para fomentar la
competencia en la medida en que los centros perciban que los resultados obtenidos
en las pruebas es una factor importante para condicionar la elección de las
familias. Sin embargo, los resultados de las entrevistas a los responsables de los
centros muestran una percepción muy diferenciada del papel que juegan en la
elección de la familia los resultados de la evaluación dependiendo de su situación
en la jerarquía local.
Este comportamiento diferenciado frente a la políticas de evaluación e
información divide a los centros educativos analizados en dos grandes grupos.
Por una lado, encontramos escuelas del sector privado o privado subvencionado
que gozan de una buena posición en la jerarquía local y que perciben su
puntuación en SIMCE como un factor importante para condicionar la elección
de las familias que acuden a su centro:
– E:¿Su puntuación en SIMCE es importante para las familias que vienen a matricular
a sus hijos?
– D: Claro, ellos también la mencionan. Nosotros hasta el año pasado siempre tuvimos
un incremento significativo de los resultados. Ese es un de los motivos que también
mencionan. (Particular subvencionado 04)
– E:¿Usted cree que a su colegio vienen padres atraídos por su nota en SIMCE?
– D: Sí, nos dicen cuando yo pregunto. (Particular subvencionado 01)

En cambio, otro grupo importante de centros – sobre todo aquellos que


atienden una población más desfavorecida – son conscientes de que su
rendimiento en la evaluación SIMCE no es un factor importante para entender
los motivos de elección de sus familias.
– De cien apoderados que postulan a sus hijos a este colegio sólo uno pregunta por el
resultado SIMCE. La gente no anda buscando resultados, la gente anda buscando
seguridad, buen trato y permanencia. Cuando yo doy cuenta pública en marzo y digo
estos son nuestros resultados numéricos es la parte que no interesa. (Privado
subvencionado 05)
– E:¿Su puntuación en SIMCE es importante para las familias que vienen a matricular
a sus hijos?

231
ZANCAJO, A.; BONAL, X.; VERGER, A. • Mercados educativos y segmentación de la oferta escolar

– D: Yo creo que no. No lo preguntan tampoco. Mira solamente lo pregunta algún


apoderado que sea un profesional. Tampoco sé si lo ha preguntado alguno, no recuerdo
yo que alguno lo pregunte. (Privado subvencionado 06)

Conclusiones
Es bien sabido que la introducción de reformas educativas con orientación
de mercado puede intensificar los procesos de segregación entre centros (Dronkers
y Avram, 2009). En el caso concreto de Chile, Hsieh y Urquiola (2006) concluyen
que la introducción del sistema de vouchers ha fomentado la huida de la clase
media de la escuela pública a la privada, mientras que otros trabajos demuestran
cómo ha incrementado significativamente el nivel de segregación fruto de la
concentración de alumnos de nivel socioeconómico bajo en los centros públicos
(Valenzuela et al., 2013). Tradicionalmente, el efecto de los cuasi-mercados sobre
la segregación se ha explicado como consecuencia del comportamiento
diferenciado de las familias según su nivel socioeconómico. Es decir, las familias
de clase media o alta reaccionaban a los mecanismos de mercado – principalmente
la mayor capacidad de elección – seleccionado aquellos proveedores que
maximizan su utilidad. En cambio, aquellas familias que pertenecían a niveles
socioeconómicos más bajos no lo hacían de esta manera, principalmente por
falta de información. Este tipo de estudios, centrados en el comportamiento de
las familias, relega a un segundo plano el papel de los proveedores educativos en
la explicación de la segmentación y de la segregación educativas. Precisamente,
al centrarse en el comportamiento de la oferta, este artículo contribuye a llenar
parte de las lagunas existentes en esta área de estudios. De esta manera, esperamos
contribuir a reforzar la comprensión del fenómeno de la segregación y la
segmentación escolar de una forma más compleja y dialéctica.
Sin duda, el elevado nivel de desregulación del sistema educativo chileno
ofrece una interesante oportunidad para adoptar esta perspectiva. Los resultados
de nuestro análisis muestran que, más allá de las diferencias entre el sector público
y el privado, existe una segmentación escolar importante dentro de cada uno de
estos sectores. La cuota cobrada a las familias, el uso de mecanismos de selección,
los motivos de elección o la posición en los rankings de rendimiento representan
los principales mecanismos utilizados por los proveedores educativos para
responder al contexto de competencia fruto de las políticas de cuasi-mercado en
Chile. Con estas respuestas, los proveedores tienen como objetivo posicionarse
en la jerarquía del mercado educativo local, pero al mismo tiempo ofrecer un
servicio diferenciado del de aquellos proveedores que ocupan una posición similar
en esta jerarquía. Esta doble dinámica conlleva, siguiendo el marco de análisis

232
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

propuesto por Lubienski (2006), una diversificación tanto vertical como


horizontal. En este caso, la diversificación vertical se corresponde con el concepto
de jerarquización según el cual las escuelas se clasifican en términos de calidad
o composición social, siempre con un carácter ordinal (véase van Zanten, 2009;
Taylor, 2001). En cambio, la diversificacion horizontal se produce en el momento
en que un proveedor educativo trata de diferenciar su servicio educativo respecto
a otros que ocupan una posición similar en la jerarquía local. Aunque la teoría
de los mercados educativos prevé esta diversificación horizontal en términos de
aspectos pedagógicos o curriculares, los resultados del análisis realizado en el
caso de Valparaíso muestran que esta diversificación también se produce a partir
de pequeñas diferencias en las respuestas externas – o tacticismo – de los
proveedores educativos, como el uso de la selección como una estrategia de
marketing al que hemos hecho referencia.
El análisis de las entrevistas a los directores arroja algunas conclusiones
que permiten una mejor comprensión del comportamiento de los proveedores
educativos en el mercado educativo de Valparaíso. Al contrario de lo que se
recoge en los análisis realizados en otros contextos, las repuestas de los
proveedores educativos chilenos reflejan una racionalidad y una conciencia
suficientemente clara de los resultados esperados. En muchos casos, las decisiones
tomadas sobre la cuota cobrada a las familias o la selección de alumnos, responden
a un análisis coste-beneficio en términos de sus efectos sobre la matrícula del
centro. Estaríamos, por lo tanto, ante estrategias explícitas de los proveedores
educativos para hacer frente a los efectos de la competencia fruto de la
implementación de políticas de cuasi-mercado. También destaca el hecho de
que algunos mecanismos de incentivos establecidos por el sistema de cuasi-
mercado no tienen los efectos esperados. Así pues, herramientas de rendición de
cuentas como el SIMCE no afectan a todos los proveedores por igual. Las
entrevistas a los directores muestran como parte de los centros educativos son
conscientes de que SIMCE no es relevante en los procesos de elección de las
familias a las que atienden y de que, por lo tanto, este sistema de evaluación
externa no tiene un efecto directo sobre su capacidad para atraer estudiantes.

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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

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235
ZANCAJO, A.; BONAL, X.; VERGER, A. • Mercados educativos y segmentación de la oferta escolar

Anexo

Cuadro 2. Distribución de los estudiantes de educación primaria según tipología de centros


y quintil de nivel socioeconómico (%). Valparaíso 2011.

Público Privado
Subvencionado Privado
Q1 32,3 11,5 0,0
Q2 27,0 17,1 0,2
Q3 21,5 23,2 0,6
Q4 14,2 26,5 4,0
Q5 5,1 21,7 95,2
Total 100 100 100

Cuadro 3. Distribución de los estudiantes según quintil del índice de nivel socioeconómico
y tipología de centro educativo (%). Valparaíso 2011.

Tipología Q1 Q2 Q3 Q4 Q5 Total
Público 1 39,0 32,6 18,2 8,6 1,6 100
2 26,9 30,4 26,5 13,8 2,4 100
3 28,4 30,5 27,4 11,6 2,1 100
Privado 4 13,8 27,5 27,5 26,2 5,0 100
subvencionado 5 8,5 22,4 34,1 27,4 7,6 100
6 3,5 9,3 26,3 36,0 24,8 100
7 0,0 1,5 11,8 27,9 58,8 100
Privado 8 0,0 7,7 30,8 7,7 53,8 100
9 0,0 0,0 7,1 28,6 64,3 100
10 0,0 0,0 0,7 2,7 96,7 100

Fuente: Elaboración propia a partir de datos SIMCE-2011 y MIME.

236
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Cambios en el sistema
universitario argentino (2003-2013).
¿inclusión? ¿privatización?

Laura R. Rodríguez
Susana E. Vior

La creciente presencia y aumento de la cobertura por parte de provedores


privados es la expresión más clásica de privatización educativa, e históricamente
anterior a las formas de privatización que se desarrollaron a partir del auge
neoliberal (RODRÍGUEZ GÓMEZ, 2010). Con la crisis del Estado de
Bienestar, se instalaron en el mundo otras formas y expresiones, impulsadas
por el nuevo conservadurismo de mercado. Sobre finales del siglo XX, cuando
su proyecto hegemónico entró en crisis, se profundizaron ciertos modos de
relación entre lo público y lo privado en la sociedad, que alcanzaron también
a la educación. Ball y Youdell (2007) sistematizaron esta historia identificando
dos tipos de procesos de privatización de la educación pública, a los que
denominaron “endógenos”, y “exógenos”. Los primeros refieren a la
privatización en la educación pública –e “implican la importación de ideas,
métodos y prácticas del sector privado a fin de hacer que el sector público sea
cada vez más como una empresa y crecientemente comercial”–. Los últimos,
implican la privatización de la educación –la apertura de la educación pública
a la participación del sector privado a través de modalidades basadas en el
beneficio económico, y la difusión, aplicación y predominio de concepciones
e intereses del sector privado en la elaboración, gestión o provisión de diferentes
aspectos de la educación pública. La mayor presencia e influencia de
representantes de intereses particulares / privados en la elaboración de las
políticas educativas públicas son un caso particular de privatización endógena
(VIOR & RODRÍGUEZ, 2012).
Estos procesos privatizadores tienen un alcance global, y han producido
transformaciones profundas en los sistemas educacionales de todos los países.
En las primeras décadas del siglo actual, la cuestión fue oficialmente incorporada
a la “agenda” de temas sobre educación superior de los organismos

237
RODRÍGUEZ, L. R.; VIOR, S. E. • Cambios en el sistema universitario argentino (2003-2013)

internacionales que elaboran “recomendaciones”1. De esta manera, las propuestas


de los “expertos” han ido homogeneizando la lista de prioridades de política
universitaria de países con muy diferentes historias económicas, sociales, políticas,
culturales y educacionales. En parte, esas transformaciones implicaron cambios,
tanto en el sentido como en los modos de relación entre lo público y lo privado,
y promovieron la re-definición y re-valorización de las iniciativas de la “sociedad
civil” como alternativa o complemento necesario de la acción del Estado en la
prosecución de objetivos “comunes” o “universales”, bajo el supuesto de que
serían positivas para la democratización de la sociedad.
Nuestro equipo de Política Educacional, en el Departamento de Educación
de la Universidad Nacional de Luján, viene desarrollando discusiones, estudios
teóricos y empíricos, con la finalidad de comprender el proceso seguido por la
educación pública en general y en el nivel universitario en particular en

1
En 2005, por ejemplo, el Program on Education Policy and Governance at Harvard University organizó
la conferencia “Mobilizing the Private Sector for Public Education” conjuntamente con el Banco
Mundial (BM), y con el apoyo financiero de la Fundación John Olin, la Corporación Financiera
Internacional (CFI) y el Instituto del BM, con el objetivo de discutir “las asociaciones público-
privadas en educación tanto en países desarrollados como en países en desarrollo, así como la
eficacia de tales iniciativa”, con la participación de economistas, politólogos, políticos e
investigadores interesados en la política educativa (disponible en: http://www.hks.harvard.edu/
pepg/conferences/MPSPE.htm). En 2009, una publicación de UNESCO afirmaba: “La
Conferencia Mundial sobre Educación Superior en 2009 es una oportunidad para reflexionar
sobre temas y tendencias que han aparecido desde la Conferencia Mundial de 1988, así como
para instalar un interés por examinar de qué manera el panorama continuará evolucionando.
A pesar de que a lo largo de la década pasada la provisión privada en el sector se ha expandido
exponencialmente en varios países, el tema de la educación superior privada, o no estatal, no
estuvo presente” (BJARNASON, S.,, en BJARNASON et al, 2009: 1). En la agenda de los
organismos internacionales (UNESCO, OCDE, BM), el interés predominante es, por un lado,
impulsar la provisión privada o público-privada como forma de descomprimir el presupuesto
público frente a las crisis financieras recurrentes, y por otro, recomendar un papel central de los
Estados en la regulación de los proveedores, haciéndose cargo de la explosión de ofertas de
“mala calidad” provocada por el libre juego de la lógica de mercado en los ´90. Ver:
BJARNASON, Svava; CHENG, Kai-Ming; FIELDEN, John; LEMAITRE, Ma. J.; LEVY, D.;
VARGHESE, N.V. A new dynamic: Private Higher Education. Paris, UNESCO, 2009. ALTBATCH,
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238
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Argentina2. El presente texto comunica parte de esas reflexiones y hace algunos


planteos orientadores de la investigación.

Viejas y nuevas formas de privatización educativa.


Expresiones locales de un fenómeno global
Una hipótesis ampliamente difundida para interpretar la “historia de la
privatización educativa” en Argentina ha sido vincular los avances del proceso
privatizador con los períodos dictatoriales3. Sin embargo, el análisis del desarrollo
cuantitativo del sistema no permite la confirmación empírica de esa afirmación.
En trabajos anteriores hemos planteado que, si bien los gobiernos de facto
sustentaron proyectos educativos privatizadores coherentes con proyectos de
privatización de toda la vida social (TEDESCO, J.C. et al, 1983; OSZLAK, 1984),
no siempre lograron aumento de la participación del sector en la provisión
educativa. Por otra parte, muchos gobiernos constitucionales favorecieron
medidas que apoyaron procesos privatizadores, aún en el marco de discursos
defensores de la educación pública (KRAWCZYC et al, 1986). En realidad, la
evolución de esos impulsos privatizadores y su relación con el desarrollo del
sistema y de las políticas educativas puede analizarse como el fruto del modo en
que se fueron resolviendo las demandas concretas de los grupos, fracciones o
clases a lo largo de cada momento histórico (VIOR & RODRÍGUEZ, 2012).
Hasta mediados del siglo XX, la educación provista por privados constituyó
un componente residual del sistema educativo, siendo el Estado el principal
proveedor de educación primaria obligatoria y de educación secundaria, y el
proveedor exclusivo de formación universitaria. Sobre el final de este período
(1947, primer gobierno de J. Perón), se instaló un sistema de subsidios públicos
a los proveedores privados que facilitó la expansión de la matrícula privada; ésta
siguió un patrón evolutivo más dinámico que el de la educación pública, que se
caracterizó por un crecimiento lento (con historia y comportamientos particulares
según nivel educativo), influido por las características coyunturales de la economía
nacional: estancamiento en períodos de retracción y ajuste, y recomposición en
períodos de crecimiento. Hacia 1952, el peso de las instituciones privadas en la
composición de la matrícula era reducido, excepto en el nivel inicial –en el que
absorbía el 30,3% de la matrícula–, y el nivel medio –en el que ascendía al

2
Se encuentra actualmente en desarrollo el Proyecto “Estado, Política Universitaria y Tercer
Sector: Nuevas articulaciones entre lo público y lo privado. Consecuencias para la
democratización de la Universidad”.
3
1930/32, 1943/46, 1955/58, 1966/73, 1976/83.

239
RODRÍGUEZ, L. R.; VIOR, S. E. • Cambios en el sistema universitario argentino (2003-2013)

20,7%–; cubría el 8,7% de la matrícula primaria y el 4,2% en el nivel superior no


universitario4. Entre 1955 y 1980, las tasas de crecimiento de la matrícula privada
primaria y superior no universitaria fueron hasta tres veces más altas que las
tasas de crecimiento registradas en el sector público. En el nivel medio
encontramos este mismo fenómeno, un poco menos marcado y con un
estancamiento del sector privado a partir de 1970. Así, asistimos a la consolidación
del segmento de educación privada, que en 1988 llegó al 18% de la matrícula
primaria, al 28,7% de la secundaria, y al 27,6% de la superior no universitaria
(Fernández et al, 1997) (PAVIGLIANITI, 1991). Parte del estancamiento de la
enseñanza media privada en la década de los ´80 debe ser atribuida a la
democratización del nivel durante el gobierno radical (1983-1989), gobierno que
eliminó el examen de ingreso al nivel y adoptó una serie de medidas para el
mejoramiento de la escuela secundaria pública.
En los ´90, a esa herencia de privatización, cuyos impulsos esenciales
habían provenido de las fracciones conservadoras anti-liberales de la sociedad,
se sumaron fenómenos de mercantilización y privatización “endógena”
impulsados por el proyecto hegemónico de la Nueva Derecha. La sanción de la
Ley Federal de Educación (LFE) en 1993, convalidó el carácter público de toda
la educación sin diferenciar entre propietarios privados e instituciones públicas,
estableció diez años de obligatoriedad escolar y modificó la estructura del sistema
educativo desarticulando el nivel medio y destruyendo su tradicional modalidad
técnica, introdujo mecanismos competitivos en la formación inicial y continua
de los docentes; fue la base para la difusión de modelos gerenciales de
administración educacional, y de un sistema centralizado y estandarizado de
evaluación de la “calidad” de la educación. Reservó, para el gobierno nacional,
responsabilidades sustantivas que implicaron una verdadera re-centralización
antes que una desregulación vía mercado. También sancionó, por primera vez
en la historia legal del sistema educativo, una ley para regular a todo el nivel
superior, el no universitario –integrado fundamentalmente por instituciones
formadoras de docentes para el nivel primario y secundario, e instituciones de
formación técnica superior– y el universitario (ver apartado siguiente).

4
En este trabajo, por razones de síntesis, se analizan sólo datos agregados para el conjunto del
sistema. Pero es importante dejar constancia que en todos los indicadores educativos, y por lo
tanto también en los que se refieren a la composición público-privada de la matrícula, existen,
históricamente, fuertes disparidades entre jurisdicciones provinciales Por ejemplo, para
mencionar sólo el dato más reciente (2013), la Ciudad de Buenos Aires tiene la mitad de su
matrícula de los niveles pre-universitarios en el segmento privado, mientras que en la provincia
de Santiago del Estero sólo alcanza el 2,3% (DiNIECE, 2013b).

240
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

El sector educativo fue uno de los sectores más castigados por las políticas
de ajuste fiscal, inauguradas con la transferencia inconsulta de las instituciones
de nivel medio y superior no universitario que históricamente había sostenido el
Estado Nacional en las provincias5. La privatización de la matrícula continuó
en todos los niveles educativos, excepto en el inicial, en el cual la participación
del sector privado se mantuvo estable (28%). Hacia 2001 había llegado a absorber
el 20,5% de la matrícula del primario, el 27% del secundario, y el 41,5% del
superior no universitario (DiNIECE, 2013b)6.
Pero ese año, el deterioro de las condiciones económicas y sociales
nacionales, y la crisis política consecuente, generaron un terreno fértil para aceptar
la revisión del programa neoliberal que venía siendo planteada a nivel mundial y
que, por ese entonces, reconocía los límites del mercado como mecanismo
regulador y base de cohesión social. La crisis asiática y la creciente polarización
y exclusión social originadas por el proyecto original, impulsaron a los sectores
dominantes a buscar una nueva arquitectura institucional para la sociedad de
mercado (JESSOP, 2000) (ACUÑA & TOMASSI, 1999). Los conceptos de
“gobernanza”, “desarrollo sustentable”, “inclusión” y “sociedad civil activa”
suplantaron a los más duros conceptos de “competencia”, “crecimiento”,
“eficiencia” y “gerencialismo”. Así, desde 2003 y hasta 2009, aproximadamente,
los gobiernos de N. Kirchner y de C. Fernández de Kirchner, aprovecharon una
coyuntura internacional que les permitió abrir una fase de reactivación
económica, calificada por algunos autores como “neodesarrollista” (FÉLIZ &
LÓPEZ, 2010) (KATZ, 2010). Buscando recomponer su legitimidad, estos
gobiernos implementaron acciones que suponían recuperar el papel del Estado
en la compensación de las contradicciones generadas por el sistema socio-
económico, dando prioridad a la educación en la recuperación presupuestaria.
Cerrada la etapa del ajuste estructural, desprestigiado el modelo de “Estado
Mínimo”, la “sociedad civil” fue entronizada como elemento central de “alianzas
estratégicas” para el desarrollo de políticas sociales.
El gobierno de N. Kirchner (2003-2007) avanzó en la derogación de las
normas “neoliberales” simbólicamente representadas por la Ley Federal de
Educación de 1993. Restableció la modalidad técnica (a través de la Ley de

5
En 1978, durante la Dictadura Militar, el Estado Nacional ya había transferido las instituciones
de nivel pre-primario y primario.
6
Las tasas de escolarización de la población indicaban para ese año que se había logrado la
universalización del nivel primario. La tasa neta de escolarización en el nivel medio sólo
involucraba al 71,5%, con persistentes problemas de sobreedad, repitencia y deserción, ya que,
sobre el cambio de siglo, sólo alrededor del 48% de los jóvenes terminaba la escuela media en la
edad correspondiente (RIVAS, 2010).

241
RODRÍGUEZ, L. R.; VIOR, S. E. • Cambios en el sistema universitario argentino (2003-2013)

Educación Técnico-Profesional de 2005), comprometió apoyo financiero a las


provincias para mejorar los niveles salariales de maestros y profesores (Ley del
Ciclo Lectivo Anual, 2004), y pretendió garantizar la recomposición del
financiamiento educativo (Ley de Financiamiento Educativo, 2005). Finalmente,
en 2006, sancionó una nueva ley general, la Ley de Educación Nacional, proyecto
elaborado por el Poder Ejecutivo y presentado como resultado de la aplicación
de una metodología participativa con el objeto de alcanzar legitimidad social.
Único proyecto debatido en el Congreso, aumentó los espacios de participación
de los proveedores privados en los organismos de concertación e implementación
de políticas federales (Consejo Federal de Educación, Instituto Nacional de
Formación Docente). En consonancia con los nuevos principios de un programa
que buscaba “una mayor inclusión social y educativa”, legitimó a las
organizaciones populares que habían ocupado el lugar del Estado ausente en los
años de crisis, reconociendo a las instituciones educativas de “gestión social”,
diferenciándolas en la citada norma de las instituciones de “gestión privada”,
aunque en los hechos siguieron alcanzadas por las normas que regulan a estas
últimas. Creó el Instituto Nacional de Formación Docente para superar la
fragmentación de las políticas para la formación de maestros y profesores. La
atención preferente que las políticas dieron a la formación de docentes queda
evidenciada por el avance de la participación del sector público en una cobertura
en expansión7, que entre 2003 y 2011, redujo la del sector privado del 41,5 al
37,4%.
En consonancia con el cambio de agenda educativa de los organismos
internacionales –que pasaron de dar prioridad a la “educación básica” en los
`90, a resaltar el carácter estratégico del nivel inicial y la educación secundaria
en los ´00-, el gobierno de N. Kirchner restableció la unidad del nivel medio e
instauró su obligatoriedad, implementando seguidamente una transformación
integral de la escuela secundaria – abriendo el ciclo de una “Nueva Escuela
Secundaria”–. Sus objetivos declarados eran “democratizar las escuelas” y
resolver los graves problemas de sobreedad, repitencia y abandono. Esa
transformación estuvo basada en modificaciones que flexibilizaron el régimen
académico, “actualizaron” los planes de estudios e implementaron espacios por
fuera del sistema educativo formal para que los desertores terminaran sus estudios
secundarios mediante planes acelerados, en base a programas inter-sectoriales y

7
El subsistema de educación superior no universitaria de formación docente creció, entre 2003
y 2011 un 24,9%. El sector público creció más (32,1%) que el privado (6,9%). Ver: Centro de
Estudios de la Educación Argentina – Universidad de Belgrano (CEA). Avances en la educación
superior no universitaria. Año 2, N° 16, 2013.

242
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

alianzas “público-privadas” con ong´s, sindicatos u otras organizaciones de la


“sociedad civil8. En 2013, último año informado por el Ministerio de Educación,
la educación privada cubría al 33,4% de la matrícula del nivel inicial, 26,4% del
primario, y 28% del medio.

La privatización en la Universidad
Teniendo a la vista este marco general, analizaremos ahora el recorrido
de la “privatización” en el nivel universitario, que tiene rasgos específicos que lo
diferencian del proceso seguido por el resto del sistema educativo. Pero antes de
hacerlo, es importante tener en cuenta otra característica particular: mientras
que Argentina en su historia contemporánea sancionó sólo tres leyes educativas
de rango nacional (la Ley 1420 de 1884, la LFE de 1993, y la LEN de 2006), las
universidades fueron reguladas, desde 1885, por siete normas, siendo la última,
la ley “neoliberal”, conocida como “Ley de Educación Superior” (LES) de 1995.
Pese a la existencia de iniciativas legislativas para sancionar una nueva Ley de
Educación Superior, y a la organización de un ciclo de debates en el Congreso
de la Nación con participación de diversos colectivos (universidades, académicos,
sindicatos, organismos corporativos, representaciones estudiantiles, etc.), la
derogación de dicha ley quedó postergada, y por lo tanto sigue vigente.
Del análisis de ese proceso histórico surgen cuatro rasgos particulares: 1) el
establecimiento tardío de la gratuidad (1949); 2) la vigencia de un prolongado monopolio
estatal (1958); 3) la inexistencia de un régimen integral de subsidios, y 4) la aparición de
organismos colegiados que representan intereses privados en el sistema de coordinación y
concertación de políticas.
En cuanto al primer rasgo, hay que notar que las universidades nacionales
cobraron diverso tipo de tasas hasta que el Decreto 29.337/49, durante el primer
gobierno de J.D. Perón, estableció la gratuidad del nivel universitario al suspender
el cobro de aranceles con retroactividad a junio de ese año, cumpliendo de este
modo el principio de gratuidad de la educación pública establecido en la
Constitución sancionada dicho año. Si bien el arancelamiento fue restablecido
durante la dictadura del período 1976-1983, el gobierno de R. Alfonsín lo dejó
sin efecto, recuperando la gratuidad de las UUNN.
En relación con el fin del monopolio estatal, existieron múltiples demandas
y propuestas legislativas de autorización de universidades “libres” o “particulares”

8
Pueden mencionarse: el Plan FiNES y el Plan PROGRESAR (ambos creando circuitos
especiales para la finalización de estudios secundarios y universitarios), y la Asignación Universal
por Hijo (AUH) para familias de bajos recursos, subsidio condicionado al cumplimiento de la
obligatoriedad escolar y la prevención sanitaria.

243
RODRÍGUEZ, L. R.; VIOR, S. E. • Cambios en el sistema universitario argentino (2003-2013)

desde 1885 (año en que se sancionó la primera ley universitaria). Recién en 1955
–durante un gobierno de facto–, el Decreto 6403 estableció la posibilidad de
creación de instituciones privadas. El gobierno de A. Frondizi, a través de la Ley
14.557/58 y su Decreto Reglamentario 1404/59 especificó las condiciones y
modalidades para su funcionamiento (debían ser fundaciones sin fines de lucro,
presentar un proyecto educativo adecuadamente fundado y financiado, pasar
por un período de autorización provisoria, etc.); el decreto estableció
taxativamente que no podrían recibir “recursos estatales” (Art. 1°). Durante el
gobierno del Gral. Onganía, un decreto-ley reguló de forma más integral a estas
universidades (1967); esta norma dio carácter oficial al Consejo de Rectores de
Universidades Privadas (CRUP), organizado algunos años antes como espacio
de representación de intereses ante las autoridades públicas. Desde 1958 hasta el
presente, estas instituciones son creadas sin intervención del Congreso de la
Nación, por decretos del Poder Ejecutivo9. La LES de 1995, al crear un sistema
de evaluación y acreditación universitaria a cargo de la Comisión Nacional de
Evaluación y Acreditación Universitaria (CONEAU), incorporó el requisito
previo de un informe positivo sobre el proyecto.
Entre 1958 y 1963, el sector privado –sobre todo el ligado a la Iglesia
Católica– abrió más universidades que las creadas hasta entonces por el Estado10.
La década del ´60 fue etapa de gran crecimiento de instituciones privadas (19
universidades). La década del ´70 (en particular 1972/74, durante el último año
de la Dictadura Militar de A. Lanusse y el tercer gobierno de J.D. Perón), fue de
creación de universidades públicas (14 instituciones). Un segundo impulso
privatizador tuvo lugar durante el primer gobierno de C. Menem: entre 1990 y
1995 se crearon 20 instituciones, mientras que sólo se crearon 7 públicas. En los
´00, la dinámica se invierte: se crearon 14 universidades estatales, frente a la
autorización de sólo 9 privadas. En términos gruesos, los ciclos de crecimiento de las
instituciones privadas se vinculan con la presencia de ciertos intereses privados –de la Iglesia
Católica, de sectores empresarios, etc.– en los bloques de fuerzas en los que se apoyó cada

9
La creación de universidades públicas se realiza por ley del Congreso, e históricamente, en
este proceso influyen fuertemente factores políticos y clientelares. En los 90, la creación de
universidades públicas en el Conurbano Bonaerense fue un recurso del gobierno de Menem
para desequilibrar el balance de poder opositor a la reforma neoliberal. En los ´00, con la
negociación de intereses políticos entre el gobierno nacional y las jurisdicciones municipales.
Es ampliamente debatida en el ámbito académico la irracionalidad o falta de planificación
que caracteriza la expansión del sistema.
10
Ellas fueron: Universidad Católica de Córdoba, Católica de Santa Fe, Católica de Cuyo,
Universidad del Salvador, Católica Argentina, del Norte Santo Tomás de Aquino, y Católica
de Mendoza, que se sumaron a las instituciones privadas no confesionales (Universidad del
Museo Social Argentino y Universidad J. A. Maza).

244
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

gobierno, cosa que no siempre coincidió con gobiernos de facto, como claramente lo muestra
el proceso acontecido en los ´90.
En lo que al financiamiento respecta, cuando se autorizó la existencia de
instituciones privadas, se lo hizo con prohibición expresa de subsidiarlas; por
ello, hasta el presente, se sostienen fundamentalmente con el cobro de matrículas
y aranceles, pagos por servicios prestados y donaciones. A partir de 1967, durante
la dictadura militar de Onganía, una nueva legislación (Ley de Universidades
Privadas) les permitió solicitar, al Estado, financiamiento para proyectos
específicos de enseñanza o investigación, pero sólo tuvo aplicación en casos
aislados. En los ´90, el artículo 66 de la LES redefinió esta posibilidad
estableciendo que: “El Estado nacional podrá acordar a las instituciones con
reconocimiento definitivo que lo soliciten, apoyo económico para el desarrollo
de proyectos de investigación que se generen en las mismas, sujeto ello a los
mecanismos de evaluación y a los criterios de elegibilidad que rijan para todo el
sistema”. Desde entonces y hasta el presente, ello permitió su participación, con
el mismo status que las universidades públicas, en la competencia por fondos
distribuidos a través de Programas especiales de financiamiento originados en la
Secretaría de Políticas Universitarias. A partir de 2003, su participación se fue
ampliando a programas no exactamente relacionados con la investigación
(extensión, voluntariado, etc.). Si bien, según datos provistos por la Agencia
Nacional de Promoción Científica y Tecnológica para 2008 y 2009, sólo el 2%
de los proyectos financiados se desarrollaban en universidades privadas
(ANPCyT, 2011), estos cambios han permitido reactivar demandas de las instituciones
universitarias privadas por una mayor asistencia financiera por parte del Estado, como
es el caso de reclamos para acceder a los programas de becas para estudiantes de
carreras consideradas “estratégicas” –tal el caso, recientemente, de las Ingenierías,
las Ciencias de la Atmósfera o la Informática-.
Finalmente, la representación de los intereses privados integrada al aparato del
Estado se produce con la LES de 1995. Por primera vez, esta ley, regula
simultáneamente a las instituciones públicas y privadas, garantizando, a estas
últimas, mayores libertades en materia de gobierno, estructura organizativa, y
manejo presupuestario. Sus regulaciones fortalecieron la concentración de poder
de imposición de políticas en el Poder Ejecutivo, y completaron el proceso que
garantizó la presencia de organismos colegiados que representan intereses
privados en el sistema de coordinación y concertación de políticas, integrándolos
a la estructura del Estado. Incluyó dos organismos nuevos: el Consejo de
Universidades –integrado por las Comisiones Ejecutivas del CIN y del CRUP-,
expresión del “Estado Concertador”, y la Comisión Nacional de Evaluación y

245
RODRÍGUEZ, L. R.; VIOR, S. E. • Cambios en el sistema universitario argentino (2003-2013)

Acreditación Universitaria, expresión a su vez del “Estado Evaluador”. El


organismo colegiado que agrupaba a rectores de universidades nacionales, el
Consejo Interuniversitario Nacional –CIN–, creado por R. Alfonsín, con
intenciones de que se transformara en un órgano de elaboración de políticas
sectoriales– y el CRUP –legitimado por el decreto-ley del ´67–, fueron colocados
en una nueva situación relativa. En el caso del CIN, para recortar aquel papel
originalmente central que había propuesto el gobierno de Alfonsín; en el caso
del CRUP, para quitarle su carácter de simple representante de los intereses de
las universidades privadas ante los poderes del Estado, y elevarlo a cuerpo
colegiado integrado a la administración de la cosa pública.
En ese proyecto sectorial, parte de una política más amplia cuyo núcleo
era el ajuste estructural, se generalizaron concepciones empresariales que apelaron
a la calidad y a la excelencia, a la visión estratégica y a la rendición de cuentas,
iniciando un fuerte proceso de privatización endógena. Bajo el imperativo de la
globalización, las instituciones públicas fueron empujadas a diversificar sus fuentes de
recursos vía venta de servicios para compensar el escaso presupuesto público con fondos
propios –que fueron aumentando su peso en el presupuesto de las instituciones e
introduciendo mayor heterogeneidad en las condiciones de operación–, a desarrollar un
amplio sector de ofertas de formación de posgrado pagas, y cobro de aranceles y tasas en
carreras de grado bajo la modalidades a distancia, circuitos de complementación con estudios
terciarios no universitarios, etc. Las agencias internacionales, como el BID o el Banco
Mundial, fueron las promotoras por excelencia de la aplicación de estos nuevos
principios, estimuladas por redes corporativas globales. Se implantó la lógica
empresarial en la gestión y gobierno y el Estado estimuló el desarrollo de una capa de
autoridades superiores, funcionarios y empleados con condiciones salariales y laborales
cada vez más diferentes de la de los académicos, y se generalizó el uso de mecanismos
competitivos para el reparto de recursos públicos (Fondo para el Mejoramiento de
la Calidad Universitaria –FOMEC–, Programas Especiales de Financiamiento
bajo el control del Ministerio de Educación y, a partir de 2007, del nuevo
Ministerio de Ciencia y Tecnología). La extensión universitaria fue re-definida
bajo la influencia del paradigma de la “Responsabilidad Social Empresaria”
(VIOR & RODRÍGUEZ, 2013). Estos principios político-organizativos siguieron
fundando las medidas y acciones desplegadas por la Secretaría de Políticas Universitarias
desde 2003 en adelante, a pesar de discursos que manifiestan rechazar las
concepciones neoliberales.
Los cambios más notables en la etapa que se inicia ese año tienen relación
con la normalización e incremento sustancial del flujo de recursos presupuestarios
a las UUNN pero sobre todo para recomponer los salarios y, en menor medida,

246
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

la inversión en infraestructura11. Fundamentando las decisiones adoptadas en el


objetivo de revertir el supuesto –según nuestra perspectiva– “elitismo” de la
universidad pública, se avanzó en la creación de nuevas instituciones12, y se
aumentó sustancialmente la cantidad y la diversidad de programas de becas para
estudiantes de bajos recursos o para el fomento de carreras específicas. Pese a
que desde 2003 los montos globales asignados a estos programas crecieron más
de siete veces, en 2013 sólo abarcaban alrededor del 3% de la matrícula pública,
y su monto no cubría el total de los costos asociados al estudio. El presupuesto
universitario aumentó su participación en el PBI de 0,61 a 1% del PBI en 2012,
lo que implicó un incremento de 439% (SPU, Anuario 2012), aumento
significativo cuyos efectos fueron neutralizados por el proceso inflacionario
iniciado en 2009, y por el aumento de la cantidad de instituciones.
También es notable la evolución de la privatización exógena, tal como se
expresa en el aumento de la participación del segmento privado en el total de la
matrícula de grado y pregrado y su comportamiento diferencial entre dos décadas
–la década “neoliberal” de los ´90 y la década del ´00-. Este proceso parece mostrar
los límites reales del discurso crítico al neoliberalismo y las políticas educativas
de los sectores que llegaron al poder en 2003, que manifestaron pretender
recuperar la educación pública y el papel principal del Estado, y que pusieron
como objetivos garantizar el derecho a la educación universitaria y la promoción
de mayores niveles de “inclusión”.

El crecimiento del sector universitario de


grado / pregrado, público y privado
En un nivel en el que sigue predominando la universidad pública como
agente principal, tanto en la distribución como en la producción de
conocimientos, se viene consolidando un lento y sostenido proceso de privatización
exógena de la matrícula universitaria de grado/pregrado. Este proceso ha sido objeto
de investigación, abordando el desarrollo de la educación universitaria privada

11
Según datos de OECD (2012) sólo el 1,4% del gasto educativo total (público y privado) del
nivel terciario y universitario correspondía, en 2009, a gastos de capital. En Brasil ascendían al
13,6%, y en los países de la OECD, en promedio, al 9%. Esto implica que la meta alcanzada de
inversión del 1,6% del PBI en educación terciaria en 2009 (porcentaje semejante al promedio
invertido en los países de la OCDE), cubre mayormente gastos corrientes (en particular, gastos
en personal).
12
Fundamentalmente en municipios del llamado Conurbano Bonaerense, región densamente
poblada que –a semejanza de las provincias del norte del país– registra los peores indicadores
socio-económicos: desempleo, empleo no registrado, necesidades básicas insatisfechas, etc.

247
RODRÍGUEZ, L. R.; VIOR, S. E. • Cambios en el sistema universitario argentino (2003-2013)

en términos de sus orígenes, tipo de oferta educativa, expansión y características


actuales13.
Como se ha descripto en el apartado anterior, en los más de veinte años
que van entre 1986 y 2013, las instituciones se diversificaron (aparecieron los
Institutos Universitarios) y su número creció dos veces y media, pasando de 47
a 121 instituciones. El crecimiento fue mayor en el sector privado, que
prácticamente duplicó el número de casas de estudios en veinte años (1993-
2013); el sector público creció un poco menos. El crecimiento institucional en la
década “neoliberal” continuó en la década posterior, aunque a un ritmo algo menor,
manteniéndose la ventaja de las privadas (62 privadas y 59 públicas).
Pasando a considerar la matrícula, y tomando como base el año 1986, la
matrícula pública experimentó un crecimiento con interrupciones (pequeños
descensos en 1993, 2005, 2007 y 2013),14 mientras que la de las universidades
privadas creció continuadamente, con excepción de 2002 (claramente por efecto
de la crisis de 2001). Ese crecimiento –paralelo al incremento de instituciones–
permitió a estas últimas pasar de absorber, en 1992, el 13% de la matrícula de
grado / pregrado, al 15% en 2001; y, entre este último año y 2013, llegar al
21,5%. Para comprender la forma en que evolucionó esta “privatización
exógena”, y en base a las series estadísticas disponibles para el conjunto del
sistema, se analizará el período 1992-2013.

13
Se trata de trabajos descriptivos centrados sólo en la situación nacional (Zelaya, 2004 y 2011)
(CAILLON, 2005) (CHIROLEU, 2012) (GARCÍA de FANELLI,, 1997 y 2011) (DEL BELLO
et al, 2007), o en el contexto latinoamericano (GARCÍA de FANELLI & JACINTO, 2010)
(SVERDLICK et al, 2005) (GAZZOLA et al, 2008) (VESSURI et al, 2010). Muchos de ellos
aportan elaboraciones de datos estadísticos que permiten aproximaciones indirectas o que
proporcionan una visión del contexto social amplio del problema de la “privatización”. En
muchos casos, se trata de estudios que analizan una variedad de indicadores sobre la Educación
Superior en general, con discriminación del nivel universitario. Tal el caso de García de Fanelli
& Jacinto (2010), quienes abordan el problema de la equidad en el nivel superior terciario no
universitario y universitario de varios países de América Latina (incluido Argentina), sobre la
base de datos de las Encuestas de Hogares. En varias de estas producciones se correlaciona el
ritmo de expansión del nivel universitario con el avance de la escolarización en el nivel medio,
nivel educativo que se volvió obligatorio a partir de la nueva legislación nacional de 2006.
14
Durante el gobierno radical de 1983-1989, las universidades públicas fueron normalizadas,
recuperando su autonomía y el gobierno colegiado, y se restableció la gratuidad y el ingreso
sin cupos y, al menos hasta 1987, se aumentaron el presupuesto y las inversiones de capital. A
diferencia del segmento privado –dentro del cual no fue autorizada ninguna institución nueva-,
en ese lapso la universidad pública experimentó un fuerte crecimiento de la matrícula: en
1984, la matrícula aumentó un 82% respecto del año anterior; para 1989, la cantidad de
estudiantes se había duplicado, pasando de 318.300 en 1982 a 698.561 en 1989, a pesar del
agravamiento de la situación económica que desembocaría en la finalización anticipada del
gobierno de R. Alfonsín. Ese ritmo de crecimiento nunca volverá a repetirse.

248
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Tomando como base el año 1992, el alumnado de grado/pregrado del


segmento público se duplicó, pero el privado se triplicó15. Al analizar el patrón
de crecimiento particular de las dos décadas incluidas en el periodo, (1992-2002
y 2003-2013), resulta interesante observar que durante el primer decenio el
incremento de la matrícula pública fue del 80%, y durante el segundo, sólo del
14%. La privada, por su parte, creció 92% en los ´90, y 83% en los ´00. Por ello, es
posible afirmar que el menor ritmo de crecimiento del alumnado del segmento público está
determinado por el estancamiento relativo a lo largo de los últimos diez años.
Esto se aprecia más claramente si se analizan las tasas de crecimiento
interanual. La tasa promedio anual de crecimiento entre 1992 y 2013 es de 3,4%
en el segmento público y de 6,2% en el privado. Analizando las dos décadas por
separado, se observa que el ritmo de crecimiento decrece a partir de 2003 en ambos
segmentos16, aunque mucho más marcadamente en el público, que además experimenta
mayores fluctuaciones interanuales17. Esas fluctuaciones, que afectan sobre todo al número
de ingresantes (tasas negativas entre 2003 y 2008, y altamente fluctuantes entre 2009 y
2013), han sido interpretadas como dinámicas de “inclusión excluyente”, es decir, de un
acceso de grupos que por su bagaje educativo precario y su condición socio-económica
inestable, son rápidamente expulsados o desalentados (EZCURRA, 2009).
Los Censos Nacionales (1991-2001-2010) proporcionan elementos
adicionales para el análisis, permitiendo poner en relación el aumento de la
matrícula con la evolución del nivel de escolarización de la población18. Los datos
evidencian que la mejora en las tasas netas de escolarización universitaria (sin discriminar
sector público o privado) se produjo fundamentalmente entre los dos primeros censos (un
3%), y que además debe tenerse en cuenta que ese incremento es tributario de la gran

15
La matricula pública pasó de 698.561 en 1992 a 1.437.605 en 2013. La privada, de 105.062 a
393.132 en esos mismos años.
16
En la década 1992-2002 la matrícula pública crece a un ritmo del 5,6% anual, y las privadas al
6,2%. En la década 2003-2013, la pública crece un 1,2% promedio anual, y las privadas un
6,3%.
17
Por ejemplo, las tasas de crecimiento interanual para el sector público entre 2001 y 2013 oscilan
entre 4,09% anual y –2,77% anual; las mayores tasas se dan en 2009/2010, años en que
comenzaron a funcionar 9 universidades públicas. En el privado, entre una tasa máxima de
10,13% y una mínima de 2,75%, y nunca registra tasa negativas.
18
Aún siendo claro que las dos fuentes de datos no proporcionan información comparable, también
debe advertirse que en el caso del Censo 2010 se observaron fuertes diferencias entre la matrícula
contabilizada por los Anuarios y la población que declara asistir al nivel universitario. El
ANUARIO 2010 informa alrededor de 500 mil estudiantes de grado y pregrado más que los
que aparecen en el Censo 2010 asistiendo a algún establecimiento de nivel universitario mientras
que el Censo relevó a 1.216.722 habitantes asistiendo al nivel de grado (cifra que se eleva a
1.281.489 si se incluyen los que declararon estar cursando posgrados), el ANUARIO consignó
1.718.507 estudiantes (en el sector público y privado).

249
RODRÍGUEZ, L. R.; VIOR, S. E. • Cambios en el sistema universitario argentino (2003-2013)

expansión de la matrícula entre 1984 y 1988, una fase de menor dinamismo del segmento
privado. Durante la segunda década del período (2001-2010) la tasa neta se estancó
en alrededor del 15% para la población de 18-24 años; la tasa bruta de
escolarización, que pasó entre 1991 y 2001 del 18,4% al 25,6%, permaneció
estable en el decenio siguiente (25,7%).
Tomando ahora los datos de la Encuesta Permanente de Hogares se puede
profundizar algo más en el análisis de esta expansión considerando la evolución
de las tasas netas de escolarización terciaria según quintiles de ingreso19, aunque
sólo de manera muy aproximada e indirecta, pues los datos no discriminan entre
nivel superior universitario y no universitario y, por lo tanto sobreestiman la
participación de la población perteneciente a los quintiles de ingresos más bajos20.
Por otro lado, estos datos presentan el problema de ser referidos a una muestra
de aglomerados urbanos que fue objeto de modificaciones (paso de EPH puntual
a EPH continua en 2003 y modificaciones técnicas realizadas luego de 2007 al
intervenirse el organismo). Haciendo estas salvedades, tomaremos las
elaboraciones del CEDLAS sobre la evolución del porcentaje de jóvenes de 18-
24 años asistiendo a establecimientos superiores no universitarios entre 1980 y
2003 y universitarios (sin discriminar público o privado), por quintiles de ingreso
equivalente entre 1980 y 2010. Lo que se observa es que, en primer lugar, entre
1980 y 2003, la tasa neta global se duplicó (pasó del 16 al 34,9%), estancándose
entre 2003 y 2013. Y en segundo lugar, que el crecimiento en el primer quintil se
produce hasta 1992 y desde 2003, pasando de 5% en 1980 a 19 % en 2012, lo cual
implica que aumenta cuatro veces, lo mismo que el segundo quintil (pasa de 6 %
a 24%). Los quintiles 3 a 5 aumentan pero a un ritmo menor21. Es decir, la
estratificación del nivel superior por quintiles de ingresos, entre 2003 y 2013, muestra una
pauta oscilante con lo que parecería ser una modesta mejora en beneficio de los grupos de
menores ingresos.

19
En Argentina, los quintiles se ordenan del 1 al 5, de menor a mayor nivel de ingresos.
20
Esto es así porque históricamente el nivel universitario tiene niveles de selectividad mayores
que el superior no universitario.
21
El quintil 3 pasa de incorporar el 12,3% del grupo de edad en 1980, al 33.3% en 2012; el
quintil 4: de 17,8% a 44,5%; y el Quintil 5: de 37,3% a 53,2%. Fuente: Tasas netas de
escolarización terciaria de la población de 19-24 años, por quintiles e ingreso. Socio-Economic
Database for Latin America and the Caribbean (CEDLAS y Banco Mundial).Acceso el 12 de
junio de 2014. Disponible en: http://sedlac.econo.unlp.edu.ar/esp/estadisticas-
detalle.php?idE=20.

250
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

La contradicción entre las pretensiones “inclusivas” y de defensa de lo


público, y el avance de la privatización en la universidad
Teniendo en cuenta estas tendencias, parece claro que, más allá de sus
propósitos e intenciones de fortalecer la universidad pública, la estimación del
impacto igualador y de las políticas sectoriales en los últimos diez años, requiere
todavía más estudio, e investigaciones amplias y cuidadosas, sobre todo teniendo
en cuenta que la revisión de las normas legales introducidas a partir de 2003 no
se extendieron a la universidad, y muchas medidas y formas de intervención
estatal de los ´90 han tenido continuidad22. La agudización de la inestabilidad
de los ciclos económicos, parece haber facilitado cierto desacople o relación a
destiempo entre fases de alza y mayor dinamismo del sector universitario privado,
más notable a lo largo de la mayor parte del siglo XX. Por caso, estimar si el
modesto crecimiento de los quintiles de menores ingreso en el nivel terciario
representa una mejora en términos de “inclusión” en el subsistema universitario,
requiere estudios amplios que abarquen al nivel como un todo, –y no estudios
limitados a instituciones particulares, o incluso sólo a carreras o unidades
académicas como los que existen a la fecha–. Así se podría precisar el grado en
que la población de los quintiles de ingreso más bajos –los denominados “nuevos
públicos” o estudiantes “de primera generación” en la universidad– han
aumentado su participación en la matrícula universitaria, accediendo, transitando
y graduándose, en qué tipo de carreras y en qué condiciones.
Algunos autores reconocen que la privatización aparece asociada a un
ahondamiento de la segmentación del nivel universitario y la consolidación de
circuitos de elite (CHIROLEU, 2012). Pero sería conveniente analizar en qué
medida la segmentación opera tanto entre como dentro de los segmentos público
y privado, generando fenómenos de “incorporación segregada”. En el sector
público, los datos muestran que la creación no planificada de instituciones hace
que el aumento pretendido de la matrícula opere mediante una fuerte re-
distribución de ese crecimiento entre instituciones, hasta el punto de generar la

22
Existe un relativo consenso entre los investigadores en estimar la presencia de varios “ejes de
continuidad” con las políticas de la década anterior: FELDFEBER & GLUZ (2011) dudan de
que se haya abierto “una nueva agenda que dé cuenta de una ruptura significativa respecto de
la agenda reformista instalada en los ´90” (idem, p. 348-349); CHIROLEU (2010), al analizar
en forma comparada la agenda de política sectorial de los gobiernos denominados “progresistas”
de Venezuela, Brasil y Argentina, afirma la continuidad antes que la ruptura con las políticas
de los ´90, pues “la universidad no constituy[ó] una prioridad para el gobierno y los cambios
que se introdu[jeron] son casi cosméticos…. la educación superior no ha logrado ocupar un
lugar relevante en la agenda de gobierno y la introducción de nuevos programas no llega a
conformar políticas de peso para el sector” (idem, p. 15-16).

251
RODRÍGUEZ, L. R.; VIOR, S. E. • Cambios en el sistema universitario argentino (2003-2013)

disminución del alumnado en algunas, por la competencia que activa entre


universidades nuevas y antiguas en una misma región. En el sector privado, la
expansión opera creando circuitos diferenciales para sectores privilegiados,
circuitos a los que acuden sectores medios y, finalmente, otros con ofertas y
modalidades destinadas a sectores medio-bajos.
La expansión diferencial del segmento privado en la última década, a
contramano de la “expansión de las oportunidades” en el sector público y de los
objetivos buscados por las medidas de política (aumentar las tasas de graduación
en el nivel medio, incorporar a los sectores sociales más desfavorecidos a la
universidad pública), se intenta explicar analizando la compleja articulación de
factores relacionados con las características de la “demanda social” –las
“preferencias” o “expectativas”– y de la “oferta privada” –exigencias académicas,
dinamismo y diversificación del menú de carreras, mayor sensibilidad a las
demandas del mercado de empleo, etc.–, (CHIROLEU, 2012). Si bien una
explicación en términos de elecciones, mercados y proveedores puede explicar
algunos aspectos de los procesos analizados, creemos que ella se agota en el
nivel más superficial del análisis. Por un lado, separa las dos caras de la
privatización, obturando la posibilidad de analizar integradamente sus
dimensiones exógena y endógena. Por otro, no reconoce que la mejora real de
las condiciones educativas –y de salud, trabajo, etc.– de una sociedad, está
condicionada por el grado de articulación entre el proyecto político de los sectores
hegemónicos en el bloque de fuerzas y los intereses del proyecto económico
dominante, y que las contradicciones entre los objetivos de las políticas y sus
resultados deben buscarse, en última instancia, en las formas en las que se produce
esa articulación. En ese sentido, todo proceso de privatización de la vida social
tiene un carácter profundamente disciplinador y reordenador de las demandas
sociales, sobre todo cuando va acompañado del ahondamiento de la polarización
social y de cada vez mayores inequidades distributivas, fenómeno mundial en
esta etapa del capitalismo, del que la Argentina no está exenta.

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255
Democratização e privatização
da educação em Portugal:
da Revolução dos Cravos à
“Contrarevolução” Liberal

Belmiro Gil Cabrito


Luisa Cerdeira
Instituto de Educação da Universidade de Lisboa

Introdução
Portugal viveu um longo período de ditadura ao longo do século XX. Na
verdade, desde 1928, ano em que o ditador Oliveira Salazar assumiu a governa-
ção, até à Revolução Democrática de 1974, Portugal não viveu em democracia.
Durante este longo período de 48 anos, a censura, a proibição e priva-
ção da liberdade, o medo e a repressão encontravam-se na “ordem do dia”.
Foram décadas de vivências fechadas, onde qualquer manifestação popular de
descontentamento era acompanhada de perseguições, prisões e exílios políti-
cos. Foram anos difíceis num país povoado pelo analfabetismo e o obscuran-
tismo (em 1970, a taxa de analfabetismo era ainda de 26% da população). O
conhecimento era privilégio de poucos, muito poucos, aqueles que deveriam
assegurar o funcionamento futuro do estado, agindo “A bem da Nação”. À
semelhança de outros sectores sociais, a educação era para as elites (Mónica,
1978). A escola, verdadeiro aparelho ideológico de estado (Althusser, 1970)
encontrava-se ao serviço da reprodução social, bem no sentido que nos aler-
tam cientistas sociais como Bourdieu & Passeron (1964, 1970), Baudelot &
Establet (1971), Boudon (1973), Bowles & Gintis (1974), Willis (1977), entre
outros.
A Revolução de Abril de 1974 fez a diferença: a Revolução de Abril insta-
lou a democracia no país, restaurou liberdades e garantias, garantiu direitos,
nomeadamente o direito à educação. E, se há algo de que Portugal, e a sua
população, se pode actualmente orgulhar é, exactamente, o desenvolvimento
que conheceu no quadro social, particularmente no campo educativo nas últi-
mas quatro décadas.

256
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

2. Crescimento e democratização da educação no período pós-Revolução

2.1 A oferta educativa: acesso e diversificação


Com a Revolução Democrática de 1974, a educação democratizou-se.
Um dos primeiros “sintomas” desta democratização foi a consolidação da esco-
laridade obrigatória, inicialmente com a duração de 6 anos. Em 1986, a Lei de
Bases do Sistema Educativo (Lei nº 49/86, de 14 de Outubro) veio alargar aque-
la escolaridade para 9 anos; todos os jovens passam a frequentar a escola até aos
15 anos de idade. Actualmente, desde 2009, a escolaridade obrigatória tem uma
duração de 12 anos (Lei nº 85 de 2009, de 27 de Agosto), uma medida quase
pioneira no quadro europeu (8 em 40 países com duração superior a 10 anos),
nomeadamente da União Europeia. Presentemente, todos os jovens têm o direi-
to à educação, frequentando a escola pública gratuita até aos 18 anos de idade,
sendo expectável que tenham, entretanto, atingido a escolarização de nível se-
cundário.
Concomitantemente, com a democratização da educação foram introdu-
zidas novas disciplinas e novos programas. Progressivamente, esses programas
foram sendo objecto de reformas que assentaram, fundamentalmente, numa “nor-
malização ideológica”: currículos e programas mais “pragmáticos” em detri-
mento dos programas de cariz mais social, político e ideológico que surgiram
imediatamente após a Revolução de Abril. Para promover o cumprimento da
escolaridade obrigatória foram criadas, entretanto, várias medidas de cariz so-
cial, nomeadamente o transporte escolar, a criação de cantinas com refeições
subsidiadas e o auxílio económico às famílias mais carenciadas, através da
Acção Social Escolar.
Ainda em finais da década de 1970 foi reestruturado o ensino secundário.
Inicialmente esta reestruturação fixou aquele nível de ensino em 2 anos (os 10 e
11º anos, a partir de 1978) a que se seguiu um outro ano de escolaridade, o 12º
ano, a partir de 1980. Este último ano veio cumprir o duplo objectivo de consti-
tuir o ano terminal do ensino secundário e a qualificação necessária para o in-
gresso no ensino superior.
Em termos organizativos, o ensino secundário dual existente ao tempo
da ditadura (ensino liceal e ensino técnico comercial e industrial) foi substituído
neste processo de democratização por uma única via de ensino, mais próxima
da anterior via liceal e todos os estabelecimentos anteriores de ensino secundá-
rio (liceus e escolas comerciais e industriais) passaram a designar-se por “escola
secundária”.

257
CABRITO, B. G.; CERDEIRA, L. • Democratização e privatização da educação em Portugal

Com a democratização do ensino, o sistema educativo passou a estrutu-


rar-se, portanto, em ensino básico (progressivamente alargado até aos actuais 9
anos, em 3 ciclos de 4, 2 e 3 anos respectivamente), ensino secundário (um ciclo
de 3 anos) e ensino superior (actualmente, após a adesão do país ao Tratado de
Bolonha, constituído por 3 ciclos: um primeiro ciclo de 3 anos e que concede o
diploma de licenciatura; um segundo ciclo, com a duração de dois anos e que
atribui o diploma de mestre; e, um 3º ciclo, com a duração de 3/4 anos, que
atribui o diploma de doutoramento).
No que respeita ao ensino superior, os anos imediatamente seguintes à
Revolução testemunharam muitas mudanças, nomeadamente no número de ins-
tituições, na sua estrutura organizativa, na natureza jurídica das instituições e
na origem social da população escolar.
Assim, das 4 universidades públicas existentes até 1974 (universidades do
Porto, de Coimbra, de Lisboa, Técnica de Lisboa) criaram-se, durante a década
de 1970, mais 7 universidades públicas no Continente (Universidades do Mi-
nho, Trás-os-Montes e Alto Douro, Aveiro, Beira Interior, Nova de Lisboa, Évo-
ra, Algarve), 2 nas Regiões Autónomas (Universidades da Madeira e Açores) e
um instituto universitário (Instituto Superior de Ciências Empresarias e do tra-
balho) e 15 institutos superiores politécnicos, um em cada capital de distrito.
Este crescimento em número de instituições de ensino superior decorreu,
também, do facto de ter sido criado uma via politécnica de ensino superior,
constituindo um sistema binário (universitário e politécnico). A partir da déca-
da de 1970, passaram a existir duas vias de ensino superior, a universitária, com
cursos de cinco anos e a politécnica, com cursos superiores curtos, inicialmente
com a duração de dois anos e, mais tarde, com a duração de três anos.
Desta forma, à procura explosiva de educação superior respondeu o siste-
ma educativo com o aumento do número de instituições públicas de ensino
superior e, consequentemente, com o aumento do número de vagas, bem como
com a dualização da oferta educativa (universitária e politécnica). E assim, cria-
das novas instituições públicas, diversificadas as ofertas, estabelecidas novas re-
gras de acesso, a educação superior cresceu e democratizou-se. De cerca de 25000
jovens a estudar a fazer estudos superiores nos inícios da década de 1970 atinge-
se, hoje, números que se aproximam dos 400 000.

2.2 Alguns números sobre a educação: as tendências futuras


2.2.1 A (des)aceleração da procura de educação
Se a Revolução de Abril iniciou um período de democratização política
que se repercutiu em todos os domínios, no domínio educativo observou-se, de

258
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

imediato, um crescimento explosivo da procura de educação, em todos os níveis


de ensino, como pode observar-se no quadro 1.

Quadro 1 – Estudantes matriculados, total e por nível de ensino, 1960-2013

Anos Total Educação Ensino Básico Ensino Ensino


Pré-escolar Secundário Superior
Total 1º Ciclo 2º Ciclo 3º Ciclo
1961 X 6528 1066471 887235 78064 101172 13116 24149*
1970 X 15153 1316279 935453 193912 186914 27028 49461*
1980 1873559 80373 1538389 927852 305659 304878 169516 80919
1990 2160180 161629 1531114 715881 370607 444626 309568 157869
2000 2260745 228459 1240836 539943 276529 424364 417705 373745
2005 2172853 259788 1153057 504412 267742 380903 376896 380937
2010 2406098 274387 1256462 479519 273248 503695 483982 383627
2011 2239401 276125 1206716 464620 278263 463833 440895 398268
2012 2241756 272547 1157811 454003 266095 437713 411238 390273
2013 2139977 266666 1093523 440378 252667 400478 398447 371000

Fonte: Elaborado a partir de DGO/MF, PORDATA (Última actualização: 2015-03-24);


*Barreto et al, A Situação Social em Portugal, 1960-1995

A “procura encantada de educação” (Grácio, 1986) em Portugal nas dé-


cadas posteriores à Revolução de 1974, em particular no quadro do ensino não
obrigatório, denota o papel que a educação assumiu para uma população seden-
ta de conhecimento e de melhores condições de vida. Portugal exemplifica bem
a crença da relação que existe entre educação e melhores empregos, melhores
salários, maior nível de produtividade, ascensão social, etc., dando voz e razão
aos teóricos do capital humano (Schultz, 1961; Becker, 1963).
Todavia, desde finais da década de 2010 que se assiste a uma diminuição
do número de estudantes matriculados nos diversos níveis de ensino sendo pos-
sível concluir pela análise dos valores do quadro 1, que a tendência actual relati-
vamente à procura de educação é, de facto, a de diminuição. À excepção da
educação pré-escolar, que tem sido objecto de alargamento por parte de medi-
das de política educativa nos últimos 2/3 anos, verifica-se uma quebra da procu-
ra de educação nos restantes graus de ensino para o que contam inúmeras ra-
zões, já que a realidade é multidimensional (Bartoli, 1991).
Em particular a procura do ensino superior tem vindo a diminuir desde
os finais da década de 2000, com o número de candidatos ao ensino superior a
decrescer de forma muito significativa, havendo como se disse uma multiplici-
dade de razões, desde o não cumprimento da escolaridade de 12 anos por uma

259
CABRITO, B. G.; CERDEIRA, L. • Democratização e privatização da educação em Portugal

parte significativa dos jovens entre os 15-17 anos (cerca de 30% ainda não está
matriculada) e também pela grave crise de austeridade económica que desde
2010 e 2011 se abateu no país com a entrada do resgaste financeiro e com a
apelidada “Troika” (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e
Comissão Europeia). Veja-se como o número de candidatos ao ensino superior
público evoluiu entre 1977 e 2014:

Gráfico 1 – Evolução do número de candidatos ao ensino superior público

Fonte: D.G.E.Sup – D.S.A/DST; DGES.

Dessas razões destaca-se, na educação básica, a diminuição da população


em idade escolar em resultado da quebra da taxa de natalidade; no que respeita
ao ensino secundário e superior, para além do eventual efeito da “questão de-
mográfica”, deve dar-se atenção particular ao número crescente de emigrantes
jovens e ao abandono escolar para o que contribuirá a falta de expectativas futu-
ras por parte da população jovem que constitui, hoje, mais de metade do núme-
ro de desempregados do país, cuja taxa de desemprego se situa na ordem dos
14%, de acordo com o Instituto de Emprego e Formação Profissional. Observe-
se o gráfico 2:

260
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Gráfico 2 – Evolução do número de desempregados com ensino superior (em


milhares)

Fonte: Elaborado a partir de INE, PORDATA

O crescimento acelerado do número de desempregados com o diploma


de ensino superior, particularmente a partir de 2009, surge certamente como um
dos factores que desmotivam a procura deste nível de ensino e, portanto, a sua
diminuição.

2.2.2 A taxa de escolarização: a escolaridade obrigatória ainda por cumprir


O estabelecimento de uma escolaridade obrigatória, por um lado, e as
expectativas/crenças associadas a maiores níveis de educação são factores de-
terminantes da evolução fortemente positiva da taxa real de escolarização em
todos o níveis de ensino, particularmente nos que compõem a escolaridade obri-
gatória.

261
CABRITO, B. G.; CERDEIRA, L. • Democratização e privatização da educação em Portugal

Quadro 2 – Taxa real de escolarização até ao ensino superior (%)

Anos Educação Ensino Básico Ensino Secundário


Pré-Escolar
1º Ciclo 2º Ciclo 3º Ciclo
1961 0,9 80,4 7,5 6,1 1,3
1970 2,4 84,3 22,2 14,4 3,8
1980 14,2 98,4 35,4 25,8 11,7
1990 41,7 100,0 69,2 54,0 28,2
2000 71,6 100,0 87,4 83,9 58,8
2005 77,4 100,0 86,4 82,5 59,8
2010 83,9 100,0 93,8 89,5 71,4
2011 85,7 99,1 95,4 92,1 72,5
2012 89,3 100,0 92,3 89,9 72,3
2013 88,5 100,0 91,9 87,5 73,6

Fontes: DGO/MF, PORDATA (Última actualização: 2015-03-24)


Nota: a taxa real de escolarização= Alunos matriculados num determinado ciclo de estudos,
em idade normal de frequência desse ciclo / População residente dos mesmos níveis etários)
* 100

Assim, em continuação deste processo de democratização no sentido de


“uma escola para todos”, as percentagens de indivíduos matriculados no siste-
ma educativo, nos níveis básico e secundário deveria ser idealmente de 100%.
Todavia, essa taxa ainda se afasta bastante daquela percentagem no que
se refere ao ensino secundário (e mesmo ao 3º ciclo do ensino básico), denun-
ciando uma situação do não cumprimento da escolaridade obrigatória dos 12
anos nem, sequer, dos 9 anos que a constituíam antes de 2009. Esta situação
denuncia uma flagrante evolução que contraria a democratização esperada da
educação e cujas razões se deverão ir buscar, fundamentalmente, às políticas
liberais dos últimos governos que se caracterizam por um processo de desres-
ponsabilização e de privatização constantes da “coisa pública”.
No que respeita o ensino superior) é também de realçar a evolução extre-
mamente positiva que o país conheceu. Se analisarmos o período entre 1997/
1998 e 2011/2012 apresentado no Quadro 3 constatamos que se atingiram ní-
veis muito interessantes de crescimento da escolarização neste nível de ensino.

262
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Quadro 3 - Taxa real de escolarização do ensino superior (%)

1997/1998 2000/2001 2008/2009 2011/2012


18 anos 14,9% 17,4% 26,0% 25,6%
19 anos 22,4% 25,0% 32,9% 35,1%
20 anos 26,0% 28,4% 35,7% 39,6%
21 anos 26,0% 30,1% 33,6% 37,5%
22 anos 24,2% 28,2% 27,0% 32,0%
23 anos 19,9% 22,6% 19,6% 24,0%
24 anos 15,6% 17,0% 15,2% 17,6%

Fonte: CNE (2010). Estado da Educação 2010 e 2012.

Contudo, como já foi evidenciado atrás, a procura do ensino superior tem


vindo a diminuir e podemos questionar se o abrandamento na frequência do
ensino superior não está ligado às políticas de austeridade dos últimos governos
que espartilham o crescimento da economia e promovem o desemprego, tor-
nando mais difícil a vida dos portugueses bem como a dos respectivos filhos,
sendo cada vez maior a dificuldade de acesso e de permanência dos estudantes
neste nível educativo dados os elevados custos associados para os estudantes e
as respectivas famílias (Cabrito, 2002; Cerdeira, 2009; Cerdeira et al., 2014).

2.2.3 A origem social dos estudantes do ensino superior: ainda um ensino de


elites
O processo de democratização da educação repercutiu-se, também, na
composição social dos estudantes do ensino superior. De um sector educativo
extremamente fechado e elitista caminhou-se para uma educação superior mais
participada por todos os estratos sociais, ainda que mantendo características de
elite (Cabrito, 2002; Cerdeira et al., 2014). A partir de investigações realizadas
por Cabrito (no ano lectivo 1994-1995), Cerdeira (no ano lectivo 2004-2005) e
Cerdeira et al. (no ano lectivo 2010-2011), para o que foram utilizadas amostras
representativas dos estudantes do ensino superior de todo o país, é possível co-
nhecer-se a origem socioeconómica deste universo estudantil em três períodos
diferentes e perceber-se o modo como tem evoluído a composição social desta
população. Observe-se o quadro 4.

263
CABRITO, B. G.; CERDEIRA, L. • Democratização e privatização da educação em Portugal

Quadro 4 – Situação económica dos estudantes do ensino superior: nível de


rendimento mensal do agregado familiar, em euros

Nível de rendimento Ano lectivo


1994-1995 (*) 2004-2005 (**) 2010-2011 (***)
Baixo (1) 12,5 8,5 18,0
Médio (2) 69,9 73,8 43,8
Elevado (3) 17,6 17,7 38,2

Fonte: Cabrito, 2002; Cerdeira, 2009; Cerdeira, Cabrito, Patrocínio, Machado & Brites, 2014.
Nota: Rendimento baixo < 870 •/mês; Rendimento Médio 870-1500 •/mês; Rendimento
médio alto/elevado < 1500 •/mês

Os valores do quadro evidenciam uma alteração significativa na origem


económica dos estudantes do ensino superior, contraditória ao longo do perío-
do em análise e em contra-corrente com o processo de democratização da edu-
cação. É indiscutível a mudança que ocorreu entre os anos anteriores e posterio-
res à Revolução de 1974, dado que a situação pré-revolução se caracterizava por
um número diminuto de estudantes que pertenciam aos estratos relacionados
com o grande capital e a governação e que garantiam a reprodução social.
No entanto, o ensino superior mantém-se um ensino de elites, com eleva-
das percentagens de jovens oriundos dos estratos sociais mais favorecidos, em
detrimento dos restantes. Ao longo do período em análise cabe assinalar que
aumento a natureza elitista deste nível de ensino, como se pode concluir pela
evolução muito positiva do peso do estrato dos estudantes oriundos de famílias
de rendimentos elevados no conjunto desta população, acompanhado de uma
quebra do peso dos restantes.
No período analisado, os estratos mais favorecidos mais que duplicaram
a sua participação no número total de estudantes no ensino superior (17,6%
para 38,2) enquanto os restantes sofreram uma quebra significativa (de 82,4%
para 61,8%). Nesta evolução, saliente-se que nos últimos anos se verifica uma
quebra muito grande do peso dos jovens oriundos da classe média a frequentar o
ensino superior, testemunhando a perda de capacidade económica deste estrato
social, em virtude da crise financeira por que passa o país. Na verdade, a classe
média tem vindo a empobrecer mantendo, todavia, a vontade de qualificar os
seus filhos.

264
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

2.2.4 O financiamento do ensino superior: desresponsabilização do Estado


Naturalmente, para cumprir a escolaridade obrigatória e responder à pro-
cura de educação superior nos anos posteriores à Revolução de Abril, foi neces-
sário um enorme esforço financeiro realizado pelos governantes, como se perce-
be quando se analisa a evolução das despesas em educação efectuadas pelos
sucessivos governos, e que pode perceber-se nomeadamente pelas despesas edu-
cativas per capita realizadas pelo Estado com a educação ou a parte do PIB gasto
com educação. Observe-se o quadro 5:

Quadro 5 - Despesas do Estado em educação: execução orçamental per capita (em


euros)

Anos Montante Anos Montante


1972 2,60 • 2010 809,50 •
1980 26,50 • 2011 746,20 •
1990 209,40 • 2012 629,80 •
2000 602,80 • 2013 679,80 •
2005 696,60 •

Fonte: Elaborado a partir de DGO/MF, INE, PORDATA (Última atualização: 2015-04-01)

Os valores do quadro testemunham bem um país que conheceu, num


período pequeno, duas políticas bem contraditórias: democratização, por um
lado; “contra-democratização”, por outro. Analise-se, a propósito, a evolução
das despesas per capita do Estado com a educação antes e depois de 2010. Em
2013, o Estado Português gastou em média, em educação, com cada cidadão
menos do que em 2005.
Esta contra-revolução silenciosa é bem patente, também, na evolução do
percentual do PIB despendido com a educação. Também relativamente a esta
grandeza se assistiu a um crescimento inicial acentuado daquela percentagem a
que se seguiu um crescimento praticamente nulo e uma quebra acentuada nos
últimos anos.

265
CABRITO, B. G.; CERDEIRA, L. • Democratização e privatização da educação em Portugal

Quadro 6 – Despesas do Estado em educação: execução orçamental em % do


PIB

Anos Montante Anos Montante


1972 1,4 2010 4,8
1980 3,1 2011 4,5
1990 3,7 2012 3,9
2000 4,8 2013 4,2
2005 4,6

Fonte: Elaborado a partir de DGO/MF, INE, PORDATA (Última atualização: 2015-03-26)

De igual forma, esta contra-revolução nascida nos corredores do poder é


bem notória quando se analisa a despesa que os governos têm realizado nas
últimas décadas. Observe-se o quadro 7.

Quadro 7 – Despesa por aluno (em euros, preços correntes, alunos inscritos em
todos os níveis de ensino)

Fonte: Elaborado a partir de DGO/MF, INE, PORDATA (Última atualização: 2015-04-01)

A análise dos valores do quadro é bem reveladora das duas tendências na


educação que vêm caracterizando a educação, em Portugal: a diminuição pro-
gressiva do número de alunos, sendo que esta tendência é mais preocupante
tendo em conta o enorme crescimento que a educação pré-escolar conheceu nos
últimos anos; e, a diminuição do financiamento do Estado ao ensino público,
com a tendência para estagnar ou mesmo diminuir, a despesa efectuada por
aluno, situação que se ajusta bem à política neoliberal conduzida pelos últimos
anos.

266
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

2.2.5 O financiamento do ensino superior: o processo de privatização


Neste movimento de desresponsabilização do Estado pelo ensino supe-
rior que parece afectar a evolução futura deste subsistema de ensino, não pode
ignorar-se dois eventos que marcaram, de forma decisiva, a privatização deste
sector educativo que, antes da Revolução de Abril, era disponibilizado quase em
exclusividade pela universidade pública (só existia a Universidade Católica e 2
ou 3 outras pequenas instituições como o ISPA).
Em primeiro lugar, a “abertura” do ensino superior à iniciativa privada
em 1986. De facto, antes da Revolução de Abril o ensino superior público era
quase exclusivo. Com as universidades públicas coexistia, nessa altura, a Uni-
versidade Católica Portuguesa ao abrigo de um Acordo com a Santa Sé e que
não tinha reconhecido o grau de ensino superior.
Todavia, imediatamente à Revolução de Abril, a situação alterou-se de
forma significativa. Em virtude de uma procura explosiva de educação superior,
a que a universidade pública não conseguia dar resposta (apesar da criação de
novas universidades e dos institutos politécnicos), foi-se acumulando na socie-
dade portuguesa candidatos ao ensino superior que não conseguiam entrar nos
estabelecimentos públicos cujas vagas eram anualmente fixadas pelo Ministério
da Educação.
Em consequência, e de forma relativamente desorganizada e “ilícita”,
foram surgindo universidades e institutos superiores privados que se constituí-
am como uma outra alternativa aos candidatos que não tinham conseguido en-
trar no ensino superior público. Estas instituições disponibilizavam cursos supe-
riores para uma procura já existente, ao mesmo tempo que procuravam a sua
homologação junto do Ministério da Educação. Esta oferta cresceu rapidamen-
te, atingindo em poucos anos cerca de 25% de todos os jovens que frequentavam
o ensino superior.

Quadro 8 – Número de estudantes inscritos no Ensino Superior pela 1.ª vez no


1º ano, nas últimas décadas

Tipo de Ensino 1995/96 2000/01 2008/09 2009/10 2010/11 2011/12 2012/13


Ensino Superior Público 47 450 65 929 87 988 94 400 102 895 94 481 89 067
Ensino Superior Privado 33 633 27 320 27 384 27 914 28 613 22 095 17 182
Total 81 083 93 249 115 372 122 314 131 508 116 576 106 249

Fonte: Elaborado a partir de Inquérito ao Registo de Alunos Inscritos e Diplomados do En-


sino Superior, DGEEC/MEC, 20 de Dezembro de 2013.

267
CABRITO, B. G.; CERDEIRA, L. • Democratização e privatização da educação em Portugal

Os valores do quadro 8 mostram bem a tendência futura de diminuição


da procura de educação superior, particularmente no que respeita ao ensino
superior privada, pelos recursos financeiros que exige.
No sentido de regular uma situação que existia, realmente, sem qualquer
norma e, portanto, com perigos evidentes para os estudantes, o governo decidiu
reorganizar aquela oferta “abrindo” o ensino superior” à iniciativa privada. Com-
preendendo-se a necessidade de regulamentação desta oferta privada que foi
nascendo sem qualquer garantia de continuidade e de qualidade, a decisão go-
vernamental foi a adequada.
Todavia, não pode ignorar-se que, por um lado, este facto iniciou de for-
ma oficial o ensino superior privado num país onde só existia ensino superior
público; e, por outro, que estes estabelecimentos tinham procura/um público
mesmo antes de serem criados em virtude do número enorme de candidatos ao
ensino superior público e que a ele não conseguiam aceder fundamentalmente
pela inexistência de vagas suficientes, isto é, pelo facto de o governo ter estabele-
cido um numerus clausus que, anualmente, garantia a sobrevivência das institui-
ções privadas. Se se der atenção ao facto de que este processo de abertura do
ensino superior ao capital privado foi levado a cabo por um governo de centro-
direita cujos representantes ou amigos e familiares tinham interesses nas no-
vas instituições privadas, percebe-se a natureza política de ataque ao ensino
superior público.
Um outro evento que marca, decisivamente, a desresponsabilização do
Estado face ao ensino superior, foi o estabelecimento, também por outro gover-
no centro-direita, de uma taxa de frequência (designada, em Portugal, por pro-
pina) nas instituições públicas de ensino superior em 1992. Se bem que o ensino
superior público nunca tenha sido gratuito (antes da Revolução de Abril a propi-
na afastava da universidade os “indesejáveis”, aqueles que não estavam destina-
dos a fazer a reprodução do status quo), em 1992, tendo em atenção todas as
conquistas pós-Revolução, nomeadamente de emprego e salarial, a taxa de fre-
quência/propina exigida assumia um valor simbólico (de 1200 escudos/ano, o
equivalente a 6 euros). Todavia, em 1992, aquele valor simbólico foi actualizado
de forma muito vigorosa, dando início a um papel muito importante dos estu-
dantes e respectivas famílias no financiamento do ensino superior. No ano lecti-
vo de 1984-85 aquela taxa de frequência cresceu para 400 euros.
Observe-se o quadro 9 que indica as receitas arrecadadas pelas institui-
ções públicas de ensino superior através das taxas de frequência, na última
década.

268
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Quadro 9 – Propinas pagas pelos estudantes. Continente (em milhões de euros)

Anos 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Valor 187 212 234 257 278 283 279 303 307

Fonte: CNE (2014)- O Estado da Educação 2013, pg. 277

O crescimento do montante arrecadado pelas instituições públicas de en-


sino superior veio, de alguma forma, colmatar a quebra progressiva das dota-
ções orçamentais para este nível educativo. Observe-se o gráfico 3 abaixo que
indica a forma como tem vindo a evoluir o valor das diversas fontes de financia-
mento dos estabelecimentos públicos de ensino superior nos últimos anos, em
Portugal e que revela um processo indesmentível de privatização do ensino su-
perior público concretizado na substituição progressiva do Estado no financia-
mento destes estabelecimentos, pelo contributo dos estudantes e pelas receitas
próprias que as instituições conseguem obter pela prestação de serviços à comu-
nidade.

Gráfico 3 - Receitas Arrecadadas por Fonte de Financiamento/ Aluno

Fonte: Cerdeira (2014). Elaborado a partir de dados de DGPGF/MEC.

269
CABRITO, B. G.; CERDEIRA, L. • Democratização e privatização da educação em Portugal

O peso das propinas/taxas de frequência é hoje superior a 18% do orça-


mento das instituições públicas de ensino superior, evidenciando o papel que
estudantes e famílias representam no financiamento e sobrevivência destas ins-
tituições e denotando todo um processo político intencional de privatização deste
nível educativo.

Gráfico 4 – Peso % das Receitas Arrecadadas por Fonte de Financiamento

Fonte: Cerdeira (2014). Elaborado a partir de dados de DGPGF/MEC.

3. Autonomia das instituições do ensino superior e governança: O


RJIES – Regulamento Jurídico das Instituições de Ensino Superior
Desde finais da década de 1990, tem-se assistido a um movimento de
reformas e de reestruturação dos sistemas educativos de nível superior, com o
objectivo de os adaptar melhor às necessidades das sociedades e de formação
superior. Este movimento de reforma tem ocorrido à escala mundial. Estas re-
formas, têm exigido grandes mudanças nas instituições de ensino superior que
têm de mostrar a sua capacidade de serem eficientes na administração de recur-
sos financeiros cada vez menores que lhes são afectos pelos governos.
Em Portugal, como foi indicado em secção anterior, a comparticipação
financeira do Estado para o orçamento do ensino superior público diminuiu
drasticamente desde meados da década de 1990. Universidades e institutos su-

270
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

periores politécnicos públicos têm convivido com uma procura crescente de edu-
cação e uma contribuição financeira decrescente por parte do Orçamento do
Estado. Perante este défice de financiamento, estas instituições têm procurado
novas fontes de financiamento. A primeira grande fonte de financiamento exter-
no que iniciou este processo de privatização da educação superior pública, foi o
estudante e respectiva família.
Todavia, uma vez que as taxas de frequência não podem crescer indefini-
damente, por incapacidade de pagamento por parte dos estudantes, estes estabe-
lecimentos procuram novas fontes externas, nomeadamente através da presta-
ção de serviços à sociedade, de contratos de investigação aplicada, de mecenato
prosseguindo uma política que se desenvolve também a nível mundial, a da di-
versificação das fontes de financiamento e de partilha de custos (Johnstone, 1998,
2004). Obviamente, esta procura de financiamento externo pode colocar e risco
a autonomia e liberdade destas instituições. De facto, dependentes do financia-
mento externo, é possível que as decisões por parte dos órgãos de governo destas
instituições sejam condicionadas pelas vontades e necessidades dos seus finan-
ciadores, colocando em risco a autonomia das instituições de ensino superior,
em particular as universidades (Charle, Buono, Gaubert & Soulié, 2004).
É neste quadro que se vem assistindo nas universidades, mormente as
europeias, a uma alteração do tradicional modelo de governação que assentava
na comunidade académica para um reforço de poder dos órgãos executivos e de
supervisão compostos por elementos da comunidade académica e, também, por
elementos externos à instituição, indivíduos provenientes dos diversos sectores
da comunidade e que terão por objectivo a aproximação das instituições à
sociedade e ao mercado. Nestas circunstâncias, a tomada de decisão passa pelos
objectivos daqueles membros externos que, representando os diversos sectores
da sociedade, podem colocar em risco a autonomia da universidade que se en-
contra cada vez mais dependentes do mercado.
Ora, em Portugal, em 2007, foi publicado o novo Regulamento Jurídico
das Instituições de Ensino Superior (RJIES) que pode contribuir para a perca de
autonomia destas instituições de ensino. A autonomia universitária é uma das
características do sistema de ensino superior português garantida pela Consti-
tuição da República Portuguesa, 1.ª Revisão (1982), ao estabelecer no seu artigo
76.º: “As universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia científica, pe-
dagógica, administrativa e financeira”. Mais tarde, a Lei de Bases do Sistema
Educativo (Lei n.º 48/86, de 14 de Outubro) e a Lei de Autonomia das Univer-
sidades (Lei n.º 108/88, de 24 de Outubro) criaram as bases para um governo
democrático e colegial das universidades, reforçando a autonomia de que go-
zam. De igual forma, os institutos superiores politécnicos gozam de autonomia

271
CABRITO, B. G.; CERDEIRA, L. • Democratização e privatização da educação em Portugal

estabelecida por legislação específica (Lei n.º 54/90 de 5 de Setembro – dedica-


da ao estatuto, autonomia, organização, administração e gestão).
Todavia, esta autonomia pode ser posta em causa com a Lei n.º 62/2007,
de 10/9, o RJIES. Este diploma legal estabelece então o novo regime jurídico
IES (IES) e define, no seu capítulo IV, o governo e a gestão das Instituições de
Ensino Superior. Assim, o governo das universidades e dos institutos universitá-
rios é, conforme o art.º 77 exercido pelo: “a) Conselho Geral; b) Reitor; c) Con-
selho de Gestão (…)”. No que respeita aos Institutos Politécnicos (art. 78.º) o
governo destas instituições é exercido pelos: “a) Conselho Geral, b) Presidente e
c) Conselho de Gestão. (…)”. Com a fixação destes órgãos de governo das IES,
o RJIES concretiza a entrada da sociedade civil nestas instituições, através do
seu Conselho Geral. Observe-se a composição e competências principais do Con-
selho Geral das instituições de ensino superior, no quadro 10.

Quadro 10 – Composição e principais competências do Conselho Geral

Composição do CG Principais competências do CG


De acordo com o art.º 81 do diploma, Art.82.º: “(…)
este Conselho é composto por 15 a 35 d) organizar as eleições e eleger o reitor ou presiden-
membros (art. 81º), dependendo da te; e) apreciar os actos do reitor ou presidente e do
dimensão de cada instituição, e é cons- conselho de gestão; f) propor iniciativas que conside-
tituído por: re necessárias ao bom funcionamento da instituição
a) representantes dos professores e in- (…) e, sob proposta do reitor ou presidente, compete-
vestigadores, eleitos pelo conjunto de lhe ainda:
professores e investigadores da insti- “a) a aprovação dos planos estratégicos de médio pra-
tuição, devendo constituir mais de me- zo e para o tempo do mandato (requer apreciação de
tade do conselho; parecer a elaborar e aprovar pelas personalidades ex-
b) representantes dos estudantes, elei- ternas);
tos pelos pares da instituição e devem b) a aprovação das linhas gerais de orientação da ins-
representar 15% da totalidade deste ór- tituição no plano científico, pedagógico, financeiro e
gão e patrimonial (requer apreciação de parecer a elaborar
c) personalidades externas de reconhe- e aprovar pelas personalidades externas);
cido mérito, que não pertencem à ins- c) a criação, transformação ou extinção de unidades
tituição mas cujos conhecimentos e ex- orgânicas;
periência são relevantes para esta, são
d) a aprovação dos planos anuais de actividades e a
eleitos pelos professores, investigado-
apreciação do relatório anual da instituição;
res e estudantes e devem representar
30% deste órgão e) aprovação da proposta de orçamento;
f) aprovação das contas anuais consolidadas, acom-
panhadas do parecer do fiscal único (requer aprecia-
ção de parecer a elaborar e aprovar pelas personalida-
des externas);

272
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

g) fixação das propinas aos estudantes;


h) propor ou autorizar, conforme a lei, a aquisição ou
alienação de património imobiliário da instituição,
assim como operações de crédito e
i) pronunciar-se sobre os restantes assuntos apresen-
tados pelo reitor ou presidente”

Fonte: Elaborado pelos autores com base no RJIES.

Da análise do Quadro 10 conclui-se acerca do papel importante que o


Conselho Geral desempenha nas instituições de ensino superior e, portanto, o
papel dos membros não pertencentes à Academia no desenho da missão, dos
objectivos e das questões de financiamento respectivos. Com este diploma, as
instituições de ensino superior foram oficialmente abertas à influência externa,
sendo expectável o incremento da sua dependência face ao mercado.
Pelo facto de o RJIES ser um diploma recente e pela ainda inexistência de
investigação sobre a influência dos membros externos do Conselho Geral na
governação das instituições públicas de ensino superior, não é possível afirmar
até que ponto o RJIES irá operar a sua privatização; todavia, é um facto que este
diploma abre a porta a este novo processo de privatização do ensino superior
público.

4. Conclusão: Uma democratização negada


Pelos números anteriormente apresentados, ficam claras algumas das al-
terações significativas na educação em Portugal, no período democrático. Toda-
via, se é certo que o direito à educação se mantém como um dos direitos esta-
belecidos pela Constituição da República Portuguesa, também é verdade que
se tem vindo a perceber uma inflexão neste domínio, em grande parte em con-
sequência de opções por parte do poder político que se têm traduzido num pro-
cesso continuado de privatização dos serviços de natureza social nomeadamen-
te o educativo, fazendo perigar as designadas “conquistas democráticas de Abril”,
nomeadamente a “educação pública”.
São diversos os sintomas de privatização da educação, de que decorrem
problemas de expansão e de acesso e que as análises anteriores permitem perce-
ber: diminuição do ritmo de procura de educação; quebra das despesas do Esta-
do em educação; estabelecimento de uma propina para a frequência do ensino
superior público; procura de diferentes fontes de financiamento; abertura do
ensino superior ao capital privado; diminuição da procura de educação superior;
novas formas de governação; etc.

273
CABRITO, B. G.; CERDEIRA, L. • Democratização e privatização da educação em Portugal

Desde há alguns anos verifica-se, pois, uma forte tendência para a privati-
zação da educação superior pública em Portugal, resultante de medidas de polí-
tica de natureza liberal que surgem em contra-corrente com o processo de demo-
cratização, uma espécie de contra-democracia no dizer de Rosanvallon (2006),
que contraria expectativas decorrentes do processo de democratização e que se
os governos continuarem a alimentar, acabará por desembocar numa situação
de carência educativa do país e num retrocesso do desenvolvimento e da demo-
cracia de que os portugueses dificilmente recobrarão nas próximas décadas.

Referências
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274
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

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275
Dinámicas público-privadas en el posgrado en
Argentina: redefiniciones de las tradicionales
fronteras en la educación superior

Estela M. Miranda
Dante J. Salto

Introducción
La educación superior pública en Argentina se ha caracterizado,
históricamente, por estar íntegramente financiada por el gobierno nacional. Más
allá de intentos por introducir la noción de educación superior como bien privado
por parte de gobiernos de tendencia neoliberal, sigue siendo fundamentalmente
gratuita para los estudiantes en el nivel de grado porque es considerada un bien
público. Sin embargo, los posgrados no forman parte del presupuesto anual que
reciben las universidades nacionales, y se autofinancian con los aranceles de los
estudiantes (Lvovich, 2009).
En Argentina si bien se reconoce la existencia del posgrado en el origen
de la Universidad (Universidad Nacional de Córdoba, 1613), bajo la forma
tradicional y meramente honorífica del doctorado, Pedro Krotsch (1996) sostiene
que hasta los años ochenta las iniciativas existentes se caracterizan por su carácter
“espontáneo” e “informal”, “una región olvidada”. La evolución cuantitativa y
las transformaciones cualitativas comenzaron a consolidarse a mediados de los
años noventa como consecuencia, entre otras, del aumento en las relaciones e
intercambios académicos y de investigación científica entre las universidades
argentinas, con los países centrales y latinoamericanos y la introducción de
mayores exigencias académicas locales e internacionales que generaron la
necesidad de acceder a credenciales de nivel cuaternario (Jeppesen, Nelson, &
Guerrini, 2004; Krotsch, 1996).
La institucionalización de los posgrados en Argentina, sin embargo, careció
de una planificación adecuada, tanto desde las políticas gubernamentales como
de las instituciones universitarias, dando como resultado una oferta desarticulada
y heterogénea en términos de organización y calidad. A ello se agrega la ausencia
de financiamiento público a la oferta, que introduce dinámicas privadas más
relacionadas al mercado que al planeamiento institucional (Salto, 2014).

276
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Las tradicionales fronteras entre lo público y privado se vuelven cada vez


más difusas, dando lugar a híbridos que no existían en la estructura tradicional
de las universidades argentinas. En gran medida, este tipo de cambios lleva como
principal tendencia a una intensificación en la competencia de mercado, tanto
en universidades públicas como privadas. Este tipo de competencia se basa en
cómo las universidades buscan obtener recursos y como los invierten (Levy,
2006a). Basadas en principios de la Nueva Gestión Pública (NGP), las reformas
del Estado en Argentina en los noventa han estado signados por una mayor
búsqueda de diversificación en la obtención de recursos para sostener los tres
pilares de las universidades: docencia, investigación y extensión.
Este capítulo aborda, desde una perspectiva socio-política, la convivencia
de dinámicas públicas y privadas en el posgrado en Argentina. Para ello, en un
primer momento se señalan los cambios en el papel del Estado en el marco de
reformas más abarcativas de todo el sector público. En segundo lugar, se analizan
los cambios introducidos en las políticas de regulación del posgrado, mostrando
las modificaciones a través del tiempo. En un tercer momento, se presenta un
panorama del posgrado argentino en la actualidad, en gran parte moldeado por
el tipo de crecimiento que dio respuestas a las demandas del mercado. Por último,
se plantean algunas consideraciones a partir de los desafíos que enfrentan los
posgrados en este contexto.

Redefiniciones en el papel del Estado y debilitamiento de las fronteras


entre lo público y lo privado
Vera Peroni (2013) ubica las redefiniciones en el papel del Estado y los
cambios en las fronteras entre lo público y lo privado, en el marco de la profunda
crisis actual del capital; interpretando que el neoliberalismo, la globalización y
la tercera vía son las estrategias del capital para intentar minimizar la caída de
las tasas de ganancias. Para el caso Brasil, la autora reconoce diferentes “formas
de materialización de las relaciones entre lo público y lo privado en las políticas
educacionales actuales”, distinguiendo tres procesos: las asociaciones entre las
instituciones del tercer sector y los sistemas públicos de educación, la asesoría
de instituciones privadas que influencian en las políticas públicas brasileñas y
los programas gubernamentales que traen la lógica gerencial para el sistema
público de enseñanza.
Para João Barroso (2013) la reconfiguración del Estado en la
administración de las acciones públicas y en sus formas de gobierno puede asumir
diferentes sentidos, desde formas extremas de privatización de los servicios
públicos o de creación de “cuasi mercados” educativos, basados en la “libre

277
MIRANDA, E. M.; SALTO, D. J. • Dinámicas público-privadas en el posgrado en Argentina

elección”, a otras modalidades más leves, en las que preservando la intervención


estatal se flexibilizan los modos de control a través de la contractualización y la
evaluación de resultados. Reconociendo posicionamientos extremos en el debate
sobre las relaciones público y privado en educación, sostiene que se estaría
produciendo “una hibridación de lo público y de lo privado y una complejización
de sus relaciones”, como resultado de “una progresiva dilución de las fronteras
éticas, filosóficas y religiosas, que tradicionalmente diferenciaron, desde el punto
de vista institucional los dos sistemas”. El autor advierte sobre la importancia
de ubicar el debate sobre el papel de lo público y lo privado en la educación
como una cuestión política y no meramente como “un debate técnico sobre la
mejor forma de organizar o dirigir las instituciones educativas”.
Ball y Youdell (2007) sostienen que en el marco de las reformas del sector
público se están produciendo “formas de privatizacioìn en la educacioìn puìblica
y de privatizar algunas parcelas de la educacioìn puìblica”. Distinguen entre 1)
“privatización en la educación” o “privatización endógena”, definida como
“formas de privatizacioìn (que) implican la importacioìn de ideas, meìtodos y
praìcticas del sector privado a fin de hacer que el sector puìblico sea cada vez
más como una empresa y crecientemente comercial” y 2) “privatización de la
educación” o “privatización exógena” como “la apertura de los servicios de
educacioìn puìblica a la participacioìn del sector privado, a traveìs de modalidades
basadas en el beneficio econoìmico, asiì como la utilizacioìn del sector privado
en cuanto a la concepcioìn, la gestioìn o la provisioìn de diferentes aspectos de la
educacioìn puìblica”. Los autores advierten sobre el crecimiento a gran velocidad
de esta segunda forma de privatización, no obstante ser de reciente aparición se
encuentra altamente consolidada. Además, ambas formas de privatización están
interrelacionadas y muchas veces la participación directa del sector privado en
la educación puede estar antecedida de medidas de “cuasi mercado”. Los autores
destacan que la “forma de mercado es el principal mecanismo de privatizacioìn
encubierta en la educacioìn”.
Este conjunto de aspectos se vinculan con lo que se dio en llamar el
paradigma de la Nueva Gestión Pública (NGP). Las reformas promovidas por
la NGP buscan generar rediseños organizacionales en instituciones del sector
público para lograr mayores niveles de eficiencia y promover su calidad, todo
ello basado en prácticas ya existentes en el sector privado. De acuerdo a Perrow
(1986), abordajes como el NGP se basan en principios de la economía neoclásica,
que trabaja bajo supuestos que no se encuentran en situaciones de la vida real: 1)
existencia de mercados perfectamente competitivos; 2) obtención de información
sin costos; 3) economía descentralizada; 4) racionalidad ilimitada por parte de
los actores involucrados; 5) y una habilidad sobrenatural para realizar cálculos y

278
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

predecir el futuro. Estos supuestos se han traducido en políticas que buscan


generar maximización de las utilidades, mercados competitivos y privatización
en sus diversas formas (Simon, 2000).
Para el caso británico, Ferlie, Musselin y Andresani (2008) enumeran una
serie de cambios en políticas de educación superior que implicaron la introducción
de principios de la NGP:
-Introducción de reformas basadas en lógicas de mercado, a partir de la
promoción de la competencia por atraer estudiantes y financiamiento para la
investigación y de la apertura del sistema a mayor oferta por parte del sector
privado;
-Cálculo de precios totales para el establecimiento de aranceles por cursos;
-Endurecimiento de los controles financieros a nivel central debido a
restricciones presupuestarias;
-Elaboración de mecanismos explícitos de medición y seguimiento del
desempeño en la docencia y la investigación;
-Concentración de la mayor parte de los fondos en las universidades con
altos niveles de rendimiento (efecto Mateo);
-Direccionamiento (a distancia) del sistema a través de objetivos explícitos
y contratos de desempeño;
-Desarrollo de rectorías centralizadas con personal proveniente del sector
empresarial;
-Entrenamiento en roles de gestión por parte de académicos de trayectoria;
-Crecimiento de los mecanismos de pago por mérito para profesores/
investigadores.
Es evidente que no todos los países a nivel mundial han confluido en el
mismo sentido. King (2007) señala que a pesar de la existencia de un discurso
dominante, han existido variaciones a nivel nacional. Sin embargo, también
destaca que esas variaciones dependen del rol que históricamente se ha dado al
Estado y al resto de las instituciones del capitalismo. De esta manera, países
donde el mercado ha sido el principal ordenador de las políticas públicas (tal
como es el caso de Estados Unidos) ha tenido un giro, al menos en políticas de
educación superior, hacia el Estado. Ese giro se advierte mediante las crecientes
regulaciones e intervención misma del gobierno federal en políticas que antes se
dejaban libradas al mercado. Por otro lado, los sistemas de educación superior
que han tenido una mayor presencia del Estado, ya sea en el diseño de políticas
para el sector o para el financiamiento del mismo, han experimentado un
corrimiento hacia principios del mercado. De esta manera, si bien las tendencias
presentadas por Ferlie, Musselin y Andresani (2008) describen la realidad de lo
sucedido en el Reino Unido, en diferentes países incluidos Argentina, el Estado

279
MIRANDA, E. M.; SALTO, D. J. • Dinámicas público-privadas en el posgrado en Argentina

ha promovido la introducción en menor o mayor medida y con mayor o menor


éxito en su implementación, de la mayoría de estos preceptos.
En el caso del posgrado en Argentina, el mismo representaba la posibilidad
de expandir un área separada de la estructura tradicional de gobernanza (García
de Fanelli, 2005) y obtener recursos adicionales tanto para docentes como para
las instituciones en el marco de una década (1990) en la que los salarios se
depreciaron en términos reales (Groisman & García de Fanelli, 2009). Este tipo
de desarrollos fue promovido por la política de educación superior en ese
momento, que a través de la Ley de Educación Superior (1995) habilitó a las
universidades públicas a obtener recursos adicionales a través de la introducción
de aranceles, por ejemplo. Además, esto implicó la extensión de la generación
de recursos por fuera de las prácticas más establecidas de cobro por consultorías
u otras vinculaciones con el sector productivo. Se estaba incorporando la lógica
del mercado a la oferta de enseñanza, a través del arancelamiento de los posgrados
y de la venta de servicios al sector público (estatal) y privado, en las universidades
públicas.
En la última década, los gobiernos nacionales que se sucedieron a partir
del año 2003 se caracterizaron por lo que Suasnábar y Rovelli (2012) definen
como “el giro hacia un neointervencionismo estatal” expresado, principalmente,
en: el aumento sostenido del presupuesto universitario y la creación del Ministerio
de Ciencia y Técnica con un incremento de los recursos presupuestarios1 que
acompañó la apertura de nuevas líneas de financiamiento a la investigación
científica y el aumento extraordinario del número de becas de CONICET para
la realización de posgrados (doctorados). Sin embargo, las políticas universitarias
de ese período se caracterizaron por “la escasez de lineamientos gubernamentales
para el conjunto del sistema” o la ausencia de “clara política universitaria” sobre
cuestiones no resueltas de la década anterior; que en el caso de los posgrados se
podría interpretar como una “naturalización de las prácticas académicas”
introducidas en la década del noventa (Chiroleu & Iazzetta, 2012).

1
“El gasto en educación, ciencia y técnica se incrementó en un 0,6% del PBI entre los dos
puntos de comparación (2001-2003 versus 2007-2009) y el gasto universitario en particular,
creció 0,3% del PBI en ese período” (Suasnábar & Rovelli, 2012).

280
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Orígenes y expansión de los posgrados. Un análisis desde los


mecanismos de regulación2

Gobernanza del posgrado en la etapa pre-regulatoria: academia y mercado


Para una reconstrucción histórica sobre la conformación del nivel de
posgrado en Argentina es posible establecer una serie de etapas de desarrollo.
Primero, una fase pre-regulatoria que podemos identificar en los orígenes del
posgrado en universidades públicas tradicionales principalmente ligada al
desarrollo disciplinar de las comunidades científicas a partir del establecimiento
de programas doctorales. Por ejemplo, la universidad más antigua del país, la
Universidad Nacional de Córdoba, creó sus primeras carreras de doctorado en
Economía y en Filosofía entre 1936 y 1940. Las carreras de doctorado
monopolizaron la escena hasta 1955, cuando la universidad creó las primeras
carreras de especialización principalmente para la formación de médicos en
especialidades (Ares Bargas, Escudero, & Salto, 2010). La academia, lo que
Burton Clark (1983) denominó oligarquía académica, dominó la escena en estos
primeros pasos del subnivel de posgrado en Argentina. La academia estuvo a
cargo de crear las carreras a través de un desarrollo desde las bases, fijar los
requisitos académicos y administrativos (cursos, tesis, etc.) y cobrar aranceles a
estudiantes.
Una segunda etapa presenta dos lógicas de crecimiento. Suplementando
las necesidades institucionales y disciplinarias del momento previo, esta etapa
se caracteriza por la explosión inesperada de carreras de posgrado, tanto en el
sector público y privado, donde el crecimiento impulsado por el mercado
comenzó a desempeñar un rol más importante. Como en toda etapa delimitada
en este análisis, el cambio es una cuestión de variación en una escala, lo cual
significa que el crecimiento impulsado por el mercado no implica una
disminución o inexistencia de crecimiento al mismo tiempo impulsado por
desarrollos académicos. Hacia 1994, universidades públicas y privadas crearon
un total de 246 maestrías (Lvovich, 2009), un tipo de carrera que tiende a crecer
más por impulso del mercado que de intereses propiamente académicos o
disciplinares. Desde 1985 y hasta la sanción de la LES, la academia continuó
jugando un rol preponderante pero el mercado comenzó a moldear la oferta de
carreras de posgrado a un ritmo más acelerado. Tal como se plantea en la tabla
1, el Estado cumplía un rol mínimo, principalmente a través del financiamiento
de becas para financiar carreras de doctorado.

2
Esta sección ha sido revisada y traducida del original publicado en Salto (2014).

281
MIRANDA, E. M.; SALTO, D. J. • Dinámicas público-privadas en el posgrado en Argentina

Tabla 1: Etapas regulatorias en el posgrado en Argentina

Período
Pre 1985 1985-1995 Post 1995
Tipo de Desregulada Desregulada Regulada
competencia por el Estado por el Estado por el Estado
Tipo de Auto-regulación Auto-regulación Regulación estatal
regulación académica del mercado para la competencia
Coordinación Estado Baja (por medio de becas a Medio-Alta (por ley
estudiantes de doctorado) y agencias del
Estado)
Oligarquía Alta (creación de carreras sin Media (necesidad de
académica necesidad de aprobación aprobación
gubernamental) gubernamental;
participación de
pares académicos en
la acreditación de
carreras)
Mercado Baja Alta (oferta Medio-Alta
basada en (regulación estatal
necesidades del diseñada para
mercado) fortalecer el
mercado)

Fuente: Salto (2014) en base a Clark (1983); Jordana & Levi-Faur (2004).

La naturaleza no regulada de la educación de posgrado condujo a una


estructura de gobernanza fuertemente ligada al mercado, donde los estudiantes
son concebidos como “clientes”. En un fuerte contraste con las modalidades de
gobernanza existentes en las universidades públicas argentinas, los estudiantes
de posgrado son considerados por las estructuras como individuos consumidores
más que actores organizados dentro de las universidades. Se ubica cercano al rol
del estudiante en el modelo norteamericano que se caracteriza por una mezcla
entre ambas concepciones, pero con una prevalencia a considerar al estudiante
como un consumidor individual, en base a las diferentes posibilidades u opciones
que el “mercado” de educación superior ofrece a los estudiantes en dicho modelo.
Participación organizada implica iniciativas y actividades grupales en áreas del
gobierno de las universidades. Refiere principalmente a la capacidad de las
organizaciones de estudiantes para protestar o la existencia de mecanismos
formales en los órganos de gobierno reconocidos (Epstein, 1974). Universidades
de América Latina y públicas específicamente en Argentina tienen una tradición

282
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

de participación política y representación estudiantil en los órganos colegiados


de gobierno (que van desde los consejos de asesoría departamentales a posiciones
en órganos universitarios que se ocupan de asuntos críticos tales como elección
o remoción de rectores) (Krotsch, 2001). Sin embargo, a nivel de posgrado la
participación “política” se limita principalmente a opciones de consumo, ya que
los estudiantes de posgrado apenas están representados en los órganos consultivos
a nivel institucional. Este contraste tajante entre la participación de pregrado y
posgrado de los estudiantes en esferas institucionales de toma de decisiones
muestran cómo la gobernanza muestra cambios de época. En el momento en
que se propuso la participación colegiada en las universidades públicas, no existía
la formación de posgrado como la entendemos hoy en día.

Gobernanza del posgrado en la etapa post-regulatoria: mercado y Estado


Las dos primeras etapas caracterizan un nivel de posgrado no regulado
donde el Estado juega un papel menor, en su mayoría restringido a proporcionar
ayuda financiera a estudiantes de doctorado. Como se ha analizado, la transición
hacia un nivel de posgrado regulado va seguido por una tercera etapa dominada
por el papel de la agencia de acreditación. Como se señaló anteriormente, se
puede argumentar que los programas de posgrado proliferaron en una forma similar
como lo hicieron las instituciones de absorción de la demanda en la educación
superior privada. Como resultado, el estado siguió una lógica de regulación a
posteriori o delayed regulation (Levy, 2006b). Para el año 2008, carreras de
especializaciones y maestría dominaron el panorama de la educación de posgrado,
multiplicando casi cuatro veces su tamaño en comparación con 1994. La
acreditación puede servir no sólo como una manera de informar al mercado, sino
también y cada vez más para restringir el establecimiento de nuevos programas.
En el contexto del nuevo marco regulatorio, las universidades en Argentina,
sobre todo a nivel de posgrado, comenzaron a rendir más cuentas ante el Estado
y el mercado, mediante el fortalecimiento de la autoridad de la parte superior
del sistema y dando mayor prevalencia a la elección del estudiante y, por ello,
erosionando el poder de las cátedras en la parte inferior del sistema. Sin embargo,
la evaluación institucional y acreditación de los programas se basa fuertemente
en el mecanismo de revisión por pares. Por lo tanto, el poder de la “oligarquía
académica” no desapareció en ese nivel tampoco.
Una parte integral en el abordaje del espacio regulatorio se centra en las
actividades de monitoreo y ejecución que incluyen sanciones e incentivos. Por
ley, se requiere que todas las carreras de posgrado sean acreditadas a través de la
CONEAU. El proceso de acreditación sigue ciertos pasos que incluyen una etapa

283
MIRANDA, E. M.; SALTO, D. J. • Dinámicas público-privadas en el posgrado en Argentina

de revisión por pares. Los programas que no son acreditados no pueden seguir
otorgando diplomas (García de Fanelli, Kent Serna, Álvarez Mendiola, Ramirez
García, & Trombetta, 2001). Las carreras de posgrado también pueden solicitar
voluntariamente una categoría que los clasifica en estándares de calidad
preestablecidos. Sus propósitos siendo legitimidad en el mundo académico y en
especial en el mercado, para reducir la asimetría de información existente.
En lugar de regular a través de la propiedad pública (Majone, 1996), el
estado se convirtió en un mediador entre las instituciones y el mercado mediante
la adopción de un tipo de regulación para la competencia (Jordana & Levi-Faur,
2004). El Estado ofrece incentivos a los programas de posgrado a través de la
subvención de la demanda mediante dos organismos principales: el Consejo
Nacional de Investigaciones Científicas y Tecnológicas (CONICET) y la Agencia
Nacional de Promoción Científica y Tecnológica (ANPCyT). Ambos organismos
siguen un enfoque de financiamiento basado en la demanda que promueve la
elección de los estudiantes y la competencia entre programas de doctorado con
el fin de atraer esos fondos.
La acreditación funciona junto a la categorización de los carreras
individuales. Por ejemplo, los programas ganan mejor reputación cuando
categorizan “A” o “B” en lugar de “C” o no categorizado. Las agencias de
investigación han legitimado el ranking de los programas de posgrado. Busto
Tarelli (2007) menciona que las tres primeras convocatorias de propuestas (1997/
99) de ANPCYT requerían que el estudiante haya elegido una carrera acreditada
y categorizada. Esa política se modificó en 2000, cambiando el requisito de
categorización por una preferencia. Por lo tanto, los estudiantes tienen que
inscribirse preferentemente en una carrera acreditada. Esta realidad indica un
papel creciente del Estado en el fortalecimiento de la gobernabilidad a través del
mercado. CONICET también solía depender de la categorización, mediante la
concesión de becas a aquellos estudiantes matriculados en programas
categorizados “A” o “B”. En la actualidad, esa agencia sólo restringe las
aplicaciones a los estudiantes de posgrado que deseen seguir sus estudios en un
doctorado acreditado. Estas políticas que vinculan acreditación con
financiamiento fueron claramente diseñadas como una forma de informar al
mercado sobre diferentes opciones y promover el mejoramiento de la calidad a
través de la competencia.
Las carreras siguen diversas motivaciones cuando solicitan ser
categorizadas, en parte relacionadas con razones financieras. Por ejemplo, algunos
programas de cooperación internacional promovidos por el gobierno nacional a
través de la Secretaría de Políticas Universitarias (SPU) legitiman la clasificación
oficial de los programas de posgrado, ya que la elegibilidad para competir por

284
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

dicha financiación se basa en la categoría asignada durante el proceso de


acreditación.
Resulta factible, que las categorizaciones intenten informar al mercado
acerca de la calidad de las carreras. De esta manera uno de los principios de la
NGP, disminuir la asimetría de información, tiene una instrumentación directa.
Las carreras pueden compararse con otras similares y los estudiantes pueden
elegir de acuerdo a categorías oficiales qué tipo de carrera cursar.

Situación del posgrado en Argentina en la actualidad


El nivel de posgrado creció fuertemente durante la década de los noventa
aunque cabe destacar su falta de regulación previa a esa época. En parte, esa
ausencia normativa se debe al carácter reciente de ese nivel. La falta de
planificación institucional y estatal y de coordinación entre las instituciones del
sistema llevó al desarrollo de una variedad muy grande de oferta de posgrados,
con estructuras, cargas horarias, etc. La estructura del sistema de educación
superior en Argentina se constituye como un híbrido entre un modelo continental
europeo en el grado y un estadounidense, anglosajón en el posgrado (Salto, 2014).
Esto ha llevado a que el posgrado se inserte como un injerto, de difícil
combinación con el grado y de difícil articulación entre carreras del mismo nivel.
Solo como ejemplo, pocas instituciones ofrecen carreras de maestrías como parte
de doctorados. La coexistencia de una estructura de grado con carreras de larga
duración (5 y 6 años, teóricos) lleva a que el posgrado no tenga necesariamente
un orden progresivo donde los egresados del grado deban obtener una
especialización o una maestría para poder iniciar un doctorado. En muchos casos,
el nivel de especialización ya obtenido en el grado, permite al estudiante postular
directamente a una carrera de doctorado. Desde la comunidad académica también
existen críticas a la superposición de contenidos abordados en el grado y en las
carreras de especialización. Esto es lógico que suceda en un sistema donde el
grado ya incluye una orientación más especializada al final de la carrera. Los
sistemas con carreras de grado más cortas (3 y 4 años) solo brindan una formación
generalista a los estudiantes de grado, por lo tanto la superposición de contenidos
es menos posible.
Si bien existe un cuasi-mercado a nivel de posgrado, el doctorado suele
considerado más un bien público que uno privado. Desde la misma LES se
establece que el acceso a la carrera académica en universidades debe ser con
título máximo (doctorado). Sin embargo, 15 años después, al año 2012, sólo
9,60% de los docentes universitarios en el sector público cuentan con título de
doctorado (SPU, 2012). Ante la evidencia que sólo una minoría de los profesores

285
MIRANDA, E. M.; SALTO, D. J. • Dinámicas público-privadas en el posgrado en Argentina

que se desempeñan en instituciones de educación superior públicas cuentan con


título de doctorado, a partir de 2008 y por acuerdo de paritaria docente, los
docentes de universidades públicas que cuentan con título de doctorado perciben
un pago extra, como forma de incentivar la formación de los docentes. Otra
razón para plantear al doctorado cerca de la idea del bien público se debe a la
existencia de diferentes agencias del Estado, tanto nacional (CONICET y
ANPCYT) como provinciales, que financian la dedicación completa de
estudiantes de doctorados acreditados. Este tipo de financiamiento es inexistente,
o al menos no sistemático, para el caso de las especializaciones y maestrías.
Un factor que ayuda a considerar los doctorados como un bien público se
relaciona con su estructura. Los doctorados tradicionales tienden a tener una
estructura personalizada o con una currícula estructurada en base a la formación
previa del alumno y su área de especialización. En esos casos, y principalmente
en las ciencias básicas, los profesores de grado asumen la docencia e investigación
en el doctorado como una carga anexa a sus actividades de grado, sin percibir
remuneración extra. Esto permite que dichos doctorados sean prácticamente
gratuitos para los estudiantes o con aranceles muy bajos. Esto también los
diferencia de las especializaciones y las maestrías. Este tipo de carreras tienen
una estructura fija, al concebirse como espacios de formación en áreas
especializadas. Los docentes, que muchas veces son los mismos que en los
doctorados, suelen percibir honorarios extras por las actividades docentes que
llevan a cabo.
Más allá de esta consideración sobre los doctorados como bien público,
los datos muestran que los doctorados son solo 16% del total de las carreras,
siendo casi la mitad (47%) de las carreras especializaciones y el resto (37%)
maestrías. Como se presenta en la tabla 2, en 1994, existían alrededor de 793
carreras de posgrado mientras que 14 años más tarde se contabilizaban 3.129
carreras, es decir un incremento de casi 300% (Lvovich, 2009). En todo tipo de
carrera de posgrado (especialización, maestría y doctorado), el sector privado
tuvo un crecimiento relativo mayor al sector público. La brecha entre las carreras
creadas en el sector público y privado se amplía si nos enfocamos a aquellas
carreras más ligadas a necesidades del mercado. De esta manera, el crecimiento
de especializaciones y maestrías fue mayor en el sector privado que en el público
pero inclusive las instituciones privadas tuvieron un mayor crecimiento relativo
en los doctorados. Sin embargo, debemos destacar que el sector público representa
un 62% del total de la oferta de carreras en el nivel de posgrado.

286
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Tabla 2. Carreras de posgrado en Argentina, por tipo de carrera y sector (1994,


1998, 2008)

Carreras Sector 1994 2002 2008 Porcentaje de


incremento (1994-2008)
Doctorado Público 153 62.2% 242 76.3% 300 60.2% 96.1%
Privado 93 37.8% 75 23.7% 198 39.8% 112.9%
Subtotal 246 100.0% 317 100.0% 498 100.0% 102.4%
Maestría Público 151 61.4% 534 72.2% 694 59.7% 359.6%
Privado 95 38.6% 206 27.8% 469 40.3% 393.7%
Subtotal 246 100.0% 740 100.0% 1163 100.0% 372.8%
Especialización Público 214 71.1% 627 70.9% 964 65.7% 350.5%
Privado 87 28.9% 257 29.1% 504 34.3% 479.3%
Subtotal 301 100.0% 884 100.0% 1468 100.0% 387.7%
Total 793 1941 3129 294.6%

Fuente: Lvovich (2009) y cálculos propios.

Recientemente, la CONEAU ha publicado guías de carrera de posgrados


mostrando aquellas que se encuentran activas. De acuerdo a dicha información
en el 2014 existían 2.451 carreras de posgrado activas en Argentina, de las cuales
1.750 (71%) son ofrecidas por el sector público. En tabla 3 se puede observar que
la mitad de las carreras son ofrecidas en Ciencias Sociales y Humanidades,
seguidas por las Ciencias Aplicadas (24%), Ciencias de la Salud (22%) y por
último las Ciencias Básicas (4%). Si bien la mayoría de las carreras son ofertas
de instituciones públicas, existen matices por áreas disciplinares. Por ejemplo, la
oferta privada llega al 41% en Ciencias de la Salud y a un 37% en Ciencias
Sociales. Los porcentajes bajan en Humanidades (27%), Ciencias Aplicadas (11%)
y es inexistente en las Ciencias Básicas, dejando el monopolio de la oferta en el
sector público. Estos datos confirman análisis sobre diferencias intersectoriales
a nivel de grado (Rabossi, 2010) y a nivel regional (Levy, 1986; Silas Casillas,
2013) y mundial (Levy, 2011). Dichos análisis indican que el sector privado tiende
a concentrar su oferta en áreas profesionalistas con altos niveles de retorno a la
inversión, tanto para la institución como el estudiante. Eso se cumple en las
Ciencias de la Salud, ya que la mayoría son especializaciones médicas que utilizan
estructuras académicas existentes (hospitales-escuelas) y en las ciencias sociales
que normalmente implican una baja inversión en áreas como la economía, con
altos niveles de retorno en el caso de las carreras más profesionalistas.

287
MIRANDA, E. M.; SALTO, D. J. • Dinámicas público-privadas en el posgrado en Argentina

Tabla 3. Carreras de posgrado activas por sector de gestión, tipo de carrera y


disciplina académica (2014).

Sector
Área disciplinar/ Público Privado Total
/Tipo de carrera
Ciencias Aplicadas 529 67 596
Doctorado 108 8 116
Especialización 212 33 245
Maestría 209 26 235
Ciencias Básicas 86 0 86
Doctorado 58 0 58
Especialización 6 0 6
Maestría 22 0 22
Ciencias de la Salud 312 219 531
Doctorado 25 10 35
Especialización 246 179 425
Maestría 41 30 71
Ciencias Humanas 315 116 431
Doctorado 65 29 94
Especialización 134 50 184
Maestría 116 37 153
Ciencias Sociales 508 299 807
Doctorado 62 28 90
Especialización 262 132 394
Maestría 184 139 323
Total 1750 701 2451

Fuente: Elaboración propia a partir de CONEAU (2014).

Las tendencias en matrícula de posgrado siguen similares características


a la oferta de carreras. Con un total de 128.161 estudiantes en 2012, la gran
mayoría de los estudiantes están inscriptos en el sector público (de 71,28% en
2000 a 80.21% en 2012). Si analizamos por áreas disciplinares, la mayoría de los
estudiantes también están inscriptos en el sector público aunque hay diferencias
previsibles entre diferentes campos. En las ciencias básicas y aplicadas, el 97% y

288
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

el 92% de los estudiantes respectivamente cursan posgrados en instituciones


públicas. Los porcentajes de participación del sector público caen en mayor
medida (aunque conservando su mayoría) en las ciencias de la salud y las
humanidades (71% y 75% respectivamente).

Tabla 4. Estudiantes de posgrado por sector de gestión, tipo de carrera y disciplina


académica (2012)

Sector Tipo de Ciencias Ciencias Ciencias de Ciencias Ciencias Sin TOTAL


Carrera Aplicadas Basicas la Salud Humanas Sociales rama
Público Doctorado 2945 4834 1710 3592 6064 47 19192
Maestria 4845 1617 3012 8721 17217 - 35412
Especialidad 7131 455 11695 9722 19149 44 48196
SUBTOTAL 14921 6906 16417 22035 42430 91 102800
Privado Doctorado 96 - 420 1064 1957 - 3537
Maestria 538 180 937 999 9107 - 11761
Especialidad 681 31 5261 963 3127 - 10063
SUBTOTAL 1315 211 6618 3026 14191 0 25361
TOTAL 16236 7117 23035 25061 56621 91 128161

Fuente: Secretaría de Políticas Universitarias. Ministerio de Educación de la Nación-Argentina


(2012).
Nota: Hasta 2009 inclusive, la información no cuenta con datos de instituciones de educación
superior con alta matrícula de posgrado como la UBA. Por lo cual, los datos de universidades
públicas están subestimados.

Tan variados como las diferentes formas organizacionales que asumieron


los posgrados son los tipos de aranceles existentes a nivel nacional. En vez de
existir una estructura de aranceles por universidad, cada posgrado tiene la potestad
de definir los niveles de aranceles que se cobran dependiendo de varios factores.
Unzué (2011) plantea que aquellos más directamente vinculados con áreas
profesionales y de corta duración suelen ser los más costosos. Un ejemplo de
ello son las carreras de maestría en administración de empresas (o como se los
conoce a nivel internacional MBAs). En esos casos, la estructura de cursos y de
aranceles no se diferencia en gran medida entre universidades públicas y privadas.
Mientras la orientación es más académica, los aranceles suelen ser menores y en
esos casos se advierten más diferencias entre universidades públicas y privadas.
La forma de arancelamiento completamente a cargo de cada una de las
carreras, en muchos casos de forma independiente al resto, ha generado un nivel
de inestabilidad en las carreras que no existe a nivel de grado. Aquellas carreras

289
MIRANDA, E. M.; SALTO, D. J. • Dinámicas público-privadas en el posgrado en Argentina

que logran obtener una matrícula mínima para su autofinanciamiento son las
que sobreviven en el sistema, haciendo el sistema completamente dependiente
de las fuerzas del mercado. Iniciativas recientes, tales como la autoevaluación
de las carreras de posgrado de la Universidad Nacional de Córdoba han
identificado esta problemática. Las posibles soluciones implican una
redistribución de los recursos para que carreras más profesionalistas sostengan a
carreras más académicas (por ejemplo, maestrías a doctorados).
Como bien detalla Unzué (2011), el crecimiento del posgrado tanto en
oferta como en demanda mediante el cobro de aranceles significó una
redefinición, para las universidades públicas, de la concepción de gratuidad de
las universidades. En este sentido, universidades que tradicionalmente se
opusieron a arancelar el grado universitario, debieron resignificar la gratuidad
para excluir el posgrado y varias actividades de extensión (consultorías, cursos
de extensión, etc.). Esto nos remite a los cambios introducidos por este tipo de
reformas del Estado que tienden a reducir la visibilidad de las fronteras público-
privadas para dar lugar a formas encubiertas o solapadas de privatización. Una
a través del arancelamiento de actividades en universidades públicas. Otra,
mediante la introducción del sector privado en directa competencia con las
universidades públicas.

Consideraciones finales
Este trabajo se planteó discutir la relación entre NGP, privatización y el
desdibujamiento progresivo de las fronteras entre lo público y lo privado en los
posgrados en Argentina. Como ya se señalara este nivel tiene un desarrollo
temprano que se vincula a los orígenes de la primera universidad trasplantada
en esta parte del mundo y se caracterizó, hasta fines del siglo anterior, por un
precario desarrollo vinculado a algunos campos disciplinarios de orientación
científica y con fuerte vínculos internacionales, con bastante retraso de los
procesos de modernización del sistema científico y universitario de otros países
como México y Brasil.
En los años noventa y en el contexto de una fuerte reestructuración del
sector público y de reformas en la educación superior, Follari (2002) sostiene
que “La presencia del posgrado alcanza fuerza en la Argentina a partir de la Ley
de Educación Superior promulgada en 1995”, en la que se “ordenaba que en un
lapso de cinco años a partir de entonces, los profesores de las universidades
estarían obligados a poseer título de posgrado”. No obstante, las resistencias
iniciales por el carácter compulsivo de las exigencias académicas locales, la
demanda surgió de la propia comunidad académica, entre otros factores, por la

290
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

importancia de los posgrados para acceder al Programa de Incentivos al Docente-


Investigador, sobre todo en las disciplinas en las que el doctorado es una condición
para avanzar en la carrera académica. En mayor medida, se comenzaron a crear
posgrados con perfiles más profesionalistas, en un contexto de restricciones
presupuestarias en educación superior. Esto generó una necesidad, por parte de
las mismas instituciones, de financiar estas ofertas por medio del cobro de
aranceles, algo poco común (e inexistente) en las universidades públicas. Allí se
inicia un proceso que se ha ido profundizando, donde las fronteras entre lo público
y lo privado se han ido desvaneciendo.
Por primera vez el posgrado en Argentina disponía de regulación mínima
y de un organismo de evaluación y acreditación (CONEAU) que intentó modelar
la institucionalización del cuarto nivel en las instituciones universitarias. Con
un predominio histórico de los doctorados, las maestrías y especializaciones son
nuevos formatos, que alcanzaron mayor desarrollo en el esquema de formación
de posgrado diseñado en la Ley. Desde las mismas comunidades académicas de
las universidades públicas se rompe con una larga tradición de gratuidad3 en la
formación universitaria argentina al introducir las lógicas de cuasi-mercado en
los estudios del nivel cuaternario. Al respecto, Rizvi y Lingard (2013) señalan
que bajo lo que denominan el “Estado gerencial” las relaciones del sector público/
privado se han reconstituido a través de la privatización, la creación de cuasi
mercados en el sector público y mediante una variedad de asociaciones públicas
y privadas (Ball & Youdell, 2007). Sin embargo, estos programas políticos se
llevan a cabo de formas distintas en diferentes naciones. Appadurai (1996) señaló
que los flujos de las ideologías globales siempre han tropezado con la historia
local y nacional, la cultura y la política.
En el caso de Argentina, y a veinte años de un desarrollo sostenido de los
posgrados con un esquema de gobernanza de mercado es posible afirmar que se
ha producido un estado de “cristalización” y “naturalización” de las regulaciones
establecidas por la LES en las prácticas académicas institucionales. La
reapropiación de las instituciones y los actores da cuenta de un dilución progresiva
de las fronteras o “hibridación de lo público y de lo privado”, en palabras de
Joao Barroso, en la organización de los posgrados en Argentina.
La vigencia de la polémica Ley de Educación Superior contribuyó a
introducir en las culturas institucionales un modo de “privatización endógena”,
según Ball y Youdell (2007), impensadas en un sistema universitario público

3
Por Decreto Nº 29.337 del año 1949 se suprimieron todos los aranceles universitarios,
fundamentándose tal decisión en la obligación del Estado de prestar todo su apoyo a los jóvenes
estudiantes que aspiren a contribuir al bienestar y prosperidad de la Nación suprimiendo todo
obstáculo que les impida o trabe el cumplimiento de tan notable como legítima vocación.

291
MIRANDA, E. M.; SALTO, D. J. • Dinámicas público-privadas en el posgrado en Argentina

que sostiene la defensa de la educación pública como una seña de identidad,


como universidad latinoamericana plural y democrática.
Las políticas universitarias de la última década han dejado pendiente
este tema, no obstante haber realizado un esfuerzo presupuestario importante
para atender el desarrollo del grado y de la ciencia y la tecnología. Las
restricciones presupuestarias que sirvieron de argumento en otro momento no
parece hoy suficiente para justificar la incapacidad de las instituciones
universitarias para formular una agenda de políticas de formación de posgrados,
vinculada al desarrollo de la investigación científica y a la articulación entre
los diferentes niveles de enseñanza.

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294
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Cenário emergente do
ensino superior privado no Quênia

Ibrahim Oanda
Tristan McCowan

Introdução
O ensino superior testemunhou globalmente um aumento surpreendente
no envolvimento do setor privado ao longo do século XX e no início do século
XXI (Altbach & Levy 2005). Este envolvimento assumiu uma variedade de for-
mas diferentes. Primeiramente, e mais obviamente, o número de instituições
privadas, bem como a proporção de matrículas totais contabilizada por elas,
testemunhou um aumento significativo. Mais de um terço de todas as matrícu-
las globais no ensino superior estão centradas, neste momento, nestas institui-
ções e em países como as Filipinas, a Coreia do Sul e o Brasil, sendo que a
proporção é de mais de 70% das matrículas (Altbach et al. 2009). Estritamente
falando, o surgimento de instituições privadas não constitui um novo desenvol-
vimento historicamente, já que as primeiras universidades europeias eram, de
fato, privadas; em vez disso, trata-se de uma reversão da incorporação da educa-
ção superior do início e da metade do século XX na área estadual caracterizada,
em muitos países, pelas vagas gratuitas geralmente disponíveis aos que deixam
o ensino secundário e pelo controle central das instituições. O novo setor priva-
do, entretanto, tem sido caracterizado, principalmente, pelo surgimento de pres-
tadores com fins lucrativos. As instituições privadas tradicionais nos sistemas
mistos têm sido as filantrópicas de elite e as religiosas, tais como as universida-
des de Ivy League, nos EUA, ou as universidades católicas da América Latina.
As maiores expansões nos últimos anos foram uma geração muito diferente de
instituições, seguindo a University of Phoenix, com uma orientação forte co-
mercial e um currículo e procedimentos padronizados, buscando economias de
escala, das quais as maiores constam listadas na bolsa de valores.
Entretanto, há uma variedade de outros processos associados à privatiza-
ção. Outro desenvolvimento marcante desde as décadas finais do século XX é o
envolvimento privado gradual nas instituições supostamente públicas. Confor-
me documentado por Bok (2003), a comercialização começou a afetar o períme-
tro das instituições públicas envolvendo serviços aos alunos, tais como serviços

295
OANDA, I.; McCOWAN, T. • Cenário emergente do ensino superior privado no Quênia

de bufê e alojamento, esportes e outras instalações. Ainda nos últimos anos, o


processo começou a se aproximar do centro, mercantilizando as atividades aca-
dêmicas com cursos ministrados oferecidos com base no pagamento de uma
taxa, pesquisas contratadas por empresas privadas (muitas vezes, com restrições
acerca da propriedade intelectual) e serviços públicos convertidos a atividades
geradoras de renda.
A privatização do ensino superior tem se manifestado de diferentes ma-
neiras nos países de renda alta, média e baixa, bem como em diferentes regiões
geográficas. Este capítulo avalia estas dinâmicas no contexto do Quênia, um
país de baixa renda na África Oriental, o qual surgiu do domínio colonial britâ-
nico, em 1960, com o desafio considerável de construir um sistema de educação
superior do princípio. O capítulo analisa as mudanças no papel do setor privado
no país desde o surgimento da primeira instituição, no início dos anos de 1970,
avaliando as diversas políticas que facilitaram seu surgimento, as motivações
por trás delas e alguns dos resultados. O capítulo sustenta que o setor privado
não obteve sucesso no cumprimento de algumas das contribuições otimistas
inicialmente a ele atribuídas pelas organizações supranacionais e pelo governo.
Particularmente, o capítulo foca-se na questão da diferenciação no siste-
ma de ensino superior. A análise bem conhecida de Geiger (1986) distingue três
diferentes funções do setor privado no ensino superior: “mais”, “melhor” e “di-
ferente”. Em primeiro lugar, o setor privado pode funcionar meramente em uma
função absorvedora da demanda, oferecendo mais vagas aos alunos que não
foram capazes de obter vagas no setor público, alocadas com base no mérito
acadêmico. Em segundo lugar, ele pode fornecer um ensino “melhor”, confor-
me pode-se verificar ser o caso nas instituições de elite, tais como Harvard e
Stanford, o que significa que os alunos optarão por elas mesmo quando há va-
gas no setor público. Por último, ele pode fornecer uma experiência “diferente”,
fornecendo um etos ou forma de currículo indisponível nas instituições predo-
minantes, observáveis particularmente no caso de instituições religiosas. O de-
senvolvimento do setor no Quênia será analisado em relação a estas três catego-
rias a fim de avaliar o papel das diferentes instituições. Ademais, a análise utili-
zará ideias da diferenciação horizontal e vertical (Teichler 2008). De acordo com
esta distinção, os sistemas de ensino superior podem ser caracterizados pela di-
ferenciação das instituições de acordo com dois tipos: em primeiro lugar, o hori-
zontal, por meio do qual as instituições assumem papeis diferentes em relação
às áreas disciplinares, à ênfase vocacional / acadêmica, ao etos ou ao tamanho,
mas são igualmente valorizadas; ou, de maneira alternativa, eles podem assu-
mir uma distribuição vertical, com a estratificação da qualidade e do prestígio

296
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

das instituições. Pesquisas anteriores (por exemplo, McCowan 2015) demons-


traram que a diferenciação vertical é uma característica proeminente dos siste-
mas contemporâneos de ensino superior privatizados. Estas ideias também se-
rão aplicadas ao caso do Quênia.
O ensino superior privado no Quênia cresceu de um setor de muita espe-
rança para um de apreensão em um período de cerca de duas décadas. Três
noções foram cogitadas na literatura em relação ao desenvolvimento do ensino
superior privado no Quênia, cada uma refletindo dois extremos polares do se-
tor. A primeira, a qual surgiu durante a era de maior esperança do setor, era que
o Quênia teve um crescimento mais rápido e robusto no ensino superior privado
no continente, o qual fornecia uma alternativa para o fornecimento público ca-
ótico e, talvez, um exemplo que outros países precisavam reproduzir. Esta visão
promoveu, ao longo do tempo, universidades privadas como cruciais na absor-
ção da demanda excessiva por ensino superior no Quênia e, com isso, assumiu
positivamente a pressão econômica e social de fornecer oportunidades de ensi-
no superior a estes alunos do governo (ligados ao conceito de “mais” de Geiger
delineado acima). A segunda visão era que, em um setor de universidade públi-
ca que havia falhado em oferecer programas de qualidades que ligassem os gra-
duados ao mercado de trabalho, as universidades privadas focavam-se mais nes-
ta tarefa e a maioria de seus programas acadêmicos focavam-se em necessidades
específicas do mercado de trabalho. Estes argumentos mostram que a qualidade
dos programas das universidades privadas é maior devido ao pequeno número
de alunos e aos investimentos em instalações melhores; deste modo, oferecem
programas mais relevantes ao mercado de trabalho e as taxas de empregabilida-
de dos graduados é maior (por exemplo, o conceito de “melhor” de Geiger). Em
último lugar, houve a visão de que o ensino superior privado evidencia tudo o
que ocorreu de errado no ensino superior do Quênia; da admissão de alunos
subqualificados à operação semelhante a fábricas de diplomas com infraestrutu-
ras de baixo padrão. Dados mais intensivos e confiáveis não encontram-se dis-
poníveis para validar ou refutar algumas ou todas estas declarações.
Este artigo busca juntar as peças de dados secundários a fim de buscar a,
e contribuir com uma compreensão do contexto no qual o ensino superior está
se desenvolvendo no Quênia e sua provável trajetória de crescimento.

Ensino superior privado na África


O ensino superior privado, em suas diversas dimensões, foi promovido
como uma melhor alternativa para a oferta de ensino superior ao maior número
de alunos, especialmente em países em desenvolvimento. Na política de desen-

297
OANDA, I.; McCOWAN, T. • Cenário emergente do ensino superior privado no Quênia

volvimento dos países em desenvolvimento, o incentivo pelo ensino superior


privado foi associado ao projeto neo-liberal nos anos de 1980, que testemunhou
um incentivo de parceiros de desenvolvimento a fim de obter o papel do estado
na prestação de serviços sociais limitados em oposição aos mecanismos do mer-
cado que permitiriam o livre movimento das finanças, do comércio e do traba-
lho além das fronteiras nacionais; a implementação das políticas de concorrên-
cia nos setores público e privado destinadas a criar a eficiência; a privatização
de uma gama de atividades previamente estaduais; e a adaptação da atividade
estadual (Robertson and Verger 2012). A linguagem que foi utilizada na literatu-
ra para promover o desenvolvimento das instituições de ensino superior priva-
do, especialmente na África, é que, no contexto da globalização, as universida-
des privadas são cruciais para absorver o excedente do grupo de candidatos
plenamente qualificados e não sucedidos nas instituições públicas, bem como o
fato de que oferecem uma gama limitada de programas que tendem a ser mais
orientados ao mercado (Jegede 2012).
Por exemplo, de 1985 a 1989, 17% dos gastos do Banco Mundial em edu-
cação foram aplicados no ensino superior, e de 1995 a 1999, o Banco alocou
apenas 7% de seus investimentos em educação ao ensino superior (Bloom et al
2005). Por outro lado, o número de alunos buscando vagas nas universidades
continuou crescendo. Entre 1991 e 2006, o número de alunos no ensino supe-
rior aumentou de 2,7 milhões para 9,3 milhões; um aumento anual de cerca de
16%, enquanto os recursos públicos para gasto cresceram cerca de 6% e o “in-
vestimento público” no ensino superior permaneceu em cerca de 20% dos orça-
mentos do setor da educação (World Bank 2010). As consequências da imple-
mentação da política do Banco Mundial no ensino superior na África, na tenta-
tiva de criar condições para o surgimento de mercados de ensino superior priva-
do, foram extensamente narradas. A maioria das universidades públicas da África
entraram praticamente em colapso, as instituições acadêmicas que foram acu-
muladas ao longo do tempo permaneceram abandonadas e as condições de vida
dos alunos deterioraram conforme o corpo docente fugiu, em regime de tempo
integral ou parcial, para o setor nascente de ensino superior privado, uma vez
que os salários acadêmicos no setor público entraram em colapso, reduzindo
seu poder de compra em torno de 50% ou mais (Federici & Caffentzis 2004). É
importante apontar estes primeiros desenvolvimentos no ensino privado, já que
servem para iluminar os desenvolvimentos posteriores e o fato de que o setor
não pretendia realmente ser um setor “absorvedor da demanda” para o número
crescente de alunos que não seriam acomodados nas universidades públicas.
Fosse este argumento válido, teria sido muito mais fácil expandir as universida-
des públicas existentes e apelar para economias de escala em vez de tentar pro-

298
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

mover a construção de instituições nascentes na maioria dos casos. O real moti-


vo era, conforme Federici e Caffentzis (2004) persuasivamente demonstram,
minimizar as instituições de ensino superior africanas de seu papel de “desen-
volvimento nacional” e substituí-las por instituições que não se focariam neces-
sariamente no treinamento para necessidades de nível local, mas para mercados
de trabalho globais em contextos nos quais a implementação de programas de
ajustes estruturais levaram o controle de firmas nacionais e de outras entidades
a empresas multinacionais. Este ponto é importante para compreender os as-
pectos posteriores das universidades privadas; em termos do crescimento caute-
loso de suas matrículas e programas de estudos. O significado de todos estes
desenvolvimentos foi o fato de que, em duas décadas, decorridas entre 1985-
2005, tanto os recursos públicos quanto privados para o ensino superior público
declinaram substancialmente. Como resultado, na maioria dos países da África
Subsaariana, a matrícula no ensino superior continuou a crescer mais rápido
que as capacidades de financiamento, alcançando um estágio crítico no qual a
falta de recursos levou a um severo declínio na qualidade da instrução e na capa-
cidade de reorientar o foco e de inovar.
Uma combinação de estatísticas sobre a África Subsaariana projetando a
demografia da juventude e de seu apetite por ensino superior, bem como a de-
manda persistente não atendida foram utilizados como justificativa para o ensi-
no superior privado. A região testemunhou o rápido crescimento das matrículas
do ensino superior, com uma taxa média de 8,4% no ano de 2009, quase o dobro
das médias globais de 4,3% (UNESCO 2010). Efetivamente, a taxa bruta de
matrículas (TBM) para o ensino terciário cresceu a uma taxa média de 8,6%
para cada ano entre 1970 e 2008 – em comparação a uma média global de 4,6%
no mesmo período (UNESCO 2010). Enquanto o crescimento no número geral
de alunos foi impressionante, a lacuna nas taxas de matrícula entre a região
Subsaariana e outras partes do mundo está crescendo, sustentando um dos prin-
cipais desafios de acompanhar este dramático crescimento populacional. Ape-
sar do rápido crescimento, a média bruta de matrículas, ou TBM, para a educa-
ção superior é a mais baixa no mundo, a 7,6% em 2011 (Sawahel 2014), bem
mais baixa que a média global de 30,1%. Esta TBM baixa, discute-se, continua-
rá criando continuamente uma demanda não atendida por educação superior
que a dependência da provisão pública não pode satisfazer. Com projeções de
que a África gozará de um crescimento da população com 18 a 22 anos pelos
próximos 10 anos, com a Nigéria, a Etiópia, o Quênia e a Angola entre os 10
principais do mundo em números absolutos, o caso de uma explosão no setor
universitário privado na África parecerá resolvido. Diversos países também pos-
suem um crescimento do produto interno bruto projetado acima dos 5% ao ano

299
OANDA, I.; McCOWAN, T. • Cenário emergente do ensino superior privado no Quênia

pelos próximos 10 anos, incluindo a Nigéria, a Angola, a Etiópia, a Gana e o


Quênia. Isto levará a um aumento do número de alunos buscando ensino supe-
rior e, também, do número de alunos enviados ao exterior para estudar. Ade-
mais, com base nas tendências passadas, países que são exportadores de alunos
para o ensino superior são bons candidatos para a abertura de campi inter-
nacionais (Thien 2013). Portanto, a coorte de idade de pessoas entre 17 – 20
anos, idade comum para matrícula nas instituições de ensino superior, é maior e
continuará a crescer nos próximos anos. Ademais, com as rendas aumentando e
com um número crescente de adultos interessados em continuar os estudos,
quanto mais os cargos profissionais exigirem graus de ensino superior, o aumen-
to na demanda por serviços de ensino superior aumentará ainda mais rápido
que os aumentos causados pelas coortes de 17 – 20 anos ingressando no ensino
superior (USAID 2014).
Além da elevação juvenil, também há projeções para um crescimento da
classe média da África, da qual espera-se uma preferência por um tipo particular
de ensino superior ao prestado por instituições públicas e, portanto, prestará
fortes justificativas para investimentos na educação superior privada. Estimati-
vas recentes mostram que a classe média africana triplicou em termos de tama-
nho nos últimos 14 anos; de aproximadamente 4,6 milhões de domicílios em
2000 para quase 15 milhões de domicílios hoje, nos 11 principais países, se as
categorias da classe média e da classe média-baixa forem ambas inclusas; e pro-
jeções de que chegará a 40 milhões de domicílios até 20301. As transições econô-
micas e demográficas são geralmente citadas em termos de oportunidades de
negócios que são passíveis de criar e fundamentam o silencioso incentivo neo-
liberal à educação superior privada na África que criaria, finalmente, institui-
ções robustas de educação superior privada com fins lucrativos para concorrer
com aquelas estabelecidas pelos governos. Assim, respondendo às necessidades
do ensino superior da classe média, foram articuladas como um foco central
tanto da iniciativa de privatização quanto da de internacionalização.
Um desenvolvimento recente na promoção do ensino superior privado na
África tem sido utilizado como uma via para promover abordagens suaves do
poder para países interessados em acessar os recursos humanos e naturais da
África na forma de parcerias público-privadas. Neste caso, a privatização surge
em diferentes formas e dimensões. Cada vez mais as instituições autônomas

1
http://www.theglobeandmail.com/report-on-business/international-business/african-and-mide-
ast-business/africas-middle-class-boom-is-real-study-shows-and-its-gaining-speed/arti-
cle20127909/.

300
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

tradicionais que são registradas como privadas estão dando espaço a uma multi-
plicidade de instituições e parcerias para a oferta de ensino superior privado no
continente. Algumas são integradas às instituições existentes de ensino superior
públicas e privadas, tais como a iniciativa de centros de excelência do Banco
Mundial; algumas são uma iniciativa parcialmente privada para a oferta de al-
guns aspectos do ensino superior e para o estímulo do crescimento das matrícu-
las, tais como as iniciativas público-privadas de construção de moradias para
alunos no Quênia, algumas assumiram o modelo dos campi no exterior, en-
quanto outras têm observado as empresas privadas multinacionais patrocina-
rem a matrícula dos alunos em esquemas privados nas universidades públicas e
privadas existentes. O caso do Quênia, no qual parcerias público-privadas leva-
rão a um aumento substancial do envolvimento privado em instituições públi-
cas, é uma ilustração deste novo modelo. Em parceria com uma empresa de
capital fechado baseada em Nova York, a Integras, a Kenyatta University está
pronta para construir moradias estudantis com um total de 10.000 leitos, sob
uma parceria público-privada de acordo com a qual a universidade fornecerá o
terreno para a construção enquanto os investidores irão desenvolver as moradias,
administrá-la por 20 anos para recuperar o investimentos, e entregá-los à univer-
sidade (Nganga 2015). Este é um de uma série de fundos sendo atraídos para o
setor de ensino superior privado do Quênia por meio de uma entidade pública.
Enquanto alguns destes modelos não aparentam possuir um motivo de lucro
imediato, conforme Therin (2013) argumenta, muitas destas instituições e enti-
dades não fariam tais investimentos se não houvesse uma prospecção clara de
um retorno de seus investimentos. Também houveram iniciativas para a melho-
ria dos ambientes regulatórios para o ensino superior privado por meio da pres-
tação de suporte ao desenvolvimento das políticas e regulamentos nacionais
referentes à operação eficaz das instituições privadas de ensino superior; do for-
talecimento da garantia da qualidade e dos procedimentos de reconhecimento;
do auxílio aos governos para a exploração de modelos alternativos de financia-
mento para o ensino superior privado; e da prestação de suporte à pesquisa na
responsividade do ensino superior privado no mercado de trabalho.
Também não existem indicações de se as universidades privadas estão
oferecendo programas acadêmicos nas áreas nas quais a África possui déficit de
habilidade em seus empenhos de desenvolvimento. Um relatório realizado pelo
Banco de Desenvolvimento Africano, pela OCDE e pelo PNUD demonstra que
as matrículas nas instituições de ensino superior na África Subsaariana tendem
em direção às Ciências Sociais, Estudos Comerciais e Direito (44%); Educação,
Artes e Humanas (26%); Saúde e Bem-Estar (5%); Engenharia, Fabricação e
Construção (4%) e Agricultura (2%) (AfDB/OECD/UNDP 2012). Dados pre-

301
OANDA, I.; McCOWAN, T. • Cenário emergente do ensino superior privado no Quênia

cisos sobre os programas exatos ofertados na maioria das universidades priva-


das estão faltando; mas há indicações de que a maioria das instituições são reli-
giosas e exigem tal afiliação dos alunos como requisito de admissão e/ou seus
programas replicaram o modelo disfuncional da maioria das universidades pú-
blicas inclinadas aos programas de Ciências Sociais e de Humanas. Desta for-
ma, apesar do número crescente de alunos privados tanto nas universidades
públicas quanto nas puramente privadas, a matrícula em Ciências e Engenharia,
em muitos países, é baixa (Boersmaa and Gibbons, 2008), com menos de 10%
dos alunos matriculados nestas disciplinas em algumas universidades (Gorans-
son and Brundenius, 2011). A África possui apenas 35 cientistas e engenheiros a
cada um milhão de habitantes em comparação a 168 no Brasil, 2.457 na Europa
e 4.103 nos Estados Unidos (AfDB 2014). A África precisa urgentemente do
tipo de pessoa capacitada que uma boa universidade pode produzir, tais como
engenheiros, cientistas e técnicos em informática. Isto faz com que a África Sub-
saariana possua a maior porção de graduados em Ciências Sociais e Humanas
de qualquer região do mundo, bem como a porção mais baixa de engenheiros,
sendo que apenas 2% dos alunos nas universidades africanas estudam agricultu-
ra (AfDB/OECD/UNDP 2014). Segue-se, então, dado este cenário, o fato de
que o ensino superior privado possui espaço para desenvolvimento na África,
não apenas em termos de admissão crescente, mas em termos de oferta de um
currículo que responda de modo mais crítico às exigências de habilidade da
África.
Temos qualquer indicação de se as matrículas nas instituições de ensino
superior privado estão aumentando ou se estabilizando dada a aparente deman-
da de admissão? Projeções disponíveis a nível nacional demonstram uma ten-
dência crescente no número de instituições, mas um tipo de estagnação na por-
centagem total de alunos matriculados nas universidades privadas quando com-
paradas àqueles matriculados em universidades públicas (Jegede 2012). Dados
compilados de um programa de Pesquisa sobre o Ensino Superior Privado, o
PROPHE (2010), indicam que, em 2010, as universidades privadas na África
constituíram 59,2% das instituições, mas 14,6% das matrículas dos alunos. Es-
tes dados, apesar de compilados de diferentes fontes, mostram a direção do cres-
cimento institucional e da tendência de matrícula nas instituições. O quadro,
então, é de um setor no qual o número de instituições continua crescendo, mas
as ofertas curriculares e, portanto, o crescimento de alunos, permaneceram pre-
dominantemente inalterados.
Um desenvolvimento interessante na maior parte da África consiste em
uma situação na qual a privatização do ensino superior está ocorrendo mais nas
universidades públicas em comparação às instituições puramente privadas. Este

302
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

é o inverso do que a política havia previsto, já que foi previsto que o crescimento
das universidades privadas levaria a um declínio das universidades públicas. Esta
tendência ganhou um ímpeto, em sua maior parte, nas universidades públicas
da África Oriental, onde o crescimento do ensino superior privado está ocorren-
do nas instituições públicas. As universidades públicas, desde o início dos anos
2000, foram autorizadas a admitir alunos pagadores de taxa de matrícula além
dos alunos financiados pelo estado admitidos por mérito acadêmico, formando
uma corrente privada paralela. A corrente paralela se tornou uma fonte essenci-
al de renda para as instituições públicas e, em muitas universidades, constitui
mais da metade dos alunos. Este desenvolvimento conseguiu obstruir o colapso
previsto da universidade pública, mas não o desejo de realinhar os programas
acadêmicos das instituições em questões mais globais. Este novo interesse é mais
mobilizado na descoberta geralmente celebrada do Banco Mundial de que as
“universidades são importantes para a construção das economias do conheci-
mento da África” e no novo entusiasmo para regenerar as instituições por meio
de diferentes formas de suporte. Nestes 10 anos (2000 – 2010), o programa Par-
cerias para Educação Superior na África montadas por diversas fundações ame-
ricanas e o plano recentemente anunciado pelo Banco Mundial de criação de
centros de excelência em diversas universidades da África entram nesta última
estratégia, na qual universidades públicas estão sendo utilizadas como platafor-
mas para estimular os mercados de educação superior privada, conforme con-
templada nos anos de 1980. Com este novo entusiasmo, a maioria das universi-
dades africanas fundadas na metade dos anos de 1990, com o apoio de “parcei-
ros de desenvolvimento” colocaram fim aos “Atos universitários” que as estabe-
leceram como instituições nacionais nos anos de 1970 e as substituíram com
novos esquemas de governança que ampliaram a representação e a influência
do setor privado em uma variedade de atividades das instituições, incluindo o
planejamento dos programas de estudo2. No caso da Makerere University, Ugan-
da, por exemplo, a influência do Fórum do Setor Privado da Makerere Univer-
sity domina fortemente os assuntos operacionais da universidade. Além do nú-
mero crescente de alunos privados em universidades públicas, o realinhamento
de seus currículos ou de seus aspectos para que se adequem ao que os programas

2
Por exemplo: em Gana, o Conselho Nacional de Ensino Terciário foi estabelecido em 1993; a
Comissão de Universidades da Tanzânia, em 2005; o Conselho Nacional da Uganda para Ensino
Superior, em 2001, e a Comissão do Quênia para Ensino Superior, em 1985, posteriormente
reconstituída como a Comissão de Ensino Universitário (CEU, em 2013). Uma característica
principal destes novos sistemas regulatórios é a proeminência que eles dão ao encorajamento
das instituições de educação superior privada e a acomodação dos representantes do setor privado
na governança da educação superior.

303
OANDA, I.; McCOWAN, T. • Cenário emergente do ensino superior privado no Quênia

de estudos nas universidades privadas foram inicialmente planejados a ser, no


que foi discutido como a necessidade das instituições se focarem nas “habilida-
des profissionais gerais” no setor informal e as “necessidades do mercado”.
Nenhuma destas abordagens trata da força de trabalho de nível superior que a
África necessita, por exemplo, nas Ciências Médicas ou nas habilidades advoca-
tícias para esboçar acordos para a extração e utilização de seus recursos natu-
rais. Estas habilidades, de acordo com o argumento, seriam melhor se fossem
terceirizadas.
Desta forma, o que constitui o setor universitário privado na África é dife-
rente do que foi inicialmente contemplado. Em países como o Quênia, Uganda
e Gana, nos quais o ensino superior privado surgiu inicialmente, há uma evidên-
cia emergente da utilização das instituições públicas, incluindo as universidades
públicas existentes, para alcançar a “privatização inversa”. Há, também, inúme-
ras formas emergentes por meio das quais o ensino superior privado está sendo
realizado. Por exemplo, o setor privado está investindo recursos para expandir
instalações tais como alojamentos, nas universidades públicas, uma estratégia
que aumentará as matrículas dos alunos privados pagadores de taxas de matrí-
cula nas universidades públicas, em comparação às privadas. Desta forma, o
ensino superior privado não pode mais ser definido em termos de instituições
puras, mas as inúmeras formas pelas quais o ensino superior é oferecido a preço
de mercado em vias que podem não ser limitadas a estruturas institucionais. A
obtenção de dados reais sobre estes novos desenvolvimentos ainda permanecem
um desafio devido ao fato de que a maioria deles são camuflados como iniciati-
vas para fins públicos ou como filantropia privada. Como obter dados reais so-
bre o programa de estudos destas instituições? Como eles contribuem para sua-
vizar a crise de habilidades na África? A maneira como sua propriedade e opera-
ção podem ser utilizadas para transferir recursos nas universidades públicas afri-
canas deve ser compreendida.

O contexto do Quênia
O ensino superior privado no Quênia não é novo, mas, por diversos moti-
vos, hesitou em tirar vantagem de condições favoráveis de expansão que preva-
leceram ao longo do tempo. O estabelecimento da University of Nairobi como
uma universidade pública nacional, em 1970, coincidiu com a abertura da Uni-
ted States International University (USIU), a qual abriu um pequeno campus
em Nairobi, no mesmo ano. A University of East Africa, Baraton, foi estabele-
cida em 1980, poucos anos antes do estabelecimento da segunda universidade
do Quênia, Moi. É importante observar que o Grupo de Trabalho para o estabe-

304
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

lecimento da segunda universidade do Quênia, em 1980, fez uma forte reco-


mendação para o estabelecimento de um conselho de ensino superior, a fim de
facilitar o estabelecimento de universidades privadas. O conselho, uma vez esta-
belecido, garantiria que o estabelecimento de universidades privadas se relacio-
nasse com o planejamento nacional. Tal órgão foi subsequentemente estabeleci-
do em 1985, através da Lei do Parlamento, como a Comissão de Ensino Supe-
rior (CES) e é neste sentido que o Quênia é frequentemente citado na literatura
como um líder no estabelecimento de universidades privadas. Parte das respon-
sabilidades da Comissão consistia em coordenar o ensino pós-secundário e o
treinamento para fins de admissões no ensino superior e na universidade. Esta
responsabilidade impôs que a CES, dentre outras coisas, estabelecesse padrões e
outorgasse o reconhecimento das qualificações tanto para as instituições de en-
sino superior privadas quanto públicas. Apesar das universidades privadas fre-
quentemente se queixarem que a CES as inspeciona exageradamente em com-
paração às universidades públicas, isto deveria ter sido usado para obter uma
boa vantagem e para criar programas sustentáveis e a reputação para seu futuro.
A promoção das universidades privadas no Quênia, nos anos de 1990,
ocorreu durante um período no qual o retrato negativo das universidades públi-
cas, com a falta de financiamento, deixou sua marca sobre a reputação destas
instituições. Desta forma, era comum até mesmo para a literatura mais liberal,
enquanto admitia que as universidades públicas eram importantes para a con-
quista dos objetivos nacionais, alertá-las, ao mesmo tempo, sobre o destino que
encontraram. Por exemplo, escrevendo em 1988, dois educacionistas do Quê-
nia, enquanto promoviam o que enxergavam como “Quênia: o Mundo das univer-
sidades privadas”, argumentaram que, na ausência de recursos nacionais adequa-
dos para suportar um setor expandido de ensino superior, um ponto que bate
constantemente nos ouvidos dos políticos africanos pelo Banco Mundial, a edu-
cação superior privada testemunhou alguns crescimentos marcantes em diver-
sos países africanos... sendo tal crescimento, ainda, abastecido por diversos ou-
tros desenvolvimentos, dentre os quais encontram-se: as oportunidades limita-
das aproveitadas pelas universidades públicas; os fechamentos constantes das
universidades financiadas pelo estado; as ofertas de cursos limitadas disponíveis
nas universidades públicas (Kilemi & Ngome 1998). Não ocorreu a estes acadê-
micos que o argumento sobre a “falta de recursos” possuía uma dimensão ideo-
lógica diferente naquela época. Eles também não perceberam que os mesmos
pecados dos quais acusavam as universidades públicas daquela época de come-
terem também estavam sendo reproduzidos pelas universidades privadas cujo
nascimento estavam celebrando, já que acabaram por oferecer uma gama limita-
da de cursos que estava distante das necessidades de desenvolvimento do país.

305
OANDA, I.; McCOWAN, T. • Cenário emergente do ensino superior privado no Quênia

Os autores, então, continuam lamentando sobre os padrões que a CES estabele-


ceu para o reconhecimento das universidades privadas, designando-as como “ir-
realisticamente altas”, de acordo com as quais poucas universidades, incluindo
as instituições públicas mais estabelecidas, como a University of Nairobi, se
qualificariam para o reconhecimento e para a concessão de um registro público
caso se sujeitassem a elas (Kilemi & Ngome 1998:38-40). Eles consideravam
estes padrões injustos com o setor privado, o qual havia fornecido liderança em
algumas esferas do desenvolvimento do ensino superior, diferentemente das ins-
tituições públicas, as quais foram caracterizadas por um plágio dos programas
de graduação existentes, alguns dos quais abriam poucas oportunidades para o
emprego dos graduados. Não houve a percepção do fato de que o setor nascente
das universidades privadas estava seguindo os passos das piores tendências das
universidades públicas, apenas com a percepção de que as universidades públi-
cas alegavam possuir um currículo mais amplo e uma visão nacional, sendo seu
único pecado a falta de financiamento dos fundos públicos e sua falta de estraté-
gia de arrecadar tais fundos do setor privado. Mas, casualmente, isto ocorreu em
um momento no qual a promoção da iniciativa privada e menos governamental
era atraente.
Seguindo a relação acima, a elite do Quênia permaneceu fiel e apoiou as
iniciativas de políticas governamental para a promoção de universidades priva-
das. As condições dos doadores, que buscavam criar espaço para as universida-
des privadas, tiveram, portanto, suporte adequado do governo. De acordo com
o argumento de Leys (2003:3), a maioria destas condições, bem como sua acei-
tação pelo governo, eram destinadas a fazer o estado servir os interesses comer-
ciais; remodelar suas operações internas sobre as linhas de negócios; e reduzir a
exposição do governo à pressão política exercida pelo eleitorado. Na área do
ensino superior, isto funcionou bem, já que a pressão que o governo teria enfren-
tado da elite no colapso do ensino superior foi tranquilizada, dando a esta classe
uma alternativa no setor do ensino superior privado, no qual seus filhos se gra-
duariam e transitariam aos mercados de trabalho no setor privado ou em cargos
lucrativos do setor público.
Por exemplo, como condição para obter crédito do Banco Mundial para
buscar e para expandir as universidades públicas devido à pressão para admitir
mais alunos em 1990, solicitou-se ao governo que oferecesse ensino superior
público a taxas de mercado, introduzindo custos diretos de ensino nas universi-
dades públicas e reformando o esquema de empréstimo estudantil para tornar a
recuperação do dinheiro emprestado eficiente (D’Souza 2001). Em segundo lu-
gar, e mais crítico, o número de alunos admitidos nas universidades públicas foi
limitado a 10.000, independentemente do número total de candidatos qualifica-

306
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

dos (D’Souza 2001). O efeito destas condições era criar um marcado preparado
para as universidades privadas, já que os alunos qualificados viam as universida-
des privadas como primeira alternativa para as universidades públicas. A intro-
dução das reformas também levou a recursos públicos muito limitados nas uni-
versidades, restringindo, assim, seus esforços de expansão. O número de univer-
sidades privadas reconhecidas, então, subiu para cinco com a USIU, recebendo
um registro em 1999. Consequentemente, as matrículas dos alunos cresceu no-
toriamente em 78 por cento, de 3.888, em 1998/99, para 6.920 durante o ano
sob revisão (Oanda et al 2008). Todas as universidades experimentaram um cres-
cimento significativo nas matrículas dos alunos, com a Daystar registrando 57,3
por cento de aumento, enquanto a Catholic e a Baraton registraram 10,1 e 9,9
por cento de aumento, respectivamente (Economic Survey 2000). O que este
crescimento afirmava era a medida em que a intervenção do Banco Mundial e
das políticas governamentais do Quênia incentivavam as matrículas nas univer-
sidades privadas, dentro de um contexto político sendo promovido no sentido
de que o envolvimento do governo no mercado era ruim para os negócios. Seria
sustentado que uma falsa imagem foi criada em relação à capacidade do privado
através das intervenções governamentais; um fato que funcionaria como vanta-
gem das universidades privadas, mas o qual o setor das universidades privadas
falhou em explorar para obter uma vantagem de longo prazo.
A posição acima pode ser apreciada se olharmos para o crescimento das
universidades privadas no período anterior ao ano 2000 e no período posterior
ao ano 2000. O período anterior ao ano 2000 pode ser descrito como dominado
pelo otimismo e esperança com as universidades privadas. Por exemplo, as des-
pesas de desenvolvimento do governo no ensino superior declinou drasticamen-
te em cerca de 87 por cento, de K£ 43,36 milhões em 1998/99 para K£ 5,6
milhões no exercício financeiro de 1999/2000 (Republic of Kenya 2000). A maior
parte deste declínio foi ocasionada pela redução no financiamento de projetos
em universidades públicas que estavam reservados para a expansão das matrícu-
las. O resultado desta contração no financiamento do governo foi que a matrícu-
la nas universidades públicas cresceu marginalmente em cerca de 3 por cento, de
40.613 em 1998/99 para 41.825 em 1999/2000, enquanto as universidades pri-
vadas perceberam uma explosão em suas matrículas em cerca de 78 por cento,
de 3.888 em 1998/99 para 6.920 em 1999/2000 (Republic of Kenya 2000). Mas
a tendência de crescimento nas universidades privadas começou a cair no perío-
do posterior ao ano 2000. Por exemplo, as universidades privadas registraram
um crescimento mais lento de 1,5 por cento nas matrículas em 2001/2002, com-
parado aos 9,1 por cento registrados em 2000/2001 (Republic of Kenya 2002).
Esta tendência de queda continuou principalmente devido a uma inversão na

307
OANDA, I.; McCOWAN, T. • Cenário emergente do ensino superior privado no Quênia

política governamental que tinha sido responsável pela promoção do ensino


superior privado.
Em 2003, com a chegada ao poder de um novo governo, a abordagem
geral da política pública renovou a fé das pessoas nas instituições públicas e deu
às universidades mais autonomia para operarem. Dois exemplos desta nova abor-
dagem da política pública se destacaram. Um, a nomeação de indivíduos que
não o presidente do país para chanceler das universidades deu à diretoria das
universidades muito mais espaço operacional, o qual elas utilizaram para inovar
e começar a admitir mais alunos privados. Em segundo lugar, havia o compro-
misso de uma nova liderança em reforçar as instituições públicas. A revitaliza-
ção das universidades públicas, por exemplo, foi colocada como uma política
prioritária do novo governo, enquanto encorajava o desenvolvimento dos mer-
cados de ensino superior privado (Republic of Kenya 2004). A política regulató-
ria para aprovar o estabelecimento de universidades privadas continuou a ser
fortalecida e o apoio do governo também estava presente, dado que o governo
buscava uma maneira de diminuir a pressão por acesso ao ensino superior. Ape-
sar das instituições privadas terem percebido estas medidas como punitivas no
início, a ideia era assimilar à boa vontade pública que as instituições eram de
alta qualidade, já que eram bem policiadas por um órgão financiado publica-
mente. O governo continuou a financiar, gradualmente, mas progressivamente,
os conselhos de empréstimo ao ensino superior a fim de ampliar os empréstimos
estudantis aos alunos das universidades públicas. Estas eram demonstrações cla-
ras de que o governo não queria obstruir os mercados de ensino privado, mas
criar um setor de ensino superior vibrante no qual tanto os participantes públi-
cos quanto privados poderiam operar livremente.
Apesar deste quadro de possibilidades, a imagem que surgiu do cenário
do ensino superior queniano se deu quando o período posterior ao ano de 2000
testemunhou um tipo de estagnação no crescimento das universidades privadas.
Muita privatização com diversidade presente está ocorrendo nas universidades
públicas, já que as universidades privadas estão buscando novas maneiras de
manter sua visibilidade. O que parece ter acontecido no período anterior aos
anos 2000 foi que, diferente de aceitar alunos que não podiam ser admitidos nas
universidades públicas, ou que não consideravam as universidades públicas atra-
entes, não foi dada muita atenção ao tipo de universidade privada que o país
precisava. As instituições reconhecidas não aproveitaram realmente a oportuni-
dade de criar uma trajetória de longo prazo em termos de seu papel de desenvol-
vimento. De 1985 a 2005, quando a CEU foi criada para prestar supervisão e
regulamentação, uma maioria das universidades privadas, por exemplo, conti-
nuou a operar nos estreitos limites de suas afiliações religiosas, e os alunos tive-

308
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

ram que atender a alguns critérios religiosos para serem admitidos. Isto, junto
com seu currículo limitado, significou que as universidades privadas não seriam
instituições absorvedoras de demanda crítica, mas instituições que serviam a
uma clientela específica – servindo a função “diferente”, mas não a função
“mais”, em outras palavras (Geiger).
Em seu trajeto, o governo, no período posterior ao ano de 2000, conti-
nuou com as reformas que criaram melhores oportunidades para o setor privado
investir em educação. Uma maneira pela qual isto foi demonstrado, foi por meio
do surgimento da parceria público-privada nas oportunidades crescentes de en-
sino superior, tanto nas universidades públicas quanto nas privadas.
Atualmente, o setor de educação superior do Quênia consiste de 17 insti-
tuições registradas (reconhecidas) e 5 instituições que operam com cartas de
autoridade provisória. As instituições que operam com cartas de autoridade pro-
visória são autorizadas a operarem enquanto receberem orientação e instruções
da CEU para continuarem a desenvolver recursos e instalações que levarão ao
status de reconhecimento universitário completo. Elas estão autorizadas a ad-
mitir alunos para os programas de estudos aprovados. Uma característica do
setor de ensino superior privado no Quênia é o grande número de instituições
que são afiliadas a algumas organizações religiosas e que foram estabelecidas
como instituições sem fins lucrativos. Das 17 universidades privadas registra-
das, 13 são afiliadas ou foram estabelecidas por organizações religiosas e são
classificadas como instituições sem fins lucrativos. Duas universidades secula-
res; a USIU e a Kabarak University também foram estabelecidas como sem fins
lucrativos. A USIU é uma instituição independente sem fins lucrativos servindo
5534 alunos, representando 62 nacionalidades; 85% das quais são nacionais e
15% são internacionais. A Kabarak University, apesar de ser uma entidade co-
mercial privada, foi estabelecida como uma instituição baseada no Cristianis-
mo. Dentre as 17 universidades privadas registradas, apenas a Mt Kenya Uni-
versity é registrada como uma instituição com fins lucrativos. A principal carac-
terística do setor de ensino superior privado no Quênia é, portanto, o grande
número de instituições que são afiliadas a organizações religiosas, o grande nú-
mero de instituições estabelecidas como sem fins lucrativos e o pequeno numero
de matrículas nas instituições. A grandeza deste setor é, portanto, mais em ter-
mos de número de instituições que em termos de volume de alunos matricula-
dos. Alguns estudos também questionaram o estabelecimento sem fins lucrati-
vos das instituições, já que tendiam cada vez mais a operarem como “com fins
lucrativos” (Oanda et al 2008). A tabela abaixo fornece um resumo das institui-
ções privadas e seus status.

309
OANDA, I.; McCOWAN, T. • Cenário emergente do ensino superior privado no Quênia

Instituição Data de Data de Status


Estabelecimento Registro
Universidades Privadas Registradas
United States International University 1970 1999 Secular sem fins lucrativos
Kenya Highlands Evangelical University 1970 2011 Religiosa sem fins lucrativos
University of Eastern Africa, Baraton 1978 1991 Religiosa sem fins lucrativos
Daystar University 1978 1994 Religiosa sem fins lucrativos
Pan Africa Christian University 1978 2008 Religiosa sem fins lucrativos
St. Paul’s University 1980 2007 Religiosa sem fins lucrativos
Africa International University 1983 2011 Religiosa sem fins lucrativos
Catholic University of Eastern Africa 1984 1994 Religiosa sem fins lucrativos
(CUEA)
Scott Christian University 1986 1997 Religiosa sem fins lucrativos
Africa Nazarene University 1994 2002 Religiosa sem fins lucrativos
Kenya Methodist University 1997 2006 Religiosa sem fins lucrativos
KCA University 1997 2013 Secular sem fins lucrativos
Great Lakes University of Kisumu 1998 2012 Secular sem fins lucrativos
Strathmore University 2002 2008 Religiosa sem fins lucrativos
Kabarak University 2002 2008 Religiosa sem fins lucrativos
Adventist University of Africa 2005 2013 Religiosa sem fins lucrativos
Mount Kenya University 2008 2011 Secular com fins lucrativos
Universidades Privadas Operando com Cartas de Autoridade Provisória
Kiriri Women’s University of Science 2002 2002 Secular com fins lucrativos
and Technology
Aga Khan University 2002 2002 Religiosa sem fins lucrativos
GRETSA University 2006 2006 Secular com fins lucrativos
Presbyterian University of East Africa 2008 2008 Religiosa sem fins lucrativos
Inoorero University 2009 2009 Secular com fins lucrativos
The East African University 2010 2010 Secular sem fins lucrativos
GENCO University 2010 2010 Secular particular
Management University of Africa 2011 2011 Secular com fins lucrativos
Riara University 2012 2012 Secular com fins lucrativos
Pioneer International University 2012 2012 Secular com fins lucrativos
UMMA University 2013 2013 Religiosa sem fins lucrativos
International Leadership University 2014 2014 Religiosa sem fins lucrativos
Zetech University 2014 2014 Secular com fins lucrativos

Universidades privadas e a capacidade de absorver a demanda


Quão importantes foram, portanto, as universidades privadas na absor-
ção da demanda excessiva por ensino privado no Quênia? Há duas maneiras
para avaliar como as universidades privadas estão respondendo à demanda, tan-

310
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

to abordagem crítica de necessidade de acesso quanto nas necessidades de força


de trabalho do país. Primeiramente, deve-se rastrear a porção dos alunos que as
instituições estão matriculando. Em segundo lugar, deve-se avaliar a medida na
qual as universidades privadas produzem graduados com as habilidades que o
país precisa para seu crescimento socioeconômico. Conforme foi sustentado, as
universidades privadas estagnaram seu aumento de matrículas no período pos-
terior ao ano de 2000. A porção das matrículas em universidades puramente
privadas permanece pequena e nunca mudou de maneira marcante ao longo dos
anos em comparação ao número de alunos buscando admissão nas universida-
des. Por exemplo, nos anos acadêmicos de 2007/2008, dos 118.239 alunos que
se matricularam tanto em universidades públicas quanto em privadas, apenas
17,8% (21.132) escolheram as universidades privadas (Republic of Kenya 2008).
Por volta do ano acadêmico de 2011/2012, a porção dos alunos nas universida-
des privadas subiu para 27,7% (60.712) dos alunos, mas por volta de 2014/2015,
apensar de um aumento em números absolutos para 80.448 alunos, sua propor-
ção novamente declinou para 18% (Republic of Kenya 2015). Este declínio na
porção de alunos nas universidades privadas é explicado pela enorme expansão
que ocorreu no setor público, permitindo que as universidades públicas admitis-
sem mais alunos tanto em sua corrente pública quanto na privada. Mas as uni-
versidades privadas também expandiram em número. Por volta de 2013, havia
17 universidades privadas completamente registradas, com outras 13 institui-
ções operando com cartas de autoridade provisória como universidades, enquanto
as universidades públicas aumentaram para 22 instituições. Algumas vagas nas
universidades privadas permaneceram sem preenchimento, minando seriamen-
te as alegações feitas anteriormente, na década anterior, de que eram a melhor
alternativa para o setor público. Se este fosse o caso, independentemente da
expansão do setor público, o crescimento ascendente das matrículas no setor
privado poderia ter sido mantido.
O declínio parece ter sido mais afetado pela entrada elevada de alunos
privados nas universidades públicas. No ano acadêmico de 2007/08, o total de
alunos da corrente privada de meio período na Jomo Kenyatta University of
Agriculture and Technology (JKUAT), na Nairobi University e na Kenyatta Uni-
versity constituiu 57,6 por cento, 53,1 por cento e 50,0 por cento da população
total de alunos das respectivas universidades (Republic of Kenya 2008). Esta
tendência foi, desde então, mantida. A pergunta a ser feita, portanto, é por que
mais alunos privados parecem preferir as instituições públicas mais cheias em
comparação às privadas, negando uma narrativa anterior segundo a qual as uni-
versidades privadas eram descritas como uma melhor alternativa? A alteração
dos padrões de matrícula nas universidades privadas também parecem ter afeta-

311
OANDA, I.; McCOWAN, T. • Cenário emergente do ensino superior privado no Quênia

do outra tendência, correspondente à porção de alunos do sexo feminino, a qual


uma década antes reivindicou liderança e, portanto, um nicho de mercado. A
partir do ano acadêmico de 2010/2011, a porção de alunos do sexo feminino
nas universidades privadas caiu de mais de 55%, a qual encontravam-se, no pe-
ríodo anterior ao ano de 2000, a 45-49% (Republic of Kenya 2015).

Tabela 1*: Crescimento na população de alunos entre as universidades públicas


e privadas reconhecidas no Quênia ao longo dos anos.

2005/06 2007/08 2009/10 2011/12 2013/2014 2014/15


Total %F Total %F Total %F Total %F Total %F Total %F
Universidades 81.677 34% 97.107 37,6% 142.556 37,1% 157.916 40,2% 289.733 39,9% 363.334 40,2%
Públicas
Universidades 10.639 52,3% 21.132 51,3% 35.179 41,1% 60.712 45,4% 71.646 44,1% 80.448 47,2%
Privadas
Total de matrí- 92.316 118.239 177.735 218.628 361.379 443.783
culas de alunos
de graduação**
% de matricula- 11,5% 17,8% 19,7% 27,7% 19,8% 18,1%
dos em universi-
dades privadas

*Compilados de Estudos Econômicos: Diversos anos.


**Ademais, há universidades privadas não reconhecidas cujas matrículas não foram mobili-
zadas aqui.

A partir da tabela acima, é evidente que, exceto pelos anos acadêmicos de


2011/2012, nos quais a porcentagem de alunos matriculados nas universidades
privadas permaneceu em 29,7%, a porcentagem permaneceu abaixo dos 20% ao
longo dos anos, apesar da expansão. O declínio gradual na porcentagem de alu-
nos do sexo feminino, que era um ponto de venda tradicional para as universida-
des privadas, neste caso, mostra como a mudança da dinâmica na admissão às
universidades públicas alterou as fortunas das universidades privadas. Ela se
daria com a abertura de programas privados nas universidades públicas, os alu-
nos do sexo feminino seriam melhor servidos e capacitados nestas instituições
em comparação às universidades privadas tradicionais. Certamente, se as uni-
versidades privadas oferecessem alternativas melhores, ninguém esperaria um
aumento mais lento que no setor público, conforme visto nos anos acadêmicos
de 2011/2012 a 2012/2013. Também é importante observar que os alunos pri-
vados, tanto nas universidades públicas quanto nas privadas, se qualificam para
empréstimos governamentais, um fato que deve ter estabilizado as matrículas
nas universidades privadas. Certamente a política governamental, agora com

312
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

relação ao financiamento do ensino superior, volta-se ao acesso crescente, à es-


colha e à promoção de todo o setor universitário por meio da extensão das bol-
sas de estudos do governo para que os alunos frequentem a universidade de sua
escolha, sendo ela pública ou privada.
Em segundo lugar, é importante graduar a contribuição das universida-
des privadas por meio da avaliação de suas ofertas curriculares. Novamente,
voltando aos anos de 1990, o que mais promoveu estas instituições foi a noção
observada de que tinham evitado alguns perigos das universidades públicas, tais
como o plágio do programa. Mas este nunca foi o caso. Entrando em um mo-
mento de tumulto nas universidades públicas, as universidades privadas depen-
diam de acadêmicos das universidades públicas que quisessem obter uma renda
extra e, portanto, a maioria destes acadêmicos foram transferidos com os pro-
gramas completos para as universidades privadas. Em alguns casos, os acadêmi-
cos que não foram capazes de obter cargos acadêmicos de sêniores nas universi-
dades públicas devido à falta das qualificações acadêmicas e profissionais neces-
sárias para a mobilidade, mudaram-se para as universidades privadas, nas quais
receberam tais cargos sem qualquer esforço acadêmico. Infelizmente, esta práti-
ca ainda existe e as universidades privadas foram incapazes de construir uma
cultura e critérios de base ampla para a excelência acadêmica, nem mesmo um
componente de desenvolvimento de equipe para apoiar seus programas acadê-
micos. Certamente, alguns estudos mostraram que mais de 70 por cento dos
professores acadêmicos das universidades privadas nunca fizeram uma publica-
ção e mais da metade da população compareceram a apenas um ou dois con-
gressos (Ngure 2013). Mesmo assim, a maioria destes acadêmicos ocupavam
cargos acadêmicos seniores. O significado disto é que as universidades privadas
nunca realmente tiveram uma estratégia de excelência acadêmica de base ampla
e a maioria de seus programas acadêmicos foram plagiados das universidades
públicas. O currículo das instituições também permaneceram focados nas Ciên-
cias Sociais e em níveis de bacharelado.
Apesar das diretrizes de qualidade da CEU especificarem que, pelo me-
nos 25% das matrículas totais da universidade consistirem de alunos de pós-
graduação, a maioria dos programas das instituições privadas acabam com o
nível de bacharelado. O governo estimou que o setor universitário no Quênia
precisava de graduar, coletivamente, uma média de 2.400 PhDs por ano du-
rante cinco anos se o país quisesse atender às exigências de recrutamento para
conquistar a TBM de 10% de matrículas no ensino superior até 2022 (Republic
of Kenya 2012). A contribuição das universidades privadas, conforme operam
no presente para atender esta meta, serão insignificantes. As tendências atuais
não apontam se as universidades privadas estão reorientando seus programas

313
OANDA, I.; McCOWAN, T. • Cenário emergente do ensino superior privado no Quênia

para a conquista das metas desta política. Isto porque cerca de um terço dos
alunos das universidades privadas estão matriculados em cursos para a conces-
são de diplomas ou certificados, sendo sua maioria financiada de maneira priva-
da (Waruru 2015). A CEU tentou interferir e corrigir esta anomalia, garantindo
que as universidades deixem de oferecer cursos a não ser as de graduação. Mas
esta tentativa enfrentou uma resistência das universidades privadas, que obtém
de 30% a 40% de sua renda dos alunos dos cursos de diploma ou certificado
(Waruru 2015). Visto por este ângulo, seria sustentado que as universidades pri-
vadas no Quênia estão contribuindo com as mesmas distorções que, em primei-
ro lugar, deveriam ser obrigadas a ajudar a corrigir.
Fora os problemas de qualidade, um problema relacionado à expansão
das instituições privadas, em particular, é que a maioria ainda não oferece cur-
sos de Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática. Elas estão, em vez dis-
so, focadas em programas de Artes, Humanas e Negócios. Isto quer dizer que as
universidades públicas, geralmente desacreditadas, ainda arcam com a respon-
sabilidade de oferecer treinamento nestas áreas, algumas das quais geralmente
contém custos financeiros superiores. A falta de investimentos gerais nos pro-
gramas de Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática é uma causa de
preocupação, dado o fato de que o país ainda experimenta um déficit de habili-
dades nestas áreas. E a demanda por estes cursos entre os alunos qualificados
ainda existe. Dados dos Serviços de Colocação Central dos Colégios e Universi-
dades do Quênia mostram que a maioria dos alunos que se qualificaram para
cursos em medicina, engenharia e tecnologia não seriam colocados devido à
falta de capacidade das instituições, mas ao longo dos anos, as instituições
privadas não se mobilizaram para abordar esta lacuna. Então, a descrição do
setor de ensino superior puramente privado como absorvedor da demanda
nunca foi verdadeira. Talvez as inovações no setor público foram verdadei-
ras a esta descrição.

Surgimento da diferenciação
Mas o setor do ensino superior privado não pode ser descrito como intei-
riço. Enquanto a demanda por acesso nas universidades continuou a modelar o
crescimento do setor de ensino superior de maneira geral, a evidência crescente
do desemprego dos graduados contribuiu para remodelar o caráter do ensino
superior privado, oferecido no setor puramente privado ou público. Desta for-
ma, o comportamento das instituições e dos programas que ofereciam foi condi-
cionado a como são capazes de unir a acessibilidade e a empregabilidade como
dois atributos que sustentam sua reputação. Isto, obviamente, pode não ser ver-

314
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

dade, mas funcionou para atrair diferentes alunos com diferentes objetivos a
diferentes instituições.
Estimado o número de candidaturas, aparentaria que as universidades
públicas ainda permanecem como instituições de escolha, mesmo aos alunos
que buscam admissões como alunos privados. A fim de deter a pressão das uni-
versidades públicas por alunos, as universidades privadas elaboraram estratégias
que segmentaram as instituições e seus programas. Por exemplo, a Strathmore
University, uma universidades privada recente em relação à sua situação de ní-
vel universitário, projetou e reuniu diversos programas executivos com altas ta-
xas de matrícula que não ofereciam, necessariamente, qualquer conteúdo novo,
mas que acabou atraindo uma clientela específica mesmo além do Quênia3. Uti-
lizando esta estratégia, a Strathmore conseguiu evitar a tentação da massifica-
ção, e ainda é financeiramente operacional com uma avaliação positiva do mer-
cado. No meio, estão as instituições que permanecem fixas no período anterior
ao ano de 2000, mas que seguiram fortes em alguns programas. A Daystar Uni-
versity, com seu curso de Bacharelado em comunicação, e os cursos de Admi-
nistração Internacional de Empresas da USIU permaneceram como melhores
ilustrações destas tendências. Além de permanecerem pequenas e focadas, algu-
mas instituições como a USIU e a nova participante, a Mt Kenya University,
adotaram as Ciências Médicas, uma área curricular que as universidades priva-
das mantiveram excluída no passado devido aos altos custos envolvidos no lan-
çamento dos programas.
Por outro lado, há o surgimento de admissões flexíveis e com baixa taxa
de matrícula e mais instituições que oferecem diplomas e certificados. A Mt
Kenya University, uma universidade secular recente, liderou esta tendência por
meio da abertura de um campi em vários lugares do interior do país e na África
Oriental. A universidade tomou medidas para abrir um campus na capital da
Somalilândia, Hargeisa. A Somalilândia se declarou como um estado indepen-
dente não reconhecido pelas Nações Unidas, o qual se separou da Somália apos
anos de conflitos civis. Ela também abriu campus em Kigali, Ruanda e em Kam-
pala, Uganda. A atitude ousada da Mount Kenya University foi influenciada
pela concorrência na África Oriental, e uma evidência emergente de que o aces-

3
Uma análise do curso de bacharelado em Ciências Informáticas oferecido na University of
Nairobi mostra que na Strathmore University, o programa foi dividido em três programas
diferentes de bacharel. São eles: Bacharel em Ciências em Tecnologia da Informação Empresaria,
Bacharel em Ciências em Informática e Ciências Informáticas e Bacharel em Ciências em
Telecomunicações. Isto significa que um programa que é oferecido como um único curso na
Nairobi foi dividido em três programas diferentes de graduação na Strathmore.

315
OANDA, I.; McCOWAN, T. • Cenário emergente do ensino superior privado no Quênia

so ao ensino superior na região ainda permanecia inadequado, com evidências


mostrando que apenas 4,2 por cento do grupo de idade entre os 18 e 25 anos na
região da África Oriental possui acesso ao ensino universitário, enquanto 6,4
por cento está matriculado em instituições de treinamento não universitário. A
concorrência por alunos entre as universidades privadas do Quênia foi intensifi-
cada, com instituições adotando mídias tanto eletrônicas quanto impressas para
anunciar programas e exibir os desempenhos, comprando tempo de antena one-
roso na televisão em mídias impressas; exibindo os ex-alunos importantes que
consideram modelos; a maioria personalidades corporativas de sucesso empre-
sariais e de mídia – para provar que produziram graduados de classe mundial
(Waruru 2013).
Entretanto, no centro desta concorrência encontra-se uma crise emergen-
te na qualidade e na credibilidade. A CEU declara que as universidades privadas
estão progressivamente estabelecendo departamentos e lançando novos cursos
antes de obterem o reconhecimento obrigatório da instituição. Algumas univer-
sidades iniciam programas antes para apenas depois arquivarem uma solicita-
ção junto à comissão de reconhecimento, geralmente utilizando alunos para
pressionar a comissão para emitir o reconhecimento. As universidades públicas,
em uma concorrência para expandir as matrículas dos alunos privados, também
foram pegas nessa teia de mentiras com órgãos profissionais recusando a reco-
nhecer os alunos de diversos programas. Seria dito que a expansão dos alunos
privados em universidades públicas e a entrada da Strathmore University e da
Mt Kenya University fizeram mais para alterar o cenário do ensino superior
privado no Quênia em comparação ao impacto que as seis universidades priva-
das reconhecidas anteriores fizeram.

Conclusão
O Quênia, portanto, mostra evidências de ambas as principais formas
contemporâneas de privatização: crescimento das instituições privadas e o sur-
gimento da privatização no setor público. Mas quais são as implicações desta
privatização para o acesso e a qualidade no sistema? Dado que, segundo Mar-
ginson (2008), não possamos supor uma correspondência necessária entre a
propriedade pública e o benefício público, ou entre a propriedade privada e o
benefício unicamente privado, qual é a natureza dos bens produzidos por este
setor?
Conforme foi explorado acima, o setor privado no Quênia possui algu-
mas características contraditórias. Inicialmente promovido como um setor ab-
sorvedor da demanda que resolveria os problemas de acesso do Quênia, esta

316
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

função foi, de fato, assumida pela corrente paralela nas universidades públicas.
Em alguns casos, o setor privado representou uma opção “melhor”, com insti-
tuições de elite, tais como a Strathmore e a USIU, mas as principais universida-
des públicas ainda são de maior prestígio. No entanto, preocupações acerca de
proporções aluno-equipe muito grandes nas universidades públicas, e mais aten-
ção às habilidades profissionais em algumas universidades privadas, podem le-
var os alunos em direção a estas. Finalmente, em termos de “diferente” de Gei-
ger, há algumas diferenciações das instituições privadas em relação à orientação
religiosa. Entretanto, eles exerceram uma função insuficiente neste sentido, com
um alto grau de plágio de cursos das instituições existentes, com evidência de
diluição da missão e sem diversidade suficiente para oferecer. O setor é caracte-
rizado mais pela diferenciação vertical que horizontal. Há sinais de estratifica-
ção crescente, com diferenciais de taxas de matrícula correspondentes às dife-
renças na qualidade do curso e no prestígio do diploma no mercado de trabalho.
Em termos de impacto sobre o acesso, não há dúvidas de que o setor
privado trouxe alguns benefícios no aumento do número total de vagas disponí-
veis. Entretanto, a expansão não atendeu às expectativas. Ademais, a captação
das universidades privadas não pertence exclusivamente ao Quênia, aceitando
alunos de diversos países e, combinada com as altas taxas de matrícula em algu-
mas universidades, tais como a Strathmore e a USIU, este fator exclui um núme-
ro de alunos quenianos. Conforme declarado acima, a corrente paralela nas
universidades públicas está expandindo rapidamente o número de vagas. Toda-
via, trata-se de uma política altamente injusta, permitindo que famílias abona-
das do país possam “comprar” sua passagem para as universidades públicas de
prestígio. Ademais, há a concepção de que, em alguns programas, tais como
Ciências Médicas, os alunos privados recebem mais atenção e instruções de qua-
lidade em comparação aos alunos regulares, uma situação que tem causado,
ocasionalmente, o ressentimento dos alunos regulares.
Em termos de qualidade de prestação, algumas universidades privadas –
especialmente as sem fins lucrativos – mantiveram a proporção aluno-equipe
inferior à das instituições públicas, permitindo que, em alguns casos, prestem
instrução de melhor qualidade em um certo número de programas. Há, tam-
bém, esforços concertados em algumas instituições privadas para implantar pro-
gramas de desenvolvimento do corpo docente e para aprimorar a pedagogia,
introduzindo abordagens de ensino e aprendizagem mais participativas. Entre-
tanto, elas não expandiram a uma ampla gama de programas e, para a maior
parte, não estão fornecendo cursos nos quais há uma necessidade de desenvolvi-
mento local e nacional. Com exceção da Aga Khan University, que oferece Ci-
ências da Saúde, poucas universidades privadas oferecem cursos mais caros. Ade-

317
OANDA, I.; McCOWAN, T. • Cenário emergente do ensino superior privado no Quênia

mais, além do ensino aos alunos de graduação, a contribuição das instituições


privadas é mínima. Elas oferecem pouco no sentido de estudos de pós-gradua-
ção, pesquisa e envolvimento comunitário.
O setor público no ensino superior do Quênia encontrou desafios signifi-
cativos nestas poucas décadas de existência e isto levou a apelos pela entrada do
setor privado para resolver problemas de acesso e qualidade. Entretanto, uma
análise mais profunda demonstra que é necessário um grande cuidado com esta
solução pretendida. Em vez de presumir que a privatização atuará como uma
bala de prata, os legisladores precisam lutar com a complexa questão das formas
mais eficazes de investimento no contexto de limitação de recursos, de forma a
garantir um sistema genuinamente justo, permitindo que os alunos adquiram os
atributos dos quais precisam para levarem uma vida plena e garantirem o desen-
volvimento de sua sociedade.

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319
320
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

Sobre os autores e as autoras


Adrián Zancajo es licenciado en economía por la Universidad Autónoma de
Barcelona (UAB) y máster en investigación en educación en la misma uni-
versidad. Actualmente, se está realizando el doctorado en sociología sobre el
mercado educativo en Chile. Participa en los proyectos de investigación “Las
nuevas reformas de cuasi-mercado en la educación en América Latina” (EDU-
MERCAL) y “Public-Private Partnerships in Educational Governance”
(EDUPARTNER). Ha colaborado con Education International, Fundació
Jaume Bofill y el Observatori Català de la Joventut. Sus principales áreas de
interés son las políticas de privatización de la educación, las desigualdades
educativas y la evaluación de las políticas educativas. Zancajo es miembro
del grupo de investigación Globalización, Educación y Políticas Socials
(GEPS), que forma parte del Grupo Interdisciplinario de Políticas Educati-
vas (GIPE-IGEP).
Antoni Verger é investigador “Ramon y Cajal” (2011-2016) y Marie Curie (2012-
2016) en el Departamento de Sociología de la Universidad Autónoma de
Barcelona y miembro del grupo de investigación Globalización, Educación
y Políticas Socials (GEPS). Se doctoró en Sociología en la misma Universidad
en diciembre de 2007 con una tesis sobre ‘EL AGCS/OMC y la política
educativa global’, que fue publicada por Routledge (New York) en 2010. Una
vez completado el doctorado, obtuvo una plaza de investigador post-doctoral
en el Amsterdam Institute for Social Science Research (AISSR) de la
Universidad de Amsterdam. En la actualidad, sus áreas principales de
investigación son, por un lado, la gobernanza educativa global y el rol de los
organismos internacionales, redes de sociedad civil y el sector privado en la
política educativa internacional y, por otro lado, el análisis de la privatización
educativa, las alianzas publico-privadas y los cuasi-mercados educativos y su
impacto en las desigualdades educativas. Además de participar en numerosos
proyectos competitivos, Verger ha desarrollado proyectos de investigación y
consultoría para la UNESCO, la Campaña Mundial de la Educación, la
Internacional de la Educación y diversas agencias de desarrollo internacional.
Belmiro Gil Cabrito é graduado em Economia (1972) e em Ciências Sociais e
Políticas (1978) pela Universidade Técnica de Lisboa; mestre (1993) e dou-
tor em Ciências da Educação, pela Universidade de Lisboa. Professor Asso-
ciado Aposentado do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, des-
de 2011. Foi coordenador da pós-graduação em Ciências da Educação na-

321
Sobre os autores e as autoras

quele Instituto. Orienta/ou dezenas de teses de mestrado e doutoramento


de estudantes de Portugal, Brasil, Guiné Bissau, Cabo Verde e Angola e de
pós-doutorandos de Portugal, Brasil e Espanha. Foi/é investigador em pro-
jectos de pesquisa nacionais e internacionais, nomeadamente nos domíni-
os da economia e financiamento da educação e da mobilidade internacio-
nal e emigração dos diplomados do ensino superior. É membro do Conse-
lho Científico de diversas revistas científicas portuguesas e brasileiras; tem
publicados vários livros e dezenas de artigos científicos. É membro funda-
dor da EDUCA e da AFIRSE Portugal.
Daniela Pires Mestre (2009) e Doutora (2015) em Educação pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, na linha de pesquisa de Política e Gestão de
Processos Educacionais, atuando principalmente nos seguintes temas: Esta-
do, Educação, Direitos Sociais e Políticas Públicas. Graduação em História
Licenciatura Plena pela Universidade Federal de Santa Maria (2004) e gra-
duação em Direito pelo Centro Universitário Franciscano (2005). Professora
Universitária na Fundação Escola Superior do Ministério Público.
Dante J. Salto es candidato al grado de Doctor en Política y Administración de
la Educación de la StateUniversity of New York (SUNY) at Albany (Estados
Unidos). Se desempeña como Investigador Doctoral Asociado del Programa
de Investigación en Educación Superior Privada (PROPHE) dirigido por
Daniel Levy, es Asistente de Docencia en SUNY y es Asistente de Investiga-
ción en la Universidad Nacional de Córdoba (Argentina). Obtuvo un Master
en Política y Administración de la Educación (SUNY) y es Licenciado en
Ciencias de la Educación por la Universidad Nacional de Córdoba. Está fi-
nalizando sus estudios de doctorado con dos prestigiosas becas otorgadas
por Fulbright y por la Organización de los Estados Americanos. Sus intere-
ses en investigación incluyen el estudio de políticas de educación superior en
América Latina y Argentina, posgrados, regulación, privatización, interna-
cionalización y aseguramiento de la calidad. Ha publicado artículos en revis-
tas académicas, capítulos de libros y en enciclopedias especializadas.
Emília Vilarinho é Doutora em Ciências da Educação, área de conhecimento
de Política Educativa Universidade do Minho. É professora auxiliar do De-
partamento de Ciências Sociais da Educação do Instituto de Educação –
Universidade do Minho onde tem lecionado diferentes disciplinas nas áreas
científicas de Política Educativa, Administração Educacional, Sociologia da
Educação, Sociologia da Infância em diferentes cursos de graduação e pós-
graduação. Coordenação de Especialização de Formação, Trabalho e Recur-
sos Humanos do curso de mestrado em Educação. É investigadora do Cen-
tro de Investigação em Educação da Universidade do Minho, integrando a

322
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

equipa do projeto Reformas do Estado, políticas públicas e educação ao longo da


vida: novas geografias e desigualdades sócio educativas.
Estela M. Miranda es Doctora en Ciencias de la Educación por la Universidad
Nacional de Córdoba. Profesora Titular de Política Educacional y Legislación
Escolar. Directora del Grupo de Investigación: “Estudios sobre políticas
educativas” (GiEPE) (CIFFYH-UNC). Miembro del Consejo Académico
de la Red Latinoamericana de Estudios Epistemológicos en Política Educativa
(ReLePe). Coordinadora del Núcleo de Estudios e Investigaciones en
Educación Superior del Mercosur (NEIES-Mercosur). Editora de la Revista
Digital “Integración y Conocimiento” del NEIES-Mercosur. Miembro del
Comité Académico de Doctorado en Ciencias de la Educación (2013-2016).
Directora del Doctorado en Ciencias de la Educación (2002-2013)(FFYH-
UNC). Miembro de Comités editorial y científico de journals y revistas
nacionales e internacionales. Ha publicado libros y artículos en revistas
científicas en temáticas referidas a políticas educativas, con énfasis en la
educación secundaria y educación superior en Argentina y América Latina.
Fátima Antunes é Doutora em educação/sociologia da educação, professora
associada do Instituto de Educação da Universidade do Minho, investigado-
ra do Centro de Investigação em Educação da Universidade do Minho. Pes-
quisa, leciona e publica sobre: globalização, europeização e políticas educa-
tivas; governação, políticas públicas e reforma do Estado; regulação da edu-
cação; educação e trabalho; educação e formação profissional. Publicou re-
centemente: (i) Lifelong education and learning, societal project and compe-
titive advantage: tensions and ambivalences in policy and planning of educa-
tional change in Portugal, Globalisation, Societies and Education, 2014, 12:1,
71-91 (com Paula Guimarães); (ii) Quatro décadas de Portugal democrático:
O que oferece aos jovens a educação profissional de nível secundário? In R.
Dore, A. Araújo & J. Mendes (eds.) (2014), Evasão na Educação: Estudos, Polí-
ticas e Propostas de Enfrentamento. Brasília: Brasília Editora/RIMEPES, pp.
103-129 (com Virgínio Sá); (iii) Reforma do Estado e políticas públicas: a
governação em ação. Notas de um estudo no campo da Educação e Forma-
ção de Adultos em Portugal. In V. M. V. Peroni (org.) (2013), Redefinições das
Fronteiras entre o Público e o Privado: implicações para a democratização da educa-
ção. Brasília: Liber Livro, pp. 82-119.
Ibrahim Oanda Ogachi é Professor associado da Kenyatta University, área de
especialização: Sociologia da Educação, Educação Superior, Políticas Sociais.
Publicou recentemente: With James o. Jowi, Milton Obamba, Chika Sehoole,
and Goski Alabi; Governance of Higher Education, Research and Innovation
in Ghana, Kenya and Uganda. OECD Programme on Innovation, Higher

323
Sobre os autores e as autoras

Education and Research for Development IHERD,201, Internationalization


of Higher education and Implications for Research and Development Trends
in African Universities, in ‘The Development of Higher Education in Africa;
Prospects and Challenges. Emerald group publishing; Pages –69-972013,
December Implications of alternative Higher Education Financing Polices
on Equity and Quality; the Kenyan Experience, In Funding Higher Education
in Sub-Saharan Africa, Damter Teferra, editor, Palgrave MacMillan. Pages
98-129, 2013; December
Kathryn Moeller é professora assistente no Departamento de Estudos de Políticas
Educacionais da Faculdade de Educação da University of Wisconsin-
Madison nos Estados Unidos. Também é afiliada com o Departamento de
Estudos de Gênero e das Mulheres e do Programa de Estudos da América
Latina, Caribe, e Ibérica. Os estudos interdisciplinares da Dr. Moeller está
situado no cruzamento da educação, estudos feministas, estudos de
desenvolvimento e da antropologia cultural. Sua pesquisa foi publicada no
Feminist Studies e International Journal of Educational Development, e tem um
próximo livro com University of California Press, intitulado The Girl Effect:
Corporations and the Politics of Ending Poverty. Ela recebeu bolsas de estudo
do National Science Foundation, Fulbright, Fulbright-Hays, Wenner-Gren
Foundation, and the National Academy of Education/Spencer Foundation
nos Estados Unidos.
Liane Maria Bernardi é doutoranda em Educação pela Universidade Federal
do Rio Grande do Sul – UFRGS. Mestre em Educação (UFRGS/2007), com
Pós-Graduação em Metodologia do Ensino de História (1991). Graduação
em Estudos Sociais (1989). Professora da Rede Municipal de Porto Alegre e
Professora Colaboradora do Curso de Pós-Graduação em Gestão Escolar
UFRGS/MEC.
Lucia Hugo Uczak é Pedagoga. Doutora em Educação pela UFRGS (2014), na
linha de Políticas e Gestão de Processos Educacionais. Atualmente é profes-
sora na Universidade Feevale, no curso de Pedagogia.
Luisa Cerdeira é Professora Auxiliar do Instituto de Educação da Universi-
dade de Lisboa. Foi Pró-Reitora (2010-2013), Chefe de Gabinete do Rei-
tor (2010) e Administradora (2000-2010) da Universidade de Lisboa e tam-
bém Professora Auxiliar Convidada do Instituto de Educação da Univer-
sidade de Lisboa (2006-2010). É Doutora em Ciências da Educação pela
Universidade de Lisboa (2009). É membro de diversos projetos de pes-
quisa nacionais e internacionais, tendo como principais focos de interes-
se as políticas de ensino superior, financiamento da educação e ensino
superior e gestão do ensino superior. É Presidente do FORGES – Fórum

324
Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação

da Gestão do Ensino Superior nos Países e Regiões de Língua Portuguesa


(2012 a 2015) e foi Presidente da Comissão Instaladora do FORGES (No-
vembro de 2011 a Novembro de 2012). Consultora Externa – Especialista
em Financiamento do Ensino Superior em 2010, 2011 e 2012 do Banco
Mundial, entre outras atividades e entidades.
Laura R. Rodríguez es profesora investigadora en Política Educacional en el
Departamento de Educación, Universidad Nacional de Luján, Magister en
Política y Gestión de la Educación, Doctoranda en Ciencias Sociales/Uni-
versidad de Buenos Aires.
Maria Otilia Kroeff Susin é Doutora em Educação pela Universidade Federal
do Rio Grande do Sul/UFRGS. Professora aposentada da Rede Municipal
de Ensino de Porto Alegre. Atua em pesquisa do Núcleo de Estudos de
Políticas e Gestão da Educação da Faculdade de Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente exerce a função de Conselheira no
Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul.
Maria Raquel Caetano é Doutora em Educação pela UFRGS, integra o grupo
de pesquisa “Parcerias entre sistemas públicos e instituições privadas do Ter-
ceiro Setor: Brasil, Argentina, Portugal e Inglaterra: implicações para a de-
mocratização da educação”. Atualmente é professora e coordenadora da pós-
graduação no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul Rio-
grandense – Campus Charqueadas.
Rolando Pinto Contreras é Académico Chileno, Doctor en Ciencias de la
Educación, Profesor de Estado en Filosofía y Sociólogo del Desarrollo.
Fue Jefe del Programa de Capacitación Agro-económica de campesinos
beneficiarios de la Reforma Agraria, durante el tiempo del Gobierno de la
Unidad Popular; estuvo exiliado en Bélgica y regresa a Chile en 1990 donde
hizo carrera académica en la Pontificia Universidad Católica de Chile, de
donde jubiló en el año 2008. Actualmente está vinculado con el Programa de
Maestría en Educación de Jóvenes y Adultos, Universidad de Playa Ancha
(Valparaíso), al ILAES y el PIIE, en diversos Proyectos de Investigación y de
acompañamiento de acciones innovadoras crítica en educación.
Recientemente ha publicado dos libros importantes en el ámbito de la
Pedagogía Crítica: “Principios Filosóficos y Epistemológicos del ser Docente”
(2012), CECC/SICA, San José (Costa Rica) y “Pedagogía Crítica para una
Educación Pública y Transformativa en América Latina” (2014), Derrama
Magisterial Ediciones, Colección “Cooperación con la Formación Docente
en América Latina”, Volumen II, Lima (Perú), elaborado con la colaboración
de Jorge Osorio Vargas.

325
Sobre os autores e as autoras

Susana E. Vior es profesora de Política Educacional Ergentina y Comparada,


Directora de la Maestríaen Política y Gestión de la Educación de la Univer-
sidad Nacional de Luján. Es Investigadora I en el Programa Nacional de
Profesores Investigadores (Argentina).
Tristan McCowan é docente e pesquisador do Department of Education,
Practice and Society, UCL Institute of Education, University College Lon-
don. Seu trabalho atual concentra-se principalmente sobre o ensino supe-
rior no contexto internacional, abordando questões de acesso, currículo,
internacionalização e modelos alternativos da universidade. Interesses de
pesquisa incluem educação para a cidadania, direitos humanos e aborda-
gens participativas. Atua em grande parte da América Latina – especial-
mente o Brasil –, mas também em outras partes do mundo, incluindo Afri-
ca Subsaariana.
Vera Maria Vidal Peroni é Doutora em Educação e professora da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) nos cursos de graduação e pós-
graduação em educação. É pesquisadora produtividade CNPQ. Participa do
grupo nacional de pesquisa sobre a relação entre o público e o privado na
educação. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Política
Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas: Estado e política
educacional, política educacional brasileira, relação público/privado. Sua pes-
quisa mais recente trata das “Implicações da relação público-privada para a
democratização da educação”.
Xavier Bonal es profesor de Sociología en la Universidad Autónoma de Bar-
celona, Special Professor of Education and International Development en la Uni-
versidad de Amsterdam, director del centro Globalización, Educación y Políti-
cas Sociales (GEPS) y director del Máster Erasmus Mundus GLOBED: Edu-
cation Policies for Global Development. Ha sido miembro fundador de la
red Europea sobre Globalización y Educación (GENIE) y miembro de la red
de expertos en ciencias sociales y educación (NESSE) de la Comisión Eu-
ropea. Ha realizado investigaciones en el ámbito de la sociología de la edu-
cación y la política educativa en España, Europa y América Latina. Ha
sido consultor para diversos organismos internacionales y profesor invita-
do en diversas universidades europeas y latinoamericanas. Cuenta con nu-
merosas publicaciones en revistas nacionales e internacionales y es autor
de varios libros. Entre 2006 y 2010 ocupó el cargo de Adjunto al Síndic de
Greuges (Defensor del Pueblo) de Cataluña para la defensa de los derechos
de la infancia.

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9 788578 435394

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