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LOGOS & EXISTÊNCIA

REVISTA DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LOGOTERAPIA E ANÁLISE EXISTENCIAL 1 (2), 115-127, 2012   115
 

HÁ COERÊNCIA ENTRE A VIDA E A OBRA DE


VIKTOR FRANKL?
IS THERE ANY CONSISTENCY BETWEEN LIFE AND
WORK OF VIKTOR FRANKL?
Marina Lemos da Silveira
Instituto de Educação e Cultura Viktor Frankl

RESUMO

A obra de Viktor Frankl é altamente mobilizadora e convoca a pessoa humana a uma postura livre e responsável
diante da própria vida. Verificar se isto aconteceu com seu autor, ou seja, verificar se há coerência entre a vida e a
obra de Frankl, aumentará a credibilidade não só na teoria, mas na efetividade de sua aplicação. O presente
trabalho pretende responder a esta questão em três momentos: 1) Contextualização histórica, familiar e de vida
pessoal; 2) A partir de seu livro “Em busca de sentido”, extrair as atitudes que favoreceram a superação dos
obstáculos no campo de concentração e relacionar com sua teoria; 3) A partir de seu livro “O que não está escrito
nos meus livros”, extrair os princípios de vida do autor. A validação da Análise Existencial e da Logoterapia pela
coerência da vida de seu autor com sua obra, como tentamos demonstrar neste artigo, sem dúvida agrega valor
inestimável à teoria. Para nós, ficou evidente que a vida de Viktor Frankl é coerente com sua obra. Constatamos
a congruência de um homem, vivendo e pensando do mesmo modo.

Palavras chave: Análise existencial. Logoterapia. Viktor Frankl, vida e obra.

ABSTRACT

The work of Viktor Frankl is highly mobilizing and summons in a human being a free and responsible attitude
towards its own life. Checking to if this happened to its author, or rather, checking for consistency between the
life and work of Frankl will increase the credibility, not only in the theory, but also in the effectiveness of its
implementation. This article aims to answer this question in three stages: 1) Historical contextualization, that of
family and of personal life; 2) Extract the attitudes that favored the overcoming of obstacles in the concentration
camps from his book "Man’s Search for Meaning" and relate them to his theory; 3) Extract from his book
"Viktor Frankl - Recollections", the principles of the author's life. The validation of Existential Analysis and
Logotherapy according to the consistency of its author’s life with his work, as we try to demonstrate in this
article, undoubtedly proves invaluable to the theory. To us it was evident that Viktor Frankl’s life is consistent
with his work; we found congruence of a man living and thinking the same way.

Keywords: Existential Analysis; Logotherapy; Viktor Frankl; life and work.


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CONTEXTO FAMILIAR

O
filósofo Romano Guardini (1949,
citado por Marz, 1981, p. 9) disse sobre
aquele que ensina que “o primeiro que O pai, Gabriel Frankl, cursou Medicina até
influi é a personalidade do educador; o o 5º ano, mas por motivos econômicos, ou anti-
segundo, sua maneira de agir; somente em terceiro semitas, não pôde se formar. Foi contemporâneo de
lugar, o que diz” ou escreve, podemos acrescentar. É Freud durante seu curso, na mesma escola que
fundamental, portanto, haver coerência entre a vida futuramente seu filho Viktor iria cursar. Trabalhava
e a obra de um autor, de um mestre, pois isto para a monarquia e depois para o governo. Faleceu
aumenta a credibilidade de sua obra. por inanição no campo de Theresienstadt, sob os
Nestes tempos atuais, de virada de milênio, cuidados de Viktor. Sua mãe, Elza Lion,
de crise existencial e de valores, de violência e descendente de um famoso rabino de Praga, morreu
depressão, Viktor Emil Frankl é citado como o na câmara de gás em Auschwitz. Tiveram três filhos:
pensador, o cientista, o filósofo que ofereceu uma Walter Augusto, Viktor Emil e Stella Josefina.
das mais importantes contribuições para a Os pais eram judeus praticantes, mas não
humanidade. Sua influência tem aumentado ortodoxos, e rezavam diariamente. Conviviam bem
significativamente neste início de século e está se com os vizinhos, independentemente de suas crenças
estendendo a várias áreas da ciência e da religiosas. Já enfrentavam a discriminação, mas isto
convivência. não afetou o sentido de segurança e satisfação da
A obra de Viktor Frankl é altamente infância.
mobilizadora e convoca a pessoa humana a uma Viktor nasceu a 26 de março de 1905. Ao
postura livre e responsável diante da própria vida. longo de sua vida honrou seu pai e sua mãe,
Verificar se isto aconteceu com seu autor, ou seja, mantendo-se fiel a um dos grandes mandamentos da
verificar se há coerência entre a vida e a obra de sua fé. Sempre tomava a bênção dos pais, e, depois
Frankl, aumentará a credibilidade não só na teoria, que o pai faleceu, quando ainda estavam no campo
mas na efetividade de sua aplicação. de Theresienstadt, o fazia toda vez que encontrava e
O presente trabalho pretende responder a se despedia de sua mãe, até ser transferido para
esta questão em três momentos: Auschwitz.
1. Contextualização histórica, familiar e de
vida pessoal. INFÂNCIA
2. A partir de seu livro “Em busca de
sentido”, extrair as atitudes que favoreceram a Viktor teve uma infância feliz, sem carências
superação dos obstáculos no campo de concentração econômicas, com importantes aportes culturais e
e relacionar com sua teoria; religiosos e com um ambiente familiar afetuoso e
3. A partir de seu livro “O que não está sereno. O pequeno “Vicky”, como era chamado,
escrito nos meus livros”, extrair os princípios de vida passeava bastante com os pais pelas praças de Viena,
do autor. principalmente na Praça Prater, e desde pequeno já
começava a perguntar pelo significado, o propósito
CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA, das coisas, por exemplo, pelo significado do umbigo,
FAMILIAR E DE VIDA PESSOAL chegando ele mesmo a uma conclusão.
Com três anos, decidiu ser médico; com
Quando, em 1905, Viktor Frankl nasceu em quatro, manifestou seu interesse pela pesquisa,
Viena, Áustria, a cidade era a sede do Império “inventando” um remédio para quem queria se
Austro-húngaro, uma das mais majestosas capitais suicidar, e nesta idade já o inquietava a ideia de
européias, expoente nas artes, na arquitetura, na morte, de finitude. Com cinco anos, quando
filosofia e nas ciências. A Universidade de Viena era despertou, mas ainda mantinha os olhos fechados,
foco de atividade intelectual e de criatividade. A sentiu uma imensa felicidade e bem-aventurança,
comunidade de judeus era numerosa e a grande sentimento de amparo e proteção. Ao abrir os olhos,
maioria dos médicos e advogados era judia. seu pai sorria para ele (Fizzotti & Scarpelli, 2005,
Ninguém podia suspeitar que a monarquia e a p.6).
unidade do Império começavam a desmoronar.
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Com a I Guerra, passaram penúria e fome, pensamentos fundamentais (García Pintos, 2007,
pois os alimentos eram racionados; “todos os p.37; Frankl, 2003, p.45-46):
membros da família aprenderam a sobreviver com a) não devemos perguntar pelo sentido da
poucas coisas e entenderam o significado da palavra vida, porque somos nós mesmos que somos pela
pobre” (Klingberg, 2002, p.55) Chegou a pedir pão vida interrogados.
nas casas de campo, durante férias na terra natal de b) o sentido último transcende nossa
seu pai, Pohrlitz. capacidade de compreensão, no qual somente
Com 11 anos, Viktor saia de casa às três podemos crer.
horas da manhã, inclusive no inverno, para ficar na Nestes anos começou a corresponder-se com
fila do mercado para sua mãe comprar pão; e depois, o Prof. Freud, apaixonado pela psicanálise.
ia para a escola. Já nesta idade experimentava a auto-
transcendência, mesmo sem saber conceituá-la. FORMAÇÃO ACADÊMICA
Era um bom aluno, mas frequentemente
lento e centrado em seus próprios interesses. Seu Com 17 anos, escreve o texto: “Sobre a
corpo era pequeno e raquítico, bem diferente dos origem da mímica afirmativa e negativa” enviando-o
irmãos. Com o alpinismo, desafiou suas aparentes a Freud que o publica, posteriormente, no Jornal
limitações físicas. Era alegre e bem humorado e Internacional de Psicanálise (Frankl, 2003, p.39).
gostava de contar piadas. Ao mesmo tempo em que se agarrava a Freud,
também começou uma relação, que duraria por toda
ADOLESCÊNCIA a vida, com o Existencialismo, um movimento
europeu que surgiu como reação ao resto dos
No começo da adolescência, gostava de sistemas filosóficos e científicos dominantes. O
discussões com os colegas sobre grandes pensadores jovem Viktor começou a perceber o nihilismo e o
ou novas ideias da filosofia e psicologia. À noite, reducionismo como uma ameaça, não só para seu
assistia aulas de psicologia para adultos. próprio ser como para toda a sociedade. Aproximou-
Quando tinha 13 anos, durante uma aula no se então dos existencialistas mais positivos e
Sperlgymnasium (onde Freud também estudou), o otimistas: Martin Heidegger, Gabriel Marcel, Karl
professor de Ciências falou que a vida não era nada Jaspers, Martin Buber, Max Scheler (Klingberg,
mais que um processo de oxidação e combustão. 2002, p.68-69). Graças a outros filósofos e
Viktor ao ouvir isto, enfrentou o professor e professores, Viktor pôde sair a tempo de sua crise
perguntou: “Senhor, se é assim, qual pode então ser nihilista e começou a forjar suas próprias convicções.
o sentido da vida?” (Klingberg, 2002, p.65) Foi, durante um tempo, porta voz das Juventudes
Também passou por um período ateu, Obreiras Socialistas da Áustria, realizando um
nihilista, uma crise que foi um período de busca, de trabalho social ligado a Adler.
perguntas e desesperança. O pessimismo que sentia Em 1924, com 19 anos, inicia seus estudos
não era típico dele, mas foi um período importante. na faculdade de Medicina da Universidade de
Cedeu à ideia de que a vida carece de sentido e é Viena. Aos 21 anos, estudante de Medicina, faz um
fútil e sucumbiu a alguns efeitos desumanizadores discurso sobre o Sentido da vida, sobre o suicídio e
destas ideias. Este período culminou com olhar de sobre sexualidade para a Juventude Obreira
frente a pergunta: o que é o que, depois de tudo, Socialista. Participou e foi excluído da Associação de
humaniza as pessoas? Qual o sentido da vida? Nesta Psicologia Individual de Adler. Foi vice-presidente
idade já começou sua busca filosófica. da Associação Acadêmica para Psicologia Médica,
Com 14 anos lia sobre filosofia, psicologia e que tinha Freud como assessor. Nesta associação,
fisiologia, escrevia seus próprios textos, centrava sua deu uma conferência em 1926, com 21 anos,
atenção em algumas questões e deixava de lado as falando de Logoterapia pela primeira vez diante de
notas da escola e algumas das matérias que eram um público acadêmico.
ensinadas ali. Com 15 anos, começou a filosofar por Com 24 anos criou as três categorias de
si mesmo. Com 15 ou 16 anos, fez uma conferência valores, ou seja, as três possibilidades de encontrar
sobre o sentido da vida, desenvolvendo dois de seus um sentido para a vida (Frankl, 2003, p.53-54):
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a) uma ação que realizamos ou uma obra que para não ser deportada. E isto aconteceu com Tilly.
criamos; Nove meses depois do casamento, estavam no
b) uma vivência ou um encontro de amor; campo de Theresienstadt. Dois anos mais tarde,
c) dando testemunho da capacidade mais Viktor foi citado para o transporte para Auschwitz e
humana possível: a capacidade de transformar o Tilly apresentou-se espontaneamente para o
sofrimento em uma conquista humana. Ou, dizendo transporte, mesmo contra a advertência de seu
de outra forma, mudar nossa atitude diante do marido. Durante o transporte, “ela foi
sofrimento. autenticamente ela” (Frankl, 2003, p.79). Chegando
ao destino, foram separados para sempre. Tilly
EXERCÍCIO PROFISSIONAL faleceu em Bergen-Belsen, logo após a libertação.

Organizou o Serviço de Orientação para a CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO:


Juventude em Viena, orientando jovens com CORAGEM, PERDÃO, JUSTIÇA
problemas psíquicos, gratuitamente. Posteriormente,
este serviço foi instalado em mais seis cidades. Em Thereseinstadt, Auschwitz, Kaufering III e
1930, com 25 anos, organizou uma ação especial na Turkheim, foram os campos de concentração pelos
época de entrega dos boletins de qualificações e, quais passou Viktor. Este foi seu testemunho
como resultado, não se registrou suicídio de (Frankl, 2003, p.86-87):
escolares, como acontecia sempre nesta época. Por
isso, foi convidado a fazer conferências sobre este Evidentemente, o campo de concentração foi minha
tema em outros países. prova real de maturidade. Foi o experimentum crucis.
As autênticas faculdades humanas ancestrais da
Fez residência médica em Neurologia e autotranscendência e autodistanciamento foram
Psiquiatria; trabalhou por quatro anos em um verificados e convalidados em forma existencial nos
hospital psiquiátrico. Em 1937, com 32 anos, abriu campos de concentração. Maiores possibilidades de
consultório. Em 1938, as tropas de Hitler entraram sobrevivência tinham aqueles que estavam orientados
na Áustria; passou a Diretor do Serviço de para o futuro, para um sentido cuja realização os
esperava mais adiante. Em relação a mim mesmo,
Neurologia do Hospital de Rothschild, que atendia estou convencido que para a minha própria
somente judeus. Com este serviço, conseguiu adiar a sobrevivência, foi um fator importante a decisão de
deportação de sua família para o campo de reconstruir o manuscrito perdido.
concentração. Nesta época, conseguiu o visto para
os EEUU, mas permaneceu em Viena para cuidar Foi publicamente contra a “culpa coletiva”,
dos pais. chegando a esconder em sua casa um colega que
havia pertencido à juventude de Hitler e estava
ENCONTRO COM TILLY sendo procurado. Frankl (1991, p.87) disse que
ninguém tem o direito de praticar injustiça, nem
Permanecendo em Viena, conheceu no mesmo aquele que sofreu injustiça.
Hospital sua primeira mulher, Tilly Grosser,
enfermeira chefe, de quem escreveu: “Por certo que ENCONTRO COM ELLY
estive muito impressionado pela sua beleza, mas,
mais ainda pelo seu ser”. (Frankl, 2003, p.74). E Poucos dias depois de seu regresso a Viena,
ainda: “Decidi-me a fazer desta menina minha disse a um amigo (FRANKL, 2003, p.94-95):
mulher, não porque era tal ou qual coisa para mim,
mas porque ela era ela” (Frankl, 2003, p.76). E Quando a alguém se sucedem tantas coisas, quando
alguém é colocado a tal ponto a prova, isto deve ter
foram uns dos últimos noivos judeus que receberam
algum sentido. Tenho o pressentimento... como que
permissão para casarem-se. Já no campo de algo me está esperando, como se esperara algo de
concentração, no seu aniversário, Viktor lhe mim, como se eu estivesse destinado para algo.
escreveu: “Eu desejo para mim, que tu te sejas fiel a
ti” (Frankl, 2003, p.76). Por 25 anos, foi diretor da Policlínica
Os judeus estavam proibidos de ter filhos, e Neurológica de Viena, onde conheceu Eleonore
quando a mulher engravidava, era obrigada a abortar Katharina Schwindt, Elly, sua segunda esposa com
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quem viveu feliz por 52 anos. Foi a própria Elly, E ainda: “A morte, como final do tempo que
recém viúva, quem escreveu (Acevedo e D’Adamo, se vive, assusta apenas aqueles que não ocupam o
s/d. p.102): “ninguém deveria esquecer-se que tempo da sua vida” (Frankl, 1989, p.170).
Viktor e eu tivemos um casamento extremamente
feliz de 52 anos e todos entenderão que levarei ATITUDES QUE FAVORECERAM A
muito tempo para encontrar um novo sentido em SUPERAÇÃO NOS CAMPOS DE
minha vida”. CONCENTRAÇÃO
Klingberg (2002, p.15), o jornalista
americano que publicou a única biografia autorizada Lendo e relendo o primeiro livro publicado
de Frankl, escreveu sobre o casal: “É uma história de de Frankl (1991), Em busca de sentido,
amor. Mas é mais que isto, pois o afeto que cresceu conseguimos depreender situações e atitudes
entre ambos, não se centrava unicamente no casal. tomadas pelo autor diante destas situações que nos
Seu amor apontava ao mundo e a uma causa fornecem importantes dados sobre a sua pessoa e
exterior, transcendendo seus próprios limites”. que nos testificam sua coerência, a unidade de sua
vida com sua obra. Para facilitar nossa análise,
CIDADÃO DO MUNDO seguiremos a ordem do relato do livro.

Foi convidado por mais de 200 HUMILDADE


universidades dos cinco continentes para dar
conferências; recebeu 27 Doutorados Honoríficos A humildade é uma característica marcante
de universidades de todo o mundo; recebeu na da personalidade de Viktor. Já no prólogo deste
Áustria, a maior distinção que a República entrega livro ele relata sua intenção de publicação anônima
para méritos científicos. Publicou 31 livros em 24 deste que seria um grande “Best seller”. Ele não
idiomas. escreveu este livro comercialmente, muito menos
Em relação ao dinheiro tinha uma posição para “desafogar” suas lembranças dolorosas e
bem definida (Frankl, 2003, p.108/110): conseguir livrar-se delas. Ele escreveu pois queria
“transmitir ao leitor, através de um exemplo
Devemos ter o necessário para não preocupar-se com concreto, que a vida tem um sentido potencial sob
ele, e não o demasiado para ocupar-se dele... É dito quaisquer circunstâncias, mesmo as mais miseráveis”
que tempo é dinheiro. Para mim o tempo significa
muito mais que dinheiro. Somente quando estou
(Frankl, 1991, p.10). Pensava que seu relato poderia
convencido de que uma conferência realmente tem ser útil a pessoas que têm inclinação para o
sentido, estou disposto a dá-la, mesmo sem receber desespero. E o resultado, o grande sucesso,
honorários. confirmou sua teoria de que “o sucesso, como a
felicidade, não pode ser perseguido; deve acontecer,
Tinha um espírito empreendedor que e só tem lugar como efeito colateral de uma
gostava de aceitar e vender desafios. Com 67 anos dedicação pessoal a uma causa maior que a pessoa,
começou a aprender a pilotar um avião; escalar ou como subproduto da rendição pessoal a outro
montanhas foi sua paixão que desenvolveu até aos ser. Esta humildade introjetada é revelada ainda
80 anos. Até aos 90 anos deu aulas na Faculdade de quando Frankl (1991, p. 17) atribui sua
Medicina de Viena. sobrevivência a “milhares e milhares de felizes
Sobre o envelhecer disse (Frankl, 2003, coincidências ou milagres divinos” e dizendo, sem
p.113): hesitação, que “os melhores não voltaram”; e
quando, após uma brilhante intervenção terapêutica
Não encontro nada mal em envelhecer, pois na
no seu barracão no campo de concentração, quando
medida que estou envelhecendo, estou
amadurecendo. O envelhecer é um aspecto do ele mesmo se achava desanimado e irritado, diz que
perecível da existência humana, mas no fundo, é um “certamente deixou de aproveitar muitas
grande incentivo para a responsabilidade, para o circunstâncias externas favoráveis a um contato
reconhecimento de que o ser responsável é uma desses” (p. 81). E mesmo quando foi para o setor de
característica tão básica como essencial da existência
tifo exantemático, com grandes possibilidades de
humana.
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morrer, não admitia ter sido um sacrifício heróico grupo que, à primeira vista, deveria ser
(p.53). sumariamente condenado”.
Em uma conferência realizada em Salzburg Viktor Frankl ensina que o ser humano é um
em 1957, Frankl (1965, p.130) finaliza se mistério, que não podemos imaginar todas as
desculpando pela forma enérgica em que tratou dos possibilidades de realização de sentido que estão
riscos do nihilismo e do homunculismo, dizendo escondidas em cada vida humana. Por isso, tanto o
que pode fazer isto, pois primeiro teve que superar psicoterapeuta como o educador nunca podem
estes perigos nele mesmo e que poderia agora tirar desistir de seus pacientes e seus alunos. Devemos
“o cisco dos olhos alheios porque fui forçado a tirar sempre acreditar neste potencial, por mais
a trave dos próprios olhos”. improvável que seja. Cita o caso do prisioneiro que
Quando fala da consciência moral (Gewissen) em viagem para sua prisão perpétua, ocorrendo um
como o órgão de sentido, como “a faculdade de naufrágio, salva pessoas e acaba sendo ele mesmo
intuir o sentido único e peculiar que se esconde em salvo de sua pena por sua atitude. Este prisioneiro,
cada situação” (Frankl, 1994, p.19), como como outros no campo de concentração, “já não
fenômeno especificamente humano, Frankl agrega a tinham nada a esperar da vida” (Frankl, 1989,
finitude neste fenômeno, ou seja, a possibilidade de p.146), mas “era a vida deles que tinha missões bem
falibilidade de consciência. Faz parte, então, deste concretas à sua espera” (idem). E este é um ponto
processo a “incerteza” se acertamos ou não, e chave da aplicação da Análise Existencial: não é o
também a humildade, como disse Frankl (1989, p. homem que impõe seus desejos e necessidades à
77): vida, que espera da vida; é antes a vida que propõe
situações como possibilidade de realização de
O fato de nem sequer no leito da morte virmos a sentido e espera do homem uma resposta positiva.
saber se o órgão do sentido, a nossa consciência, não Nesta resposta adequada, com habilidade, reside a
esteve afinal submetido a um sentido ilusório,
significa, já de si, que a consciência de outrem bem
responsabilidade diante da própria vida e, como
pode ter razão. Humildade, portanto, significa efeito colateral, a felicidade.
tolerância.
ABANDONO CONFIANTE E SEGUIR EM
A tolerância não é indiferença, “não consiste FRENTE
em compartilhar a opinião do outro, senão somente
reconhecer ao outro o direito de pensar de outro Em situações nas quais não sabia o que era
modo” (Frankl, 1994b, p. 81, nota de rodapé). melhor (Klingberg, 2002, p.162), aprendeu a
Neste aspecto, está evidente a coerência da simplesmente deixar os fatos acontecerem, atitude
vivência e da teoria. que tomaria muitas vezes no campo de concentração
(Frankl, 1991, p. 23.57); aprendeu a “não assumir o
NÃO JULGAR papel do destino” (p.60), “a seguir o caminho reto
ou, deixar o destino ir à frente” (p.58).
Logo na sua chegada ao campo de Viktor Frankl tinha uma capacidade de
concentração, vendo prisioneiros de muitos anos se percepção da realidade aguçada e logo na chegada ao
entorpecendo com álcool, disse (Frankl, 1991, p. campo de concentração, percebendo “em que pé
22): “Quem vai censurar uma pessoa que se estão as coisas” (p.24), dá por encerrada toda sua
entorpece em semelhante situação interior e vida até ali, e se lança à nova vida, procurando ver,
exterior?” Em mais outras duas situações, Frankl também aí, as oportunidades de realização de
(1991, p.51/83) revela sua aversão ao pré- sentido. Após a libertação, experimenta sentimento
julgamento: “Num caso destes ninguém deveria semelhante, percebendo que “naquele dia, naquela
levantar a pedra antes de se perguntar com hora, começou tua nova vida. E é passo a passo, não
sinceridade, a toda prova, se com certeza teria agido de outro modo, que entras nesta nova vida, tornas a
de outra forma, estando na mesma situação”; e ser homem” (p.86).
também: “A bondade humana pode ser encontrada A Logoterapia é “menos retrospectiva”
em todas as pessoas e ela se acha também naquele (Frankl, 1991, p.91) e mais prospectiva; “se
concentra mais no futuro, ou seja, nos sentidos a
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serem realizados” (idem) pela pessoa no futuro. Não uma disposição habitual, sempre alegra e nunca
se prende aos traumas do passado, às perdas, à ofende, e é um recurso efetivo para resolver situações
herança genética, aos condicionamentos sociais, mas de tensão; o segundo é um ato social, pode ofender,
se lança ao que a vida espera de cada um e esta visão pois descarrega tensões.
de sentido a ser realizado é o que propicia o Quando é liberto do campo de
antagonismo psiconoético, a capacidade de concentração, Viktor Frankl (p.85) se dá conta:
sobrepor-se aos condicionamentos psicofísicos pelo “literalmente, desaprendemos o sentimento de
“poder de resistência do espírito” que capacita o alegria. Será necessário aprender de novo a alegrar-
homem para impor seu caráter humano apesar das se”. Creio que esta constatação vale para os dias de
condições psicofísicas e das circunstâncias sociais, hoje, onde o hábito da reclamação, da murmuração
como diz Frankl (1994b, p. 113; 2003b, p.99) ou é muito abrangente: é necessário aprender de novo a
Lukas (1989) com o título de seu livro: “A força alegrar-se, a ver as coisas positivas que recebemos e
desafiadora do espírito”. ser agradecido. A reclamação habitual nos cega para
as oportunidades de realização de sentido.
CAPACIDADE PARA ALEGRAR-SE: Para a Logoterapia, o humor é um grande
HUMOR recurso, não só terapêutico, mas educativo e
administrativo. Está na base do autodistanciamento
Um grande recurso natural de Frankl era sua que possibilita a técnica logoterapêutica da intenção
capacidade de humor, de alegrar-se com pequenas e paradoxal, que procura “mobilizar a capacidade para
simples coisas. Ele relata a alegria que sentiram, ele e o autodistanciamento no âmbito do tratamento da
seus companheiros, quando constataram “que dos neurose psicogênica” (Frankl, 1991b, p.33). Frankl
chuveiros realmente sai água” (p.25); também as diz (2003b, p. 174): “Nada faz que o paciente se
“miseráveis alegrias” e as raras “alegrias positivas” distancie mais de si mesmo que o humor. O humor
(p.51), sempre aproveitadas. E fico pensando, mereceria ser chamado de um existencial”. E ainda
quantas vezes eu me alegrei por sair água quente do (Frankl, 1989, p.327):
chuveiro, e isto ocorre todos os dias...
Quando ele relata sobre as primeiras reações Afinal, o humor é um fenômeno humano que, por
no campo de concentração, fala do “humor negro” suas características, possibilita ao homem o distanciar-
se de qualquer coisa e de quem quer que seja, e de si
(p.26), uma atitude meio forçada, mas que ajuda a mesmo também, consequentemente, para se fazer
aliviar a tensão inicial. Este tema é retomado no inteiro senhor de sua pessoa. E, sempre que aplicamos
livro que estamos estudando, mas também em a intenção paradoxal, todo o nosso desejo e empenho
outros, pois “o humor constitui uma arma da alma está em mobilizar este poder essencialmente humano
na luta por sua autopreservação. Afinal é sabido que do distanciamento.
dificilmente haverá algo na existência humana tão
apto como o humor para criar distância e permitir Também aqui está clara a coerência entre as
que a pessoa se coloque acima da situação” (p.48). atitudes na vida e a proposta teórica de Viktor
Viktor Frankl, no campo de concentração, faz um Frankl.
compromisso com um colega de inventar ao menos
uma piada por dia (p.48). Estas piadas estavam TRATO CONSIGO MESMO
geralmente relacionadas a uma visão de futuro, um
fato que poderia ocorrer após a libertação. Frankl Ainda durante a primeira fase de reação
explica que “a vontade de humor – a tentativa de psicológica do prisioneiro do campo de
enxergar as coisas numa perspectiva engraçada – concentração, era natural que quase todos pensassem
constitui um truque útil para a arte de viver” (p.48). em suicídio. Viktor Frankl, diante desta situação, fez
A palavra humor vem de “húmus”, umidade, e um trato consigo mesmo (1991, p.27):
realmente serve para umedecer as situações áridas,
Em virtude da minha ideologia básica...na primeira
difíceis. O humor, só à pessoa humana é acessível, noite em Auschwitz, pouco antes de adormecer, fiz a
nenhum animal é capaz de rir. É importante, mim mesmo a promessa, uma mão apertando a outra,
entretanto, diferenciar humor de gozação; enquanto de não ‘ir para o fio’...expressão corrente no campo
o primeiro é uma atitude pessoal diante da situação, que designava o método usual de suicídio: tocar no
arame farpado, eletrificado em alta tensão.
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Em outra situação, fez um trato com seus Neste fato, percebemos que Viktor se deu
colegas: juraram “agüentar até ao meio-dia” (p.38). conta de uma oportunidade de realização de sentido
E cumpriu este trato agüentando até ao meio-dia de e não obstante sua apatia, respondeu positivamente
todos os dias que passou no campo de concentração. à sua percepção. Ele mesmo diz em relação à sua
Aqui ele volta a um conceito anterior: passo a passo, teoria (Frankl, 1965, p. 61):
viver o momento presente, procurando extrair dele
todas as oportunidades de realização de sentido, Uma das tarefas das quais se incumbe a Logoterapia é
aproveitando-as da melhor forma possível. Um a de ampliar, o mais possível, o campo visual de
valores no enfermo, de tal forma que ele se dê conta
exemplo foi quando o trem de transporte no qual se de toda a abundância de possibilidades –
encontrava passou por sua cidade natal e o possibilidades de sentido e valor – que estão ao seu
prisioneiro de número 119.104 fez todos os esforços alcance; dito de outro modo, que chegue a perceber
para visualizar ao máximo seu ‘beco’ (p.40). todo o espectro dos valores.
Aqui percebemos o exercício da liberdade
apesar de todos os terríveis condicionamentos SABER OUVIR
presentes no campo de concentração, levando a uma
decisão plena de sentido, que colaborou inclusive Sobre um ‘capo’ de seu grupo de trabalho
para a própria sobrevivência destes prisioneiros. A que lhe era reconhecido, Frankl explica: “passei a ser
capacidade de decisão reside no primeiro pilar da seu protegido desde quando lhe dera atenção ao me
Logoterapia, a Liberdade da Vontade que implica a contar seus casos amorosos e conflitos
questão do determinismo versus o matrimoniais... o fiz com visível compreensão
pandeterminismo, que juntamente com a Vontade profissional e impressionei-o...” (p.33). Viktor
de Sentido e o Sentido da vida, totalizam os três Frankl sabia escutar e isso realmente o preservou a
pilares fundamentais desta escola de Psicologia vida.
(Frankl, 2005, p.5). “A liberdade da vontade é Esta capacidade propriamente humana de
oposta ao princípio que caracteriza muitas colocar-se no lugar do outro e ouvir atentamente é
abordagens do homem, conhecidas como fundamental não só para a Logoterapia, mas para
deterministas. A liberdade da vontade significa a todas as pessoas que se colocam em relação de ajuda
liberdade da vontade humana, ou seja, a liberdade com seu semelhante, em qualquer profissão, em
de um ser finito” (idem, p. 22). qualquer situação, em qualquer escola terapêutica. A
Logoterapia enfatiza o encontro eu-tu que possibilita
OBSERVAR, DAR-SE CONTA, AGIR esta atitude de abertura ao outro, uma escuta ativa
que permite o interlocutor escutar-se a si mesmo e
Viktor Frankl relata um episódio confrontar suas descobertas.
aparentemente insignificante, que se não fosse pelo
seu espanto com sua própria insensibilidade e por REFÚGIO INTERIOR E DIÁLOGO
curiosidade profissional, nem se lembraria dela ESPIRITUAL
(p.30-31): “Fico olhando, apático. Finalmente dou-
me um empurrão e me animo a convencer o O prisioneiro número 119.104 relata os
‘enfermeiro’ a levar o corpo para fora do barracão”. horrores vividos no campo de concentração visto de
Porém, neste relato, ele aponta três momentos dentro. Enquanto o olhar do prisioneiro se
fundamentais de uma ação com sentido: a) olhar, concentra no exterior, ele não vê solução, mas
observar – e não se deixar dominar pela apatia; b) quando ele se volta para a vivência do próprio
dar-se conta, tomar consciência da situação, íntimo, há uma mudança de perspectiva. Ele
perceber as “oportunidades de influência criativa percebe que neste refúgio interior, “permanece
sobre a realidade, as quais não deixam de existir aberta a possibilidade de se retirar daquele ambiente
também no campo de concentração” (p.72), nem terrível para se refugiar num domínio de liberdade
que para isso necessitemos de um ‘empurrão’; c) espiritual e riqueza interior” (p.42). E quando,
animar-se e agir de acordo com a tomada de aparentemente nada mais resta, é constatada a
consciência, com a direção apontada por esta nossa possibilidade da contemplação amorosa da imagem
‘bússola’ do sentido. espiritual da pessoa amada e com ela estabelecer um
diálogo existencial, sem interferência das
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circunstâncias externas; um diálogo real sem a Ninguém consegue ter consciência plena da essência
existência física da pessoa amada em si e mesmo última de outro ser humano sem amá-lo. Por seu
amor, a pessoa se torna capaz de ver os traços
independentemente de seu estar com vida ou não. É característicos e as feições essenciais do seu amado;
constatada “a redenção pelo amor e no amor!” mais ainda, ela vê o que está potencialmente contido
(p.43). nele, aquilo que ainda não está, mas deveria ser
Neste recorte do relato da sua experiência no realizado. Além disso, através do seu amor, a pessoa
campo de concentração, podemos extrair dois que ama capacita a pessoa amada a realizar estas
potencialidades. Conscientizando-a do que ela pode
pontos de sua teoria: a liberdade interior e o sentido ser e do que deveria vir a ser, aquele que ama faz com
do amor. que estas potencialidades venham a se realizar.
A liberdade interior, “a liberdade espiritual
do ser humano, a qual não se lhe pode tirar” (p.67) Viktor Frankl amou profundamente sua
e que “permite-lhe, até o último suspiro, configurar primeira esposa, com quem estabelece este diálogo
a sua vida de modo que tenha sentido” (idem) não é espiritual; e também sua segunda esposa, com quem
perdida mesmo com as prisões e os conviveu de forma feliz e produtiva por 52 anos.
condicionamentos biológicos, psicológicos e sociais.
Pois nos “campos de concentração” dos dias de hoje, DAR VALOR ÀS PEQUENAS COISAS,
como nos da II Guerra Mundial, “se pode privar a APRECIAR A NATUREZA
pessoa de tudo, menos da liberdade última de
assumir uma atitude alternativa frente às condições Frankl (1991, p. 44) relata: “o que ocupa o
dadas” (p.66), que lhe permite, mesmo sob estas pensamento não são as grandes experiências, e sim,
circunstâncias, “decidir de alguma maneira no que muitas vezes, um fato corriqueiro, as coisas mais
ela acabará sendo, em sentido espiritual: um típico insignificantes de sua vida anterior”, a sua
prisioneiro de campo de concentração, ou então cotidianidade. Bem, teremos esta lembrança positiva
uma pessoa humana, que também ali permanece se realizarmos bem tanto as coisas que pensamos ser
sendo ser humano e conserva sua dignidade” (p.67). mais importantes, como as mais simples.
Por isso Frankl fala de “liberdade de” Viktor Frankl observou que esta tendência à
condicionamentos, que muitas vezes não podemos interiorização, em certos prisioneiros, “possibilita a
nos livrar, e da “liberdade para” tomar uma atitude mais viva percepção da arte ou da natureza” (p.45)
consciente perante quaisquer condicionamentos que como a observação do sol poente entre os pinheiros
o destino nos proporcionou. “A liberdade, altíssimos da Floresta Bávara! Este é um exemplo de
essencialmente, é liberdade frente a algo: ‘liberdade realização de valores vivenciais – “enriquecermos a
de’ algo e ‘liberdade para’ algo” (Frankl, 2003b, nós mesmos através de nossas vivências, da nossa
p.94). entrega a uma possibilidade de vivência” (Frankl,
De acordo com a Logoterapia, o sentido da 1989, p.83), mesmo no campo de concentração. E
vida pode ser descoberto de três formas diferentes nós, quantas oportunidades desperdiçamos desta
(Frankl, 1991, p.100): realização de sentido?
Neste saber enxergar a natureza, Viktor
1. Criando um trabalho ou praticando um ato; 2. Frankl ensina a perscrutar os sinais da e na natureza
Experimentando algo ou encontrando alguém; 3. Pela
atitude que tomamos em relação ao sofrimento
(Frankl, 1991. p.45-46). Em um determinado dia,
inevitável... A segunda maneira de encontrar um absolutamente cinzento, tanto o crepúsculo, como o
sentido na vida é experimentando algo – como a céu, como a neve, como os trapos de roupa e
bondade, a verdade, a beleza – experimentando a também os semblantes estão cinzentos. E neste dia,
natureza e a cultura ou, ainda, experimentando outro ainda mais intensamente, ele buscou uma resposta
ser humano em sua originalidade única, amando-o.
para este sacrifício, para esta morte lenta e num
esforço do espírito, alcança um vitorioso e
O amor “é a única maneira de captar outro
regozijante ‘sim’, apesar de tudo. E neste momento
ser humano no íntimo da sua personalidade”
percebe a luz de uma casa distante, como a luz que
(Frankl, 1991, p.100), na sua singularidade. E
resplandece nas trevas; e um passarinho pousa à sua
continua (p.100):
frente!
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AJUDAR OS OUTROS Neste recurso, a pessoa objetiva o sofrimento
atual, o “abraça”, de uma certa forma, e se vê em um
Disse Frankl (p.52), mostrando tempo futuro utilizando a aprendizagem decorrente
autoconhecimento, com reconhecimento de suas desta experiência de vida de uma forma significativa.
limitações e suas potencialidades: A pessoa consegue transformar o sofrimento
presente em uma forma de ajuda futura para outras
Já que iria morrer, então eu queria que minha morte pessoas. Temos vários exemplos disto: pais de
tivesse sentido. Alguma espécie de ajuda a meus crianças com alguma deficiência que criam
companheiros enfermos, na qualidade de médico,
sem dúvida me parecia ter mais sentido que morrer
instituições de apoio; dependentes químicos em
como trabalhador braçal ineficiente que eu era então. sobriedade que trabalham na recuperação e
prevenção deste mal; pessoas que sofreram com a
Nesta atitude está presente a auto- violência urbana e se colocam a serviço da promoção
transcendência, “a essência da existência humana” da paz... São casos reais, possíveis, de exercício da
(Frankl, 2003b, p.282), pois “o homem está aberto autotranscendência que Viktor Frankl nos indica
ao mundo em contraposição aos animais que não como caminho para a realização do sentido da vida.
estão abertos ao mundo (Welt), mas sim ligados ao
meio (Umwelt)” (Frankl, 2005, p.36). Frankl PRINCÍPIOS DE VIDA
complementa (Frankl, 1989, p.102):
Da leitura atenta do livro de Frankl: “Lo que
Só a existência que a si mesma se transcende e se no está escrito em mis libros”, tanto na versão
realiza a si mesma; entretanto, aquele que intende tão castelhana como em português (Frankl, 2003 e
só para si mesmo, isto é, aquele que unicamente tende Frankl, 2010), complementando, itens 2.3.9 a
à realização de si mesmo, decerto que fracassa. O ser
do homem é, por sua essência, um ser que está 2.3.11 com o relato de Klingberg (2002, p.386),
ordenado a algo, que se dirige a algo, quer este algo podemos extrair princípios que nortearam as
seja alguém, quer seja uma idéia ou uma pessoa. decisões do autor. Analisaremos se há coerência com
sua teoria.
Esta ajuda contribuiu para a sobrevivência
do prisioneiro 119.104. Mas não somente esta. A ESMERO E TRANQÜILIDADE
vontade de deixar escrito o seu conhecimento, de
reescrever o manuscrito que havia perdido no campo Fazer as menores coisas com o mesmo
de concentração, ou seja, uma obra, um valor, um esmero e cuidado que as grandes, e as maiores, com
sentido a realizar, foram fundamentais para sua a mesma tranqüilidade que as pequenas. Viktor
sobrevivência. Frankl cita que se deve fazer breves comentários em
uma reunião, estes são refletidos e anotados; e se tem
VISÃO DE FUTURO uma conferência para milhares de pessoas, prepara
com o mesmo cuidado e fala com a tranqüilidade
A visão de futuro, o refúgio na dimensão como se estivesse falando para poucas pessoas.
futura, pode muitas vezes tomar a forma de um Frankl diz que não é a profissão em si que
truque para a superação de momentos difíceis da traz sentido ao trabalho, mas a forma com que a
existência. É o próprio Frankl (1991, p.73) quem pessoa realiza seu ato laboral é que confere sentido.
relata, sobre uma experiência vivida no campo de Podemos associar com o descrito acima e dizer que
concentração: não é o “tamanho” e a importância das pessoas que
assistem a uma conferência ou reunião que
Através deste truque consigo alçar-me, de algum outorgam sentido à sua participação, mas o
modo, para acima da situação, colocar-me acima do
empenho com que a pessoa realiza esta ação.
tempo presente e de seu sofrimento, contemplando-o
como se já estivesse no passado e como se eu mesmo,
com todo o meu tormento, fosse objeto de uma NÃO POSTERGAR
interessante investigação psicológico-científica, por
mim mesmo empreendida. Realizar tudo com antecedência, e não na
última hora. Frankl esclarece que desta forma,
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quando tem muito a ser feito, não pesará sobre ele a Vivemos numa sociedade da superabundância; esta
tensão de algo não realizado, além do trabalho em si. superabundância não é somente de bens materiais,
mas também de informações. Cada vez mais livros e
Hoje vivemos com uma exigência de prazos revistas se empilham sobre as nossas escrivaninhas.
“para ontem”. Com isto sacrificamos nossos Vivemos numa enxurrada de estímulos sensoriais, não
relacionamentos, nossa alimentação, nosso lazer, somente sexuais. Se o ser humano quiser subsistir
nossa saúde... Será que há sentido nesta “correria”? ante esta enxurrada de estímulos trazida pelos meios
Será que não fazemos as coisas pressionados pelo de comunicação de massa, ele precisa saber o que é e
o que não é importante, o que é e o que não é
tempo cronológico e nos esquecemos do tempo essencial, em uma palavra: o que tem sentido e o que
“kairós”, do sentido de situação, do momento não tem.
presente? O chamado da vida pelo sentido sempre é
para a realização de algo possível, dentro do tempo e
do espaço. Será que não estamos nos equivocando Saber escolher como usar nosso tempo é um
na busca do que tem sentido e nos deixando desviar desafio diante desta enxurrada, agora acrescida dos
pelos distratores de tempo, que roubam nosso atrativos da internet e das redes sociais.
tempo de tal forma que sempre estamos deixando as
coisas para a última hora? NÃO GUARDAR RANCOR
Creio que este princípio de ordem, de
organização nos ajuda a descobrir e realizar o sentido Viktor Frankl reconhece esta característica
sem aumentar as pressões, sem criar sofrimento como uma “das poucas qualidades realmente boas”
evitável. (Frankl, 2003, p.22) nele: não se esquecer de algo de
bom que uma pessoa lhe tenha feito, e não guardar
FAZER PRIMEIRO O DESAGRADÁVEL rancor por algo mal. Um neurocientista famoso,
Ivan Isquierdo, disse que nossa memória arquiva
Não só fazer tudo com a maior antecedência aquilo que escolhemos memorizar. Trazendo sempre
possível, como fazer primeiro o desagradável, para à memória algum rancor sofrido, é grande a
superá-lo, e somente depois, o agradável. possibilidade de me transformar em uma pessoa
Frankl fala da alegria de viver e da coragem rancorosa, mal humorada; porém, se me recordo do
de sofrer, como duas características fundamentais bem recebido, de algo bom que as pessoas me
para se alcançar a felicidade. Quando aceito e realizo fizeram, me torno uma pessoa mais feliz (Izquierdo,
a tarefa desagradável primeiro, estou dando meu 2004). Este princípio proposto por Frankl ajuda a
melhor momento, antes do cansaço, para tornar as pessoas mais dispostas à felicidade.
desempenhar bem a tarefa. E isto já é uma garantia
de que a tarefa agradável será verdadeiramente NÃO SE DESESPERAR
agradável, sem “peso” na consciência, pois o
trabalho já está sendo finalizado. Quando lhe acontece algo, por exemplo,
uma ofensa, se ajoelha em pensamento e deseja que
ADMINISTRAR O TEMPO não lhe aconteça, no futuro, algo pior. Esta é uma
estratégia para ajudar a superar as ofensas e
Viktor Frankl refere que nem sempre agiu encontrar a arte de bem viver.
assim, mas que após ter estado nos campos de
concentração, isto mudou. Passou a sacrificar finais VER SEMPRE O POSITIVO
de semana para escrever seus livros, aprendeu a
organizar seu tempo, passando mesmo a ser avarento Uma estratégia da Logoterapia é ver e
com o tempo, “mas isto é apenas para dispor sempre valorizar a parte saudável do paciente e não tanto
de mais tempo para as coisas essenciais” (Frankl, seu aspecto enfermo, de tal forma que expandindo a
2010, p.34). parte saudável, diminua a parte doente. Esta
Um dos objetivos da aplicação da Análise estratégia coincide com o princípio de ver sempre o
Existencial na educação é ensinar a saber escolher: o positivo.
que é mais importante, o que é essencial, o que tem
sentido. Viktor Frankl escreve (Frankl, 1992, p.70):
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SER AGRADECIDO E CELEBRAR crianças, falar do sentido da vida em todos os
âmbitos é um imperativo, um sinal de esperança,
Toda pessoa deveria sentir-se agradecida uma urgência.
pelas situações oportunas vividas, pelos acasos da A validação da Análise Existencial e da
sorte, pelas providências recebidas, pelo apoio Logoterapia na vida do autor é um argumento a
encontrado, e recordar frequentemente estes fatos; mais, mas imprescindível para a divulgação desta
ser agradecido à vida e celebrar, fixando aniversários linha de pensamento. Já me questionei se esta teoria
de situações significativas, para festejá-las. teria tanta repercussão e validação se Viktor Frankl
não tivesse sido um sobrevivente de campo de
AJUDAR SEMPRE E EM TODO O LUGAR concentração. Antes de se tornar prisioneiro, toda
sua linha de pensamento já estava pronta,
Para Viktor Frankl, esta é a maior honra sistematizada. Já havia até escrito um livro com as
para uma pessoa: ajudar sempre e em todo o lugar. E bases teóricas, mas não chegou a publicá-lo antes do
isto ele fez até o último momento de sua vida. Neste fim da II Guerra Mundial, pois seu manuscrito foi
sentido, um estudante de Berkeley que fazia parte do confiscado. E fiz este mesmo questionamento para
grupo de pesquisa em Viena, indagou a Frankl com um grupo de estudantes de Logoterapia. A resposta
a seguinte pergunta: “o senhor viu o sentido de sua foi unânime que a escolha de Frankl em “honrar pai
vida no fato de ajudar outros a verem sentido em e mãe”, o que o fez permanecer em Viena e logo ser
suas vidas?”. Ao que responde Frankl (1990, p. deportado para o campo de concentração, que esta
132): “É a mais exata verdade. Eu escrevera isto de escolha foi uma escolha plena de sentido.
fato.” A validação da Análise Existencial e da
Logoterapia pela coerência da vida de seu autor com
RESPONDER COM RESPONSABILIDADE sua obra, como tentamos demonstrar neste artigo,
sem dúvida agrega valor inestimável à teoria.
Responder com responsabilidade, sem Esta opinião é compartilhada com outros
importar as circunstâncias, quando sentimos o autores. García Pintos (2007, p.8) escreve que
chamado da vida. “talvez, um dos aspectos mais interessantes da vida
de Frankl seja a coerência entre sua própria história
FAZER TUDO O QUE FOR POSSÍVEL e sua própria teoria, a congruência de um homem,
vivendo e pensando do mesmo modo”. Dr. Oscar
Fazer tudo o que está ao nosso alcance para Ricardo Oro, da Fundação Argentina de
fazer o mundo melhor. Logoterapia Viktor Frankl disse sobre Frankl
(Acevedo e D’Adamo, s/d, p. 78): “Sua vida,
CONSIDERAÇÕES FINAIS coerente com sua obra, situação não muito
freqüente no mundo intelectual, nos transporta à
Viktor Frankl propõe a busca e a realização atmosfera da ética. Sua conduta responsável e
do sentido da vida como a principal força corajosa fica evidente quando temos a sorte de estar
motivadora da pessoa humana e caminho para a perto dele. Todas estas qualidades são as que o
alegria, a felicidade. Em uma realidade onde há um constituem em nosso venerável mestre”.
aumento alarmante de casos de depressão não só em
adultos, mas também em adolescentes e mesmo
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Referências

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Recebido em: 16/01/2013


Aceito em: 15/02/2013

Sobre a autora

Marina Lemos Silveira Freitas. Doutora e mestre em Medicina pela USP-RP e especialista em Logoterapia
aplicada à Educação; Acadêmica do curso de pós-graduação em Análise Existencial e Logoterapia de Viktor Emil
Frankl, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Campus Curitiba. E-mail: marinalemossf@hotmail.com.  

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