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As Ciências Sociais e a

diversidade dos sotaques

Renato Ortiz

Existe atualmente um mal-estar do universalis- se esvaneceram. O universalismo dos filósofos ilu-


mo. A revolução digital, os meios de comunicação, ministas já não nos serve de guia.
as finanças, as viagens, o imaginário coletivo do Paradoxalmente, no momento em que deter-
consumo, nos levam a sublinhar os traços compar- minada situação histórica aproxima a todos, o uni-
tilhados desses tempos de globalização. A própria versal, como categoria política e filosófica, perde
noção de espaço se transformou, os símbolos e sig- em densidade e convencimento. Ressurge, assim,
nos culturais adquirem uma feição desterritorializa- um debate antigo, mas que agora se reveste de for-
da, descolados de suas cores nacionais ou regionais, mas distintas: o relativismo. Este é um tema clássi-
redefinindo-se no âmbito da modernidade-mundo. co nas ciências sociais devido à natureza do próprio
Entretanto, diante desse movimento real das socie- saber sociológico. A existência de diversas correntes
dades uma desconfiança se insinua. O mal-estar é teóricas revelam as dificuldades para a constituição
uma sensação imperceptível de desconforto. Ele é de um paradigma único, capaz de se impor para a
palpável mas disperso, sua manifestação é sinuo- disciplina como um todo. Há ainda outros elemen-
sa, difícil de ser identificada. Porém, malgrado sua tos importantes: elas são históricas e a subjetivida-
imprecisão, ele é evidente, tangível. A situação de de de seus praticantes é uma dimensão decisiva no
globalização implica a necessidade de se buscar res- entendimento dos fenômenos sociais. Entretanto,
postas consensuais relativas aos problemas comuns, apesar das controvérsias, os embates teóricos ten-
mas nossas certezas em relação às crenças anteriores dem a se concentrar num problema comum, qual
Artigo recebido em 08/12/2010 seja, em que medida as explicações sociológicas ou
Aprovado em 04/04/2011 antropológicas teriam ou não abrangência “uni-
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versal” (ver, entre outros, Ernest Gellner, 1985). A colonizado. Esta dimensão política encontra-se pre-
dúvida, como em qualquer outra atividade científi- sente em diversos escritos atuais, nos quais o uni-
ca, seria o de delimitar a validade do pensamento, versalismo é visto como retórica de poder, técnica
retirando-o dos traços restritivos de cada experiên- de dominação. Samir Amin (1988), o considera um
cia. A discussão focaliza, portanto, temas de caráter culturalismo, isto é, uma falsa consciência específica
teórico e metodológico. Mas a questão da diversi- da cultura do capitalismo – ele acredita na existên-
dade das interpretações pode ser abordada de outra cia de um universalismo “verdadeiro”, “não trunca-
forma, considerando-se não tanto os impasses do do”, decorrente da superação do modo de produção
método, mas como as ciências sociais se constituem capitalista.1 A problemática da dominação política
historicamente. Neste caso, somos obrigados a nos e econômica é recorrente nos estudos sobre o impe-
perguntar sobre o contexto no qual elas se realizam. rialismo, na literatura pós-colonialista, assim como
Penso que as mudanças ocorridas no âmbito da nos debates sobre o “direito de intervenção” dos Es-
modernidade-mundo não se restringem às esferas tados Unidos e da União Europeia em outros países
econômica ou sociais, mas incidem no plano inte- (por exemplo, no combate ao terrorismo).
lectual. A prática sociológica ajusta-se mal à imagem Existe, entretanto, outro aspecto que gostaria
cultivada pelo seu legado clássico, ideal materializado de sublinhar, cuja natureza é mais reflexiva, teó-
em livros, textos e programas de formação profissio- rica (não quero dizer com isso que o político seja
nal. Tampouco é possível pensá-la, como no passado negligenciável). Antes, porém, chamo a atenção
recente, como algo exclusivamente restrito ao univer- para a atualidade de muitos dos argumentos apre-
so da epistemologia. As transformações ocorridas in- sentados ao longo desse debate. Eles são recentes e
cidem tanto no nível dos conceitos como nas formas distinguem-se da visão anterior na qual o etnocen-
de sua organização. A diversidade das interpretações trismo era objeto de considerações críticas. Refiro-
se acelera, acentuando o mal-estar contemporâneo. -me particularmente à literatura antropológica. A
Um primeiro aspecto deste panorama contur- recusa à arrogância ocidental, quando se depara
bado diz respeito à crítica ao eurocentrismo. Ela com grupos indígenas, é recorrente entre os cultu-
possui, como no passado, uma forte inclinação po- ralistas norte-americanos; eles questionam a utili-
lítica e ideológica. Quando Hobson escreve Impe- zação de conceitos como “bárbaros”, “selvagens”, e
rialism: a study, publicado em 1902, no qual o con- são avessos ao darwinismo social. O mesmo pode
ceito de imperialismo surge pela primeira vez, uma ser dito a respeito de um livro como Race et histoire,
das dimensões sublinhadas, ao lado da econômica, de Lévi-Strauss: o elogio que se faz da diversidade
refere-se à dominação cultural (Hobson, 1968). As das culturas contrasta com o etnocentrismo e sua
nações industrializadas, compostas de “raças supe- fé inquebrantável no progresso da humanidade. Na
riores”, teriam o dever moral de ensinar às “inferio- verdade, a problemática da alteridade encontra-se
res” a trilha da civilização. O imperialismo, fenôme- no cerne do pensamento antropológico. Para se
no fundamentalmente econômico, se justificaria e constituir como um saber específico, a antropologia
se legitimaria mediante uma concepção de mundo se afasta da modernidade debruçando-se sobre os
parcial e distorcida. Franz Fanon (1961) também povos indígenas. A questão do Outro implica um
considerava o dualismo da situação colonial um descentramento do pesquisador em relação à sua
momento de alienação cultural. O predomínio do própria cultura. Relativizar o olhar “ocidental” tor-
homem branco, traduzido em termos hegelianos na-se um imperativo categórico do trabalho etno-
na oposição entre senhor e escravo, encontraria no lógico. Porém, nesta fase em que a antropologia se
reino da consciência sua forma mais elaborada de consolida como disciplina acadêmica, o solo episte-
ocultamento. O Ser nacional, submetido às forças mológico no qual ela se sustenta, em momento al-
opressoras do colonialismo, era incapaz de afirmar gum, é questionado (isso fica claro na relação tensa
sua autenticidade alienada. Daí sua luta pela inde- e ambígua que ela entretém com a temática do co-
pendência dos países periféricos; somente ela pro- lonialismo).2 Dito de outra forma, não se desconfia
piciaria uma superação da dicotomia colonizador/ das premissas que o antecedem e o fundamentam.

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Este é justamente o traço essencial de toda uma passado. A isso Jack Goody denomina “o roubo da
literatura que emerge nos anos de 1980 e se desen- história”: civilização, capitalismo, democracia, racio-
volve ao longo da década seguinte. Ela não se satis- nalidade, num passe de mágica, transformam-se em
faz em desnudar os traços arbitrários de determina- valores europeus e constituem a maneira ide­­al de se
da visão acadêmica; sua ambição é maior, revisar a pensar e ordenar as sociedades e os povos (Goody,
herança intelectual do Iluminismo, cuja realização 2006; Blaut, 1993). Assim, as causas do progresso
se faz em áreas distintas, história, sociologia, ciência podem ser creditadas à “mente”, ao “espírito” oci-
política, antropologia. Tomo o exemplo de Edward dental, no qual prevaleceria a criatividade, a ima-
Said – sua tese sobre o orientalismo é sugestiva ginação, a invenção, a inovação, um sentido ético;
(Said, [1978] 1989). Para ele tal conceito é uma a ausência desses valores teria condenado ao atraso
representação, um discurso (nos termos em que Fo- o restante da humanidade. Há neste tipo de argu-
cault o define) que funda um campo de saber. Não mentação muito de opacidade e pouco de escla-
se trata tanto de uma ideologia, mas de um con- recimento. A revolução industrial, na sua origem
junto a priori construído a partir de uma relação de inglesa, expandindo-se posteriormente para toda
força, o colonialismo europeu, que funda uma área a Europa, transforma-se subitamente na manifes-
de conhecimento. O que está em causa é a forma tação inequívoca da exceção ocidental (Hobsbawm
de se “fazer ciência”, a maneira pela qual determi- nos relembra o óbvio: ela é inglesa); a racionali-
nado discurso, erudito e sofisticado, se constitui dade, fator determinante do dinamismo europeu,
como legítimo, malgrado sua fragilidade de ordem sobrepõe-se ao imobilismo, à irracionalidade ou
conceitual. A noção de Oriente determina de forma ao despotismo asiático (Marx pensava existir um
arbitrária uma área cultural cujas fronteiras geográ- modo de produção específico dessas sociedades).
ficas coincidem com as fronteiras epistemológicas Um exemplo interessante é a China. Hegel costu-
de uma disciplina, a rigor, inexistente. A crítica de mava dizer que ela repousava imóvel no “reino da
Said esvazia o sentido de uma categoria cuja soli- duração”, incapaz de se transformar a si mesmo; o
dez se sustentava pela distorção das lentes de um mundo chinês, avesso às mudanças, conteria uma
olhar desfocado. Outro exemplo, o livro de Martin história sem história, a repetição incessante de uma
Bernal, Black Athena (1987). Erudito, sinólogo de “ruína majestosa”. Esta concepção, um continente
formação, conhecedor do grego antigo, ele ques- isolado e economicamente estagnado, impregna as
tiona um tipo de genealogia das ideias recorrente interpretações de diversos autores, nas quais o peso
na história da filosofia: a razão emerge na Grécia da tradição é um contraste recorrente ao espírito
Antiga e se realiza na Europa. Nesta perspectiva, inovador ocidental.3 São inúmeros os estudos que
haveria uma linha de continuidade ao longo da his- sublinham a ineficiência de sua indústria naval, as-
tória. Seus estudos demonstram, no entanto, que sim como o débil florescimento das trocas comer-
a Antiguidade greco-romana é uma ilusão falaciosa. ciais internacionais. Se no continente europeu um
A tradição helênica encontra sua fonte de inspira- instrumento como a bússola impulsiona as grandes
ção no mundo egípcio que a antecedia e a envol- descobertas marítimas e a conquista da América,
via, fascínio que se exerce e se prolonga no seio do decisivas para o capitalismo, na China ela teria per-
pensamento europeu. Somente no século XVIII tal manecido um objeto de mera curiosidade. No en-
fascinação (o autor a denomina de “modelo da an- tanto, os estudos de Pomeranz (2000) demonstram
tiguidade”) é substituída pela hegemonia helênica. que até 1800 não existia, entre o mundo europeu
Por isso Bernal fala da “fabricação” de uma Grécia e o chinês, divergência radical em termos de de-
Antiga, de origem recente, que estabeleceria um re- senvolvimento econômico; isso irá ocorrer somente
lato linear entre as virtudes da razão filosófica e seus após a Revolução Industrial. Na literatura recente
únicos fundadores, os gregos. surge, inclusive, uma hipótese ousada, as origens
Esta retomada conceitual, os leitores de Der- chinesas da industrialização inglesa (como toda
rida dizem des-construção, problematiza sobretu- hipótese, passível de discussão) (Hobson, 2004).
do a forma como se elaborou certa concepção do Uma maneira alegórica de se caracterizar esta re-

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leitura da história encontra-se num dos capítulos Também na esfera sociológica, a crítica ao eu-
de um belo livro de Fernández-Armesto, Milênio rocentrismo manifesta-se. É difícil ler nos dias de
(1996). Com um titulo curioso, “O jardim zooló- hoje, a não ser com uma razoável dose de distancia-
gico dos Ming”, ele conta como em 1415 o im- mento, a famosa introdução de A ética protestante e
perador da China, acompanhado de um longo o espírito capitalista; nela Weber sintetiza as qualida-
séquito de cortesãos, foi receber em Pequim um des intrínsecas do mundo europeu, condição espiri-
ilustre recém-chegado. Vindo do outro extremo do tual que se manifestaria nos mais diferentes domí-
oceano Índico, o visitante desconhecido foi descri- nios: música, arquitetura, direito, economia. Assim,
to como sendo um animal com “um corpo de ve- apenas no Ocidente existiria a ciência; à astronomia
ado, cauda de boi, um chifre carnudo, sem osso, e babilônica faltaria a fundamentação matemática, à
manchas luminosas, como uma névoa vermelha ou geometria indiana, a prova racional, à historiografia
arroxea­­­­da; um andar imponente e observa em to- chinesa, o método de Tucídides, às teorias políti-
dos os seus movimentos um ritmo compassado”. cas asiáticas, a sistematicidade de um Maquiavel.
Difícil de discernir pela descrição fornecida que A ogiva tinha sido utilizada na Ásia como meio de
se tratava de uma girafa; ela vinha enriquecer uma decoração, contudo o uso racional da abóbada góti-
longa coleção de bichos do jardim zoológico impe- ca seria fruto da Idade Média; da mesma maneira, a
rial, o qual contava com inúmeras outras espécies música racional, o contraponto, a harmonia, as tría-
(leões, leopardos, avestruzes, dromedários, zebras, des, as orquestras, as sonatas, as sinfonias, as óperas,
rinocerontes, antílopes). Procedentes das mais di- só teriam sentido na Europa ocidental. O projeto
versas origens – Bengala, Arábia, África Oriental –, weberiano pretendia compreender como emergiu
eles testemunham a curiosidade e o interesse pelo uma racionalidade cujos fundamentos seriam ex-
mundo afora, o que demonstram as sofisticadas cepcionais, expressão de uma singularidade civiliza-
técnicas de navegação que os chineses desenvolve- tória. O enorme esforço comparativo que ele realiza
ram. Na verdade, a dinastia Ming impulsionou as (Weber é um comparativista extraordinário e não
incursões marítimas iniciadas com a conquista dos possui uma perspectiva teleológica da história) tem
mongóis no século XI; foi assim que os juncos chi- um objetivo explícito: explicar por que em outras
neses, carregados com artigos exóticos, chegaram civilizações, como na China e na Índia, o caminho
ao Oriente Médio desembarcando na corte egípcia. da racionalização não se completou. O problema é
O argumento do imobilismo e do isolacionismo que esse tipo de interpretação é por demais frágil.
encaixam-se mal neste quadro. A pergunta correta Os traços percebidos como únicos e excepcionais
a fazer seria: por que não houve continuidade deste – racionalidade, contabilidade econômica, propen-
movimento expansionista? A resposta de Fernán- são ao comércio, ética religiosa – são partilhados
dez-Armesto é interessante. Ele explica que durante por diversos outros povos.4 A mesma sensação de
a dinastia Ming havia no império celestial um equi- incongruência ressentimos diante de um livro clás-
líbrio entre interesses diversos e antagônicos; junto sico como o de Burckhardt, A civilização do Renas-
ao poder central atuavam os burocratas confucia- cimento na Itália. Publicado em 1860, ele reflete
nistas, as chefias militares, a casta dos eunucos, os uma consciência europeia em busca de suas raízes.
conselheiros estrangeiros, os cleros budista e taoís- Burckhardt acredita que a noção de indivíduo surge
ta, o lobby dos mercadores. A situação altera-se ra- e desenvolve-se neste período de afluência, daí seu
dicalmente quando o imperador Hung-hsi assume intuito em apreender geneticamente a constituição
o trono em 1424. O grupo confucianista ampara-se do Eu, legado ímpar de uma civilização. O Renasci-
do poder e, contrário aos valores materialistas dos mento seria o momento da descoberta do homem,
comerciantes, irá abolir o impulso anterior. Não foi do seu interior, de sua individualidade. Por isso flo-
a ausência de uma racionalidade tipo ocidental que resceriam na Itália renascentista as biografias e os
inibiu o desenvolvimento chinês, mas uma orienta- retratos; o relato narrado na primeira pessoa, assim
ção política exercida pelo Estado numa conjuntura como as personalidades estampadas nas pinturas,
histórica específica. além dos autorretratos de pintores como Vasari e

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Ticiano, revelariam o surgimento de uma dimen- Daniel Lerner sobre o Oriente Médio, The passing
são interna à vida humana até então, sufocada pe- of traditional society. Sua definição de personalidade
las malhas da tradição. No entanto, basta lermos móvel é sugestiva:
sobre o “nascimento do indivíduo” para perceber-
mos que a literatura a esse respeito é vasta e con- A personalidade móvel pode ser descrita de
troversa. Marcel Mauss situa sua origem no direito maneira técnica e objetiva. A pessoa móvel dis-
romano; Louis Dumont, seu discípulo, prefere os tingue-se pela alta capacidade de identificação
primórdios do cristianismo; outros autores consi- com o meio envolvente; ela está equipada com
deram que as estruturas do individualismo teriam um conjunto de mecanismos necessários para
sido estabelecidas na Europa por volta do século XI incorporar as novas demandas que provêm de
(Mauss, 1968; Dumont, 1983; Morris, 1972). Mas fora de sua experiência habitual. Esta é uma
faria sentido datá-la, como se houvesse um ponto habilidade indispensável para as pessoas dei-
inicial a partir do qual sua semente germinaria? A xarem os seus territórios tradicionais (Lerner,
rigor, deveríamos dizer: no Renascimento emerge 1958, pp. 49-50).
certa concepção do indivíduo, apenas isso (Burke,
1998). Sua história nada teria de contínua e linear, Dito de outra forma, somente assim os indi-
afinal as biografias e os autorrelatos não são o apa- víduos poderiam fazer parte do mundo industrial,
nágio da mentalidade ocidental. Existem em outras urbano, escolarizado e participativo (este é o diag-
sociedades inúmeros exemplos de um tipo de escri- nóstico do autor). Por isso o debate sobre a cultura
ta intimista, psicológica, na qual a presença do Eu é de massa é tão importante para os teóricos da mo-
imprescindível como artifício narrativo (Yamazaki, dernização. Jornais, rádio, televisão, filmes, teriam
1994; Ortiz, 2000). Por exemplo, no Japão, onde a propriedade de oferecer aos indivíduos uma gama
a literatura cortesã do século XI exprimia os senti- de oportunidades, retirando-os da imanência dos
mentos sufocados de um mundo privado. Contra- costumes e integrando-os, de maneira igualitária
riamente às narrativas épicas do Kojiki (712 d.C.), (esta era a ideologia), ao todo social. O advento das
no qual se encontram as histórias fundamentais do novas formas de comunicação seria parte de um
xintoísmo (elas relatam, como nos mitos gregos, a processo no qual a transformação contemplaria as
saga dos deuses, não dos indivíduos), um romance estruturas econômicas, sociais e mentais das pesso-
como Genji Monogatari, revela uma sutil psicolo- as (cf., por exemplo, Lerner e Schramm, 1967). O
gia feminina ao descrever a vida cotidiana na corte dilema é que conceitualmente definida desta ma-
Heian. neira, enraizada numa geografia particular, a mo-
No entanto, as marcas do eurocentrismo não dernidade somente poderia se atualizar via difusão,
se restringem ao passado, elas mascaram o enten- quando outras sociedades a reproduzissem em seu
dimento do presente. No caso de uma disciplina solo. Tornava-se imprescindível copiar o que havia
como a sociologia, as premissas anteriores marcam se passado num mundo que lhes era inteiramente
o conceito e o ideal de modernidade, e nela o in- estranho. Afinal, o dualismo tradicional/moderno
divíduo é figura central. Ele, na intimidade do seu implicava um desnível civilizatório, e o surgimento
Ser, é capaz de escolher sua orientação política, re- da sociedade urbano-industrial exigia uma ruptu-
ligiosa, seus amores, até mesmo suas vestimentas. ra com o passado. A modernidade transforma-se,
Por isso os sociólogos da modernização afirmam assim, em padrão para se interpretar o passado e,
que um dos traços operacionais da modernidade é nos países periféricos, uma maneira de se ordenar o
sua capacidade de transformar a personalidade dos futuro. O conceito vinha imerso no fluxo de uma
indivíduos, adequando-os a uma ordem social na temporalidade progressiva e inexorável, marcadas
qual os valores em relação às metas a serem atingi- por etapas a serem percorridas. Assim, a visão sim-
das tornam-se uma exigência coletiva e uma qua- plista e reducionista, de um autor como Rostow
lidade pessoal. Relembro, entre os inúmeros estu- (1964), postulava que toda sociedade humana de-
dos realizados a partir dessa perspectiva, o livro de veria necessariamente passar pelas seguintes fases de

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desenvolvimento: tradicional, take off  (arranco para modernização em países como Argentina, Chile,
a industrialização), maturidade e, por fim, a era do Índia, Israel, Nigéria e Paquistão. Nesse sentido, a
consumo de massas. Certamente, sua compreensão modernização seria um processo direcional de um
nutria-se de um americanismo exagerado, pois nos estágio tradicional para o moderno, passando, na
anos de 1960 os Estados Unidos eram vistos como periferia, por um período de transição (tema de-
a única sociedade de massa digna de ser considera- batido à exaustão pela literatura latino-americana).
da como modelo. A definição que a International A discussão sobre a modernidade apresenta-se,
encyclopaedia of the social sciences faz do conceito de portanto, cada vez mais ambígua e imprecisa; uma
modernização é, também, exemplar: “Moderniza- vez aceitas suas premissas, tornava-se difícil escapar
ção é um termo atual para um processo antigo – o de suas armadilhas. Uma forma arguta de driblar
processo de mudança social no qual as sociedades os inconvenientes teóricos existentes foi proposta
menos desenvolvidas adquirem as características por Robert Bellah (1985), em sua análise da so-
comuns às sociedades desenvolvidas”. Que caracte- ciedade japonesa (cf. Morishima, 1987). De fato,
rísticas seriam essas: o Japão sempre foi uma espécie de calcanhar de
Aquiles dos teóricos da modernização. Como com-
1) um certo grau de crescimento econômico; 2) preender o desenvolvimento de um pais oriental
uma medida de participação pública, ou pelo cuja revolução, Meiji, tinha sido feita em 1868? A
menos uma representação democrática na de- rigor, seu processo de industrialização e de urbani-
finição e na escolha de políticas alternativas 3) zação é contemporâneo ao da Alemanha e em mui-
a difusão de normas secular-racionais na cul- tos aspectos anterior ao de vários países europeus.
tura – compreendidas em termos weberiano- Na virada do século, o Japão tinha se transforma-
-parsoniano; 4) um incremento da mobilida- do numa potência militar e naval, havia vencido a
de na sociedade – entendida como liberdade guerra sino-japonesa (1894-1895), com a Rússia
de deslocamento físico e social, assim como (1904-1905) e ensaiava seus primeiros passos im-
de liberdade psíquica de movimentação; 5) perialistas. Bellah considera que o período Toku-
uma correspondente mudança da personali- gawa, momento no qual o confucianismo se trans-
dade modal que venha equipar, de maneira forma numa ideologia coletiva, é decisivo para a
funcional e eficiente, os indivíduos para que história japonesa. Os ensinamentos de Confúcio
possam operar de acordo com a ordem social eram conhecidos no Japão desde o século VII, po-
com tais características (Lerner e Coleman, rém eles desfrutavam de pouca relevância diante
1968, pp. 386 e 387). da predominância do budismo. Somente com o
fim das guerras “feudais” (1336-1573) e a ascensão
O progresso gradativo emanciparia os países da dinastia Tokugawa, o país se unifica em torno de
mais atrasados em relação ao tempo forte da mo- uma mesma concepção de mundo. A sociedade es-
dernidade. Haveria, inclusive, uma unidade de tamental (samurai, camponeses, mercadores, arte-
medida capaz de determinar se eles fariam ou não sãos) passa a se estruturar em torno de uma ética
parte do grupo seleto das sociedades “avançadas”. da lealdade ao “chefe”, da família, da comunidade,
Bastaria aplicar o critério das características enun- da província, do governo militar. Cada estamento
ciadas na sua definição (segundo eles, tornava-se tinha sua especificidade: os samurais ocupavam-se
impossível compreender as revoluções russa e chi- da guerra e da administração; os camponeses, do
nesa como elementos de modernização, afinal lhes cultivo da terra; os mercadores, das coisas do co-
faltaria a participação democrática). Esta obsessão mércio; os artesãos, das construções e da fabricação
pela mensuração espelha-se num conjunto de tra- de objetos. Os princípios confucianistas ajustavam
balhos que se dedicaram a estudos comparativos. os indivíduos à lógica particular dos grupos, mas
Talvez o mais representativo seja o de Alex Inkeles pregava a todos os valores de frugalidade e submis-
e David Smith, Becoming modern (1974), no qual são. A revolução Meiji rompe com os laços esta-
os autores tem a intenção de quantificar o curso da mentais de um mundo em ruínas, mas recupera

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do confucianismo o princípio de lealdade, agora críticas, a tentação seria de se considerar a heran-


transferido para o plano do imperador, o “pai” da ça iluminista como um discurso cultural do Oci-
nação. Diligência no trabalho e abnegação às orien- dente. Levando-se a sério as lições da antropologia
tações industrialistas seriam elementos endógenos culturalista, deveríamos dizer: toda cultura é uma
que explicariam o êxito do capitalismo nipônico. entidade singular, portadora de uma identidade.
Apesar de engenhosa e instigante, a interpretação Nesse sentido, tendo em vista a singularidade da
de Bellah tropeça numa questão espinhosa. Discí- sociedade ocidental, as manifestações culturais que
pulo de Weber, ele se apropria de suas ferramentas ela encerra exprimiriam o seu “caráter”. A argu-
teóricas para afirmar: o Japão modernizou-se graças mentação apresentada é, no mínimo, contraditória.
a uma ética religiosa que cumpriu o mesmo papel Primeiro, postula-se a existência de um espaço de-
do protestantismo no advento do capitalismo. Isso nominado Ocidente (quando se nega a existência
quer dizer que a modernidade poderia se reprodu- de um Oriente). Sua concretude seria irrefutável,
zir em lugares inóspitos a seu florescimento, desde material, e não o resultado de um representação
que encontrasse algum sucedâneo válido para sua cuja história é perfeitamente possível de se recons-
implantação. Evidentemente, esse tipo de raciocí- tituir. A Europa, ou seja, o relato que dela se faz,
nio é problemático para se compreender a expan- deixa de ser uma entidade simbólica, imaginada,
são da modernidade (na China o confucianismo para se transformar numa realidade conjugada no
assume papel inverso, vinculando-se às forças tra- singular, jamais no plural. Ela encerraria, na sua
dicionais) ou os distintos processos ocorridos na personalidade imanente, na sua essência, valores,
Ásia, no Oriente Médio, na América Latina, no disposições espirituais, inclinações jurídicas e eco-
mundo soviético. É preciso, portanto, romper o nômicas radicalmente distintos de todas as outras
círculo vicioso no qual o argumento nos encerra sociedades. Segundo, cultiva-se certo jdanovismo
e dizer sem hesitação: o modelo europeu, no qual científico, no qual se opõe de forma antagônica
os clássicos do pensamento sociológico se ampa- uma ciência conspícua (burguesa, ocidental) à ou-
ravam, tornou-se obsoleto. Por isso alguns autores tra verdadeira (proletária, oriental). Retomo um ve-
começam a falar em modernidades-múltiplas. O lho termo do vocabulário da Guerra Fria, quando
plural é sugestivo, pois supõe que a matriz moder- no campo soviético se propunha um tipo de abor-
nidade, em suas variações, se realiza historicamente dagem dualista do mundo científico. Ele é expressi-
de forma diferenciada; a realidade de cada lugar irá vo, pois o relativismo contemporâneo, sem o saber
modelá-la de maneira distinta (Eisenstadt, 2000). (ninguém se recorda de um personagem inexpres-
Entretanto, se isso é verdadeiro, temos de dissociar sivo como Jdanov), se inscreve dentro dessa pers-
a matriz de seu lugar de origem: o Ocidente. Se é pectiva; ele irá, inclusive, multiplicar os diferentes
possível dizer que ela surge em alguns países euro- pontos de vista (paradigma feminino, paradigma
peus com a Revolução Industrial, devemos acres- latino-americano, paradigma negro, paradigma
centar que em sua natureza ela não é ocidental. A nacional, paradigma ecológico, paradigma indíge-
matriz não se confunde com uma de suas versões na etc.). Não se trata tampouco de buscar os equí-
históricas, a europeia; esta é apenas a primeira cro- vocos dos filósofos das Luzes, como fazem alguns
nologicamente, mas não a única, nem a sua forma trabalhos quando denunciam, entre outras coisas,
é mais bem acabada. O tema do “atraso” pode ser a indiferença em relação à barbárie da escravidão
reposto, pois a questão deixa de ser pensada em negra (ela existe e pode ser muito bem documen-
termos temporais. As comparações passam a ser tada; inclusive em Condorcet, cuja ambiguidade a
feitas tomando como ponto de partida a diversi- respeito da abolição é patente).5 A rigor, sabemos
dade dessas modernidades e não um ponto incerto que existe uma contradição entre os princípios abs-
no futuro no qual elas se espelhariam. tratos de liberdade e o advento do capitalismo em
O debate sobre o eurocentrismo pode nos levar escala planetária. O colonialismo e o imperialismo
a uma série de mal entendidos. Talvez, o principal são invenções europeias, independentemente dos
deles seja o relativismo. Diante da pertinência das debates filosóficos em torno da perfeição do ho-

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mem universal. Mas a questão é outra. A tradição ciências sociais. Do ponto de vista metodológico,
iluminista é uma herança, no sentido pleno da pala- como elas são ensinadas nos cursos universitários,
vra, e dela fazemos parte. Uma herança não se recu- as coisas seriam relativamente simples. Elas con-
sa, ela possibilita, conforma e limita nossa reflexão. quistam sua autonomia no final do século XIX, in-
Possibilita, na medida em que a emergência das ciên tegrando um campo ordenado de problemas e téc-
­cias sociais no século XIX, sua emancipação das in- nicas de investigação, e constituem um legado que
junções religiosas e políticas, se fazem em alguns pode ser transmitido de geração em geração. Entre-
países europeus (Alemanha, França, Inglaterra, mas tanto, sua história encerra inúmeros percalços. Um
não na Suécia ou na Espanha); conforma, pois o incidente exemplar é o mútuo desconhecimento de
pensamento acadêmico encontra suas raízes e seus Durkheim e Weber. Há tempos, Tyriakian (1966)
conceitos na continuidade deste legado; limita, escreveu um pequeno texto buscando entender tal
pelo fato de ele exprimir um contexto particular, disparate. Sua interpretação é interessante. Os dois
e não universal como nos queriam fazer crer seus mestres tinham tudo para se conhecer. O interesse
artífices. Nesse sentido, a proposta de se “provin- pela objetividade da pesquisa científica, a rejeição
cializar” esta Europa é extremamente significativa ao evolucionismo da época, a fundação de revistas
(Chakrabarty, 2000). O autor sublinha que tal he- especializadas para o desenvolvimento de pesqui-
rança é atualmente partilhada em escala mundial, sas, o distanciamento em relação às explicações de
porém temos tendência em considerá-la de maneira cunho racial, eram preocupações suficientes próxi-
acrítica. Sua expansão deixa à sombra seus aspectos mas para colocá-los em contato. No entanto, eles se
parciais: o fato de ela ter sido elaborada a partir de ignoram. Talvez o nacionalismo da época os tenha
uma província do mundo. Territorializá-la, situá- afastado, quem sabe o fato de Weber não ser con-
-la geograficamente na história, não significa abrir siderado um sociólogo em seu tempo tenha indu-
mão de uma vocação cosmopolita do pensamento; zido Durkheim ao equívoco, ou, ainda, ambos não
pelo contrário, a intenção é submetê-la às provas consideravam importantes as contribuições do ou-
de uma reflexividade que ela mesma nos ensinou. tro para o desenvolvimento de suas próprias traje-
Pierre Bourdieu (1997), particularmente em seus tórias – são as hipóteses de Tyriakian. Sua resposta,
debates com filósofos, afirmava ser necessário his- sempre no condicional, parte de um pressuposto.
toricizar a razão. As ciências sociais, ao ignorarem Como sublinha Michael Pollak (1986), ela postula
os seus fundamentos históricos, sofrem de uma es- a existência de uma comunidade científica univer-
pécie de amnésia das origens, esquecendo-se de que sal nos moldes em que Merton a definia. A ciência
a universalidade das estratégias de universalização seria uma instituição com regras e valores próprios,
estão condicionadas por circunstâncias específicas. e seus atores agiriam de acordo com os princípios
O “monopólio do universal” não é algo fortuito de seu funcionamento. Dessa perspectiva, o inci-
ou espontâneo, ele se ancora em grupos específi- dente representaria um desvio em relação à moral
cos, os cientistas sociais, que atuam em instituições científica, cuja apreciação, em relação ao trabalho
universitárias e institutos de pesquisa; ele esconde, de outros membros da mesma comunidade, deve-
assim, os interesses daqueles que o enunciam. Nos ria ser menos egoísta (para Merton o comunismo
termos de Bourdieu, para ilustrar meu argumento, era um dos princípios da ética científica). Apesar
eu acrescentaria, tal monopólio, entendido como das observações de Pollak, que me parecem corre-
sendo ocidental, se rompe na situação de globali- tas, minha impressão é que a resposta de Tyriakian,
zação. Sua legitimidade como “registro de verdade” embora insuficiente, é emblemática. A crença na
fragmenta-se. Nesse sentido, o mal-estar contem- existência de uma instituição universal, acima do
porâneo traduz menos os impasses do relativismo contexto histórico, é partilhada por vários auto-
teórico, do que, sobretudo, as fissuras de um câno- res; e por um bom tempo as ciências sociais foram
ne a que se atribuía uma solidez ilusória. transmitidas dentro deste padrão. Retomo um tex-
Pode-se considerar essas mesmas questões de to de Edward Shils no qual traça um retrospecto da
um outro ângulo, o da internacionalização das sociologia. Ele afirma que até meados de 1930 o

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As Ciências Sociais e a diversidade dos sotaques  15

panorama sociológico era desanimador: na França, fendem a consolidação de um saber estritamente


na Alemanha, na Inglaterra e nos Estados Unidos, “científico” em contraposição à proposta da socio-
existiam estudos esparsos, desconexos, fragmenta- logia como conhecimento de “salvação nacional”.
dos, sem nenhuma unidade entre si. O impulso dos O que lhes interessa é um tipo de formação inte-
princípios de uma teoria sociológica, herdeira dos lectual condizente com as normas, os valores e os
ensinamentos de Weber e Durkheim, tinha prati- ideais do saber científico (como pensavam Merton
camente declinado. Mas ele acrescenta: “The struc- e Manheim: a ciência seria uma subcultura orien-
ture of social action foi um divisor de águas. Foi este tada por um ethos específico). A polêmica pode ser
trabalho que conseguiu integrar a tradição parcial interpretada de várias maneiras; na época, ela po-
numa mesma unidade de medida” (Shils, 1965). Por larizou as posições em torno do contraponto entre
isso o subtítulo de­seu texto: “Da heterogeneidade ciência e ideologia, sendo inúmeras as críticas aos
à unidade”. A visão de Shils é americano-cêntrica: autores pelo seu cientificismo (Veron, 1972). Mas
Talcott Parsons seria o epígono da unidade teórica ela é emblemática, pois cada um deles, à sua manei-
à deriva. Entretanto, ela se tornou um senso co- ra, reage à mesma situação estrutural: garantir um
mum universitário, certamente devido à expansão estatuto acadêmico à uma prática ainda incipiente.
e ao predomínio da sociologia norte-americana, na Nesse sentido, a identidade da nova disciplina via-
época hegemônica em diversas partes do mundo. -se, impreterivelmente, diante do dilema da trans-
Isso possui algumas implicações. Como o de- plantação das ideias, pois sua afirmação se fazia no
senvolvimento das ciências sociais nos países peri- terreno predeterminado do próprio conhecimento
féricos foi tardio, após a Segunda Guerra Mundial, sociológico. Poderiam os “esquemas abstratos de
ele coincidiu com o momento em que a certeza de análises”, elaborados num determinado contexto
sua unidade teórica se impôs. É o caso da América serem aplicados a uma outra realidade? Qual seria
Latina. No Brasil, Florestan Fernandes, e na Argen- sua validade conceitual? Essas eram as perguntas
tina, Gino Germani, representam esta fase de im- que animavam o debate intelectual. Porém o con-
plantação da disciplina. Dois livros são expressivos traste com o alter-ego europeu ou norte-americano
desse período, Fundamentos empíricos da explicação não era somente uma miragem ideológica (como
sociológica (1959) e La sociologia científica: apuntes diziam os críticos do colonialismo intelectual), mas
para su fundamentación (1956). Ambos se ocupam uma condição estrutural que envolvia o campo das
de questões de método e tem por ambição desen- ciências sociais como um todo. Dois aspectos mere-
volver um pensamento sociológico rigoroso, “cien- cem ser sublinhados neste processo.
tífico”, distinto de um certo ecletismo ainda predo- Primeiro, uma tensão constante em relação à
minante (Ianni, 1986; Blanco, 2006). Essas datas modernidade, pois os modelos disponíveis se mos-
são expressivas quando comparadas aos caminhos travam inadequados para entender uma situação
da sociologia em outros lugares. Durkheim funda o distinta. Florestan Fernandes depara-se com o desa-
L’Année Sociologique em 1897, Weber era editor do fio de construir uma interpretação do Brasil moder-
Archivfur Sozialwissenshaftund Sozialpolitik (1904) no, levando-se em consideração a absorção da mão
e o departamento de Sociologia da Universidade de obra escrava numa sociedade de classes. Mesmo
de Chicago foi criado em 1892. As ciências sociais Gino Germani, que pode ser considerado um ex-
latino-americanas encontravam-se defasadas e de- poente da teoria da modernização (é suficiente con-
veriam se ajustar ao tempo de suas matrizes prin- sultar seu livro Sociologia de la modernización), não
cipais, norte-americana ou europeia. Não é casual se sente à vontade dentro da exiguidade de seu qua-
que o debate sobre o padrão do trabalho científico dro teórico; ao interpretar o peronismo, vê-se obri-
se faz concomitantemente em diversos países, sem gado a estabelecer uma nítida distinção entre o que
que seus participantes estejam necessariamente se passa na Argentina e as experiências europeias
em contato. Isso fica claro nas discussões que Flo- de totalitarismo. Isso é uma constante no seio da
restan Fernandes (1977) e Gino Germani (1964) intelectualidade latino-americana. Mariátegui, em
têm com seus adversários “nacionalistas”. Eles de- seus escritos sobre o Peru, debate-se com um pro-

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blema semelhante. Ele quer, a partir do marxismo, pois, um hiato entre o ideal perseguido e a realida-
entender uma realidade determinada, a questão in- de inconteste. Cada país, ao imaginar sua identida-
dígena, utilizando-se de um arcabouço teórico em de, tem como referência o que se passa em parte da
que ela estava ausente (Quijano, 1991). Era pois Europa ou nos Estados Unidos. A imagem refleti-
necessário se apropriar de um método estrangeiro, da no espelho será sempre distorcida. Na realidade
orientando-o noutro sentido. A compreensão da almeja-se aquilo que ainda não se é. Mesmo com as
modernidade periférica tornava-se, portanto, cada transformações ocorridas no início do século XX –
vez mais problemática. O hiato entre um modelo reforma agrária (revolução mexicana), urbanização,
ideal e a presença dos fenômenos sociais acentuava racionalização do aparelho de Estado, redefinição
a distância entre pensamento “local” e pensamen- da noção de trabalho numa sociedade oligárquica e
to “universal”. Um exemplo eloquente é a crítica servil – esta sensação de atraso persiste. A moderni-
que os teóricos da dependência fazem aos padrões dade é um projeto, uma utopia, algo que pertence
sociológicos norte-americanos. A discussão sobre ao porvir. Este é o dilema, os Estados nacionais de-
o desenvolvimento, caracterizando as sociedades vem construir o que ainda não possuem. Por isso o
como desenvolvidas ou subdesenvolvidas e as fases modernismo latino-americano é distinto do euro-
de transição para a modernidade, adquire, assim, peu. Nos países industrializados a questão da for-
uma dimensão teórica, não se limitando às questões ma artística equivalia à sua adequação às mudanças
de natureza política e econômica (evidentemente, sociais. O mundo da Revolução Industrial exigia
também relevantes). Esta é a ambição do ensaio do artista a reformulação de suas ideias. O impres-
de Fernando Henrique Cardoso, “Originalidade sionismo e o art-nouveau correspondiam à reali-
da cópia”, em que analisa o pensamento da Cepal dade que os envolvia, traduzindo a materialidade
(Cardoso, 1980). Contrário à importação de deter- dos “mecanismos da vida moderna” (luz elétrica,
minados modelos de explicação, ele queria enten- bondes, sistema ferroviário, automóveis, a eferves-
der as ideias em “seu lugar”, isto é, como elas são cência cultural das metrópoles).6 Faltava no conti-
reelaboradas em contextos específicos, sendo ori- nente latino-americano justamente esses elementos.
ginais e distintas das propostas da metrópole. Para O modernismo existe, mas sem modernização. Os
isso era importante reconhecer que o processo de artistas tinham a intenção de ser modernos, mas
realização da modernidade envolveria algumas es- suas propostas eram ainda uma projeção (como os
pecificidades, ausentes do contexto europeu. E que muralistas mexicanos ou o manifesto antropofágico
no plano do pensamento seria possível pensá-las de Oswald de Andrade). Eles se distanciavam, as-
não como desvio, defasagem, mas como as conside- sim, do ideal flaubertiano da arte pela arte, pois o
ra Martin-Barbero (1998), “uma diferença que não componente político da nação atravessa o universo
se esgota no atraso”. artístico. Arte e política são termos complementa-
Segundo, a consolidação das ciências sociais se res – o artista é sempre um intelectual “engajado”
faz por via da questão nacional que norteia o hori- na busca da modernidade. Pode-se dizer o mesmo
zonte das perguntas metodologicamente pertinen- dos debates em torno da modernização e do de-
tes. Na verdade, é impossível entendê-las fora deste senvolvimento em voga nos anos de 1950 e 1960.
quadro mais amplo. Como na Europa, o século Quando seus porta-vozes afirmavam, “sem uma
XIX na América Latina foi o século das nações. ideologia do desenvolvimento não há desenvolvi-
Entretanto, se em países como França, Inglaterra mento”, o que se reiterava era a anterioridade do
e Alemanha sua emergência encontra-se intima- projeto em relação ao subdesenvolvimento existen-
mente associada à consolidação da modernidade, te. Cito Álvaro Vieira Pinto, representante paradig-
tem-se, no caso latino-americano, uma dissociação mático deste tipo de pensamento:
temporal desses dois movimentos. Sonha-se com
uma revolução industrial, que só irá se concretizar [...] a falta da tomada de consciência objetiva
no século XX, momento em que efetivamente as da nossa realidade, por parte de nossos me-
sociedades latino-americanas se modernizam. Há, lhores homens, priva-os de percepção histó-

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rica segura e global, desnorteando-os, o que [...] vários eixos nos quais as tradições de me-
contribuiu para o atraso do nosso processo de nor magnitude do que aquelas exigidas em
desenvolvimento, pois não há interpretação nossas profissões podem ser apontados. Um
sem categorias prévias de interpretação. [E ele desses eixos, frequentemente utilizado, explí-
acrescenta:] [...] devemos conhecer o desenvol- cita ou implicitamente, diz respeito ao contex-
vimento como um processo que encontra sua to do desenvolvimento nacional da sociologia.
definição na finalidade a que se dirige. Não se A sociologia como ciência da sociedade é um
trata do conceito vago e impreciso de finalida- pressuposto que favorece uma perspectiva
de em geral, mas de finalidade rigorosamente universal de seu quadro teórico e conceitu-
fixada e lucidamente compreendida, pois sem a al; mesmo assim, na maioria dos lugares ela
clareza e a exatidão dos fins visados, o processo se desenvolve segundo o contexto nacional,
não poderia se constituir (1959, pp. 15 e 25). no qual um treinamento gradual é oferecido
(Tyriakian, 2001, p. 15 827).
Caberia aos intelectuais tomar consciência des-
ta situação de precariedade e traçar uma linha de A internacionalização das ciências sociais se fa-
ação para superá-la. As ciências sociais não esca- ria, portanto, através do modelo de difusão: quanto
pam a este destino. Os temas que elas trabalham –­ mais acentuada sua expansão, mais participantes
miscigenação, urbanização, industrialização, ques- se integrariam a elas (daí a necessidade de serem
tão indígena, reforma agrária – vêm marcados pela “treinados”). Surge, assim, o problema da “indige-
presença do que se convencionou nomear “a ques- nização”, da aclimatação das ideias e das técnicas
tão nacional”. de pesquisa em lugares distantes do padrão de ori-
Eu havia dito que a difusão internacional das gem.7 As versões nacionais atestariam o desenvolvi-
ciências sociais, do ponto de vista disciplinar, se faz mento de determinado saber em escala global, mas
pela afirmação de sua unidade metodológica. No a bifurcação entre as tradições – uma legítima, ou-
entanto, nos países periféricos elas adquirem uma tra menos – confirmaria o fosso existente entre elas.
feição regional: enfrentam problemas considerados A partir dessa diferenciação tácita, certa divisão in-
temporalmente deslocados em relação aos países ternacional do trabalho intelectual instaura-se. As
centrais e se consolidam em estreito diálogo com a verdadeiras reflexões de caráter teórico seriam uma
problemática nacional, o que acarreta ambiguidade primazia do “Ocidente”, não tanto por motivos
ao campo sociológico. Existiria, pois, um padrão ideológicos, simplesmente porque ali se encontra-
único (universal) praticado pelos europeus e norte- ria o núcleo da modernidade, suas estruturas pro-
-americanos que traduziria de maneira inequívo- fundas. A defasagem temporal impossibilitaria aos
ca as exigências de uma ciência da sociedade. Em pensadores latino-americanos ou asiáticos atingir
contrapartida, fora de suas fronteiras, tal padrão se o seu âmago. Com efeito, qualquer estudo sobre a
desdobraria em duas vertentes: uma metodológica modernidade periférica seria incompleto, faltando-
(comum à disciplina como um todo), outra especí- -lhe a densidade negada pela história. Malgrado
fica, configurando-se como um saber enraizado em sua pertinência, as críticas à teoria da moderniza-
conjunturas regionais. Isso fica claro na distinção ção não serão ouvidas, cairão no terreno do esque-
proposta por Tyriakian entre “grande” e “pequena” cimento (elas foram escritas em idiomas nativos e
tradição sociológica. A primeira constituiria o eixo não na língua da modernidade-mundo, o inglês).
da disciplina, em torno do qual se estruturariam Além disso, o fato de as ciências sociais estarem
os problemas e os argumentos centrais do conhe- mescladas à temática da nação acentuava sua colo-
cimento e da pesquisa. Por uma coincidência for- ração local diante das exigências de universalização.
tuita, o solo da “grande tradição” corresponderia ao Para se libertar da opressão intelectual era preciso
pensamento clássico europeu e norte-americano. valorizar as próprias raízes; este é o dilema que atra-
Restaria à “pequena tradição” um papel mais mo- vessa todo o “pensamento latino-americano”. Basta
desto. Conforme o autor: lermos os escritos de Leopoldo Zea (1965) para nos

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darmos conta de que a emancipação intelectual se volução de 30, o panorama é outro. Desde o início
faz via afirmação nacional. Este é o passo inicial, a do século XX o pensamento sociológico (mesmo
ruptura que permite a construção de um referencial eclético e distante das pesquisas empíricas), junta-
teórico isento das contradições conceituais elabora- mente com o problema racial e a assimilação dos
das na metrópole. imigrantes, incorpora um tema novo: a moderniza-
Entretanto, o traço de união – América Lati- ção capitalista. A questão nacional, na qual se ins-
na – tinha pouca consistência e se desfazia quando crevia o destino do país, tomava uma configuração
considerado à luz das especificidades de cada lugar. distinta. O pensamento latino-americano subdivi-
O surgimento das ciências sociais não se fez a par- dia-se, portanto, em unidades menores: brasileiro,
tir do marco latino-americano, mas das particula- mexicano, argentino, chileno. A história das ciên-
ridades de cada nação. Por exemplo, no Brasil, no cias sociais é narrada no plural, não no singular:
final do século XIX e início do XX, a introdução sociologia brasileira, sociologia peruana, sociologia
das ideias sociológicas se faz pela influência euro- mexicana etc. Aspecto que acirra a contradição en-
peia. Particularmente Comte, Spencer, tardiamente tre o autóctone e o estrangeiro, pois toda identida-
Durkheim; há pouco contato com o universo ale- de contém uma dupla face: ela delimita um espaço
mão. Não se trata, contudo, de uma especialização interior (moradia da autenticidade) e o separa do
disciplinar; as elites brasileiras evoluem em torno que lhe seria estranho.
das instituições tradicionais criadas durante o Im- O problema, neste caso, é que o estranho cor-
pério: faculdades de direito, escolas de medicina, respondia ao que se esperava conquistar: a autono-
institutos históricos e geográficos. O debate prin- mia do padrão sociológico. A busca da identidade
cipal centra-se na identidade nacional; procurava- acadêmica terminava num impasse. Ela se enredava
-se entender que futuro teria um país resultante na teia de uma sutil hierarquia, na qual o nacional,
da mistura de raças tão díspares: negra, indígena, sendo específico à cada localidade, lhe cerceava o
branca. Este é o desafio intelectual para escritores caminho da generalização. A rigor, não faria sen-
como Silvio Romero, Nina Rodrigues e Euclides tido falar na existência de um pensamento francês
da Cunha (Ortiz, 1985). Como mostra Carlos Al- ou alemão, pois Durkheim e Weber seriam “uni-
tamirano (1988), há algo similar na Argentina. A versais”; Parsons tampouco poderia ser identificado
preocupação com a construção nacional e a ques- como norte-americano, ele era o autor de A estrutu-
tão racial é também uma constante. Os diagnós- ra da ação social. Apenas na periferia a arte da refle-
ticos elaborados em livros como Nuestra América xão podia ser qualificada, ambígua e positivamente,
(1903), de Carlos Bunge, ou La evolución sociológi- desta maneira. Construiu-se certo consenso, ou se
ca argentina (1910), de José Ingenieros, discutiam preferirem, uma regra cortês de convivência inter-
como seria possível a melhoria das raças através da nacional, na qual a universalidade do método era
imigração europeia. Como no Brasil, e no resto da uma prerrogativa de alguns e sua aplicação dispo-
América Latina, o pensamento raciológico e racista nível a todos. O movimento de expansão das ciên­
exercia o seu fascínio. cias sociais vinha marcado pela duplicidade. De
Entretanto, a situação argentina era diversa. um lado, ele revelava uma real consolidação dos
Sua industrialização antecedeu em décadas a bra- métodos e das análises de uma disciplina acadê-
sileira e, devido à importância da imigração, que mica – criação de cursos universitários, fundação
abarcava setores intelectualizados, o contato com as de institutos de pesquisa, interação cada vez maior
ideias europeias era mais amplo e diversificado (um entre os pesquisadores. Esta vocação internacional
autor como Simmel foi lido muito precocemente). manifesta-se desde o século XIX. Vários autores su-
Isso faz com que no interior de algumas faculda- blinham ser este o momento em que surge um tipo
des de direito sejam criadas cátedras de Sociologia: de organização e de atividade inexistente na antiga
La Plata (1904), Córdoba (1907), Buenos Aires república das letras: as conferências científicas in-
(1908). Na Argentina, contrariamente ao que ocor- ternacionais e as associações científicas internacio-
reu no Brasil, onde o debate racial perdura até a Re- nais. Movimento que atravessa o campo científico

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As Ciências Sociais e a diversidade dos sotaques  19

e se intensifica com a especialização das disciplinas ção de outra maneira. O surgimento de universi-
[Institut International de Sociologie (1893); Con- dades, institutos de pesquisa, políticas de incentivo
grès Historique International (1898)]. A criação à ciência, em diferentes países do mundo, tende,
dessas entidades acelerará o fluxo transnacional das senão a nivelar a concorrência entre esses centros,
redes de pesquisadores e incentivará a busca de uma pelo menos a debilitar as certezas anteriores. Fica
língua universal de comunicação entre os cientistas difícil sustentar a crença de um padrão único da
(Rasmussen, 1996). Elas irão se proliferar, sobretu- prática sociológica. O debate sobre a existência de
do ao longo do século XX: International Union of “uma” ou “várias” sociologias, a despeito de qual-
Anthropologica land Ethnological Science (1934); quer intenção teórico-metodológica, torna-se ine-
International Sociological Association (1949); In- lutável (Sztompka, 2010). Afinal, cada localização
ternational Political Science Association (1949); espacial conferiu uma coloração diversificada à sua
Facultad Latinoamericana de Ciências Sociales internacionalização. A defasagem que os autores
(1957) (Heilbon, Guilhot e Jeanpierre, 2009). latino-americanos ressentiam é assim substituída
Após a Segunda Guerra Mundial, um organismo por um conjunto de tradições intelectuais que se
como a Unesco passa a financiar diversas dessas as- complementam e diferem entre si.
sociações internacionais, incentivando a pesquisa De outro lado, a ideia de nação adquire nova
e os intercâmbios científicos (por exemplo, a pes- feição; o processo de globalização coloca em xeque
quisa sobre o negro realizada no Brasil por Roger sua centralidade no âmbito das relações sociais,
Bastide, Florestan Fernandes, Costa Pinto, Thales políticas e econômicas. Entretanto, a “crise” do
de Azevedo). Não obstante, subjaz à este desdo- Estado-nação não se circunscreve a temas como so-
bramento a incerteza do particular. Na periferia a berania ou meio ambiente, ela é também categorial;
prática sociológica conjugar-se-ia no plural devido como unidade de análise, o Estado-nação torna-se
às tradições nacionais. A tensão entre o universal e um conceito insuficiente para se compreender a
o diverso resolve-se, dessa forma, em favor de uma abrangência da modernidade-mundo. Como ob-
desclassificação dos outros; ela reforça a ilusão de serva Octávio Ianni:
um modelo único cuja realidade repousa, menos na
sua consistência teórica do que na assimetria exis- [...] se as ciências sociais nascem e desenvol-
tente entre países e instituições acadêmicas. vem-se como formas de autoconsciência cien-
Este quadro transforma-se radicalmente na tífica da realidade social, pode-se imaginar que
situação de globalização. A emergência de noções elas podem ser seriamente desafiadas quando
como “modernidades múltiplas”, o advento de essa realidade já não é mais a mesma. O contra-
uma literatura pós-colonial, a criação de subáreas ponto de pensamento e pensado, ou de lógico e
de conhecimento como os estudos culturais, a va- histórico, pode-se alterar-se um pouco, ou mui-
lorização da interdisciplinaridade como forma de to, quando um dos termos modifica-se; e mais
avançar o conhecimento, assim como a crítica ao ainda quando ele se transfigura (1993. p. 171).
eurocentrismo, deixam-nos diante de um mapa he-
terogêneo das ciências sociais. Basta lermos o rela- A situação de globalização requer das ciências
tório organizado pela Comissão Gulbenkian sobre sociais uma reavaliação de sua herança intelectual.
sua reestruturação para nos darmos conta de que Diante das transformações ocorridas, muitos de
a prática sociológica se distanciou de seu passado seus conceitos, cunhados no final do século XIX,
clássico (Wallerstein, 1996). Seu desenvolvimento tornam-se inapropriados: não se deve esquecer que
nos países ditos periféricos, orientais, atrasados, as controvérsias entre indivíduo e sociedade, o pa-
rompe o vínculo orgânico entre os pais fundado- drão de soberania para a ciência política, e mesmo
res e os lugares nos quais o pensamento sociológico de mercado para a economia, fundamentavam-se
emergiu: França, Alemanha, Inglaterra e Estados em processos e estruturas nacionais. Mas quais se-
Unidos. Ao provincializá-lo, isto é, circunscrevê-lo riam as consequências dessas mudanças para o pen-
a um determinado espaço, percebemos sua evolu- samento sociológico? Gostaria de sublinhar pelo

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20  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 27 N° 78

menos duas: primeiro, a necessidade de se imagi- que se estrutura e se cristaliza no período formati-
nar novas categorias para a compreensão da mo- vo da disciplina (1830-1900). Teríamos, assim, a
dernidade-mundo (tema fartamente discutido na consolidação de um padrão único, a questão seria
literatura sobre a globalização); segundo, aspecto apenas de difundi-lo em escala internacional.
que interessa diretamente à minha argumentação, Mas a marca do nacional não se restringe ao
os intelectuais europeus e norte-americanos, diante plano das ideias. O processo de institucionalização
da radicalidade das transformações, devem repensar das ciências sociais é fortemente influenciado pela
a trajetória do conceito de nação (particularmente relação com os Estados nacionais. Como pondera
com a consolidação da União Europeia). Diversos Peter Wagner: “Quanto mais as questões levantadas
estudos, revisitando a emergência das ciências so- nas ciências sociais são definidas num país deter-
ciais como um saber autônomo, passam, agora, a minado em reação à ordem sociopolítica estabele-
insistir na ideia de tradição intelectual nacional. cida, mais o seu caráter nacional é pronunciado”
Donald Levine (1997), por exemplo, identi- (2004, p. 61). Isso ocorre na Itália com processo
fica diferentes tipos de tradições: britânica, fran- de unificação do país, na França com a ideologia
cesa, alemã, italiana e norte-americana (o marxis- republicana e também na Alemanha. Torna-se cla-
mo, com sua vocação internacionalista, é a única ro, nessa perspectiva, o papel do Estado na confor-
exceção). Os sociólogos britânicos cultivam uma mação das disciplinas acadêmicas (análises estatís-
visão individualista e evolucionista, combinada a ticas, formação de quadros profissionais, criação
uma preocupação constante com a mensurabilida- de universidades) (Wagner, Wittrock e Whitley,
de. Assim, para um autor como Smith as inclina- 1991). Mas como suas demandas são diferentes,
ções individuais são os princípios explicativos dos em cada lugar a institucionalização adquire aspec-
fenômenos sociais (mercado) e o fundamento da to diversificado. A imagem que Shils apresentava
moralidade humana, critério para a definição do do conhecimento sociológico perde força e poder ­de
bem social. A tradição francesa toma uma outra convencimento, sua nitidez é atenuada, deixando
configuração, enfatizando a dimensão holística à sombra dúvidas e incertezas. Temos hoje a clara
do social, o todo prevalecendo sobre as tendên- consciência de que o chamado período clássico da
cias individuais. É neste sentido que podem ser sociologia conheceu uma série de tentativas frustra-
compreendidas as críticas de Durkheim a Mill e das de institucionalização; em função das questões
Spencer, quando esses autores apreendem os fa- políticas, sociais e econômicas, o projeto socioló-
tos sociais como algo decorrente das motivações gico fragmentou-se segundo sua inclinação local.
atomizadas dos indivíduos. Por isso é possível fa- Cabe lembrar que Weber tinha inúmeras restrições
lar numa tradição francesa de crítica da economia em denominar-se sociólogo; somente após a criação
política (Steiner, 2008). O mesmo pode ser dito da Sociedade Alemã de Sociologia, em 1909, é que
da especificidade norte-americana, seu caráter de- ele passa a aceitar, com relutância, tal rótulo. Na
cididamente empírico, ou alemã, que se centra no verdade, como sugere Bourdieu, as ciências sociais
sujeito que interpreta o social, é capaz de autode- evoluem nos espaços nacionais porque a constitui-
terminação, sabe discriminar e escolher segundo ção de um campo de práticas acadêmicas se encon-
critérios morais bem definidos. Cada uma dessas tra vinculada às condições históricas que possibi-
tradições constitui um ponto de partida para se litam sua existência. Elas pressupõem a existência
construir uma pluralidade de problemáticas teó- de um espaço intelectual no qual os agentes (com
ricas que virão, posteriormente, constituir o le- trajetórias individuais distintas) atuam em instân-
gado clássico da sociologia. Estamos distantes de cias específicas (revistas, universidades, institutos
uma proposta como a de Nisbet (1967), na qual de pesquisa) proporcionadas por políticas educa-
as ciências sociais seriam estruturadas a partir de cionais e científicas bem determinadas (distribuição
um núcleo central de ideias: comunidade, sagra- de recursos, incentivo à educação superior, criação
do, autoridade, status, alienação. Este seria o eixo de laboratórios etc.). A autonomia deste território,
principal do interesse sociológico, conhecimento isto é, as condições políticas, sociais e econômicas

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As Ciências Sociais e a diversidade dos sotaques  21

em que ele funciona, é sempre relativa e variável. za, nunca conseguiu atingir equilíbrio, mesmo que
Sua heterogeneidade traduz as possibilidades reais precário, para definir as ciências sociais como uma
existentes em cada lugar. Na realidade, quando se ciência normal (nos termos de Khun). Seu estado
lê os clássicos, percebe-se que possuíam uma nítida “caótico”, impreciso, demonstra a dificuldade cons-
consciência da dimensão nacional de seus empreen­ titutiva de um saber que se realiza sempre em con-
dimentos (Heilbron, 2008). Durkheim, mesmo texto. Isso não significa que ele tenha de renunciar
após ter retornado de sua viagem à Alemanha, onde a todo e qualquer tipo de generalização. Pelo con-
toma contato com uma literatura rica e exuberante trário, as pesquisas empíricas acumulam um rico
sobre a vida social, não hesita em definir a socio- conhecimento que nos permite, através do esforço
logia como uma ciência francesa. O balanço que comparativo, escaparmos das malhas de cada pro-
ele faz do seu desenvolvimento é inequívoco: “De- víncia. Entretanto, tais generalizações encontram-
terminar a parte que diz respeito à França no pro- -se distantes do ideal popperiano de cientificidade.
gresso da sociologia durante o século XIX é fazer Quero reter de Passeron não tanto seus argumentos
em grande parte a história desta ciência, pois foi de ordem metodológica, mas a metáfora por ele
entre nós, no curso do século XIX, que ela nasceu, utilizada para caracterizar o discurso sociológico:
permanecendo assim uma ciência essencialmente a língua. Ela é sugestiva e nos auxilia a apreender
francesa” (Durkheim, 1987, p. 111). Os sociólogos algumas dimensões relativas à diversidade das in-
norte-americanos também estavam imbuídos de que terpretações. Recordo ao leitor a distinção que os
seus escritos representavam as virtudes de um país linguistas fazem entre linguagem, que nos remete
excepcional (Ross, 1991). A revolução norte-ame- à ideia de universal, e língua, sua atualização na
ricana e o governo republicano, sendo autóctones, história. Eu havia mencionado a ambiguidade que
alimentavam um contraponto idealizado em relação imperava a respeito de um único padrão da prática
à Europa, onde a modernidade estaria minada pela sociológica. Creio ser possível caracterizá-la como
pobreza e o conflito de classes. A ideologia liberal uma tentação em se pensar o idioma das ciências
(todos seriam iguais), a ênfase no individualismo, sociais como linguagem. O estatuto de sua univer-
que se torna uma marca de suas ciências sociais, an- salidade estaria, assim, garantido. Haveria uma con-
corava-se numa concepção de mundo que a diferen- junção feliz entre as exigências de natureza episte-
ciaria dos pensadores europeus. Esta percepção da mológica e o padrão inaugurado pelos clássicos. O
relação orgânica entre as ciências sociais e o nacional, panorama atual torna esta visão das coisas um tanto
tão viva em sua época, terminou por ser sublimada, irênica: sem conflitos. De fato, a noção de lingua-
sendo substituída por uma visão mais neutra e ho- gem é imprópria para descrever o discurso das ciên-
mogênea do mundo científico. A reconstrução atual cias sociais, sendo melhor recorrermos à de língua,
de sua história realça um aspecto antes considerado uma vez que incorpora as dimensões de história e o
atributo das modernidades incompletas. Nesse sen- contexto. Surge, então, uma questão perturbadora.
tido, a especificidade do nacional, vista antes como Os linguistas ensinam que toda língua, em função
um entrave ao conhecimento, não seria uma dimen- de sua disseminação no espaço e no tempo, conhe-
são exclusiva das realidades periféricas, o que faz com ce uma série de variações, por exemplo os dialetos.
que a pretensa distinção entre universal (Estados Seria o destino das ciências sociais se fragmentar
Unidos e Europa) e particular (o restante do mun- em províncias dialetais cada uma delas com frontei-
do) se torne cada vez mais questionável. A história ras claras e excludentes? Esta interrogação traduz de
das ciên­cias sociais deixa de ser pensada segundo a forma inquietante o mal-estar do universalismo ao
matriz difusionista, exportação da metrópole para a qual eu me referia antes. Uma maneira ilusória de se
periferia, dando lugar a um quadro bem mais com- resolver tal problema seria retomar um antigo deba-
plexo de sua constituição transnacional. te sobre a existência de um único padrão (standard)
Em O raciocínio sociológico, Jean Claude Pas- linguístico. Ou seja, a língua padrão, normatizada
seron observa que a língua sociológica, contraria- pelos gramáticos, unificaria a diversidade das falas.
mente às ciências lógico-matemáticas ou da nature- Esta é, porém, uma solução artificial pois o padrão

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22  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 27 N° 78

postulado não possui nenhuma realidade empíri- Bellah, Robert. (1985), Tokugawa religion: the cul-
ca, ele é simplesmente um constructo imaginado tural roots of modern Japan. Londres, Free Press.
por aqueles que o elaboraram. Mas não nos es- Bernal, Martin. (1987), Black Athena: the fa-
queçamos, toda língua possui, também, diferentes brication of ancien Greace 1785-1985. New
sotaques, sem que isso venha constituir em falas Brunswick, Rutgers University Press.
incomunicáveis entre si. Penso ser possível dizer Blanco, Alejandro. (2006), Razón y moderni-
que o idioma das ciências sociais é compartilhado dad: Gino Germani y la sociologia en la Argenti-
por uma mesma comunidade de falantes, mas seus na. Buenos Aires, Siglo XXI.
sotaques são distintos. Ao se atualizar em lugares Blaut, J. M. (1993), The colonizer’s model of the
afastados, ele guarda sua vocação cosmopolita sem world: geographical diffusionism and eurocentric
perder a diversidade que o constitui. A conversa history, Nova York, The Guilford Press.
entre os cientistas sociais pressupõe, assim, duas di- Bourdieu, Pierre. (1997), Méditations pasca-
mensões complementares: um universo comum e o liennes. Paris, Seuil.
esforço da tradução dos sotaques. Burke, Peter. (1998), The European renaissance:
centres and peripheries. Oxford, Blackwell.
Cardoso, Fernando Henrique. (1980), “Ori-
Notas ginalidade da cópia: a Cepal e a ideia de de-
senvolvimento”, in , As ideias e seu
1 Para uma crítica ao “direito de intervenção” dos países lugar, Petrópolis, Vozes.
ocidentais, ver Wallerstein (2006). Chakrabarty, Dipesh. (2000), Provincializing
2 A literatura sobre o tema é imensa. Ver, entre outros, Europe. Princeton, Princeton University Press.
Asad (1973). Delacampagne, Christian. (2002), “Une om-
3 Ver, por exemplo, Landes (1999). O autor dedica bre sur les lumières”, in , Une his-
todo um capítulo ao “European exceptionalism”. toire de l’esclavage, Paris, Le Livres de Poche.
4 Jack Goody faz uma boa discussão das premissas we- Dumont, Louis. (1983), Essais sur
berianas em seu livro The east in the West (1996). l’individualisme. Paris, Seuil.
5 Refiro-me a um texto como o de Louis Sala-Moulins, Durkheim, E. (1987), “La sociologie en France
Les misères des lumières (2008); consultar, ainda, Dela- au XIX siècle”, in , La science sociale
campagne (2002). et l’Action, Paris, PUF.
6 Utilizo uma expressão cara a um cronista do século Eisenstadt, S. N. (2000), “Multiple moderni-
XIX, Georges d’Avenel. ties”. Daedalus, 129 (1).
7 O livro de Nikolai Genov (1989), elaborado sob os Fanon, Franz. (1961), Les Damnés de la terre. Pa-
auspícios da Internacional Sociological Association ris, Maspero.
(ISA), estrutura-se a partir desta ideia falaciosa da “in- Fernandes, F. (1977), “O padrão do traba-
digenização” das ciências sociais. lho científico dos sociólogos brasileiros”, in
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RESUMOS / ABSTRACTS / RESUMÉS  187

As Ciências Sociais e a The Social Sciences and the LEs SCIENCES SOCIALES ET LA
diversidade dos sotaques Diversity of Accents diversiTÉ dES ACCENTS

Renato Ortiz Renato Ortiz Renato Ortiz

Palavras-chave: Modernidade; Teoria Keywords: Modernity; Sociological Mots-clés: Modernité; Théorie sociolo-
sociológica; Mundialização; Eurocentris- theory; Globalization; Eurocentrism. gique; Mondialisation; Eurocentrisme.
mo.

Este artigo retoma um tema clássico nas This article takes a classic theme in the Cet article revient sur un sujet classique
ciências sociais latino-americanas: a rela- social sciences in Latin America: the rela- des sciences sociales latino-américaines :
ção entre o seu desenvolvimento interno tionship between domestic development le rapport entre son développement in-
(nacional) e as influências externas. Tra- (national) and external influences. It is, terne (national) et les influences externes.
ta-se, no entanto, de uma retomada que however, a recommencement that in- Il s’agit, néanmoins, d’un abordage
insere a problemática do pensamento so- troduces the problem of the sociological qui insère la problématique de la pen-
ciológico no contexto da mundialização thinking in the context of the globaliza- sée sociologique dans le contexte de la
da cultura. Nesse sentido, para escapar tion of culture. In this sense, to escape mondialisation de la culture. Ainsi, pour
à dicotomia entre pensamento nacional the dichotomy between national think- échapper à la dichotomie entre la pen-
e pensamento cosmopolita, o autor pro- ing and cosmopolitan thinking, the au- sée nationale et la pensée cosmopolite,
põe que as ciências sociais constituem thor proposes that the social sciences are l’auteur défend que les sciences sociales
uma língua com diferentes sotaques. Não a language with different accents. There constituent un langage avec différents
existiria, portanto, um núcleo universal is not, therefore, a universal core (thus accents. Il n’existerait donc pas de noyau
(identificado às teorias produzidas na Eu- identified with theories produced in Eu- universel (identifié aux théories produites
ropa ou nos Estados Unidos) e um saber rope or the United States) and a regional en Europe ou aux États-Unis) et un sa-
regional, identificado com os países ditos knowledge, identified with the so-called voir régional, identifié avec les pays dits
periféricos. peripheral countries. périphériques.

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