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O Alfabeto versus a Deusa:

O Conflito Entre Palavra e Imagem


Leonard Shlain
Sumário por Susie Pedigo
Tradução livre por Mariângela Sorbilli

As sociedades pré-históricas adoravam deusas e as mulheres sempre


ocupavam posições de poder. Propriedades eram passadas de mãe
para filha. O que causou o desaparecimento do feminino nas
religiões da civilização ocidental? Por que as mulheres foram
excluídas das hierarquias religiosas por tanto tempo?

Já que essa mudança ocorreu no momento em que as pessoas


estavam aprendendo a ler e escrever, e a escrita alfabética
promove o pensamento linear e lógico dirigido pelo lado esquerdo
do cérebro, as sociedades onde os literatos se tornaram a maioria,
desenvolvem também um olhar sobre o mundo pautado por uma
percepção dirigida pelos padrões do lado esquerdo do cérebro.

Assim, a lógica, a razão linear e as características do lado esquerdo


do cérebro se desenvolveram mais do que o imaginário holístico, a
simultaneidade, a síntese, a criatividade e a feminilidade, que são
aspectos controlados pelo lado direito do cérebro. Imagens resultam
de um trabalho de síntese, concreto e holístico, isto é gestalt.
Imagens são percebidas de imediato.

Sim, enquanto esses métodos de se ver o mundo são opostos, cada indivíduo possui todas as
características de ambos em seu cérebro. Na década de 1960 Marshal McLuhan proclamou que “a
mídia é a mensagem”. A tecnologia da comunicação se torna parte da mente da sociedade e
exerce uma influência inconsciente poderosa nas crenças e percepções dos membros dessa
sociedade.

Ainda que cada indivíduo possua um conjunto único de instruções genéticas, a cultura na qual ele
nasce faz a modelagem final. Como parte do processo evolucionário, ao deixarem a vida nas árvores,
os primatas precisaram desenvolver um cérebro maior. O tamanho do cérebro era, entretanto,
limitado pelo tamanho do canal de nascimento. A solução evolucionária para esse problema foi
deixar o cérebro incompleto até o nascimento. Os neurônios principais eram deixados para ser
desenvolvidos pela educação, após o nascimento.

Dessa forma a cultura tem a oportunidade de modelar tais neurônios. As duas influências principais no
desenvolvimento de um indivíduo são a constituição emocional de sua família e a estrutura de sua
cultura. A terceira influência é a mídia predominante nessa cultura. A mídia determina quais neurônios
serão mais estimulados no cérebro da criança.

Uma segunda solução evolucionária para a necessidade de maior poder cerebral foi a divisão do
cérebro em duas metades para assim permitir o desenvolvimento da linguagem. Enquanto em todos
os vertebrados o cérebro tem dois lóbulos, apenas nos humanos os dois lóbulos funcionam
diferentemente:
O lado direito do cérebro, que se desenvolve no feto em primeiro lugar, é não verbal, não-lógico e
combina as emoções que se igualam ao estado da existência. Isso permite ao indivíduo conhecer
algo de fato. É a voz interna que verifica o conhecimento acima de qualquer dúvida. Ter fé na
divindade, entender piadas e sentir-se atraído ou repelido por alguma coisa, são algumas das
atividades do lado direito do cérebro. São as experiências de primeira mão. Intuição, amor a primeira
vista e conversão religiosa, também são atividades do lado direito do cérebro. O lado direito do
cérebro percebe concretamente. Ele cria estados alterados de consciência e sonhos. É o lado criativo
que compreende os múltiplos níveis de significado contido nas metáforas. Ele reconhece e aprecia a
música. Ele percebe o equilíbrio, a harmonia e a composição e desenvolve o senso estético.

O lado esquerdo do cérebro está ocupado com o fazer, o querer e o discurso. Ele abstrai, discrimina,
analisa e disseca. Ele salta do particular para o geral, do concreto para o abstrato. Ele cria a arte, a
lógica, a ciência e a filosofia. Ele retira o homem da natureza e cria o ego. O lóbulo esquerdo é um
novo órgão dos sentidos que percebe o tempo.

O corpo caloso é uma fibra neural que conecta os dois lados. As mulheres possuem de 10 a 33% a mais
fibras neurais nessa área e assim são mais efetivas do que os homens ao executar múltiplas tarefas. O
homem é mais influenciado pelo lado esquerdo do cérebro porque caçar encoraja a habilidade de
se desligar dos sentimentos e ser objetivo. O cérebro da mulher é mais influenciado pelo lado direito
por causa da necessidade de um maior comprometimento emocional com a criação dos filhos.
Cérebros masculinos são conscientes do tempo, cérebros femininos são conscientes do espaço.

Quando a humanidade deixa o estágio de caçador/coletor e começa


a cultivar os alimentos, os atributos do lado direito do cérebro são
estimulados em ambos, mulheres e homens. A semeadura e a espera
pela colheita se conectam com a fecundação e a gestação. A
criação de animais reforça a idéia da mulher como doadora da vida.
Assim nascem a deusas da terra. Estudos antropológicos de sociedades
analfabetas e agrícolas indicam uma maior igualdade entre homens e
mulheres do que nas sociedades alfabetizadas e industriais.

No período entre 7000 e 4000 AC, que inclui o início do período agrário,
parece ter ocorrido um decréscimo na violência. Existiam poucos
vilarejos murados e fortificados e os artefatos desse período mostram
menos armas e mais ferramentas. As mulheres contavam com locais
melhores para serem enterradas e existe muito pouca ou nenhuma
evidência de escravidão. Nas ruínas dessas povoações se encontram
sempre fragmentos de estátuas de deidades femininas. Então, o que
aconteceu que mudou essas sociedades e destruiu a adoração à
Deusa?

Há diversas teorias. Marija Gimbute pensou que a domesticação do cavalo e o surgimento de


cavalarias ocasionaram os ataques às comunidades agrícolas pelas tribos do norte e a conseqüente
imposição do deus celeste sobre estes. Claude Levi-Strauss sugeriu que a troca de noivas erodiu o valor
da mulher. Sherry Otner sugere que os papeis dos gêneros divergem porque homens estariam mais
associados à cultura e mulheres à natureza. Toda sociedade tenta sobrepor a natureza através da
cultura.

Frederik Engles sugeriu que a propriedade da terra criou a idéia de que um homem poderia possuir
uma mulher. Gerda Lerner, uma historiadora feminista, indica que a formação do estado destruiu a
Deusa. O crescimento dos povoados concentrou o poder nas mãos de alguns e resultou numa
hierarquia que favoreceu o forte macho alfa. Essas teorias podem explicar como, mas não podem
explicar o porquê. Por que a sociedade agrícola aceitou a morte da Deusa e mudou para as
percepções do lado esquerdo do cérebro?

O antropologista Claude Levi-Strauss concluiu que o que liga o desenvolvimento das sociedades
hierárquicas, escravidão e opressão, é a alfabetização. De acordo com a teoria Jungiana tudo tem
um lado de sombra. A alfabetização é sempre glorificada, mas ela também tem um lado sombrio. Ela
encorajou a dominação das mulheres pelos homens através da história. A idéia de que o alfabeto
roubou os poderes das mulheres pode parecer oposta aos fatos históricos. Afinal de contas, as
sociedades alfabetizadas do ocidente valorizam as regras da lei e o governo constitucional. O valor
dos indivíduos de todas as raças e credos tem sido grandemente afirmado. Essa afirmação é um
desenvolvimento posterior.

Ler e escrever são atividades lineares. O significado é determinado aos poucos e determinado pela
escolha das palavras, ordem sintática e combinação das letras. Compreensão requer sempre análise.
São conjuntos de símbolos que recriam o mundo de forma particular. Ler e escrever são atividades
mais abstratas que concretas. Imagens são duplicações mentais do mundo que o cérebro sente
através da visão. Imagens são concretas, holísticas e trabalham com a síntese. Imagens são
percebidas de imediato.

Hábito e linguagem associam o pensamento holístico concreto e a síntese com o feminino. Abstração,
análise e seqüência linear são associadas com o masculino. Adoração à Deusa, valores femininos e o
poder da mulher dependem de uma cultura onde imagens dominam. Adoração ao Deus, valores
masculinos e sociedades dominadas por homens são encontradas em culturas onde a palavra escrita
domina. Palavra e imagem, masculino e feminino são complementares e idealmente estão em
equilíbrio como no símbolo do Yin e Yang.

Foi a alfabetização em si mesma que causou o desaparecimento da Deusa. Oradores e ouvintes,


gesticulando com ambas as mãos são mais espontâneos e simultâneos. Ambos os lados do cérebro
criam e interpretam a fala. Escritores e leitores usam apenas o hemisfério esquerdo do cérebro, o
mesmo lado usado para caçar e matar.
Assim a alfabetização diminui a importância do feminino lado direito do cérebro. Pistas não verbais,
inflexões, simultaneidade, emoção e gesticulação são processadas pelo lado direito do cérebro. A
fala requer que ambos os lados do cérebro trabalhem em cooperação. Escrever e ler são atividades
lineares, abstratas, centralizadoras e dominantes – todas elas conectadas ao macho
caçador/matador. Assim a alfabetização destituiu os valores do lado direito do cérebro e a Deusa,
resultando em sociedades dominadas pelo homem onde o abuso das mulheres é comum.

As regras de gramática se desenvolvem com a escrita e a leitura. Gramática e leis são características
do lado esquerdo do cérebro. Elas inibem a espontaneidade e a intuição. Elas reforçam os princípios
masculinos. O mais antigo processo legal da Mesopotâmia atribuído a Urokagina de Lagash, inicia
com a condenação de uma mulher por ter vários maridos. O domínio do homem é um tema
frequente no Código de Hamurabi, o qual foi o ponto alto da alfabetização na Mesopotâmia.
Um quarto do código restringe os direitos das mulheres. A queda da deusa Tiamat ocorre
simultaneamente à elevação da estrela de Hamurabi.
Enquanto na Mesopotâmia desenvolveu-se um sistema de escrita fonética baseado em abstrações,
no Egito desenvolveu-se um sistema pictórico baseado em imagens. Enquanto as mulheres da
Mesopotâmia perdiam poder, as egípcias continuavam a manter posições de poder.

Max Mueller escreveu: “Nenhum povo antigo ou moderno deu às mulheres status legais tão elevados
quanto os habitantes do Vale do Nilo.” Ao redor do Mediterrâneo, à medida que a alfabetização
aumentava, as mulheres perdiam tanto econômica quanto política e espiritualmente.
O alfabeto se desenvolveu no Oriente Médio e permitiu que as pessoas organizassem o conhecimento.
O alfabeto permitiu o armazenamento e o fácil acesso aos dados. Ele criou a possibilidade da ciência
teórica. Um alfabeto abstrato estimula o pensamento abstrato, e reforça apenas a parte masculina
dos métodos duais de sobrevivência. Os mitos dos povos que o usam ilustram a influência do
masculino lado esquerdo do cérebro. Quando qualquer indivíduo, homem ou mulher, aprende o
alfabeto, ele ou ela se afastam de ídolos e animais que representam a natureza e começam a adorar
um deus abstrato que não tem face ou imagem.

Esse deus é masculino e desconectado da terra. Jeová escreveu os Dez Mandamentos e esperava
que seu povo escolhido lesse o que ele havia escrito. Ele
proibiu a construção de imagens e abençoou a palavra
escrita. Akhenaton e Hamurabi tentaram introduzir o
monoteísmo e a lei, mas tais abstrações não foram
aceitas porque o povo era analfabeto. O povo judeu
uniu o monoteísmo à lei e à alfabetização e fizeram isso
funcionar. Cada um dos quatro primeiros mandamentos
requer pensamento seqüencial abstrato, linear: um
estado mental necessário para uma alfabetização de
sucesso. A mensagem de Jeová estava codificada no
alfabeto. Para compreendê-la era necessário saber...ler.

Qualquer outro meio de receber informações era proibido. O velho Testamento ajudou a manter as
pessoas firmes e ajudou muitos indivíduos. Os pobres, as viúvas, os órfãos, escravos, sacerdotes,
guerreiros, legisladores, juízes, profetas, fazendeiros, homens de negócios, filhos, pais, maridos e
bígamos. Encorajou a lei, a lógica, a justiça, a ética, a moralidade, o dualismo, a democracia e a
consciência. Infelizmente, as mulheres, os artistas e a expressão sexual foram oprimidos. Imagens,
beleza, tolerância e intuição foram frequentemente menosprezadas. O judaísmo é monoteísta e
literário e masculino.

Para fazer a Aliança com Abraão, um dos pré requisitos de Jeová foi a circuncisão, o que
automaticamente impossibilitou a participação das mulheres nessa Aliança. Sara não tem poder
algum para impedir o sacrifício de Isaque à Jeová. A estória de Moises que retorna após receber os
Dez Mandamentos e encontra o povo adorando o bezerro de ouro representa o conflito entre a
imagem e a palavra escrita. Em sua segunda viagem até montanha, Deus dita e Moises escreve os
mandamentos na pedra.

Esse é obviamente, um mito que descreve o nascimento da alfabetização entre o povo judeu.
Quando eles entram na Terra Prometida, Deus exige que todos os que não o adorassem fossem
mortos. Os Cananitas adoram imagens, os Israelitas adoravam através de palavras escritas. As palavras
venceram. Esse massacre histórico foi o primeiro ocasionado pelo fanatismo religioso.
Evidências adicionais da glorificação dos homens pelos judeus em detrimento das mulheres incluem a
questão do cabelo. Cabelos longos fazem referência à sexualidade e garotas com cabelos compridos
proclamam sua fertilidade para possíveis parceiros. Os códigos Israelitas Antigos demandavam que a
noiva raspe a cabeça imediatamente antes de se tornar esposa. Assim ela deve usar uma peruca ou
lenço por toda sua vida de casada. É claro que essas regras não se aplicam aos homens.

Por outro lado, no Velho Testamento as mulheres são usualmente retratadas como possuidoras de
múltiplas personalidades. No entanto, a característica básica das mulheres é baseada em Eva.
O relacionamento entre homens e mulheres é a primeira questão levantada no Genesis depois da
criação do mundo. Existem duas versões dessa estória. Em uma versão o homem e a mulher são
criados ao mesmo tempo à imagem e semelhança de Deus. Assim eles são iguais. Na outra versão,
Eva surge tardiamente e é uma parte física de Adão. Assim o papel da mulher na vida é apoiar o
homem. Depois surge o tema da tentação o qual faz Eva responsável pela expulsão do Paraíso.

Israel e Grécia foram as duas primeiras culturas a acatar o alfabeto por completo. O fato desses
estados se tornarem as bases da civilização Ocidental é significativo. Na primeira peça de literatura
grega, a Ilíada de Homero, exaltam-se os valores masculinos do heroísmo, da fraude, da trapaça e da
guerra. Se homens morrem em batalha ou em aventuras, a eles será garantido um lugar na
imortalidade através de poemas que recitarão seus feitos através dos tempos. O épico se inicia com
um pai sacrificando sua filha para que os navios possam velejar em segurança.

Esse é um bom indicativo do lugar ocupado pelas mulheres na sociedade grega. Hesíodo contribuiu
para a difamação das mulheres em sua descrição de Pandora como responsável por espalhar todos
os males que afligem o mundo. Várias deusas gregas não têm mãe, nascendo diretamente de Deuses.
O que as estórias de Adão e Eva, Pandora e Efigênia ensinam às meninas do Ocidente? O que essas
mesmas estórias ensinam aos meninos?

Na mitologia grega, Cadmo é o responsável por trazer o alfabeto da Fenícia para a Grécia. Ele era
casado com Harmonia que era filha de Ares, deus da guerra, e teve quatro filhas. Cadmo matou a
serpente, símbolo do poder feminino e deu aos gregos o alfabeto com o qual se criou a Lei na Grécia.
Suas quatro filhas estavam ligadas a Dionísio de uma forma trágica. Dionísio era o deus do prazer, da
beleza, do êxtase e criatividade, e também da dor, da crueldade, do terror e da loucura. Ao conter
essas...forças...opostas,..Dionísio..se..assemelha..ao..símbolo..do..Yin..e..Yang.

O culto a Dionísio era excitante e violento. As mulheres devotas supostamente iam à loucura e
ganhavam força sobre-humana capaz de desmembrar os homens e come-los. Homero e Hesíodo não
mencionam Dionísio, mas, por volta do século 5ºAC ele era uma figura muito adorada. O alfabeto
Iônico foi adotado em 402AC e a taxa de alfabetização cresceu. A filha mais velha de Cadmo foi
mãe de Acteon que viu Artemis banhar-se. Artemis manda seus cães atacar Acteon e parti-lo em
pedaços. A segunda filha de Cadmo, Agave, matou e comeu seu próprio filho durante um ritual
Dionisíaco. A terceira filha Io ficou louca e matou seu filho e se jogou com a criança de um precipício.
Semele, a quarta filha, era a mãe de Dionísio. Antígona, membro da sexta geração da Casa de
Cadmo, morreu porque a Lei era executada sem Amor. A estória dessa família descreve
metaforicamente as gerações de sofrimento resultantes da união do alfabeto com a guerra. Onde
quer que o alfabeto chegue alguma forma de loucura também se inicia. Cada vez que a civilização
avançou nas ciências e no conhecimento, auxiliada pela escrita, uma guerra ocorreu. As mulheres
sofrem em conseqüência das leis criadas por homens que são alfabetizados e que se esqueceram da
justiça feminina.

Os gregos também introduziram a cunhagem de moedas. Lidar com dinheiro é uma atividade linear,
abstrata e numérica – todas essas funções do lado esquerdo do cérebro. Os instintos de caçador do
homem foram transferidos para o dinheiro. Caçar o dinheiro ao invés de javalis. As mulheres evoluem
de coletoras de maneira mais concreta que os homens e gostam de guardar seu dinheiro em forma
de jóias ou terras, em lugar de especular em esquemas de investimento. Assim, o fato de termos dois
lóbulos cerebrais explica porque os casais sempre brigam por causa de dinheiro.

Há duas culturas dominantes na Terra: a ocidental e a oriental. A cultura do Oeste ou Ocidental é


extrovertida e dualista. Ela vê a história como uma seqüência de eventos e a medicina com um
mecanismo. O Oeste personifica o lado esquerdo do cérebro. O Oriente ou Leste é introvertido e
holístico. Ele vê a história como padrões recorrentes e percebe a medicina holisticamente. Ele é
caracterizado pelo lado direito do cérebro.

Desenvolveu-se na Índia a prática de queimar a viúva viva na pira funerária de seu marido. A queima
de uma esposa por seu marido para demonstrar que ele não se agrada dela ainda está em uso. O
assassinato de uma criança mulher tem sido uma prática comum através da história da Índia como
também a segregação das mulheres, chamada Purdah, é uma prática Hindu comum. O que pode ter
ocasionado o desenvolvimento de uma cultura tão anti feminina?

Povoamentos de Dravidianos – o mais antigo povo indiano, no vale do Indo, datadas entre 2500 –
1500AC, revelam artefatos que indicam a adoração da serpente. A herança das propriedades
passava pela linha feminina. Parece também ter ocorrido nesse período um culto de veneração à
vegetação. A maior estrutura construída do local era um banho público. Os túmulos de homens e
mulheres eram semelhantes. Lingam e Yoni – o falo e a vulva, imagens de pedra das genitais
masculino e feminino, que representam a força criativa da vida, foram encontrados nesses locais.
Artefatos com forma humana que aparentam ser estátuas da Deusa Mãe também foram
encontrados. Provavelmente, esse é o povo que compôs os Vedas oralmente. Eles possuíam uma
forma pictográfica de escrita que devia ser difícil de aprender. A alfabetização devia ser limitada. A
igualdade entre os sexos provavelmente prevalecia.

Os Arianos conquistaram os Dravidianos e trouxeram consigo um


alfabeto sânscrito rudimentar adaptado do alfabeto semita. Por
volta do 3º século AC as estórias Brâmanes foram utilizadas para
criar literatura. Os Arianos tomaram os Vedas orais e
acrescentaram seus próprios valores e os escreveram usando o
alfabeto.
A Índia demorou a adotar a escrita alfabética e imagens
permaneceram na religião. Kali, Durga, Parvati e Sarasvati são
deusas honradas tanto por mulheres quanto por homens. A arte
hindu celebra a sexualidade tanto de homens como de
mulheres. O deus maior Brama não tem gênero; a natureza é
venerada. Tudo isso sugere fortes traços dos valores do lado
direito do cérebro. O Budismo foi uma reforma do Hinduísmo e
sua doutrina se baseia em valores femininos, mas não aprecia a
sexualidade, as mulheres e o nascimento. Tudo isso foi superado
com o aumento da alfabetização acompanhado pelo surgimento de um sistema patriarcal.

Buda não escreveu nada, e o budismo não adotou a escrita por quinhentos anos e teve mais sucesso
em se implantar em culturas não letradas ou que usavam uma forma de escrita não alfabética. O
surgimento do Código de Manu na Índia incentivou a leitura e com isso se inicia a mudança para os
valores do lado esquerdo do cérebro e o anti feminismo.

O símbolo do Yin e Yang surgiu na China e isso sugere igualdade entre os sexos. No entanto, a China
tem sido regida por um sistema patriarcal severo onde as mulheres têm sido abusadas e mal tratadas
por gerações. A linguagem escrita chinesa transformou idéias em imagens, mais do que sons em letras.
Essa é uma das mais antigas linguagens escritas ainda em uso. Ela possui 216 radicais, cada qual
representando substantivos e verbos comuns. Um ideograma pode conter até oito radicais e os textos
são escritos em colunas. É uma linguagem escrita pertinente ao lado direito do cérebro e que invoca a
habilidade de síntese e de se enxergar as conexões holísticas. Ideogramas são o oposto da forma
linear e masculina do alfabeto.

Cientistas concordam com a orientação direita e esquerda nas escritas ocidental e oriental.
Entretanto, os caracteres chineses se tornaram muito estilizados e, portanto abstratos. Mesmo que
escritos verticalmente, ainda requerem ordenação para que sejam compreendidos. Requerem
também análise dos caracteres dentro dos radicais. Os ideogramas estão mais próximos do alfabeto
do que da linguagem oral e assim exercem uma influência masculinizante na cultura. Qualquer forma
de escrita muda o gênero político.
O período Axial foi aquele no qual viveram muitos líderes religiosos. Isaías, Sócrates, Zoroastro, Buda,
Lao-Tsé e Confúcio viveram durante o período Axial. Cada um deles criou um sistema abstrato de
pensamento que modificou o cérebro de seus seguidores. Todos eles eram literatos e não viam
importância alguma no relacionamento com mulheres. Uma explicação para o surgimento repentino
de sistemas abstratos de pensamento ocorrendo ao mesmo tempo em tão vasta área geográfica
sugere que a alfabetização capacitou os lideres espirituais ao desenvolvimento de novas maneiras de
pensar. Infelizmente a misoginia acompanha a palavra escrita. Homens fascinados pela escrita são
sexistas. Homens que amam mulheres passam seu tempo com elas e não desenvolvendo sistemas
abstratos de pensamento.

No Ocidente, Jesus tentou o retorno a um modelo mais feminino e igualitário. Ele esperava que as
pessoas tivessem fé, que é uma característica do lado direito do cérebro. Ele apoiava a não violência.
Sua mensagem era misteriosa e ele usava aforismos, parábolas e metáforas em suas lições. Essa é uma
abordagem muito característica do lado direito do cérebro. Ao escolher o maior dos mandamentos,
Jesus evitou a idéia do primeiro mandamento, o qual proíbe a feitura de imagens. Pelo contrário, ele
colocava ênfase no amor. Ele disse que o fim dos tempos estava próximo. Todos esses ensinamentos
são contrários aos processos do lado esquerdo do cérebro.

Após morrer Jesus se torna Cristo. Os ensinamentos femininos de Jesus sobre fé, amor e paz foram
transformados após sua morte, em uma celebração da morte, do sofrimento e da obediência. Essa
mudança do credo feminino em doutrina masculina é recorrente através da história. Quando as
imagens são fortes, o lado direito do cérebro as processa em valores fortes também. Quando ler e
escrever são enfatizados a ênfase nas leis, hierarquias e ortodoxias se valorizam.

Paulo que foi o primeiro a escrever sobre Cristo tinha problemas com mulheres. Paulo aceitava
qualquer homem não se importando com seu status, reputação ou nacionalidade e qualquer homem
podia ensinar e ter uma congregação. Já as mulheres não o podiam. Isso, naturalmente era contrário
aos ensinamentos de Jesus que sempre incluíra mulheres tanto como ouvintes quanto como mestras.
Como Paulo acreditava que o mundo ia acabar amanhã, o papel da mulher como mãe estava fora
de questão. Posteriormente o Cristianismo desenvolveu-se em dois grupos: os Ortodoxos e os
Gnósticos. Os Ortodoxos aceitavam as palavras escritas do Novo Testamento como suficientes para a
salvação.

Os Gnósticos diziam que o Novo Testamento era apenas uma introdução e que existia um
conhecimento secreto as ser revelado apenas a poucos. Os Gnósticos se orgulhavam de aceitar a
qualquer um, sem distinções de classe, educação, nacionalidade ou sexo. O mestre ou orador era
selecionado ao acaso. Eles celebravam Agape, festins de amor e trocavam beijos de paz. Os
Ortodoxos colocavam as mulheres em lugar de obedientes auxiliares dos homens. Eles acreditavam
que um homem de carne e osso havia morrido na cruz e tinha retornado à vida em carne e osso no
terceiro dia. Eles acreditavam no significado literal do evangelho escrito como história como
significado moral. Os Gnósticos acreditavam que a Crucificação, morte e ressurreição eram mitos
simbólicos com importante significado. Os Ortodoxos ganharam a batalha e a civilização ocidental se
tornou mais orientada por palavras do que por imagens. Infelizmente a maioria dos escritores
Ortodoxos era misógina. Por exemplo, Orígenes acreditava que era preciso renunciar à sexualidade
para se atingir a salvação. Ele esperava criar uma terceira raça andrógina que ressoaria as almas do
Reino dos Céus. Na verdade ele castrou-se para que pudesse fazer parte dessa terceira raça. Nos
quatrocentos anos seguintes à morte de Jesus, sua mensagem sofreu drástica transformação.

O que ele iniciou outros alteraram. Os principais escritores Ortodoxos denunciaram as mulheres e a
sexualidade. Eles denunciaram as imagens e advogaram a alfabetização. Os Gnósticos, que
perderam, aceitavam imagens e a sexualidade e preferiam a oratória à escrita. O Novo Testamento se
torna mais importante à medida que os direitos femininos e as imagens eram destruídos. Na primavera
de 415, Hipátia, a renomada filósofa de Alexandria incomodava por sua influência. O patriarca cristão
Cirilo providenciou um grupo de monges para emboscá-la, levá-la até a igreja e torturá-la até a
morte. Esse foi um ato cristão inaceitável.

Durante um período na Idade Média a cristandade inclinou-se a usar imagens para decorar as igrejas
já que as pessoas da congregação não compreendiam a linguagem dos serviços e eram analfabetas.
A era do Cavalheirismo surgiu com sua adoração das mulheres e Maria se tornou uma figura
proeminente na veneração particular. Durante esse período, os Cátaros e os Waldensianos nomeavam
mulheres clérigos. Isso começou a mudar com a fundação da ordem dos Beneditinos pelo rejeitado
Benedito.

O movimento monástico cresceu junto com o celibato, assim como a alfabetização. Regulamentos
para horários de orações também surgiram. O monastério é uma força do lado esquerdo do cérebro
que somado à leitura, escrita e silêncio forçava os monges a depender das habilidades do lado
esquerdo do cérebro. A vida monástica minou a posição das mulheres. O número de casamentos
diminuiu. Monges incapazes de seguir seus votos de celibato geravam crianças ilegítimas.

O Grande Cisma de 1054 dividiu a igreja em dois ramos, oriental e ocidental.


A igreja oriental permaneceu fiel à literalidade que culminou no movimento iconoclasta. Os mosaicos,
pinturas de ícones e vitrais foram destruídos. Esse movimento cresceu e espalhou-se tanto que o
Patriarca foi decapitado porque se recusou a apoiá-lo. O movimento iconoclasta, porém, não chegou
ao ocidente que era analfabeto para além dos monastérios.

Originalmente no Islamismo, o profeta disse que aos olhos de Alá homens e mulheres eram iguais.
Maomé, entretanto amaldiçoou as imagens e demandou a crença num único deus masculino. Esse
deus iniciou um diálogo com Maomé através da escrita alfabética. A alfabetização instantânea de
Maomé permitiu que ele lesse as palavras sagradas. O Profeta na verdade não escreveu nada. De
uma geração de tradição oral até a versão final do Corão, que foi escrito por uma comissão, muitas
passagens foram modificadas pela interferência não intencional tanto dos que contavam quanto dos
que escreveram.

Uma vez que a versão da comissão foi finalizada, ordenou-se que todas as outras fossem destruídas.
Imãs casavam-se, tinham famílias e engajavam no trabalho secular. Cento e cinqüenta nãos depois Al
Bukhari escreveu o Livro Correto ou hadith – estórias e lendas sobre a vida de Maomé. Esse livro era
ainda mais patriarcal e anti imagens do que o próprio Corão. Na seita Suni o hadith é interpretado
literalmente. Toda a verdade parece residir no Livro Correto e no Corão.

Os Xiitas acreditam que cada geração tem indivíduos capazes de interpretar o Corão e transmitir uma
sabedoria oral. Os Sunis restringem os direitos das mulheres mais do que os Xiitas. O uso do véu se
tornou popular nos setores letrados da cultura e espalhou-se na mesma taxa que a alfabetização. A
segregação das mulheres em haréns e o banimento de sua aparição pública promoveram o
surgimento de eunucos que passaram a prestar os serviços que não eram mais permitidos às mulheres.

A mutilação genital feminina surge originalmente em culturas islâmicas.


Essa é uma prática relativamente recente e parece estar ligada a culturas onde os homens aprendem
a ler o Corão, apesar de não haver nada sobre isso no livro. A mutilação ocorre mais frequentemente
entre os literalistas Suni do que entre os Xiitas. É também mais comum em culturas recém alfabetizadas
do que naquelas que já praticam a escrita e leitura por séculos.

Com o surgimento da imprensa no Renascimento a alfabetização se espalhou. Papas proibiram o


casamento de sacerdotes e a hierarquia da igreja se tornou exclusivamente masculina. A inundação
da cultura com os símbolos alfabéticos provocou uma mudança dramática nas habilidades e valores
de caçador – matador do lado esquerdo do cérebro. Dentro da instituição masculina da igreja e no
próprio Papado, poder, orgulho, competição e glória eram valorizados. A ausência de uma conexão
com o feminino lado direito do cérebro acabou for facilitar seu próprio enfraquecimento.

A Reforma Protestante liderada por Lutero e Calvino sustentou-se completamente em escritos. As


instruções por escrito para seu seguidores eram longas, difíceis e sem imagens. Calvino criou a ética
Protestante da simplicidade, trabalho pesado, segurança, moralidade estrita e compreensão literal da
Bíblia. Mais uma vez a ênfase na palavra escrita levou à violência. Guerras entre facções Católicas e
Protestantes..multiplicaram..através..da..Europa.

Na Inglaterra, a mudança de Catolicismo para Anglicanismo levou uma rainha a receber a alcunha
de Bloody Mary – Maria Sangrenta, e levou um rei as ser decapitado. Na França, o Massacre dos
Hugenotes no dia de São Bartolomeu restaurou o Catolicismo definitivamente. Os conflitos entre
Católicos e Protestantes na Irlanda são sobras desses tempos sombrios.

A imprensa e o aumento da alfabetização mudaram o pensamento religioso e geraram a severidade


dos Reformistas e sua repressão. As guerras religiosas nos 150 anos seqüentes à invenção da imprensa
foram loucura. E essa loucura aconteceu apenas nos países afetados pelo surgimento da imprensa.
A imprensa aumentou a alfabetização. A sociedade pós-alfabetização encontra novos caminhos
para a interação de seus membros, cria novas formas de governo e novas formas de religião. A
alfabetização também tem efeitos colaterais indesejáveis. As guerras religiosas são tal efeito. O
período da violenta caça às bruxas quando aos valores femininos eram abominados, foi outro. A
alfabetização é maravilhosa, mas o processo de leitura e escrita muda o indivíduo e a cultura para os
valores do lado esquerdo do cérebro às custas dos valores do lado direito e frequentemente resulta
em violência e difamação da mulher.

O período entre os séculos XVII e XIX no Ocidente foi um tempo de conflito entre as forças do
Iluminismo e os defensores do Romantismo. As descobertas científicas de Newton criação uma visão
do cosmos onde tudo podia ser quantificado e obedecia à imutável lei universal. O universo era um
gigantesco mecanismo de relógio. A abordagem científica é, naturalmente, uma atividade do lado
esquerdo..do..cérebro..com..ênfase..nas..habilidades..matemáticas..e..na..lei.

Tudo isso levou, por fim, à Revolução Industrial, uma de ciência, força bruta, preocupações
financeiras, matemática e competição. Tudo isso orientações do lado esquerdo do cérebro. A Mãe
Natureza foi brutalmente abusada com o desflorestamento da Europa e a conseqüente mineração do
carvão. A alfabetização das mulheres aumentou e mulheres tornaram-se escritoras famosas.
Eventualmente a classe educada dividiu-se em dois grupos: Voltaire, Diderot, Kant, Hume e Locke
eram pensadores lógicos e lideraram o movimento Iluminista.
Ao enfatizar a lógica linear do lado esquerdo do cérebro e tentar influenciar a política em assuntos
importantes, eles insuflaram uma reação por parte daqueles que favoreciam o lado direito do
cérebro. Rosseau, Keats, Byron, Goethe e Shelley odiavam a revolução industrial e celebravam o amor,
a natureza e a beleza. O Iluminismo defendia a razão sobre os sentimentos; os Românticos defendiam
o sentimento como o guia para a verdade.

Ao término do século XIX os Ocidentais tinham um mundo novo criado pela tecnologia. A fotografia e
a descoberta do eletromagnetismo iniciaram a mudança cultural em direção ao lado direito do
cérebro. Imagens tornam-se mais importante que alfabetos e seqüência linear. A máquina de escrever
surge e tira a escrita do julgo do lado esquerdo do cérebro com o uso mais equilibrado das suas mãos.
Thomas Edison inventou o filme que com suas imagens rapidamente se tornou mais popular que a
leitura. Infelizmente essas rápidas mudanças e o surgimento do rádio levaram o mundo a um domínio
do lado direito do cérebro. A rápida mudança para o irracional hemisfério direito teve um lado de
sombra também. A voz de Hitler através do rádio gerou uma violência sem precedentes. A II Guerra
Mundial marcou a morte da Era Mecânica e o advento da Era Atômica. Marcou também o fim do
domínio do homem e o triunfo da imagem sobre a palavra escrita. A Deusa estava prestes a
reaparecer.

Desde a II Guerra Mundial a forma de transmissão da informação mudou e essas mudanças


transformaram a cultura mundial e equilibraram o feminino e o masculino. A televisão, os
computadores, as fotocopiadoras, maquinas de fax e a internet, aumentaram o apreço pelas
imagens, pelos direitos das mulheres e pela Deusa. A informação icônica nos permite rever as
qualidades lineares da alfabetização. Os benefícios da alfabetização mudam a vida. Ninguém
recomenda que as pessoas não se alfabetizem, mas que respeitem a informação icônica em conjunto
com a literária de maneira a levar os dois hemisférios cerebrais a uma cooperação que permita tanto
aos indivíduos quanto as culturas se tornarem mais equilibrados.
A teoria de que as culturas que adotam a escrita alfabética sofrem efeitos colaterais negativos é
baseada em evidências circunstanciais. As dualidades: direito/esquerdo, feminino/masculino,
gerador/matador e intuitivo/analítico são facilmente superestimadas. Essa teoria é útil para se
examinar a história e seus complexos padrões. Certamente, a energia masculina do lado esquerdo do
cérebro..é..responsável..por..muitas..das..grandes..realizações..da..humanidade.

Entretanto, uma ênfase desequilibrada nas características do lado esquerdo do cérebro sem a
moderação do lado direito, leva a períodos de loucura social. Resistência nas características do lado
direito sem o equilíbrio lógico do lado esquerdo promove a anarquia e os excessos sexuais. Nós
estamos entrando em uma Era de Ouro. O renovado respeito à natureza pode facilitar uma abertura
nas condições criadas no período de domínio do lado esquerdo do cérebro. A imagem surgiu
primeiro. Depois foram cinco mil anos de domínio da palavra escrita. Com o retorno da simbologia
icônica,..as..mulheres..vão..recuperar..a..chance..de..exercitar..seu..potencial.

Texto Original:

http://www.intuitive-connections.net/2004/book-alphabetgoddess.htm

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