Você está na página 1de 14

See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.

net/publication/281869955

A Igreja de Almofala: aspetos históricos e de conservação

Article · July 2015

CITATIONS READS

5 1,911

4 authors:

Livia Monteiro Francisco David Meneses dos Santos


Universidade do Vale do Acaraú Universidade do Vale do Acaraú
2 PUBLICATIONS 7 CITATIONS 5 PUBLICATIONS 23 CITATIONS

SEE PROFILE SEE PROFILE

Esequiel Mesquita Francisco Carvalho de Arruda Coelho


Universidade Federal do Ceará Universidade do Vale do Acaraú
180 PUBLICATIONS 482 CITATIONS 46 PUBLICATIONS 118 CITATIONS

SEE PROFILE SEE PROFILE

Some of the authors of this publication are also working on these related projects:

Optical sensors for structural health monitoring View project

JCSHM - Special Issue “Civil Structural Health Monitoring in South America” View project

All content following this page was uploaded by Esequiel Mesquita on 18 September 2015.

The user has requested enhancement of the downloaded file.


___________________________________________
A Igreja de Almofala: aspetos históricos e de
conservação
Lívia Monteiro1, David Santos1, Esequiel Mesquita2 e Francisco Coelho1

________________________________________________________________________________________________________________________

Resumo
A Igreja de Nossa Senhora da Conceição, ou Igreja de Almofala, localizado no município de Itarema, Ceará, Brasil,
teve sua construção finalizada em 1712 através do uso de mão-de-obra local, sendo a maioria de seus materiais oriundos
do Estado da Bahia. A ação de intempéries - em especial um soterramento por uma duna móvel-, a proximidade com a
praia e a precária manutenção colaboraram para um acelerado processo de degradação da estrutura. Desse modo, o
registro histórico das principais intervenções estruturais da Igreja de Almofala tornam-se relevantes para que, além da
preservação da memória histórica da comunidade local, novas medidas de intervenções que visem garantir a segurança
e preservar o edificado possam ser adotadas com maior eficiência. Este trabalho objetiva realizar uma breve descrição
histórica sobre a Igreja de Almofala e das principais intervenções realizadas desde sua construção. Para tal, foram
realizadas inspeções ao local, e consultas aos registros do IPHAN CE. Considera-se que este trabalho contribui com
informações que poderão ser úteis na adoção de medidas de intervenção com um impacto mínimo no conceito do
prédio, garantindo todas as condições de segurança e também para a preservação do valor e autenticidade da arquitetura
da Igreja de Almofala.
Palavras-chave: Igreja de Almofala, caracterização histórica, caracterização arquitetónica, intervenções estruturais,
preservação, estado de conservação;

Abstract
Nossa Senhora da Conceição’s Church or Almofala’s Church is located in Itarema, a city in the State of Ceará, Brazil.
Its construction was finalized in 1712 by local workers, and most of its materials came from the State of Bahia. The
aggressive environmental actions - among these a burial by sand dune - the geographical proximity to the beach allied
with the precarious maintenance measures collaborated for acceleration of the structural degradation. In this way, the
historical records of the main structural interventions that had been made on the Almofala’s Church are important for
preservation of the local community memory, and also for guide new repairs measures that aim to ensure the structural
safety and to preserve the building, in order to provide an effective repair. The present work aiming to realize a short
historical description about the Almofala’s Church and the main interventions realized after it construction. In this way,
visual inspections on the construction and consults to IPHAN CE records were realized. This work contributes with
information that can be used for the choice of remedial measures that have as purpose not compromise the constructive
concepts, taking into account the safety conditions and the conservation of the historical value and authenticity of
Almofala’s Church.
Keywords: Almofala’s Church, historic characterization, architectonic characterization, structural interventions,
heritage construction preservation, conservation state;

______________________________________
1
Departamento de Engenharia Civil, Universidade Estadual Vale do Acaraú, 62040-370, Campus da CIDAO, Sobral,
Brasil. E-mails: livia.msn@hotmail.com; david-santos@live.com; carvalhoarruda@yahoo.com.br;
2
Departamento de Engenharia Civil, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, 4100-465, Porto, Portugal. E-
mail: e.mesquita@fe.up.pt

1
1. Introdução

Edifícios históricos desempenham grande importância perante a sociedade, pois além de


evidenciarem a história do desenvolvimento de um povo também possuem valor documental, por se
tratar de um elemento físico (LOURENÇO, 2014). Dada a importância e fragilidade dos edifícios
históricos é que muitos deles são tombados, como medida preventiva à demolição, e quando
recuperados e reinseridos no âmbito das construções comercialmente ativas, seja na forma de
museus, lojas de comércio, restaurantes e etc., tornam-se elementos de valorização e atrativo local.

Diante da importância e necessidade de manutenção e preservação das construções históricas o


“International Council on Monuments and Sites”, (ICOMOS, 2003), estabelece princípios a serem
seguidos durante a análise, e para a conservação de construções históricas. De fato, um dos
primeiros pontos abordados pelo relatório do ICOMOS durante a realização de uma avaliação
estrutural em uma construção histórica é a importância de levantamento de informações para que o
plano de intervenção estrutural seja traçado, uma vez que estas construções podem ter sofrido
severas intervenções em seus elementos estruturais ao longo dos anos, e há a necessidade de se
saber sobre propriedades dos materiais e os métodos construtivos utilizados, sob pena de
descaracterização da construção histórica. Uma abordagem similar sobre a importância da
informação e documentação também é apresentada pelo CIB (2010). Em Diaz et al (2014), a
primeira etapa do trabalho de intervenção preventiva num grupo de construções históricas está
baseado no levantamento de informações sobre a construção, e ainda nos registros das intervenções
realizadas, e é com base nesse levantamento que as ações de intervenção são adotadas. Uma vez que
não existe normalização disponível sobre os parâmetros de segurança estrutural das construções
históricas (ELLINGWOOD, 1996), há aqui a necessidade em se manter documentado e bem
descrito os fatos que influenciaram as construções históricas até o seu estado atual, como
ferramenta de apoio a adoção de medidas de intervenções.

O conhecimento do estado atual e das principais intervenções – nomeadamente quanto à extensão,


natureza e calendário – contribuem para uma melhor compreensão das necessidades de conservação
a longo prazo, apresentando uma base para posteriores discussões e decisões (RAFIEE FANOOD;
SARADJ, 2013). Assim, a documentação dos monumentos é uma parte essencial do processo de
conservação (ICOMOS, 1996) e torna possível o compartilhamento das informações obtidas a partir
de inventários e bases de dados (LOURENÇO; PEÑA; AMADO, 2010), sendo este o primeiro
passo para a criação de um sistema funcional de gestão de um grupo de monumentos,
consequentemente apresentando subsídios às inspenções de rotina (RIVEIRO et al., 2011).

Soler-Estrela e Soler-Verdú (2015) sugerem uma metodologia específica para garantir a qualidade
de futuras intervenções, com base em experiências prévias, propondo a priorização de um profundo
conhecimento prévio sobre as propriedades (materiais, geométricas, arquitetónicas e histórico)
sobre o objeto analisado. Dentre esses aspetos destacam-se o contexto histórico e construtivo e o
conhecimento sobre a tipologia. Adicionalmente, os autores ressaltam que os estudos de caso
devem conter uma pesquisa detalhada sobre as atuais condições do objeto examinado (SOLER-
ESTRELA; SOLER-VERDÚ, 2015).

Essencialmente, a adoção de medidas de intervenções estruturais podem tornar a vida útil de uma
edificação praticamente ilimitada (BEKKER, 2011), contudo a adoção dessas medidas em bens de
valor histórico requerem um rigoroso controle, para que não se tornem desconcordantes com o

2
aspeto global da construção, sob a pena de descaracterização da obra. Seguindo esse preceito, é
sempre preferível abster-se de uma intervenção invasiva, como por exemplo, substituir materiais
genuínos de uma edificação por novos, de qualidade superior, seria uma alternativa unicamente de
ultima instância, visto que prioritariamente deve-se optar por condutas que não alterem a natureza
da construção e acordem com as escolhas adotadas pelo criador original, assegurando a manutenção
das características intrínsecas do edifício (BRANDONISIO et al., 2013).

Em Rafiie Fanood e Saradj (2013) avaliou-se o estado atual de conservação e os efeitos das
intervenções precendentes no Mausoléu de Ciro, o Grande. A partir dessa avaliação foi ressaltada a
necessidade crítica de um planejamento mais cuidadoso para as futuras intervenções. Com base na
discussão dos impactos das intervenções passadas e dos efeitos potencialmente prejudiciais de tais
intervenções, permitiu-se a sugestão da implementação de um plano sistemático de manutenção
personalizado, gerado conjuntamente com um estudo metódico das condições geoclimáticas,
objetivando retardar significativamente o processo de deteriorização.

Uma das obras arquitetónicas que necessita dessa atenção especial é a Igreja de Nossa Senhora da
Conceição, ou Igreja de Almofala, como é mais conhecida. Esta obra destaca-se pelo seu
movimento de grande força na paisagem urbana de uma pequena vila de pescadores, localizada no
distrito de Almofala, na cidade Itarema, região costeira do Estado do Ceará (IPHAN, 2014). Diante
do quadro no qual se encontram as informações existentes sobre esta igreja - fragmentadas e em
documentos de difícil acesso-, este trabalho concentra-se em conglomerar dados relevantes para a
sua conservação, através de um diagnóstico qualitativo, abrangendo um estudo histórico, apanhado
bibliográfico e entrevista com os moradores da região, no qual existe uma considerável preocupação
em um entendimento maior da significância das ações passadas, particularmente as intervenções
antecedentes, para explicar a estado atual da edificação e suplementarmente preservar estas ações.

2. Breve descrição histórica da Igreja de Almofala

Conforme Jucá Neto (2012), durante o século XVIII, com os primeiros desbravadores, a Igreja se
fixou no território cearense dando prosseguimento ao trabalho de catequese. Embora tardiamente, o
processo de conversão da capitania não foi diferente daquele empreendido em outras regiões
brasileiras, antecedendo o poder civil. Vários religiosos foram proprietários de sesmarias ou
estavam “integrados em congregações beneficiadas com doações de terras”. Assim o território
cearense foi pontuado por ermidas, capelas, aldeamentos pequenos e efêmeros que tiveram à frente,
na maioria das vezes, padres seculares e o aldeamento de Almofala estava entre eles.

A província de Almofala (Almo hala, do árabe, lugar de permanência temporária), segundo registros
do Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural (IPHAN, 2013), tem sua origem ligada à Carta Régia
de 8 de janeiro de 1697, que determinava ao governador do Maranhão a doação por Sesmarias, de
todas as terras necessárias aos índios Tremembés. Até 1696 o clima era de grande tensão entre os
Tremembés, índios que habitavam a região, e os portugueses. O Pe. Assenso Gago, da Companhia
de Jesus, mediou essa situação de tensão ao escrever ao Rei de Portugal mostrando-lhe a
conveniência de aldear os Tremembés, entregando-lhes sesmarias de terras entre o rio Aracaty-
mirim e do Timonha, atual Almofala. Sua majestade, por meio da Carta Régia 1697 respondeu à
solicitação do jesuíta, concedendo uma légua de terra aos Tremembé, bem como aos índios do
Ceará Grande, Pernambuco, Paraíba. Ordenou ao governador do Maranhão que não importunasse
esses índios e nem os apartassem dos lugares por eles escolhidos para viverem e ainda advertiu que

3
se os brancos tentassem apossar-se dessas terras seriam penalizados legalmente retirando-lhes as
próprias terras. Assim procedeu o Pe. José Borges Novais, em 1702, reunindo os Tremembé, em
torno da igreja de Nossa Senhora da Conceição no aldeamento, no sítio Aracaty-mirim, atual
Almofala, onde também ficaram os Tremembé que tinham sido aldeados em 1688 em Tutóia
(NASCIMENTO, 2011).

Inicialmente, bem próxima ao mar e ao rio Aracati-mirim, uma capela de taipa e coberta de palha
foram erguidas para que fosse colocado início às atividades de educação religiosa. No início do
século XVIII, nos anos de 1712 a 1758, no mesmo local da igreja provisória, houve a construção da
igreja já em alvenaria com uma mescla de técnicas eruditas e populares. A presença da igreja no
centro mostra como o distrito de Almofala cresceu ao seu redor (IPHAN, 2013).

Segundo IPHAN (IPHAN, 2013), o capitão-mor Manoel Rodrigues Ribeiro da Costa foi autor do
projeto e quem dirigiu os serviços de construção da igreja em homenagem a Nossa Senhora da
Conceição. Em 1710, o Padre José Borges de Novaes mudou-se para Almofala, como primeiro
missionário oficial da igreja. Conforme o padre Antônio Tomás (RAMOS, 1981):

“Existia ali a Irmandade de Nossa Senhora da Conceição, fundada


talvez ainda pelo Padre Novaes, sob cuja guarda e dependência
sempre se conservou a igreja. Compunha-se de gente melhor e mais
abastada não só daquela zona, como de diversas outras paragens
distantes do povoado vinte, trinta e mais léguas. Muitos dos que nela
era admitidos concorriam, logo no acto da entrada, com avultadas
esmolas, ora em gados, ora em dinheiro, e às vezes em ambas as
espécies, tonando-se ela assim possuidora de não pequenos haveres
que despendia generosamente com a manutenção da igreja e decência
e esplendor do culto”.

Em 1897, uma duna de grandes proporções foi deslocada por ventos marinhos e começou a avançar
em direção à igreja e as casas vizinhas, caracterizando o início do soterramento. Foi graças à outra
duna que o rio Aracati-mirim mudou de curso e transferiu sua desembocadura para mais ao leste,
fazendo com que a igreja ficasse mais afastada de sua margem. Com o agravamento da situação, em
1898, foi autorizada a retirada das imagens e peças de culto. O episódio foi um dramático capítulo
na história da população local (NASCIMENTO, 2011).

A parte leste da igreja foi a primeira a ser atingida pela duna que se aproximava aos poucos e, logo
depois, uma parte do teto desabou e a areia começou a invadir as naves da igreja. Durante o período
em que a igreja passou soterrada a população de Almofala foi se retirando das redondezas, pois
também suas casas iam sendo invadidas por areia e, aos poucos a cidade foi sendo abandonada. O
grande morro arenoso dali mudou-se após 45 anos. As condições da igreja, então, eram das mais
precárias, o que era de madeira havia se deteriorado e o que era de ferro, havia sido consumido pela
corrosão. Restara apenas a sólida estrutura de alvenaria (IPHAN, 2013) (Figura 1).

4
a) b)

Figura 1. Vista interna da Igreja de Almofala (a) e detalhe da torre sineira (b) após o soterramento. (Fonte: IPHAN CE,
2014

Após esses 45 anos de seu soterramento, iniciou-se em 1943, pela população, o processo de retirada
do restante da areia, o que levou por volta de três anos de trabalho. Dessa forma, segundo o Guia de
Bens Tombados do estado do Ceará, a comunidade e entidades eclesiásticas locais iniciam o
processo de restauração (NASCIMENTO, 2011). Entretanto, somente em 1982, o péssimo estado
de conservação da igreja mobilizou a população novamente, a fim de restaurá-la. Assim, foram
elaborados os projetos de reforma pela 3ª Regional da Fundação Nacional pró-Memória, ligada à
SPHAN, realizaram-se obras que mantiveram o desenho original da edificação (Tombamento
Federal, n° 652-T-62) (IPHAN, 2013; NASCIMENTO, 2011)

3. Caracterização arquitetônica

A igreja de Almofala é um dos poucos registros de seu estilo na região do extremo norte do Brasil,
exercendo uma função de conservação da consciência histórica da sociedade. Outros exemplos que
podem ser citados, quando se observam as igrejas cearenses, são as igrejas de Nossa Senhora da
Expectação (Matriz), e de Nosso Senhor do Bonfim, localizadas em Icó – CE, pois elas possuem a
mesma assimetria de composição nas frentes das igrejas e a proporção do escalonamento formado
pelo campanário, frontão central e lateral é mesmo bastante próximo ao que se observa na Igreja de
Nossa Senhora da Conceição de Almofala. O que a faz única e causa admiração, dentre outros
detalhes, é o risco erudito da torre, apenas um pouco baixa demais para o volume que possui
(IPHAN, 2013).

O desenho que mais se aproxima ao da torre campanária da igreja de Almofala é o da torre da igreja
do Carmo do Recife, de 1767, outras que possuem riscos semelhantes (por exemplo, do Pilar, em
Salvador) são, como a do Carmo, posteriores a data de 1758; o que atribui ao risco do campanário
da igreja de Almofala uma qualidade inovadora, além de erudita. Também com maior erudição e
mais evoluído do que as volutas rampantes do frontão, apresenta-se o desenho dos emolduramentos
das janelas (IPHAN, 2013).

A arquitetura da Igreja de Almofala é caracterizada como sendo barroca pois tem relação com a
crença religiosa e apresenta-se exuberante com formas e detalhes arredondados e com curvas, o que
caracterizava as obras desse estilo. Possuem irregularidades nas formas e relevos que dão a
sensação de movimento.
5
Conforme o Guia dos bens tombados do Estado do Ceará (IPHAN, 2014), trata-se de um a obra de
significativo valor arquitetónico, em sua concepção barroca. Vale ressaltar que a fachada principal,
com empena de ponto elevado, arrematada por volúpias rampantes de desenho popular, bem como a
torre única lateral, que, como descreve Castro (1965) se destaca como elemento mais elaborado,
com acabamento em coroamento elegante e de origem erudita e no local onde deveria existir uma
segunda torre, que daria simetria à composição, foi erguida somente a caixa de sustentação,
arrematada por uma sineira independente, com risco de aspeto oriental (indo-português) (Figura 2).
Indubitavelmente um dos mais belos templos do Ceará, datado do século XVIII.

De acordo com (BEZERRA, 1965), em documentação do instituto Pró-memória, a igreja não exibe
qualquer parentesco plástico com as obras padronizadas e facilmente identificáveis da Companhia
de Jesus. Há também discussões de outras fontes, dentre os muitos interessados na história e nos
envolventes da Igreja de Almofala, sobre a sua única torre ter exagero de detalhes, diferentemente
das outras partes da fachada e restante da igreja.

Figura 2. Esquema da fachada frontal e fachada lateral.

A fachada principal, voltada para Oeste, é composta por um tramo central mais elevado,
correspondente à nave da igreja, e dois tramos laterais mais baixos, correspondentes aos corpos
anexos. A separação das três partes é demarcada por duas pilastras coroadas de pináculos, um
motivo que é repetido em escala menor nos cunhais do edifício. Esse contraste de escala, verificado
também entre a grande porta central e as portas dos tramos laterais, cria um movimento ascendente
em direção ao centro e é especialmente influente na expressividade da fachada. Esse efeito é
largamente ampliado pela forma triangular do remate superior do tramo central.

Esse tramo central contém quatro aberturas: ao centro e ao nível do chão situa-se a grande porta
principal, cuja altura quase atinge a metade da fachada; flanqueando-a, estão duas grandes janelas
retangulares, que se abrem a grande distância do piso e atingem o nível das pilastras; logo acima
desse nível, já na área triangular do alçado, existe um pequeno óculo quadrilobado centrado com a
porta. As três maiores aberturas (a porta e as duas janelas) são os únicos elementos delimitados em
cantaria; sobre o lintel da porta encontra-se uma cornija muito simples, também em cantaria. A
parte superior triangular do tramo central é orlada de uma sucessão de pequenas volutas e coroada,
no seu ápice, por uma cruz. Imediatamente abaixo do ápice, ao centro, abre-se um nicho em arco.

Os dois corpos laterais contêm, cada um, uma porta ao nível do chão, centrada entre as duas
pilastras. Com as suas molduras brancas, elas constituem o único elemento decorativo nos muros
lisos do rés-do-chão. Na sua parte superior, cada muro é rematado por uma pequena cornija que não
6
cobre toda a sua largura. Os intervalos entre a cornija e as pilastras são completados com dois pares
molduras curvas rematadas por volutas, dispostas em dois níveis e em planos diferentes. Cada
cornija serve de base a um pequeno campanário em arco, com remate superior triangular orlado de
pequenos elementos curvos, tal como o do corpo central. O campanário do lado Sul é cego e
apresenta um sino em alto-relevo. O campanário Norte está inserido na superfície mural da torre
sineira, fazendo parte do seu primeiro andar.

A torre sineira, situada a Norte e participando no desenho da fachada, é o elemento que quebra a
simetria de toda a composição. É dividida em dois andares. O primeiro, de planta quadrada,
apresenta quatro grandes pilastras nos cantos, entre as quais se abrem os quatro arcos do
campanário, cujo desenho foi descrito acima. As quatro pilastras suportam um entablamento
completo, com arquitrave, friso e cornija. O segundo andar apresenta quatro pináculos, que
prolongam as pilastras do primeiro andar, e um corpo central octogonal. Esse corpo apresenta uma
base prismática simples, que se desenvolve num lanternim mais estreito e mais ornamentado, com
quatro aberturas ovais, e é coroado por um coruchéu formalmente complexo.

4. Breve caracterização dos materiais

Há relatos de que o material utilizado na construção da Igreja de Almofala, como a pedra trabalhada
com superfície irregular , a madeira – Cedro baiano -, as telhas que tinham 80cm e os tijolos que
pesavam em torno de 5kg, tenham sido trazidas da Bahia, por via Naval, em barcos que
transportavam o charque, até onde atualmente fica a cidade de Acaraú e eram levados até Almofala
em carros de bois, processo bastante demorado (IPHAN, 2013).

Os materiais de sua estrutura, como os tijolos e as pedras ainda são os mesmos desde sua
construção. Alguns materiais foram trocados, como toda a madeira, deterioradas pela umidade,
ocasionando fungos e bolores e as telhas que não suportaram o peso da duna e quebraram.

5. Principais intervenções realizadas

Segundo Zancheti (2009 apud Pinto & Moreira, 2011), a conservação é uma atividade que visa à
manutenção dos objetos patrimoniais. Ela trata os valores dos edifícios ou de outros tipos de bens
para que eles continuem transmitindo seu significado ao passar do tempo. Assim, ele complementa:
Os objetos da conservação são artefatos materiais que adquirem valores reconhecidos por uma
determinada sociedade e considerados importantes de serem transmitidos para gerações futuras.
Portanto, a conservação de um objeto é dependente dos valores que a sociedade atribui aos mesmos
de forma coletiva. São objetos do passado e do presente.

Em 2012, a igreja de Almofala completou 300 anos de existência, tendo desde sua construção
algumas reformas, sendo as mais significativas realizadas após seu soterramento. Abaixo seguem as
principais intervenções realizadas, segundo arquivos do IPHAN, em sequência os reparos que
houveram.

A primeira intervenção à Igreja de Almofala ocorreu em 1943, quando a duna se afasta e a


população retorna a cidade para realizar reparos e retomar as atividades de culto religioso. Essa
reforma recebe importante destaque pois foi a realizada pelo Lions Club de Acaraú, em 1983, com
ajuda financeira da população, que realizou leilões e bingos. Sem contar com auxílio profissional.

7
A partir do reconhecimento da igreja como patrimônio histórico nacional as manutenções e
reformas foram realizadas por pessoal especializado do área de uma construtora contratada com a
supervisão de corpo técnico do IPHAN para o fim de conservação e implementação de técnicas que
mantivessem e/ou copiassem fielmente o desenho original.

A segunda intervenção realizada data de janeiro de 1983, e consiste na primeira etapa de


reabilitação realizada pelo Instituto Brasileiro de Patrimônio Histórico e Cultural (IBPC) e
Fundação Nacional Pró-memória. Essa etapa teve custo de 4 milhões de cruzeiros e consistiu na
recuperação do telhado, demolição do reboco, demolição da coberta da nave e da capela-mor,
execução de madeiramento, telhamento da coberta, imunização do amadeiramento, execução do
reboco, tabuado do coro e esquadrias. Foram reaproveitadas em torno de 50% das telhas e as outras
foram construídas de acordo com as originais; houve ainda fixação de 3 coruchéis, com introdução
de argamassa, e garantia de forma e prumo. As portas e janelas foram recuperadas e as que se
apresentavam mais deterioradas foram substituídas por madeira equivalente. As pinturas das
paredes e esquadrias externas e internas tiveram tratamento prévio da alvenaria com selador antes
de receber a pintura em locais de maior umidade. Só então executada a pintura com cal e um aditivo
fixador. Quanto à demolição e raspagem, foram realizadas a partir de processo mecânico (raspagem
com espátula) seguido de lixamento para preparação da nova pintura. As pinturas de portas e janelas
foram removidas com a aplicação de soda cáustica e limpeza de todas as peças, as mesmas foram
lavadas com água e receberam uma lavagem complementar com vinagre e água. Procedeu-se ainda
com a impermeabilização dos pisos em tijoleira com aplicação de selador penetrante e os vãos,
quadros e fechamentos foram recuperados obedecendo fielmente as fotos da edificação de antes do
soterramento. As portas e janelas foram tratadas com uma substância para imunização e
posteriormente pintadas com esmalte sintético em 2 demãos.

A terceira intervenção ocorreu de julho a dezembro de 1983 e consistiu em completar os serviços da


igreja e agenciamento da praça fronteira mesma. Essa etapa teve custo de 6 milhões de cruzeiros e
mais detalhadamente incidiu em: Agenciamento da área externa: iluminação do monumento,
objetivando valorizar sua volumetria; Tratamento da área de entorno: cobertura vegetal e
pavimentação para fixação de areal circundante; Recolocação da rede pública de energia, de
maneira que não interferisse o componente visual da edificação. A figura 3 mostra o aspeto da
fachada após a finalização desta etapa de intervenção.

Figura 3. Fachada antes de todas as reformas (à esquerda) e fachada após reforma de 1983 (Fonte:
IPHAN CE, 2014).
8
Em 1997 teve inicio a quarta intervenção à Igreja de Almofala. Com a visita anual de fiscais do
Instituto Federal responsável pelo tombamento, viu-se a necessidade de uma nova reforma, dessa
vez incluindo apicuamento das pedras dos arcos da porta da frente, das lateria e do altar. Além de
recuperação do piso em pedra da capela-mor e recuperação do beira em beira-seveira.

A quinta reforma ocorreu em 2005, mais alguns reparos foram solicitados, como a realização
técnicas de manutenção preventiva, pois observou-se a presença de algumas manifestações
patológicas, como infiltrações e faixas de eflorescência. Essas manifestações patológicas estão
associadas com a permeabilidade à água das paredes da Igreja. Outro problema observado é a
presença de microfissuras no cobrimento, causada por retração hidráulica na pintura à base de cal.
Pode-se perceber também o exercício incorreto de técnicas corretivas, que não compatibilizam os
materiais originais da construção, como a aplicação de massa corrida, de base cimentícia, em parte
da parede sem reboco, sem preparo do local para recebimento do material. Os resultados desta
reforma são mostrados nas Figuras 4 e 5.

Figura 4. Torre da igreja ainda sem reparos (à esquerda) e torre da igreja após a reforma de 2005 (à direita) (Fonte:
IPHAN CE, 2014).

Figura 5. Vista frontal e lateral da Igreja de Almofala após a intervenção de 2005.

6. Situação de conservação atual

A igreja de Nossa Senhora da Conceição de Almofala atualmente continua com as atividades de


culto religioso e seu estado físico pode ser considerado relativamente bom (Figura 6). Ela é
submetida a reparos de conservação não estruturais todos os anos, para a festa da padroeira. Esses
9
reparos são apenas referentes à pintura e não há cuidado para que a tinta utilizada manche as portas,
janelas, telhado e peças componentes da igreja, dentre outros descuidos.

Um fato importante a se mencionar é que há necessidade de maior atenção à cultura e passagem da


história e costumes aos nativos e turistas, por meio de pesquisas sobre o patrimônio cultural,
incluindo os imateriais, desenvolvimento de práticas educativas para jovens e crianças locais, para
preservação da história, e promoção de palestras para integração histórico/cultural.

Dentre os danos acima referenciados, à degradação da madeira das esquadrias e descascamento da


pintura, tanto das paredes como de todas as portas e janelas (Figura 7) deve ser destacado. Esses
problemas não se devem somente ao descuido por parte humana, mas também e principalmente a
incidência direta ultravioleta, variação térmica, chuva e exposição a cloretos (maresia).

Figura 6. Estado atual de conservação da fachada frontal (à esquerda) e lateral (à direita) da Igreja de Almofala.

Figura 7. Detalhe da madeira desgastada em janela externas da Igreja de Almofala.

7. Considerações adicionais

A igreja de Almofala é pequena, mas carrega muita história. Ela foi inspiração para grandes
escritores, como Carlos Drummond de Andrade no texto “Areia e vento” em 1946 e para Padre
Antônio Tomás na monografia “Almofala” nos anos em que morou perto da igreja e por isso,
simplesmente pelo fato de carregar histórias que envolvem índios, negros, portugueses e nativos no

10
litoral do interior cearense ou por ter sofrido um soterramento e se mantida em pé, merece o
respeito e conservação por parte de todos.

Tendo contato com os moradores, percebe-se como é dada seriedade a história de seus antepassados
em suas memórias e o respeito que têm ao seu patrimônio conservado. A população demonstra ser
conhecedora da história da Igreja de Almofala. Abaixo seguem informações passadas por cidadãos
que ouviram ou viram algum fato relevante com a igreja de Nossa Senhora da Conceição de
Almofala. É importante destacar que as histórias passadas acabam sendo distorcidas, por isso, não
se atesta com certeza a veracidade das mesmas:

 O seu piso original era de feito de madeira e abaixo desse piso eram sepultados pessoas
importantes para a comunidade e o seu desenvolvimento religioso;
 A mão de obra utilizada foi a escrava, de uma Senzala que havia em uma comunidade que
atualmente chama-se Patos;
 Há quem diga que há um túnel que vai da igreja até o mar;
 Percebe-se, até pela semelhança dessa igreja com outras no litoral do Brasil, que deveriam
ter construído duas torres iguais, mas por falta de material foi feita apenas uma, do lado
esquerdo;
 Suas paredes medem em torno de 77 cm e seus tijolos pesam aproximadamente 5 Kg;
 A cruz que fica atualmente no centro alto da igreja foi feito por um morador muito tempo
após a reforma de 1983, ou seja, recentemente;
 A maioria das telhas originais se deteriorou com o soterramento, mas as colocadas em seus
lugares possuem as mesmas dimensões, com comprimento de aproximadamente 70 cm;
 Duas peças da única torre construída estão soltas e uma peça do lado direito que,
possivelmente, deveria haver outra torre, até recentemente tinha sua ponta destruída, mas
atualmente está reconstituída;
 Até que o calçamento fosse feito, havia muitos desníveis no solo ao seu redor e por ação dos
ventos a terra que ficava abaixo do alicerce estava sendo cavada;
 A igreja de Almofala já foi bem próxima à praia, de acordo com histórias contadas a igreja
foi construída à beira mar, hoje o mar fica a poucos quilômetros da igreja;

A igreja não conta com nenhum sino original. Antes, possuía quatro, mas devido aos roubos que
envolviam também as imagens de santos da igreja, esses bens foram sendo perdidos. Atualmente, a
igreja conta com apenas um sino comprado pela comunidade;

8. Considerações finais

Considerando que a Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Almofala completou 300 anos de
existência em 2012, encontra-se em ótimo estado de conservação. Apesar de ter sofrido efeitos
naturais severos, o que prejudicou seu desempenho máximo, a mesma permaneceu erguida,
demonstrando a qualidade dos materiais que formam sua estrutura. Em sua condição de
conservação atual considera-se que a obra permanecerá mantendo viva a história de um povo por
muito tempo, no entanto as práticas de manutenção não são adequadas, muitas vezes a igreja é
tratada como uma edificação comum e não um bem arquitetônico reconhecido como patrimônio
histórico nacional. Há em documentos do Iphan, referentes a reformas e intenções de melhorias,
alguns pontos que visam melhorar as condições da igreja no ponto de vista estético e turístico,
como, por exemplo, a retirada da fiação de energia elétrica que passa muito próximo à Igreja,
alguma medida que impeça o trafégo de veículos na sua frente, além da contratação de técnicos
especializados em tratamentos de edificações históricas.
11
Agradecimentos

Prestam-se agradecimentos a Antônio Marcos Muniz Graça, que, inclusive, é autor do hino de
Itarema, e como esteve presente na reforma de 1983, forneceu muitas informações importantes para
esse trabalho. Agradecimentos também à Eronildes Muniz do Nascimento, autora de ‘Análise da
degradação ambiental decorrente do processo de uso e ocupação das dunas da praia de Almofala
no município e Itarema’. Também a Superintendência do IPHAN de Fortaleza-CE que deu acesso à
documentação referente a Igreja. Além, é claro, da população de Almofala que tanto contribuiu com
informações passadas de geração em geração.

Referências bibliográficas

BEKKER, P. C. F. Modeling of Lifetime Performance in Building: A Probabilistic Deliberation


Towards Conservation. International Journal of Architectural Heritage, v. 5, n. 4-5, p. 395–411,
2011.

BEZERRA, A. Notas de Viagem. Fortaleza: Imprensa universitária do Ceará, 1965.

BRANDONISIO, G. et al. Restoration Through a Traditional Intervention of a Historic


Unreinforced Masonry Building “Palazzo Scarpa” in Naples. International Journal of
Architectural Heritage, v. 7, n. 4, p. 479–508, 2013.

CASTRO, J. L. Igreja de nossa Senhora da Conceição de Almofala. Fortaleza: [s.n.].

CIB. Guide for the Structural Rehabilitation of Heritage Buildings. 1. ed. Rotterdam: CIB,
2010.

DIAZ, C. et al. Preventive Intervention in a Group of Buildings Located in the Historic Centre of
Manresa (Barcelona). International Journal of Architectural Heritage, n. June 2015, p.
150527102237009, 2014.

ELLINGWOOD, B. R. Reliability-based condition assessment and LRFD for existing structures.


Structural Safety, v. 18, n. 2-3, p. 67–80, 1996.

ICOMOS. Charter for the Protection and Management of the Underwater Cultural Heritage. n.
October, 1996.

ICOMOS. Icomos Charter- Principles for the Analysis , Conservation and Structural
Restoration of Architectural HeritageInternational Council on Monuments and Sites.
Thessalonik: [s.n.].

IPHAN. Acervo da 4a SR do IPHAN. Fortaleza: [s.n.].

IPHAN. Guia dos bens tombados do Estado do Ceará. Fortaleza: [s.n.].

JUCÁ NETO, C. R. Os primórdios da organização do espaço territorial e da vila cearense: algumas


notas. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, v. 20, n. 1, p. 133–163, 2012.
12
LOURENÇO, P. B. The ICOMOS methodology for conservation of cultural heritage
buildings : concepts , research and application to case studiesProceedings of the International
Conference on Preservation, Maintenance and Rehabilitation of Historic Buildings and Structures.
Anais...Tomar: Green Lines Institute, 2014

LOURENÇO, P. B.; PEÑA, F.; AMADO, M. A Document Management System for the
Conservation of Cultural Heritage Buildings. International Journal of Architectural Heritage, v.
5, n. 1, p. 101–121, 2010.

NASCIMENTO, E. M. Análise da degradação ambiental decorrente do processo de uso e


ocupação das dunas da praia de Almofala no município e Itarema. [s.l.] Universidade Estadual
do Ceará, 2011.

RAFIEE FANOOD, M.; SARADJ, F. M. Learning from the Past and Planning for the Future:
Conditions and Proposals for Stone Conservation of the Mausoleum of Cyrus the Great in the
World Heritage Site of Pasargadae. International Journal of Architectural Heritage, v. 7, n. 4, p.
434–460, 2013.

RAMOS, D. T. Padre Antônio Tomás. A Fortaleza, n. Oficinas gráficas, 1981.

RIVEIRO, B. et al. A Methodology for the Inventory of Historical Infrastructures: Documentation,


Current State, and Influencing Factors. International Journal of Architectural Heritage, v. 5, n.
6, p. 629–646, 2011.

SOLER-ESTRELA, A.; SOLER-VERDÚ, R. Restoration Techniques Applied to Tile Dome


Conservation in the Western Mediterranean. Valencia, Spain. International Journal of
Architectural Heritage, n. July, p. 150527102237009, 2015.

PINTO, F.L.H.; MOREIRA, F.D. A autenticidade na conservação da arquitetura moderna: o


caso do concreto. IBRACON, 2011.

13

View publication stats

Você também pode gostar