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Uma Museologia que não serve para a vida não serve para nada!

Conference Paper · October 2017

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Pedro Pereira Leite


University of Coimbra
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Uma Museologia que não serve para a vida não serve para nada!

Notas para a mesa Redonda IV Congresso Internacional Educação e Acessibilidade


em Museus e Património”

“Formação para a inclusão; como e aonde se ensina”

Museu dos Coches 03 outubro 2017

Pedro Pereira Leite (Universidade Lusófona/CES.UC)

Participação de Ana Carro (AEM), João Neto (APOM), José Alberto Ribeiro (ICOM),
com moderação de António Espinoza Ruiz (Museus Villamuseu)

Agradecimentos: organização pelo convite, à diretora dos Museus dos Coches, aos
colegas de mesa. Cumprimentos aos assistentes

1. A formação pós-graduada em Museologia na Universidade Lusófona foi


apresentada hoje nas mesas que decorrerem durante a tarde 1, pelo que não
fará sentido, detalhar novamente o processo de formação em Museologia.
Resumirei portanto as suas linhas gerais.
Referimos que a formação pós-graduada é abordada como um plano de
formação integral, com base no Pensamento Crítico. Tem como referencia a
Dignidade Humana e a Justiça Cognitiva. Está implícita na proposta
formativa numa lógica transdisciplinar, que faz com que as questões da
acessibilidade universal surjam como componente duma formação integral.
Demos conta que o processo de formação pós-graduada, para além de
conduzir peças escrita inerentes à obtenção dos graus académicos, promove
trabalhos coletivos de natureza experimental, apresentados na comunidade,
onde a questão da acessibilidade é um dos requisitos comunicacionais e
educacionais que devem ser tomados em linha de conta na sua produção.
Como temos vindo a concluir neste congresso, a questão da acessibilidade
universal como utopia, implica um processo se pensamento exigente e
criativo que não podemos deixar de estar atentos nas nossas atividades
futuras, e certamente o irão ter maior destaque na Cátedra Unesco
“Educação, cidadania e Diversidade Cultural” que iremos promover no
próximo ano.
2. Para responder agora aos desafios da organização para esta mesa, sobre a
“Formação para a Inclusão”, e procurando dialogar com as intervenções que
me antecederam, vou desenvolver a minha argumentação com base em três
tópicos:
a. Uma museologia que não serve para a vida não serve para nada
b. O potencial da museologia como ferramenta de libertação, pessoal e
coletiva;
c. Os fundamentos duma museologia como proposta poética.

https://www.researchgate.net/publication/320183170_A_sociomuseologia_como_p
roposta_de_formacao_integral_a_integracao_da_acessibilidade_universal
3. Uma museologia que não serve para a vida não serve para nada! É
uma frase da autoria de Mário Chagas 2 que aqui tomo de empréstimo e que
foi esta ano usada pela nossa Diana Bogado, na sua tese sobre o “Museu
das Remoções”, criado na Vila Autódromo no Rio de Janeiro, no quadro da
resistência dos seus habitantes contra a remoção da vila, para a construção
do aldeamento olímpico, nos Jogos do rio de Janeiro em 2016. A luta pelo
reconhecimento da memória dos habitantes da vila autódromo está na base
da proposta museológica. “A memória não se remove” como ideia
estruturante desse movimento.
Ora esta ferramenta criada pelo meu colega Mário Chagas tem chamado a
atenção e defende a necessidade da museologia que se compromete com a
vida. Como o que está a acontecer no mundo. Uma museologia que é capaz
de estar conectada com os ritmos da sociedade.
É certo que Mário Chagas está muito próximo dos processos museológicos
da América do Sul, onde os movimentos sociais estão muito ativos e
criativos. Aqui na Europa e em África temos também vindo a chamar a
atenção para os processos de transformação que estão a ocorrer no mundo
dos museus que implica uma museologia relacional. Feita de diálogos.
Não necessitamos de uma museologia e de processos que se centrem em
objetos moribundos, testemunhos do passado que não tem potencial
criador. Como defende Mário Chagas necessitamos de uma museologia
comprometida com a vida. Que procura objetos com potencial para se
constituíram como semióforos. Uma museologia que cria conexões entre as
memórias e a vida para criar de novo. Não temos que ter medo do efémero.
Temos que assumir que as práticas museológicas são práticas efémeras.
Mas temos de valorizar, nessas práticas efémeras aquilo que nelas emerge
como criação. Como novos saberes, como novos objetos de significação
social: -.Memórias vivas que resultam de Encontros. E sublinho esta ideia d
uma museologia feita do encontro.
4. Daqui passo para o segundo tópico: O potencial da museologia como
ferramenta de construção da justiça cognitiva! A procura duma
museologia feita de diálogos, constituída com base nos compromissos, ou
uma museologia comprometida com o outro é um poderoso instrumento de
trabalho. O encontro é um processo e um instrumento de trabalho.
Hoje de manhã, quando o Professor Laborinho Lúcio nos falava do
compromisso ético que a acessibilidade universal implica, fiquei
particularmente satisfeito. Em 2011, a minha tese teve por título “Casa
Muss-amb-ike: o compromisso no processo museológico”; Nela defendi que
o processo museológico resulta dum compromisso entre a comunidade e o
mediador ou museólogo. Isto significa que o processo museológico deverá
estar baseado na participação das comunidades na construção das suas
narrativas. O museólogo tem que se envolver com os processo museológicos
na comunidade, procurar mediar o encontro para compreender o outro e,
que através do outro, aumente o conhecimento de sí na sua dimensão
social. Há portanto um compromisso ético com a comunidade, no sentido de
procurar um bem comum.

2
Ver Chagas, M. e Bogado, Diana (2016) “ Uma museologia que não serve para a
vida não serve para nada”, Fundação Rui Barbosa
Quero com isto afirmar que os processos museológicos podem e devem
desenvolver o potencial criativo que existe nas comunidades, mobilizando as
narrativas construídas dialogicamente, construídas com a sua participação
A aceitação deste potencial criativo implica abandonar a velha noção
iluminista das grandes narrativas criadas pelos especialistas com
conhecimento enciclopédico, que levam uma mensagem esclarecida ao
povo. Abandonar a ideia que temo que instruir o outro, para procurar
construir o conhecimento a partir das diversidades de conhecimentos, com a
convicção que todos têm um contributo a dar e devem ter oportunidade de
contribuir para esse conhecimento.
Uma museologia criativa é uma museologia em que são os sujeitos que
constroem, em processos participados as narrativas museológicas. A sua
construção pode ser mediada ou facilitada pelo museólogo, mas o
museólogo já não deverá assumir a construção das narrativas. Não lhe cabe
o papel de interpretar ou escolher os objetos de memória ou as heranças
patrimoniais. O museólogo deverá ser um participante no processo onde os
protagonistas são as pessoas que se encontram num determinado processo
para comunicar as suas memórias. Através desse encontro acedem ao seu
potencial criativo e torna-se possível aumentar a justiça cognitiva, o direito
de todos desenvolverem o seu potencial criativo e de conhecimento. O
museólogo tem o papel de facilitar o encontro e sugerir ferramentas a
escolher.
5. Avançamos para o último ponto. Partimos duma ideia que “uma museologia
não serve para a vida não serve para nada”, abordamos a questão do
potencial da museologia como ferramenta de construção da justiça
cognitiva. O terceiro tópico que proponho é o de “uma museologia como
proposta poética”. Poética porque procura criar a partir duma potência que
deve emergir a partir do encontro no grupo.
Sabemos que a museologia, enquanto trabalho relacional sobre objetos
socialmente significativos em contexto, não pode fugir à natureza política
das relações sociais que lutam pela hegemonia dos seus objetos simbólicos.
Os processos museológicos também promovem narrativas excludentes dos
outros e das suas diferenças. Por isso necessitamos de trabalhar a potência
criativa na busca da sua síntese poética. Procurar fazer emergir o
reconhecimento do si e do diverso.
A memória tem potência. Como afirma Mário Chagas “-A Memória pode
libertar, mas também pode amarrar”. Cabe ao museólogo, com base nos
seus compromissos éticos facilitar a emergência da poética como processo
de releitura da política.
A memória social é um campo de complexidade. Pode servir para libertar ou
oprimir. Pode ser neutra ou pode servir para escolher relevâncias e ao
mesmo tempo esconder traumas. É necessário não esquecer que a memória
tem sempre associado o esquecimento. Não é possível compreender a
relevância da lembrança desconhecendo e aceitando que ela é uma escolha
de esquecimentos. É na escolha do que é relevante e do que é excluído das
narrativas que se abrem espaços para novas narrativas. É essa poética que
assume um potencial libertador que concretiza a função social da
museologia.
6. Apresentei os três itens que procurei usar para demonstrar a base da
formação integral em museologia na Universidade Lusófona. A ideia duma
museologia integral foi lançada na Mesa Redonda de Santiago do Chile em
1973, os princípios da participação comunitária ficaram claros na Declaração
Oaxtepec, no México, em 1985, no mesmo ano em que o MINOM afirma os
princípios duma nova museologia alicerçada no território, na comunidade, e
nos seus novos objetos de memória. Uma proposta que transforma os
objetos em património, os museus em territórios, e os visitantes em
comunidades. A renovação teoria museológica foi-se desenvolvendo com
base nas reflexões de centenas de experiencias em todo o mundo,
experiencias de conhecimento meridional. Em 2013, no rio de Janeiro
através da “Museologia do Afeto”, uma museologia que afeta e transforma.
Em 2017, na Amazónia, olhando para as alternativas ao Desenvolvimento e
para os grupos minoritárias.
Esta é uma museologia que está em processo, quem se renova através
do uso dos seus instrumentos. Se não serve para a vida não serve para
nada! A nossa preocupação, como docentes de museologia, é trazer estas
questões para o espaço de discussão e usar as ferramentas da museologia
para as trabalhar. Olhamos a museologia como um compromisso com a ação
com base na reflexão da teoria social da complexidade.
7. Procurando agora dialogar com os meus colegas de mesa; a formação da
museologia em Portugal não vai bem!. Como é sabido, tradicionalmente não
á graduações em museologia. Há licenciaturas em conservação e restauro,
mas em regra a museologia, ao nível das licenciaturas são meras disciplinas
duma outra licenciatura (por exemplo antropologia ou história). Por tradição
chegam aos mestrados e doutoramentos, pessoas interessadas, vindas de
outras áreas científicas, muitas vezes motivadas por um aprofundar das
competências que exercem em organizações culturais.
Naturalmente a ausência de ofertas de empregos em museus tem vindo a
diminuir os candidatos a esta área. Não tem havido políticas ativas para o
património. Na minha modesta opinião, e para isso tenho procurado
contribuir nos últimos anos, será necessário criar uma agenda das
organizações culturais para fazer ouvir a voz dos profissionais.
Hoje em dia pensar o futuro da museologia, dos museus e sítios
patrimoniais, da formação e atuação dos seus profissionais é também um
imperativo ético. Um compromisso com a transformação, com a mudança
em que necessitamos de articular a potência política com a criatividade
poética em espaços de Encontro ligando pessoas e criando pontes.
Agradeço a vossa atenção!

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