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Feministas Brancas... ... Tirando A M Scara - A Express o Da Branquitude Feminina Nas Rela Es Raciais Intra-G Nero PDF
Feministas Brancas... ... Tirando A M Scara - A Express o Da Branquitude Feminina Nas Rela Es Raciais Intra-G Nero PDF
― 9921109 ―
Banca Examinadora:
Amsterdam
2007
Wie het geluk aan zich bindt Quem sabe ligar a felicidade a si
vernielt het gevleugelde leven destrói a vida alada
maar wie het geluk kust mas quem beija a felicidade
terwijl het voorbij vliegt enquanto passa voando
leeft in de zonsopgang vive no nascer do Sol
van de eeuwigheid da eternidade
obrigada
por sua força
por sua rebeldia
por ser eigenwijs
sábia, única e diferente
você continua vivendo em mim
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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Agradecimentos
No caminho da finalização deste curso, por vários motivos intenso, diverso e por
muito tempo duro, foram muitas as mulheres e os homens que me inspiraram.
Antes de tudo, quero agradecer minha Professora Dra. Wiesebron por sua
competência, a que me deu a oportunidade de aprofundar-me nas questões de relações
internacionais, integração regional e globalização, com o foco na região de América Latina
e, em particular, nas questões de gênero. Agradeço-a também pelo espaço e liberdade que
tive durante todos estes anos de estudos, e igualmente pela paciência e incentivo que me
levaram ao resultado positivo e à conclusão deste Mestrado (Doctoraal). Agradeço ainda
sua sugestão no meu primeiro ano de estudo, que felizmente me ‘fez’ estudar no e voltar ao
Brasil, o que gerou conseqüências impactantes e modificadoras para este estudo e para
minha vida.
Agradeço à Professora Dra. Moutinho por ter aceitado meu pedido para ser a
segunda leitora desta dissertação. Como especialista na àrea de raça e sexualidade, avalio
que sua leitura trará uma contribuição enriquecedora para os aprofundamentos futuros de
assuntos tratados aqui.
O Brasil é o país onde encontrei a minha segunda pátria, onde perdi o meu coração,
encontrei minhas paixões, na militância e na academia, nos amores e nas amizades. Em
épocas e espaços diferentes encontrei vocês. Me mostraram o seu Brasil nas suas diversas
faces, compartilharam comigo suas vidas, idéias e seus mundos: Karine Bertani, Lilian Lirio,
Dunia Schneider, Elaine Campos, Gustavo Gomes da Costa Santos, Amelinha Teles,
Daniela de Melo, Isadora Lins França, Elcimar Dias Pereira, Toya, Isabela Oliveira Pereira
da Silva, Leandro Santos, Mafoane Odara e Lourenço Cardoso. Estou feliz por ter cruzado
seus caminhos e poder compartilhar momentos ricos com muitos de vocês. Sem saberem,
foram vocês que me entusiasmaram, me criticaram, me estimularam, me inspiraram. Vocês
me mudaram!! Espero poder retornar sempre.
Eunice Almeida da Silva, especialmente quero agradecer a você profundamente, por
sua fé e seu apoio. Você me inspirou, você acreditou em mim. Obrigada.
Estou muito grata a Adriano Ropero, que, no meio deste processo enlouquecido,
encontrou o tempo para me criticar, portanto me apoiar e motivar a continuar e melhorar.
Por último, agradeço profundamente a Edith Piza, pelo trabalho impossível da edição
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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
(óbviamente o meu PortuHolandês incompreensível e todos os erros sob minha
responsabilidade!), e, mais importante, pelos diálogos e críticos entusiasmantes.
Holanda é a terra onde nasci e cresci. São tantas energias boas que não hará
espaço para agredecer a todas, portanto algumas. Phil & Ielma Bennis, em (sua) casa, a
sua comida e conversa maravilhosa, agradeço.
Quero agradecer a Sanne Daamen (in memoriam), Wendelien Mijnheer e Roos van
den Brenk por serem amigas de tantos anos, comecei com vocês. Jae Sook Hemel,
lariekoek 29, minha querida prima e amiga. Agradeço, entre outros, a Karen Kraan, Deborah
de Bruyn, Sylvia Stek, Petra Schultz, Twie Tjoa, Mohamed Aynan, Anannya Shila, Mico
Johnson, Veronica Olenski, Lucky Pere, Inssaf Cherif, Jens van Tricht, Bob Wester e Brenda
Groen, por, físicamente e virtualmente, sua amizade, militância, e espiritualidade.
Gracias, Astrid Runs, você não somente é uma amiga e companheira na militância,
mas acadêmicamente me continua apoiar, criticar e inspirar.
Marjan P., obrigada pela confiança, e pelo dúvida, descobrimento, aprofundamento e
fortalecimentos possibilitados.
Quero agradacer todas as mulheres e outros que tenho encontrado nos diferentes
espaços da militância. Companheiras da Stichting Zami, organização de mulheres negras,
migrantes e refugiadas na Holanda; e as meninas da V-mania, rede de mulheres jovens na
Holanda. Agradeço a vocês em particular por sua inspiração, força e luta.
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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Resumo
Abstract
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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Sumário
Introdução .......................................................................................................................... 8
Capítulo 1
Feministas brancas contextualizadas ............................................................................ 11
1.1 A PESQUISA ............................................................................................................ 11
1.2 DESIGUALDADES RACIAIS EM CONTEXTO DE GÊNERO NO BRASIL .............................. 13
1.2.1 Desigualdades: gênero cruzando o contexto racial .............................................. 13
1.2.2 Discriminação: preconceito & racismo ................................................................. 14
1.3 MULHERES BRANCAS NA TRANSFORMAÇÃO SOCIAL ................................................. 15
1.3.1 A posição governamental para a igualdade (parcial) ............................................ 15
1.3.2 Mulheres transformando ou mulheres para serem transformadas ....................... 16
Capítulo 2
Mulheres brancas: gênero x raça ......................................................................................18
2.1 O CONCEITO DE GÊNERO .........................................................................................18
2.2 O CONCEITO DE RAÇA ............................................................................................. 19
2.2.1 Raça como essência classificatória ...................................................................... 19
2.2.2 Raça como construção social ............................................................................... 21
2.2.3 Discriminação racial e racismo ............................................................................. 22
2.3 Interseccionalidade: raça x gênero ....................................................................... 24
Capítulo 3
Branquitude ........................................................................................................................ 26
3.1 O BRANCO RACIALIZADO: A BRANQUITUDE NAS RELAÇÕES RACIAIS ........................... 27
3.1.1 A construção social branca: o grupo racial branco existe ..................................... 27
3.1.2 Caráter relacional da branquitude ......................................................................... 30
3.2 A SOCIEDADE RACIALMENTE ESTRUTURADA POR PRIVILÉGIO .................................... 31
3.2.1 Discriminação racial e privilégio branco ................................................................ 31
3.2.2 Hegemonia branca ............................................................................................... 34
3.3 BRANQUITUDE: BRANCO DIANTE BRANCO ................................................................. 36
3.3.1 O branco no espelho ............................................................................................ 36
3.3.2 Os brancos juntos ................................................................................................. 37
3.4 BRANQUITUDE CRÍTICA ............................................................................................ 38
3.4.1 Branquitude interseccional ................................................................................... 39
3.4.2 Saber ser branco................................................................................................... 40
Capítulo 4
Branca & (anti-)racismo
Resumo: “O verso e reverso da construção da cidadania feminina, branca e negra, no
Brasil” ................................................................................................................... 42
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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Capítulo 5
Branca sobre brancas ....................................................................................................... 45
5.1 A BRANCA RACIALIZADA: BRANQUITUDE NAS RELAÇÕES RACIAIS ............................... 45
5.1.1 Mulheres brancas como categoria (não)racial ..................................................... 46
5.1.2 Mulheres brancas como construção social .......................................................... 49
5.1.3 Mulheres brancas e a branquitude hegemonizante ............................................. 50
5.1.4 Resumo crítico ..................................................................................................... 53
5.2 BRANQUITUDE: BRANCA DIANTE BRANCA ................................................................. 55
5.2.1 (Auto-)consciência racial branca .......................................................................... 55
5.2.2 Mulheres brancas na relação entre si .................................................................. 56
5.2.3 Resumo crítico ..................................................................................................... 57
5.3 A SOCIEDADE ESTRUTURADA POR DESIGUALDADE RACIAL ....................................... 59
5.3.1 Mulheres brancas no racismo .............................................................................. 59
5.3.2 Mulheres brancas privilegiadas ........................................................................... 63
5.3.3 Mulheres brancas na hegemonia racial ............................................................... 66
5.3.4 Resumo crítico ..................................................................................................... 69
5.4 BRANCAS ENTRECRUZADAS .................................................................................... 71
5.4.1 Branquitude interseccional ................................................................................... 71
5.4.2 A interseccionalidade diferenciada ...................................................................... 72
5.4.3 A interseccionalidade hierarquizada .................................................................... 73
5.4.4 As mulheres brancas em posição ambigüa no sexismo e racismo ..................... 74
5.4.5 Resumo crítico ..................................................................................................... 77
5.5 PARA UMA BRANQUITUDE FEMININA CRÍTICA ............................................................ 78
5.5.1 Saber ser branca .................................................................................................. 79
5.5.2 Reconhecer-se como branca racializada ............................................................. 80
5.5.3 Conhecer para compreender e para transformar ................................................ 80
5.5.4 A responsabilidade branca .................................................................................. 81
5.5.5 Mulheres brancas persistentes ou resistentes: estratégias para a
des/continuidade do status quo ........................................................................... 82
5.5.6 Resumo crítico ..................................................................................................... 84
Bibliografia ......................................................................................................................... 91
Anexo
Cópia do original: “O verso e reverso da construção da cidadania feminina, branca e negra,
no Brasil”
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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Introdução
Sendo uma militante feminista branca muito crítica e radical, em particular sobre as
relações raciais no movimento, apresentou-se o tema para o meu trabalho de conclusão do
meu curso Línguas e Culturas da América Latina (Universidade de Leiden, Holanda): A
expressão da branquitude na militância feminista branca no Brasil.
1
Original: “[the] failure to address the relationship between racial and gender domination has obscured White
Brazilian women’s complicity in maintaining White privilege and, in turn, reinforced the subaltern status of Black
women”
2
Para referir-me a alguns exemplos, se poderia ler mais em, por exemplo, Ramos (1956), um dos pioneiros,
Sovik (2004), a tese de doutoramento da Bento (2002b), textos da Piza (2000: ; 2005), e vários textos no livro
recém publicado Psicologia Social do Racismo. Estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil (Bento &
Carone 2003).
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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Pretendeu-se remover “a máscara atrás da qual estão escondidas as conseqüências cruéis
de atitudes antiquadas e práticas injustas relacionadas a raça, cor ou aparência” (Ibidem
11). Nesta coletânea há dois capítulos especificamente sobre mulheres brancas escritos por
mulheres brancas. Um destes trata das relações raciais intra-gênero3. Assim, O VERSO E
REVERSO DA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA FEMININA, BRANCA E NEGRA, NO BRASIL, Soares (2000
(1997)) se dedicou, a partir de uma perspectiva militante (feminista), à análise das relações
raciais dentro da militância feminista, ou movimento de mulheres, e ao combate contra o
racismo.
De acordo com o anteriormente apresentado, procuro neste trabalho investigar
mulheres brancas, em contexto de militância feminista, na sua posição racial. Para tanto
tomo o texto de Soares como peça exemplar, buscando ali expressões de branquitude, e
pergunto:
1.1 Como expressa-se a branquitude na análise das mulheres brancas, a saber nas
mulheres brancas como objeto de estudo e observação?
3
O outro texto, uma análise crítica da posição racial de mulheres brancas não–militantes, é da Piza (2000).
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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Gostaria ainda de ressaltar alguns pontos referentes às minhas escolhas de
tratamento do texto, quais sejam: analisar o texto como objeto de observação e sua autora
como sujeito de observação.
Primeiramente, este texto não é uma conclusão final, é uma análise introdutória. É
uma tentativa de contribuir para uma discussão crítica da posição racial privilegiada, isto é
branca. Procuro problematizar em particular a agência feminista branca. Não para confrontar
minhas companheiras, seja na militância, seja na academia; ao contrário, este estudo pode
ser entendido como um trabalho dentro da hegemonia a fim de modificá-la pela crítica ao
senso comum e ao pensamento hegemônico. Uma crítica que ao final das contas, na minha
posição de militante (feminista branca), também é uma auto-crítica, pois implica a obrigação
da procura por alternativas, quais sejam uma agência feminista branca anti-racista, que
ainda precisa ser encontrada.
Em seguida, não é de modo algum uma análise do feminismo da autora do texto,
nem pretende ou deseja ser. Soares, como pessoa não é o alvo da minha crítica à
branquitude no feminismo (branco), quer no movimento (branco) feminista e/ou de mulheres.
A reflexão de Soares é tomada como peça exemplar do discurso branco feminino, em
particular feminista. Não pretendo criticar aqui a autora como ‘pessoa’, repito. Porém sua
função de autora com base no seu posicionamento como militante feminista branca a leva à
função de representante exemplar nesta análise do feminismo branco. Justamente o fato da
autora procurar forma para refletir nas relações raciais dentro da militância feminista, a partir
do seu posicionamento como feminista branca, merece todo meu respeito.
Por último, quero chamar a atenção para questão da língua e linguagem com que
escrevi este texto. A minha língua materna é o holandês e se poderia dizer que o inglês é a
minha segunda língua, o português seria a terceira língua que pretendo dominar. Procurei
me expressar da melhor maneira possível, porém nem sempre encontrei as palavras mais
exatas e sutis, mesmo assim busquei tratar o tema e o texto analisado com a maior atenção
possível.
Por fim, todas as traduções foram feitas por mim. Para não arriscar
desentendimentos, incluí todas as citações no original, em nota de rodapé.
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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
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Feministas brancas contextualizadas
Q: Há desigualdades raciais?
A: Há!
Q: Há uma carência negra?
A: Há!
Q: Isso tem alguma coisa a ver com o branco?
A: Não!
(em Bento 2003b: 199)
1.1 A PESQUISA
4
Original: “What I would want from men is that, finally, they would speak a masculine discourse and affirm that
11
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Irigaray parte de uma posição feminina ‘subordinada e desprivilegiada’, diante do
poder dos homens. No mesmo momento, homogeniza a experiência feminina, na sua
subordinação e desvantagem contra o ‘inimigo masculino’,. “[C]omo é verdadeiro o fato de
que todas as mulheres estão, de algum modo, sujeitas ao peso da discriminação de
gênero”, disse Crenshaw, “também é verdade que outros fatores relacionados a suas
identidades sociais, tais como classe, casta, raça, cor, etnia, religião, origem nacional e
orientação sexual, são ’diferenças que fazem diferença’ na forma como vários grupos de
mulheres vivenciam a discriminação." (Crenshaw 2000 (2002): 173).
Não somente são várias as experiências das mulheres, mas são diferentes e
assimétricas. A categoria ‘mulher’ - embora mulheres formem um grupo - é um grupo plural,
pois as mulheres são também diferentes, com identidades e posições sociais diferentes “que
fazem diferença”. Tanto as mulheres, na observação da Bento, quanto na de Irigaray
entendida nesse trecho, podem ser compreendidas como não exclusivamente ‘mulheres’, no
eixo de gênero. A diferença no eixo racial faz a diferença entre as mulheres, colocando-as
no entrecruzamento de raça e gênero. Assim, mulheres brancas ficam em oposição a
mulheres negras.
12
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
uma perspectiva militante feminista e sobre a militância feminista, tendo sido publicado
numa coletânea sobre racismo no Brasil, Tirando a Máscara. Ensaios sobre o racismo no
Brasil (Guimarães & Huntley 2000).
Antes, porém, de prosseguir com o trabalho aqui apresentado, gostaria de esboçar o
contexto racial e de gênero e suas desigualdades fundamentais, no Brasil.
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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
1.2.2 Discriminação: preconceito & racismo
7
Os outros grupos raciais ou étnicos, como os indígenas e os ásia-brasileiros, aparecem pouco nas estatísticas.
Muitas vezes, por seu pequeno número são ‘contados’ no grupo racial negro (os indigenas) ou no grupo racial
branco (os asiáticos).
8
Orkut, de 2004, é uma comunidade virtual no internet pela qual se criam um tipo de redes sociais
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Orkut). A maior das comunidades racistas investigadas por Castilho et al. (2005) teve
31.323 membros na época (Eu odeio as "Minas Mano" , Nº 267420).
9
Esta é uma continuação aprofundada da pesquisa feita em 1995 pelo Datafolha (Turra & Venturi 1995).
10
Neste trabalho não terei oportunidade de aprofundar a complexidade e, na minha opinião, a ambigüidade dos
resultados encontrados nessa pesquisa, portanto os dados aparecem aqui de forma simplificada.
11
Obviamente, discriminação racial não se limita à realidade brasileira. Em publicação holandesa recente sobre
racismo na Holanda, pareceu que 37% dos (descentes de) antilhanos, 40% dos surinameses, 48% dos turcos e
55% dos marroquinhos (chamados allochtonen) passaram em 2004-2005 por experiências de racismo, embora
14
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
gênero. Mulheres brancas, como parcela da população branca geral, discriminam, têm
preconceito e mostram uma certa consciência disto.
poucas tenham sido denunciadas. (Donselaar 2006) mostrou que 81% da população holandesa branca
(autochtonen) não tem ou tem pouco conhecimento sobre a Islã (religião de muitos turcos e marroquinhos),
mesmo assim, 36% diz ter sentimentos negativos sobre muçulmanos. A metade dos autochtonen prefere não
morar ao lado de allochtonen e um quarto dos autochtonen explicitamente não quer interagir socialmente com
outros grupos étnicos no seu ambiente cotidiano. (Boog 2006)
12
Esta pesquisa foi desenvolvida durante as eleições (2006) e a formação de um novo Governo.
13
Encontra-se a Secretaria em: http://www.planalto.gov.br/spmulheres/. A sua ministra é Nilcéa Freire.
14
Encontra-se a Secretaria em: http://www.planalto.gov.br/seppir/. A sua ministra é Matilde Ribeiro.
15
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
está nas categorias de ‘vítimas’ e já que a dominância de homem e brancos continua
hegemônica, na suposta igualdade.
15
Original: “the white women of the council often ignored or personally attacked me (…). Two years after the
formation of the council [in 1984], which consisted of thirty-two members, we demanded four seats and, in the
end, were refused”
16
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
‘O movimento de mulheres’ reconhece no Brasil, na maioria, a importância do
movimento de mulheres negras. A Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), a entidade
que congrega grande parte do movimento, diz priorizar “em sua pauta a luta contra o
racismo”. Nesta pretende “explicitar os elementos da cultura que promovem a discriminação
racial e denunciar a omissão do Estado e a forma desumana como a economia de mercado
se beneficia desta situação, penalizando mais agudamente alguns segmentos da população,
como mulheres e negros.” (AMB 2001: 4)
Por mais que pretendam se posicionar como anti-racista, isto não implica que
mulheres brancas reconheçam e assumam uma responsabilidade própria, fora da
‘solidariedade’ à luta anti-racista, no movimento de mulheres. ‘As mulheres’ ainda é uma
categoria singular, ao lado de ‘os negros’, penalizadas pelo sistema: ‘o Estado’ e ‘a
economia do mercado’.
Há apenas uma posição considerada, partindo da subordinação compartilhada no
eixo de gênero, a qual deixa ausente ou invisível a dominação racial da parcela branca
nesta ‘única posição’.
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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
2
Mulheres brancas: gênero x raça
16
Original: “’Tota mulier in utero, één en al baarmoeder', zeggen sommigen"
17
Original: "De mensheid is mannelijk en de man bepaalt de vrouw niet als een zelfstandig wezen, maar in zijn
relatie tot hem (...) Zij wordt bepaald en gedifferentieerd door haar verhouding tot de man en hij niet door zijn
verhouding tot haar; zij is het niet-essentiele tegenover het essentiele. Hij is het Subject, het Absolute: zij is de
Ander"
18
Original: “is a set of variable but socially and culturally constructed characteristics”
18
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
a (sua) identidade e com as relações de gênero são diferentes “devido aos processos
sociais assimétricos pelos quais homens e mulheres se tornam o que ao final se tornam”19
(Cf. Bosch [1999] em Wekker & Lutz 2001: 36). Scott, que em 1986 introduziu o conceito de
gênero, o entendeu como um elemento básico e principal das relações sociais entre homens
e mulheres, no e pelo qual o poder presente nestas relações é construído (em Brouns 1995:
31), pois, é o poder, enfatiza também Prügl, que está inerente à construção social de gênero
(Prügl 1999: 9). É a diferença em (acesso ao) poder, no seu caráter performativo, que
determina as relações de gênero, tornando-as assimétricas.
Neste ser Outro feminino compartilhado houve a idéia de encontrar um “Sororidade
Global” entre as mulheres, o que “apesar de variações em grau, é experimentada por todos
os seres humanos que nasceram femininos”; pois, disse Morgan, “afinal, não nos
reconhecemos umas as outras?”20 (Morgan [1984] em Mohanty 1995: 73, 77). A assimetria
nas relações de gênero compartilhada pelas mulheres é apresentada como uma igualdade
entre as mulheres. Mas, critica Mohanty (1995: 74), esta suposta igualdade de sua opressão
como mulheres, é “uma noção a-histórica”.
‘Não, não todas nós nos reconhecemos’, responder-se-ia a Morgan. A opressão que
as diferentes mulheres experimentam, retomando Crenshaw, é diferente, não há uma
assimetria simplista. À medida que o poder determina as relações inter-gênero, também
determina as relações intra-gênero, isto é, entre as diferentes mulheres, a opressão e o
acesso ao poder, marcando diferentemente mulheres brancas, negras e indígenas. Não é
possível retirar o conceito de raça ou etnicidade, entre outros, do eixo de gênero. Colocaria
mulheres brancas ‘fora de parênteses’, como se a posição racial de mulheres brancas não
fosse importante, não precisasse ser considerada, pois é uma posição que se tornou norma.
(Wekker & Lutz 2001: 32)
19
Original: “vanwege de asymmetrische sociale processen waardoor mannen en vrouwen worden wie zij
uiteindelijk worden”
20
Original: “Global Sisterhood” […] “despite variations in degree, is experienced by all human beings who are
born female” […] “do we not, after all, recognize one another?”
19
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
outros, da antropologia, zoologia e de interpretações do Antigo Testamento. (Banton 1980
(2000): ; Wander et al. 2005 (2nd ed)).
A partir de um entendimento essencialista, procurava-se uma ‘classificação racial’
sistematicamente, diferenciando grupos raciais por características biológicas, como cor da
pele, textura de cabelo e altura, entre outras. Acreditaram num mundo com uma ordem
hierárquica, “na qual brancos foram o último e mais desenvolvido elo no ‘grande cadeia dos
seres’.”21 (Wander et al. 2005 (2nd ed): 30) É conforme este pensamento que se
diferenciava no Brasil o ‘índio’, o ‘africano negro’ - os dois desvalorizados e estruturalmente
explorados, o ‘europeu branco’ e, pela (proibição da) imigração asiática no fim do século 19,
também o ‘amarelo’
Nabuco, abolicionista importante, mostrou, como vários outros, uma preferência forte
pela imigração norte-européia de brancos ‘germano-saxões’ (em específico os holandeses),
considerados as raças ‘superiores’ acima dos brancos ‘greco-latinos’, como portugueses e
italianos. Nesta época, chegando ao fim da escravidão, queriam trocar o sistema de trabalho
escravo dos afro-brasileiros pelo trabalho remunerado branco. Houve uma política, orientada
por uma ideologia oficial, de branquear22 a população brasileira, a saber: tornar o Brasil
físicamente mais branco por meio da imigração (branca) européia. (Skidmore 1974 (1998):
21-8)23
Obviamente, o pensamento essencialista e classificatório sobre ‘raça’ no Brasil, com
as supostas “qualidades inerentes da raça branca” foi propagado (West 1982 (2002): 99) e
não terminou (de mudar) após a abolição, em 1888. Ao contrário, sua evolução foi a base a
partir da qual estabeleceu-se a idéia e a realidade da superioridade, seja européia, seja
branca. (Banton 1980 (2000): 58)
21
Original: “in which whites were the last and most developed link in ‘the great chain of being’.”
22
O conceito de branqueamento têm vários significados, conforme uma interpretação (psicológica), que não
usarei neste trabalho, é definido como "um conjunto de normas, atitudes e valores brancos que a pessoa negra,
e/ou seu grupo mais próximo, incorpora, visando atender a demanda concreta e simbólica de assemelhar-se a
um modelo branco e, a partir dele, construir uma identidade racial positivada" (Piza 2000: 103)
23
Para informar-lhe melhor sobre o desenvolvimento histórico, consulta, entre outros, Ramos (1956), Skidmore
(1974 (1998)), Nogueira (1985), Azevedo (1987), Schwarcz (1993), Andrews (1998), Domingues (2002), e
Carone (2003)
24
Original: “was born out of ‘racism avant la lettre’, that is to say, out of earlier namings of supremacy. In other
words, it is not the case that an innocent racialness was corrupted by a later ranking of races”
20
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Muitas vezes ainda, atribui-se à ‘raça’ uma características essencial, como se fosse
um “fato objetivo: alguém simplesmente é sua raça”. Ao contrário, não se ‘é’ uma raça, as
‘caixas raciais’ repetitivamente encontradas não são nada mais do que “reduções absurdas
da variação humana.”25 (Winant ---- (2000): 185)
25
Original: “objective fact: one simply is one’s race” (….) “absurd reductions of human variation.”
26
Original: “The effort must be made to understand race as an unstable and ‘decentered’ complex of social
meanings constantly being transformed by political struggle. With this in mind, let us propose a definition: race is
a concept which signifies and symbolizes social conflicts and interest by referring to different types of human
bodies.”
27
Original: “purely ideological construct which some ideal nonracist social order would eliminate”
21
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
manter um milênio ou mais de difusão, ou eu deveria dizer imposição, como um
princípio fundamental de organização social e formação de identidade. (...) Segundo,
e vinculado, esta abordagem falha em reconhecer que, no nível da experiência, da
vida cotidiana, raça é uma parte relativamente impermeável de nossas
28
identidades.”
(Winant ---- (2000): 182-4).
Abolir o pensar sobre raça, por enquanto não tem abolido a realidade racializada;
propõe somente negá-la. Se “pessoas definem situações como reais, as tornam reais nas
suas conseqüências”. (sobre W.I.Thomas em Winant ---- (2000): 182-4)
Raça é sempre relacional, o significado das catagorias raciais, branca, negra e
outras, é interdependente. Não existem sozinhas em seus compartimentos. As relações
raciais devem ser entendidas como um processo agindo em nível cotidiano, na medida em
que é ”pre-estruturada numa forma que transcende o controle de sujeitos individuais”29
(Essed 1989: 33). São, por conseguinte, tanto individuais e cotidianas, quanto sistêmicas.
Não são fixas, mas estão sempre dinamicamente em construção.
É o efeito da ideologia racial, contendo o pensar e a classificação racial, pela qual
raça sempre é real nos “seus efeitos materiais e discursivos”. (Frankenberg 2004: 313).
Portanto, as relações raciais existem e são marcadas pela (sua) distribuição de poder,
prestígio e respeito (Dalton 1995 (2005): 16); e marcam assim com estes a realidade
racializada, por conseguinte racista. As suas causas e conseqüências estruturais são, como
foi mostrado no Capítulo 1, sinistras. (Lipsitz 2005 (2nd ed): 68)
Portanto, raça não somente é uma construção social, com efeitos reais, mas também
uma construção ideológica. Uma construção em processo, que somente existe em contexto
de interesses grupais. (Essed 1989: 28) Enquadrando estes interesses grupais no caráter
das relações raciais anteriormente apresentadas, as conseqüências reais beneficiam,
sistemática e sistêmicamente, cotidiana e individualmente um grupo racial. Beneficiam
devido à discriminação racial e ao racismo.
Racismo, diz Santos, “é uma idéia que parte de um pressuposto irracional no qual
determinado grupo humano inferioriza outro em função de diferenças físicas ou biológicas”
(H. Santos 2000: 56). No segmento anterior já foi discutida a relatividade destas diferenças
28
Original: “Core criticisms of this ‘race as ideology’ approach are two: first, it fails to recognize the salience a
social construct can develop over hold a millennium or more of diffusion, or should I say enforcement, as a
fundamental principle of social organization and identity formation. (...) Second, and related, this approach fails
to recognize that at the level of experience, of everyday life, race is a relatively impermeable part of our
identities.”
22
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
físicas. Neste momento é importante levar para a conceitualização a qualidade que Santos
dá ao racismo, a saber, o aspecto de inferiorização de um grupo sobre outro.
Conforme a Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial das Nações Unidas, assinada pelo Brasil, a discriminação racial é
definida como:
“qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência fundada na raça, cor,
ascendência de origem nacional ou étnica que tenha como objetivo ou como efeito
destruir ou comprometer o reconhecimento, o gozo ou o exercício, em condições de
igualdade, dos direitos do homem e das liberdades fundamentais nos domínios
político, económico, social e cultural ou em qualquer outro domínio da vida
30
pública.”
(United Nations 1969)
29
Original: ”prestructured in a way that transcends the control of individual subjects”
30
Original: “any distinction, exclusion, restriction or preference based on race, colour, descent, or national or
ethnic origin which has the purpose or effect of nullifying or impairing the recognition, enjoyment or exercise, on
an equal footing, of human rights and fundamental freedoms in the political, economic, social, cultural or any
other field of public life.”
31
Original: ““multiple acts of exclusion, inferiorization, or marginalization” ”
23
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
relacionam diferentemente. A população negra encontra-se em posições (política, sócio-
econômica etc.) piores e sofre discriminação racial. Mas a população branca, querendo ou
não, encontra-se em posições melhores, e se beneficia estruturalmente do racismo, como
grupo racial dominante (Essed 1989: 28).
O racismo ultrapassa o nível individual e interpessoal; é um sistema histórico de
“ônus e bônus”, é uma herança, diz Bento, “que comporta igualmente uma visão do mundo,
que é diferente para brancos e negros” (Bento 2002a: 153). Racismo é um sistema:
“racismo, portanto, é definido em termos de cognições, ações, e processos que contribuem
para o desenvolvimento e perpetuação de um sistem, no qual brancos dominam negros”32
(Essed 1991 (2002): 181). O impacto do racismo é sistemicamente diferente para a
população branca e negra. Somente por meio da existência de categoria racial única é que
se pode aproveitar deste sistema, o qual exerce, seja de modo passivo, seja ativo, atos e
atitudes ou omissão que possibilitam a continuação do sistema como discriminatório e
hegemônico.
32
Original: “racism then is defined in terms of cognitions, actions, and procedures that contribute to the
development and perpetuation of a system in which Whites dominate Blacks”
33
No Brasil são usados dois termos, ‘interseccionalidade’ e ‘entrecruzamento’ para o mesmo conceito. Por
enquanto não encontrei uma diferença de significados. Uma vez que o primeiro termo é uma tradução direta do
termo inglês (intersectionality), e que este é usado dominantemente na literatura brasileira dos estudos sobre as
relaçoes raciais e de gênero (classe e sexualidade), optei pelo uso de ‘interseccionalidade’.
34
Tradução do holandês, no original: "dat je je er rekenschap van geeft dat iedereen gesitueerd is op een aantal
belangrijke assen van maatschappelijke betekenisgeving, zoals gender, etniciteit, klasse, seksualiteit en
nationaliteit".
24
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
inúmeras maneiras.”35 (Omi & Winant 1986 (2002): 132) Não somente as posições
subordinadas, discriminadas e desprivilegiadas encontram-se nos intercruzamentos, mas
também as posições dominantes ou hegemônicas. Ao mesmo tempo, trata-se de
intersecção das múltiplas formas nas quais (categorias de) pessoas estão situadas nas
posições subordinada ou discriminada e dominante ou privilegiada. Como no caso das
mulheres brancas: no eixo de gênero discriminadas, no eixo racial privilegiadas.
35
Original: “[R]ace, class, and gender (as well as sexual orientation) constitute ‘regions’ of hegemony, areas in
which certain political projects can take shape. (…) [S]uch ‘regions’ are by no means autonomous. They overlap,
intersect, and fuse with each other in countless ways.”
25
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
3
Branquitude
Q: Há desigualdades raciais?
A: Há!
Q: Há uma carência negra?
A: Há!
Q: Isso tem alguma coisa a ver com o branco?
A: Não!
(em Bento 2003b: 199)
Neste diálogo típico com o qual iniciei o Capítulo 1, encontra-se expresso o problema
fundamental da branquitude. Reconhece-se que há desigualdades raciais, reconhece-se
que isto têm conseqüências graves para a população negra, mas a posição dos brancos nas
relações (desiguais) raciais não é reconhecida, nem vista. E mesmo “[q]uando pessoas
brancas se voltam para o racismo,” diz Bento, “tendem a vê-lo como um problema de negros
e não como um problema que envolve a todos. Assim, brancos podem ver o trabalho anti-
racista como um ato de compaixão pelo outro, um projeto esporádico, externo, opcional,
pouco ligado às suas próprias vidas, e não como um sistema que modela suas experiências
diárias e seu sentido de identidade.” (Bento 2002a: 49).
Não surpreende, então, que, na discussão em torno das relações raciais, e até na
luta anti-racista, a posição branca, histórica e atual, seja pouco problematizada e a sua
contribuição e responsabilidade sejam muitas vezes negadas. Portanto, os brancos
aparecem ausentes, invisíveis e/ou neutros das causas e conseqüências dessa posição. Ao
mesmo tempo, porém, exercem e aproveitam de seu poder hegemônico, o qual é inerente
ao sistema (racista). Em suma, brancos sabem que existe o problema de desigualdades
raciais, mas não enxergam que são parte dele e que perpetuam este problema.
Obviamente, acadêmicos e militantes negros já por décadas questionam e criticam
brancos como grupo racial dominante e criticam a hegemonia branca. Não obstante, a
tradição de estudos críticos de branquitude por brancos é relativamente recente (como por
exemplo McIntosh 1989: ; Roediger 1991: ; Frankenberg 1993: ; Dyer 1997). Nesta área a
branquitude funciona como “uma classificação teórica de grupos sociais”, e como ”uma
ferramenta analítica” (Essed 1996: 8; Guimarães 2002: 54). É a área na qual brancos são
26
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
objeto de estudo, são racializados, problematizados, e criticados como grupo racial com
uma identidade, posição e contribuição racial específica, a saber, branca36.
Antes de entrar na análise do texto “O verso e reverso da construção da cidadania
feminina, branca e negra, no Brasil” (Soares 2000 (1997)), procuro identificar os conceitos e
discussões relacionados ao tema da branquitude. Portanto, quero concentrar-me neste
capítulo em quatro níveis de branquitude que serão discutidos, a saber, 1) O branco
racializado: a branquitude nas relações raciais; 2) A sociedade racialmente estruturada por
privilégio; 3) Branquitude: branco diante branco, e, por último; 4) Branquitude crítica.
“Por que a maioria das pessoas brancas não se vêem como pertecentes a uma
raça? Em parte, é a não consciência de raça [race obliviousnes] uma consequência
natural de estar no banco do motorista. (...) Para a maioria dos brancos, raça – ou
mais precisamente, sua própria raça – é simplesmente parte de um background não
visto, não-problemático.”
“Qualquer que seja a razão, a incapacidade ou ausência de vontade de muitos
brancos em pensar a si mesmos em termos raciais tem decididamente
consequências negativas. Por uma razão: produz pontos cegos. (...) Cega brancos
para o fato de que suas vidas são moldadas pela raça, tanto quanto as vidas das
37
pessoas de cor.”
(Dalton 1995 (2005): 17)
Para brancos enxergarem-se como um fator racial - isto é, uma categoria racial e
branca, que dá significado a e (co)constrói as relações sociais - brancos precisam se
reconhecer como racializados. Existe “[u]m grupo chamado ‘pessoas brancas’”, afirma
Frankenberg, existem nas relações raciais, no sentido plural, mas também em si e para si,
embora não seja ou tenha uma ‘essência’. (Frankenberg 2004: 328). É uma categoria que
parece não-existir para os próprios brancos, como disse Dalton, ou, na sua existência, surge
como algo invisível, transparente, natural e universal, neutro e/ou ausente. É como se
brancos não ‘tivessem raça’, nem tivessem uma posição e um papel nas relações raciais e,
por conseguinte, nas desigualdades raciais. “[A] população [brasileira] de brancos (ou dos
36
Há linhas de estudo e definição diferentes (e tradução, leia-se, por exemplo, Piza (2005)) de branquitude.
Neste trabalho sigo mais a linha da sociologia, branquitude como construção social, em lugar da psicologia
social, branquitude como um nível na identidade racial. Devido às limitações, opto por aprofundar tais diferenças
em uso, no decorrer do meu estudo de mestrado.
37
Original: “Why do most White people not see themselves as having a race? In part, race obliviousness is the
natural consequence of being in the driver’s seat. (…) For most Whites, race - or more precisely, their own race
– is simply part of the unseen, unproblematic background” […] “Whatever the reason, the inability or
unwillingness of many White people to think of themselves in racial terms, has decidedly negative
consequences. For one thing, it produces blind spots. (…) It blinds Whites to the fact that their lives are shaped
by race just as much as are the lives of people of color.”
27
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
que assim se considerem)”, critica Piza, “não coloca como dado importante de identidade
sua cor, raça, ou etnia” (Piza 2000: 99). Esta aparente não-existência do grupo racial branco
expressa-se em silêncio e cegueira.
Historicamente foram homens brancos que ‘pensaram’ e formaram a ideologia
dominante. O Ser Homem (Humano) foi construído à imagem do homem branco, o Ser
Branco, negando sua racialidade, pretendendo representar a todos. Por conseguinte, nesta
ideologia dominante, o branco é visto como modelo universal de humanidade (Bento 2003b:
25).
“A eqüação de ser branco com ser humano assegura uma posição de poder.
Pessoas brancas têm poder e acreditam que pensam, sentem e agem como e para
todas as pessoas; pessoas brancas, incapazes de ver sua particularidade, não
podem levar em consideração outras pessoas; pessoas brancas criam imagens
dominantes do mundo e não tanto vêem que elas portanto constroem o mundo à sua
imagem; pessoas brancas estabelecem padrões da humanidade pelos quais estão
obrigadas a ter sucesso e outras a falhar. (...) Poder branco, apesar de tudo, se
reproduz sem levar em consideração a intenção, diferenças no poder e boa vontade,
e prevalece porque não é visto como branco, mas como normal. Pessoas brancas
precisam aprender a se ver como brancas, a ver sua particularidade. Em outras
38
palavras, branquitude necessita ser tornada estranha.”
(Dyer 1997 (2005): 12).
O grupo branco como categoria, por meio do seu poder sócio-histórico contínuo,
apropriou-se e ainda exerce o lugar do Normal e da Norma, implicando, assim, na existência
de uma não-norma (ver tópicos 3.1.2 e 3.3). O seu ponto de partida é a centralidade do seu
lugar, a partir do qual se relaciona com e determina o resto do mundo. Sua aparente
inexistência, como grupo racial específico, funciona como uma máscara, que faz com que
brancos, na sua racialidade, não sejam nomeados, pesquisados, analisados e criticados.
Funciona como se fosse um “marcador não-marcado” (Frankenberg 1997: 1), no contexto
que hooks chamou de “mito da uniformidade”39. Neste contexto, pessoas brancas imaginam-
se invisíveis, na negação da sua normalidade, acreditando numa ‘igualdade’; e continuam
impondo sua dominância. (hooks 1997: 167-9).
Mesmo que se possa dizer que “[u]m grupo chamado ‘pessoas brancas’” existe, não
é um grupo práticamente demarcável: alguém não ‘é’ uma raça. O grupo racial branco,
como qualquer grupo racial, é uma construção social. A fim de perpetuar sua hegemonia,
38
Original: “[T]he equation of being white with being human secures a position of power. White people have
power and believe that they think, feel and act like and for all people; white people, unable to see their
particularity, cannot take account of other people’s; white people create dominant images of the world and don’t
quite see that they thus construct the world in their own image; white people set standards of humanity by which
they are bound to succeed and others bound to fail. (…) White power nonetheless reproduces itself regardless of
intention, power differences and goodwill, and overwhelmingly because it is not seen as whiteness, but as
normal. White people need to learn to see themselves as white, to see their particularity. In other words,
whiteness needs to be made strange.”
39
Original: “myth of sameness”
28
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
exerce o poder de exclusão e inclusão de grupos raciais, nas ‘fronteiras’ de branquitude.40
Porém, nunca houve uma cultura branca idêntica, igual, tampouco foram suas práticas
sempre dominantes. (Frankenberg 1997: 19) Ao mesmo tempo, o grupo branco formalmente
identificado não é estável. No Brasil, as nomeações de cor entre 1872 e 1991 utilizadas no
censo não foram similares41.
Cor/Ano 1872 1890 1940 1950 1960 1980 1990
Brancos 38,1% 43,9% 63,5% 61,6% 61,0% 54,8% 55,3%
Pardos 42,1% 41,4% 21,6% 25,5% 29,5% 38,5% 39,3%
Pretos 19,6% 14,6% 14,2% 10,9% 8,7% 5,9% 4,9%
Amarelos --- --- 0,7% 0,8% 0,8% 0,8% 0,5%
(Dados censitários do IBGE em Piza 2000: 100)
A categoria branca, portanto indivíduos brancos, não é fixa nem estática, ainda que
pareça. Branquitude, por conseguinte, deve ser entendida e analisada como uma
“constelação de processos e práticas, e não como uma entidade delimitada” (Frankenberg
2004: 308). Contudo, Frankenberg aponta algumas características: branquitude é “um ‘ponto
de vista’, um lugar a partir do qual nos vemos e vemos os outros e as ordens nacionais e
globais”, é “um lócus de elaboração de uma gama de práticas e identidades culturais, muitas
vezes não marcadas e não denominadas, ou denominadas como nacionais ou ‘normativas’,
em vez de [especificamente] raciais”, e, ”mesmo que a branquitude [seja] socialmente
construída, sempre é real nos ‘seus efeitos materiais e discursivos’.” (Frankenberg 2004:
312-3).
Branquitude existe em um contexto de “interrelações socioeconômicas,
socioculturais, e psíquicas“, não é uma ‘coisa singular’, ao contrário, deve ser entendida
como um ‘processo plural’. (Frankenberg 1997: 1) O conceito de branquitude expressa a
idéia de “que há uma categoria de pessoas identificadas e auto-identificadas como ‘branca’,
que está situada nesta operação simultânea de raça e racismo. Branco, portanto,
corresponde a um lugar no racismo como um sistema de categorização e formação de
sujeito, assim como os termos racialmente privilegiado e racialmente dominante nomeam
40
Leia-se mais sobre estes processos, como, por exemplo, sobre a identidade racial mixta ou múltipla em
Tzintún (2002), Weiner-Mahfuz (2002) e Gilliam e Gilliam (1999), sobre a inclusão dos Irlandeses, Italianos e
Judeus nos Estados Unidos e sobre o intercruzamento com classe em Roediger (1991) e (1994 (2002)), e em
Frankenberg (1997: 12-3), sobre a formação, in- e exclusão, da categoria racial branca (política, imigração,
relações sociais e ideologia e imaginário) no Brasil, por volta do fim do século IXX e início do século XX em
Azevedo (1987), Dávila (2003), Schwarz (1993) e Skidmore (1974 (1998)).
41
A demografia da população brasileira mudou por vários motivos. Primeiro, em épocas diferentes, a ideologia e
política de branqueamento do Brasil fez a população tornar-se mais branca. Segundo, o ideal da nacionalidade
parda (pela influência do Gilberto Freyre, e da ditadura do Vargas), isto é o resultado da miscigenação da
população brasileira e, como conseqüência, a diminuição da população negra brasileira. Terceiro, deve-se levar
em conta o papel do entrevistador censitário como representante e perpetuador da ideologia dominante e/ou
oficial (como sob Vargas) enquanto parte da criação e da interpretação, na identificação das cores e raças
diferentes. (Piza 2000: 99-102, 121n4)
29
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
lugares particulares dentro do racismo como um sistema de dominação.”42 (Frankenberg
1997: 9). Não é possível separar branquitude - seja construção social, seja identidade - de
dominância racial, pois, retomando Omi e Winant (1986 (2002): 123), os interesses e
conflitos sociais são inerentes ao conceito de raça, portanto à categoria racial branca.
42
Original: “that there is a category of people identified and self-identifying as ‘white’, [which] is situated within
this simultaneous operation of race and racism. White, then, corresponds to one place in racism as a system of
categorization and subject formation, just as the terms race privileged and race dominant name particular places
within racism as a system of domination.”
43
Original: “Whiteness is meaningless in the absence of Blackness; the same holds in reverse.”
44
Original: “[f]or every social category that is privileged, one or more other categories are oppressed in relation
to it.”
45
Original: “reify and homogenize whiteness”
30
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
3.2 A SOCIEDADE RACIALMENTE ESTRUTURADA POR PRIVILÉGIO
31
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
uns e déficits para outros”. O racismo, portanto, é um sistema de “ônus e”, como dito, de
”bônus” (Bento 2003b: 27, 2003a: 147, 153).
McIntosh, refletindo sobre a sua própria posição branca, diz sobre este privilégio:
“Como pessoa branca, compreendi que fui ensinada sobre racismo como algo que
põe outros em desvantagem, mais fui ensinada a não ver um dos aspectos de seu
corolário, o privilégio branco, que me põe em vantagem”
“Eu comecei a ver o privilégio branco como um pacote invisível de bens não
merecidos que eu posso descontar cada dia, mas sobre o qual eu, esperava-se,
ficasse ignorante. Privilégio branco é como uma mochila invisível, sem peso, com
provisões especiais, mapas, passaportes, livros de códigos, vistos, roupas,
ferramentas, e cheques [de banco] em branco.”
“À medida que meu grupo racial foi transformado em confiante, confortável, e
apagado, outros grupos provavelmente foram transformandos em inseguros
desconfortáveis, e alienados. Branquitude protegeu-me de muitos tipos de
hostilidade, sofrimento e violência, os quais eu fui sutilmente treinada a ver com
46
freqüência, em oposição, sobre pessoas de cor.”
(McIntosh 1989).
Em White Privilege: Unpacking the Invisible Knapsack, McIntosh visualizou, de modo
exploratório, 50 situações47 nas quais pessoas brancas estão em posição de vantagem,
privilégio, ou imunidade (2000) em relação a pessoas de cor. Com a mochila da
invisibilidade nas costas, como branca, portanto, poder-se-ia, dizer:
“8. Eu posso estar segura de que meus filhos vão receber materias curriculares que
testemunhem a existência da sua raça.”
13. Se eu usar cheques, credit cards ou dinheiro, eu posso contar com a cor da
minha pele para não operar contra a aparência de confiança financeira.”
15. Eu não preciso educar os meus filhos para estarem cientes do racismo sistêmico
para a sua própria proteção física diária.”
21. Eu nunca sou pedida para falar por todas as pessoas do meu grupo racial.”
24. Eu tenho bastante certeza de que se eu peço para falar com a ‘pessoa
responsável’, eu vou encontrar uma pessoa da minha raça.”
27. Eu posso voltar para casa da maioria das reuniões das organizações as quais
pertenço, sentir-me mais ou menos conectada, em vez de isolada, fora de lugar, ser
demais, não-ouvida, mantido à distância, ou ser temida.
34. Eu posso me preocupar com racismo sem ser vista como auto-interessada ou
interesseira”
40. Eu posso escolher lugares públicos sem ter medo de que pessoas de minha raça
não possam entrar ou vão ser mal-tratadas nos lugares que escolhi.”
41. Eu posso ter certgeza de que se precisar de assistência juridica ou médica,
48
minha raça não irá agir contra mim.” (McIntosh 1989).
46
Original: “As a white person, I realized I had been taught about racism as something that puts others at a
disadvantage, but had been taught not to see one of its corollary aspects, white privilege, which puts me at an
advantage.” [...] “I have come to see white privilege as an invisible package of unearned assets that I can count
on cashing in each day, but about which I was "meant" to remain oblivious. White privilege is like an invisible
weightless knapsack of special provisions, maps, passports, codebooks, visas, clothes, tools, and blank checks.”
[...] “In proportion as my racial group was being made confident, comfortable, and oblivious, other groups were
likely being made unconfident, uncomfortable, and alienated. Whiteness protected me from many kinds of
hostility, distress, and violence, which I was being subtly trained to visit, in turn, upon people of color.”
47
Pela característica dinâmica e plural de branquitude, estes 50 pontos não se referem igualmente a realidades
variáveis de brancos – dependendo da localização geográfica, gênero, sexualidade, classe etc.
48
Original: “8. I can be sure that my children will be given curricular materials that testify to the existence of their
race.” [...] 13. Whether I use checks, credit cards or cash, I can count on my skin color not to work against the
appearance of financial reliability.” [...] 15. I do not have to educate my children to be aware of systemic racism
for their own daily physical protection.” [...] 21. I am never asked to speak for all the people of my racial group.”
[...] 24. I can be pretty sure that if I ask to talk to the ‘person in charge’, I will be facing a person of my race.” [...]
27. I can go home from most meetings of organizations I belong to feeling somewhat tied in, rather than isolated,
32
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Brancos aproveitam, em níveis diferentes, do sistema que divide e atribui privilégios
sem mérito individual, obtidos por nascimento. O acesso à mochila não depende da auto-
identidade racial, da percepção ou afirmação desta pertença. Não depende igualmente do
sentimento, ou da intenção, ou atitude que a pessoa privilegiada tem em relação à questão,
mas depende da identificação externa que permite que brancos se enquadrem na ‘caixa
branca’ das classificações raciais.
“O que não dizemos, sobre o que não falamos, permite ao status quo continuar.”51
(Wildman 1995 (2005 2nd ed): 95). A sutileza do privilégio branco, embora muitas vezes
cruel e cruelmente expressado, continua a existir pela maldade, pela simples ignorância, ou
pelo triste fato de uma limitação para a mudança. Brancos, na sua omissão, quase
‘naturalmente‘ perpetuam este sistema de manutenção de seus privilégios. A pessoa,
portanto, é omissa porque pode confiar no seu privilégio, evitando enxergar a opressão e a
out-of-place, outnumbered, unheard, held at a distance or feared.” [...] 34. I can worry about racism without being
seen as self-interested or self-seeking.” [...] 40. I can choose public accommodation without fearing that people
of my race cannot get in or will be mistreated in the places I have chosen.” [...] 41. I can be sure that if I need
legal or medical help, my race will not work against me.”
49
Original: “[P]rivilege generally allows people to assume a certain level of acceptance, inclusion, and respect in
the world, to operate within a relatively wide comfort zone. Privilege increases the odds of having things your
own way, of being able to set the agenda in a social situation and determine the rules and standards and how
they’re applied. (…) It allows people to define reality and to have prevailing definitions of reality fit their
experience. Privilege means being able to decide who gets taken seriously, who receives attention, who is
accountable to whom and for what. And it grants a presumption of superiority and social permission to act on that
presumption without having to worry about being challenged.”
50
Original: “Race privilege”, [...], “is more about white people than it is about white people.” [...] "[t]he paradoxical
experience of being privileged without feeling privileged”.
51
Original: “What we do not say, what we do not talk about, allows the status quo to continue.”
33
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
discriminação. (Wildman 1995 (2005 2nd ed): 98). É omissa pelo sentimento de desconforto,
porque nega “a realidade de uma sociedade de supremacia branca, para racionalizar por
que esta não é realmente tão ruim, para negar o seu papel nela. Este é o privilégio de se
manter ignorante porque esta ignorância está protegida”52 (Jensen 2005: 10). É omissa,
porque sabe e reconhece que tem “privilégio não merecido, porém ignora o que ele
significa”53 (Jensen 1998). Em suma, não se dedica à mudança do status quo do sistema.
Pode-se dizer que o privilégio branco funciona no sistema; e, como sistema, é institucional,
é estrutural (até modificado), é sistêmico.
52
Original: “the reality of a white-supremacist society, to rationalize why it’s not really so bad, to deny one’s own
role in it. It is the privilege of remaining ignorant because that ignorance is protected”
53
Original: “unearned privilege but ignore what it means”
54
Original: “an historically based, institutionally perpetuated system of exploitation and oppression of continents,
nations and peoples of color by white peoples and nations of the European continent; for the purpose of
maintaining and defending a system of wealth, power and privilege”.
34
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Não obstante, uso o conceito de ‘hegemonia branca’ para a descrição deste sistema
marcado pelo racismo, discriminação e preconceito, privilégio racial e desigualdades raciais.
Dominância descreve a relação interracial geral, porém focaliza mais as relações
individual ou categórica, e menos o sistema como sistema. Tampouco considero ‘ditadura
racial’ o conceito adequado. Parece o oposto do conceito muito usado no Brasil de ‘paraíso
racial’ e, com sua referência à crueldade, limita a função do conceito focalizando o sistema e
absolvendo o indivíduo branco que não age cruelmente, que não tem potencial para a
resistência nesta ditadura, e menos ainda se sente privilegiado. Discordo também do termo
‘supremacia’, pela referência à ditadura, o sistema opressor. Precisa-se perguntar se o
sistema também oprime os próprios brancos, e, segundo, se todos os brancos
individualmente oprimem, embora ‘tendo’ privilégio racial. Pois, o sistema é ainda mais
abstrato do que o nível individual e/ou institucional (Essed 1989: 33).
55
Original: “[i]t is through its production and its adherence to this ‘common sense’, this ideology (in the broadest
sense of the term), that a society gives its consent to the way in which it is ruled.”
56
Original: “We need to be clear that there is no such thing as giving up one’s privilege to be ‘outside’ the
system. The only question is whether one is part of the system in a way which challenges or strengthens the
status quo.”
35
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Este sistema, em forma de hegemonia, é estruturalmente marcado pela branquitude.
Implicitamente inclui todas as categorias raciais. Por conseguinte, como branco, mesmo não
‘(ab)usando’ de seu privilégio ou discriminando, é impossível se situar e atuar fora do
sistema. Martínez (Betita) traz a questão da agência do indivíduo para um nível mais
abstrato e sistêmico. Propõe que o indivíduo branco se responsabilize-se pela escolha do
apoio ou da oposição ao sistema, em vez de limitar a agência a um comportamento
individual, que, ao final, é limitado. (Martínez 1989).
Ao mesmo tempo, já que são os habitantes que formam o sistema, consolidar a
hegemonia pelo acordo implica também que anti-racistas (brancos ou não) possam resistir à
hegemonia de dentro. Pela resistência pode-se modificar o common sense, as idéias, as
práticas e os costumes, e, por conseqüência, o acordo social – portanto, o sistema. Por mais
que brancos como categoria tenham construido a hegemonia branca; e ainda que nem
todos os brancos sejam conformistas com a hegemonia, com certeza é como categoria que
mantêm o sistema. Contraditoriamente, a população que está em controle, isto é a categoria
branca, dirigente e hegemônica, tem o maior poder para a modificação mais ou menos
pacífica deste acordo, a partir de dentro: ou pela resistência contra este acordo de modo
mais conflituoso, como ‘dissidentes’ da categoria, dentro do sistema.
Portanto, quero explorar na parte seguinte a relação fundamental da disputa em
torno desta mudança possível, isto é: a atitude branco-branco.
Brancos não somente se relacionam com ‘Outros’ que não sejam brancos, mas se
relacionam predominantemente com outros brancos, como também consigo mesmos.
Portanto é importante aprofundar a relação de branca com branca, isto é, consigo mesma(s)
ou com outra(s) branca(s), para a compreensão da branquitude.
36
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
racial branco, na sua diversidade, é ínterno ‘em si’, bem como é externo ‘para si’. Mas,
"[q]ue razão haveria para isso? Isso não faz sentido para nós", disse uma entrevistada sobre
um possível significado da sua branquitude (Piza 2000: 102). Há uma tendência a negar, no
espelho, o rostro visto, e por conseguinte, os seus significados e as conseqüências que traz.
Assim, relata Bento sobre um curso sindical que tem dado, que “[a]o discutir sobre racismo,
[os alunos brancos] esperam abordar uma opressão que ‘está lá’ na sociedade, e não em
algo que os envolva diretamente, ou que envolva a instituição da qual fazem parte.” (Bento
2003a: 148).
Por que, então, muitos brancos não se enxergam como tal? A pergunta deve ser:
para quem é invisível a (sua) branquitude, quem vê e quem não a vê? (Frankenberg 2004:
308-9). “Ser branco”, afirma Piza, “é viver sem se notar racialmente” (Piza 2000: 108). Assim
respondiam militantes jovens brancas, que entrevistei, sobre sua ‘raça’, sobre como é ‘ser’
branca, “é normal, é normal”, respondiam, ...seguido por um silêncio.57 Apresentam
predominantemente o silêncio e a cequeira sobre sua branquitude, seja como identidade ou
categoria racial, seja como privilégio racial, seja como habitante e participante na hegemonia
racial. Há uma distorção e omissão, diz Bento (2003b: 25, 30-31), enquanto lugar do branco
visto pelo próprio branco, pois, mesmo que brancos sejam branco ‘em si’ e ‘para si’, não
enxergam nada no espelho.
37
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
enquanto pessoa, não terá os meios práticos e simbólicos para exercer este poder branco.
Um acordo social de um branco consigo mesmo não teria significado...
Para a manutenção de interesses específicos, isto é, a proteção da herança
(econômica, social, política) histórica da hegemonia branca, precisa-se da colaboração em
conjunto, consciente ou inconsciente, de brancos. É a isto que Bento chama de ‘pacto
narcísico’ entre brancos. É um “pacto, um acordo tácito entre os brancos de não se
reconhecerem como parte absolutamente essencial na permanência das desigualdades
raciais no Brasil”. (Bento 2003b: 26). É um pacto que se precisa entender em nível abstrato,
mas, enfatizando, também em nível estrutural e prático. Esta forma de inclusão e proteção
branca implica a exclusão não-branca, o não-acesso de outros grupos raciais a este pacto e,
portanto, hegemonizando o acordo social que privilegia brancos; e no qual brancos se
privilegiam.
Como a branquitude é marcada pelo silêncio e cegueira, este pacto também não é
visto, nem falado, para que possa dar continuidade à manutenção do sistema. Se houver
brancos com a intenção de romper este pacto narcísico entre brancos, precisam ‘trair à sua
raça’. Precisam romper o silêncio, ‘sujar‘ o panorama, trair outros brancos: companheiros,
família, vizinhos ou colegas. Assim tornam-se dissidentes do sistema para a modificação
desta hegemonia.
57
Esta pesquisa ainda está em elaboração, e é para ser finalizada no início de 2008. Léia-se, já, este trecho em
38
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
compreende branquitude como um "’marcador não-marcado’, como significante vazio”, a
demonstrando como estável, onde, na realidade, “sempre está em processo de ser
construído e deconstruído”58. A cegueira está em volta da especifidade e da localidade da
branquitude, diz Frankenberg, em volta do fato que está sempre em construção.
(Frankenberg 1997: 15-6).
Por último, neste capítulo, procuro esboçar dois aspectos da branquitude que a
marcam como entendimento crítico.
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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Como o eixo racial entrecruza o eixo de gênero, assim há outros eixos seccionando
o caminho racial, pois, ningúem ocupa um não-lugar em um eixo. Todos ocupam um lugar
nestas posições interseccionais, seja explícito e visível ou não. São aspectos diferentes que
influenciam a branquitude na sua construção social, na sua função e nas suas posições
sociais diferentes.
“Para pessoas cuja posição de classe ou de gênero, ou ambas, as coloca em
desvantagem, as privações e as injustiças impostas por classe e/ou privilégio masculino
podem ser tão destrutivas que mascarem os privilégios que alguns de nós recebem
simplesmente pelo fato de ser branco.”61 (Rothenberg 2005 (2nd ed.): 3-4). Branquitude não
tem o mesmo significado para todos os brancos devido a interseccionalidade com os outros
eixos. Porém, não deveria implicar que, pela posição desprivilegiada nos outros eixos,
venha a negar sua posição privilegiada no eixo racial.
“Eu considero que também é seguro declarar que algumas mulheres mais que outras
– da classe certa, da raça certa – estão sendo seduzidas para um novo tipo de inserção
[insiderness], junto com sua contraparte masculina.”62 (Frankenberg 1997: 7). Eixos
diferentes são (ab)usados em ideologias, discursos e práticas de inclusão e exclusão. A
indiferenciação feminina, portanto, se expressa como cegueira (omissão, ou ignorância),
mas ao mesmo tempo reforça a própria hegemonia, neste caso, branca.
61
Original: “For people whose class position or gender or both place them at a disadvantage, the deprivations
and inequities imposed by class and/or male privilege may be so overwhelming that they mask the privileges
some of us receive simply by virtue of being white.”
62
Original: “I think it is also safe to assert that some women more than others – of the right class, the right ‘race’
– are being seduced into a new kind of insiderness along with their male counterparts.”
63
Original: “[W]hite people’s conscious racialization of others does not necessarily lead to a conscious
racialization of the white self.”
64
Original: “to challenge them, what good is our insight?”
40
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Para mudarem, diz Bento, brancos têm que se reconhecer como branco. Precisam
desenvolver uma consciência branca, se conscientizarem e refletirem sobre a sua própria
posição racial. Assim, o branco tem que romper com o pacto narcísico para mudar o
sistema. Deste modo poderia oferecer um outro modelo de branquitude para outros brancos.
(Bento 2003a: 161).
Para saber como o privilégio branco funciona, precisamos do conhecimento crítico,
para assim podemos, diz Rothenberg, começar a dar passos para desmanchá-lo num nível
pessoal tanto quanto institucional”65 (Rothenberg 2005 (2nd ed.): 1). Para mudar a
hegemonia branca, precisa-se insistir “na identificação de si mesmo e a falar por si mesmo”,
precisa-se requerer a transformação da estrutura social, isto é “a recusa a compreensões do
‘senso comum’ que a ordem hegemônica impõe.”66 (Omi & Winant 1986 (2002): 132). É
necessário saber ser criticamente branco.
65
Original: “to take steps to dismantle it on both a personal and institutional level.”
66
Original: “on identifying [one]self and speaking for [one]self” […] “[the] refusal of the ‘common sense’
understandings which the hegemonic order imposes.”
41
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
4
BRANCA & (ANTI-)RACISMO
42
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Nações Unidas, em Beijing, China. Depois dela começou a ser reconhecido “o racismo
como um dos empecilhos para a igualdade de oportunidades.“ [258].
Como em muitos países, o ressurgimento do movimento feminista no Brasil deu-se a
partir do movimento político de esquerda. As mulheres participantes neste movimento
criticaram o sexismo existente no movimento e dos homens que participavam dele. O
movimento alegava que seria a condição de classe que determinava as relações desiguais
de poder. Mas, reflete Soares, “[o] feminismo branco, no seu início, não viu as mulheres
negras, referenciado que esteve ao feminismo europeu e ao viés das análises de classe,
apesar da crítica que fizemos às teorias universalistas da esquerda” [260]. As mulheres
brancas, portanto, adotaram a mesma cegueira dos homens em relação à questão de
gênero.
Com base em estatísticas, Soares esboça a realidade brasileira das desigualdades
[260-7], tanto de gênero e de raça, quanto na sua interseccionalidade - em particular a
posição das mulheres negras. Em seguida [267-74], a autora dá o quadro histórico deste
ressurgimento do movimento feminista a partir de meados dos anos 1970, sob o governo
militar. Foi um movimento feminista composto por mulheres brancas da classe média,
saidas dos partidos da esquerda, das organizações clandestinas e dos movimentos
estudantis e, depois da anistia (1979), voltando do exílio. Estas mulheres brancas não viam
as mulheres negras.
Também surgiram os movimentos de mulheres nos bairros populares que, por serem
consideradas depolitizadas e apolíticas, não foram ameaçadas pela ditadura. As suas
reivindicações focavam melhores condições de vida para suas famílias (Alvarez 1990) [269].
Com a critica dos negros/as ao racismo existente dentro da esquerda, ressurgiu o
movimento negro. As mulheres negras, a princípio, não se organizaram em entidades
autônomas, mas como “integrantes do movimento de mulheres e homens negros”; às vezes,
em núcleos de mulheres. Foi somente no fim dos anos 1980 que estabeleceram
organizações independentes [270].
A partir destas mudanças, desenvolveu-se uma crítica maior das mulheres negras ao
movimento de mulheres, feminista, branco e à sua negação das mulheres negras e da
questão racial dentro deste movimento [270-4]. A partir do ano 1984 foram organizados
encontros feministas independentes, mas somente o 12º Encontro Nacional Feminista, em
1997 foi organizado com o tema “Gênero e Diversidade no País da Exclusão Social”. Assim
relata Soares sobre a inclusão da questão racial:
“Este título reflete a incorporação da questão racial pelo
feminismo. Esta maior compreensão do racismo é fruto do
intenso trabalho das organizações de mulheres negras durante
o processo de preparação da Conferência da Mulher, em 1995,
43
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
no qual estiveram presentes em todos os momentos e todos os
espaços, trazendo suas contribuições.” [272].
44
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
5
Branca sobre brancas
67
Mesmo que a autora use ambos os conceitos de “movimento de mulheres” e “movimento feminista”, ela
procura se referir predominantemente ao feminismo, à luta feminista, pelo menos quando trata de mulheres
brancas, ou seja, mulheres ‘em geral’. Desde que a autora também se auto-define como “feminista”, optei pelo
uso principal de conceitos relacionados ao “feminismo”.
45
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
5.1.1 Mulheres brancas como categoria (não)racial
Para analisar as relações raciais, incluindo pelo menos as categorias negra e branca
das quais a autora trata, é necessário reconhecer a existência de brancas como uma
categoria racial. Precisa-se dizer que, como apontou Frankenberg (2004), “um grupo
chamado pessoas brancas existe”.
Soares detecta no trecho <1> duas parcelas raciais na constituição do movimento de
mulheres e/ou feminista por ela descrito, afirmando portanto a existência de mulheres
brancas como grupo. Assim escreve a autora:
<1> “Podemos dizer que cada uma das partes (mulheres
brancas e mulheres negras) começou seu complexo
processo de desenvolvimento em tempos e territórios
68
diferentes.” [274, grifo meu]
É conforme este raciocínio que se poderia entender o título do seu texto, com o qual
a autora pretende falar da CIDADANIA FEMININA, BRANCA E NEGRA, NO BRASIL. Ela deseja
tratar, como o seu título pressupõe, da cidadania da população brasileira negra e branca,
entendendo a população brasileira como racial, o que supõe reconhecer a racialidade de
mulheres brancas. A categoria racial branca também se encontra no seu texto, quando ela
situa o movimento feminista na segunda metade dos anos 70 [267]; na diferenciação entre
mulheres e/ou feministas brancas e mulheres negras [258, 270, 274-5]; em momentos
quando a própria autora se auto-define como feminista branca [260]; ou quando –
explicitamente - fala do feminismo ou movimento feminista branco [259, 260, 275].
68
Para diferenciar trechos do texto analisado das citações de outra literatura, utilizo o seguinte sistema: Citações
incluem (nome do autor, ano, e página). Trechos do texto analisado são marcados por um <número>, e ao final
pela [página] na qual parecem. Na minha análise refiro-me tanto às [páginas] quanto aos <trechos>. Deste modo
procuro facilitar ao leitor a leitura desta análise e a busca da referência no capítulo analisado cujo original está
em anexo.
46
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Pois bem, quero perguntar: em que implica o fato da autora mencionar mulheres
brancas, que ela consistente e plenamente nomeia racialmente, com base no
reconhecimento de que “um grupo chamado pessoas brancas existe”?
47
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Aparecem dois processos relacionados neste trecho <3>. Pelo primeiro, tanto ‘os
movimentos de mulheres’ quanto as ‘feministas’, devido aos quais, segundo a autora, o
racismo foi agendado nesta importante conferência, são descritos como racialmente
neutros, ou seja, não têm raça. O processo de ‘conseguir avanços’ pressupõe o esforço de
um conjunto de ‘movimentos de mulheres’, ou um movimento de várias mulheres, contendo
pelo menos uma variação de mulheres de categorias raciais diferentes, inclusive as brancas.
No segundo processo, a idéia de diversidade racial é fortalecida pelo fato de que a autora,
que se declara como uma de ‘nós feministas’ é branca e se inclui como uma destas
mulheres ou destes movimentos que ‘conseguiram os avanços’. Isto supõe que mulheres
brancas foram agentes na conquista dos chamados avanços.
Simultaneamente, a racialidade de mulheres brancas está ausente da descrição de
Soares.
48
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
5.1.2 Mulheres brancas como construção social
É evidente que Soares detecta mulheres brancas como grupo, ou seja, como
categoria racial branca feminina. Porém, reconhecer a existência de mulheres brancas como
parcela nas estatísticas [260-7] não é suficiente para a sua problematização. Assim
expliquei no Capítulo 2, como os conceitos ‘mulher’ e ‘experiência das mulheres’ não são
estáticos (Mohanty 1995: 74; Crenshaw 2000 (2002): ; Wekker & Lutz 2001: 32). Tampouco
é possível falar de ‘raças’ de modo singular (Omi & Winant 1986 (2002): 123; Dalton 1995
(2005): 16; Frankenberg 1997: 1; Winant ---- (2000): 185). Voltando ao princípio
intereseccional (Omi & Winant 1986 (2002): 132; Wekker & Lutz 2001: 32), é impossível, por
conseguinte, falar de ‘mulheres brancas’ como uma categoria essencial e/ou homogênea o
que tratarei adiante.
Retomando Frankenberg, diz ela que branquitude existe em um contexto de
“interrelações sócio-econômicas, sócioculturais, e psíquicas“. Assim, é um ‘processo plural’
(Frankenberg 1997: 1). Branquitude deve ser compreendida como uma construção social
(Frankenberg 2004: 313), e, conforme esta lógica, também a categoria ‘mulheres brancas’
deve ser compreendida como uma construção social. O significado desta categoria, porém,
é construído na e pela realidade, histórica e atual, desmistificando uma suposta essência
racial feminina (seja física ou social), mostrando seu caráter na relação inter-racial.
Na sua reflexão, a autora presta atenção a processos, políticas, ideologias,
elementos sistêmicos do racismo (Essed 1989: 33, 1991 (2002): 181; Dijk 1993 (2002): 308-
9, 322-3), como o passado escravocrata, a democracia racial, o embranquecimento e o
proconceito de (não) ter preconceito [262-3, 269]. São elementos, na reflexão de Soares,
que referem-se ao caráter socialmente construído da branquitude (feminina), como também
à posição de branquitude na ideologia da e, por conseguinte, no ‘dar significado’ à militância
feminista (branca).
Soares aponta em momentos diferentes do seu texto à heterogeneidade e a
pluridade do movimento de mulheres, referindo-se às diferenças entre mulheres [260, 263,
273-8] e, no fim do seu artigo, à necessidade de “um feminismo multicultural” [276]. O dito ‘a
mulher não nasce como mulher, mas torna-se mulher’ implica na reformulação de que
mulheres brancas crescem e portanto são construídas em contexto de relações raciais,
sejam interpessoais, familiares, grupais ou sistêmicas, ou pelo “diálogo dentro de uma
pluridade” [260], como brancas.
49
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Não somente contribuíram com sua parcela (branca) nas estatísticas das desigualdades
raciais na sociedade, como também contribuíram para o desenvolvimento das relações
raciais desiguais intra-gênero, particularmente no movimento de mulheres e feminista.
Porém, a autora não relaciona esta contribuição, histórica e continuamente atual, à
formação da branquitude, nem assinala na sua reflexão onde e como se expressam estes
diálogos. Mesmo que distinga mulheres (lésbicas, populares, pesquisadoras etc.) e
formalmente chame por meio desta diferenciação a atenção para a pluralidade da ‘categoria
racial branca feminina’, não confere significado à branquitude destas mulheres, como
pertencentes à categoria racial branca, na sua função de “beneficiárias do status quo” [277].
Contrário ao caráter de branquitude como construto social e das mulheres brancas
como tal, a autora tende a recair nas compreensões essencialistas da categoria ‘mulheres
brancas’ <1,3,7,10,14,17,30,32>. Na prática, Soares parece não diferenciar entre mulheres
brancas, de fato universalizando a sua branquitude, bem como seu gênero. Deste modo
deslegitima o caráter que marca a branquitude, e em específico esta categoria ‘mulheres
brancas’ como construto social diferenciado. Supõe uma categoria desracializada (branca
feminina) cujo poder está sendo fortalecido pela suposta homogeneidade.
Como autora do texto, tanto como militante nestes movimentos, Soares inclui-se na
categoria branca como mulher branca e, ademais, quer assumir sua responsabilidade como
tal [260, 276]. Porém não se propõe na sua agência racial nestes movimentos, isto é, não se
propõe como significante racial de branquitude. Por conseguinte, não altera seu potencial
para a modificação desta branquitude.
50
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
afirmem também feministas, não se confundem mais com as
feministas brancas. Ao criarem suas formas próprias de
organização [...] têm iluminado o feminismo com questões
sobre diferença e a igualdade entre as mulheres negras e
brancas, introduzindo a necessidade concreta de se utilizar
também a categoria ‘raça’, além de ‘gênero’, para uma
compreensão mais concreta da realidade de exclusão das
mulheres (Soares 1994). No início do movimento feminista,
foi importante compartilharmos o dia a dia, pois assim
aprendemos que o que acreditávamos geralmente ser
característico do indivíduo foi gradualmente e coletivamente
sendo compreendido como fortemente megulhado na rede das
relações culturais e sociais. A ‘experiência’, agora
compreendida como coletiva e social, possibilitou-nos
também formular politicamente a vida pessoal. Este novo
entendimento foi-nos levando à noção problemática de
sororidade (sisterhood), organizada em torno do aparente
apelo a identidade das mulheres [...]. Foram as mulheres
negras, e também as mulheres lésbicas, que protestaram
contra esta definição totalizante e começaram a apontar as
diferenças entre nós. Como resultado destas críticas
emergentes, o conteúdo da ‘experiência das mulheres’ foi
profundamente mudado. (Lewis 1996)” [271-2, grifo meu]
Pela linguagem generalizante, ou seja pelo uso desracializado de um ‘nós’, falando a
partir da primeira pessoa plural, e pelo uso de termos gerais, como ‘mulheres’, ‘o feminismo’,
ou ‘o movimento de mulheres’, na qual fala a partir da terceira pessoa do singular ou do
plural, sugere-se falar em nome de ou sobre todas as mulheres. Por este modo, a autora
hegemoniza a normalidade e centralidade da categoria branca, isto é da branquitude.
Na primeira frase funciona a desracialização do “movimento de mulheres” como uma
inclusão intrínseca das ‘mulheres não-negras’, que são, por conseguinte, as “feministas
brancas” <5>. As mulheres negras são, ao contrário, somente consideradas uma vertente
deste movimento. Este movimento de mulheres brancas, portanto, aparece como um
movimento desracializado. A branquitude se centraliza e funciona de forma normativa à qual
as mulheres negras podem se adaptar. Tal adaptação possível também se detecta na
expressão geral, porém desracializada, de “’experiências’”.
A autora pretende, e com razão, criticar a compreensão de “‘experiência das
mulheres’” no trecho a seguir: “No início do movimento feminista, foi importante
compartilharmos [...] o conteúdo da ‘experiência das mulheres’ foi profundamente mudado”
<5>. Esta experiência, ou identidade à qual a autora se referiu anteriormente, não é igual,
como ela também criticou, para mulheres lésbicas, mulheres negras, como tampouco para
“nós” <5>. Este “nós” supõe, na melhor das hipóteses, um ‘nós’ inclusivo, partindo da idéia
de experiência diferenciada e plural de ser ‘mulher’; e na pior das alternativas, um ‘nós’
igualizante, partindo da idéia que se pode falar de uma experiência única e singular de ser
‘mulher‘. A autora se inclui neste ‘nós’, que implica, no mínimo, em, uma pertença branca
desta experiência. Porém, fora da, ou justamente devido à sua presença racial invisível, não
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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
aparecem mulheres brancas neste texto. É na sua presença invisibilizada, porém visível
pelo olhar crítico, que este ‘nós’ compartilha, aprende, acredita e possibilita <5> que se
centralize o seu poder normativo.
A subjetividade (invisivelmente) branca é hegemonizada por meio desta suposta
coletividade. Sua desejada mudança não está nomeada nem discutida e fica cega quanto a
própria branquitude. Contraditoriamente, sua crítica, na intenção de discutir a universalidade
desta “’experiência das mulheres’” <5>, funciona de fato como universalizante.
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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Na formulação destes trechos se reconhece, seja na intenção da autora, seja em
uma mera reflexão da realidade de mulheres, uma hierarquia com base na nomeação da
militância das mulheres, o que fortalece a hierarquização racial. O feminismo é uma
ideologia ou uma teoria, expressada na militância, política ou academia; o movimento de
mulheres, por outro lado, é uma prática, não necessariamente acompanhada por uma
ideologia (feminista), a fim de melhorar as vidas das mulheres, suas famílias, seus bairros e
suas comunidades. Poderia se dizer que são de uma ‘qualidade’ diferente; não são
desiguais, mas com certeza não são iguais, no sentido de que não são ‘o mesmo'.
A ideologia e a teoria estão em relação hierárquica à prática. Assim, relaciona-se o
feminismo ao movimento de mulheres, e assim posicionam-se mulheres brancas em relação
a mulheres negras. Não é necessariamente uma relação ruim, mas, na prática, mostra-se
como uma relação interpessoal e categoricamente diferenciada e diferentemente valorizada.
Relendo os trechos, e levando em conta a hierarquia acima apresentada, estão
fortemente ausentes os conceitos de ‘feminismo negro’ ou de ‘feministas negras’, como
também uma explicação da autora sobre o motivo desta ausência. Quando Soares fala do
‘feminismo’, nos trechos <6> e <9>, pergunto-me se mulheres negras pertencem a esta
categoria, contrapondo-se ao ‘feminismo branco’, sobre o qual a autora fala nos trechos <7>
e <8>. Será que não existem ‘feministas negras’ ou um ‘feminismo negro’? Ou será que o
movimento de mulheres não é valorizado hierarquicamente como o feminismo? A ideologia
e prática de mulheres negras, ao não serem definidas como feminista, indicariam uma
diferença de valorização pela sociedade brasileira?
53
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
caráter desracializante e universalizante no contexto racial intra-gênero. O lado branco
desaparece e, desta maneira, se homogeniza.
Soares reflete principalmente em termos racialmente neutros: ‘movimento de
mulheres’ ou ‘feminismo’. Por outro lado, observa em termos racialmente específicos:
‘movimento de mulheres negras’. Pode ser identificada enquanto observadora e significante,
como militante feminista branca, isto é pertencente ao ‘movimento de mulheres’ ou
‘feminismo’ e, por conseguinte, como pertencente ao grupo observado. É a partir desta
posição que ela fala de um ‘nós’ desracializado, ou de uma terceira pessoa do singular ou
do plural - ‘mulheres’, ‘o feminismo’, ou ‘o movimento de mulheres’ - cuja branquitude, no
contexto inter-racial, é não-nomeada e, portanto, invisibilizada. Pelo fato de a autora se
incluir nesta neutralidade e a contrapor à especifidade racial, ela reforça a invisibilidade da
branquitude das militantes brancas (Omi & Winant 1986 (2002): 123). É por meio disto que,
na reflexão de Soares, ‘ser mulher branca’ tem a tendência a se mostrar na equação como
singularmente ‘ser mulher’ (Mohanty 1995: ; Dyer 1997 (2005): 12; Bento 2003b: 25).
Branquitude é marcada por seu caráter de constructo. A categoria racial feminina
branca, portanto, não é fixa, nem estática (Frankenberg 1997: , 2004). Soares entende as
relações intra-gênero como um “diálogo dentro de uma pluridade” [260]. Desde que ela não
faz diferença entre mulheres brancas, deve-se concluir que este diálogo, na prática, se
constrói num vazio, o que contribui para sua equalização. É na relação, entendida como
diálogo ou como silêncio, que a branquitude feminina é construída e, portanto, expressa-se
em contexto racial. O fato da autora distinguir parcelas femininas raciais diferentes não
implica uma compreensão do caráter construtivo relacional da branquitude feminina, nem do
fato de que isto depende intrinsecamente da construção da posição social das mulheres
negras (Dalton 1995 (2005)).
“Para cada categoria social que é privilegiada, uma ou mais categorias encontram-se
oprimidas em relação a ela”, disse Johnson (2005 (2nd ed): 106). Pela ampla atenção que a
autora dá à categoria oprimida, portanto à marginalização, opressão e exclusão das
mulheres negras, se esperaria a mesma atenção à categoria social relacionada privilegiada,
isto é a das mulheres brancas. Porém esta está ausente.
Soares esvazia a branquitude e de fato deslegitima o suposto ‘diálogo’. Pela negação
dos “‘efeitos materiais e discursivos’” da branquitude feminina (Frankenberg 2004: 313), de-
marca a presente branquitude na prática, repetindo e hegemonizando seu silêncio e
cegueira (Bento 2003b: ; Piza 2003). Não atribui significado a mulheres brancas como
atores raciais nas relações intra-gênero; portanto, nega e impossibilita a sua possível
agência modificadora racial.
54
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
5.2 BRANQUITUDE: BRANCA DIANTE BRANCA
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(2004: 328) quanto Piza (2000: 102) criticaram a resistência de mulheres brancas
reconhecerem o significado da sua branquitude para si mesmas (ver 3.3.1 e 5.2.1). Quando
se trata de militância e de luta(s) [257, 258, 260], Soares expressa consciência das relações
raciais e da realidade brasileira das desigualdades raciais em geral, e da visibilidade das
mulheres brancas em particular [265, 266]. Lê-se esta consciência na sua referência a
mulheres, colegas militantes e companheiras negras que criticaram as relações raciais
desiguais no movimento de mulheres e, em particular, o posicionamento deficiente de
militantes brancas na luta anti-racista.
As mulheres brancas sobre as quais Soares escreve não estão conscientes da sua
racialidade, ou pelo menos não a mostram. E mesmo que a própria autora em certos
momentos expresse sua consciência da categoria racial branca, dever-se-ia deduzir que a
(auto-)consciência racial, ou agência racial branca consciente não faz parte da militância
feminista descrita pela autora. Por conseqüência, a militante branca não ocupa um espaço
para a mudança de sua posição feminina branca no contexto racial, devido à ausência de
auto-consciência racial, pois, não pode modificar aquilo que não conhece; e quem não se
conhece, não pode mudar.
A relação da mulher branca com ela mesma é importante para entender a agência
branca na branquitude da militância. Assim, é necessário compreender a relação das
mulheres brancas entre si e quais conseqüências podem implicar no potencial da sua
agência racial como grupo.
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qual me refiro, na dos trechos <10,11,12>, nos quais são mostrados espaços próprios,
mesmo que não sejam exclusivos, de mulheres brancas:
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espelho, seja em relação com outras mulheres brancas. O seu significado não se limita ao
exterior, isto é às não-brancas como significantes, mas tem significado para as próprias
mulheres brancas, as ‘habitantes’ da branquitude. (Piza 2000: ; Bento 2003a: ; Frankenberg
2004)
Na descrição da luta anti-racista dentro do movimento feminista e/ou de mulheres, as
militantes brancas não expressam consciência da racialidade de si mesmas ou de suas
companheiras brancas. Esta invisibilidade da racialidade das mulheres brancas e a ausência
de (auto-)consciência racial deve ser localizada em um contexto onde, por décadas, houve
um desenvolvimento da consciência, visibilização e problematização das relações de
gênero, em particular de ser mulher neste contexto desigual e sexista. Por conseguinte,
houve um quadro de conhecimento, prático e teórico, de relações desiguais de poder e do
sistema discriminatório. Foi somente depois de uma luta insistente e dolorosa,
principalmente das militantes negras, que foram incorporadas à militância feminista ‘geral’
questões ‘específicas’ das militantes negras. Levando em conta este contexto, que mostra a
realidade histórica e atual das relações nos eixos de raça e de gênero, a posição de gênero
de todas as mulheres é problematizada; é detectada, em teoria, a posição diferenciada
(privilegiada) das feministas brancas em relação à das mulheres negras <30,32>. Na
prática, porém, nota-se esta abordagem ausente; a racialidade de mulheres brancas fica
invisibilizada e negada. (Wildman 1995 (2005 2nd ed): 97-8; Dalton 1995 (2005): 17; Dyer
1997 (2005): 17; Rothenberg 2005 (2nd ed.): 3-4)
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Na reflexão, portanto, expressa-se branquitude por meio destes dois modos.
Primeiro, por uma preocupação limitada das feministas brancas com a questão racial, com
as relações raciais em geral, e com a posição das companheiras negras; e propicia uma
exclusão ou negação total da própria posição ou identidade racial branca e das
companheiras brancas, na sociedade ou na militância. Segundo, pela expressão de
branquitude estar canalizada para a autora, que opera tanto como militante, quanto como
observadora e, neste caso, representa as relações raciais discutidas. Ela critica esta
preocupação limitada, porém falta criticar a situação de ausente, na qual a racialidade,
agência e militânca brancas não são discutidas e continuam a não serem discutidas, pelas
feministas brancas, bem como pela autora.
É neste contexto que procuro contextualizar branquitude no “ideal de igualdades”
[263], sobre o qual se deve perguntar por qual igualdade se luta. Contrariamente ao ideal
sugerido, a militância feminista descrita não beneficiava todas as mulheres. Bento
descreveu a situação na qual brancas unem-se a fim de manter seus interesses brancos,
situação esta que ela chama de ‘pacto narcísico’ ou ‘acordo tácito’ entre brancos (Bento
2003b). Soares, aparentemente consciente deste tipo de colaboração, analisa um pacto
comparável (de classe), no qual as elites juntam seu poder a fim de dar proteção aos seus
interesses [261] <10,110,12> e perpetuar a hegemonia deste sistema de tratamento
preferencial. Não transpõe o entendimento das relações desiguais de classe, ou em outros
momentos de gênero, à análise crítica da raça das companheiras militantes brancas. Deste
modo, de fato contribui para a proteção de interesses das mulheres brancas que marca a
relação de branca com branca; a branquitude expressa-se assim como ‘pacto narcísico’.
As relações raciais femininas não existem ‘em si’, mas fazem parte da sociedade nas
suas expressões diferentes, seja entendida como racismo, como privilégios raciais, ou,
sistemicamente, como hegemonia branca. Discutirei nesta parte a expressão de branquitude
das mulheres brancas neste sistema.
O texto de Soares foi publicado em uma coletânea na qual foi avaliada a situação do
racismo no Brasil. Assim, o texto parte da realidade de que no Brasil há desigualdades
raciais entre brancos e negros, as quais têm a sua base no passado escravocrata. O
racismo não somente pode ser considerado uma expressão individual ou interpessoal, mas
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precisa-se levar em conta “o caráter racista desta sociedade”. O racismo, por conseguinte,
estrutura a sociedade, a qual não somente está racialmente estruturada pela “relação entre
condições sociais, econômicas e políticas dos negros e o racismo”, mas justamente pelo
caráter relacional que causam as desigualdades entre negros e brancos, portanto também
está estruturada pela “relação entre condições sociais, econômicas e políticas dos brancos e
o racismo” [269].
Não é uma relação de “mera causalidade“, enfatiza a autora, entre condições sociais,
econômicas e políticas e o racismo:
<13> “O movimento negro, e das mulheres negras em
particular, passou a denunciar a exclusão dos negros dos
direitos da cidadania, e a argumentar que o fato de os negros
formarem os contingentes mais pobres da sociedade não era
mera causalidade; mas, ao contrário, que os negros são
pobres sobretudo porque são negros. Esse quadro de
desigualdade estava obscurecido nas análises e ações dos
movimentos de mulheres.” [270, grifo meu]
Referindo-se à denúncia pelo movimento negro, afirma Soares que não se pode
limitar a exclusão racial à questão de “ter ou não ter preconceito de ter preconceito” [263].
Implica idéias, sentimentos e ações racialmente discriminatórias (ver Capítulo 1). Em
contexto onde a população negra é excluída, há outra população, branca, que a exclui. Do
quadro de desigualdades, oferecido pela autora, se pode deduzir que pobres são negros
sobretudo por serem negros <13>. Retomando a relação anteriormente esboçada, implica
que os pobres são negros porque os ricos são não-negros, isto é: ricos, em termos gerais,
são brancos. Contrário ao que se poderia supor, “nas análises e ações dos movimentos de
mulheres”, desracializadas, houve pouca integração desta realidade de discriminação racial
na qual as mulheres negras são excluídas <13>, menos ainda do outro lado desta realidade,
na qual brancas são privilegiadas.
“Branco”, disse Frankenberg, “corresponde a um lugar no racismo” (Frankenberg
1997: 9) e não é possível separar a categoria racial branca dos interesses e conflitos que a
acompanham (Omi & Winant 1986 (2002): 123). Conforme este raciocínio, é preciso analisar
melhor o texto de Soares. A autora explicitamente se posiciona a favor de anti-racismo
incluído no movimento feminista, no feminismo, ou movimento de mulheres, pois “o racismo
está permeado em nosso cotidiano e [...] se manifesta constantemente”. Assim argumenta,
“racismo [é] um dos empecilhos para igualdade de oportunidades”. Por meio deste
argumento, quer fazer refletir sobre “o movimento feminista [sobre] o racismo e suas
vinculações com o sexismo” [258]. Sua intenção está expressa no título do capítulo,
pretendendo situar tanto mulheres negras quanto mulheres brancas no contexto do racismo
no Brasil. Poder-se-ia entender sua consciência da relação de racismo com o sexismo, com
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o feminismo e o movimento feminista, como uma expressão incial desta intenção. Porém é
também preciso mostrar esta consciência na sua reflexão sobre os “seus efeitos materiais e
discursivos” (Frankenberg 2004: 313), conforme a relação do racismo com a vida real de
mulheres brancas e da autora, enquanto observadora em particular.
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Por meio desta preocupação há dois pontos que chamaram minha atenção, e que
estão em debate com a mecionada preocupação. Primeiro, as mulheres negras das quais
Soares trata nestes trechos trabalham fora de casa. Devido à ‘dupla jornada’ fazem o
trabalho domiciliar na própria casa e também prestam serviço domiciliar em outras casas
<14>. Isto lhes confere uma posição de discriminação ou desigualdade múltipla, marcada
por sexismo e racismo. Porém, racismo e sexismo não somente têm influência na vida das
mulheres negras por meio da tripla jornada, detectada pela autora neste lugar
intereseccional, mas também na vida das mulheres brancas. O sexismo que as mulheres
brancas sofrem na dupla jornada - o trabalho domiciliar junto com seu emprego (caso o
tenham, já que proporcionalimente trabalham menos fora da casa <10>) - torna-se menos
pesado pelo racismo que as mulheres negras ademais sofrem, pelo trabalho domiciliar nas
casas das outras mulheres. Porém, não detectada pela autora, entende-se, em uma re-
interpretação destes trechos, que a vida das mulheres brancas é facilitada devido à tripla
jornada das mulheres negras.
Este contexto racista gera uma situação na qual mulheres brancas, querendo ou não,
têm uma posição de vantagem racial, seja potencial ou real, devido às conseqüências da
posição racialmente desvantajosa das mulheres negras. A vantagem racial das mulheres
brancas continua invisível, graças à ausência de uma reflexão explícita de Soares sobre o
nível prático da realidade de mulheres brancas que ocupam “um lugar no racismo” e
(potencialmente) aproveitam-se deste lugar.
Assim quero introduzir o segundo ponto, que complica a situação. Na sua
argumentação sobre “a posição do negro na sociedade brasileira” <15>, Soares transpõe a
compreensão desta posição para um nível maior, isto é para o “caráter racista desta
sociedade” <15>. Porém, conforme este raciocínio não leva em conta ‘a posição do branco
na sociedade brasileira’, não leva em conta o caráter relacional do negro e do branco neste
contexto sistêmico de racismo, tampouco leva em conta a relação desta sociedade racista
com seu habitante branco(a), que, ao final das contas, tem o maior poder nesta sociedade
racista. Por conseguinte, a ausência de uma análise sistêmica das mulheres brancas como
habitantes em um sistema de racismo impossibilita situar, portanto problematizar, este “lugar
no racismo” das mulheres brancas. Mesmo que pretenda problematizar o racismo em geral,
e, em particular, no seu entrecruzamento com a cidadania das mulheres negras e brancas, a
autora não elabora criticamente o problema. Faltaria situar as militantes brancas no contexto
de racismo. Também não leva em conta a reflexão sobre si mesma como militante ou
observadora e, portanto, pode legitimar a branquitude, deixando-a invisível e não-discutida.
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5.3.2 Mulheres brancas privilegiadas
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<18> “(em 1986, 44,4% das mulheres na faixa etária de 15 a
54 anos estavam esterilizadas) [...] “A Declaração de
Itapecerica da Serra, feita pelas Mulheres Negras, denuncia
as condições em que as negras vivenciam sua saúde
reprodutiva e constata que ‘as políticas – quer sejam
explícitas ou não – vêm colocando como meta o controle dos
nascimentos das populações não-brancas e pobres’
(Oliveira & Silva 1995). Edna Roland observa que as mulheres
negras travam um grande debate nacional com as
pesquisadoras, parlamentares e feministas brancas a
respeito da questão de estar ou não em curso um processo de
esterilização em massa de mulheres, que tem a mulher
negra e pobre como alvo.” [265, grifo meu]
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cujos exemplos de privilégio branco podem ser aplicados a este caso. McIntosh declara:
“40. Eu posso escolher lugares públicos sem ter medo de que pessoas de minha
raça não possam entrar ou vão ser mal-tratadas nos lugares que escolhi.”
41. Eu posso ter certeza de que se precisar de assistência juridica ou médica, minha
raça não irá agir contra mim.”
(McIntosh 1989)
Apesar de mulheres brancas não se sentirem privilegiadas (Johnson 2005 (2nd ed)),
de fato encontram-se privilegiadas. Foram ‘pobres e populações não-brancas’ o alvo desta
“esterilização em massa” <18>, implicando que as mulheres brancas, quem, na época
formaram principalmente a classe média, fossem objeto velado da mesma política. As
mulheres brancas, pelo menos em relação à saúde reprodutiva (óbviamente há mais áreas
na saúde na qual inclusive as mulheres brancas sofrem, devido às desvantagens de gênero
e ao sexismo presente), aproveit(ar)am do maior e melhor acesso ao sistema de saúde, pelo
qual e com o qual ficou facilitada a possibilidade de exercer o seu direito de decidir sobre o
próprio corpo branco.
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em suas vidas (brancas), e, em seguida, debateram-na, em vez de combater o presente
sexismo e racismo na luta de e para todas as mulheres. Em segundo lugar, na sua
observação Soares não critica a luta parcial em si das feministas brancas, ou a do
feminismo branco, que agia em defesa dos seus próprios interesses. As feministas brancas
centralizaram sua preocupação nas questões de políticas sexuais, que afetam as mulheres
brancas, e incluiram estas questões na sua luta, com benefícios para as próprias mulheres
brancas. Deste modo as feministas brancas de fato mantiveram, por meio do pacto narcísico
branco, suas forças em defesa dos seus interesses, porém, mostraram-se omissas diante
da luta feminista anti-racista, negando sua própria posição categórica racialmente
privilegiada.
A partir da sua visão feminista, Soares critica O Poder hegemônico, a exemplo dos
partidos de esquerda, dos sindicatos, do Estado, do “pacto entre as elites”, “[d]a separação
enorme entre a lei e a vida”, e [d]as contínuas “práticas autoritárias”. Critica “uma cultura
política de exclusão e participação subalterna dos setores populares e marginalizados na
vida política”, mas também critica a permanência do “modelo econômico excludente”. Na
época de seu ressurgimento, nos anos 1970-80, o feminismo no Brasil “reconhece[u] o
poder não somente no nível do Estado, mas o poder presente em todo o tecido social”. Em
reação, diz Soares, “todos aqueles que têm uma posição subalterna nas relações de poder
existentes são chamados a transformá-las”. Nesta posição subalterna pode-se incluir e
entender ‘mulheres’ e ‘negros’. [261, 267-9, 272-4]
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forma com que aparece nos movimentos sociais, como o movimento de mulheres [266, 269,
272-4]. Se pudermos localizar as referências de Soares, a saber, à história escravocrata
<15>, à ideologia do embranquecimento, da miscigenação, do paraíso racial, e do
preconceito racial, como contextualizações de branquitude [262-3], poderíamos deduzir
informações das estatísticas que situam o contexto racial e as conseqüências das
desigualdades raciais como proveitosas para a população branca [263-7]. Denuncia os
privilégios e o poder <28,30> que as desigualdades raciais “integrante[s] da organização
social” [275] geram para as feministas brancas, critica as formas diferentes de opressão
(sexismo e racismo). Inclusive, propõe uma compreensão da existência de “uma cultura
branca dominante cujo racismo afeta a vida de todos os brasileiros” [275], dos quais uma
parcela é branca. Esta “cultura branca dominante” poderia ser chamada ‘hegemonia branca’.
O mesmo sistema que a autora já definiu como sexista e patriarcal também define
como racista [262, 269, 275-7]. Porém, o fato de entender esta sociedade como racista e
capitalista [274], não implica necessariamente um entendimento desta sociedade como
marcada por e marcadora de branquitude. A hegemonia branca, perpetuando a sociedade
racista, é consolidada pelo controle na sua função de “coerção e consentimento”, pois,
dizem Omi e Winant, não somente precisa-se de um grupo que elabore e mantenha este
controle, mas também de “um sistema popular de idéias e costumes” (Omi & Winant 1986
(2002): 130-1), que pode ser interpretado como ‘senso comum’ nos seus efeitos cotidianos,
sejam materiais ou discursivos (Frankenberg 2004).
Para uma compreensão maior da hegemonia branca, na qual se expressa a
branquitude, gostaria de partir de um trecho no qual são comparados o patriarcado e o
racismo:
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conhecimento do sistema hegemônico patriarcal e capitalista, como é que as próprias
mulheres brancas, sobre as quais Soares escreveu, (in)conscientemente contribuíram e
contribuem para hegemonia branca, portanto para o status quo de seus benefícios? E pode-
se perguntar também - levando em conta a autora como militante feminista branca e autora
dessa reflexão e (re)conhecendo os sistemas descritos de privilégios e benefícios brancos, e
da cultura que descreve como “branca dominante” - como é que ela mesma, inconsciente ou
conscientemente, contribui para o status quo da hegemonia branca? A fim de procurar uma
resposta para estas perguntas, procuro relacionar a compreensão da hegemonia racial à
compreensão e ao posicionamento de mulheres brancas na militância feminista.
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autora não assinala o potencial delas nesta suposta igualdade <22>, portanto tampouco
oferece uma resposta para o contexto racial.
Fica faltando apontar onde e como as mulheres brancas - sendo elas hegemônicas
em contexto racial intra-gênero - estão no controle (manipulando ou não) quanto ao anti-
racismo e à branquitude. Na questão de gênero, a autora aponta a desigualdade
fundamental do potencial masculino, no exercício de sua posição de beneficiário do status
quo, criticando à sua hegemonia. Também detecta na questão racial intra-gênero esta
posição, ou seja a posição feminina branca privilegiada. Nomeia as mulheres brancas
“beneficiários do status quo” <22>, porém não as localiza na hegemonia branca, a qual lhes
facilitaria o exercício potencialmente modificador.
O que não dizemos, sobre o que não falamos, permite ao status quo continuar”,
disse Wildman et al. (1995 (2005 2nd ed): 95). As mulheres brancas, inclusive a autora, não
se vêem a si mesmas como parte da hegemonia, tampouco esboçam na prática um
contexto possível, no qual se possa desenvolver uma situação de plena igualdade racial
intra-gênero e no qual, portanto, o status quo dos seus benefícios brancos femininos possa
ser modificado.
É devido à assimilação sistêmica pelo status quo racial que as mulheres brancas
vivem como beneficiárias <22>. Quando se compreende este modelo dominante (masculino
e/ou branco) somente como “um jogo conduzido por outros” (sendo beneficiários), na
verdade retira-se o potencial dos não-beneficiários para a mudança; não está nas mãos de
mulheres em contexto de gênero, não está nas mãos de negros em contexto racial. É deste
modo que se pode entender o consentimento dado à consolidação e continuidade deste
modelo como hegemonia tanto a masculina quanto a do modelo branco. Assim, a agência
de e o espaço para mudança, no desejo da autora, seria lograr uma verdadeira igualdade e,
por conseguinte, continuar contraditoriamente nas mãos das beneficiárias: as feministas
brancas.
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processo pela autora é a tendência pela qual a emancipação e o feminismo de mulheres
brancas foram facilitados categoricamente a partir da disponibilidade de mulheres negras
(por séculos já trabalhando fora da casa), para trabalharem em suas casas. Assim como o
sexismo pode operar como obstáculo para mulheres brancas, tanto quanto para negras, no
aperfeiçoamento da sua posição e erradicação das desigualdades de gênero, o racismo
opera como obstáculo para o aperfeiçoamento da posição das mulheres negras,
beneficiando o aperfeiçoamento da posição das mulheres brancas. Branquitude expressa-se
em forma de privilégio ou benefício racial não merecido, porém muitas vezes é
experimentada como ‘normal’, é "a experiência paradoxal de ser privilegiado sem [se] sentir
privilegiado” (Johnson 2005 (2nd ed)). A autora deixa uma lacuna ao criticar a expressão de
branquitude na dupla jornada das mulheres brancas, negando sua realidade privilegiada
pela normalização de branquitude.
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enquanto ideal de igualdade na diferença, em contexto inter-gênero, para a situação racial
intra-gênero. A sua própria posição racial, sua representação da branquitude destas
militantes, está excluída do ideal, como se não fizesse parte dele. Por meio da exclusão das
mulheres brancas da hegemonia branca intra-gênero, atribuindo ao opressor na hegemonia
masculina, neste caso homens brancos, Soares exclui as mulheres brancas do status quo
racial, as desracializando e desresponsabilizando pela não-nomeação e negação.
Aquilo que não é falado e tratado - como disse Wildman et al. (1995 (2005 2nd ed)) -
permite a continuação do status quo. Mesmo que contraponha a intenção de Soares diante
das relações raciais entre as mulheres, como ela sugere em sua Introdução, ela de fato
contribui para a hegemonização, pela invisibilização e negação da branquitude nas mesmas
relações. Contrária à sua intenção, está ausente uma crítica da autora à agência anti-racista
no feminismo branco e na sua observação da agência das militantes feministas brancas,
justamente a este lado branco da militância. E esta ausência mostra-se como uma
expressão da branquitude feminina, nesta militância.
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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
considera necessário incorporar “raça como uma categoria essencial à análise da condição
feminina” [268]:
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<25> “Sexismo e racismo mantêm um paralelismo por serem
produtos de relações hierarquizadas, fundamentadas em
privilégios isto é, manifestam-se através de relações de
poder.
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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
brancas e o sexo fêmea]” <25>, a autora estabelece uma hierarquização entre os eixos
(Yuval-Davis 2006: 200, 199). Não responsabiliza a ‘dominação que o sexo fêmea branco
exerce sobre as raças não-brancas’, mesmo quando a dominação é mencionada em vários
momentos, invisibilizando na prática esta posição de lugar opressor. (Rothenberg 2005 (2nd
ed.): 3-4)
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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
ambigüidade. Militantes brancas, na observação de Soares, explicitamente se posicionam
contra o sexismo nas estatísticas e no âmbito familiar e domiciliar, como se deduz do trecho
<14>. Deste modo Soares trata do status, considerado secundário no eixo de gênero, ‘das
mulheres’:
<29> “Os homens são esperados e treinados a realizar as
atividades de maior status, mais bem pagas, e que concentram
maior poder, enquanto as mulheres são treinadas para fazer
as tarefas de status secundário, que resultam em menores
ganhos, e que se refletem em menor poder.” [275, grifo em
itálico da autora, grifo em negrito meu]
Porém, retomando o mesmo trecho <14>, do ponto de vista de branquitude, entende-
se que é justamente o racismo que facilita suas vidas neste mesmo âmbito, pelo trabalho
fora da casa, enquanto as mulheres negras prestam serviços domésticos a elas. Não é um
status secundário no eixo racial, ao contrário, mulheres brancas beneficiam-se deste status
diante de mulheres negras.
Privilégio, disse Johnson, permite pessoas, brancas neste caso, funcionar em uma
“uma zona de conforto relativamente ampla”. Permite às pessoas “definir realidade e ter
definições vitoriosas para que a realidade se encaixe em suas experiências”. (Johnson 2005
(2nd ed): 103). A autora, e com ela um movimento, define a realidade conforme a percepção
de sua experiência. Consciente da injustiça racista, detecta ‘o lado oprimido e excluído’, mas
não aplica a racialidade problematizada às vidas das mulheres brancas, inclusive à sua vida.
Continua invisível o seu lugar no racismo, ao qual Frankenberg se referiu (Frankenberg
1997: 9).
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uma posição conhecida do contexto de gênero. Veja-se como esta posição aparece nestes
trechos:
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feminista branca contra o racismo a partir do seu contexto racial. Menos ainda possibilita
uma agência feminista branca para uma transformação justamente da própria posição
racialmente dominante, isto é, branca, desta militante. Pela opção de focalizar o lugar da
subalternidade, fica presa na ambigüidade.
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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
racial do lugar de privilégio, da exploração, da hegemonia e do poder. Branquitude feminina,
em particular na militância, como aparece também na reflexão de Soares, é marcada pela
ambigüidade: um aparente antagonismo e falsa oposição. (Huijg 2006: 5)
A branquitude se expressa hegemonicamente como invisível, em um vazio desta
posição, na qual não há lugar para a realidade da agência marginalizante, seja de
beneficiária e/ou opressora, de militantes brancas. Esta militância feminista expressa-se na
sua passividade frente à própria posição, contribuição e responsabilidade branca das
militantes. É o privilégio máximo, no qual militantes brancas criticam a ausência de privilégio
no eixo de gênero, têm privilégio não merecido no eixo racial e, até, o reconhecem. Porém,
na prática, baseiam-se nos mesmos privilégios por meio dos quais podem ignorá-lo na
militância. (Jensen 1998).
Como tentei explicar, não é a mesma coisa estudar brancas e brancos e fazer um
estudo crítico de branquitude (ver Capítulo 3). Por meio de continuação da não-
problematização da racialidade branca, seja a branquitude em forma de identidade, de
posição social, seja em forma de sistema, se fortalece a própria branquitude hegemônica.
Porém é necessária a problematização crítica da branquitude feminina.
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brancas, mesmo que não aborde a agência delas nas relações raciais intra-gênero. Porém,
precisa-se levar em conta a possibilidade real de que não houve nenhuma mudança na
agência delas, diante da posição racial branca de si mesma ou de outras militantes brancas.
Nesta última parte da minha análise, porém, pretendo abordar o potencial da
branquitude crítica, isto é, de uma agência crítica das militantes feministas brancas, na
reflexão de Soares.
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como militante feminista branca e autora, não mostra o que é ‘ser branca’, menos ainda
mostra como se pode falar e afirmar este ‘discurso feminino branco’.
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ser branco, para o desenvolvimento de uma compreensão das implicações que o racismo
tem para este ser.
“Quando compreendemos como opera o privilégio branco, podemos começar a dar
passos para desmanchá-lo num nível pessoal tanto quanto institucional”, disse Rothenberg
(2005 (2nd ed.): 1). Não se encontra na reflexão de Soares, porém, um entendimento maior
de como opera privilégio branco. O seu privilégio racial, como observadora, expressa-se no
não-dever ou não-ter necessidade de analisar em profundidade a (própria) posição racial
das mulheres brancas (Wise 2005 (2nd ed): 120). Ao não assumir esta observação, faz com
que a sua própria reflexão possa ser analisada como um exemplo da perpetuação de
privilégio e hegemonia brancas.
Por fim, o seu desejo de rejeitar seus privilégios raciais - em contexto categórico uma
proposta para as mulheres brancas rejeitarem seus privilégios brancos - impossibilita uma
transformação real. Não é possível ‘rejeitar’ privilégios <30>, nem situar-se fora do sistema,
a fim de não-participar da, ou criticar a, hegemonia branca. (Brod em Johnson 2005 (2nd
ed): 104) Expressa-se, portanto, como uma proposta baseada em boas intenções, porém
não-construtiva.
“Privilégio […] permite às pessoas definir realidade e ter definiçoes vitoriosas para
que a realidade se encaixa em suas experiências. Privilégio significa poder decidir
sobre quem é levado a sério, que recebe atenção, quem deve prestar contas a quem
e sobre o quê.”
(Johnson 2005 (2nd ed): 103).
Privilégio branco, e o desejo de rejeitá-lo, vai além de interesses e vantagens
materiais. Um aspecto não problematizado pela autora é o fato que ela, como militante
branca, avalia as relações raciais intra-gênero no movimento de mulheres ou feminista. É
uma posição que, por sua racialidade hegemônica, lhe garantiria maior atenção. Mulheres
brancas que falam de racismo muitas vezes são levadas mais à sério por outras mulheres
brancas. Isto não significa que a autora não devesse ter escrito o seu texto, ao contrário;
mas a sua própria consciência de branquitude - um possível modo de ser criticamente
branca - começa como autora e com a sua posição racial na sua observação. Mesmo que
detecte, ou seja, reconheça, esta posição <30,32>, não responde efetivamente por seu
privilégio racial, nem na análise de outras brancas que desfrutam deste privilégio categórico.
81
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
9,13,15,16>. Discriminação racial também se expressa no texto na agência das militantes
brancas, na verdade por meio da ausência de uma agência delas <6-11>, ou seja uma
agência marcada pela omissão, característica de branquitude. Nesta omissão se poderia
reconhecer também uma ausência de crítica, a partir da autora, às mulheres brancas
observadas <3,5,12,14,15,18,21,28,29>. E, a ausência desta crítica, se poderia interpretar
como uma não-agência da própria autora como observadora e observada, como uma destas
‘nós’ <18,29,31,33>. A autora propõe, a fim de liberar as mulheres, “defrontar-se
virtualmente com todas as formas de opressão” <24>. Precisa-se perguntar, portanto, qual a
liberação ‘das mulheres’ que este feminismo propõe, qual a opressão, e quem, como
agentes desta opressão, deve ser defrontado. A opressão das mulheres negras é inscrita
como exercida pelo ‘sistema racista’, porém, no exercício desta opressão parecem estar
ausentes agentes individuais ou categóricos. As mulheres brancas não são consideradas e
tampouco se consideram como tais. Isto funciona como uma liberação parcial que não
modificará o status quo desta hegemonia branca, portanto das relações raciais desiguais.
Soares condena a cultura branca dominante, a exclusão, o poder, enfim, o outro lado
da moeda da subordinação. Mas, ao mesmo tempo, se exclui desta opressão como agente
intrinsecamente inerente <20,22,32,33,34>. Deste modo, parece pretender de fato situar-se,
fora do sistema, o que seria impossível (Brod em Johnson 2005 (2nd ed): 104). Por meio da
intenção de distancionamento da opressão ou do sistema opressor, do qual ela faz parte
como branca, a autora não reconhece o sistema hegemônico e, por conseguinte, tampouco
parece reconhece o seu próprio papel e agência possível e necessária nesta hegemonia. A
fim de se ‘defrontar realmente com todas as formas de opressão’, é necessário que se
responsabilize pelo sistema hegemônico de opressão e pelo contexto vantajoso que é
garantido às mulheres brancas, inclusive a si mesma.
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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Como já foi extensamente explicado, a exclusão racial existe somente devido a
atores que excluem racialmente; as relações raciais intra-gênero são marcadas, como
apontou inclusive a própria autora, pelas relações de poder e pela exclusão. Pelo foco da
autora em reverter a marginalidade e superar a exclusão, isto é, para a modificação da
“situação de subordinação” em vez da situação de dominação, se faz entender o desejo da
autora de “colocar a questão racial no interior das análises de gênero” <33> principalmente
como um desejo de ‘colocar a questão racial das mulheres negras no interior das análises
de gênero’. Porém, é preciso ‘colocar a questão racial das mulheres brancas no interior das
análises de gênero’.
Conseqüência lógica do sistema hegemônico é que a sua modificação
necessariamente deve vir de dentro (ver 3.2.2). Para tanto, mulheres brancas devem se
posicionar como tais, como brancas, em relação à hegemonia.
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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
“É por sua produção e sua aderência a este ‘senso comum’, esta ideologia (no
sentido mais amplo do termo), que uma sociedade dá seu consentimento à maneira
pela qual é governada.”
(Omi & Winant 1986 (2002): 130-1).
“A perpetuação do patriarcado e do racismo”, como disse a autora sobre este
sistema de dominação [278], ”não se dá somente no campo da identidade genérica, mas
também na manipulação e controle dos mitos, dos símbolos e das experiências vitais” [278].
O sistema está em todos os seus habitantes. Está em ‘todo [o] tecido social’ [259, 267],
encontra-se no nível pessoal e no institucional, mas, como um todo, é uma ideologia e é
reproduzido no e pelo senso comum. A transformação deste sistema requer uma
transformação deste senso comum, portanto da ideologia que garante a hegemonia branca
na sociedade. Mulheres brancas são constituintes e perpetuadoras desta sociedade que “dá
seu consentimento à maneira pela qual é governada” (Omi & Winant 1986 (2002): 130-1) e
também ‘governam’ o movimento de mulheres e o feminismo. Este pode produzir, pela
reprodução diferenciada, um outro senso comum: ‘mitos, símbolos ou experiências vitais’.
Mesmo que Soares explicitamente recuse o racismo, as desigualdades raciais,
inclusive os privilégios dos seus beneficiários, e assim fortemente se posicione, ela contribui
como autora para à continuidade do ‘senso comum’, através da racialidade neutralizada no
seu artigo. No seu papel de observadora, ela não rompe com a hegemonia branca.
É justamente por meio da ambigüidade que a autora percebe, quer individual quer
categoricamente, (sua) branquitude. A este respeito diz Frankenberg que brancos, sim,
sabem que são brancos. Porém diz Brod, “a única questão é se alguém é parte do sistema
de modo a desafiar ou a fortalecer o status quo.” (Brod em Johnson 2005 (2nd ed): 104).
Sem a problematização de branquitude, sem criticar, portanto, as mulheres brancas e seu
papel, como também a si mesma como autora e militante feminista branca, a autora não
desafia o status quo; perpetua a hegemonia branca e as relações raciais desiguais, dentro
da sociedade como um todo, mas, em particular, no movimento das mulheres.
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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Soares, mesmo apresentando a idéia de ‘rejeitar os privilégios’ e referindo-se às
conseqüências, não aprofunda a realidade dos privilégios raciais para as militantes brancas.
A não-nomeação sugere uma inexistência de branquitude, mesmo que, na verdade, assinale
sua presença normalizante e dominante. Contrário à sua tentativa - isto é: uma reflexão
crítica das relações raciais dentro do chamado movimento, e contestar o status quo - Soares
facilita a continuidade da hegemonia da branquitude.
Para uma militância feminista anti-racista, a qual Soares enfatiza, é preciso uma
postura crítica e uma agência consciente, a qual não pode ser limitada ao lugar conhecido
na subalternidade contra a opressão e o opressor exterior. Criticar a cultura branca
dominante, e “defrontar-se”, como a autora sugere, “virtualmente com todas as formas de
opressão” <24>, deveria implicar uma confrontação com a própria agência feminina
hegemônica branca da opressão intra-gênero.
No seu texto reconhece-se a existência da discriminação racial, dos privilégios
brancos, do lado opressor, a premissa para uma militância feminista branca plenamente
anti-racista. Porém, mostra-se ausente uma confrontação, cuja ausência impossibilita uma
expressão crítica à e da branquitude feminina para poder, nos dois lados da moeda, lutar
pelo ‘ideal de igualdade’.
Se considerar anti-racismo importante, e se reconhecer, mesmo em níveis diferentes,
o papel da branquitude na militância feminista branca, dever-se-ia perguntar: “[s]e intuimos a
discriminação, porém falhamos em criticá-la, o que temos feito para retificar a injustiça?”69. E
ainda é importante levar a militância feminista ainda mais a sério, e perguntar-se: “[s]e
reconhecermos nossos privilégios, porém falhamos em contestá-los, quão boa é nossa
constatação? (Wise 2005 (2nd ed): 120).
69
Original: “If we intuit discrimination, yet fail to speak against it, what have we done to rectify the injustice?”
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Considerações finais
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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Reconhece-se, à princípio, a interseccionalidade das questões raciais nas de gênero,
resultando em desigualdades socias específicas e diferenciadas. Denúncia-se o racismo na
sociedade e em particular denuncia-se o elemento racista no movimento feminista.
Por outro lado, se esperaria que a preocupação maior com a questão racial na
militância feminista branca representasse uma inclusão do seu lado da moeda: ou seja as
especifidades raciais das mulheres brancas e o reconhecimento de que mulheres brancas
‘ocupam um lugar no racismo’ (Frankenberg 1997: 9). A autora inclui a posição racial das
feministas brancas na sua reflexão quando, por exemplo, detecta mulheres brancas como
categoria racial; quando se posiciona como (militante) branca; quando trata da rejeição
desejada dos privilégios brancos; e, consciente do lado opressor no sistema hegemônico, a
autora, e com ela um movimento de mulheres (brancas), denuncia o sistema opressor - o
qual pode ser entendido como racista – na sua convicção de “defrontar-se virtualmente com
todas as formas de opressão” <24>.
O mesmo olhar, com base nos estudos críticos de branquitude, mostra uma outra
face pela qual a branquitude se expressa no texto, a qual está em oposição com a anterior
mostrada. Observando este outro lado da moeda, apresenta-se a posição racial branca na
sua expressão parcial, por meio da qual está ausente a critica à branquitude nas suas
“condições sociais, econômicas e políticas” <16>, ou seja nos seus “efeitos materiais e
discursivos.” (Frankenberg 2004: 312-3)
A militância feminista falha na pretensão de beneficiar todas as mulheres. O
feminismo, na função de emancipar todas as mulheres, tem se diferenciado pela preferência
racial dos interesses a serem obtidos. Na realidade privilegia as mulheres brancas, pelo foco
em seus próprios interesses, o qual poderia ser chamado de um ‘pacto narcísico’. Tais
interesses, como indicado anteriormente, são criticados, por meio do desejo da rejeição,
porém, na prática, não são discutidos, nem percebidos assim (Frankenberg 2004: 312-3). É
"a experiência paradoxal de ser privilegiado sem se sentir privilegiado” (Johnson 2005 (2nd
ed)).
As feministas brancas, pelo menos na reflexão, de certo modo se vêem como
mulheres brancas, porém não se enxergam também intrinsecamente como mulheres
brancas, negando sua racialidade (Johnson 2005 (2nd ed): 103-7). Provavelmente de modo
contrário à sua intenção, a autora tende a se explicitar cegamente diante de sua própria
posição racial, tanto quanto diante da posição de outras militantes brancas. A autora inclina-
se a, se situar fora da sua própria reflexão. Sua posição racial branca, entendida como
representante categórica da branquitude feminina, exclui-se na sua reflexão deste ideal,
como se não fizesse parte dele. Assim, opera como observadora não-observada
(Frankenberg 1997: 15-6), supostamente sem racialidade.
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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Antes de tudo espera-se que militantes feministas brancas se vejam “a si próprias ou
ao seu grupo racial”. Porém, no texto analisado, não tendem a enxergar-se racialmente
“como elementos implicados num processo indiscutivelmente relacional” (Bento 2002a: 48).
Por meio do uso de termos geralizantes, pela não-nomeação, pela não-problematização, ou
seja, pela não-especificação racial, invisibilizam-se a posição e a agência das militantes
feministas brancas e do feminismo branco. Portanto não se critica as militantes e a militância
brancas. A branquitude tende assim a funcionar na forma de race obliviousness. (Dalton
1995 (2005): 17; Frankenberg 1997: ; Bento 2003b: ; Frankenberg 2004)
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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
racial das mulheres negras. A própria agência - indivíduo ou categoria - é desracializada.
Não se inclui uma crítica, expressada pelas militantes brancas observadas, seja pela autora
como observadora, à agência feminista racial. Por conseguinte, não se propõe uma
militância feminista branca crítica a partir deste lugar de opressão. Porém, a hegemonia
racial é perpetuada pelo seu status quo continuado, cuja persistência é permitida e exercida
pelas militantes brancas, sejam as observadas, seja a observadora, devido à ausência da
crítica ou resistência ao status quo racial (Wildman 1995 (2005 2nd ed)). O “ideal de
igualdades” [263], proposto pela autora, encontra-se, portanto, numa lacuna racial. Exclui-se
a análise da posição racialmente marginalizante das mulheres brancas, deste modo
negando esta lacuna na sua militância feminista branca.
Por meio disto evita-se uma confrontação com a (própria) agência feminista branca
potencialmente modificadora para o anti-racismo, impossibilitando de fato uma agência
feminista branca anti-racista crítica como branca. É a contradição que marca este texto
reflexivo. Reconhece-se que as desigualdades raciais “[têm] alguma coisa a ver com [a]
branc[a]” (em Bento 2003b: 199), porém mostra-se a militância feminista branca no seu
caráter racialmente parcial, pelo fato de que militantes brancas constatam que há
discriminação racial, que têm, como conseqüência, privilégios brancos, porém não
combatem esta sua posição racialmente hegemônica.
Dever-se-ia perguntar quão boa é, portanto, esta constatação se não contribui para a
luta contra o lado branco do racismo (Wise 2005 (2nd ed): 120). Não existe algo como culpa
categórica de feministas brancas pelo racismo, pelas desigualdades raciais, pela herança
escravocrata. Porém, o produto da hegemonia branca e a captação do senso comum
tampouco podem ser desculpas para as escolhas, sejam elas conscientes ou inconscientes,
de não tirar a máscara branca. Não podem ser desculpas para a escolha de deixar em
branco sua responsabilidade racial privilegiada e hegemônica na militância feminista anti-
racista.
Por fim, considero importante enfatizar aqui que este trabalho foi nada mais do que
uma pesquisa introdutória da branquitude (feminina militante), tomando como peça exemplar
este texto reflexivo - e deste modo a militância feminista branca -, para sua análise.
Obviamente, branquitude não é um fenômeno novo. Ao contrário, por sua pertença
intrínseca às relações raciais, é tão antiga quanto as relações raciais. Por conseguinte,
branquitude deveria ser abordada como aspecto do colorário das desigualdades raciais e do
racismo: na sua expressão nos níveis individual, relacional, interpessoal, e sistêmico.
Estudos críticos de branquitude ainda são poucos, mas sua realidade traz a necessidade de
89
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
problematizar e criticá-la com foco nos seus efeitos materiais e discursivos. A partir deste
lugar gostaria de chamar, por último, outras/os pesquisadoras/es, e em particular
brancas/os, para (se) responsabilizarem e (se) criticarem a branquitude, seja na academia,
na militância, seja na vida cotidiana.
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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG