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Bem Vindo A Terra Prometida PDF
Bem Vindo A Terra Prometida PDF
Greg Cox
Traduzido por:
Vinícius Fernandes
Helena Padim
Disponível em:
brenooficial.wordpress.com
UM
Talvez hoje…?
— Isso mesmo — disse Tom. Ele não conseguia evitar pensar qual o tipo de
habilidade que a guarda possuía; todo o povo de Collier havia sido mudado por
promicina de um jeito ou de outro, e acreditava que tinha um destino sagrado de
mudar o mundo. Até o nome do desastre era controverso. Collier e seus seguidores
de referiam a ele como “O Grande Passo Adiante”. A maioria do resto o chamava de
“50/50”.
Ele manteve a voz neutra, sem querer provocá-la. A guarda não parecia
estar armada, mas isso pouco importava no que dizia respeito aos p-positivos. Pelo
que Tom sabia, essa mulher podia matá-lo com um pensamento.
Tom sentiu-se tentado a deixar claro que ele nascera e crescera em Seattle
e que tinha muito mais direito de viver ali do que qualquer outra pessoa, mas
segurou sua língua. Tinha assuntos mais importantes com os quais lidar hoje,
desde que ele conseguisse sair da cidade.
— Por favor, saia do veículo — pediu o jovem guarda. Ele deu um passo
para longe da porta.
Tom estava sentado no sofá de sua sala de estar, com a seringa nas mãos.
O estranho brilho amarelo da promicina causava arrepios em sua espinha. Ele havia
testemunhado de perto o efeito causado naqueles que não tiveram sorte suficiente
para fazer história com o 50/50, vendo o sangue brilhoso jorrar de seus olhos e
narizes como convulsões violentas que consumiam os últimos momentos de suas
vidas. Tomar a dose era como brincar de roleta russa, mas com os piores
acidentes. Sua própria irmã havia sido morta pela promicina menos de uma
semana antes, junto com milhares de vítimas inocentes.
Alguns anos antes, ele não teria levado a sério essa conversa sobre
profecias e destino. Havia sido um agente federal cético com curta paciência para
papo furado sobre ficção científica. Mas isso fora antes de 4400 pessoas
desaparecidas aparecerem repentinamente nas cercanias de Seattle com estranhas
habilidades e sem memórias de onde haviam estado. Os 4400 viraram o mundo de
Tom de cabeça para baixo, mesmo antes de ele descobrir que o retorno deles fora
providenciado por agentes do tempo do futuro, como parte de um plano elaborado
para impedir uma catástrofe eventualmente. No começo, somente os 4400
“retornados” possuíam habilidades sobrenaturais, mas uma vez que o
neurotransmissor responsável pelos seus dons fora isolado e replicado—por uma
iniciativa patrocinada pelo governo, ironicamente—o gênio da promicina saíra da
garrafa. Agora, Tom não sabia no que acreditar. Nesse cruel mundo novo de
viagens no tempo, telepatia, projeção astral, e qualquer outro caso de esquisitice,
por que um livro mofado não podia predizer seu futuro? Especialmente se ele
tivesse sido implantado no passado por agentes do futuro.
— Não sei — replicou Tom, balançando a cabeça. — Não tenho certeza se estou
pronto para isso. Não depois de tudo pelo que passei recentemente.
Sua mão foi até sua orelha esquerda, onde os dedos encontraram uma
marca em forma de X escondida atrás do lóbulo. A intrigante cicatriz era um
lembrete de que, há menos de uma semana, Tom havia sido Marcado por
conspiradores do futuro, que haviam tomado mentes e corpos de homens e
mulheres proeminentes numa tentativa traiçoeira para impedir que Collier e seus
seguidores mudassem o futuro. Os Marcados, que pertenciam a uma facção rival
aos viajantes do tempo que haviam retornado os 4400 ao presente, haviam
injetado máquinas microscópicas—nanômetros—em Tom que haviam substituído
sua personalidade por a de um impostor sem piedade que faria de tudo, até mesmo
assassinato, para cumprir a sinistra agenda dos Marcados.
Kyle achava que tomar a dose faria tudo melhorar. Isso justificaria toda a
dor e sofrimento que Tom vinha enfrentando e abriria uma porta para um futuro
melhor para toda a raça humana. Tom não tinha tanta certeza…
— Acabei de voltar a mim, Kyle. Acabei de… tirar essas coisas do meu
cérebro — Ele colocou a seringa na mesinha, ao lado das fotos acusadoras. Olhou
para o filho, esperando que Kyle entendesse. — Não estou pronto para injetar outra
poção do futuro no meu corpo. Mesmo que isso não me mate, não quero mais
mudar. Quero ser o simples, comum, Tom Baldwin novamente.
— Talvez — disse Tom. Ele odiava ter que desapontar Kyle desse jeito. O
recém-formado comitê de seu filho para a causa de Collier se punha com frequência
entre eles. Ainda assim, ele colocou a seringa numa malinha almofadada e fechou a
trava. — Mas não hoje.
Tom se lembrava ter levado Kyle ali anos atrás. Uma nostalgia angustiante
trespassou seu coração enquanto ele se recordava de como o garoto havia gostado
de explorar a velha fortaleza. Juntos, eles haviam empunhado as armas anciãs e
fingido atirarem em navios de guerra imaginários. A vida parecia muito mais
simples antes. Agora Kyle era um homem crescido, empenhado nas perigosas
ambições de Jordan Collier, e os verdadeiros invasores vieram através do tempo,
não do mar. Fort Casey era mais obsoleto do que sempre.
O ex-chefe de Tom era magro, tinha cabelos negros e era mais ou menos vinte
anos mais velho que ele. Um casaco de lã cinza cobria sua figura magra. Astutos
olhos castanhos surgiam em seu rosto traiçoeiro. Depois de ter sido expulso da
NTAC por causa de um grande escândalo há três anos, Ryland acabou na
Corporação Haspel, uma firma privada de segurança que geralmente trabalhada
lado a lado com os federais quando dizia respeito a destruir 4400 e outros
positivos. Se duvidasse, Ryland até tinha mais poder do que antes—e menos
supervisão. Isso o fazia um homem perigoso. Muito perigoso, até onde Tom sabia.
Ryland olhou para um caro relógio de pulso Rolex. A vida num setor
privado claramente tinha seus benefícios.
— Pensei nisso — confessou Tom. Ele e Dennis haviam sido amigos uma
vez, mas havia pouca amizade sobrando entre eles atualmente. Tom ainda julgava
p-positivo como pessoas; Ryland os via apenas como ameaças a serem
neutralizadas e preferencialmente eliminadas. A amizade deles não tinha
sobrevivido a esse confronto de pontos de vista. — É melhor que isso valha a
viagem.
— Desculpe te fazer vir até aqui — disse Ryland —, mas, como você sabe,
eu não sou mais bem-vindo em Seattle.
— Imagino — disse Tom. Entre outras coisas, Ryland estivera por trás de
um complô para envenenar os 4400 originais com uma droga experimental que
quase matou todos os retornados, inclusive o próprio sobrinho de Tom. Embora
Ryland tivesse recebido apenas uma leve punição devido ao infame Escândalo do
Inibidor, Collier e seus seguidores se referiam a ele como “criminoso de guerra”.
Banir Haspelcorp de Seattle era apenas um dos primeiros itens na agenda de
Collier. Da última vez que Tom ouvira, a empresa estava localizada fora de Tacoma,
o que ainda era perto demais para conforto.
Talvez para algumas pessoas, pensou Tom. Ainda assim, ele estava
relutante em julgar Tanaka tão cruelmente. Quem sabia o tipo de pressão que
Ryland e seus comparsas exerciam sobre ela para sua cooperação? Sem mencionar
o fato de que a linha entre os mocinhos e os bandidos estava ficando realmente
borrada. Tanaka não era a única cujas alianças haviam mudado com o tempo. Às
vezes, até mesmo Tom não sabia de que lado estava.
— Acha que estou Marcado? — Ryland bufou com a ideia. — Está ficando
paranoico, Tom.
— Tenho razões para estar. — Tom não estava surpreso que Ryland sabia
sobre os Marcados; sem dúvida seus contatos no Comitê de Inteligência haviam lhe
contado sobre os conspiradores ladrões de corpos. Ele se postou atrás de Ryland e
de Tanaka. — Se não se importam.
— Se isso te deixar mais tranquilo. — Ele deixou que Tom olhasse atrás de
sua orelha. Para o alívio do agente, a pele sob o lóbulo não continha uma cicatriz
no formato de um X.
— Percebe que isso é uma perda de tempo, não percebe? — objetou Ryland. —
Dificilmente eu precisaria ser possuído por uma sinistra entidade do futuro para
querer salvar o país dos 4400 e do movimento revolucionário de Collier.
Ele tem razão nisso, admitiu Tom. Marcar Ryland seria redundante; o homem já era
obcecado em destruir os 4400.
Tom não gostou de como aquilo soou. Era apenas um blefe ou ele estava mesmo
tomando lados com os Marcados? Deus sabe que eles tinham planos parecidos e
andavam no mesmo imponente círculo industrial-militar. Isso poderia trazer
grandes problemas.
Convencido de que o preconceito de Ryland vinha dele mesmo, e que não fora
implantado por algum dos Marcados, Tom se moveu na direção de Tanaka. Havia
mais alguma outra coisa nela que interessava Ryland?
— Com licença — disse ele enquanto se postava atrás dela. — Seus óculos.
De costas para Tom, ela removeu os óculos. Dedos delicados tiraram o cabelo de
sua orelha. Uma lufada de perfume fez cócegas nas narinas de Tom.
Faria se eu fosse solteiro, pensou Tom. Ele estivera se envolvendo com sua chefe,
Meghan Doyle, havia meses. E, para dizer a verdade, às vezes ele checava por trás
da orelha quando estavam fazendo amor ou no chuveiro. Ele tentava ser sutil com
isso, mas suspeitava de que Meghan sabia o que ele fazia, mesmo que ela nunca
houvesse dito alguma coisa. Meghan entendia o que os Marcados haviam feito com
ele. Ela fora umas das primeiras que enxergara através do falso Tom.
— Isso não é da sua conta — replicou ele. A pele da mulher provou estar
igualmente sem marcas e ele se distanciou dela. Ela colocou os óculos.
— Cuidado com o que diz. — Tom o alertou. Ele ficou tentado a socar
Ryland no nariz, mas escolheu não ceder. Afinal de contas, ele ainda não sabia por
quê o homem pedira este encontro. — O que você quer, Dennis?
— Claro que não. — Tom não confiava nem um pouco em Collier, mesmo
que eles tivessem sido forçados a trabalharem juntos em uma ocasião. De fato,
NTAC já estava fazendo o melhor para ficar de olho em Collier e em sua
organização, dada a situação atual. Mas ele não gostava de receber ordens de
gente como Ryland. — Deixe o Kyle fora disso.
— Você não vai ganhar aqui, Dennis. Por que deveria te ajudar?
- Aposta mesmo nisso? — Ryland o desafiou. — Além disso, tenho minhas próprias
fontes de informação.
— Quais?
1
N. do T.: Uma lenda de espíritos local. Conta a lenda que Typoid Mary infectou grande parte da cidade
onde vivia, Irondequoit, uma cidadezinha em Monroe Country, New York. O termo hoje é usado para
descrever pessoas com algum tipo de doença altamente contagiosa.
— Como?
— Aqui está uma pergunta para você: o que aconteceu com os restos
mortais de Danny Farrel?
TRÊS
— Maia? Você está bem? — A porta do quarto se abriu e sua mãe entrou
apressada. Diana Skouris ligou as luzes quando entrou. Seus cabelos castanho-
avermelhados estavam desalinhados por causa da cama. Uma camisola azul de
algodão cobria seu corpo atlético. — Eu a ouvi chorando.
Maia sabia o que sua mãe queria dizer. Desde que ela voltara com o resto
dos 4400 há cinco anos, havia sido abençoada—ou amaldiçoada—com ocasionais
relances do futuro. Às vezes as visões a pegavam quando ela estava acordada;
outras vezes vinham em forma de vívidos sonhos perturbadores. Mas elas sempre
se realizavam.
— É o Richard — ela disse. — Richard Tyler. — Assim como ela, Tyler era
um dos 4400 originais. Da última vez que ela ouvira, ele havia sido preso pelo
governo. — Eu o vi na prisão. Um dos guardas estava tentando matá-lo.
— Pode ser mais difícil do que parece. Vou avisar na NTAC agora mesmo,
mas a Homeland Security o tem numa prisão de alta segurança em Virginia. Isso
está longe de minha jurisdição. Para falar a verdade, não temos acesso ao Richard
há meses.
Maia frustrou-se com a resposta da mãe. O que havia de bom em ter uma
agente da NTAC como mãe se ela não podia usar seu distintivo para salvar a vida
de um homem? Maia não conhecia Richard muito bem, além do fato de que sua
filha maluca uma vez tentara matá-la, mas os 4400 tinham que zelar um pelo
outro. Era isso o que Jordan sempre dizia, e Maia achava que concordava com ele
cada vez mais à medida que ficava mais velha. Mesmo que sua mãe ainda tinha
dúvidas com relação a Jordan.
— Mas, mãe, você tem que tirá-lo da cadeia. Ele não está a salvo lá!
— Queria que fosse fácil assim, querida. — Ela fechou sua camisola. —
Mas, goste ou não, Richard atacou soldados americanos e agentes da NTAC no
passado, então o governo o tem como um terrorista perigoso. Eu vou passar o seu
aviso para agências relevantes, mas ainda acredito que está fora do meu alcance.
Diana tentou dar à sua filha um abraço reconfortante, mas Maia se afastou
dela.
Maia fez uma careta e cruzou os braços sobre o peito. Por que sua mãe não
entendia que Jordan Collier estava certo sobre os 4400 e os outros positivos? Nós
temos que mudar o mundo para melhor. Por isso estamos aqui.
Nascida em 1938, Maia fora abduzida pelo futuro quando tinha oito anos de
idade, então voltara com o resto dos 4400 em 2004. Tecnicamente, isso a fazia
velha o suficiente para a Segurança Social, mesmo que não tivesse envelhecido um
dia enquanto estava sumida.
— Não faça isso comigo — disse Diana. Ela adotara a garota órfã pouco
depois de seu retorno. — Emocional e fisicamente, você ainda tem treze anos. E
isso é muito jovem para se envolver em coisas como essa.
— Mas já estou envolvida — argumentou Maia. — Sou uma dos 4400 e não
posso ignorar o que vejo.
Maia esperou até ouvir sua mãe entrando no seu próprio quarto, então
contou até cem só por segurança. Assumindo que a mulher estava dormindo, ela
saiu da cama e pegou seu BlackBerry de cima da cômoda. Sentiu uma pontada de
culpa por se esconder assim—o smartphone rosa choque fora um presente de sua
mãe—, mas a vida de Richard estava em jogo.
O Centro 4400 fora criado por Jordan Collier antes que ele se tornasse um
revolucionário em seu próprio estilo e um messias. O Centro agora era comandado
pelo sobrinho de Tom, Shawn Farrel. Um dos 4400 originais, ele ficou sumido por
três anos antes de retornar.
— É bom ver você — disse Tom. Embora eles estivessem ali a trabalho, ele
abraçou seu sobrinho amigavelmente. Shawn havia perdido a mãe e o irmão para a
praga, então Tom queria que o jovem soubesse que ele não estava sozinho, que ele
ainda tinha uma família que se importava com ele. — Obrigado por nos colocar na
sua agenda.
— Acredite, não é mais tão difícil quanto antes. Agora que minha carreira
política se encerrou, eu tenho muito mais tempo sobrando.
Aposto que sim, Tom pensou. 50/50 havia acabado com o cargo de Shawn
na assembleia da cidade. A cidade estava muito dividida entre positivos e negativos
para apoiar um candidato que tentava unir os dois lados, sem contar que ele era o
irmão do homem que desencadeara a praga, para começo de conversa.
— Acho que sim. — Shawn apontou para uma caixa vazia. — Embora seja
no Movimento de Jordan que a ação está, nós providenciamos ajuda e serviços para
os positivos que se sentem inconfortáveis com os planos radicais de Jordan. A
maioria é pessoas que se infectaram durante o surto, mas, para ser honesto,
parece não haver muita audiência como antes. Não tenho certeza se o Centro ainda
é influente hoje em dia.
— Temos razões para suspeitar de que alguém possa tentar replicar uma
versão da promicina transportada pelo ar que Danny soltou depois que tomou a
dose — explicou Tom. Ele não mencionou que Ryland era a fonte de tal rumor;
Shawn não tinha razões para confiar num homem que tentara matá-lo. — Pode não
ser nada, mas temos que nos certificarmos.
— Não sei — ele disse. Olhos sofridos e úmidos brilharam. Sua voz ficou
rouca de emoção. — Não podemos simplesmente deixá-lo descansar em paz, ao
lado da mamãe?
Diana saiu do escritório para deixar Tom consolar seu sobrinho a sós. Ela
sabia como a discussão fora difícil para os dois, mas estava aliviada por terem
conseguido o consentimento de Shawn para a exumação. Antes de entrar para a
NTAC, ela trabalhara por pouco tempo no Centro de Controle de Doenças em
Atlanta; se fosse por ela, os restos mortais de Danny teriam sido cremados
imediatamente após sua morte, mas, no caos que se seguiu ao desastre, isso não
aconteceu.
Enquanto seu parceiro estava ocupado com Shawn, ela foi atrás de outra
ponta solta. Uma breve caminhada a levou até a enfermaria do Centro, onde ela
encontrou o Dr. Kevin Burkhoff trabalhando arduamente num laboratório
interligado. O cientista renegado estava agachado sobre um microscópio quando
ela entrou no laboratório. Concentrado na sua tarefa, ele não ouviu quando ela se
postou atrás dele. Um saco aberto contendo sementes de girassóis descansava no
balcão ao lado do microscópio. Escâneres de cérebros estavam pendurados em um
quadro brilhante. Um zumbido de centrifugação ao fundo. Um cheiro de medicina
permeava o ar.
— Oh, Diana! — Ele apertou o peito, onde o coração devia estar batendo
rápido. Secou o sangue no balcão. — Não te ouvi entrando. Me deu um belo susto.
Quando Diana encontrara Kevin pela primeira vez há três anos, ele estava
confinado em um hospício. Embora tivesse recuperado sua sanidade com a ajuda
dos 4400, ele continuava sendo agitado e cheio de energia. Seu fino cabelo liso e
negro estava precisando ser penteado. Uma franja oleosa caía por sua testa
enrugada. Queimaduras de ácido estragavam seu jaleco branco de laboratório.
Reagentes químicos manchavam as pontas de seus dedos.
— Está indo, mas poderia ter progredido muito mais se tivesse suporte das
autoridades. Nem Collier e nem o governo quer que eu continue meu trabalho, por
suas próprias razões, e sei que eles têm pressionado Shawn para me fazer desistir.
— Ele despejou várias sementes em sua palma. — Eu tenho que ficar me ocultando
durante a noite como um ladrão para que possa fazer meu trabalho.
— Diana?
— Você cuidou de Danny Farrel nos seus últimos momentos. Quero saber o
que aconteceu a qualquer amostra de sangue ou de tecido que você tirou dele.
Diana conhecia o cientista muito bem para acreditar nisso. Burkhoff nunca
deixara algo atrapalhar sua curiosidade científica.
— Sim, mas o que você realmente fez com elas?
— Não sei o que quer dizer — fingiu. Dando as costas a ela, ele voltou-se
ao microscópio outra vez. — Já não respondi a sua pergunta?
— Bem, posso ter ficado com algumas amostras para pesquisa, mas elas
estão perfeitamente e segurança. Segui cada protocolo para guardá-las.
Tess foi atrás quando ele levou Diana na direção de uma porta metálica
fechada com um aviso. Uma placa de risco biológico estava afixada nela. Um
teclado estava posicionado acima da maçaneta. Burkhoff tampou o teclado com seu
corpo enquanto digitava um sequência de quinze dígitos.
A não ser que ela peça, pensou Diana. A controladora de mentes estava
parada perto quando Burkhoff abriu a porta. Uma lufada de ar gelado saiu pela
câmara refrigerada quando o tranca da porta se abriu. Passando pela soleira, Diana
avistou um gabinete biológico Classe Três implantado no fundo da limitada sala de
contenção. Um ventilador cantarolava no topo da sala de aço impecável. Filtros
HEPA mantinham qualquer bactéria ou vírus do lado de fora. Luvas de borracha
penduradas em ganchos permitiam a manipulação dos materiais fechados. Uma
pequena camada de gelo cobria a vista transparente da janela.
Até aqui tudo bem, Diana admitiu, convencida pela vista do equipamento.
Burkhoff parecia não ter economizado dinheiro para proteger as amostras.
Devíamos confiscá-la de qualquer jeito. As amostras precisavam ficar sob os
cuidados de autoridades responsáveis, não alguém tão excêntrico como Kevin
Burkhoff, que tinha boas intenções, mas geralmente deixava sua paixão pela
ciência interferir na sua sanidade, como na vez em que usara Diana como cobaia
contra sua vontade.
— O que foi?
Ele se virou para encará-la. A expressão arrasada no seu rosto era a última
coisa que ela queria ver. Ele estava pálido como um fantasma.
É isso o que eu ganho por brigar com governo dos Estados Unidos, pensou
ele. Mesmo que não me deram muita escolha.
Não pela primeira vez, ele imaginou como teria sido sua vida se ele não
tivesse sido abduzido pelo futuro em 1951. Quando partiu para a Coréia,
certamente não imaginara terminar atrás das grades no século 21. Boa parte dele
desejava que aqueles intrometidos viajantes do tempo o tivessem deixado em paz.
Mas se ele não tivesse sido levado de sua época, nunca teria conhecido Lily.
Lily. Isabelle.
A luz turva tornava difícil ver os rostos de suas amadas. Sentindo uma
necessidade súbita de ver sua família mais de perto, ele levantou a mão e
estendeu-a na direção da foto. Sua mente instintivamente alcançou-a…
Ah, sim. Ele sorriu tristemente. Engraçado o quão rápido você pode se
habituar a mover as coisas com a mente. E o quanto você sentia a eficiência disso
quando não mais podia fazê-lo. Doses diárias do inibidor haviam diminuído sua
telecinese. Onde antes ele podia arremessar pesados objetos só pensando, agora
ele não podia levantar uma pluma, a não ser que o fizesse do jeito antigo… usando
seus próprios dedos.
Suspirando cansado, ele levantou-se da cama e começou a andar pela cela.
O piso de cimento estava frio sob seus pés descalços. Aparentemente, o
administrador não queria investir em aquecimento. A julgar pela qualidade recente
das refeições, houvera um corte de custos na cozinha também. Ele nem queria
imaginar o tipo de carne que havia no ensopado da noite anterior.
— Você aí! — desafiou uma voz áspera. — O que está fazendo acordado,
Tyler? Não sabe que já passou da hora de dormir?
Ele não tinha nada contra a maioria dos guardas ali. Só estavam fazendo
seus trabalhos. Mas Grogan e seu comparsa eram diferentes. Eles se moviam
sadicamente tocando o terror e dificultando para os presos. Ditadores
insignificantes com ódio dos 4400. Eram a última coisa que Richard precisava essa
noite.
Não era.
— É claro que não vai! — Ele riu da própria piada, então olhou para o seu
parceiro. — Acredita na ousadia desse cara? Pensa que pode nos enganar.
Ele caiu na direção na porta, como que empurrado por uma força invisível.
Um sorriso malicioso torceu seus lábios.
— Acho que temos de ensiná-lo uma lição. — Sorrindo, ele passou o cartão
por um escâner ao lado da porta. A fechadura eletrônica soltou um clique e a porta
deslizou para o lado. Grogan entrou na sala, brandindo o cassetete, batendo-o
contra a palma de sua mão. — Não podemos deixar essas aberrações pensarem
que podem usar seus truques contra pessoas decentes.
Richard considerou avisar que ele nada tinha a ver com o desastre, que ele
estivera trancafiado naquela mesma cela quando o surto devastou Seattle, mas
percebeu que seria uma perda de tempo. Grogan não estava interessado em ouvir
a razão.
— Que coisa mais bonita. — Ele arrancou a foto do seu lugar e segurou no
alto para que Keech pudesse ver. — Dá uma olhada na Sra. 4400 aqui. Tenho que
admitir, Tyler. Você pode ser um radical inútil, mas tem bom gosto para filés. — Ele
olhou para a foto de Lily. — Não me importaria em ter um pedaço desse.
— Nós dois. — Keech lambeu os lábios. — Aposto que ela também gostaria.
Nós dois — ele repetiu, caso alguém não tivesse escutado a insinuação óbvia. — Ao
mesmo tempo.
Richard olhou para os homens. Só de ver a foto de Lily nas mãos sujas de
Grogan faziam seu sangue ferver.
— Largue isso.
Tossindo com dor, Richard tentou se postar de pé, mas Grogan o socou no
rosto forte o suficiente para quebrar um dente. O sangue jorrou de seus lábios.
Keech o golpeou nas costas, nocauteando-o de barriga para baixo no chão. A sala
girou em volta dele.
O preso protestante era novo naquele bloco, fora preso um pouco mais
cedo naquele mesmo dia. Qual era o nome dele mesmo? Sanchez?
Richard imaginava se Lily estaria mesmo esperando por ele do Outro Lado.
Já cruzamos o tempo para nos encontrarmos…
— Sua vez.
— Billy?
— Estou nessa — disse o garoto. Ele usava óculos por cima da máscara de
esqui. Andou um pouco e procurou no corpo de Keech até que achou o cartão
magnético. — Bingo!
Correndo até a cela de Sanchez para libertá-lo, ele teve que ficar se estivar
um pouco para alcançar o escâner.
— Eu… Eu acho que sim. — Seu cérebro confuso, que quase morrera há
alguns momentos atrás, lutava para entender o que estava acontecendo. — Quem
são vocês?
Promicina.
Antes que ele pudesse terminar, a mulher impulsionou a seringa contra seu
braço. A dor aguda tirou a tontura de Richard. Ele agarrou o braço ferido quando
ela retirou a injeção.
Isso era possível? Talvez, penou ele, lembrando-se de como uma dose
parecida acordara Shawn Farrel de um coma ano passado. Era só imaginação dele
ou já podia sentir um formigamento no fundo de seu cérebro, como um membro
adormecido começando a ser usado depois de muito tempo inativo? Seus olhos
ofuscados captaram as metades da foto rasgada ao chão, e ele tentou levantá-las
com a mente. Mais uma vez, nada aconteceu, mas a sensação de formigamento
crescia cada vez mais. Curvando-se, ele pegou os pedaços com os dedos.
— E eles?
— Outra hora. Estamos aqui hoje apenas por você. Não está a salvo aqui…
obviamente.
— Não atirem! — gritou Billy, por cima do alarme. Ele se postou diante da
equipe. — Sou apenas uma criança!
Para a surpresa dele, eles não seguiram para os portões de entrada, mas
para a parte de trás da prisão. Ainda grogue por causa da surra, ele perdeu a noção
de onde estavam até que Adams fez outra porta trancada desaparecer. Uma brisa
fria de inverno atingiu seu rosto enquanto eles saíam no enorme pátio de exercício
da prisão. Altos muros de concreto, com arame farpado em seus topos, cercavam o
espaço aberto. Torres de vigília observavam a cena do alto. O chão irregular o fez
desejar ter colocado os sapatos antes de sair de sua cela. O que estamos fazendo
aqui? Ele conhecia cada centímetro do pátio de cor. Não havia saída a não ser para
cima.
— Espere.
Ela tinha razão, droga. Por mais que odiasse deixar Sanchez para trás, ele
deixou a mulher arrastá-lo na direção do helicóptero. Poeira e cascalho voavam em
seus olhos enquanto ele subia no compartimento de passageiros e colocava o cinto
e o resto do time entrava depois dele. A porta da aeronave se fechou.
— Todos prontos? — O piloto olhou para trás por cima dos ombros. Ele
franziu a testa. — Cadê o Sanchez?
Num dia comum, o cemitério Emerald Harbor era uma ilha de serenidade em meio
ao resto da Terra Prometida. Estátuas de mármore cravejavam a encosta gramada.
Anjos esculpidos assistiam sobre a grama cortada. Salgueiros ofereciam sombras
no verão. Uma cerca moldada de ferro geralmente matinha a correria e o tumulto
do mundo exterior longe dali.
— Você não precisa ficar aqui para isso — disse Diana a Tom enquanto eles
assistiam à enxada mecânica arranhar profundamente a terra. A sujeira espirrava
no túmulo de sua irmã. O céu estava nublado e carregado. Um guindaste industrial
estava ali perto para levantar o caixão quando ele fosse exposto. Diana falava
suavemente com seu parceiro. — Meghan e eu podemos cuidar disso.
— Bem, estamos aqui por você, Tom — disse Meghan Doyle. A diretora da
sede noroeste da NTAC estava ao seu lado, mantendo sua mão aquecida. Cabelos
loiros ondulados caíam por seus ombros. Olhos castanhos escuros brilhavam com
compaixão. — Sabe disso.
Provavelmente.
Quando o buraco já estava bem fundo, os escavadores começaram a
trabalhar com pás. Os homens cuidadosamente tiraram o resto da terra para
descobrirem o topo do caixão de Danny. Uma apreensão esmagadora tomou Tom
quando o guindaste começou a puxar o caixão da cova. Agora que o momento
estava bem diante deles, ele não sabia se podia continuar com aquilo. Lembranças
de Danny criança e com um rosto puro invadiram seu cérebro; Danny estava feliz e
saudável na última vez que Tom o vira vivo. Ele engoliu em seco.
Tom queria poder acreditar naquilo. Seria tudo um falso alarme, ou eles
estavam ali para uma surpresa desagradável?
O guindaste elevou o caixão até uma lona. Lama escorria pelos lados do
objeto de mogno, que perdera muito de seu brilho polido depois de dois meses
abaixo da terra. Uma van esperava do lado de fora da cerca para levar os restos ao
necrotério privado da NTAC. O legista deu um passo à frente para examinar o
caixão. Stefan Vasco era um cirurgião cardíaco aposentado, que vinha atuando
como médico inspetor desde antes de os 4400 retornarem.
De quem quer que fosse o corpo no caixão, não era o de Danny Farrel.
— Olá, Richard — disse Jordan Collier. — Bem-vindo de volta à Seattle.
Imagino o que ele quer de mim agora, pensou Richard. Ele não ficara tão
surpreso ao descobrir que Collier for a o responsável por seu resgate na prisão.
Quem mais tinha os recursos, e a audácia, para preparar uma operação como
aquela? Richard se aproximou do outro homem cautelosamente.
— Sua filha morreu como uma heroína — insistiu Jordan. — Eu estava lá.
Eu vi com meus próprios olhos.
Richard estava tomado pela emoção. Ele secou as lágrimas dos olhos.
— Ela sofreu?
— E os Marcados…?
— Tom Baldwin. Dada as conexões política dos Marcados, ele ficou de mãos
atadas, então ele me passou a lista para que eu cuidasse desse problema para ele.
— Vou voltar para minha sede no centro da cidade. Por favor, sinta-se livre
para permanecer nessa casa de lago o quanto achar necessário.
Ele deixou a lista para trás.
SEIS
Bernard Grayson, da Funerária Grayson & Son, ficou chocado com a notícia
de que o corpo de um estranho fora encontrado no caixão de Danny Farrell. Seu
rosto delgado era composto por linhas finas e angulosas. A linha do cabelo em
forma de “V” marcava o alto de sua testa. Um austero costume preto denotava
bem sua profissão. Ele se achava sentado em uma grande escrivaninha em madeira
de lei, enquanto Diana e Tom o confrontavam com a descoberta que haviam feito
no cemitério. Prateleiras de livros se alinhavam em uma das paredes, ao passo que
uma outra estava cheia de fotos de Grayson com diversos políticos e celebridades.
As paredes azuis clara eram agradavelmente suaves. O som de um órgão tocava
baixinho no aparelho de som. A Grayson & Son fora responsável pelos funerais de
Danny e da mãe dele.
— Mas o caixão era idêntico ao que Shawn Farrell adquiriu de sua empresa há dois
meses.
—Meu Deus. — Grayson enxugou a testa suada com um lenço. Ele olhou de
relance para a porta do escritório, para se certificar de que estava fechada. — Não
tenho como dizer o quão humilhante é isto. Eu só posso lhes garantir que nunca
aconteceu algo parecido antes. A Grayson & Son goza de uma reputação impecável,
desde que meu pai fundou o negócio, há trinta anos. — Ele parecia envergonhado
perante Tom. — Você e sua família merecem minhas sinceras desculpas pelo que
possa ter dado errado.
— Eu gostaria de ter — disse Grayson. — Vocês têm que entender, foi uma
época muito caótica. A epidemia ceifou mais de nove mil vidas em uma questão de
dias. A indústria funerária da cidade foi pressionada até o limite. Nós fomos
atropelados pela fatalidade. — Ele puxou pela memória. — Eu só posso concluir
que, na confusão daqueles dias sombrios, algum tipo de falha aconteceu. — Ele
afrouxou o colarinho. — Mais uma vez, eu sinto muito por esses acontecimentos
angustiantes.
— Por quê? — ele indagou, na defensiva. — Porque eu apoio Jordan Collier e seus
esforços para fazer do mundo um lugar melhor? Isto não é crime, ao menos não
em Seattle.
— Então você não tem nada com o que se preocupar. Mas precisamos ver por nós
mesmos.
Tom virou-se para Grayson, que estava parado exatamente atrás dele na
escada.
— As chaves.
Aquilo era uma ameaça? Mais uma vez, Tom imaginou que Grayson
estivesse esperando que Collier ou seus assessores pudessem intervir em seu
favor. Isso poderia acontecer, ele admitiu, se o agente funerário tivesse a chance
de contatar seu glorioso líder. E é por isso que precisamos passar por esta porta
agora.
—Vigie ele — pediu a Diana, enquanto algemava os pulsos do homem atrás das
costas. O papa-defunto de meia-idade parecia estar desarmado e em desvantagem,
mas quem saberia quais habilidades estranhas ele poderia possuir? Bernard
Grayson não estava listado entre os 4400, mas isto não significava muito. Graças
ao cinquenta/cinquenta, havia inúmeros p-positivos não registrados em Seattle
naqueles dias. Pelo que sabiam, ele poderia esguichar veneno de seus olhos ou
incendiá-los com um simples pensamento.
Entretanto, ele limitou-se a olhar com raiva para Tom, enquanto este o
revistava para achar as chaves. Um barulhinho metálico encorajador entregou o
esconderijo das mesmas. Tom exigiu as chaves e destrancou a porta.
— Está bem, vamos descobrir o que você está tão determinado em esconder de
nós. Por uma questão de princípios, é claro.
Tom nunca havia estado nos bastidores de uma casa funerária antes, mas
ele imaginava que não poderia ser diferente do necrotério do QG. Uma olhada
rápida pareceu confirmar suas expectativas. Divisórias separavam o porão em três
ou quatro câmaras interligadas. Redomas refrigeradas mantinham os clientes do
necrotério gelados. O cadáver de um ancião estava sobre uma mesa metálica de
embalsamento. Um pano modesto, cobrindo-lhe a virilha, ajudava a preservar sua
dignidade. Uma máquina de embalsamar, cheia de um líquido rosa translúcido,
rugia ao fundo. Ralos metálicos tinham sido instalados no chão de ladrilhos.
Trocáteres, instrumentos de sutura, cânulas e outras ferramentas estavam
espalhadas por várias bandejas e balcões. Estantes de vidro continham uma grande
variedade de preparados químicos. Uma pia de porcelana branca jazia na parede
mais distante. Lâmpadas suspensas brilhavam intensamente. Ventiladores
barulhentos e exaustos se esforçavam para limpar o ar, que cheirava levemente a
formaldeído e putrefação. Portais se abriam para as câmaras adjacentes.
Espreitando através de uma porta à direita, Tom vislumbrou uma grande fornalha
de aço, com controles de ajuste de temperatura. Uma esteira rolante esperava para
conduzir corpos para dentro do crematório. O sistema de ar condicionado mantinha
o porão vários graus mais frio do que os escritórios lá em cima.
Ela entrara por um portal no que, à primeira vista, parecia ser uma
segunda sala de preparação. Ele se apressou através da câmara para se juntar a
ela. — O que foi?
— Ou, se nós pudermos confiar nele, Kevin Burkhoff — sugeriu Diana. Uma
etiqueta de “agentes biológicos nocivos” estava afixada em um armário de metal.
Olhando dentro do container, ela encontrou promicina suficiente para decretar uma
sentença de vida ou morte para qualquer lugar além de Seattle. O brilho
esverdeado do neurotransmissor ilegal se espalhou pelo laboratório. — OK, isto
definitivamente não é fluido de embalsamento — Ela sacudiu a cabeça,
desnorteada. — Mas o que isto tem a ver com o seu sobrinho?
— Que merda você quer dizer com isto? — Tom tentou tirar uma resposta
do seu prisioneiro, sacudindo-o. — Fale, seu demônio desgraçado!
Falarei com Bernard aqui, ele pensou. Ele é quem cometeu um grande erro
aqui, mexendo com minha família. Tom não estava certo de que Diana estava
usando a tática de “policial bonzinho/policial malvado” 2 ou se ela realmente estava
com medo de que ele perdesse o controle, mas de toda maneira ele não iria desistir
enquanto o papa-defunto imprensado na parede não vomitasse a explicação para o
que estava acontecendo ali. Está começando a parecer que Dennis estava na pista
certa.
Mas antes que Grayson pudesse abrir o jogo, Tom percebeu indícios de
movimentação pelo canto de seus olhos. Para sua surpresa, um jovem de jaleco
pulou de detrás da porta ao pé da escada. Tom se repreendeu mentalmente por
não verificar completamente o porão antes de começar a revista; ele deixara sua
ligação pessoal com o caso prejudicar sua disciplina.
— Diana, cuidado!
2
N. do T.: “Good cop/bad cop” – estratégia de abordagem do criminoso, efetuada em dupla por
policiais, na qual o primeiro o interroga de maneira agressiva e incisiva, preparando o terreno para que
o segundo, utilizando uma aproximação mais tranquila, pareça simpático e tenha melhores chances de
obter uma confissão, por exemplo.
— Diana! — Ele não conseguia saber se ela estava inconsciente ou não.
Soltando Grayson, correu para confrontar o agressor dela. Sacou a arma no coldre
lateral. — Mãos ao alto! Não mova um músculo!
— Largue isto — rosnou Tom. Elevou sua arma até a cabeça do garoto. —
Agora.
— Nenhum de vocês vai a lugar algum. Agora abaixe essa arma. — Ele engatilhou a
Glock semiautomática. — É o meu último aviso.
Nada aconteceu.
Droga, pensou Tom. Ele ouviu Grayson correndo escadaria acima lá atrás.
Em alguns minutos o criminoso diretor de funerária estaria longe, mas persegui-lo
não era uma opção. Não havia como deixar Diana sozinha com aquele cara. O
violento adolescente com certeza tinha planos.
3
N. do T.: Storm troopers – personagens da saga Star Wars, de George Lucas.
abaixou-se para evitar o projétil e Tom aproveitou a oportunidade para atingi-lo
com a cabeça. Ele jogou o oponente de costas na mesa de embalsamento, que se
chocou contra o inofensivo cadáver atrás dele. Seus dedos agarraram o punho de
Ganchos para manter a ponta afiada do trocáter longe dele. Os anos de
treinamento no F.B.I. triunfaram quando ele torceu o punho de Ganchos
selvagemente.
O instrumento cirúrgico afiado voou da mão do garoto e quicou pelo chão até o
outro lado da mesa.
Tom limpou o cuspe de seus olhos e saltou por sobre a mesa, atrás de seu
oponente. Ganchos mergulhou para pegar o trocáter, mas o agente jogou-se sobre
ele primeiro. Eles tombaram através de uma porta aberta para dentro da câmara
de cremação. O laboratorista lutou de forma cruel, mordendo com força a orelha de
Tom, enquanto eles se debatiam no chão, mas o experiente agente da NTAC logo
levou vantagem. Um golpe nos rins fez Ganchos gritar, soltando a orelha de Tom, e
ele jogou-se em cima do adolescente, imobilizando-o no chão. Ele levantou seu
punho para desferir o golpe final.
— Para o quê? — exigiu Tom. Ele não tinha tempo a perder com aquele
marginal. Eu preciso ver como está Diana.
O garoto fez uma careta e apertou os olhos fechados. Sua testa ferida se
franziu em pensamentos… E uma repentina onda de fraqueza tomou conta de Tom.
De uma só vez, seu punho parecia pesado como uma bola de boliche. Seus
membros pareciam de borracha.
Ganchos afastou Tom com rudeza e se colocou de pé. Tom permanecia ajoelhado e
instável no chão. Tudo o que podia fazer era continuar assim. Ele nunca havia se
sentido tão exausto em toda a sua vida.
— O que… O que está acontecendo comigo?
Tom tentou reagir rápido, mas seu cérebro se recusou a cooperar. Ele mal
podia concatenar duas ideias ao mesmo tempo. Apoiou os dois braços no chão para
evitar escorregar no chão de ladrilhos. Seus olhos turvos observaram Ganchos
acender o crematório. O propano se incendiou dentro do destilador à prova de fogo.
O embalsamador ferido abriu a porta superior para revelar o inferno laranja
brilhante lá dentro. Tijolos refratários alinhavam-se no interior do forno. O calor das
chamas atingiu Tom como um sopro de fornalha. Ganchos ligou a maca motorizada.
Uma esteira rolante esperava para despejar uma carga na boca do forno.
— Desculpe, cara, mas você pediu isto. — Ele veio por trás de Tom e o
agarrou por debaixo dos braços. O agente, esgotado, estava fraco demais para
reagir. Grunhindo de esforço, Ganchos colocou Tom de pé e começou a arrastá-lo
para a esteira rolante. — Você poderia muito bem ter escapado sozinho.
— Espere — ofegou ele. — Você não tem que fazer isto. Deixe-nos aqui.
Ele segurou, sem forças, as laterais da esteira. Sentiu seus pés perdendo
contato com o chão. Acabou-se, ele temeu. Talvez eu devesse ter tomado aquela
maldita injeção, afinal de contas...
— Acho que sim. — Ele estava feliz por ver sua parceira de volta à ação. —
Obrigado por me salvar. E você?
— Nada que um Tylenol não cure. — Ela puxou o celular do bolso e chamou
reforços. — Está certo. Traga Garrity aqui – ambos, o mais rápido que puder, e
alguém da equipe de Marco, também. — Ela guardou o telefone e acenou com a
cabeça para Tom. — A ajuda está a caminho.
— Nem pense nisso. — Tom o advertiu. —Olhe para si mesmo. Você está
perdendo sangue rápido. Não há meio de você passar por nós.
— Não! — ele gritou, se projetando para frente, mas Ganchos já havia se atirado de
bruços na esteira. Esta jogou o jovem suicida direto na boca aberta do crematório.
Uma explosão de calor se derramou do forno quando as chamas engoliram o corpo
flagelado do adolescente. Carne e roupas escureceram e queimaram. A pele chiou e
estalou. Seus gritos de morte foram misericordiosamente breves.
— Oh, meu Deus! — exclamou Diana. Ela tapou a boca com a mão,
horrorizada. — Que tipo de fanatismo inspira um sacrifício como este?
Ela retirou o lençol, então pulou para trás, surpresa. Tom soltou um grito
entrecortado.
O cardeal Emanuel Calábria sabia que não era somente isso. No futuro
distante do qual ele viera, Roma era nada a não ser apenas ruínas, mas ainda
assim a civilização resistira, mesmo que a Catástrofe tivesse deixado o planeta aos
escombros. Somente uma grande cidade restara, separada por muros do enorme
caos do lado de fora. Era sua missão fazer com que a última cidade da humanidade
— a sua própria cidade — resistisse.
A até então chamada Cidade Eterna se estendia diante dele enquanto ele
jantava em um restaurante aberto na Vialle Trinita di Monti, com vista para os
famosos Degraus Espanhóis. O crepúsculo lançava sombras arroxeadas sobre os
telhados rosados da cidade em expansão abaixo. Pedestres atravessavam a rua,
dirigindo lambretas e táxis. A mesa do cardeal ocupava a calçada estreita de uma
igreja curvada do século 16. A mais comprida e mais extensa escadaria do
continente, os Degraus Espanhóis, era flanqueada por palácios e mansões
blindados. Jardins terraços e vasos de plantas adornavam os degraus. Multidões de
turistas, casais de namorados, e futuros artistas e fotógrafos enchiam a praça no
topo dos degraus, curtindo uma manhã quente de janeiro. Palmeiras balançavam
ao vento.
Era uma pena que a cidade seria destruída dali a muitas gerações, mas que
fosse. A história exigia seus sacrifícios, pelo menos se o seu futuro fosse ser
preservado. O cardeal, ou o viajante do futuro que tomara o corpo corcunda de
meia-idade de Calábria, lembrou-se brevemente da cidade brilhante que ele e seus
colegas Marcados haviam deixado para trás, onde nunca mais voltariam. Afinal, sua
peregrinação ao século 21 fora uma viagem apenas de ida. Eles estavam presos a
essa era volátil pelo resto de suas vidas.
— A Visão Sagrada ainda tem que apresentar um veredicto final sobre esta
situação incômoda, mas receio que sua suspeita possa ser verdadeira. Há algo
realmente perturbante na ascensão desse homem ao poder e a blasfêmia na
promessa de se tornar rei no Reino de Deus. Se não a própria Besta, ele
certamente é um falso profeta, e os dons que seus seguidores possuem podem ser
de origens demoníacas.
— Mas não se desespere, minha criança. Esse mal não pode triunfar, não
se fortalecermos nossas almas contra essas tentações malignas da promicina.
Enquanto a Igreja puder confiar nos fiéis e nas ações de pessoas boas como você,
esse movimento profano não desviará os filhos de Deus da salvação.
Nesse meio tempo, porém, era melhor ficar atento. Ele acenou para seus
guardas atentos, grato por tê-los cuidando dele. A Terra Prometida estava há
milhares de quilômetros, mas ele não podia se dar ao luxo de confiar demais em si
mesmo. Três de seus colegas operantes haviam sido exterminados, e o âmbito de
Collier crescia mais a cada dia. Olhando em volta pela praça lotada, de repente
sentiu-se incomodamente exposto. Talvez ele não devesse ter deixado a rígida
segurança do Vaticano.
Richard Tyler!
Seu coração disparou. A filha de Tyler, Isabelle, fora escalada para ser a
última arma dos Marcados contra os 4400, antes que aquela operação desse tão
errado. Seus contatos nos EUA informaram Calábria da recente fuga de Tyler, mas
Roma era o último lugar onde ele esperava que o americano fugitivo aparecesse. O
cardeal percebeu logo que isso não podia ser uma coincidência.
4
N. do. T.: A Manobra de Heimlich é o melhor método pré-hospitalar de desobstrução das vias aéreas
superiores por corpo estranho. Essa manobra foi descrita pela primeira vez pelo médico estadunidense
Henry Heimlich em 1974 e induz uma tosse artificial, que deve expelir o objeto da traqueia da vítima.
Resumidamente, uma pessoa fazendo a manobra usa as mãos para fazer pressão sobre o final do
diafragma. Isso comprimirá os pulmões e fará pressão sobre qualquer objeto estranho na traquéia.
5
Traqueostomia é um procedimento cirúrgico no pescoço que estabelece um orifício artificial na
traquéia, abaixo da laringe, indicado em emergências e nas intubações prolongadas.A incisão é feita
entre o 2º e 3º anel traqueal. O objetivo é não prejudicar as cordas vocais do paciente ao passar o tubo
de ar.
Tyler brandiu seu braço e os guardas foram jogados ao chão, como que por
um vento muito forte. Cambaleando sem ajuda, eles caíram 138 degraus antes de
atingirem a praça abaixo. Calabria se viu subitamente sem defensores.
O cardeal tirou sua própria arma de dentro de sua batina. Ele carregava a
Beretta consigo para todo lugar, até mesmo para as missas. Seus dedos trêmulos
atrapalharam seu equilíbrio. A pistola tremeu fortemente em suas mãos. Ela voou
diretamente para a palma de Tyler que esperava no ar.
Mannaggia! Jurou Calábria. O que ele não daria agora por um mini
disruptor neural? Para seu azar, eles não seriam inventados nos próximos cem
anos, e seria impossível replicar materiais do século 21.
— Não — implorou ele. — Você pegou a pessoa errada! — Ele viu sua vida
como Emanuel Calabria chegando um fim. Só podia desejar que seus aliados do
futuro encontrassem para ele um novo hospedeiro depois que recuperassem os
nanodispositivos com sua personalidade. — Não tenho nada a ver com a morte da
sua filha…
Richard apenas olhou para o outro homem. Calábria imaginou o que ele
estava esperando.
— Está olhando para o lado errado — falou uma voz em italiano, com um
sotaque americano. Calábria girou sua cabeça para ver outro homem negro sair de
baixo do toldo de uma lanchonete ali perto. Ele era mais novo e mais baixo que
Tyler, mas também carregava a mesma expressão impiedosa. Ele enrugou as
sobrancelhas. Seus olhos se estreitaram enquanto ele se concentrava. — Comece a
rezar.
Richard flexionou sus músculos mentais. Houve um tempo, quando ele estava
descobrindo suas habilidades, em que ele só levantava pequenos objetos por vez,
mas isso foi há muito tempo atrás. Sem esforço, ele jogou os homens para trás.
Eles se dispersaram como pinos de boliche enquanto rolavam rua abaixo. Em cima
do toldo, a garçonete heroica gritava de desespero.
Já chega, pensou Richard. Eles haviam feito o que vieram fazer. Agora ele só queria
sair dali. Cadê nossa carona?
Bem nessa hora, um lustroso Porsche negro chegou acelerando na cena da direção
oposta aos policiais. O carro esporte parou no meio-fio. A porta do passageiro se
abriu. A jovem gótica, Evee Borland, chamou os dois homens.
— Terminaram?
Isso foi o suficiente para Richard. Eles adentraram o Porsche, que subiu na calçada
para fazer uma curva em U antes de começar a acelerar na direção de seu
esconderijo em Trastevere. Carros de polícia e caminhões de bombeiro, com as
luzes de emergência piscando, passaram por eles enquanto deixavam as cinzas do
cardeal para trás. Richard afundou-se no assento do passageiro enquanto Nicole e
Yul se parabenizavam pelo sucesso da missão. Eles ficaram observando Calábria
por horas, ironicamente com a ajuda de uma freira clarividente que era uma dos
4400 originais, só esperando que o alvo deixasse a segurança do Vaticano. Aquela
noite todos os esforços haviam valido a pena.
Então por que eu não me sinto mais eufórico? Imaginou Richard. Seu rosto doía
onde a italiana arranhara. Diferente de seus novos amigos, ele sentia-se mais vazio
do que entusiasmado pelos eventos daquela noite. Não podia deixar de lembrar que
o verdadeiro Emanuel Calábria perecera em algum lugar junto com traiçoeiro
invasor ocupando seu corpo. Ele desejava que houvesse algum jeito de libertar as
vítimas inocentes dos Marcados ao invés de simplesmente matá-las, mas, de
acordo com Collier, esse não era o caso. O único jeito de eliminar a ameaça dos
Marcados era matando seus hospedeiros. Richard suspirou para o caminho difícil
que vinha pela frente.
— Desculpem o atraso.
— Boa pergunta. — Abby encolheu seus ombros. — Não dá para dizer pelo
DNA.
— Mas por que alguém iria querer fazer algo assim? — perguntou Tom.
Apesar de estar se mantendo firme, sua frustração óbvia pontuava seu tom de voz.
Ele cerrou os punhos. — Por que eles não podiam simplesmente deixar meu
sobrinho em paz?
*****
April Skouris era a irmã caçula de Diana e ovelha negra da família. Ex-
tatuadora e ex-golpista, April tinha sido uma das primeiras pessoas rebeldes o
suficiente para tomar uma dose de promicina quando Jordan Collier a disponibilizou
para as massas. Sua recém-descoberta habilidade de fazer as pessoas dizerem a
verdade havia eventualmente a colocado em um agradável emprego, em que
atendia tanto à NTAC quanto ao FBI. Tom francamente havia achado-a meio
irritante, mas se ela poderia ajudá-los a arrancar algumas respostas de Collier
acerca dos restos mortais de Danny, ele estava disposto a designá-la para aquela
visita.
— Legal — disse April, petulante. Ela sacudiu seu braço para se soltar e se
dirigiu para a porta. — Vejamos se eu vou me oferecer para ajudar vocês de novo.
Obrigada por nada, mana.
Ela saiu do prédio batendo os pés. Em parte, Tom estava aliviado por vê-la
ir embora. Apesar de sua habilidade bastante útil, ela era um verdadeiro barril de
pólvora. Ademais, havia algo distintamente perturbador em circular por aí com
alguém que poderia fazer você dizer a verdade, querendo ou não. Ele ainda sentia
um arrepio quando se lembrava da vez em que April tinha nada mais, nada menos
do que o forçado, por pura brincadeira, a revelar uma fantasia sexual que ele tinha
com Diana, na frente da própria!
Não era de se admirar que as pessoas não quisessem nada com os 4400 e
seus sucessores.
Depois que April saiu, os guardas recuaram um pouco. Hoyt ligou lá para
cima, depois recolocou o fone na base. — Tudo bem. Vocês podem subir agora.
Jordan está esperando.
Tom estava desapontado por não ter a presença de Kyle. Pensando bem,
talvez fosse até melhor. Aquela não era uma visita social.
— Obrigada por nos receber — disse Diana. — Espero que não estejamos
incomodando.
Desde que dominara Seattle, Collier havia estabelecido seu próprio sistema
judicial, no qual os positivos que fossem considerados culpados de abusar de suas
habilidades eram despojados de seus poderes pelo próprio Jordan. O tom amargo
de Diana deixou claro que ela desaprovava o fato de Collier comandar seu próprio
tribunal de faz-de-conta particular.
— Mas não foi um feito meu. — Ele lavou suas mãos de qualquer
responsabilidade acerca do desastre. — Aquilo foi simplesmente uma monumental
fatalidade. Um ato divino, se preferirem.
Tom duvidava de que o Céu tivesse algo a ver com a morte de nove mil
inocentes e o despedaçamento das vidas de inúmeros outros. — Eu não acho que
Deus tenha roubado o corpo de Danny.
Collier deu uma olhada em seu relógio de pulso. — Isto é tudo? — ele
perguntou, impaciente. — Eu me arrisco a ser rude, mas tenho uma agenda muito
cheia hoje. — Ele apertou um botão na prancheta e a cidade holográfica evaporou.
– Transformar o mundo é um trabalho sem descanso.
Jordan fez cara feia. — Mande lembranças a sua filha. — Ele se moveu para
acompanhá-los até a porta.
— Não tão depressa – disse Tom. Ele encarou Collier. — Você e eu ainda
temos algo a discutir. A sós.
Collier entendeu o recado. — Muito bem. — Ele se virou para seu pessoal.
— Eu e o agente Baldwin precisamos da sala.
Com ajuda de Isabelle Tyler, Tom resgatara Collier dos Marcados durante o
cinquenta/cinquenta. Se não fosse por Tom, o próprio Jordan seria um dos
Marcados agora. E sabotando o Movimento ao qual dedicou sua vida.
Diana lançou um olhar interrogativo para Tom. Ele não havia falado com
ela sobre isto antes. — Tom?
Não era fácil, mas era possível libertar os Marcados dos invasores que
haviam tomado conta de suas mentes. Tom era a prova viva disto. Uma dose letal
de polônio radioativo, injetada diretamente em sua medula, havia destruído os
nanodispositivos que infestavam seu cérebro. Depois Shawn usara sua habilidade
para garantir que Tom sobreviveria ao processo. A experiência quase o matara,
mas, quando acabou, ele era ele mesmo novamente. A cura havia funcionado.
— Não sabemos nada sobre isto — insistiu Collier, calmamente. Ele parecia
ter planejado aquela conversa por vários dias. — Eu te desafio a encontrar qualquer
ligação entre o meu Movimento e os eventos em Roma. Verifique minha agenda. Eu
não saio de Seattle desde a epidemia.
— Eu acho que isto não é mais da sua conta. — Ele se levantou e indicou a
porta. — Tenha um bom dia, Tom.
NOVE
6
N. do T.: Trata-se de um comitê executivo de numerosos partidos políticos, designadamente os antigos
partidos comunistas do Leste Europeu e o Partido Comunista de Cuba.
7
The Hollywood Hills é um bairro de Los Angeles, Califórnia.
— Protejam-se! — grunhiu Roff. — Vejam o que aconteceu ao Calábria, e à
Rebecca Parish, e ao Mathew Ross. Obviamente, nossos disfarces já eram.
Precisamos descartar nossas identidades atuais e tomarmos novos corpos. Aí talvez
possamos viver o resto de nossas vidas confortáveis e seguros.
Wesley Burke, conselheiro sênior na Casa Branca, olhou com desprezo para
o general. Sua cabeleira prateada e feições rudes eram familiares para
espectadores do CNN e de programas dominicais matinais. Um broche da bandeira
estava pendurado em seu terno costurado de três peças.
— Traidor! — disparou Song Yu. — Você foi corrompido por essa época
decadente.
Ele usou o nobre sacrifício dos colegas como ferramenta para amenizar a
discussão. Pelo que ele via, o verdadeiro problema agora não era o esquadrão da
morte de Jordan Collier; era a liderança vazia que Isabelle Tyler criara ao matar
Rebecca Parish. Alguém precisava tomar a dianteira e tomar o controle agora que
Rebecca se fora. E quem melhor do que o vencedor do Oscar por Praias: Seattle?
8
N. do T.: Um tulku é, no budismo tibetano, um lama que conseguiu escolher conscientemente ser
reencarnado.
4400 em campos de concentração, dosando todos com inibidor e levar a Terra
Prometida de volta à Idade da Pedra.
— Talvez dê certo.
— Sinto muito que teve que trazer a comida hoje — disse seu pai num
pedido de desculpas. Uma garrafa gelada de Rainier jazia na mesa a sua frente.
Uma porta aberta conduzia para a sala de estar adiante. Um som leve saía do som
do cômodo ao lado. — Mas não tive tempo mesmo para preparar comida essa
semana.
— Tudo bem por mim, tio Tommy — disse Shawn. — Pode esquecer, já
experimentei sua comida antes.
— Falando nisso, Kyle, eu odeio ter que comentar isso, mas preciso
conversar com você sobre algo em que o Jordan pode estar envolvido.
— Não fale mais nada! Ele está tentando induzi-lo a trair o Movimento.
— Queria ter certeza disso — disse seu pai. — Mas temos motivos para
acreditar que alguém está tentando duplicar a habilidade de Danny. Tem certeza de
que Jordan, ou qualquer outra pessoa de sua organização, não está planejando
outro Grande Passo Adiante? — Ele pareceu preocupado. — Queria muito que me
ajudasse com isso, Kyle.
— Não é justo, pai! — Kyle não acreditava que seu pai estava usando-os
daquele jeito. — Você sabe quanto o Movimento significa para mim. Não me peça
para espiar meu próprio povo. — Ele se certificou de que seu pai percebesse de que
lado ele estava. — Além disso, Jordan nunca permitiria algo assim.
— Agora os dois vão me pressionar? Pensei que isso fosse uma reunião
amigável e não uma emboscada!
— Pense um pouco sobre isso — pediu seu pai. — Não estou pedindo que
traia alguém ou que faça algo que viole suas crenças. Só preste atenção e veja o
que pode descobrir sobre esse Bernard Grayson e suas conexões com o Movimento.
Nos ajude a encontrar o corpo de Danny antes que aconteça outro 50/50. Talvez
use sua habilidade.
Kyle sentiu-se sendo atacado de todas as direções. Ele viu-se dividido entre
sua família, Cassie e sua lealdade ao Movimento. Por que isso acontece comigo? Só
quero fazer do mundo um lugar melhor.
Kyle pegou seu casaco. Ele não queria sair assim, mas seu pai e Shawn
não haviam dado-lhe escolha. Eles quebraram a regra, e não ele. Uma rajada de
vento frio invadiu a sala quando ele abriu a porta de saída.
A Terra Prometida tinha se reunido para ouvir seu messias falar. Milhares
de pessoas lotaram a praça em frente à prefeitura, esperando para ouvir Jordan
Collier, que já havia reunido antes uma multidão parecida neste mesmo local, nos
dias incertos que se seguiram ao Grande Passo Adiante. Um púlpito, sustentando
uma imagem do pico nevado do Monte Rainier, havia sido montado no topo dos
largos degraus de pedra. Um par de magníficos leões de pedra guardava a
escadaria. Altos pilares de mármore ladeavam o púlpito. Pôsteres ostentando
retratos de Collier de tamanho colossal se estendiam por sobre os andares
superiores do edifício. Equipes de filmagem esperavam para transmitir ao vivo o
pronunciamento de Collier para todo o planeta. Holofotes mantinham a escuridão
da noite afastada. Oficiais da paz, em seus uniformes verde pinho, patrulhavam a
praça. Detectores de metal escaneavam todos que chegavam.
Era uma noite clara e fria, mas a temperatura baixa não contribuíra muito
para desencorajar a horda inquieta que se reunira para presenciar a dedicatória de
uma nova escultura comemorativa do monumental retorno dos 4400. Um pano
cobria a instalação que, de acordo com furos de reportagem, representava uma
esfera brilhante e cristalina, pairando sobre uma réplica em bronze da Highland
Beach. A recém-inventada tecnologia antigravitacional teria sido empregada para
manter o orbe suspenso sobre a paisagem esculpida, sem qualquer meio visível de
suporte. A artista, que havia ganhado uma competição municipal patrocinada pela
Fundação Collier, era filha de uma dos 4400 originais. Ironicamente, ela parecia
duas décadas mais velha do que sua sorridente mãe, que agora se encontrava no
púlpito, aquecendo o público para Jordan Collier. A multidão ansiosa ouvia mais ou
menos pacientemente a seus comentários de abertura. Era Collier quem eles
realmente queriam ver.
Bem, não mais, ela jurara. Aquela seria a noite em que provaria que era o
dobro da agente federal que sua irmã era. Ela havia driblado Ralph e Eric, seus
guarda-costas designados pelo governo, para ter a chance de se encontrar cara-a-
cara com Collier. Ela não faria mais do que mostrar para todos que não era a
fracassada imatura que achavam que era. Eu vou expor as mentiras de Collier na
frente do mundo todo.
9
N. do T.: Rudolph Giuliani era prefeito de Nova Iorque quando aconteceram os ataques terroristas de
11 de setembro de 2001. Ele ganhou grande destaque por seu empenho em acompanhar as buscas por
sobreviventes nos escombros das Torres Gêmeas e em dar apoio às famílias das vítimas, entre outros
feitos.
Collier acolheu a adulação da horda por um momento, então gesticulou
para que se acalmassem. O burburinho diminuiu gradualmente. A tranquilidade se
estabeleceu pela praça. Rostos arrebatados fitavam Collier em adoração.
— Uma noite para celebrar as artes, e para as artes celebrarem o início de uma
nova era…
Droga, ela pensou. Collier não conseguia ouvi-la acima da voz amplificada
dele. Ela ainda estava muito longe. A frustração crescia dentro dela. Eu devia ter
trazido um megafone ou algo do tipo!
Ela não iria desistir, contudo. Conhecendo Collier, sabia que ele iria
continuar falando por algum tempo. Ainda havia tempo para chegar até ele.
Jogando a cautela para o alto, ela começou a empurrar as pessoas agressivamente
para abrir caminho.
— Ei, tome cuidado! — algum idiota reclamou. Era um cara horroroso, com
cara de sapo e melequento, com o cabelo castanho grudado sobre a cabeça para
disfarçar a careca, vestindo uma roupa ridícula. Um queixo duplo brotava por
debaixo de seus lábios gorduchos. Ele se mantinha protetoramente atrás de uma
velha enrugada em uma cadeira de rodas, que provavelmente era sua mãe. Seus
olhos esbugalhados fuzilavam April. — Onde você pensa que vai, docinho?
Ela tentou se espremer empurrando o idiota, mas ele não iria sair do
caminho.
Isto vai ensiná-lo a não mexer comigo, pensou ela, enquanto ele
empurrava a apavorada senhora para fora dali. Mamãe já estava aplicando um
sermão em Junior. Satisfeita consigo mesma, April saboreou sua vitória sobre o
tagarela de olhos esbugalhados. Ele teve sorte por eu não ter perguntado por cada
detalhe sujo.
Blá, blá, blá, pensou April. Conte-me uma novidade. Todo mundo já
conhece essa baboseira. Ela não podia acreditar que todos aqueles idiotas iludidos
estavam engolindo aquilo. Conte-nos algo de que não sabemos – como o que você
fez com o corpo de Danny.
Ou melhor, foi o que ela teve a intenção de fazer. O que realmente saiu de
sua boca foi:
— Por favor, venha conosco — disse o guarda da direita. Ele tinha quinze
centímetros e talvez sete quilos a mais do que ela.
Incapaz de discutir com os oficiais, ela tentou se livrar das suas garras. Uma
onda repentina de tontura tomou conta dela, entretanto, deixando-a quase sem
conseguir manter-se de pé, enquanto tudo ao redor parecia girar como um
brinquedo de parque de diversões. Ela se convenceu, de uma vez por todas, que
um dos guardas deveria estar usando sua habilidade sobre ela.
— Não dificulte as coisas ainda mais — avisou o segundo guarda. Ele era
menor do que o outro, mas grande o suficiente para empurrá-la. Ele manteve sua
10
Puyallup – cidadezinha americana localizada no estado de Washington.
voz baixa e ameaçadora. — Deixe estas boas pessoas ouvirem o discurso de
Jordan.
Richard entendeu a presença das limusines como um bom sinal. Parece que
estamos no lugar certo, pensou. Ele e sua equipe rastejavam por um campo escuro
na direção dos ruídos da casa. Uma fonte confiável lhes informara que os Marcados
sobreviventes realizavam uma reunião naquele mesmo local, o que oferecia a
oportunidade perfeita de acabar com a conspiração com uma tacada só. Pesquisas
posteriores haviam revelado que a fazendo isolada era uma das várias propriedades
de Wesley Burke, o conselheiro chefe do presidente no Departamento de Segurança
Doméstica. As limusines incongruentes indicavam que eles haviam chegado bem a
tempo.
Seu olhar pousou num par de portas velhas de um porão. As portas de aço
inclinadas estavam do lado oposto do fundo cimentado da casa. De acordo com o
informante, um 4400 que Richard encontrara anos atrás durante a quarentena, os
Marcados estavam se reunindo num quarto do pânico abaixo do porão-adega.
Essa é nossa entrada, decidiu ele. Agora eles só precisavam atravessar
vários metros de grama bem iluminada sem serem detectados. Mais fácil falar do
que fazer.
Evee se levantou atrás dele. Ela também colocou a cabeça para fora do
canto. Seus olhos sombreados seguiram seu olhar até a sacada no alto.
Richard sinalizou para Yul com as mãos. O homem mais jovem, que era
uns 30 centímetros mais baixo que Richard, aproximou-se para se juntar a eles.
Yul acenou com a cabeça. Ele fixou o olhar nos holofotes, que se
acenderam brilhantemente antes de queimarem todos juntos. A escuridão caiu
sobre o quintal. Richard imaginou quanto tempo demoraria para as pessoas do lado
de dentro perceberem.
Ele olhou para sua colega de equipe, que estava flexionando o pescoço.
Aparentemente, sua habilidade funcionava com cachorros, também.
— Mas o que…? — disse uma voz anônima acima deles. — Está dormindo
no trabalho, Harris?
— Que desperdício.
Richard não podia se importar menos com os vinhos caros. Tudo o que
importava era eliminar seus alvos enquanto podiam. Linhas de luzes contornavam
uma porta de aço logo adiante. Vozes estridentes vinham de trás da barreira. Tem
que ser eles, pensou Richard. Os próprios Marcados.
Beleza.
A porta de aço fechou-se com tudo atrás de Richard. Ele não queria
ninguém invadindo a festa. Seu olhar sombrio varreu os homens e a mulher
adormecidos. Um nervo mexeu-se abaixo de sua bochecha. Ele não esperava por
essa parte…
— Até agora, tudo bem — comentou Yul. — Acho que nem precisamos de
Billy no fim das contas.
— Certo — murmurou Evee. Ela tentou pegar a arma de Burke, mas ainda
estava muito quente para ser tocada. Ela olhou apreensiva para a porta fechada
entre eles e os guardas. — Vamos dar cabo desses pedaços de corpos fascistas e
cair fora.
Um arrepio correu pela espinha de Richard. Esse não é Nasir, ele percebeu.
É falso. É uma armadilha.
Gás!
Colocando a mão por sobre o nariz e a boca, Richard correu para a porta.
Ele agarrou a maçaneta com a mão livre, mas ela se recusou a girar. Uma segunda
porta caiu do alto, quase arrancando seus dedos. Eles estavam presos.
Evee foi a primeira a sucumbir ao gás. Ela caiu ao chão. Yul foi o próximo.
Ele cambaleou em volta, caindo sobre uma das sósias. Em poucos segundos,
Richard viu que era o único ainda de pé.
Seu tom era inflexível e imperdoável. April sentiu-se como se tivesse sido
chamada ao gabinete do diretor do colégio, uma experiência que lhe era mais do
que familiar, dos tempos de escola. Ela instantaneamente soube o que ele tinha em
mente para ela.
— Harém fetal…
— Eu não posso permitir que você interfira no que deve ser feito.
Mas era tarde demais para palavras, sem sentido ou não. A fronte de
Collier se enrugava em concentração. Uma sensação vibrante, como eletricidade
estática, desencadeou-se onde ele a tocava. O tremor se espalhou de suas
bochechas para dentro da testa. Um zumbido, como um enxame de abelhas
furiosas, preencheu o interior de seu crânio. As abelhas começaram a picar seu
cérebro.
— Entendido.
— Seu bastardo presunçoso! — ela guinchou para Collier. – Você não tinha
esse direito!
— Não vire as costas para mim! — April gritou, furiosa. — Onde está o
corpo de Danny Farrell?
— Como eu disse para sua estimada irmã: não faço a menor ideia.
E ela não podia ter certeza sobre ele estar dizendo ou não a verdade.
*************
— Sim, talvez – ele se juntou a ela no sofá. — Mas ele é meu pai, Cassie. E
Shawn é mais do que um primo. Nós éramos melhores amigos.
Nem me fale, ele pensou. Embora ele estivesse destinado a ser um dos
4400 originais, uma tentativa frustrada de abduzi-lo o deixara em coma por três
anos. Então, depois que Shawn finalmente o reavivou, uma das pessoas do futuro
possuiu seu corpo e o forçou a atirar em Jordan Collier. Ele passara quase um ano
na Penitenciária Estadual de Evergreen até que Jordan finalmente conseguiu
libertá-lo da custódia. Some-se a isto uma quarentena imediatamente após ele ter
sido possuído e quase cinco anos de sua vida foram embora pelo ralo, enquanto
facções rivais do futuro tratavam-no como um peão em um tipo de jogo de xadrez
através do tempo. Só depois de tomar a injeção é que começou a finalmente se
sentir no controle de seu próprio destino.
Talvez.
— No final, vai ter valido a pena — prometeu Cassie. Seus dedos macios se
enroscaram nos cabelos dele. — Tudo por que você passou, todos os seus testes e
sacrifícios, foi tudo para servir a um propósito maior. Trazer o Paraíso para a Terra
e acabar com o sofrimento da humanidade para sempre.
Acho que não, ele pensou. Levantando sua cabeça do ombro dela, ele
contemplou a enigmática mulher ao seu lado. Não era a primeira vez que Kyle se
perguntava de onde seu inconsciente a havia evocado. Por que “Cassie Dunleavy”?
De onde viera aquele nome? Alguma memória de infância que tinha se alojado no
fundo de sua mente até que a promicina a ressuscitou? Talvez um personagem de
algum livro de estórias ou uma garota que ele conhecera no jardim de infância? De
acordo com a psicologia Jungiana, que ele estudara brevemente na universidade,
antes de deixá-la para seguir o Movimento, todos têm um lado feminino chamado
anima. Seria Cassie uma manifestação psíquica de seu anima, ou alguma coisa do
tipo?
Olhe para mim, ele pensou. Eu nem sei como minha habilidade funciona.
Como isto é patético!
— Eu não sei — ele olhava irritado para o chão. — Talvez meu pai e Shawn
tenham razão. Quem quer outro cinquenta/cinquenta? — confuso, ele passou os
dedos por entre os cabelos. Sentia-se como se estivesse no fim da linha. — Eu me
sinto tão confuso, às vezes.
Seus olhos devoraram as formas desnudas dela, e ele sentiu seu corpo
respondendo, exatamente como sempre o fizera. Parte dele sentia que havia algo
errado, talvez até insalubre, neste novo aspecto do relacionamento deles, mas ele
não conseguia resistir. Ele havia se sentido muito só depois que Isabelle morreu, e
Cassie estava lá para confortá-lo, noite após noite.
Ela não é real, ele lembrava a si mesmo. Ela é o meu lado feminino.
Mas ele podia vê-la, sentir seu cheiro e tocá-la, mesmo que ninguém mais
pudesse.
— Venha para mim, amor — ela sussurrou, com voz rouca. — Deixe que
Cassie faça tudo melhorar.
***********************
— Você está tornando tudo mais complicado para si próprio — disse Dennis
Ryland.
Richard era prisioneiro mais uma vez, mas sua nova moradia fazia a antiga
cela na Virgina parecer uma suíte presidencial de um hotel de luxo. Uma pálida
pintura verde havia falhado em isolar as frias paredes de pedra. Ao invés de um
beliche, havia apenas um banco duro de concreto, sem travesseiros ou lençóis.
Tinha de se estar totalmente exausto para se conseguir dormir naquilo. Não que
Ryland e seus cúmplices tenham dado algum momento de paz a Richard desde que
ele acordara ali, fosse lá onde fosse aquilo. Acorrentado a uma cadeira no meio da
cela, seus pulsos algemados para trás, Richard não fazia ideia de onde estava
preso. Um macacão laranja havia substituído seu uniforme militar. Seus pés
descalços repousavam sobre o cimento frio. A umidade o gelava até os ossos. Ele
se perguntava se algum dia iria se sentir aquecido novamente.
Richard olhou para ele, furioso. Como aquele bastardo caçador de bruxas
se atrevia a difamar sua filha?
Ele havia conhecido Ryland alguns anos antes, quando colocou todos os
4400 em quarentena. Na época, ele parecia apenas mais um burocrata paranóico
do governo. Então Ryland tentou envenenar todos os 4400 com uma versão
anterior do inibidor, planejou e montou um ataque a um esconderijo de 4400 que
estava sob a responsabilidade de Richard. E corrompeu Isabelle. Dizer que havia
uma animosidade entre eles era pouco.
— Para impedir Jordan Collier de matar milhões de pessoas — a voz de
Ryland era enganadoramente calma e razoável. — Tudo o que queremos é que
você confesse que Collier está desenvolvendo uma versão aérea de promicina.
Richard suspirou.
— Eu não sei nada sobre isso — ele disse, pelo que parecia ser a centésima
vez. — Eu nem sei se isso é verdade.
— Quem disse que são falsas? Collier? — Ryland sacudiu sua cabeça diante
da ingenuidade de Richard. — Você ainda não aprendeu que não deve acreditar em
uma só palavra do que aquele homem diz? — ele ajoelhou-se diante do prisioneiro
sentado, para que ficassem cara a cara. — Lembra-se daquela surra na Virginia,
aqueles guardas que iam arrancar a sua cabeça?
— Maia Skouris — insistiu Richard. — Ela avisou Collier sobre o que iria
acontecer…
— Foi o que ele te disse? — Ryland deu de ombros. — Talvez tenha sido.
Ou talvez aquela pirralha repugnante não tenha visto a estória toda — ele se
levantou e olhou tristemente para baixo. Seu rosto astuto projetava uma
evidentemente falsa máscara de simpatia. — Você não deve nada a Collier, Richard.
Por que aguentar esse sofrimento para protegê-lo?
— Isto não é por Collier. É para não te dar um pretexto para declarar
guerra contra uma cidade americana — ele olhou por detrás de Ryland e seus
lacaios para o sólido portão de aço que bloqueava sua visão do resto da prisão. Não
havia nem barras para se olhar através. — Onde estão as pessoas que foram
apanhadas comigo? O que vocês fizeram com eles?
Ele não havia visto Evee ou Yul desde que acordara no cativeiro.
— Eles estão desfrutando de recepções semelhantes, nas mãos de meus
subordinados — Ryland deu um sorriso forçado para Richard. — Você deveria se
sentir privilegiado por ter minha atenção pessoal.
Richard também podia. Ele cuspiria em Ryland, se sua boca não estivesse
tão seca. — Que pena que não haverá confissão.
Astrid parecia surda aos apelos dele. Ela se inclinou para encarar Richard
de perto. Respirou fundo, enchendo seus pulmões com o ar abafado da cela.
Richard se preparou para um martírio bastante familiar, que sobreveio a ele com
velocidade impiedosa.
Ela soprou no rosto de Richard, seu hálito como um vento ártico. A friagem
correu por todo o corpo de Richard, revestindo suas roupas e sua pele com uma
fina e gélida camada branca. Ele tremia descontroladamente, na iminência de uma
hipotermia. Seus dentes batiam como castanholas, não importando o quanto ele se
esforçasse para travar suas mandíbulas. Seus lábios se tornaram azuis. Seu hálito
se condensava no ar. Uma queimadura de gelo ameaçava a ponta de seu nariz.
Ele não havia sentido tanto frio desde a última vez em que ela o torturara.
— Já chega.
*********************
— Só quero dar uma olhada — ele disse. — Isso não quer dizer que vou
informar algo à NTAC ou ao meu pai. — Ele manteve o olhar na tela à sua frente. —
De qualquer modo, não há o que contar mesmo. Só preciso ter certeza disso.
— Eu sou sua habilidade, Kyle. Sou eu quem te conta o que precisa saber.
— Não é assim que funciona. É sobre o que você precisa saber para
cumprir seu destino. Não o que você quer saber.
Ele a tirou do seu colo e voltou-se para o computador. Seus dedos tocaram
o teclado, digitando GRAYSON, BERNARD no banco de dados. O agente funerário
fugitivo estava listado como positivo à promicina, apoiador do Movimento, tendo
aparentemente visto a luz depois do Grande Salto Adiante. Seu arquivo, no
entanto, estava surpreendentemente vazio, listando apenas a sua idade,
informações para contatos, número de Segurança Social, e alguns outros detalhes
irrelevantes. Nem mesmo sua habilidade 4400 estava listada.
O quê? O nome não significava nada para ele. Pensei que soubesse tudo
sobre as iniciativas de Jordan.
Kyle percebeu que isso não terminaria tão cedo. Nada como uma mulher
furiosa…
Mas quando ele tentou abrir mais detalhes sobre o fundo, o computador
apitou em protesto. Uma caixa de mensagem cinza sinistra apareceu na tela:
“ACESSO NEGADO”
“ACESSO NEGADO”
— Só porque você quer. — Ele iria até o fim se precisasse, só para provar
que as acusações de seu pai contra Jordan eram absurdas. Uma ideia lhe ocorreu.
Se o seu computador não conseguia descobrir tudo, talvez ele devesse tentar uma
aproximação mais humana.
Ele pegou o telefone e discou uma extensão familiar. Alerta com sua ação,
Cassie abaixou o bloco e o olhou suspeitosamente. Seus olhos se estreitaram.
— Oi, Irene — disse ele, assim que a pessoa do outro lado da linha atendeu
ao telefone. — É o Kyle. Tem um minuto?
Irene Henkel era uma dos 4400 originais. Uma vez fora nata dos anos
1960, que dizia ter dançado para Jim Morrison e Jimi Hendrix. Ela voltara do futuro
com uma memória fotográfica com relação a dólares e centavos. Irene agora era o
cérebro do departamento de contas da Fundação. Ela era a pessoa a ligar se você
tivesse um problema com um alto reembolso. Kyle esperava que isso se aplicasse
ao Comitê de Incentivo Global também.
— Para você, amorzinho, a qualquer momento. — Seu sotaque arrastado
entregava suas raízes da Linha Mason-Dixon11. — Como posso ajudá-lo?
— Não é muita coisa. — Ele fez o melhor para manter seu tom calmo e
gentil, enquanto Cassie o fuzilava com os olhos do sofá. — O Jordan pediu para que
eu revisasse os registros, e receio que esqueci para quê foi usado um desembolso.
Talvez você pudesse refrescar minha memória.
— Me deve ume bebida, pelo menos, e eu vou cobrar qualquer dia desses.
Embora ainda não tenha encontrado nada tão bom como aquele vinho de dente-de-
leão que tomei em Woodstock12, antes daquela bola de luz me levar. — Um tom
melancólico sugeria que a abdução repentina ainda cutucava os dias passados de
Força das Flores e colares Love beads13 — Não suma, queridinho.
11
N. do T.: Uma linha que divide o Norte e o Sul dos EUA, formando uma demarcação nas fronteiras de
Pennsylvania, Maryland, Delaware e Virgínia do Norte.
12
O Woodstock Music & Art Fair foi um festival de música anunciado como “Uma Exposição Aquariana:
Dias de Paz & Música”, na cidade estado de Nova York. Foi realizado entre os dias 15 de agosto e 18 de
agosto de 1969.
13
N. do T.: Flower Power (Força das Flores) foi um slogan usado pelos hippies dos anos 60 até o começo
dos anos 70 como um símbolo da ideologia da não-violência e de repúdio à Guerra do Vietnã. Love
beads são colares tradicionais de hippies, geralmente feitos à mão.
14
N. do T.: O University District (comumente conhecido como U District) é um bairro em Seattle, assim
chamado porque o campus principal da Universidade de Washingtom (UW) está localizado ali.
Kyle tentou juntar as peças, mas tudo o que conseguiu foi uma bagunça.
Ele olhou friamente para o telefone na sua mão. Devo ligar para o meu pai? Avisá-
lo do que descobri até agora?
Ele ainda estava bravo com seu pai por tê-lo abordado no jantar, mas e se
esse sujeito Grayson fosse mesmo um pilantra? E o quanto Jordan sabia sobre esse
Comitê de Incentivo Global? Por que era tão difícil descobrir para que isso servia?
Por que era tão na surdina?
— Mas o meu pai… — A indecisão torturava Kyle. — Ele é uma cara do bem Cassie.
Só quer fazer a coisa certa.
— Sei que é. — Ela adotou um tom mais conciliatório. — Mas ele não vê o mais
importante, não como nós vemos. Ele ainda está pensando como um agente da
NTAC, não como um visionário. Ou um shaman. — Ela apertou a mão dele. —
Confie em mim, Kyle. Lembre-se quão longe já fomos juntos.
Ela tem razão, ele admitiu. Cassie nunca se enganara antes. Ela o contara como
acordar Shawn de um coma, o guiara até as profecias da Luz Branca, o convencera
a se juntar à cruzada de Jordan, até mesmo trouxera Isabelle à sua vida, mesmo
que brevemente. E se ela também estivesse certa quanto a isso?
Ele não tinha nada a não ser perguntas. Ela tinha as respostas.
— Não vou contar a ele se você não contar. — Ele secou as sobrancelhas, feliz que
Irene não percebesse como ele estava zangado. Sues dedos batiam nervosamente
contra a mesa. — De qualquer modo, sobre esse gasto…
Cassie caminhou pela sala até ficar diante de seus olhos. Inflamáveis olhos
esmeraldas sugeriam que provavelmente ele dormiria sozinho essa noite. Parecia
que ela queria arrancar o telefone de sua mão e arremessá-lo contra a parede,
mas, como não era real, isso não era uma opção.
— Ah, sim. Esse aí. — Para seu alívio, sua menção sobre o misterioso
comitê pareceu não levantar nenhuma barreira. Ela parecia ter presumido que ele
estava familiarizado com a operação. — Foi um investimento para um terreno no
centro da cidade. Um centro de plasma abandonado. Acho que fica perto da antiga
estação Greyhound.
Cada qual com seu gosto, ela pensou. Ela preferia filmes estrangeiros.
— Você vai ver — o tom e a expressão séria dele deixaram claro que não
havia chamado ela ali para jogar Playstation. — Por aqui – disse ele, guiando-a
pelas escadas para o piso principal do apartamento. Não havia paredes separando o
quarto do escritório e da sala de estar. Grandes tapetes se esparramavam pelo piso
de cerâmica esverdeada. Globos dependurados iluminavam o apartamento.
Cortinas cobriam as janelas. — Os outros já estão aqui.
Outros?
Ela ficou surpresa ao encontrar Maia Skouris, Tess Doerner e ambos os Jed
Garritys esperando na sala de estar. Os quatro visitantes pareciam tensos e
desconfortáveis. Gravatas azul e vermelha diferenciavam os dois Garritys, que
eram completamente idênticos. O agente Garrity, que já fora um homem só,
duplicara a si próprio após sobreviver ao cinquenta/cinquenta. Agora, duas versões
do mesmo homem caucasiano de cabelos escuros estavam sentadas em pontas
opostas de um sofá de couro preto. Ambos ostentavam o mesmo e habitual
semblante entediado. Nem mesmo os cientistas mais experientes da NTAC tinham
sido capazes de determinar qual deles era o original e qual era a cópia.
Não era comum ver os dois Garritys no mesmo lugar ou ao mesmo tempo.
De um modo geral, eles tendiam a evitar um ao outro, trabalhando em turnos
diferentes, para poderem dividir o mesmo apartamento e a mesma baia no
trabalho, dos quais nenhum deles parecia querer abrir mão em favor do outro. As
gravatas diferentes eram uma concessão para não confundir os colegas.
E o que Maia estava fazendo ali? Ela não deveria estar na escola? Meghan
se colocou protetoramente entre a adolescente e Tess.
— Não foi ele – uma voz áspera entrou em cena. Jordan Collier adentrou a
sala através de uma porta dupla do tipo industrial. — Fui eu.
Houvera um tempo, apenas dois meses atrás, em que capturar Collier tinha
sido a prioridade número um da NTAC. Mas isto foi antes de ele tornar-se o
comandante de Seattle de fato.
— Por favor, sente-se, Srta. Doyle — Collier disse, indicando uma poltrona
de veludo em frente ao sofá. Uma toalha de praia do Darth Vader estava estendida
sobre o encosto dela. O chão pedia um aspirador. — Não há motivo para se
alarmar. Eu só quero conversar, extraoficialmente.
— Estou falando sério – ele caminhou até Maia e pousou a mão no ombro
da menina. — Uma fonte confiável, que por acaso é a nossa extraordinária Maia
Skouris, me informou que Ryland está tentando forçar Tyler a prestar o depoimento
falso de que eu estou transformando a promicina em um tipo de arma de
destruição em massa. Esta é exatamente a desculpa de que os meus inimigos,
incluindo os Marcados, precisam para iniciar um ataque à Terra Prometida — seu
sorriso foi desaparecendo, conforme ele pintava o cenário do que aquilo poderia
acarretar. — Uma invasão armada, ataques aéreos, talvez até armas nucleares.
Nós, é claro, seremos obrigados a retaliar. A perda potencial de vidas poderá ser
verdadeiramente grande — ele passou o olhar pelo grupo. — Nenhum de nós quer
isto.
Meu Deus, pensou Meghan, apavorada com o que acabara de ouvir. Ela
gostaria de poder descartar a previsão de Collier, como se fosse mero terrorismo,
mas, infelizmente, aquele não era, nem de longe, o caso. Como diretora da NTAC,
ela tinha sido alertada de que cenários similares já haviam sido cogitados, com
graus bastante variados de entusiasmo, nos corredores do poder. Collier tinha
traçado uma linha na areia, quando demarcara a Terra Prometida. O
cinquenta/cinquenta tinha agravado a questão, deixando-a à beira de um colapso.
Se houvessem evidências tangíveis – como, por exemplo, uma confissão, de parte
de algum terrorista 4400 conhecido, gravada em vídeo -, de que uma epidemia
ainda maior estava para acontecer, tudo iria se modificar.
Meghan sabia que não deveria desprezar as visões de Maia. Mesmo assim,
ela ainda não estava pronta para embarcar na canoa de Collier.
— Se é tão importante, por que você mesmo não resgata Tyler? Você o
ajudou a escapar da primeira vez.
Falando em Tom, ela soube tarde demais que ele e Diana estavam
desaparecidos desde sua paradinha para um café. Até onde ela sabia, eles tinham
estado entrevistando os parentes e associados de Bernard Grayson, mas parecia
estranho que eles não houvessem sido incluídos naquele grupo. Os dois tinham
mais experiência com Tyler do que qualquer um naquela sala. Ela lançou um olhar
inquiridor para Marco.
— Estava tudo por minha conta — confessou Marco. – A habilidade dela não
serviria exatamente para uma missão de resgate, então por que envolvê-la? — ele
corou levemente; Meghan suspeitava de que ele tivesse uma quedinha pela loira
genial. — Ela ficará melhor sem saber de nada disto.
— Você realmente acha que nós devemos fazer isto? — ela perguntou a
Marco, em tom de dúvida. — Richard Tyler é suspeito de terrorismo e assassinato.
Ele ajudou a assassinar um homem em Roma há apenas alguns dias.
O governo não iria ver com bons olhos os funcionários da NTAC que
conspirassem para liberar da custódia um terrorista procurado. Eles teriam sorte
em não pegarem prisão perpétua.
— Vocês têm que ir — disse Maia. A jovem vidente jogou sua última carta.
— Eu vi vocês.
*************
— Pode ser — concordou Diana. — Não temos que sair correndo para lugar
nenhum agora.
Triste, mas verdadeiro, pensou Tom. Ele pegou a pista da direita e ligou a
seta. A saída estava a apenas uma milha quando seu telefone tocou
inesperadamente. Sem tirar os olhos da estrada, ele pescou o celular do bolso de
sua jaqueta. Colocou-o na orelha.
Era estranho ter aquela conversa bem na frente de Diana, mas sua
parceira providencialmente fingia rever o dossiê de Grayson. Ela manteve o olhar
na pasta em seu colo. Tom gostou da discrição dela.
— Eu sei, pai — Kyle mantinha sua voz baixa, quase com se ele estivesse
com medo de que alguém pudesse escutar. — Aí é que está. Eu pesquisei sobre
Grayson para você e achei algo estranho. Provavelmente não é nada, mas… — a
voz dele foi sumindo. Ele resmungou qualquer coisa com voz abafada. — Me deixe
em paz, ouviu? Eu sei o que estou fazendo.
— O que é isso, Kyle? — Tom não estava entendendo. Será que eu falei
algo que o ofendeu?
— Nada, pai. Não era com você — ele parecia envergonhado pela explosão.
— Eu estava falando comigo mesmo, ou algo assim.
Tom teve a impressão de que seu filho não estava falando toda a verdade.
Tem alguém lá com ele?
— Sim? – Tom tentava não parecer tão ávido, com medo de assustar Kyle.
A julgar pelo nervosismo dele, Kyle estava a ponto de desligar a qualquer
momento. — O que é, Kyle?
Devagar, hesitante, seu filho relatou o que havia apurado sobre Bernard
Grayson e algo chamado Comitê de Alcance Global. O nome não significava nada,
mas os ouvidos de Tom se interessaram quando Kyle mencionou que o CAG tinha
adquirido recentemente um centro de plasma abandonado na região central de
Seattle. Ele se lembrou na mesma hora da forma como Grayson havia convertido a
agência funerária em algum tipo de laboratório de clonagem biológica. Seus
instintos lhe diziam que Grayson estava de volta ao foco.
— Ainda não — disse ele, de modo sombrio. Tom achou que Kyle se sentia culpado
por fazer as coisas pelas costas de Jordan. — Embora eu tenha pensado nisso…
Ele desligou.
*************
Isto não é surpresa, pensou Marco. Não há muita confiança nesta sala.
Marco manuseou o mouse. Alguns toques nas teclas inseriram uma nódoa
marrom no teto. — Assim?
— Melhor assim?
Marco olhou para certificar-se de que seu celular estava carregado. A tela
do visor informava que eram duas e quinze da tarde. Ele se deu conta de que não
deveria adiar mais.
— Está certo, aqui vai nada — ele se levantou de sua cadeira. — Desejem-
me sorte.
— Espere — disse Meghan. — Se você for mesmo aonde pretende, não vai
querer ser reconhecido.
Boa ideia, pensou Marco. Eles tinham que considerar que a cela de Tyler
deveria estar sendo monitorada. Ele vasculhou sua cabeça atrás do disfarce
apropriado, então remexeu em uma maleta sobre sua cama. Levou um minuto ou
dois para localizar o item em questão, mas logo extraiu de lá uma máscara de
borracha de Klingon15, da última festa de Halloween, dois anos antes. (A festa do
ano anterior fora cancelada, em respeito às vítimas do cinquenta/cinquenta).
Agarrando a máscara, bem como um par de luvas de inverno, ele correu de volta
para a sala do computador. Espero que hoje não seja um bom dia para morrer.
Tess, uma foragida dos anos 50, parecia não saber o que era um Klingon.
— Star Track?
— Ei, às vezes você tem que se virar com o que tem à mão — disse Marco.
Ele vestiu o disfarce sobre a cabeça e os óculos. O interior da máscara cheirava a
suor azedo e borracha. Sua própria respiração ecoava em seus ouvidos. Ele calçou
as luvas para evitar deixar qualquer impressão digital incriminadora.
15
Klingon – raça alienígena fictícia, criada para a série Star Trek.
— Tá bem, acho que agora estou pronto.
Bata na madeira.
39.967814, -75.172595.
— Qapla!
— Não conte com isso — replicou Marco. Juntar-se a uma seita não estava
em seus planos.
— Oh — disse Tess. Ela se virou para o canto, evitando tanto Collier quanto
o pessoal da NTAC. — Eu já ouvi falar de lá. É um local histórico, do século
dezenove. Foi transformado em museu há alguns anos. Al Capone esteve preso ali.
Dizem que é assombrado.
— Ela tem razão — confirmou Marco. Uma rápida busca na Internet achou
vários sites sobre a velha prisão, que estava localizada de fato no centro da
Filadélfia, não muito longe da prefeitura e do badalado museu de arte da cidade. —
Foi fechado para reforma logo depois do cinquenta/cinquenta. Não há informações
sobre a reabertura.
— Olhe pelo lado bom — apontou Marco. – Ao menos Tyler ainda está nos
Estados Unidos.
E a culpa é de quem? pensou Marco, mas segurou sua língua. Para ser
justo, Ryland e a Haspelcorp tinham explorado as possibilidades militares da
promicina muito antes de Collier oferecer a dose para o público em geral.
— Vizinhança legal — disse Tom sarcasticamente. Eles dirigiram direto para lá, de
Bellingham. Diana telefonara para NTAC no caminho para informá-los da
investigação; sem conseguir falar com Meghan ou Marco, ela deixara uma
mensagem com Abby, então.
O centro de Plasma Skid Row era localizado numa esquina de uma parte da cidade
economicamente decadente que não fora beneficiada com a ambição dos 4400 por
uma renovação. Do outro lado da rua estava o que sobrara de uma loja de bebidas
destruída durante o tumulto há dois meses. Virando a esquina, estava uma estação
de recrutamento científico; aparentemente, L. Ron Rubbard16 não fora capaz de
competir contra Jordan Collier na Terra Prometida. Uma livraria para adultos, um
pouco acima na rua, parecia ser o único estabelecimento em funcionamento. Um
céu cinza ameaçava chover a qualquer momento.
Suas vozes acordaram o bêbado, que os olhou com olhos confusos e sanguinários.
Veias estouradas desfiguravam seu nariz inchado. Uma barba cinza emaranhada
mantinhas seu rosto triste aquecido. Seu casaco de lã esfarrapado devia ser uma
doação. Um fedor nauseante emanava de sua presença. Ele furtivamente colocou
uma garrafa de Thunderbird atrás de suas costas antes de estender uma mão
ameaçadora.
— Têm um trocadinho?
Diana percebeu que não machucaria dá-lo algum trocado. Talvez ele
tivesse visto alguma coisa enquanto estava bêbado.
— Deus lhe abençoe. — Ele cambaleou. Sua boca exalava álcool, mas ele
parecia um pouco sóbrio. — A cidade precisa de mais pessoas como você.
16
L. Ron Rubbard foi um escritor americano de ficção científica.
— Costumava vim umas duas vezes por semana — confessou o homem. —
Antes de todo mundo ficar doente. — Ele olhou para os agentes esperançosamente.
— Sabem quando esse lugar vai reabrir? É uma droga de injustiça que não posso
mais vender meu próprio sangue. Nunca tomei uma dessas doses fedorentas…
— O que te faz pensar que vai reabrir? — perguntou Diana. — Viu alguma
atividade ultimamente?
— É. Acho que sim, parece um pouco familiar. — Ele devolveu a foto para Diana. —
É o novo chefão?
— É o meu dia de sorte! Vocês são boas pessoas, vocês dois. — Enfiando as notas
no seu bolso, ele saiu apressado em busca de alimento, ou assim esperava Diana.
As chances, no entanto, era que ele fosse comprar mais Thunderbird ao invés de
um Big Mac.
Os agentes esperaram que o mendigo útil estivesse longe o suficiente para não
ouvi-los antes de começaram a investigar. Diana guardou a foto de Grayson.
— Parece bem provável para mim. — Ele considerou a fachada lacrada. — Pela
entrada da frente ou dos fundos?
Diana tentou espiar através das tábuas, mas tudo o que viu foi escuridão. Parecia
não haver luzes do lado de dentro, muito menos alguém se movendo.
— Pode não ser uma má ideia. — Ela era imune à promicina, por ter servido de
cobaia para Kevin Burkhoff há alguns anos, mas Tom não era. — Se Grayson e
companhia conseguiram duplicar a habilidade de Danny, e conseguirem gerar uma
versão que se espalha pelo ar, podemos estar entrando numa zona quente.
— Acho que se prevenir não machucaria. — Ele tirou um pacote de emergência das
pílulas de seu bolso e as engoliu. — Certo, vamos descobrir o que está acontecendo
aqui.
Diana esperou enquanto seu parceiro mais forte se preparava. Grunhindo, Tom
jogou-se de ombros contra a porta, que se recusou a ceder.
— É mais sólida do que parece — comentou ele, recuando. Levantou sua Glock,
então. — Acho que precisamos de um pouco de poder fogo.
Diana imaginou se alguém daria queixa do tiro. Nesse bairro, provavelmente não.
— Tome cuidado — ele disse enquanto chutava a porta. Nenhum dos dois queria
outra surpresa como a que tiveram na casa funerária. Diana ainda tinha um calo na
cabeça onde aquele técnico do necrotério havia batido. Com as armas em punho,
eles cautelosamente adentraram pela parte de trás do prédio.
O corpo de Danny?
Teremos que checar isso, pensou ela, depois que soubermos que está seguro aqui.
— Limpo! — gritou Tom da área da recepção mais a frente. Diana espiou com a
cabeça alguns escritórios e um armário de funcionários. Uma grande janela de vidro
separava a área das doações do laboratório anexado. Cartazes desbotados
apontavam os benefícios salvadores da doação de plasma. Um papel num quadro
de avisos mostrava uma rifa de um peru do Dia de Ação de Graças que
provavelmente nunca acontecera. Aparentemente, cada gota de plasma doada era
uma chance a mais para ganhar o peru.
17
N. do. T.: Plasmaférese é a remoção e a recolocação de plasma de sangue
Diana percebia que ele não estava ansioso para encontrar mais clones do
corpo de Danny.
18
“The Phantom Works division” visa construir produtos e tecnologias militares avançadas.
pareciam os de um Concorde19, permitindo-os voar sobre o país sem balançarem. O
avião roubado havia levantado voo de um campo de pouso secreto em algum lugar
da Península Olímpica. Meghan e os outros haviam saído de Seattle com os olhos
vendados, para preservar a segurança das operações aéreas ilícitas de Collier.
Boa ideia, pensou ela. Pena que não posso dar a ele um bônus por essa
missão.
— É estranho não ter o Tom e a Diana conosco — disse ele. — Esse é mais
o tipo de ação deles do que o meu.
19
O Concorde foi um dos dois aviões supersônicos de passageiros que operaram na história da aviação
comercial.
tentada a incluir Tom e Diana mesmo assim. Os dois tinham mais experiência com
Richard Tyler do que ela.
Grayson clamara mais cedo que ele e seus cúmplices os esperavam. Tom
imaginava quem os entregara. Teria Kyle aberto o bico para Jordan no fim das
contas? Tom torcia para que seu filho não fosse o culpado por sua situação lúgubre.
Quem mais poderia ser? Agonizou ele. Só ficamos sabendo desse lugar há algumas
horas!
— Abby?
— Como pôde?
— Pessoas morrem todos os dias sem razão que importe — disse Grayson.
— Confiem em mim, ninguém sabe disso mais do que um agente funerário. Passei
metade da minha vida adulta preparando seus restos sem valor, sem contribuir de
verdade com o mundo, até que o Grande Passo Adiante abriu meus olhos e
expandiu minhas percepções. — Ele olhou para o alto e juntou as mãos diante do
peito. — Nunca me esquecerei daquele dia. Meu cérebro se iluminou com novas
ideias e entendimento. Encontrei o meu propósito de existência.
— Será você — prometeu Abby. Sua voz soava convicta. — Nós iremos
conseguir desta vez. Posso sentir.
Tom percebeu que não havia razão nessas pessoas. Eles eram todos
crentes genuínos, como aquele fanático no necrotério. Até mesmo Abby parecia ter
aceitado o plano de Collier de coração. Tudo o que podia esperar deles agora era
respostas.
— Essa seria eu de novo. Receio que não tenha contado tudo a vocês sobre a
verdadeira extensão da minha habilidade. Eu posso fazer mais do que apenas ler
DNA, posso manipulá-lo. — Ela flexionou os dedos. — Com a ajuda de Bernie,
tenho conseguido transformar voluntários em perfeitas cópias genéticas de Danny.
Abby hesitou.
— Admito que nenhuma de nossas cobaias sobreviveu ao teste até agora — disse
defensivamente. Diana obviamente atingira um ponto fraco. — Mas estou cada vez
mais perto. — Ela virou-se para encorajar Carl. — Estamos quase lá. Sei disso!
— Não é uma boa ideia — objetou Abby. — De acordo com a profecia, que acredito
trazer códigos do futuro, Baldwin tem um destino importante a cumprir. Eliminá-lo
poria em risco tudo pelo que trabalhamos.
— Certo — concedeu Carl. — Não tinha pensado nisso. — Ele virou sua arma na
direção de Diana. — E ela, então?
— Skouris é especial de natureza. Ela tem uma imunidade única a promicina que
merece um estudo mais de perto.
— Eu concordo — disse Grayson. Ele olhou Diana com uma curiosidade científica. —
Uma análise cuidadosa de seu sangue poderia render informações valiosas sobre os
efeitos da promicina no sistema nervoso humano.
— Matar dois coelhos com uma pedrada só — disse Abby presunçosamente. Ela
tinha tudo planejado. — A profecia diz que Baldwin está destinado a se tornar um
de nós, certo? E se pudermos te transformar em outro Danny Farrell, vamos
precisar de uma cobaia para assegurar que você pode infectar as pessoas com
promicina…
— Não vai dar certo — ele os avisou. — Tomei U-Pills logo antes de entrar.
Meghan tinha lido algo do tipo. Pelo aspecto do lugar, o Doutor Benjamin
Rush tinha conseguido exatamente aquilo que havia pedido.
— Na verdade, esta era uma área isolada, milhas afastada da cidade — Tess
informou a eles. Ela havia designado a si própria a especialista na história da
prisão, naquele grupo. — Um pomar de cerejeiras, para ser mais exata. Quando
eles construíram a prisão, há quase duzentos anos, não havia nada em volta. Mas a
cidade gradualmente se espalhou e a cercou. Esta é uma das razões pela qual ela
foi desativada nos anos setenta. As pessoas não gostavam da ideia de ter uma
prisão cheia de condenados na vizinhança; mesmo ela tendo sido construída bem
antes de eles se mudarem para lá.
20
Seteira (arrow slit) – janela comprida, característica dos castelos medievais, através da qual os
arqueiros lançavam flechas para defender a construção dos ataques inimigos.
Ela se virou para Tess.
— Sim? — a voz perguntou, irritada. Meghan supôs que eles não deviam
ter muitos visitantes, especialmente àquela hora. — O que foi?
Tess discordou.
O silêncio que se seguiu fez Meghan achar, por um breve instante, que a
habilidade notória de Tess havia sido apagada, de alguma forma. Então a colossal
porta de aço se abriu com um chiado. Nenhum rangido tortuoso trespassou a alma
de Meghan; aparentemente, a Haspelcorp mantinha as dobradiças lubrificadas.
Observando do outro lado da rua, ela vislumbrou um guarda uniformizado de pé
além do portal. Ele afastou-se para Tess passar.
— Assim está melhor — ela disse. Virando-se, acenou furtivamente para
Meghan e os outros, que atravessaram a rua para juntar-se a ela. Eles vestiram
máscaras de esqui antes de entrar no campo visual das câmeras; Meghan tinha
convencido Marco a deixar a máscara de Klingon em Seattle.
— Psiu! — Tess estendeu um dedo diante dos lábios. — Apenas faça o que
eu mandar.
Kozinski ficou parado, indefeso, sua face lívida traindo seus verdadeiros
sentimentos, enquanto o grupo corria para o interior da guarita. Garrity fechou a
porta silenciosamente atrás dele.
Não era o que ela via ao seu redor. A Haspelcorp obviamente havia feito
uma boa reforma no interior do prédio. Tinta industrial bege cobria as paredes de
granito. Lâmpadas fluorescentes dispersavam as sombras tenebrosas do passado. A
estação de trabalho do setor de segurança estava equipada com um grupo de
monitores, permitindo que se vigiasse a rua lá fora. Extintores de incêndio e
alarmes de fumaça mantinham as instalações dentro das regras. Um aviso de
“proibido fumar” fora afixado em uma parede.
Meghan não vira nenhum cartaz proibindo tortura.
— Quietos! — Tess os silenciou. — Sem alvoroço, por favor. Vocês vão nos
ajudar agora.
— Cara, eu não estou feliz de estar de novo aqui — comentou Marco. Seus
óculos se sobressaíam sob a máscara de esqui. — Devolvam-me minha Sala das
Teorias assim que possível.
Vozes abafadas vinham da Cela 33. Era impossível discernir o que estava
sendo dito, mas um gemido agonizante era inconfundível. Meghan lembrou-se de
Maia descrevendo Tyler sendo torturado. Como de costume, a predição da menina
acertara na mosca.
Sacudido pelo sofrimento óbvio que acontecia bem atrás da porta, ele
correu para o resgate. Meghan agarrou seu braço.
— Surpreenda-os.
Seu coração batia tão rápido que ele achava que iria atingir a velocidade da
luz. Sua boca parecia tão seca quanto o Arrakis22. Engolindo em seco, ele visualizou
a cela de sua breve visita de algumas horas antes. Ele tinha o desenho de Maia
arquivado em um telefone celular, juntamente com incontáveis fotos da prisão
estadual, capturadas da Internet, mas certamente a cena ainda estava viva em sua
memória. Erguendo a arma, ele mergulhou de cabeça em sua tela mental.
Gerônimo!
— Já está de volta? Você está brincando com a sorte, mas por mim, tudo
bem. Nós temos uma cela vazia esperando por você.
21
Austin Powers – personagem de Mike Myers na trilogia “Austin Powers”, que satiriza os filmes de
James Bond, o famoso agente 007.
22
Arrakis – deserto fictício da série de livros “Duna”, de autoria de Frank Herbert.
O gelo derretia em Tyler à medida em que ela voltava a atenção para
Marco. Antes que ele pudesse impedi-la, ela se adiantou e bafejou sua arma. Uma
camada de gelo instantaneamente cobriu o aço soldado, que tornou-se frio o
suficiente para queimar a mão de Marco. Entrando em pânico, ele tentou puxar o
gatilho, mas este também estava solidamente congelado. Nada aconteceu.
— Você acha que está tendo calafrios agora? — ela bafejou. — Espere até
chegarmos ao zero absoluto.
Mesmo com toda a sua genialidade, ele só conseguia pensar em uma coisa
a fazer.
Tess e Meghan adentraram a cela antes que ele pudesse completar a frase.
Ryland jogou sua pistola automática para longe. Meghan imaginou que ele a usara
para acertar Kozinski. O antigo diretor na NTAC reconheceu Tess no mesmo
momento; ele estava no comando quando Tom e Diana haviam-na encontrado pela
primeira vez.
— Doerner!
Astrid Bonner investiu contra Tess, mas a garota estava pronta para ela.
— Congele!23
23
”Freeze” significa congelado, seria melhor traduzido como “Parada”, mas para manter o trocadilho do
livro, fica com tal tradução.
— Cale-se! — gritou Meghan. Embora estivesse tão chocada quanto
qualquer outro devido ao que acabara de acontecer, ela se controlou pelo bem da
missão. Pegando a arma de Ryland do chão, ela a entregou para Marco. — Não o
deixe ir a lugar algum.
— Er, tudo bem — disse ele, sua voz mais baixa e áspera do que o normal.
Apontou arma para Ryland, seu desconforto evidente até mesmo através da
máscara. Parecia que estava fazendo uma interpretação ruim de Jimmy Cagney.25
— Você ouviu a moça. Fique onde está.
Esperando que Marco pudesse manter Ryland parado, pelo menos por
alguns momentos, Meghan checou Tyler. O prisioneiro brutalizado estava frio e
trêmulo. Parecia à beira de uma hipotermia. Seus dentes não paravam de bater.
Ela descobrira sua habilidade quando havia, sem querer, transformado uma
caneta tinteiro em uma orquídea. Experimentando com clipes de papel, réguas e
outros objetos, ela eventualmente descobrira que podia transformar materiais
inorgânicos em orgânicos. Em plantas, para ser exato, talvez por causa de seu
amor antigo por jardinagem. Ela não tivera coragem para tentar gerar tecido
animal, e não estava pronta ainda.
24
Lobotomia era uma cirurgia que consistia em cortar (isolar) um lobo cerebral, o frontal, para o
tratamento da depressão. Não dava certo porque a pessoa ficava com sérias sequelas neurológicas,
como indiferença, apatia, falta de iniciativa e alterações do humor.
25
James Francis Cagney Jr. foi um ator norte-americano. Era um artista de vários gêneros, mas se
tornou célebre interpretando gângsters violentos e loucos em filmes como Inimigo Público, Fúria
Sanguinária e Anjos da Cara Suja.
— Está tudo bem agora — disse a Tyler. — Você está livre.
— Consegue andar?
Isso chamou sua atenção. Olhos úmidos e vermelhos olharam para cima.
— Kevin?
— Grande erro — disse ele a Meghan. — Ela pertence a aqui, junto com
todas as outras abominações perigosas.
Meghan não reconheceu os nomes, mas imaginou que eles fossem outros
4400 aprisionados na Estadual do Leste.
— Uma ova que vou mandar! — Ele elevou a voz para gritar para sues
homens. — Não se preocupem comigo! Atirem para matar!
Idiota!, pensou Meghan. Ela não conseguia acreditar que aquele nazista já
estivera no comando da NTAC, muito menos que fora um amigo íntimo de Tom. Ela
o golpeou nas costas com a arma.
— Parem de atirar!
A área circular cheirava a jardim de rosas. Para seu alívio, sua equipe ainda
estava de pé.
— Demoraram bastante — disse ele. — Bom para vocês que eu não sou
pago por hora.
— Todos a bordo.
— Andando!
Logo quando ela pensou que estavam seguros, um tiro estourou acima de
suas cabeças. Um atirador, ela percebeu instantaneamente. Nas muralhas no
castelo!
— Jed!
Tess levantou o queixo na direção das ameias altas do castelo. Seu rosto
delicado transformou-se numa máscara de ódio.
Deixando seu antecessor estatelado no chão, ela ajudou Tyler, que havia
caído ao lado do corpo de Garrity. Ele olhava para o crânio estourado do agente.
Tess entrou junto com Marco, Tyler e o resto do cadáver, enquanto Meghan
checava o Garrity sobrevivente. Jed Azul estava pálido e trêmulo, mas parecia
fisicamente bem. Teria ele sentido a morte de seu duplo de alguma maneira? Os
irmãos Corsican26, pensou ela. Olhando por sobre os ombros, ele encarava seus
restos assustadores em choque.
E não tão cedo. Sirenes gritaram pela noite. Ela ouviu os carros de polícia
convergindo na prisão. Alguém denunciara os tiros ou já era a perseguição? De
qualquer modo, a vizinhança logo estaria lotada pelos policiais, FBI e Segurança
Doméstica.
Ela acelerou.
26
The Corsican Brothers é um filme de 1941, com Douglas Fairbanks Jr. atuando num papel duplo como
gêmeos siameses que são separados no nascimento e criados em circunstâncias completamente
diferentes. Os dois querem se vingar do assassino de seus pais e se apaixonam pela mesma mulher.
— Marco! — chamou ela. — Ligue para o pessoal do Collier. Agora é a hora
para aquela distração que ele prometeu.
Obrigada, Maia Skouris, pensou Meghan. Que bom que Jed Vermelho não
havia morrido em vão. Missão cumprida.
— Estamos a caminho.
— Garrity?
Marco e Tess reagiram no banco de trás. Jed Azul quase pulou de seu
banco.
Meghan olhou para o Garrity morto no chão atrás dela. Seu sangue ainda
pingava no carpete interior da limusine. Seu olhar voltou para o telefone. Havia um
novo Garrity agora? Para substituir o que havia morrido?
— Deixa pra lá — disse Meghan. Ela tinha muito em suas mãos agora para
lidar com mais esquisitices. — Explicaremos depois.
— Esta é a sua última chance. — Abby disse para Carl. — Ninguém vai
culpá-lo se quiser voltar atrás.
— Tudo bem — respondeu Abby. Um trinado em sua voz sugeria que ela
não estava nem um pouco confiante como fingia estar. Ela respirou fundo e pousou
as mãos nos corpos dos dois lados dela, formando um circuito entre o vivo e o
morto. Seus dedos estavam estendidos sobre o peito de ambos os homens. Ela
fechou os olhos.
— Abby, espere! — Diana gritou. — Isto é loucura. Você vai matar o rapaz!
A forma sem vida de Danny permaneceu inerte. Carl não teve a mesma
sorte. Convulsões sacudiam seu corpo. Ele se agitava violentamente dentro das
amarras. Suas costas se arqueavam como se ele estivesse sendo eletrocutado.
Seus olhos rolaram para trás, até que só a parte branca estivesse visível. Veias
inchadas pulsavam sob sua pele. Um lamento de agonia irrompeu de sua garganta.
Tufos de cabelos avermelhados caíram de sua cabeça. Ele espumava pela boca.
Seus sinais vitais subiram de modo alarmante. Tom não era médico, mas
havia passado tempo suficiente no hospital durante o coma de Kyle, para saber que
a pressão sanguínea, a pulsação, a atividade cerebral e outras funções metabólicas
de Carl estavam chegando ao topo. Alarmes sonoros se ativaram nos caros
aparelhos de monitoração. Gráficos irregulares subiam vertiginosamente. Tom
achava que Carl estivesse a poucos momentos de um ataque cardíaco.
O rosto de Danny.
Oh, Deus, pensou Tom. Se ele não soubesse, juraria que era seu sobrinho
morto sofrendo diante de seus olhos. Danny/Carl gritava em agonia. Tom desviou o
olhar, repugnado. Ele sentia como se fosse vomitar.
Abby retirou suas mãos de Carl e Danny. Ela parecia exausta, mas
exuberante.
— Absolutamente!
— Parece que não — ela soltou um suspiro de alívio, claramente feliz por
não ter sangue nas mãos mais uma vez. — Parabéns. Você é a primeira pessoa que
sobreviveu a um transplante total de DNA.
— Ele irá — disse Abby, confiante. — Ele é uma cópia perfeita agora — seu
rosto brilhava de orgulho diante de sua façanha. — E isto é só o começo. Agora que
aperfeiçoamos o procedimento, podemos criar centenas de clones de Danny para
espalhar o dom da promicina. Imagine só — empolgou-se ela — um verdadeiro
exército de hospedeiros despachados para o mundo todo, criando novas epidemias
em todos os lugares aonde forem. Será como repetir o Grande Passo Adiante, só
que em escala global.
— Pai, sou eu de novo. Kyle. Me liga assim que puder, OK? Estou ficando
doido aqui.
— Este é o melhor conselho que você tem para me dar no momento? Neste
caso, talvez devesse me deixar em paz.
— Acho que sim – ela disse, antes de retornar para a antessala. A porta se
fechou por trás dela. Passos abafados se dirigiram para a mesa dela.
— Essa foi tranquila — provocou Cassie. Parecia que ela agora estava
sempre com ele, nunca lhe dando chance de pensar por si mesmo. –— Você tem
que se controlar, Kyle. As pessoas te respeitam aqui. Você tem que ser um
exemplo.
Nada.
A cópia do livro das profecias o desiludiu. Mesmo com toda sua sabedoria,
não continha a informação de que ele precisava naquele exato momento. Não
ajudava em nada.
Ele havia prometido a seu pai que não falaria sobre isso com Jordan, mas
isto fora antes de ele e Diana desaparecerem da face da Terra. Eu não tenho que
contar a história toda para Jordan, ele raciocinou, mas talvez eu consiga arrancar
dele alguma informação sem dar bandeira. Vale a pena tentar.
Qualquer coisa era melhor do que sofrer com o suspense por mais um
minuto.
— Ele pediu para não ser incomodado – respondeu Galloway, sem muita
convicção. Kyle havia conhecido aquele homem em Evanston, um ano atrás. Ele
estava com Collier desde o início.
— Bom, bom. É bom saber que nosso amigo está se recuperando. Mas
lembre-se, nós precisamos conservar nosso trunfo, agora que ele está de volta. De
27
Castrati – cantor masculino cuja extensão vocal corresponde completamente à das vozes femininas.
Tal faculdade numa voz masculina só é verificável na sequência de uma cirurgia de corte dos canais
provenientes dos testículos, ou então por um problema endocrinológico que impeça a maturidade
sexual. Consequentemente, a chamada “mudança de voz” não ocorre.
maneira nenhuma os nossos aliados estarão autorizados a tomar posse do indivíduo
em questão…
— Desculpe — ele disse para a pessoa com quem estava falando. Ele olhou
para seu visitante. — Agora não é uma boa hora, Kyle.
Ele olhou de relance para a tela da TV. Kyle viu que o noticiário legendado
estava mostrando um blecaute geral na Filadélfia. Ele fez um sinal de “tempo
esgotado” para Jordan.
— Só mais uma coisa. Por acaso você ouviu alguma coisa sobre meu pai
hoje? Ou sobre Diana Skouris?
— Acredite ou não, Kyle — ele disse, com um quê de irritação em sua voz
— eu não fico o dia inteiro obcecado com o que o seu pai e a parceira dele estão
fazendo. Se você está tendo problemas com Tom por algum motivo, sugiro que
resolva isso com ele, não comigo.
Espumando, Kyle caminhou de volta para seu escritório. Ele bateu a porta
com força, sem se importar se alguém ouviria. Seu pai estava desaparecido, talvez
em apuros, e ele parecia ser a única pessoa que se importava com isso.
— É fácil para você dizer isso — disparou Kyle. — Você não tem pai. Nunca
teve.
— Não seja tão duro consigo mesmo. Você fez tudo o que podia.
— Não, ainda não fiz — uma decisão súbita tomou conta dele.
Desvencilhando-se do abraço de Cassie, ele apanhou seu sobretudo em um
cabideiro ao lado da porta. Vestiu-o com pressa, e vasculhou sua mesa até
encontrar o endereço do centro de plasma. — Eu mesmo vou até lá.
— Não é seguro.
— Isso não é justo, Kyle — ela protestou. — Não diz respeito a nós, e sim
ao que é melhor para você, e para o futuro — ela aninhou o rosto dele entre suas
mãos. — Você é muito importante para o Movimento. Não posso deixar que se
coloque em perigo por causa de seu pai.
— Experimenta só.
— Tá legal — ela disse, petulante. — Você venceu! — ela correu atrás dele.
— Mas você me deve uma!
DEZENOVE
O CENTRO DE PLASMA ficava numa parte ruim da cidade. Kyle olhava em volta
nervosamente enquanto Cassie o guiava com rancor por um beco sujo atrás do
prédio abandonado. Nuvens escuras obscureciam a luz fraca do sol. Uma garoa fria
descia pelo seu pescoço. Poças gordurosas derramavam-se pelo chão.
— Sim, mas teremos que ter cuidado. — Ela subiu um pequeno lance de
degraus até uma área de descarregamento de mercadorias no fundo do prédio.
Manteve a voz baixa, mesmo que ninguém pudesse escutá-la. — Há quatro pessoas
perigosas lá dentro, e não ficarão felizes em vê-lo.
Kyle juntou-se a ela na porta dos fundos. Ele desejou ter pensado em
trazer algum tipo de arma, embora não fizesse ideia de onde teria conseguido uma.
Jordan objetava armas na Terra Prometida; ele preferia que os positivos confiassem
em suas habilidades ao invés disso. Agora isso não adianta nada.
— O cadeado está quebrado — anunciou Cassie. — Obra do seu pai, pode apostar.
Mas você não pode simplesmente entrar. Tem que esperar pelo momento certo,
quando as pessoas lá dentro estiverem distraídas e olhando para o outro lado.
— É por isso que estou aqui, bobinho. — Cassie abaixou a voz para um sussurro
conspiratório. — Agora escute com atenção. O que você precisa fazer é o seguinte…
— Conseguimos! Finalmente!
— Sabia que ia dar certo! — Carl sentava em cima da poltrona de vinil,
suas pernas suspensas do lado. Um roupão de banho de algodão estava aberto,
expondo seu peito nu. O soro e os eletrodos haviam sido retirados de seu corpo.
Ele esfregava o braço onde Rosita injetara promicina mais cedo. Sua inquietante
semelhança com Danny continuava perturbando Tom. Danny parecia ter se
levantado dos mortos, assim como Jordan Collier.
Carl olhou para ele, que ainda estava amarrado numa poltrona ao lado de
Diana. Ele franziu o cenho impaciente.
Tom torceu para que esse fosse o caso. Já estou infectado, indagou-se ele,
ou as U-Pills estão me protegendo? De acordo com Kyle, ele estava condenado a se
tornar um positivo. Era hoje o dia em que a profecia finalmente se realizaria?
— Obrigado — disse Tom friamente. Ele se esticou mais uma vez contra as
amarras que o prendiam, mas não teve sorte. — Espero que saiba o que está
fazendo.
Duvido, pensou Tom. Antes que pudesse dizer alguma coisa, no entanto,
ele se sobressaltou ao ver Kyle esgueirar-se na sala pelos fundos, do mesmo modo
que ele e Diana fizeram. Confusão e esperança rodearam seu cérebro. O que ele
está fazendo aqui?
28
A Ubiquinona (também chamada de Coenzima Q10, Coenzima Q e abreviada como CoQ10, CoQ, Q10 ou
Q) é uma benzoquinona presente em praticamente todas as células do organismo que participa dos
processos de produção de ATP.
29
É um profissional que tem como função fazer uma incisão praticada na veia, com objetivos diversos.
Colocando um dedo em frente aos lábios, Kyle moveu-se pelo andar de
doação na direção de uma das poltronas vazias. Tom entendeu que seu filho queria
as armas que Carl cuidadosamente havia depositado ali antes. Infelizmente, as
armas estavam do outro lado do local. Kyle conseguiria alcançá-las sem ser visto
por Abby e pelos outros?
A agulha penetrou sua pele. Como prometido, só foi uma pontada, mas Tom gritou
histericamente assim mesmo.
— Ai! O que está fazendo comigo? — Seu rosto se contorceu numa dor
falsa. — Você ainda se diz flebotomista?
30
Vacutainer é uma marca registrada de tubos de teste especialmente designado para exames de
sangue.
— Nunca fiz isso na minha vida — disse a mulher, indignadamente. Ela
tirou o Vacutainer de sua embalagem de plástico antes de entregá-lo a Grayson. —
Sou uma profissional!
— O que vem agora? — indagou Diana, fazendo a parte dela. — Vai nos
dissecar aos poucos?
As armas estavam bem onde Cassie disse que estariam. Kyle segurou a respiração
enquanto caminhava furtivamente pelo fundo da sala, até mesmo enquanto os
bandidos torturavam seu pai. Apesar do aviso de Cassie, fora um choque ver seu
pai e Diana a mercê de Grayson e seus cúmplices. Os gritos furiosos de seu pai
tocavam seus nervos. O que aqueles malucos estão fazendo com ele?
É mais fácil falar do que fazer, ele pensou. Não era o pai dela sendo
testado a apenas alguns metros de distância. Ao menos, agora ele sabia que havia
feito a coisa certa indo até ali aquela noite. Pelo que parecia, chegara bem a tempo.
Talvez.
Ele caminhou pela sala, piscando a cada rangido. Ainda bem que não havia
pisado em nenhuma poça no caminho até ali; só podia imaginar seus tênis
guinchando audivelmente a cada passo que dava. Pena que não sou invisível como
a Cassie. A sala estava desconfortavelmente quente comparada com o lado de fora.
O suor grudava sua camisa nas costas. Pareciam ter se passado horas quando ele
finalmente alcançou as armas esquecidas.
Ele viu a Glock modificada de seu pai. Suas palmas suadas tocaram o
punho da arma. De repente, sentiu-se bastante grato pelas lições de tiro que seu
pai lhe ensinara quando era mais novo. Ele engoliu um suspiro de alívio.
Consegui!
Pelas costas? Ele não queria atirar em ninguém, muito menos em uma
mulher despreparada. Atrapalhado, liberou a trava se segurança da arma. A Cassie
está falando sério?
— Não é hora de ser um maricas, Kyle. Você queria ser o herói. Agora faça
o que tem que fazer.
O braço de Kyle vacilou quando ele levantou a arma. Achava que não
conseguiria continuar com isso. Nunca atirara em alguém antes — a não ser que se
contasse a vez que uma entidade sem corpo do futuro o possuíra para assassinar
Jordan. Esta vez era diferente, no entanto. Ele estava no comando agora. O sangue
estaria em suas mãos…
— Eu não consigo!
Ele não percebeu que havia falado em voz alta até que os bandidos
viraram-se surpresos. Kyle reconheceu Grayson por causa dos arquivos, mas foi o
jovem quem o chocou de verdade. Kyle ficou boquiaberto. Seu coração parou de
bater por um segundo.
— Danny?
— Ali! Agora!
Ai, meu Deus, pensou Kyle. Cassie sabia exatamente onde a mulher
invisível estava. Acabei de atirar em alguém. De verdade.
— Tudo bem! — disse Grayson, antes mesmo que Kyle pudesse seguir o
conselho de seu pai. Ele tirou uma pequena arma de seu casaco e a jogou pelo
chão na direção de Kyle. Olhou ansiosamente para Rosita, que soluçava de dor no
chão. — Está bom o suficiente para você?
Uma poça vermelha formava-se sob a enfermeira caída. Kyle engoliu com
dificuldade. Apontou a arma para o falso “Danny” e para uma loira atraente que
parecia ser apenas alguns anos mais velha que ele. Esforçou-se para manter os
olhos em todos os jogadores.
— Vá em frente.
Era tudo o que o agente funerário agitado precisava ouvir. Ele pegou um
kit de primeiros-socorros de um carrinho e apressou-se para a vítima agonizante.
— Não! — gritou Diana. Ainda amarrada ao lado de seu parceiro, ela elevou
a voz para chamar a atenção de Kyle. — Esse clone tem a habilidade de Danny.
Não pode deixar ninguém entrar aqui. O lugar inteiro precisa entrar em
quarentena!
— Não dê ouvidos a ela, Kyle! — disse a loira. Ela era uma estranha para
ele, mas claramente o conhecia. — Você não quer nos parar. Só estamos tentando
espalhar a bênção da promicina para o mundo todo, do jeito que Jordan Collier
quer.
— Ela é louca, Kyle — alertou seu pai. — Ela já matou quatro pessoas. E
quer matar mais bilhões.
— Para trás! — ele ordenou. — Não sei que você é, moça, mas seu
argumento seria muito mais convincente se não estivesse mantendo meu pai em
cativeiro!
— Cala a boca! — Kyle não ouviria mais nada disso, não enquanto seu pai
e Diana estavam amarrados como animais de laboratório. Ele acenou com a arma
para os cativos. — Vocês dois — ordenou para a loira e para o gêmeo de Danny. —,
desamarrem-nos agora.
— Sabe, você vai ter que contar sobre mim para ele qualquer dia desses.
O rosto de Kyle enrubesceu de raiva e vergonha. Levantou a arma
diretamente para a loira.
— Vai ter que perguntar a ele — devolveu Diana. — Quando ele te visitar
na prisão.
— Veja como quiser, Abby — acusou Tom. —, você ainda é uma traidora e
uma assassina.
Kyle juntou as peças. Olhou para o seu pai para ter uma confirmação.
— E é por isso que ele precisa de gente como nós — afirmou Abby. — Para
fazer as coisas que precisam ser feitas.
— Apenas solte eles! — gritou Kyle. Havia muitas pessoas lhe dando
ordens. Ele sentia-se à beira de um colapso nervoso. — Não vou discutir isso com…
— Kyle! — gritou seu pai, num tom alarmante. — Carl! O clone! Você tem
que impedi-lo! — A urgência em sua voz amenizou seu devaneio em choque. — Ele
é como o Danny!
O quê? Kyle olhou para cima para ver o impostor se distanciando. O aviso
de Diana lembrou-o do quanto estava em jogo. Pulando por cima do corpo
sangrento de Abby, ele disparou atrás de Carl, que chegou perto da área de
entrada até que Kyle o alcançasse. O gêmeo de Danny se atrapalhou com a tranca
da porta. Ela soltou um clique ao abrir-se.
De novo não, ele pensou. Deve haver outro jeito de trazer o Paraíso a
Terra.
Não é mesmo?
— Qual é, Kyle? Caia na real. Você não atirar em mim. — O rosto de Danny
sorriu astutamente. — Temos o mesmo sangue.
— Mas se acontecer, vai ser minha culpa desta vez. — Kyle balançou a
cabeça. Ele manteve a arma apontada diretamente para a cabeça do impostor. Já
havia matado muitas pessoas naquela noite. — Sinto muito, mas não posso viver
com isso.
Ele deus as costas a Kyle e girou a maçaneta. Uma brisa fria adentrou o
prédio. Estava escuro do lado de fora.
— Não faça isso, cara. — A arma tremia nas mãos de Kyle. — Não quero
machucar mais ninguém.
— Então você não sabe o que está fazendo — disse o impostor. — Nem
quem é realmente.
Kyle atirou.
Tomado pelo medo, Kyle arrastou o corpo de volta para dentro do prédio e
fechou a porta. Uma lágrima escorreu pelo seu rosto enquanto ele se encostava à
porta, exausto e vazio de sentimentos. A arma escorregou pelos seus dedos. Ele
mal ouviu seu pai e Diana gritando para ele da área de doação. Ele os desamarraria
num momento, mas só o que podia fazer agora era olhar para o morto no chão.
Cassie passou por cima do corpo. Ela aninhou-se a ele, descansando sua
cabeça em seu peito.
— Vai ficar tudo bem, Kyle. Você vai superar isso. Nós vamos superar.
E dele mesmo.
**********
Terei que falar com ele depois, prometeu Tom a si mesmo, ajudá-lo a
superar isso. Ele sabia por experiência própria como era viver com um assassinato,
mesmo que fosse em defesa de outros. Especialmente da primeira vez.
Com egoísmo, ele esperava que Kyle não se virasse para o lado de Jordan
agora.
Junto com o do Danny, pensou Tom. Shawn vai entender, com certeza.
— Todo o local terá que ser esterilizado — falou Diana. Ela suspirou
exausta enquanto os resultados sangrentos dos horrores daquela noite. — Mas pelo
menos recuperamos os restos de Danny e acabamos com os planos da Abby.
Graças ao Kyle, claro.
Só esperava que sua vitória não tivesse custado ao seu filho sua alma.
— Não muito — seu braço ainda doía onde Rosita havia furado, mas era só
isso. — Não notei nenhuma habilidade ainda.
— Bem, teremos que fazer um exame em você quando voltarmos à sede,
mas acredito que aquelas U-pills neutralizaram qualquer infecção. — Ela o ofereceu
um sorriso reconfortante. — Com profecia ou não, você pode ainda ser o mesmo
Tom Baldwin.
Tal tragédia havia ocorrido apenas quarenta e oito horas após a fuga de
Richard Tyler, o que implicava em uma explicação alternativa para o fim de Burke.
Ele retirou a Glock dos dedos inertes do sheik, e a entregou a Song Yu que,
junto com o General Roff e Kenpo Norbo, estava sentada à mesa forrada de
plástico.
— Sua vez.
— Com certeza.
Kenpo desviou o olhar dos restos mortais de Song. Ele estava claramente
passando mal.
— Vocês têm certeza de que nós não poderíamos apenas tomar uma pílula
de cianeto, ao invés disso?
Antes, porém, ele tinha outra tarefa vital para cumprir. Retirando uma
seringa metálica brilhante de uma bandeja sobre a mesa, ele se colocou atrás do
corpo tombado de Song Yu. Seus cabelos negros e espessos estavam amarrados
em um coque, provendo livre acesso à sua nuca. Quando ele se inclinou sobre ela,
com a seringa vazia na mão, vislumbrou a marca por detrás da orelha esquerda
dela. Pelo que sabia, aquilo era um sinal de honra. Ele pretendia fazer a coisa certa
por ela – e assegurar seu iminente retorno.
Ele já havia escolhido a hospedeira perfeita para ela: uma obscura atriz
loira, que havia interpretado um pequeno papel em Don Incubus, Demônio P.I..
Infelizmente, aquele filme em particular, a “obra-prima” final na duvidosa carreira
do finado Curtis Peck, tinha ido direto para o DVD, mas Sterling tinha um papel
muito maior guardado para a ambiciosa estrelinha. Ela havia concordado
animadamente em conceder uma audição particular naquele fim-de-semana, onde
ele pretendia reunir o elenco definitivo.
E o melhor de tudo é que a atuação dela só tem a melhorar, uma vez que
Song Yu assuma o comando.
A cápsula se encheu rapidamente. Sterling retirou a agulha do cadáver e
habilmente extraiu o frasco de seu estojo metálico. Ele o acomodou delicadamente
na bandeja, ao lado de uma cápsula idêntica, que continha os nanodispositivos
recolhidos de Nasir. Eles estavam destinados a um desafortunado figurante afro-
americano em excelente condição física. O belo playboy árabe tinha relutado em se
despojar de seu porte atual. Sterling esperava que ele achasse que o figurante era
um substituto à altura.
— Vamos deixar uma coisa bem clara — ele acrescentou, enfático. — Esta
é meramente uma manobra estratégica, não uma rendição. Não estamos fazendo
isto para nos esconder dos inimigos. A guerra continua, embora com novas
aparências — ele encarou o lama e o general severamente. — Posso contar com
vocês para continuar a luta, e vingar nossos companheiros martirizados?
Um minuto passou.
E outro.
Eu sabia que isto iria acontecer, pensou Sterling, aborrecido por ver suas
piores previsões se realizarem. Por que Burke não poderia ter sobrevivido, ao invés
dele? Suspirando, ele estava para intervir quando, inesperadamente, um tremor
súbito sacudiu o salão. O candelabro de cristal chacoalhou violentamente acima da
mesa. Poeira caiu do teto. Uma coleção de Oscars e Emmys despencou da
prateleira acima da lareira, chocando-se com o chão. Os corpos de Song Yu e Nasir
escorregaram de suas cadeiras, para cair com um ruído surdo por entre as pernas
da mesa. Um vaso Ming de valor inestimável tombou, desintegrando-se em dúzias
de cacos de porcelana. Folhas de plástico caíram das paredes. Um ruído
ensurdecedor abafou os gritos espantados dos Marcados. Roff se agarrou na mesa
para se apoiar, enquanto Kenpo mergulhou para debaixo dela. Sterling saltou em
direção aos frascos, resgatando-os antes que pulassem da bandeja. Ele parecia
confuso, enquanto lutava para manter o equilíbrio.
31
Big One – O fato de a Califórnia estar sobre a grande falha geológica de San Andreas criou o mito de
que um dia será destruída por um enorme terremoto, o qual foi apelidado de “Big One”, ou, em
tradução literal, “O Grandão”.
painel de madeira entalhado deslizou para o lado, para revelar um
intercomunicador com um minúsculo monitor de televisão. Ele manejou os
controles com sua mão livre.
Está mais para os 4400, pensou Sterling. Collier está jogando tudo o que
tem contra nós.
— Oh, meu Deus! — gritou Yerkes, olhando por cima do próprio ombro.
Estática e chuvisco atrapalhavam muito a transmissão, mas Sterling vislumbrou o
telhado da torre voando para longe, por detrás de Yerkes. Uma ventania furiosa
sacudiu o cabelo grisalho do homem como as ondas de um mar revolto. Dedos
embranquecidos agarraram-se ao console em frente a ele, lutando pela vida.
Pedras e reboco vieram abaixo enquanto as paredes se desmantelavam pelo que
parecia um tornado. Outro homem foi atirado no vórtice do redemoinho.
Antes que o agitado chefe da segurança pudesse vir com outra objeção,
uma fonte de fagulhas explodiu de dentro do console. A estática distorcia seu grito,
enquanto um poderoso choque elétrico chamuscava seu corpo. Incapaz de afastar
suas mãos do equipamento faiscante, ele se sacudiu em violentas convulsões.
Fumaça saiu de seu couro cabeludo. Sua boca se escancarou. Clarões azuis
brilhantes se arqueavam por entre as obturações de seus dentes.
A tela se escureceu.
Kenpo não tentou recuperar a arma. Ao invés disso, ele revirava as contas
de seu rosário.
— É culpa sua — ele gritou para Sterling. — Nós devíamos ter abandonado
estes corpos uma semana atrás, logo depois que Calábria foi assassinado! Mas você
disse que nós estaríamos seguros! — ele arrebentou o terço, que estava pendurado
em seu pescoço, arremessando as contas por toda a sala. — Eu queria nunca ter
vindo a esta era miserável! Nós deveríamos ter ficado em segurança na Cidade!
Com sua mão livre, Sterling afastou as folhas plásticas que cobriam a
lareira. Uma roseta entalhada adornava o topo do mantel. Segurando o ornamento,
ele o girou em sentido horário.
— Você! –— gritou Roff. Ele apontou a arma para a sacada, tão somente
para tê-la arrancada de suas mãos por uma força invisível. Dedos estalaram de
maneira audível. Ele praguejou.
Não será uma grande perda, pensou Sterling. Para ele, o monge medroso
era infinitamente mais dispensável do que Song Yu ou Nasir. Ele chutou o rosto e
as mãos de Kenpo.
Isto não acabou, ele jurou. Tyler e seus aliados 4400 podiam estar em
vantagem naquele momento, mas se Hollywood tinha ensinado uma coisa a ele, era
que as melhores estórias não se acabam tão facilmente.
A luz do sol brilhava através das grandes janelas de vidro da casa do lago.
A temperatura estava acima de 23 graus, mas Richard não pensava em tirar sua
blusa. Já haviam se passado dias desde que fora resgatado da prisão em Filadélfia,
mas ele só estava começando a sentir-se aquecido novamente.
— Sinto muito em ouvir isso — disse Jordan. Ele se recostou contra o sofá,
enquanto Richard permanecia olhando-o. Xícaras fumegantes de chá de menta
descansavam na mesa de centro entre eles. Os guardas de Jordan estavam do lado
de fora da sala. A conversa era estritamente entre os dois homens. — Pelo que eu
entendi, um dos Marcados ainda está à solta. O produtor de filmes, George
Sterling.
— Não — respondeu ele. — Mas matar mais pessoas não vai trazê-la de
volta. Pessoas demais pagaram o preço pela minha vingança. Sanchez, Evee, Yul,
Garrity, aquela garota na prisão… — Ele balançou a cabeça. — O preço é muito
caro.
— Claro que teve. Mas duvido que elas são boas o suficiente para mim.
Jordan soltou um suspiro.
— Vejo que não há como dissuadi-lo. Suponho que não eu devia ficar tão
surpreso. Você sempre foi um homem consciente. — Ele levantou-se do sofá. —
Antes que vá, no entanto, tenho um presente para você.
— Você verá. — Jordan caminhou pela sala e abriu uma porta para um
corredor ao lado. — Por favor, mande Willard entrar.
Ele testou sua telecinese invocando uma xícara de chá da mesa. O inibidor
de Ryland se dissipara rapidamente, como os Marcados haviam descoberto para
seu desgosto. Pelo menos posso me defender se precisar.
— Quem é Willard?
— Para uma vida nova em folha, a salvo da lista dos mais procurados. —
Jordan parecia se divertir com a reação assustada de Richard. — Estou falando
sério. Willard pode moldar carne e osso tão fácil como ele moldava argila. Pode
rapidamente lhe dar uma nova identidade, se estiver interessado.
32
Gary Leon Ridgway, conhecido como o Assassino de Green River, é um serial killer americano. Matou
inúmeras mulheres em Washington nos anos 80 e 90.
— Melhor que cirurgia plástica — vangloriou-se o escultor. — E muito
menos doloroso.
Richard pensou sobre isso. Tinha que admitir que não queria viver o resto
de sua vida se escondendo. E graças à sua façanha em Roma, agora era um
fugitivo internacional.
— Machuca?
— Vá em frente.
— Bom homem — disse Willard com aprovação. — Não vai demorar muito.
Dedos calejados, fortes por lutarem com argila durante anos, começaram a
massagear o rosto de Richard. A princípio, parecia estar apenas explorando a
superfície e os contornos do semblante magro de Richard, mas então, com um
pouco de perturbação, o osso e o tecido começou a mudar e a escorregar sob seu
toque. Um som úmido e caudaloso afastou os nervos de Richard enquanto Willard
furava e apertava seu rosto, que de repente parecia ter a consistência de massinha
de modelar. Era fácil imaginar a carne mole caindo ao chão. E se Willard mexesse
muito nas coisas? Eu poderia terminar parecendo um Homem Elefante… ou pior.
“Rosto engraçado.”
O processo parecia durar uma eternidade. Justo quanto Richard pensava
que não podia aguentar mais, no entanto, Willard deu um passo atrás para admirar
seu trabalho.
Richard examinou seu rosto. Parecia sólido o suficiente, graças aos céus. A
boca, o nariz e os olhos pareciam estar nos lugares certos, mais ou menos, mas
tudo parecia subitamente diferente. Esse é mesmo o meu queixo?
É fácil pra você dizer, pensou Richard. Ele aceitou o espelho nervosamente,
então se preparou para o que estava prestes a ver. Sua boca secou. Ele respirou
fundo e olhou para o espelho.
Richard pensou que ele podia manter-se discreto para evitar complicações.
Richard torcia que, pelo menos uma vez, Jordan estivesse errado.
Maia olhou por cima de seu smartphone, consternada. Ela estava sentada
no balcão da cozinha em casa, mandando mensagens para seus amigos enquanto
devorava uma bandeja de macarrão com queijo feita no micro-ondas. Um amarelo
amanteigado dava à cozinha um ar mais animado. Ímãs colavam lembretes
escolares à geladeira.
— Por quê?
Diana não queria que Maia culpasse alguém a não ser ela mesma.
Porque não quero que termine como Kyle Baldwin, pensou Diana. Ela vira
como o Movimento de Collier se interpusera entre Tom e seu filho. E como Kyle
ficara devastado com o que fora forçado a fazer no centro de plasma na outra
noite. Ele parecia uma alma perdida quando saíra se arrastando para a chuva
depois de ter matado aquelas pessoas, rejeitando o amor e o apoio de Tom. Ela
achava que a parte dele naquele derramamento de sangue, acima de tudo o que já
fizera a serviço de Collier, iria deixar cicatrizes em sua alma pelo resto da vida. Sua
vida estava desmoronando por causa de sua relação com o Movimento, isso sem
mencionar sua relação com o pai.
Não deixarei que isso aconteça com a Maia, prometeu ela. Mesmo que isso
a faça pensar que eu sou a pior mãe da história do mundo.
— Porque eu sou sua mãe e estou dizendo. — Ela se inclinou e pegou o
BlackBerry. — Um mês. Sem exceções.
Kyle estava deitado acordado olhando para o teto. A tela do seu relógio despertador
marcava 4:20 da manhã. Ele estava se mexendo e se virando há horas, incapaz de
cair no sono. Lençóis suados enredavam-se em seu corpo. A fatiga o deixava para
baixo, e ele se sentia mais morto do que vivo, embora o sono fosse elusivo de um
modo frustrante. Nunca se sentira tão cansado.
Cassie se materializou na cama ao lado dele. Ela arrastou-se até ele por
debaixo dos lençóis. O calor do corpo dela não adiantou muito para afastar sua
miséria.
Isso estava se tornando uma provação noturna. Ele não tinha uma boa
noite de sono desde o terrível pesadelo no centro de plasma. Toda vez que fechava
os olhos, se via matando Abby e “Danny”. Suas expressões e olhares agonizantes,
seus olhos sem vida o assombravam. Suas mortes violentas o davam nos nervos.
Mesmo quando a total exaustão tomava conta, e ele conseguia algumas horas
difíceis de sono, revivia as experiências infernais em seus sonhos, várias e várias
vezes. O estrondo agudo da arma ecoava infinitas vezes em seus ouvidos. O cheiro
desagradável da pólvora da arma queimava seus pulmões. O sangue quente o
lavava como uma maré incessante.
Quem disse que quero ser um guerreiro? Ele virou-se, e seus rostos
ficaram separados por poucos centímetros.
— Mas eu matei duas pessoas, Cassie. Como vou viver com isso? Você não
entende? Acabei com a vida deles!
Isso parecia não perturbá-la.
Uma única geração de sacrifico, em troca do Paraíso. Fora isso o que Abby
dissera, citando Jordan, logo antes que ele a matasse. Parecia uma barganha justa,
mas ainda assim…
Ela gentilmente afagou o rosto dele. Sábios olhos verdes lhe ofereceram
absolvição.
— Não é assim que funciona, meu amor. Quanto mais cedo aceitar isso,
melhor você dormirá.
— Então você insiste em dizer que não sabia nada sobre o que Grayson e
Abigail estavam fazendo?
— Tá vendo, pai? — disse Kyle. Pesados círculos sob seus olhos sugeriam
que ele não vinha dormindo bem. Fazia dias que vinha evitando as ligações de
Tom. — Eu te disse que Jordan estava fora disto.
Seu filho poderia estar inclinado a dar a Collier o benefício da dúvida, mas
Tom não estava convencido da inocência dele.
— E este tal Comitê de Alcance Global? Era parte da sua Fundação, não
era?
— Isto é tudo o que você tem a dizer, depois do que fez à minha irmã?
A NTAC havia informado a eles que April Skouris não fazia mais parte do
quadro funcional do governo federal, e por quê. Desde então ela se recusava a
responder as ligações e e-mails de Diana. Eles não tinham nem certeza absoluta de
onde ela estava morando ultimamente.
Jordan não estava surpreso pela explosão de Diana. Sem dúvida ele tinha
se prevenido para responder àquilo.
Mas o que é isso? Ela havia ligado antes, para marcar aquele encontro.
Kevin deveria estar ali. Por um segundo, ela temeu que Collier tivesse abduzido
Burkoff novamente, como fizera alguns meses antes, na esperança de impedir
Kevin de aperfeiçoar seu teste de compatibilidade de promicina. Shawn e Tess
haviam resgatado Kevin das garras de Collier na época, mas talvez o chefão da
Terra Prometida tivesse tentado novamente.
— Olá, Diana. Desculpe-me por não estar aqui para te encontrar, como
planejado, mas Tess e eu estamos indo embora para sempre. Há uma guerra
iminente e não queremos tomar parte nisto. O que aconteceu na prisão foi a gota
d’água. Tess já sofreu demais. Não posso deixar que algo mais aconteça com ela.
O videoclipe acabou.
Que tal esta, pensou Diana. Kevin e Tess haviam desertado novamente.
Apesar disso, ela não podia culpá-los por optarem por sair dos intermináveis
conflitos envolvendo os 4400 e a gloriosa cruzada de Collier. Que se dane, Diana
uma vez tentara fazer o mesmo, fugindo para a Espanha com Maia e um noivo,
apenas para ser sugada de volta para Seattle. O noivo já era passado agora. Ela
desejou sorte para Tess e Kevin. Espero que a fuga de vocês dure mais do que a
minha.
33
Fim
Space Needle (agulha espacial) – principal ponto turístico de Seattle, consiste em uma torre de
observação que é o prédio mais alto da cidade e da região noroeste do Pacífico nos Estados Unidos.