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O PAPEL DAS MULHERES NAS REDES AMBIENTALISTAS AMAZÔNICAS.

Suzana Cristina Lourenço1

Resumo: O objetivo do presente estudo é analisar o papel das mulheres nas redes ambientalistas, em especial as
amazônicas. Partimos da hipótese que há grande participação das mulheres na elaboração de estratégias visando a
incidência nos processos decisórios ambientais. Apesar de numerosa e representativa, sua importância tem sido
reconhecida de forma diferente à masculina, tendendo a ser menor em termos de protagonismo quando há êxito na
aplicação de tais estratégias. Usando o materialismo histórico, temos como técnica principal a análise documental e a
observação participante. A partir das estatísticas de participação de homens e mulheres nos espaços decisórios e de
mercado de trabalho, respondemos à pergunta principal da pesquisa. Inicialmente refletimos sobre a inserção da mulher
no ambientalismo, o cenário ambiental da região amazônica e os conflitos pelo uso da terra. Posteriormente avaliamos
os principais avanços das redes ambientalistas e a relevância da participação das mulheres em diversos momentos da
formulação de políticas ambientais. Finalmente traçamos conclusões e reflexões sobre as dificuldades e horizontes da
participação feminina nas redes ambientalistas.

Palavras: ambientalismo, ecofeminismo, Brasil, redes.

1. Antecedentes: A inserção da mulher nos espaços técnico-administrativos e acadêmicos

Rucinque (p. 1)2, ao versar sobre o ambientalismo na contemporaneidade, aponta que, através dos
tempos, filósofos, naturistas, geógrafos e outros dedicaram parte de seu esforço intelectual a pensar sobre o
meio ambiente, uma “das muitas preocupações do homem contemporâneo”. Este rol de autores, composto
em sua maioria por homens, ajudou a delinear uma trajetória histórica, na qual coube às mulheres um papel
secundário na elaboração técnica e científica. Avaliar, de uma maneira ou outra, as relações da sociedade
humana e a natureza, segue o autor, é algo que se inicia desde épocas remotas.

A ideia do homem como centralidade, não exclusiva a este texto, tem na literatura e na linguagem
acadêmica um meio no qual expressões como “relação homem-natureza”, persistem sob a justificativa da
herança histórica desta designação, em si segregadora.

Com o avanço do capitalismo e novas necessidades de operários, as mulheres foram incorporadas a


um mercado de trabalho marcado por desigualdades, antes mesmo que lhes fossem atribuídas políticas de
igualdade de gênero.

A inserção da mulher nos quadros técnicos e de especialistas nos diversos setores, dentre eles o setor
ambiental, vestiu-se de um processo de inclusão ao longo da década de 2000. Os signos de igualdade de
gênero basicamente se mantiveram no âmbito do discurso. Nos mesmos espaços onde se predica a igualdade
de gênero, é salutar o silenciamento feminino, principalmente por homens que reclamam um feminismo para

1
Doutoranda pelo Departamento de Pós Graduação em Geografia Humana da Universidade de São Paulo, São
Paulo, Brasil.
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Rucinque, Hector. Ambientalismo. GeoTrópico, online, 2005, 3 (1), 4-8. GeoLat, Bogotá, Colombia

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si. Em meio a muitas discórdias, reproduz-se a opressão histórica sob a justificativa da intolerância feminina
à incorporação do masculino na causa da igualdade de gênero.

Em realidade, o problema da inserção feminina na temática ambiental começa antes da atuação


profissional. A necessidade de que se reportem às suas casas e famílias retira as meninas da formação escolar
desde muito cedo, em um processo que se aprofunda a medida que ascendem nos níveis acadêmicos. Muitas
são as mulheres que ingressam nos cursos superiores. Poucas são as que saem e seguem a vida profissional
em suas áreas de formação. Segundo dados do Plano Nacional de Qualificação, do Ministério do Trabalho e
Previdência Social (PNQ/MTPS), a melhor qualificação não resulta em maiores rendimentos para as
mulheres. Ao contrário, a diferença salarial aumenta conforme aumenta a escolarização. A diferença salarial
é de 24% entre homens e mulheres com cinco a oito anos de estudo e de 34% para doze anos de estudo3.

Diversas são as forças que reforçam a exclusão feminina dos espaços de participação e de sua
evolução profissional. Aspectos étnico-raciais, econômicos e sociais são as principais forças que apartam
mulheres de seus objetivos de vida e carreira. Em geral, a maternidade é o divisor de águas que acaba por
retirar meninas e mulheres do mercado de trabalho, seja na academia, seja nas profissões de cunho técnico
ambiental.

Às que superam esta etapa, resta-lhes lidar com o silenciamento diário, a refutação de suas hipóteses
em uma mesa de negociação, antes mesmo da análise dos argumentos, e os assédios. Às que envelhecem em
suas profissões, o estigma de que se dedicaram às suas áreas de atuação por falta de amor conjugal e/ou
parental.

Se considerarmos a realidade das mulheres trans, o panorama se mostra ainda mais desolador. Estes
grupos têm dificuldades de incorporação em muitos segmentos feministas. Mais raro que compartilhar uma
mesa de argumentação em questões ambientais com uma mulher cis é compartilhar esta mesa com uma
mulher trans.

Na contramão desta tendência, os movimentos de base demonstram novas possibilidades de


entendimento sobre a igualdade de gênero. Exemplos como Sônia Guajajara, contundente em sua
argumentação perante o Congresso Nacional em defesa dos direitos indígenas; Dilma Roussef defendendo-se
vida afora, primeiro dos militares e depois do Congresso Nacional, em sua arguição durante o processo de
impeachment, intelectuais como Vandana Shiva, Dian Fossey e militantes como Isatou Ceesay e Wangari

Portal Brasil do Governo Federal. Mulheres são maioria em universidades e cursos de qualificação. Publicado
em 10/03/2016. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2016/03/mulheres-sao-maioria-em-
universidades-e-cursos-de-qualificacao.

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Maathai ou Brigitte Baptiste nos mostra aquilo que deveria ser considerado como óbvio: nem a
predominância de um cromossomo x ou y, nem a opção por uma identidade sexual são razões que restrinjam
o potencial de qualquer ser humano em suas convicções, potencialidades e lutas.

2. Dois pesos, duas medidas: a relação entre trabalho e protagonismo feminino na questão ambiental.

Em termos de participação política, o Brasil ocupa a 142a posição no ranking de mulheres inseridas
na Câmara e no Senado dos 188 países analisados (UIP, 2008). Em nenhum destes países há participação
quantitativamente igualitária entre homens e mulheres, ou seja, 50% por 50%. É interessante notar ainda que,
relativa à atividade no Senado, a percentagem de mulheres em diversos países é mais baixa, quando
comparada à participação nas Câmaras.

No que concerne a análise quantitativa de representatividade para a qualitativa e ambiental e sua


relação com os aspectos sociais e políticos, o feminino também emerge como uma retomada da associação
de cunho cultural entre a terra, seu uso e a imagem da mulher na metáfora mãe-natureza4. Nesta, a terra,
assim como a mãe, é provedora dos recursos. Existe para satisfazer a existência humana, representando ser
uma releitura do metabolismo ser humano e natureza.

Sobre a participação da mulher nos espaços técnicos e políticos, novos estereótipos surgem: sua
persistência e resistência às adversidades. Ademais, sua capacidade “nata” em lidar com tarefas múltiplas.

Recentemente, no caso brasileiro, houve grande à eficiência da Ministra do Meio Ambiente, Marina
Silva (2003-2008), inclusive apontando uma suposta fragilidade frente os desafios que aquele momento
político imputava à questão ambiental. Havendo sido a gestão mais progressista do Ministério, com diversas
conquistas no que concerne a participação da sociedade sobre as decisões ambientais, tal ex-ministra teve
dificuldades em ter seu mérito reconhecido no cenário político nacional. Vários destes problemas políticos e
orçamentários deste período foram contornados ao longo de sua gestão (Lourenço, 2017).

3. As Organizações Ambientalistas na Amazônia: Voz ou silenciamento da mulher?

A dificuldade da inserção da mulher no mercado de trabalho (Figura 3.1.) e, por extensão, a


contextos profissionais nos diversos setores que lhes permitam participar nas decisões políticas é

Fiúza, Ana Louise de Carvalho. Mulher e ambientalismo. Estudos Sociedade e Agricultura, 9, outubro 1997:
178-189.

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amplamente conhecida. A pouca reatividade masculina no seu papel de manutenção doméstica e cuidados
parentais somadas à desconfiança de empregadores são os principais obstáculos ao protagonismo político e
social feminino.

Figura 3.1. Média das taxas de desemprego entre 1997 e 2017 (Em %)

Fonte: ONU, 2017.

À taxa de desemprego neste período, ressalta-se a desigualdade de empregabilidade entre mulheres e

homens em regiões com histórico de opressão à mulher. Destacam-se, pois, os Estados Árabes, o nordeste da
África e a América Latina.

No que diz respeito à atuação da mulher na questão ambiental, a América Latina tem cenário pouco
favorável à atuação feminina. Segundo a análise da OIT, baseada em 14 setores da economia, é notória a
diferença entre homens e mulheres segundo a distribuição de empregos em cada setor, relativo ao total de
empregabilidade para cada gênero (Figura 3.2.). Portanto, percebe-se que em determinados setores, as
mulheres são relativamente super-representadas, quando em comparação com os homens.

É importante notar que, na América Latina, há representatividade feminina em setores como a


educação, âmbito com histórico protagonismo feminino, e serviços de reparos. Toda a gama de profissões de
conhecimento técnico, incluindo as profissões diretamente ligadas a gestão de recursos naturais (agricultura e
florestas), têm baixa participação feminina. É verdade também que, neste quesito, a discussão no Brasil sobre
o papel da mulher no ambientalismo foi mais fraca que em outros países da América Latina.

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Figura 3.2. Composição da segregação setorial total, por região (1997-2017).5

Fonte: ILO Trends Econometric Models, November 2016. Elaboração: World Employment and Social Outlook: Trends
for women 2017, International Labour Office. Geneva: ILO, 2017

Como acontece com outros portais de informação, as estatísticas referentes ao chamado Terceiro
Setor estão muito longe de atender as demandas de análise de sua trajetória e composição por área temática,
diversidade na representatividade, etc. Em relação à participação feminina e na multiplicidade temática do

A figura mostra a diferença entre mulheres e homens no que se refere a distribuição de empregos em um setor
relativo ao total de empregos para o respectivo gênero. Consequentemente, mostra em quais setores a mulher está super-
representada comparada com os homens. Positivos e negativos devem ser de igual tamanho pois, para cada setor super-
representado, deve haver um setor sub-representado. O tamanho total da barra indica a segregação total de gênero. O
agregado mundial é menor que a maior parte dos agregados regionais desde que super-representações se opõem através
das compensações regionais.

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Terceiro Setor, cabe o levantamento de dados que possam apontar se as tendências avaliadas pela OIT
referentes à distribuição de empregos entre os gêneros. Se tivermos como referência apenas a análise da OIT,
podemos inferir que a participação feminina é desigual nos três setores da economia.

Analisando as desigualdades de categorias, Charles Tilly6 afirma que estas tendem a ser deturpadas
em uma análise na escala individual e que se aplicam a uma ampla gama de situações sociais, principalmente
pelos mecanismos de exploração, desigualdade de oportunidades e adaptação às circunstâncias, três
fenômenos marcantes na trajetória feminina na sociedade ocidental. Para o autor, as categorias pareadas ou
desiguais consistem em relações assimétricas, através de uma linha divisória socialmente reconhecida. Estas
categorias se reiteram em uma variedade de situações, sendo seu efeito a exclusão desigual de cada rede de
recursos controlada por outra.

Este mecanismo de diferenciação permeia as sociedades de diversas formas. Corporações, Estado e


outras representações ideológicas assumem posições preponderantes, já que controlam maiores
concentrações dos recursos. No entanto, é também na reprodução destas desigualdades por categorias como
os lares, grupos de parentesco, comunidades locais e organizações de base, onde estão incluídas as
organizações por motivações ambientalistas, que se estabelecem as posições cruciais na reprodução dos
padrões.

O terceiro setor, composto majoritariamente por organizações não-governamentais, tem grande parte
de sua composição vinculada a causas sociais e ao ativismo político, igualmente dividido em diversos
setores. Visto ser um elemento organizacional na sociedade, é possível que neste setor, teoricamente mais
progressista, reproduzam-se mecanismos de desigualdades por categorias, como a de gênero. A experiência
prática das mulheres no ambientalismo brasileiro insinua que, se nestes espaços há um esforço para a não
reprodução destas desigualdades, o cenário de igualdade plena ainda está longe de ser alcançado. Isto porque
a cultura de opressão à mulher permeia constitutivamente a forma pela qual se consolidaram as sociedades
modernas.

Esta observação remonta dos primórdios da questão da inserção da mulher no ambientalismo.


Françoise D’Eaubonne, ao cunhar o termo ecofeminismo, denunciava tanto o sexismo no movimento
ambientalista quanto o iminente colapso ecológico que ameaçava a humanidade, em decorrência da

Tilly, Charles. Durable Inequality. Los Angeles: University of California, 1998.

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exploração da mulher e da natureza, triunfante após séculos de construção patriarcal (Glazebrook, 2002: 10-
667; Durán, 20058).

O ecofeminismo, neste aspecto, é apontado como sendo uma derivação das denúncias de opressão
entre os países, politizando também as relações pessoais e evidenciando os mecanismos de poder por trás do
racismo, sexismo e o ambiente. Assim, podemos dizer que há uma relação entre as demandas verbalizadas
pelo feminismo e as necessidades de conservação dos ecossistemas, sujeitos a semelhantes processos de
dominação. Para Puleo (2000)9, as militantes feministas reconheciam na questão ambiental, assim como em
sua própria, a importância de reconhecer os pressupostos antropocêntricos e androcêntricos que organizavam
as sociedades patriarcais e, a partir daí, estabelecer estratégias para sua superação, em vista de uma sociedade
igualitária (p. 181).

Algumas linhas devem ser tratadas com cautela, de forma a não reforçar estereótipos. Assim, deve-se
questionar se pressupostos como a transformação de valores tidos como patriarcais de Warren (1996), como
a posse, conquista e acumulação em outros de “natureza” feminina (reciprocidade, harmonia e
solidariedade). A questão seria mais adequadamente tratada se considerados os mecanismos de sujeição, da
mulher e da natureza, em um processo histórico de exclusão que a atribuição destas ou aquelas qualidades a
este ou aquele gênero.

Durán (2005), aponta diferentes correntes nas quais o ecoambientalismo se desenvolve. Basicamente
as linhas principais seriam o ecofeminismo existencialista, que prega a recuperação do princípio do feminino
subjacente à relação mulher e natureza, princípio recusado pela linhagem do ecofeminismo materialista
(Mellor,1997)10. Já o ecofeminismo construtivista considera a relação mulher-natureza como resultado das
estratégias usadas para que as mulheres cumpram suas responsabilidades, implicando em relações de gênero
diferenciadas entre homens e mulheres nos processos de produção e reprodução social (p. 69). Neste trabalho
ressaltamos outra vertente, relacional, na medida que é ligada à produção entre ser humano e natureza e;

Glazebrook, Trish. Karen Warren’s Ecofeminism, Ethics and the Environment, 7 (2) 2002.

Durán, Sandra Bustillos. Mujeres de tierra. Ambientalismo, feminismo y ecofeminismo. Nóesis, Género,
feminismo(s) y violencia desde la frontera norte, vol. 15, núm. 28, pp. 59-77, 2005.

Puleo, Alicia. Ecofeminismo: hacia una redefinición filosófico-política de “naturaleza” y “ser humano”. In:
Amorós , Celia. Feminismo y filosofía. Madri: Síntesis, 2000. p. 165-192.

10

Mellor, M., 1997. Feminism and Ecology. University Press, New York.

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histórica, pois a inserção feminina variou ao longo dos séculos segundo as necessidades do modelo
econômico, que reconhece o feminino como excluído em processo semelhante ao de outras diversidades, de
orientação sexual, étnicas, religiosas. Para que se mantivesse uma ideologia dominante, os traços que
pudessem significar uma distribuição de recursos entre as camadas sociais e as diversidades foram
duramente reprimidos ou suprimidos. Historicamente, pela supressão dos documentos históricos, redigidos
por mulheres, na Roma Antiga; a aniquilação pela Inquisição; a circuncisão das meninas ainda persistente na
contemporaneidade e a violência às lideranças de populações tradicionais amazônicas.

Os processos violentos de exclusão ainda estão entre os principais meios de coerção da emergência
de novas ideologias. Segundo dados da CPT (2013) nos últimos dez anos, 2.282 pessoas sofreram ameaças
de morte por questões relacionadas ao ambiente. Destas, 382 eram mulheres. Das 338 vítimas fatais, 20 eram
mulheres. A Cáritas e a CPT atribuem estes números à ascensão da participação feminina no ativismo de
questões ligadas ao uso da terra e por sua parceria com seus maridos e filhos, muitos destes também
incluídos em episódios de violência. Com o aumento do despejo de famílias em decorrência do avanço das
monoculturas, da construção de usinas hidrelétricas, mineração, grilagem, extração de madeiras e
monoculturas sobre terras indígenas, quilombolas e camponesas, aumentam também em número e
intensidade os conflitos na Amazônia sendo estes notadamente sentidos pelas mulheres da região.

O Movimento das Quebradeiras de Coco, a Via Campesina e outras múltiplas formas de mobilização
por seringueiras, indígenas de diversas etnias, ribeirinhas, urbanas, castanheiras, pescadoras, neste sentido,
rompem com a percepção das diferenças qualitativas entre homens e mulheres, analisando o processo de
exploração dentro do capitalismo e da exclusão para legitimar estratos sociais.

As distintas linhas do ecofeminismo, portanto – ora declarado, ora implícito e mesmo que incipiente
no Brasil – são importantes no panorama amazônico na medida que mobiliza mulheres de diferentes
organizações e sua inserção nos contextos decisórios políticos.

Nesta região, Guedes et alli11 apontam que 57% das mulheres consideradas em seu estudo12
trabalham com o agroextrativismo (sem participação no processo de comercialização dos produtos), 11%
desenvolviam funções de professoras e merendeiras, 6% eram aposentadas ou pensionistas e os demais 10%
se dividia em trabalhadoras de comércio e serviços; 2% compunham quadros de profissionais da saúde.

11

Guedes, Maria Eunice F. et alli. Diagnóstico das Mulheres da Floresta no Pará: elementos para o 1º Encontro
Internacional das Mulheres da Floresta Amazônica. Cadernos de Estudos n 3. Belém: FASE, 2002.

12

Levantamento realizado pelas autoras no 1º Encontro Internacional das Mulheres da Amazônia, 1998. Foram
consideradas 1144 entrevistadas de 28 municípios no estado do Pará.

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Neste mesmo estudo, as autoras averiguaram que 80% das idosas com mais de 70 anos não possuíam ensino
fundamental completo, porcentagem que decresceu com as seguinte gerações de mulheres.

4. Redes ambientalistas e a relevância da participação das mulheres nas políticas ambientais

Uma das grandes vantagens das redes ambientalistas que se conformaram na luta de diversas
organizações em prol da conservação socioambiental é a difusão interna de ideias e a formação de opiniões.
É na prática relacional entre diferentes grupos em vista a objetivos comuns à conservação socioambiental
que o ativismo feminino, ainda que em franca desvantagem em relação à sua incorporação nos quadros de
funcionalismo técnico, possui potencial transformador.

D’Avila e Nazareth (2014)13 apontam que o entendimento das redes de solidariedade sobre
crescentes fluxos migratórios femininos, por exemplo, é uma das contribuições que este tipo de ator coletivo
oferece à simples análise das leis de mercado como fruto de tais contingências estruturais. Assim, tanto neste
caso como no na questão ambientalista, as reflexões suscitadas pela perspectiva das redes indicam a
necessidade de compreensão dos fenômenos para além dos aspectos individuais, propondo uma articulação
das perspectivas estruturais com as de ordem individual.

Ainda sobre a unilateralidade de tais análises contextuais, e em um paralelo com outras diversidades,
Alavina (2017)14 alerta pela visibilidade das minorias em vista ao consumo. Para o autor, a igualdade de
direitos na questão das diversidades sexuais tem sido atrelada ao consumo. Ademais, deveríamos “suspeitar
se não há nenhum risco neste tipo de visibilidade, uma vez que o consumo não é elemento que constitui
nossas diferenças em relação à sexualidade padrão”. Adicionalmente à ideia do autor, consideramos que algo
semelhante ocorre nas relações de gênero e sua visibilidade em vista ao consumo e os demais elementos,
juntos, compõem o modelo econômico neoliberalista, notadamente a exploração do trabalho. Vinculada à
noção de responsabilidade social ou ambiental, ambas também lucrativas, esta deturpação mistura conceitos
de igualdade de gênero com a produtividade e, finalmente, com o consumo.

13

D’Avila, Maria Inácia; Nazareth. Mulheres Migrantes Nordestinas e suas Redes de Conterrâneos: Além das
estratégias cotidianas de sobrevivência. In.: Costa, Samira Lima da; Mendes, Rosilda. Redes Sociais Territoriais. São
Paulo: FAP/ÚNIFESP, 2014.

14

Alavina, Fran de O. Gays: a armadilha da “aceitação” pelo consumo. Outras Palavras. Publicado em 15 de
junho de 2017. Disponível em www.outraspalavras.net

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É importante também ter cautela com exacerbações à liderança feminina, atribuindo-lhe uma falsa
noção de poder ou superioridade ao papel masculino. É comum, neste sentido, que se difunda a ideia que
“são as mulheres que mandam” em um determinado contexto, na tentativa de eufemizar uma possível
exploração à qual estão submetidas. Estas ideias possuem tal força persuasiva que, não raro, as próprias
mulheres são convencidas da não exploração, ainda que sua existência seja evidenciada pela exaustão na
rotina profissional/pessoal e pela diferenciação salarial.

A região Amazônia testemunha, ao longo de sua história, um processo de colonização marcado pela
violência sobre as mulheres das populações indígenas que, ora foram dizimadas, ora foram cruelmente
incorporadas às novas conjunturas populacionais que se formaram. Cristina Wolff (2011)15 ressalta a
exploração sexual das mulheres indígenas no período de migração das populações nordestinas para a
Amazônia que se deu a partir da década de 1870, com o crescimento da exploração do látex. Por vezes, as
filhas dos seringueiros, ainda muito novas, casavam-se com os colonos. Noutras, as mulheres, muitas vezes
prostitutas em busca de um futuro melhor, eram encomendadas nas capitais para se casarem com os
migrantes homens. Nada raro também foi o comércio das mulheres indígenas, únicas poupadas das matanças
de suas tribos, também para o casamento. Com o advento da República e na sequência de governos militares,
reproduziu-se também a função da mulher nestes contextos, como objeto ao casamento e à reprodução. O
acesso à educação e à participação política foi sumamente negado à mulher por décadas e, mesmo com a
possibilidade do voto e um maior reconhecimento dos direitos humanos com o advento da democracia, o
aprofundamento da participação feminina nos diversos setores permanece sendo um desafio no contexto
regional amazônico.

Na Amazônia, é por meio das redes de solidariedade que o ecofeminismo, ainda que incipiente,
encontra um meio para sua discussão. A troca de informações e experiências da inserção feminina em
processos participativos ou políticos pode ser virtual, porém, é mais forte quando tais laços são construídos
em uma cadeia de solidariedade presencial. Ainda que tais redes de solidariedade não sejam determinantes
nos processos decisórios, mediam-nos. Estas evidências se aplicam aos nós das redes ambientalistas
vinculadas ao ecofeminismo da mesma forma que foram originalmente identificadas por D’Avila e Nazareth
(2014) em relação às mulheres migrantes nordestinas.

Ainda sobre o estudo de D’Avila e Nazareth (2014), diversos paralelos podem ser estabelecidos em
relação à atividade ambientalista, como a redução dos riscos à participação nas decisões ambientais e custos

15

Wolff, Cristina Scheibe. Mulheres da Floresta: outras tantas histórias. Revista Estudos Amazônicos • vol. VI,
nº 1 (2011), pp. 21-40

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psicológicos, decisões sobre prioridades temáticas e os melhores espaços para a negociação em busca de
acordos.

Agarwal (2001)16 elenca uma série de tipologias da participação feminina, aplicáveis ao


ambientalismo. A experiência e informação compartilhadas nestes níveis é o aspecto que eleva as redes
ambientalistas a espaços que vão além da interlocução e articulação, mas na possibilidade de ações positivas
de reconhecimento.

Para Veuthey (2010), a participação ativa das mulheres nas decisões ambientalistas redefine sua
posição social em suas culturas. Ademais, desafiam o modelo econômico e toda a teia relacional que o
mantém: ideologias dominantes, segregação social, exploração do trabalho, etc. É possível traçar um paralelo
entre a figura 4.1 e o que se observa da experiência prática das mulheres intervenientes nos processos
decisórios ambientais na Amazônia, quando em organizações e redes ambientalistas, com diversidade de
gêneros, etnias, grupos sociais, níveis de instrução e metas ambientais. O primeiro nível de empoderamento
feminino corresponde à participação em um grupo que tem como pauta a causa ambiental e suas
repercussões a um determinado grupo social (quilombola, etnias indígenas, regiões urbanas periféricas ou
não, etc.). Esta etapa corresponde a uma primeira aproximação das mulheres com a temática. Geralmente
esta participação é uma primeira aproximação com a causa, quando ainda se dispõe de pouco conhecimento
sobre o assunto tratado. Mulheres mais jovens e em período de reinserção social ou profissional são as
principais personagens deste nível. Raramente se animam a falar, limitando-se à observação. O período de
superação desta etapa depende de elementos como o patamar de empoderamento prévio das mulheres. No
entanto, já aí deixa de ter um papel passivo, pois passam a refletir sobre as questões ambientais que lhe
afetam.

16

Agarwal, B. 2001. “Participation Exclusion, Community Forestry, and Gender: An Analysis for South Asia
and a Conceptual Framework”. World Development 29(10): 16231648.

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Figura 4.1. Relação entre os tipos de participação e o nível de empoderamento.

Fonte: Agarwal (2001). Adaptação própria.

À medida que uma mulher se sente aceita nestes espaços, sua participação evolui para uma maior
assiduidade, ainda que marcada pela passividade. Insere-se em reuniões sobre processos decisórios. A não
manifestação verbal se dá, no geral, pelo temor à não consideração das ideias como válidas, ou mesmo pelo
temor a se abrir margem ao ciclo de silenciamentos, marcadamente por homens, mas também por mulheres
que, em um grupo, podem exercer dominância sobre outras. Pouco mencionado, mesmo entre as mulheres
militantes, é que o lastro do patriarcado neste tipo de competição feminina, manifesto pelo silenciamento ou
mesmo rivalidades, é o legado mais difícil de ser superado e chega a afetar o todo da participação feminina
nos processos decisórios ambientais.

A etapa de participação consultiva aparece como uma divisora de águas na inserção política. É
frequente, pelos diversos motivos restritivos demonstrados até aqui (sobrecarga de tarefas profissionais e
domésticas, silenciamento, competição, assédios morais ou mesmos sexuais), que as mulheres tenham

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dificuldades de ultrapassar este nível. A troca de ideias, experiências é desenvolvida, mas o processo de
lobby e baganha, típicos dos espaços onde se negociam os processos decisórios, ainda é evitado por muitas.

Portanto, os níveis de participação específico-ativa, ativa e interativa nos processos políticos


ambientais correspondem a etapas já dentro do processo decisório, desde em funções administrativas e de
baixa representação até formação de opiniões. Para tanto, requerem tempo de reflexão e delineamento de
estratégias de intervenção, além de amplo conhecimento técnico e contínuo processo de formação e
informação. Quanto maior a sobrecarga feminina no cuidado de aspectos domésticos ou nas suas
responsabilidades profissionais, tão menor será sua possibilidade de ascensão como stakeholders.

5. Considerações finais

Ao longo deste estudo vimos que são diversos os desafios para a plena igualdade de gênero nos
processos decisórios ambientais. Apontamos como principal problema a dificuldade de inserção profissional
feminina nas questões ambientais. A atuação feminina é silenciada ou é pouco reconhecida em seu
protagonismo. Apesar de sua forte participação no delineamento estratégico que precede as mesas de
negociação, os espaços participativos e decisórios seguem sendo majoritariamente masculinos, muitas vezes
sem sequer a menção da equipe feminina incorporada ao processo.

Women’s role in environmentalist networks.

The objective of the present study is to analyze the women's role in Amazonian environmental networks. Our
main hypothesis is that the women has been participating intensively on strategies formulation that focus on
environmental decision-making processes. Despite being numerous and representative, its importance has
been recognized in a different way than the masculine one, tending to be lesser in terms of protagonism when
there is success in the application of such strategies. Using historical materialism, we have as main technique
the documentary analysis and observation. From the statistics on the participation of men and women in
decision making, we answered the main question of the research. We initially reflect on the environmental
scenario of the Amazon region and its conflicts over land use. Subsequently we analyze the main advances
of environmental networks and the relevance of women's participation in various moments of the
formulation of environmental policies. Finally we draw conclusions and reflections on the difficulties and
horizons of female participation in environmental networks.

Keywords: environmentalism, ecofeminism, Brazil, networks.

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

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