VELLOSO Mônica Pimenta O Modernismo e a questão nacional. In:
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucila de A. Neves. O Brasil Republicano: o tempo do liberalismo excludente. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p. 353-385.
O modernismo e a questão nacional
A questão da temporalidade histórica ocupa papel central na escrita da
história, dessa forma o movimento modernista brasileiro inscreve-se nesse quadro conceitual. Atuando em distintas temporalidades e espacialidades, expressando as mais distintas formas de intervenção social, dialogando com um corpo amplo e complexo de tradições e referências culturais, o modernismo traduz, vivamente, essa temporalidade. Essa dinâmica é complexa, e se estabelece a partir da articulação entre o antigo e o moderno, ela impõe uma reavaliação da tradição de ruptura, que marcava o campo da pesquisa histórica.
Datar o modernismo, é percebê-lo como movimento organizado por uma
determinada vanguarda intelectual, implica em perder de vista a sua historicidade e a dinâmica interna desse processo. Não é a intervenção de uma determinada vanguarda social que, propondo a ruptura da ordem, conseguirá, de imediato, instaurar novas formas de pensamento e de atuação comportamental, iluminando, de maneira criadora, o conjunto da nacionalidade. Durante muito tempo, essa percepção do movimento, ocasionou uma interpretação simplificadora que o restringia a um referencial espaço-temporal: A cidade de São Paulo, na década de 1920. Historicamente, procede pensarmos nos termos de uma cultura do modernismo que começaria a despontar na virada do século XIX para o XX. A entrada do século XX no contexto internacional é marcada pelo desenvolvimento tecnológico científico e pelas transformações do modo de vida e das relações produtivas em quase todo o planeta. Inspirada pelo crescimento da ciência positivista, esse novo ambiente de progresso repercute sobre os diversos campos da atividade humana, tendo impacto na literatura, na política e na cultura. O aceleramento da urbanização e o processo industrial fabril foram responsáveis por trazerem os primeiros conceitos de modernidade, sendo este novo século, símbolo de uma nova era para humanidade. O entendimento do moderno relacionou-se ao sentido de progresso, ao de uma possível ruptura com o passado estático, quase sempre relacionado com atraso e desprezo, e o novo tempo moderno seria destinada pela dinâmica das relações produtivas que consubstanciada pela eletricidade movia uma nova época para os homens. Entretanto, a apreciação conceitual de modernidade encontrou barreiras ao interpenetrar outros campos da sociedade humana, como por exemplo, na cultura, pois romper com o passado cultural e histórico de uma sociedade não era tão fácil como trocar a forma de produção de uma economia agrícola para uma industrial fabril.
Dentro deste cenário histórico, o Brasil, na sua primeira metade do
século XX buscou absorver essa atmosfera de modernidade trazida principalmente pelos pensamentos das vanguardas europeias. A ideia de uma nação como uma unidade nacional, sob os pontos de vista cultural, político e econômico vindo do velho continente europeu tinha grande aceitação no imaginário dos intelectuais brasileiros que enxergavam nestes pontos de vistas o alicerce que levaria o Brasil a se efetivar como uma “nação moderna”.
A concepção de modernismo brasileiro dentro de nossa historiografia
atual acabou sendo associada de forma única ao movimento da semana de arte moderna de 1922, ocorrida em são Paulo, tendo nomes como; Tarsila do Amaral, Mario de Andrade, Oswaldo de Andrade, Portinari, entre outros. Nesse contexto o texto da autora Monica Velloso, vem de encontro a esta tendência tradicional de nossa historiografia, apontando a insurgência de movimentos modernistas brasileiros, ocorridos em outras regiões nacionais, como a escola modernista de 1870, em Recife, e o movimento boêmio dos intelectuais cariocas nas duas primeiras décadas do século XX. Portanto podemos dizer que as ideias de modernidade no Brasil foram construídas durante o final do século dezenove e início do século vinte, sendo assim o significado do modernismo brasileiro tem de ser entendido como um conjunto heterogêneo com as devidas distinções entre os movimentos e as épocas que foram citadas.
A escola modernista de Recife de 1870 sob a liderança de Tobias
Barreto e tendo nomes como, Silvio Romero, Graça Aranha, Capistrano de Abreu e Euclides da Cunha, lançou as primeiras concepções de modernismo para o Brasil. Oriundos da faculdade de direito do Recife, esses intelectuais pensavam num projeto que levaria a sociedade brasileira daquele fim de século enraizada de visíveis problemas históricos como a grande diversidade do povo brasileiro. Índios, brancos, negros e mestiços atrapalhavam a acepção de uma identidade nacional, necessária para o progresso de uma sociedade moderna e civilizada, assim, para progredir, o Brasil, precisava romper com o seu passado histórico fundado numa sociedade miscigenada e de produção agrícola, para finalmente ter sua inclusão no mundo moderno. A nacionalidade era a matéria- prima que deveria ser trabalhada pelo saber científico. Ser moderno implicava obter o significado de ser brasileiro, se reconhecer como nação, conhecer seu passado, sua brasilidade, longe de uma história europeia de domínio português. A marca esse período são os vários estudos sobre as diversas etnias, que buscavam encontrar uma identidade nacional. A ótica destes primeiros intelectuais do modernismo brasileiro estava carregada dos conceitos das cartilhas evolucionistas, do darwinismo social. Entretanto, imperava ainda uma visão de estágios de desenvolvimento, sendo que era entendido como missão, para os intelectuais, dirigir o processo de desenvolvimento e nacionalidade. Isso só poderia ocorrer mediante o reconhecimento da pluralidade e do recenseamento da nossa cultura.
O Brasil pela sua característica histórica, sempre era visto como
atrasado e inferior às nações europeias e o seu progresso enquanto civilização estaria em eliminar ou romper com tudo aquilo que lhe colocava um entrave para o progresso e inclusão do país na era moderna. A miscigenação era vista como um fenômeno que tornou a sociedade brasileira sem identidade, tendo elementos de vários modos de vida distintos culturalmente, algo que era visto como perigoso, pois poderia causar um desequilíbrio na ordem social dos grupos étnicos a qualquer momento, impedindo o progresso ou estancando-o em seu desenvolvimento. A solução pressuposta pelo movimento foi a deplorável teoria do branqueamento. Pensada por esses intelectuais, a solução concatenava com a ideia de “supremacia racial”, onde a “raça” branca, em cruzamentos com as demais raças se sobressairia e perpetuaria o fim das demais “raças”, muitos quadros de pintores da época retratam a imagem de filhos de negros mestiços como brancos, incentivando o casamento inter-racial como projeto de modernidade, outro fator importante projetado por esse modernismo esta na diluição da cultura mestiça por uma cultura “erudita” advinda das vanguardas europeias, assim a imigração de italianos, espanhóis e alemães para a plantação de café no sul do Brasil seria o inicio de um processo de europeização da cultura brasileira eliminando seus vínculos históricos coloniais.
Em linhas gerais o modernismo da escola 1870 de Recife, lançou os
primórdios da ideia de modernismo brasileiro, porém a concepção de modernidade ganhará características que são próprias de cada região em que se desenvolveu um pensamento “moderno” criando assim uma pluralidade signos e símbolos. O modernismo carioca, por exemplo, se caracterizou de forma bem distinta da que observamos até aqui, seus intelectuais modernos representados pela classe “boêmia” da cidade recusaram-se a aceitar as concepções trazidas pela velha guarda europeia. A decepção com a primeira República foi mais rapidamente assimilada pelos cidadãos da capital brasileira na época, o Rio de Janeiro. Sua população composta por diferentes estratos urbanos sentia que os direitos políticos conquistados pelo advento da República haviam ficado na mão de uma aristocracia rural cafeeira que defendia os interesses de uma economia agrícola, estando longe de atender as necessidades demandadas pela camada urbana carioca. Essa amargura não se efetivou de forma melancólica, ao contrário, a linguagem mordaz e humorística foi à principal forma de contestação deste movimento modernista carioca e brasileiro, pois, se sentiam excluídos pelo sistema político vigente. Então aliaram-se com o movimento popular em defesa da sua diversidade cultural. As charges e as caricaturas foram o principal meio de expressão deste movimento que ressaltava a importância das “trocas culturais” como um aliado para a modernidade, simbolizada através da luta por direitos trabalhistas e sociais e de uma possível “democracia racial”, há que se ressaltar a influência da obra-prima de Gilberto Freire, Casa Grande & Senzala, a qual modificou a concepção negativa da miscigenação não sendo esta mais encarada como algo perigoso ao ordenamento social.
O modernismo carioca que tinha nomes como, Lima Barreto, Bastos
Tigres, Emilio de Menezes, entre outros, acabou elaborando um projeto onde focava a necessidade de se conhecer o Brasil interior, ou seja, as raízes culturais brasileiras, extraindo uma troca entre as culturas regionais. Havia certa aversão à cultura estrangeira vista como aristocrática ligada aos poderosos que teriam destruído a República dos sonhos dos intelectuais boêmios carioca. “’Essa não é a República dos meus sonhos’. A frase de Lopes Trovão viria a transformar-se em expressão emblemática do descontentamento social de toda uma geração de intelectuais.” (VELLOSO, 2006. P. 361). Assim o modernismo estaria ligado ao reconhecimento popular e a luta pelos direitos políticos e sociais da sociedade urbana e rural, excluídas de seus interesses e não ligadas ao sentido de progresso movido pela cientificidade tecnológica da produção. O Rio de Janeiro presentificava, vivamente, esse espírito do moderno. Polo de atração e irradiação de culturas das diferentes regiões e cidades brasileiras, a cidade possuía uma elite intelectual-artística que se mantinha em permanente diálogo com as ideias cosmopolitas. Em função desses fatores, a cidade adquire uma configuração social bastante específica. Junto a esse movimento de atualização cultural, que a projetava em direção ao cenário internacional, o Rio de janeiro também, possuía um corpo de tradições populares extremamente atuante. Em função desses fatores, a vida cultural da cidade conseguia estabelecer elos de ligação, mesmo que em bases precárias, com o conjunto da população. Havia, portanto, espaços de convívio em que circulavam elementos de diferentes origens culturais. Essas manifestações adquirem múltiplas expressões, encontram-se nas rodas dos cafés literários, nas festas populares e folias carnavalescas, no linguajar das ruas, no teatro de revistas e na imprensa cotidiana, através das revistas, de grande circulação. No início do século XX, a imprensa configura-se como a esfera de socialização de ideias e de valores, favorecendo o surgimento da opinião pública. Contudo cabe aqui dizer que o sentido da autora, Mônica Velloso, ao abordar as distintas concepções de modernismo existentes no Brasil, não foi a de desmerecer ou desvalorizar o movimento da semana de arte moderna paulista ocorrido em 1922, mas sim de demonstrar que existiram outras concepções sobre modernidade, portanto é necessário ao se estudar este assunto elaborar uma trajetória histórica que vai da escola de 1870 de Recife, e do modernismo carioca satírico, até chegar aos famosos movimentos antropofágicos, do pau-brasil e o verde-amarelo da escola paulista. Dessa forma, parafraseando Karl Frederick (1988) “o sentido de moderno e do modernismo em qualquer época é sempre um processo de vir a ser, tornar-se novo e diferente. O que significa também subverter o que é velho”. E nessa trama de valores em que podem combinar-se a partir de releituras, tradições e inovações, que se constituiu a face expressiva da cultura do modernismo.
Referência Bibliográfica
VELLOSO Mônica Pimenta. O Modernismo brasileiro: outros enredos,
personagens e paisagens. Nuevo Mundo, Mundos Nuevos. Debates, 2007. <Disponível em http://nuevomundo.revues.org/3557> acesso em 20 de junho de 2012.
SALES, Jean Rodrigues (Org.) - Guerrilha e Revolução: A Luta Armada Contra A Ditadura Militar No Brasil. Rio de Janeiro: Lamparina, FAPERJ, 2015. 254p.