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3 Claro está, essa visão deve ser admitida cum grano salis; Wagner e Lutero
tinham, de forma inegável, traços antissemitas e reacionários; Nietzsche
jamais foi um exemplo de espírito democrático – muito pelo contrário. Isso
não implica desconsiderar a majestade da música de Wagner, a influência da
Reforma, ou a relevância do pensamento de Nietzsche, mas apenas
reconhecer neles, como faz Thomas Mann, traços de conservadorismo que, a
partir de certo desenvolvimento histórico, conduziram ao nazismo. Talvez não
seja ocioso lembrar que Wagner era objeto de devoção maníaca de Hitler, e
que Nietzsche tenha sido alçado ao infeliz posto de pensador par excellence
do Terceiro Reich.
simultaneamente, boa E má, Goethe E Hitler. Não é uma ou outra, isso ou
aquilo, mas uma E outra, diversa e idêntica a si mesma. O espírito
germânico, cujo destino4 trágico desemboca na subversão de todos os
valores humanistas de Goethe, Bach e Beethoven, na barbárie completa, no
irracionalismo, nas trevas, na guerra e na completa destruição, uma ruína
apocalíptica de tons marcadamente bíblicos, revela-se na forma do
pensamento mais requintado, da intelectualidade mais profunda, da filosofia e
da música mais elevadas. E é em tal espírito de idealização e abstração,
portanto, “musical”, que Thomas Mann localiza a causa da ruína alemã. A
Bildung germânica, orgulhosa versão nacional da Paidéia ática, parece muito
bem representada na figura solitária, depressiva, suicida e algo maníaca de
Fausto em seu quarto de trabalho, cercado de livros, mapas e instrumental
alquímico. Ao se voltar para si mesmo, ao ter como único objetivo a
autoafirmação e constituição do caráter individual, o movimento egoico de
Fausto tem, como contraparte, a perda de toda a relação com a sociedade
dos homens, com a comunidade, na expressão de Drummond, da “praça dos
convites”. Entregar-se aos poderes demoníacos, nessa chave, é, portanto,
tornar-se um ser puramente ideal, transitar nas elevadas esferas do Conceito
e do Pensamento, ser, em outras palavras, exclusivamente “musical”: a
música, segundo Schopenhauer, uma das maiores influências do jovem