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Dieuwertje Dyi Huijg

― 9921109 ―

FEMINISTAS BRANCAS ...


... TIRANDO A MÁSCARA?

A EXPRESSÃO DA BRANQUITUDE FEMININA


NAS RELAÇÕES RACIAIS INTRA-GÊNERO

Trabalho de Conclusão para o Mestrado


(Doctoraal), do Departamento Línguas e
Culturas da América Latina da Faculdade de
Letras da Universidade de Leiden, Holanda,
sob a orientação da Profa. Dra. M.L.
Wiesebron

Banca Examinadora:

1ª Leitora: Profa. Dra. M.L. Wiesebron


Universidade de Leiden, Holanda
2ª Leitora: Profa. Dra. L. Moutinho
Universidade de São Paulo, Brasil

Amsterdam
2007
Wie het geluk aan zich bindt Quem sabe ligar a felicidade a si
vernielt het gevleugelde leven destrói a vida alada
maar wie het geluk kust mas quem beija a felicidade
terwijl het voorbij vliegt enquanto passa voando
leeft in de zonsopgang vive no nascer do Sol
van de eeuwigheid da eternidade

Toyohiko Kagawa (Tradução livre, DDH)

para minha omie

obrigada
por sua força
por sua rebeldia
por ser eigenwijs
sábia, única e diferente
você continua vivendo em mim

op het goede en betere leven

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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Agradecimentos

No caminho da finalização deste curso, por vários motivos intenso, diverso e por
muito tempo duro, foram muitas as mulheres e os homens que me inspiraram.
Antes de tudo, quero agradecer minha Professora Dra. Wiesebron por sua
competência, a que me deu a oportunidade de aprofundar-me nas questões de relações
internacionais, integração regional e globalização, com o foco na região de América Latina
e, em particular, nas questões de gênero. Agradeço-a também pelo espaço e liberdade que
tive durante todos estes anos de estudos, e igualmente pela paciência e incentivo que me
levaram ao resultado positivo e à conclusão deste Mestrado (Doctoraal). Agradeço ainda
sua sugestão no meu primeiro ano de estudo, que felizmente me ‘fez’ estudar no e voltar ao
Brasil, o que gerou conseqüências impactantes e modificadoras para este estudo e para
minha vida.
Agradeço à Professora Dra. Moutinho por ter aceitado meu pedido para ser a
segunda leitora desta dissertação. Como especialista na àrea de raça e sexualidade, avalio
que sua leitura trará uma contribuição enriquecedora para os aprofundamentos futuros de
assuntos tratados aqui.

O Brasil é o país onde encontrei a minha segunda pátria, onde perdi o meu coração,
encontrei minhas paixões, na militância e na academia, nos amores e nas amizades. Em
épocas e espaços diferentes encontrei vocês. Me mostraram o seu Brasil nas suas diversas
faces, compartilharam comigo suas vidas, idéias e seus mundos: Karine Bertani, Lilian Lirio,
Dunia Schneider, Elaine Campos, Gustavo Gomes da Costa Santos, Amelinha Teles,
Daniela de Melo, Isadora Lins França, Elcimar Dias Pereira, Toya, Isabela Oliveira Pereira
da Silva, Leandro Santos, Mafoane Odara e Lourenço Cardoso. Estou feliz por ter cruzado
seus caminhos e poder compartilhar momentos ricos com muitos de vocês. Sem saberem,
foram vocês que me entusiasmaram, me criticaram, me estimularam, me inspiraram. Vocês
me mudaram!! Espero poder retornar sempre.
Eunice Almeida da Silva, especialmente quero agradecer a você profundamente, por
sua fé e seu apoio. Você me inspirou, você acreditou em mim. Obrigada.
Estou muito grata a Adriano Ropero, que, no meio deste processo enlouquecido,
encontrou o tempo para me criticar, portanto me apoiar e motivar a continuar e melhorar.
Por último, agradeço profundamente a Edith Piza, pelo trabalho impossível da edição

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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
(óbviamente o meu PortuHolandês incompreensível e todos os erros sob minha
responsabilidade!), e, mais importante, pelos diálogos e críticos entusiasmantes.

Holanda é a terra onde nasci e cresci. São tantas energias boas que não hará
espaço para agredecer a todas, portanto algumas. Phil & Ielma Bennis, em (sua) casa, a
sua comida e conversa maravilhosa, agradeço.
Quero agradecer a Sanne Daamen (in memoriam), Wendelien Mijnheer e Roos van
den Brenk por serem amigas de tantos anos, comecei com vocês. Jae Sook Hemel,
lariekoek 29, minha querida prima e amiga. Agradeço, entre outros, a Karen Kraan, Deborah
de Bruyn, Sylvia Stek, Petra Schultz, Twie Tjoa, Mohamed Aynan, Anannya Shila, Mico
Johnson, Veronica Olenski, Lucky Pere, Inssaf Cherif, Jens van Tricht, Bob Wester e Brenda
Groen, por, físicamente e virtualmente, sua amizade, militância, e espiritualidade.
Gracias, Astrid Runs, você não somente é uma amiga e companheira na militância,
mas acadêmicamente me continua apoiar, criticar e inspirar.
Marjan P., obrigada pela confiança, e pelo dúvida, descobrimento, aprofundamento e
fortalecimentos possibilitados.
Quero agradacer todas as mulheres e outros que tenho encontrado nos diferentes
espaços da militância. Companheiras da Stichting Zami, organização de mulheres negras,
migrantes e refugiadas na Holanda; e as meninas da V-mania, rede de mulheres jovens na
Holanda. Agradeço a vocês em particular por sua inspiração, força e luta.

Agradeço profundamente à minha família, com a qual aprendi a pensar, opinar e


sempre e sempre (auto-)criticar, e que, sofreu tantas opiniões e críticas minhas, mas graças
à qual continuo re-pensá-las. Foram meus irmãos, Sjoerd, Teun e Aart, que me mostraram o
outro lado da moeda, e, por meio de seus carinhos, opções e caminhos diversos, comecei a
entender a complexidade das relações de poder(es), espalhados pelos diferentes eixos, e a
minha (o)posição ao lado deles. Grata aos meus pais, Joske van Nistelrooij e John Huijg,
que me ensinaram a ser uma Ser social & política, convencida, e ambiciosa.
Quero dedicar a última palavra à minha mãe Joske, que me ensinou a ser uma
feminist-tje, para que eu sempre pudesse conseguir realizar os meus sonhos. Lieve mama,
foi você quem sempre esteve ao meu lado, que naqueles momentos mais duros me
acompanhou, e, quando a hora chegou, com o mesmo amor, me deixou. Dank je.

Dieuwertje Dyi Huijg


Amsterdam, Julho 2007

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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Resumo

A dissertação aquia apresentada é uma tentativa de entender a


expressão de branquitude no movimento feminista (branco) no Brasil. Está
baseada no texto, O verso e reverso da construção da cidadania feminina,
branca e negra, no Brasil (Soares 2000 (1997)), no qual uma militante
feminista branca reflete sobre o racismo e sobre as relações raciais neste
movimento feminista. O trabalho focaliza a expressão de branquitude,
primeiramente na militância - feministas brancas, como categoria, observadas
pela autora desse texto; e, segundo, na reflexão da autora do texto, na sua
função de observadora das relações raciais intra-gênero tanto quanto na sua
função de observada - por sua pertença ao grupo de militantes feministas
brancas. Esta posição na militância é ambigüa e de aparente oposição,
entrecruzada pelas relações desiguais de poder diferenciadas nos eixos de
gênero e raça. A pesquisa aborda esta questão com base no quadro teórico
da interseccionalidade. Visa assim elaborar a posição específica das
militantes feministas brancas, a partir do debate em torno de estudos críticos
de branquitude. Conceitos destes estudos são utilizados para a análise,
considerando-se branquitude como um constructo social, seu caráter
relacional, o privilégio branco, a hegemonia branca e, por fim, a
responsabilidade branca.

Abstract

The thesis presented here attempts to understand the expression of


whiteness in the (white) feminist movement in Brazil. It is based on the text, O
verso e reverso da construção da cidadania feminina, branca e negra, no
Brasil (Soares 2000 (1997)), written by a white feminist activist where she
reflects on racism and race relations within this feminist movement. This thesis
focuses on the expression of whiteness in, firstly, the activism of white
feminists as a category, as such observed by the author, and, secondly, in the
reflection of the author of this text, in her role as an observer of the intra-
gendered race relations as well as in the role of the observed - her belonging
to the group of white feminist activists. This position in activism is an
ambiguous and apparent opposition, intersected by differentiated unequal
power relations on the axes of gender and race. This research approaches the
matter on the basis of the theoretical framework of intersectionality. It aims to
elaborate the specific position of white feminist activists taking the debate
around critical whiteness studies as a starting point. Concepts of these studies
are used for its analysis, as whiteness as a social construct, its relational
character, white privilege, white hegemony, and, lastly, white responsibility.

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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Sumário

Introdução .......................................................................................................................... 8

Capítulo 1
Feministas brancas contextualizadas ............................................................................ 11
1.1 A PESQUISA ............................................................................................................ 11
1.2 DESIGUALDADES RACIAIS EM CONTEXTO DE GÊNERO NO BRASIL .............................. 13
1.2.1 Desigualdades: gênero cruzando o contexto racial .............................................. 13
1.2.2 Discriminação: preconceito & racismo ................................................................. 14
1.3 MULHERES BRANCAS NA TRANSFORMAÇÃO SOCIAL ................................................. 15
1.3.1 A posição governamental para a igualdade (parcial) ............................................ 15
1.3.2 Mulheres transformando ou mulheres para serem transformadas ....................... 16

Capítulo 2
Mulheres brancas: gênero x raça ......................................................................................18
2.1 O CONCEITO DE GÊNERO .........................................................................................18
2.2 O CONCEITO DE RAÇA ............................................................................................. 19
2.2.1 Raça como essência classificatória ...................................................................... 19
2.2.2 Raça como construção social ............................................................................... 21
2.2.3 Discriminação racial e racismo ............................................................................. 22
2.3 Interseccionalidade: raça x gênero ....................................................................... 24

Capítulo 3
Branquitude ........................................................................................................................ 26
3.1 O BRANCO RACIALIZADO: A BRANQUITUDE NAS RELAÇÕES RACIAIS ........................... 27
3.1.1 A construção social branca: o grupo racial branco existe ..................................... 27
3.1.2 Caráter relacional da branquitude ......................................................................... 30
3.2 A SOCIEDADE RACIALMENTE ESTRUTURADA POR PRIVILÉGIO .................................... 31
3.2.1 Discriminação racial e privilégio branco ................................................................ 31
3.2.2 Hegemonia branca ............................................................................................... 34
3.3 BRANQUITUDE: BRANCO DIANTE BRANCO ................................................................. 36
3.3.1 O branco no espelho ............................................................................................ 36
3.3.2 Os brancos juntos ................................................................................................. 37
3.4 BRANQUITUDE CRÍTICA ............................................................................................ 38
3.4.1 Branquitude interseccional ................................................................................... 39
3.4.2 Saber ser branco................................................................................................... 40

Capítulo 4
Branca & (anti-)racismo
Resumo: “O verso e reverso da construção da cidadania feminina, branca e negra, no
Brasil” ................................................................................................................... 42

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Capítulo 5
Branca sobre brancas ....................................................................................................... 45
5.1 A BRANCA RACIALIZADA: BRANQUITUDE NAS RELAÇÕES RACIAIS ............................... 45
5.1.1 Mulheres brancas como categoria (não)racial ..................................................... 46
5.1.2 Mulheres brancas como construção social .......................................................... 49
5.1.3 Mulheres brancas e a branquitude hegemonizante ............................................. 50
5.1.4 Resumo crítico ..................................................................................................... 53
5.2 BRANQUITUDE: BRANCA DIANTE BRANCA ................................................................. 55
5.2.1 (Auto-)consciência racial branca .......................................................................... 55
5.2.2 Mulheres brancas na relação entre si .................................................................. 56
5.2.3 Resumo crítico ..................................................................................................... 57
5.3 A SOCIEDADE ESTRUTURADA POR DESIGUALDADE RACIAL ....................................... 59
5.3.1 Mulheres brancas no racismo .............................................................................. 59
5.3.2 Mulheres brancas privilegiadas ........................................................................... 63
5.3.3 Mulheres brancas na hegemonia racial ............................................................... 66
5.3.4 Resumo crítico ..................................................................................................... 69
5.4 BRANCAS ENTRECRUZADAS .................................................................................... 71
5.4.1 Branquitude interseccional ................................................................................... 71
5.4.2 A interseccionalidade diferenciada ...................................................................... 72
5.4.3 A interseccionalidade hierarquizada .................................................................... 73
5.4.4 As mulheres brancas em posição ambigüa no sexismo e racismo ..................... 74
5.4.5 Resumo crítico ..................................................................................................... 77
5.5 PARA UMA BRANQUITUDE FEMININA CRÍTICA ............................................................ 78
5.5.1 Saber ser branca .................................................................................................. 79
5.5.2 Reconhecer-se como branca racializada ............................................................. 80
5.5.3 Conhecer para compreender e para transformar ................................................ 80
5.5.4 A responsabilidade branca .................................................................................. 81
5.5.5 Mulheres brancas persistentes ou resistentes: estratégias para a
des/continuidade do status quo ........................................................................... 82
5.5.6 Resumo crítico ..................................................................................................... 84

Considerações finais ........................................................................................................ 86

Bibliografia ......................................................................................................................... 91

Anexo
Cópia do original: “O verso e reverso da construção da cidadania feminina, branca e negra,
no Brasil”

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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Introdução

Sendo uma militante feminista branca muito crítica e radical, em particular sobre as
relações raciais no movimento, apresentou-se o tema para o meu trabalho de conclusão do
meu curso Línguas e Culturas da América Latina (Universidade de Leiden, Holanda): A
expressão da branquitude na militância feminista branca no Brasil.

Se feminismo implica um combate a fim de alcançar a igualdade inter-gênero,


também deve incluir uma luta pela igualdade intra-gênero. O eixo racial é um determinante
significativo na questão intra-gênero. Há muita pesquisa sobre a posição de gênero de
feministas brancas, por outro lado, há pouca pesquisa com foco em sua posição racial.
Sobre a parcialidade da pesquisa disse Caldwell que “[a] falha em abordar a relação entre
dominação racial e de gênero tem obscurecido a cumplicidade das mulheres brasileiras
brancas na manutenção do privilégio branco, e, em contrapartida reforçou o status
subalterno de mulheres negras”1 (Caldwell 2001: 222). O feminismo portanto resulta parcial,
mulheres brancas combatem um problema supostamente de gênero, mas não enxergam o
entrecuzamento racial.

Mesmo na investigação das relações raciais, em pesquisas acadêmicas ou


militantes, brancos brasileiros escapam de uma atenção específica. Obivamente houve
alguns estudos no Brasil, os quais se poderia chamar estudos críticos de branquitude, nos
quais brancos explicitamente foram racializados e, assim, problematizados na sua posição
racial privilegiada2. São poucos, se bem que estudos brasileiros especificamente sobre
mulheres brancas sejam raros. É preciso a análise de mulheres brancas em relação intra-
gênero e em contexto racial, isto é, uma análise de sua branquitude.

Em Tirando a Máscara. Ensaios sobre o racismo no Brasil reuniram-se textos que


“mostram que o anti-racismo brasileiro avançou” (Guimarães & Huntley 2000: Capa).

1
Original: “[the] failure to address the relationship between racial and gender domination has obscured White
Brazilian women’s complicity in maintaining White privilege and, in turn, reinforced the subaltern status of Black
women”
2
Para referir-me a alguns exemplos, se poderia ler mais em, por exemplo, Ramos (1956), um dos pioneiros,
Sovik (2004), a tese de doutoramento da Bento (2002b), textos da Piza (2000: ; 2005), e vários textos no livro
recém publicado Psicologia Social do Racismo. Estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil (Bento &
Carone 2003).

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Pretendeu-se remover “a máscara atrás da qual estão escondidas as conseqüências cruéis
de atitudes antiquadas e práticas injustas relacionadas a raça, cor ou aparência” (Ibidem
11). Nesta coletânea há dois capítulos especificamente sobre mulheres brancas escritos por
mulheres brancas. Um destes trata das relações raciais intra-gênero3. Assim, O VERSO E
REVERSO DA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA FEMININA, BRANCA E NEGRA, NO BRASIL, Soares (2000
(1997)) se dedicou, a partir de uma perspectiva militante (feminista), à análise das relações
raciais dentro da militância feminista, ou movimento de mulheres, e ao combate contra o
racismo.
De acordo com o anteriormente apresentado, procuro neste trabalho investigar
mulheres brancas, em contexto de militância feminista, na sua posição racial. Para tanto
tomo o texto de Soares como peça exemplar, buscando ali expressões de branquitude, e
pergunto:

1 Na análise de mulheres brancas, como é expressada a branquitude?

Pelo caráter duplo da análise, mulheres brancas em situação de objeto de análise


por mulheres brancas, tanto quanto estas em situação de sujeito, como observadora,
analisando outras brancas, esta pergunta principal contém duas sub-perguntas:

1.1 Como expressa-se a branquitude na análise das mulheres brancas, a saber nas
mulheres brancas como objeto de estudo e observação?

1.2 Como expressa-se a própria branquitude da agente nesta análise, a saber a


mulher branca como observadora?

Para a análise de mulheres brancas é necessário, antes de tudo, enquadrar o


conceito de raça, de gênero, bem como o conceito de interseccionalidade que é o lugar
onde mulheres brancas se encontram na intersecção de gênero e raça. Depois deste
primeiro capítulo teórico, demarcarei o conceito de ‘branquitude’ no capítulo seguinte, a fim
de analisar a branquitude desde a posição feminina branca. Para isto, me baseio em textos
recentemente publicados no Brasil por Piza (2000), Bento (2003b: ; 2003a), e nos Estados
Unidos por Frankenberg (2004), apoiados por outras publicações.
Em seguida darei um breve resumo do texto a ser analisado, a saber O VERSO E
REVERSO DA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA FEMININA, BRANCA E NEGRA, NO BRASIL (Soares 2000
(1997)). Prossigo, no quinto capítulo, com a análise do artigo, conforme o quadro teórico
anteriormente apresentado. Por último, fecharei este trabalho de conclusão com um resumo
dos dados encontrados, e algumas considerações finais.

3
O outro texto, uma análise crítica da posição racial de mulheres brancas não–militantes, é da Piza (2000).

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Gostaria ainda de ressaltar alguns pontos referentes às minhas escolhas de
tratamento do texto, quais sejam: analisar o texto como objeto de observação e sua autora
como sujeito de observação.
Primeiramente, este texto não é uma conclusão final, é uma análise introdutória. É
uma tentativa de contribuir para uma discussão crítica da posição racial privilegiada, isto é
branca. Procuro problematizar em particular a agência feminista branca. Não para confrontar
minhas companheiras, seja na militância, seja na academia; ao contrário, este estudo pode
ser entendido como um trabalho dentro da hegemonia a fim de modificá-la pela crítica ao
senso comum e ao pensamento hegemônico. Uma crítica que ao final das contas, na minha
posição de militante (feminista branca), também é uma auto-crítica, pois implica a obrigação
da procura por alternativas, quais sejam uma agência feminista branca anti-racista, que
ainda precisa ser encontrada.
Em seguida, não é de modo algum uma análise do feminismo da autora do texto,
nem pretende ou deseja ser. Soares, como pessoa não é o alvo da minha crítica à
branquitude no feminismo (branco), quer no movimento (branco) feminista e/ou de mulheres.
A reflexão de Soares é tomada como peça exemplar do discurso branco feminino, em
particular feminista. Não pretendo criticar aqui a autora como ‘pessoa’, repito. Porém sua
função de autora com base no seu posicionamento como militante feminista branca a leva à
função de representante exemplar nesta análise do feminismo branco. Justamente o fato da
autora procurar forma para refletir nas relações raciais dentro da militância feminista, a partir
do seu posicionamento como feminista branca, merece todo meu respeito.

Por último, quero chamar a atenção para questão da língua e linguagem com que
escrevi este texto. A minha língua materna é o holandês e se poderia dizer que o inglês é a
minha segunda língua, o português seria a terceira língua que pretendo dominar. Procurei
me expressar da melhor maneira possível, porém nem sempre encontrei as palavras mais
exatas e sutis, mesmo assim busquei tratar o tema e o texto analisado com a maior atenção
possível.
Por fim, todas as traduções foram feitas por mim. Para não arriscar
desentendimentos, incluí todas as citações no original, em nota de rodapé.

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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
1
Feministas brancas contextualizadas

Q: Há desigualdades raciais?
A: Há!
Q: Há uma carência negra?
A: Há!
Q: Isso tem alguma coisa a ver com o branco?
A: Não!
(em Bento 2003b: 199)

1.1 A PESQUISA

É comum para a população branca brasileira pensar desigualdade e discriminação,


nas relações raciais, como parciais; ou sejas, somente atingiriam a população negra (os
outros grupos raciais não-brancos são pouco discutidos). Mesmo brancos que se
preocupam com as desigualdades raciais, até mesmo os que se comprometem em
combate-las, continuam se excluindo desta relação. ”[V]ê-se que as duas profissionais
[brancas], embora envolvidas em ações de combate ao racismo, não viam a si próprias ou
ao seu grupo racial como elementos implicados num processo indiscutivelmente relacional.”
observa Bento, num seminário sobre saúde e raça (Bento 2002a: 48). A categoria racial
branca se mostra e se pensa como ausente, nas relações raciais. Brancos não acham que
‘têm a ver’ com as desigualdades raciais e, portanto, não se consideram responsáveis pela
contribuição categórica (de brancos como categoria ou grupo) a estas desigualdades.

Transpondo este discurso para as desigualdadas de gênero, são as mulheres as


vítimas, oprimidas, ou, em palavras mais específicas, as pessoas mais desprivilegiadas nas
relações de gênero e, neste caso, é a contribuição de homens e a masculinidade que estão
ausentes. “O que eu queria dos homens é que, finalmente, falassem um discurso masculino
e que afirmassem que o fazem”4, disse Irigaray (em Grosz 1997: 83), fazendo uma crítica à
dominância masculina. Nesta crítica ela chama os homens a assumirem responsabilidade
por seu discurso e sua posição dominante.

4
Original: “What I would want from men is that, finally, they would speak a masculine discourse and affirm that

11
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Irigaray parte de uma posição feminina ‘subordinada e desprivilegiada’, diante do
poder dos homens. No mesmo momento, homogeniza a experiência feminina, na sua
subordinação e desvantagem contra o ‘inimigo masculino’,. “[C]omo é verdadeiro o fato de
que todas as mulheres estão, de algum modo, sujeitas ao peso da discriminação de
gênero”, disse Crenshaw, “também é verdade que outros fatores relacionados a suas
identidades sociais, tais como classe, casta, raça, cor, etnia, religião, origem nacional e
orientação sexual, são ’diferenças que fazem diferença’ na forma como vários grupos de
mulheres vivenciam a discriminação." (Crenshaw 2000 (2002): 173).
Não somente são várias as experiências das mulheres, mas são diferentes e
assimétricas. A categoria ‘mulher’ - embora mulheres formem um grupo - é um grupo plural,
pois as mulheres são também diferentes, com identidades e posições sociais diferentes “que
fazem diferença”. Tanto as mulheres, na observação da Bento, quanto na de Irigaray
entendida nesse trecho, podem ser compreendidas como não exclusivamente ‘mulheres’, no
eixo de gênero. A diferença no eixo racial faz a diferença entre as mulheres, colocando-as
no entrecruzamento de raça e gênero. Assim, mulheres brancas ficam em oposição a
mulheres negras.

As diferenças entre mulheres são fundamentais5. Não se pode, enquanto mulher


branca, opor-se a “homens”, ou ao sistema sexista, sem levar em conta sua própria posição
neste sistema, quando analisado também como racial: o sistema sexista é (o sistema)
racista. Neste caso, militantes brancas lutando contra a “opressão masculina” de forma
individual, categórica ou sistêmica, que não levem em conta a “opressão branca”,
contribuiriam para a perpetuação do sistema racista, dentro da luta anti-sexista.
Parafraseando Irigiray, ‘o que eu queria de mulheres brancas é que, finalmente,
falassem um discurso branco feminino e afirmassem que o fazem’6 (Interpretação minha da
Irigaray em Grosz 1997: 83). Portanto, pretendo investigar neste trabalho a (não)afirmação
de mulheres brancas, no Brasil, enquanto parte das relações raciais, em contexto de
militância feminista. Procuro analisar mulheres brancas tanto como significado - objetos de
observação - quanto como significante - observadoras de relações raciais, em função da
militância feminista.

Com este objetivo analisarei o texto O VERSO E REVERSO DA CONSTRUÇÃO DA


CIDADANIA FEMININA, BRANCA E NEGRA, NO BRASIL, escrito por Soares (2000 (1997)) a partir de

they are doing so”


5
Leve-se em conta que outros eixos, como classe, sexualidade etc. influenciam também a posição social e a
identidade de todas as mulheres.
6
Original: ‘[w]hat I would want from white women is that, finally, they would speak a white female discourse and
affirm that they are doing so’.

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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
uma perspectiva militante feminista e sobre a militância feminista, tendo sido publicado
numa coletânea sobre racismo no Brasil, Tirando a Máscara. Ensaios sobre o racismo no
Brasil (Guimarães & Huntley 2000).
Antes, porém, de prosseguir com o trabalho aqui apresentado, gostaria de esboçar o
contexto racial e de gênero e suas desigualdades fundamentais, no Brasil.

1.2 DESIGUALDADES RACIAIS EM CONTEXTO DE GÊNERO NO BRASIL

1.2.1 Desigualdades: gênero cruzando o contexto racial

São significativas as diferenças entre os grupos de gênero, homens e mulheres, e os


de raça, brancos e negros7. Entre ambos encontram-se desigualdades graves. Para ilustrar
este fato tomemos as desigualdades de renda. No Brasil houve, nos últimos anos, uma
queda na (extrema) pobreza, resultando em uma desigualdade salarial familiar per capita
menor do que nos últimos trinta anos, segundo o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (2005). Mesmo assim, analisando estes dados no entrecruzamento dos
eixos racial e de gênero, não foi observada uma contribuição significante à diminuição
destas desigualdades persistentes. Pois, “[e]m 2004”, diz o PNUD, “homens com as
mesmas características observáveis que as mulheres recebiam salários 70% mais altos. Já
os brancos com características observáveis idênticas às dos negros tinham uma
remuneração 30% mais elevada.“ (IPEA 2006: 7n10). Assim, os salários médios
diferenciados pelas desigualdades de gênero em contexto racial, apresentam-se da seguinte
forma:
Salário/mês Brancos Negros Total
Homens R$ 723,55 R$ 315,24 R$ 541,44
Mulheres R$ 350,62 R$ 189,48 R$ 270,33
Total R$ 525,64 R$ 270,33
(Dados da PNAD em PNUD 2005)

Estes dados mostram que, diferente do que muitas vezes se presume, a


desigualdade racial é mais impactante de que a de gênero; homens brancos ganham 3,8
vezes mais do que mulheres negras, mas são também mulheres brancas que ganham 1,1
vezes mais do que homens negros, e 1,85 vezes mais do que mulheres negras.

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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
1.2.2 Discriminação: preconceito & racismo

Desigualdades raciais são conseqüências de discriminação racial, a qual se


expressa como preconceito racial e, em forma mais sistêmica, como racismo; de modo
(mais) sútil e velado, ou de modo explícito. Assim, a violência física entre mulheres, ou intra-
gênero, já acontecia desde a época da escravidão (Godinho 2006). Vê-se uma continuação
desta agressividade, agora expressada verbalmente pela geração jovem branca. Esta
agressividade está ativa em comunidades explicitamente racistas, no Orkut8. “[Nós brancas]
precisamos ter mais filhos para que nossa raça não sucumba”, disse Amália na sua
comunidade denominada “100% Branco”. Critica as mulheres brancas que têm parceiros
não-brancos, as que “decidem ‘sujar’ o sangue de suas crianças...”, Vivane reagiu
abertamente ao comentário de Amália: “eu sou racista mesmo (...). Sou descendente de
europeus e gosto somente de gente como eu, de sangue puro.” (encontrada na Mídia
Independente 2004). Tais comentários, vindos de mulheres brancas, tratam especificamente
de questões de gênero, como a reprodução em contexto racial.
A forma aberta de racismo, portanto, não desapareceu com o tempo. Porém, não é
esta a forma de racismo majoritariamente em uso. Em 2003 foi feita uma pesquisa sobre a
intensidade de discriminação racial e preoconceito de cor no Brasil (G Santos & Silva
2005)9. Dos brancos brasileiros, 44% opinam que ser branco ou negro no Brasil não é a
mesma coisa. Mesmo assim, 90% dos brancos acham que há racismo no Brasil, e destes,
50% consideram que existe muito racismo. (Ibidem 140-1). Dos brancos, 51% acham que
brancos têm muito preconceito e 36% acham que têm pouco preconceito de cor em relação
aos negros. Supreendemente, falando de si mesmo, 96% acham que não têm preconceito
de cor (Ibid. 144-5). Contrário ao que foi mostrado acima, somente 28% dos brancos não se
mostraram preconceituosos e, então, em graus diferentes, 72% dos brancos mostraram
preconceito explicitamente (Ibid. 148).10
Apesar do dito popular “brasileiro tem preconceito de ter preoconceito”, racismo e
preconceito racial não são exceções no panorama brasileiro11 e entrecruzam a questão de

7
Os outros grupos raciais ou étnicos, como os indígenas e os ásia-brasileiros, aparecem pouco nas estatísticas.
Muitas vezes, por seu pequeno número são ‘contados’ no grupo racial negro (os indigenas) ou no grupo racial
branco (os asiáticos).
8
Orkut, de 2004, é uma comunidade virtual no internet pela qual se criam um tipo de redes sociais
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Orkut). A maior das comunidades racistas investigadas por Castilho et al. (2005) teve
31.323 membros na época (Eu odeio as "Minas Mano" , Nº 267420).
9
Esta é uma continuação aprofundada da pesquisa feita em 1995 pelo Datafolha (Turra & Venturi 1995).
10
Neste trabalho não terei oportunidade de aprofundar a complexidade e, na minha opinião, a ambigüidade dos
resultados encontrados nessa pesquisa, portanto os dados aparecem aqui de forma simplificada.
11
Obviamente, discriminação racial não se limita à realidade brasileira. Em publicação holandesa recente sobre
racismo na Holanda, pareceu que 37% dos (descentes de) antilhanos, 40% dos surinameses, 48% dos turcos e
55% dos marroquinhos (chamados allochtonen) passaram em 2004-2005 por experiências de racismo, embora

14
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
gênero. Mulheres brancas, como parcela da população branca geral, discriminam, têm
preconceito e mostram uma certa consciência disto.

1.3 MULHERES BRANCAS NA TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

1.3.1 A posição governamental para a igualdade (parcial)

A importância do combate às desigualdades e discriminação raciais e de gênero é


oficialmente reconhecida pelo governo brasileiro12, com a criação da Secretaria Especial de
Políticas para as Mulheres13 – SPM e da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial14 - SEPPIR. Mesmo afirmando a necessidade, são exemplos de
parcialidade nas suas preocupações com o combate à injustiça, quer racial, quer de gênero.
É uma parcialidade que também se expressa na militância não-governamental, como no
movimento feminista, do qual trato adiante.

As Secretarias organizam-se em torno deste combate. Assim, declara a SPM,


“[p]ercorrendo uma trajetória transversal em todo o governo federal, (...) a SPM enfrenta as
desigualdades e diferenças sociais, raciais, sexuais, étnicas e das mulheres deficientes. (...)
A SPM trabalha com as mulheres, para as mulheres e pelas mulheres” (SPM 2003). Ora, a
SPM não pretende mudar as relações entre os gêneros, que incluiria um enfoque nos
homens e sua posição social dominante.
O foco da SEPPIR é a promoção da igualdade entre os grupos raciais e o combate
ao racismo. Sua missão é “estabelecer iniciativas contra as desigualdades raciais no País”,
ou seja, a exclusão social e econômica da população afro-descendente(SEPPIR 2003c: 9,
2003b). Como no caso da parcialidade de gênero, isto é, pela ausência dos homens, na
SPM, são os brancos a categoria ausente na SEPPIR. Mesmo que denuncie a partir do
Estado, representante do sistema dominante branco, no seu objetivo de mudança social
continua omisso o requisito de inclusão da parcela racial branca brasileira no combate das
desigualdades e das discriminação raciais (SEPPIR 2003a).
Como se pode combater a injustiça, quando o enfoque na luta contra desigualdades

poucas tenham sido denunciadas. (Donselaar 2006) mostrou que 81% da população holandesa branca
(autochtonen) não tem ou tem pouco conhecimento sobre a Islã (religião de muitos turcos e marroquinhos),
mesmo assim, 36% diz ter sentimentos negativos sobre muçulmanos. A metade dos autochtonen prefere não
morar ao lado de allochtonen e um quarto dos autochtonen explicitamente não quer interagir socialmente com
outros grupos étnicos no seu ambiente cotidiano. (Boog 2006)
12
Esta pesquisa foi desenvolvida durante as eleições (2006) e a formação de um novo Governo.
13
Encontra-se a Secretaria em: http://www.planalto.gov.br/spmulheres/. A sua ministra é Nilcéa Freire.
14
Encontra-se a Secretaria em: http://www.planalto.gov.br/seppir/. A sua ministra é Matilde Ribeiro.

15
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
está nas categorias de ‘vítimas’ e já que a dominância de homem e brancos continua
hegemônica, na suposta igualdade.

1.3.2 Mulheres transformando ou mulheres para serem transformadas

Retomando Crenshaw, uma vez que a discriminação de gênero atinge todas as


mulheres, também são todas as mulheres que vivenciam discriminação racial, seja como
‘autora’, seja sendo ‘omissa’, seja como ‘receptora’; tais vivências, experiências e
expressões sendo diferentes justamente devido ao eixo racial. Porém, o fato de que
preconceito e discriminação racial existem entre mulheres que lutam contra a discriminação
de gênero não é tão óbvio.
Thereza Santos, militante no movimento de mulheres negras, relatou suas
experiências em 1982, época de transformação política e surgimento de movimento
feminista. Foi criado o Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo, mas não
houve espaço para muita discussão sobre mulheres negras. Depois de uma batalha dentro
do Conselho, Santos foi eleita como representante do grupo de Mulheres Negras. Mas, diz
ela, “as mulheres brancas do Conselho muitas vezes me ignoraram ou me atacaram
pessoalmente (...). Dois anos após da formação do Conselho [em 1994], que consistia de
trinta e dois membros, exigimos quatro assentos e, ao final, foram recusados.”15 (Th. Santos
1999: 198). Portanto, já desde a formação do movimento de mulheres feminista no Brasil
houve uma participação e crítica das mulheres negras sobre o movimento ‘geral’ de
mulheres (brancas). Porém, na própria formação foram, como categoria, marginalizadas as
(entidades de) mulheres negras e suas questões consideradas ‘específicas’.
Apesar da importância da militância feminina negra, o movimento de mulheres
negras no Brasil está posicionado nas margens. O ‘feminismo’ sendo desracializado, acaba
por fortalecer a branquitude. No livro Uma história do feminismo no Brasil (2003) a autora
parece criticar o “feminismo excessivamente branco, de classe média, intelectual e
heterossexual que se apresentava como ‘o’ representante da mulher” (Ibid. 97), mas, ao
contrário, Pinto apresenta mulheres e feminismo como categorias singulares, às vezes
diferenciados por classe, mas com o significado real de mulheres brancas. Tirando o eixo
racial do gênero, em específico do gênero branco, reforça a centralidade e normatividade de
mulheres brancas e a marginalidade e alteridade de mulheres negras e indígenas. Não é um
retrato histórico feminista branco isolado. A este respeito léia-se a coletânea História das
Mulheres no Brasil (Priore 2001).

15
Original: “the white women of the council often ignored or personally attacked me (…). Two years after the
formation of the council [in 1984], which consisted of thirty-two members, we demanded four seats and, in the
end, were refused”

16
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
‘O movimento de mulheres’ reconhece no Brasil, na maioria, a importância do
movimento de mulheres negras. A Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), a entidade
que congrega grande parte do movimento, diz priorizar “em sua pauta a luta contra o
racismo”. Nesta pretende “explicitar os elementos da cultura que promovem a discriminação
racial e denunciar a omissão do Estado e a forma desumana como a economia de mercado
se beneficia desta situação, penalizando mais agudamente alguns segmentos da população,
como mulheres e negros.” (AMB 2001: 4)
Por mais que pretendam se posicionar como anti-racista, isto não implica que
mulheres brancas reconheçam e assumam uma responsabilidade própria, fora da
‘solidariedade’ à luta anti-racista, no movimento de mulheres. ‘As mulheres’ ainda é uma
categoria singular, ao lado de ‘os negros’, penalizadas pelo sistema: ‘o Estado’ e ‘a
economia do mercado’.
Há apenas uma posição considerada, partindo da subordinação compartilhada no
eixo de gênero, a qual deixa ausente ou invisível a dominação racial da parcela branca
nesta ‘única posição’.

Esta posição mostra-se contrastante e conflituosa, quando, na chamada economia


do mercado, leva-se em conta o benefício branco feminino perpetuado graças a penalização
negra feminina. Na interseccionalidade da questão de gênero com a questão racial, as
mulheres brancas estão em posição ambígua. É necessário questionar, portanto, qual é a
transformação anti-racista que as mulheres brancas pretendem lograr, excluindo a si
mesmas desta transformação.

17
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
2
Mulheres brancas: gênero x raça

Neste capítulo, a primeira parte do quadro teórico, considero importante demarcar


brevemente a interseccionalidade dos dois conceitos: gênero e raça.

2.1 O CONCEITO DE GÊNERO

Diferente do conceito sexo, que se refere aos corpos, masculino e feminino


diferentes, o conceito de gênero é interpretado como a construção social sobre estes
corpos.
Se perguntássemos ‘O que é uma mulher?’, “’Tota mulier in utero, totalmente utero‘,
dizem alguns”16 (Beauvoir 1949 (1990): 9). Já em 1949 De Beauvoir criticou no seu livro O
segundo sexo a suposta essência da mulher. Não é o útero, representando a reprodução
feminina, que faz a mulher Ser Mulher. Ao contrário, Ser Mulher é determinado
relacionalmente pelo Ser Homem. “A humanidade é masculina e o homem não determina a
mulher como ser independente, mas na sua relação com ele. (...) Ela é determinada e
diferenciada pela sua relação com o homem e este, por sua vez, não o é, por sua relação
com ela; ela é o não-essencial perante o essencial. Ele é o Sujeito, o Absoluto; ela é o
Outro.”17 (Beauvoir 1949 (1990): 12). Assim, disse De Beauvoir, “não se nasce mulher,
torna-se mulher”. A a partir deste enfoque, mulher passou a ser entendida como uma
construção social.
Gênero “é um conjunto de características variáveis, mas social e culturalmente
construídas”18, diz Tickner (2001: 15). Porém, gênero é mais, é “o sistema complexo e
sempre em modificação das relações pessoais, sociais e simbólicas pelas quais homens e
mulheres são socialmente construídos e pelas quais eles têm acesso a papéis, identidade,
status, poder e recursos dentro da sociedade”. As experiências de homens e mulheres com

16
Original: “’Tota mulier in utero, één en al baarmoeder', zeggen sommigen"
17
Original: "De mensheid is mannelijk en de man bepaalt de vrouw niet als een zelfstandig wezen, maar in zijn
relatie tot hem (...) Zij wordt bepaald en gedifferentieerd door haar verhouding tot de man en hij niet door zijn
verhouding tot haar; zij is het niet-essentiele tegenover het essentiele. Hij is het Subject, het Absolute: zij is de
Ander"
18
Original: “is a set of variable but socially and culturally constructed characteristics”

18
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
a (sua) identidade e com as relações de gênero são diferentes “devido aos processos
sociais assimétricos pelos quais homens e mulheres se tornam o que ao final se tornam”19
(Cf. Bosch [1999] em Wekker & Lutz 2001: 36). Scott, que em 1986 introduziu o conceito de
gênero, o entendeu como um elemento básico e principal das relações sociais entre homens
e mulheres, no e pelo qual o poder presente nestas relações é construído (em Brouns 1995:
31), pois, é o poder, enfatiza também Prügl, que está inerente à construção social de gênero
(Prügl 1999: 9). É a diferença em (acesso ao) poder, no seu caráter performativo, que
determina as relações de gênero, tornando-as assimétricas.
Neste ser Outro feminino compartilhado houve a idéia de encontrar um “Sororidade
Global” entre as mulheres, o que “apesar de variações em grau, é experimentada por todos
os seres humanos que nasceram femininos”; pois, disse Morgan, “afinal, não nos
reconhecemos umas as outras?”20 (Morgan [1984] em Mohanty 1995: 73, 77). A assimetria
nas relações de gênero compartilhada pelas mulheres é apresentada como uma igualdade
entre as mulheres. Mas, critica Mohanty (1995: 74), esta suposta igualdade de sua opressão
como mulheres, é “uma noção a-histórica”.
‘Não, não todas nós nos reconhecemos’, responder-se-ia a Morgan. A opressão que
as diferentes mulheres experimentam, retomando Crenshaw, é diferente, não há uma
assimetria simplista. À medida que o poder determina as relações inter-gênero, também
determina as relações intra-gênero, isto é, entre as diferentes mulheres, a opressão e o
acesso ao poder, marcando diferentemente mulheres brancas, negras e indígenas. Não é
possível retirar o conceito de raça ou etnicidade, entre outros, do eixo de gênero. Colocaria
mulheres brancas ‘fora de parênteses’, como se a posição racial de mulheres brancas não
fosse importante, não precisasse ser considerada, pois é uma posição que se tornou norma.
(Wekker & Lutz 2001: 32)

2.2 O CONCEITO DE RAÇA

2.2.1 Raça como essência classificatória

A tentativa de distinguir grupos de pessoas com características e hábitats diferentes,


não é nova. Assim, conceitos como os de raça, tribo, etnia, povo, tipo, ou como população,
já têm uma história de séculos. O desenvolvimento de raça como conceito vem, entre

19
Original: “vanwege de asymmetrische sociale processen waardoor mannen en vrouwen worden wie zij
uiteindelijk worden”
20
Original: “Global Sisterhood” […] “despite variations in degree, is experienced by all human beings who are
born female” […] “do we not, after all, recognize one another?”

19
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
outros, da antropologia, zoologia e de interpretações do Antigo Testamento. (Banton 1980
(2000): ; Wander et al. 2005 (2nd ed)).
A partir de um entendimento essencialista, procurava-se uma ‘classificação racial’
sistematicamente, diferenciando grupos raciais por características biológicas, como cor da
pele, textura de cabelo e altura, entre outras. Acreditaram num mundo com uma ordem
hierárquica, “na qual brancos foram o último e mais desenvolvido elo no ‘grande cadeia dos
seres’.”21 (Wander et al. 2005 (2nd ed): 30) É conforme este pensamento que se
diferenciava no Brasil o ‘índio’, o ‘africano negro’ - os dois desvalorizados e estruturalmente
explorados, o ‘europeu branco’ e, pela (proibição da) imigração asiática no fim do século 19,
também o ‘amarelo’
Nabuco, abolicionista importante, mostrou, como vários outros, uma preferência forte
pela imigração norte-européia de brancos ‘germano-saxões’ (em específico os holandeses),
considerados as raças ‘superiores’ acima dos brancos ‘greco-latinos’, como portugueses e
italianos. Nesta época, chegando ao fim da escravidão, queriam trocar o sistema de trabalho
escravo dos afro-brasileiros pelo trabalho remunerado branco. Houve uma política, orientada
por uma ideologia oficial, de branquear22 a população brasileira, a saber: tornar o Brasil
físicamente mais branco por meio da imigração (branca) européia. (Skidmore 1974 (1998):
21-8)23
Obviamente, o pensamento essencialista e classificatório sobre ‘raça’ no Brasil, com
as supostas “qualidades inerentes da raça branca” foi propagado (West 1982 (2002): 99) e
não terminou (de mudar) após a abolição, em 1888. Ao contrário, sua evolução foi a base a
partir da qual estabeleceu-se a idéia e a realidade da superioridade, seja européia, seja
branca. (Banton 1980 (2000): 58)

O conceito de raça, criticou Frankenberg, “nasceu de um ‘racismo avant la lettre’, o


que significa dizer fora das primeiras nomeações de supremacia. Em outras palavras, não é
o caso em que uma racialidade inocente foi corrompida por uma classificação posterior de
raças”24 (Frankenberg 1997: 9), portanto, não é possível desconectar o conceito de raça da
realidade do racismo.

21
Original: “in which whites were the last and most developed link in ‘the great chain of being’.”
22
O conceito de branqueamento têm vários significados, conforme uma interpretação (psicológica), que não
usarei neste trabalho, é definido como "um conjunto de normas, atitudes e valores brancos que a pessoa negra,
e/ou seu grupo mais próximo, incorpora, visando atender a demanda concreta e simbólica de assemelhar-se a
um modelo branco e, a partir dele, construir uma identidade racial positivada" (Piza 2000: 103)
23
Para informar-lhe melhor sobre o desenvolvimento histórico, consulta, entre outros, Ramos (1956), Skidmore
(1974 (1998)), Nogueira (1985), Azevedo (1987), Schwarcz (1993), Andrews (1998), Domingues (2002), e
Carone (2003)
24
Original: “was born out of ‘racism avant la lettre’, that is to say, out of earlier namings of supremacy. In other
words, it is not the case that an innocent racialness was corrupted by a later ranking of races”

20
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Muitas vezes ainda, atribui-se à ‘raça’ uma características essencial, como se fosse
um “fato objetivo: alguém simplesmente é sua raça”. Ao contrário, não se ‘é’ uma raça, as
‘caixas raciais’ repetitivamente encontradas não são nada mais do que “reduções absurdas
da variação humana.”25 (Winant ---- (2000): 185)

2.2.2 Raça como construção social

Da interpretação de raça como essência, retirada das ciências naturais - caixas


biológicas delimitando as variações humanas - mudou-se o pensamento para as ciências
sociais - a interpretação de raça como construção social. Portanto, a existência de raça é
marcada pela ausência de uma essência, seja física ou outra; são as relações sociais,
contrapõem Omi and Winant , que dinamicamente dão significado a e constrõem (o conceito
de) raça:
“O esforço deve ser feito para compreender raça como um complexo ‘decentralizado’
e instável de significações sociais constantemente sendo transformado pela luta
política. Com isto em mente, vamos propor uma definição: raça é um conceito que
significa e simboliza conflitos e interesses sociais ao se referir a tipos diferentes de
26
corpos humanos.”
(grifo meu, Omi & Winant 1986 (2002): 123).

Apontando a importância da teoria social na construção de raça e da realidade que


ela classifica, raça pode ser demarcada seja como “uma classificação teórica de grupos
sociais” (Essed 1996: 8), seja como “uma ferramenta analítica” (Guimarães 2002: 54). O
conceito de ‘raça’ ainda pode ser que esteja relacionado a um imaginário biológico de
corpos humanos - mesmo não sendo ‘verdadeiro’ strictu sensu - mas é sua função teórica e
social que lhe confere sentido.
Se raça não é uma essência, fixa, concreta e objetiva, será que é uma ilusão, um
“construto puramente ideológico que uma ordem social ideal não-racista eliminaria”27, como
se fosse uma etapa ultrapassável para a não discriminação? (Omi & Winant 1986 (2002):
123). Assim, Fields propõe abolir o conceito de raça, o qual, segundo ela, é reinventado e
re-ritualizado, pelo que se re-cria sua existência (Fields em Winant ---- (2000): 182-3). É
como se o pensar em termos raciais, raça como ideologia, ou uma falsa consciência, fizesse
persistir a ideologia racial:
“Críticas mais básicas desta abordagem de ‘raça como ideologia’ são duas: primeiro,
ela falha em reconhecer a saliência que um construto social pode desenvolver sobre

25
Original: “objective fact: one simply is one’s race” (….) “absurd reductions of human variation.”
26
Original: “The effort must be made to understand race as an unstable and ‘decentered’ complex of social
meanings constantly being transformed by political struggle. With this in mind, let us propose a definition: race is
a concept which signifies and symbolizes social conflicts and interest by referring to different types of human
bodies.”
27
Original: “purely ideological construct which some ideal nonracist social order would eliminate”

21
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
manter um milênio ou mais de difusão, ou eu deveria dizer imposição, como um
princípio fundamental de organização social e formação de identidade. (...) Segundo,
e vinculado, esta abordagem falha em reconhecer que, no nível da experiência, da
vida cotidiana, raça é uma parte relativamente impermeável de nossas
28
identidades.”
(Winant ---- (2000): 182-4).

Abolir o pensar sobre raça, por enquanto não tem abolido a realidade racializada;
propõe somente negá-la. Se “pessoas definem situações como reais, as tornam reais nas
suas conseqüências”. (sobre W.I.Thomas em Winant ---- (2000): 182-4)
Raça é sempre relacional, o significado das catagorias raciais, branca, negra e
outras, é interdependente. Não existem sozinhas em seus compartimentos. As relações
raciais devem ser entendidas como um processo agindo em nível cotidiano, na medida em
que é ”pre-estruturada numa forma que transcende o controle de sujeitos individuais”29
(Essed 1989: 33). São, por conseguinte, tanto individuais e cotidianas, quanto sistêmicas.
Não são fixas, mas estão sempre dinamicamente em construção.
É o efeito da ideologia racial, contendo o pensar e a classificação racial, pela qual
raça sempre é real nos “seus efeitos materiais e discursivos”. (Frankenberg 2004: 313).
Portanto, as relações raciais existem e são marcadas pela (sua) distribuição de poder,
prestígio e respeito (Dalton 1995 (2005): 16); e marcam assim com estes a realidade
racializada, por conseguinte racista. As suas causas e conseqüências estruturais são, como
foi mostrado no Capítulo 1, sinistras. (Lipsitz 2005 (2nd ed): 68)

Portanto, raça não somente é uma construção social, com efeitos reais, mas também
uma construção ideológica. Uma construção em processo, que somente existe em contexto
de interesses grupais. (Essed 1989: 28) Enquadrando estes interesses grupais no caráter
das relações raciais anteriormente apresentadas, as conseqüências reais beneficiam,
sistemática e sistêmicamente, cotidiana e individualmente um grupo racial. Beneficiam
devido à discriminação racial e ao racismo.

2.2.3 Discriminação racial e racismo

Racismo, diz Santos, “é uma idéia que parte de um pressuposto irracional no qual
determinado grupo humano inferioriza outro em função de diferenças físicas ou biológicas”
(H. Santos 2000: 56). No segmento anterior já foi discutida a relatividade destas diferenças

28
Original: “Core criticisms of this ‘race as ideology’ approach are two: first, it fails to recognize the salience a
social construct can develop over hold a millennium or more of diffusion, or should I say enforcement, as a
fundamental principle of social organization and identity formation. (...) Second, and related, this approach fails
to recognize that at the level of experience, of everyday life, race is a relatively impermeable part of our
identities.”

22
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
físicas. Neste momento é importante levar para a conceitualização a qualidade que Santos
dá ao racismo, a saber, o aspecto de inferiorização de um grupo sobre outro.
Conforme a Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial das Nações Unidas, assinada pelo Brasil, a discriminação racial é
definida como:
“qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência fundada na raça, cor,
ascendência de origem nacional ou étnica que tenha como objetivo ou como efeito
destruir ou comprometer o reconhecimento, o gozo ou o exercício, em condições de
igualdade, dos direitos do homem e das liberdades fundamentais nos domínios
político, económico, social e cultural ou em qualquer outro domínio da vida
30
pública.”
(United Nations 1969)

Podem ser ações racialmente discriminatórias ativas ou passivas, se expressando na


distinção, exclusão, e restrição, como também na ausência de reconhecimento ou na
preferência baseada em raça, cor, etc.
O foco no preconceito racial, como indicador de um sistema marcado por
discriminação e desigualdades raciais, não somente é parcial, mas funciona como um
obstáculo ao pensamento e à atuação contra este sistema discriminador. Este foco
concentra-se na ‘vítima’ do preconceito e sugere que o agente deste preconceito é um ator
conscientemente mal-intencionado, a saber, preconceituoso; porém, focaliza a ação
individual e interpessoal.
Como processo, são a rotina e as práticas cotidianas que criam e fortalecem o
racismo. Faz intrinsecamente parte da “cultura e ordem social”, mesmo assim vai além de
estrutura e ideologia (Essed 1989: 1). O racismo consegue ‘sobreviver’ no contexto do
sistema ideológico, que o fortalece, e do comportamento que legitimiza a diferença e a
dominância, cotidianamente reproduzida. Assim diz Van Dijk, se referindo-se ao estudo de
Essed: o racismo se manifesta por “múltiplos atos de exclusão, inferiorização ou
marginalização”31 (Dijk 1993 (2002): 322-3).
Porquanto, diz Bento, discriminação racial tem duas dimensões. Primeiro pode ser
provocada por preconceito, e, segundo, por interesse. Este último se expressa na
“manutenção e conquista de privilégios de um grupo” (Bento 2003b: 28), os quais implicam
déficits para outros grupos, na situação brasileira os de negros, indígenas e imigrantes,
como os bolivianos (Bento 2003a: 47). Preconceito racial tanto quanto privilégio ou
preferência racial constituem e perpetuam o racismo, devido ao qual as categorias raciais se

29
Original: ”prestructured in a way that transcends the control of individual subjects”
30
Original: “any distinction, exclusion, restriction or preference based on race, colour, descent, or national or
ethnic origin which has the purpose or effect of nullifying or impairing the recognition, enjoyment or exercise, on
an equal footing, of human rights and fundamental freedoms in the political, economic, social, cultural or any
other field of public life.”
31
Original: ““multiple acts of exclusion, inferiorization, or marginalization” ”

23
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
relacionam diferentemente. A população negra encontra-se em posições (política, sócio-
econômica etc.) piores e sofre discriminação racial. Mas a população branca, querendo ou
não, encontra-se em posições melhores, e se beneficia estruturalmente do racismo, como
grupo racial dominante (Essed 1989: 28).
O racismo ultrapassa o nível individual e interpessoal; é um sistema histórico de
“ônus e bônus”, é uma herança, diz Bento, “que comporta igualmente uma visão do mundo,
que é diferente para brancos e negros” (Bento 2002a: 153). Racismo é um sistema:
“racismo, portanto, é definido em termos de cognições, ações, e processos que contribuem
para o desenvolvimento e perpetuação de um sistem, no qual brancos dominam negros”32
(Essed 1991 (2002): 181). O impacto do racismo é sistemicamente diferente para a
população branca e negra. Somente por meio da existência de categoria racial única é que
se pode aproveitar deste sistema, o qual exerce, seja de modo passivo, seja ativo, atos e
atitudes ou omissão que possibilitam a continuação do sistema como discriminatório e
hegemônico.

2.3 INTERSECCIONALIDADE: RAÇA X GÊNERO33

Como foi visto na Capítulo 1, as posições femininas, e em particular feministas, são


diferentes na sua suposta igualdade, seja no eixo racial, tema deste trabalho, seja no eixo
de sexualidade, ou outro. Portanto, não se pode restringir o olhar a uma única categoria
singular, na análise de ‘mulheres’. Necessita-se tratar as suas experiências de
discriminação, neste caso de gênero, como iguais e comparáveis. A teoria que foi formulada
a fim de pesquisar os intercruzamentos de eixos, é chamada interseccionalidade, a qual
implica "que você se dá conta de que todo o mundo está situado em um número de eixos
importantes de significação social, como gênero, etnicidade, classe, sexualidade e
nacionalidade."34 (Wekker & Lutz 2001: 26).
“Raça, classe, e gênero (tanto quanto orientação sexual) constitutem ‘regiões’ de
hegemonia, áreas nas quais certos projetos políticos podem tomar forma (...) Tais ‘regiões’
são de maneira nenhuma autônomas. Superpõem-se, entrecruzam, e se fundem de

32
Original: “racism then is defined in terms of cognitions, actions, and procedures that contribute to the
development and perpetuation of a system in which Whites dominate Blacks”
33
No Brasil são usados dois termos, ‘interseccionalidade’ e ‘entrecruzamento’ para o mesmo conceito. Por
enquanto não encontrei uma diferença de significados. Uma vez que o primeiro termo é uma tradução direta do
termo inglês (intersectionality), e que este é usado dominantemente na literatura brasileira dos estudos sobre as
relaçoes raciais e de gênero (classe e sexualidade), optei pelo uso de ‘interseccionalidade’.
34
Tradução do holandês, no original: "dat je je er rekenschap van geeft dat iedereen gesitueerd is op een aantal
belangrijke assen van maatschappelijke betekenisgeving, zoals gender, etniciteit, klasse, seksualiteit en
nationaliteit".

24
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
inúmeras maneiras.”35 (Omi & Winant 1986 (2002): 132) Não somente as posições
subordinadas, discriminadas e desprivilegiadas encontram-se nos intercruzamentos, mas
também as posições dominantes ou hegemônicas. Ao mesmo tempo, trata-se de
intersecção das múltiplas formas nas quais (categorias de) pessoas estão situadas nas
posições subordinada ou discriminada e dominante ou privilegiada. Como no caso das
mulheres brancas: no eixo de gênero discriminadas, no eixo racial privilegiadas.

Devido ao fato de que a questão de gênero já foi amplamente pesquisada, de


maneira ‘geral’ e especificamente no que toca à posição de mulheres negras, escolhi focar a
questão racial branca dentro das relações intra-gênero. Como é esta branquitude? Com
mais extensão, por conseguinte, procuro conceitualizar no próximo capítulo, a segunda
parte do quadro teórico, o conceito de branquitude como característica (não-intrínseca) das
mulheres brancas.

35
Original: “[R]ace, class, and gender (as well as sexual orientation) constitute ‘regions’ of hegemony, areas in
which certain political projects can take shape. (…) [S]uch ‘regions’ are by no means autonomous. They overlap,
intersect, and fuse with each other in countless ways.”

25
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
3
Branquitude

Q: Há desigualdades raciais?
A: Há!
Q: Há uma carência negra?
A: Há!
Q: Isso tem alguma coisa a ver com o branco?
A: Não!
(em Bento 2003b: 199)

Neste diálogo típico com o qual iniciei o Capítulo 1, encontra-se expresso o problema
fundamental da branquitude. Reconhece-se que há desigualdades raciais, reconhece-se
que isto têm conseqüências graves para a população negra, mas a posição dos brancos nas
relações (desiguais) raciais não é reconhecida, nem vista. E mesmo “[q]uando pessoas
brancas se voltam para o racismo,” diz Bento, “tendem a vê-lo como um problema de negros
e não como um problema que envolve a todos. Assim, brancos podem ver o trabalho anti-
racista como um ato de compaixão pelo outro, um projeto esporádico, externo, opcional,
pouco ligado às suas próprias vidas, e não como um sistema que modela suas experiências
diárias e seu sentido de identidade.” (Bento 2002a: 49).
Não surpreende, então, que, na discussão em torno das relações raciais, e até na
luta anti-racista, a posição branca, histórica e atual, seja pouco problematizada e a sua
contribuição e responsabilidade sejam muitas vezes negadas. Portanto, os brancos
aparecem ausentes, invisíveis e/ou neutros das causas e conseqüências dessa posição. Ao
mesmo tempo, porém, exercem e aproveitam de seu poder hegemônico, o qual é inerente
ao sistema (racista). Em suma, brancos sabem que existe o problema de desigualdades
raciais, mas não enxergam que são parte dele e que perpetuam este problema.
Obviamente, acadêmicos e militantes negros já por décadas questionam e criticam
brancos como grupo racial dominante e criticam a hegemonia branca. Não obstante, a
tradição de estudos críticos de branquitude por brancos é relativamente recente (como por
exemplo McIntosh 1989: ; Roediger 1991: ; Frankenberg 1993: ; Dyer 1997). Nesta área a
branquitude funciona como “uma classificação teórica de grupos sociais”, e como ”uma
ferramenta analítica” (Essed 1996: 8; Guimarães 2002: 54). É a área na qual brancos são

26
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
objeto de estudo, são racializados, problematizados, e criticados como grupo racial com
uma identidade, posição e contribuição racial específica, a saber, branca36.
Antes de entrar na análise do texto “O verso e reverso da construção da cidadania
feminina, branca e negra, no Brasil” (Soares 2000 (1997)), procuro identificar os conceitos e
discussões relacionados ao tema da branquitude. Portanto, quero concentrar-me neste
capítulo em quatro níveis de branquitude que serão discutidos, a saber, 1) O branco
racializado: a branquitude nas relações raciais; 2) A sociedade racialmente estruturada por
privilégio; 3) Branquitude: branco diante branco, e, por último; 4) Branquitude crítica.

3.1 O BRANCO RACIALIZADO: A BRANQUITUDE NAS RELAÇÕES RACIAIS

3.1.1 A construção social branca: o grupo racial branco existe

“Por que a maioria das pessoas brancas não se vêem como pertecentes a uma
raça? Em parte, é a não consciência de raça [race obliviousnes] uma consequência
natural de estar no banco do motorista. (...) Para a maioria dos brancos, raça – ou
mais precisamente, sua própria raça – é simplesmente parte de um background não
visto, não-problemático.”
“Qualquer que seja a razão, a incapacidade ou ausência de vontade de muitos
brancos em pensar a si mesmos em termos raciais tem decididamente
consequências negativas. Por uma razão: produz pontos cegos. (...) Cega brancos
para o fato de que suas vidas são moldadas pela raça, tanto quanto as vidas das
37
pessoas de cor.”
(Dalton 1995 (2005): 17)
Para brancos enxergarem-se como um fator racial - isto é, uma categoria racial e
branca, que dá significado a e (co)constrói as relações sociais - brancos precisam se
reconhecer como racializados. Existe “[u]m grupo chamado ‘pessoas brancas’”, afirma
Frankenberg, existem nas relações raciais, no sentido plural, mas também em si e para si,
embora não seja ou tenha uma ‘essência’. (Frankenberg 2004: 328). É uma categoria que
parece não-existir para os próprios brancos, como disse Dalton, ou, na sua existência, surge
como algo invisível, transparente, natural e universal, neutro e/ou ausente. É como se
brancos não ‘tivessem raça’, nem tivessem uma posição e um papel nas relações raciais e,
por conseguinte, nas desigualdades raciais. “[A] população [brasileira] de brancos (ou dos

36
Há linhas de estudo e definição diferentes (e tradução, leia-se, por exemplo, Piza (2005)) de branquitude.
Neste trabalho sigo mais a linha da sociologia, branquitude como construção social, em lugar da psicologia
social, branquitude como um nível na identidade racial. Devido às limitações, opto por aprofundar tais diferenças
em uso, no decorrer do meu estudo de mestrado.
37
Original: “Why do most White people not see themselves as having a race? In part, race obliviousness is the
natural consequence of being in the driver’s seat. (…) For most Whites, race - or more precisely, their own race
– is simply part of the unseen, unproblematic background” […] “Whatever the reason, the inability or
unwillingness of many White people to think of themselves in racial terms, has decidedly negative
consequences. For one thing, it produces blind spots. (…) It blinds Whites to the fact that their lives are shaped
by race just as much as are the lives of people of color.”

27
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
que assim se considerem)”, critica Piza, “não coloca como dado importante de identidade
sua cor, raça, ou etnia” (Piza 2000: 99). Esta aparente não-existência do grupo racial branco
expressa-se em silêncio e cegueira.
Historicamente foram homens brancos que ‘pensaram’ e formaram a ideologia
dominante. O Ser Homem (Humano) foi construído à imagem do homem branco, o Ser
Branco, negando sua racialidade, pretendendo representar a todos. Por conseguinte, nesta
ideologia dominante, o branco é visto como modelo universal de humanidade (Bento 2003b:
25).
“A eqüação de ser branco com ser humano assegura uma posição de poder.
Pessoas brancas têm poder e acreditam que pensam, sentem e agem como e para
todas as pessoas; pessoas brancas, incapazes de ver sua particularidade, não
podem levar em consideração outras pessoas; pessoas brancas criam imagens
dominantes do mundo e não tanto vêem que elas portanto constroem o mundo à sua
imagem; pessoas brancas estabelecem padrões da humanidade pelos quais estão
obrigadas a ter sucesso e outras a falhar. (...) Poder branco, apesar de tudo, se
reproduz sem levar em consideração a intenção, diferenças no poder e boa vontade,
e prevalece porque não é visto como branco, mas como normal. Pessoas brancas
precisam aprender a se ver como brancas, a ver sua particularidade. Em outras
38
palavras, branquitude necessita ser tornada estranha.”
(Dyer 1997 (2005): 12).
O grupo branco como categoria, por meio do seu poder sócio-histórico contínuo,
apropriou-se e ainda exerce o lugar do Normal e da Norma, implicando, assim, na existência
de uma não-norma (ver tópicos 3.1.2 e 3.3). O seu ponto de partida é a centralidade do seu
lugar, a partir do qual se relaciona com e determina o resto do mundo. Sua aparente
inexistência, como grupo racial específico, funciona como uma máscara, que faz com que
brancos, na sua racialidade, não sejam nomeados, pesquisados, analisados e criticados.
Funciona como se fosse um “marcador não-marcado” (Frankenberg 1997: 1), no contexto
que hooks chamou de “mito da uniformidade”39. Neste contexto, pessoas brancas imaginam-
se invisíveis, na negação da sua normalidade, acreditando numa ‘igualdade’; e continuam
impondo sua dominância. (hooks 1997: 167-9).

Mesmo que se possa dizer que “[u]m grupo chamado ‘pessoas brancas’” existe, não
é um grupo práticamente demarcável: alguém não ‘é’ uma raça. O grupo racial branco,
como qualquer grupo racial, é uma construção social. A fim de perpetuar sua hegemonia,

38
Original: “[T]he equation of being white with being human secures a position of power. White people have
power and believe that they think, feel and act like and for all people; white people, unable to see their
particularity, cannot take account of other people’s; white people create dominant images of the world and don’t
quite see that they thus construct the world in their own image; white people set standards of humanity by which
they are bound to succeed and others bound to fail. (…) White power nonetheless reproduces itself regardless of
intention, power differences and goodwill, and overwhelmingly because it is not seen as whiteness, but as
normal. White people need to learn to see themselves as white, to see their particularity. In other words,
whiteness needs to be made strange.”
39
Original: “myth of sameness”

28
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
exerce o poder de exclusão e inclusão de grupos raciais, nas ‘fronteiras’ de branquitude.40
Porém, nunca houve uma cultura branca idêntica, igual, tampouco foram suas práticas
sempre dominantes. (Frankenberg 1997: 19) Ao mesmo tempo, o grupo branco formalmente
identificado não é estável. No Brasil, as nomeações de cor entre 1872 e 1991 utilizadas no
censo não foram similares41.
Cor/Ano 1872 1890 1940 1950 1960 1980 1990
Brancos 38,1% 43,9% 63,5% 61,6% 61,0% 54,8% 55,3%
Pardos 42,1% 41,4% 21,6% 25,5% 29,5% 38,5% 39,3%
Pretos 19,6% 14,6% 14,2% 10,9% 8,7% 5,9% 4,9%
Amarelos --- --- 0,7% 0,8% 0,8% 0,8% 0,5%
(Dados censitários do IBGE em Piza 2000: 100)

A categoria branca, portanto indivíduos brancos, não é fixa nem estática, ainda que
pareça. Branquitude, por conseguinte, deve ser entendida e analisada como uma
“constelação de processos e práticas, e não como uma entidade delimitada” (Frankenberg
2004: 308). Contudo, Frankenberg aponta algumas características: branquitude é “um ‘ponto
de vista’, um lugar a partir do qual nos vemos e vemos os outros e as ordens nacionais e
globais”, é “um lócus de elaboração de uma gama de práticas e identidades culturais, muitas
vezes não marcadas e não denominadas, ou denominadas como nacionais ou ‘normativas’,
em vez de [especificamente] raciais”, e, ”mesmo que a branquitude [seja] socialmente
construída, sempre é real nos ‘seus efeitos materiais e discursivos’.” (Frankenberg 2004:
312-3).
Branquitude existe em um contexto de “interrelações socioeconômicas,
socioculturais, e psíquicas“, não é uma ‘coisa singular’, ao contrário, deve ser entendida
como um ‘processo plural’. (Frankenberg 1997: 1) O conceito de branquitude expressa a
idéia de “que há uma categoria de pessoas identificadas e auto-identificadas como ‘branca’,
que está situada nesta operação simultânea de raça e racismo. Branco, portanto,
corresponde a um lugar no racismo como um sistema de categorização e formação de
sujeito, assim como os termos racialmente privilegiado e racialmente dominante nomeam

40
Leia-se mais sobre estes processos, como, por exemplo, sobre a identidade racial mixta ou múltipla em
Tzintún (2002), Weiner-Mahfuz (2002) e Gilliam e Gilliam (1999), sobre a inclusão dos Irlandeses, Italianos e
Judeus nos Estados Unidos e sobre o intercruzamento com classe em Roediger (1991) e (1994 (2002)), e em
Frankenberg (1997: 12-3), sobre a formação, in- e exclusão, da categoria racial branca (política, imigração,
relações sociais e ideologia e imaginário) no Brasil, por volta do fim do século IXX e início do século XX em
Azevedo (1987), Dávila (2003), Schwarz (1993) e Skidmore (1974 (1998)).
41
A demografia da população brasileira mudou por vários motivos. Primeiro, em épocas diferentes, a ideologia e
política de branqueamento do Brasil fez a população tornar-se mais branca. Segundo, o ideal da nacionalidade
parda (pela influência do Gilberto Freyre, e da ditadura do Vargas), isto é o resultado da miscigenação da
população brasileira e, como conseqüência, a diminuição da população negra brasileira. Terceiro, deve-se levar
em conta o papel do entrevistador censitário como representante e perpetuador da ideologia dominante e/ou
oficial (como sob Vargas) enquanto parte da criação e da interpretação, na identificação das cores e raças
diferentes. (Piza 2000: 99-102, 121n4)

29
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
lugares particulares dentro do racismo como um sistema de dominação.”42 (Frankenberg
1997: 9). Não é possível separar branquitude - seja construção social, seja identidade - de
dominância racial, pois, retomando Omi e Winant (1986 (2002): 123), os interesses e
conflitos sociais são inerentes ao conceito de raça, portanto à categoria racial branca.

3.1.2 Caráter relacional da branquitude

A categoria branca, sendo um grupo plural reconstituído e sempre redefinido,


somente existe em relação interdependente e interação com outros grupos raciais. Assim,
“Branquitude não possui significado na ausência de Negritude; o mesmo acontece ao
contrário.”43 (Dalton 1995 (2005): 16). E esta relação implica, diz Johnson, que “para cada
categoria social que é privilegiada, uma ou mais categorias encontram-se oprimidas em
relação a ela.”44 (Johnson 2005 (2nd ed): 106). A característica dinâmica de branquitude
implica que as expressões atuais formadas pela e na história poderão mudar, caso as
relações interraciais mudem.

Pelo poder branco é estabelecido o aparente lugar exclusivo da centralidade


normativa, supostamente auto-determinante. Mas é justamente devido ao caráter relacional,
que a existência do ‘Outro’, o diferenciado Ser não-Branco, se estabelece na e pela
exclusão deste lugar de centralidade. Bento levanta a questão de que a interdependência e
o caráter dialógico da relação também implicaria que o ‘diferente’ e ‘estranho’ possam por
em questão o ‘normal’ e ‘universal’, ou seja, este ‘poder branco’ (Bento 2003b: 29-31). A
universalidade é falsa e é apenas uma reafirmação da ideologia e cultura branca
hegemônica, que “reifica e homogeniza branquitude”45 (Frankenberg 1997: 15-6, 19).
Embora a universalidade seja falsa, o poder branco faz com que funcione muitas
vezes de fato como universalista e determine as relações raciais. Assim, perpetua o sistema
no qual estiveram sendo estabelecidas desigualdades e discriminação raciais.

42
Original: “that there is a category of people identified and self-identifying as ‘white’, [which] is situated within
this simultaneous operation of race and racism. White, then, corresponds to one place in racism as a system of
categorization and subject formation, just as the terms race privileged and race dominant name particular places
within racism as a system of domination.”
43
Original: “Whiteness is meaningless in the absence of Blackness; the same holds in reverse.”
44
Original: “[f]or every social category that is privileged, one or more other categories are oppressed in relation
to it.”
45
Original: “reify and homogenize whiteness”

30
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
3.2 A SOCIEDADE RACIALMENTE ESTRUTURADA POR PRIVILÉGIO

O grupo branco, diverso na sua composição e expressão, não reconhece e - como


conseqüência, enquanto categoria racial significante - não aborda a sua herança branca,
relacionada à expansão colonial e imperialista e à formação de ‘nações’ (Frankenberg 1997:
8). Igualmente não aborda a escravatura e a extensa discriminação racial. Assim, a
branquitude funciona como ”uma guardiã silenciosa de privilégios”. (Bento 2003b: 27, 41,
2003a: 153).
“Os brancos saíram da escravidão com uma herança simbólica e concreta
extremamente positiva (...). Há benefícios concretos e simbólicos em se evitar
caracterizar o lugar ocupado pelo branco na história do Brasil.”
(Bento 2003b: 27).
Brancos sistematicamente aproveitaram-se do período escravocrata e de sua
herança. Consciente ou inconscientemente, passiva ou ativamente, brancos aproveitam do
presente continuamente desigual e discriminador. A sociedade brasileira ainda privilegia,
diversamente e em quantidades diferentes, os brancos. O lugar branco, por conseguinte, “é
um lugar de vantagem estrutural” (Frankenberg 2004: 313).
Desde que branquitude não existe unilateralmente, mas somente em contexto
relacional, ela interage sempre com outros, e de modo específico está presente na
sociedade como um todo, pela qual é construída e a qual (co)constrói. A sociedade é
dinamicamente marcada por uma estrutura racializada e racista, determinando a vida dos
grupos raciais diferentes, inclusive o de brancos. Contudo, branquitude expressa-se nesta
sociedade por meio de discriminação racial e privilégio racial branco e marca a estrutura
societal na forma de uma hegemonia branca. Pela (suposta) invisibilidade branca, considero
essencial entender o vínculo da branquitude com a estrutura social e o papel da posição
branca neste contexto.

3.2.1 Discriminação racial e privilégio branco

Segundo Bento, precisa-se distinguir a provocação da discriminação racial 1) por


preconceito, e 2) por interesse. A primeira forma é entendida como “a desvalorização do
outro como pessoa, e, no limite, como ser humano” (Bento 2003b: 28-9). Conforme esta
interpretação, facilmente aponta-se para expressões extremas, como no Forum “100%
branco”, com o efeito de ‘desresponsabilizar’ a maioria da população branca pela
discriminação racial e suas conseqüências. Mas esta interpretação tampouco desenvolve
uma (auto-) consciência branca enquanto lugar de ‘bonus’. Portanto, é a partir da segunda
forma que procuro entender melhor a branquitude. São os “benefícios concretos e
simbólicos”, são os “legados cumulativos da discriminação [que] significam privilégios para

31
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
uns e déficits para outros”. O racismo, portanto, é um sistema de “ônus e”, como dito, de
”bônus” (Bento 2003b: 27, 2003a: 147, 153).
McIntosh, refletindo sobre a sua própria posição branca, diz sobre este privilégio:
“Como pessoa branca, compreendi que fui ensinada sobre racismo como algo que
põe outros em desvantagem, mais fui ensinada a não ver um dos aspectos de seu
corolário, o privilégio branco, que me põe em vantagem”
“Eu comecei a ver o privilégio branco como um pacote invisível de bens não
merecidos que eu posso descontar cada dia, mas sobre o qual eu, esperava-se,
ficasse ignorante. Privilégio branco é como uma mochila invisível, sem peso, com
provisões especiais, mapas, passaportes, livros de códigos, vistos, roupas,
ferramentas, e cheques [de banco] em branco.”
“À medida que meu grupo racial foi transformado em confiante, confortável, e
apagado, outros grupos provavelmente foram transformandos em inseguros
desconfortáveis, e alienados. Branquitude protegeu-me de muitos tipos de
hostilidade, sofrimento e violência, os quais eu fui sutilmente treinada a ver com
46
freqüência, em oposição, sobre pessoas de cor.”
(McIntosh 1989).
Em White Privilege: Unpacking the Invisible Knapsack, McIntosh visualizou, de modo
exploratório, 50 situações47 nas quais pessoas brancas estão em posição de vantagem,
privilégio, ou imunidade (2000) em relação a pessoas de cor. Com a mochila da
invisibilidade nas costas, como branca, portanto, poder-se-ia, dizer:
“8. Eu posso estar segura de que meus filhos vão receber materias curriculares que
testemunhem a existência da sua raça.”
13. Se eu usar cheques, credit cards ou dinheiro, eu posso contar com a cor da
minha pele para não operar contra a aparência de confiança financeira.”
15. Eu não preciso educar os meus filhos para estarem cientes do racismo sistêmico
para a sua própria proteção física diária.”
21. Eu nunca sou pedida para falar por todas as pessoas do meu grupo racial.”
24. Eu tenho bastante certeza de que se eu peço para falar com a ‘pessoa
responsável’, eu vou encontrar uma pessoa da minha raça.”
27. Eu posso voltar para casa da maioria das reuniões das organizações as quais
pertenço, sentir-me mais ou menos conectada, em vez de isolada, fora de lugar, ser
demais, não-ouvida, mantido à distância, ou ser temida.
34. Eu posso me preocupar com racismo sem ser vista como auto-interessada ou
interesseira”
40. Eu posso escolher lugares públicos sem ter medo de que pessoas de minha raça
não possam entrar ou vão ser mal-tratadas nos lugares que escolhi.”
41. Eu posso ter certgeza de que se precisar de assistência juridica ou médica,
48
minha raça não irá agir contra mim.” (McIntosh 1989).

46
Original: “As a white person, I realized I had been taught about racism as something that puts others at a
disadvantage, but had been taught not to see one of its corollary aspects, white privilege, which puts me at an
advantage.” [...] “I have come to see white privilege as an invisible package of unearned assets that I can count
on cashing in each day, but about which I was "meant" to remain oblivious. White privilege is like an invisible
weightless knapsack of special provisions, maps, passports, codebooks, visas, clothes, tools, and blank checks.”
[...] “In proportion as my racial group was being made confident, comfortable, and oblivious, other groups were
likely being made unconfident, uncomfortable, and alienated. Whiteness protected me from many kinds of
hostility, distress, and violence, which I was being subtly trained to visit, in turn, upon people of color.”
47
Pela característica dinâmica e plural de branquitude, estes 50 pontos não se referem igualmente a realidades
variáveis de brancos – dependendo da localização geográfica, gênero, sexualidade, classe etc.
48
Original: “8. I can be sure that my children will be given curricular materials that testify to the existence of their
race.” [...] 13. Whether I use checks, credit cards or cash, I can count on my skin color not to work against the
appearance of financial reliability.” [...] 15. I do not have to educate my children to be aware of systemic racism
for their own daily physical protection.” [...] 21. I am never asked to speak for all the people of my racial group.”
[...] 24. I can be pretty sure that if I ask to talk to the ‘person in charge’, I will be facing a person of my race.” [...]
27. I can go home from most meetings of organizations I belong to feeling somewhat tied in, rather than isolated,

32
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Brancos aproveitam, em níveis diferentes, do sistema que divide e atribui privilégios
sem mérito individual, obtidos por nascimento. O acesso à mochila não depende da auto-
identidade racial, da percepção ou afirmação desta pertença. Não depende igualmente do
sentimento, ou da intenção, ou atitude que a pessoa privilegiada tem em relação à questão,
mas depende da identificação externa que permite que brancos se enquadrem na ‘caixa
branca’ das classificações raciais.

O privilégio é sútil, velado, e ‘normal’:


“Privilégio geralmente permite assumir um certo grau de aceitação, inclusão e
respeito no mundo, para operar em uma zona de conforto relativamente ampla.
Privilégio aumenta as chances de ter coisas à sua maneira, de ser capaz de fazer
planos em situação social e determina as regras e padrões e como eles são
aplicados. (…) Isto permite às pessoas definir realidade e ter definições vitoriosas
para que a realidade se encaixe em suas experiências. Privilégio significa poder
decidir sobre quem é levado a sério, quem recebe atenção, quem deve prestar conta
a quem e sobre o que. E concede a presunção de superioridade e permissão social
para agir com base nesta presunção, sem ter que se preocupar em ser
49
contestado.”
(Johnson 2005 (2nd ed): 103).
“Privilégio racial”, comenta Johnson, “trata mais sobre pessoas brancas do que de
pessoas brancas.” Isto gera a situação na qual brancos têm "a experiência paradoxal de ser
privilegiado sem se sentir privilegiado”50. Não (necessariamente) implica que um indivíduo,
pelo seu pertencimento à chamada categoria privilegiada, aja de maneira opressiva, porém,
como categoria, diz o autor, oprime as outras categorias no entrecruzamento do eixo; e
categoricamente está privilegiada. (Johnson 2005 (2nd ed): 103-7).

“O que não dizemos, sobre o que não falamos, permite ao status quo continuar.”51
(Wildman 1995 (2005 2nd ed): 95). A sutileza do privilégio branco, embora muitas vezes
cruel e cruelmente expressado, continua a existir pela maldade, pela simples ignorância, ou
pelo triste fato de uma limitação para a mudança. Brancos, na sua omissão, quase
‘naturalmente‘ perpetuam este sistema de manutenção de seus privilégios. A pessoa,
portanto, é omissa porque pode confiar no seu privilégio, evitando enxergar a opressão e a

out-of-place, outnumbered, unheard, held at a distance or feared.” [...] 34. I can worry about racism without being
seen as self-interested or self-seeking.” [...] 40. I can choose public accommodation without fearing that people
of my race cannot get in or will be mistreated in the places I have chosen.” [...] 41. I can be sure that if I need
legal or medical help, my race will not work against me.”
49
Original: “[P]rivilege generally allows people to assume a certain level of acceptance, inclusion, and respect in
the world, to operate within a relatively wide comfort zone. Privilege increases the odds of having things your
own way, of being able to set the agenda in a social situation and determine the rules and standards and how
they’re applied. (…) It allows people to define reality and to have prevailing definitions of reality fit their
experience. Privilege means being able to decide who gets taken seriously, who receives attention, who is
accountable to whom and for what. And it grants a presumption of superiority and social permission to act on that
presumption without having to worry about being challenged.”
50
Original: “Race privilege”, [...], “is more about white people than it is about white people.” [...] "[t]he paradoxical
experience of being privileged without feeling privileged”.
51
Original: “What we do not say, what we do not talk about, allows the status quo to continue.”

33
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
discriminação. (Wildman 1995 (2005 2nd ed): 98). É omissa pelo sentimento de desconforto,
porque nega “a realidade de uma sociedade de supremacia branca, para racionalizar por
que esta não é realmente tão ruim, para negar o seu papel nela. Este é o privilégio de se
manter ignorante porque esta ignorância está protegida”52 (Jensen 2005: 10). É omissa,
porque sabe e reconhece que tem “privilégio não merecido, porém ignora o que ele
significa”53 (Jensen 1998). Em suma, não se dedica à mudança do status quo do sistema.
Pode-se dizer que o privilégio branco funciona no sistema; e, como sistema, é institucional,
é estrutural (até modificado), é sistêmico.

3.2.2 Hegemonia branca

Branquitude é uma característica do sistema e estrutura a sociedade


hierarquicamente. Determina para brancos o acesso ao poder, aos bens, à inclusão, à
ausência de discriminação, à oportunidades, enfim, ao privilégio branco. Para nomear este
sistema, há conceitos diferentes em uso.
É na “idéia de dominação” que o privilégio racial e a negação deste marcam a
branquitude (Frankenberg 2004: 326-8). Racismo não existe como expressões individuais
de vileza, mas é um sistema invisível, que garante dominância ao grupo branco (McIntosh
1989).
Omi e Winant incluem o conceito de dominância em nível mais abstrato, e como
conceito unilateral e absoluto. Entendem o sistema de branquitude, na descrição específica
dos Estados Unidos no período de 1607 a1865, como uma ‘ditatura racial’ a qual é marcada
por uma política uniracial (Omi & Winant 1986 (2002): 129).
Martinas também historiza este sistema e o localiza transnacionalmente. Define
‘supremacia branca’ como “um sistema institucionalmente perpetuado, historicamente
baseado na exploração e na opressão de continentes, nações e povos de cor por pessoas e
nações brancas do continente Europeu; com a finalidade de manter e defender o sistema de
riqueza, poder e privilégio”.54 Neste sistema de supremacia branca precisa-se entender a
opressão racial, ou nacional, e o privilégio branco como dois lados da mesma moeda.
(Martinas 2000).

52
Original: “the reality of a white-supremacist society, to rationalize why it’s not really so bad, to deny one’s own
role in it. It is the privilege of remaining ignorant because that ignorance is protected”
53
Original: “unearned privilege but ignore what it means”
54
Original: “an historically based, institutionally perpetuated system of exploitation and oppression of continents,
nations and peoples of color by white peoples and nations of the European continent; for the purpose of
maintaining and defending a system of wealth, power and privilege”.

34
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Não obstante, uso o conceito de ‘hegemonia branca’ para a descrição deste sistema
marcado pelo racismo, discriminação e preconceito, privilégio racial e desigualdades raciais.
Dominância descreve a relação interracial geral, porém focaliza mais as relações
individual ou categórica, e menos o sistema como sistema. Tampouco considero ‘ditadura
racial’ o conceito adequado. Parece o oposto do conceito muito usado no Brasil de ‘paraíso
racial’ e, com sua referência à crueldade, limita a função do conceito focalizando o sistema e
absolvendo o indivíduo branco que não age cruelmente, que não tem potencial para a
resistência nesta ditadura, e menos ainda se sente privilegiado. Discordo também do termo
‘supremacia’, pela referência à ditadura, o sistema opressor. Precisa-se perguntar se o
sistema também oprime os próprios brancos, e, segundo, se todos os brancos
individualmente oprimem, embora ‘tendo’ privilégio racial. Pois, o sistema é ainda mais
abstrato do que o nível individual e/ou institucional (Essed 1989: 33).

Diante disso, prefiro o conceito de ‘hegemonia branca’. Para o entendimento deste


conceito, e em específico do termo ‘hegemonia’, me dirijo ao texto do Omi e Winant, no qual
discutem Gramsci. Hegemonia, dizem, funciona simultaneamente como modo estruturador e
como modo significador. Para a realização e a consolidação do controle numa sociedade, há
condições necessárias, consideradas, segundo Gramsci, a hegemonia. Não há hegemonia
sem “coerção e consentimento”. Para a consolidação da hegemonia, portanto, precisa-se de
“um sistema popular de idéias e costumes”, elaborado e mantido pelo grupo no controle, ou
seja o ‘senso comum’. Assim, dizem Omi e Winant, “é por sua produção e sua aderência a
este ‘senso comum’, esta ideologia (no sentido mais amplo do termo), que uma sociedade
dá seu consentimento à maneira pela qual é governada.”55 (Omi & Winant 1986 (2002): 130-
1).
Poder-se-ia dizer que a hegemonia está sendo estabelecida e perpetuada pelo
‘acordo societal’. Isto porque a hegemonia é sistêmica, ou seja, ela vige sobre todos os seus
habitantes. Regula inclusive os habitantes brancos, sejam eles racistas, ignorantes ou
omissos, através de acordos que consolidam os privilégios com os quais brancos, nas suas
variações, nascem.
“Precisamos deixar claro que não há uma coisa como abrir mão de seu privilégio
para ficar ‘fora’ do sistema. A única questão é se alguém é parte do sistema de modo
56
a desafiar ou a fortalecer o status quo.”
(Brod em Johnson 2005 (2nd ed): 104).

55
Original: “[i]t is through its production and its adherence to this ‘common sense’, this ideology (in the broadest
sense of the term), that a society gives its consent to the way in which it is ruled.”
56
Original: “We need to be clear that there is no such thing as giving up one’s privilege to be ‘outside’ the
system. The only question is whether one is part of the system in a way which challenges or strengthens the
status quo.”

35
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Este sistema, em forma de hegemonia, é estruturalmente marcado pela branquitude.
Implicitamente inclui todas as categorias raciais. Por conseguinte, como branco, mesmo não
‘(ab)usando’ de seu privilégio ou discriminando, é impossível se situar e atuar fora do
sistema. Martínez (Betita) traz a questão da agência do indivíduo para um nível mais
abstrato e sistêmico. Propõe que o indivíduo branco se responsabilize-se pela escolha do
apoio ou da oposição ao sistema, em vez de limitar a agência a um comportamento
individual, que, ao final, é limitado. (Martínez 1989).
Ao mesmo tempo, já que são os habitantes que formam o sistema, consolidar a
hegemonia pelo acordo implica também que anti-racistas (brancos ou não) possam resistir à
hegemonia de dentro. Pela resistência pode-se modificar o common sense, as idéias, as
práticas e os costumes, e, por conseqüência, o acordo social – portanto, o sistema. Por mais
que brancos como categoria tenham construido a hegemonia branca; e ainda que nem
todos os brancos sejam conformistas com a hegemonia, com certeza é como categoria que
mantêm o sistema. Contraditoriamente, a população que está em controle, isto é a categoria
branca, dirigente e hegemônica, tem o maior poder para a modificação mais ou menos
pacífica deste acordo, a partir de dentro: ou pela resistência contra este acordo de modo
mais conflituoso, como ‘dissidentes’ da categoria, dentro do sistema.
Portanto, quero explorar na parte seguinte a relação fundamental da disputa em
torno desta mudança possível, isto é: a atitude branco-branco.

3.3 BRANQUITUDE: BRANCO DIANTE DE BRANCO

Brancos não somente se relacionam com ‘Outros’ que não sejam brancos, mas se
relacionam predominantemente com outros brancos, como também consigo mesmos.
Portanto é importante aprofundar a relação de branca com branca, isto é, consigo mesma(s)
ou com outra(s) branca(s), para a compreensão da branquitude.

3.3.1 O branco no espelho

Todos os brancos, querendo e identificando-se assim, ou não, pertencem ao grupo


racial branco. É um grupo heterogêneo, constituído por indivíduos que compartilham a sua
raça ou cor, ou etnicidade, ou religião - dependendo da situação e definição - e talvez nem
compartilhem mais do que isto. Relacionam-se consigo mesmos, como também com outros
brancos.
“Um grupo chamado ‘pessoas brancas’ existe”, disse Frankenberg, “não apenas em
si, mas também para si.” (Frankenberg 2004: 328). O significado de branquitude e do grupo

36
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
racial branco, na sua diversidade, é ínterno ‘em si’, bem como é externo ‘para si’. Mas,
"[q]ue razão haveria para isso? Isso não faz sentido para nós", disse uma entrevistada sobre
um possível significado da sua branquitude (Piza 2000: 102). Há uma tendência a negar, no
espelho, o rostro visto, e por conseguinte, os seus significados e as conseqüências que traz.
Assim, relata Bento sobre um curso sindical que tem dado, que “[a]o discutir sobre racismo,
[os alunos brancos] esperam abordar uma opressão que ‘está lá’ na sociedade, e não em
algo que os envolva diretamente, ou que envolva a instituição da qual fazem parte.” (Bento
2003a: 148).
Por que, então, muitos brancos não se enxergam como tal? A pergunta deve ser:
para quem é invisível a (sua) branquitude, quem vê e quem não a vê? (Frankenberg 2004:
308-9). “Ser branco”, afirma Piza, “é viver sem se notar racialmente” (Piza 2000: 108). Assim
respondiam militantes jovens brancas, que entrevistei, sobre sua ‘raça’, sobre como é ‘ser’
branca, “é normal, é normal”, respondiam, ...seguido por um silêncio.57 Apresentam
predominantemente o silêncio e a cequeira sobre sua branquitude, seja como identidade ou
categoria racial, seja como privilégio racial, seja como habitante e participante na hegemonia
racial. Há uma distorção e omissão, diz Bento (2003b: 25, 30-31), enquanto lugar do branco
visto pelo próprio branco, pois, mesmo que brancos sejam branco ‘em si’ e ‘para si’, não
enxergam nada no espelho.

Nesta auto-invisibilidade branca é expressada o medo do Outro diferente, que, sim,


vê e marca o branco. Ainda que não seja um medo da diferença como diferença, é um medo
branco da correspondência ou semelhança do Outro com ele mesmo. Na construção deste
Outro, diz Bento, há dois processos presentes que permitem ao branco (categórico) não
prestar atenção. Primeiro, o narcisismo, no qual o branco tem a si mesmo como modelo e
que serve para garantir a autopreservação do branco e seus privilégios brancos. O segundo
processo é a projeção, na qual projeta no Outro “as mazelas que não se é capaz de
assumir”. (Bento 2003b: 29-32)
Baseando-se neste enquadramento teórico que considera o conceito de ‘narcisismo’,
como, então, o branco relaciona-se com outros brancos?

3.3.2 Os brancos juntos

É importante situar o foco na relação branco-branco pelo poder cumulativo que


possui. O sistema no qual expressa-se a branquitude somente continua pelo fato de que há
indivíduos trabalhando juntos para manter a hegemonia branca. Um indivíduo branco,

37
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
enquanto pessoa, não terá os meios práticos e simbólicos para exercer este poder branco.
Um acordo social de um branco consigo mesmo não teria significado...
Para a manutenção de interesses específicos, isto é, a proteção da herança
(econômica, social, política) histórica da hegemonia branca, precisa-se da colaboração em
conjunto, consciente ou inconsciente, de brancos. É a isto que Bento chama de ‘pacto
narcísico’ entre brancos. É um “pacto, um acordo tácito entre os brancos de não se
reconhecerem como parte absolutamente essencial na permanência das desigualdades
raciais no Brasil”. (Bento 2003b: 26). É um pacto que se precisa entender em nível abstrato,
mas, enfatizando, também em nível estrutural e prático. Esta forma de inclusão e proteção
branca implica a exclusão não-branca, o não-acesso de outros grupos raciais a este pacto e,
portanto, hegemonizando o acordo social que privilegia brancos; e no qual brancos se
privilegiam.
Como a branquitude é marcada pelo silêncio e cegueira, este pacto também não é
visto, nem falado, para que possa dar continuidade à manutenção do sistema. Se houver
brancos com a intenção de romper este pacto narcísico entre brancos, precisam ‘trair à sua
raça’. Precisam romper o silêncio, ‘sujar‘ o panorama, trair outros brancos: companheiros,
família, vizinhos ou colegas. Assim tornam-se dissidentes do sistema para a modificação
desta hegemonia.

3.4 BRANQUITUDE CRÍTICA

Muitas vezes entende-se a branquitude na sua invisibilidade, transparência e


universalidade, o local onde branquitude é não-nomeada, não-marcada. Mas “para quem é
invisível, quem vê e quem não vê a branquitude?” Esta invisibilidade branca é uma miragem,
diz Frankenberg, uma fantasia dos brancos, pois “é muito visível para os homens e
mulheres de cor”. (Frankenberg 2004: 309-13). É o branco que é cego, que não se vê a si
mesmo, que não se observou, estudou, e analisou. Os afro-descendentes e indígenas estão
sempre obrigados ao estar de olho e são ensinados a entender esta hegemonia. (hooks
1997: ; Bento 2003b)
Um estudo de brancos não é igual a fazer um estudo crítico de branquitude. A
invisibilidade branca muitas vezes se fortalece na pesquisa onde brancos são objeto de
estudos, afirmando sua centralidade e status quo. A interpretação hegemônica da
branquitude ocorre no momento de analisar branquitude como invisível e não-marcada.
Assim re-afirma a própria hegemonia desta branquitude. Nesta visão hegemônica, se

57
Esta pesquisa ainda está em elaboração, e é para ser finalizada no início de 2008. Léia-se, já, este trecho em

38
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
compreende branquitude como um "’marcador não-marcado’, como significante vazio”, a
demonstrando como estável, onde, na realidade, “sempre está em processo de ser
construído e deconstruído”58. A cegueira está em volta da especifidade e da localidade da
branquitude, diz Frankenberg, em volta do fato que está sempre em construção.
(Frankenberg 1997: 15-6).
Por último, neste capítulo, procuro esboçar dois aspectos da branquitude que a
marcam como entendimento crítico.

3.4.1 Branquitude interseccional

Branquitude não somente é relacional pela interdependência das categorias raciais,


mas também no sentido de que sempre está marcada por outros eixos. Branquitude - e seu
lugar de privilégio - é estruturalmente, mas não estáticamente, “atravessada por uma gama
de outros eixos de privilégio ou subordinação relativos”, os quais “não apagam nem tornam
irrelevante o privilégio racial, mas o modulam ou modificam”. (Frankenberg 2004: 328).
Entretanto, não pode se entender branquitude unilateralmente. O sistema hegemônico não
somente exerce seu controle de forma racial, privilegiando, portanto, brancos sobre outras
categorias raciais. Este sistema também exerceu seu controle em forma de gênero,
privilegiando homens sobre mulheres e, no caso de classe, privilegiando ricos sobre pobres.
É o mesmo sistema exercendo sua hegemonia em formas e níveis diferentes.
“Ser negro ou mulher não é outra forma de ser classe trabalhadora, ou mesmo um
tipo particular de pessoa da classe trabalhadora”, diz Yuval-Davis. "Há uma necessidade”,
ela critica, “de diferenciar cuidadosamente entre tipos diferentes de diferença”59. (Yuval-
Davis 2006: 200, 199) A linguagem dos ‘ismos’, como diz Wildman, sugere que todas as
padrões de dominação e subordinação são semelhantes, e as posições específicas em
relação ao poder não possuem diferenciações comparáveis.
Uma conseqüência desta ‘indiferenciação’ é que uma pessoa subordinada ou
discriminada em eixo X não consegue se enxergar como privilegiada ou possível opressora,
em eixo Z. Retomando as mulheres brancas, diz Wildman, “mulheres brancas, tendo um
ismo que defina sua condição –sexismo – não podem ver o modo como são privilegiadas
pelo racismo. Elas definiram-se a si mesmas com um dos oprimidos.”60 (Wildman 1995
(2005 2nd ed): 97-8)

artigo recentemente apresentado (Huijg 2006).


58
Original: “‘unmarked marker’, as empty signifier”, […], “[it is] always in the process of being made and
unmade”.
59
Original: “To be Black or a woman is not another way of being working class, or even a particular type of
working-class person” […]. "[T]here is a need” [...] “to differentiate carefully between different kinds of difference”.
60
Original: “white women, having an ism that defines their condition –sexism– may not look at the way they are
privileged by racism. They have defined themselves as one of the oppressed.”

39
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Como o eixo racial entrecruza o eixo de gênero, assim há outros eixos seccionando
o caminho racial, pois, ningúem ocupa um não-lugar em um eixo. Todos ocupam um lugar
nestas posições interseccionais, seja explícito e visível ou não. São aspectos diferentes que
influenciam a branquitude na sua construção social, na sua função e nas suas posições
sociais diferentes.
“Para pessoas cuja posição de classe ou de gênero, ou ambas, as coloca em
desvantagem, as privações e as injustiças impostas por classe e/ou privilégio masculino
podem ser tão destrutivas que mascarem os privilégios que alguns de nós recebem
simplesmente pelo fato de ser branco.”61 (Rothenberg 2005 (2nd ed.): 3-4). Branquitude não
tem o mesmo significado para todos os brancos devido a interseccionalidade com os outros
eixos. Porém, não deveria implicar que, pela posição desprivilegiada nos outros eixos,
venha a negar sua posição privilegiada no eixo racial.
“Eu considero que também é seguro declarar que algumas mulheres mais que outras
– da classe certa, da raça certa – estão sendo seduzidas para um novo tipo de inserção
[insiderness], junto com sua contraparte masculina.”62 (Frankenberg 1997: 7). Eixos
diferentes são (ab)usados em ideologias, discursos e práticas de inclusão e exclusão. A
indiferenciação feminina, portanto, se expressa como cegueira (omissão, ou ignorância),
mas ao mesmo tempo reforça a própria hegemonia, neste caso, branca.

3.4.2 Saber ser branco

“A racialização consciente de outras pessoas pelas pessoas brancas não


necessariamente leva à racialização consciente do self branco [white self]”63 (Frankenberg
1997: 6). Mesmo que sejamos brancos conscientes, localizando nossos privilégios, na
realidade, quando falhamos “em contestá-los, quão boa é nossa constatação?”64 Se
reconhecermos discriminação, mas não a combatermos, qual é a nossa contribuição para a
justiça? (Wise 2005 (2nd ed): 120). Uma branquitude crítica, portanto, não tem significado
em contexto onde brancos não atuam contra os privilégios, contra a discriminação, contra o
sistema, perpetuando a hegemonia branca. Brancos, opina Frankenberg, sabem sim ser
brancos, porém eles sentem uma certa ambigüidade sobre a branquitude.

61
Original: “For people whose class position or gender or both place them at a disadvantage, the deprivations
and inequities imposed by class and/or male privilege may be so overwhelming that they mask the privileges
some of us receive simply by virtue of being white.”
62
Original: “I think it is also safe to assert that some women more than others – of the right class, the right ‘race’
– are being seduced into a new kind of insiderness along with their male counterparts.”
63
Original: “[W]hite people’s conscious racialization of others does not necessarily lead to a conscious
racialization of the white self.”
64
Original: “to challenge them, what good is our insight?”

40
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Para mudarem, diz Bento, brancos têm que se reconhecer como branco. Precisam
desenvolver uma consciência branca, se conscientizarem e refletirem sobre a sua própria
posição racial. Assim, o branco tem que romper com o pacto narcísico para mudar o
sistema. Deste modo poderia oferecer um outro modelo de branquitude para outros brancos.
(Bento 2003a: 161).
Para saber como o privilégio branco funciona, precisamos do conhecimento crítico,
para assim podemos, diz Rothenberg, começar a dar passos para desmanchá-lo num nível
pessoal tanto quanto institucional”65 (Rothenberg 2005 (2nd ed.): 1). Para mudar a
hegemonia branca, precisa-se insistir “na identificação de si mesmo e a falar por si mesmo”,
precisa-se requerer a transformação da estrutura social, isto é “a recusa a compreensões do
‘senso comum’ que a ordem hegemônica impõe.”66 (Omi & Winant 1986 (2002): 132). É
necessário saber ser criticamente branco.

65
Original: “to take steps to dismantle it on both a personal and institutional level.”
66
Original: “on identifying [one]self and speaking for [one]self” […] “[the] refusal of the ‘common sense’
understandings which the hegemonic order imposes.”

41
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
4
BRANCA & (ANTI-)RACISMO

A fim de introduzir a análise do texto da Soares, O VERSO E REVERSO DA CONSTRUÇÃO


DA CIDADANIA FEMININA, BRANCA E NEGRA, NO BRASIL, no capítulo seguinte, procuro dar aqui
um resumo muito breve de seu texto. Não obstante, em anexo a este trabalho encontra-se
uma cópia do texto original.

“O VERSO E REVERSO DA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA FEMININA, BRANCA E NEGRA,


NO BRASIL” Vera Soares

Soares, como militante do movimento feminista, especificamente da cidade de São


Paulo, pretende, neste texto, publicado como capítulo na coletânea Tirando a Máscara.
Ensaios sobre o racismo no Brasil, em 2000, esboça um quadro histórico e atual do
desenvolvimento das relações raciais intra-gênero. Destaca em particular as relações dentro
do movimento de mulheres, o feminismo e o movimento feminista, no Brasil. Neste relato ela
posiciona-se como observadora, tanto como participante.
O objetivo de Soares ao escrever este artigo foi “expor algumas idéias que possam
ajudar a 1) reexaminar a história do feminismo; e 2) refazer as nossas [suas] agendas”
[258]. Em específico, ela pretendeu atualizar os próprios textos anteriormente escritos, com
base na bibliografia existente tanto quanto em sua própria memória e experiências, com o
objetivo de “incorporar à análise do movimento feminista o movimento das mulheres negras,
reexaminando a trajetória destes movimentos, seus conflitos e convergências” [258] e de
“identificar [..] as relações e os conflitos entre o movimento feminista branco e o movimento
das mulheres negras” [259]. É uma discussão que, como diz a autora, “nós, feministas,
brancas e negras, ainda não fizemos coletivamente” [258].

Soares esboça, de modo não cronológico, o caminho no qual as relações, entre as


mulheres negras e brancas (e os movimentos), se construíram e se modificaram. Assim, um
momento importante foi a 4ª Conferência Mundial da Mulher, organizada em 1995 pela

42
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Nações Unidas, em Beijing, China. Depois dela começou a ser reconhecido “o racismo
como um dos empecilhos para a igualdade de oportunidades.“ [258].
Como em muitos países, o ressurgimento do movimento feminista no Brasil deu-se a
partir do movimento político de esquerda. As mulheres participantes neste movimento
criticaram o sexismo existente no movimento e dos homens que participavam dele. O
movimento alegava que seria a condição de classe que determinava as relações desiguais
de poder. Mas, reflete Soares, “[o] feminismo branco, no seu início, não viu as mulheres
negras, referenciado que esteve ao feminismo europeu e ao viés das análises de classe,
apesar da crítica que fizemos às teorias universalistas da esquerda” [260]. As mulheres
brancas, portanto, adotaram a mesma cegueira dos homens em relação à questão de
gênero.
Com base em estatísticas, Soares esboça a realidade brasileira das desigualdades
[260-7], tanto de gênero e de raça, quanto na sua interseccionalidade - em particular a
posição das mulheres negras. Em seguida [267-74], a autora dá o quadro histórico deste
ressurgimento do movimento feminista a partir de meados dos anos 1970, sob o governo
militar. Foi um movimento feminista composto por mulheres brancas da classe média,
saidas dos partidos da esquerda, das organizações clandestinas e dos movimentos
estudantis e, depois da anistia (1979), voltando do exílio. Estas mulheres brancas não viam
as mulheres negras.
Também surgiram os movimentos de mulheres nos bairros populares que, por serem
consideradas depolitizadas e apolíticas, não foram ameaçadas pela ditadura. As suas
reivindicações focavam melhores condições de vida para suas famílias (Alvarez 1990) [269].
Com a critica dos negros/as ao racismo existente dentro da esquerda, ressurgiu o
movimento negro. As mulheres negras, a princípio, não se organizaram em entidades
autônomas, mas como “integrantes do movimento de mulheres e homens negros”; às vezes,
em núcleos de mulheres. Foi somente no fim dos anos 1980 que estabeleceram
organizações independentes [270].

A partir destas mudanças, desenvolveu-se uma crítica maior das mulheres negras ao
movimento de mulheres, feminista, branco e à sua negação das mulheres negras e da
questão racial dentro deste movimento [270-4]. A partir do ano 1984 foram organizados
encontros feministas independentes, mas somente o 12º Encontro Nacional Feminista, em
1997 foi organizado com o tema “Gênero e Diversidade no País da Exclusão Social”. Assim
relata Soares sobre a inclusão da questão racial:
“Este título reflete a incorporação da questão racial pelo
feminismo. Esta maior compreensão do racismo é fruto do
intenso trabalho das organizações de mulheres negras durante
o processo de preparação da Conferência da Mulher, em 1995,

43
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
no qual estiveram presentes em todos os momentos e todos os
espaços, trazendo suas contribuições.” [272].

Finalizando o seu artigo, Soares coloca ‘questões e desafios’ para o movimento


feminista. Ela acha crucial que sejam compreendidos os diferentes modos com que o
racismo influencia a mulher negra e a mulher branca “na nossa sociedade capitalista” e que
precisam ser formadas coalizões entre mulheres negras e brancas [274], com atenção às
“diferenças entre as brancas entre si e entre as negras entre si”. E, “[é] necessário também
compreender que existe uma cultura branca dominante cujo racismo afeta a vida de todos
os brasileiros “ [275].
“Se o feminismo deve liberar as mulheres, deve defrontar-se virtualmente com todas
as formas de opressão”, diz Soares e, para lograr isto, precisa-se “construir um feminismo
multicultural que aprofunde o entendimento de como o racismo opera em conjunção com o
sexismo e com outros sistema de dominação, ou seja, é preciso colocar a questão racial no
interior das análises de gênero.” [276-7].
Por fim, opina que não podem ser colocadas em oposição a igualdade e a diferença,
mas é necessário a “igualdade na diferença”. E Soares conclui:

“O reconhecimento da diferença entre os sexos e entre raças


varia assim a implicar um processo de reconhecimento
recíproco que deixaria finalmente espaço à consciência e à
certeza de si, evitando-se, desse modo, desembocar na
submissão de um ou de outro, de uma pela outra. (...) e
também a possibilidade conceitual de que duas pessoas
diferentes se reconheçam reciprocamente não só como iguais
e destinadas uma a outra, mas principalmente como outro ou
outra.” [278].

44
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
5
Branca sobre brancas

Com o seu relato, O VERSO E REVERSO DA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA FEMININA,


BRANCA E NEGRA, NO BRASIL (Soares 2000 (1997)), Soares pretende primeiro: “incorporar à
análise do movimento feminista o movimento das mulheres negras, reexaminando a
trajetória destes movimentos, seus conflitos e convergências” [258]; e segundo: “identificar
[..] as relações e os conflitos entre o movimento feminista branco e o movimento das
mulheres negras” [259]. Pois, declara a autora, esta é uma discussão que “nós, feministas,
brancas e negras, ainda não fizemos coletivamente” [258]. Com este fim faz uma reflexão
sobre o desenvolvimento das relações raciais no movimento de mulheres e/ou feminista67 no
Brasil, em particular em São Paulo.

Como explicitei no Capítulo 1, procuro analisar mulheres brancas como significados -


objetos de observação, tanto quanto como significantes - observadoras de relações raciais
em função da militância feminista. Pelo caráter duplo desta análise, a fim de entender a
expressão de branquitude feminina na reflexão de Soares, direcionarei o foco tanto para
mulheres brancas sobre as quais a autora escreve, quanto para a autora, como agente
branca analisando mulheres brancas militantes, das quais ela é parte. Para esta análise sigo
o quadro teórico sobre branquitude, conforme o Capítulo 3, com base nos conceitos, de
raça, gênero e interseccionalidade, explicados no Capítulo 2.

5.1 A BRANCA RACIALIZADA: BRANQUITUDE NAS RELAÇÕES RACIAIS

A fim de problematizar a parcela feminina branca, ou seja as mulheres militantes ou


feministas brancas, seja como indivíduo(s), seja como categoria, na análise de Soares,
pretendo posicionar esta parcela branca em contexto racial.

67
Mesmo que a autora use ambos os conceitos de “movimento de mulheres” e “movimento feminista”, ela
procura se referir predominantemente ao feminismo, à luta feminista, pelo menos quando trata de mulheres
brancas, ou seja, mulheres ‘em geral’. Desde que a autora também se auto-define como “feminista”, optei pelo
uso principal de conceitos relacionados ao “feminismo”.

45
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
5.1.1 Mulheres brancas como categoria (não)racial

Para o reconhecimento de mulheres brancas como uma categoria racial e sua


problematização é preciso detectar mulheres brancas, individual ou categoricamente, no
relato de Soares. Com este intuito procuro responder a seguinte pergunta: Onde podem ser
encontradas mulheres brancas, nas relações raciais descritas e analisadas por Soares?

Em contexto inter-racial onde mulheres negras são racializadas, a racialiadade das


mulheres brancas está sendo neutralizada por sua desracialização. À primeira vista tem-se
a impressão que a autora elabora explicitamente a posição das mulheres negras tanto
quanto a das mulheres brancas, porém, com maior aprofundamento, percebe-se o lado
branco desaparecer indelevelmente. Gostaria de explicar este caráter desracializante de
branquitude no texto de Soares, por meio da observação de alguns trechos.

Para analisar as relações raciais, incluindo pelo menos as categorias negra e branca
das quais a autora trata, é necessário reconhecer a existência de brancas como uma
categoria racial. Precisa-se dizer que, como apontou Frankenberg (2004), “um grupo
chamado pessoas brancas existe”.
Soares detecta no trecho <1> duas parcelas raciais na constituição do movimento de
mulheres e/ou feminista por ela descrito, afirmando portanto a existência de mulheres
brancas como grupo. Assim escreve a autora:
<1> “Podemos dizer que cada uma das partes (mulheres
brancas e mulheres negras) começou seu complexo
processo de desenvolvimento em tempos e territórios
68
diferentes.” [274, grifo meu]
É conforme este raciocínio que se poderia entender o título do seu texto, com o qual
a autora pretende falar da CIDADANIA FEMININA, BRANCA E NEGRA, NO BRASIL. Ela deseja
tratar, como o seu título pressupõe, da cidadania da população brasileira negra e branca,
entendendo a população brasileira como racial, o que supõe reconhecer a racialidade de
mulheres brancas. A categoria racial branca também se encontra no seu texto, quando ela
situa o movimento feminista na segunda metade dos anos 70 [267]; na diferenciação entre
mulheres e/ou feministas brancas e mulheres negras [258, 270, 274-5]; em momentos
quando a própria autora se auto-define como feminista branca [260]; ou quando –
explicitamente - fala do feminismo ou movimento feminista branco [259, 260, 275].

68
Para diferenciar trechos do texto analisado das citações de outra literatura, utilizo o seguinte sistema: Citações
incluem (nome do autor, ano, e página). Trechos do texto analisado são marcados por um <número>, e ao final
pela [página] na qual parecem. Na minha análise refiro-me tanto às [páginas] quanto aos <trechos>. Deste modo
procuro facilitar ao leitor a leitura desta análise e a busca da referência no capítulo analisado cujo original está
em anexo.

46
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Pois bem, quero perguntar: em que implica o fato da autora mencionar mulheres
brancas, que ela consistente e plenamente nomeia racialmente, com base no
reconhecimento de que “um grupo chamado pessoas brancas existe”?

Poderia-se-ia concluir, com base na declaração da posição racial da própria autora


tanto quanto de outras mulheres brancas, que Soares mostra também sua consciência racial
e que mulheres brancas formam uma categoria racial. Numa análise superficial, deduzir-se-
ia que a autora não é race oblivious, o que ocorreria quando, para a maioria dos brancos,
sua própria racialidade “é simplesmente parte de um background não visto, não-
problemático” (Dalton 1995 (2005): 17). Ao contrário, a invisibilidade da branquitude mostra-
se na reflexão da própria Soares e em sua representação de mulheres brancas. Parece que
a categoria racial branca, seja pela descrição de mulheres brancas, seja pela descrição do
(movimento do) feminismo branco, continua transparente, racialmente não-problematizada
e, às vezes, mostra-se quase inexistente. Esta desracialização apresenta-se de modos
diferentes, os quais gostaria de explicitar por meio de alguns exemplos:

<2> “Vou olhar este passado indagando as questões


colocadas pela atuação do movimento feminista e pelo
movimento de mulheres negras.” [259, grifo meu]
Soares compara, neste trecho <2>, o “movimento feminista” com o ‘movimento de
mulheres negras’. Nesta comparação, falta raça ao “movimento feminista”, enquanto que “o
movimento de mulheres” é composto por ‘mulheres negras’, portanto é racialmente
especificado. Pelo fato de o “movimento feminista” estar em oposição ao “movimento de
mulheres negras”, mutuamente se excluindo, deve-se concluir que este “movimento
feminista” exclui dele as mulheres negras, que passam a pertencer ao “movimento de
mulheres negras”. Assim, poder-se-ia concluir que não é um movimento geral, ou seja,
composto por mulheres negras tanto quanto por mulheres brancas, mas que de fato é
branco. Por conseguinte, o chamado “movimento feminista” é marcado por um contexto
desracializado, a sua característica não-racial operando como um fator invisibilizante e
fortalecedor da branquitude.

Procuro explicar melhor este processo desracializante de branquitude por meio da


análise de outro trecho <3>, no qual a própria autora atua.
<3> “Nós, feministas, após a realização da 4ª Conferência da
Mulher [em Beijing, China, organizada pela ONU, DDH], em
setembro de 1995, [...] conseguimos alguns avanços, entre
eles o reconhecimento do racismo como um dos empecilhos
para a igualdade de oportunidades [...]. Tal inclusão foi obtida
graças à ação decisiva dos movimentos de mulheres ali
presentes, em particular do brasileiro [...].” [258, grifo meu]

47
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Aparecem dois processos relacionados neste trecho <3>. Pelo primeiro, tanto ‘os
movimentos de mulheres’ quanto as ‘feministas’, devido aos quais, segundo a autora, o
racismo foi agendado nesta importante conferência, são descritos como racialmente
neutros, ou seja, não têm raça. O processo de ‘conseguir avanços’ pressupõe o esforço de
um conjunto de ‘movimentos de mulheres’, ou um movimento de várias mulheres, contendo
pelo menos uma variação de mulheres de categorias raciais diferentes, inclusive as brancas.
No segundo processo, a idéia de diversidade racial é fortalecida pelo fato de que a autora,
que se declara como uma de ‘nós feministas’ é branca e se inclui como uma destas
mulheres ou destes movimentos que ‘conseguiram os avanços’. Isto supõe que mulheres
brancas foram agentes na conquista dos chamados avanços.
Simultaneamente, a racialidade de mulheres brancas está ausente da descrição de
Soares.

<4> “[A] maior compreensão do racismo [no feminismo] é fruto


do intenso trabalho das organizações de mulheres negras
durante o processo de preparação da Conferência da Mulher,
em 1995 [...].” [272, grifo meu]
Ora, quando se lê a interpretação da própria autora no trecho <4> das contribuições
na referida Conferência da Mulher, percebe-se que Soares especifica a racialidade das
mulheres, agentes na “maior compreensão do racismo [no feminismo]“. Contrapondo-se à
sugestão anterior <3>, de que o ‘intenso trabalho do reconhecimento do racismo’ foi um
trabalho em conjunto de mulheres racialmente diversas, mostra claramente, após uma
leitura mais detalhada do trecho <4>, que foram as mulheres negras que agendaram o
racismo no feminismo, a partir desta Conferência.
O trecho <3>, que aponta na leitura crítica para mulheres racialmente diversas, opera
racialmente como uma incorporação, pelo uso da linguagem generalizante, de mulheres
brancas como agentes principais no processo de conseguir os avanços; ou seja, a inclusão
do anti-racismo nesta agenda feminista. <3>. Mesmo que a autora não desejasse excluir a
agência feminina negra de, nem inscrever ou incluir a agência branca exclusiva na conquista
de, entre outros, a denúncia do racismo na agenda do feminismo, de fato opera desta
maneira. A autora não somente reflete sobre a seqüência dos acontecimentos conforme
uma visão hegemônica de branquitude, mas também se inscreve ou inclui nesta visão
hegemônica na qual brancos, brancas neste caso, regem.
O ‘ser mulher branca’ na descrição de Soares, na qual ela mesma se inclui, mostra-
se como uma equação de ‘ser mulher’. Assim disse Dyer, “a eqüação de ser branco com ser
humano assegura uma posição de poder. Pessoas brancas têm poder e acreditam que
pensam, sentem e agem como e por todas as pessoas” (Dyer 1997 (2005): 12). O ‘ser
mulher’, devido à sua invisibilidade racial branca, torna-se um modelo universal e
centralizante de feminidade.

48
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
5.1.2 Mulheres brancas como construção social

É evidente que Soares detecta mulheres brancas como grupo, ou seja, como
categoria racial branca feminina. Porém, reconhecer a existência de mulheres brancas como
parcela nas estatísticas [260-7] não é suficiente para a sua problematização. Assim
expliquei no Capítulo 2, como os conceitos ‘mulher’ e ‘experiência das mulheres’ não são
estáticos (Mohanty 1995: 74; Crenshaw 2000 (2002): ; Wekker & Lutz 2001: 32). Tampouco
é possível falar de ‘raças’ de modo singular (Omi & Winant 1986 (2002): 123; Dalton 1995
(2005): 16; Frankenberg 1997: 1; Winant ---- (2000): 185). Voltando ao princípio
intereseccional (Omi & Winant 1986 (2002): 132; Wekker & Lutz 2001: 32), é impossível, por
conseguinte, falar de ‘mulheres brancas’ como uma categoria essencial e/ou homogênea o
que tratarei adiante.
Retomando Frankenberg, diz ela que branquitude existe em um contexto de
“interrelações sócio-econômicas, sócioculturais, e psíquicas“. Assim, é um ‘processo plural’
(Frankenberg 1997: 1). Branquitude deve ser compreendida como uma construção social
(Frankenberg 2004: 313), e, conforme esta lógica, também a categoria ‘mulheres brancas’
deve ser compreendida como uma construção social. O significado desta categoria, porém,
é construído na e pela realidade, histórica e atual, desmistificando uma suposta essência
racial feminina (seja física ou social), mostrando seu caráter na relação inter-racial.
Na sua reflexão, a autora presta atenção a processos, políticas, ideologias,
elementos sistêmicos do racismo (Essed 1989: 33, 1991 (2002): 181; Dijk 1993 (2002): 308-
9, 322-3), como o passado escravocrata, a democracia racial, o embranquecimento e o
proconceito de (não) ter preconceito [262-3, 269]. São elementos, na reflexão de Soares,
que referem-se ao caráter socialmente construído da branquitude (feminina), como também
à posição de branquitude na ideologia da e, por conseguinte, no ‘dar significado’ à militância
feminista (branca).
Soares aponta em momentos diferentes do seu texto à heterogeneidade e a
pluridade do movimento de mulheres, referindo-se às diferenças entre mulheres [260, 263,
273-8] e, no fim do seu artigo, à necessidade de “um feminismo multicultural” [276]. O dito ‘a
mulher não nasce como mulher, mas torna-se mulher’ implica na reformulação de que
mulheres brancas crescem e portanto são construídas em contexto de relações raciais,
sejam interpessoais, familiares, grupais ou sistêmicas, ou pelo “diálogo dentro de uma
pluridade” [260], como brancas.

Acompanhando a argumentação de Soares, se poderia entender que a expressão de


branquitude destas mulheres brancas se constrói nos diálogos ‘dentro de uma pluridade’.

49
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Não somente contribuíram com sua parcela (branca) nas estatísticas das desigualdades
raciais na sociedade, como também contribuíram para o desenvolvimento das relações
raciais desiguais intra-gênero, particularmente no movimento de mulheres e feminista.
Porém, a autora não relaciona esta contribuição, histórica e continuamente atual, à
formação da branquitude, nem assinala na sua reflexão onde e como se expressam estes
diálogos. Mesmo que distinga mulheres (lésbicas, populares, pesquisadoras etc.) e
formalmente chame por meio desta diferenciação a atenção para a pluralidade da ‘categoria
racial branca feminina’, não confere significado à branquitude destas mulheres, como
pertencentes à categoria racial branca, na sua função de “beneficiárias do status quo” [277].
Contrário ao caráter de branquitude como construto social e das mulheres brancas
como tal, a autora tende a recair nas compreensões essencialistas da categoria ‘mulheres
brancas’ <1,3,7,10,14,17,30,32>. Na prática, Soares parece não diferenciar entre mulheres
brancas, de fato universalizando a sua branquitude, bem como seu gênero. Deste modo
deslegitima o caráter que marca a branquitude, e em específico esta categoria ‘mulheres
brancas’ como construto social diferenciado. Supõe uma categoria desracializada (branca
feminina) cujo poder está sendo fortalecido pela suposta homogeneidade.
Como autora do texto, tanto como militante nestes movimentos, Soares inclui-se na
categoria branca como mulher branca e, ademais, quer assumir sua responsabilidade como
tal [260, 276]. Porém não se propõe na sua agência racial nestes movimentos, isto é, não se
propõe como significante racial de branquitude. Por conseguinte, não altera seu potencial
para a modificação desta branquitude.

5.1.3 Mulheres brancas e a branquitude hegemonizante

A posição social racial de mulheres negras depende da e implica na posição de


mulheres brancas (e de homens negros e brancos); já a posição de mulheres brancas
implica na posição de mulheres negras. As relações raciais intra-gênero, ou inter-gênero,
são interdependentes, portanto intrinsecamente relacionais. É no seu aspecto relacional, em
particular nas relações inter-raciais, que se precisaria procurar a expressão da branquitude
feminina. Por meio da análise de alguns trechos gostaria de aprofundar esta expressão da
branquitude, primeiro pelo uso desracializado de termos gerais ou genéricos, segundo pelo
uso de termos gerais em contexto heterogêneo e inter-racial e, terceiro, pelo uso de
conceitos diferentemente valorizados.

Analisarei, primeiro, no seguinte trecho o uso desracializado de termos gerais:


<5> “Hoje, as mulheres negras organizadas se constituem em
uma vertente do movimento de mulheres e, embora se

50
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
afirmem também feministas, não se confundem mais com as
feministas brancas. Ao criarem suas formas próprias de
organização [...] têm iluminado o feminismo com questões
sobre diferença e a igualdade entre as mulheres negras e
brancas, introduzindo a necessidade concreta de se utilizar
também a categoria ‘raça’, além de ‘gênero’, para uma
compreensão mais concreta da realidade de exclusão das
mulheres (Soares 1994). No início do movimento feminista,
foi importante compartilharmos o dia a dia, pois assim
aprendemos que o que acreditávamos geralmente ser
característico do indivíduo foi gradualmente e coletivamente
sendo compreendido como fortemente megulhado na rede das
relações culturais e sociais. A ‘experiência’, agora
compreendida como coletiva e social, possibilitou-nos
também formular politicamente a vida pessoal. Este novo
entendimento foi-nos levando à noção problemática de
sororidade (sisterhood), organizada em torno do aparente
apelo a identidade das mulheres [...]. Foram as mulheres
negras, e também as mulheres lésbicas, que protestaram
contra esta definição totalizante e começaram a apontar as
diferenças entre nós. Como resultado destas críticas
emergentes, o conteúdo da ‘experiência das mulheres’ foi
profundamente mudado. (Lewis 1996)” [271-2, grifo meu]
Pela linguagem generalizante, ou seja pelo uso desracializado de um ‘nós’, falando a
partir da primeira pessoa plural, e pelo uso de termos gerais, como ‘mulheres’, ‘o feminismo’,
ou ‘o movimento de mulheres’, na qual fala a partir da terceira pessoa do singular ou do
plural, sugere-se falar em nome de ou sobre todas as mulheres. Por este modo, a autora
hegemoniza a normalidade e centralidade da categoria branca, isto é da branquitude.
Na primeira frase funciona a desracialização do “movimento de mulheres” como uma
inclusão intrínseca das ‘mulheres não-negras’, que são, por conseguinte, as “feministas
brancas” <5>. As mulheres negras são, ao contrário, somente consideradas uma vertente
deste movimento. Este movimento de mulheres brancas, portanto, aparece como um
movimento desracializado. A branquitude se centraliza e funciona de forma normativa à qual
as mulheres negras podem se adaptar. Tal adaptação possível também se detecta na
expressão geral, porém desracializada, de “’experiências’”.
A autora pretende, e com razão, criticar a compreensão de “‘experiência das
mulheres’” no trecho a seguir: “No início do movimento feminista, foi importante
compartilharmos [...] o conteúdo da ‘experiência das mulheres’ foi profundamente mudado”
<5>. Esta experiência, ou identidade à qual a autora se referiu anteriormente, não é igual,
como ela também criticou, para mulheres lésbicas, mulheres negras, como tampouco para
“nós” <5>. Este “nós” supõe, na melhor das hipóteses, um ‘nós’ inclusivo, partindo da idéia
de experiência diferenciada e plural de ser ‘mulher’; e na pior das alternativas, um ‘nós’
igualizante, partindo da idéia que se pode falar de uma experiência única e singular de ser
‘mulher‘. A autora se inclui neste ‘nós’, que implica, no mínimo, em, uma pertença branca
desta experiência. Porém, fora da, ou justamente devido à sua presença racial invisível, não

51
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
aparecem mulheres brancas neste texto. É na sua presença invisibilizada, porém visível
pelo olhar crítico, que este ‘nós’ compartilha, aprende, acredita e possibilita <5> que se
centralize o seu poder normativo.
A subjetividade (invisivelmente) branca é hegemonizada por meio desta suposta
coletividade. Sua desejada mudança não está nomeada nem discutida e fica cega quanto a
própria branquitude. Contraditoriamente, sua crítica, na intenção de discutir a universalidade
desta “’experiência das mulheres’” <5>, funciona de fato como universalizante.

O uso de termos gerais opera de modo diferente, quando os analisa no contexto


inter-racial. Nos seguintes trechos <6,7,8,9>, encontram-se algumas destas relações que
constrõem a branquitude de mulheres brancas dentro da relação no interior da militância
feminista brasileira. Conforme este raciocínio, é formulada uma dialética neste trechos entre,
por um lado, ‘o movimento feminista’ <7,9> e ‘o feminismo’ <9>, ou seja, ‘o feminismo
branco’ <7,8>; e, por outro lado, ‘as mulheres negras’ e ‘o movimento das mulheres negras’.
A invisibilidade de branquitude expressa-se em forma já óbvia, por meio da não-nomeação
racial ou desracialização através dos termos gerais: ‘o movimento feminista‘ e ‘o feminismo’,
como explicado no item 5.1.1.

Nos trechos a seguir expressa-se a branquitude inter-racial em outro processo


relacionado ao anterior, isto é, pelo uso de conceitos diferentemente valorizados. Vejamos
os seguintes trechos:

<6> “Como militante, quero expor neste texto algumas idéias


que possam ajudar a reexaminar a história do feminismo e a
refazer as nossas agendas. [...] para incorporar à análise do
movimento feminista o movimento das mulheres negras,
reexaminando a trajetória destes movimentos, seus conflitos e
convergências” [258, grifo meu]

<7> “As mulheres negras, ao construírem seu lugar no


movimento feminista, buscaram um reconhecimento público
como grupo definido pela diferença de gênero e de raça e não
simplesmente como pessoas individuais. [...] O feminismo
branco, no seu início, não viu as mulheres negras” [260, grifo
meu]

<8> “O feminismo branco expressou o seu racismo particular


no modo como deu prioridade a certos aspectos do conflito
feminino e negligenciou outros, tendo sido, em geral, cego e
ignorante das condições de vida das mulheres negras.” [275,
grifo meu]

<9> “O feminismo levantou várias questões sobre como as


políticas sexuais afetam a vida das mulheres [...]. Entretanto,
devido às suposições e às perspectivas que invisibilizavam as
mulheres negras, ao tocar estas questões, nas primeiras
articulações do movimento feminista, as vidas das mulheres
negras não foram levadas em conta.” [276, grifo meu]

52
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Na formulação destes trechos se reconhece, seja na intenção da autora, seja em
uma mera reflexão da realidade de mulheres, uma hierarquia com base na nomeação da
militância das mulheres, o que fortalece a hierarquização racial. O feminismo é uma
ideologia ou uma teoria, expressada na militância, política ou academia; o movimento de
mulheres, por outro lado, é uma prática, não necessariamente acompanhada por uma
ideologia (feminista), a fim de melhorar as vidas das mulheres, suas famílias, seus bairros e
suas comunidades. Poderia se dizer que são de uma ‘qualidade’ diferente; não são
desiguais, mas com certeza não são iguais, no sentido de que não são ‘o mesmo'.
A ideologia e a teoria estão em relação hierárquica à prática. Assim, relaciona-se o
feminismo ao movimento de mulheres, e assim posicionam-se mulheres brancas em relação
a mulheres negras. Não é necessariamente uma relação ruim, mas, na prática, mostra-se
como uma relação interpessoal e categoricamente diferenciada e diferentemente valorizada.
Relendo os trechos, e levando em conta a hierarquia acima apresentada, estão
fortemente ausentes os conceitos de ‘feminismo negro’ ou de ‘feministas negras’, como
também uma explicação da autora sobre o motivo desta ausência. Quando Soares fala do
‘feminismo’, nos trechos <6> e <9>, pergunto-me se mulheres negras pertencem a esta
categoria, contrapondo-se ao ‘feminismo branco’, sobre o qual a autora fala nos trechos <7>
e <8>. Será que não existem ‘feministas negras’ ou um ‘feminismo negro’? Ou será que o
movimento de mulheres não é valorizado hierarquicamente como o feminismo? A ideologia
e prática de mulheres negras, ao não serem definidas como feminista, indicariam uma
diferença de valorização pela sociedade brasileira?

A categoria ‘mulheres (brancas)’ muitas vezes é desracializada, tanto quanto a


branquitude do ‘seu’ feminismo é não-nomeada, ainda que centralizada. Na análise
relacional podem-se comparar categorias que parecem funcionar em nível igual, mas de fato
operam de modo desigual. A desracialização desta categoria de ‘mulheres (brancas)’ não
aparece em si, sem contexto; mostra-se na comparação com a categoria ‘mulheres negras’,
bem como a categoria do ‘feminismo (branco)’ mostra-se na comparação com a categoria
de ‘movimento de mulheres negras’. Branquitude tem como marcador intrínseco a
relacionalidade. Assim, é construída na relação inter-racial. É nesta relação que aparece seu
caráter dominante: a invisibilidade racial.

5.1.4 Resumo crítico

Para o mapeamento da expressão de branquitude é necessário contextualizar a


categoria feminina branca nas relações raciais. A autora detecta mulheres brancas como
categoria racial (Piza 2000: 99; Frankenberg 2004: 328), mas deixa transparecer o seu

53
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
caráter desracializante e universalizante no contexto racial intra-gênero. O lado branco
desaparece e, desta maneira, se homogeniza.
Soares reflete principalmente em termos racialmente neutros: ‘movimento de
mulheres’ ou ‘feminismo’. Por outro lado, observa em termos racialmente específicos:
‘movimento de mulheres negras’. Pode ser identificada enquanto observadora e significante,
como militante feminista branca, isto é pertencente ao ‘movimento de mulheres’ ou
‘feminismo’ e, por conseguinte, como pertencente ao grupo observado. É a partir desta
posição que ela fala de um ‘nós’ desracializado, ou de uma terceira pessoa do singular ou
do plural - ‘mulheres’, ‘o feminismo’, ou ‘o movimento de mulheres’ - cuja branquitude, no
contexto inter-racial, é não-nomeada e, portanto, invisibilizada. Pelo fato de a autora se
incluir nesta neutralidade e a contrapor à especifidade racial, ela reforça a invisibilidade da
branquitude das militantes brancas (Omi & Winant 1986 (2002): 123). É por meio disto que,
na reflexão de Soares, ‘ser mulher branca’ tem a tendência a se mostrar na equação como
singularmente ‘ser mulher’ (Mohanty 1995: ; Dyer 1997 (2005): 12; Bento 2003b: 25).
Branquitude é marcada por seu caráter de constructo. A categoria racial feminina
branca, portanto, não é fixa, nem estática (Frankenberg 1997: , 2004). Soares entende as
relações intra-gênero como um “diálogo dentro de uma pluridade” [260]. Desde que ela não
faz diferença entre mulheres brancas, deve-se concluir que este diálogo, na prática, se
constrói num vazio, o que contribui para sua equalização. É na relação, entendida como
diálogo ou como silêncio, que a branquitude feminina é construída e, portanto, expressa-se
em contexto racial. O fato da autora distinguir parcelas femininas raciais diferentes não
implica uma compreensão do caráter construtivo relacional da branquitude feminina, nem do
fato de que isto depende intrinsecamente da construção da posição social das mulheres
negras (Dalton 1995 (2005)).
“Para cada categoria social que é privilegiada, uma ou mais categorias encontram-se
oprimidas em relação a ela”, disse Johnson (2005 (2nd ed): 106). Pela ampla atenção que a
autora dá à categoria oprimida, portanto à marginalização, opressão e exclusão das
mulheres negras, se esperaria a mesma atenção à categoria social relacionada privilegiada,
isto é a das mulheres brancas. Porém esta está ausente.
Soares esvazia a branquitude e de fato deslegitima o suposto ‘diálogo’. Pela negação
dos “‘efeitos materiais e discursivos’” da branquitude feminina (Frankenberg 2004: 313), de-
marca a presente branquitude na prática, repetindo e hegemonizando seu silêncio e
cegueira (Bento 2003b: ; Piza 2003). Não atribui significado a mulheres brancas como
atores raciais nas relações intra-gênero; portanto, nega e impossibilita a sua possível
agência modificadora racial.

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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
5.2 BRANQUITUDE: BRANCA DIANTE BRANCA

Branquitude muitas vezes (a)parece homogênea, igual, in strictu sensu. Supõe um


grupo intra-racial fechado, sem relação intra-grupal. Não obstante, mulheres brancas se
relacionam sempre e sistemicamente com outras brancas. Pode ser a vizinha, a colega ou a
companheira de militância. Também pode encontrá-la quando (se) vê no espelho. Para
entender como mulheres brancas se relacionam intra-racialmente e, portanto, como marcam
a sua branquitude, procuro analisar no texto de Soares, primeiro, mulheres brancas como
sujeitos reflexivos, e, em seguida, mulheres brancas como sujeitos sociais em contexto
intra-racial, relacionando-se com outras brancas.

5.2.1 (Auto-)consciência racial branca

A mulher branca que se expressa ou se identifica de modo mais explícito


racialmente, na reflexão de Soares, é a própria autora. Tem uma auto-consciência de ser
branca <3,5,30>, mesmo que não seja uma auto-consciência de ser branca nos “seus
efeitos materiais e discursivos”. (Frankenberg 2004: 313). Em vários momentos a autora
enxerga mulheres brancas (ou brancos em geral) como categoria racial
<1,7,8,14,15,16,17,18,32>. Porém, em muitos outros momentos mulheres brancas ou ‘o
movimento feminista’ ou ‘o movimento de mulheres’ estão invisíveis em sua branquitude
<2,3,5,6,9,13,14,20,21,22,29,31,33>. As mulheres brancas, das quais Soares trata,
aparentemente lutaram pela inclusão do anti-racismo, mesmo não elaborada, na luta
feminista [258, 260, 271, 272, 274-8] o que, diz a autora, resultou em uma pluralidade ou
heterogeneidade do movimento e da luta. Apesar disto, em nenhuma parte do seu texto
Soares aponta para uma auto-consciência racial presente em mulheres brancas que não
sejam a autora. Nem mesmo uma consciência racial quanto a branquitude de outras
mulheres brancas.
É possível dizer que a autora tem a tendência a negar mulheres brancas como
categoria, negar a branquitude de mulheres e dos movimentos de mulheres ou feminista,
mas, explicitamente tende a não situar a si mesma como agente racializada e racializante.
Deste modo, a autora tem, apesar de seu propósito, a tendência a invisibilizar mulheres
brancas na sua racialidade. Precisa ser dito que, mesmo que a maioria dos brancos não se
posicionem racialmente, este processo de invisibilização é de fato uma realidade histórica e
atual. E o fato de que a autora não critique este processo confirma esta tendência
invisibilizante.
Mulheres brancas não são invisíveis para mulheres não-brancas. Também a
invisibilidade de mulheres brancas para mulheres brancas é relativa. Tanto Frankenberg

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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
(2004: 328) quanto Piza (2000: 102) criticaram a resistência de mulheres brancas
reconhecerem o significado da sua branquitude para si mesmas (ver 3.3.1 e 5.2.1). Quando
se trata de militância e de luta(s) [257, 258, 260], Soares expressa consciência das relações
raciais e da realidade brasileira das desigualdades raciais em geral, e da visibilidade das
mulheres brancas em particular [265, 266]. Lê-se esta consciência na sua referência a
mulheres, colegas militantes e companheiras negras que criticaram as relações raciais
desiguais no movimento de mulheres e, em particular, o posicionamento deficiente de
militantes brancas na luta anti-racista.
As mulheres brancas sobre as quais Soares escreve não estão conscientes da sua
racialidade, ou pelo menos não a mostram. E mesmo que a própria autora em certos
momentos expresse sua consciência da categoria racial branca, dever-se-ia deduzir que a
(auto-)consciência racial, ou agência racial branca consciente não faz parte da militância
feminista descrita pela autora. Por conseqüência, a militante branca não ocupa um espaço
para a mudança de sua posição feminina branca no contexto racial, devido à ausência de
auto-consciência racial, pois, não pode modificar aquilo que não conhece; e quem não se
conhece, não pode mudar.

5.2.2 Mulheres brancas na relação entre si

A relação da mulher branca com ela mesma é importante para entender a agência
branca na branquitude da militância. Assim, é necessário compreender a relação das
mulheres brancas entre si e quais conseqüências podem implicar no potencial da sua
agência racial como grupo.

Mesmo que o lugar central e normativo da branquitude seja fortalecido na reflexão, o


que se pode entender como narcisismo, no qual a branca tem a si mesma como modelo e
portanto perpetua a busca com a semelhança branca (ver o Capítulo 3), não se mostrou a
projeção de brancas, da qual trata Bento (2003b: 29-32). Porém, Bento estendeu o conceito
de narcisismo para a relação entre brancas, isto é: o ‘pacto narcísico’, torna-se um ‘acordo
tácito’ entre brancos, pelo qual a manutenção da hegemonia branca é perpetuada (ver 3.3.2
e 5.3.2). É por meio deste pacto que se hegemoniza o acordo social que inclui e exclui.
Soares fala do “pacto entre as elites” e do “clientelismo” [261], mas parece referir-se
somente às elites econômicas e políticas; na reflexão sobre as relações raciais na militância
feminista - e no movimento de mulheres, de menor importância frente ao feminismo -, as
questões são racialmente neutralizadas. Soares não trata explicitamente de um trabalho,
consciente ou inconsciente, por um conjunto de mulheres brancas a fim de excluir outras
mulheres não-brancas. Não obstante, não impede a análise deste pacto na reflexão, sobre a

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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
qual me refiro, na dos trechos <10,11,12>, nos quais são mostrados espaços próprios,
mesmo que não sejam exclusivos, de mulheres brancas:

<10> “O feminismo branco, no seu início, não viu as mulheres


negras” [260]

<11> “[A]s críticas que [as mulheres] fizeram às esquerdas [...]


não levaram o feminismo deste período inicial [1970-80s, DH]
à compreensão e à analise do racismo presente na
sociedade brasileira e à incorporação da raça como uma
categoria essencial à análise da condição feminina. As
mulheres negras permaneceram invisíveis para as feministas,
reduzidas à sua condição de classe.” [268, grifo meu]

<12> “[O] processo de modificações políticas que o país


passou nos anos 70 e 80 foi ‘lento e gradual’ [...], houve saldos
positivos [...] como a ampliação da consciência dos direitos e
do ideal de igualdades. [...] [As mulheres] foram agentes no
processo de transição política da sociedade como um todo,
mas também criaram espaços próprios para a reflexão e a
ação em prol de seus direitos; paralelamente reivindicaram
espaços institucionais governamentais específicos para a
abordagem das ‘questões da mulher’ e introduziram a
heterogeneidade como marca deste movimento.” [263, grifo
meu]
A invisibilidade das mulheres negras no feminismo branco, a partir dos anos 70-80,
está claramente mostrada nos trechos <10,11,12>. Não foram somente as mulheres negras
que foram excluídas deste ‘movimento feminista’ ou ‘de mulheres’, foi uma exclusão geral do
conceito de raça e da realidade de racismo como um aspecto pertencente à realidade de
(todas as) mulheres. Nos trechos acima apresentados, o termo de ‘mulheres’ é usado como
uma categoria geral que supõe abarcar todas as mulheres. Ao final, foram as mulheres que
“criaram espaços próprios”, lutaram por “seus direitos”, e “reivindicaram espaços
institucionais governamentais” <12>, pensando no saldo positivo “da consciência dos
direitos e do ideal de igualdades” <12>, que deveriam ter beneficiado todas estas mulheres.
Porém, na realidade estes espaços e direitos ficaram mais restritos às mulheres brancas.
Pela redução das mulheres negras “à sua condição de classe” <11>, pela exclusão da
participação física de mulheres negras, pela ausência de incorporação da realidade racista
na militância e luta feminista e de mulheres, e pela negação não somente da racialidade das
mulheres negras, mas também da racialidade das próprias mulheres brancas, estabeleceu-
se um ‘pacto narcísico’ a fim de proteger os interesses das mulheres brancas.

5.2.3 Resumo crítico

A perspectiva relacional, assunto do branquitude, não se restringe à pensar as


perdas e desprestígio de não-brancas. Branquitude (feminina) também se expressa em
contexto intra-racial, na relação de mulheres brancas consigo mesmas, seja a branca no

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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
espelho, seja em relação com outras mulheres brancas. O seu significado não se limita ao
exterior, isto é às não-brancas como significantes, mas tem significado para as próprias
mulheres brancas, as ‘habitantes’ da branquitude. (Piza 2000: ; Bento 2003a: ; Frankenberg
2004)
Na descrição da luta anti-racista dentro do movimento feminista e/ou de mulheres, as
militantes brancas não expressam consciência da racialidade de si mesmas ou de suas
companheiras brancas. Esta invisibilidade da racialidade das mulheres brancas e a ausência
de (auto-)consciência racial deve ser localizada em um contexto onde, por décadas, houve
um desenvolvimento da consciência, visibilização e problematização das relações de
gênero, em particular de ser mulher neste contexto desigual e sexista. Por conseguinte,
houve um quadro de conhecimento, prático e teórico, de relações desiguais de poder e do
sistema discriminatório. Foi somente depois de uma luta insistente e dolorosa,
principalmente das militantes negras, que foram incorporadas à militância feminista ‘geral’
questões ‘específicas’ das militantes negras. Levando em conta este contexto, que mostra a
realidade histórica e atual das relações nos eixos de raça e de gênero, a posição de gênero
de todas as mulheres é problematizada; é detectada, em teoria, a posição diferenciada
(privilegiada) das feministas brancas em relação à das mulheres negras <30,32>. Na
prática, porém, nota-se esta abordagem ausente; a racialidade de mulheres brancas fica
invisibilizada e negada. (Wildman 1995 (2005 2nd ed): 97-8; Dalton 1995 (2005): 17; Dyer
1997 (2005): 17; Rothenberg 2005 (2nd ed.): 3-4)

Neste contexto, cuja militância, feminista, se mostra crítica a sistemas opressores e


às relações desiguais de poder <23,26,27,28,31,32>, em particular de gênero <20,21,26,29,
,32>, Soares é de opinião que seja o feminismo, seja os movimentos de mulheres, deveria
incluir anti-racismo na sua militância <3,5,6,11,15,33>. Poder-se-ia esperar inclusive uma
crítica à ausência de auto-consciência racial branca, senão uma crítica da própria autora
diante desta limitação e auto-crítica ausente. Mas também a autora não esclarece o que
seria a desejada contribuição feminista branca para a avaliação das relações raciais do
movimento de mulheres.
É justamente esta ausência que marca a relação branca-branca, por conseguinte
caracteriza a branquitude feminina, para ser mais específica, feminista. Aponta para uma
agência feminista racial de mulheres brancas, na qual a própria agência, individual ou
categoricamente, é desracializada. Impede uma militância feminista branca na luta
transformadora anti-racista, cujo potencial para a transformação social, para a qual
necessariamente deve estar presente a auto-consciência racial branca e uma agência
consciente de branquitude, está sendo limitado.

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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Na reflexão, portanto, expressa-se branquitude por meio destes dois modos.
Primeiro, por uma preocupação limitada das feministas brancas com a questão racial, com
as relações raciais em geral, e com a posição das companheiras negras; e propicia uma
exclusão ou negação total da própria posição ou identidade racial branca e das
companheiras brancas, na sociedade ou na militância. Segundo, pela expressão de
branquitude estar canalizada para a autora, que opera tanto como militante, quanto como
observadora e, neste caso, representa as relações raciais discutidas. Ela critica esta
preocupação limitada, porém falta criticar a situação de ausente, na qual a racialidade,
agência e militânca brancas não são discutidas e continuam a não serem discutidas, pelas
feministas brancas, bem como pela autora.
É neste contexto que procuro contextualizar branquitude no “ideal de igualdades”
[263], sobre o qual se deve perguntar por qual igualdade se luta. Contrariamente ao ideal
sugerido, a militância feminista descrita não beneficiava todas as mulheres. Bento
descreveu a situação na qual brancas unem-se a fim de manter seus interesses brancos,
situação esta que ela chama de ‘pacto narcísico’ ou ‘acordo tácito’ entre brancos (Bento
2003b). Soares, aparentemente consciente deste tipo de colaboração, analisa um pacto
comparável (de classe), no qual as elites juntam seu poder a fim de dar proteção aos seus
interesses [261] <10,110,12> e perpetuar a hegemonia deste sistema de tratamento
preferencial. Não transpõe o entendimento das relações desiguais de classe, ou em outros
momentos de gênero, à análise crítica da raça das companheiras militantes brancas. Deste
modo, de fato contribui para a proteção de interesses das mulheres brancas que marca a
relação de branca com branca; a branquitude expressa-se assim como ‘pacto narcísico’.

5.3 A SOCIEDADE ESTRUTURADA POR DESIGUALDADE RACIAL

As relações raciais femininas não existem ‘em si’, mas fazem parte da sociedade nas
suas expressões diferentes, seja entendida como racismo, como privilégios raciais, ou,
sistemicamente, como hegemonia branca. Discutirei nesta parte a expressão de branquitude
das mulheres brancas neste sistema.

5.3.1 Mulheres brancas no racismo

O texto de Soares foi publicado em uma coletânea na qual foi avaliada a situação do
racismo no Brasil. Assim, o texto parte da realidade de que no Brasil há desigualdades
raciais entre brancos e negros, as quais têm a sua base no passado escravocrata. O
racismo não somente pode ser considerado uma expressão individual ou interpessoal, mas

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precisa-se levar em conta “o caráter racista desta sociedade”. O racismo, por conseguinte,
estrutura a sociedade, a qual não somente está racialmente estruturada pela “relação entre
condições sociais, econômicas e políticas dos negros e o racismo”, mas justamente pelo
caráter relacional que causam as desigualdades entre negros e brancos, portanto também
está estruturada pela “relação entre condições sociais, econômicas e políticas dos brancos e
o racismo” [269].

Não é uma relação de “mera causalidade“, enfatiza a autora, entre condições sociais,
econômicas e políticas e o racismo:
<13> “O movimento negro, e das mulheres negras em
particular, passou a denunciar a exclusão dos negros dos
direitos da cidadania, e a argumentar que o fato de os negros
formarem os contingentes mais pobres da sociedade não era
mera causalidade; mas, ao contrário, que os negros são
pobres sobretudo porque são negros. Esse quadro de
desigualdade estava obscurecido nas análises e ações dos
movimentos de mulheres.” [270, grifo meu]
Referindo-se à denúncia pelo movimento negro, afirma Soares que não se pode
limitar a exclusão racial à questão de “ter ou não ter preconceito de ter preconceito” [263].
Implica idéias, sentimentos e ações racialmente discriminatórias (ver Capítulo 1). Em
contexto onde a população negra é excluída, há outra população, branca, que a exclui. Do
quadro de desigualdades, oferecido pela autora, se pode deduzir que pobres são negros
sobretudo por serem negros <13>. Retomando a relação anteriormente esboçada, implica
que os pobres são negros porque os ricos são não-negros, isto é: ricos, em termos gerais,
são brancos. Contrário ao que se poderia supor, “nas análises e ações dos movimentos de
mulheres”, desracializadas, houve pouca integração desta realidade de discriminação racial
na qual as mulheres negras são excluídas <13>, menos ainda do outro lado desta realidade,
na qual brancas são privilegiadas.
“Branco”, disse Frankenberg, “corresponde a um lugar no racismo” (Frankenberg
1997: 9) e não é possível separar a categoria racial branca dos interesses e conflitos que a
acompanham (Omi & Winant 1986 (2002): 123). Conforme este raciocínio, é preciso analisar
melhor o texto de Soares. A autora explicitamente se posiciona a favor de anti-racismo
incluído no movimento feminista, no feminismo, ou movimento de mulheres, pois “o racismo
está permeado em nosso cotidiano e [...] se manifesta constantemente”. Assim argumenta,
“racismo [é] um dos empecilhos para igualdade de oportunidades”. Por meio deste
argumento, quer fazer refletir sobre “o movimento feminista [sobre] o racismo e suas
vinculações com o sexismo” [258]. Sua intenção está expressa no título do capítulo,
pretendendo situar tanto mulheres negras quanto mulheres brancas no contexto do racismo
no Brasil. Poder-se-ia entender sua consciência da relação de racismo com o sexismo, com

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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
o feminismo e o movimento feminista, como uma expressão incial desta intenção. Porém é
também preciso mostrar esta consciência na sua reflexão sobre os “seus efeitos materiais e
discursivos” (Frankenberg 2004: 313), conforme a relação do racismo com a vida real de
mulheres brancas e da autora, enquanto observadora em particular.

Em nível teórico e ideológico, Soares mostra a sua preocupação com a intersecção


do racismo com o sexismo, ou, até mesmo do racismo dentro do movimento feminista.
Mostra sua preocupação sobre a influência do racismo na sua própria vida e na vida de
outras mulheres incluídas nesta “nosso” [258]. Uma vez que a autora é branca, pertencente
a este ‘nosso’, se poderia entendê-lo como uma preocupação com a influência do racismo
no cotidiano de mulheres, feministas e brancas em geral. Mais adiante, neste capítulo,
entrarei na questão de como as próprias militantes brancas se posicionam no
entrecruzamento de sexismo e do racismo. Agora considero necessário analisar como
Soares inclui a influência do racismo na vida destas mulheres brancas, para o que utilizo os
seguintes trechos:

<14> “No trabalho informal, mantém-se a persistente e


renovada desigualdade entre brancos e negros – em 1990, a
importância do setor informal era bem maior para as mulheres
do que entre os homens, principalmente em conseqüência do
peso da prestação de serviços domésticos, nos quais a maioria
empregada são mulheres negras (Sorj, 1994). Para o total da
população ocupada no setor informal, existe uma
sobredeterminação de negros em posições caracterizadas
por maior precariedade.

As estatísticas não registram a maior parte do que as


mulheres produzem, excluem o trabalho domiciliar feito no
âmbito da sua família, o trabalho a domicilio feito para
empresas e as inúmeras atividades desempenhadas por elas
no mercado informal. Também não revelam a dupla jornada de
trabalho; [...] Proporcialmente, mais mulheres negras têm
trabalhado fora de suas casas dos que mulheres brancas”
[266, grifo meu]

<15> “Argumenta-se que a desigualdade social entre


brancos e negros pode ser explicada pelo fato desses
últimos ainda sofrerem os danos de um passado
escravocrata. [...] O movimento [negro] também passou a
denunciar que os negros e não os brancos são os
principais alvos das blitz policiais e estão entre aqueles com
menos acesso à educação formal. [...] não se poderia
compreender a posição do negro na sociedade brasileira
sem levar em conta o caráter racista desta sociedade
(Soares et al., 1995).” [269, grifo meu]
Neste trecho <15> leia-se a crítica da autora com relação à desigualdade de gênero
cruzada por raça e, portanto, entre brancas e negras. Em particular pode-se identificar a sua
preocupação no ponto interseccional onde as mulheres negras sofrem tanto o sexismo
quanto o racismo.

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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Por meio desta preocupação há dois pontos que chamaram minha atenção, e que
estão em debate com a mecionada preocupação. Primeiro, as mulheres negras das quais
Soares trata nestes trechos trabalham fora de casa. Devido à ‘dupla jornada’ fazem o
trabalho domiciliar na própria casa e também prestam serviço domiciliar em outras casas
<14>. Isto lhes confere uma posição de discriminação ou desigualdade múltipla, marcada
por sexismo e racismo. Porém, racismo e sexismo não somente têm influência na vida das
mulheres negras por meio da tripla jornada, detectada pela autora neste lugar
intereseccional, mas também na vida das mulheres brancas. O sexismo que as mulheres
brancas sofrem na dupla jornada - o trabalho domiciliar junto com seu emprego (caso o
tenham, já que proporcionalimente trabalham menos fora da casa <10>) - torna-se menos
pesado pelo racismo que as mulheres negras ademais sofrem, pelo trabalho domiciliar nas
casas das outras mulheres. Porém, não detectada pela autora, entende-se, em uma re-
interpretação destes trechos, que a vida das mulheres brancas é facilitada devido à tripla
jornada das mulheres negras.
Este contexto racista gera uma situação na qual mulheres brancas, querendo ou não,
têm uma posição de vantagem racial, seja potencial ou real, devido às conseqüências da
posição racialmente desvantajosa das mulheres negras. A vantagem racial das mulheres
brancas continua invisível, graças à ausência de uma reflexão explícita de Soares sobre o
nível prático da realidade de mulheres brancas que ocupam “um lugar no racismo” e
(potencialmente) aproveitam-se deste lugar.
Assim quero introduzir o segundo ponto, que complica a situação. Na sua
argumentação sobre “a posição do negro na sociedade brasileira” <15>, Soares transpõe a
compreensão desta posição para um nível maior, isto é para o “caráter racista desta
sociedade” <15>. Porém, conforme este raciocínio não leva em conta ‘a posição do branco
na sociedade brasileira’, não leva em conta o caráter relacional do negro e do branco neste
contexto sistêmico de racismo, tampouco leva em conta a relação desta sociedade racista
com seu habitante branco(a), que, ao final das contas, tem o maior poder nesta sociedade
racista. Por conseguinte, a ausência de uma análise sistêmica das mulheres brancas como
habitantes em um sistema de racismo impossibilita situar, portanto problematizar, este “lugar
no racismo” das mulheres brancas. Mesmo que pretenda problematizar o racismo em geral,
e, em particular, no seu entrecruzamento com a cidadania das mulheres negras e brancas, a
autora não elabora criticamente o problema. Faltaria situar as militantes brancas no contexto
de racismo. Também não leva em conta a reflexão sobre si mesma como militante ou
observadora e, portanto, pode legitimar a branquitude, deixando-a invisível e não-discutida.

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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
5.3.2 Mulheres brancas privilegiadas

Quando se fala da posição de mulheres brancas no sistema de racismo, é preciso


reconhecer o seu lugar de vantagens em relação ao lugar das mulheres negras, neste
sistema.

É importante desvelar como Saores expressa este lado da branquitude de mulheres


brancas em sua reflexão. Ela reconhece a existência da posição privilegiada de mulheres
brancas [259, 273-5], porquanto enfatiza as conseqüências de racismo para a população
(feminina) negra no Brasil.
<16> “[A]s denúnicas sobre o caráter racialmente desigual
da sociedade brasileira, trazidas a público pelas
organizações negras, vão fazer uma explícita relação entre
condições sociais, econômicas e políticas dos negros e o
racismo, ou seja, não se poderia compreender a posição do
negro na sociedade brasileira sem levar em conta o caráter
racista desta sociedade. (Soares et al., 1995).” [269, grifo
meu]
Se a autora acha necessário denunciar “o caráter racialmente desigual da sociedade
brasileira” <16>, uma “desigualdade social entre brancos e negros” <15>, ela também
levaria em conta ‘a relação entre condições sociais, econômicas e políticas dos brancos e o
racismo’ a fim de ’compreender a posição do branco(a) na sociedade’ <16>, ou seja, uma
posição que é marcada pela vantagem racial categórica de brancos? Sobre os privilégios de
feministas brancas, Soares diz:

<17> “[É] necessário que as feministas brancas, como eu,


formulem um entendimento que a nossa cor da pele, no
contexto das relações de gênero, gera privilégios que devem
ser francamente rejeitadas. Esta reflexão é um início” [260,
grifo meu]
É a rejeição de privilégios que Soares propões para feministas brancas. Assim, em
nível individual, pode-se pensar em forçar os policiais a também tomarem os brancos como
alvo nos blitz policiais <15>. Se fosse possível forçá-los, já seria uma expressão do seu
poder (branco). Tomando as oportunidades de emprego como exemplo <14>, pode-se
pensar em recusar uma posição quando percebe a posição vantajosa que tem em relação
aos candidatos negros. Isto seria, de novo, uma expressão do poder de recusa que o branco
detem.

Para especificar a vantagem racial de mulheres brancas, ou os chamados interesses


brancos, gostaria de remeter a outro exemplo de Soares, isto é, ao acesso diferenciado à
saúde reprodutiva das mulheres negras e brancas e, por conseguinte, os efeitos
diferenciados e impactantes que apresentam:

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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
<18> “(em 1986, 44,4% das mulheres na faixa etária de 15 a
54 anos estavam esterilizadas) [...] “A Declaração de
Itapecerica da Serra, feita pelas Mulheres Negras, denuncia
as condições em que as negras vivenciam sua saúde
reprodutiva e constata que ‘as políticas – quer sejam
explícitas ou não – vêm colocando como meta o controle dos
nascimentos das populações não-brancas e pobres’
(Oliveira & Silva 1995). Edna Roland observa que as mulheres
negras travam um grande debate nacional com as
pesquisadoras, parlamentares e feministas brancas a
respeito da questão de estar ou não em curso um processo de
esterilização em massa de mulheres, que tem a mulher
negra e pobre como alvo.” [265, grifo meu]

<19> “O feminismo levantou várias questões sobre como as


políticas sexuais afetam a vida das mulheres – a contracepção,
o aborto, a esterilização forçada [...]. Entretanto, devido às
suposições e às perspectivas que invisibilizavam as
mulheres negras, ao tocar estas questões, nas primeiras
articulações do movimento feminista, as vidas das mulheres
negras não foram levadas em conta.” [276, grifo meu]
Nestes trechos, poder-se-ia entender o acesso normal à saúde reprodutiva segura
como um privilégio branco pelo fato que, nessa época, foi preferencialmente e quase
exclusivamente acessível para as mulheres brancas da classe média. Deve-se perguntar se
a conseqüência da rejeição do privilégio - exigir o mesmo tratamento das mulheres negras,
implicaria em exigir uma maior chance de uma esterilização forçada - é realista ou
desejável. Não é uma solução para o problema, não garantir a todas as mulheres o acesso
normal (!), tampouco modificaria o privilégio em si.
Conceitos como vantagem racial, tratamento preferencial ou benefícios brancos
parecem sugerir uma categoria feminina branca que ativamente protege seus interesses
raciais a fim de ‘tratar mal’ as mulheres negras; neste caso seria a fim de negar-lhes acesso
à saúde reprodutiva segura e respeitosa. Não é tanto o acesso ‘normal’ em si que pode ser
definido como o privilégio racial de mulheres brancas (de classe média), porém o não-ter
que lutar para este acesso. O privilégio se expressa na forma de não-considerar questões
das mulheres negras, como tampouco das mulheres brancas pobres, como questões de
todas as mulheres.
Não é uma escolha de ‘usar’ ou não de um privilégio, pois é uma mochila (McIntosh
1989) que não se pode tirar, mas, é sim a escolha de combater ou não suas conseqüências
desiguais. Porém, não combater o tratamento preferencial das mulheres brancas, mesmo
que sejam somente as da classe média, é a máxima expressão de branquitude. Ou seja,
reconhecer-se em situação de privilégio, porém não lutar para modificá-la. (Wise 2005 (2nd
ed): 120). Nem sempre estiveram claros os interesses, por serem protegidos pela ausência
de uma ação direta, mas isto não implica que este interesses estejam ausentes.
Refletindo sobre a diferença no acesso à saúde, a autora não leva em conta a
vantagem que esta política deu às mulheres brancas. Gostaria de referir-me a McIntosh

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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
cujos exemplos de privilégio branco podem ser aplicados a este caso. McIntosh declara:
“40. Eu posso escolher lugares públicos sem ter medo de que pessoas de minha
raça não possam entrar ou vão ser mal-tratadas nos lugares que escolhi.”
41. Eu posso ter certeza de que se precisar de assistência juridica ou médica, minha
raça não irá agir contra mim.”
(McIntosh 1989)
Apesar de mulheres brancas não se sentirem privilegiadas (Johnson 2005 (2nd ed)),
de fato encontram-se privilegiadas. Foram ‘pobres e populações não-brancas’ o alvo desta
“esterilização em massa” <18>, implicando que as mulheres brancas, quem, na época
formaram principalmente a classe média, fossem objeto velado da mesma política. As
mulheres brancas, pelo menos em relação à saúde reprodutiva (óbviamente há mais áreas
na saúde na qual inclusive as mulheres brancas sofrem, devido às desvantagens de gênero
e ao sexismo presente), aproveit(ar)am do maior e melhor acesso ao sistema de saúde, pelo
qual e com o qual ficou facilitada a possibilidade de exercer o seu direito de decidir sobre o
próprio corpo branco.

Na história do feminismo contemporâneo a reprodução, a maternidade e o ‘direito de


decidir sobre o próprio corpo’, sempre foram temas feministas, como também, em termos
gerais, são raciais e às vezes explicitamente racistas, referindo-me ao exemplo do Forum
“100% branco”. Esta “esterilização forçada” <18> afeta(va) profundamente as (vidas das)
mulheres negras, e, portanto, é uma questão de gênero racial, porém, tais questões “não
foram levadas em conta” <9>.
Por um lado Soares aponta que o “feminismo levantou várias questões sobre como
as políticas sexuais afetam a vida das mulheres”, mas ao mesmo tempo assinala que
somente “nas primeiras articulações” as mulheres negras foram invisibilizadas <18>.
Entretanto, é o ano de 1995, quando as mulheres negras denunciaram esta realidade, o
qual não pode ser considerado o início do movimento feminista ou de mulheres no Brasil.
Mesmo assim, as mulheres brancas, assunto ainda excluído da agenda do feminismo
branco, optaram por “um grande debate nacional” para discutir a realidade desta
“esterilização forçada” em lugar de unir-se à luta das mulheres negras e considerar esta
política sexista e racista uma parte integrante do movimento feminista e de mulheres. Este
outro lado da moeda branca, mesmo sendo um assunto feminista, foi pouco explorado por
Soares. E, provavelmente, não foi considerado um assunto pertencente à luta das feministas
brancas.
Assim como pode ser entendida a expressão de branquitude, na forma de privilégio
racial para mulheres brancas, descrita por Soares? Dos trechos <18,19> poder-se-ia
concluir que as militantes brancas travaram sua luta em torno de interesses próprios,
brancos. Fizeram isto primeiramente por meio da negação desta realidade racista e sexista

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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
em suas vidas (brancas), e, em seguida, debateram-na, em vez de combater o presente
sexismo e racismo na luta de e para todas as mulheres. Em segundo lugar, na sua
observação Soares não critica a luta parcial em si das feministas brancas, ou a do
feminismo branco, que agia em defesa dos seus próprios interesses. As feministas brancas
centralizaram sua preocupação nas questões de políticas sexuais, que afetam as mulheres
brancas, e incluiram estas questões na sua luta, com benefícios para as próprias mulheres
brancas. Deste modo as feministas brancas de fato mantiveram, por meio do pacto narcísico
branco, suas forças em defesa dos seus interesses, porém, mostraram-se omissas diante
da luta feminista anti-racista, negando sua própria posição categórica racialmente
privilegiada.

5.3.3 Mulheres brancas na hegemonia racial

A partir da sua visão feminista, Soares critica O Poder hegemônico, a exemplo dos
partidos de esquerda, dos sindicatos, do Estado, do “pacto entre as elites”, “[d]a separação
enorme entre a lei e a vida”, e [d]as contínuas “práticas autoritárias”. Critica “uma cultura
política de exclusão e participação subalterna dos setores populares e marginalizados na
vida política”, mas também critica a permanência do “modelo econômico excludente”. Na
época de seu ressurgimento, nos anos 1970-80, o feminismo no Brasil “reconhece[u] o
poder não somente no nível do Estado, mas o poder presente em todo o tecido social”. Em
reação, diz Soares, “todos aqueles que têm uma posição subalterna nas relações de poder
existentes são chamados a transformá-las”. Nesta posição subalterna pode-se incluir e
entender ‘mulheres’ e ‘negros’. [261, 267-9, 272-4]

A militância ou luta contra as desigualdades de gênero não está limitada ao nível


individual - como o empoderamento de mulheres; nem ao nível interpessoal - como a
tentativa de melhorar as relações entre homens e mulheres, tanto singulares como
categóricas. Quanto à militância feminista, Soares assinala que o feminismo “[e]ngloba
teoria, prática, ética” e é exercido, expressado e modificado por “ações coletivas, individuais
e existenciais”, pela noção do sujeito e, também, em “nível público e estatal” [259]. Portanto,
feminismo é uma ideologia e prática que critica profundamente o sistema hegemônico
enquanto sexista e patriarcal [259, 263, 267, 271, 275-7].

Neste capítulo pode-se perceber que a autora compreende a sociedade como


estruturada pelas relações raciais desiguais, determinando a vida da população negra.
Denuncia a sociedade racista, vinda do “passado escravocrata” e presente na estrutura da
educação formal, na ação da policia (pelas blitz policiais), no mercado de trabalho, e na

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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
forma com que aparece nos movimentos sociais, como o movimento de mulheres [266, 269,
272-4]. Se pudermos localizar as referências de Soares, a saber, à história escravocrata
<15>, à ideologia do embranquecimento, da miscigenação, do paraíso racial, e do
preconceito racial, como contextualizações de branquitude [262-3], poderíamos deduzir
informações das estatísticas que situam o contexto racial e as conseqüências das
desigualdades raciais como proveitosas para a população branca [263-7]. Denuncia os
privilégios e o poder <28,30> que as desigualdades raciais “integrante[s] da organização
social” [275] geram para as feministas brancas, critica as formas diferentes de opressão
(sexismo e racismo). Inclusive, propõe uma compreensão da existência de “uma cultura
branca dominante cujo racismo afeta a vida de todos os brasileiros” [275], dos quais uma
parcela é branca. Esta “cultura branca dominante” poderia ser chamada ‘hegemonia branca’.

O mesmo sistema que a autora já definiu como sexista e patriarcal também define
como racista [262, 269, 275-7]. Porém, o fato de entender esta sociedade como racista e
capitalista [274], não implica necessariamente um entendimento desta sociedade como
marcada por e marcadora de branquitude. A hegemonia branca, perpetuando a sociedade
racista, é consolidada pelo controle na sua função de “coerção e consentimento”, pois,
dizem Omi e Winant, não somente precisa-se de um grupo que elabore e mantenha este
controle, mas também de “um sistema popular de idéias e costumes” (Omi & Winant 1986
(2002): 130-1), que pode ser interpretado como ‘senso comum’ nos seus efeitos cotidianos,
sejam materiais ou discursivos (Frankenberg 2004).
Para uma compreensão maior da hegemonia branca, na qual se expressa a
branquitude, gostaria de partir de um trecho no qual são comparados o patriarcado e o
racismo:

<20> “Nossas incursões teóricas têm de dar conta de como se


constróem, estruturam e se interconectam nossas identidades
no campo político e epistemológico, sem menosprezar a
diversidade e a pluralidade. A perpetuação do patriarcado e
do racismo não se dá somente no campo da identidade
genérica, mas também na manipulação e controle dos
mitos, dos símbolos e das experiências vitais.” [278, grifo
meu]
Estes sistemas hegemônicos – patriarcado e racismo – se reproduzem
cotidianamente pelo “sistema popular de idéias e costumes”, os mitos e símbolos dos quais
Soares trata, expressando-se na “cultura branca dominante”. Pode-se ver que militantes
brancas contribuíram, por meio da sua omissão, para a manutenção deste sistema, no qual
são protegidos os próprios interesses brancos. Assim, surgem algumas perguntas. Como
funciona esta chamada cultura dominante branca, gerando privilégios para as militantes
brancas? Como a autora apontaria seus próprios privilégios? Levando em conta o seu

67
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
conhecimento do sistema hegemônico patriarcal e capitalista, como é que as próprias
mulheres brancas, sobre as quais Soares escreveu, (in)conscientemente contribuíram e
contribuem para hegemonia branca, portanto para o status quo de seus benefícios? E pode-
se perguntar também - levando em conta a autora como militante feminista branca e autora
dessa reflexão e (re)conhecendo os sistemas descritos de privilégios e benefícios brancos, e
da cultura que descreve como “branca dominante” - como é que ela mesma, inconsciente ou
conscientemente, contribui para o status quo da hegemonia branca? A fim de procurar uma
resposta para estas perguntas, procuro relacionar a compreensão da hegemonia racial à
compreensão e ao posicionamento de mulheres brancas na militância feminista.

<21> “A construção concreta de um modelo masculino de


cidadania obriga as mulheres a defenderem as peças de um
jogo conduzido por outros, no qual a igualdade acaba por
confundir-se com a assimilação e a diferença, com um
estranhamento essencialista” [277, grifo meu]
Soares critica neste trecho a realidade hegemônica em forma de “modelo masculino
de cidadania” <21> e da parcela hegemônica masculina, ou seja o modelo universal (em
contexto de gênero). É a parcela masculina que define as regras do “jogo”, conforme as
quais a parcela ‘oposta’, as mulheres neste caso, podem viver. São homens como categoria
que operam como norma, à qual mulheres podem se adaptar e assimilar, em cujo espaço
mulheres podem-se definir, e em relação à qual mulheres têm que defender seu espaço ‘em
igualdade’. Porém, este modelo masculino não precisa se questionar ou se modificar. Em
contexto racial é comparável com a parcela branca, pois o modelo é branco.
Como resposta a esta constatação Soares propõe uma situação de igualdade,
diferente do contexto no qual as mulheres, neste caso, devem assimilar à norma. É a partir
da “insistência sobre o direito à igualdade na diferença”, ou ‘igualdade em si mesmo
diferente‘, que pode ser vivida a paridade de direitos “pelas mulheres” [277]. Assim diz a
autora:
<22> “A reivindicação da igualdade significou e significa a
reivindicação mais radical e mais perigosa para os
beneficiários do status quo” [277, grifo meu]
Mulheres reivindicam a igualdade de gênero e, assim, Soares critica e problematiza a
masculinidade como senso comum. Pois, diz Soares, “[a] perpetuação do patriarcado e do
racismo [...] também [se dá] na manipulação e controle dos mitos, dos símbolos e das
experiências vitais” <24>. Mesmo que a hegemonia seja sistêmica, diz a autora, está nas
mãos de todos os indivíduos, inclusive, obviamente, das mulheres brancas. Porém Soares
não mostra onde e como as mulheres brancas, continuamente em posição desvantajosa no
contexto de gênero, estão no controle (manipulando ou não) no patriarcado ou no anti-
sexismo <22>. Não consideradas “beneficiárias do status quo” na questão de gênero, a

68
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
autora não assinala o potencial delas nesta suposta igualdade <22>, portanto tampouco
oferece uma resposta para o contexto racial.
Fica faltando apontar onde e como as mulheres brancas - sendo elas hegemônicas
em contexto racial intra-gênero - estão no controle (manipulando ou não) quanto ao anti-
racismo e à branquitude. Na questão de gênero, a autora aponta a desigualdade
fundamental do potencial masculino, no exercício de sua posição de beneficiário do status
quo, criticando à sua hegemonia. Também detecta na questão racial intra-gênero esta
posição, ou seja a posição feminina branca privilegiada. Nomeia as mulheres brancas
“beneficiários do status quo” <22>, porém não as localiza na hegemonia branca, a qual lhes
facilitaria o exercício potencialmente modificador.
O que não dizemos, sobre o que não falamos, permite ao status quo continuar”,
disse Wildman et al. (1995 (2005 2nd ed): 95). As mulheres brancas, inclusive a autora, não
se vêem a si mesmas como parte da hegemonia, tampouco esboçam na prática um
contexto possível, no qual se possa desenvolver uma situação de plena igualdade racial
intra-gênero e no qual, portanto, o status quo dos seus benefícios brancos femininos possa
ser modificado.
É devido à assimilação sistêmica pelo status quo racial que as mulheres brancas
vivem como beneficiárias <22>. Quando se compreende este modelo dominante (masculino
e/ou branco) somente como “um jogo conduzido por outros” (sendo beneficiários), na
verdade retira-se o potencial dos não-beneficiários para a mudança; não está nas mãos de
mulheres em contexto de gênero, não está nas mãos de negros em contexto racial. É deste
modo que se pode entender o consentimento dado à consolidação e continuidade deste
modelo como hegemonia tanto a masculina quanto a do modelo branco. Assim, a agência
de e o espaço para mudança, no desejo da autora, seria lograr uma verdadeira igualdade e,
por conseguinte, continuar contraditoriamente nas mãos das beneficiárias: as feministas
brancas.

5.3.4 Resumo crítico

Para a avaliação de branquitude é importante mapear a sua posição no chamado


contexto. Para a investigação de branquitude em contexto de gênero, é, antes de tudo,
crucial reconhecer o fato de que todas as mulheres, inclusive as brancas (!), ocupam “um
lugar no racismo” (Frankenberg 1997: 9). Portanto, mulheres brancas têm que colocar
“como dado importante de identidade sua cor, raça, ou etnia” (Piza 2000: 99).
Na sua crítica às desigualdades raciais e ao racismo, Soares critica a famosa -dupla-
jornada das ‘mulheres’, vítimas de sexismo, porém em específico critica a – tripla - jornada
de mulheres negras, vítimas de sexismo tanto quanto de racismo. Não reconhecida no

69
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
processo pela autora é a tendência pela qual a emancipação e o feminismo de mulheres
brancas foram facilitados categoricamente a partir da disponibilidade de mulheres negras
(por séculos já trabalhando fora da casa), para trabalharem em suas casas. Assim como o
sexismo pode operar como obstáculo para mulheres brancas, tanto quanto para negras, no
aperfeiçoamento da sua posição e erradicação das desigualdades de gênero, o racismo
opera como obstáculo para o aperfeiçoamento da posição das mulheres negras,
beneficiando o aperfeiçoamento da posição das mulheres brancas. Branquitude expressa-se
em forma de privilégio ou benefício racial não merecido, porém muitas vezes é
experimentada como ‘normal’, é "a experiência paradoxal de ser privilegiado sem [se] sentir
privilegiado” (Johnson 2005 (2nd ed)). A autora deixa uma lacuna ao criticar a expressão de
branquitude na dupla jornada das mulheres brancas, negando sua realidade privilegiada
pela normalização de branquitude.

Mesmo que Soares enxergue o privilégio racial categórico de feministas brancas na


sociedade, e amplamente reconheça e analise a posição de mulheres negras, está ausente
uma análise da posição de mulheres brancas, no racismo. Não é pesquisada a função da
branquitude nas “condições sociais, econômicas e políticas” <16>, e falta fazer uma
‘tradução’ desta realidade através de seus efeitos nas vidas de mulheres brancas. Sobre
esta lacuna no feminismo refletiu McIntosh: “como pessoa branca, compreendi que fui
ensinada sobre racismo como algo que põe outros em desvantagem, mais fui ensinada a
não ver um dos aspectos de seu corolário, o privilégio branco, que me põe em vantagem.”
(McIntosh 1989) Branquitude, especificamente na forma da posição racialmente vantajosa
branca, fica não-nomeada, menos ainda discutida. Branquitude opera nesta maneira como
”uma guardiã? silenciosa de privilégios”. (Bento 2003b: 27, 41, 2003a: 153)
A normalidade da branquitude muitas vezes implica o não questionamento, com a
conseqüência da exclusão na militância feminista supostamente anti-racista. De fato
funciona como normativa na mesma militância. Soares não critica às implicações vantajosas
da negação deste foco parcial de militantes brancas, por meio do qual é negado o lugar
racial específico das militantes feministas brancas no racismo; e são negados e perpetuados
os seus privilégios raciais. Deste modo estão as militantes brancas, pela dominância e
centralização da defesa dos seus próprios interesses de gênero racial, omissas diante do
sugerido ideal de anti-racismo integrado ao feminismo.
Para sua modificação seria necessária uma mudança neste sistema, incluída na
militância, porém não se observa no texto uma agência crítica da hegemonia branca. A
autora está explicitamente consciente da posição vantajosa dos homens em contexto inter-
gênero, ou seja da hegemonia masculina, e, como foi mostrado anteriormente, está
consciente da posição privilegiada de mulheres brancas. Porém, não ‘traduz’ a sua teoria

70
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
enquanto ideal de igualdade na diferença, em contexto inter-gênero, para a situação racial
intra-gênero. A sua própria posição racial, sua representação da branquitude destas
militantes, está excluída do ideal, como se não fizesse parte dele. Por meio da exclusão das
mulheres brancas da hegemonia branca intra-gênero, atribuindo ao opressor na hegemonia
masculina, neste caso homens brancos, Soares exclui as mulheres brancas do status quo
racial, as desracializando e desresponsabilizando pela não-nomeação e negação.
Aquilo que não é falado e tratado - como disse Wildman et al. (1995 (2005 2nd ed)) -
permite a continuação do status quo. Mesmo que contraponha a intenção de Soares diante
das relações raciais entre as mulheres, como ela sugere em sua Introdução, ela de fato
contribui para a hegemonização, pela invisibilização e negação da branquitude nas mesmas
relações. Contrária à sua intenção, está ausente uma crítica da autora à agência anti-racista
no feminismo branco e na sua observação da agência das militantes feministas brancas,
justamente a este lado branco da militância. E esta ausência mostra-se como uma
expressão da branquitude feminina, nesta militância.

5.4 BRANCAS ENTRECRUZADAS

Nesta parte quero abordar as diferenças e o seu significado para a branquitude de


mulheres brancas, em particular o lugar interseccional de mulheres brancas nos eixos de
gênero e raça; na ‘subordinação’ - a posição subalterna no sexismo; e na ‘dominação - a
posição de opressão em vez da posição de solidariedade, no racismo.

5.4.1 Branquitude interseccional

Soares refere-se de dois modos à idéia de mulheres brancas na sua diferença.


Primeiro, trata da ‘experiência de mulheres’ e sua ‘sororidade’ <5>, que, aos poucos foi
sendo compreendida como plural e heterogênea [260, 263, 273-8]. Segundo, diferencia a
posição privilegiada específica das mulheres brancas <22,30,31,32,33>, pela qual destaca
que, estatisticamente, não é igual ser branco ou branca, diferenciando na posição racial
(branca) o eixo de gênero [263-7]. Porém, o seu texto não trata da relação inter-gênero, não
fala de homens brancos, nem de homens negros.
Na sua observação Soares parte do pressuposto, mesmo que nem sempre ponha a
análise em prática, que é preciso distinguir gênero de raça. Assim, pressupõe que mulheres
sempre ‘têm’ uma raça, apesar de que não necessariamente racialize mulheres brancas. Diz
que o sexismo, ou patriarcado, e o racismo são realidades interseccionais <20,28>, e

71
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
considera necessário incorporar “raça como uma categoria essencial à análise da condição
feminina” [268]:

<23> “Assim, a compreensão de como o racismo se reconstrói


e se rearticula cotidianamente com outros sistemas de
subordinação das mulheres.” [258, grifo meu]

<24> “[S]e o feminismo deve liberar as mulheres, deve


defrontar-se virtualmente com todas as formas de opressão”
[276, grifo em itálico no original, grifo em negrito meu]
Pois, afirma Soares, “é preciso colocar a questão racial no interior das análises de
gênero” [276]. Porém, no mesmo processo, desliga os dois eixos enquanto relações de
poder no seu entrecruzamento, e, por conseguinte, de fato não coloca a questão racial
dominante no interior da observação da posição de gênero racializada, isto é das mulheres
brancas. O fato de Soares reconhecer que mulheres ‘têm’ uma raça, pode tornar impossível
falar de ‘a mulher’ ou de ‘a experiência das mulheres’ e não significa que Soares
compreende a interdependência da categoria racial com a de gênero como uma posição
“atravessada por uma gama de outros eixos de privilégio ou subordinação relativos”
(Frankenberg 2004: 328). No texto estas questões aparecem limitadas a um
entrecruzamento horizontal, sem diferenças de poder, no caso racial intra-gênero.

5.4.2 A interseccionalidade diferenciada

A compreensão de Soares das relações interseccionais de poder portanto expressa-


se em uma direção unilateral. Entende o sistema opressor, seja racismo, sexismo ou outro,
como algo que atinge todas as mulheres, mas que tem consequëncias diferenciadas,
separadas, para as categorias femininas diferentes.
"Há uma necessidade de diferenciar cuidadosamente entre tipos diferentes de
diferença” (Yuval-Davis 2006: 199). Porém, na abordagem da autora, as relações
interseccionais não são afetadas por expressões diferentes e diferenciadas, integradas
dentro do sistema de poder. Soares não inclui mulheres brancas como agentes beneficiárias
deste sistema opressor, ou seja, uma agência feminista em contexto racial com acesso ao
poder de opressão e ao privilégio. Reforça, porém, a idéia de uma única agência feminista,
em contexto de gênero, na qual são subalternas, receptoras passivas de benefícios e objeto
de opressão. Não levando em conta a única opção de solidariedade com a posição racial
subalterna da Outra racial oferecida no texto, falta na sua reflexão um ponto interseccional
diferenciado com uma agência racialmente expressada, ou seja, as feministas brancas
como agentes no reconhecimento de sua posição, ao lado do benefício e da opressão
<20,21,22,30,31,32>. Veja-se os trechos nos quais Soares refere-se aos sistemas de
dominação:

72
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
<25> “Sexismo e racismo mantêm um paralelismo por serem
produtos de relações hierarquizadas, fundamentadas em
privilégios isto é, manifestam-se através de relações de
poder.

«O Parentesco entre racismo e sexismo repousa, em


primeira análise, em analogias evidentes. O desprezo
com que são consideradas as raças não-brancas e o
sexo fêmea, a violência física que os ameaça
constantemente e se exerce esporádica ou
regularmente, a inferioridade social em que são
mantidos pela divisão do trabalho, a precariedade
econômica que decorre disso, a segregação espacial e
temporal que mantém a dominaçao na qual vivem,
são fatos [...]. (Guillaumin 1994)»” [259, grifo meu]

Nestes trechos Soares, pela indiferenciação na interseccionalidade, equaliza


mulheres e não-brancos (Yuval-Davis 2006: 200) na compreensão do “paralelismo”; ambos
são desprezados, ameaçados, inferiorizados, e vivem em situação mantida pela dominação
<25>. Esta representação da realidade não reflete a realidade da dominação exercida por
mulheres brancas na questão racial. Em particular, este argumento falha em representar a
realidade das mulheres brancas, negando que as próprias militantes brancas podem ser, e
muitas vezes são (!), agentes da opressão racial, da qual o feminismo deve ser liberado
<24>.

5.4.3 A interseccionalidade hierarquizada

Mulheres encontram-se na condição oprimida no sex-‘ismo’, porém não podem


ocultar a sua condição opressora no rac-‘ismo’ (Wildman 1995 (2005 2nd ed): 97-8). A
negação do significado da diferenciação interseccional, onde mulheres brancas se
encontram em condições superficialmente contraditórias, de fato funciona como um
processo hegemonizante do efeito opressor do sexismo sobre o do racismo, isto é, a
situação na qual a característica de gênero (feminina) se torna mais importante do que a
característica racial (branca) das mulheres brancas.
<26> “De fato, atualmente, dada a sua diversidade social,
cultural, étnica e de gerações, é quase impossível definir os
espaços em que se organiza o movimento de mulheres. A
heterogeneidade passou a ser uma característica do próprio
movimento de mulheres, pois são muitas as dimensões de
subordinação em que vivem as mulheres e que vão
determinar como e o que as motivam a se organizar” [273-
4, grifo meu]
A demarcação do movimento de mulheres como heterogêneo opera nesta forma
como uma ‘assinatura em branco’, para a celebração da “diversidade social, cultural, étnica
e de gerações” <26>. Parece ter a função de esconder a indiferenciação das ‘dimensões de
subordinação e dominação em que vivem as mulheres’ <26>. Pela prioridade dada à
posição subordinada, como na referência à “dominação na qual vivem [as raças não-

73
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
brancas e o sexo fêmea]” <25>, a autora estabelece uma hierarquização entre os eixos
(Yuval-Davis 2006: 200, 199). Não responsabiliza a ‘dominação que o sexo fêmea branco
exerce sobre as raças não-brancas’, mesmo quando a dominação é mencionada em vários
momentos, invisibilizando na prática esta posição de lugar opressor. (Rothenberg 2005 (2nd
ed.): 3-4)

Talvez pudessemos entender as militantes brancas pelo feminismo que é....:

<27> ... “a ação política das mulheres. Engloba teoria, prática e


ética, transformando as mulheres em sujeitos históricos da
transformaçao da sua própria condição social. Propõe que
as mulheres partam para mudar a si mesmas e ao mundo.
O feminismo se expressa em ações coletivas, individuais e
existenciais, na arte, na teoria, na política. Reconhece um
poder não somente no nível público e estatal, mas também o
poder presente em todo o tecido social, ampliando a
concepção convencional da política, bem como a noção de
sujeito. Todas aquelas que têm uma posição subalterna em
relações de poder são chamadas a transformá-las.” [259,
grifo meu]
Se partirmos do título do texto, “a construção da cidadania feminina, branca e negra”
[257, título], pode-se entender mulheres como agentes potencialmente transformadores,
“para mudar a si mesmas e ao mundo” <27>. Mas Soares parte de uma transformação
parcial, na qual as mulheres são chamadas a agir desde sua posição subalterna. Portanto, é
um feminismo que privilegia a transformação da condição social de mulheres negras na sua
posição racial e de gênero. Pelo fato de que a condição social de mulheres brancas não é
comparável nestes eixos, não podem plenamente ser chamadas para a transformação,
mesmo que sua posição de gênero seja subalterna, sua posição racial, para enfatizar, está
excluída. É, portanto uma transformação na qual mulheres brancas não são chamadas a
agir como responsáveis por sua posição hierárquica beneficiária e opressora nestes eixos, a
qual determina as vidas de todas as mulheres, inclusive as relações de poder entre
mulheres negras e brancas.

5.4.4 As mulheres brancas em posição ambigüa no sexismo e racismo

<28> “Sexismo e racismo mantêm um paralelismo por serem


produtos de relações hierarquizadas, fundamentadas em
privilégios isto é, manifestam-se através de relações de poder”
[259, grifo meu]
A compreensão de sexismo e racismo como paralelos em espaços diferentes de
relações de poder complica a interpretação complexa de privilégio, o qual parece excluir um
lugar compartilhado, porém diferenciado em termos de opressão e poder. Neste caso, ao se
retomar os parágrafos anteriores, pode-se ver as mulheres brancas situadas em posição de

74
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
ambigüidade. Militantes brancas, na observação de Soares, explicitamente se posicionam
contra o sexismo nas estatísticas e no âmbito familiar e domiciliar, como se deduz do trecho
<14>. Deste modo Soares trata do status, considerado secundário no eixo de gênero, ‘das
mulheres’:
<29> “Os homens são esperados e treinados a realizar as
atividades de maior status, mais bem pagas, e que concentram
maior poder, enquanto as mulheres são treinadas para fazer
as tarefas de status secundário, que resultam em menores
ganhos, e que se refletem em menor poder.” [275, grifo em
itálico da autora, grifo em negrito meu]
Porém, retomando o mesmo trecho <14>, do ponto de vista de branquitude, entende-
se que é justamente o racismo que facilita suas vidas neste mesmo âmbito, pelo trabalho
fora da casa, enquanto as mulheres negras prestam serviços domésticos a elas. Não é um
status secundário no eixo racial, ao contrário, mulheres brancas beneficiam-se deste status
diante de mulheres negras.
Privilégio, disse Johnson, permite pessoas, brancas neste caso, funcionar em uma
“uma zona de conforto relativamente ampla”. Permite às pessoas “definir realidade e ter
definições vitoriosas para que a realidade se encaixe em suas experiências”. (Johnson 2005
(2nd ed): 103). A autora, e com ela um movimento, define a realidade conforme a percepção
de sua experiência. Consciente da injustiça racista, detecta ‘o lado oprimido e excluído’, mas
não aplica a racialidade problematizada às vidas das mulheres brancas, inclusive à sua vida.
Continua invisível o seu lugar no racismo, ao qual Frankenberg se referiu (Frankenberg
1997: 9).

A ambigüidade neste contexto de paralelismo funciona como e em antagonismo.


“Entende-se o sistema opressor como um antagonismo diante do oprimido, mutuamente
excluindo o lado opressor e o lado oprimido.” Quando segregaram estes dois lados,
“estabelecem bipolaridades intrinsecamente opondo, [isto é] o lado oprimido ao lado do
opressor. Por sua identificação com a posição marginalizada, se exclui uma identificação
própria com a posição oposta, delimitando esta posição opressora [...] exterior à própria
militância e à posição e identidade social”. Porém, este antagonismo é uma ambigüidade e
falsa oposição (Huijg 2006: 5). Assim, diz Soares:
<30> “[É] necessário que as feministas brancas, como eu,
formulem um entendimento que a nossa cor da pele, no
contexto das relações de gênero, gera privilégios que devem
ser francamente rejeitadas.“ [260, grifo meu]
Consciente da falsidade deste suposto antagonismo, consciente da injustiça do
racismo e das desigualdades raciais, e dos privilégios em jogo, ela sugere rejeitá-los para,
consciente ou inconscientemente, juntar-se ao lado da posição subordinada ou subalterna,

75
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
uma posição conhecida do contexto de gênero. Veja-se como esta posição aparece nestes
trechos:

<31> “De fato, atualmente, dada a sua diversidade social,


cultural, étnica e de gerações, é quase impossível definir os
espaços em que se organiza o movimento de mulheres. A
heterogeneidade passou a ser uma característica do próprio
movimento de mulheres, pois são muitas as dimensões de
subordinação em que vivem as mulheres e que vão
determinar como e o que as motivam a se organizar” [273-4]

<32> “É necessário um entendimento da opressão peculiar


das mulheres negras em contraste com a das mulheres
brancas. Esta discussão deve ocorrer levando em conta uma
sociedade na qual privilégios – de raça, de classe ou de
sexo – significam poder e a desigualdade é integrante da
organização social. É preciso estimular o desenvolvimento de
um entendimento da importância de formular estratégias
realistas que sejam tanto anti-racistas como anti-sexistas.
Estas estratégias devem ser direcionadas contra a
opressão, contra o poder e a exploração.” [275]
Soares reconhece que ela, pertencente ao grupo de feministas brancas, tem
privilégios devido ao racismo e às desigualdades raciais na sociedade, mas não mostra as
conseqüências reais vantajosas que implicam para mulheres brancas. Detecta
características desta “opressão” <32>: os privilégios, o poder, a exploração, e a
desigualdade. Porém continua a procurar a base da organização nas “dimensões de
subordinação em que vivem as mulheres”, determinadas como o motivo desta organização
<31>. É uma posição que não se adequa ao objetivo indicado pela autora, isto é, a rejeição
ou enfrentamento dos privilégios, encontrar estratégias anti-racistas contra a opressão, o
poder e a exploração. Supõe-se que queira evitar a posição dentro da opressão, do poder
etc., - o lugar branco - porém baseia-se na agência confortável em oposição à opressão, ao
poder etc., isto é, o lugar feminino, na preferência solidária ao lugar subalterno, portanto
melhor conhecido, das mulheras negras. Assim já tenho observado sobre militantes
feministas brancas em outra investigação:
“Dentro [da] luta anti-racista, o inimigo opressor é interior à própria militância,
posição e identidade social. Como mulheres, elas talvez lutem contra um mal, mas
como brancas elas ‘são’ este mal. Se tornaram a própria oposição. [...] Se lutamos
contra a opressão, e somos nós [brancas] as opressoras, como podemos lutar nós
mesmas?”
(Huijg 2006: 6).

Se a estratégia estiver direcionada contra a opressão (inclusiva) <32>, e a militante


nesta luta anti-racista opta por um tipo de solidariedade na subordinação, continua omissa
na transformação real do sistema opressor, e perpetua a manutenção do sistema racista
com seus privilégios brancos. A autora, tanto no papel da observadora quanto da militante
feminista branca, se adiciona na omissão, por não criticar a ausência de uma agência

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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
feminista branca contra o racismo a partir do seu contexto racial. Menos ainda possibilita
uma agência feminista branca para uma transformação justamente da própria posição
racialmente dominante, isto é, branca, desta militante. Pela opção de focalizar o lugar da
subalternidade, fica presa na ambigüidade.

5.4.5 Resumo crítico

Branquitude feminina é dinámica, portanto modificável, e diferenciada. É marcada


pelo eixo de gênero e é entrecruzada pelo eixo racial. É fundamental, considera Soares,
“colocar a questão racial no interior das análises de gênero” [276]. Retomando Yuval-Davis,
é importante notar que a observação não se limite ao entrecruzamento superficial, pois são
as diferenças nos eixos entre si que têm que ser diferenciadas (Yuval-Davis 2006: 199).
Soares reconhece esta diferenciação, porém não desvela as suas conseqüências na
vida e militância de mulheres brancas, isto é na branquitude feminina. É justamente a
posição privilegiada e potencialmente discriminatória e opressora das mulheres brancas que
as torna, inclusive a autora, cegas para sua racialidade. É como se, na militância, a
opressão racial que marca todas as mulheres, entrecruza, portanto marca, somente o eixo
de gênero, enquanto militância e vidas de mulheres negras.
A cegueira, articulada como foco parcial, é uma característica da branquitude
feminina na reflexão da autora e na militância feminista branca por ela descrita. Deste modo,
Soares está omissa em sua crítica das relações raciais na militância feminista. Não é que a
autora tenha excluído a racialidade em geral, mas que mulheres brancas, inclusive a autora,
somente abram espaço para uma militância em solidariedade à luta das mulheres negras na
sua posição subalterna racial. De certo modo exclui a branquitude como elemento que
influencia tanto a sociedade como um todo, como as próprias mulheres brancas, sua
posição dominante e as relações entre mulheres.
Por meio da exclusão da própria posição dominante, racial, a autora de fato
considera mais importante criticar o sexismo em todos as suas expressões, focalizando-se
na opressão de gênero das mulheres brancas, em vez de criticar o racismo que as privilegia.
(Wildman 1995 (2005 2nd ed): 97-8). Mulheres devem, explica Soares, “mudar a si mesmas
e ao mundo”, e para tal são chamadas a agirem desde sua posição subalterna <27>, isto é,
desde a sua posição compartilhada neste eixo de gênero. É no lugar interseccional de
gênero onde mulheres brancas se situam na posição de ‘subordinação’, porém, no eixo de
raça e no racismo, mulheres brancas encontram-se em posição de ‘dominação’. (Mohanty
1995: ; Crenshaw 2000 (2002): ; Wekker & Lutz 2001).
Por um lado, as mulheres brancas partem do lugar da marginalidade e exclusão, no
eixo de gênero, do status secundário, da posição subalterna. Por outro lado, partem do eixo

77
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
racial do lugar de privilégio, da exploração, da hegemonia e do poder. Branquitude feminina,
em particular na militância, como aparece também na reflexão de Soares, é marcada pela
ambigüidade: um aparente antagonismo e falsa oposição. (Huijg 2006: 5)
A branquitude se expressa hegemonicamente como invisível, em um vazio desta
posição, na qual não há lugar para a realidade da agência marginalizante, seja de
beneficiária e/ou opressora, de militantes brancas. Esta militância feminista expressa-se na
sua passividade frente à própria posição, contribuição e responsabilidade branca das
militantes. É o privilégio máximo, no qual militantes brancas criticam a ausência de privilégio
no eixo de gênero, têm privilégio não merecido no eixo racial e, até, o reconhecem. Porém,
na prática, baseiam-se nos mesmos privilégios por meio dos quais podem ignorá-lo na
militância. (Jensen 1998).

5.5 PARA UMA BRANQUITUDE FEMININA CRÍTICA

Como tentei explicar, não é a mesma coisa estudar brancas e brancos e fazer um
estudo crítico de branquitude (ver Capítulo 3). Por meio de continuação da não-
problematização da racialidade branca, seja a branquitude em forma de identidade, de
posição social, seja em forma de sistema, se fortalece a própria branquitude hegemônica.
Porém é necessária a problematização crítica da branquitude feminina.

No texto de Soares, a branquitude das mulheres brancas, do feminismo e do


movimento de mulheres como objetos de estudo, tanto quanto da própria autora sendo a
observadora e agente na militância – assim objeto do próprio estudo- apresentam a
tendência de operar como um “’marcador não-marcado’, como significante vazio”
(Frankenberg 1997: 15-6).
As mulheres brancas aparecem, na sua maioria, desracializadas, como se fossem
transparentes, invisíveis, enfim, como agentes raciais passivas, supostamente neutras e, ao
mesmo tempo, em sua centralidade normativa, como já foi mostrada nesta análise. Mesmo
que a autora não discuta a posição racial das mulheres brancas em base de estudos de
branquitude crítica, isto é, como seres raciais responsáveis pelas conseqüências reais da
sua posição racial, tampouco pode-se dizer que expressa a branquitude somente como
marcador não-marcado, ou seja como um significante vazio. Isto porque a branquitude
sempre está em processo de “ser construíd[a] e deconstruíd[a]” (Ibidem).
Se bem que a autora não explicite e criticamente marque a branquitude, tampouco
posiciona as mulheres brancas, como já explicado, como categoria racial fixa e estática. Na
sua análise, Soares assinala um desenvolvimento da consciência nas mulheres militantes

78
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
brancas, mesmo que não aborde a agência delas nas relações raciais intra-gênero. Porém,
precisa-se levar em conta a possibilidade real de que não houve nenhuma mudança na
agência delas, diante da posição racial branca de si mesma ou de outras militantes brancas.
Nesta última parte da minha análise, porém, pretendo abordar o potencial da
branquitude crítica, isto é, de uma agência crítica das militantes feministas brancas, na
reflexão de Soares.

5.5.1 Saber ser branca

Quando se quer refletir sobre as relações raciais no movimento de mulheres, no


feminismo ou na militância feminista, a fim de “[mudarem] a si mesmas e ao mundo” <27>,
há uma proposta para a mudança de mulheres brancas diante das relações raciais. Tentei
mostrar que não é possível rejeitar os próprios privilégios <17>, como tampouco a
transformação das relações de poder por mulheres brancas, a partir de uma posição
unicamente subalterna (feminina) <27>. Um entendimento do movimento de mulheres como
heterogêneo ou plural deve implicar heterogeneidade das posições nas relações de poder,
inclusive “[n]as dimensões de subordinação em que vivem as mulheres”, como também nas
dimensões de “dominação na qual vivem” e a partir da qual mulheres brancas, pessoal ou
categoricamente, agem <25>. Todas as dimensões “vão determinar como e o que as
motivam a se organizar” <26>. Pois, não adianta levar ‘o feminismo à compreensão, à
analise do racismo e à incorporação da raça como uma categoria essencial para a análise
da condição feminina’ <11> num contexto onde falta incorporar a branquitude da condição
feminina na compreensão e na análise de raça e do racismo. E isto acontece quando não se
racializa mulheres brancas nas relações raciais na militância feminista. Portanto, quando
mulheres brancas não se enxergam como seres racializados, não vão poder agir como tais.
Neste contexto gostaria de me referir a uma interpretação minha da Irigaray. Irigaray,
na citação original, chama os homens a fazerem um discurso masculino e a fazerem uma
afirmação deste discurso, a fim de, interpreto, tomarem responsabilidade por sua posição
dominante. Eu digo, parafraseando Irigaray: ‘O que eu queria de mulheres brancas é que,
finalmente, falassem, um discurso branco feminino e afirmassem que o fazem’.
(Interpretação minha da Irigaray em Grosz 1997: 83). Mas como poderiam mulheres brancas
‘fazer um discurso feminino branco’ de afirmação? Para poder fazer este discurso branco,
pelo menos é preciso saber ser branc[a], para mulheres brancas conseguirem assumir a
responsabilidade por sua posição dominante racial e poderem exercer uma agência
feminina racial crítica, em vez da opção que Soares basicamente oferece: a posição
subalterna de gênero. É a opção que está sendo fortalecida pelo fato de que ela mesma,

79
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
como militante feminista branca e autora, não mostra o que é ‘ser branca’, menos ainda
mostra como se pode falar e afirmar este ‘discurso feminino branco’.

5.5.2 Reconhecer-se como branca racializada

É importante ver-se e enxergar-se como branca, portanto é preciso reconhecer-se


como branca. No seu texto, Soares identifica as mulheres brancas como tais, isto é como
categoria racial branca. Porém, simultaneamente, Soares troca a primeira pessoa do plural
pela terceira pessoa singular, também move-se com facilidade entre ‘o indivíduo’, ou grupo
de indivíduos, e ‘o todo’, como entre ‘as mulheres’, ‘o movimento de mulheres’, ou ‘o
movimento feminista’ (ver 5.1.1). Por estes movimentos discursivos, a autora desracializa os
problemas tratados, em especial desracializa e não-reconhece a branquitude, por um lado,
pela generalização de termos usados (‘movimento’, ‘mulheres’, ‘feminismo’, ‘nós’), e, por
outro lado, pela racialização das mulheres negras e do movimento das mulheres negras
excluídas dos conceitos gerais.
A própria autora se identifica no seu texto como branca, e se posiciona como
militante feminista branca. Ela fala a partir desta militância, sendo uma das mulheres das
quais fala. Não obstante, ela supreendentemente consegue se situar fora da observação e
do contexto descrito. Mesmo se incluindo no chamado “nós”, não relata suas experiências,
tampouco se mostra nas suas opiniões, opções e possíveis ações. Estes distanciamentos
funcionam como uma forma de, conscientemente ou não, não se posicionar, de não assumir
responsabilidade, mas sim como um mecanismo de invisibilização e race obliviousness de
fato. (Dalton 1995 (2005): 17). Soares, na função da observadora dos grupos refletidos e
também pertencente a estes grupos, não faz plenamente um discurso feminino branco. Se
apaga como mulher ou feminista branca, e assim invisibiliza e hegemoniza a sua própria
branquitude. Por conseguinte, na representação e como parte do seu objeto de estudo,
tampouco reconhece a racialidade e branquitude das mulheres brancas observadas, por
meio do que acaba por fortalecer a hegemonia branca.

5.5.3 Conhecer para compreender e para transformar

A fim da transformar o mundo - objeto da luta de mulheres ou feminista - é


necessário que as próprias mulheres mudem, como disse Soares, para saírem da posição
subalterna <27>. Saídas desta posição, localizadas na posição dominante no contexto
racial, é preciso novamente que as mulheres brancas mudem a si e/ou ao mundo. Precisam
saber, portanto, o que é e quem elas mesmas são para serem transformadas por elas
mesmas. Com o objetivo de transformar, é fundamental um processo de conscientização de

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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
ser branco, para o desenvolvimento de uma compreensão das implicações que o racismo
tem para este ser.
“Quando compreendemos como opera o privilégio branco, podemos começar a dar
passos para desmanchá-lo num nível pessoal tanto quanto institucional”, disse Rothenberg
(2005 (2nd ed.): 1). Não se encontra na reflexão de Soares, porém, um entendimento maior
de como opera privilégio branco. O seu privilégio racial, como observadora, expressa-se no
não-dever ou não-ter necessidade de analisar em profundidade a (própria) posição racial
das mulheres brancas (Wise 2005 (2nd ed): 120). Ao não assumir esta observação, faz com
que a sua própria reflexão possa ser analisada como um exemplo da perpetuação de
privilégio e hegemonia brancas.
Por fim, o seu desejo de rejeitar seus privilégios raciais - em contexto categórico uma
proposta para as mulheres brancas rejeitarem seus privilégios brancos - impossibilita uma
transformação real. Não é possível ‘rejeitar’ privilégios <30>, nem situar-se fora do sistema,
a fim de não-participar da, ou criticar a, hegemonia branca. (Brod em Johnson 2005 (2nd
ed): 104) Expressa-se, portanto, como uma proposta baseada em boas intenções, porém
não-construtiva.

5.5.4 A responsabilidade branca

“Privilégio […] permite às pessoas definir realidade e ter definiçoes vitoriosas para
que a realidade se encaixa em suas experiências. Privilégio significa poder decidir
sobre quem é levado a sério, que recebe atenção, quem deve prestar contas a quem
e sobre o quê.”
(Johnson 2005 (2nd ed): 103).
Privilégio branco, e o desejo de rejeitá-lo, vai além de interesses e vantagens
materiais. Um aspecto não problematizado pela autora é o fato que ela, como militante
branca, avalia as relações raciais intra-gênero no movimento de mulheres ou feminista. É
uma posição que, por sua racialidade hegemônica, lhe garantiria maior atenção. Mulheres
brancas que falam de racismo muitas vezes são levadas mais à sério por outras mulheres
brancas. Isto não significa que a autora não devesse ter escrito o seu texto, ao contrário;
mas a sua própria consciência de branquitude - um possível modo de ser criticamente
branca - começa como autora e com a sua posição racial na sua observação. Mesmo que
detecte, ou seja, reconheça, esta posição <30,32>, não responde efetivamente por seu
privilégio racial, nem na análise de outras brancas que desfrutam deste privilégio categórico.

Em momentos diferentes, Soares trata da discriminação racial sofrida pelas mulheres


negras, como também da negação disto pelas mulheres brancas. Na sua condenação desta
atitude e das desigualdades raciais em geral, detecta-se sua posição anti-racista <3,6-

81
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
9,13,15,16>. Discriminação racial também se expressa no texto na agência das militantes
brancas, na verdade por meio da ausência de uma agência delas <6-11>, ou seja uma
agência marcada pela omissão, característica de branquitude. Nesta omissão se poderia
reconhecer também uma ausência de crítica, a partir da autora, às mulheres brancas
observadas <3,5,12,14,15,18,21,28,29>. E, a ausência desta crítica, se poderia interpretar
como uma não-agência da própria autora como observadora e observada, como uma destas
‘nós’ <18,29,31,33>. A autora propõe, a fim de liberar as mulheres, “defrontar-se
virtualmente com todas as formas de opressão” <24>. Precisa-se perguntar, portanto, qual a
liberação ‘das mulheres’ que este feminismo propõe, qual a opressão, e quem, como
agentes desta opressão, deve ser defrontado. A opressão das mulheres negras é inscrita
como exercida pelo ‘sistema racista’, porém, no exercício desta opressão parecem estar
ausentes agentes individuais ou categóricos. As mulheres brancas não são consideradas e
tampouco se consideram como tais. Isto funciona como uma liberação parcial que não
modificará o status quo desta hegemonia branca, portanto das relações raciais desiguais.
Soares condena a cultura branca dominante, a exclusão, o poder, enfim, o outro lado
da moeda da subordinação. Mas, ao mesmo tempo, se exclui desta opressão como agente
intrinsecamente inerente <20,22,32,33,34>. Deste modo, parece pretender de fato situar-se,
fora do sistema, o que seria impossível (Brod em Johnson 2005 (2nd ed): 104). Por meio da
intenção de distancionamento da opressão ou do sistema opressor, do qual ela faz parte
como branca, a autora não reconhece o sistema hegemônico e, por conseguinte, tampouco
parece reconhece o seu próprio papel e agência possível e necessária nesta hegemonia. A
fim de se ‘defrontar realmente com todas as formas de opressão’, é necessário que se
responsabilize pelo sistema hegemônico de opressão e pelo contexto vantajoso que é
garantido às mulheres brancas, inclusive a si mesma.

5.5.5 Mulheres brancas persistentes ou resistentes: estratégias para a


des/continuidade do status quo

<33> “Para as feministas contribuírem com maior profundidade


para a rebeldia das mulheres na identificação de sua
situação de subordinação e exclusão do poder, para
construírem propostas ideológicas que revertam esta
marginalidade, para reinventarem práticas sociais que
neguem os mecanismos que impedem o desenvolvimento da
autonomia e superem a exclusão, para tudo isso. É
necessário construir um feminismo multicultural, que aprofunde
o entendimento de como o racismo opera em conjunção com o
sexismo e com outros sistemas de dominação, ou seja, é
preciso colocar a questão racial no interior das análises de
gênero.” [276, grifo meu].

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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Como já foi extensamente explicado, a exclusão racial existe somente devido a
atores que excluem racialmente; as relações raciais intra-gênero são marcadas, como
apontou inclusive a própria autora, pelas relações de poder e pela exclusão. Pelo foco da
autora em reverter a marginalidade e superar a exclusão, isto é, para a modificação da
“situação de subordinação” em vez da situação de dominação, se faz entender o desejo da
autora de “colocar a questão racial no interior das análises de gênero” <33> principalmente
como um desejo de ‘colocar a questão racial das mulheres negras no interior das análises
de gênero’. Porém, é preciso ‘colocar a questão racial das mulheres brancas no interior das
análises de gênero’.
Conseqüência lógica do sistema hegemônico é que a sua modificação
necessariamente deve vir de dentro (ver 3.2.2). Para tanto, mulheres brancas devem se
posicionar como tais, como brancas, em relação à hegemonia.

<34> [O] reconhecimento [da diferença] pressupõe uma


imagem diferente do indivíduo e também a possibilidade
conceitual de que duas pessoas diferentes se reconheçam
reciprocamente não só como iguais e destinada uma a
outra, mas principalmente como outro ou outra. [278, grife
meu]
No final da reflexão, Soares expressa sua esperança pela igualdade na diferença, ou
pela diferença na igualdade. A rejeição do status quo - o desprezo pela própria pertença (da
autora como indivíduo e/ou como categoria) por conseguinte do seu (próprio) papel neste
sistema - não parece trazer um potencial de modificação. É a “uma” que tem o poder não-
recíproco de reconhecer a “outra” <34>. Nas relações raciais intra-gênero, as mulheres
brancas não podem se posicionar como outra racial, mas devem reconhecer e assumir
responsabilidade por seu lugar, portanto seu poder é diferenciado e desigual ao da
reconhecida, neste contexto. Delimitar as desigualdades ao reconhecimento, nega a
hegemonia branca como significador do sistema racista, portanto facilita a continuação do
status quo.
Isto não significa que a autora não deseje lograr igualdade na diferença, sobre a qual
escreveu. Ao contrário, explicita e repetitivamente expressa o seu desejo. Enfatizou que é
importante “formular estratégias realistas que sejam tanto anti-racistas como anti-sexistas.
Estas estratégias devem ser direcionadas contra a opressão, contra o poder e a exploração”
<32>. Deixe-me retomar Brod (em Johnson 2005 (2nd ed): 104) que diz que “não há uma
coisa como abrir mão de seu privilégio para ficar ‘fora’ do sistema.” Uma vez que mulheres
brancas, inclusive a autora, pertencem a este sistema racista como parcela racial com
poder, elas, mesmo que não oprimam ou explorem individualmente, têm pelo menos maior
acesso ao poder com o qual se pode exercer a opressão, a exploração, e os privilégios
raciais. Porém, não é possível se colocar fora deste sistema.

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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
“É por sua produção e sua aderência a este ‘senso comum’, esta ideologia (no
sentido mais amplo do termo), que uma sociedade dá seu consentimento à maneira
pela qual é governada.”
(Omi & Winant 1986 (2002): 130-1).
“A perpetuação do patriarcado e do racismo”, como disse a autora sobre este
sistema de dominação [278], ”não se dá somente no campo da identidade genérica, mas
também na manipulação e controle dos mitos, dos símbolos e das experiências vitais” [278].
O sistema está em todos os seus habitantes. Está em ‘todo [o] tecido social’ [259, 267],
encontra-se no nível pessoal e no institucional, mas, como um todo, é uma ideologia e é
reproduzido no e pelo senso comum. A transformação deste sistema requer uma
transformação deste senso comum, portanto da ideologia que garante a hegemonia branca
na sociedade. Mulheres brancas são constituintes e perpetuadoras desta sociedade que “dá
seu consentimento à maneira pela qual é governada” (Omi & Winant 1986 (2002): 130-1) e
também ‘governam’ o movimento de mulheres e o feminismo. Este pode produzir, pela
reprodução diferenciada, um outro senso comum: ‘mitos, símbolos ou experiências vitais’.
Mesmo que Soares explicitamente recuse o racismo, as desigualdades raciais,
inclusive os privilégios dos seus beneficiários, e assim fortemente se posicione, ela contribui
como autora para à continuidade do ‘senso comum’, através da racialidade neutralizada no
seu artigo. No seu papel de observadora, ela não rompe com a hegemonia branca.
É justamente por meio da ambigüidade que a autora percebe, quer individual quer
categoricamente, (sua) branquitude. A este respeito diz Frankenberg que brancos, sim,
sabem que são brancos. Porém diz Brod, “a única questão é se alguém é parte do sistema
de modo a desafiar ou a fortalecer o status quo.” (Brod em Johnson 2005 (2nd ed): 104).
Sem a problematização de branquitude, sem criticar, portanto, as mulheres brancas e seu
papel, como também a si mesma como autora e militante feminista branca, a autora não
desafia o status quo; perpetua a hegemonia branca e as relações raciais desiguais, dentro
da sociedade como um todo, mas, em particular, no movimento das mulheres.

5.5.6 Resumo crítico

Definir a posição social de mulheres “na identificação de sua situação de


subordinação e exclusão do poder” [276], delimita o foco da transformação desejada. Pela
negação da posição ambígua das militantes brancas nos eixos de raça e gênero, nega-se a
sua posição aparentemente opositora, no feminismo anti-racista. No seu desejo de se
contrapor às desigualdades raciais entre mulheres, ela propõe uma estratégia militante
feminista anti-racista da solidariedade (na luta) com a Outra racialmente oprimida.

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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Soares, mesmo apresentando a idéia de ‘rejeitar os privilégios’ e referindo-se às
conseqüências, não aprofunda a realidade dos privilégios raciais para as militantes brancas.
A não-nomeação sugere uma inexistência de branquitude, mesmo que, na verdade, assinale
sua presença normalizante e dominante. Contrário à sua tentativa - isto é: uma reflexão
crítica das relações raciais dentro do chamado movimento, e contestar o status quo - Soares
facilita a continuidade da hegemonia da branquitude.
Para uma militância feminista anti-racista, a qual Soares enfatiza, é preciso uma
postura crítica e uma agência consciente, a qual não pode ser limitada ao lugar conhecido
na subalternidade contra a opressão e o opressor exterior. Criticar a cultura branca
dominante, e “defrontar-se”, como a autora sugere, “virtualmente com todas as formas de
opressão” <24>, deveria implicar uma confrontação com a própria agência feminina
hegemônica branca da opressão intra-gênero.
No seu texto reconhece-se a existência da discriminação racial, dos privilégios
brancos, do lado opressor, a premissa para uma militância feminista branca plenamente
anti-racista. Porém, mostra-se ausente uma confrontação, cuja ausência impossibilita uma
expressão crítica à e da branquitude feminina para poder, nos dois lados da moeda, lutar
pelo ‘ideal de igualdade’.
Se considerar anti-racismo importante, e se reconhecer, mesmo em níveis diferentes,
o papel da branquitude na militância feminista branca, dever-se-ia perguntar: “[s]e intuimos a
discriminação, porém falhamos em criticá-la, o que temos feito para retificar a injustiça?”69. E
ainda é importante levar a militância feminista ainda mais a sério, e perguntar-se: “[s]e
reconhecermos nossos privilégios, porém falhamos em contestá-los, quão boa é nossa
constatação? (Wise 2005 (2nd ed): 120).

69
Original: “If we intuit discrimination, yet fail to speak against it, what have we done to rectify the injustice?”

85
“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Considerações finais

Nesta dissertação de Mestrado procurei analisar a expressão de branquitude em


contexto feminista, situando militantes brancas nas relações raciais no movimento feminista
e/ou de mulheres. Em específico procurei responder à pergunta: se no discurso de combate
ao racismo, militantes feministas brancas se consideram intrinsecamente necessárias para
este combate? Com este intuito, tomei como alvo de análise o capítulo O VERSO E REVERSO
DA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA FEMININA, BRANCA E NEGRA, no Brasil, escrito por Soares (2000
(1997)) e publicado na coletânea sobre a situação atual do racismo no Brasil, Tirando a
Máscara. Ensaios sobre o racismo no Brasil (Guimarães & Huntley 2000).
A fim de tentar responder esta pergunta optei por aprofundar branquitude mediante
uma análise de aspectos e níveis diferentes, com base no quadro teórico (Capítulo 2 e 3) e
em torno dos conceitos trabalhados: gênero e raça. Os conceitos foram abordados como
construções sociais (Omi & Winant 1986 (2002): 123; Essed 1989: 33), intrinsecamente
relacionais, portanto intra- e interdependentes (Dalton 1995 (2005): 16). Abordei o contexto
das desigualdades raciais e de gênero, do sexismo e do racismo, na sua forma sistêmica, e
tentei mostrar a impossibilidade de desligá-los pelo seu entrecruzamento intrínseco, em
particular na posição de mulheres brancas. Assim tomei como quadro teórico a
interseccionalidade. (Omi & Winant 1986 (2002): 132; Caldwell 2001: 222; Wekker & Lutz
2001: 26; Johnson 2005 (2nd ed): 106; Yuval-Davis 2006: 199-200)
Analisei a expressão da branquitude, primeiro, na análise das mulheres brancas
como objeto de estudo e observação e, segundo, a expressão da própria branquitude da
agente na sua reflexão, a saber a mulher branca como observadora, na pessoa da autora. O
fato de Soares fazer parte, como militante feminista branca, do próprio grupo por ela
observado, impossibilitou a investigação desta dupla expressão como manifestações
separáveis de branquitude. Por conseguinte, as analisei como manifestações relacionadas e
integradas. Discuti suas expressões diversas, cujos pontos centrais procurei abordar nos
Resumos Críticos. Portanto, neste momento ‘final’ gostaria de ainda apontar as
particularidades que pediram a minha atenção durante esta análise

De uma leitura superficial se poderia deduzir a presença de um feminismo branco


que acabou incluindo as ‘questões específicas’ raciais das mulheres negras na sua luta.

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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Reconhece-se, à princípio, a interseccionalidade das questões raciais nas de gênero,
resultando em desigualdades socias específicas e diferenciadas. Denúncia-se o racismo na
sociedade e em particular denuncia-se o elemento racista no movimento feminista.
Por outro lado, se esperaria que a preocupação maior com a questão racial na
militância feminista branca representasse uma inclusão do seu lado da moeda: ou seja as
especifidades raciais das mulheres brancas e o reconhecimento de que mulheres brancas
‘ocupam um lugar no racismo’ (Frankenberg 1997: 9). A autora inclui a posição racial das
feministas brancas na sua reflexão quando, por exemplo, detecta mulheres brancas como
categoria racial; quando se posiciona como (militante) branca; quando trata da rejeição
desejada dos privilégios brancos; e, consciente do lado opressor no sistema hegemônico, a
autora, e com ela um movimento de mulheres (brancas), denuncia o sistema opressor - o
qual pode ser entendido como racista – na sua convicção de “defrontar-se virtualmente com
todas as formas de opressão” <24>.

O mesmo olhar, com base nos estudos críticos de branquitude, mostra uma outra
face pela qual a branquitude se expressa no texto, a qual está em oposição com a anterior
mostrada. Observando este outro lado da moeda, apresenta-se a posição racial branca na
sua expressão parcial, por meio da qual está ausente a critica à branquitude nas suas
“condições sociais, econômicas e políticas” <16>, ou seja nos seus “efeitos materiais e
discursivos.” (Frankenberg 2004: 312-3)
A militância feminista falha na pretensão de beneficiar todas as mulheres. O
feminismo, na função de emancipar todas as mulheres, tem se diferenciado pela preferência
racial dos interesses a serem obtidos. Na realidade privilegia as mulheres brancas, pelo foco
em seus próprios interesses, o qual poderia ser chamado de um ‘pacto narcísico’. Tais
interesses, como indicado anteriormente, são criticados, por meio do desejo da rejeição,
porém, na prática, não são discutidos, nem percebidos assim (Frankenberg 2004: 312-3). É
"a experiência paradoxal de ser privilegiado sem se sentir privilegiado” (Johnson 2005 (2nd
ed)).
As feministas brancas, pelo menos na reflexão, de certo modo se vêem como
mulheres brancas, porém não se enxergam também intrinsecamente como mulheres
brancas, negando sua racialidade (Johnson 2005 (2nd ed): 103-7). Provavelmente de modo
contrário à sua intenção, a autora tende a se explicitar cegamente diante de sua própria
posição racial, tanto quanto diante da posição de outras militantes brancas. A autora inclina-
se a, se situar fora da sua própria reflexão. Sua posição racial branca, entendida como
representante categórica da branquitude feminina, exclui-se na sua reflexão deste ideal,
como se não fizesse parte dele. Assim, opera como observadora não-observada
(Frankenberg 1997: 15-6), supostamente sem racialidade.

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“FEMINISTAS BRANCAS ... TIRANDO A MÁSCARA?” DIEUWERTJE DYI HUIJG
Antes de tudo espera-se que militantes feministas brancas se vejam “a si próprias ou
ao seu grupo racial”. Porém, no texto analisado, não tendem a enxergar-se racialmente
“como elementos implicados num processo indiscutivelmente relacional” (Bento 2002a: 48).
Por meio do uso de termos geralizantes, pela não-nomeação, pela não-problematização, ou
seja, pela não-especificação racial, invisibilizam-se a posição e a agência das militantes
feministas brancas e do feminismo branco. Portanto não se critica as militantes e a militância
brancas. A branquitude tende assim a funcionar na forma de race obliviousness. (Dalton
1995 (2005): 17; Frankenberg 1997: ; Bento 2003b: ; Frankenberg 2004)

Em particular gostaria de enfatizar o exercício e função, no texto, deste aspecto da


linguagem. Durante a análise do texto observei a importância da linguagem na descrição
dos processos presentes, entre os quais a(s) militância(s), os movimentos e as categorias
diferentes, nos eixos de gênero e de raça. Da linguagem parece surgir o traço hegemônico
que percorre a linguagem, por meio do uso das formas genéricas - ou seja, não-racial -, na
questão racial, e do uso do masculino, na questão de gênero. São termos supostamente
neutros, cujo uso a linguagem parece obrigar. São também termos que, devido ao seu
caráter invisível ou não-especificado, desde que a alternativa é a especifidade lingüística –
‘normalmente’ apontando para a posição subalterna, respetivamente feminina e negra –,
reforçam a hegemonia já existente na linguagem. Mesmo que a/o significante, ou seja a/o
usuária/o expressando-se por meio desta linguagem, possa estar consciente disto, não é a
consciência em si que traz uma resolução simples à questão. A linguagem em si
‘normalmente’ é uma expressão do senso comum, por conseguinte do “sistema popular de
idéias e costumes”, e da ideologia, por meio dos quais a hegemonia rege. Mesmo
reconhecendo o potencial da criatividade lingüística, poderíamos perguntar se é possível
operar fora do uso da linguagem ‘comum’. O uso criativo da linguagem em si, se estivesse
presente, poderia ser compreendido como forma de agência, como uma ação resistente ao
status quo lingüístico, que é uma expressão da realidade à qual é conferida significado.
Pode-se imaginar que seria pela utilização consciente e crítica da linguagem que a agência
poderia se expressar como transformadora, por meio da resistência lingüística, a fim de
modificar o senso comum e, portanto, desafiar o status quo, a partir de seu interior. (Omi &
Winant 1986 (2002): 130-1; Brod em Johnson 2005 (2nd ed): 104)

Pois bem, para a transformação, neste caso um feminismo anti-racista, é preciso


uma militância consciente, crítica, e responsável. Tanto a autora, quanto o grupo observado,
se posicionam em prol da inclusão do anti-racismo na luta feminista (branca). Porém, o foco
da militância proposta está em status secundário, seja na posição marginalizada de gênero
das mulheres, seja na solidariedade pelas mulheres brancas com a posição marginalizada

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racial das mulheres negras. A própria agência - indivíduo ou categoria - é desracializada.
Não se inclui uma crítica, expressada pelas militantes brancas observadas, seja pela autora
como observadora, à agência feminista racial. Por conseguinte, não se propõe uma
militância feminista branca crítica a partir deste lugar de opressão. Porém, a hegemonia
racial é perpetuada pelo seu status quo continuado, cuja persistência é permitida e exercida
pelas militantes brancas, sejam as observadas, seja a observadora, devido à ausência da
crítica ou resistência ao status quo racial (Wildman 1995 (2005 2nd ed)). O “ideal de
igualdades” [263], proposto pela autora, encontra-se, portanto, numa lacuna racial. Exclui-se
a análise da posição racialmente marginalizante das mulheres brancas, deste modo
negando esta lacuna na sua militância feminista branca.

Por meio disto evita-se uma confrontação com a (própria) agência feminista branca
potencialmente modificadora para o anti-racismo, impossibilitando de fato uma agência
feminista branca anti-racista crítica como branca. É a contradição que marca este texto
reflexivo. Reconhece-se que as desigualdades raciais “[têm] alguma coisa a ver com [a]
branc[a]” (em Bento 2003b: 199), porém mostra-se a militância feminista branca no seu
caráter racialmente parcial, pelo fato de que militantes brancas constatam que há
discriminação racial, que têm, como conseqüência, privilégios brancos, porém não
combatem esta sua posição racialmente hegemônica.
Dever-se-ia perguntar quão boa é, portanto, esta constatação se não contribui para a
luta contra o lado branco do racismo (Wise 2005 (2nd ed): 120). Não existe algo como culpa
categórica de feministas brancas pelo racismo, pelas desigualdades raciais, pela herança
escravocrata. Porém, o produto da hegemonia branca e a captação do senso comum
tampouco podem ser desculpas para as escolhas, sejam elas conscientes ou inconscientes,
de não tirar a máscara branca. Não podem ser desculpas para a escolha de deixar em
branco sua responsabilidade racial privilegiada e hegemônica na militância feminista anti-
racista.

Por fim, considero importante enfatizar aqui que este trabalho foi nada mais do que
uma pesquisa introdutória da branquitude (feminina militante), tomando como peça exemplar
este texto reflexivo - e deste modo a militância feminista branca -, para sua análise.
Obviamente, branquitude não é um fenômeno novo. Ao contrário, por sua pertença
intrínseca às relações raciais, é tão antiga quanto as relações raciais. Por conseguinte,
branquitude deveria ser abordada como aspecto do colorário das desigualdades raciais e do
racismo: na sua expressão nos níveis individual, relacional, interpessoal, e sistêmico.
Estudos críticos de branquitude ainda são poucos, mas sua realidade traz a necessidade de

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problematizar e criticá-la com foco nos seus efeitos materiais e discursivos. A partir deste
lugar gostaria de chamar, por último, outras/os pesquisadoras/es, e em particular
brancas/os, para (se) responsabilizarem e (se) criticarem a branquitude, seja na academia,
na militância, seja na vida cotidiana.

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