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Shedd O Mundo A Carne e o Diabo PDF
Shedd O Mundo A Carne e o Diabo PDF
ODIABO
RUSSELL SHEDD
Bibliografia.
ISBN 85-275-0031-0
Os editores
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Introdução
o cristão vive no inundo, mas não é do mundo (Jo 17.14); pelo menos
não deve ser. O tema deste livro levanta o enigma mais desafiante: qual é
a relevância de Jesus Cristo na situação em que o cristão vive? Ou
indagaríamos de outra forma: como o crente deve se identificar com a
cultura ao seu redor? H. Richard Niebuhr, em seu famoso livro Cristo e
Cultura, define a cultura como o ambiente secundário que a humanidade
impõe à ordem natural (o mundo físico). A cultura é composta de língua,
hábitos, idéias, fé, costumes, organização social, invenções, processos
tecnológicos e valores. O Dr. Theodore Williams, da Missão Evangélica
da índia, nos lembra de que “toda cultura é manchada pelo pecado, seja
ela americana ou africana, britânica ou indiana. Deve ser colocada
debaixo de escrutínio da Palavra de Deus e purificada de tudo que não
1
seja cristão...” Estas eram a herança e a condição de vida que os escritores
do Novo Testamento queriam comunicar com o termo “mundo”.
Queiramos ou não, a cultura se mantém em fluxo constante. Em
poucas décadas podemos notar grandes e pequenas mudanças nas idéias
e práticas da sociedade. O mesmo ocorre com a Igreja. Não há como parar
o tempo e afastar todas as influências mundanas. Essas mudanças no
comportamento geram muita tensão e, ocasionalmente, frustração. Se as
idéias e os valores que se supõe terem sido moldados sob a orientação
imutável da Palavra de Deus não valem mais, onde estaria a rocha sobre
a qual deveríamos lançar os alicerces de fé e prática? Como a Bíblia vê
esse nosso mundo moderno e sua influência tão difundida nas igrejas?
Desejamos reexaminar a avaliação bíblica do mundo, da “carne”
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o MUNDO, A CARNE E O DIABO
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Mundo: Criação e Inimigo
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o MUNDO, A CARNE E O DIABO
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MUNDO: CRIAÇÃO EINIMIGO
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0 MUNDO, A CARNE E O DIABO
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MUNDO: CRIAÇÃO E INIMIGO e
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o Mundo e o Século
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o MUNDO E O SÉCULO
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o MUNDO, A CARNE E O DLABO
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o MUNDO E O SÉCULO
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o MUNDO, A CARNE E O DIABO
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o MUNDO E O SÉCULO
Calvino e os reformadores postulavam que a Bíblia era a suprema
autoridade. ^A possibilidade de discordar da instituição foi revolucionária.
Lutero teria morrido pela sua temeridade, da mesma forma que João Hus
e Savonarola, se não fosse a proteção que o príncipe Frederico lhe
'1
concedeu.
Galileu Galilei foi proibido pela Igreja de ensinar que a Terra girava
em torno do Sol. Retratou-se de sua declaração para não ser morto (1616)
e viveu o resto da vida preso em casa, devido à discordância com a
autoridade eclesiástica. Deflagrou-se o conflito entre a ciência e a religião,
que repercute até o presente.
O espírito revolucionário contra o rei e a autoridade alastrou-se pela
França no fim do século XVIII. As colônias da América do Norte
declararam sua independência da Inglaterra. Passo a passo, o ideal da
liberdade democrática ganhou ímpeto com o desenvolvimento da
interpretação materialista da realidade. O ateísmo prático, senão
totalmente filosófico, teve seus heróis em figuras como Feuerbach na
Alemanha, o anarquista Bakunin e Büchner da Revolução Francesa. É
significante notar que Voltaire, o intelectual mais famoso do século,
recusava-se a conversar acerca do ateísmo na presença das empregadas,
porque a religião sustenta a moralidade.^ Napoleão também expressou a
opinião de que a religião é o que segura os pobres, evitando que
assassinem os ricos.
K. Marx desenvolveu sua teoria de determinismo materialista
fundada na visão utópica da igualdade de todo ser humano. Recusou-se a
aceitar a criação, apoiando sua visão de autonomia humana em um
universo autogerador. A euforia invadiu o mundo ocidental no século XIX,
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o MUNDO, A CARNE E O DIABO
1. Ibid., p. 58.
2. A Ciência Desprendida.
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o MUNDO E O SÉCULO
1. A . M. Nicholi Jr., “Hope: the Essential Ingredient of Physical and Emotional Health”,
Veritas Reconsidered, ed. G. A. Hangen (Cambridge, MA: Mémorial Church), 1986, p.
36.
2. Citado por K. Bockmuehl, op. cit, p. 58.
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o MUNDO E O SÉCULO
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í . K. Bockmuehl, p. 63.
2. L. Newbigin, op. cit, p. 355.
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o Mundo: A Rede que nos Prende
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o MUNDO, A CARNE E O DIABO
1. O vocábulo grego adiMa pode indicar que ele era desonesto ou que era “mundano”,
agindo sabiamente nessa situação.
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o MUNDO: A REDE QUE NOS PRENDE
1. Nunca devemos esquecer de orar pelos nossos irmãos na fé, que sofrem perseguições
em países hostis ao cristianismo.
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o MUNDO: A REDE QUE NOS PRENDE
comemoravam o aniversário de uma menina, perto do Jardim Miriam, na
cidade de São Paulo, em agosto de 1989. A alegria se transformou em
lágrimas e prantos no instante em que o piso cedeu e quinze pessoas
caíram no poço. Vários morreram afogados e outros ficaram gravemente
feridos.
Jesus nos adverte solenemente contra a ansiedade que a vida cria no
homem. Em sua interpretação da parábola do semeador (Lc 8.11-15), as
preocupações foram comparadas aos abrolhos e espinhos que sufocam a
vida nova em Cristo (v. 14). À medida que cresce o temor a Deus, diminui
nosso medo dos homens, da natureza e de eventos imprevisíveis.
É somente como crianças que ingressamos no reino (Mc 10.15), e
toda criança bem cuidada sabe que não tem motivo algum para se
preocupar. Os bons pais inculcam confiança tal que o medo do futuro
mantém-se desconhecido. Isso também ocorre com os filhos de Deus que
confiam suas vidas aos cuidados do Pai. Mas Deus é invisível. O mundo
está presente e é palpável a toda hora, trazendo-nos a tentação de
abandonar a vida alicerçada na fé, para buscar a segurança no mundo.
A famosa senhora holandesa, Corrie Ten Boom, que foi presa pelos
nazistas nos anos sombrios da última guerra mundial, lembra num livro
seu a preocupação que sentia quando, ainda menina, viajava com o pai de
Haarlem para Amsterdã. O trem se aproximava, mas Corrie não tinha a
passagem na mão. Mas o sábio pai tranquilizava a filhinha: “Não te
preocupes; no instante em que precisares da passagem eu te darei!” Deus
acalma os corações daqueles que lhe pertencem, como Jesus, enquanto
caminhava em cima das vagas do mar da Galiléia. Os discípulos
imaginavam que o desastre brevemente os alcançaria. As palavras de
Jesus: “Sou eu, não temais” (Jo 6.20), ainda valem para todos os discípulos
do século XX, que vêem no mundo uma incontável hoste de ameaças. Se
pudermos crer na promessa de Jesus Cristo: “Eis que estou convosco até
o fim do século” (Le., mundo, Mt 28.20), experimentaremos a paz que
ultrapassa todo entendimento (Fp 4.7). A graça de Deus é suficiente para
enfrentarmos todos os possíveis desafios do mundo (2 Co 12.9).
Toda preocupação suscitada pelas condições do mundo é pecado. A
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o MUNDO, A CARNE E O DIABO
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o MUNDO: A REDE QUE NOS PRENDE
1. A Serious Call to a Devout and Holy Life, ed. J. M eister e outros (Filadélfia;
Westminster), 1955, p. 39.
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o MUNDO: A REDE QUE NOS PRENDE
1. Jacques EUul, The New Demons (Nova Iorque: Seabury Press), 1975, tradução de C.
Edward Hopkin, p. 23.
2. Jacques EUul, op. cit, p. 15.
3. U m sugestivo título do livro de J. H. EUiott (São Paulo: Paulinas), 1985, citado por E.
MueUer, / Pedro (São Paulo: Vida Nova), 1988, p. 38.
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o MUNDO: A REDE QUE NOS PRENDE
1. Compare as palavras de Sebastião, irmão de uma igreja do Rio: “Às vezes confio muito
nos irmãos da igreja... Mas às vezes... é, como diria, pela metade. Há alguns que são
descontrolados em sua maneira de viver. Então não posso ser fiador dessa pessoa que
se tornará um embaraço. H á alguns irmãos que ajudam os outros com todo prazer e
alegria...” J. Page, Brasil Para Cristo, uma dissertação não publicada apresentada como
trabalho de doutoramento na Universidade de Nova Iorque em 1984, pp. 313,314.
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1. o Pregador, Sua Vida e Obra, citado por J. D . Barnett, “Ifeologia Pastoral”, apostila do
Seminário Bíblico Goiano, p. 4.
2. O Pastor Aprovado (São Paulo: PES), 1989, p. 74s.
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o MUNDO: A REDE QUE NOS PRENDE
mantido por Ele (Cl 1.17) que não duvida de que toda a ordem criada é
dada para os homens usufruírem.^ A perversão que existe no mundo não
faz parte de sua natureza intrínseca, como argumentavam os gnósticos.
“Pois tudo que Deus criou é bom, e, recebido com ações de graça, nada é
recusável” (1 Tm 4.4), foi a resposta inspirada de Paulo aos enganados
inimigos do evangelho. O perigo do mundo jaz na soberba que emana
naturalmente do “espírito do mundo” (1 Co 2.12), que exalta a inteligência
dos entendidos e a sabedoria do mundo (1 Co 1.19s.). Não somos
profanados pela matéria criada, mas pela soberba e o uso indevido do
mundo para controlar os homens (1 Jo 2.16).
Foi a glória e o poder do mundo que o diabo ofereceu a Jesus, após
ter lhe mostrado “num momento todos os reinos do mundo” (Lc 4.5). O
fato de Satanás poder dizer: “Toda esta autoridade e a glória desses
reinos... dou a quem eu quiser” (v. 6), mostra como o mundo se tornou o
instrumento de sua rebelião contra Deus. Por ser o “deus deste século” (2
Co 4.4), entendemos que os que se recusam a ter Deus como soberano se
submetem consciente ou inconscientemente aos desígnios do demônio.
João afirma que “o mundo inteiro jaz no maligno” (1 Jo 5.19). Como
príncipe deste mundo. Satanás espalha nele sua influência {cf. Jo 12.31;
14.30; 16.11). Ele anima o “espírito do anticristo... presentemente já está
no mundo” (1 Jo 4.3), de maneira que, na realidade, o reino das trevas,
composto dos súditos humanos e espirituais do demônio, organiza e
sustenta a oposição contra Cristo e sua Igreja.
Devemos ficar cientes então de que os filhos de Deus e os filhos do
diabo (Jo 8.44) são os únicos agrupamentos básicos em que o mundo
humano se divide. A vinda de Jesus para o mundo na encarnação e sua
vitória sobre o mundo pela sua vida perfeita e conquista das trevas na cruz
deram-Lhe plenos direitos sobre o cativeiro (Cl 2.15; Ef 4.8). “Nisto se
manifestou o amor de Deus em nós, em haver Deus enviado o seu Filho
unigênito ao mundo, para vivermos por meio dele” (1 Jo 4.9). Toda
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autoridade foi dada a Jesus Cristo no céu e na terra (Mt 28.18). Ele deve
reinar até “que haja posto todos os inimigos debaixo dos seus pés” (1 Co
15.27). Ainda não foram destruídos todos os principados, potestades e
poderes (v. 25) e, por isso, continua a luta do cristão contra os dominadores
deste mundo (Ef 6.12, kosmokratoras). É o controle sobre o mundo
humano que interessa a Satanás e os seus aliados. Nas palavras de John
Milton: “O reinado vale pela ambição, mesmo no inferno. É melhor reinar
no inferno do que servir no céu”.^ Este sentimento acalentado pelo Diabo
contamina tudo. Segundo R. Foster: “O pecado do Jardim (do Éden) foi
0 pecado do poder”.^
A ameaça da tentação do mundo não assusta muitos líderes
evangélicos. O caso do famoso casal Jim e Tammy Bakker dá força ao
argumento. Em 1976, o ministério de PTL (Praise the Lord — “Louvem
ao Senhor”) operava em bases precárias. A sede humilde não refletia
confiança nos recursos humanos. Um ano depois, instalados num prédio
novo e moderno, sua maneira de lidar com as pessoas tinha mudado de
modo sensível. Dr. Charles Colson explica este fenômeno como a
“síndrome Imelda Marcos”, que raciocina da seguinte maneira: “Já que
estou nesta posição, tenho o direito de fazer o que quero”.
Não é de admirar que Jim Bakker tenha ficado tão distante do ideal
cristão, não tendo sido capaz de reconhecer o pecado da fraude e a
obrigação de pagar o imposto de renda. Como o profano Esaú, “não achou
lugar de arrependimento, embora, cora lágrimas, o tivesse buscado” (Hb
12:17).
O poder tem uma facilidade inata de corromper qualquer líder que
exerça o direito de manter controle sobre a vida dos outros. A tentação do
poder nos atrai da mesma maneira com que atraiu a Eva, prometendo-nos
o privilégio mais cobiçado de sermos mais parecidos com Deus. Satanás
achou que Jesus cairia diante da tentação de ter a autoridade e a glória de
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todos OSreinos do mundo (Lc 4:5s.). Não tinha notado que Cristo ensinava
e praticava a seguinte exortação: “O maior entre vós seja o menor; e
aquele que dirige seja como o que serve” (Lc 22:26).
Não é apenas nas áreas políticas que o culto à personalidade ganha
subsídios. Quando a autoridade que pertence a Cristo é usurpada por
qualquer líder, as conseqüências são previsíveis: a violação psíquica
(lavagem cerebral) das massas; o orgulho de pertencer a um grupo
superior dominado por um líder do tipo “deus encarnado”, que conduz a
um fanatismo estreito e irrefletido; a utilização de punições que produzem
submissão e a adoção de uma ética que valoriza somente aquilo que é
desejado pelo grupo. Estas e outras características do modelo sectário
encaixam-se nitidamente no conceito global do “mundo” segundo a
Bíblia.^
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o MUNDO, A CARNE E O DIABO
tudo O que é nascido de Deus vence o mundo, e esta é a vitória que vence
o mundo, a nossa fé” (1 Jo 5.4). Neste versículo, os crentes reais venceram
(particípio aoristo) definitivamente pela sua fé. Rejeitaram de vez a
tentação de seguir os hereges {cf. 1 Jo 4.4). O mundo seria, de acordo com
o comentarista Westcott, “o sistema que reúne a soma de todos os poderes
limitados e transitórios opostos a Deus, que dificultam a obediência”.^
2) O mundo deve ser derrotado pela cruz. Disse Paulo: “Mas long
esteja de mim gloriar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela
qual o mundo está crucificado para mim, e eu para o mundo” (G16.14). O
famoso pastor de Cambridge, Charles Simeon, comenta: “Aos olhos do
apóstolo, o mundo era um objeto crucificado. Ele mesmo foi crucificado
em relação ao mundo. Para uma pessoa que está padecendo numa cruz,
o mundo não é um objeto desejável, qualquer que seja seu valor para nós.
Logo que morrer, o crucificado terá seu corpo sepultado, fora de nossa
vista. Ele não pode esperar quaisquer daqueles confortos que ganhava
outrora... Mas o apóstolo acrescenta que ele estava crucificado para o
mundo. Isto não quer dizer que o mundo o tivesse desprezado ou quisesse
que ele ficasse sepultado fora da sua vista. A expressão sugere que, para
ele, o mundo era um objeto crucificado. Ele contemplava todas as coisas
no mundo como um homem que estava morrendo numa cruz. Pode ser
que 0 amasse intensamente antes, mas agora não o ama mais. Pode ser
que tivesse buscado os seus prazeres, suas riquezas e suas honras com o
mais insaciável ardor; agora não almeja nada dele... Seria como o ladrão
penitente na cruz: mesmo que tivessem oferecido coroas e reinos para
gozar durante as poucas horas restantes de sua vida, não teriam valor
algum para ele”.^ A visão de Jesus exaltado na estrada de Damasco fez
com que os valores de Saulo de Tarso virassem de cabeça para baixo. Os
mais valiosos benefícios jamais contemplados pelos homens vieram pela
1. Citado por J. R. W. Stott, I, II, IlIJoão, Introdução e Comentário (São Paulo: Vida Nova),
1988^ p. 150.
2. Citado por John R. W. Stott em Evangelical Preaching (Portland: Multnomah Press),
1986, pp. 69s.
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1. Cf. R. Hurding, The Tree o f Healing (Grand Rapids: Zondervan), 1984, p. 231.
2. Ibid.
3. Ibid.
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A Carne
Introdução
O segundo inimigo que nos faz tropeçar e vive em combate acirrado
contra a nossa santificação é a “carne”. O emprego bíblico deste vocábulo
para identificar nossa inclinação para o mal parece estranho à primeira
vista. Não é o elemento material que nos afasta do destino traçado
originalmente por Deus quando criou Adão e Eva. O quebra-cabeça que
desafia o intérprete da Bíblia logo se apresenta. A palavra “carne” {sarx,
grego; bãsãr, hebraico) tem acepções tão diversas que não é nada fácil
entender esse termo corretamente em seu contexto. Tocaremos somente
nos sentidos mais comuns.
A Carne Física
A carne tem o significado neutro do elemento físico que encobre os
ossos dos homens e animais. Thata-se do material que se compra no
açougue ou é procurado por antropófagos (Gn 40.19; Lv 6.27). É neste
sentido que Paulo contrasta a circuncisão da carne com a do coração (Rm
2.28). Ele pregou aos gálatas portando uma enfermidade que assolava sua
carne (G14.13). A morte reconciliadora de Jesus Cristo não foi imaginária
ou mental; foi experimentada no “corpo de sua carne” (Q 1.22). Jesus
declarou que quem não se alimentar da Sua carne e beber o Seu sangue,
não tem a vida eterna. É pela encarnação do Filho que ganhamos a
salvação, ainda que a carne em si não tenha valor (Jo 6.63). A religião
carnal é totalmente impotente para fazer a ponte entre o Deus santo e o
pecador rebelde. Paulo deu ênfase a este fato físico e histórico, porque
combatia a heresia gnóstica que afirmava a imundície do mundo material,
contrastado com o espírito etéreo e imaculado. Por ser Deus o criador de
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o MUNDO, A CAJRNE E O DIABO
tudo, incluindo a carne material, identificar a carne com o mal seria culpar
o Criador pela oposição que existe entre a realidade física e a espiritual.
A Cam ee o RelacionamentoJnterpessoal
Uma outra acepção da palavra “carne” identifica a descendência
humana. Jesus descendia de Davi “segundo a carne” (Rm 1.3). A carne
forma uma ligação entre os membros de uma mesma família, de modo que
Jesus, “segundo a carne” (Rm 9.5), faz parte dos descendentes de Abraão,
que goza a fama de ser o pai da raça judia, “segundo a carne” (Rm 4.1).
A palavra “carne” transmite, nesses contextos, o sentido de ser a matriz
que assegura o fato de que todo filho compartilha a vida comum com seus
progenitores. Pertencendo a uma só carne, um parente não pode deixar
de receber as caracaterísticas legadas pelos antepassados {cf. Is 40.6; 1 Pe
1.24s.).
O casamento, instituído por Deus na criação do homem e da mulher,
também cria a “carne” do estreito relacionamento familiar. O fato de Eva
ter sido criada da costela de Adão forneceu o fundamento para a
declaração: “Esta, afinal, é osso dos meus ossos e carne da minha carne...
Por isso deixa o homem pai e mãe, e se une a sua mulher, tornando-se os
dois uma só carne” (Gn 2.23s.). Quando um homem e uma mulher
decidem unir-se para formar uma só carne, é muito mais do que o
elemento físico que está em jogo. Jesus disse: “O que Deus ajuntou não o
separe o homem” (Mc 10.9), dando-nos assim a base para entender que a
formação de uma só carne no casamento é consequência da ação soberana
de Deus.
Igualmente séria deveria ser a observação feita por Paulo de que o
corpo do cristão é membro do Corpo de Cristo (1 Co 6.15). Daí, se quem
está ligado a Cristo, física e espiritualmente, une-se a uma prostituta,
torna-se uma só carne com ela. Cria-se um corpo pela união da carne (v.
16). Em Efésios, o apóstolo ensina que a preocupação natural que o ser
humano tem com sua carne, alimentando-a e cuidando dela, é uma figura
acurada da maneira como Jesus Cristo nutre os membros do Seu Corpo e
zela por eles (5.29).
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A CARNE
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As Marcas da Carne
Introdução
Passamos agora a considerar a carne no sentido de natureza humana
pecaminosa. Paulo é o autor bíblico que apresenta freqüentemente esta
acepção. Especialmente em Romanos e Gálatas, o apóstolo que defendeu
a justificação pela fé discorre sobre as implicações que nossa salvação tem
para a vida prática. A santificação é mais do que uma declaração divina
da posição que Deus oferece graciosamente a todo aquele que crê. É um
alvo que deve ser conquistado pela luta contra a “carne”. Não é fácil andar
em direção à maturidade e perfeição, porque nossa natureza adâmica
continua ocupando todo o espaço que o Espírito de Deus não domina.
Somos novas criaturas em Cristo (2 Co 5.17; Cl 2.10), mas também velhos
portadores do vírus do pecado, sujeitos a tentações e quedas (G1 6.1; Mt
|13.15ss;Hb 4.15; 12.1).
Neste capítulo, desejamos esclarecer quais são as marcas e sinais da
carne. Se reconhecermos as características e estratégias do inimigo dentro
de nós, seremos menos vulneráveis na batalha diária contra o inimigo
íntimo.
A Natureza da Carne
Nossa natureza caída, pecaminosa, caracteriza-se pela sutileza e
hipocrisia. Todos temos uma tremenda dificuldade de enxergar nossa
carnalidade. Vivemos atrás da máscara que nos esconde de nós mesmos.
Impedimos que o espelho de Deus nos revele o que somos {cf. Tg 1.23s).
1)A auto-justificação revela nossa natureza de modo inegável. Nós
cobrimos o mau cheiro dos pecados com o desodorante das desculpas.
Defendemos nossas ações, sempre colocando em alto relevo as boas
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AS MARCAS DA CARNE
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o MUNDO, A CARNE E O DIABO
1. J. I. Packer, “The Way of the Weak is the Only Healthy Way” (“O Caminho do Fraco é
o Único Caminho Saudável”), tm Eternity, novembro de 1987, p. 28.
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A S MARCAS DA CARNE
1. Cf. E. C. Reisinger, Existe Mesmo Crente Carnal? (São José dos Campos: Fiel).
Recomendamos este livreto por causa de sua perspicácia em abordar o assunto do
ponto de vista bíblico.
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A S MARCAS DA CARNE
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A S MARCAS DA CARNE
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o MUNDO, A CARNE E O DIABO
fosse aberto: “Já cheira mal” (Jo 11.39). Isso fornece provas incontestáveis
de que “carne e sangue” não perduram nem podem “herdar o reino de
Deus” (1 Co 15.50; At 2.27).
Paralelamente, a “carne” no sentido moral também apodrece,
tomando o coração uma espécie de fossa negra de onde emanam idéias,
atitudes, palavras e ações perversas. A preocupação dos judeus nos
tempos de Jesus concentrava-se na eliminação de todo contato com
animais impuros, cadáveres e gentios. Antes de tomar alguma refeição,
voltando das andanças pelas ruas e praças, solenemente lavavam qualquer
parte do corpo que poderia ter sido profanada pelo contato com pessoas
e artigos contaminados.
Jesus removeu todos aqueles temores tradicionais (Mc 7.1-19), para
frisar um perigo infinitamente maior. Disse o Senhor: “... o que de fora
entra no homem não o pode contaminar... O que sai do homem, isso é o
que o contamina. Porque de dentro, do coração dos homens, é que
procedem os maus desígnios, a prostituição, os furtos, os homicídios, os
adultérios, a avareza, as malícias, o dolo, a lascívia, a inveja, a blasfêmia,
a soberba, a loucura” (Mc 7.18-22).
Não é preciso ser dono de uma inteligência extraordinária para
concluir que existe, nas profundezas do ser humano, uma perversidade tão
característica como é da natureza do gato perseguir o rato ou do galo
cantar de m adrugada. Essa corrupção cancerosa se propaga,
contaminando os relacionamentos com o próximo (inveja, homicídio,
furtos, adultério, dolo) e com Deus (soberba, am or próprio,
independência, idolatria, etc.).
As Obras da Carne
A lista paulina das “obras da carne” (G15.19-21) mostra, juntamente
com a lista citada por Jesus (Mc 7.21s. e Mt 15.19), a repugnância que tais
“obras” provocam em Deus e nos homens. Examinemos mais de perto
essas manifestações da carne.
aj A prostituição (pomeia) e o adultério (moicheià) substituem o
amor pelo egoísmo. O corpo se vende como objeto, em vez de formar, no
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A S MARCAS DA CARNE
casamento, uma unidade tão perfeita que Deus a chama “uma só carne”
(Gn 2.24; Mt 19.5; Ef 5.31). A paixão sexual, ilicitamente satisfeita, cria
vergonha e antipatia, inveja e ciúmes. Quem consegue viver em uma
sociedade como a dos “Meninos de Deus”? Para eles, a graça eliminou o
pecado e a culpa; consequentemente, tomar o amante de outrem é natural
e perfeitamente aceitável. Sentir ciúmes do marido ou da mulher não é
bem visto. Não é de admirar a confusão que reina nas mentes e
consciências dos membros de tal seita quando tentam sair dessa perversão.
Na época do Novo Testamento, pelo fato de a prostituição estar
•j
vinculada à religião, a justificativa dos pagãos para a prática aberta da
imoralidade era convincente (veja 1 Co 6.12-20). O fato de que “o corpo
não é para impureza, mas para o Senhor” (1 Co 6.13) aponta para as
conseqüências desse pecado. A prostituição forma um corpo, juntando
espiritualmente os que a praticam. Tomar um membro de Cristo e torná-lo
membro de meretriz (1 Co 6.15s.) seria tornar lícito o que é impossível, a
saber, a união de Jesus com uma meretriz.
O adultério despedaça casamentos e famílias como uma fera
selvagem que dilacera um cordeiro. Davi cometeu adultério com
Bate-Seba e maquinou a morte do marido dela, Urias (2 Sm 11). A
maldição que atingiu a família de Davi provocou o incesto de Amnom, a
desgraça de Tamar, o assassínio praticado por Absalão e ainda sua
rebelião contra Davi, que culminou com sua morte e o desespero de seu
pai (2 Sm 18.33; 19.4). A miséria, não prevista quando se cede à carne,
paulatinamente envenena a família. Sofrimentos incalculáveis são o preço
da sua satisfação momentânea.
b) Iinpureza e lascívia {akcüharsia, aselgeia, G15.19; Mc 7.22), paixão
lasciva e desejo maligno (pathos, epithwnian kakên, Cl 3.5) aumentam a
lista de “obras” corruptas da carne. Não é certo pensar que os pecados
sexuais se limitam a atos. A “carne” mostra sua natureza ruim também nos
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o MUNDO, A CARNE E O DIABO
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A S MARCAS DA CARNE
morreu para lavar e que o bendito Espírito escolheu para habitar?... Como
posso levantar a minha cabeça com alguma ousadia diante dEle? Será que
considero a comunhão com Ele como de tão pouco valor que, por causa
deste vil desejo, quase não tenho espaço em meu coração para Ele
habitar?’ ”
c) Idolatria e feitiçarias_(Gl 5.20) também fazem parte da lista d
“obras carnais”. De capa a capa, a Bíblia nos confronta com a aversão de
Deus aos ídolos e à magia negra, tão estreitamente interligados ao
paganismo. A natureza caída dos homens se inclina para a mudança “da
glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem
corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis” (Rm 1.23). A
“carne” não se contenta com o Deus real, onipresente, infinito e invisível.
Prefere, e muito, um deus palpável, criado por mãos humanas, suscetível
aos valores e qualidades a ele atribuídos (Is 40.19s.).
Além do fator que o ser humano pode controlar, há o elemento
demoníaco que desafia frontalmente a Deus. Ainda que o ídolo não passe
de uma simples criação (sua realidade não vai além da material, 1 Co
10.19), o culto idólatra invoca os demônios e cria um vínculo de comunhão
entre o adorador e esses anjos que se rebelaram contra Deus (1 Co 10.20;
2Pe2.4).
Já vimos a atitude de Deus quanto à perversão sexual. Idolatria e
espiritismo são condenados de modo veemente por causa da prostituição
espiritual. O profeta Oséias descreve, em sua experiência humana, os
sentimentos de Deus ao enfrentar a traição do Seu povo.“0 flamejante
evangelista conhece o seu povo. Sabe o que é soluçar no coração quando
sua esposa infiel se afunda cada vez mais no pecado. Ele conhece as
profundezas do amor e da disposição de um coração amante capaz de
perdoar...”^ O adultério traidor é o pecado que quebra o coração de Deus.
O apóstolo afirma que avareza é idolatria (Cl 3.5). No mundo
moderno, secularizado, a idolatria, no sentido em que ela é praticada na
índia. Indonésia, Tailândia e muitos outros cantos da terra, perde sua
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o MUNDO, A CARNE E O DIABO
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AS MARCAS DA CARNE
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o MUNDO, A CARNE E O DIABO
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AS MARCAS DA CARNE
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o MUNDO, A CARNE E O DIABO
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AS MARCAS DA CARNE
Conclusão
Paulo alistou várias características da carne para identificar a origem
e o desvio da natureza humana agindo como instrumento do pecado. Em
resumo, a carne transforma a sexualidade criada por Deus em perversão
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o MUNDO, A CARNE E O DIABO
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Como Lutar Para Vencer a Carne
Introdução
Dom Quixote de la Mancha destaca-se entre as figuras mais tolas da
literatura mundial. Miguel de Cervantes criou um herói ridículo que
desejava conquistar um grande moinho de vento montado num cavalo que
mal se mantinha em pé. Dom Quixote investiu contra seu adversário com
uma lança, mas errou na identificação do inimigo e na maneira de vencê-lo.
Precisamos lastimar a freqüência com que nós fazemos algo semelhante
em nossa luta contra a carne.
Nas páginas precedentes, procuramos conhecer o inimigo que a
Bíblia denomina “carne” (sarx) e que nós geralmente chamamos de
“n atu reza hum ana”. Nós nos detivem os para exam inar mais
detalhadamente as características operacionais da inclinação para o mal
que herdamos dos nossos pais, que remontam à queda do primeiro casal.
Certamente, a Bíblia teria conselhos inspirados para nos orientar na luta
contra este usurpador a quem só venceremos definitivamente na morte.
Não é engraçado ser um guerreiro como Dom Quixote na luta contra o
mal que a carne produz através de suas “obras” infernais (G15.19-21).
Como ocorre em toda batalha, o sucesso depende de estratégia
inteligente e armas eficazes. As características marcantes que distinguem
os inimigos da “carne” requerem estratégias específicas. As armas que
usamos no combate contra Satanás nâo podem ser usadas da mesma
forma na luta contra os dois inimigos restantes, i.e., o mundo e a carne (cf.
2 Co 2.11). Impera, portanto, a necessidade de se encontrar uma forma
- 71 -
o MUNDO, A CARNE E O DIABO
A Carne é Fraca
Primeiramente, urge notar que a carne é basicamente fraca, mesmo
que, em seu orgulho, não admita. Por isso, Paulo afirma que a lei exigia o
impossível do homem: “Porquanto o que fora impossível à lei, no que
estava enferma pela carne, isso fez Deus enviando o seu próprio Filho em
semelhança de carne pecaminosa e no tocante ao pecado; e, com efeito,
condenou Deus, na carne, o pecado” (Rm 8.3). A “semelhança da carne”
indica que Jesus não participou da contaminação moral. A humanidade
de Jesus Cristo tornou possível o Seu confronto com a tentação (Mt 4.1;
Lc 4.2; Hb 4.15). A humildade do Deus encarnado (Mt 11.29; 2 Co 10.1)
aponta, certamente, para a importância da primeira bem-aventurança
(Mt 5.3). Os pobres de espírito são os futuros herdeiros do reino, porque
reconhecem sua incapacidade de vencer o pecado por suas próprias
forças.
Já notamos que, no Novo Testamento, a carnalidade e criancice se
identificam (1 Co 3.1-3). O primeiro passo na vitória sobre a carne é o
reconhecimento de nossa dependência. As palavras de Jesus: “Deixai vir
a mim os pequeninos... porque dos tais é o reino de Deus” (Mc 10.14)
também destacam esta verdade. Como uma criancinha que não tem
condições de sobreviver sozinha, assim também o espírito independente
não dispõe de condições necessárias para vencer o pecado que se esconde
em seus membros (Cl 3.5). Como um bebê, ninguém tem a capacidade de
reconhecer a maldade que se insinua na condição humana.
Esse paradoxo, universalmente experimentado, de querer fazer o
bem, mas ser derrotado pela “lei do pecado” (Rm 7.23), se resolve
somente diante do desespero da confissão: “Desventurado homem que
sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” (Rm 7.24). A única solução
aparece logo em seguida: “Graças a Deus por Jesus Cristo nosso Senhor”
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COMO L UTAR PARA VENCER A CARNE
A Boa Consciência
Seremos mais eficazes na luta contra a carne se reconhecermos que
a nossa fraqueza humana, que deve criar uma dependência no Senhor,
tem um outro lado, oposto e perigoso. A enfermidade da carne não
somente nos empurra para a vigilância e a humildade, mas também para
a irresponsabilidade. A senhora Linda Berg, filha do líder Moisés Davi,
fundador da seita “Meninos de Deus”, relata como um propósito santo e
abnegado não é suficiente para manter uma entidade evangélica firme nos
fundamentos bíblicos. Anos após o abandono dos princípios morais, seu
pai profetizou acerca da velha e nova alianças. Com uma suposta
autorização divina, quem se cansasse da sua esposa podería tomar outra.
Deus favoreceria o adultério. Linda comenta: “Minha consciência me
incomodou sobremaneira, gritando para que eu não me rendesse, mas me
pusesse em pé e dissesse ‘não!’. Mas fiquei quieta... O Senhor, pela
operação do Espírito Santo, é sempre fiel para convencer a consciência
da pessoa que está prestes a fazer o mal. Há, porém, um perigo. Se uma
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o MUNDO, A CARNE E O DIABO
1. Linda Berg Davis, The Children of God (Grand Rapids; Zondervan), 1984, p. 65. Ela
escreve: “O discípulo de Moisés Davi era arrastado devagar, mas voluntarieimente, para
dentro de uma sindrome de crença enganosa. Creia nesta doutrina e ela o elevará a um
maior status na hierarquia espiritual. Moisés Davi era o Profeta de Deus, e nós éramos
seus seguidores de elite” (p. 63).
2. D isse Alexandre Solzhenitzen no Arquipélago Gulag: “Quando guardamos silêncio
sobre o mal, quando o enterramos bem fundo em nós, de maneira que ele não se mostre
em lugm algum na superfície, o estamos plantando e ele se levantará para se multiplicar
mil vezes no futuro”.
3. Cf Linda Berg Davis, op. cit, p. 65.
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COMO LUTAR PARA VENCERA CARNE
O Auxílio Externo
A inconstância e lentidão da carne na luta para realizar o “bem que
está em mim” (Rm 7.18) exigem uma capacitação externa. Assim como os
guerreiros israelitas não podiam imaginar de que maneira venceriam o
filisteu Golias (1 Sm 17), até que o jovem Davi enfrentou o gigante em
nome do Senhor dos Exércitos, todos necessitamos do Espírito para
vencer a força iníqua ameaçadora. Numa atitude sábia, Davi não confiou
na armadura de Saul (1 Sm 17.38s.). Igualmente frustrantes são os
conselhos humanistas que tentam defender o servo de Deus de sua
inclinação pecaminosa.
O auxílio externo que a Bíblia nos assegura garantirá a vitória e a
presença atuante do Espírito de Deus. Se optarmos viver segundo a carne,
caminhamos para a morte. “... mas, se pelo Espírito mortificardes os feitos
do corpo, certamente vivereis” (Rm 8.13). Disse Paulo: “Se... Cristo está
em vós, o corpo, na verdade, está morto por causa do pecado, mas o
espírito é vida por causa da justiça” (v. 10). “Todos os que são guiados pelo
Espírito de Deus são filhos de Deus” (v. 14). “Andai no Espírito e jamais
satisfareis à concupiscência da carne” (G15.16).
Todos esses textos e muitos outros desvendam o segredo da vitória
sobre o poder da carne. Andar no Espírito, viver no Espírito (G1 5.25) e
ser guiado pelo Espírito põqm em relevo o fato central de que o Espírito,
a promessa da nova aliança (At 2.38), nos é concedido para realizar a boa
e perfeita vontade de Deus.
À proporção que o Espírito de Deus enche nossas vidas, o poder
dominador da carne diminui. A afirmação de que a carne e o Espírito são
opostos entre si (G1 5.17) aponta para as influências contrárias que eies
exercem sobre nossas vidas e atitudes. Um homem pode estar “cheio” de
rancor, raiva, ciúmes, temor e vingança.^ Uma mulher pode ficar “cheia”
1. Cf. Martin R. DeHaan, How Can I Be Filled with the Holy Spirit? (Grand Rapids: Radio
Bible Class), 1986, p. 7.
- 75 -
o MUNDO, A CARNE E O DIABO
1. Ibid.,-p.8.
2. Ibid., p. 9.
- 76-
COMO LUTAR PARA VENCER A CARNE
1. Cf. R onald Y. K. Fung, The Epistle to the Galatians, NICNT (Grand Rapids:
Eerdmans), 1988, p. 244. A came pode utilizar a “liberdade cristã para armar um ataque
contra a santidade do crente. No primeiro texto (de Romanos 13), Paulo adverte contra
qualquer planejamento que favoreça a atuação pecaminosa da carne. N a prática, temos
que privar os desejos malignos de qualquer “direito” ou “posição privilegiada” que dê
alguma vantagem sobre nós. Diligência em cortar os meios, condições e práticas que
alimentam a carne é um passo eficiente para enfraquecer as tentações promovidas por
ela.
-7 7 -
o MUNDO, A CARNE E O DLABO
2) A Mortificação da Carne
Devemos “matar” a nossa natureza terrena (Q 3.5). Este assassinato
espiritual, literalmente, “de nossos membros que estão sobre a terra”, fala
das práticas que se utilizam dos membros do corpo para efetuar suas
atividades. Como podemos tirar a vitalidade ou força das paixões que nos
i
atormentam? Paulo indica que a mortificação é também uma operação
do Espírito: “... mas, se pelo Espírito mortificardes os feitos do corpo,
certamente vivereis” (Rm 8.13). O carrasco executará a sentença,
matando os “feitos” da carne se nós assim decidirmos.
Podemos esmagar as algemas da carne e tudo que anima esses
desejos malignos? Com o auxílio do Espírito afastaremos, uma por uma,
as fontes que incitam a carne: se for o sexo, devemos cortar os incentivos,
tais como filmes, revistas, leitura, praia, enfim, todo e qualquer
relacionamento, atividade ou local que alimente a concupiscência ou
lascívia. Aquele que morreu com Cristo (na cruz e, simbolicamente, no
seu batismo) descobre a regra das suas decisões no princípio que diz:
“morto para viver”.
Poderíamos responder à semelhança de William Booth, fundador do
Exército de Salvação, à pergunta acerca do segredo de sua frutífera
atuação. Disse ele: “Eu determinei, quando era um jovem de dezesseis
'1
anos, que Deus iria possuir tudo o que fosse de William Booth”. Para
Deus ter tudo de nós, precisamos parar de dividir nossas vidas entre: a)
“tempo e atividades para Deus” e b) “tempo e atividades para nós”.
“Crucificar a carne” (G1 5.24) com as suas paixões e concupiscências não
passará de uma frase bíblica, porém inteiramente teórica, até decidirmos
que Jesus Cristo será Senhor real dos nossos pensamentos e ações. O
Espírito é agente desta crucificação e ressurreição transformadora (cf. 2
Co 3.18). Richard Lovelace comenta: “Evidentemente, a santificação e a
1. Cf. R. P. Shedd, Andai Nele (São Paulo: Vida Nova), 1988% p. 64.
2. Recomendamos o livro de John H. Court, Pornografia (São Paulo: Vida Nova 1991),
passim.
3. James Philip, La Madureza Cristiana (Buenos Aires: Certeza), 1974, p. 89.
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COMO LUTAR PARA V E N Œ R A CARNE
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o MUNDO, A CARNE E O DIABO
1. Leslie B. Flynn, Your Inner You (Wheaton: Motor), 1984, pp. 68s.
2. Leia o livro O Refugio Secreto, de Corrie Ten Boom.
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COMO LUTAR PARA VENCERA CARNE
4) O Despojamento da Carne
Em quarto lugar, Paulo exorta os seus leitores a se despojarem do
“velho homem” e se revestirem do “novo homem” (Ef4.22,24s.; Rm 13.12,
14; Cl 3.8; Hb 12.1; Tg 1.21; 1 Pe 2.1). A figura de tirar as roupas da velha
vida, anterior ao arrependimento e conversão, surgiu do batismo. O
neófito, uma vez convicto de que a vida sujeita aos apetites da carne não
era digna da nova criação (2 Co 5.17), despojava-se de suas velhas roupas,
recebia o banho cristão (Jo 13.10) e, em seguida, vestia trajes novos que
representavam a pureza de vida. O começo da vida cristã exige fé pessoal,
sincera, em Jesus Cristo. A vida de fé caracteriza-se também pela
obediência. Uma palavra que descreve este aspecto do caminhar do
cristão é “integridade” ou, na linguagem bíblica, “irrepreensibilidade”,
que traduz bem a palavra hebraica tamím, “perfeito”, “íntegro” {cf. Gn
17.1), que aparece 50 vezes no A.T. No N.T., os termos amõmos
(“inculpável”) e anenklêtos (“irrepreensível”) significam algo muito
parecido.^
Essas passagens confirmam a conclusão à qual já chegamos. A carne
e suas práticas devem ser postas de lado na nova vida em que Cristo reina.
O “novo homem” representa a realidade da vida abundante, que substitui
as práticas e atitudes da carne anteriores ao nascimento do Espírito (Jo
3.6). Este “novo homem”, criado de acordo com o padrão de Deus “em
verdadeira justiça e santidade”, deve manifestar o fruto do Espírito
produzido quando o filho de Deus a Ele se submete.
-81-
o MUNDO, A CARNE E O DIABO
Conclusão
Agostinho separou o tronco da árvore da carne em dois ramos: o
orgulho e a sensualidade. Lutero, por sua vez, percebeu que a raiz
principal que sustenta o tronco com seus ramos é a incredulidade.^
Conseqüentemente, a característica básica é uma independência, uma
autoconfiança em que cada um de nós é capaz de julgar e decidir a
disposição de tudo o que nos afeta. Somos donos e dirigentes das nossas
vidas. Esta tentativa de controlar tudo que esteja ao nosso alcance é aquilo
que Jesus chamou de “salvar a sua vida” (Mc 8.35 e paralelos). Vencer a
carne, então, seria o oposto: “perder a vida por causa de mim e do
evangelho” (v. 35). Em síntese, derrotamos a carne morrendo e
ressuscitando, negando a nós mesmos, tomando nossa cruz e seguindo a
Jesus (Mc 8.34).
Esta definição da carne, que se isola de Deus na incredulidade,
explica, em parte, as ações altruístas de espíritas e humanistas. Analisando
suas atividades filantrópicas e abnegadas, descobrimos por que a
independência de Deus é uma profunda consciência do pecado, mas
encoberta, e a culpa gera “um egoísmo compensador, autodirigido, mas
diferente da soberba pura”. Kierkegaard, Niebuhr e Tillich sugeriram
corretamente que a ansiedade provoca muito de nosso comportamento
o
pecaminoso. Somos como crianças que brincam numa floresta ao pôr do
sol, longe de casa, em desobediência às ordens solenes dos pais; sentem
um temor crescente, mas, ao mesmo tempo, valentemente tentam
convencer a todos que eles sabem como chegar em casa.
Bem-aventurado o cristão que aprendeu a usar a bússola da Palavra,
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COMO LUTAR PARA VENCERA CARNE
que escuta as instruções do Pai e faz o que ele manda. “Será comparado
a um homem prudente, que edificou sua casa sobre a rocha; e caiu a chuva,
transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram com ímpeto contra
aquela casa, que não caiu, porque fora edíGcada sobre a rocha” (Mt
7.24s.).
-83-
Satanás: O Inimigo Destruidor do Cristão
-84-
SATANAS: O INIMIGO DESTRUIDOR DO CRISTÃO
1. Jon T. Murphee, yl Lov/’/jg God and a Suffering World (Downers Grove; Inter-Varsity),
1981, pp. 11-42.
2. Harold Lindsell, TTie World, the Flesh, and the Devil (Washington; Canon Press), 1973,
1974, p. 27.
3. J. O. Sanders, op. cit., pp. 16-21.
-85-
o MUNDO, A CARNE E O DIABO
João diz que a cauda do dragão (um dos nomes figurados de Satanás)
“arrasta a terça parte das estrelas do céu, as quais lançou para a terra”
(Ap 12.4)/ Seriam anjos que se rèbelaram contra Deus, aliando-se ao
Diabo? Nesse caso, formaram uma hierarquia de forças inteligentes,
desencarnadas, que Paulo denomina “principados (archcu), potestades
{exousiai), poder (dunamis), domínio (kuriofês), todo nome que se possa
referir” (Ef 1.21), “dominadores deste mundo (kosmokratoras) e forças
espirituais do mal (pneumatika tes ponêrias)” (Ef 6.12). Essas forças
rebeldes agora se encontram “nos lugares celestiais” (Ef 6.12), o local de
nossa luta. Pedro relata sobre os anjos que pecaram; eles foram
precipitados no inferno (tartarõsas, uma prisão, 2 Pe 2.4), certamente o
mesmo “poço do abismo” onde estão encarcerados os demônios que serão
soltos no julgamento da quinta trombeta (Ap 9.2ss.).
Evidentemente, há espíritos malignos soltos que obedecem às ordens
do seu maioral. Outros estão sendo guardados “sob trevas, em algemas
eternas, para o juízo do grande dia” (Jd 6). Foi a estes “espíritos em prisão”
que Jesus Cristo anunciou (ekêruxen) sua vitória sobre a morte após a
ressurreição (1 Pe 3.18s.).^
Os Nomes de Satanás
A Bíblia deixa transparecer que os nomes e títulos de Deus oferecem
uma doutrina bem completa a respeito da natureza do Criador. T. C.
Horton, em The Wonderful Nomes o f our Wonderful Lord (“Os Nomes
-Só-
SATANÁS: O INIMIGO DESTRUIDOR DO CRISTÃO
11 Satanás
Este vocábulo de origem hebraica significa adversário. Aponta para
a inveja deste ser angelical que não suporta a comunhão e a lealdade que
une Deus àqueles que O amam. O caso de Jó é notório. Satanás acusa Jó
de ser justo apenas pelo que recebe materialmente de Deus (Jó 1.6-11).
Ele quis anular os direitos sacerdotais de Josué, acusando-o diante
de Deus pelos seus pecados (Zc 3.1s.). Mas Deus perdoou os pecados de
Josué. As acusações não surtem nenhum efeito, a não ser destacar mais
nitidamente a graça e bondade de Deus.
Paulo queria visitar os tessalonicenses, mas Satanás barrou o seu
caminho (1 Ts 2.18). A oposição do inimigo de Deus tem a finalidade de
estabelecer o seu reino em detrimento do reino de Deus. Por ser o rival
do Rei do universo. Satanás se opõe a toda iniciativa de Deus no mundo.
2) Diabo
Este nome é formado de uma transliteração do grego diabolos e
significa “acusador”,"^ “difamador”, “maldizente”. Nada menos de 35
vezes na Bíblia, este título descritivo salienta um caráter dominado pelo
ódio e desprezo. Aparentemente, nada satisfaz mais o diabo do que a
oportunidade de envergonhar o Pai celestial, por meio de acusações
levantadas contra os filhos. Semelhantemente, ele se sente realizado
-87-
o MUNDO, A CARNE E O DIABO
sempre que consegue reproduzir o seu caráter num cristão que difama seu
irmão ou a igreja.^
3^ Tentador
Este nome, ainda que raro, descreve de modo literal a atividade
satânica natural de tentar induzir os justos a pecar ou abandonar a fé.
Mateus 4.3 mostra o tamanho da arrogância do diabo que pensava poder
tentar o Senhor Jesus Cristo, fazendo-O pecar. 1 Tessalonicenses 3.5
revela o temor que Paulo sentia diante da possibilidade de o “tentador”
Qio peirazõn) provar (epeirasen) os novos crentes da Macedônia,
induzindo-os, através dos sofrimentos, a renunciarem à fé. Por certo, Jesus
tinha a tentação em mente quando advertiu Simão Pedro a respeito do
intenso desejo que Satanás tinha de peneirar os discípulos (Lc 22.31). A
intercessão de Jesus concentrava-se no pedido: “que a tua fé não
desfaleça” (v. 32).
4) Belzebu
No A.T., Baal-Zebube era o deus de Ecrom, cidade dos filisteus (2
Rs 1.2, 16). Jesus designou Satanás com este nome, acrescentando a
informação de que ele é o “maioral dos demônios” (Mt 12.24). O
significado deste vocábulo composto é “Senhor (baal, cf. 1 Pe 3.6 com Gn
18.12) das moscas” ou “o gênio que preside a corrupção”. Se as moscas
representam os espíritos malignos, deduzimos que Satanás ordena o
serviço deles, sempre com o intuito de corromper a vida pessoal (sexo,
drogas, desonestidade) e social (intrigas, maledicência, manipulação,
mentira e pressão). Satanás é descrito por João como “o sedutor de todo
o mundo” (Ap 12.9).
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SATANAS: O INIMIGO DESTRUIDOR DO CRISTÃO
5) Belial
No A.T., os “filhos de Belial” (Jz 20.13; 1 Sm 10.27; 30.22; 1 Rs 21.13)
são os “marginais”, “salafrários”, “marotos”. No N.T., Paulo emprega este
nome para apontar para o extremo contraste: “Que harmonia existe entre
Cristo e o Maligno?” (gr. Beliar, 2 Co 6.15). Provavelmente, “o homem
sem lei” (anomias, 2 Ts 2.3) representa o mesmo conceito básico, um
homem dominado por Satanás e, portanto, isento de qualquer controle da
parte de Deus. Deduzimos que o diabo não reconhece a lei de Deus
imposta na criação, a não ser quando forçado pelo poder divino supremo
ou quando pensa que pode tirar vantagem disso.
6) Antiga Serpente
Este nome nos lembra da primeira aparição de Satanás na história.
Ele espreitava Eva no paraíso e convenceu o primeiro casal a pecar.
“Antiga” sugere que ele está no mundo há muito tempo e, também, que é
bem conhecido.^ Paulo afirma que “a serpente enganou Eva com a sua
astúcia” (2 Co 11.3; Gn 3.4-13), destacando a inteligência utilizada com a
intenção de seduzir. A serpente se esconde, não mostra o veneno
inoculado por suas presas. Uma característica de Satanás é que ele não
anuncia o destino do caminho qué recom enda nem revela as
conseqüências das prazeirosas atividades que promove.
7) Grande Dragão
As origens deste título se encontram no A.T. e mostram um certo
paralelismo com “a serpente”.^ As 12 ocorrências deste nome no N.T.
estão no Apocalipse e se referem a Satanás. Transparece o seu caráter
destrutivo, que inspira terror como um monstro feroz. Ele ficou cheio de
ódio e ira, dominado pelo pensamento de destruir os servos de Deus (Ap
12.12). A sua cor vermelha (v. 3) deve apontar para sua natureza assassina
1. C. Fred Dickason, Angels, Elect and Evil (Chicago: M oody Press), 1975, p. 123.
2. G. F. Hasel, ISBE, vol. I (Grand Rapids; Eerdmans), 1979, p. 990.
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o MUNDO, A CARNE E O DIABO
1. Cf. A. M. Stibbs, The First Epistle General o f Peter (Londres: lyndale), 1959, p. 172.
2. J. O. Sanders, p. 34s. Satanás se apresenta em forma trinitária (o diabo, a besta e o fd so
profeta, Ap 16.13). Tem sua igreja (“sinagoga de Satanás”, Ap. 2.9); seus ministros (2
Co 11.14s.); sua teologia (1 Tm 4,1; 1 Jo 4.1ss.); sua ceia (cálice e mesa, 1 Co 10.21); seu
próprio evangelho (G11.7s.); seu trono (A p 13.2) e seus adoradores (Ap 13.4).
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SATANAS: O INIMIGO DESTRUIDOR DO CRISTÃO
10) Maligno
Na maioria das vezes em que se emprega o termo poneros, “mal”,
“mau”, “maligno”, seu uso descreve o caráter de um objeto ou ação. Há,
entretanto, uns poucos casos, facilmente identificáveis pelo uso absoluto
com o artigo, “o maligno” (Mt 6.13; 13.19, 38; Jo 17.15; Ef 6.16; 2 Ts 3.3;
1 Jo 2.13s.; 3.12; 5.18s.), que tratam de Satanás. O maligno, como nome,
salienta claramente a perversidade total deste espírito corrompido. A
declaração de João: “Sabemos que somos de Deus, e que o mundo inteiro
jaz no maligno” (1 Jo 5.19), ensina que o mundo pecador, inimigo de Deus,
vive em submissão a Satanás. Dele recebe orientação e direção para se
opor a tudo que agrada a Deus. Não fosse o diabo, a maldade do mundo
careceria de coordenação e alvos específicos. Ocorreria espontaneamente
e por acaso. Por isso Jesus ensinou os discípulos a pedirem livramento do
maligno (Mt 6.13), como quem tem uma estratégia bem pensada na sua
luta contra. Deus. Devemos agradecer a Deus, pois Ele guarda os Seus
amados do maligno (1 Jo 5.18; Jo 17.15).
11) Apoliom
Este nome, transliterado diretamente do grego (em heb., Abadom),
significa destruidor. Vem da mesma raiz de “perecer”(Jo 3.16),
“perdição”. Judas foi designado “filho da perdição” (apõleias, Jo 17.12),
porque entregou sua vida ao Destruidor (Jo 13.2).
Evidentemente, não foi Satanás quem destruiu os israelitas que
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o MUNDO, A CAJRNE E O DIABO
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SATANAS: O INIMIGO DESTRUIDOR DO CRISTÃO
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o MUNDO, A CARNE E O DIABO
besta que emerge do mar (Ap 13.1) e os “muitos anticristos que surgiram”
(I Jo 2.18), têm só uma finalidade: exercer o poder de Satanás. A história
da Igreja, de movimentos cristãos e até de avivamentos mostram o perigo
que corre o povo de Deus, se não estiver prevenido.
Billy Bray, piedoso mineiro inglês, brilhou como luz inflamada por
Cristo. Suas lutas contra Satanás foram quase constantes. Numa ocasião,
o diabo tentou convencê-lo de que Deus não o amava mais. A isso ele
replicou: “Ora, tenho registro escrito sobre seu caráter em minha Bíblia;
e ela diz que você é mentiroso desde o princípio!”^
141 Pai
“Vós sois do diabo, que é vosso pai, e quereis satisfazer-lhe aos
desejos” (Jo 8.44). Sentimo-nos chocados com esta declaração de Jesus.
Tal como Deus é o Pai dos que nasceram do Espírito pela obediência da
fé (Jo 3.3-6), assim também Satanás tem filhos que nasceram de Adão e
Eva, o casal que ligou sua natureza caída a toda raça. Trata-se da
depravação total, no sentido de que nenhuma parte do ser humano escapa
da influência do pecado. “Todos pecaram e carecem da glória de Deus”
(Rm 3.23). O pecado e a desobediência a Deus (“filhos da desobediência”,
Ef 2.2) indicam que os não-regenerados são geração espiritual de Satanás.
João Batista e o Senhor, ambos chamaram os líderes religiosos judeus de
“raça de víboras” (Mt 3.7; 12.34; 23.33). A hipocrisia dos fariseus e
saduceus provocou esta acusação que nitidamente relaciona a natureza
pecaminosa com as origens. Satanás e Adão contaminaram toda a raça.
A importância deste título se evidencia na frase “quereis satisfazer-
lhe aos desejos” (Jo 8.44). Ainda que sejam cativos (2 Tm 2.26), os
pecadores têm prazer em cumprir a vontade do diabo. De modo contrário
ao renascido, que tem “prazer na lei de Deus” (Rm 7.22), o rebelde filho
do diabo deleita-se na escravidão da impureza (Rm 6.19) e aprova as
práticas características do demônio (cf. Jo 8.44 com Rm 1.29, 32).
1. D . Phillips, Conheça seu Inimigo (São Paulo: Livraria Independente), 1960, p. 15.
-9 4 -
8
As Estratégias Satânicas
Introdução
As conquistas do diabo têm uma explicação bíblica. O Maligno é
forte, sim, mas, muito mais que isso, ele é inteligente. Como os melhores
generais da história, ele planeja bem e ataca quando e como menos se
espera. Paulo, sendo orientado pelo Senhor, ordenou que os coríntios
perdoassem e restaurassem o irmão disciplinado pela igreja, “para que
Satanás não alcance vantagem sobre nós, pois não lhe ignoramos os
desígnios” (noêmata, “propósitos”, no sentido mau de “tramas”, “ardis”,
2 Co 2.11).^ Este não é o único texto que desvenda a maneira habilidosa
pela qual ele alcança vantagens sobre os fíéis.
Na tentação de Eva, o diabo criou a ilusão de que se o inocente casal
acatasse sua sugestão, isso iria satisfazer os mais profundos desejos da
carne e da alma. Garantiu que a ameaça de morte era vazia e que, tendo
os olhos abertos para conhecer o bem e o mal, seriam exaltados à
semelhança de Deus (Gn 3.4s.). As mentiras foram acompanhadas por
uma apresentação atraente (a árvore era boa para se comer, agradável
aos olhos e desejável para dar entendimento, v. 6) e uma plausível
explanação da proibição (Deus sabe o resultado e não quer que Suas
criaturas sejam como Ele, v. 5). É de profunda importância notar que a
bondade e inocência do casal não os protegeram. A Sra. Jesse Penn Lewis
conta como o avivamento no País de Gales, no início deste século, foi
neutralizado por uma invasão demoníaca.
1. F. R ienecker C. Rogers, Chave Lingüíslica do Novo Tèstamento Grego (São Paulo: Vida
Nova), 1988* p. 38.
2. J. R Lewis, W arm the Saints (Bournemouth: The Overcomer), 1912.
-95-
o MUNDO, A CARNE E ODIABO
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A S ESTRATÉGIAS SATÂNICAS
Ignorância e Cegueira
Mantendo os homens ignorantes acerca dos seus métodos de
atuação, Satanás tem uma enorme vantagem na sua batalha pelas almas.
Os incrédulos são mantidos em cegueira espiritual (2 Co 4.4). Disse Vitor
Hugo: “Um bom general deve penetrar no cérebro do seu inimigo”.^
Enquanto o diabo puder manter os homens ignorantes acerca da
seriedade da condição em que se encontram, nenhuma mensagem os
libertará. Mesmo dentro da comunhão dos santos há oponentes que
necessitam da disciplina: “... na expectativa de que Deus lhes conceda não
só o arrependimento para conhecerem plenamente a verdade, mas
também o retorno à sensatez, livrando-se eles dos laços do diabo, tendo
sido cativos por ele, para cumprirem a sua vontade” (2 Tm 2.25s.).
Enquanto Deus não opera o maior dos seus milagres, convertendo os
perdidos das trevas para a luz, da potestade de Satanás para Ele (At 26.18),
o inimigo continua assenhoreando-se de suas vítimas. Nota-se que a arma
mais útil é a ignorância: privar os homens de fatos que lhes dariam sensatez
e sabedoria.
O neófito no pastorado incorre em um perigo enorme. Sendo frágil
de corpo e de mente, se ensoberbece e cai na condenação do diabo (1 Tm
3.6). Ao jovem, muitas vezes, falta mais do que experiência. Carece da
humildade que os problemas da vida inculcam. Esse tipo de ignorância,
distinta da inteletual, dá a Satanás uma brecha para subjugar o novel
ministro. Mas raras vezes o pregador sincero tem consciência de sua
necessidade. Se conhecesse a verdade, seria libertado (Jo 8.32), mas o
diabo coloca uma cerca de trevas em volta dele, de modo que não encontre
a gloriosa liberdade dos filhos de Deus.
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o MUNDO, A CAJRNE E O DIABO
-9 8 -
A S ESTRATÉGIAS SATÂNICAS
cabeças dos inimigos do seu Mestre (Jo 18.10). Mas, uma vez que Jesus se
entregou mansamente, não lhe parecia imperativo manter sua confissão
de lealdade. Afínal de contas, ninguém tem muito entusiasmo em entregar
a vida por uma causa perdida. Explodir a premissa lançada por Satanás e
abraçada pelo mundo: este é o caminho que Pedro rejeitou. Os mártires
venceram o Acusador, porque, “mesmo em face da morte, não amaram a
própria vida” (Ap 12.11). Mas, infelizmente, o inimigo muitas vezes nem
precisa piovar que evitar a tribulação e o martírio devem constituir o
supremo bem. Se, contudo, aceitarmos essa premissa, qual será nossa
defesa em situações parecidas?
Judas Iscariotes foi vencido por uma armadilha semelhante (Jo 13.2,
“tendo posto o diabo no coração de Judas... que traísse a Jesus”; cf. Lc
22.3). Quando esse discípulo finalmente percebeu que Jesus não
tencionava lutar contra seus inimigos nem liderar qualquer movimento
que o estabelecesse no poder, ficou profundamente decepcionado. Se o
Senhor não ia assumir o domínio político, para que todo aquele sacrifício
e perigo? Justificou a traição com base na atitude generalizada: um
movimento que não tem condições de prosperar não merece suor nem
sangue. Pelo contrário, “é justo” tirar alguma vantagem enquanto há
tempo.^
Hoje, Satanás vence facilmente o jovem que valoriza a opinião da
maioria. “Todos estão fumando maconha.” “Não há ninguém que não
aproveite a possibilidade de ‘colar’ numa prova.” “Qualquer indivíduo
sabe que é burrice pagar o imposto de renda integralmente.” “Ninguém
faz assim, se não precisar.” “Quem não leva a namorada para um motel?”
“Ninguém desliga a TV quando está passando um filme cativante,
qualquer que seja a mensagem transmitida.”
Ananias e sua mulher. Safira, se entregaram à sugestão de Satanás
com certa facilidade, não pelo fato de a hipocrisia ter se generalizado na
comunidade de JerUsalérn (At 5.1-9). Parece que o diabo encheu-lhes o
coração, aproveitando-se de um diálogo em que o casal se congratulava
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o MUNDO, A CARNE E O DIABO
pela sua própria disposição generosa de dar uma grande oferta para o
fundo de assistência aos pobres da igreja. Não ficariam gratos os apóstolos
e os necessitados em receber esse dinheiro como um favor? A decisão de
reservar uma parte do dinheiro, enquanto levavam a igreja a pensar que
haviam entregado tudo, seria uma mentira “branca”, tão sem importância
que não pesaria na consciência. Prejuízo, ninguém sofreria. Ganhariam
status e encorajariam outros donos de propriedades a vendê-las e entregar
tudo aos apóstolos.
Satanás encoraja este tipo de racionalização. Quando os benefícios
são grandes e a mentira não prejudica o próximo (“não mentiste aos
homens”), engole-se o veneno com pouca resistência.
1. Uma igreja da Am érica do Norte ousadamente agarra serpentes venenosas nos seus
cultos tumultuados para provar que crê literalmente em M c 16.18.
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AS ESTRATÉGIAS SATÂNICAS
que lêem pouco a Bíblia e a entendem meíios ainda. Jesus apontou a falha
dos saduceus que negavam a doutrina da ressurreição: “Não provém o
vosso erro de não conhecerdes as Escrituras?” (Mc 12.24). Por outro lado,
os cristãos que seguem o exemplo dos bereanos, que “receberam a palavra
com toda a avidez, examinando as Escrituras todos os dias para ver se as
cousas eram de fato assim” (At 17.11), têm vantagem absoluta no conflito
com o diabo. Em Corinto, os falsos apóstolos e obreiros fraudulentos, que
Paulo tachou de “ministros de Satanás” (2 Co 11.13-15), empenhavam-se
em torcer as Escrituras de acordo como o modelo do seu tutor. Havia
muitos pregadores “cristãos” que “mercadejavam a palavra de Deus” (2
Co 2.17).^ Apresentavam-se como àpóstolos de Cristo (11.13), mas sua
mensagem enganadora, ao invés de salvar, condenava. “O fim deles será
conforme as suas obras” (11.15). O termo “mercadejar” quer dizer lucrar
com um negócio desonesto. Na tradução grega do Antigo Testamento
(Septuaginta), em Isaías 1.22 usa-se o mesmo termo para designar os que
enganam os compradores, misturando agua ao vinho. Uma interpretação
da Bíblia pode dar lucro ao enganador. Casos há em que colaboradores
plantados na congregação fingem doenças graves ou se apresentam como
aleijados. Na hora da mensagem e da oração são “curados” e, assim, apelos
por contribuições são recebidos muito mais favoravelmente.
Os cristãos que não treinam para usar corretamente a espada do
Espírito e não confiam plenamente nela não têm chance frente a Satanás.
Existe toda espécie de seitas que convencem seus adeptos pela deturpação
da Bíblia. As Testemunhas de Jeová citam certos textos da Palavra como
- m -
o MUNDO, A CARNE E O DIABO
se eles fossem os próprios autores da Bíblia. Mas nem por isso escapam
da armadilha satânica, torcendo aquilo que o texto realmente diz. O Livro
de Mórmom interpreta a Bíblia e acrescenta acontecimentos fictícios a
ela, a ponto de obscurecer completamente o caminho da salvação. Na
Idade Média, a Igreja de Roma chegou a proibir os cristãos de lerem a
Bíblia, já que a tradição tinha se afastado muito da verdade e da
simplicidade das Escrituras.^ É incontestável que os falsos profetas a
serviço do Enganador precisam de pouca astúcia para desviar os santos
rumo aos “ensinos de demônios” (1 Tm 4.1), quando eles têm
conhecimentos tão superficiais da doutrina bíblica.
Pela parábola do semeador, Jesus ensinou que é Satanás quem tira
a palavra semeada nos corações humanos (Mc 4.15). A leitura das
Escrituras sem compreensão ou seriedade facilita a ação diabólica. Se a
mensagem da Bíblia não germina nem lança raízes, o resultado é a
formação de um cristianismo sem defesas e carente de frutos. A parábola
do joio nos alerta para o perigo que está no meio do campo do Senhor (Mt
13.17-39; note: “o inimigo que o semeou é o diabo”). O Senhor explicou
em Sua interpretação que o joio representa “os filhos do maligno” que
aparecem no meio do trigo, “os filhos do reino”. Os emissários de Satanás
influenciam o campo, agindo de acordo com o plano global de prejudicar
ao máximo o projeto divino que Jesus tinha em vista quando declarou:
“Edificarei a minha igreja” (Mt 16.18).
1. Agostinho relata que, no seu tempo (séc. lY V ), as “Escrituras Divinas tinham chegado
às mãos de todos” (Carta 232, vol. ii, ed. de Clark, citada em Dictionary of Antiquities,
vol. 2, p. 1859). Durante os primeiros três séculos da era cristã, encontramos um apelo
uniforme às Escrituras com o “fonte inerrante da fé e fundamento dos vários credos
compostos naquele período”, ibid. Mas no século XIII, o papa Inocêncio III decretou
a proibição da leitura da Bíblia. Não é de admirar que a Igreja logo estaria queimando
seus melhores membros, tais como Wycliffe (1329-1384), João Hus (1373-1415) e
Savonarola (1452-1498).
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A S ESTRATÉGIAS SATÂNICAS
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o MUNDO, A CARNE E O DIABO
diabo diante do anjo do Senhor (Zc 3.1). Foi com muita razão que Jesus
descreveu o demônio como “o valente” (Mt 12.29).
O poder de Satanás se faz presente na falsidade. O que é real pode
ser falsificado, seja dinheiro, sejam pinturas ou assinaturas. O diabo
também falsifica os dons do Espírito, especialmente os dons de línguas e
curas. Os milagres nem sempre são operações gloriosas de_De]^ _a
despeito da teologia popular (Jo 9.16,33). Paulo profetiza acerca da vinda
do iníquo, “segundo a eficácia de Satanás, com todo o poder, e sinais e
prodígios da mentira” (2 TS 2.9). Essa força sobrenatural exercida pelo
anticristo (“o iníquo”), revestido de poder pelos anjos rebeldes a serviço
de Satanás, convence o mundo incrédulo com maior eficiência. A eficácia
de Satanás, operando por intermédio dos milagres mentirosos do “filho
da perdição”, persuade o mundano pelo “engano da injustiça” (2 Ts 2.10).
Provavelmente é o mesmo “iníquo” que João descreve, em
Apocalipse 13, como a “besta que emerge da terra”. Parecia cordeiro, mas
falava como dragão, exercendo toda a autoridade da primeira besta (“o
anticristo”). Trata-se do falso profeta (c/. Ap 20.10), que opera grandes
sinais para seduzir os que habitam na terra (Ap 13.13s.). Os espíritos
imundos que saem da boca do falso profeta também operam milagres
(“sinais”, Ap 16.13s.).
A maléfica sutileza satânica não se esconde apenas nas persuasivas
manifestações de poder e prodígios, mas nas feridas auto-infligidas. As
palavras de Os Guiness são bem apropriadas: “Nosso inimigo real hoje
não é o secularismo, nem o humanismo, nem o marxismo, nem qualquer
das grandes religiões rivais do evangelho cristão, nem a modernização,
mas nós mesmos. Nós, os cristãos ocidentais, somos simplesmente um caso
especial da condição humana universal que Pascal apontou: ‘Jesus Cristo
vem para dizer aos homens que eles não têm outros inimigos senão eles
mesmos’. Ou como vemos mais recentemente: ‘Nós encontramos o
inimigo e este somos nós’.”^
1. Os Guiness, The Gravedigger File: Papers on the Subversion of the Modem Church
(Downers Grove: Inter-Varsity), 1983, p. 14.
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A S ESTRATÉGIAS SATÂNICAS
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o MUNDO, A CARNE E O DIABO
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o Ataque e a Defesa do Cristão
Introdução
Para vencer as ciladas satânicas é preciso uma compreensão bíblica
de luta e defesa. Estratégias eficazes precisam ser identificadas e
praticadas. Jesus utilizou uma defesa modelar quando enfrentou a
tentação do adversário no deserto. Ele reconheceu tanto a origem da
tentação como o seu objetivo. Em Sua perfeita defesa, Cristo elevou a
autoridade da Bíblia acima da racionalização e dos interesses humanos.
“Está escrito...” bastava para encerrar qualquer discussão. A Bíblia
inspirada, corretamente interpretada, deve ser a última palavra em
qualquer discussão travada com Satanás.
A Bíblia apresenta eficientes meios para resistir ao leão que ruge.
Nas páginas seguintes, selecionamos alguns deles para orientar melhor os
guerreiros de Deus.
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o ATAQUE E A DEFESA DO CRISTÃO
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o MUNDO, A CARNE E O DIABO
desastroso que é balear a mãe, sem ver o agressor real.^ Nas discussões,
debates e disputas, toda nossa indignação deve se voltar contra as forças
invisíveis do mal. Foi para isso que Deus nos dotou de agressividade.
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o ATAQUE E A DEFESA DO CRISTÃO
1. M. F. Unger opina que existem duas classes de demônios; “... os que estão livres e os
que estão presos. A queles se movimentam livremente nas regiões celestiais com seu
príncipe e líder Satanás (Mt 12.24) e, como emissários deste, são tão numerosos que
tornam quase universal o poder exercido por ele”. Enciclopédia Histórico-Teolóffca da
Igreja Cristã, ed. W. A. Elwell, trad. G. Chown, (São Paulo: Vida Nova) vol. III, 1991, p.
351.
111 -
o MUNDO, A CARNE E O DIABO
As peças são de origem celestial de tal forma que, só de vesti-las,
aproveita-se o socorro sobrenatural necessário para vencer. As táticas dos
1
antagonistas iníquos são tanto intimidação como insinuação.
A Couraça da Justiça
Em segundo lugar, deve-se amarrar a couraça da justiça em volta do
coração e de todos os órgãos vitais. A “justiça” pode ser aquela imputada
1. E. K. Simpson, Commentary on the Epistles to the Ephesians and the Colossians (Grand
Rapids; Eerdmans), 1957, p. 145. For isso, as armas de resistência devem ser ativas e
passivas. Paulo as chama de “armas da justiça {dikaíSsynt) da direita e da esquerda”
(2 Co 6.7). Antigamente atacava-se com a espada na mão direita e se defendia com o
escudo no braço esquerdo. A s peças de proteção do corpo são, evidentemente, armas
de defesa contra o ataque satânico. É fácil imaginar o apóstolo aplicando a idéia da
armadura romana, pois e le passou muitos dias e noites algemado aos guardas
pretorianos {çf. Fp 1.13).
2. A primeira vitória de Satanás no jardim foi conquistada através de mentiras e
insinuações. Cf. J. O. Sanders, op. cit.,p. 93.
3. Cf. E. K. Simpson, op. cit., p. 146.
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o ATAQUE E A DEFESA DO CRISTÃO
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o MUNDO, A CARNE E O DIABO
realmente nada tem a temer. Não vencemos o “leão que ruge” fugindo,
mesmo que seja na velocidade de um recordista olímpico. A vitória é
garantida aos que permanecem inabaláveis na fé (c/ Ef 6.13), sabendo que
os seus pecados foram transferidos para Cristo, enquanto Sua justiça foi
transferida para eles (2 Co 5.21; cf. Is 53.6). Compreende-se, assim, por
que Lutero escreveu a respeito da doutrina da justificação pela fé: “Não
se pode abrir mão ou fazer concessões em nenhum ponto desta doutrina...
Nela repousa tudo que ensinamos e praticamos contra o papa, o diabo e
o mundo”.^ Sem a couraça da justiça, o diabo facilmente vence o “cristão”.
Paulo relembra aos tessalonicenses que, por sermos do dia, não da
noite, devemos nos revestir da couraça de fé e amor (1 Ts 5.8). Não existe
nenhuma contradição entre os dois textos. A justiça só pode ser recebida
pela fé (Ef 2.5,8) e vivida no amor (G15.22; 1 Co 13.1-4).
No seu livro Mimosa, Amy Carmichael nos conta acerca de uma
menina indiana que escutou o evangelho de alguma missionária. Naquele
curto período entregou sua vida ao “novo Deus”. Seu pai a levou sem
demora, para que não ouvisse mais acerca da nova religião. Durante os 23
anos que se seguiram, ela buscou o Deus da Bíblia, sem o auxílio das
Escrituras ou de amigos. Perseguições terríveis, um casamento forçado e
a criação de quatro filhos num ambiente pagão não foram suficientes para
fazê-la fraquejar. Conseguiu pela graça de Deus voltar para a Missfão
Dohnavur. Os missionários ficaram atônitos ao verificarem como Deus
tinha guardado aquela mocinha. A fé e o amor a protegeram contra os
mais ferozes ataques do Inimigo, porque Deus lhe deu a Sua justiça.
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o ATAQUE E A DEFESA DO CRISTÃO
O Escudo da Fé
A quarta peça é o escudo da fé, que nunca deve ser largado (veja o
grego enpasin, em toda situação, “embraçando sempre”, Ef 6.16). Contra
uma chuva de flechas ou pedras, o escudo (o scutum romano) protegia
perfeitamente todo guerreiro que cuidava de colocá-lo entre si e o inimigo.
Os dardos, com suas pontas acesas depois de mergulhadas em piche, eram
armas formidáveis contra batalhões que careciam de escudos grandes, à
prova de fogo.
Satanás lança perigosíssimos dardos inflamados contra o espírito,
mas Paulo pensava principalmente nas perseguições (Pedro disse: “o valor
da vossa fé... apurado por fogo”, 1 Pe 1.7) que cercam os fiéis. Em
Apocalipse, João relata que, do “trono de Satanás”, situado em Pérgamo,
emanou o ódio que martirizou Antipas, uma testemunha fiel (Ap 2.13).
Pela fé, os heróis de Deus “fecharam bocas de leões, extinguiram a
violência do fogo, escaparam ao fio da espada... fizeram-se poderosos em
guerra... foram torturados, não aceitando seu resgate, para obterem
1. Ibid.
2. Ibid.
3. M. Green, Evangelização na Igreja Primitiva (São Paulo: Vida Nova), 1989^, pp. 94-178.
- 115-
o MUNDO, A CARNE E O DIABO
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o ATAQUE E A DEFESA DO CRISTÃO
1. C /H b 12.10
2. C. H . Pinnock,“Thorn in the Flesh”, ISBE, vol. IV (Grand Rapids; Eerdmans) 1988, p.
843.
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o MUNDO, A CARNE E O DIABO
O Capacete da Salvação
A proteção da cabeça exige cuidados especiais. Feridas graves na
cabeça são mortíferas. Antigamente, o capacete era desenhado de tal
forma que a cabeça ficasse totalmente protegida contra flechas e espadas.
Contra os ataques do Maligno, o capacete da salvação tem eficácia
singular. Refere-se à libertação efetuada por Jesus Cristo. Antes, vivíamos
no império das trevas. Mas Deus nos libertou e nos transportou para o
reino do Filho do Seu amor (Cl 1.13). Lucas usa o vocábulo “foi salvo”
para descrever a libertação do endemoninhado geraseno (Lc 8.36).
Hebreus afirma que Jesus Cristo “pode salvar totalmente os que por ele
se chegam a Deus (7.25).
Paulo também se refere ao capacete como a “esperança da
salvação”(l Ts 5.8). Mesmo tendo cruzado a fronteira espiritual entre o
reino deste mundo e a Terra Prometida em Cristo, a libertação do cristão
ainda não foi inteiramente realizada. Aguardamos a redenção do nosso
corpo, “porque na esperança fomos salvos” (Rm 8.23s.). Vivemos na
segurança da obra completa de Cristo, realizada na cruz. Pela graça somos
salvos (gr.sesõsmenoi, “temos sido salvos”, Ef 2.8); mas também “seremos
por ele salvos da ira” (Rm 5.9) e “seremos salvos pela sua vida” (v. 10).
Concluímos que o capacete transmite a segurança do resgate
efetuado por Cristo na cruz por nós, mas também garante a transformação
completa, na vinda do Salvador, marcando a ocasião quando Ele
“transformará o nosso corpo de humilhação para ser igual ao corpo da sua
glória” (Fp 3.21). A certeza do perdão de Deus e a “plena certeza da
esperança” fortalecem o cristão contra os ataques de Satanás,
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o ATAQUE E A DEFESA DO CRISTÃO
A Espada do Espírito
O guerreiro não somente deve pensar em se defender, mas também
em atacar. Resistir ao diabo (1 Pe 5.9) requer mais do que proteção. O
eficiente manejo da espada do Espírito torna vulnerável o inimigo. Não é
pelo conhecimento intelectual da Bíblia que o cristão vence, mas pela
vivência da Palavra no poder do Espírito. Acolher a palavra de Cristo e
assegurar que ela seja ricamente implantada em nós (Cl 3.16), este é o
segredo da vitória. A letra mata, mas o Espírito vivifica (2 Co 3.6). Por isso
devemos implorar que o Espírito torne a mensagem das Escrituras “viva
e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes”. Não
podemos abandonar o campo de batalha, enquanto ela não penetrar “ao
ponto de dividir alma e espírito... e discernir os pensamentos e propósitos
do coração”(Hb 4.12). Esta arma divina adquire por preempção toda
vantagem que o Acusador pretende obter por meio de suas denúncias. A
espada da Palavra acusa com amor, sem improperar {cf. Tg 1.5).
Jesus demontrou como os trechos do texto inspirado fazem dissipar
o baluarte do inimigo. É importante notar que o maligno não rebateu a
mensagem de Cristo, pois foi dirigida eficientemente contra as suâs
investidas distorcidas. Se tivermos destreza no manuseio da Palavra e urna
dependência cheia de fé no Espírito Santo, poderemos confiar na vitória
prometida (2 Co 2.14; Rm 8.37).
A Oração no Espírito
O segredo do bom aproveitamento da armadura disponível está na
oração. Não há hiato entre as exortações no sentido de colocar e tomar
toda a armadura e a maneira de usá-la; “com toda oração e súplica orando
em todo tempo no Espírito...” (Ef 6.18). Esta última frase necessita
elucidação.
Orar no Espírito significa, em primeiro lugar, reconhecer a nossa
-119-
o MUNDO, A CARNE E O DIABO
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10
Conclusão: O Mundo, a Carne e o Diabo
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CONCLUSÃO: O MUNDO, A CARNE E O DIABO
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CONCLUSÃO: O MUNDO, A CARNE E O DIABO
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o MUNDO, A CARNE E O DIABO
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