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Título

original:

Lectures To My Students

Tradução do inglês:

Odayr Olivetti

Revisão:

A. Poccinelli

Primeira edição em português:

1983

Reimpressões:

1990, 2004

Cooperador:

Luís Christianini

Capa:

Ailton Oliveira Lopes

Gráfica:

Imprensa da Fé

índice
O Emprego de Ilustrações na Pregação
Historietas e Anedotas no Púlpito
Empregos de Anedotas e Ilustrações
Onde Podemos Achar Anedotas e Ilustrações?
As Ciências como Fontes de Ilustrações
índice
O Emprego de Ilustrações na Pregação

O tópico que temos diante de nós é o uso de ilustrações em nossos sermões.


Talvez sirvamos melhor ao nosso propósito elaborando uma ilustração na
presente palestra, pois não há melhor maneira de ensinar a arte cerâmica do que
fazendo um vaso. Diz o excêntrico Thomas Fuller: “Os argumentos são as
colunas da fábrica de um sermão, mas as analogias são as janelas que dão as
melhores luzes”. A comparação é feliz e sugestiva, e vamos construir o nosso
discurso sob a sua direção.

A principal razão para a construção de janelas numa casa é, como diz Fuller,
deixar a luz entrar. As parábolas, os símiles e as metáforas produzem esse efeito;
daí, nós os empregamos para ilustrar a nossa matéria-prima, ou, noutras
palavras, para “dar-lhe o brilho da luz”, pois essa é a tradução literal que o
Dr. Johnson faz da palavra ilustrar. Muitas vezes, quando o discurso didático não
consegue esclarecer os nossos ouvintes, podemos fazê-los ver o que queremos
dizer abrindo uma janela e deixando entrar a agradável luz da analogia.

O nosso Salvador, que é a luz do mundo, tinha o cuidado de encher de


comparações os Seus discursos, de modo que o povo comum O ouvia
alegremente. O Seu exemplo sela com autoridade de alto nível a prática de
iluminar a instrução celestial com analogias e comparações. A todo pregoeiro
da justiça, como a Noé, a sabedoria dá a ordem: “Farás na arca uma janela”.
Você pode compor laboriosas definições e explicações, e, contudo, deixar os
seus ouvintes na escuridão, quanto ao que está querendo dizer. Mas uma
metáfora bem apropriada esclarecerá maravilhosamente o sentido. As gravuras
de The

Illustrated London News (Notícias Ilustradas de Londres) dão-nos muito melhor


idéia do cenário que representam do que nos poderia transmitir o descritivo do
melhor texto impresso. E é muito parecido o que se dá com o
ensino escriturístico. A verdade abstrata se nos apresenta muito
mais vividamente quando nos é dado um exemplo concreto, ou quando se veste a
doutrina com linguagem figurada. Deve haver, se possível, pelo menos uma boa
metáfora na mais curta alocução; como viu Ezequiel, na visão que teve do
templo, que mesmo para as pequenas câmaras havia janelas proporcionais ao seu
tamanho. Se formos fiéis ao espírito do evangelho, lutaremos para esclarecer as
coisas. O nosso alvo é sermos simples e compreendidos pelos nossos ouvintes
mais iletrados. Tratemos, pois, de expor muita metáfora e parábola ao povo.
Escreveu sabiamente quem disse: “O mundo de baixo é um espelho em que
posso ver o mundo de cima. As obras de Deus são o calendário do pastor e o
alfabeto do lavrador”. Nada tendo para esconder, não temos nenhum interesse
em ser obscuros. Lycophron declarou que se enforcaria numa árvore se
encontrasse uma pessoa que pudesse entender o seu poema intitulado: “A
Profecia de Cassandra”. Felizmente não surgiu ninguém que o levasse àquele
mau uso de um tronco. Cremos que poderíamos encontrar colegas de ministério
em condições de se submeterem ao mesmo risco, com relação aos seus sermões.
Também temos entre nós aqueles que são como Heráclito, que era chamado
“Doutor Obscuro” porque a sua linguagem estava além de toda compreensão.
Certos discursos místicos são tão densos que, se se deixasse penetrar luz
neles, extinguir-se-ia como uma tocha na Grotta del Cane (Gruta do Cão, na
Itália); são feitos do palpavelmente obscuro e do inexplicavelmente embrulhado,
e se pode abandonar toda a esperança de compreendê-los. Esse estilo de oratória
não cultivamos. Somos da mesma opinião de Joshua Shute, que dizia: “Possui a
máxima instrução o sermão que tem maior clareza. Por isso um grande erudito
costumava dizer: “Senhor,

dá-me bastante instrução para que eu possa pregar com bastante clareza”.

As janelas tornam uma habitação muito mais aprazível e amena, e assim as


ilustrações tornam um sermão agradável e interessante. Um edifício sem janelas
seria uma prisão, e não uma casa, pois seria completamente escura, e ninguém
se interessaria em alugá-lo. Do mesmo modo, discurso sem metáfora é insípido e
fastidioso, e envolve mortificante enfado da carne. O pregador de Eclesiastes, de
Salomão, “procurou achar palavras agradáveis”, ou, como diz o hebraico,
“palavras de deleite”. Certamente as figuras e comparações são deleitá-veis aos
nossos ouvintes. Não lhes neguemos o sal da parábola com a carne da doutrina.
As nossas igrejas nos ouvem com prazer quando lhes damos uma boa porção de
figuras de linguagem. Quando lhes está sendo contada uma historieta, elas
descansam, tomam fôlego, e dão asas à sua imaginação, e assim se preparam
para o trabalho mais duro que as espera, quando ouvirão as nossas exposições
mais profundas. Viajando num vagão de terceira classe há alguns anos pelos
condados do leste, ficamos muito tempo sem iluminação. Quando um viajante
acendeu uma lanterna, foi agradável ver como todos os olhares se voltaram para
aquele lado, e como se alegraram com a luz. Muitas vezes é este o efeito de um
símile pertinente no meio de um sermão; lança luz sobre a matéria toda, e
alegra todos os corações.
Até as criancinhas abrem os olhos e os ouvidos, e um sorriso ilumina os seus
rostos quando contamos uma história; pois elas também se alegram com a luz
que invade através das nossas janelas. Ousamos dizer que elas muitas vezes
gostariam que o sermão fosse todo de ilustrações, como um menino gostaria de
ter um bolo feito só de ameixas. Mas isto não é possível. Existe um feliz termo
médio, e devemos apegar-nos a ele, fazendo o nosso discurso agradável aos
ouvidos, não porém um mero passatempo. Nenhuma razão existe pela qual a
pregação do evangelho deva ser uma operação maçante, quer

para o orador, quer para o ouvinte. Que os nossos sermões sejam todos
agradavelmente proveitosos. Uma casa não deve ter paredes grossas, sem
aberturas; tampouco um discurso deve ser todo feito de sólidos blocos de
doutrina, sem uma janela sequer de comparação ou sem uma rótula de poesia. Se
for assim, os nossos ouvintes nos abandonarão paulatinamente, e preferirão ficar
em casa para ler os seus autores favoritos, cujos tropos vigorosos e vividas
imagens dão mais prazer às suas mentes.

Todo arquiteto lhe dirá que vê em suas janelas uma oportunidade para introduzir
um ornamento em seu projeto. Um grande prédio pode ser maciço, mas não pode
ser agradável se não estiver guarnecido de janelas e outros pormenores.
O palácio dos papas em Avinhão é uma estrutura imensa, mas são tão escassas as
janelas externas, que ele tem todos os aspectos de uma prisão colossal, e não
sugere nada daquilo que um palácio deve ser. Os sermões precisam ter inter-
mitências planejadas, e serem variados, decorados e revestidos de vigor. E nada
pode fazer isso tão bem como a introdução de tipos, emblemas e exemplos.
Naturalmente, ornamento não é o ponto principal a considerar; entretanto, muitas
pequeninas coisas excelentes compõem a perfeição, e o ornamento é uma dessas
muitas coisas, e, portanto, não deve ser passado por alto. Quando a sabedoria
edificou a sua casa, talhou as suas sete colunas, pela glória e pela beleza, como
também para suporte da estrutura. E iremos pensar que qualquer cabana rústica é
suficientemente boa para que nela habite a beleza da santidade? Certamente um
discurso gracioso não fica nada melhor se for privado de toda graça da
linguagem. Ornamentos exagerados reprovamos, mas uma beleza de
linguagem apropriada, cultivamos. A verdade é filha de rei, e as suas
vestes devem ser de ouro lavrado; sua casa é um palácio, e deve ser adornada
com “janelas de ágata e portas de granada”.

As ilustrações tendem a animar os ouvintes e a despertar a atenção. As janelas,


quando se abrem - que muitas vezes,
infelizmente, não é o que se dá em nossos locais de culto - são grande bênção,
refrescando e revigorando o auditório com um pouco de ar puro, e acordando os
pobres mortais quase adormecidos pela atmosfera estagnante. Uma janela, ou,
como se dizia antigamente, uma ventana, deve ser, de acordo com este seu nome,
uma passagem para o vento, pela qual um sopro de ar pode vivificar o auditório.
Assim, uma figura original, uma nobre imagem, uma comparação curiosa, uma
deliciosa alegoria, hão de fazer irromper sobre os nossos ouvintes a brisa de um
pensamento feliz, que passará sobre eles como um sopro vivificante,
despertando-os da sua apatia, e avivando as suas faculdades para receberem a
verdade. Os que estão acostumados com os sermões soporíficos de certos
dignos clérigos, ficariam grandemente maravilhados se pudessem ver o
entusiasmo e o vivo deleite com que o povo das igrejas ouve prédicas pelas quais
flui uma tranqüila torrente de ilustrações naturais e felizes. Áridos como um
deserto são muitos volumes de discursos que podem ser achados nas
estantes empoeiradas dos livreiros. Mas, se no transcurso de mil parágrafos eles
contêm um único símile, é como um oásis no Saara, e serve para manter viva a
alma do leitor. Ao modelar o seu discurso, pense pouco no cupim de livros, que
estará seguro da sua porção de carne, por seca que seja a sua doutrina, mas tenha
pena daqueles seres famintos que estão bem perto de você e que têm que achar
vida por meio do seu sermão, ou nunca mais a acharão. Se alguns dos seus
ouvintes ficarem dormindo, necessariamente vão despertar na perdição
eterna, pois não ouvem outra voz que os ajude.

Conquanto recomendemos desse modo as ilustrações para os usos necessários, é


preciso lembrar que elas não constituem o ponto forte do sermão, não mais que a
janela é o ponto forte da casa. Por esta razão, entre outras, não devem ser
muito numerosas. Aberturas para iluminação em demasia podem diminuir a
estabilidade de um edifício. Conhecemos sermões tão cheios de metáforas, que
se tornaram estruturas fracas, e

quase dissemos doidas. Os sermões não devem ser ramalhetes de flores, mas
feixes de trigo. Sermões muito bonitos geralmente são muito inúteis. Visar à
elegância é cortejar o fracasso. E possível ter-se em demasia uma coisa boa.
Uma casa de vidro não é a mais confortável das habitações, e, além de
outras qualidades inconvenientes, tem o grande defeito de ser tristemente
tentadora para os atiradores de pedras. Quando um adversário crítico ataca as
nossas metáforas, geralmente faz pouco delas. Para as mentes amigas as imagens
são argumentos, mas para os oponentes são oportunidades para ataque. O
inimigo sobe pela janela.
As comparações são espadas de dois gumes, que cortam dos dois lados. E
freqüentemente o que parece uma aguda e expressiva ilustração, pode ser
engenhosamente voltado contra você, provocando riso às suas custas. Portanto,
não se fie em suas metáforas e parábolas. Mesmo um homem de
segunda categoria poderá defender-se de uma mente superior, se conseguir voltar
com destreza a arma do atacante contra ele. Eis um exemplo que se relaciona
comigo, e por essa razão o dou, visto que estas preleções são autobiográficas de
fio a pavio. Dou um recorte de um dos nossos jornais religiosos: “O Sr. Beecher
foi pego habilmente em falso em The Sword and the Trowel (A Espada e a Pá).
Em suas Lectures on Preaching (Preleções sobre a Pregação), afirma que o Sr.
Spurgeon teve sucesso, “a despeito do seu calvinismo”, acrescentando
a observação de que “o camelo não viaja nem um pouco melhor, nem tampouco
é mais útil, por causa da giba em seu lombo”. A ilustração não é feliz, pois o Sr.
Spurgeon replica desta maneira: “Os naturalistas afirmam que a giba do camelo
é de grande importância aos olhos dos árabes, que julgam a condição dos seus
animais pelo tamanho, forma e firmeza das suas gibas. O camelo se alimenta da
sua giba quando atravessa o deserto, de modo que, à proporção que o animal
viaja pelas vastidões arenosas, e padece privação e fadiga, a massa diminui; e
não se prestará para uma longa jornada, enquanto a giba

não recuperar as suas proporções normais. O calvinismo, pois, é a carne


espiritual que capacita o homem a prosseguir em seus labores nas veredas do
serviço cristão; e, embora ridicularizado como uma giba por aqueles que são
apenas espectadores, os que percorrem os cansativos caminhos da experiência
prática na solidão do ermo sabem bem demais qual é o seu valor, para quererem
desfazer-se dele, ainda que se dessem em troca os esplêndidos talentos de
Beecher”.

Ilustrem, sim, mas não deixem que o sermão seja todo ele ilustrações, caso em
que só será próprio para uma assembléia de simplórios. Um livro se beneficia
pelas gravuras da ilustração, mas um álbum de recortes, que é todo composto
de figuras, normalmente se destina ao uso de crianças. A nossa casa deve ser
construída com a substancial alvenaria da doutrina, sobre os profundos alicerces
da inspiração. As suas colunas devem ser de sólido argumento escriturístico, e
cada pedra da verdade deve ser cuidadosamente colocada em seu lugar. E depois
as janelas devem ser dispostas na ordem devida; “três fileiras”, se quisermos;
“luz contra luz”, como a casa da floresta do Líbano. Mas não se constrói uma
casa por amor de suas janelas, nem se estrutura um sermão com o objetivo
de adaptá-lo a um apólogo favorito. Uma janela é simplesmente uma
conveniência subordinada a todo o projeto, e assim é a melhor ilustração.
Seremos deveras tolos se compusermos um discurso com o fim de ostentar uma
metáfora; tolos como o arquiteto que construísse uma catedral com o objetivo de
exibir um vitral colorido. Não somos enviados ao mundo para construir um
“Palácio de Cristal” no qual expor obras de arte e elegância da moda. No
entanto, como sábios arquitetos, devemos edificar casa espiritual para o morador
divino. O nosso edifício é planejado para durar, e é para ser usado diariamente.
Daí, não deve ser todo cristal e cor. Perdemos completamente o rumo, como
ministros do evangelho, se visamos brilho e gala.

E impossível estabelecer regra sobre quanto adorno se

deve usar em cada discurso. Cada qual deve julgar por si mesmo nesta questão.
Não se pode definir prontamente o bom gosto no vestir, mas toda gente sabe o
que é; e há um gosto literário e espiritual que se deve mostrar na medida certa
dos tropos e figuras em todo discurso público. “Ne quid nimis” (nada de
exagero) e boa cautela; não ser demasiado ávido de guarnecer e enfeitar. Alguns
parecem nunca ter metáforas que bastem; cada uma das suas frases tem que ser
um floreio. Percorrem terra e mar para encontrar uma nova peça de
vidro colorido para as suas janelas, e esburacam as paredes dos seus discursos
para encaixar ali ornamentos supérfluos, até suas produções parecerem mais uma
gruta fantástica do que uma casa habitável. Incorrem em grave erro, se pensam
que assim manifestam sabedoria, ou beneficiam a seus ouvintes. Eu quase que
gostaria que voltasse o imposto de janelas, se isto desse fim a esses poéticos
irmãos. A lei, creio eu, permitia oito janelas isentas de imposto, e nós também
poderíamos isentar da crítica “umas poucas, isto é, oito” metáforas. Mais que
isso, porém, deveriam pagar pesado tributo. Flores numa mesa de banquete
ficam muito bem; mas como ninguém pode viver de buquês, estes virão a ser
objeto de desprezo, se forem postos diante de nós em lugar de substanciosas
viandas. A diferença entre um pouco de sal na carne, e ser compelido a esvaziar
o saleiro, é bastante clara para todos; e poderíamos desejar que os que despejam
muitos símbolos, emblemas, figuras, e artifícios se lembrassem de que a náusea
na oratória não é mais agradável do que na comida. O satisfatório é bom, igual
uma festa; demasiadas coisas lindas podem ser um mal maior do que nenhuma
coisa.

E fato sugestivo que a tendência para usar abundantes metáforas e ilustrações


diminui, conforme os homens ficam mais velhos e mais sábios. Talez isto se
possa atribuir, em certa medida, a decadência da imaginação deles; mas também
ocorre ao mesmo tempo em que amadurecem na compreensão. Alguns podem
ter que usar menos figuras por necessidade,

porque elas não lhes vêm como anteriormente. Mas, nem sempre é este o caso.
Sei que homens que ainda possuem grande facilidade para a imaginação acham
menos necessário empregar essa faculdade agora do que em seus primeiros
tempos, pois eles têm os ouvidos do povo, e estão solenemente resolvidos
a encher aqueles ouvidos de instrução tão condensada como lhes seja possível
fazê-lo.

Quando começamos o trabalho com pessoas que não ouviram o evangelho, e


cuja atenção temos que conquistar, dificilmente exageraremos no uso de figuras
ou metáforas. O nosso Senhor Jesus Cristo freqüentemente usou-as. Na verdade,
“sem parábolas nunca lhes falava”. Isso porque os Seus ouvintes não estavam
instruídos a ponto de poderem ouvir a verdade didática com proveito. É notável
que, depois que foi dado o Espírito Santo, foram usadas menos parábolas, e
os santos receberam ensino mais direto de Deus. Quando Paulo falava ou
escrevia às igrejas em suas Epístolas, empregava poucas parábolas, porque se
dirigia aos que eram adiantados na graça e queriam aprender. Conforme as
mentes cristãs progrediam, o estilo dos seus mestres tornava-se menos figurado,
e mais objetivamente doutrinário. Raramente vemos gravuras nos clássicos
usados nos cursos superiores; elas estão reservadas para as cartilhas da escola
primária. Isso deve ensinar-nos sabedoria, e deve ensinar-nos que não
estamos obrigados a nenhuma regra rígida e estreita, mas devemos usar maior ou
menor porção de quaisquer métodos de ensino, de acordo com a nossa condição
pessoal e a dos nossos ouvintes.

As ilustrações devem realmente lançar luz sobre o assunto em mãos, ou, de outra
forma, são janelas falsas, e tudo que é falso é abominável. Quando ainda estava
vigente o imposto de janelas, muita gente nas casas rurais fechou a metade das
suas entradas de luz rebocando-as e, depois, pintando-lhes o reboco de modo que
parecessem vidraças. Dessa forma, ainda havia a aparência de janela, apesar de
não poder passar a luz do sol. Janelas cegas são emblemas próprios de
ilustrações que não ilustram

nada, e que precisam ser explicadas. A grandiloqüência nunca é mais


característica do que nas suas figuras. Nestas ela se diverte num verdadeiro
carnaval de linguagem bombástica. Poderíamos citar vários finos espécimes de
sublimes e amplos vôos, e de magníficos absurdos, mas somente um já
poderá bastar como exemplo propício de uma forma de exibição que é mais
comum além das águas do que nestas regiões antiquadas. Não mencionaremos o
nome do autor, mas damos o extrato ao pé da letra, retirado de um sermão sobre
“O morrer é ganho”. Que os jovens pregadores meditem e admirem, mas não o
imitem. Damos a passagem completa por amor do pássaro fragata e da
escadaria de jaspe, pórfiro e granito.

“Há uma ave que os marinheiros chamam de “pássaro fragata”, de hábitos


estranhos e de estranho poder. Os homens o vêem em todas as regiões, mas
nunca olhos humanos o viram perto de terra. Com asas de poderoso alcance,
mantendo-se em grandes altitudes, plana altaneiro. Os homens do extremo norte
o vêem à meia-noite avançando em meio às chamas aurorais, cortando os ares
com as asas firmes, cruzando aquelas labaredas terríveis, tomando as cores das
ondas de luz que se inflam e se alteiam em torno dele. Os homens dos trópicos
o vêem no mais ardente meio-dia, sua plumagem toda encarnada pelos violentos
raios solares que o golpeiam inócuos. Em meio a seu fervente ardor, ele mantém
o seu vôo, majestoso, incansável. Nunca se soube que tenha baixado o seu alto
e soberbo curso de vôo - nem mesmo que tenha se desviado dele. Para muitos ele
é um mito; para todos, um mistério. Onde fica o seu poleiro? (Isto é de fato fino.
Acrescentemos, “Quem porá sal em sua cauda?”) Onde repousa? Onde foi
incubado? Ninguém sabe. Sabe-se somente que acima das nuvens, acima do
alcance das tempestades, acima do tumulto das correntes cruzadas, esta ave do
céu (chamemos-lhe assim), mediante asas fortes que a sustentam e que
desdenham bater o ar em que descansam, move-se com grandiosidade. (Grande
idéia! O rapinante voa sem mover as asas, desdenhando bater o ar, como

bem que podia fazer, pois bate a criação inteira.) Assim há de ser a minha
esperança. Num ou noutro pólo da vida, acima das nuvens da tristeza, em níveis
superiores às tempestades que me golpeiam, com asas altivas e infatigáveis,
desprezando a terra, ela irá avante. Nunca se rebaixará, nunca se desviará do seu
sublime curso de vôo. Vê-la-ão na manhã da minha vida; vê-la-ão no calor do
meio-dia; como também quando as sombras caírem, tendo-se posto o meu sol,
para empregar o estilo de linguagem que lhe corresponde; mas, empregando
o meu, quando desaparecerem as sombras, tendo-se levantado o meu sol, a
última coisa que verão de mim será esta esperança de ganho ao morrer, quando
ela cortará os ares com asas firmes e desaparecerá no seio da eterna luz.

“Creio, amigos, que nenhuma exortação que eu faça os elevará a este pedestal de
granito talhado, sobre o qual é dado à monumental piedade ficar. (Perfeitamente
certo; uma exortação não consegue elevar muito bem um corpo a um pedestal.
Requer-se uma perna ou um braço para isso. Mas, que é monumental
piedade?) Somente pela análise, pela meditação, pelo pensamento que nas horas
da noite pondera nas majestosas declarações das Escrituras, e junto da gelosia
aberta - ou, melhor ainda, sob a grande abóbada - prostra-se em oração, e
mantém comunhão com as possibilidades que jazem além desta vida, como
tronos vazios à espera de ocupantes. Somente dessa maneira, e de outras
sugeridas pelo Espírito às mentes aptas para recebê-las, você ou qualquer outra
pessoa se elevará ao nível da emoção que ditou o texto. Onde está Paulo hoje?
Onde está ele que, de sua prisão em Roma, enviou este pronunciamento imortal?
Haveria algum de nós que tenha comprovado a afirmação de que morrer é
ganho? Nenhum. (Pergunta muito perspicaz! Quem dentre nós esteve morto?)
Sabemos que ele passeia na glória. Ele anda pelos majestosos espaços onde nem
mesmo a Deidade passa apertado. (Eloqüente ou blasfemo?) Depois de todas as
suas lutas, entrou no repouso. Contudo, que recebeu ele que não nos está
reservado? Que possui ele

que não lhe tenha vindo de presente? E não seria o Deus dele o meu e o seu?
Teria o Pai celestial mão parcial para distribuir alimento? Faria Ele
discriminação, e viria a fazer acepção de pessoas, mesmo à Sua mesa? Uma
pessoa piedosa nunca deve dar lugar em sua mente à temível suspeita disso. O
nosso Pai alimenta por igual a Seus filhos, e as vestes que estes usam
são confeccionadas de tecidos reais, sim, da Sua justiça. Brilham como sóis
postos em conjunção pela ação de um movimento sublime. Levantai-vos, pois,
meus amigos, povo do Seu amor; levantai-vos e subi comigo a enorme escadaria
cujos degraus mudam de granito para pórfiro, e de pórfiro para jaspe, enquanto
subimos, até que os nossos pés, puros como ela própria, pisem no mar de cristal
que se estende com inconsútil pureza diante do trono.” (Escadas acima, para o
mar!E também três pares de escadas! Sublime idéia, ou, pelo menos, a um
passo dela.)

Esta peça de oratória de elevada procedência espalha luz sobre coisa nenhuma, e
nem no mais tênue grau nos capacita a compreendermos a razão por que “morrer
é ganho”. O objetivo de uma linguagem desta espécie não é instruir o ouvinte,
mas fasciná-lo e, se possível, impressioná-lo com a idéia de que o seu pastor é
um orador maravilhoso. Quem condescende em usar ardis oratórios de qualquer
tipo merece ser excluído do púlpito até o fim da sua existência natural. Oxalá as
suas figuras de linguagem realmente representem e expliquem o que você quer
dizer, ou, em caso contrário, são ídolos mudos, que não devem ser instalados na
casa do Senhor.

Talvez seja bom notar que as ilustrações não devem ser proeminentes demais,
ou, para continuar a nossa figura, não devem ser janelas pintadas, atraindo a
atenção para si, em vez de deixar entrar a claridade do dia. Não estou
pronunciando nenhum julgamento contra janelas adornadas com “vidro de várias
cores, que esplendem como prados cobertos de flores da primavera”; só estou
seguindo a minha ilustração. O propósito das nossas figuras não é tanto que
sejam vistas,

como que se veja através delas. Se você afastar a mente do ouvinte para longe do
assunto estimulando-lhe a admiração por sua habilidade em criar imagens, você
estará fazendo mais mal que bem. Vi numa de nossas exposições o retrato de
um rei; mas o artista rodeara sua majestade com um caramanchão de flores
pintadas com tão excelente arte, que os olhos de todos eram desviados da figura
real. Todos os recursos artísticos do pintor foram empregados profusamente nos
acessórios, e o resultado foi que o retrato, que fora a coisa mais valiosa, veio
a cair para um lugar secundário. Isso por certo foi um erro na pintura de retratos,
embora pudesse ser um sucesso na arte. Temos que expor Cristo diante dos
homens “como crucificado” entre eles, e o mais belo emblema, ou a mais
atraente imagem que afaste a mente do nosso divino tema, deve ser conscien-
ciosamente abjurada. Jesus tem que ser tudo em todas as coisas. O Seu
evangelho deve ser o princípio e o fim dos nossos discursos. As parábolas e as
poesias devem estar sob os pés dEle, e a eloqüência deve esperar por Ele, como
Sua serva. Nunca, em nenhuma situação possível, o discurso do ministro deve
fazer-se rival do seu assunto. Isso seria desonrar a Cristo, não glorificá-10. Daí a
cautela, para que as ilustrações não assumam demasiada notoriedade.

Dessa última observação nos vem mais a anotação de que as ilustrações são
melhores quando naturais, epromanam do assunto abordado. Devem ser como
aquelas janelas colocadas em boa disposição, evidentemente como parte
integrante da planta da estrutura, e não inseridas como uma idéia tardia ou
para simples adorno. A catedral de Milão inspira à minha mente extrema
admiração; parece-me sempre como se tivesse crescido da terra como uma
árvore colossal, ou então, como uma floresta de mármore. Desde a base até o
mais alto pináculo, cada pormenor é um resultado natural, parte de um todo
bem desenvolvido, essencial à idéia principal; na verdade, parte integrante dela.
Assim deve ser o sermão. O exórdio, as divisões, os argumentos, os apelos e as
metáforas devem
evolver dele próprio. Não deve haver nada que não esteja em vivida relação com
o restante. Deve parecer como se nada se possa acrescentar sem ser uma
excrescência, e nada se possa tirar sem infligir dano.

E preciso que haja flores num sermão, mas o ramalhete delas deve ser formado
de flores do solo local; não de plantas exóticas elegantes, evidentemente
importadas com muito esmero de uma terra distante, mas a produção natural de
uma vida nativa do terreno santo em qüe o pregador está. As figuras de
linguagem devem ser congruentes com a matéria do discurso. Uma rosa num
carvalho estaria fora de lugar. Nascer um lírio de um álamo seria anômalo. Todas
as partes devem ser da mesma natureza, e ter manifesta relação com o
restante. Ocasionalmente se pode permitir um pouco de esplendor bárbaro, à
moda de Thomas Adams e de Jeremiah Taylor, bem como de outros mestres de
Israel, que adornam a verdade com gemas raras e ouro de Ofir, trazidos de longe.
Todavia, devemos notar o que o Dr.' Hamilton diz de Taylor, pois é
uma advertência aos que têm o propósito de conquistar o ouvido da multidão.
“Pensamentos, epítetos, incidentes, imagens vinham num tropel, em irreprimível
profusão, e todos tão pertinentes e belos, que era difícil repudiar qualquer um
deles. Assim, ele tentava achar lugar e uso para todos eles - para “flores e asas de
borboletas”, como também para “trigo” - e, se não conseguia fabricar elos da sua
cadeia lógica usando “os pequenos anéis da videira” e “os caracóis dos cabelos
de um menino recém-desmamado”, pelo menos conseguia ornamentar o seu
tema com primorosos ornamentos. As passagens dos seus amados Austin e
Crisóstomo, e dos seus não menos amados Sêneca e Plutarco, o estudioso sabe
perdoar. O esquilo não é mais tentado a levar nozes para o seu esconderijo do
que o autor livresco é tentado a transferir para as suas páginas finas passagens
dos seus autores prediletos. Ah, ele mal sabe quão sem graça e sem sentido são
elas para os que não percorreram os mesmos caminhos, e não compartilharam do
prazer com

que ele achou grandiosa presa! Para ele, cada delicada concha evoca o seu
outonal conto de bosques, de alamedas, de raios do sol espalhando-se através das
folhas amarelecidas. Mas à fina coleção “o público em geral” prefere
muitíssimo, meio quilo de avelãs do carrinho do vendedor ambulante.”
Nenhuma ilustração é tão expressiva como aquela que se tira de
objetos familiares. Muitas flores lindas crescem em terras estrangeiras; porém,
são mais caras ao coração as que florescem à porta da nossa choupana.

O desenvolvimento em pontos minuciosos não é recomendável quando estamos


empregando figuras. A melhor luz entra pelo vidro mais transparente; pintura
demais veda a entrada do sol. Antigamente o altar de Deus tinha de ser feito de
terra, ou de pedra inteiriça, não lavrada, pois, diz a Palavra: “se sobre
ele levantares o teu buril, profaná-lo-ás” (Êxodo 20:25). Um estilo trabalhado,
artificial, em que a ferramenta do gravador deixou abundantes marcas, é mais
coerente com as argumentações humanas nos tribunais de justiça, ou no fórum,
ou no senado, do que com as declarações proféticas proferidas em nome de Deus
e para a promoção da Sua glória. As parábolas do nosso Senhor eram simples
como contos para crianças, e naturalmente belas como os lírios que floresciam
nos vales onde Ele ensinava o povo. Não se apropriou de lenda nenhuma
do Talmude, nem de contos de fadas da Pérsia, nem importou os Seus emblemas
de além-mar. Mas Ele morava no meio do Seu povo, e falava de coisas comuns,
em estilo simples, como nenhum homem falara antes, e, contudo, como um
bom observador haveria de falar. As Suas parábolas eram como Ele e como as
Suas circunvizinhanças. Nunca eram forçadas, fantasiosas, pedantescas ou
artificiais. Imitemo-la, pois jamais encontraremos um modelo mais completo, ou
mais apropriado para a época presente. Abrindo os olhos,
descobriremos abundantes figuras por toda parte. Como está escrito: “A
palavra está junto de ti”, assim também está bem ao nosso alcance a analogia
daquela Palavra:

“Tudo ao meu derredor, seja o que for, que por acaso encontro, um dia ou
outro, tem sua própria voz e sua linguagem -aves em vôo, abelhas a zumbir, os
animais na mata ou na cocheira, as árvores e as folhas, juncos, ervas, o regato a
seguir o seu percurso, as aves quando passam nas alturas, ou as montanhas, que
jamais se movem, cuja massa imutável, entretanto, todos os dias muda, como os
sonhos. ”1

Há pouca necessidade de tomar emprestado dos mistérios recônditos da arte


humana, ou de aprofundar-nos nas teorias da ciência, pois ilustrações de ouro
jazem na superfície da natureza, e as mais autênticas são as que mais se
destacam e são mais facilmente observadas. Da história natural em todos os seus
ramos bem podemos dizer: “o ouro dessa terra é bom”. As ilustrações fornecidas
pelos fenômenos diários vistos pelo lavrador e pela carreira são deveras as
melhores que a terra pode produzir. Uma ilustração não é como um profeta;
pois ela tem maior honra em sua própria terra. E os que viram mais vezes o
objeto são os mais gratificados pela figura dele tirada.

Estou certo de que mal se necessita acrescentar que as ilustrações nunca devem
ser vulgares ou indignas. Podem não ser muito elevadas, mas sempre devem ser
de bom gosto. Podem ser simples, e, todavia, castiçamente belas; mas rudes
e grosseiras não devem ser nunca. Uma casa será desonrada, se tiver janelas
sujas, com teias de aranha e imundície, remendadas com papel de embrulho ou
com trapos. Tais janelas são a insígnia de uma tapera, não de uma casa. As
nossas ilustrações

nunca devem conter nem o mais leve traço de qualquer coisa que choque a
modéstia assaz delicada. Não gostamos daquela janela da qual Jezabel olha.
Como sinetas nos cavalos, as nossas mais ligeiras expressões devem ser
santidade ao Senhor. Daquilo que sugere algo desprezível e baixo podemos
dizer com o apóstolo: “nem ainda se nomeie entre vós, como convém a santos”.
Todas as nossas janelas devem abrir-se para Jerusalém, e não para Sodoma.
Haveremos de colher as nossas flores sempre e somente na terra de Emanuel; e
Jesus será o aroma e o dulçor delas, de maneira que quando Ele se demora à
janela para ouvir-nos falar a Seu respeito, pode dizer: “Favas de mel manam dos
teus lábios, ó minha esposa! Mel e leite estão debaixo da tua língua”.

O que cresce além dos limites da pureza e da boa reputação jamais deverá fazer
parte das nossas coletâneas de poemas, nem deverá ser colocado entre os
enfeites dos nossos discursos. O que poderia ser muitíssimo inteligente e
expressivo no discurso de um orador político, ou na arenga de um
vendedor ambulante, causaria aversão, provindo de um ministro do evangelho.
Tempo houve em que se poderiam encontrar numerosos espécimes de grosseria
censurável, mas não seria nada generoso mencioná-las agora que essas coisas
são condenadas por todos.

Cavalheiros, cuidem das suas janelas para que não se quebrem, nem se rachem.
Em outras palavras, estejam vigilantes contra metáforas confusas e ilustrações
mancas. Creditam-se ao Sr. Boyle Rache alguns dos mais finos espécimes de
conglomerado metafórico. Poderíamos considerar mítica a passagem que o
representa dizendo: “Sinto cheiro de rato; vejo-o flutuando no ar; pegá-lo-ei no
botão em flor”. Disparates menores são muito freqüentes no linguajar dos nossos
patrícios. Um excelente defensor da temperança exclamou:
“Camaradas, ponhamo-nos de pé e ajamos! Levemos nos ombros os
nossos machados e aremos as vastidões, até que o bom navio Temperança veleje
alegremente sobre a terra”. Lembramos bem, anos

atrás, termos ouvido um fervente clérigo irlandês exclamar: “Garibaldi, senhor, é


personalidade grande demais para tocar o segundo violino para um luzeiro
desprezível como Victor Emanuel”. Era uma reunião pública e, por isso, fomos
obrigados a manter atitude conveniente. Mas teria sido grande alívio para as
nossas almas se pudéssemos permitir-nos uma forte gargalhada ante o espetáculo
de Garibaldi com um violino, tocando para um luzeiro, pois certos versos da
infância retiniram os seus sons eufônicos em nossos ouvidos e angustiantemente
submeteram à prova a nossa seriedade. Um amigo poético se nos dirige assim
encorajadoramente -

“Marcha, mais rude seja o teu caminho e inimigos te cerquem nas


veredas; surdo ao latir dos cães que gostariam de desviar-te os pés - marcha,
não cedas”.

Numa noite destas um irmão expressou o seu desejo de que “todos fôssemos
conquistadores de almas e trouxéssemos as jóias compradas com sangue do
Senhor para lançarem aos Seus pés as suas coroas”. As palavras tiveram em si
um toque piedoso de modo tal que os ouvintes não perceberam que a expressão
era truncada. Um membro do nosso grupo esperava “que todo estudante fosse
capaz de fazer soar a trombeta do evangelho com som tão claro e certo que os
cegos pudessem ver”. Talvez quisesse dizer que eles abririam os olhos de
espanto face ao terrífico ruído, mas a figura seria mais coerente se ele dissesse,
“que os surdos pudessem escutar”. Um escritor escocês, referindo-se à proposta
de usar-se um órgão no culto, diz: “Nada resistirá a esta avalancha de culto ao
prazer e de pecado grosseiro, a não ser a volta para a Palavra de Deus”.

O jornal The Daily News, ao fazer uma resenha de um livro de autoria de um


eminente ministro não conformista, queixou-se de que as metáforas usadas por
ele se prestavam para ser um tanto intratáveis, como quando ele falava de algo

que permanecia segredo até que uma poderosa chave era introduzida na
fechadura do coração paterno, e um violento puxão abria as comportas e
libertava a corrente aprisionada. Todavia, não admira que os mortais comuns
cometam erros crassos na linguagem figurada, quando até sua finada
infalível santidade, o papa Pio IX, disse do Sr. Gladstone que ele “de repente
avançara como uma víbora, atacando a barca de S. Pedro”. Uma víbora atacando
uma barca é demais para a imaginação mais complacente, apesar de que algumas
mentes estão dispostas a aceitar quaisquer maravilhas.

Uma daquelas revistas que se têm na conta de nata da nata empenhou-se


arduamente em informar-nos que o deão de Chichester, sendo o seleto pregador
da igreja de Sta. Maria, em Oxford, “aproveitou a oportunidade para castigar os
ritua-listas a torto e a direito, com grande volubilidade e vivacidade Sansão
castigou os seus inimigos com grande matança; mas a linguagem é flexível.

Erros desse tipo poderiam ser citados em abundância. Dei, porém, suficientes
exemplos para fazê-los ver quão facilmente os cântaros de metáforas podem ser
quebrados e tornados inúteis para transportar o que se quer dizer. O mais hábil
orador ocasionalmente pode errar nesta direção. Não é uma questão muito grave
e, contudo, como um inseto morto, pode estragar um ungüento aromático.
Alguns irmãos que conheço estão sempre fora dos trilhos. Confundem todas as
figuras que tocam, e logo que abordam uma metáfora, estamos à beira de
um desastre. Seria mais sábio da parte deles se evitassem todas as figuras de
linguagem até saberem empregá-las, pois é uma lástima quando as ilustrações
são tão confusas, que tanto obscurecem o sentido como servem de diversão.
Metáforas confusas são confusões de verdade. Demos ao público
boas ilustrações, ou não demos nenhuma.

Neste ponto encerro a minha preleção, a qual foi feita apenas para servir de
introdução ao meu tema, e não de tratamento pleno dele.

De Fables in Song (Fábulas em Canções), versos ligeiramente alterados. De


Robert Lord Lyton. William Blackwood and Sons, 1874,2 volumes.
Historietas e Anedotas no Púlpito

Admite-se, em geral, que os sermões podem ser sabiamente adornados com uma
boa quota de ilustrações, mas as historietas e anedotas empregadas com esse fim
ainda são observadas pelos pretensos puristas do púlpito com certa dose de
suspeita. Descerão o bastante para citar um símbolo; condescenderão em usar
imagens poéticas; mas não se rebaixarão a contar uma história simples e vulgar.
E provável que eles digam confidencialmente a seus colegas mais
jovens: “Cuidado para não se rebaixarem e ao seu ofício sagrado repetindo
historietas mais apreciadas pelas pessoas vulgares e indoutas”. Não
replicaríamos a eles exortando todos a usarem histórias copiosamente, pois nisso
deve haver discriminação.

Admite-se francamente que há úteis e admiráveis estilos de oratória que ficariam


desfigurados por um conto rústico; e há irmãos honrados cujo gênio não lhes
permitiria contarem uma história, pois isso não pareceria enquadrar-se em
seu modo de pensar. A esses, nem sequer por implicação insinuaríamos uma
censura. Mas quando lidamos com outros que parecem ser algo e não são o que
parecem, não temos brandura; pelo contrário, sentimo-nos movidos a agredir
a sua grandeza fictícia. Se eles escarnecem das historietas, nós sorrimos para
eles e para os seus escárnios, e gostaríamos que eles tivessem mais bom senso e
menos impostura. A ostensiva presunção de superioridade intelectual e o amor
do esplendor retórico têm impedido muitos de exporem a verdade do evangelho
da maneira mais fácil que se pode imaginar, a saber, mediante analogias
extraídas dos acontecimentos comuns. Uma vez que não podem condescender
com homens de condição

inferior, eles se abstêm de contar incidentes que explicariam com precisão o que
eles querem dizer. Temendo ser considerados vulgares, perdem oportunidades de
ouro. Davi também poderia ter-se negado a atirar uma das pedras lisas à testa de
Golias por tê-la achado num riacho comum.

De indivíduos tão elevados em suas idéias, o provável é que não desça nada às
massas do povo, senão uma eloqüência glacial - um rio de gelo. A dignidade é
uma consideração sumamente pobre e desprezível, a não ser que seja a
dignidade de converter muitos à justiça. Todavia, clérigos que mal possuem
suficiente dignidade verdadeira para salvar-se do desprezo, têm ficado inchados,
“enormes como o alto Olimpo”, pela fingida exibição dela. Disseram a um
jovem cavalheiro, depois de ter ele proferido um discurso bem trabalhado,
que não mais que cinco ou seis ouvintes puderam compreendê-lo. Isso ele
aceitou como tributo ao seu gênio. Mas eu tomo a liberdade de colocá-lo na
mesma classe de outra pessoa que estava acostumada a sacudir a cabeça de
modo o mais solene, com o fim de tornar as suas preleções mais
impressionantes, e isso conseguia algum efeito com os medíocres, até que
uma sagaz senhora cristã fez a observação de que, sim, por certo ele sacudia a
cabeça, mas não havia nada nela. Os que são refinados demais para serem
simples, precisam ser refinados de novo. Lutero colocou bem isto em sua
Conversa à Mesa: “Malditos sejam todos os pregadores que na igreja visam
a coisas elevadas e complexas, e, negligenciando a salvação dos pobres iletrados,
procuram a sua própria honra e louvor, e, portanto, procuram agradar a uma ou
duas grandes personalidades. Quando prego, desço hem ao fundo.” Talvez
seja supérfluo lembrar-lhes, irmãos, a freqüentemente citada passagem de
Country Parson (Pároco do Campo), e, contudo, não posso omiti-la, porque ela
deveras me impressiona. “O pároco também se serve dos juízos de Deus, tanto
dos de tempos antigos como especialmente dos de épocas mais recentes; e
mormente os que estão mais próximos da sua

paróquia. Sim, pois as pessoas ouvem com muita atenção tais discursos, e elas
acham que convém assim fazer, porquanto Deus está tão perto delas, até mesmo
sobre as suas cabeças. As vezes ele lhes conta histórias e cita dizeres alheios,
conforme o texto lhe sugere, pois também para estas coisas os homens atentam,
e as lembram melhor do que as exortações, que, embora calorosas, muitas vezes
morrem com o sermão, especialmente com a gente do campo, gente grossa,
pesada e dura de ser erguida até o ponto do zelo e do fervor, gente que precisa de
uma montanha de fogo para acender-se -mas as histórias e os ditados essa gente
recordará bem.”

Não se deve esquecer jamais que mesmo o grandioso Deus, quando quer instruir
os homens, emprega histórias e biografias. A Bíblia contém doutrinas, promessas
e preceitos; mas estas não estão sozinhas. O livro todo é vitalizado e ilustrado
com maravilhosos registros de coisas ditas e feitas por Deus e por homens.
Aquele que é ensinado por Deus valoriza as histórias sagradas, e sabe que nelas
há plenitude e vigor de instrução. Os professores de Bíblia não podem
fazer coisa melhor do que instruir os seus companheiros à moda da Bíblia.

O nosso Senhor Jesus Cristo, o grande Mestre dos mestres, não desprezou o uso
de historietas. Em minha opinião, parece claro que certas parábolas de Jesus
consistiam de fatos, e, daí, eram historietas. A história do filho pródigo não pode
ter sido uma verdade literal? Não existirão casos reais de um inimigo semeando
joio entre o trigo? Não poderá ser que o rico louco que disse - “Descansa”, tenha
sido um retrato tirado da vida? O rico e Lázaro não figuraram de fato no palco da
história? Certamente a história daqueles que foram esmagados pela torre de
Siloé, e a triste tragédia dos galileus, “cujo sangue Pilatos misturara com os
sacrifícios que os mesmos realizavam”, eram assuntos da conversa comum dos
judeus, e o nosso Senhor as tornou boa narrativa. O que ELE fez, não
precisamos ficar com vergonha de fazer. Para que o façamos com toda a
sabedoria e

prudência, busquemos a direção do Espírito divino que pousava sobre Ele


continuadamente.

Farei a presente palestra citando os exemplos dos grandes pregadores,


começando com a época da Reforma, e proso seguindo, sem observar uma
ordem rigorosamente cronológica, até os nossos dias. Os exemplos são mais
poderosos que os preceitos; daí citá-los.

Primeiro, deixem-me mencionar aquele grande pregador de antanho,Hugh


Latimer, o mais inglês de todos os nossos teólogos, personalidade cuja influência
sobre a nossa terra foi sem dúvida sumamente poderosa. Diz Southey: “Mais
que nenhum outro, Latimer promoveu a Reforma com a sua pregação”. E nisso
ele ecoa um pronunciamento de Ridley que tem mais importância, o qual
escreveu na prisão: “Creio que o Senhor colocou o velho irmão Latimer como o
sustentáculo dos Seus padrões em nossa era e em nosso país contra o
Seu inimigo mortal, o Anticristo”. Se vocês leram algum dos seus sermões,
devem ter ficado impressionados com o número de suas belas histórias,
temperadas com humor puro que reflete o sabor do lar na fazenda em
Leicestershire, onde fora criado por um pai que heroicamente fazia os serviços
de lavrador, e por uma mãe que ordenhava trinta vacas. Sem dúvida podemos
atribuir a essas histórias o estrago dos bancos pelo avassalador tropel do povo
para ouvi-lo; e o interesse geral que os seus sermões despertavam. Se houvesse
mais pregação como essa, teríamos menos temor da volta do papismo. O povo
comum o ouvia alegremente, e suas vividas anedotas explicavam em grande
parte a sua atenção. Algumas dessas narrativas só se poderiam repetir raramente,
pois felizmente o gosto da nossa época melhorou em delicadeza; mas outras são
deveras admiráveis e instrutivas. Eis aqui três delas:
O Criado do Frade e os Dez Mandamentos

“Vou contar-lhes uma bela história de um frade, para

reanimá-los, entre outras coisas. Um frade franciscano licenciado para pregar em


certa diocese, durante o período da sua autorização pregava muitas vezes, porém
só tinha um sermão. O tal sermão era sobre os dez mandamentos. E devido esse
frade pregar tantas vezes esse único sermão, uma pessoa que já o ouvira várias
vezes disse ao criado do frade que o seu amo era chamado “Frei João Dez
Mandamentos”. Por conseguinte, o criado falou disso a seu amo e o aconselhou
a pregar sobre alguns outros assuntos, pois afligia o criado ouvir o seu amo
ridicularizado. Ora, respondeu o frade: “É bem provável que você é capaz de
dizer bem os dez mandamentos, visto que os ouviu tantas vezes”. “Sim”, disse
o criado, “garanto que posso.” “Então quero ouvi-los”, disse o amo. Então ele
começou: “Orgulho, cobiça, lascívia”, e assim enumerou os pecados mortais
pelos dez mandamentos. Igualmente há muitos hoje em dia que estão cansados
do velho evangelho. De bom grado ouviriam algumas coisas novas. Julgam-se
perfeitos no velho tema, quando não são mais capazes do que esse criado o era
nos dez mandamentos”.

Santo Antônio e o Sapateiro

“Lemos uma bonita história de Santo Antônio que, estando no deserto, levou ali
uma vida dura e reta, tanto que ninguém da época se lhe igualava. Veio-lhe uma
voz do céu, dizendo: “Antônio, não és tão perfeito como um sapateiro que mora
em Alexandria”. Antônio, ouvindo isso, levantou-se de pronto, pegou seu
bordão, e caminhou até Alexandria, onde encontrou o sapateiro. O sapateiro
ficou espantado ao ver tão ilustre pessoa entrar em sua casa. Disse-lhe Antônio:
“Venha e conte-me quais as tuas relações e como passas o tempo”. “Senhor”,
disse o sapateiro, “quanto a mim, boas obras não tenho, pois a minha vida é
simples e fraca; não passo de um pobre sapateiro. De manhã, quando me levanto,
oro por toda a cidade em que resido, principalmente pelos vizinhos e

amigos pobres que tenho. Depois, aplico-me ao meu trabalho, onde passo o dia
inteiro ganhando a vida, e me guardo de toda a falsidade. Pois não há coisa que
eu odeie mais do que a mentira. Daí, quando faço uma promessa a alguém,
mantenho-a e a cumpro fielmente. E assim passo o meu tempo pobremente com
minha mulher e meus filhos, que eu ensino e instruo, quanto me permite a minha
capacidade, a temer - a temer mesmo - a Deus. E este o resumo da minha
vida simples.”

“Nesta história vocês vêem como Deus ama os que seguem a sua vocação e
vivem retamente, sem qualquer falsidade em seu procedimento. Este Antônio foi
um grande homem, e santo; todavia, este sapateiro teve a mesma estima que ele,
perante Deus.”

O Perigo da Prosperidade

“Uma vez li a história de um bom bispo que cavalgava pela estrada e se sentiu
cansado, estando muito longe da cidade. Portanto, vendo uma bela casa, para lá
se dirigiu, e foi muito bem recebido, com todas as honras. Fizeram-se
grandes preparativos para ele, e um grande banquete. Tudo farto e lauto. Em
seguida o dono da casa expôs a sua prosperidade, e contou ao bispo as riquezas
que possuía, as honras e dignidades de que era investido, quantos e quão belos
filhos tinha, que mulher virtuosa Deus lhe dera, de modo que não tinha falta de
nenhum tipo de coisa, não tinha problema algum, nem aborrecimentos, quer
externos quer internos.

Ora, este santo homem ouvindo a descrição da boa situação daquele proprietário,
chamou um dos seus criados e lhe mandou preparar os cavalos. Pois o bispo
achava que Deus não estava naquela casa porque não havia nenhuma
tentação ali. Despediu-se e seguiu o seu caminho. Bem, quando estava a dois ou
três quilômetros da casa, lembrou-se do seu livro que deixara lá. Mandou o
criado buscá-lo, e quando o criado

chegou à casa, esta havia desabado com tudo o que havia nela. Vê-se aqui que é
coisa boa ter tentação. Aquele homem se julgava um sujeito feliz porque todas as
coisas lhe iam bem. Mas ignorava a lição de Tiago: Beatus qui suffert
tentationem. “Bem-aventurado o homem que suporta com perseverança
a tentação.” Aprendamos, pois, aqui, a não nos aborrecermos quando Deus puser
sobre nós a Sua cruz.”

Vamos dar um grande salto de quase um século, até Jeremiah Taylor, outro
bispo, que menciono logo depois de Latimer porque aparentemente se contrasta
muito com esse teólogo singelo, mas que, na verdade, tem certa medida
de semelhança com ele quanto ao ponto focalizado aqui. Ambos se regozijavam
com as figuras e metáforas, e igualmente se deleitavam com casos e contos. É
certo que um falava de João e José, e o outro de Anaxágoras e Cipião. Mas as
cenas reais eram o deleite de ambos. Nesse sentido, pode-se dizer que Jeremiah
Taylor era Latimer vertido para o latim. Jeremiah Taylor está repleto de alusões
clássicas, como um palácio real está cheio de tesouros, e a sua linguagem é da
elevada categoria que convém mais a um auditório de nobres do que a
uma assembléia popular. Todavia, quando você chega à essência das coisas, vê
que, se Latimer é simples, também Taylor conta incidentes que para ele são
peculiares; mas a sua casa está entre os filósofos da Grécia e os senadores de
Roma. Entendido isso, aventuramo-nos a dizer que ninguém usou mais
historietas e anedotas do que este esplêndido pregador-poeta. Seu biógrafo diz,
com verdade: “Seria difícil indicar um ramo do saber ou da pesquisa científica a
que ele não aludisse ocasionalmente; ou algum autor eminente, antigo ou
moderno, com quem ele não se revelasse familiarizado. Mais de uma vez ele se
refere a obscuras histórias de antigos escritores, como se esses
fossem naturalmente familiares para ele como o era para todos os seus leitores.
Por exemplo, fala do “pobre Atílio Avíola” e outra vez do “leão líbio que fugiu
para o seu deserto e matou dois rapazes romanos”. Nisso tudo ele é
eminentemente seleto e

clássico, pelo que o introduzo aqui com a maior boa vontade, pois não pode
haver razão por que as nossas historietas devam ser todas rústicas. Nós também
podemos pilhar os tesouros da antigüidade, e fazer o pagão contribuir para o
evangelho, como Hirão, supervisionado por Salomão, prestou serviços
à edificação do templo do Senhor.

Não sou admirador de Taylor noutros aspectos, e o seu ensino às vezes parece
semi-papista; porém neste local só devo lidar com ele sobre um particular, e
neste assunto ele é um exemplo admirável. Esbanja histórias clássicas como
uma rainha asiática se enfeita com incontáveis pérolas. De um único sermão
extraio as seguintes, que talvez bastem para o nosso propósito:

Estudantes que Progridem para Trás

“Menedemus costumava dizer “que os rapazes que iam para Atenas, no primeiro
ano eram sábios, no segundo eram filósofos, no terceiro eram oradores, e no
quatro ano não passavam de plebeus que não entendiam nada, exceto a
sua própria ignorância”. E justamente assim acontece com alguns no evolver da
religião. Primeiro são impetuosos e ativos, e então saciam todos os apetites da
religião; e o que resta é que logo se cansam, ficam sentados cheios de desgosto,
e voltam para o mundo, e se detêm nas ocupações da vaidade ou do dinheiro; e,
por esse tempo, compreendem que a sua religião declinou, tendo passado dos
ardores e extravagâncias da juventude para a frieza e fraqueza da velhice.”

O Orgulhoso que se Gabava da sua Humildade

“Era notável como indivíduo vaidoso, o qual, radiante de alegria com a cura do
seu orgulho (como ele julgava) gritou à esposa: “Cerne, Dionysia,
deposuifastum”- “Vê só, pus de lado todo o meu orgulho”.

Diogenes e o Moço

“Uma vez Diógenes viu um moço saindo de uma taverna ou centro de diversões.
O jovem, percebendo que estava sendo observado pelo filósofo, um tanto
confuso, retrocedeu para, se possível, preservar a sua reputação perante aquele
severo personagem. Mas Diógenes lhe disse: quanto magis intraveris, tanto
magis eris in caupom, “Quanto mais te afastares, mais estarás no lugar em que
tens vergonha de ser visto”. Aquele que esconde o seu pecado, continua retendo
aquilo que ele considera sua vergonha e seu fardo.”

Não há exemplos de maior peso do que os tirados dentre os puritanos, em cujas


pegadas é nosso desejo andar, embora, ai! os sigamos com passos débeis. Alguns
deles eram férteis em anedotas e histórias. Thomas Brooks é um caso típico
do sábio e saudável emprego da fantasia santa. Coloco-o em primeiro lugar
porque o reconheço como o primeiro na arte especial que ora consideramos. Ele
possui ouro em pó, pois mesmo nas margens dos seus livros há anotações de
preciosidade extraordinária, e sugestões para histórias clássicas. O seu estilo é
claro e copioso: jamais se excede nas ilustrações a ponto de perder de vista a sua
doutrina. As suas torrentes de metáforas nunca submergem o significado que
pretendem transmitir, mas o fazem flutuar à sua superfície. Se vocês nunca leram
as suas obras, quase lhes invejo a alegria de penetrarem pela primeira vez em
Unsearchable Riches (Riquezas Insondáveis), de provar Precious Remedies
(Remédios Preciosos), de saborear Apples of Gold (Maçãs de Ouro), de partilhar
com Mute Christian (Cristão Silencioso), e de desfrutarem os seus outros
escritos magistrais. Permitam-me dar-lhes uma amostra da sua qualidade nas
historietas e anedotas. Eis aqui algumas delas, poucas e breves, que quase cabem
numa só página; mas ele tem tão abundante riqueza delas, que vocês mesmos
podem recolher num instante dezenas das melhores.

O Choro do Sr. Welch


“Uma alma sob especiais manifestações de amor lamenta não poder amar mais a
Cristo. O Sr. Welch, um ministro de Suffolk, chorando à mesa, inquirido da
razão do choro, respondeu que era porque ele não era capaz de amar mais
a Cristo. Aqueles que verdadeiramente amam a Cristo nunca podem elevar-se o
bastante em seu amor a Cristo. Para eles, um pequeno amor não é amor nenhum;
um grande amor é apenas um pequeno amor; um forte amor não passa de
um fraco amor; e o supremo amor está infinitamente abaixo do valor de Cristo,
da beleza e glória de Cristo, da plenitude, dul-çor e bondade de Cristo. O cúmulo
do seu infortúnio nesta vida é que amam tão pouco, posto que muitíssimo
amados.”

Silêncio Submisso

“Tal foi o silêncio de Filipe Segundo, rei da Espanha, que, quando perdeu a sua
“invencível” Armada que estivera em preparação durante três anos, ordenou que
em toda a Espanha se dessem graças a Deus e aos santos por não ter sido maior
a aflição resultante.”

Submissão dos Favoritos a seus Senhores

“Quando Tiribazus, um nobre persa, foi preso, a princípio sacou da espada e se


defendeu. Mas quando o acusaram em nome do rei, e lhe informaram que
vinham da parte do rei, e tinham ordem de levá-lo ao rei, ele se rendeu
voluntariamente. Sêneca persuadiu o seu amigo a suportar a sua aflição
em silêncio, porque era o favorito do imperador, dizendo-lhe que não lhe era
lícito queixar-se, dado que César era seu amigo. Assim diz o cristão fiel: oh
minha alma! Tranqüiliza-se, aquieta-se; tudo é por amor, tudo é fruto do favor
divino.”

0 Senhor Philip Sydney

“Um comandante religioso foi atingido em combate. Quando a ferida foi


sondada, e extraída a bala, alguns que estavam por perto, mostrando-se
penalizados com o seu sofrimento, replicou ele: “Embora eu gema, bendigo a
Deus porque não me queixo”. Queira Deus que o Seu povo gema, mas não se
queixe.”

Thomas Adams, o puritano conformista, cujos sermões vêm cheios de rude força
e de sentido profundo, nunca hesitava em inserir uma história quando achava
que ela reforçaria o seu ensino. O seu ponto de partida é sempre uma
declaração bíblica ou uma historieta escriturística; e isto ele desenvolve com
muito trabalho, trazendo-lhe todos os tesouros da sua mente. Como diz Stowell,
“Fábulas, historietas, poesia clássica, jóias oriundas dos pais e de outros
escritores antigos, distribuem-se por quase todas as páginas”. As suas
historietas geralmente são grosseiras, e podem comparar-se com as de Latimer,
só que não são igualmente geniais. Seu humorismo é em geral sombrio e
cáustico. As seguintes podem servir como bons espécimens:

O Marido e sua Esposa Espirituosa

“O marido disse à sua mulher que ele tinha uma péssima qualidade - era dado a
zangar-se sem motivo. Espirituosa-mente, ela respondeu que ia livrá-lo desse
defeito, pois lhe daria motivo suficiente. É a loucura de alguns que se
ofendem sem causa, aos quais o mundo promete que terão bastantes causas. “No
mundo tereis aflições.”

O Sermão e o Servo

“É comum suceder que muitos recomendem a preleção aos ouvidos de outros,


mas poucos a recomendam aos seus

próprios corações. É moralmente certo o que conta o “Cristão--que-fala-a-


verdade”: um servo, voltando da igreja, elogia o sermão ao seu amo. Este lhe
pergunta qual foi o texto. Não sei, diz o servo; começou antes de eu chegar.
Então, qual foi a sua conclusão? Eu saí antes que terminasse, respondeu o
homem. Mas, que disse o pregador no meio? Na verdade eu dormi no meio do
sermão. Muitas pessoas entram no templo, porém não permitem que o sermão
entre nas suas mentes.”

O Quadro de um Cavalo

“Alguém incumbiu um pintor de pintar-lhe um equum volitantem, um cavalo


troteado ou saltador. Ele (confundindo a palavra) pintou-lhe um equum
volutantem, um cavalo espo-jando-se ou virando cambalhota, com os cascos para
cima. Levou-o para casa, e o freguês censurou-lhe o erro: eu queria um cavalo
saltador, e você o fez espojando-se. Se todo o problema é esse, disse o pintor,
basta virar o quadro de baixo para cima, e você terá o que deseja. Assim nos seus
discursos quodlibéticos - feitos ao capricho dos seus autores - basta que virem os
lineamentos, e a coisa fica sendo o que queriam ter. Não digo isto para
desacreditar toda a cultura deles, mas sim, as suas discussões e argumentos
infrutíferos e desnecessários -daqueles que acham algo de que falar, quando as
Escrituras não lhes dá nenhuma base.”

O Pirata

“Quando o celerado pirata, assaltando e pilhando um navio, ouviu o dono do


barco dizer-lhe que, embora nenhuma lei pudesse tocá-lo no presente, teria que
responder por isso no dia do juízo, ele replicou: não por isso; se posso
durar tempo suficiente antes de chegar a ele, eu te levarei a ti e a teu barco
também. Conceito presunçoso com que muitos ladrões de terra firme,
opressores, gabam-se em seus corações,

conquanto não se atrevam a expressá-la com os lábios.”

William Gurnall, autor de The Christian in Complete Armour (O Cristão com


Armadura Completa), por certo há de ter sido um contador de histórias
pertinentes em seus sermões, visto que até nos seus rígidos e sólidos escritos elas
ocorrem. Talvez não fosse preciso fazer distinção entre os seus escritos e a
sua pregação, pois o prefácio deixa ver que a sua obra, O Cristão com Armadura
Completa, foi pregada antes de ser impressa. Cada página do seu famoso livro
apresenta vividas imagens, e sempre

que acontece isso, certamente damos com breves narrativas e

casos notáveis. E tão exuberante em ilustrações como Brooks, Watson ou


Swinnock. Feliz foi Lavenham em ter tal pastor! A propósito, este livro,
Armadura Completa, é, mais que todos os outros, um livro para pregadores.
Creio que mais discursos foram sugeridos por ele do que por qualquer outro
volume não inspirado. Tenho recorrido a ele muitas vezes, quando as minhas
chamas ardem com fogo baixo, e raramente deixei de encontrar uma brasa viva
na lareira de Gurnall. Disse John Newton que, se pudesse ler somente um livro
além da Bíblia, escolheria O Cristão com Armadura Completa, e Cecil
era praticamente da mesma opinião. Dessa obra disse J. C. Ryle: “Você achará
muitas vezes numa linha e meia alguma grande verdade, colocada com tanta
concisão e, contudo, de maneira tão completa, que você ficará maravilhado de
quanto pensamento pode estar metido em tão poucas palavras”. Uma ou duas
histórias da parte inicial da sua grande obra devem ser suficientes para o nosso
propósito.
Pássaro a Salvo no Peito de um Homem

“Um pagão pôde dizer, quando um pássaro (com medo de um gavião) fugiu para
abrigar-se no seu peito: “Não te trairei, entregando-te ao teu inimigo, vendo que
vieste a mim em busca de refúgio”. Muito menos Deus entregará uma alma ao
seu inimigo, quando ela busca refúgio em Seu nome,

dizendo: “Senhor, estou sendo caçado por tal tentação, perseguido por tal
luxúria! Ou me perdoas, ou estou perdido. Mortifica-a, ou serei escravo dela.
Leva-me para o seio da Tua graça, por amor de Cristo. Acastela-me nos braços
da Tua força eterna. Em Teu poder está o salvar-me das mãos do meu inimigo,
ou entregar-me a elas. Não tenho confiança em mim e em nenhum outro. Em
Tuas mãos entrego minha causa, minha vida, e em Ti confio.” Esta confiante
dependência de uma alma, sem dúvida erguerá o soberano poder de Deus em sua
defesa. Ele fez o maior juramento que poderia vir dos Seus benditos lábios,
jurando por Si mesmo, que aquele que busca “refúgio” a fim de esperar nEle,
terá “firme consolação” (Hebreus6:17,18).”

O Príncipe com a Família em Perigo

“Suponhamos que um filho de rei estivesse fora de uma cidade sitiada, onde
deixara a sua esposa e os seus filhos (aos quais ama de toda a alma) e estes na
iminência de morrer pela espada ou pela fome, caso não chegassem suprimentos
a tempo. Poderia este príncipe, ao chegar à casa do seu pai, ter prazer nos
deleites da corte e esquecer as angústias da sua família? Ao contrário, não se
postaria diante de seu pai (tendo os lamentos e gemidos dos seus queridos
sempre nos seus ouvidos) e, antes de comer ou beber, não se dirigiria a seu pai, e
não lhe suplicaria que, se o amava, enviasse todas as forças do seu reino para
levantar o assédio, para que os seus amados familiares não perecessem?
Certamente, senhores, embora Cristo esteja no ponto mais alto da Sua exaltação,
e fora da tormenta quanto à Sua Pessoa, todavia, os Seus filhos, deixados atrás
no meio das baterias do pecado, de satanás e do mundo, estão em Seu coração, e
não serão esquecidos um momento por Ele. O cuidado que Ele tem por nossos
problemas transparece na rápida comunicação que Ele fez do Seu Espírito para
suprimento dos Seus apóstolos, que, logo que

tomou assento à destra do Seu Pai, enviou, para o incomparável fortalecimento


dos Seus apóstolos e de todos nós que, até hoje, sim, até o fim do mundo, cremos
ou haveremos de crer nEle.”
John Careless

“Quando Deus honra uma pessoa permitindo-lhe sofrer por Sua verdade, é um
grande privilégio: “A vós vos foi concedido, em relação a Cristo, não somente
crer nele, como também padecer por ele”. Deus não costuma dotar os
Seus santos de dons inúteis; neste dom há alguma preciosidade que os olhos da
carne não podem ver. A fé, você dirá, é um grande dom; mas a perseverança,
sem a qual a fé seria de pouco valor, é maior; e a perseverança no sofrimento é
mais honrosa que as duas primeiras. Isto levou John Careless, um mártir inglês
(o qual, embora não tenha morrido na fogueira, contudo morreu na prisão por
Cristo), a dizer: “Tal honra os anjos não têm permissão de receber; portanto,
Deus me perdoe a minha falta de gratidão.”

O Sr. Benbridge

“Oh, quantos morrem na forca pela causa do diabo, por traições, violações e
assassinatos! Deus poderia retirar a Sua graça, e deixá-lo entregue à sua covardia
e incredulidade, e então logo o mostraria em todas as suas cores. Os mais
intrépidos campeões da causa de Cristo aprenderam quão fracos são, toda vez
que Cristo Se afastou. Alguns deles têm dado grande testemunho de sua fé e
resolução na causa de Cristo, chegando mesmo tão perto de morrer por Seu
nome que se arriscaram a ser levados ao pelourinho e à fogueira - e contudo, os
seus corações falharam. Como aquele santo varão, o Sr. Benbridge, em nosso
martirológio inglês, que empurrou a lenha e gritou: “Eu me retrato, eu me
retrato!” Todavia, esse homem, fortalecido em sua fé, e revestido do poder do
alto,

pôde, no espaço de uma semana depois daquele triste fracasso, morrer na


fogueira com regozijo. Aquele que uma vez venceu a morte por nós, é quem
sempre vence a morte em nós.”

John Flavel é um nome que terei de citar noutra palestra, pois ele é mais
grandioso na metáfora e na alegoria, mas na questão do uso de historietas, a sua
pregação é excelente exemplo. Do seu ministério se disse que quem não foi
afetado por ele tinha que ter miolo muito mole ou coração muito duro. Ele tinha
um depósito de casos notáveis, e a faculdade de ilustrar com felicidade, e como
era um homem em cujas maneiras a jovialidade se fundia com a solenidade, foi
popular no mais alto grau, tanto neste país como no exterior. Ele procurava
palavras que servissem para os marinheiros de Dartmouth e para os sitiantes de
Devon, pelo que pôde deixar atrás de si Navigation Spiritualized (Navegação
Espiritualizada) e Husbandry Spiritualized (Agricultura Espiritualizada),
legados transmitidos às duas classes de homens que lavram o mar e a terra. Era
um homem que valia a pena fazermos uma peregrinação para ouvir. Que crime
foi silenciar os seus lábios tocados pelo céu, com a abominável Lei da
Uniformidade! Em vez de citar várias passagens dos seus sermões, cada
qual contendo uma historieta, achei bom dar uma porção de histórias como as
encontramos em suas preleções sobre:

Providência na Conversão

“Um pedaço de papel visto acidentalmente tem sido usado como instrumento de
conversão. Foi assim no caso de um ministro de Gales que tinha dois encargos
eclesiásticos, mas não cuidava bem de nenhum deles. Estando numa
feira, comprou alguma coisa na banca de um mascate, e rasgou uma folha do
catecismo do Sr. Perkin para embrulhar a compra, e, lendo uma linha ou duas
dela, Deus o fez compreender o seu conteúdo, de modo que operou nele
mudança completa.”

“O casamento de um homem piedoso com alguém de uma

família incrédula tem sido utilizado pela Providência para a conversão e


salvação de muitos nessas condições. Assim, lemos na biografia daquele
renomado inglês, verdadeira sumidade, o Sr. John Bruen, que, em seu segundo
matrimônio foi combinado que ele residiria um ano na casa de sua
sogra. Durante sua residência ali naquele ano (diz o Sr. Clark), aprouve ao
Senhor, por intermédio dele, agir com Sua graça na alma daquela senhora, como
também na da irmã da sua esposa, da meia-irmã desta, dos seus irmãos, o Sr.
William e o Sr. Thomas Fox, com um ou dois criados daquela família.” “Não
somente a leitura de um livro, ou o ouvir um ministro, mas (o que é
extremamente notável) o próprio lapso de memória de um ministro tem sido
empregado pela Providência para esse mesmo fim e propósito.
Pregando Agostinho uma vez à sua congregação, esqueceu-se do argumento que
planejara apresentar, e caiu nos erros dos maniqueus, desviado da sua primeira
intenção. Com esse discurso foi convertido um tal Firmus, seu ouvinte, que
se prostrou chorando e confessando que vivera como mani-queu muitos anos.
Conheci outro que, indo pregar, pegou outra Bíblia em vez da que pretendia usar,
à qual não só faltavam as suas anotações, como também o capítulo em
que estava o texto pretendido. Por isso ficou um tanto prejudicado. Mas, após
breve pausa, resolveu falar sobre qualquer outra passagem das Escrituras que se
lhe apresentasse, e, conseqüentemente, leu o texto “O Senhor não retarda a
sua promessa” (2 Pedro 3:9). E, embora não tivesse nada preparado, o Senhor o
ajudou a falar metódica e pertinentemente sobre ele. Mediante esse discurso,
operou-se grande mudança num dos ouvintes, que passou a dar daí por diante
boa prova de conversão real, reconhecendo que aquele sermão fora o primeiro e
único instrumento para isso.”

“Ouvir um sermão por pilhéria também tem resultado em séria conversão de


alguns. O Sr. Firmin em sua obra Real Christian (Cristão Real) fala-nos de um
notório bêbedo a

quem os ébrios chamavam “pai”, que um dia se dispôs a ir ouvir o que Wilson
dizia, sem outro propósito, parece, que o de zombar do santo homem; entretanto
na oração anterior ao sermão, o seu coração começou a derreter-se, e quando
o pregador leu o texto do sermão, que era “Não peques mais, para que te não
suceda alguma coisa pior” (João 5:14), não pôde conter-se. E naquele sermão o
Senhor mudou o seu coração, apesar de ter sido um inimigo tão cruel que o
ministro temia passar em frente da porta do seu armazém quando ia para a igreja
nos dias de pregação. “Eis que isto são apenas as orlas dos seus caminhos; e
quão pouco é o que temos ouvido dele!” (Jó 26:14).

George Swinnock, por alguns anos capelão de Hampden, havia desenvolvido


grandemente o dom de ilustrar, como suas obras provam. Alguns dos seus
símiles são tomados de fontes alheias, e o desenvolvimento do conhecimento
tornou obsoletos alguns deles, porém serviram ao seu propósito e
tornaram atraente o seu ensino. Depois de descontar todas as suas fantasias, que
na presente época seriam julgadas forçadas, resta ainda “uma rara soma de
espírito e de sabedoria santificados”. E, cintilando aqui e ali, vislumbramos
algumas histórias notáveis, na maioria de origem clássica.

A Oração de Paulinus

“A expressão de Paulinus, quando a sua cidade foi tomada pelos bárbaros, foi:
Domine, ne excrucier ob aurem et argentum. “Senhor, não permitas que eu me
perturbe pelo ouro e pela prata que perdi, pois Tu és todas as coisas”. Como
Noé, quando o mundo todo foi dominado pelas águas, tinha um belo epitome
dele na arca, tendo todas as espécies de animais e aves ali, assim também aquele
que numa catástrofe tem Deus para ser o seu Deus, tem a fonte de todas as
mercês. Aquele que frui o oceano pode regozijar-se, conquanto se lhe tirem
algumas gotas.”

A Rainha Elizabeth e a Vendedora de Leite

“A rainha Elizabeth, quando estava na prisão, invejou a vendedora de leite. Mas,


se soubesse que glorioso reinado iria ter durante quarenta e quatro anos, não teria
cobiçado a pobre felicidade de tão singela pessoa. Os cristãos são muito
propensos a invejar as bolotas das quais se locupletam os errantes pecadores aqui
na terra. Se, porém, fixassem diante de si as suas gloriosas esperanças do céu, de
como haverão de reinar com Cristo para sempre, veriam pouca razão para as
suas queixas.

A Criança Crente

“Li a história de uma criança de uns oito ou nove anos de idade que,
extremamente oprimida pela fome, um dia, com a aparência de tal necessidade
que causava dó, disse à mãe: “Mãe, a senhora acha que Deus quer matar-nos de
fome?” Respondeu a mãe: “Não, filho, Ele não o fará”. Replicou a criança:
“Mas, se Ele o fizer, ainda assim devemos amá-10 e servi-10”. Eis aí, linguagem
de um cristão bem desenvolvido. Pois, na verdade, Deus nos conduz à carência e
à pobreza para experimentarmos, se O amamos por Ele ou por nós; pelas
excelências que nEle há, ou pelas bênçãos que dEle obtemos; para ver
se diremos com o cínico a Antístenes: Nullus tam darus erit baculus, etc.
“Nenhuma clava seria tão insuportável como ser surrado por ti.”

Religião da Moda

“Li sobre uma senhora papista, de Paris, que, quando viu uma gloriosa procissão
em honra a um dos seus santos, exclamou: “Oh, como é esplêndida a nossa
religião, acima da dos huguenotes! - a religião destes é pobre e desprezível,
mas a nossa é rica de ostentação e solenidade”. Todavia, assim

como os arautos falam de um brasão de armas que, se este está cheio de brilhos e
lemas, revela linhagem inferior, assim a verdade é que o modo de prestar culto
em que entram de mistura invenções dos homens, revela que a sua linhagem
é inferior - a saber, humana.”

O Duque Atarefado
“O duque d’Alba, francês, quando Henrique Quarto lhe perguntou se tinha visto
o eclipse do sol, pôde dizer que tinha tanta coisa que fazer na terra, que não tinha
tempo para olhar para o céu. Estou certo de que o cristão pode dizer com
mais veracidade e convicção consciente, que tem tantas coisas que fazer para o
céu, que não tem tempo para dar atenção a coisas vãs ou terrenas.”

Thomas Watson foi um dos muitos pregadores puritanos que conquistaram os


ouvidos populares com as suas freqüentes ilustrações. Na fluente e límpida
corrente do seu ensino achamos com muita freqüência finas pérolas de
historietas. Ninguém jamais ficou cansado sob tão agradável discurso, embora
pesado, como o que encontramos em sua obra The Beatitudes (As Beatitudes).
Duas citações servirão para demonsrar a sua habilidade.

A Vestal e os Braceletes

“Muitos homens acham que, porque Deus os abençoou dando-lhes bens


materiais, são bem-aventurados. Ah, muitas vezes Deus dá estas coisas como
expressão da Sua ira -sobrecarregando os Seus inimigos de ouro e prata!
Como Plutarco relata de Tarpéia, uma monja vestal que negociou com os
inimigos a entrega traiçoeira que lhes faria do Capitólio de Roma, caso possuísse
os braceletes de ouro que traziam em suas mãos esquerdas, o que lhe
prometeram. Depois de entrarem no Capitólio, lançaram sobre ela, não somente
os

braceletes, mas também os seus escudos, sob cujo peso ela acabou morrendo.
Muitas vezes Deus deixa que os homens tenham áureos braceletes de substância
mundana, cujo peso os afunda no inferno. Oh, vamos superna anhelare - anelar
a bens supernos! Tenhamos os olhos “fixos” em Deus e os corações “unidos” a
Ele, o bem supremo; isto é, ir em busca da bem-aventurança, como numa
caçada.”

O Ouriço e o Coelho

“O fabulista conta uma história do ouriço que foi à toca dos coelhos durante uma
tempestade querendo abrigo, e prometeu que seria um hóspede pacífico, mas
quando recebeu acolhida hospitaleira, fincou os seus espinhos, e nunca mais
saiu, até expulsar os pobres coelhos da sua toca. Assim é a cobiça. Embora tenha
boas razões para insinuar-se e introduzir-se no coração, tão logo vocês a deixem
entrar, este espinho nunca parará de fincar-se, até sufocar todos os
bons princípios e lançar toda a religião fora dos seus corações.”

Creio que isso é suficiente para representar os homens do período dos puritanos,
que acrescentaram à sua profunda teologia e ao seu variado saber, zelo para
serem compreendidos e habilidade na exposição da verdade com o auxílio
das ocorrências diárias. A época que se lhes seguiu foi estéril quanto à vida
espiritual, e foi afligida por uma raça de teólogos retóricos, cujas palavras
tinham escassa conexão com a Palavra da vida. O pensamento estreito dos
dignitários da rainha Ana não precisava da ajuda de metáforas ou parábolas: não
havia nada para explicar às pessoas. O máximo esforço desses religiosos era para
esconder a nudez dos seus discursos com as folhas de figueira de uma
verbosidade latinizada. Fora-se a pregação vivida, fora-se a vida espiritual, e,
conseqüentemente, erigiu-se um púlpito que não tinha voz para o povo
comum; na verdade, não tinha voz para ninguém, exceto para o formalista, que
se dá por satisfeito se o decoro é observado e a

respeitabilidade é mantida. Naturalmente, a nossa noção do que seja tornar clara


a verdade mediante histórias não se enquadrava na morte dignificada do período,
e foi somente quando os ossos secos começaram a agitar-se que o
método popular foi trazido de novo à proeminência.

O ilustre George Whitefield está, ao lado de Wesley, à testa daquele nobre


exército de ministros que lideraram o aviva-mento do século passado. Não se
inclui em nenhuma parte do meu presente plano falar da sua incomparável
eloqüência, do seu fervor inextinguível e do seu labor incessante. Mas está em
completo acordo com o curso da minha preleção lembrar-lhes o pronunciamento
dele - “Eu uso o linguajar do mercado”. Ele empregava o inglês puro, bom,
fluente, porém era tão simples como se falasse a crianças. Conquanto de maneira
nenhuma fosse abundante em ilustrações, sempre as empregava, quando
necessárias, e narrava incidentes com grande poder de ação e ênfase. As suas
histórias eram contadas de tal modo, que emocionavam os ouvintes; estes
ouviam e também viam, pois cada palavra tinha a sua gesticulação apropriada.
Uma razão por que ele podia ser compreendido a tão grande distância era o fato
de que os olhos ajudavam o ouvido. Como espécimes de suas historietas,
selecionei as que se seguem:

Os Dois Capelães

“Você não poderá fazer nada sem a graça de Deus quando chegar a hora de
morrer. Havia um nobre que mantinha um capelão deísta, e a dama, sua senhora,
mantinha um capelão cristão. Quando o nobre estava morrendo, disse ao seu
capelão: “Eu o apreciava muito quando tinha boa saúde; mas é do capelão de
minha senhora que preciso quando enfermo.”

Nunca Satisfeito

“Meus diletos ouvintes, não há uma só alma dentre todos

vocês que esteja satisfeita em suas posições. Não seria esta a linguagem dos seus
corações? Quando aprendizes: estaremos realizados quando formos operários;
quando operários: estaremos realizados quando formos patrões; quando
solteiros: estaremos realizados quando casarmos; e com certeza acham que
estarão realizados quando tiverem uma carruagem. Ouvi falar de uma pessoa que
começou de baixo: primeiro, queria uma casa; depois, diz ele, “quero duas,
depois quatro, depois seis”; e quando as teve, disse: “Acho que não quero mais
nada”. “Sim”, diz seu amigo, “logo você vai querer outra coisa, a saber, um
caixão e seis que o carreguem para o seu túmulo”; e isso o fez tremer.”

O Coração do Dr. Manton

“Uma boa mulher, encantada com o Dr. Manton, disse: “Oh, senhor, seu sermão
de hoje foi excelente; eu gostaria de ter o seu coração”. “É?”, disse ele; “Boa
mulher, seria melhor que não o quisesse, pois, se o tivesse, quereria ter o seu
próprio de novo.” Os melhores homens se vêem sob a pior luz.”

Receoso de que a citação de mais alguns exemplos poderia provar-se tediosa,


gostaria apenas de lembrar-lhes que homens como Berridge, Rowland Hill,
Matthew Wilks, Christmas Evans, William Jay, e outros que recentemente
partiram dentre nós, deveram muito da sua força de atração ao modo pelo qual
animavam os seus ouvintes, e acendiam a verdade nos corações deles com
historietas bem escolhidas. O tempo exige que eu conclua, e como poderei fazê-
lo melhor do que mencionando um homem que vive atualmente e que, acima de
todos os demais, tem entusiasmado as massas em dois continentes? - Refiro-me
a D. L. Moody. Este admirável irmão tem grande ojeriza pela publicação dos
seus sermões. E faz bem, porque ele prega incessantemente e não dispõe
de tempo para preparar discursos novos. Portanto, seria muita falta de sabedoria
da sua parte imprimir logo os discursos com os

quais está desenvolvendo toda uma campanha. Esperamos, porém, que quando
ele deixar de usar um sermão, não o deixe morrer, mas o dê à Igreja e ao mundo
através da imprensa. O nosso estimado irmão tem um estilo vivido e eficiente, e
muitas vezes acha que é de bom alvitre pregar um prego com o martelo da
historieta. Eis aqui cinco extratos do seu pequeno livro intitulado Arrows and
Anecdotes (Setas e Anedotas):

A Mãe do Retardado

“Conheço certa mãe que tem um filho mentalmente retardado. Por ele, ela
renunciou à vida social, a quase tudo, e a ele devotou toda a sua vida. “E agora”,
disse ela, “durante catorze anos velei por ele com amor, e ele nem sequer
me conhece. Oh, isso parte o meu coração!” Oh, como o Senhor há de dizer isso
de centenas aqui! Jesus vem aqui, e vai de assento em assento perguntando se há
lugar para Ele. Oh, não quererão alguns de vocês recebê-10 em seus corações?”

Cirurgião e Paciente

“Quando estive em Belfast, conheci um médico que tinha um amigo, um


importante cirurgião. Disse-me que era costume desse cirurgião, antes de fazer
qualquer operação, dizer ao paciente: “Olhe bem a ferida, e depois fixe os
olhos em mim, e não desvie o olhar até eu terminar completamente a operação”.
Na hora vi que era uma boa ilustração. Pecador, olhe bem a ferida esta noite, e
depois fixe os olhos em Cristo, e não os desvie dEle. E melhor olhar para o
remédio do que para a ferida.”

A Oração do Órfão

“Uma criança pequena, cujos pais morreram, foi levada para outra família. Na
primeira noite ela perguntou se

podia orar como costumava. Disseram-lhe: “Oh, sim!” Então

ela se ajoelhou e orou como a sua mãe lhe tinha ensinado, e,

quando acabou, acrescentou uma pequena oração pessoal: “Oh,

Deus, faze estas pessoas tão boas para mim como o foram o

meu pai e a minha mãe”. Depois fez uma pausa, olhou para
/
cima, como se esperasse resposta, e acrescentou: “E claro que Ele o fará”. Quão
docemente simples era a fé daquela criança. Ela esperava que Deus o “fizesse”, e
certamente obteve o que pediu.”

A Lista de Chamada

“Um soldado jazia em seu leito de morte durante a nossa guerra de secessão, e
lhe ouviram dizer: “Aqui!” Perguntaram-lhe o que queria. Ele ergueu a mão e
disse: “Silêncio! estão fazendo a chamada no céu, e estou respondendo ao meu
nome”. Em seguida sussurrou: “Presente!”, e partiu.”

Nenhuma Casa Além do Túmulo

“Falaram-me de um ricaço que morreu recentemente. A morte chegou


inesperadamente a ele, como quase sempre acontece, e ele mandou chamar o seu
advogado para redigir o seu testamento. E se pôs a distribuir as suas
propriedades. Quando chegou a vez da mulher e do filho, disse que queria que
eles ficassem com a casa. Mas a criança não entendia o que era a morte. Ela
estava perto e disse: “Papai, você tem casa na terra para onde vai?” A flecha
atingiu-lhe o coração; porém era tarde demais. Ele percebeu o seu erro. Não
tinha casa nenhuma além do túmulo.”

Não os cansarei mais. Vocês poderão fazer com segurança o que os homens mais
benéficos fizeram antes de vocês. Imitem-nos, não só no seu emprego das
ilustrações, mas também em sua sabedoria em mantê-las subservientes
ao propósito que eles tinham em vista. Não eram simples

narradores de histórias, eram pregadores do evangelho. Seu objetivo não era o


entretenimento das pessoas, e sim a sua conversão. Jamais chegaram ao ponto de
enxertar um fragmento expressivo que estiveram guardando para exibir, e nunca
se poderia dizer que as suas ilustrações eram

“Janelas que a luz recusam; passagens que a nada levam”.

Mantenham a devida proporção das coisas, para que não suceda coisa pior do
que eu perder o meu trabalho, tornando-me assim causa de vocês apresentarem
feixes de historietas em vez de boas doutrinas, pois isso seria uma coisa tão
ruim como se vocês oferecessem a homens famintos flores em vez de pão, e
dessem aos desnudos gazes de teia de aranha em vez de roupa de lã.
Empregos de Anedotas e Ilustrações

Os empregos de anedotas e ilustrações são múltiplos. Mas, quanto aos nossos


objetivos aqui, podemos reduzi-los a sete, nem por um momento imaginando
que esta será uma lista completa.

Primeiro, usamo-las para interessar a mente e prender a atenção dos nossos


ouvintes. Não podemos suportar um auditório sonolento. Para nós, um homem
sonolento não chega a ser homem. Sydney Smith observou que, embora Eva
tenha sido tirada do lado de Adão enquanto este dormia, não é possível remover
dessa maneira o pecado dos corações dos homens.-Não concordamos com
Hodge, construtor de cercas e cavador de fossas, que observou a um cristão com
quem estava conversando: eu “gotcho” do domingo, “gotcho” sim; eu “gotcho”
do domingo”. “E o que faz você gostar do domingo?” “Pruque”, mecê vê, é um
dia de descanso; eu “vô” lá prá velha igreja, pego um banco, estico as pernas, e
“num” penso em nada.” - E de temer-se que na cidade, como no campo, isto
de não pensar em nada seja uma coisa muito comum. Contudo, sua consideração
pelo dia sagrado, pelo ministério para o qual vocês foram chamados, e pela
assembléia de adoradores, não lhes permitirá dar à sua gente ocasião para não
pensar em nada. Vocês quererão incentivar todas as faculdades dos seus ouvintes
para receberem a Palavra de Deus, para que ela seja uma bênção para eles.

E mister conquistarmos a atenção no início do culto, e prendê-la até o fim. Com


este objetivo, muitos métodos podem ser experimentados. Mas possivelmente
nenhum será mais bem sucedido que a introdução de uma história

interessante. Isto leva Hodge a ouvir, e, ainda que ele sinta falta do ar fresco dos
campos, e comece a sentir-se sonolento em sua capela aquecida, outro conto o
ativará para renovada atenção. Se ele ouvir uma narrativa relacionada com a
sua aldeia ou condado, você o terá “todo ali”, e poderá esperar fazer-lhe algum
benefício.

A historieta no sermão corresponde ao propósito de uma gravura num livro.


Todos sabem que as pessoas são atraídas pelos volumes que contêm figuras, e
que, quando uma criança pega um livro, embora possa passar pelo texto sem
observar nada, é mais que certo que ela se deterá nas gravuras. Não
nos consideremos importantes demais para usar um método que muitos têm
empregado com sucesso. Precisamos, realmente, obter atenção. Em alguns
auditórios, não conseguimos cativá-los se começamos com instrução sólida; não
estão querendo ser ensinados e, conseqüentemente, não estão em condições de
receber a verdade, se lha expomos nua e crua. Avante, pois, com um ramalhete
de flores para atrair estas pessoas à nossa mesa, a fim de podermos alimentá-las
com o alimento que tanto necessitam. Justamente como o Exército de Salvação
vai pelas ruas tocando trombeta e tambor para atrair pessoas às casernas, assim o
homem zeloso pode gastar os primeiros minutos com uma congregação apática
para despertá-la e incitá-la a penetrar na câmara interior da verdade. Mesmo esse
prelúdio para despertar deve ter conteúdo digno da ocasião. Mas se não estiver à
altura da sua posição média usual quanto ao peso da doutrina, poderá não
somente ser escusado, porém também recomendado, se preparar os ouvintes
para receberem aquilo que vem a seguir. Isca de ceva não pega peixe, mas
corresponde ao seu propósito se faz os peixes chegarem perto da isca e do anzol.

A uma congregação bem instruída e mormente constituída de membros


professos, não é preciso dirigir-se no mesmo estilo que requer um auditório
recém-reunido do mundo, ou uma reunião de lerdos e formais freqüentadores de
igreja. O

seu bom senso o ensinará a adaptar o seu estilo ao auditório. É possível manter
intensa e demorada atenção sem o uso de uma ilustração. Muitas vezes fiz isso
no Tabernáculo, quando a maioria dos seus ocupantes era de membros da igreja;
mas quando o meu povo está fora, e estranhos ocupam os lugares dele, apresento
toda a minha reserva de histórias, símiles e parábolas.

As vezes conto anedotas no púlpito, e pessoas muito delicadas e especiais


expressam o seu horror por eu dizer essas coisas. No entanto, quando vejo que
Deus abençoou algumas das ilustrações que usei, muitas vezes penso na história
do homem que levava uma alabarda e que foi atacado pelo cachorro pertencente
a um nobre. Claro que, defendendo-se, matou o animal. O nobre ficou muito
zangado, e perguntou ao homem como ousara matar o cão. O homem replicou
que, se não o matasse, o cão o morderia e o despedaçaria. “Bem”, disse o nobre,
“mas o senhor não devia tê-lo golpeado na cabeça com a alàbarda; por que não
bateu no cão com o cabo?” “Meu senhor”, respondeu o homem, “eu o teria feito,
se ele tivesse tentado morder-me com a cauda.” Assim, quando lido com o
pecado, alguns dizem: “Por que você não o trata com delicadeza? Por que não
lhe fala com linguagem cortês?” E respondo: “Eu faria isso se ele me mordesse
com a cauda; todavia como vejo que ele me trata rudemente, rudemente
o tratarei. E qualquer tipo de arma que me ajude a matar o monstro, não acharei
imprópria para a minha mão”.

Nestes dias, não podemos permitir-nos perder nenhuma oportunidade de cativar


o ouvido do público. Temos que usar toda e qualquer ocasião que se nos
apresente, e todos os instrumentos que tenham a probabilidade de ajudar-nos em
nosso trabalho. E temos que estimular todas as nossas faculdades, e pôr em ação
todas as nossas energias, para que, de algum modo possamos conseguir que as
pessoas prestem atenção naquilo que são tão lentas para considerar - a
grande história da justiça, da temperança e do juízo vindouro.

Precisamos ler muito e estudar arduamente, do contrário não seremos capazes de


influenciar beneficamente a nossa época e a nossa geração. Creio que o empenho
mais industrioso é necessário para produzir um pregador deveras eficiente,
e também a melhor habilidade natural. E é minha firme convicção que, quando
você tem a melhor habilidade natural, deve suplementá-la com o maior empenho
industrioso imaginável, se realmente há de prestar muito serviço a Deus, nesta
geração corrupta e perversa.

A um doido na Escócia que subiu ao púlpito antes de chegar o pregador, pediu-


lhe o ministro que descesse. “Não, não”, respondeu o homem, “suba aqui você
também, pois nós dois somos necessários para persuadir esta geração
teimosa.” Certamente se requer toda a sabedoria que pudermos obter para
comover as pessoas entre as quais a nossa sina é lançada. E se nós não
empregarmos todos os meios lícitos para interessar a mente dos nossos ouvintes,
veremos que eles serão como certa congregação em que todos dormiam, exceto
um pobre idiota. O ministro os despertou, e procurou repreendê-los, dizendo:
“Olhem, vocês todos estavam dormindo, menos o pobre Jock, o idiota”. Mas a
sua repreensão foi interrompida por Jock, que exclamou: “E se eu não fosse
idiota, estaria dormindo também”.

Deixarei que a moral dessa bem conhecida história fale por si mesma, e passarei
para o meu segundo ponto, o qual é, que o uso de anedotas e ilustrações toma a
nossa pregação natural e vivida. Este ponto é da maior importância. De todas as
coisas que temos de evitar, uma das mais importantes é a de dar ao nosso povo,
quando pregamos, a idéia de que estamos representando um papel. Tudo que for
teatral no púlpito, na entonação, nas maneiras, ou em qualquer outra coisa,
detesto com todas as veras da alma. Subam para o púlpito e falem ao povo como
fariam na cozinha ou na sala de visitas, e digam o que têm para dizer-lhe com o
seu tom de voz comum. Permitam-me concitar-lhes, por tudo que é bom, que
joguem

fora todos os estilos bombásticos de linguagem, e tudo que se aproxime de uma


imitação artificiosa. Nada pode ter sucesso com as massas, exceto a naturalidade
e a simplicidade. Pois bem, alguns ministros não podem nem sequer anunciar
um hino de maneira natural! “Cantemos para louvor e glória de Deus” (dito no
tom que às vezes se ouve nas igrejas e capelas). Quem pensaria em falar assim
numa mesa de chá? “Ficar-lhe--ei imensamente agradecido se você tiver a
amabilidade de servir-me outra chávena de chá” (dito do mesmo modo inatural)
- vocês jamais pensariam em dar chá nenhum a um homem que falasse desse
jeito. E se pregarmos nesse estilo néscio, o povo não crerá no que dissermos.
Pensará que é nosso negócio ou ocupação, e que estamos fazendo a coisa toda
de maneira profissional. Precisamos livrar-nos de toda forma
de profissionalismo, como Paulo se livrou da víbora, lançando-a no fogo. E
devemos falar como Deus ordenou que falemos, e não com um método estranho
de oratória de púlpito, fora do comum, novidadeiro.

O ensino de nosso Senhor era admiravelmente natural e vivido. Era a exposição


da verdade ante os olhos, não como uma figura plana, mas como num
estereoscópio, dando-lhe relevo, com todos os seus contornos e ângulos de
beleza em viva realidade. Foi um excelente sermão vivo aquele, quando Ele
tomou uma criança e a colocou no meio dos discípulos; e foi outro vigoroso
discurso aquele em que Ele pregou sobre evitar preocupações, e se abaixou e
apanhou um lírio (como suponho que fez), e disse: “Considerai os lírios, como
eles crescem; não trabalham nem fiam”. De bom grado suponho que alguns
corvos estavam voando por cima da Sua cabeça, e que Ele apontou para eles, e
disse: “Considerai os corvos, que nem semeiam, nem segam, nem têm despensa
nem celeiro, e Deus os alimenta”. Havia uma naturalidade, você vê, uma pujança
de vida em torno da coisa toda.

Nem sempre podemos imitar literalmente nosso Senhor, pois, na maioria das
vezes temos que pregar em locais de

culto. É uma bênção podermos ter tantas casas de oração, e agradeço a Deus que
haja tantas pululando ao nosso redor Contudo, eu daria ainda maiores louvores a
Deus se metade dos ministros, que pregam em nossos vários edifícios,
fossem enviados para fora deles, para pregar nas estradas, nos atalhos, e em
qualquer lugar onde as pessoas fossem ouvi-los. Devemos ir por todo o mundo, e
pregar o evangelho a toda criatura -não ficar parados em nossas capelas
esperando que toda criatura venha ouvir o que temos para dizer. Um caçador que
ficasse sentado à janela da sua sala de visitas, com a sua espingarda carregada e
preparada para atirar em perdizes, provavelmente não conseguiria um fardo
muito pesado de caça. Não, o que tem que fazer é calçar os seus borzeguins, e
andar pelos campos, e então acertará o tiro nas aves que procura. Assim
conosco, irmãos. Devemos ter sempre os nossos sapatões prontos para o trabalho
no campo, e estar sempre alerta quanto às oportunidades de sair por entre as
almas humanas, para podermos trazê-las como troféus do poder do evangelho
que nos cabe proclamar.

Talvez não nos seja prudente tentar fazer os nossos sermões naturais e vividos no
estilo em que o estranho e velho Matthew Wilks às vezes fazia; como em certa
manhã de domingo, levou para o púlpito uma pequena caixa, abriu-a pouco
depois, e exibiu à congregação uma diminuta balança, e depois, virando as
páginas da Bíblia com grande deliberação, ergueu a balança e anunciou como
texto do seu sermão: “Pesado foste na balança, e foste achado em falta”. Acho
porém, que foi mais pueril que poderoso. Prefiro Matthew Wilks quando, noutra
ocasião, pregando sobre o texto “Vede prudentemente como andais”, começou
dizendo: “Vocês já viram um gato andando em cima de um muro forrado de
cacos de vidro de garrafas quebradas? Se já, vocês têm uma precisa ilustração do
que quer dizer a injunção “vede prudentemente como andais”. Há também o
caso do estimado Sr. Taylor que, pregando nas ruas de uma cidade da Califórnia,
subiu num

barril de uísque. A modo de ilustração, bateu com o pé no tampo do barril e


disse: “Este barril é como o coração do homem, cheio de substância má, e alguns
dizem que, se o pecado está dentro de você, igualmente pode também
sair”. “Não”, disse o orador, “não é assim. Agora, aqui está este uísque dentro
deste barril debaixo dos meus pés. E uma coisa ruim, uma coisa condenável,
uma coisa diabólica. Mas, enquanto estiver hermeticamente tampado no barril,
certamente não fará o dano que fará se for levado ao bar e vendido aos ébrios das
vizinhanças, mandando-os para casa prontos para espancarem suas esposas ou
matarem seus filhos. Assim, se vocês mantiverem os seus pecados dentro dos
seus próprios corações, eles serão maus e diabólicos, e Deus os condenará por
eles; porém, em todo caso, não farão tanto dano a outras pessoas como se fossem
vistos em público.” Batendo outra vez o pé no barril, disse o pregador:
“Suponhamos que você queira fazer este barril passar pelas fronteiras do país, e
vem o guarda aduaneiro e exige que pague os direitos alfandegários. Você diz
que não deixará que tirem para fora nenhuma porção do uísque, mas o oficial lhe
diz que não pode deixá-lo passar. Assim, se nos fosse possível abster-nos de
pecados externos, todavia, visto que o coração está cheio de todas as formas
do mal, ser-nos-ia impossível passar pelas fronteiras do céu, e achar-nos naquele
santo e feliz lugar.” Isto eu achei que era algo semelhante a uma ilustração
natural, e um importante método de ensino da verdade, embora não me agrade a
idéia de ter sempre um barril de uísque como púlpito, pois receio que o tampo
poderia cair para dentro dele, e eu cairia dentro também.

Não recomendo a nenhum de vocês que seja natural em seu ministério como
aquele notável sacerdote francês que, dirigindo-se à sua congregação, disse:
“Quanto às Madalenas, e às que cometem os pecados da carne, tais pessoas são
muito comuns; são numerosas mesmo nesta igreja; e eu vou atirar este missal
numa mulher que é uma Madalena” - e nisso todas

as mulheres presentes abaixaram a cabeça. Então disse o sacerdote: “Não,


certamente nem todas vocês são Madalenas; nem pensei que fosse este o caso.
Mas vocês vêem como o seu pecado as revela!”

Tampouco lhes recomendo que sigam o exemplo do clérigo que, quando foi
levantada uma coleta para a iluminação e o aquecimento da igreja, depois de ter
pregado algum tempo, soprou apagando as candeias dos dois lados do púlpito,
dizendo que a coleta era para as luzes e para o aquecimento, e ele não precisava
de luz nenhuma, pois não lia o seu sermão, “mas”, acrescentou, “quando Roger
anunciar o salmo daqui a pouco, vocês vão querer luz para ver os seus livros;
assim, as candeias são para vocês mesmos. E quanto à estufa, eu não preciso do
calor dela, pois o exercício que faço ao pregar é suficiente para manter-me
aquecido. Portanto, vêem que a coleta é totalmente para vocês nesta
ocasião. Ninguém pode dizer que os clérigos estão fazendo coleta para eles
próprios desta vez, pois neste domingo é totalmente para o interesse pessoal de
vocês.” Acho que o homem foi tolo ao fazer essas observações, embora saiba
que se tem feito referência ao seu comportamento como excelente exemplo de
intrepidez na pregação.

Há uma história que se conta a meu respeito que, como muitos contos que falam
de mim, é uma história em dois sentidos. Dizem que, para mostrar o modo como
os homens se extraviam, uma vez derrubei os balaústres do púlpito. Só menciono
isso, de passagem, porque um fato notável é que, no tempo em que se contou a
história, o meu púlpito era fixo na parede, e não havia balaústre, de modo que o
reverendo estulto (que é o que teria sido, se é que fizera o que o povo disse) não
podia ter feito aquela coisa ridícula, caso estivesse inclinado a tentar fazê-la.
Mas, conquanto não verdadeira, a anedota serve a todos os propósitos da vivida
naturalidade que tenho procurado descrever.

Provavelmente vocês se lembram do caso de Whitefield

retratando um cego e seu cão andando na beira de um precipício, os pés quase


resvalando pela borda. A descrição do pregador foi tão vivida e tão natural, que o
lorde Chesterfield levantou-se de um salto e exclamou: “Meu Deus! ele se
foi!” Mas Whitefield respondeu: “Não, meu lorde, não se foi de vez ainda;
esperemos que se salve”. Depois prosseguiu, falando do cego conduzido por sua
razão, que é apenas semelhante a um cão, demonstrando que o homem
conduzido somente pela razão está prestes a cair no inferno. Quão vividamente
se vê o amor do dinheiro exposto na história contada por nosso venerável amigo,
o Sr. Rogers, sobre o homem que, quando jazia à morte, pôs o seu dinheiro na
boca porque o amava muito e queria levar consigo um pouco dele! Como é
impressionante a inutilidade das riquezas deste mundo como consolação para
nós em nossos últimos dias, inutilidade trazida perante nós pela narrativa em que
o honrado Jeremiah Burroughs fala de um avarento que tinha as suas sacolas
de dinheiro perto da sua mão, em seu leito de morte! Ele as pegou e disse:
“Tenho que deixá-lo? Tenho que deixá-lo? Vivi por você estes anos todos, e
agora tenho que deixá-lo?” E assim morreu. Há outro conto que se conta sobre
outro homem que padeceu muitas dores ao morrer, e especialmente a grande dor
de uma consciência perturbada. Também tinha consigo as suas bolsas de
dinheiro, reunindo-as uma a uma, junto com os seus documentos de hipotecas,
os seus títulos e escrituras de propriedade. Pondo essas coisas todas junto do
coração, suspirou e disse: “Estas coisas não me valem; estas coisas não me
valem; fora com elas! Como são pobres estas coisas todas, quando preciso mais
que, tudo de conforto em meus últimos momentos!”

Quão distintamente se nos apresenta o amor a Cristo na história de John


Lambert, amarrado num poste e morto na fogueira; todavia, batendo palmas
enquanto o fogo o queimava, e bradando: “Nada, senão Cristo! Nada, senão
Cristo!”, até que as suas extremidades inferiores se queimaram, ele

caiu das correntes no fogo, exclamando ainda, no meio das chamas: “Nada,
senão Cristo! Nada, senão Cristo!”

Com que clareza a verdade fica exposta diante de você quando ouve histórias
como estas! Você pode captá-la quase tão bem como se o incidente se desse
diante dos seus olhos. Com que perfeição você pode ver a insensatez do
desentendimento entre os cristãos, na história do Sr. Jay sobre os dois homens
que caminhavam em direções opostas numa noite de nevoeiro! Cada um via o
que julgava ser um monstro terrível movendo-se rumo a ele, e fazendo o seu
coração bater forte de terror. Quando chegaram perto um do outro, viram que
os monstros eram irmãos. Assim, muitas vezes homens de diferentes
denominações ficam com medo uns dos outros; mas quando se aproximam, e
conhecem os corações uns dos outros, vêem que, afinal de contas, são irmãos. A
história do negro e seu senhor ilustra bem a necessidade de começar do
começo, nas coisas celestiais, e de não nos metermos nos pontos mais profundos
da nossa santa religião, enquanto não aprendermos completamente as suas lições
elementares. Um pobre negro estava trabalhando arduamente para levar o seu
senhor ao conhecimento da verdade, e estava insistindo em que ele exercesse fé
em Cristo, quando o outro se escusou porque não podia entender a doutrina da
eleição: “Ah! Sinhô”, disse o negro, “o sinhô não sabe o que vem antes da
Epístola aos Romanos? O sinhô deve ler o Livro do jeito certo. A doutrina da
eleição está em Romanos, e primeiro vêm Mateus, Marcos, Lucas e João. O
sinhô está só em Mateus ainda; esse trata do arrependimento. E quando o sinhô
chegar a João, vai ler que o Sinhô Jesus Cristo disse que Deus amou tanto o
mundo, que deu o Seu Filho unigênito para que todo aquele que nele crê não
pereça, mas tenha a vida eterna.” Assim, irmãos, vocês podem dizer aos seus
ouvintes: “Será melhor que leiam primeiro os quatro Evangelhos, do que
começarem lendo Romanos; estudem primeiro Mateus, Marcos, Lucas e João,
e depois podem ir adiante, às Epístolas”.

Todavia não preciso continuar a dar-lhes ilustrações, porque muitas se sugerirão


sozinhas. Dei-lhes o suficiente para mostrar que elas tornam a nossa pregação
natural e vivida. Portanto, quanto mais ilustrações tiverem, tanto melhor. Ao
mesmo tempo, cavalheiros, devo adverti-los do perigo de terem demasiadas
historietas em um único sermão. Talvez devam ter um prato de salada na mesa;
mas, se convidarem os seus amigos para o jantar e não lhes derem nada
senão salada, eles não se sentirão muito bem, e não quererão vir à sua casa outra
vez.

Em terceiro lugar, anedotas e ilustrações podem ser empregadas para explicar


doutrinas ou deveres a entendimentos lerdos. Elas podem ser, de fato, a melhor
forma de exposição. O pregador deve comparar, exemplificar e ilustrar o seu
assunto, de modo que os seus ouvintes possam familiarizar-se realmente com
aquilo que ele lhes está apresentando. Se alguém tentasse fazer-me uma
descrição de uma peça de máquina, possivelmente não conseguiria fazer-me
compreender do que se tratava. Mas se ele tivesse a bondade de mostrar-me
um desenho das várias seções, e depois, da máquina toda, eu, de um jeito ou de
outro, a todo custo, saberia como funcionava. A representação pictórica de uma
coisa é sempre um meio de instrução muito mais poderoso do que qualquer
descrição verbal pura e simples. E justamente deste modo que as historietas e
ilustrações são úteis aos nossos ouvintes. Tomem, por exemplo, esta anedota
para ilustrar o texto “Mas tu, quando orares, entra no teu aposento, e, fechando a
porta, ora a teu Pai que está em oculto”. Um menino costumava subir à
parte superior do celeiro para orar. Contudo, às vezes via que chegavam pessoas
e o perturbavam. Daí por diante, sempre que ali subia puxava a escada para
cima. Ao contar esta história, vocês poderiam explicar como o rapaz entrava
assim no seu aposento e fechava a porta. O sentido não consiste tanto em
entrar literalmente num aposento, ou em fechar a porta, como em afastar-se das
fontes terrenas de distração, puxando para cima

a escada atrás de nós e excluindo aquilo que poderia entrar e estorvar as nossas
devoções secretas. Eu gostaria que pudéssemos puxar sempre a escada depois de
nós quando nos retiramos para orar privadamente; mas muitas coisas
tentam subir aquela escada. O próprio diabo quererá subir para nos perturbar, se
puder; e ele pode chegar ao alto do celeiro sem escada alguma.

Que magnífica exposição do quinto mandamento foi a que o cabo Trim fez
quando lhe perguntaram: “Que entendes por honrar teu pai e tua mãe?” e ele
respondeu: “Com prazer, excelência; é dar-lhes uma parte do meu soldo quando
eles envelhecerem”. Essa foi uma admirável explicação do sentido do texto.
Então, se vocês quiserem mostrar como devemos ser praticantes da Palavra, e
não somente ouvintes, existe a história da mulher que, quando o ministro lhe
perguntou o que ele tinha dito no domingo, replicou que não se lembrava do
sermão, mas este lhe tocara a consciência, pois quando chegou em casa queimou
a sua vasilha de medir cereais, pois não era exata. Há outra história que também
serve para mostrar que o evangelho pode ser útil até para os ouvintes
que esquecem o que ouviram. O ministro visita uma mulher numa segunda-feira,
e a encontra lavando lã numa peneira, segurando-a sob a bomba d’água. Ele lhe
pergunta: “Gostou do discurso de domingo passado?” Ela responde que lhe
fez muito bem. “Bom, qual foi o texto?” Ela não se lembra. “Qual foi o
assunto?” “Ah, senhor, sumiu tudo”!, diz a pobre mulher. “Não se lembra de
alguns dos comentários feitos?” “Não, desapareceram todos da memória.” “Ora,
Mary”, diz o ministro, “então ele não pode ter-lhe feito muito bem.” Oh, mas lhe
tinha feito muitíssimo bem! E ela lho explicou, dizendo: “Eu lhe direi, senhor,
como é. Coloco esta lã na peneira, debaixo da bomba, bombeio sobre ela, e a
água escorre pela peneira, mas então lava a lã. Assim é com o seu sermão. Ele
entra no meu coração, e logo escorre através da minha pobre memória, que é
como uma peneira; porém me lava e me limpa, senhor.”

Vocês poderiam falar longo tempo a respeito do poder purificador e santificante


da Palavra de Deus, e não causariam tanta impressão aos ouvintes como essa
história singela.

Que mais excelente exposição do texto “Chorai com os que choram” poderiam
vocês fazer do que com esta historieta? “Mamãe”, disse a pequena Annie, “não
posso entender por que a pobre viúva Brown gosta que eu vá vê-la. Diz ela que
eu a conforto muito. Mas, mamãe, eu não consigo dizer nada para confortá-la e,
logo que ela começa a chorar, eu ponho os meus braços em volta do pescoço
dela, e choro também. E ela diz que isso a conforta.”

E assim é. Esta é a quintessência do conforto - a simpatia no sentido real da


palavra, o sentimento de companheirismo que moveu a garotinha a chorar com a
viúva que chorava. O Sr. Hervey assim ilustra a grande verdade da diferença
da aparência do pecado aos olhos de Deus e aos olhos do homem. Diz ele que se
pode pegar um pequeno inseto, e com a agulha mais fina fazer nele uma
punctura tão diminuta que dificilmente se pode ver a olho nu. Mas, quando se
olha nele com um microscópio, vê-se uma enorme rotura, da qual sai
uma corrente púrpura, fazendo a criatura parecer ter sido golpeada com o
machado que mata uma vaca. E apenas pelo defeito de nossa visão que não
podemos ver corretamente as coisas. No entanto, o microscópio as revela como
realmente são. Desse modo vocês podem explicar aos seus ouvintes como o olho
microscópico de Deus vê o pecado em seus aspectos verdadeiros. Suponhamos
que vocês quisessem apresentar o caráter de Calebe, que seguiu fielmente o
Senhor. Seria de grande ajuda para muitas pessoas se vocês dissessem que o
nome Calebe quer dizer cão, e depois mostrassem como um cão segue a seu
senhor. Ali vai o seu dono a cavalo, cavalgando por estradas lamacentas. Mas o
cão se mantém perto dele quanto possível, sem se importar com quanta lama
e sujeira espirrem nele, e sem que o estorvem as patadas que possa levar do
cavalo. Exatamente assim devemos seguir o

Senhor. Se vocês quiserem exemplificar a brevidade do tempo, poderão


apresentar a pobre costureira, com o seu toco de vela, costurando sem parar para
terminar o trabalho antes de consumir-se a luz.

Muitos pregadores acham a maior dificuldade em conseguir metáforas próprias


para expor a fé singela no Senhor Jesus Cristo. Há uma notável anedota sobre
um idiota a quem o pastor, que o estava instruindo, perguntou se ele tinha
alma. Para a completa consternação do seu bondoso mestre, ele respondeu:
“Não, eu não tenho alma”. O pregador disse que estava espantado por ele não ter
melhor conhecimento do que esse, depois de ter sido ensinado durante anos. Mas
o pobre sujeito saiu-se com esta explicação: “Eu tinha alma antes, mas a perdi. E
Jesus Cristo veio e a encontrou. Agora eu deixo que Ele a guarde, pois é dEle, e
não me pertence mais”. Esse é um excelente quadro descritivo do método de
salvação pela simples fé na substituição feita pelo Senhor Jesus Cristo. E a mais
pequenina criança da congregação poderia compreendê-lo por meio da história
do pobre idiota.

Em quarto lugar, há uma espécie de raciocínio nas anedotas e ilustrações que é


muito claro para as mentes ilógicas. E muitos dos nossos ouvintes têm mentes
desse tipo, apesar de serem capazes de entender casos ilustrativos e fatos rudes.
As historietas verdadeiras são fatos, e os fatos são coisas rudes. Os casos,
quando multiplicados suficientemente, provam um ponto, como sabemos pela
filosofia indutiva. Dois casos talvez não o provem, mas vinte podem prová-lo,
como numa demonstração. Tome-se a importantíssima questão das respostas à
oração. Vocês podem provar que Deus responde às orações citando historieta
após historieta, que saibam que são autênticas, de casos em que Deus realmente
ouviu e respondeu à oração. Tomemos, por exemplo, aquele notável opúsculo do
Sr. Prime sobre o Poder da Oração. Creio que nele vocês têm a verdade sobre
este assunto demonstrada tão claramente como poderiam tê-la numa proposição
de

Euclides. Acho que, se o mesmo número de fatos pudesse ser narrado com
relação a qualquer questão relativa à geologia ou à astronomia, considerar-se-ia
resolvido e definido o ponto. O escritor introduz tão abundantes provas de Deus
ter ouvido orações, que até os homens que rejeitam a inspiração da
Bíblia devem, pelo menos, reconhecer que este é um fenômeno maravilhoso que
não podem interpretar por outra explicação senão com aquela que proclama que
existe um Deus que tem consideração pelo clamor do Seu povo na terra.

Tenho ouvido sobre algumas pessoas que levantam objeções quanto a trabalhar
pela conversão dos seus filhos, baseadas em que Deus salva os Seus sem
qualquer esforço da nossa parte. Lembro-me de ter feito recuar um homem
que sustentava essa opinião, falando-lhe de um pai que nunca ensinara o seu
filho a orar, nem sequer o instruíra sobre o significado da oração. Achava isso
errado, e que essa obra devia ser deixada ao Santo Espírito de Deus. O menino
levou uma queda e quebrou a perna, e teve que perdê-la. Durante o tempo todo
em que o cirurgião a estava amputando, o rapaz ficou amaldiçoando e
blasfemando de maneira horrorosa. O bom cirurgião disse ao pai: “Você vê, não
quis ensinar o seu menino a orar, mas evidentemente o diabo não teve nenhuma
objeção a ensiná-lo a blasfemar”. Aí está o erro disso: se não tentarmos o melhor
que pudermos para levar os nossos filhos a Cristo, há outro que fará o pior que
puder para arrastá-los para o inferno. Certa mãe disse ao filho doente, que estava
para morrer e se achava num terrível estado mental: “Meu filho, entristece-
me vê-lo com tal aflição; estou certa de que nunca lhe ensinei nenhum mal”.
“Não, mãe”, respondeu ele, “mas a senhora nunca me ensinou nenhum bem; daí,
ficou havendo lugar para penetrar-me toda espécie de males.” Para muitas
pessoas, estas histórias todas serão o melhor tipo de argumento que talvez vocês
possam usar com elas. Vocês lhes apresentam fatos, e estes fatos atingem a
consciência delas, ainda quando embutida em várias polegadas de calosidade.

Não sei de nenhuma argumentação que explicasse a necessidade de submissão à


vontade de Deus, melhor do que a narração da história que, em sua Biografia,
dá-nos o Sr. Gilpin, contando que foi chamado para orar com uma mulher
cujo filho estava muito doente. O bom homem estava pedindo a Deus que, se
fosse da Sua vontade, restaurasse a vida e saúde da querida criança, quando a
mãe o interrompeu e disse: “Não, eu não posso concordar com uma tal oração;
não posso fazê-la dessa forma. Tem que ser da vontade de Deus a recuperação do
meu filho. Não posso suportar que meu filho morra. Ore rogando que ele viva,
seja ou não esta a vontade de Deus”. Respondeu ele: “Mulher, não posso fazer
essa oração, mas ela já foi respondida. O seu filho se recuperará, mas você
viverá para lamentar o dia em que fez tal pedido.” Vinte anos depois, uma
mulher foi carregada desfalecida, por uma síncope, em Tyburn - antigo local de
enforcamentos na Inglaterra - pois o filho dela vivera o bastante para ser levado
à forca por seus crimes. A oração iníqua da mãe fora ouvida, e Deus
lha respondera. Assim, se vocês quiserem provar o poder do evangelho, não
fiquem desperdiçando palavras sem propósito, mas contem histórias de casos
com que se tenham deparado e que ilustrem a verdade que vocês estão
procurando incutir, pois essas historietas convencerão os seus ouvintes
como nenhuma outra espécie de argumento poderá fazê-lo. Creio que isto ficou
bastante claro para cada um de vocês.

As historietas também são úteis porque muitas vezes exercem atração quase
irresistível sobre a natureza humana. Para repreender os que profanam o dia do
Senhor, contem a historieta do cavalheiro que tinha sete libras
esterlinas, encontrou um pobre sujeito a quem deu seis das sete que tinha, e
depois a vil criatura voltou e lhe roubou a sétima. Com que clareza isso expõe a
ingratidão da nossa raça pecadora, privando Deus do único dia dentre sete, que
Ele separou para o Seu serviço! A seguinte história apela à natureza. Dois ou
três rapazes rodeiam um dos seus companheiros e lhe dizem:

“Vamos apanhar umas cerejas do quintal do seu pai”. “Não”, replica ele, “eu não
roubo, e meu pai não quer que aquelas cerejas sejam apanhadas.” “Oh, mas o seu
pai é tão bom, e nunca bate em você!” “Ah, sei que isso é verdade”, responde
o rapaz, “e essa é justamente a razão pela qual não roubaria as cerejas dele!” Isso
poderia mostrar que a graça e a bondade de Deus não levam os Seus filhos à
licenciosidade, e sim, ao contrário, coibem-nos de pecar.

Uma outra história também atrai a natureza humana, e mostra que nem sempre
devemos confiar nos chamados “Pais da Igreja” como fontes de autoridade. Um
nobre ouvira falar de certo ancião que vivia numa aldeia, e o procurou e o
achou, e viu que ele tinha setenta anos de idade. Estava conversando com ele,
supondo que fosse o habitante mais idoso, quando o homem disse: “Oh, não,
senhor; não sou o mais velho! Não sou o pai da aldeia. Há alguém mais velho, o
meu pai, que ainda vive.” Assim, ouvi falar de alguns que disseram
que deixaram de lado “os Pais da Igreja”, indo em busca dos pais realmente
antigos, isto é, deixaram os comumente chamados “Pais Patrísticos”, retornando
aos apóstolos, que são os verdadeiros pais e avós da Igreja Cristã.

As vezes as historietas têm poder por provocarem o senso do lúdrico. É claro


que devo ser muito cuidadoso aqui, pois há uma certa tradição dos Pais de que é
errado rir nos domingos. O undécimo mandamento é que devemos amar-nos uns
aos outros; e depois, segundo algumas pessoas, o décimo-segundo é: “Ficarás de
rosto comprido no domingo”. Devo confessar que preferiria ouvir as pessoas
rirem a vê-las dormirem na casa de Deus; eu preferiria implantar neles a verdade
por meio do ridículo do que ver a verdade negligenciada ou deixar que pereçam
por não terem recebido a verdade. Creio de coração que pode haver tanta
santidade numa risada como num choro, e que, às vezes, rir é das duas coisas a
melhor. Sim, pois, posso chorar e estar murmurando, queixando-me, e
alimentando todo tipo de pensamentos

amargos contra Deus, ao passo que, noutra ocasião, posso dar a risada do
sarcasmo contra o pecado e, assim, evidenciar santo zelo na defesa da verdade.

Não sei por que se deva deixar o ridículo com satanás como arma para ser usada
contra nós, e não para ser empregada por nós contra ele. Aventuro-me a afirmar
que a Reforma deveu quase tanto ao senso do ridículo da natureza humana como
a tudo mais, e que aquelas sátiras e caricaturas publicadas pelos amigos de
Lutero fizeram mais para abrir os olhos da Alemanha às abominações do
sacerdócio do que os mais sólidos e veementes argumentos contra o romanismo.
Não sei de nenhuma razão por que não devamos, em ocasiões propícias, provar o
mesmo estilo de argumentação. “E uma arma perigosa”, dir-se-á, “e muitos
cortarão os próprios dedos com ela.” Bem, compete-lhes estar vigilantes; mas
não sei por que devamos dar tanta importância a isso de cortar os seus dedos, se
puderem, ao mesmo tempo, cortar a garganta do pecado e causar grande dano ao
grande adversário das almas.

Eis uma história que eu não me importaria de contar num domingo para
benefício de certas pessoas muito boas para ouvir sermões e freqüentar reuniões
de oração, mas péssimas para trabalhar. Nunca trabalham nos domingos, porque
nunca trabalham em nenhum dia da semana. Esquecem a parte do mandamento
que diz, “Seis dias trabalharás, e farás toda a tua obra”, e que é tão obrigatória
como a outra parte, “Mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus: nele não
farás nenhuma obra”. A essas pessoas que nunca trabalham por serem
tão “espirituais”, eu contaria a história de certo monge que entrou num mosteiro,
mas não queria trabalhar nos campos, nem no jardim, nem na confecção de
roupas, nem em nenhuma outra coisa, porque, como ele disse ao superior, era um
monge devotado às coisas espirituais. Admirou-se, ao chegar a hora do jantar,
que ninguém o chamou ao refeitório. Daí, ele desceu até o prior, e disse: “Aqui
os frades não comem? Vocês não vão jantar?” Disse o prior: “Nós sim, porque
somos carnais; mas

você é tão “espiritual” que não trabalha, e, portanto, não precisa comer. Por isso
não o chamamos. A lei deste mosteiro é esta; se alguém não trabalhar, também
não comerá.”

E uma boa história a do rapaz da Itália cujo Novo Testamento foi apreendido, e
que disse ao gendarme: “Por que o senhor apreendeu este livro? É um livro
mau?” “É”, foi a resposta. “Tem certeza de que é um livro mau?”, perguntou;
e de novo a resposta foi: “Tenho”. “Então, por que o senhor não prende o Autor
dele, se é um livro ruim?” Essa foi uma fina peça de sarcasmo para com aqueles
que odiavam as Escrituras, e, contudo, professavam amor a Cristo. Outra boa
história, a do nosso amigo irlandês que, inquirido pelo sacerdote sobre que
autoridade um ignorante como ele tinha para ler a Bíblia, respondeu: “É verdade;
mas tenho uma autorização para pesquisa, pois ela diz (Versão Autorizada
inglesa): “Pesquisai as Escrituras, porque pensais ter nelas a vida eterna; e são
elas que de mim testificam”.

Não seria inoportuna esta história, acho eu, como uma espécie de argumento
ridículo que mostra quão grande poder o evangelho deve ter sobre a mente
humana. O Dr. Moffat fala-nos de um certo cafre que o procurou um dia,
dizendo que o Novo Testamento, que o missionário lhe dera uma semana antes,
tinha estragado o seu cão. Disse o homem que o seu cão fora um excelente cão
de caça, mas que tinha rasgado e comido o Novo Testamento, e agora estava
completamente inutilizado. “Não tem importância”, disse o Dr. Moffat, “vou dar-
lhe outro Novo Testamento.” “Oh”, disse o homem, “não é isso que me
preocupa; não me importa que o cão tenha estragado o livro, pois posso comprar
outro; mas, sim, que o livro tenha estragado o cão!” “Como é isso?”, indagou o
missionário. Replicou o cafre: “Agora o cão vai ser completamente inútil para
mim, porque ele comeu a Palavra de Deus, e isso o fará amar os seus inimigos,
de modo que não servirá para caçar”. O homem supunha que, nem mesmo um
cachorro poderia receber o Novo Testamento sem ser por ele

abrandado em seu temperamento. É isso, na verdade, que deve acontecer com


todos quantos se alimentam do evangelho de Cristo. Eu não hesitaria em contar
essa história, seguindo o Dr. Moffat, e naturalmente a usaria para mostrar que,
quando um homem recebe a verdade como se nos apresenta em Jesus, deve
operar-se grande mudança nele, e nunca mais deve ter qualquer utilidade para o
seu antigo senhor.

Quando os sacerdotes estavam tentando perverter os nativos de Taiti ao


romanismo, usaram uma ótima figura que esperavam convenceria o povo da
excelência da igreja católica romana. Ali estavam umas achas de lenha seca. A
quem representariam? Eram os hereges, que deviam ir para o fogo. E aqueles
pequenos ramos da árvore, quem eram? Eram os fiéis. E os galhos grandes?
Eram os sacerdotes. E os que lhes vinham em seguida? Eram os cardeais. E
quem era o tronco da árvore? Oh, esse era o papa! E a raiz que a fez crescer?
Oh, a raiz era Jesus Cristo! Daí os pobres nativos disseram: “Bem, nada sabemos
do tronco e dos galhos; mas temos a raiz, e queremos firmar-nos nela, sem largá-
la nunca”. Se temos a raiz, se temos Cristo, podemos rir das pretensões e ilusões
dos homens.

Estas histórias nos fazem rir, mas também golpeiam o erro diretamente no
coração, e o matam. E, portanto, podem ser empregadas legitimamente como
armas com as quais podemos travar as batalhas do Senhor.

Em quinto lugar, outro emprego das anedotas e ilustrações consiste no fato de


que ajudam a memória a captar a verdade. Conta-se uma história - cuja
veracidade não garanto - de certo camponês que fora persuadido por alguns de
que todos os londrinenses eram ladrões. Daí, quando veio a Londres
pela primeira vez, procurou assegurar o seu relógio metendo-o no bolso do
colete, cobrindo-o depois com anzóis. “Agora”, pensou ele, “se algum cavalheiro
tentar pegar o meu relógio, ele se lembrará disso!” Diz a história que, quando
caminhava pelas ruas, ele próprio quis saber as horas e meteu a mão no bolso,

esquecido dos anzóis. O efeito produzido nele pode ser mais bem imaginado que
descrito.

Pois bem, parece-me que o sermão sempre deve ser como o bolso daquele
camponês, cheio de anzóis, de modo que, se alguém entrar para ouvi-lo, fique
com algum não-me-esqueça, algum lembrete, preso no ouvido, e, talvez, no
coração e na consciência. Caso chegue justo no fim do discurso, deve haver algo
na conclusão que comova e se encrave. Como quando andamos pelos campos
dos nossos amigos fazendeiros, há certos espinhos, como picões, que
infalivelmente se prendem em nossas roupas, e, por mais que as escovemos,
sempre algumas relíquias dos campos ficam nelas. Assim deve haver em nossa
prédica algum picão que se fixe nos que a ouvem.

Que é que vocês lembram melhor dos discursos que

ouviram há anos? Aventuro-me a dizer que é alguma histo-

rieta que o pregador contou. E possível que seja alguma frase expressiva. Mas é
mais provável que seja alguma história marcante inserida no transcurso do
sermão. Pouco antes de morrer, Rowland Hill visitou um velho amigo, que
lhe disse: “Sr. Hill, faz sessenta e cinco anos que o ouvi pregar pela primeira
vez; porém me lembro do texto e de parte do sermão”. “Bem”, perguntou o
pregador, “que parte do sermão você recorda?” Respondeu o amigo: “O senhor
disse que algumas pessoas, quando iam ouvir um sermão, mostravam-se muito
melindradas quanto à maneira de pregar do pregador. Então o senhor disse:
“Suponhamos que você fosse ouvir a leitura do testamento de um dos seus
parentes, e esperasse receber dele um legado. Dificilmente você pensaria em
criticar a maneira de ler do advogado; mas ficaria atento para ouvir se algo lhe
foi deixado, e, se foi, quanto. E é desse jeito que se deve ouvir o evangelho.”
Ora, o homem não teria lembrado isso durante sessenta e cinco anos, se o Sr. Hill
não tivesse colocado o assunto dessa forma ilustrativa. Se ele tivesse dito:
“Diletos amigos, vocês devem ouvir o evangelho por amor do evangelho, e não
apenas pelos encantos

da oratória do pregador, ou pelos ressonantes e deleitáveis períodos gratificantes


aos nossos ouvidos” - se ele tivesse colocado o assunto dessa bela maneira,
como alguns soem fazer, sou forçado a dizer que o homem o teria lembrado
pelo mesmo tempo que um pato se lembra da última vez que entrou na água, e
não mais. Sim, pois teria sido uma maneira muito comum de falar. Entretanto,
colocando a verdade do modo impressivo como o fez, ela foi lembrada durante
sessenta e cinco anos.

Um cavalheiro americano contou a seguinte historieta que corresponde bem ao


propósito que tenho em vista, de modo que a transmito a vocês. Disse ele:
“Quando eu era menino, muitas vezes ouvi a história de um alfaiate que
teve vida muito longa e ficou riquíssimo, de modo que veio a ser objeto de
inveja de todos quantos o conheciam. Sua vida, como acontecerá com todas as
vidas, chegou ao fim. Antes, porém, do seu passamento, sentindo desejo de
beneficiar alguns dos seus colegas de ofício, anunciou que, certo dia, teria
prazer em comunicar a todos os alfaiates da vizinhança o segredo com o qual
poderiam ficar ricos. Os nobres do dedal vieram em grande número e, enquanto
esperavam em ansioso silêncio para ouvir a importante revelação, ergueram o
ancião no leito e ele, com o alento a fenecer, pronunciou esta frase
curta: “Sempre dêem nó na linha”.

Por isso lhes recomendo, irmãos, que usem anedotas e ilustrações, porque elas
dão nós no fio do seu discurso. Que utilidade há em puxar a ponta da linha
através de todo o material com que vocês estão trabalhando? Todavia, não
tem sido este o caso quanto a muitos sermões que ouvimos, ou quanto a
discursos que nós mesmos proferimos? Grande parte daquilo que ouvimos passa
pelas nossas mentes, sem deixar nenhuma impressão duradoura, e tudo o que
recordamos é alguma historieta contada pelo pregador.

Há um caso, confirmado como autêntico, de um homem que foi convertido por


meio de um sermão, oitenta e cinco

anos depois de ter ouvido a pregação dele. O Sr. Flavel, ao concluir uma prédica,
em vez de pronunciar a bênção costumeira, levantou-se e disse: “Como posso
despedi-los com uma bênção, se muitos de vocês são “Anátema,
Maranata”, porque não amam ao Senhor Jesus Cristo?” Um jovem de quinze
anos ouviu aquele extraordinário pronunciamento. Oitenta e cinco anos depois,
sentado sob uma sebe, creio que na Virgínia, a cena toda veio vividamente
perante ele, como se tivesse acontecido no dia anterior. E aprouve a Deus
abençoar as palavras do Sr. Flavel para a conversão daquele homem. Este viveu
mais três anos para dar bom testemunho de que ele sentira o poder da verdade no
seu coração.

Em sexto lugar, as historietas e ilustrações são úteis porque muitas vezes


despertam as emoções. Contudo, não o farão, se vocês contarem as mesmas
histórias repetidamente, inúmeras vezes, lembro-me de que, quando ouvi pela
primeira vez aquela maravilhosa história sobre “Há outro homem”, chorei muito.
Pobre alma, recém-resgatada, meia morta, tendo apenas uns trapos sobre si, e,
apesar de tudo, disse: “Há outro homem”, necessitando salvamento. A segunda
vez que ouvi a história, gostei, mas não a achei tão notável como a princípio. E
na terceira vez, decidi que não queria ouvi-la nunca mais. Não sei quantas vezes
a ouvi daí em diante, porém sempre posso dizer quando ela está para sair. O
irmão fica empertigado, olha com semblante maravilhosamente solene, e diz em
tom sepulcral: “Há outro homem”, e eu penso comigo mesmo: “Sim, e eu
gostaria que não houvesse”, pois ouvi a história até ficar enjoado e cansado dela.
Mesmo uma boa historieta pode ficar tão desgastada, que perderá toda a sua
força, e não haverá utilidade em tornar a contá-la.

Todavia, uma ilustração viva, é melhor para despertar as emoções de um


auditório do que poderia fazê-lo qualquer volume de descrição. Quando o Sr.
Beecher levou ao púlpito uma bela e jovem escrava, com as suas algemas postas,
fez mais pela causa anti-escravagista do que poderia ter feito com a

mais eloqüente arenga. Aquilo que carecemos nestes tempos não é ouvir longas
preleções sobre algum assunto árido, e sim ouvir algo prático, algo que seja
concreto e positivo, relacionado com a nossa maneira de ver as coisas. Quando
conseguimos isto, os nossos corações logo se comovem.

Não duvido que a visão de um leito de morte comoveria os homens muito mais
do que aquele admirável livro intitulado Drelincourt on Death (Drelincourt sobre
a Morte), livro que, penso eu, ninguém jamais foi capaz de ler de capa a capa.
Pode ser que haja casos de pessoas que tentaram fazer isso, mas creio que, muito
antes de chegarem às partes finais, ficam em estado de asfixia ou de coma, sendo
obrigados a ser friccionados com flanelas quentes, e o livro tem que ser afastado
para uma certa distância, enquanto se recuperam. Se você não leu Drelincourt
sobre a Morte, acho que sei o que leu, isto é, a história de fantasma, pespegada
no fim do livro. A obra não se vendia; toda a edição ficou nas estantes das
livrarias, quando Defoe escreveu a ficção intitulada A True Relation of
the Apparition of Mrs. Veal after her Death to Mrs. Bargram (Relato Verdadeiro
da Aparição da Sra. Veal após a sua Morte à Sra. Bargrave), em que Delincourt
sobre a Morte é recomendada pela aparição como o melhor livro sobre o
assunto. Esta história não continha vestígio ou sombra de verdade, sendo
totalmente fruto da imaginação, mas foi posta ao final do livro, e daí toda a
edição se esgotou, e foi preciso publicar mais. Muitas vezes pode acontecer algo
semelhante a isso com os nossos sermões; você deve tão-somente contar às
pessoas o que de fato ocorreu, e assim reterá a atenção delas, e alcançará os seus
corações.

Muitos foram levados à abnegação pelo que ouviram sobre os morávios na


África do Sul, os quais viram um grande espaço de terreno cercado, em que
havia pessoas putrefazendo-se de lepra, alguns sem braços e alguns sem pernas.
E esses morávios não podiam pregar aos pobres leprosos sem ir lá pessoalmente,
arriscando-se a apodrecer com eles. E o fizeram. Outros

dois desse mesmo nobre grupo de irmãos se venderam à escravidão nas ilhas
Antilhanas, para que se lhes permitisse pregar aos escravos. Quando vocês
derem tais exemplos de despreendimento e dedicação missionários, isso
contribuirá mais para despertar o espírito de entusiasmo pelas
missões estrangeiras do que poderiam fazer todos os seus argumentos baseados
no mais rigoroso raciocínio.

Quem não ouviu e não sentiu a força da história dos dois mineiros que, quando o
estopim pegou fogo, e só um deles podia escapar, e o cristão gritou ao seu
companheiro não convertido: “Fuja para salvar-se porque, se você morrer,
estará perdido; mas, se eu morrer, estará tudo bem comigo. Portanto, fuja você”?

O plano do tolo também tenho usado às vezes como tocante ilustração. Havia um
pequeno barco que naufragou, e o homem que estava nele esforçava-se para
nadar até a praia, mas a corrente era forte demais para ele. Uma hora depois de
ter-se afogado, disse um homem: “Eu podia tê-lo salvo”, e quando lhe
perguntaram como poderia tê-lo salvo, descreveu um plano que pareceu o mais
excelente e viável, mediante o qual, sem dúvida, o homem teria sido salvo. Mas
então, infelizmente, nessa altura, o homem já tinha morrido afogado! Assim,
existem alguns que sempre são sábios tarde demais, alguns que talvez tenham
que dizer-se a si próprios, quando este ou aquele fulano tiver seguido o caminho
de todos os viventes: “O que eu não poderia ter feito por ele, se não somente o
tivesse tomado a tempo!” Irmãos, que essa anedota nos lembre a todos que
devemos procurar ser sábios na conquista de almas antes que seja tarde demais
para resgatá-las da destruição eterna.

Em sétimo e último lugar, as anedotas e ilustrações são extremamente úteis


porque cativam o ouvido dos que são totalmente negligentes. Em todos os
sermões faz falta alguma coisa para essa classe de pessoas; e uma historieta é um
bom método para captar o ouvido dos indiferentes e dos ímpios.

Desejamos realmente a salvação deles, e deveríamos preparar a nossa armadilha


de todos os modos possíveis pelos quais pudéssemos captura-los para Cristo.
Não podemos esperar que os nossos jovens venham ouvir dissertações
doutrinárias doutas, destituídas de algum ornato que interesse as suas mentes
imaturas. Não. Nem mesmo das pessoas amadurecidas, depois dos labores da
semana, algumas delas ocupadas até domingo de manhã - não se pode esperar
que atentem para longos e prosaicos discursos que não sejam entrecortados
por uma historieta sequer.

Oh, caros, caros, caros! Como tenho pena daqueles irmãos ineptos que parecem
não saber a quem estão pregando! “Ah”, disse uma vez um irmão, “sempre que
prego, não sei para onde olhar, e então olho para cima, para o ventilador!” Ora,
ninguém fica no alto do ventilador, nem se pode imaginar que alguém se
acomode ali, a menos que os anjos do céu fiquem à escuta ali, para ouvirem as
palavras da verdade. O ministro não deve pregar diante das pessoas, mas
diretamente a elas. Se puder, investigue-as bem, faça um balanço delas, por
assim dizer, veja de que tipo são - e aí adapte a elas a sua mensagem.
V

As vezes vejo algum pobre sujeito de pé no corredor do Tabernáculo. Arre!


Parece um pardal que entrou na igreja e não consegue mais sair! Parece incapaz
de decifrar que espécie de culto é esse. Põe-se a contar quantas pessoas se
assentam na primeira fila da galeria, e todos os tipos de idéias passam pela sua
mente. Agora quero atrair a atenção dele; como o farei? Se eu citar um texto das
Escrituras, pode ser que ele não entenda o sentido, e pode não estar interessado
nele. Meterei um pouco de latim no sermão, ou citarei o original hebraico ou
grego do texto? Isso não funcionará para tal homem. Que farei? Ah, sei uma
história bem própria para ele, eu acho! Sai a história, e o homem não olha mais
para a galeria, mas fica querendo saber o que o pregador pretende. É dito algo
que se adapta tanto ao seu caso, que ele fica perguntando a si mesmo quem
terá falado dele ao ministro, e pensa: “Ora, já sei; às vezes a minha

mulher vem ouvir este homem, de modo que ela lhe falou tudo a meu respeito!”
Depois fica curioso e quer ouvir mais, e enquanto fita o pregador e ouve a
verdade que está sendo proclamada, a primeira cintilação da luz das coisas
divinas começa a brilhar nele. Mas se tivéssemos continuado com o nosso
discurso, indiferentes àquela pessoa, sou incapaz de dizer o que teria acontecido
com aquele homem. “Dizem que eu divago”, escreve Rowland Hill num sermão
que estive lendo hoje à tarde; “dizem que eu divago, mas é porque
vocês divagam, e sou obrigado a divagar atrás de vocês. Dizem que não me fixo
em meu assunto; porém, graças a Deus, sempre me fixo no meu alvo, que é
conquistar as suas almas, levá-los à cruz de Jesus Cristo!”

O Sr. Bertram ilustra habilmente a maneira pela qual os homens ficam


absorvidos nas preocupações terrenas, contando a história do capitão de um
navio baleeiro, a quem procurara interessar nas coisas de Deus, o qual disse: “É
inútil, senhor; a sua conversa não terá efeito nenhum sobre mim. Não posso
ouvir o que está dizendo, nem posso compreender o assunto de que está falando.
Saí de casa para tentar pescar baleias, faz um ano e nove meses que procuro
baleias, e ainda não apanhei nenhuma. Labuto nas profundezas, em busca
de baleias. Quando vou para a cama, sonho com baleias; e quando me levanto de
manhã, pergunto-me se apanharei uma baleia hoje. Há uma baleia no meu
coração, no meu cérebro, senhor, e é inútil falar-me de outra coisa que não seja
baleia”. Assim, os seus ouvintes têm as ocupações deles na cabeça e no
coração. Querem fazer fortuna e aposentar-se; ou têm uma família com filhos
para criar, e Susana precisa casar-se, e João precisa obter boa posição, e é inútil
falar-lhes das coisas de Deus, a menos que você consiga afastar as baleias e
impedir que elas fiquem por perto, espadanando e movimentando-se nas águas.

Há talvez um comerciante que nesse momento pensa

num péssimo negócio. Ou outro que corre o olhar pelo edifício,


/

nota uma fita de certa cor, e pensa: “E isso, eu devia ter maior

estoque desse artigo; vejo que está ficando na moda!” Ou pode ser que um dos
ouvintes ponha os olhos em seu vizinho, e fique pensando que dever fazer-lhe
uma visita no dia seguinte. Assim e que os pensamentos das pessoas estão
ocupados com todos os tipos de assuntos, além daquele de que o pregador está
falando.

Alguém me perguntaria como sei que a situação é essa. Bem, eu sei disso porque
sou culpado da mesma falta. Vejo que ocorre isso quando ouço outro irmão
pregar. Quando prego, não acho que estou indo muito bem; mas, às
vezes, quando vou para a zona rural, e me incumbo dos cultos da manhã e da
noite, e ouço algum outro durante a tarde, penso: “Bem, realmente, quando eu
estava ali em cima eu me achava cacete; mas, agora, só gostaria que fosse minha
vez de pregar de novo!” Ora, é ruim deixar que tais pensamentos penetrem em
nossas mentes; porém, como todos nós estamos sujeitos a divagar, o pregador
deve levar para o púlpito anedotas e ilustrações, e utilizá-las como pregos para
fixar a atenção do povo no assunto do seu sermão.

Uma vez o Sr. Paxton Hood disse, numa palestra que o ouvi pronunciar: “Alguns
pregadores esperam demais dos seus ouvintes; levam para o púlpito certo
número de verdades, como um homem leva uma caixa de pregos;
depois, imaginando que os ouvintes são postes, tiram um prego, e esperam que o
prego se crave sozinho no poste. Ora, não é assim que se faz. Você tem que
pegar o prego, pô-lo contra o poste, martelá-lo, e dobrar-lhe a ponta do outro
lado. Só então você poderá esperar que o grande Senhor das assembléias fixe os
pregos de modo que não venham a cair”. Devemos esforçar-nos assim, para
incutir a verdade no povo, pois sozinha ela não entrará nunca. E devemos
lembrar que os corações dos nossos ouvintes não estão abertos, como a porta da
igreja, de modo que a verdade pudesse entrar, tomar o seu lugar, e sentar-se no
seu trono, para ser cultuada ali. Não; muitas vezes temos que arrombar as portas
com grande

esforço, e impelir a verdade para lugares onde a princípio não será uma hóspeda
bem-vinda, mas onde, com o tempo, quanto mais bem conhecida, mais amada
será.

As ilustrações e historietas ajudarão grandemente a abrir caminho para entrar a


verdade. E farão isso cativando o ouvido dos negligentes e desatentos. Devemos
procurar assemelhar-nos ao Sr. Whitefield, de quem disse um construtor
naval: “Quando ouço algum outro pregar, sempre sou capaz de construir a
estrutura do navio de popa a proa; mas quando ouço o Sr. Whitefield, não
consigo construir nem a quilha”. E outro, um tecelão, disse: “Muitas vezes,
quando estou na igreja, calculo quantos teares caberiam no local; mas quando
ouço aquele homem, esqueço a minha tecelagem por completo”. Irmãos, vocês
devem esforçar-se para fazer com que os seus ouvintes esqueçam as coisas
relacionadas com este mundo, entretecendo a verdade divina integral com as
coisas passageiras de cada dia - e farão isso com o judicioso emprego
de anedotas e ilustrações.

Ora, cavalheiros, para que estas sete razões interessem a mente e assegurem a
atenção dos nossos ouvintes, tornem natural e vivido o nosso ensino, expliquem
algumas passagens difíceis para os entendimentos lerdos, auxiliem as faculdades
de raciocínio de certas mentes, ajudem a memória, despertem as emoções e
cativem o ouvido dos negligentes -fui persuadido, há muito tempo, a empregar
historietas e ilustrações, e acho muito provável que elas levarão vocês também
ao emprego delas.

Ao mesmo tempo, devo repetir o que já disse: devemos ter cuidado para não
deixar que as nossas anedotas e ilustrações sejam como tonéis vazios, que não
levam nada. Devemos agir de modo que não se diga de nossos sermões com
verdade o que disse certa senhora a quem, depois de ouvir um clérigo pregar,
perguntaram o que achava do sermão, e se não havia muito espírito nele. “Oh,
sim!” replicou ela, “era todo espírito; corpo é que absolutamente não havia
nele.” E preciso existir

algum “corpo” em cada discurso, alguma doutrina realmente sã, alguma


instrução válida para os nossos ouvintes levarem para casa; não meramente
histórias para diverti-los, mas sólida verdade para ser recebida no coração e
desenvolvida no viver. Se se der isto com os seus sermões, caros irmãos, não
lhes terei falado em vão, nesta tarde, sobre o emprego de historietas
e ilustrações.
Onde Podemos Achar Anedotas e Ilustrações?

Diletos irmãos, depois da minha última preleção, sobre o emprego de anedotas e


ilustrações, provavelmente vocês estão prontos para empregá-las em seus
discursos; mas alguns de vocês poderão perguntar: “Onde podemos obtê-las?”
Logo no início da palestra desta tarde, permitam-me dizer que ninguém precisa
inventar anedotas e histórias a fim de interessar uma congregação. Ouvi falar de
uma pessoa que foi ver o ministro numa sexta-feira, e a criada lhe disse que o
patrão não podia recebê-la porque estava no escritório “inventando anedotas”.
Essa espécie de serviço não fica bem para um ministro cristão.

Também os admoesto a terem cuidado com muitas histórias comuns,


freqüentemente repetidas, as quais desconfio que poderiam ser provadas como
fatos reais. Toda vez que tenho a mais leve suspeita sobre a veracidade de uma
história, jogo-a fora de uma vez; e acho que todos deviam fazer a mesma
coisa. Na medida em que as histórias sejam de uso corrente, e que sejam
geralmente cridas, e dado que possam ser utilizadas para um propósito
proveitoso, creio que podem ser contadas, sem ser feita qualquer afirmação
quanto à sua veracidade numa corte de justiça. Mas, no momento em que alguma
dúvida surgir à mente do pregador se o tal conto baseia-se em fatos, penso que é
melhor que busque outra coisa, pois tem o mundo todo para onde ir, como a um
armazém de ilustrações.

Se quiserem interessar os seus ouvintes e prender a atenção deles, irmãos, vocês


poderão encontrar historietas e ilustrações em muitos riachos, como grãos de
ouro cintilando por entre

as correntes das montanhas. Por exemplo, há uma história corrente. Vocês


podem apanhar o jornal diário e achar ilustrações ali. Em meu pequeno livro, de
um xelim, The Bible and the Newspaper (A Biblia e o Jornal), dou exemplos de
como se pode fazer isto. E quando estava preparando a presente prele-ção,
peguei um jornal para ver se podia achar uma ilustração nele, e logo achei uma.
Era a narrativa de um homem de Wandsworth que foi apanhado, com uma
espingarda e um cão, violando as propriedades de um cavalheiro, e ele disse que
estava só procurando cogumelos! Você pode imaginar o que uma arma e um cão
têm que ver com cogumelos? Contudo, o guarda apalpou o bolso do homem e,
sentindo alguma coisa macia, perguntou: “Que é isso?” “Oh”, disse o
caçador furtivo, “é apenas um coelho!” Quando se lhe sugeriu que as orelhas da
criatura eram demasiado longas para um coelho, ele disse que era uma pequena
lebre, mas então ficou provado que era uma belíssima e gorda lebre. Daí o
homem disse que tinha achado a lebre perto de uns cogumelos, mas que a
sua intenção era somente apanhar os cogumelos! Ora, essa é uma importante
ilustração. Tão logo você põe as mãos num homem e começa a acusá-lo de
pecado, ele diz: “Pecado, senhor! Oh, meu caro, não! Eu estava só fazendo uma
coisa boa, coisa que tenho todo o direito de fazer. Eu estava
procurando cogumelos; não estava roubando caça!” Você o pressiona um pouco
mais, e tenta levá-lo à convicção de pecado, e então ele diz: “Bem, talvez não
fosse bem assim; pode ter sido uma coisa um pouco errada; mas era apenas um
coelho!” Quando o homem não consegue mais negar que é culpado,
havendo cometido pecado, diz ele que foi apenas um pequenino pecado; e custa
muito tempo, você conseguir levá-lo a admitir que o pecado é extremamente
grave. Na verdade, nenhum poder humano jamais pode produzir convicção
genuína no coração de um só pecador que seja; tem que ser obra do Espírito
Santo.

Li também, no mesmo jornal, sobre um calamitoso

naufrágio ocasionado por falta de luz. Você poderia facilmente tornar aquele
incidente um relato, usando-o para ilustrar a destruição das almas pela falta de
conhecimento de Cristo. Não tenho dúvida, se você apanhasse algum dos jornais
diários da manhã de hoje, prontamente acharia abundantes ilustrações. O Sr.
Newman Hall, falando-nos certa vez, disse que todos os ministros cristãos
devem ler regularmente a Bíblia e o jornal The Times (Os Tempos). Imagino, por
sua maneira usual de discursar, que ele mesmo faz isso. Quer você leia aquele
jornal, em particular, ou outro qualquer, deve de algum modo manter-se bem
suprido de ilustrações tiradas das transações comuns que se dão ao seu redor.
Tenho dó, mesmo do professor de escola dominical, quanto mais do ministro do
evangelho, que não possa fazer uso de incidentes como a terrível queima da
igreja de Santiago, o grande incêndio da Ponte de Londres, a entrada da princesa
Alexandra em Londres, o recenseamento - na verdade,' qualquer coisa que atraia
a atenção do público. Em todos esses acontecimentos há uma ilustração, um
símile, uma alegoria, que pode assinalar uma lição moral, adornar uma narrativa.

De vez em quando você pode adaptar a história local à ilustração do seu assunto.
Quando o ministro prega em algum distrito particular, muitas vezes verá que é
melhor cativar o ouvido das pessoas e monopolizar a sua atenção, contando uma
historieta relacionada com o lugar onde elas vivem. Sempre que posso, obtenho
as crônicas de vários condados, pois, uma vez que vou a todos os tipos de
cidades e vilas do interior para pregar, vejo que há grande quantidade de
materiais úteis que se podem desencavar até dos insípidos e áridos livros
topográficos. Começam, talvez, com o nome de John Smith, trabalhador, o
homem que cuida do registro da paróquia, dá corda no relógio da paróquia, faz
armadilhas para camundongos, ratoeiras, e faz outras cinqüenta coisas úteis.
Mas, se você tiver a paciência de ler mais, encontrará

muita informação que não poderia achar em nenhuma outra parte, e


provavelmente topará com muitos incidentes e anedotas que poderá empregar
como ilustrações da verdade que procura expor.

Pregando em Winslow, condado de Buckinghamshire, não seria inoportuno


introduzir o incidente do bom Benjamin Keach, pastor da igreja batista naquela
cidade, punido no pelourinho do mercado no ano de 1664, “por
escrever, imprimir e publicar um livro cismático, intitulado, The Child’s
Instructor (O Instrutor da Criança) ou A New and Easy Primmer (Uma Nova e
Fácil Cartilha)”. Não creio, porém, que se eu estivesse pregando em Wapping,
devesse chamar o povo de “pecadores de Wapping”, como se diz que
Rowland Hill fez, quando lhes disse que “Cristo podia salvar velhos pecadores,
grandes pecadores, sim, até mesmo os pecadores de Wapping!” Na capela de
Craven, seria mais apropriado contar a história de Lorde Craven, que estava
empacotando os seus pertences pretendendo ir para o interior ao tempo da
grande praga de Londres, quando o seu criado lhe disse: “Meu senhor, o seu
Deus vive somente no interior?” “Não”, replicou Lorde Craven, “Ele tanto se
acha aqui como lá”. “Pois bem”, disse o criado, “se eu fosse sua senhoria, acho
que ficaria aqui; o senhor estará tão seguro na cidade como no campo”; e o
Lorde Craven então ficou ali, confiando na boa providência de Deus.

Além disso, irmãos, vocês têm o maravilhoso repositório da história antiga e


moderna - romana, grega, inglesa - com que, por certo, vocês estão procurando
familiarizar-se. Quem pode ler os velhos contos clássicos sem sentir a alma em
fogo? Ao levantar-se da leitura, vocês não só estarão conhecendo
os acontecimentos dos “bravos dias de antanho”, mas terão aprendido muitas
lições que poderão ser de utilidade em sua pregação hoje. Por exemplo, existe a
história de Fídias e a estátua do deus que ele tinha esculpido. Depois de acabá-
la, ele cinzelara no canto, com diminutas letras, a palavra

“Fídias”, e se objetou que a estátua não podia ser cultuada como deus, nem ser
considerada sagrada, enquanto portasse o nome do escultor. Questionou-se
seriamente se Fídias não devia ser apedrejado até morrer por ter profanado dessa
forma a estátua. Como pôde ousar, perguntavam, pôr o seu nome na imagem de
um deus? Assim, alguns de nós são muito capazes de querer colocar os seus
pequenos nomes no fundo de alguma obra realizada para Deus, para serem
lembrados, ao passo que devemos, em vez disso, censurar-nos a nós mesmos por
desejarmos ter algum crédito daquilo que Deus o Espírito Santo nos capacita
afazer.

Depois há aquela outra história de um escultor antigo, que estava para colocar a
imagem de um deus num templo pagão, conquanto não tivesse terminado a parte
da estátua que devia ser embutida na parede. O sacerdote se opôs, e declarou que
a estátua não estava completa. Disse o escultor: “Essa parte do deus nunca será
vista, pois será firmada na parede”. “Os deuses podem enxergar na parede”,
respondeu o sacerdote. Por semelhante modo, as partes mais reservadas da nossa
vida, aquelas questões secretas que os olhos humanos jamais alcançam, estão,
todavia, ao alcance da vista do Todo-poderoso, e devem ser atendidas com o
máximo desvelo. Não nos basta manter a nossa reputação pública entre os
nossos semelhantes, pois o nosso Deus pode enxergar na parede; Ele nota
a nossa frieza na mais secreta comunhão, e percebe os nossos erros e fracassos
na família.

Procurando uma vez expor como o Senhor Jesus Cristo se deleita com o Seu
povo por ser obra das Suas mãos, encontrei uma história clássica de Ciro,
extremamente útil. Quando mostrava o seu jardim a um embaixador estrangeiro,
Ciro lhe disse: “Não é possível que você se interesse como eu por estas flores e
árvores, pois eu mesmo fiz os arranjos do jardim todo, e plantei cada planta aqui
com as minhas próprias mãos. Reguei-as e as vi crescer. Tenho sido um pai de
família para elas e, portanto, amo-as muito mais do que lhe seria possível

amá-las.” Assim, o Senhor Jesus Cristo ama o belo jardim da Sua Igreja, porque
Ele arranjou-a e a plantou com as Suas amorosas mãos, e cuida de cada planta,
nutrindo-a e tratando-a com carinho.

Os dias das cruzadas constituem um período peculiarmente rico quanto a nobres


histórias que dão boas ilustrações. Lemos que quando os soldados de
Godofredo de Bouillon avistaram a cidade de Jerusalém, ficaram tão enlevados
com o que viram, que caíram sobre os seus rostos, depois se puseram de pé,
bateram palmas, e fizeram ressoar as montanhas com os seus gritos de alegria,
Assim, quando avistarmos a Nova Jerusalém, o nosso lar feliz nas alturas,
cujo nome sempre nos é tão precioso, faremos a nossa câmara mortuária
retumbar de aleluias, e até os anjos escutarão os nossos cânticos de louvor e
gratidão. Também está registrado, com relação a esse mesmo Godofredo, que,
quando entrou em Jerusalém na vanguarda do seu exército vitorioso, recusou-
se a usar a coroa com a qual os seus soldados queriam ornar a sua fronte. “Pois”,
disse ele, “por que deveria eu usar uma coroa de ouro na cidade em que o meu
Senhor usou uma coroa de espinhos?” E uma boa lição para aprendermos
pessoalmente e que devemos ensinar ao nosso povo. No mundo em que Cristo
foi desprezado e rejeitado pelos homens, não fica bem a um cristão procurar
obter honras terrenais, ou andar ambiciosamente à caça de fama. O discípulo não
deve pensar em estar acima do seu Mestre, nem o servo em estar acima do seu
Senhor.

A seguir, você poderia facilmente fazer uma ilustração daquela história


romântica, que pode ser ou não ser verdadeira, da rainha Eleanor sugando o
veneno do braço ferido do seu marido (Eduardo I). Muitos de nós, eu espero,
esta-ríamos dispostos a, por assim dizer, sugar toda calúnia e animosidade do
braço da Igreja de Cristo, e a suportar todo e qualquer sofrimento, desde que a
Igreja mesma pudesse escapar e sobreviver. Meus irmãos, não poria alegremente

qualquer de nós os lábios nas peçonhentas feridas da Igreja hoje, sofrendo até a
morte, antes que permitir que as doutrinas de Cristo sejam impugnadas, e que a
causa de Deus seja desonrada?

Que belo campo de ilustrações jaz aí aberto para vocês na história religiosa! E
difícil dizer onde começar a cavar nessa mina de precioso tesouro. A história de
Lutero e o judeu poderia ser usada para demonstrar o mal do pecado, e
como evitá-lo. Um judeu buscava uma oportunidade para apunhalar o
reformador, mas Lutero recebeu um retrato do homicida em potencial, de modo
que, por onde andasse, estava sempre em guarda contra o assassino. Usando ele
próprio este fato como ilustração, disse Lutero: “Deus sabe que há pecados
que nos destruiriam, e, portanto, Ele nos deu retratos deles em Sua Palavra, de
forma que, onde quer que os vejamos, podemos dizer: “Esse é um pecado que
me apunhalaria; devo ter cuidado com essa coisa má, e ficar fora do caminho
dela”.

O valente reformador inglês, Hugh Latimer, naquela famosa história de um


incidente em seu julgamento diante de vários bispos, salienta com muita clareza
a onipresença e a onisciência de Deus, e o cuidado com que devemos andar
na presença do Ser que pode ler os nossos mais secretos pensamentos e
imaginações. Diz ele: “Uma vez estava sendo examinado perante cinco ou seis
bispos, ocasião em que tive muitos problemas. Três vezes por semana eu era
submetido a interrogatório, e me lançavam muitas armadilhas e laços para pegar-
me nalguma coisa. ...Afinal, fui levado para ser interrogado numa câmara
decorada com tapeçaria onde costumavam interrogar-me. Mas desta vez, a
câmara sofrerá alguma alteração. Pois, enquanto que antes era costume
haver sempre fogo aceso na lareira, agora o fogo fora eliminado, um tapete
pendia sobre a lareira, e a mesa fora colocada perto dela. Entre os bispos que me
examinavam, havia um que era muito conhecido meu e que eu considerava
grande amigo, homem idoso, e ele estava sentado perto da ponta da mesa.
Depois,

entre todas as demais questões, ele me apresentou uma que era muito sutil e
ardilosa: era de tal espécie, na verdade, que eu não podia imaginar que
contivesse tanto perigo. E quando me coube dar uma resposta, “Peço-lhe, Sr.
Latimer”, disse um deles, “fale alto; sou ruim de ouvido, e muitos estão sentados
longe”. Fiquei espantado com isso, que eu tinha que falar alto, e comecei a
suspeitar, e pus atenção na lareira; e escutei uma pena escrevendo na lareira, por
trás do tecido. Tinham nomeado alguém para escrever ali todas as
minhas respostas, pois eles queriam assegurar-se de que eu não escaparia deles; e
não havia escape deles. Deus foi meu bom Senhor, e me deu uma resposta, se
não, eu nunca teria escapado”. Pregando, alguns anos mais tarde, o
próprio Latimer contou a história e aplicou a ilustração. “Meu ouvinte”, disse
ele, “há uma pena de registro em serviço atrás da tapeçaria, anotando tudo o que
dizes, e registrando tudo o que fazes: portanto, sê cuidadoso, para que as tuas
palavras e ações sejam dignas de registro no Memorial de Deus.”

Você poderia ilustrar bem a doutrina do cuidado providencial especial que Deus
tem dos Seus servos, relatando a história de John Knox, que, uma noite, negou-
se a sentar-se em seu assento costumeiro, embora não soubesse de
nenhuma razão particular para agir assim. Ninguém tinha permissão para ocupar
aquela cadeira, e, durante a noite, houve um tiro através da janela e atingiu um
castiçal que estava num ponto imediatamente oposto ao local onde John Knox
estaria sentado, se tivesse ocupado o seu lugar de costume.

Há também o caso do piedoso ministro que, fugindo dos seus perseguidores, foi
para um celeiro e se meteu no feno. Os soldados entraram no local, espetando e
golpeando com as suas espadas e baionetas; e o bom homem sentiu o aço frio
tocar a sola do seu pé, e o arranhão feito durou anos. Contudo, os seus inimigos
não o descobriram. Depois, veio uma galinha, e esta pôs diligentemente um ovo,
todos os dias, perto do lugar em que ele estava escondido, e assim ele foi
sustentado, bem

como preservado, até poder deixar com segurança o seu esconderijo.

Foi o mesmo ministro, ou um dos seus irmãos perseguidos, que foi


providencialmente protegido pela agência de uma humilde aranha. Esta é a
história, como eu a li: “Recebendo aviso de um amigo de que tentavam capturá-
lo, e vendo que havia homens em seu encalço, refugiou-se numa fábrica
de malte, e arrastou-se para dentro do forno vazio, e ali se ajeitou.
Imediatamente após, viu uma aranha mais abaixo, cruzando a estreita entrada
pela qual ele passara, e fixando desse modo o primeiro fio daquilo que logo se
desenvolveu formando uma grande e bela teia. A tecelã e a teia,
colocadas diretamente entre ele e a luz, estavam bem visíveis. Ele estava tão
impressionado com a habilidade e diligência da aranha, e tão absorvido na
contemplação do trabalho dela, que esqueceu o perigo que corria. Ao tempo em
que a rede se completava, cruzando e recruzando a boca do forno em todas as
direções, os perseguidores do homem entraram na fábrica, à procura dele. Ele
percebeu os seus passos e escutou as palavras cruéis que diziam enquanto
examinavam todos os cantos. Depois chegaram perto do forno. Pôde ouvir
dizer um ao outro: “E inútil olhar aí dentro-, o velho vilão nunca poderia estar
ali. Veja aquela teia de aranha; jamais ele poderia ter entrado ali sem rompê-
la”. Sem darem mais busca, foram procurá-lo noutra parte, e ele escapou ileso
das suas mãos”.

Existe outra história, que encontrei algures, de um prisioneiro que, durante a


guerra americana, foi metido numa cela em que havia uma pequena fenda pela
qual um soldado o observava sempre, dia e noite. O que quer que o prisioneiro
fizesse, quer comesse, ou bebesse, ou dormisse, os olhos da sentinela estavam
perpetuamente fitos nele, e, pensar nisso, disse ele, era-lhe absolutamente
terrível, quase o deixando louco. Não podia suportar a idéia de ter os
olhos daquele homem sempre a vigiá-lo. Não conseguia dormir direito; até a sua
respiração tornou-se uma miséria, porque,

para onde se virasse, não podia escapar da observação dos olhos daquele
soldado. Essa história poderia ser utilizada como ilustração do fato de que os
olhos oniscientes de Deus estão sempre olhando para cada um de nós.

Lembro-me de ter feito dois ou três dos meus ouvintes se expressarem em alta
voz por ter-lhes contado esta história, que li num folheto americano. Suponho
que seja verdadeira, talvez. Para mim é fidedigna, e eu gostaria de poder contá-
la como está impressa. Um ministro cristão, que morava num recanto afastado,
saiu a passeio numa noite, para meditar em silêncio. Foi muito mais longe do
que tencionava, e, perdendo a trilha, internou-se a esmo na mata. Ele continuou
esforçando-se para achar o caminho de casa, mas não conseguiu. Receava que
teria de passar a noite nalguma árvore, mas, de repente, conforme seguia adiante,
viu os frouxos reflexos de luzes à distância, e, daí, apertou o passo, esperando
achar abrigo numa choupana amiga. Uma coisa estranha ele tinha diante do seu
olhar. Estava havendo uma reunião numa clareira em plena floresta, e o local era
iluminado com tochas de pinho. Pensou ele: “Bem, aqui estão alguns cristãos
reunidos para cultuar a Deus. Alegro-me que, aquilo que achei que tinha sido um
desastroso engano, perdendo eu o rumo, tenha-me trazido aqui. Talvez eu possa
tanto fazer como receber algum benefício”.

Para seu espanto, porém, viu que se tratava de uma reunião de ateus, e que os
oradores ventilavam suas idéias blasfemas contra Deus com grande ousadia e
determinação. O ministro sentou-se, tomado de pesar. Um jovem declarou que
não cria na existência de Deus, e desafiou Jeová a destruí-lo ali mesmo e naquela
hora, se é que existia tal Deus. O coração do bom homem meditava em como
poderia replicar, mas a sua língua parecia grudada no céu da boca. E o orador
incrédulo sentou-se no meio de altas aclamações de admiração e de aprovação.

O nosso amigo não queria ser covarde ou dar para trás no dia da batalha, e,
portanto, estava quase inclinado a

levantar-se e falar, quando ura homem robusto e corpulento, que já ultrapassara o


meridiano da vida, mas que era extremamente vigoroso ainda, e parecia um forte
e musculoso madeireiro das matas, levantou-se e disse: “Gostaria de falar-lhes,
se me derem atenção. Não vou falar nada a respeito do tópico discutido pelo
orador que acaba de sentar-se. Vou só contar-lhes um fato. Querem ouvir-me?”
“Sim, sim”, gritaram. Era uma discussão livre, de modo que o
ouviriam, especialmente quando ele não ia contestar nada. “Há uma semana”,
começou ele, “eu estava trabalhando acolá, à margem do rio, derrubando
árvores. Vocês sabem das corredeiras lá embaixo. Bem, enquanto eu estava no
meu trabalho, a alguma distância delas, ouvi gritos e berros, de mistura
com clamores a Deus por socorro. Corri para a beira do rio, pois adivinhei o que
era. Vi lá um moço que não conseguia manobrar o seu barco. A correnteza estava
tomando domínio sobre ele, e ele estava sendo levado águas abaixo e logo,
se ninguém interferisse, com certeza seria arrastado para a cachoeira e levado a
uma morte horrível. Vi aquele jovem ajoelhar-se no barco e orar ao Deus
Altíssimo, rogando-Lhe pelo amor de Cristo e por Seu precioso sangue, que o
salvasse. Confessou-se incrédulo, mas disse que, se fosse libertado só essa vez,
declararia sua fé em Deus. Pulei logo no rio. Os meus braços não são muito
fracos, eu acho, embora não sejam tão fortes como antes. Empenhei-me em ir
para dentro do barco, manobrei-o, girando-o e levando-o para a praia, e assim
salvei a vida daquele moço. E aquele moço é justamente esse que agora há
pouco se sentou, e que esteve negando a existência de Deus, e desafiando o
Altíssimo a destruí-lo!” Naturalmente, usei essa história para mostrar que é fácil
jactar-se e gabar-se de sentimentos incrédulos quando se está em lugar
seguro; mas, quando os homens se vêem em perigo de vida, falam de maneira
muito diferente.

Há uma importante história, que exemplifica a necessidade de freqüentar a casa


de Deus, não só para ouvir o

pregador, porém para buscar o Senhor. Certa senhora tinha ido à Ceia numa
igreja escocesa e tinha gostado muito do culto. Quando chegou em casa,
perguntou quem era o pregador, e foi informada de que era o Sr. Ebenezer
Erskine. A senhora disse que iria lá outra vez, no domingo seguinte, para ouvi-
lo. Foi, mas não aproveitou o mínimo. O sermão não parecia ter nenhuma unção
ou poder. Ela foi ter com o Sr. Erskine e lhe contou a sua experiência nos dois
cultos. “Ah, madame”, disse ele, “no primeiro domingo a senhora veio para
encontrar-se com o Senhor Jesus Cristo, e recebeu uma bênção; mas no segundo
domingo veio ouvir Ebenezer Erskine, e não recebeu bênção alguma, e não tinha
direito de esperar nenhuma.” Vocês vêem, irmãos, o pregador poderia falar ao
povo, em termos gerais, sobre vir para prestar culto a Deus, e não apenas
para ouvir o ministro, sem que, contudo, suas palavras produzissem efeito
algum, pois talvez não houvesse nada suficientemente notável para ficar na
memória; entretanto, depois de uma historieta como essa, sobre o Sr. Erskine e a
dama, quem poderia esquecer a lição que se pretendeu ensinar?

Pois bem, supondo-se que vocês tenham esgotado todas as ilustrações que se
podem achar na história corrente, na história local, na história antiga e moderna,
e na história religiosa - o que eu acho que não farão, a menos que vocês mesmos
fiquem esgotados - poderão voltar-se para a história natural, onde encontrarão
ilustrações e anedotas em grande abundância. E não terão por que sentir
quaisquer escrúpulos de consciência quanto ao uso dos fatos da natureza
para ilustrar as verdades das Escrituras, porquanto há uma saudável filosofia que
dá apoio ao emprego dessas ilustrações. E um fato facilmente explicável, que as
pessoas receberão mais prontamente a verdade da revelação, se vocês a
associarem a alguma verdade congênere da história natural, ou a alguma coisa
visível aos olhos - mais do que se lhes derem uma pura e simples exposição da
doutrina. Além disso, há este importante fato que não se deve olvidar, que Deus
que é o

Autor da revelação, é também o Autor da criação, da providência, da história, e


de tudo mais do que vocês devem extrair as suas ilustrações. Quando vocês usam
a história natural para ilustrar as Escrituras, estão somente explicando um dos
livros de Deus mediante outro volume que Ele escreveu.

E justamente como se vocês tivessem diante de si duas obras escritas pelo


mesmo autor que escrevera, em primeiro lugar, um livro para crianças; e depois,
em segundo lugar, preparara um volume de instrução mais profunda para pessoas
de idade mais madura, e de maior cultura. As vezes, quando acharem passagens
obscuras e difíceis na obra destinada a estudantes mais adiantados, vocês podem
referir-se ao pequeno livro destinado aos mais jovens, e podem dizer: “Sabemos
que isto significa assim e assim, porque é como o assunto é explicado no livro
para principiantes”. Assim, a criação, a providência e a história são livros que
Deus escreveu para que os leiam os que têm olhos, para que ouçam a Sua
voz neles os que têm ouvidos, até mesmo para que os leiam os homens
incrédulos, para que vejam neles alguma coisa de Deus. Mas o outro Livro
glorioso foi escrito para os que são ensinados de Deus, e tornados espirituais e
santos. Freqüentes vezes, retornando à cartilha, vocês obterão algo
daquela narrativa simples que elucidará e ilustrará o clássico mais difícil, pois é
isso que a Palavra de Deus é para vocês.

Há um certo tipo de pensamento que Deus tem mantido em todas as coisas.


Aquilo que Ele fez com a Sua Palavra tem semelhança com a própria Palavra
pela qual o fez. E o visível é símbolo do invisível, porque o mesmo pensamento
de Deus perpassa tudo. Há um toque do dedo divino em tudo que Deus fez, de
forma que as coisas que aparecem aos nossos sentidos têm certas semelhanças
com as coisas que não aparecem. O que se pode ver, provar, tocar e apalpar,
destina-se a ser para nós o sinal externo e visível de alguma coisa que
encontramos na Palavra de Deus e em nossa experiência espiritual, que é a graça
interna e espiritual. Assim, não há nada de forçado e

antinatural em induzir a natureza a ilustrar a graça; ela foi ordenada por Deus
para esse preciso propósito. Rastreiem a criação inteira em busca de símiles. Não
se limitem a algum ramo particular da história natural. Os ouvintes de um
doutor muito culto queixavam-se de que ele continuadamente lhes dava aranhas
como ilustrações. Eu preferiria dar ao povo uma ou duas aranhas
ocasionalmente, e então variar a instrução com histórias, anedotas, símiles e
metáforas tiradas da geologia, da astronomia, da botânica, ou de alguma das
outras ciências que ajudem a emitir centelhas de luz sobre as Escrituras.

Se você, irmão, mantiver abertos os olhos, não verá um cão seguindo o dono,
nem um camundongo assomando à saída do buraco em que se oculta, nem
ouvirá sequer um suave arranhão por trás dos lambris, sem tomar alguma coisa
para introduzir na tessitura dos seus sermões, se as suas faculdades estiverem
todas alertas. Quando você vai para casa de noite, e se assenta perto da lareira,
não deve poder pegar o seu gato doméstico sem ver aquilo que lhe forneça uma
ilustração. Como são macias as patas da gatinha, e, contudo, num momento, se
se zangar, quão agudas serão as suas garras! Como se assemelham à tentação,
macia e gentil quando vêm até nós no início, mas, que feridas mortais e
execráveis nos causa pouco depois!

Lembro-me de ter usado, com efeito muito considerável, num sermão que
preguei no Tabernáculo, um incidente que ocorreu no meu próprio jardim. Havia
um cachorro que costumava atravessar a cerca, e esgaravatar os meus
canteiros de flores, causando manifesto estrago no serviço e no humor do
jardineiro. Andando pelo jardim, um sábado à tarde, e preparando o meu sermão
para o dia seguinte, vi a criatura de quatro patas - na verdade um espécime
desprezível, diga-se de passagem - e, tendo na mão uma bengala, atirei-a
nele com toda a força, dando-lhe ao mesmo tempo um bom conselho de que
fosse para a casa dele. Ora, que fez o meu amigo canino, senão voltar-se, pegar
com a boca a bengala,

trazê-la e depositá-la a meus pés, movendo a cauda nesse tempo todo à espera
dos meus agradecimentos e das minhas palavras amáveis? Naturalmente vocês
não imaginam que eu lhe dei um pontapé, ou que atirei de novo a bengala
nele. Fiquei com a maior vergonha de mim mesmo, e lhe disse que era bem-
vindo para ficar quanto tempo quisesse, e para vir quantas vezes lhe agradasse.
Ali estava um exemplo do poder da não-resistência, da submissão, da paciência e
da confiança, na superação até mesmo da ira justa. Usei aquela ilustração na
pregação do dia seguinte, e não me senti rebaixado por ter contado a história.

A maioria de nós já leu o livro A Tour round my Garden (Um Giro pelo meu
Jardim), de Alphonse Karr. Por que alguém não escrevei Tour round my Dining-
table (Um Giro em torno da minha Mesa de Jantar), ou, ^4 Tour round my
Kitchen (Um Giro pela minha Cozinha)? Creio que um livro desse
tipo, sumamente interessante, poderia ser escrito por alguém que tenha os olhos
abertos para ver as analogias da natureza. Lembro-me de que, um dia, quando eu
morava em Cambridge, estava precisando urgentemente de um sermão, e
não conseguia fixar-me num assunto, quando, subitamente, notei certo número
de pássaros na cobertura de ardósia da casa fronteira. Quando os fitei
diretamente, vi que havia um canário que fugira da casa de alguém, e um bando
de pardais o cercou e o bicava seguidamente. Ali estava o texto do meu sermão
afinal: “A minha herança é para mim ave de várias cores; andam as aves de
rapina contra ela em redor” (Jer. 12:9).

Ainda uma vez, irmãos, se não puderem achar ilustrações na história natural, ou
em qualquer das histórias que mencionei, achem-nas em qualquer parte. Tudo
que ocorre ao seu redor, se tão-somente vocês tiverem miolos na cabeça, ser-
lhes-á útil. Mas se pretendem realmente interessar e beneficiar os seus ouvintes,
terão que manter os olhos abertos e usar todas as capacidades de que o Senhor os
dotou. Se o fizerem, verão que, ao andarem simplesmente pelas ruas,

uma ou outra coisa lhes sugerirá uma passagem das Escrituras, ou os ajudará,
quando tiverem escolhido o texto, a desvendá-lo de maneira tão real ao povo,
que prenderão a sua atenção, e transmitirão a verdade às suas mentes e aos seus
corações.

Por exemplo, hoje a neve cobriu todo o terreno, e o solo escuro assumiu uma
aparência bela e alva. Dá-se isto com alguns homens que passam por
transformações transitórias. Parecem tão piedosos, tão celestiais, e tão puros,
como se fossem santos! Mas quando sobe o sol da provação, e lhes sobrevêm um
leve calor de tentações, com que rapidez revelam o seu verdadeiro negror, e se
esvai a sua religiosidade superficial!

O mundo inteiro foi decorado com quadros por Deus. O pregador só tem que
retirá-los da parede, um a um, e exibi-los perante os ouvintes, para com certeza
atrair o interesse deles pelo assunto que ele está procurando ilustrar. Mas terá
que manter abertos os olhos, ou não verá esses quadros. Disse Salomão: “Os
olhos do sábio estão na sua cabeça”, e, dirigindo-se a um homem assim,
escreveu: “Os teus olhos olhem direitos, e as tuas pálpebras olhem diretamente
diante de ti”. Por que fala ele de olhar com as pálpebras? Acho que ele quer
dizer que as pálpebras devem encerrar o que os olhos captaram. Vocês sabem
que há uma enorme diferença entre o homem que tem olhos e o que não os tem.
O primeiro senta-se junto de uma corrente de águas e vê muita coisa que
desperta o seu interesse e o instrui. O segundo, porém, estando no mesmo local,
é como o cavalheiro de quem escreveu Wordsworth:

“A prímula à margem do rio, flor amarela era para ele; somente isto, e nada
mais”.

Irmão, se você tiver alguma dificuldade para ilustrar o seu assunto, recomendo-
lhe enfaticamente que tente ensinar

crianças sempre que puder conseguir oportunidade para fazê-lo. Não sei de
melhor meio de preparar a sua mente para o uso de ilustrações, do que
encarregar-se freqüentemente de uma classe da Escola Dominical, ou fazer
palestras aos estudantes quantas vezes puder; porque, se você não ilustrar ali,
terá a sua lição ou palestra ilustrada muito notavelmente para você. Verá que as
crianças farão isso mediante o seu geral aborrecimento e desatenção, ou
mediante as suas conversas e brincadeiras. Eu costumava ministrar ensino a uma
classe de meninos, quando professor da Escola Dominical, e, se
eu ocasionalmente, me mostrava um pouco enfadonho, eles giravam o corpinho,
agitando-se nas carteiras em que estavam sentados. Isso era uma advertência
muito clara a mim, de que devia dar-lhes uma ilustração ou uma historieta. E em
parte aprendi a contar histórias por me ver obrigado a contá-las. Um menino da
minha classe costumava dizer-me: “Isso é muito sem graça, professor; você não
pode lascar uma história?” Claro que era um menino malcriado, e talvez se
suponha que ele se tornou perverso quando cresceu, embora eu não esteja muito
certo de que tenha acontecido isso. Mas eu costumava lascar-lhe a história que
ele queria, a fim de reconquistar-lhe a atenção. E me atrevo a dizer que, se lhes
fosse permitido falar alto durante o sermão, alguns dos nossos ouvintes
nos pediriam para lascar-lhes uma história, isto é, para dar-lhes algo que lhes
interessasse. Eu acredito que uma das melhores coisas que você pode fazer para
ensinar tanto velhos como jovens, é dar-lhes uma porção de anedotas e
ilustrações.
Creio que seria útil a alguns de vocês que ainda não são adeptos da arte da
ilustração, se lessem livros em que há abundantes metáforas, símiles e símbolos.
Não vou entrar plenamente nesse assunto nesta ocasião, porque esta prele-ção é
apenas preliminar com relação às duas próximas que espero fazer, em que
procurarei dar-lhes uma lista de obras enciclopédicas de anedotas e ilustrações, e
livros de fábulas, símbolos e parábolas. Mas os aconselho a estudarem obras

como The Christian in Complete Armour (O Cristão com Armadura Completa),


de Gurnall, ou o Comentário de Matthew Henry, com o objetivo específico de
observar todas as ilustrações, símbolos, metáforas e símiles que
puderem encontrar. Vejam também os contrastes. Gosto da obra Metaphors
(Metáforas), de Keach, em que ele expõe a disparidade entre tipo e antítipo.
Vezes há em que os contrastes entre diferentes pessoas ou objetos serão tão
instrutivos como as suas semelhanças.

Quando tiverem lido o livro uma vez, procurando assinalar todas as figuras,
leiam-no de novo, e anotem todas as ilustrações despercebidas em sua primeira
leitura. Provavelmente vocês terão deixado escapar muitas; e também se
surpreenderão ao ver que há ilustrações até nas próprias palavras. Com que
freqüência uma palavra é por si mesma um quadro! Algumas das palavras mais
expressivas que se acham na linguagem humana são como ricas gemas
que passaram diante dos seus olhos muitas vezes, mas vocês não tiveram ocasião
de compulsá-las ou de avaliá-las. Em seu segundo exame do livro, vocês
notarão, talvez, o que se lhes escapou na primeira vez, e encontrarão muitas
ilustrações meramente insinuadas, em lugar de dadas por extenso. Façam com
muitíssimos livros o que lhe recomendo. Obtenham exemplares que tenham a
liberdade de sublinhar com lápis de cor, pelo que por certo acharão
prontamente as ilustrações; ou transcrevam-nas num dos seus cadernos de
anotações.

Tenho certeza que os irmãos que começam cedo a manter um registro dessas
coisas, agem sabiamente. Os memorandos dos antigos puritanos eram-lhes
inapreciáveis. Nunca poderiam compilar as obras maravilhosas que compilaram,
se não tivessem cuidado de coligir e pôr em ordem a matéria sob títulos
diferentes. Assim, tudo que havia sobre algum assunto era como que
embalsamado e preservado, e eles podiam prontamente reportar-se a qualquer
ponto de

que necessitassem, e refrescar a memória, e verificar as suas citações. Alguns de


nós, demasiado ocupados, podemos ser dispensados dessa tarefa; temos que
fazer o melhor que pudermos. Mas alguns de vocês, que vão incumbir-se
de trabalhos menores, especialmente os da zona rural, devem manter um simples
livro de anotações ou senão, receio que vocês mesmos se tornem
demasiadamente simplórios.

A sua seleção de símiles, metáforas, parábolas e símbolos não estará completa se


não pesquisarem também as Escrituras para achar as ilustrações nelas
registradas. Alusões bíblicas são os meios mais eficientes de ilustrar e salientar
as verdades do evangelho; e o pregador bem familiarizado com a Bíblia,
nunca se encontrará sem um exemplo do que for proveitoso “para ensinar, para
redargüir, para corrigir, para instruir em justiça”. O Senhor deve ter pretendido
que nós usássemos assim a Sua Palavra, pois, de outro modo não nos teria dado,
no Velho Testamento, tão numerosos tipos e símbolos das
verdades posteriormente reveladas de maneira mais completa na dispensação do
evangelho.

Uma coleção de ilustrações como a que lhes sugeri, estar--lhes-á muito à mão
em dias futuros, e serão lembrados, pelas comparações e figuras empregadas por
outros, de fazer por conta própria comparações e figuras. A familiaridade
com uma coisa faz-nos aufait (peritos) na mesma; é-nos possível aprender quase
tudo pela prática. Creio que eu poderia aprender gradativamente a fazer um
tonel, se passasse tempo com um homem ocupado nesse mister. Haveria de
saber colocar as aduelas e os aros, se ficasse tempo suficiente na oficina do
tanoeiro. E não duvido que qualquer de vocês poderia aprender o que quisesse,
desde que dispusesse de tempo e oportunidade suficientes. Assim, se vocês
procurarem ilustrações, aprenderão a fazê-las pessoalmente.

Isso me leva ao último ponto de que vou tratar. Irmãos, comecei esta preleção
advertindo-os contra a prática de inventar anedotas; encerro-a aconselhando-os a
aplicarem-se

freqüentemente à tarefa de fazer as suas próprias ilustrações. Procurem fazer


comparações das coisas que os cercam. Acho que seria bom, de vez em quando,
fechar a porta do escritório, e dizerem-se a si próprios: “Não sairei desta sala
enquanto não fizer pelo menos meia dúzia de boas ilustrações”. Dizem
os chineses que o intelecto está no estômago, e que as afeições estão ali também.
Acho que estão certos sobre o último ponto porque, como sabem, se alguém
estiver com muito amor por uma pessoa - pela sua esposa, por exemplo - dirá
que seria capaz de engoli-la. E também dizemos que esta ou aquela pessoa é uma
doçura. Assim, também, o intelecto pode estar no estômago e,
conseqüentemente, quando você estiver a portas fechadas, por duas ou três
horas, e começar a querer o seu almoço ou o seu jantar, sentir-se-á estimulado a
fazer as seis ilustrações que mencionei como mínimo. O seu escritório será uma
verdadeira prisão, se você não conseguir esse número de comparações
proveitosas dos diferentes objetos presentes no gabinete. Eu diria que mesmo
uma prisão oferece sugestões para o preparo de muitas metáforas. Não desejo
que nenhum de vocês vá até a cadeia com esse fim. Mas, se alguma vez for parar
lá, deverá ser capaz de aprender a pregar de modo interessante sobre uma
passagem como esta: “Tira a minha alma da prisão”; ou esta: “Assim esteve ali
na casa do cárcere. O Senhor, porém, estava com José”.

Irmãos, se não conseguirem fazer funcionar o cérebro em casa, poderiam dar um


passeio e dizer a si próprios: “Vou vagar pelos campos, ou vou entrar no jardim,
ou vou passear no bosque, e verei se não posso achar uma ou outra
ilustração”. Poderiam até sair para olhar uma vitrina de loja e ver se não podem
descobrir algumas ilustrações ali. Ou poderiam ficar quietos por algum tempo, e
ouvir o que as pessoas dizem ao passarem; ou parem onde há um grupo de
ociosos, e tentem escutar de que falam, e vejam que símbolo podem
extrair disso. Também devem passar o tempo que puderem visitando os
enfermos. Isso será sumamente proveitoso, pois, nesse

serviço sagrado vocês terão muitas oportunidades de obter ilustrações dos filhos
de Deus em provações, ao ouvirem as suas variadas experiências. E maravilhoso,
quantas páginas de uma nova enciclopédia de ensino ilustrativo vocês poderiam
encontrar, escritas com tinta indelével, se visitasse os doentes, ou mesmo na
conversa com crianças. Muitos deles dirão coisas que vocês poderão citar com
bom efeito em seus sermões. De qualquer forma, decidam-se que vocês atrairão
e interessarão as pessoas pelo modo como vão apresentar o evangelho a elas.
Meia batalha consiste em fazer a tentativa, em chegar a esta firme resolução:
“Com o auxílio de Deus, ensinarei o povo mediante parábolas, símiles,
ilustrações, e tudo mais que o ajudar; e procurarei ser um pregador da Palavra
capaz de interessar os ouvintes.

Irmãos, ardorosamente espero que vocês pratiquem a arte de fazer ilustrações.


Procurarei preparar uma pequena série de exercícios para vocês fazerem semana
após semana. Dar-lhes-ei um assunto e um objeto entre os quais haja
alguma semelhança, e lhes pedirei que procurem ver a semelhança e expor as
comparações que podem ser estabelecidas entre eles. Se puder, também lhes
darei algum assunto sem objeto, e direi a um: “Ilustre isso; diga-nos, por
exemplo, que virtude lembra”. Ou, por vezes, poderei dar-lhes o objeto sem o
assunto, assim - “Um diamante: como usarão isso como ilustração?” Depois, às
vezes, posso não dar-lhes nem assunto nem objeto, mas, simplesmente dizer:
“Tragam-me uma ilustração”. Penso que deste modo podemos fazer uma série de
exercícios de muita utilidade para vocês todos.

O jeito de se ter mente que valha a pena, é tê-la bem suprida de coisas que
valham a pena guardar. Naturalmente, o homem que tiver mais ilustrações na
cabeça será quem usará mais ilustrações em seus discursos. Existem alguns
pregadores que têm a protuberância craniana de ilustrações bem
crescida; seguramente hão de ilustrar o seu assunto; não poderão deixar de fazê-
lo. Há alguns que sempre vêem “semelhanças”;

captam uma comparação muito antes que outros a vejam. Se algum de vocês
disser que não é bom para ilustrar, replico: “Meu irmão, você tem que tentar
fazer crescer chifres, se não tem nenhum na cabeça”. Talvez você nunca possa
desenvolver uma grande quantidade de imaginação ou de fantasia, se não
a possuir desde o início - exatamente como é impossível fazer queijo de uma
pedra de moinho - porém, pela diligente atenção você pode ir além daquilo que
agora é.

Creio que alguns sujeitos têm uma depressão no crânio, no lugar onde deveria
existir uma protuberância. Sei de um rapaz que deu duro para entrar neste
colégio; mas nunca viu como juntar as coisas, a não ser amarrando-as pelos
rabos. Ele mostrou um livro; e, quando o li, vi logo que estava repleto
de histórias e ilustrações minhas; isto é, cada ilustração ou história do livro era
uma que eu tinha usado, mas não havia uma só relatada como devia; Esse
homem tinha contado a história de tal modo, que ela absolutamente não estava
ali; o ponto preciso que eu tinha salientado, ele omitira cuidadosamente, e todas
as suas partes eram narradas corretamente, exceto aquilo que constituía a
essência do todo. Por certo me alegrei por não ter aquele irmão no colégio. Ele
poderia ter sido um ornamento para nós, por suas deficiências, mas
podemos ficar sem tais ornamentos. Na verdade já tivemos mais que suficiente
deles.

Finalmente, diletos irmãos, empenhem-se com toda a energia para conseguir a


capacidade de ver uma parábola, um símile, uma ilustração, onde quer que possa
ser visto. Sim, pois, em grande medida esta é uma das mais
importantes qualificações do homem que há de ser um orador público,
e especialmente do homem que há de ser um eficiente pregador do evangelho de
Cristo. Se o Senhor Jesus fez tão freqüente uso de parábolas, deve ser correto
fazermos a mesma coisa.
As Ciências como Fontes de Ilustrações

Proponho, irmãos, se é que sou capaz de fazê-lo - e tenho alguma dúvida sobre
este ponto - fazer-lhes a intervalos uma série de preleções sobre The Various
Sciences as Sources of Illustrations (As Várias Ciências como Fontes de
Ilustrações). Parece-me que todo estudante em preparo para o ministério cristão
deve saber ao menos alguma coisa de todas as ciências; deve imiscuir-se em
todas as formas de conhecimento que sejam úteis ao exercício da obra de sua
vida. Deus fez todas as coisas que há no mundo de molde a serem nossos
mestres, e de cada uma delas há sempre alguma coisa que se pode aprender. E,
como não seria estudante completo aquele que não comparecesse às aulas, às
quais se esperava que comparecesse, assim aquele que não aprende de todas as
coisas que Deus fez nunca juntará todo o alimento de que sua alma necessita,
nem terá a probabilidade de alcançar aquela perfeição de virilidade mental que o
capacitará a ser um mestre de outros, plenamente equipado.

Começarei com a ciência da ASTRONOMIA. E de início vocês entenderão que


não vou fazer uma preleção astronômica, nem mencionar todos os grandes fatos
e as minúcias dessa fascinante ciência. Mas tenciono simplesmente utilizar
a astronomia como um dos muitos campos de ilustrações que o
Senhor providenciou para nós. Permitam-me dizer, contudo, que esta ciência
propriamente dita deve receber muita atenção de todos nós. Ela se relaciona com
muitas das maiores maravilhas da natureza, e o seu efeito sobre a mente e
verdadeiramente maravilhoso. Os temas sobre os quais versa a astronomia são

tão grandiosos, as maravilhas desvendadas pelo telescópio são tão sublimes, que,
muitas vezes, mentes incapazes de receber conhecimento por outros canais,
tornam-se nota-damente receptivas quando estudam esta ciência. Há o caso de
um irmão que estudou nesta escola, e que parecia um pateta terrível. Nós
realmente achávamos que ele não ia aprender coisa nenhuma, e que, perdidas as
esperanças, teríamos que desistir dele. Mas eu lhe apresentei um pequeno livro
intitulado The Young Astronomer (O Jovem Astrônomo). Mais tarde ele me disse
que, quando o leu, sentiu como se algo tivesse estalado dentro de sua cabeça, ou
como se um nervo tivesse arrebentado. Tomou posse de tão
amplos pensamentos, que eu creio que o seu crânio experimentou de fato uma
expansão que devia ter ocorrido em sua infância, e que veio a ocorrer graças à
maravilhosa força dos pensamentos sugeridos pelo estudo, não obstante
elementar, da ciência astronômica.
Esta ciência deveria constituir o especial deleite dos ministros do evangelho,
pois certamente nos leva a uma ligação com Deus mais íntima do que o faz
qualquer outra ciência. Tem-se dito que um astrônomo incrédulo é louco. Eu
diria que qualquer homem incrédulo é louco - padecendo do pior tipo de loucura.
Mas, certamente, aquele que se familiarizou com os astros dos céus e que,
todavia, não viu o grande Pai das luzes, o Senhor que os fez a todos, só pode
estar atacado de uma loucura horrível. Apesar de todo o seu conhecimento, deve
ter sido ferido por uma incapacidade mental que o coloca quase abaixo do nível
dos animais que perecem.

Kepler, o grande astrônomo matemático, que tão bem explicou muitas das leis
que governam o universo, conclui um dos seus livros, Harmonics (Harmonias),
com esta reverente e devota expressão dos seus sentimentos: “Dou-te
graças, Senhor e Criador, por me haveres dado alegria por meio da Tua criação,
pois fui arrebatado pela obra das Tuas mãos. Revelei à humanidade a glória das
Tuas obras, na medida em

que o meu espírito limitado pôde conceber a infinidade delas. Se apresentei


alguma coisa indigna de Ti, ou se procurei a minha fama pessoal, sê propício em
Tua graça perdoar-me”. E vocês sabem como o vigoroso Newton, verdadeiro
príncipe entre os filhos dos homens, continuadamente se punha de joelhos,
quando elevava os olhos aos céus e descobria novas maravilhas na amplidão
estrelada. Portanto, a ciência que tende a levar os homens a inclinar-se com
humildade perante o Senhor deve ser sempre um dos estudos favoritos para nós,
cuja ocupação consiste em inculcar reverência para com Deus em todos os que
venham a estar sob a nossa influência.

Jamais a ciência da astronomia se nos tornaria acessível em muitos dos seus


pormenores extraordinários, não fora a descoberta ou invenção do telescópio. A
verdade é grandiosa, mas não nos afeta salvadoramente enquanto não nos
familiarizamos bem com ela. O conhecimento do evangelho, como nos é
revelado na Palavra de Deus, torna-o verdadeiro para nós; e muitíssimas vezes a
Bíblia é para nós o que o telescópio é para o astrônomo. As Escrituras não criam
a verdade, porém a revelam de um modo pelo qual o nosso pobre e
frágil intelecto, quando iluminado pelo Espírito Santo, pode apreendê-la e
compreendê-la.

Num livro* ao qual sou devedor por muitas citações nesta preleção, aprendi que
o telescópio foi descoberto desta singular maneira: “Um fabricante de óculos de
Middleburg tropeçou na descoberta devido ao fato de que os seus
filhos chamaram a atenção dele para a aparência ampliada do catavento de uma
igreja, quando acidentalmente visto através de duas lentes de óculos, seguras
entre os dedos a alguma distância uma da outra. Foi esse um dos atos
inadvertidos da infância; e raramente se tem visto um exemplo paralelo de

The Heavens and the Earth (Os Céus e a Terra). Manual de astronomia
popular. De Thomas Milner, M.A., F.R.G.S. Religious Tract
Society. (Esgotado.)

potentes resultados provirem de uma circunstância trivial assim. É estranho


refletir nas jocosas travessuras da meninice como ligadas em seu desfecho, e em
data não distante, ao alargamento dos limites conhecidos do sistema
planetário, dando solução à nebulosa do Orion e revelando a riqueza
do firmamento.” De maneira semelhante, um incidente simples tem sido muitas
vezes o meio de revelar as maravilhas da graça divina. O que certo indivíduo
pretendia que fosse mera brincadeira com as coisas divinas, Deus tornou-o na
salvação da sua alma. Entrou para ouvir um sermão como poderia ter ido ao
teatro ver uma peça. Mas o Espírito de Deus levou a verdade para dentro do seu
coração, e lhe revelou as coisas profundas do Reino, e o seu interesse pessoal por
elas.

Acho que o incidente da descoberta do telescópio poderia ser empregado


beneficamente como ilustração da conexão entre causas pequenas e grande
resultados, mostrando como a providência de Deus continuadamente faz com
que coisas pequenas sejam meios de produzir maravilhosas e
importantes revoluções. Muitas vezes pode acontecer que aquilo que nos parece
coisa de puro acidente, sem nada de notável a seu respeito, tenha realmente o
efeito de alterar todo o curso da nossa vida, e de influir também na mudança das
vidas de muitos outros para uma direção completamente nova.

Uma vez descoberto o telescópio, o número, a posição e os movimentos das


estrelas tornaram-se crescentemente visíveis, até que no presente podemos
estudar os esplendores do céu estelar, e aprender continuadamente mais e mais
das maravilhas manifestadas pela mão de Deus. O telescópio revelou-nos muito
mais do sol, da lua e das estrelas do que jamais poderíamos ter descoberto sem o
seu auxílio. Por causa

do freqüente uso que o Dr. Livingstone fazia do sextante


/

quando viajava pela Africa, era referido pelos nativos como o homem branco
que poderia trazer para baixo o sol e levá-lo debaixo do braço. E isso que o
telescópio fez por nós, e é isso que a fé no evangelho fez por nós nos céus
espirituais: ela nos

trouxe à terra o Pai e o Filho e o Espírito Santo, e nos deu os bens elevados e
eternos para serem nossa possessão atual e a nossa perpétua alegria.

Assim, vocês vêem, o telescópio mesmo pode ser levado a fornecer-nos muitas
ilustrações valiosas. Também podemos transformar em algo proveitoso as lições
a serem aprendidas pelo estudo dos astros com vistas à navegação. O
marinheiro, ao cruzar o mar sem pistas, pode, fazendo
observações astronômicas, dirigir-se com precisão para o porto desejado. Conta-
nos o capitão Basil Hall, no livro que citei anteriormente, que “uma vez velejou
partindo de San Bias, na costa ocidental do México; e, depois de uma viagem de
oito mil milhas, que durou oitenta e nove dias, arribou ao Rio de Janeiro, tendo
nesse intervalo passado pelo Oceano Pacífico, rodeado o Cabo Horn e cruzado o
Atlântico sul, sem avistar terra, e sem ver uma única vela, exceto um baleeiro
americano. Quando estava a uma semana de viagem do Rio,
procurou seriamente determinar, mediante observações lunares, a posição do seu
navio, e depois estabeleceu a sua rota segundo aqueles princípios comuns de
navegação que podem ser empregados com segurança para curtas distâncias
entre um lugar conhecido e outro. Tendo chegado dentro do que, segundo as suas
computações, considerava quinze ou vinte milhas da costa, deteve o barco às
quatro horas da manhã, para esperar o romper do dia, e depois partiu,
prosseguindo com cautela por causa do nevoeiro espesso. Quando esse se
desvaneceu, a tripulação teve a satisfação de ver o grande rochedo chamado Pão
de Açúcar, que se ergue a um lado da entrada da baía, com o rumo quase
perfeito, de modo que não foi preciso alterar o curso mais que um grau para
acertar com a entrada do porto. Essa era a primeira terra que os tripulantes
viam em quase três meses, após terem cruzados muitos mares e de terem sido
levados para trás e para diante por inumeráveis correntes e ventos borrascosos. O
efeito sobre todos a bordo foi eletrizante, e, dando vazão à sua admiração, os
marinheiros

saudaram o comandante com vigorosos aplausos”.

De semelhante maneira, também navegamos com a orientação dos corpos


celestes, e por longo período não avistamos terra, e às vezes não vemos sequer
uma vela a passar; e, contudo, se fizermos as nossas observações corretamente
e seguirmos a pista que elas nos indicam, teremos, quando estivermos para
terminar a viagem, a grande bênção de ver, não o grande rochedo Pão de Açúcar,
mas o Belo Porto da Glória, diretamente diante de nós. Não teremos que alterar o
nosso curso nem um só grau; e, quando estivermos navegando para o interior da
baía celestial, que cânticos de júbilo elevaremos, não glorificando a nossa
própria habilidade mas em louvor do prodigioso Capitão e Piloto que nos guiou
pelo tormentoso mar da vida, e nos capacitou a navegar com segurança, mesmo
onde não podíamos enxergar o nosso caminho!

Kepler faz uma sábia observação, ao falar sobre o sistema matemático pelo qual
o curso de um astro pode ser predito. Depois de descrever o resultado de suas
observações, e de declarar sua firme crença em que a vontade do Senhor é
o supremo poder nas leis da natureza, diz: “Mas, se houver algum homem obtuso
demais para receber esta ciência, aconselho-o a que, deixando a escola de
astronomia, siga o seu caminho e desista desse peregrinar pelo universo; e,
alçando os seus olhos naturais, com os quais somente ele pode ver, derrame o
seu coração em louvor de Deus o Criador, tendo certeza que não dá a Deus
menos culto do que o astrônomo, a quem Deus deu visão mais clara com os
olhos interiores, e que, por aquilo que ele próprio descobriu, pode e quer
glorificar a Deus”. Essa é, acho eu, uma ilustração muito bonita daquilo que
você, irmão, poderia dizer a qualquer pobre iletrado da sua igreja. Por exemplo:
“Bem, meu amigo, se você não pode compreender este sistema de teologia que
lhe expliquei, se estas doutrinas lhe parecem inteiramente incompreensíveis, se
não consegue acompanhar-me na minha exegese crítica do texto grego, se

não pode captar a idéia poética que tentei dar-lhe agora mesmo, que à minha
mente causa tanto enlevo, no entanto, se você sabe apenas que a Bíblia é
verdadeira, que você é pecador, e que Jesus Cristo é o seu Salvador, siga o seu
caminho, e preste culto, e adore, e imagine Deus como puder. Não se
preocupe com os astrônomos, os telescópios, as estrelas, o sol e a lua; cultue a
Deus à sua própria maneira. Completamente à parte do meu conhecimento
teológico e da minha explicação das doutrinas reveladas nas Escrituras, a Bíblia
mesma, e a preciosa verdade que você recebeu em sua alma, mediante o
ensino do Espírito Santo, serão inteiramente suficientes para fazer de você um
aceitável adorador do Deus Altíssimo”.

Suponho que todos vocês estão cientes de que entre os velhos sistemas de
astronomia havia um que colocava a terra no centro, e fazia o sol, a lua e as
estrelas girarem ao redor dela. “Os seus três princípios fundamentais eram a
imobilidade da terra, a sua posição central, e a revolução diária de todos
os corpos celestes ao redor dela em órbitas circulares.”

Agora, de modo similar, há uma maneira de fazer um sistema de teologia do qual


o homem é o centro, pelo que f ica implícito que Cristo e Seu sacrifício
expiatório são só por amor do homem, que o Espírito Santo é simplesmente um
grande Obreiro trabalhando em favor do homem, e que mesmo o grande e
glorioso Pai deve ser visto apenas como existindo com o fim de tornar feliz o
homem. Bem, esse pode ser o sistema adotado por alguns; porém, irmãos, é
preciso que não caiamos nesse erro, pois, assim como a terra não é o centro do
universo, o homem não é o maior de todos os seres. Aprouve a Deus exaltar
altissimamente o homem; mas precisamos lembrar-nos de como o salmista fala
dele: “Quando vejo os teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas
que preparaste; que é o homem mortal para que te lembres dele? e o filho do
homem, para que o visites?” Noutro lugar diz Davi: “Senhor, que é o homem,
para que o conheças, e o filho do homem, para que o estimes? O homem é
semelhante à

vaidade; os seus dias são como a sombra que passa”.

O homem não pode ser o centro do universo teológico. É um ser por demais
insignificante para ocupar tal posição, e o esquema de redenção deve existir para
algum outro fim que o de meramente tornar feliz o homem, ou mesmo o de fazê-
lo santo. A salvação do homem certamente deve ser primeiro que tudo para a
glória de Deus; e vocês terão descoberto a forma certa da doutrina cristã quando
tiverem encontrado o sistema que mostra Deus no centro, exercendo governo
e controle de acordo com o beneplácito da Sua vontade. Não apequenem o
homem de molde a fazer parecer que Deus não cuida dele, pois, se o fizerem,
estarão caluniando a Deus. Dêem ao homem a posição que Deus lhe atribuiu.
Fazendo-o, vocês terão um sistema de teologia em que todas as verdades da
revelação e da experiência se moverão em gloriosa ordem e harmonia em torno
do grande astro central, o divino e soberano Governador do universo, o Deus que
é sobre todos, bendito para sempre.

Vocês podem, entretanto - qualquer um de vocês -cometer outro erro,


imaginando-se a si próprios como o centro de um sistema. Essa noção estulta é
uma boa ilustração, eu acho. Há alguns homens cujos princípios fundamentais
são os seguintes: primeiro, a sua própria imobilidade, pois o que são, sempre
haverão de ser, e estão certos, e ninguém pode mexer com eles. Segundo, a sua
posição é central; o sol se levanta e se põe para eles, e a lua cresce e mingua.
Para eles as suas esposas existem; para eles nascem os seus filhos; para eles tudo
é colocado onde aparece no universo de Deus; e eles julgam todas as coisas de
acordo com esta regra: “Como isto irá beneficiar-me?” Esse é o princípio e o fim
do seu grande sistema, e eles esperam que se dê a revolução diária, se não
de todos os corpos celestes, certamente de todos os corpos terrestres, ao redor
deles. O sol, a lua e as onze estrelas devem fazer-lhes mesuras.

Bem, irmãos, essa é uma teoria reprovada, no que diz

respeito à terra, e não há verdade nessa noção com referência a nós. Podemos
nutrir essa idéia errônea; mas o público em geral não o fará, e quanto mais
depressa a graça de Deus a expelir de nós, melhor, de forma que assumamos
nossa posição apropriada num sistema muito mais elevado do que
qualquer daqueles em que podemos ser o centro.

O sol, então, e não a terra, é o centro do sistema solar, sistema que, anotem
vocês, é provavelmente apenas um pequeno e insignificante canto do universo,
apesar de incluir um espaço tão vasto; se eu lhes desse os algarismos reais,
vocês não seriam capazes de fazer a mais ligeira idéia do que eles representam
de fato. Todavia, esse sistema tremendo, comparado com o conjunto global do
universo de Deus, só pode ser como um único grão de areia da praia do mar, e
ali podem existir miríades de sistemas, alguns dos quais são compostos de
inumeráveis sistemas tão grandes como o nosso, e o próprio sol, grande como é,
pode ser apenas um planeta girando em volta de um sol maior, e este
mundo apenas um satélite do sol, até aqui nunca observado pelos astrônomos
que talvez vivam naquele sol mais distante ainda. É um universo maravilhoso, o
que Deus fez. E, por muito que tenhamos visto dele, jamais devemos
imaginar que já descobrimos mais do que uma diminuta porção dos mundos e
mais mundos que Deus criou.

A terra, e todos os planetas, e toda a matéria sólida do universo, são controlados,


como vocês sabem, pela força de atração. Somos mantidos em nosso lugar no
mundo, a girar a redor do sol, por duas forças, uma chamada centrípeta, que nos
atrai para o sol, e a outra chamada centrífuga, ilustrada geralmente pela
tendência das gotas d’água, caindo numa superfície lisa, de ir para a tangente do
círculo que estão descrevendo.
Ora, eu creio que, de maneira semelhante, há duas forças agindo sempre em nós,
uma que nos atrai para Deus, e a outra que nos afasta dEle, e assim somos
mantidos no círculo da

vida. Mas, de minha parte, alegrar-me-ei muito quando puder sair desse círculo e
ficar fora da influência da força centrífuga. Creio que, no momento em que o
fizer - logo que se vá a força de atração que me afasta de Deus - estarei com Ele
no céu. Disso não tenho dúvida. Logo que uma ou outra das duas forças que
influenciam a vida humana se esgotar, teremos que flutuar para o espaço
longínquo, impelidos pela força centrífuga - não o permita Deus! - ou então
voaremos imediatamente para o astro central, movidos pela força centrípeta,
e quanto mais cedo chegar esse glorioso final da existência, melhor para nós.
Com Agostinho, eu diria: “Todas as coisas são atraídas para o seu próprio centro.
Sê Tu o Centro do meu coração, ó Deus, minha Luz, meu único Amor!”

O sol é um corpo enorme. Ele foi medido, mas acho que não vou sobrecarregá-
los de algarismos, desde que estes não lhes comunicam a idéia adequada do
tamanho real dele. Baste-nos dizer que, se a terra e a lua fossem postas dentro
do sol, haveria bastante espaço para elas continuarem girando em suas órbitas
justamente como estão fazendo agora; e não haveria temor de chocar-se contra a
crosta externa do sol, que para elas representaria os céus.

Leva quase oito minutos para a luz alcançar-nos desde o sol. Podemos avaliar a
velocidade que a luz desenvolve quando refletimos em que uma bala de canhão,
movendo-se com a maior rapidez possível, levaria sete anos para chegar lá, e
em que um trem viajando a cinqüenta quilômetros por hora em média, não
parando nunca para reabastecimento ou descanso, exigiria mais de trezentos e
cinqüenta anos para alcançá-lo. Assim vocês podem formar uma ligeira idéia da
distância a que estamos do sol; e isso, penso eu, dá-nos uma boa ilustração da fé.
Não há um homem que possa saber que o sol existe, a não ser pela fé. Que ele
existia há oito minutos eu sei, porque eis aqui um raio de luz que acabou de
chegar vindo dele, e ele me disse isso. Mas não posso estar certo de que ele
exista neste momento. Há algumas das estrelas fixas que estão a tão

enorme distância da terra, que um raio de luz delas leva centenas de anos para
chegar até nós, e, pelo que sabemos, podem estar extintas de há muito. Todavia,
nós ainda as registramos em nosso mapa dos céus, e as podemos manter ali
somente pela fé, pois, assim como “pela fé entendemos que os mundos pela
palavra de Deus foram criados”, assim é somente pela fé que sabemos que
qualquer delas existe. Quando examinamos de perto esta questão, vemos que
os nossos olhos e todas as nossas faculdades e sentidos não são suficientes para
dar-nos convicção positiva quanto a estes corpos celestes. Portanto, temos que
continuar exercendo fé. Assim é, em alto grau, nas questões espirituais;
andamos por fé, e não por vista.

Que o sol tem manchas na face é um fato que todos notam. Exatamente assim. E
se vocês são sóis, até muito brilhantes, no entanto, se tiverem quaisquer manchas
em vocês, verão que o povo será muito rápido em notá-las e em chamar
a atenção para elas. Muitas vezes se fala mais das manchas do sol do que da sua
superfície luminosa. Do mesmo modo, mais se dirá das manchas e imperfeições
que os homens descubram em nosso caráter do que de quaisquer virtudes que
vejam em nós. Durante algum tempo se afirmou que não havia manchas ou
pintas de nenhum tipo no sol.

Muitos astrônomos, com o auxílio do telescópio, como também sem ele,


descobriram esses defeitos e sinais na face do sol. Todavia lhes asseveraram
homens que deviam ter conhecimento, a saber, os reverendos Pais da Igreja, que
era impossível haver uma tal coisa.

O livro que citei anteriormente diz: “Sobre Scheiner, jesuíta alemão, relatando a
prova dos seus sentidos a um superior provincial, este recusou-se positivamente
a acreditar nele. “Eu li”, disse ele, “os escritos de Aristóteles de ponta a ponta
muitas vezes, e posso assegurar-lhe que em nenhuma parte deles encontrei
qualquer coisa parecida com o que você menciona. Vá, meu filho, e tranqüilize-
se. Esteja certo

de que o que você toma por manchas solares são defeitos dos seus óculos ou dos
seus olhos.” Assim, irmãos, conhecemos a força do fanatismo, e como os
homens não verão o que é perfeitamente claro para nós, e como, ainda quando se
lhes apresentem os fatos, não podem ser levados a crer neles, mas os atribuirão a
tudo, menos à pura verdade. Receio que a própria Palavra de Deus muitas vezes
tem sido tratada exatamente desse modo. Verdades clara e
positivamente reveladas ali, são negadas atrevidamente, porque sucede que não
se enquadram nas preconcebidas teorias dos incrédulos.

Tem havido grande número de tentativas para explicar o que seriam realmente as
manchas solares. Diz uma teoria que o astro solar é circundado por uma
atmosfera luminosa, e que as manchas são espaços abertos nessa atmosfera,
através dos quais vemos a superfície sólida do sol. Não posso ver razão nenhuma
por que essa teoria não deva constituir a verdade. E, se assim é, parece-me que
ela explica o primeiro capítulo de Gênesis, onde se nos diz que Deus criou a luz
no primeiro dia, embora não tenha feito o sol até ao quarto dia. Não teria
Ele feito primeiro a luz, e depois tomou o sol, que aliás poderia ter sido um
mundo escuro, e colocou nele a luz como uma atmosfera luminosa? As duas
coisas bem que poderiam encaixar uma na outra. E se estas manchas são
realmente aberturas na atmosfera luminosa pelas quais vemos a escura superfície
do sol, são admiráveis ilustrações das manchas que os homens vêem em nós.
Somos vestidos de santidade como de uma roupagem de luz; porém aqui e ali, há
fendas pelas quais os observadores podem enxergar o corpo escuro
da depravação natural que ainda existe nos melhores de nós.

E coisa perigosa olhar para o sol com os olhos desprotegidos. Alguns se


aventuraram a olhar para ele com óculos não coloridos, e ficaram cegos. Houve
diversos casos de pessoas que inadvertidamente negligenciaram o uso de um tipo
apropriado de óculos antes de girar o telescópio para o

sol, e ficaram cegas. Isso ilustra a nossa necessidade de um Mediador, e como é


necessário ver a Deus por meio de Cristo Jesus, nosso Senhor; de outra forma, a
excessiva glória da Deidade poderia destruir-nos completamente a faculdade de
ver a Deus.

A respeito do efeito do sol sobre a terra não me demorarei agora, pois isso talvez
pertença mais a outro ramo da ciência do que à astronomia. Bastará dizer que às
vezes as plantas crescem sem sol, como talvez vocês as tenham visto num porão
escuro; mas como elas são descoradas quando vivem em tais circunstâncias!
Imaginem a enorme satisfação com que Humboldt entrou na grande caverna
subterrânea chamada Cueva dei Guacharo, no distrito de Caracas! É
uma caverna habitada por aves noturnas frutívoras, e o que o grande naturalista
viu foi isto: “Sementes, levadas pelas aves para os seus filhotes, e caídas no solo,
tinham germinado, produzindo hastes altas, esbranquiçadas, espectrais,
cobertas de folhas não desenvolvidas inteiramente; mas era impossível
reconhecer-lhes as espécies, dada a mudança na forma, na cor, no aspecto, que a
ausência de luz ocasionara. Os índios nativos fitavam esses traços de
organização imperfeita com um misto de curiosidade e medo, como se fossem
pálidos e desfigurados fantasmas banidos da face da terra”.

Assim, irmãos, imaginem o que eu e vocês seriamos sem a luz do semblante de


Deus. Pensem numa igreja crescendo, como crescem algumas igrejas, sem
nenhuma luz do céu, uma caverna cheia de pássaros estranhos e vegetação
descorada. Que lugar terrível para alguém visitar! Há uma “gruta” dessas
em Roma, e outras há em várias partes da terra; mas ai daqueles que vão residir
nessas covas funestas!

Que maravilhoso efeito a luz do semblante de Deus tem sobre os homens que
têm em si a vida divina, porém que têm vivido na escuridão! Viajantes nos
contam que, nas vastas florestas do Amazonas e do Orinoco, pode-se ver às
vezes, em grande escala, a influência da luz na coloração das plantas

quando os brotos das folhas estão se desenvolvendo. Um deles diz: “Nuvens e


chuvas às vezes obscurecem a atmosfera por vários dias seguidos, e, durante esse
tempo os brotos se expandem tornando-se folhas. Mas essas folhas têm
tonalidade pálida, até aparecer o sol, quando, em poucas horas de céu límpido e
esplêndida luz solar, a sua cor muda para um verde vivido. Conta-se que, durante
vinte dias de tempo escuro e nebuloso, não aparecendo o sol nenhuma vez, as
folhas se expandiram, chegando ao seu tamanho normal máximo, contudo eram
quase brancas. Certa manhã, o sol começou a brilhar em todo o seu fulgor,
quando o colorido da floresta mudou tão rapidamente, que se podia observar
palpavelmente o seu progresso. Lá pelo meio da tarde, o conjunto todo, por
muitos quilômetros, apresentava a roupagem habitual de verão”.

Essa é uma bela ilustração, parece-me, que não requer preâmbulo; vocês podem
fazer por conta própria aplicação dela a respeito do Senhor Jesus. Como conta o
Dr. Watts:

“Se na mais negra sombra Ele aparece, a minha aurora então começa.

Ele é a minha suave Estrela da Alva, e o sol nascente da minha alma”.

Daí começamos a vestir toda espécie de beleza, como as folhas são coloridas
pelos raios do sol. Devemos cada átomo de cor presente em qualquer das nossas
virtudes, e cada vestígio de sabor que há em qualquer dos nossos frutos,
àqueles fulgentes raios solares que jorram sobre nós provenientes do Sol da
Justiça, que traz muitas outras bênçãos sob as Suas asas, além de vida e saúde.

Vocês podem observar nas flores do jardim o efeito do sol sobre a vegetação.
Notem como elas se voltam para ele sempre que podem; o girassol, por exemplo,
segue o curso do sol como se fosse o próprio filho do sol, e olhasse
amorosamente o rosto do pai. Tem aparência muito semelhante à do sol, e eu
acho que é porque ele gosta muito de voltar-se para o sol. As inumeráveis folhas
de um campo de trevo inclinam-se para o sol. E todas as plantas, umas
mais, outras menos, mostram deferência para com a luz solar, à qual são tão
profundamente devedoras. Até as plantas de uma estufa, vocês podem observar,
crescem, não na direção que vocês esperariam que crescessem, se quisessem
calor, isto é, rumo ao tubo de aquecimento donde vem o calor, nem na direção do
local onde se permite maior entrada de ar, mas, se

tiverem a mínima possibilidade de fazê-lo, enviarão sempre


/

os seus ramos e as suas flores em direção ao sol. E como devemos crescer, rumo
ao Sol da Justiça. E para a saúde das nossas almas que devemos volver os nossos
rostos para o Sol, como Daniel orava com as janelas abertas na direção de
Jerusalém. Onde está Jesus, ali está o nosso Sol; inclinemos constantemente em
direção a Ele todo o nosso ser.

Não' faz muito tempo, topei com o seguinte caso extraordinário do poder dos
raios de luz transmitidos pelo sol. Alguns mergulhadores estavam trabalhando no
quebra-mar de Plymouth; estavam no fundo, com seu equipamento de mergulho,
dez metros abaixo da superfície da água. Mas um vidro convexo, na parte
superior do equipamento, concentrou os raios do sol diretamente sobre eles, e
queimou os seus capuzes. Quando li essa história, achei-a uma
importante ilustração do poder existente no evangelho de nosso Senhor Jesus
Cristo. Alguns dos nossos ouvintes estão igualmente mergulhados dez metros
abaixo da tona das águas do pecado, se é que não estão numa profundidade
maior. No entanto, pela graça de Deus, ainda os faremos sentir o bendito
poder ardente das verdades que pregamos, mesmo que não consigamos pô-los
todos em chamas com esta poderosa lente. Irmão, talvez você possuiu, quando
menino, uma lente, e quando saía com um amigo que não sabia o que você
levava; no bolso, quando ele ficava tranqüilamente sentado ao seu

lado, você tirava do bolso a lente e a mantinha por alguns segundos acima das
costas da mão dele, até que ele sentia algo muito quente ali. Gosto do homem
que, ao pregar, concentra os raios do evangelho num pecador até queimá-lo. Não
disperse os raios de luz. Você pode mover a lente de modo que reflita
difusamente os raios, em vez de concentrá-los. Entretanto o melhor meio de
pregar é focalizar Jesus Cristo, o Sol da Justiça, diretamente no coração do
pecador. E o melhor processo do mundo para pegá-lo. E se ele estiver dez
metros debaixo d’água, esta lente ardente capacitará você a atingi-lo. A única
coisa que importa é que você não use a sua própria vela, em vez do Sol, pois
aquela não cumprirá o mesmo propósito.
V

As vezes o sol sofre eclipse, como sabem. A lua se interpõe entre nós e o sol, e
então não podemos ver o grande astro do dia. Suponho que todos já vimos um
eclipse total, e pode ser que vejamos outro. E uma vista deveras interessante.
Mas a mim me parece que as pessoas dão muitíssimo mais atenção ao sol
quando está em eclipse do que quando ele está brilhando com toda a claridade.
Elas não ficam olhando para ele, dia após dia, quando ele lança os seus raios
brilhantes em desnublada glória. Todavia, tão logo entra em eclipse, elas saem
aos milhares, com seus óculos especiais, e qualquer garoto da rua tem um
fragmento de vidro fosco com o qual observa o eclipse do sol.

Assim, irmãos, não acredito que o nosso Senhor Jesus Cristo alguma vez receba
tanta atenção dos homens como quando é exposto como o Salvador padecente,
notoriamente crucificado entre eles. Quando o grande eclipse cobriu o Sol da
Justiça, então todos os olhares se fixaram nEle, e eles tiveram boa razão para
fazer isso. Não deixem de falar aos seus ouvintes continuamente sobre o terrível
eclipse no Calvário. Mas importa que também lhes falem dos efeitos desse
eclipse, e que não haverá repetição daquele acontecimento estupendo.

“Eia! Já passou o eclipse solar;

Eia! Não vai mais sangue derramar!”

Falar de eclipses faz-me lembrar que há, no livro que mencionei, uma notável
descrição de um, feita por um correspondente que escreveu ao astrônomo Halley.
Ele se postou no Monte Haradow, perto do extremo leste da avenida de
Stonehenge, local magnífico para observação, e dali observou o eclipse. A
respeito daquilo ele diz: “Estávamos agora envoltos numa escuridão total e
palpável, se me permite a expressão. Veio rapidamente, mas eu observava
tão atentamente, que pude perceber o seu progresso. Sobreveio como um grande
manto negro atirado sobre nós, ou como uma cortina puxada desse lado. Os
cavalos, que segurávamos pelos freios, pareciam intensamente impressionados
com o fenômeno, e se apertavam junto de nós com sinais de extrema surpresa.
Quanto pude perceber, os semblantes dos meus amigos tinham um aspecto
horrível. Não foi sem uma involuntária exclamação de espanto que eu olhei em
torno de mim naquele momento. Foi a mais terrível vista que jamais contemplei
em minha vida”.

Assim, suponho, deve ser na esfera espiritual. Quando o Sol desse mundo
grandioso sofreu eclipse, todos os homens ficaram nas trevas; e quando alguma
desonra sobrevêm à cruz de Cristo, ou sobre o próprio Cristo, cada cristão fica
em trevas de horrível espécie. Não pode ficar na luz, se o seu Senhor e Mestre
está na obscuridade.

Um observador descreve o que viu na Áustria, onde, parece, todos fizeram do


eclipse ocasião para feriado, e rumaram juntos para a planície com diversos
modos de observar a vista maravilhosa. Diz esse escritor: “O fenômeno, em sua
magnificência, triunfou sobre a petulância da juventude, sobre a leviandade que
algumas pessoas assumem como sinal de superioridade, sobre a ruidosa
indiferença da qual os soldados geralmente fazem profissão. Reinava

também no ar uma profunda quietude; os pássaros tinham parado de cantar”. A


coisa mais curiosa é que, em Londres, depois de um eclipse, quando os galos
viram o sol tornar a brilhar, puseram-se a cantar, como se pensassem
alegremente que o dia rompera a escuridão da noite.

Entretanto, parece que nem sempre este fenômeno maravilhoso atraiu a atenção
das pessoas que possam tê-lo testemunhado. Diz a história que, uma ocasião,
travava-se uma batalha, creio que na Grécia, e, durante o seu desenrolar,
sobreveio um eclipse total do sol. Mas os guerreiros prosseguiram na luta; na
verdade, nem notaram a extraordinária ocorrência. Isso mostra como as paixões
fortes podem fazer-nos esquecer as circunstâncias próximas, e também nos
ensina como as ocupações de um homem na terra podem fazê-lo esquecido de
tudo quanto se expande nos céus. Lemos, agora há pouco, de como aqueles
cavalos que estavam ociosos na planície de Salisbury tremeram durante
o eclipse. Mas outro escritor nos diz que os cavalos da Itália, ocupados em puxar
carruagens, não parecem ter dado a mínima atenção ao fenômeno, porém
continuaram seu caminho do mesmo jeito de sempre. Igualmente, as ocupações
de um mundano são por natureza tão absorventes, que o impedem de sentir as
emoções sentidas por outros homens, cujas mentes têm maior liberdade para
meditar nelas.

Encontrei uma bela história sobre um eclipse, que provavelmente vocês gostarão
de ouvir. Uma pobre garotinha, pertencente à comuna de Sièyes, nos Baixos
Alpes, estava guiando o seu rebanho pela encosta da montanha às seis horas da
manhã de um brilhante dia de verão. O sol nascera, e estava dissipando os
vapores da noite, e todos pensavam que seria um belo dia sem nuvens. Mas
gradativamente a luz foi-se apagando, até desaparecer por completo o sol, e um
globo negro tomou o lugar do disco resplandecente, enquanto que o ar se esfriou,
e uma escuridão misteriosa pervagou a região toda. A criança ficou tão
aterrorizada com a circunstância, que

certamente era anômala, que começou a chorar, e pediu socorro aos gritos. Os
seus pais e outros amigos que vieram a seu chamado, nada sabiam de eclipse, e
também ficaram aturdidos e alarmados. Seja como for, procuraram consolá-la o
melhor que puderam. Depois de breve lapso de tempo, a escuridão desapareceu
da face do sol, e ele brilhou como antes. Então a menina gritou bem alto, no
patois (ou linguajar regional, subdialeto) do distrito: “O belo sol”! E bem que
podia fazê-lo. Quando li a história, pensei que, quando o meu coração
tinha sofrido eclipse, e a presença de Cristo se tinha ido por um pouco e depois
tinha voltado, quão belo me pareceu o Sol, ainda mais brilhante e lindo do que
antes da escuridão temporária. Jesus pareceu-me brilhar sobre mim com luz mais
fulgente do que nunca antes, e minha alma gritou em êxtase de
encantamento: “Ó belo Sol da Justiça!”

Acha que esta história deve encerrar as nossas ilustrações derivadas do sol, pois
também queremos aprender tudo que pudermos dos seus planetas, e, se
queremos visitá-los todos, temos que viajar para longe, e também depressa.

O planeta mais próximo, que faz a sua revolução em torno do sol, é


MERCÚRIO, que está a cerca de 59.000.000 de quilômetros do grande luminar.
Portanto, Mercúrio recebe muito maior porção de luz e calor do sol do que a que
nos vem à terra. Acredita-se que, mesmo nos pólos de Mercúrio, a água sempre
ferveria; isto é, se o planeta fosse constituído como este mundo. Nenhum de nós
teria a menor possibilidade de viver lá; mas isso não é razão por que outros
indivíduos não o possam, pois Deus poderia criar algumas das Suas
criaturas para viverem em pleno fogo, justamente como criou outras para
viverem fora dele. Não tenho dúvida de que, se há habitantes lá, eles gostam do
calor. Num sentido espiritual, de qualquer forma, sabemos que os homens que
vivem perto de Jesus habitam nas chamas divinas do amor.

Mercúrio é um planeta relativamente pequeno; o seu diâmetro é de cerca de


4.800 quilômetros, ao passo que o da

terra, no Equador, é de 12.756 quilômetros. Mercúrio move-se ao redor do sol


em oitenta e oito dias, viajando à razão de quase 180.000 quilômetros por hora,
enquanto que a terra percorre somente uns 100.000 km no mesmo
período. Imaginem atravessar o Atlântico em cerca de dois ou três minutos! É
uma demonstração da sabedoria divina que Mercúrio parece ser o mais denso
dos planetas. Vocês vêem, a parte da máquina em que há a mais rápida rotação, e
a maior fricção e pressão, deve ser feita do material mais forte, a fim de suportar
a enorme tensão do seu movimento veloz e o grande calor a que está sujeito.

Essa é uma ilustração de como Deus adapta cada homem para o seu lugar. Se Ele
tenciona que eu seja Mercúrio - o mensageiro dos deuses, como lhe chamavam
os antigos - e que viaje velozmente, dar-me-á força proporcional à
minha jornada. Na formação de cada planeta, adaptando-o à sua posição
peculiar, há uma esplêndida prova do poder e da previdência de Deus; e de
maneira similar, Ele equipa os seres humanos para a esfera que eles são
chamados a ocupar.

Gosto de ver em Mercúrio um retrato do servo de Deus que é cheio de graça.


Mercúrio está sempre perto do sol; na verdade, tão perto, que ele próprio
raramente é visto. Acho que Copérnico disse que nunca o viu, apesar de tê-lo
observado por muito tempo e com grande atenção, e lamentou profundamente
que tivesse de morrer sem jamais ter visto esse planeta. Outros o viram, e foi um
regalo e tanto para eles, poderem observar as suas revoluções. Mercúrio
normalmente fica perdido nos raios solares; e é onde eu e vocês devemos estar
tão perto de Cristo, o Sol da Justiça, em nosso viver e em nossa pregação, que as
pessoas que estão tentando observar os nossos movimentos mal possam ver-nos.
O moto de Paulo deve ser o nosso: “Não eu, mas Cristo”.

Mercúrio, também, em conseqüência de estar tão perto do sol, é notadamente o


menos compreendido de qualquer dos planetas. Talvez seja o que tenha causado
mais problemas

aos astrônomos do que qualquer outro membro da família celeste. Os cientistas


têm-lhe dado grande atenção, e têm procurado descobrir tudo acerca dele. Mas a
tarefa é difícil, pois geralmente ele está desaparecido na glória solar, e nunca é
visto numa porção escura dos céus. Assim, irmãos, eu creio que quanto mais
perto de Cristo vivermos, maior mistério seremos para a humanidade toda.
Quanto mais desaparecidos em Seu fulgor, menos capazes de compreender-nos
serão os homens. Se fôssemos sempre o que deveríamos ser, os homens veriam
em nós uma ilustração do texto: “Estais mortos, e a vossa vida está escondida
com Cristo em Deus”. A semelhança de Mercúrio, também devemos ser tão
ativos na órbita a nós designada, que não demos aos nossos observadores
tempo para ver-nos em nenhuma posição definida; e depois, devemos estar tão
absorvidos na glória da presença de Cristo, que eles não consigam perceber-nos.

Quando Mercúrio é visto da terra, nunca é visível em sua luminosidade, pois sua
face está sempre voltada para o sol. Receio que, sempre que somos muito vistos,
normalmente só aparecemos como pontos escuros; quando o pregador é
muito proeminente num sermão, sempre há escuridão. Eu gostaria que a
pregação do evangelho fosse totalmente Cristo, o Sol da Justiça, sem nenhum
ponto negro; nada de nós, mas tudo do Senhor Jesus. Se houver quaisquer
habitantes em Mercúrio, o sol deve parecer-lhes quatro ou cinco vezes maior do
que nos parece; seu brilho seria insuportável aos nossos olhos. Seria uma vista
deveras esplêndida, se alguém pudesse contemplá-la. Assim, quanto mais perto
de Cristo chegarmos, mais veremos dEle, e mais Ele crescerá em nossa estima.

O planeta que vamos considerar após Mercúrio é VÊNUS. Está cerca de


108.000.000 de quilômetros do sol, e é pouco menor do que a terra, sendo o seu
diâmetro 12.300 quilômetros, comparados com os nossos 12.756 Km.
Vênus gira ao redor do sol em 225 dias, viajando à razão de 128.000 Km por
hora, aproximadamente. Quando o sistema de

astronomia de Copérnico foi lançado ao mundo, uma das objeções que sofreu foi
exposta assim: “E claro que Vênus não gira ao redor do sol porque, se girasse,
teria que apresentar os mesmos aspectos da lua, a saber, às vezes teria que ser
crescente, às vezes como meia-lua, ou deveria assumir a forma conhecida como
corcovada, e às vezes deveria aparecer na forma de um círculo completo. Mas”,
disse o oponente, apontando para Vênus, “esse planeta tem sempre o mesmo
porte; olhem para ele, não é nada parecido com a lua.” Essa era uma dificuldade
que alguns dos astrônomos mais antigos não puderam explicar, porém, quando
Galileu girou o seu recém--fabricado telescópio para o planeta, o que descobriu?
Ora, que Vênus passa por fases semelhantes às da lua! Nem sempre podemos ver
a totalidade do planeta iluminado, mas suponho que é certo que a luz de Vênus
sempre nos parece quase a mesma. Num instante você perceberá por quê.
Quando a face do planeta está voltada para nós, ele está no ponto de
maior distância da terra. Conseqüentemente, a luz que chega até nós não é maior
do que quando ele está mais perto, entretanto tem a sua face, ao menos
parcialmente, voltada para fora do nosso alcance. Em minha opinião, os dois
fatos são perfei-tamente reconciliáveis. E assim é, creio eu, com
algumas doutrinas da graça que deixam perplexas certas pessoas. Dizem elas:
“Como é que você pode harmonizar estas duas coisas?” Respondo: “Não sei se
tenho a obrigação de provar como elas se harmonizam. Se Deus tivesse me dito,
eu lhe diria. Mas, como Ele não o fez, tenho que deixar a questão no ponto em
que a Bíblia a deixa.” Posso não ter descoberto a explicação de qualquer
aparente diferença entre as duas verdades, e, todavia, com tudo isso, as duas
coisas podem ser perfeitamente coerentes uma com a outra.

Vênus é tanto a estrela da manhã como “a estrela do anoitecer, belíssima


estrela”. Tem sido chamado Lúcifer, Fósforo - o que porta luz - e também Hésper
- a estrela vespertina. Talvez, irmãos, vocês se lembrem de como Milton,

em Paradise Lost (Paraíso Perdido), se refere a este duplo caráter e ofício de


Vênus:

“Astro, o mais belo, ao fim do cortejo noturno, se é que mais não pertences ao
albor da aurora;

penhor do dia, coroas a manhã ridente com teu disco fulgente; em tua esfera
louva-o, enquanto surge o dia, doce hora de vida”.

O nosso Senhor Jesus Cristo denomina-Se a Si próprio, “a brilhante estrela da


manhã”. Toda vez que Ele vem a uma alma, Ele é o seguro precursor daquela luz
eterna que nunca mais desaparecerá, para sempre. Agora que este Jesus, o Sol da
Justiça, saiu do raio de visão do homem, eu e vocês devemos ser como estrelas
do anoitecer, mantendo-nos tão perto quanto possível daquele grande SOL
central, e fazendo que o mundo saiba com que Jesus Se parece, por
nossa semelhança com Ele. Não disse Ele aos Seus discípulos: “Vós sois a luz
do mundo”?

O próximo pequeno planeta a ser considerado, o qual gira em torno do sol, é a


TERRA. A sua distância do sol varia de cerca de 148 milhões a 152 milhões de
quilômetros. Não se desanimem, cavalheiros, em suas esperanças de chegar ao
sol, porque vocês não se acham tão longe dele como os habitantes de Saturno. Se
existem moradores lá, eles estão quase dez vezes mais longe do sol do que nós.
Todavia, não suponho que vocês alguma vez tomarão assento no ígneo carro de
Febo, o sol; ao menos, não em vosso presente estado encarnado; é lugar quente
demais para vocês se sentirem à vontade ali.

A terra é pouco maior do que Vênus, e leva muito mais tempo para dar volta ao
Sol - doze meses de jornada, ou, falando em termos exatos, 365 dias, 6 horas, 9
minutos e 10 segundos. Este mundo é um negócio que anda devagar; e receio
que visa menos à glória de Deus do que qualquer outro mundo que Ele tenha
criado. Não o tenho visto de longe; mas

desconfio que jamais brilha tão fulgentemente como Venus, pois, pelo pecado,
uma nuvem de escuridão o envolveu. Suponho que, nos dias milenários, a
cortina será afastada, uma luz será lançada sobre a terra, e então ela brilhará para
a glória de Deus, como as suas estrelas irmãs, que nunca perderam o seu prístino
brilho. Acho que já existem algumas cortinas afastadas; cada sermão, repleto de
Cristo, que pregamos, faz rolar para longe uma parte das névoas e das
obscuridades da superfície do planeta; de qualquer forma, moral e
espiritualmente, se não quanto aos fenômenos naturais.

Ademais, irmãos, embora a terra viaje lentamente, quando comparada com


Mercúrio e Vênus, todavia, como disse Galileu, ela se move, e em velocidade
muito boa, também. Ouso dizer que, se vocês tivessem que caminhar
vinte minutos, e nada soubessem da velocidade com que a terra está viajando,
ficariam surpresos se eu lhes garantisse que naquele curto espaço vocês
percorreram mais de 30.000 quilômetros; mas seria um fato. Este livro (de
Milner), que já nos deu muita informação útil, diz: “E um
pensamento verdadeiramente espantoso que, “despertos ou dormindo, em casa
ou fora”, somos constantemente transportados em rotação com a massa terrestre
à razão de mais de dezessete quilômetros por minuto, e, ao mesmo tempo,
estamos viajando com ela pelo espaço com uma velocidade de 106.000 Km por
hora, Assim, durante os vinte minutos consumidos numa caminhada de um
quilômetro e meio desde a nossa porta, somos silenciosamente conduzidos mais
de trinta mil quilômetros de uma parte do espaço a outra; e, durante uma noite de
oito horas de repouso, ou virando-nos para cá e para lá, somos
inconscientemente trasladados através de uma extensão igual a duas vezes a
distância do mundo lunar”.

Não notamos nem um pouco esse movimento, e assim é que coisas pequenas,
que estão perto e são tangíveis, muitas vezes parecem mais notáveis do que
coisas grandiosas que estão mais longe. Este mundo causa aos homens
impressão

muito mais forte do que a que o mundo por vir jamais causou, porque olham
somente as coisas que se vêem e que são temporais, “Mas”, talvez vocês digam,
“nós não sentimos que nos estamos movendo.” Não, porém estão, embora não
tenham consciência disso. Assim, penso que às vezes, quando um crente em
Cristo não se sente progredir nas coisas espirituais, não se aflija por isso; não
estou certo de que aqueles que imaginam que estão crescendo espiritualmente o
estejam de fato. Talvez estejam apenas fazendo crescer um câncer em alguma
parte, e as suas fibras mortais os levam a fantasiar que há crescimento dentro
deles. Há crescimento, sim, infelizmente! Mas é crescimento para destruição.

Quando um homem se julga um cristão plenamente desenvolvido, lembra-me


um pobre rapaz que eu via costu-meiramente. Tinha ele uma tão enorme cabeça
para o seu corpo, que muitas vezes tinha que pousá-la num travesseiro, pois
ela era pesada demais para os seus ombros carregarem, e sua mãe me disse que,
quando ele tentava levantar-se, freqüentemente tombava, desequilibrado por sua
pesada cabeça. Há alguns que parecem crescer muito depressa, mas têm água no
crânio, e são desproporcionados. Todavia, aquele que verdadeiramente cresce na
graça, não diz: “Valha-me Deus! Posso sentir que estou crescendo; bendito seja o
Senhor! Cantemos o hino: “Eu cresço! Eu cresço!” Às vezes eu achava que
estava decrescendo, irmãos. Acho isso muito possível, e bom, também. Se
somos muito grandes em nossa própria estima, é porque temos vários cânceres,
ou abscessos malignos, que precisam ser lancetados, de modo que seja expelida
a matéria má que nos faz gabar-nos da nossa grandeza.

E boa coisa não sentirmos que nos movemos, pois, como já lhes recordei,
andamos por fé, não por vista. Contudo, eu sei que nós nos movemos, e estou
persuadido de que voltarei, logo que a revolução da terra o permita, a este exato
ponto, neste dia, daqui a doze meses. Se me estiverem olhando de Saturno, irão
enxergar-me em algum ponto próximo a este

mesmo local, a menos que o Senhor venha nesse ínterim, ou me chame para
estar com Ele.

Se sentíssemos mover-se o mundo, provavelmente seria por haver alguma


obstrução na estrada celeste; mas nos movemos tão macia, gentil e
tranqüilamente, que não o percebemos. Creio que o crescimento na graça tem
grande semelhança com isso. Um bebê cresce, e, no entanto, não sabe que
cresce. A semente cresce inconscientemente no solo. E assim nos desenvolvemos
na vida divina, até chegarmos à plenitude da estatura de homens em Cristo Jesus.

Servindo à terra está a LUA. Em acréscimo a seu dever como um dos planetas
que giram ao redor do sol, ela tem a incumbência de servir à terra, prestando-lhe
muitos serviços úteis, e à noite iluminando-a com o seu grande holofote refletor,
de acordo com a ração de óleo de que disponha para esparzir os seus raios sobre
nós. A lua opera também sobre a terra com os seus poderes de atração; e como a
água é a parte mais móvel do nosso planeta, a lua a atrai para si, formando assim
as marés; e essas marés ajudam o mundo todo a manter-se em saudável
movimento; são-lhe uma espécie de seiva vital.

A lua sofre eclipses, às vezes com muita freqüência, e muito mais vezes que o
sol. E esse fenômeno tem ocasionado muito terror. Entre algumas tribos, um
eclipse lunar é ocasião para a maior angústia possível. Sir R. Schomberg
descreve assim um eclipse total da lua em Santo Domingo: “Eu fiquei sozinho
no alto do teto plano da casa em que eu morava, observando o progresso do
eclipse. Figurei na imaginação a vivida e extraordinária cena que uma vez
testemunhei no interior da Guiana, entre os índios ignorantes e supersticiosos,
como eles corriam para fora das suas choças quando chegaram as primeiras
notícias do eclipse, falavam atabalhoadamente na língua deles, e, com
gesticulações violentas, lançavam os punhos cerrados em direção à lua. Quando,
como nessa ocasião, o disco estava completamente eclipsado, romperam
em lamentos, e sombriamente se agacharam no chão, escondendo

os rostos entre as mãos. As mulheres permaneceram dentro de suas choças,


durante essa estranha cena. Quando, brilhando como um esplendente diamante, a
primeira porção da lua, que se desembaraçara da sombra, tornou-se visível, todos
os olhares se voltaram para ela. Falavam uns aos outros com vozes abafadas;
mas as suas observações foram ficando cada vez mais altas, e eles foram
abandonando a sua postura inclinada conforme aumentava a luz. Quando o disco
brilhante anunciou que o monstro que queria extinguir a Rainha da Noite
fora subjugado, a grande alegria dos indígenas foi expressa com aquela gritaria
que, na quietude da noite, pode ser ouvida à grande distância”.

A falta de fé causa o mais extraordinário pavor, e produz os atos mais ridículos.


O homem que crê que a lua, embora temporariamente oculta, voltará a brilhar, vê
um eclipse como um fenômeno curioso, digno da sua atenção, e cheio
de interesse; porém o homem que teme realmente que Deus está apagando a luz
da lua, e que nunca mais verá os seus fulgentes raios, sente-se num estado de
terrível abatimento. Talvez aja como agem os hindus e alguns africanos durante
um eclipse. Eles fazem soar velhos tambores, e tocam cornetas de chifres de
bois, e fazem todo tipo de barulhos espantosos, para fazer o dragão, que se supõe
que tragou a lua, vomitá-la. Essa é a teoria que eles têm de um eclipse, e agem
de acordo com ela. Mas, uma vez que conhecemos a verdade, e sabemos
especialmente da gloriosa verdade de que “todas as coisas
contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são
chamados por seu decreto”, não temeremos que nenhum dragão engula a lua,
nem qualquer outra coisa que os temores dos homens os façam imaginar. Se
formos ignorantes da verdade, cada evento que ocorrer, que poderia ser pronta
e completamente explicado do ponto de vista de Deus, poderá causar o máximo
terror, e arrastar-nos, talvez, para as mais selvagens loucuras.

O quarto planeta que iremos abordar, depois da terra, é

MARTE, que geralmente brilha com luz avermelhada. Costumava-se pensar que
a cor “de escudo vermelho sanguíneo” de Marte era causada pela absorção dos
raios solares, mas essa idéia foi refutada, e agora se acredita que se deva à cor do
seu solo. De acordo com a idéia anterior, um homem raivoso, que é como Marte,
o deus da guerra, deve ser um que absorveu todas as cores para seu próprio uso,
e só mostra os raios vermelhos às demais pessoas; ao passo que a noção
mais moderna, de que o solo do planeta lhe dá sua cor distintiva, ensina-nos que,
onde houver uma natureza feroz, haverá uma exibição guerreira, a menos que ela
seja restringida pela graça. Marte está a cerca de 229.000.000 de quilômetros
do sol. E muito menor do que a nossa terra, sendo o seu diâmetro equatorial
6.750 quilômetros. Viajando à razão de 93.000 quilômetros por hora, leva 687
dias para completar a sua translação ao redor do sol.

Entre as órbitas de Marte e Júpiter, há uma ampla zona em que, durante muitos
séculos, não se via nenhum planeta. Mas os astrônomos diziam dentro de si:
“Certamente tem que haver uma coisa ou outra entre Marte e Júpiter”. Não
puderam encontrar grande planetas. Mas, como os telescópios se tornaram
maiores e mais poderosos, observaram que havia grande número de
ASTERÓIDES ou PLANETÓIDES, como alguns os denominam. Não sei
quantos são, pois se assemelham às famílias de alguns dos nossos irmãos, as
quais crescem diariamente. Já foram descobertos algumas centenas deles, e, com
o auxílio da fotografia telescópica, podemos esperar ouvir da descoberta de
muito mais. O primeiro asteróide foi identificado no primeiro dia do presente
século, e recebeu o nome de Ceres. Muitos deles foram denominados com nomes
mitológicos femininos, suponho por serem planetas menores, e é considerado
galante dar-lhes nomes de damas. Parecem variar de 4 a 770 quilômetros de
diâmetro. E muitos acham que eles são fragmentos de algum planeta que fazia a
sua translação entre Marte e Júpiter, o qual

explodiu e se despedaçou, numa ruína completa.

Aquelas pedras meteóricas que às vezes caem na terra, mas que muito mais
freqüentemente, em certas estações do ano, são vistas cruzando o céu da meia-
noite, também podem ser fragmentos do mundo, mencionado acima, que
pereceu. Seja como for, desde que os pais dormiram, as coisas não continuaram
sendo o que eram; houve mudanças no mundo estelar que prenunciam aos
homens que outras mudanças ocorrerão ainda. Esses blocos de matéria meteórica
estão voando pelo espaço, e quando chegam ao alcance da nossa atmosfera,
encontram um meio antagônico; eles têm que impulsionar-se através dele com
enorme rapidez, razão por que ficam incandescentes de calor, e assim ficam
visíveis. E, de maneira semelhante, creio que existe grande abundância de bons
homens no mundo que são invisíveis enquanto não sofrem oposição e, sofrendo
oposição, tendo o amor de Deus a impulsioná-los com tremendo ímpeto, ficam
em brasa de santo fervor, dominam toda a oposição, e então se tornam
visíveis aos olhos da humanidade. De minha parte, prefiro passar por um meio
hostil. Creio que todos nós queremos viajar naquela espécie de atmosfera, que
nos dê a fricção sagrada que desenvolverá plenamente os poderes a nós
confiados. Se Deus nos deu força, não nos será mau sermos colocados onde
há oposição, porque não seremos detidos por ela, porém esse mesmo processo
nos fará brilhar com muito maior fulgor como luzes do mundo.

Para lá do espaço ocupado pelos asteróides está o magnificente planeta


JÚPITER, a estrela mais brilhante das que vimos, exceto Vênus. Entretanto, está
muito, muito longe. Sua menor distância do sol é aproximadamente
779.000.000 de quilômetros; isto é, acima de cinco vezes a distância em que
estamos. Mesmo aqui, estamos tão longe que muitas vezes não vemos o sol; mas
Júpiter está cinco vezes mais distante do sol, e isso requer dele 4.333 dias, ou
quase doze anos terrestres, para dar volta ao grande luzeiro, viajando na

velocidade de quase 44.000 quilômetros por hora. A razão pela qual Júpiter é tão
brilhante é, em parte, seu grande tamanho, pois tem perto de 145.000 Km de
diâmetro, ao passo que o da terra não chega a 13.000 Km; e também pode ser em
parte porque a sua constituição é melhor para refletir a luz, ou senão, àquela
distância, a sua magnitude de nada lhe valeria. E, irmãos, se eu e vocês fôssemos
postos em posições difíceis, onde parecêssemos incapazes de brilhar para
a glória de Deus, deveríamos pedir ao Senhor que nos constituísse de modo que
pudéssemos refletir melhor o Seu brilho, e produzir assim efeitos tão bons como
os de nossos irmãos colocados em posições mais favoráveis.

Júpiter é assistido por quatro luas.1 Estes satélites foram descobertos logo depois
da invenção do telescópio; todavia, havia várias pessoas que não acreditavam na
existência deles, e um dos nossos bem conhecidos, os jesuítas, era o mais
vigoroso em sua determinação de que nunca, por processo algum, se convenceria
daquilo que outros sabiam ser um fato. Pediram-lhe que olhasse por um
telescópio a fim de ver que era realmente assim. No entanto ele declinou porque,
disse ele, se o fizesse, talvez fosse obrigado a crer nisso, e, como não desejava
crer, recusava-se a olhar. Acaso não há alguns que agem desse modo para com as
verdades da revelação? Algum tempo mais tarde o jesuíta caiu sob as iras do
bom Kepler, e, convencido de que laborava em erro, visitou o astrônomo e lhe
pediu perdão. Kepler disse que o perdoaria, mas teria que infligir-lhe uma
penitência. “Qual será?” perguntou ele. “Ora”, disse Kepler, “você tem que olhar
por aquele telescópio.” Esse era talvez o mais horrível castigo que o jesuíta
poderia receber, pois, quando olhou pelo instrumento, foi obrigado a

dizer que viu o que anteriormente negara, e foi obrigado a expressar a sua
convicção da veracidade do ensinamento do astrônomo. Assim, às vezes, fazer
um homem ver a verdade é-lhe severíssima penalidade. Se ele não quiser vê-la, é
boa coisa compeli-lo a olhar para ela. Há muitíssimos irmãos que não são
jesuítas e que, todavia, não desejam conhecer a verdade completa. Mas espero,
irmãos, que eu e vocês sempre desejemos aprender tudo que o Senhor revelou
em Sua Palavra.

Eis o argumento de Sizzi, astrônomo um tanto notável, que tentou provar que as
luas de Júpiter não podiam existir. Pergunto-me se vocês podem ver a falácia
dele: “Há sete janelas dadas aos animais no domicílio da cabeça, pelas quais o ar
é admitido ao tabernáculo do corpo para dar-lhe claridade, aquecê-lo e nutri-lo;
janelas que são as partes principais do microcosmo, ou pequeno mundo - duas
narinas, dois olhos, dois ouvidos e uma boca. Assim, nos céus ou grande mundo,
à semelhança do microcosmo, há dois astros favoráveis, Júpiter e Vênus, dois
não propícios, Marte e Saturno; dois luminares, o sol e a lua; e a sós Mercúrio,
indeciso e indiferente, dos quais, e de muitos outros fenômenos da natureza,
como os sete metais, etc., que seria tedioso enumerar, deduzimos que o número
de planetas é necessariamente sete. Além disso, os satélites são invisíveis a olho
nu, e, portanto, não podem exercer nenhuma influência sobre a terra, e, por
conseguinte, seriam inúteis, e, conseqüentemente, não existem.
Ademais, também os judeus e outras nações antigas, e os europeus modernos,
adotaram a divisão da semana em sete dias, e deram a estes os nomes dos sete
planetas. Ora, se aumentarmos o número de planetas, todo este sistema cai por
terra”.

Irmãos, acho que ouvi a mesma espécie de argumento apresentado muitas vezes
com referência a questões espirituais; isto é, um argumento baseado em
teoria apresentado contra fato comprovado. Mas os fatos sempre derrubam as
teorias, no mundo inteiro. Só que, às vezes, leva

bom tempo para os fatos serem comprovados de modo absoluto.

É algo singular, e outro exemplo do poder e da sabedoria de Deus, que, embora


os satélites de Júpiter estejam constantemente sofrendo eclipse, como é muito
natural, dada e a sua rápida translação em torno dele, contudo, nunca ficam
em eclipse todos de uma vez. Uma lua pode entrar em eclipse, e talvez outra, ou
até três das quatro; mas sempre fica uma a brilhar; e, de modo semelhante, Deus
nunca tira toda a consolação do Seu povo de uma vez; sempre fica um raio
de luz para encorajá-lo.

Há muito mais para aprender de Júpiter, porém, tendo-o apresentado a vocês,


deixarei que o examinem pessoalmente, e extraiam dele tudo que puderem.

Muitíssimo além de Júpiter está SATURNO. Esse respeitável planeta tem sido
muito caluniado, mas fico feliz ao informá-los de que ele não merece esse
tratamento. Ele está a cerca de 1.430.000.000 de quilômetros do sol. Pergunto-
me se algum irmão aqui, dotado de mente larga, tem idéia do que seja um
milhão; não acho que tenha, e estou certo de que eu não tenho. Requer grande
quantidade de reflexão entender o que significa um milhão; mas compreender o
que significa um milhão de quilômetros, está completamente fora da capacidade
de apreensão mental das pessoas. Um milhão de pregos já seria uma coisa
enorme; porém um milhão de quilômetros! E aqui estamos falando, não de um
milhão, mas de mais de um bilhão, ou seja, mais de mil milhões de quilômetros!
Bem, renuncio a sequer pensar em entender o que é isso, enquanto eu estiver
neste estado finito. Ora, quando vocês falam de um bilhão e 430 milhões,
poderiam também falar de um trilhão e tantos de uma vez; pois um termo
é quase tão incompreensível quanto o outro; e, não obstante, dá prazer lembrar
que este vasto espaço é para o nosso grande Deus apenas como a largura de uma
mão, comparado com o imensurável universo que Ele criou.

Eu disse que Saturno tem sido caluniado, e assim é. Vocês

sabem que temos em nossa língua inglesa a palavra “saturnine” (saturnino) como
descrição nada elogiosa de certos indivíduos. Quando um homem é elogiado por
ser muito cordial e afável, diz-se que ele é jovial, em alusão a Jove, ou Júpiter, o
planeta fulgentemente brilhante; mas uma pessoa de temperamento oposto é
chamada saturnina, porque se supõe que Saturno é um planeta melancólico,
terrivelmente lúgubre, e que as suas influências são malignas e funestas.

Se vocês leram algum dos livros astrológicos que eu tive o prazer de estudar,
terão visto que, se tivessem nascido sob a influência de Saturno, quase
igualmente teriam nascido sob a influência de satanás, pois vem a ser quase a
mesma coisa, afinal. Supõe-se que esse planeta é um tipo de indivíduo muito
lerdo, e seu símbolo é o do chumbo. Todavia ele é realmente um personagem
muito ligeiro e cheio de vida. O seu diâmetro é quase nove vezes maior do que o
da terra e, conquanto o seu volume seja igual a 746 mundos do tamanho do
nosso, o seu peso eqüivale a apenas 92 globos como o nosso globo terráqueo. A
densidade dos planetas parece diminuir de acordo com a sua distância do sol,
não numa proporção regular, e sim ainda desse modo, em grande medida. E
parece não haver razão por que os que são mais remotos, e viajam lentamente,
devam ser tão densos como os que se acham mais perto do astro central, e giram
mais rapidamente ao redor dele.

Este útil volume, do qual já lhes dei vários extratos, diz: “Portanto, em vez de
afundar como chumbo nas potentes águas, ele flutuaria sobre o líquido, se se
pudesse achar um oceano com suficiente capacidade para recebê-lo. John
Goad, o bem conhecido astro-meteorologista, declarou que o planeta não é o
“sujeito plúmbeo e de nariz azulado” que toda a antigüidade cria que era, e o
mundo ainda supunha. Mas a outros competia prová-la. Durante seis mil anos,
pouco mais, pouco menos, Saturno ocultou as suas feições pessoais, a
sua interessante família e os seus acessórios - as magníficas

dependências externas da sua casa - ao conhecimento da humanidade. Entretanto


foi apanhado, afinal, por um pequeno tubo, apontado para ele desde um declive
dos Apeninos, cujo manipulador, invadindo a sua privacidade, não cuidou
de pedir licença, e não se considerou intruso”. Quando aquele “pequeno tubo” o
focalizou, viu-se que ele era um planeta extremamente belo, um dos mais
variados e dos mais maravilhosos de todos os mundos planetários.

Tomem isso como uma ilustração da falsidade da calúnia, e de como algumas


pessoas são muito difamadas e conspurcadas porque as outras não as conhecem.
Na verdade, este planeta, que era tão desprezado, veio a ser um objeto muito
formoso; e, em vez de ser muito obscuro, e o que a palavra saturnino
normalmente significa, é brilhante e glorioso. Também Saturno não tem menos
que oito luas* para escoltá-lo; e, em acréscimo, tem três anéis, que Tennyson
canta nestes versos:

“Ainda enquanto Saturno gira, sua sombra em seus anéis fulgentes dorme”.

Saturno tem somente uma centésima parte da luz do sol, comparada com a que
recebemos; todavia, suponho, a atmosfera poderia ser disposta de tal modo que
ele teria tanta luz solar como a que temos; mas mesmo que a atmosfera fosse do
mesmo tipo da nossa, Saturno ainda teria tanta luz como a que temos num
nevoeiro londrino comum. Estou falando, é claro, da luz do sol; porém não
podemos falar do poder de iluminação que o Senhor pode ter posto no planeta
mesmo. Além disso, ele tem as suas oito luas, e os seus três fulgentes anéis, cujo
brilho não se pode imaginar ou descrever. Que há de ser, contemplar um
maravilhoso arco de luz elevando-se à altura de cerca de 60.000 quilômetros
acima do planeta, e

Foram descobertos posteriormente mais 3 satélites. ApudAtlas Geográfico


Melhoramentos, 36‘ edição, e Larousse, ed. de 1968. Nota do Tradutor.

tendo a enorme envergadura de aproximadamente 274.000 quilômetros! Se


vocês estivessem no equador de Saturno, só veriam os anéis como uma estreita
faixa de luz. Mas se pudessem viajar para os pólos, veriam por cima de vocês
um tremendo arco, resplandecente de luz, como algum dos imensos refletores
que se vêem suspensos em grandes edifícios onde não podem receber suficiente
luz solar. O refletor ajuda a reunir os raios luminosos e a lançá-los aonde
são necessários; e não tenho dúvida de que esses anéis funcionam como
refletores para Saturno. Deve ser um maravilhoso mundo onde viver, se é que há
habitantes lá; têm compensações que cobrem plenamente as suas desvantagens
por estarem tão longe do sol. Assim é no mundo espiritual; o que o Senhor retira
numa direção, Ele compensa noutra. E os que se acham muito distanciados dos
meios de graça, e dos privilégios cristãos, têm uma luz interior e uma alegria que
outros, com maiores vantagens aparentes, quase poderiam invejar.

Excúrsionando de novo pelos céus, muitíssimo além de Saturno, chegamos a


URANO, ou HERSCHEL, como é chamado às vezes, do astrônomo que o
descobriu em 1781. Crê-se que a menor distância que separa Urano do sol é
de cerca de 2.870.000.000 de quilômetros. Dou-lhes os algarismos, mas nem eu
nem vocês podemos ter a mais ligeira concepção da distância que eles
representam. A um observador postado em Urano, o sol provavelmente pareceria
apenas um remoto ponto luminoso; ainda, o planeta faz a sua rotação em torno
de 25.000 quilômetros por hora, e leva perto de oitenta e quatro dos nossos anos
para completar uma jornada em torno do sol. Diz-se que Urano tem volume igual
a setenta e três a setenta e quatro terras, e que é assessorado por quatro luas.*
Não sei muita coisa sobre Urano; portanto, não tenciono falar muito dele.

Isso pode servir como ilustração da lição de que um

Mais uma foi depois descoberta. Id. Id. Nota do Tradutor.

homem faria melhor falando o menos possível de uma coisa da qual pouco sabe;
e esta é uma lição que muitas pessoas precisam aprender. Por exemplo, há
provavelmente mais obras sobre o livro do Apocalipse do que sobre qualquer
outra parte das Escrituras, e, com exceção de apenas uns poucos, não valem o
papel em que foram impressos. Depois, em seguida ao livro do Apocalipse, nesta
questão, vem o livro de Daniel; e, porque é tão difícil de explicar, muitos
escreveram sobre ele, contudo, de modo geral, o resultado dos seus escritos é
que somente se têm impugnado e contradito uns aos outros. Irmãos, preguemos o
que sabemos; e não falemos nada daquilo de que somos ignorantes.

Percorremos longo caminho, pela imaginação, viajando e ao planeta Urano, mas


ainda não completamos a nossa excursão da tarde. Alguns astrônomos
observaram que a órbita de Urano às vezes se desviava do curso que eles tinham
marcado em seu mapa dos céus; e isso os convenceu de que havia outro corpo
planetário, não descoberto até então, que estava exercendo invisível mas
poderosa influência sobre Urano.

Este fato, que estes mundos enormes, com tantos milhões de quilômetros de
espaço entre eles, retardam ou aceleram os movimentos uns dos outros, para
mim é uma bela ilustração da influência que eu e vocês temos sobre os nossos
semelhantes. Consciente ou inconscientemente, ou impedimos o progresso de
um homem na vereda que leva a Deus, ou então apressamos o seu avanço pelo
caminho que conduz ao céu. “Nenhum de nós vive para si.”

Os astrônomos chegaram à conclusão de que tinha que existir outro planeta,


anteriormente desconhecido para eles, que estava perturbando o movimento de
Urano. Desconhecidos um do outro, um inglês, o Sr. Adams, de Cambridge,
e um francês, o Sr. Le Verrier, puseram-se a trabalhar para localizar a posição em
que esperavam descobrir o corpo celeste, e os seus cálculos lhes trouxeram
resultados quase idênticos. Quando os telescópios foram apontados para

aquela parte dos céus onde os astrônomos matemáticos acreditavam que o


planeta seria encontrado, ele foi logo descoberto, brilhando com luz de tom
amarelo pálido, e agora o conhecemos pelo nome de NETUNO.

O volume que tenho diante de mim, fala nestes termos dos dois métodos de
achar-se um planeta, um pesquisador empregando o mais poderoso telescópio, e
o outro fazendo cálculos matemáticos: “Detectar um planeta com os olhos,
ou rastreá-lo até sua localização com a mente, são atos tão incomensuráveis
como os dos poderes musculares e intelectuais. Recostado em sua cômoda
poltrona, o astrônomo prático não tem mais que olhar pela abertura da sua
cúpula giratória para rastrear o astro peregrino em seu curso; ou, pela aplicação
de magnífico poder, ampliar o seu disco delgado, e assim transferi-lo dentre os
seus companheiros siderais para os domínios planetários. O astrônomo físico, ao
contrário, não tem desses auxiliares. Ele faz cálculos ao meio-dia, quando as
estrelas desaparecem sob o sol meridiano; computa valores à meia-noite, quando
as nuvens e as trevas encobrem os céus; e de dentro daquela abóbada cerebral
que não tem aberturas rumo aos céus, e não tem instrumentos, senão os olhos da
razão, vê nas ações perturbadoras de um planeta não divisado, sobre um planeta
igualmente não visto por ele, a existência do agente perturbador, e, partindo da
natureza e do volume da sua ação, computa a sua magnitude e indica o seu
lugar”.

Que coisa grandiosa é a razão! E muito acima dos meros sentidos; e a fé, então,
está muito acima da razão; só que, no caso do astrônomo matemático em quem
estamos pensando, a razão era uma espécie de fé. Ele raciocinou: “As leis de
Deus são assim e assim, e assim e assim. Este planeta Urano está sendo
perturbado; algum outro planeta deve tê-lo perturbado, e, assim, eu o procurarei
e o acharei onde estiver”. E quando os seus intrincados cálculos se completaram,
ele pôs o dedo em Netuno com a mesma facilidade com que um detetive põe as
mãos num gatuno, e muito mais depressa; na verdade,

parece-me que muitas vezes é mais fácil encontrar uma estrela do que pegar um
ladrão.

Netuno brilhava muito tempo antes de ser descoberto e de receber nome. E eu e


vocês, irmãos, podemos permanecer ignorados durante anos, e é possível que o
mundo jamais nos descubra. Mas espero que a nossa influência, como a de
Netuno, seja sentida e reconhecida, quer sejamos vistos pelos homens, quer
apenas brilhemos em solitário esplendor para a glória de Deus.

Bem, viajamos em pensamento até o distante Netuno, que está a quase


4.500.000.000 de quilômetros do sol; e, postados lá, olhamos ao espaço e, eis
miríades, e miríades, e miríades de quilômetros em que parece não haver mais
planetas pertencentes ao sistema solar. Talvez haja outros que ainda não foram
descobertos, todavia, o quanto sabemos, além de Netuno há um grande golfo
fixo.

Há, porém, o que podemos chamar de “saltadores” no sistema, os quais, sem o


uso de vara, podem cruzar este golfo; são os COMETAS. Esses cometas são, em
regra, tão finos -simples massa membranosa de vapor - que, quando
entram reluzindo em nosso sistema, e tornam a sair velozes, nunca perturbam o
movimento de um planeta. E existem alguns cometas terrestres, que eu conheço,
que vão a algumas cidades e refulgent por algum tempo, mas não têm força
para perturbar os planetas que giram em suas órbitas seguindo o seu curso
regular. O poder de um homem não consiste em correr para cá e para lá, como
um cometa, e sim, em brilhar constantemente, ano após ano, como uma estrela
permanente. Diz o astrônomo Halley: “Se você condensasse um cometa,
reduzindo-o à espessura da atmosfera ordinária, não encheria uma polegada
quadrada de espaço”. Tão delgado é um cometa, que vocês poderiam olhar
através de quase dez mil quilômetros dele, e enxergar quase com tanta
facilidade como se ele não estivesse ali. E bom ser transparente, irmãos; porém
espero que vocês sejam mais, substanciais do que a

maioria dos cometas de que temos ouvido falar.

Os cometas aparecem com grande regularidade, embora pareçam irregulares.


Halley profetizou que o cometa de 1682, do qual pouco se sabia anteriormente,
retornaria a intervalos regulares de cerca de setenta e cinco anos. Ele sabia que
não viveria para ver o seu reaparecimento, mas expressou a esperança de que,
quando ele retornasse, a sua profecia seria lembrada. Vários astrônomos
estiveram atentos a isso, e esperavam alcançar o tempo predito, porque, de outro
modo, as pessoas ignorantes não acreditariam na astronomia. Mas o cometa
voltou no tempo certo; assim a mente deles foi tranqüilizada, e a predição de
Halley se confirmou.

Entre as histórias concernentes à observação de cometas, há uma que contém


uma ilustração, e também uma lição. “Messier.; que tinha adquirido o cognome
de “O caçador de cometas”, pelo número que ele descobriu, estava
particularmente preocupado na ocasião. De grande simplicidade de caráter, o seu
zelo por cometas muitas vezes se manifestava de maneira a mais estranha.
Enquanto atendia à sua mulher mortalmente enferma, e estava necessariamente
ausente do seu observatório, a descoberta de um deles foi-lhe arrebatada por
Montaigne de Limoges. Foi um golpe doloroso. Um visitante começou a
oferecer-lhe consolação por seu recente luto, quando Messier, pensando só no
cometa, respondeu: “Eu tinha descoberto doze; ah, ter-me roubado o décimo-
terceiro aquele Montagne!” Mas, imediatamente caindo em si, exclamou: “Ah,
cettepauvre femme!” {Ah, essa pobre mulher!) e continuou a prantear a esposa e
o cometa ao mesmo tempo”. Evidentemente vivia tanto nos céus, que esqueceu a
esposa; e se a ciência às vezes pode levar um homem para longe de todas as
aflições desta vida mortal, certamente a nossa vida celestial deve elevar-nos
acima de todas as desordens e preocupações que nos afligem.

O retorno de um cometa é muitas vezes anunciado com grande certeza.


Apareceu num jornal este parágrafo: “De modo

geral, pode-se considerar razoavelmente que o cometa será visível em toda parte
na Europa por volta de fins de agosto, ou no início de setembro seguinte. Será
com a maior probabilidade distinguível a olho nu, como uma estrela de
primeira grandeza, mas com luz mais opaca do que a de um planeta, e cercado
por uma pálida nebulosidade que enfraquecerá ligeiramente o seu esplendor. Na
noite de 7 de outubro, o cometa se aproximará da bem conhecida constelação da
Ursa Maior; e entre essa data e o dia 11, passará diretamente por entre os sete
astros visíveis daquela constelação. Mais para o fim de novembro, o cometa
mergulhará entre os raios do sol, e desaparecerá, e não sairá deles, no outro lado,
até o final de dezembro. Este prospecto dos movimentos de um corpo, invisível
nesse tempo, a milhões de quilômetros de distância, é quase tão definido como
os anúncios prévios das viagens de coche entre Londres e Edimburgo.
Coloquemos agora as observações oculares ao lado das antecipações da ciência,
e veremos que a ciência provou-se quase absolutamente correta”.

Cavalheiros, pensem só nos cálculos que foram necessários, pois, embora um


cometa não interfira no curso de um planeta, um planeta interfere muito
consideravelmente no curso de um cometa; de forma que, em seus cálculos, os
astrônomos tinham que reconstituir a pista pela qual o cometa teria que
viajar. Pensando nele como um viajor cansado de viajar, lembramos que ele terá
que passar pela fulgente morada de Netuno,2 e Netuno por certo lhe dará uma
chávena de chá; depois fará longa excursão, até Urano, e pernoitará ali; de
manhã, fará breve visita a Saturno, ficando lá para o desjejum; tomará refeição
com Júpiter; daí a pouco chegará a Marte, e segua-mente dará um passeio por lá;
e se alegrará ao chegar a Vênus, e, claro, será retido pelos seus encantos.
Portanto, cavalheiros, verão prontamente que os cálculos quanto ao

regresso de um cometa são extremamente difíceis, e, contudo, os astrônomos


fazem as estimativas do tempo com escrupulosa exatidão. Esta ciência é
maravilhosa, não só pelo que revela, mas pelo talento que apresenta e pelas
lições que continuamente nos ensina sobre as esplêndidas obras realizadas por
nosso grandioso Pai.

Fizemos o que tínhamos que fazer com o sistema solar, e mesmo com aqueles
intrusos que vez por outra nos vêm de sistemas muito longínquos, pois um
cometa, suponho, só é visto por um mês, ou por uma semana, e depois, às vezes,
não reaparece por centenas de anos. Aonde foram eles durante todo esse
intervalo? Bem, foram para alguma parte, e servem ao propósito do Deus que os
fez, ouso dizer; contudo, de minha parte, eu não gostaria de ser um cometa no
sistema de Deus. Gostaria de ter o meu lugar fixo, e de me manter brilhando pelo
Senhor ali. Tenho vivido em Londres muitos anos, e tenho visto muitos cometas
vindo e indo durante esse tempo. Oh, as grandes luzes que tenho visto passar por
perto precipitadamente! Foram-se, desaparecendo nalguma esfera desconhecida,
como usualmente acontece com os cometas. Geralmente eu tenho notado que,
quando os homens se metem a fazer muito mais que todos os outros, e se
mostram estu-pendamente pomposos nisso, a história deles é descrita com a
maior precisão por aquele simples símile, de subir como rojão, e descer como
vareta.
Não sei se vocês podem, na imaginação, apoiar-se nas ameias deste pequeno
sistema solar, e ver o que há além dele. Não estreitem as suas mentes,
cavalheiros, a umas quantas cen-tenas de milhões de quilômetros! Se quiserem
achar uma rota longa de verdade, comecem a ver uma estrela. Eu estaria apenas
falando coisas sem sentido, se lhes dissesse a distância em que as estrelas estão
de nós. Entretanto, há outras, das que con-seguimos ver, que estão quase
imensuravelmente mais longe. Elas tiveram um trabalho tremendo para enviar-
nos um raio de luz de tão vasta distância, para informar-nos que

estão passando muito bem e que, embora estejam a essa distância de nós, ainda
se divertem o mais que podem em nossa ausência.

Essas estrelas, quando as pessoas comuns as olham, parecem estar espalhadas


pelos céus, como se diz, “de qualquer jeito”. Sempre admiro essa encantadora
variedade. E sou agradecido a Deus, porque não colocou as estrelas em
linhas retas, como fileiras de luminárias públicas nas ruas. Pensem só, irmãos,
como seria se olhássemos para cima, de noite, e víssemos as estrelas arrumadas
em fileiras como alfinetes num papel! Louvado seja Deus, não é assim! Ele
simplesmente tomou uma mancheia de mundos reluzentes, e os esparramou pelo
céu, e eles caíram nas mais belas posições, de modo que o povo diz “Lá está a
Ursa Maior” ou, como dizem, “Aquele é o Carro de Charles”, e todos os
camponeses conhecem o Gancho do Boieiro - vocês não o viram, irmãos?
Outros dizem “Aquela é a Virgem, e aquele é o Carneiro, e aquele é o Touro”, e
assim por diante.

Acho que a nomenclatura das várias constelações é muito parecida com grande
parte da pregação mística que existe hoje em dia. Os pregadores dizem: “Aquele
é fulano de tal, e aquele é sicrano”. Bem, talvez seja assim; mas não é como o
vejo. Vocês podem imaginar o que quiserem nas constelações dos céus. Eu
imaginei uma fortaleza no fogo, e observei a sua edificação, e vi chegarem
pequenos soldados e a derrubaram. Vocês podem ver toda e qualquer coisa no
fogo, no céu e na Bíblia, se querem fazer a pesquisa desse jeito. Não vêem
isso realmente: é apenas uma fantasia da sua imaginação. Não existem touros e
ursos nos céus. Pode existir uma virgem, mas ela não deve receber culto como
ensinam os romanistas. Suponho que vocês conhecem a Estrela-polar; devem
conhecer também as Ponteiras; elas apontam para a Estrela-polar, e é isso
justamente o que devemos fazer - dirigir os pobres escravos do pecado e de
satanás para a verdadeira Estrela da liberdade, nosso Senhor e Salvador Jesus
Cristo.
Há depois as Plêiades. Quase todas as pessoas podem dizer-lhes onde elas estão.
São um grupo de estrelas aparentemente pequenas, mas brilham intensamente.
Elas me ensinam que, se sou muito pequeno, tenho que procurar ser muito
brilhante. Se não posso ser como Aldebaran, ou como alguma das
mais brilhantes gemas do céu, tenho que ser tão brilhante quanto puder em
minha esfera particular, e tenho que ser tão útil ali como se fosse uma estrela de
primeira grandeza. Depois, do outro lado do globo, olham para cima para ver o
Cruzeiro do Sul. Ouso dizer que um dos nossos irmãos, oriundo da Austrália,
lhes dará privadamente uma aula sobre aquela constelação. E belo pensar na cruz
como guia do marinheiro; é o melhor guia que se pode ter, deste ou do outro lado
dos trópicos.

Junto das estrelas existem vastos corpos luminosos, chamados NEBULOSAS.


Em algumas partes dos céus há enormes massas de matéria luminosa; alguns
supuseram que era material do qual os mundos foram feitos. Eram as porções de
argamassa das quais, conforme a velha teoria ateística, os mundos se
desenvolveram por algum singular processo de evolução. Mas quando Herschel
girou o seu telescópio para focalizá-las, logo quebrou o nariz daquela teoria, pois
descobriu que essas nebulosas eram simplesmente enormes massas de estrelas, a
tantas miríades e mais miríades de quilômetros de distância, que, para a nossa
visão, pareciam apenas uma insignificante poeira de luz.

Há muitas coisas maravilhosas para aprender sobre as estrelas, às quais espero


que vocês dêem a sua mais ardente atenção, conforme tenham oportunidade.
Entre as restantes há este fato, que algumas estrelas cessaram de ser-nos
visíveis. Disse Tycho Brahé que, certa ocasião, viu vários aldeães olhando para o
céu; e, ao perguntar-lhes por que contemplavam os céus, disseram-lhe que uma
nova estrela tinha aparecido subitamente. Brilhou refulgentemente durante uns
poucos meses, e depois se desvaneceu. Muitas vezes, um

mundo estrelado parece ter ficado vermelho, como se estivesse em chamas;


aparentemente pegou fogo, queimou-se, e então desapareceu. Kepler, escrevendo
a respeito desse fenômeno, diz: “O que isso pode pressagiar é difícil determinar;
e somente este tanto é certo, que ele vem dizer à humanidade, ou absolutamente
nada, ou elevadas e ponderáveis novas, inteiramente além do sentido e do
entendimento humanos”. Aludindo às opiniões de alguns, que explicaram o
novel objeto com a doutrina epicuréia de uma fortuita combinação de átomos,
ele observou, com característica singularidade, posto que com bom senso: “Direi
a esses contendores - meus oponentes - não a minha opinião, mas a da minha
esposa. Ontem, quando cansado de escrever, minha mente completamente
empoeirada pela consideração desses átomos, fui chamado para a ceia, e uma
salada que eu encomendara foi posta diante de mim. “Parece, pois”, disse eu
alto, “que, se pratos de peltre, com folhas de alface, grãos de sal, gotas d’água,
vinagre e óleo, e fatias de ovos, tivessem estado flutuando no ar desde toda
a eternidade, poderia afinal suceder, por acaso, que viessem a ser uma salada.”
“Sim”, disse a minha mulher, “mas nenhuma tão saborosa ou tão bem enfeitada
como esta que lhe preparei.” Assim devo pensar: e se a fortuita combinação de
átomos não pode fazer uma salada, não é muito provável que pudessem fazer um
mundo. Uma vez perguntei a um homem que dizia que o mundo era uma fortuita
junção de átomos: “Ocorreu --lhe alguma vez ficar sem dinheiro e estar onde não
conhecia ninguém que lhe desse um jantar?” “Sim, já me ocorreu”, replicou ele.
“Pois bem”, disse eu, “nunca lhe aconteceu que uma fortuita junção de átomos
lhe produzisse uma perna de carneiro, com alguns ótimos nabos cozidos, e
molho de alcaparra, para o seu jantar?” “Não”, disse ele, “não me aconteceu
isso.” “Bem”, respondi, “uma perna de carneiro, em todo caso, ainda que com a
inclusão de nabos e molho de alcaparra, é muito mais fácil fazer do que um
destes mundos, como Júpiter ou Venus.”

Diz-nos a Palavra de Deus que uma estrela difere de outra em glória; contudo,
uma de pequeno porte pode fornecer-nos mais luz do que uma estrela maior, que
esteja muito mais longe. Algumas estrelas são o que se chama de variáveis;
numa ocasião parecem maiores do que noutra. Algol, na cabeça de Medusa, é
dessa espécie. É-nos dito que “A estrela, na sua condição de maior brilho, parece
ser de segunda grandeza, e fica assim cerca de sessenta e duas horas. Daí a sua
luz diminui, e tão rapidamente, que em três horas e meia se reduz à quarta
grandeza. Ela fica com esse aspecto pouco mais de quinze minutos,
depois aumenta, e em três horas e meia reassume a sua aparência anterior”.
Receio que muitos de nós sejamos estrelas variáveis. Se às vezes ficarmos
obscurecidos, será bom recuperar o nosso brilho tão depressa como o faz Algol.

Depois há milhares de estrelas duplas. Espero que cada um de vocês consiga


uma esposa que sempre brilhe junto ao seu lado, e nunca o eclipse, pois uma
estrela dupla pode ser muito brilhante em certo período, e ás vezes pode ser
eclipsada completamente. Existem também estrelas tríplices, ou sistemas triplos,
e sistemas quádruplos, e, em alguns casos, há centenas ou milhares delas, todas
entrelaçando-se em torno umas das outras, e em torno dos seus luminares
centrais. Maravilhosas combinações de glória e beleza podem-se ver no céu
estelar; e algumas dessas estrelas são vermelhas, algumas azuis,
algumas amarelas, todas as cores do arco-íris sendo representadas nelas. Seria
deveras maravilhoso viver numa delas, e olhar pela amplidão do firmamento e
ver todas as glórias dos céus que Deus criou. De modo geral, porém, quanto ao
presente, estou muito contente por habitar neste pequeno planeta; especialmente
quando não sou capaz de trocá-lo por outro lar, enquanto Deus não o quiser.

Esta terceira e última parte do livro Lectures to my Students apresenta ao leitor o


ensinamento e sábio conselho do renomado “príncipe dos pregadores” sobre o
uso de ilustrações e anedotas no sermão.

Acreditamos que os pregadores atuais serão beneficiados pela leitura destes


cinco capítulos ricos em sugestões, historietas e experiências pessoais do famoso
pastor do Metropolitan Tabernacle.

Um erudito hodierno e autoridade sobre Spurgeon diz deste livro: “Depois da


sua grande obra literária The Treasury of David, considero Lições aos meus
Alunos a sua maior contribuição ao mundo cristão”.

PUBLICAÇÕES EVANGÉLICAS SELECIONADAS Rua 24 de Maio, 116 -


3o andar - salas 14-17 01041-000 - São Paulo - SP

“Em setembro de 1892 um quinto satélite foi descoberto graças ao grande


telescópio do Observatório Lick, no Monte Hamilton, Califórnia.” -
The Voices of the Stars, de J. E. Walker, M. A. Elliot Stock.

Júpiter “possui doze satélites”, apudNouveau Petit Larousseen Couleurs, ed.,


de 1968. Nota do Tradutor.

Spurgeon faleceu em 1892. Devido a isso, não há menção do planeta Plutão,


descoberto em 1930.

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