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Michelangelo PDF
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A BUSCA
PELA
ESSÊNCIA
HUMANA
MICHELANGELO
FERNANDA
ROCHA
FERNANDA ROCHA
MICHELANGELO
D esde o início dos tempos até os dias de
hoje, a humanidade se faz as mesmas
perguntas: De onde viemos? Quem somos?
Para onde iremos?
Há pelo menos 50 mil anos atrás, dentro das
cavernas, o homem utilizava a pintura nas grutas,
usando vários tipos de materiais, até mesmo
sangue de animais, para expressar o que viam
do mundo, suas preocupações e medos.
A pintura das cavernas foi a primeira linguagem
que o homem utilizou para se comunicar,
muitos anos antes da invenção da escrita.
A verdade é que existe um amplo mistério nas
questões “De onde viemos?” e “Para onde
iremos?”, porque, apesar de se tratarem de
questões existenciais, exigem de nós o exercício
da fé, do que cada um acredita, tema muito
particular de cada ser humano.
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Agora, se nos centrarmos na questão “Quem
somos?”, chegaremos à mais profunda dor do
ser humano... Qual é o nosso propósito?...Qual é
o sentido da vida? Isso verdadeiramente nos
angustia, nos incomoda, e passamos um longo
período da vida, voluntária ou involuntariamente,
em uma busca constante de um significado, um
sentido.
Ocorre que essa busca é um caminho sinuoso e
cheio de obstáculos. Por diversas vezes, o medo
nos paralisa, o medo de sofrer, o medo de não
ser aceito, o medo de sentir dor, entre outros.
Olhamos para o nosso lado e buscamos
modelos e, por vezes, nos iludimos, quiçá
indiretamente induzidos, e nos permitimos ser
igual a todos os outros. Desaprendemos o
fundamental, esquecemos que somos únicos
no mundo, e o que é maravilhoso para uns não
necessariamente será para outros, e assim
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seguimos nossa vida, apagando um pouco de
nós todos os dias, até que não exista mais nada .
Este livro oferece a você uma pequena, porém
profunda imersão na vida de um artista que
superou a si mesmo...Michelangelo!
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MICHELANGELO
DESCOBRINDO UM TALENTO
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enfrentou para conseguir se dedicar à arte, mas
mal sabia ele que seu pai seria talvez o mais
simples tirano que estaria por encontrar em sua
vida. O pai de Michelangelo, Ludovico
Buonarroti, não via com bons olhos as
aspirações artísticas de seu filho, mesmo
porque, sendo o segundo filho mais velho dos 5
irmãos deveria logo ajudar no sustento da
família, e seu pai enxergava em seu talento para
a arte algo de menor valor, insuficiente para
ascensão almejada pelo patrono da família. Mas
Michelangelo não desistiu, ele insistiu mesmo
após surras e não abdicou de sua vontade,
venceu o velho pai pelo cansaço, que por fim,
acabou permitindo que o filho fosse em busca
de se aperfeiçoar para se tornar um artesão,
como era de seu desejo. Nesse momento,
Michelangelo tinha 13 anos de idade.
Se fizermos uma reflexão, vamos nos perguntar:
Será que nos dias de hoje um adolescente
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teria tanta certeza de algo, tão precocemente?
E vem à minha mente a lembrança da minha
própria adolescência. Essa é sem dúvida
a época em que mais nos achamos donos de
nós mesmos, os sabidões, os que têm nas mãos
a verdade nua e crua, cheios de sonhos e
coragem para enfrentar o mundo e fazer a
diferença. Talvez essa seja a época exata de
sabermos o que queremos, ou ao menos uma
direção, é o momento em que o jovem está mais
livre, possui poucas amarras e preocupações e,
dependendo do tipo de educação que o jovem
tem, muitas vezes acredita que os pais são
obstáculos que o impedem de seguir seus
sonhos. No caso de Michelangelo, ter um pai
opressor naquele momento de sua vida foi um
facilitador para a tomada de decisão,
despertou nele uma vontade muito grande de
sair de casa, para poder ter a liberdade que
acreditava que teria.
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O INÍCIO
A
os13 anos Michelangelo foi para Florença,
uma outra cidade da Itália, para
frequentar Escola de escultura, criada por
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único.
Lorenzo chamou Michelangelo para morar com
sua família, os Médicis. E acabou compartilhando
com ele a mesa da família Médici, dando a
Michelangelo a oportunidade de uma
convivência social extremamente rica para o
desenvolvimento de seu intelecto, pois aprendia
sobre literatura, filosofia e cultura pagã, o que
contribuiu para aperfeiçoar seu talento,
possibilitando assim uma visão mais ampla e
livre do mundo. O que esse menino não
sabia era que seu conforto se tornaria mais tarde
um de seus maiores conflitos. A família Médici, , a
quem ele aprendeu a amar e que detinha grande
gratidão iriam se tornar os causadores
de verdadeiros horrores sanguinários e,
mais à frente, a gota d'água para a grande divisão
da Igreja Católica iniciada por Lutero.
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Com 17 anos, ainda morando com os Médicis,
Michelangelo esculpiu a obra Centauromaquia.
Neste relevo, Michelangelo se inspirou em
referências como um sarcófago romano do
Campo Santo de Pisa e o relevo de bronze de
Bertoldo di Giovanni com a batalha.
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A centauromaquia representa para o povo grego
um mito da luta com os centauros, os homens
que eram metade homens e metade cavalos. A
escultura mostra uma massa de figuras
empenhadas numa luta intrincada. Ao
centro, destaca-se um jovem com o braço
erguido, representando o general. Em volta dele
vê-se um emaranhado de corpos mais salientes,
quase que criando pirâmides. Entre estes
personagens mais destacados pela faixa do
meio, à esquerda, um homem, cujo seu corpo
faz uma torção para a direita, está a ponto de
atirar uma grande pedra quadrada. Também
observamos um grupo de pelo menos cinco
personagens entrelaçados pelos braços
formando um nó, sendo que um deles, de
costas, arrasta pelos cabelos um segundo,
que é preso pela cintura por um terceiro homem
o qual, com o braço direito, agarra os ombros de
um grupo de duas figuras.
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Há ainda uma mulher que enforca um homem
que tenta se libertar. De forma metafórica,
também representa a luta do homem contra seus
instintos primitivos, e o motivo de estarem nus se
baseia na maneira que quase sempre se
representava os guerreiros na cultura grega. É
realmente de tirar o fôlego imaginar uma luta no
emaranhado, talhado em mármore, pensando em
cada personagem, cada movimento, cada ação
formando um nó humano.
Demasiado proveitoso foi esse tempo de
Michelangelo na casa dos Médicis, mas, em abril
de 1492, Lorenzo morreu. Dois anos depois,
houve um movimento liderado pelo monge
Savanarola, iniciando uma perseguição contra
tudo que fosse considerado uma
afronta à vontade de Deus na terra. As obras de
arte que continham nudez foram queimadas, as
jóias tiradas e por vezes jogadas ao fogo, as
prostitutas também eram perseguidas,
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tudo que fosse considerado pagão era proibido,
e a família Médici foi forçada a sair de Florença
temendo um motim, principalmente porque o
monge Savanarola acreditava que os Médicis
haviam disseminado cultura pagã na cidade de
Florença. Tudo que era ligada à família Médici era
perigoso, por isso Michelângelo fugiu por temer
ser capturado.
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eternizados de alguma forma. Foi neste contexto
que trabalhou por um ano e o resultado foi uma
das esculturas mais incríveis já realizadas.
A expressão de Maria, serena, resignada e jovem,
de um beleza ímpar, muito mais jovem que seu
filho que carrega nos braços, e Jesus
adormecido e entregue nos braços da mãe.
Alguns dizem que Michelangelo fez Maria jovem
porque ela era pura, sendo assim não teria as
marcas da corrupção da carne como os
outros teria algo de divino enquanto Jesus
envelheceu pelo grande desgaste sofrido
durante sua missão. Outra corrente cogita a
possibilidade de Michelangelo ter se inspirado
na “Divina Comédia”, de Dante Alighieri, onde há
um trecho do Paraíso que diz: “Virgem Mãe, Filha
do Teu Filho”. Nesta escultura, Michelangelo
reproduz o corpo de Maria muito maior do que o
de Jesus, mas ao fazer as cabeças terem o
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mesmo tamanho ocorre a harmonia. O drapeado
das vestes impressiona, assim como os detalhes
do corpo, ressaltando as veias e os músculos de
Jesus. Lembrando que a escultura é feita de
mármore, isso mesmo, mármore......já mencionei
que era de mármore? Pois é, impensável esculpir
algo que transmite tanto movimento e
emoção em uma pedra bruta de mármore.
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Michelangelo passou por vários apuros em sua
vida e foi diversas vezes salvo pelo seu talento.
Antes de Pietá se meteu em algumas encrencas
e somente oferecendo o que de melhor sabia
conseguiu sair ileso, seria um crime privar o
mundo desse talento. Quando nos deparamos
com uma escultura como Pietá, com uma beleza
estética que é sem dúvida um deleite para nós,
perfeita em todos esses detalhes, que vão muito
além do perfeccionismo, nos impressiona a
sensibilidade de retratar de forma tão profunda a
perda do filho, em uma dimensão superior, que
transcende a vida humana tal qual conhecemos.
Esta Maria é um ser muito mais divino que
humano.
Definitivamente vemos aqui que Michelangelo
sabe o que faz e é bom no que faz; os anos de
estudo aprimorando o seu talento fizeram com
que ele aperfeiçoasse a sua técnica e sua
mente.
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Agora, uma obra como essa e tantas outras que
Michelangelo produziu ao longo dos anos não
podem ter sido fruto apenas de técnica, há algo
além, mas vamos falar disso mais adiante.
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INSPIRAÇÃO PARA TODOS
C
om os Médicis ainda exilados de Florença,
com morte do tirano o Papa Alexandre VI
e seu violento filho César de Borgia fora do
caminho, Florença queria renovar sua política e
tinha como mentor político Nicolau Maquiavel,
aquele mesmo que escreveu o livro O Príncipe.
Pediram para Michelangelo algo que
simbolizasse essa liberdade e força, e foi na figura
de Davi que ele encontrou inspiração, uma
escultura de mais de 5 metros de altura, onde
metaforicamente o gigante Golias era tudo que
oprimia o povo e Davi, a força e a coragem para
mudar seu destino. Magnificamente,
Michelangelo esculpiu o corpo de Davi, inspirado
na arte grega onde os guerreiros gregos eram
representados com seus corpos nus e a beleza
representava a graça que recebera dos
deuses, Por isso, está nu, para ressaltar a
perfeição do
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corpo. Michelangelo concebeu assim um
símbolo de um novo recomeço para Florença.
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A escultura de Davi tem 5,17 metros de altura,
pesa 5,57 toneladas e está Localizada na Galeria
da Academia de Florença, na Itália.
Sem dúvida um orgulho para habitantes de
Florença, um exercício de superação de alguém
tão obstinado em fazer o máximo de si, com
tamanha perfeição, uma aliança entre
conhecimento, técnica, persistência, foco,
vontade de inspirar e transformar a todos à sua
volta, resultando em uma obra surpreendente,
poucos chegariam a esse resultado.
Dizem que Michelangelo era de temperamento
difícil, explodia facilmente, gostava de ficar só,
não tinha muita paciência, conversava com seus
desenhos e esculturas, mergulhava no mundo de
seus personagens, onde a maioria deles, de
alguma forma, mudou o mundo e
enfrentou conflitos internos e externos que o
inspiraram. Quanto mais ele esculpia as
esculturas, mais elas ficavam íntimos.
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Depois de atos de vandalismo em 1527 (revolta
popular contra os Médicis) e 1991 (um homem
atacou a escultura com um martelo),
Davi passou por um processo de restauração
apenas em 2003 - 2004.
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CAPELA SISTINA
UM GRANDE DESAFIO
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problemas, não há caminho fácil.
É certo que ele amava o que fazia e, mesmo
assim, se deparava com muitas dificuldades e as
superava, pelo amor ao seu propósito. Agora,
imagine as pessoas que não fazem o que amam
e sim o que a sociedade disse para elas que era
"o melhor", de onde essas pessoas irão tirar suas
forças para superar os desafios do dia a dia, se
não estão lutando por um propósito?
Temos que buscar constantemente, até
encontrar a nossa força motriz...que é o nosso
propósito de vida....Depois disso, a chave é
focarmos nosso pensamento naquilo que nos
move e não naquilo que nos detém.
Existe uma frase do filósofo alemão Friedrich
Nietzsche que me ajudou muito na minha
caminhada: Demore o tempo que for para decidir
o que você quer da vida, e depois que decidir
não recue ante nenhum pretexto, porque o
mundo tentará te dissuadir.
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Ao término da Capela Sistina, Michelangelo
estava muito orgulhoso do trabalho que havia
realizado, assim como o Papa Julio II e toda a
cidade também.
A obra retrata diversas cenas e histórias bíblicas,
como o Gêneses, pintando a criação do mundo,
a criação de Adão e Eva e sua expulsão do
Paraíso e a história de Noé. Também pintou os
principais profetas e sibilas, além dos ancestrais
de Jesus.
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Teto da Capela Sistina - Obra datada de 1477-1480 está
localizada no Vaticano.
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UMA NOVA FASE
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mesmo tempo. Os aprendizes e ajudantes se
perguntavam como ele conseguia usar as duas
mãos ao mesmo tempo com tamanha destreza.
Não poderia deixar de citar que, depois de
muitos anos, Michelangelo foi chamado mais
uma vez na Capela Sistina, para pintar o Juízo
Final, mais uma belíssima e polêmica obra.
Nesta obra, Jesus está no centro julgando as
pessoas, decidindo se merecem ir para o céu ou
se serão condenadas à morte eterna, ou seja, ao
inferno. Maria está ao seu lado, mas não olha
para ninguém porque nada mais pode fazer.
Ao redor de Jesus, está a corte celeste, os
santos, os mártires, os patriarcas e os apóstolos.
Imediatamente abaixo da virgem Maria está São
Lourenço com a grelha que foi queimado vivo,
logo do lado de São Bartolomeu com a faca e a
pele que lhe foi arrancada com a qual o próprio
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Michelangelo se retratou, com a aparência
atormentada. No canto superior esquerdo e
direito, seus anjos carregam os símbolos da
flagelação, abaixo de Jesus os anjos tocam
trombetas e abrem o livro da
redenção e condenação.
Abaixo um demônio conhecido na Mitologia
como Caronte era o barqueiro que levava os
condenados para o mundo subterrâneo,
recebidos por Hades com chifres com uma
serpente em volta de seu corpo. O próprio
Hades na pintura é um retrato de um cardeal que
havia dito para Michelangelo que os corpos
estavam demasiado indecentes, então, para
provocá-lo, o pintou como um demônio.
Quando o cardeal foi se queixar ao Papa, ele
ironicamente lhe respondeu que sobre o inferno
não tinha nenhuma autonomia!
Vale mencionar que Michelângelo pintou a
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grande maioria dos corpos nús, pela influência da
cultura greco-romana, ou seja, a cultura
pagã, pois essa era a tônica do renascimento, o
resgate da cultura clássica.
Os paninhos que existem hoje cobrindo as partes
íntimas das personagens foram pintados depois,
por outro artista a pedido da Igreja, que queria
chamar a atenção para as cenas bíblicas e não
para o nú.
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Juízo Final - Obra datada de 1537 - 1541 está no Capela
Sistina, no Vaticano
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UMA VIDA DE REFLEXÃO
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seja gentil. A sorte é minha amiga. O fogo de que
estou falando é uma luz profunda que poderá
revitalizar-me perto da morte, esperada com
expectativa. Fogo por sua própria natureza,
elemento próprio; O fogo me diviniza;
Eu sou fogo, e então, mesmo assim serei dirigido
ao céu?"
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POEMA CVII
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Ele produziu ao longo de sua existência obras
incríveis, esculturas, pinturas, arquitetura e
poesia, e certamente não cabem em um só livro,
obras como Moisés, Lia, Raquel, o escravo
moribundo, dois lutadores, o anjo da arca de
santo domingo, a crucificação de São Pedro, a
conversão de São Paulo, Bacus, Pietà de
Rondonini (sua última obra que ficou inacabada),
entre tantas outras.
Muito se comenta, com justa razão, sobre o
extraordinário legado artístico e cultural que
Michelangelo deixou para a humanidade,
entretanto, pouco se fala sobre como a Arte
influenciou a vida de Michelangelo,
principalmente no que tange ao seu propósito de
vida e como ele encarava a vida sob a
perspectiva da arte.
Michelangelo sempre sentiu a arte como “um
grande amor”, uma luz intensa que queimava, que
o movia, que transformava seus pensamentos,
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emoções e atos, que aos poucos foi fazendo
com que entendesse quem ele era realmente e
qual era o seu propósito. Foi na arte que
Michelangelo encontrou forças para continuar
mesmo diante de várias dificuldades.
E mais, ele transcendia, ele contemplava o
mundo, toda a criação de Deus e nela se
conectava com o Grande Criador, como
podemos observar nos trechos de dois poemas
de Michelangelo. Em um deles ele diz:
E no outro:
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"Meus olhos, buscando coisas belas,
e minha alma, buscando a salvação
não têm outro poder de ascender ao céu
senão contemplando tudo que é belo".
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SOBRE A AUTORA
Idealizadora e co-
fundadora da Galeria 419,
Fernanda Rocha utiliza os
conhecimentos
adquiridos nos cursos de
História da Arte, Curadoria
e Gestão de Galeria de
Arte, para cumprir sua
missão de democratizar a
arte, derrubar as barreiras e
tabus que impedem a maioria das pessoas a ter
acesso a este mundo extraordinário da arte. Mas,
dentre todos os seus anseios, o principal deles é
difundir e compartilhar o poder da arte, como força
transformadora na vida das pessoas.
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CONECTE-SE COM A GALERIA 419
ARTE:
EXPRESSÃO,
SENSIBILIDADE E
TRANSFORMAÇÃO
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BIBLIOGRAFIA
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