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INTRODUÇÃO

O teatro de sombras é uma arte milenar do oriente e conseguiu encantar encenadores do


mundo inteiro. É uma linguagem que integra o campo do teatro de animação, em que
estão inseridos os marionetes, bonecos, objetos e máscaras. Suas técnicas são
relativamente simples: através de uma tela branca onde um foco de luz se acende, sombras
de silhuetas de figuras humanas, animais, ou objetos, recortadas em papel, são projetadas
em conjunto, ou isoladas nos remetendo a um mundo particular, poético e mágico de
histórias, do faz de conta.

PANORAMA HISTÓRICO

Em sua trajetória histórica, o teatro de sombras assumiu diversas características de acordo


com a cultura da região em que foi produzido. Sua origem é muito antiga, desde o período
da Pré-História os homens já se encantavam com suas sombras movendo-se nas paredes
das cavernas, e mães teriam desenvolvido o teatro de dedos, projetando sombras diversas
com as mãos, para distrair seus filhos. Mesmo com a existência de registros de antigas
silhuetas datadas de 2500 e 3000 anos atrás pertencentes a acervos de museus da China e
Índia, ainda não se chegou a um consenso quanto a sua origem que pode ter sido em
qualquer um desses dois países.

Como manifestação artística ele é muito popular em vários países do continente Asiático.
No Egito por exemplo, o teatro de sombras, cuja forma e técnica desenvolvidas tiveram
como inspiração o oriente, surgiu durante o século XII d.C. como forma para apresentar
lendas populares e eventos históricos. No século XIII os Mongóis invadiram a China e
levaram o teatro de sombras em países islâmicos como Turquia, Síria, Afeganistão que
passou a ser utilizado em caráter não religioso. A linguagem já era muito popular há mil
anos atrás na Ilha de Java, Indonésia e estudos demonstram a sua existência em países
como Tailândia, Taiwan, Grécia e no Norte Africano, principalmente na Africa
Mediterrânea. Chegou à Europa Ocidental somente no século XVIII, na Itália, quando
alguns padres católicos utilizaram como recursos para a educação religiosa, as projeções
das sombras, fazendo criação de textos e encenações. Entre 1774 e 1859, existiu em Paris
um teatro especializado em teatro de sombras chamado “Sombras Chinesas”. E
posteriormente foi considerado um dos protótipos do cinema de animação e inspiração
para a invenção das máquinas fotográficas e projetores de cinema. No continente
americano ainda não foram encontrados registros históricos que revelassem o período
exato em que a linguagem do teatro de sombras surgiu.
TEATRO DE SOMBRAS ORIENTAL
China

O teatro chinês possui cerca de 5 mil anos de idade. Impérios e dinastias vieram e se
foram durante toda a história da China. Os primórdios do teatro de sombras datam do
período de domínio do imperador Wu-ti (140-87 a.C.), um amante das artes.

Na China existe uma lenda que conta o nascimento do teatro de sombras, revelando
aspectos interessantes desta arte de silhuetas:

O Imperador Wu Ti, da dinastia dos Han, teve o desgosto de perder sua dançarina
predileta. Havia vinte anos que ele governava com sabedoria e juízo o Império Celeste e
seu reinado era dos mais gloriosos de todos os tempos. Mas Wu Ti era muito supersticioso
e acreditava na arte de mágicas. Quando certa feita sua dançarina favorita morreu, ele,
desesperado, voltou-se para o mágico da corte, exigindo que fizesse voltar à linda defunta
do “Reino das sombras”. Caso contrário seria decapitado. Ameaçado o mágico não perdeu
a cabeça... O mago usou sua imaginação e através de uma pele de peixe, cuidadosamente
preparada para torná-la macia e transparente, recortou a silhueta da dançarina, tão linda e
graciosa como ela fora. Numa varanda do palácio imperial, mandou esticar uma cortina
branca em frente a um campo aberto. Com o Imperador e a corte reunida na varanda, e à
luz do sol que se filtrava através da cortina, ele fez evoluir à sombra da dançarina, ao som
de uma flauta e todos ficaram alucinados com a semelhança.

A lenda remete às reflexões e considerações relacionadas sobre o fato de que o teatro de


sombras chinês procurava resgatar os movimentos do cotidiano tentando convencer
àqueles que assistiam ao espetáculo de que a silhueta que estavam vendo, era de uma
pessoa verdadeira, e que os temas da dramaturgia do teatro de sombras da China têm
como base a vida cotidiana, buscando reforçar valores como amizade, solidariedade,
respeito a autoridade e à natureza.

O teatro de sombras da China é mais estilizado com movimentos e gesticulações


controladas. Seus figurinos e cores possuem significados próprios, utilizam simbologia,
inventividade e não-realismo, e se afastam da estética naturalista, o ator manipulador vai
modulando a voz do narrador. É valorizada principalmente a manipulação das silhuetas
feitas pelo marionetista que busca através da observação do real os movimentos e traços
das figuras representadas. Ele é encenado por atores que cantavam durante a
apresentação, obedecendo a um só repertório. Porém era mais comum encontrar um
manipulador solista também chamado de Mestre (porque realizava todas as funções no
teatro de sombras) em apresentações itinerantes que iam de cidade em cidade, para as
festas. Hoje em dia em cada cidade, residem artistas que circulam por vilas próximas.
A formação do ator-manipulador ocorria através de aprendizagem, por tradição, a partir
dos quatro anos de idade, observando o pai ou parente próximo e obedecendo a execução
de rigorosos exercícios de manipulação. Em seu período de treinamento, o aprendiz
deveria dominar a dramaturgia, a confecção das silhuetas e ser exímio manipulador, pois
em alguns espetáculos ele deveria manipular, simultaneamente e com sincronia para
produzir gestos e ações impressionantes cheias de beleza e veracidade, cenas de combate,
totalmente articuladas com diversas varetas e fios de guerreiros montados em cavalos,
todos.

A partir de 1966 com novas tecnologias a estética dos espetáculos foi alterada, as varas
de bambu foram trocadas por acrílico e a iluminação feita por lâmpadas fluorescentes.
Com a criação de academias especificas em 1970, aproximadamente, o ensino deixou de
ser restrito no aprendizado por tradição e hoje crianças aprendem na escola as técnicas de
silhuetas com reconhecidos professores.

Índia

Em passagens de livros sagrados são descritos indícios da prática do teatro de sombras


dentro de uma gruta e o bonequeiro do lado de fora projetando seus bonecos de couro. As
silhuetas são diferenciadas pelo seu tamanho, sua coloração, simbolismo dos
personagens, o tema e a estética. Durante muito tempo o teatro de sombras foi a única
forma de educação popular na Índia e combinava pensamento religioso e normas sociais
privilegiando o triunfo do bem sobre o mal”, e diz também que as passagens religiosas
foram substituídas por formas cômicas, e abriu-se espaço para improvisações que
introduziam temas contemporâneos, às vezes até brincadeiras obscenas que provocavam
o riso e estimulavam o interesse do espectador.

O marionetista chefe (Sutradher) no espetáculo apresenta o tema e os personagens e logo


em seguida os atores manipuladores cantam e falam seus textos iniciando a recitação, a
apresentação de efeitos sonoros. Conhece epopéias religiosas, manipula, toca
instrumentos musicais, canta e recita além de confeccionar as silhuetas. Uma orquestra
composta por diversos instrumentos característicos de acordo com a região acompanha o
marionetista.

Na década de sessenta do século XX, surgiram na Índia, iniciativas de criação de escolas


de teatro de sombras. E em escolas públicas de algumas regiões estão incluindo no seu
currículo o aprendizado do teatro de marionetes indiano.
Indonésia

Na ilha de Java, Indonésia, desenvolveu-se o teatro de sombras ou Wayang (denominação


das silhuetas), quando o hinduísmo veio da Índia através de viajantes para os impérios
das ilhas da Indonésia. O Wayang teria surgido dos cultos ancestrais javaneses da época
pré-hindu, e adquiriu suas características durante o período de ouro da civilização
indiano-javanesa. Nunca foi considerado um simples divertimento anti-religioso e
atualmente continua exercendo sua função mágica de fazer a mediação entre o homem e
o mundo metafísico. Originariamente as sombras eram utilizadas em espetáculos que
duravam 49 dias e 49 noites, que com o decorrer do tempo reduziram para 7 dias e 7
noites. Atualmente é comum encontrar performances de até 1 hora. A duração desses
espetáculos baseava-se no volume de livros sagrados da Indonésia: “Ramayana” e
“Mahahbarata” cujos conteúdos trazem ensinamentos religiosos e narram aventuras de
Deuses, Príncipes e Bravos Guerreiros. E isso demandava dos manipuladores, o domínio
da Cultura Oriental para uma devida interpretação. Os atores são figuras planas,
recortadas em couro transparente, bonecos esculpidos em madeira em relevo inteiro ou
semi-relevo com olhos estreitos e enigmáticos. No boneco o rosto é sempre de perfil, o
corpo na posição frontal e pés apontando para os lados na mesma direção do rosto. A
figura é fixada com varetas de chifres de búfalo; ombros e cotovelos móveis manipulados
por duas varetas finas. A música acompanha todos os espetáculos da Indonésia, e para a
sua interpretação é preciso uma orquestra composta por instrumentos de percussão,
gongos, tambores e xilofone e poucos instrumentos de sopro e cordas. O numeroso elenco
de sombras é projetado numa tela de linhaço esticada sobre uma moldura de madeira e o
foco de luz é produzido por um lume brando vindo de uma lâmpada abastecida a óleo.

As características do teatro de sombras da Indonésia impressionam por suas silhuetas


expressivas, ritmo da manipulação, repetição da música, modulação de vozes do Dalang
e cantores.

A arte do teatro oriental sobrevive em Java graças às academias criadas pelo Estado e
pela ajuda dos últimos sultões. Podem ser vistas ainda hoje em vilarejos tendo o toca fitas
como substituto do trabalho de orquestra.
Turquia

A aparição do teatro de sombras turco ocorreu no século XIII após a invasão dos mongóis
na China que depois foram para a Turquia. Em Bursa, surgiu a forma mais popular do
teatro de sombras do mundo árabe, que tem como característica a critica social–política,
ele é chamado de teatro de Karagöz e realizado em feiras à noite cujo espetáculo conta
com um único manipulador que controla tudo: bonecos, texto e sonoplastia.

Os principais personagens da comédia Turca e os dois do teatro de sombras, Karagöz e


Hadjeivat viajaram através da Grécia, Hungria e Áustria, com missões de ordem
diplomática otomânica. O herói do teatro de sombras turco e árabe batizado de Karagöz,
que significa olho negro, também dá o nome ao espetáculo de sombras. Espirituoso,
possui uma retórica rápida e bem elaborada, trocadilhos penetrantes aos ouvidos e jogo
de palavras grosseiras. A mais popular lenda de Karagöz afirma que ele e seu
companheiro Hadjeivat existiram no século XIV, período em que estava sendo construída
a grande mesquita de Bursa. Diversão predileta do povo e da corte do sultão, o teatro de
sombras era apresentado em casamentos e circuncisões. O auge de Karagöz chega com o
início do Ramadã, (quaresma) mês sagrado do jejum quando todos vão até os cafés ao
entardecer.
TEATRO DE SOMBRAS OCIDENTAL

Na Europa é incerto o período em que o teatro de sombras foi inserido. Ele é trabalhado
mais como espetáculo do que um ritual propriamente dito, como acontece no Oriente.
Dois grupos teatrais trabalham com o teatro de sombras sob um olhar contemporâneo: Le
Phospènes (França) dirigido por Jean Pierre Lescot e Teatro Gioco Vita (Itália) dirigido
por Fabrizio Montecchi. Jean Pierre Lescot trabalha com a linguagem de sombra no teatro
contemporâneo, descobriu este gênero teatral através de um espetáculo balinês, em 1968
na cidade de Paris. Montou com a Cia. um espetáculo que trabalha a mobilidade das
silhuetas e joga com a cumplicidade da luz e transparência de tecidos destacando a
característica expressionista da imagem. Ele explora a imaterialidade e a magia que a
sombra remete, aproximando a linguagem a uma expressão relacionada a sonhos. De
acordo com o diretor teatral a sombra pode assumir várias características quando ela se
distancia ou se aproxima da tela, conseguindo vibrar, ondular, desaparecer, ser opaca,
translúcida, se deformar, ou ao contrario tornar-se nítida e contrastante; e um espetáculo
de sombras poderá promover um momento em que sentiremos emoções reais se
deixarmos de lado as nossas idéias pré-definidas diante das coisas. Aqueles que assistem
espetáculos de sombras darão significados e importâncias subjetivas às coisas e
perceberão que o ato de descobrir/redescobrir nunca será inocente.

O teatro Gioco Vita é um grupo teatral de animação que iniciou suas produções com
bonecos de vara, luvas e marionetes porém a partir de 1976 depois de um encontro com
o teatro de sombras de Jean-Pierre Lescot, num festival de Charleville-Mezières , passou
a se dedicar exclusivamente as pesquisas referentes a linguagem das sombras. Em seus
espetáculos o grupo faz a luz variar sempre, seja em relação ao espaço, seja em relação
às qualidades técnicas dos focos de luminosos. As telas ou telões de luz de projeção
passaram a ser também móveis e com dimensões sempre surpreendentes. Atenção
especial foi dada a relação corpo do ator-manipulador, o boneco/ objetos e as suas
respectivas sombras.

As grandes companhias teatrais contemporâneas estudam o teatro de sombras do Oriente


com objetivo de descobrir o significado que seu próprio trabalho esconde. O Ocidente
possui uma imensa distancia cultural que o separa do Oriente. Por isso é importante buscar
no nosso patrimônio cultural a nossa razão de existência para dar sentido ao teatro de
sombras Ocidental do presente. No continente americano não se sabe com certeza o
período de sua origem, mas atualmente vários grupos do gênero estão em atividade
espalhados por todo o território. E no Brasil, ele é uma arte muito nova, ainda pouco
conhecido se comparado com a popularidade de outras variedades da linguagem do teatro
de animação. Porém é cada vez mais utilizado por diversos grupos teatrais como recurso
para enriquecimento de seus trabalhos. Núcleos teatrais são referências com seus
trabalhos da linguagem das sombras como: Cia Luzes e Lendas de São Paulo, Marcello
Santos da Cia. Karagöz K, Curitiba, Teatro Lumbra do Rio Grande do Sul, Cia Teatral
Caldeirão.

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