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CUIDAR É DA NOSSA NATUREZA

“Cuidar é da nossa natureza”. Esse é o slogan de uma campanha publicitária que visa
divulgar o potencial natural do Brasil em seus diversos aspectos. Há duas possibilidades
imediatas de compreendê-lo. A primeira, considerando a riqueza natural do nosso país,
nos leva a entender que há um cuidado natural que é oferecido aos homens através
daquilo que a própria terra produz. Nesse sentido, a natureza cuida da humanidade. A
segunda, levando em conta a maneira como o homem se constitui e se estrutura em sua
subjetividade, nos transmite a ideia de que o ato de cuidar, como única garantia de
nossa sobrevivência, é algo inerente e próprio do ser humano. Nesse sentido, a
humanidade cuida da natureza, de si mesmo e do outro, porque é próprio do homem
cuidar.
Quando falamos de cuidado estamos falando do ato de preservar, guardar, conservar,
apoiar, tomar conta. O cuidado implica em ajudar o outro, tentar promover o seu bem-
estar e evitar que sofra de algum mal. Logo, cuidado tem a ver com a promoção da saúde
enquanto a busca por uma vida equilibrada e diz muito respeito à prática do ministério
pastoral e ao ambiente da Igreja enquanto comunidade terapêutica.
O tema é tão sério e relevante que mereceu, da parte do apóstolo Paulo, algumas
orientações específicas ao jovem pastor Timóteo. A Timóteo, Paulo diz: cuida da Igreja
– “(Porque, se alguém não sabe governar a sua própria casa, terá cuidado da Igreja de
Deus?)” – 1 Tm. 3:5; cuida de sua família – “Mas, se alguém não tem cuidado dos seus,
e principalmente dos da sua família, negou a fé, e é pior do que o infiel” – 1 Tm. 5:8;
cuida de você mesmo – “Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina. Persevera nestas
coisas; porque, fazendo isto, te salvarás, tanto a ti mesmo como aos que te ouvem” – 1
Tm. 4:16.
“Tem cuidado de ti mesmo”. Ainda que sem nenhuma pretensão teórica, com essa
orientação o apóstolo Paulo já estava enunciando o princípio do autocuidado. Em outras
palavras ele está dizendo que Pastores que cuidam de Igrejas, de pessoas e de suas
próprias famílias, precisam antes cuidar de si mesmos, se desejam seguir de modo
saudável nessa tarefa de cuidadores.
O autocuidado é o olhar para si, é o atentar e o reconhecer das suas próprias
necessidades, é o voltar-se a si mesmo buscando uma vida saudável e equilibrada, sem
a qual não será possível cuidar do outro.
Não é com facilidade que conseguimos experimentar esse autocuidado. Por ignorância,
ou mesmo por negligencia, vamos nos afastando dessa condição imprescindível para o
exercício do ministério pastoral no que diz respeito ao cuidado. Agimos assim por, pelo
menos, três motivos: Porque não sabemos do que cuidar, de quem cuidar e de como
cuidar.
Não sabemos do que cuidar porque na verdade desconhecemos o verdadeiro significado
de saúde. Para muitos, saúde ainda é apenas e tão somente a ausência de doença e
enfermidade, quando na verdade, desde a segunda metade do século vinte a
Organização Mundial de Saúde define o termo como sendo um “completo estado de
amplo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou
enfermidade”. Sendo assim, uma pessoa saudável é aquela que experimenta equilíbrio
através do bom funcionamento do seu corpo, da sua mente e das suas relações sociais.
Não sabemos de quem cuidar porque desconhecemos a nossa própria constituição
enquanto sujeitos e nos limitamos à discussão teológica quanto à dicotomia e
tricotomia. Com os estudos avançados sobre a Teoria Geral dos Sistemas, a partir da
década de 50, o homem passou a ser considerado como um todo e a ser concebido como
um sujeito biopsicosocioespiritual. Quando ouvimos, a partir de então, que “o todo é
maior que a soma das partes”, estamos privilegiando a ideia da integração como
elemento indispensável para o autocuidado. Cuidar de si mesmo é cuidar desse todo.
Não sabemos como cuidar porque ainda funcionamos segundo o modelo cartesiano de
linearidade e não sob o novo paradigma de circularidade. O pensamento linear nos
ensino0u a hierarquizar a vida e os diversos papéis que nela desempenhamos.
Aprendemos, de um modo equivocado e inatingível, a ordenar a vida, por exemplo,
colocando em primeiro lugar Deus, em segundo a família, depois o trabalho, em seguida
o ministério, a igreja, e por aí vai. Como vivemos diversos papeis sociais (esposo, pai,
pastor, filho, profissional, líder...), como saber o momento de “pular a linha”, pular para
o segundo ponto da lista? No pensamento circular, fundamentado também com os
princípios do equilíbrio e da integração vistos anteriormente, tudo deve acontecer ao
mesmo tempo, como em um círculo, sem um início ou fim. Quando adotamos esse
pensamento como forma de autocuidado, não nos preocupamos mais em buscar
primeiro a Deus, em segundo a família e depois o ministério. Passamos a buscar a Deus
juntos, nós e nossa família, à medida que exercemos o nosso ministério. Quando
pensamos assim, buscamos ser o melhor Pastor, o melhor líder, sem deixar de ser o
melhor esposo, o melhor pai, o melhor amigo e o melhor irmão.
Cuidar é da nossa natureza, mas antes de cuidar do outro, precisamos cuidar de nós
mesmos. Pastores e líderes saudáveis como resultado de seu autocuidado, contribuirão
com a saúde de seu rebanho e liderados e, consequentemente, promoverão o
crescimento da Igreja enquanto comunidade terapêutica. Equilíbrio, integração e uma
nova forma de pensar a vida ajudarão nesse sentido. “...fazendo isto, te salvarás, tanto
a ti mesmo como aos que te ouvem” .

Carlos Henrique de Oliveira Moreira


Pastor da Igreja Evangélica Congregacional de Ponte Seca - ACG
Psicólogo com especialização em Psicologia Clínica e Terapia de Casal e Familia

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