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A Antiga e

A Nova Aliança

Suas Respectivas Naturezas e


Diferenças

Uma Exposição de Hebreus 8:6-13


Na qual a natureza e diferenças entre a Antiga e a Nova Alianças são
demonstradas.
Por John Owen

Editado por Ronald D. Miller, James M. Renihan


e Francisco Orozco

1ª Edição

Francisco Morato, SP
O Estandarte de Cristo
2020
Título Original

An Exposition of Hebrews 8:6-13.


Wherein, the nature and differences between
the Old and New Covenants is discovered.
Por John Owen

Editado por Ronald D. Miller, James M. Renihan


e Francisco Orozco

Copyright © 2005 Reformed Baptist Academic Press.


Todos os direitos reservados. Esse copyright não se aplica aos
materiais de Coxe e Owen.

Publicado por Reformed Baptist Academic Press
349 Sunrise Terrace
Palmdale, CA 93551.

Copyright © 2020 Editora O Estandarte de Cristo
Francisco Morato, SP, Brasil

1ª edição em português: 2020.

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por Editora O
Estandarte de Cristo. Proibida a reprodução por quaisquer meios,
salvo em breves citações, com indicação da fonte.

Salvo indicação em contrário e leves modificações, as citações
bíblicas usadas nesta tradução são da versão Almeida Corrigida Fiel
| ACF • Copyright © 1994, 1995, 2007, 2011 Sociedade Bíblica
Trinitariana do Brasil.

Tradução: Camila Rebeca Teixeira e William Teixeira
Revisão: William Teixeira, Joerley Cruz e Leonardo Honda Bastos
Capa: William Teixeira

Visite: oestandartedecristo.com
Sumário
Uma Breve Biografia de John Owen
Extraída do Memorial dos Não-Conformistas, por
Samuel Palmer
Introdução do Editor
Capítulo 1
Exposição do Versículo 6
A Diferença entre as Duas Alianças
Uma Afirmação da Excelência do Ministério de Cristo
A Introdução da Afirmação
Primeira Observação Prática
O que é Atribuído a Cristo na Afirmação
Segunda Observação Prática
Terceira Observação Prática
Quarta Observação Prática
Como Cristo Veio a esse Ministério
Quinta Observação Prática
A Qualidade desse Ministério
A Preeminência desse Ministério
Sexta Observação Prática
A Prova da Afirmação
O Ofício de Mediador
Sétima Observação Prática
Uma Descrição Adicional de seu Ofício Mediatório
De que Aliança Cristo era o Mediador?
Dificuldades do Contexto Respondidas
A Prova da Natureza dessa Aliança Quanto à sua Excelência
Toda Aliança é Estabelecida sobre Promessas
A Nova Aliança é Estabelecida com Promessas Melhores
Oitava Observação Prática
Nona Observação Prática
Um Discurso Acerca de Algumas Coisas em Geral
Uma Disputa em Relação às Duas Alianças
Quatro Pontos Consoantes Acerca das Duas Administrações
Cinco Diferenças entre as Duas Administrações
Os Argumentos Luteranos
Cinco Pontos sobre essa Questão
Três Coisas Relacionadas à Primeira Aliança que Provam que
Ela Não foi uma Administração do Pacto da Graça
Primeira, Ela não foi Feita para a Vida e Salvação da Igreja
Segunda, Ela Não Anulou a Promessa Feita a Abraão
Terceira, Ela Continha Outros Benefícios para a Igreja
Duas Perguntas sobre a Aliança do Sinai
A Substância de Toda a Verdade
Seis Razões para a Introdução da Primeira Aliança
A Diferença entre as Duas Alianças
A Opinião da Igreja de Roma
A Doutrina da Escritura sobre a Diferença entre as Alianças
Exposta em 17 Particularidades
Uma Resposta aos Socinianos
Décima Observação Prática
Décima Primeira Observação Prática

Capítulo 2
Exposição do versículo 7
A Necessidade de Uma Nova e Melhor Aliança
Uma Afirmação Positiva
A Prova desta Afirmação
Primeira Observação Prática
Segunda Observação Prática

Capítulo 3
Exposição do Versículo 8
A Nova Aliança
A Introdução do Testemunho
Sua Conexão
Seu Fundamento
Seu Verdadeiro Significado
Primeira Observação Prática
Segunda Observação Prática
Terceira Observação Prática
O Próprio Testemunho
O Autor da Promessa
Quarta Observação Prática
A Nota da Introdução
Quinta Observação Prática
Sexta Observação Prática
O Tempo da Realização
Sétima Observação Prática
A Coisa Prometida
Três Coisas que Coincidem na Nova Aliança
Por que Chamar de uma Aliança?
Oitava Observação Prática
As Coisas Contidas na Nova Aliança
O Autor dessa Aliança
Nona Observação Prática
As Pessoas com Quem essa Aliança é Feita
Décima Observação Prática
Décima Primeira Observação Prática
O Modo de Fazer a Nova Aliança
Seu Caráter Distintivo

Capítulo 4
Exposição do Versículo 9
A Novidade da Nova Aliança
As Razões para uma Aliança Diferente
A Primeira Aliança
Primeira Observação Prática
Segunda Observação Prática
Terceira Observação Prática
Quarta Observação Prática
Quem Eram Esses “Pais”?
A Quebra da Antiga Aliança
Quinta Observação Prática
Sexta Observação Prática
A Anulação da Antiga Aliança
A Verdade Dessas Coisas
A Promessa de Outra Aliança
Sétima Observação Prática
Oitava Observação Prática
Nona Observação Prática
Décima Observação Prática

Capítulo 5
Exposição dos Versículos 10-12
As Promessas da Nova Aliança

Exposição do versículo 10
Introdução da Declaração da Nova Aliança
O Assunto: A Criação de uma Aliança
Primeira Observação Prática
Segunda Observação Prática
Terceira Observação Prática
Quarta Observação Prática
O Autor dessa Aliança
Quinta Observação Prática
Com Quem a Nova Aliança é Feita
O Tempo de Fazer a Aliança
O Tempo Exato da Realização dessa Promessa
A Natureza das Promessas da Nova Aliança
A Natureza Geral dessas Promessas
Refutação da Interpretação Sociniana e Demonstração da
Verdadeira Interpretação em Seis Aspectos
Duas Objeções Respondidas
As Propriedades Abençoadas e os Efeitos da Nova Aliança
Primeira Bênção Geral – Restauração da Imagem de Deus em
Nós
O que é Atingido
Sexta Observação Prática
Em seus Entendimentos
O Modo de Produzir o Efeito
O que é Comunicado: Minhas Leis
A Natureza da Graça na Primeira Promessa
Sétima Observação Prática
Em seus Corações
Oitava Observação Prática
Nona Observação Prática
Décima Observação Prática
“E eu lhes serei por Deus, e eles me serão por povo.”
A Natureza dessa Relação
O Fundamento
O Mediador deve Ser Cristo
Décima Primeira Observação Prática
As Ações Mútuas
A Relação de Deus para com o Homem
Décima Segunda Observação Prática
Décima Terceira Observação Prática
Décima Quarta Observação Prática
Décima Quinta Observação Prática
A Relação do Homem com Deus
Décima Sexta Observação Prática
Décima Sétima Observação Prática

Exposição do Versículo 11
A Parte Negativa da Promessa
A Parte Positiva da Promessa
Refutação de uma Má Interpretação desse Texto
A Interpretação Correta do Texto
Em que Consistia a Remoção do Ensino?
O que Não Seria Mais Ensinado?
Várias Observações sobre Expressões Particulares
Décima Oitava Observação Prática
Décima Nona Observação Prática
Vigésima Observação Prática
Vigésima Primeira Observação Prática
Vigésima Segunda Observação Prática
A Parte Positiva da Promessa (continuação)
Para Quem Ela é Feita
Vigésima Terceira Observação Prática
Vigésima Quarta Observação Prática
Qual é o seu Assunto?
Vigésima Quinta Observação Prática
Vigésima Sexta Observação Prática
Vigésima Sétima Observação Prática

Exposição do Versículo 12
Vigésima Oitava Observação Prática
A Promessa Considerada
Para Quem é Ela Feita
Objeção e Resposta
Vigésima Nona Observação Prática
O que é Prometido
O que se Entende por Pecados
Trigésima Observação Prática
Trigésima Primeira Observação Prática
Trigésima Segunda Observação Prática
Trigésima Terceira Observação Prática
O que se Entende pelo Perdão dos Pecados

Capítulo 6
Exposição do versículo 13
A Necessidade e Certeza da Abolição da Primeira Aliança
A Palavra Especial ou Testemunho Bíblico
Uma Máxima Geral da Verdade
Uma Breve Biografia de John Owen

Extraída do Memorial dos Não-


Conformistas de Samuel Palmer[1]
John Owen era um descendente da realeza galesa por parte de seu
pai, Henry Owen, um puritano e ministro rigoroso em Stadham,
Oxfordshire. Foi nesse lugar que John, o segundo filho de Henry,
nasceu em 1616.
Quando jovem, ele era tão proficiente em aprender que foi
admitido à Universidade de Oxford com cerca de doze anos de
idade. Então, prosseguiu seus estudos com tal diligência que por
vários anos se permitiu apenas quatro horas de sono a cada noite.
Todo o seu objetivo e ambição era, como ele confessou depois com
vergonha e tristeza, ascender a alguma posição de eminência na
igreja ou no estado.
Nessa época, o arcebispo William Laud impôs vários rituais
supersticiosos à Universidade. Mas Owen recebeu tanta luz que sua
consciência não conseguiu se submeter a tais ritos, pois Deus
causara tal impressão em seu coração que ele foi inspirado por
caloroso zelo e para a pureza de sua adoração e da reforma na
igreja. Essa mudança de pensamento agora se manifestava de tal
modo que seus amigos o denunciaram como infectado pelo
puritanismo, e ele se tornou tão antipático ao partido laudiano que
foi forçado a deixar a universidade. Aproximadamente nessa época,
ele lutou contra muitos pensamentos desconcertantes sobre seu
estado espiritual. Esses, combinados com seus problemas
exteriores, o lançaram em um período de escuridão espiritual que
durou três meses, e demorou quase cinco anos antes que ele
alcançasse uma paz firme.
Quando a Guerra Civil Inglesa começou, Owen posicionou ao
lado da causa do Parlamento. Mas seu tio, um monárquico que lhe
havia dado suporte na universidade, ficou tão veementemente
ressentido devido a essa decisão que imediatamente se voltou
contra John e prometeu que a sua herança seria de outro herdeiro.
Então ele passou a viver como o capelão particular na casa de um
lorde que, embora fosse um monárquico, o tratava com grande
civilidade. No entanto, quando esse lorde entrou no serviço do
exército do rei, Owen foi forçado a procurar outro meio de sustento.
Chegando a Londres como um completo estranho e sobrecarregado
com profundas lutas espirituais, ele entrou na Igreja de
Aldermanbury em um dia do Senhor para ouvir Edmund Calamy
pregar. Quando o pregador esperado não apareceu, um ministro de
um lugar desconhecido (cuja identidade Owen nunca foi capaz de
descobrir) subiu ao púlpito e pregou em Mateus 8:26: “Por que
temeis, homens de pouca fé?”. Esse sermão removeu as suas
dúvidas e lançou os alicerces daquela paz e consolo espirituais que
ele desfrutou enquanto viveu. Tendo a sua saúde física agora
totalmente restaurada, ele escreveu seu livro intitulado A Display of
Arminianism,[2] o qual tornou notável esse jovem teólogo
anteriormente desconhecido.
O comitê do Parlamento para expulsar ministros envolvidos em
escândalos (um grupo encarregado da remoção de ministros que
não cumpriram as suas responsabilidades) ficou tão impressionado
com esse livro que lhe ofereceu o pastorado em Fordham, Essex.
Ele cumpriu essa função por dezoito meses de modo muito
abençoado e zeloso tanto na paróquia quanto nas redondezas.
Quando o relato da morte de seu antecessor alcançou o
patrocinador que o sustentava (um homem com pouca consideração
por Owen), outro homem foi designado e Owen teve que abandonar
sua posição. Quando o povo de Coggeshall, Essex, a cerca de oito
quilômetros de distância, ouviu sobre isso, eles o convidaram para
sua aldeia, e o Conde de Warwick, seu patrono, prontamente lhe
ofereceu sustento. Nesse lugar, ele pregou para uma congregação
mais atenciosa e maior (raramente ele pregava ali para menos de
2.000 pessoas) com grande êxito. Em Coggeshall, seu estudo das
Escrituras o convenceu a abandonar os princípios presbiterianos e a
adotar os princípios dos congregacionais/independentes, e como
resultado disso ele formou uma igreja congregacional que floresceu
por muitos anos após a sua morte.
Seus talentos não podiam ficar ocultos e ele foi chamado para
pregar perante o Parlamento em 29 de abril de 1646, escolhendo
Atos 16:2 como seu texto. Em várias outras ocasiões especiais,
particularmente no dia seguinte à morte de Charles I, Owen foi
chamado para ser o pregador. Seu texto naquele dia foi Jeremias
15:19-20, e seu sermão merece ser registrado como um monumento
perpétuo à sua integridade, modéstia e sabedoria. Logo depois,
Oliver Cromwell se aproximou dele dizendo: “Senhor, você é a
pessoa com quem eu devo estar familiarizado”, começando uma
amizade íntima que durou até a sua morte. Ele informou Owen de
sua intencionada expedição à Irlanda e insistiu que ele presidisse a
universidade em Dublin. Com grande relutância e depois de muita
deliberação, ele concordou com isso e ficou cerca de um ano e meio
pregando e supervisionando os assuntos da universidade. Ele então
retornou a Coggeshall, mas logo foi chamado para pregar em
Whitehall.
Em setembro de 1650, Cromwell exigiu que Owen fosse com
ele para a Escócia, e como Owen foi relutante em ir, ele conseguiu
uma ordem do Parlamento. Ele permaneceu em Edimburgo por
cerca de seis meses e mais uma vez retornou ao seu povo em
Coggeshall, com quem esperava passar o restante de seus dias.
Mas a Câmara dos Comuns logo o chamou para a reitoria de Christ
Church, Oxford, o que ele aceitou com o consentimento de sua
igreja. No ano seguinte (quando ele também se tornou doutor em
teologia, D.D.), ele foi escolhido vice-reitor da universidade, um
cargo que ocupou por cerca de cinco anos. Owen conseguiu essa
honra com singular prudência. Ele teve o cuidado de conter os mal-
intencionados, encorajar os piedosos e promover os homens
eruditos e diligentes. Sob a sua administração, toda a universidade
foi colocada em ordem e equipada com muitos estudiosos
excelentes e pessoas de piedade notável. Ele demonstrou grande
moderação em relação aos presbiterianos e episcopais; para os
primeiros ele colocou várias habitações vagas à sua disposição, e a
esses últimos, esteve disposto a recebê-los. Uma grande
congregação deles se reunia regularmente perto de sua residência
para observar a adoração de acordo com a então reprimida liturgia
da Igreja da Inglaterra, e ele nunca lhes causou o menor distúrbio,
embora muitas vezes ele fosse incitado a fazê-lo. Ele era
hospitaleiro em sua casa, generoso em seus favores e caridoso com
os pobres, especialmente com os pobres estudiosos. Alguns desses
ele acolheu em sua própria família e os custeou, provendo-lhes uma
formação acadêmica. Ele ainda dedicou tempo para os seus
estudos, pregando todos os outros dias do Senhor em St. Mary, e
muitas vezes em Stadham e outros lugares adjacentes, e
escrevendo alguns livros excelentes, incluindo a sua obra sobre a
perseverança dos santos. Em 1657, o Dr. Conant foi eleito vice-
chanceler da Universidade e Owen se despediu deles e voltou para
a vida privada em Stadham, onde possuía uma boa propriedade e
vivia pacificamente.
Ele permaneceu ali até depois da Restauração de Charles II.
Mas quando a perseguição aumentou, ele foi obrigado a se mudar
de um lugar para outro e finalmente chegou a Londres, onde
pregava conforme tinha oportunidade e continuava escrevendo. Seu
Animadversions a um livro papista chamado Fiat Lux o recomendou
à estima do Lorde Chanceler Hyde, que garantiu que “ele merecia o
melhor de qualquer protestante inglês dos últimos anos, e que a
igreja era obrigada a reconhecê-lo e promovê-lo”. Ao mesmo tempo,
ofereceu-lhe nomeação, se ele o aceitasse, mas expressou a sua
surpresa que um homem tão erudito acolhesse a nova opinião sobre
a forma independente de governo da igreja. O doutor se ofereceu
para provar que isso foi praticado por várias centenas de anos
depois de Cristo em um debate contra qualquer bispo que seu
senhor quisesse nomear para argumentar em resposta. No entanto,
apesar de todo o bom serviço prestado pelo doutor à Igreja da
Inglaterra, ele foi perseguido de um lugar para outro e uma vez
escapou por pouco de ser capturado por alguns soldados em
Oxford. Eles o perseguiram até a casa onde estava, mas desistiram
quando informados pela dona da casa que ele havia partido cedo
naquela manhã, o que ela realmente achava que era o caso.
Durante vários anos, ele pensou em ir para a Nova Inglaterra, onde
foi convidado em 1663 para dirigir o Harvard College e pastorear a
Primeira Igreja de Boston, mas foi impedido por ordens particulares
do rei. Ele foi depois convidado a ser professor de teologia nas
Províncias Unidas (Holanda), mas sentia tanto amor por seu próprio
país que não conseguia deixa-lo enquanto houvesse alguma
oportunidade de ser útil nele.
Quando Charles II ofereceu uma indulgência para tolerar os
dissidentes, Owen foi incansável na pregação e organizou uma
palestra assistida por pessoas eminentes. Os escritos que ele ainda
continuava a produzir atraíram a admiração e o respeito de várias
pessoas de elevada posição e honra. Quando ele estava em
Tunbridge, o duque de York mandou chamá-lo e falou várias vezes
com ele sobre os dissidentes. Após seu retorno a Londres, foi
chamado pelo próprio rei Charles, que falou com Owen por duas
horas, assegurando-lhe seu favor e respeito, dizendo-lhe que
poderia ter acesso a ele sempre que quisesse. Ao mesmo tempo, o
Charles assegurou ao doutor que era favorável à liberdade de
consciência e tinha ciência do mal que havia sido feito aos
dissidentes. Como testemunho disso, o rei lhe deu 1.000 guinéus
para distribuir entre aqueles que mais sofriam.
Sua grande dignidade lhe proporcionou a estima de muitos
estrangeiros que vinham de outros lugares, e muitos teólogos
estrangeiros, tendo lido as suas obras em latim, aprenderam inglês
para se beneficiarem das demais obras. Sua correspondência com
acadêmicos no exterior foi grande e vários deles viajaram para a
Inglaterra para encontrar e conversar com Owen. Seus muitos
trabalhos lhe faziam enfermar com frequência, pelo que ele muitas
vezes se afastava do seu serviço público, embora não ficasse
ocioso, pois continuava a escrever sempre que conseguia
permanecer sentado. Finalmente, ele se retirou para Kensington.
Em uma ocasião, quando estava indo de lá para Londres, dois
informantes apreenderam a sua carruagem, mas ele foi liberado
pela intervenção de Sir Edmund Godfrey, um juiz de paz, que
providencialmente estava presente naquele momento. O doutor
depois se mudou para sua própria casa em Ealing, onde passou
seus últimos dias. Lá, foi levado a pensar no outro mundo como
alguém que estava se aproximando dele, e isso culminou em suas
“Meditações sobre a Glória de Cristo”, na qual ele exalou a devoção
de uma alma que crescia continuamente em uma mentalidade
celestial.
Ele escreveu: “Eu vou Àquele a quem minha alma tem amado,
ou melhor, àquele que me amou com um amor eterno, o que é o
fundamento de toda a minha consolação. A travessia é muito
incômoda e cansativa, envolve dores intensas e de vários tipos, que
são todos resultados de uma febre intermitente. Todas as coisas
foram supridas para me levar hoje a Londres, de acordo com o
conselho dos meus médicos; mas todos ficamos desapontados com
a minha total incapacidade de empreender a viagem. Eu estou
deixando o navio da igreja em uma tempestade, mas enquanto o
grande Piloto estiver nele, a perda de um remador pobre e inferior
será insignificante. Viva, ore, espere e aguarde pacientemente e não
desanime: A promessa permanece invencível, ele nunca nos
deixará, nem jamais nos abandonará”. Ele morreu no dia de São
Bartolomeu, em 24 de agosto de 1683, aos 67 anos.
Seu caráter pode ser resumido assim: quanto à sua pessoa, a
sua estatura era alta; seu semblante solene, majestoso e belo; seu
comportamento, gentil; suas habilidades mentais, incomparáveis;
seu temperamento, agradável e cortês; seu discurso comum,
moderadamente engraçado. Ele era um grande mestre de suas
paixões, especialmente da raiva, e possuía grande serenidade de
espírito, nem ficava eufórico com honra ou riqueza, nem deprimido
com dificuldades. Ele exercia grande moderação em seu julgamento
e era de um espírito caridoso, disposto a pensar o melhor de todos
os homens, até onde podia, não restringido o cristianismo a um
partido ou denominação. Ele era amigo da paz e um promotor
diligente dela entre os cristãos. Em relação à erudição, ele era um
dos mais brilhantes ornamentos da Universidade de Oxford. Mesmo
Anthony Wood, que de modo nenhum era amigável para com os
puritanos, escreveu que “ele era uma pessoa bem capacitada em
línguas, no conhecimento rabínico e nos ritos judaicos; que ele tinha
um grande domínio de sua pena inglesa, e era um dos escritores
mais precisos e refinados que já apareceram contra a Igreja da
Inglaterra”. Seu temperamento cristão na administração da
controvérsia era de fato admirável. Ele estava bem familiarizado
com os homens e com as coisas, e percebia o temperamento e
modos de um homem já em uma primeira impressão. Seus
trabalhos como ministro do Evangelho eram incríveis. Ele era um
excelente pregador, tendo boa oratória, era gracioso e amável. Ele
poderia, em todas as ocasiões, sem qualquer premeditação,
expressar-se com pertinência sobre qualquer assunto. No entanto,
seus sermões eram bem estudados e meditados, embora ele
geralmente não usasse anotações no púlpito. Sua piedade e
devoção eram eminentes e seu conhecimento experimental das
coisas espirituais enorme. Em todas as relações ele se comportava
como um nobre cristão.
Seu conhecimento da história eclesiástica e da teologia
polêmica era vasto e profundo, de modo que, quando as antigas
heresias foram reavivadas sob nomes modernos de arminianismo e
socinianismo, ele as refutou prontamente. A perspicácia com a qual
ele detectava o erro mais refinado, e a força com a qual ele
sobrepujava os mais formidáveis mestres de tais falsidades só
eram superadas pela exatidão com que ele declarava as mais
profundas verdades das Escrituras e a santidade com a qual ele
direcionava toda verdade para a purificação do coração e a
ordenação da vida. Em sua exposição do Salmo 130, ele tratou
sobre o propósito sábio e benevolente de Deus nos conflitos
mentais que havia suportado, e provou-se qualificado para guiar os
passos do pecador que retornava ao Deus do perdão. Seus tratados
sobre a mortificação do pecado nos crentes, sobre a mentalidade
espiritual e a glória de Cristo, provam que ele é igualmente
adequado para guiar o cristão em seus estágios mais avançados, e
para mostrar-lhe como concluir o seu caminho com alegria a fim de
obter uma entrada abundante no reino eterno de Cristo. Porém, a
sua grande obra é a exposição da epístola aos Hebreus. Para essa
obra os estudos de sua vida foram, mais ou menos, direcionados. E
embora essa epístola possa ser considerada seguramente a de
maior dificuldade entre todos os livros didáticos das Escrituras,
nenhuma parte dos escritos sagrados recebeu uma exposição tão
perfeita na língua inglesa ou talvez em qualquer outra língua.
Deve-se mencionar em honra a Owen que ele parece ter sido
um dos primeiros a considerar a noção do direito de julgamento
privado e tolerância. Ele foi honesto e zeloso o suficiente para
sustentar ambos em seus escritos quando os tempos eram os
menos encorajadores. Ele não apenas publicou dois fundamentos
para indulgência e tolerância em 1677, quando os dissidentes
estavam sofrendo perseguição sob Charles II, mas assumiu a
mesma posição muito mais cedo, pleiteando contra a intolerância
em um tratado por volta do início de 1647, quando o parlamento
chegou ao clímax do seu poder.
O Dr. Owen foi enterrado em Bunhill Fields, em Londres, com
uma deferência incomum. Sua lápide está em latim, mas traduzida
para o português diz:
John Owen, D.D.
Nascido no condado de Oxford; filho de um eminente teólogo,
porém ele mesmo ainda mais eminente, e justamente pode
ser considerado entre os mais ilustres de seu tempo.
Capacitado com as ajudas da erudição polida e sã, em um
grau muito incomum, ele conduziu todos esses, como um
trem bem ajustado, ao serviço de seu grande estudo, a
teologia cristã, polêmica, prática e casuística. Em cada uma
dessas áreas ele superou os demais, e se manteve
constante. Em um ramo da ciência mais santa, ele, com mais
poderes do que Hércules, capturou e derrotou monstros
envenenados, os erros arminianos, socinianos e papistas. No
outro, primeiro experimentando em seu próprio coração, de
acordo com a regra infalível da Escritura, o santo poder do
Espírito Santo, ensinou toda o funcionamento daquela
influência divina. Rejeitando objetos inferiores, ele
constantemente apreciava e experimentava, em grande
medida, aquela comunhão bem-aventurada com Deus, a qual
tão admiravelmente descreveu. Embora fosse um peregrino
na terra, ele estava próximo a um espírito no céu. Na teologia
experimental, todos os que poderiam ter as bênçãos de seus
conselhos o consideravam um oráculo. Ele era um escriba de
todas as maneiras bem versado no reino dos céus. Para
muitos em suas próprias casas, do púlpito para outros mais,
e da imprensa para todos, ele estava visando o prêmio
celestial e acendeu uma lâmpada pura da doutrina do
Evangelho. Brilhando assim, ele foi gradualmente consumido,
o que não foi despercebido por ele mesmo e por seus amigos
aflitos, até que sua alma santa, desejando a mais completa
fruição de seu Deus, abandonou as ruínas de um corpo
enfraquecido por constantes enfermidades, emaciado por
doenças frequentes, porém principalmente desgastado por
causa de trabalhos severos, e deste modo já não mais
adequado para o serviço de Deus: um tecido, assim gasto,
mais ainda gracioso e majestoso. Ele deixou o mundo em um
dia que se tornou terrível para a igreja devido aos poderes do
mundo, mas feliz para ele mesmo pelo agrado do seu Deus,
em 24 de agosto de 1683, aos 67 anos.
Uma Exposição
de
Hebreus 8:6-13

Em que,
A natureza e as diferenças entre a
Antiga e a Nova Aliança são
expostas.

Por John Owen


Introdução do Editor
O estilo de Owen é particularmente difícil para o leitor inexperiente,
e mesmo para aqueles que tiveram o privilégio de ler Owen de
modo aprofundado concordariam que ele não é um autor fácil de
acompanhar. Portanto, revisamos o material de Owen usando as
seguintes diretrizes gramaticais e estilísticas.
1. Atualizamos a ortografia e o uso de palavras. Palavras
arcaicas foram modernizadas de acordo com as definições do
Dicionário de Inglês Oxford. Alguns termos teológicos técnicos
foram mantidos.
2. A gramática e o estilo foram levemente modernizados.
3. Apenas as expressões em latim foram colocadas em itálico.
O próprio Owen geralmente traduz o hebraico, grego e latim usados
em sua exposição. Portanto, mantivemos essas línguas antigas no
corpo do comentário, movendo apenas as maiores citações gregas
e latinas do texto para notas de rodapé. Amy E. Chifici, que possui
um M.A. em latim, traduziu as citações latinas mais longas. Algumas
palavras e frases em latim e grego são traduzidas em notas de
rodapé.
4. As notas de rodapé originais que aparecem na edição da
Banner of Truth estão todas incluídas. As notas de rodapé do editor
são colocadas entre colchetes ([…]).
5. Foi feito um esforço para manter as divisões de palavras e
parágrafos. A maior parte da numeração esboçado pelo próprio
Owen foi preservada; isso ajudará a comparar essa edição com a
edição da Banner. No entanto as palavras em uma frase foram, em
alguns momentos, reorganizadas para melhor clareza.
6. Títulos e subtítulos foram acrescentados. Não há títulos ou
subtítulos na edição da Banner. Espera-se que essas divisões
acrescidas sejam úteis. As divisões alteraram um pouco a
numeração da seção original.
7. A intenção foi tornar Owen mais fácil de ler, no entanto,
aqueles que desejarem e aqueles que não são inexperientes na
leitura dos puritanos certamente terão muito proveito em ler a edição
da Banner, a qual está disponível com facilidade.
Francisco Orozco
Iglesia Bautista Betel
Cd. Cuauhtémoc Chihuahua México
Capítulo 1
Exposição do Versículo 6
A Diferença entre as Duas Alianças
“Mas agora alcançou ele ministério tanto mais excelente, quanto é
mediador de uma melhor aliança que está confirmada em melhores
promessas.” (Hebreus 8:6)[3]

Não há diferença substancial em qualquer tradução, antiga ou


moderna, dessas palavras; seu significado em particular será dado
na exposição.
A segunda parte do capítulo começa nesse versículo, a qual
trata da diferença entre as duas alianças, a Antiga e a Nova, com a
preeminência da última sobre a primeira, e do ministério de Cristo
acima dos sumos sacerdotes por essa razão. Toda a igreja-estado
dos judeus, com todas as suas ordenanças e cultos, e seus os
privilégios inerentes, dependiam totalmente da aliança que Deus fez
com eles no Sinai. Mas a introdução desse novo sacerdócio, do qual
o apóstolo fala, necessariamente abolia essa aliança e poria fim a
todas as ministrações sagradas que lhe pertenciam. E isso não
poderia ser oferecido a eles sem o suprimento de outra aliança, que
deveria exceder a primeira em privilégios e benefícios. Pois foi
concedido entre eles que esse era o desígnio de Deus visando
conduzir a igreja a um estado perfeito, como foi declarado no
capítulo 7; para esse fim, ele não revogaria e nem os privaria de
qualquer coisa que tivessem desfrutado sobre a primeira aliança,
sem que provesse algo que fosse melhor para tomar o seu lugar.
Portanto, o apóstolo aqui se compromete a declarar essa Nova
Aliança. E ele faz isso da maneira habitual, a partir de princípios e
testemunhos que foram admitidos entre eles.
Para esse propósito, ele prova duas coisas a partir de citações
expressas do profeta Jeremias:
1. Que além da aliança feita com seus pais no Sinai, Deus
havia prometido fazer outra aliança com a igreja, em seu tempo e
época designados.
2. Que essa outra aliança prometida seria de natureza
diferente da anterior, e muito mais excelente, quanto aos benefícios
espirituais que administraria para aqueles que participassem dela.
Depois de provar isso plenamente, o apóstolo infere a
necessidade da revogação da primeira aliança, na qual eles
confiavam e à qual aderiram, quando o tempo designado chegasse.
E sobre isso, Paulo aproveita a ocasião para declarar, através de
vários exemplos, a natureza das duas alianças e no que consistem
as diferenças entre elas. Essa é a essência do restante desse
capítulo.
Esse versículo é uma transição de um assunto para outro, ou
seja, da excelência e superioridade do sacerdócio de Cristo em
relação ao sacerdócio da lei para a excelência e superioridade da
Nova Aliança em relação à Antiga. E nisso também o apóstolo
habilmente inclui e confirma o seu último argumento, da
preeminência de Cristo, Seu sacerdócio e ministério, como
superiores aqueles que vigoravam sob a lei. E ele argumenta a
partir da natureza e excelência da aliança da qual Cristo é o
mediador no cumprimento de seu ofício.
As palavras do nosso versículo podem ser divididas em duas
partes: Em primeiro lugar, uma afirmação da excelência do
ministério de Cristo. E isso ele expressa por meio de comparação:
“alcançou ele ministério tanto mais excelente”; e depois declara o
grau dessa comparação: “tanto mais”. Em segundo lugar, ele anexa
a prova dessa afirmação, a saber, que Cristo é o “mediador de uma
melhor aliança que está confirmada em melhores promessas”.
Uma Afirmação da Excelência do Ministério de
Cristo
Nessa primeira parte há cinco coisas que devemos observar:
1. A observação introdutória, “mas agora”; 2. O que é atribuído ao
Senhor Jesus Cristo nessa afirmação, a saber, um “ministério”: 3.
Como ele obteve esse ministério, “alcançou ele ministério”; 4. A
qualidade desse ministério, que é “melhor” ou “mais excelente” que
o outro; 5. A medida e o grau dessa excelência, “tanto mais”.
A Introdução da Afirmação
A introdução da afirmação é feita pelas partículas νυνὶ δέ ,
“mas agora”. νῦν , “agora”, é uma observação de tempo, do tempo
presente. Mas há casos em que essas partículas adverbiais, assim
unidas, não parecem denotar qualquer época ou período, mas são
meramente adversativas como aparece em Romanos 7:17 e 1
Coríntios 5:11, 7:14. Porém, mesmo nessas passagens, elas
parecem também estar relacionadas ao tempo; e, portanto, não sei
por que razão esse aspecto estaria excluído aqui. Portanto, assim
como há aqui a intenção de uma oposição à Antiga aliança e ao
sacerdócio levítico, assim também é indicado o tempo em que seria
introduzida a Nova Aliança e o melhor ministério pelo qual ela foi
acompanhada. Observando o termo “Agora”, nesse momento, esse
é o tempo que Deus designou para a introdução da Nova Aliança e
o ministério dela. Para o mesmo propósito, o apóstolo se expressa,
tratando do mesmo assunto em Romanos 3:26: “Para demonstração
da sua justiça”, ἐν τῷ νῦν καιρῷ , “neste tempo presente”, agora
que o Evangelho está sendo pregado.
Primeira Observação Prática
Deus, em sua infinita sabedoria, dá tempos e períodos
apropriados a todas as suas dispensações para e em relação à
igreja. Assim, o cumprimento dessas coisas ocorreu na “plenitude
dos tempos” (Efésios 1:10), ou seja, quando todas as coisas o
tornam apropriado e adequado à condição da igreja e para a
manifestação de sua própria glória. Ele executa todas as suas obras
da graça em seu próprio tempo designado (Isaías 60:22). E nosso
dever é deixar a ordenação de todas as coisas concernentes à
igreja, no que diz respeito ao cumprimento das promessas, para que
Deus as cumpra em seu próprio tempo (Atos 1:7).
O que é Atribuído a Cristo na Afirmação
Aquilo que é atribuído ao Senhor Jesus Cristo é, λειτουγρία ,
um “ministério”. Os antigos sacerdotes tinham um ministério; eles
ministravam no altar, como vemos no versículo anterior. E o Senhor
Jesus Cristo também era “ministro”; assim como o apóstolo
mencionou anteriormente no versículo 2, ele era, λείτουργος τῶν
ἀγίων , “ministro do santuário”. Para esse fim, uma “liturgia”, um
“ministério”, um serviço, foram comissionados a Ele. E duas coisas
estão incluídas nisso:
(1.) Foi uma função de ministro que o Senhor Jesus
empreendeu. Ele não é chamado de ministro com relação a um ato
particular de ministração; assim como quando somos ordenados a
“ministrar às necessidades dos santos”,[4] mas isso não denota
nenhum ofício em relação àqueles que executam essa ministração.
Mas Cristo tinha um ofício permanente comissionado a ele, como a
palavra implica. Nesse sentido também ele é chamado, διάκονος ,
um “ministro” no ofício (Romanos 15:8)
(2.) A subordinação a Deus está incluída nisso. Com relação à
igreja, o ofício de Cristo é supremo, acompanhado de poder e
autoridade soberanos; ele é “Senhor sobre a sua própria casa”.[5]
Mas ele ocupa o seu ofício em subordinação a Deus, sendo “fiel ao
que o constituiu” (Hebreus 3:2). Assim como é dito que os anjos
ministram a Deus (Daniel 7:10), ou seja, fazem todas as coisas de
acordo com a sua vontade e sob Seu comando, assim também o
Senhor Jesus Cristo teve um ministério.
Segunda Observação Prática
E podemos observar que todo o ofício de Cristo foi designado
para o cumprimento da vontade e dispensação da graça de Deus.
Para esses fins, o seu ministério foi comissionado a Ele. Jamais
poderemos contemplar admirar suficientemente o amor e a graça de
nosso Senhor Jesus Cristo ao assumir esse ofício em nosso favor. A
grandeza e a glória dos deveres que ele desempenhou no seu
cumprimento, e os benefícios que recebemos por esse meio, são
indescritíveis, os quais constituem a causa imediata de toda graça e
glória. No entanto, não devemos absolutamente descansar nesses
benefícios, mas pela fé ascender até à fonte eterna deles. Dentre
esses benefícios estão a graça, o amor e a misericórdia de Deus,
todos agindo de modo poderoso e soberano. Em todo lugar na
Escritura os deveres que ele desempenhou são representados
como a fonte original de toda a graça, e o objetivo último de nossa
fé, com relação aos benefícios que recebemos pela mediação de
Cristo. O ofício do Senhor Jesus Cristo foi confiado a ele da parte de
Deus, o Pai; e Cristo cumpriu a sua vontade ao executá-lo.
Terceira Observação Prática
No entanto, também a condescendência do Filho de Deus em
assumir o ofício ministerial em nosso favor é indescritível e deve ser
para sempre admirada. Isso ficará especialmente evidente quando
considerarmos quem foi que o empreendeu, o que lhe custou, o que
ele fez e sofreu no desempenho e cumprimento de tal ofício, como é
expresso em Filipenses 2:6-8. Seu ministério não é somente o que
ele continua fazendo no céu à destra de Deus, mas também tudo o
que ele sofreu na terra. Seu ministério, quanto à sua realização, não
era uma questão de dignidade, uma promoção ou um benefício
(Mateus 20:28). É verdade, a realidade é que ele está gloriosamente
exaltado, mas isso não aconteceu antes de Cristo ter passado por
todos os males que a natureza humana é capaz de sofrer. E
devemos nos submeter a qualquer coisa alegremente por aquele
que se submeteu a esse ministério por nós.
Quarta Observação Prática
O Senhor Jesus Cristo, ao realizar esse ofício ministerial,
consagrou e tornou honroso esse ofício a todos os que são
verdadeiramente chamados a ele, e o cumprem devidamente. É
verdade que o ministério dele e o nosso não são do mesmo tipo e
natureza; mas se assemelham nisto: ambos são um ministério para
Deus nas coisas santas concernentes à sua adoração. E
considerando que o próprio Cristo era ministro de Deus, temos
muito mais motivos para tremermos diante da apreensão de nossa
própria insuficiência para tal ofício do que sermos desencorajados
devido a todas as dificuldades e lutas que enfrentamos no mundo
por causa disso.
Como Cristo Veio a esse Ministério
O modo geral de acordo com o qual nosso Senhor Jesus
Cristo veio a esse ministério é expresso: τέτευχε , “Ele o alcançou”.
τυγχάνω também é “sorte contingo”, “ter um destino ou porção”, ou
qualquer coisa que aconteça com um homem, como se fosse por
acidente; ou “assequor”, “obtineo”, “alcançar” ou “obter” qualquer
coisa que antes não possuíamos. Porém, o apóstolo não pretende
expressar nessa palavra o chamado especial de Cristo, ou o modo
particular como ele empreendeu o seu ministério, mas somente
mencionar de forma geral que ele o alcançou e o obteve no tempo
designado, aquilo que ele não possuía anteriormente. O apóstolo
expressa o modo pelo qual Cristo veio a todo o ofício e trabalho de
sua mediação pela palavra, κεκληρονόμνκε (Hebreus 1:4), ou seja,
ele o obteve por “herança”, isto é, por concessão gratuita e doação
perpétua, feita a ele como o Filho. Veja a exposição dessa
passagem.[6]
Houve duas coisas que concorreram para que ele alcançasse
esse ministério: (1.) O eterno propósito e conselho de Deus que O
designou para isso; um ato da vontade divina acompanhado de
infinita sabedoria, amor e poder. (2.) O verdadeiro chamado de
Deus, ao qual muitas coisas concorreram, especialmente a sua
unção com o Espírito sem medida sobre todo o seu ofício. Assim,
ele obteve esse ministério, e não por qualquer constituição legal,
sucessão ou rito carnal, como ocorria com os sacerdotes do
passado.
Quinta Observação Prática
E podemos ver que a exaltação da natureza humana de Cristo
no ofício desse ministério glorioso dependia unicamente da
soberana sabedoria, graça e amor de Deus. Quando a natureza
humana de Cristo foi unida à divina, ela se tornou, na pessoa do
Filho de Deus, apta e capaz para fazer expiação pelos pecados da
igreja e obter justiça e vida eterna para todos os que creem. Porém,
ela não merecia essa união, nem poderia merecê-la. Pois, assim
como era absolutamente impossível que qualquer natureza criada,
por qualquer ato próprio, merecesse a união hipostática,[7] assim
também isso foi concedido à natureza humana de Cristo,
antecedendo qualquer ato próprio de obediência a Deus; pois foi
unida à pessoa do Filho em virtude dessa união. E antes disso, ela
não poderia merecer nada. Portanto, toda a sua exaltação e o
ministério executado dependeram somente da soberana sabedoria e
agrado de Deus. E nessa eleição e designação da natureza humana
de Cristo para a graça e a glória, podemos ver o padrão e o
exemplo de nós mesmos. Pois, se não foi em consideração ou
previsão da obediência da natureza humana de Cristo que ela foi
predestinada e escolhida para a graça da união hipostática, com o
ministério e a glória que dependiam disso, mas isso aconteceu por
pura graça soberana de Deus; quanto menos poderia a previsão de
qualquer coisa em nós ser a causa do porquê Deus nos escolheria
nele antes da fundação do mundo para a graça e a glória!
A Qualidade desse Ministério
A qualidade desse ministério, assim alcançado, quanto à
excelência comparativa, é expressa da seguinte maneira:
διαφορωτέρας , “mais excelente”. A palavra é usada nesse sentido
somente nessa epístola, e na passagem do capítulo 1:4. A palavra
original denota apenas uma distinção de outras coisas; mas em grau
comparativo, como aqui, significa uma diferença com uma
preferência ou uma excelência comparativa. O ministério dos
sacerdotes levíticos era bom e útil em seu tempo e época; o
ministério sacerdotal de nosso Senhor Jesus Cristo diferia quanto a
ser melhor do que aquele e mais excelente, π ολλῷ ἄμεινο ν .[8]
A Preeminência desse Ministério
Ainda é acrescentado o grau dessa preeminência, na medida
em que se pretende nessa passagem e no presente argumento, na
palavra ὅοῷ , “tanto mais”, “Ministério tanto mais excelente”. A
excelência do ministério de Cristo acima do ministério dos
sacerdotes levíticos é proporcional à excelência e superioridade da
aliança da qual ele era o Mediador em relação à Antiga Aliança na
qual os sacerdotes levitas ministravam.
Assim, explicamos a afirmação do apóstolo sobre a excelência
do ministério de Cristo. E por esse meio ele encerra o seu discurso
com o qual esteve envolvido por tanto tempo, sobre a preeminência
de Cristo em seu ofício em relação aos sumos sacerdotes da
antiguidade. E, de fato, visto que essa era a principal questão que
permeava toda a controvérsia com os judeus, ele não poderia
exagerar ao oferecer evidências ou uma confirmação completa.
Sexta Observação Prática
E no que diz respeito a nós mesmos no momento, somos
ensinados dessa forma, que é nosso dever e nossa segurança nos
entregarmos universal e absolutamente no ministério de Jesus
Cristo. Diante daquilo para o qual ele foi designado pela infinita
sabedoria e graça de Deus e que estava tão capacitado para
realizar pela comunicação do Espírito a ele em toda plenitude; e a
que todos os outros sacerdócios foram removidos para dar lugar a
ele, o Senhor precisa ser suficiente e efetivo para todos os fins para
os quais foi designado. Pode ser dito: “Se há algo em que todos os
homens que são chamados cristãos consentem plenamente é no
ministério de Jesus Cristo”. Mas se é assim, por que ouvimos um
som diferente? O que significam esses outros sacerdotes e
sacrifícios repetitivos que compõem a adoração da Igreja de Roma?
Se eles descansam no ministério de Cristo, por que designam um
homem entre eles para fazer as mesmas coisas que Jesus já fez, a
saber, oferecer sacrifício a Deus?
A Prova da Afirmação
Em segundo lugar, a prova dessa afirmação está na última
parte dessas palavras: “Por quanto é mediador de uma melhor
aliança que está confirmada em melhores promessas”. As palavras
são dispostas de tal modo que alguns pensam que o apóstolo
pretende agora provar a excelência da aliança a partir da excelência
do ministério dela. Mas o outro sentido é mais adequado ao
contexto da passagem e à natureza do argumento com o qual o
apóstolo insiste com os hebreus. Pois, supondo-se que havia de fato
outra, e uma “melhor aliança” a ser introduzida e estabelecida, além
daquela em que os sacerdotes levíticos serviam, o que eles não
podiam negar, segue-se claramente que Aquele de quem o
ministério da dispensação daquela aliança dependia, deveria ser
necessariamente “mais excelente” no exercício do seu ministério do
que àqueles que pertenciam à aliança que seria abolida. No entanto,
pode ser admitido que essas coisas testemunhem e se ilustrem
mutuamente. Tal como é o sacerdote, tal é a aliança; tal como a
aliança é em dignidade, tal é o sacerdote.
Nessas palavras há três coisas que devem ser observadas: 1.
O que é geralmente atribuído a Cristo, declarando a natureza do seu
ministério: ele era um “Mediador”: 2. A característica conferida pelo
seu ofício como Mediador para a Nova Aliança: “Uma melhor
aliança”: 3. A prova ou demonstração da natureza dessa aliança
quanto à sua excelência: “Confirmada em melhores promessas”.
O Ofício de Mediador
Seu ofício é o de um Mediador, μεσίτης , aquele que se
interpunha entre Deus e o homem, para o cumprimento de todas
aquelas coisas pelas quais uma aliança poderia ser estabelecida
entre eles e feita eficaz. Schlichtingius[9] oferece a seguinte
descrição de um Mediador: “Ser um mediador não é outra coisa
senão ser o negociador de Deus e o intermediário no
estabelecimento de (Sua) aliança com os homens; através de quem,
em outras palavras, tanto Deus poderia revelar a sua (própria)
vontade aos homens, como eles, por sua vez, poderiam concordar
com Deus, e tendo sido reconciliados com Ele, os homens poderiam
experimentar paz quanto ao futuro”.[10] E Grotius fala bastante nesse
mesmo sentido.
Porém essa descrição de um mediador é totalmente aplicável
a Moisés, e adequada ao seu ofício ao anunciar a lei (Cf. Êxodo
20:19 e Deuteronômio 5:27-28). O que é dito por eles, de fato,
pertence imediatamente ao ofício mediatório de Cristo, mas não se
limita a isso; aliás, essa definição exclui algumas das principais
partes de sua mediação. E embora não exista a definição do que é
um mediador dada por Schlichtingius, e que não contenha nada
senão aquilo que pertence ao ofício profético de Cristo (o que não é
a principal intenção do apóstolo aqui), e é muito indevidamente
aplicada como uma descrição de um mediador tal como ele
intenciona. E, portanto, depois quando o apóstolo passa a declarar
em particular o que pertencia a tal Mediador da aliança, ele
expressamente enfatiza a sua “morte para remissão das
transgressões” (Hebreus 9:15), e então afirma que “por essa razão
ele era um mediador”. Mas não há nada sobre isso na descrição que
nos dão desse ofício. Entretanto, o apóstolo descreve o ministério
de Cristo como Mediador em outros de seus escritos, como por
exemplo: “Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e
os homens, Jesus Cristo homem. O qual se deu a si mesmo em
preço de redenção por todos” (1 Timóteo 2:5-6). A parte principal de
sua mediação consistia em “dar a si mesmo em preço de redenção”,
ou um preço de redenção por toda a igreja. Portanto, com base
nisso, entendemos que essa descrição dos socinianos acerca de um
Mediador do Novo Testamento é projetada apenas para rejeitar a
satisfação de Cristo, ou Sua oferta a Deus em sua morte e
derramamento de sangue, e a expiação feita por meio disso.
O Senhor Jesus Cristo, então, em seu ministério, é chamado
μεσίτης , o “Mediador” da aliança, no mesmo sentido em que ele é
chamado, ἔγγυος , o “Fiador” (veja a exposição sobre o capítulo
7:22). Ele é, na Nova Aliança, o Mediador, o Fiador, o Sacerdote, o
Sacrifício, tudo em sua própria pessoa. A ignorância e a falta de
uma devida consideração sobre isso são a grande evidência da
degeneração da religião cristã.
Embora essa seja a primeira noção geral sobre o ofício de
Cristo — o qual compreende todo o ministério confiado a ele, e que
contém em si os ofícios especiais de Rei, Sacerdote e Profeta, de
acordo com os quais ele realiza a sua mediação — algumas coisas
que são declarativas de sua natureza e aplicação devem ser
mencionadas. E, para isso, podemos observar o seguinte:
(1.) Que para que o ofício de um Mediador seja possível, é
necessário que haja diferentes pessoas envolvidas na aliança, e
isso por suas próprias vontades; como deve ser em todos os pactos,
de qualquer tipo. Assim diz o nosso apóstolo: “Ora, o mediador não
o é de um só, mas Deus é um” (Gálatas 3:20), isto é, se não
houvesse ninguém a não ser Deus envolvido nesse questão, como
ocorre quando há uma promessa absoluta ou preceito soberano,
não haveria necessidade de um Mediador como Cristo o é. Para
esse fim, nosso consentimento na aliança, e para a aliança é
requerido na própria noção de um Mediador.
(2.) Que as pessoas que entram em aliança em tal estado e
condição que não sejam convenientes ou moralmente possíveis de
tratarem imediatamente uns com os outros quanto aos fins da
aliança, necessitam de um mediador entre eles, pois de outro modo
um mediador seria completamente desnecessário. Foi assim no
pacto original com Adão, que não tinha mediador. Porém, ao
entregar a lei, que deveria ser uma aliança entre Deus e o povo,
eles se viram totalmente insuficientes para tratar imediatamente com
Deus e, portanto, o povo desejou um intermediador para estar entre
Deus e eles, para trazer os mandamentos de Deus até eles e para
levar de volta o consentimento deles (Deuteronômio 5:23-27). E
esse é o modo de falar de todos os homens realmente convictos da
santidade de Deus e de sua própria condição. Tal é o estado entre
Deus e os pecadores, pois a lei e a sua maldição se interpuseram
entre eles de tal modo que os homens não poderiam entrar em
algum acordo imediato com Deus (Salmos 5:3-5). Daí a
necessidade de um mediador para que a Nova Aliança fosse
estabelecida. Falaremos mais sobre isso a seguir.
(3.) Que aquele que deve vir a ser esse mediador deve
também ser aceito, confiado e crido por ambas as partes que
mutuamente entram em aliança. Uma confiança absoluta deve ser
depositada em tal mediador, de modo que cada parte possa ser
eternamente vinculada ao que ele assume no nome deles; e
aqueles que não concordarem com os seus termos não podem ter
nenhum benefício, nem participação na aliança. Assim foi com o
Senhor Jesus Cristo nessa questão. Da parte de Deus, ele
depositou toda a confiança, quanto a tudo que concerne a essa
aliança, em Cristo, e absolutamente descansou a esse respeito.
“Eis”, ele diz, “aqui o meu servo, a quem sustenho, o meu eleito, em
quem se apraz a minha alma”, ou deleita, ἐν ᾧ εὐδόκησα (Isaías
42:1; Mateus 3:17). Quando Cristo empreendeu esse ofício, ele
disse: “Deleito-me em fazer a tua vontade, ó Deus meu”, o nome de
Deus foi colocado sobre ele (Êxodo 23:21; João 5:20-22). E para
Cristo, Deus Pai finalmente dá testemunho que que ele havia
cumprido essa obra (João 17:4). E de nossa parte, a menos que nos
sujeitemos totalmente a uma confiança universal em Cristo e
creiamos nele, e a menos que aceitemos todos os termos da aliança
como proposta por Ele, e nos comprometamos a perseverarmos em
tudo o que ele realizou em nosso nome, não podemos ter parte nem
interesse nesse assunto.
(4.) Um mediador deve ser uma pessoa que se coloca entre
duas partes envolvidas em uma aliança; e, se forem de naturezas
diferentes, um mediador perfeito e completo deve participar de cada
uma das naturezas das partes envolvidas na mesma pessoa. Eu já
demonstrei em outros lugares a necessidade de que isso seja
assim, bem como, nisso, e está a gloriosa sabedoria de Deus, e,
portanto, não insistirei nesse ponto novamente.
(5.) Um mediador deve ser aquele que, voluntariamente e por
iniciativa própria, realiza a obra de mediação. Isso é requerido de
todo aquele que efetivamente mediará entre quaisquer pessoas que
estão em desacordo, para levá-las a um acordo em igualdade de
termos. Por isso, era necessário que a vontade e o consentimento
de Cristo estivessem envolvidos em sua aceitação desse ofício; e
que esse era o caso é expressamente testificado em Hebreus 10:5-
10. É verdade que Cristo foi apontado e designado pelo Pai para
esse ofício, e por isso ele é chamado de seu “servo” e
constantemente testemunha a seu respeito como aquele que veio
para cumprir a vontade e mandamento daquele que o enviou. Cristo
tinha que cumprir esse ofício sem que qualquer regra da justiça
divina fosse imposta a ele à parte de seu próprio consentimento
voluntário. E essa foi a base da aliança eterna entre o Pai e o Filho,
com relação à sua mediação; como já expliquei em outro lugar. E a
testificação[11] de sua própria vontade, graça e amor na aceitação
desse ofício é o motivo principal para a fé e confiança que a igreja
coloca nele, como o Mediador entre Deus e eles. Nesse seu
empreendimento voluntário o nome de Deus repousa sobre Ele, e
Deus deposita toda a confiança nele para cumprir a sua vontade e
prazer, ou o propósito de seu amor e graça nessa aliança (Isaías
53:10-12). Essa é a fé da igreja, da qual nossa salvação depende e
o que deve nos levar a amar a pessoa do Mediador. O amor a Cristo
não é menos necessário para a salvação do que a fé nele. E como a
fé é dada a partir da soberana sabedoria e graça de Deus ao enviá-
lo bem como de sua própria capacidade de salvar perfeitamente
aqueles que se achegam a Deus por meio dele; assim também o
amor flui a partir da consideração do seu próprio amor e graça
demonstrados no empreendimento voluntário desse seu ofício e na
consumação dele.
(6.) Nesse empreendimento voluntário para ser um mediador,
duas coisas eram necessárias:
[1.] Que Jesus deveria remover qualquer coisa que mantivesse
à distância aqueles que fazem parte da aliança, ou que fosse uma
causa de inimizade entre eles. Pois supõe-se que tal inimizade
existia, ou então não haveria necessidade de um mediador. É por
causa disso que na aliança feita com Adão — por não haver
nenhuma divergência entre Deus e o homem, nem qualquer
distância, a não ser aquele que necessariamente existia em virtude
da diferença das naturezas de Criador e criatura — não havia
mediador. Mas o desígnio dessa aliança era efetuar a reconciliação
e a paz. Disso, portanto, dependia a necessidade de satisfação,
redenção e realização da expiação por meio de sacrifício. Pois o
homem, tendo pecado, apostatado e se rebelado contra o governo
de Deus, tornou-se assim sujeito à sua ira, de acordo com a regra
eterna da justiça, e em particular mereceu à maldição da lei, e assim
ele não poderia obter novamente paz e acordo com Deus a menos
que a devida satisfação por essas coisas fosse realizada. Embora
Deus quisesse, por Seu infinito amor, graça e misericórdia, entrar
em uma nova aliança com o homem caído, ainda assim ele não o
faria em detrimento de sua justiça, de modo a desonrar o seu
governo e desprezar a sua lei. Para esse fim, ninguém poderia
comprometer-se a ser um mediador desta aliança, senão Aquele
que era capaz de satisfazer a justiça de Deus, glorificar o seu
governo e cumprir a lei. E isso não poderia ser feito por ninguém
além de Cristo, a respeito de Quem poderia ser dito que “Deus
comprou a sua igreja com seu próprio sangue”.[12]
[2.] Que Jesus Cristo deveria adquirir por um preço, e de um
modo adequado à glória de Deus, a concessão real de todas as
coisas boas preparadas e propostas nessa aliança, a saber, graça e
glória, com tudo o que pertence a elas, em favor daqueles para
quem ele era o Fiador. E esse é o fundamento do mérito de Cristo e
da concessão de todas as boas coisas para nós por causa dele.
(7) É exigido desse Mediador, como tal, que ele ofereça
garantias e se comprometa, para as partes mutuamente
interessadas, a cumprir os termos da aliança relativos a cada uma
das partes:
[1.] Da parte de Deus em relação aos homens: que eles terão
paz e aceitação diante dele, pois ele certamente cumprirá todas as
promessas da aliança. Cristo faz isso apenas declarativamente, na
doutrina do Evangelho e na instituição das ordenanças do culto
evangélico. Pois Cristo não foi um fiador para Deus, nem Deus
precisava de um, visto que havia conformado sua promessa com um
juramento, no qual jurou por si mesmo, porque ele não tinha alguém
maior por quem jurar.
[2.] De nossa parte, Cristo Se compromete a Deus em prol de
nossa aceitação dos termos da aliança e de nosso cumprimento
desses termos, por nos capacitar para tal.
Sétima Observação Prática
Essas coisas, entre outras, eram necessárias a um Mediador
pleno e completo da Nova Aliança, tal como Cristo o é. E a provisão
desse Mediador entre Deus e o homem foi um resultado de infinita
sabedoria e graça; sim, foi a maior e mais gloriosa demonstração de
sabedoria e graça já produzida ou efetuada nesse mundo. A criação
de todas as coisas a partir do nada foi uma obra gloriosa de
sabedoria e poder infinitos; mas quando a glória desse propósito foi
eclipsada pela entrada do pecado, essa provisão de um Mediador —
de acordo com quem todas as coisas foram restauradas e
resgatadas a uma condição que traz ainda mais glória a Deus, e
assegura para sempre a bem-aventurada herança daqueles de
quem ele é o Mediador — provê ainda mais evidências das
excelências divinas do que ocorreu na criação (Veja Efésios 1:10).
Uma Descrição Adicional de seu Ofício
Mediatório
Duas coisas são acrescentadas a título de descrição adicional
desse Mediador: (1.) Que ele era um Mediador de uma aliança; (2.)
que essa aliança era melhor do que outra que estava em vigor, da
qual ele não era o Mediador:
(1.) ele era o Mediador de uma “aliança”. E duas coisas estão
implícitas nisso:
[1.] Que havia uma aliança feita ou preparada entre Deus e o
homem, e que o Deus que a fez também preparou os seus termos
em um ato soberano de sabedoria e graça. A preparação da aliança,
a qual consistia na vontade e propósito de Deus de conceder
graciosamente a todos os homens as coisas boas que estão
contidas nela — todas as coisas pertencentes à graça e glória —
como também garantir a obediência que ele requeria, está implícita
na constituição dessa aliança.
[2.] Que havia necessidade de um Mediador para que essa
aliança fosse eficaz para os seus fins relativos à glória de Deus e à
obediência dos homens, seguida de um galardão para eles. Isso
não era necessário a partir da natureza de uma aliança geral;
porque uma aliança pode ser feita e celebrada entre diferentes
partes sem qualquer mediador, simplesmente baseada na equidade
dos termos dela. Nem era necessário a partir da natureza de uma
aliança entre Deus e o homem, tal como ele foi criado a princípio por
Deus; porque a primeira aliança entre eles era imediata, sem a
interposição de um mediador. Porém, houve a necessidade de um
Mediador devido ao estado e condição daqueles com quem essa
nova aliança foi feita, e da natureza especial desse pacto. O
apóstolo o declara em Romanos 8:3: “Porquanto o que era
impossível à lei, visto como estava enferma pela carne, Deus,
enviando o seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo
pecado condenou o pecado na carne”. A lei era o instrumento moral
ou regra da aliança que foi feita de modo imediato entre Deus e o
homem; mas ela não poderia continuar assim depois da entrada do
pecado, não para servir ao propósito de Deus ser glorificado por
meio dela, através da obediência dos homens, seguida de galardão.
Para esse fim, ele “enviou Seu Filho em semelhança da carne
do pecado”, ou seja, proveu um Mediador para uma nova aliança. Já
que todas as pessoas com quem essa aliança seria feita são
pecadoras e apóstatas em relação a Deus, a santidade ou a justiça
dele não trataria imediatamente com elas. E tampouco elas seriam
capazes de atender aos santos fins de Deus, se ele tratasse
imediatamente com elas. Pois se, quando o homem estava em uma
condição de retidão e integridade, não foi capaz de obedecer aos
termos daquele pacto que foi feito imediatamente com ele, sem um
mediador, embora fosse santo, justo e bom; quanto menos poderia
ser esperado que os homens seriam capazes de obedecer aos
termos de uma aliança estando em uma condição depravada de
apostasia em relação a Deus e de inimizade contra Ele! Portanto,
não seria sábio que Deus entrasse novamente em aliança com a
humanidade sem a segurança de que os termos de tal aliança
seriam aceitos e que então a graça dessa aliança fosse feita eficaz.
Mas nós mesmos não poderíamos oferecer essa garantia, pois
demos todas as evidências possíveis do contrário: “E viu o Senhor
que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda a
imaginação dos pensamentos de seu coração era só má
continuamente” (Gênesis 6:5). Portanto, era necessário que
houvesse um mediador, para que ele fosse o fiador dessa aliança.
Novamente, essa aliança em si foi concedida segundo o conselho,
sabedoria e graça de Deus, de modo que todos os benefícios
dependiam do que deveria ser feito por um mediador, e que ela não
poderia ser realizada de nenhuma outra forma. O que tal mediador
deveria realizar era a expiação pelo pecado e o acesso à justiça
eterna, os quais são a base dessa aliança.
(2.) Para prosseguir com o texto, essa aliança da qual o
Senhor Jesus Cristo é o Mediador é chamada de uma “melhor
aliança”. Logo, está implícito que havia outra aliança, da qual o
Senhor Jesus Cristo não era o Mediador. E nos versículos seguintes
duas alianças, uma primeira e uma última, uma antiga e uma nova,
são comparadas entre si. Portanto, devemos considerar o que
pertencia àquela outra aliança, em relação à qual é dito que essa é
melhor; pois a definição disso depende da compreensão correta de
todo o discurso do apóstolo. E porque esse é um assunto envolto
em muita obscuridade e dificuldades, será necessário que usemos o
melhor de nossa diligência, tanto na investigação da verdade quanto
na forma de expressá-la, para que ele possa ser compreendido com
clareza. Primeiro, vou explicar o texto e depois falar sobre as
dificuldades que surgem dele:
[1.] Uma aliança original foi feita com e em Adão e toda a
humanidade nele. A regra de obediência e recompensa que havia
entre Deus e ele não era expressamente chamada de aliança, mas
continha a natureza expressa de uma; porque tratava-se de um
acordo de Deus e do homem concernente a obediência e
desobediência, recompensas e punições. Onde há uma lei
concernente a essas coisas, e um acordo sobre ela por todas as
partes envolvidas, então existe uma aliança formal. Essa aliança
pode ser considerada de duas maneiras:
Em primeiro lugar, à medida que ela consistisse em uma lei
somente; então, procedia e era uma consequência da natureza de
Deus e do homem, devido a relação mútua entre eles. Deus sendo
considerado como o criador, governador e sustentador do homem; e
o homem como criatura racional, capaz de obediência moral; essa
lei era necessária e é eternamente indispensável.
Em segundo lugar, à medida em que consistia em uma aliança
e dependia da vontade e propósito de Deus. Não discutirei se Deus
poderia ter dado uma lei aos homens que em si mesma não tivesse
nada a ver com uma aliança, propriamente dita; visto que a lei da
criação é válida para todas as outras criaturas, mesmo para aquelas
para as quais ela não traz promessas e nem ameaças. No entanto,
Deus também a chama de aliança, visto que é uma realização do
seu propósito, da sua vontade e beneplácito imutáveis (Jeremias
33:20-21). Entretanto, para que essa lei para nossa obediência se
tornasse uma aliança formal e completa, algumas coisas eram
necessárias da parte de Deus e também algumas coisas eram
requeridas da parte do homem. Duas coisas foram exigidas da parte
de Deus para completar essa aliança, ou ele a completou de duas
formas:
(1º) Ao anexar à lei promessas e ameaças de recompensa e
punição; a promessa a partir de sua graça, e a ameaça a partir da
justiça. (2º) A expressão dessas promessas e ameaças em sinais
exteriores; a promessa foi expressa pela árvore da vida, e a ameaça
pela árvore do conhecimento do bem e do mal. Por meio disso,
Deus estabeleceu a lei original da criação como uma aliança, e deu-
lhe uma natureza pactual. Da parte do homem, foi requerido que ele
aceitasse essa lei como a regra da aliança que Deus fez com ele. E
Deus fez isso de duas maneiras:
[1º] Pelos princípios inatos de luz e obediência cocriados com
a sua natureza. Por esses, ele absoluta e universalmente concordou
com a lei, como proposta com promessas e ameaças, admitindo que
era santa, justa e boa e que era adequado Deus exigir que sua lei
fosse obedecida, pois ela era justa e boa para ele mesmo.
[2º] Por sua aceitação das ordens relativas à árvore da vida e à
arvore do conhecimento do bem e do mal, como os sinais e
promessas dessa aliança. Então ela foi estabelecida como uma
aliança entre Deus e o homem, sem a interposição de qualquer
mediador.
Esse é o Pacto de Obras, falando de modo absoluto, essa é a
antiga ou primeira aliança que Deus fez com os homens. Mas essa
não é a aliança que é pretendida aqui; pois...
1º A aliança chamada depois de “a primeira”, era, διαθήκη ,
um “testamento”. E assim é chamada aqui. Ela era uma aliança bem
como um testamento. Ora não pode haver testamento, onde não há
uma morte para sua confirmação (Hebreus 9:16). Mas, ao fazer a
aliança com Adão, não houve a morte de ninguém, para que essa
aliança fosse chamada de testamento. Contudo, houve a morte de
animais em sacrifício na confirmação da aliança no Sinai, como
veremos a seguir. E deve ser observado que, embora eu utilize o
termo “aliança” como uma tradução da palavra διαθήκη
(diath ē k ē s), o verdadeiro significado dessa palavra será mais
apropriadamente apresentado a nós em outro lugar, pois eu entendo
que só pode ser chamada de uma aliança em seu sentido próprio e
estrito aquilo que também possui a natureza de um testamento, no
qual as coisas boas devidas para aquele que cumpre seus termos
são concedidas para aqueles a quem elas são designadas. Nem a
palavra usada constantemente pelo apóstolo nessa argumentação e
nem o propósito do seu discurso admitirão que qualquer outra
aliança seja entendida a partir desse texto. Portanto, visto que a
primeira aliança feita com Adão não foi também um testamento
também em nenhum sentido, então ela não pode ser intencionada
aqui.
2º. Aquela primeira aliança feita com Adão, quanto a qualquer
benefício que se esperasse dele em relação à aceitação diante de
Deus, vida e salvação, cessou há muito tempo, desde a ocasião da
entrada do pecado. Ela não foi abolida ou revogada por qualquer ato
de Deus, como uma lei, mas apenas tornou-se fraca e insuficiente
para o seu primeiro fim, enquanto uma aliança. Deus providenciou
um caminho para a salvação dos pecadores, declarado na primeira
promessa. Quando alguém crê verdadeiramente nessa promessa,
então essa primeira aliança cessa em relação a eles, no que diz
respeito à sua maldição e a todas as suas obrigações como uma
aliança que exige uma obediência perfeita como condição da vida;
porque todas essas coisas são cumpridas pelo Mediador da Nova
Aliança. Contudo, para todos aqueles que não recebem a graça
oferecida na promessa, ela permanece em pleno vigor e eficácia,
não como uma aliança, mas como uma lei; e isso porque nem a
obediência requerida nem a maldição ameaçada são atendidas.
Portanto, se alguém não crê, “a ira de Deus permanece sobre ele”.
[13]
Pois, as ordens e maldições dessa aliança — dependendo da
relação necessária entre Deus e o homem, e tendo a justiça de
Deus como o supremo governador da humanidade — devem ser
atendidas e cumpridas. Para esse fim, aliança com Adão nunca foi
revogada formalmente. Porém, assim como todos os incrédulos
permanecem obrigados por essa aliança, e sob ela devem
permanecer de pé ou cair, assim também ela é perfeitamente
cumprida em todos os crentes, não em suas próprias pessoas, mas
na pessoa de seu Fiador: “Deus, enviando o seu Filho em
semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado
na carne; para que a justiça da lei se cumprisse em nós, que não
andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito” (Romanos 8:3-
4). Porém, ela cessou como uma aliança — que obrigava à
obediência pessoal, perfeita e sem pecado e como a condição de
vida, a ser cumprida por eles — muito antes da introdução da Nova
Aliança, a qual o apóstolo fala que foi prometida “nos últimos dias”.
Contudo, a outra aliança mencionada aqui não seria removida ou
abolida até que essa Nova Aliança fosse realmente estabelecida.
3º A igreja de Israel nunca esteve absolutamente sob o poder
dessa aliança como um pacto de vida; porque desde os dias de
Abraão, a promessa foi dada a eles e à sua descendência. E o
apóstolo prova que nenhuma lei poderia ser dada posteriormente,
nem poderia ser feita uma aliança, que pudesse invalidar essa
promessa (Gálatas 3:17) Mas se eles estivessem sob o antigo Pacto
de Obras, isso anularia a promessa; porque esse pacto e a
promessa são diametralmente opostos. E, além disso, se eles
estivessem sob aquele pacto, todos estariam sob a maldição, e
assim teriam perecido eternamente — o que é claramente falso;
porque é afirmado sobre eles que agradaram a Deus pela fé, e
assim foram salvos. Mas é evidente que a aliança pretendida era
uma aliança na qual a igreja de Israel andava com Deus, até o
momento em que essa melhor aliança fosse solenemente
introduzida. Isso é claramente declarado no contexto a seguir,
especialmente no final do capítulo, onde é dito que essa antiga
aliança “envelheceu” e “perto está de acabar”. Não é a Aliança de
Obras feito com Adão que é intencionada, quando é dito que, em
relação a ela, essa outra é uma “melhor aliança”.
[2.] Houve outras transações federais entre Deus e a igreja
antes da entrega da lei no Monte Sinai. Duas delas ocorrem naquela
em que todas as demais foram estabelecidas:
1º. A primeira promessa dada aos nossos primeiros pais
imediatamente após a Queda. Essa tinha em si a natureza de um
pacto, era fundamentada em uma promessa da graça e exigia
obediência a todos que receberam a promessa.
2º. A promessa dada e jurada a Abraão, que é expressamente
chamada de aliança de Deus, e tinha toda a natureza de um pacto
em si, e também um selo exterior solene designado para a sua
confirmação e estabelecimento. Já tratamos disso amplamente no
comentário do capítulo 6.
Nenhuma dessas alianças — e nem qualquer transação entre
Deus e o homem que possa ser reduzida a elas como explicações,
renovações ou confirmações delas — é a “primeira aliança” aqui
pretendida. Pois, elas não são apenas consistentes com a “nova
aliança”, de modo que não havia necessidade de removê-las para a
sua introdução, mas de fato continha em si a essência e a natureza
dela, e assim foram confirmados a esse respeito. Portanto, o próprio
Senhor Jesus Cristo é considerado “ministro da circuncisão, por
causa da verdade de Deus, para que confirmasse as promessas
feitas aos pais” (Romanos 15:8). E visto que era o Mediador da
Nova Aliança, então ele estava muito longe de remover ou abolir
aquelas promessas que pertenciam ao seu ofício confirmá-las.
[3.] A outra aliança ou testamento aqui suposta, da qual o
Senhor Jesus Cristo não era o Mediador, não é outra, senão aquela
que Deus fez com o povo de Israel no Monte Sinai. E assim é
expressamente afirmado no versículo 9: “Não segundo a aliança
que fiz com seus pais no dia em que os tomei pela mão, para os
tirar da terra do Egito”. Essa foi a aliança que tinha todas as
instituições de culto anexadas a ela (Hebreus 9:1-3), das quais
trataremos a seguir. Com relação a isso, é dito que o Senhor Jesus
Cristo é o “mediador de uma melhor aliança”, ou seja, de outra
aliança distinta e mais excelente.
Agora resta expormos as palavras que nós inquirimos sobre
qual era essa aliança da qual o nosso Senhor Jesus Cristo foi o
Mediador, e o que é aqui afirmado sobre ela.
De que Aliança Cristo era o Mediador?
Não pode ser outra, senão a aliança que chamamos de “Pacto
da Graça”. E assim é chamado em oposição à aliança que
chamamos de “Pacto de Obras” que foi feita conosco em Adão; pois
nestes dois, graça e obras, são os dois caminhos para nossa
relação com Deus, os quais são diametralmente opostos e
totalmente inconsistentes entre si (Romanos 11:6). Dessa aliança, o
Pacto da Graça, é que o Senhor Jesus Cristo foi o Mediador desde
a fundação do mundo, ou seja, desde a primeira promessa
(Apocalipse 13:8); pois ela foi dada mediante a sua interposição, e
todos os benefícios dela dependiam de sua futura mediação real.
Dificuldades do Contexto Respondidas
Mas aqui surge a primeira dificuldade do contexto e isso em
dois aspectos, a saber:
[1.] Se esse Pacto da Graça foi feito desde o princípio, e se o
Senhor Jesus Cristo foi o seu Mediador desde o princípio, então
onde está o privilégio da dispensação evangélica em oposição à lei,
em virtude desse pacto, visto que sob a lei o Senhor Jesus Cristo
também era o Mediador desse pacto, que existia desde o princípio?
[2.] Se o Pacto da Graça é intencionado, e ele se opõe ao
Pacto de Obras feito com Adão, então a outra aliança deve ser
aquele Pacto de Obras como feito com Adão, o que temos refutado.
A resposta para isso está na palavra que o apóstolo usa aqui
em referência a essa Nova Aliança: νενομοθέτηται
(nenomothet ē tai), cujo significado nós precisamos inquirir.
Portanto, o apóstolo não considera aqui a nova aliança de modo
absoluto, mas sim como ela foi realmente administrada desde a
fundação do mundo, a saber, em forma de uma promessa; pois,
como tal, ele era consistente com aquela aliança feito com o povo
no Sinai. E o apóstolo prova expressamente que a renovação dela
feita com Abraão não foi ab-rogada pela lei (Gálata 3:17). Não
houve interrupção de sua administração pela introdução da lei. Mas
ele trata de tal estabelecimento da Nova Aliança como algo com o
qual a Antiga Aliança feita no Sinai era absolutamente inconsistente
e que, portanto, deveria ser removida. Ele considera a Nova Aliança
como realmente completada, de modo a trazer consigo todas as
ordenanças de adoração que são propriamente dela, a dispensação
do Espírito nelas e todos os privilégios espirituais que a
acompanham. Agora a Nova Aliança assim completada e
estabelecida é feita a regra completa de fé, obediência e adoração
da igreja em todas as coisas.
Esse é o significado da palavra, νενομοθέτηται , é
“estabelecido”, ou seja, “reduzido a um estado fixo de uma lei ou
ordenança”. Toda a obediência requerida nela, toda a adoração por
ela designada, todos os privilégios nela demonstrados e a graça
administrada com todos eles, são dados por um estatuto, lei e
ordenança para a igreja. Aquilo que antes estava oculto em
promessas e em muitas coisas obscuras — e quando os principais
mistérios eram um segredo escondido no próprio Deus — foi agora
trazido à luz; e aquela aliança que invisivelmente, em forma de
promessa, mostrou sua eficácia sob tipos e sombras, foi agora
solenemente selada, ratificada e confirmada, na morte e
ressurreição de Cristo. Antes ela havia sido confirmada em forma de
uma promessa, que é um juramento; agora, foi confirmada como
uma aliança, que é o sangue. Aquilo que antes não tinha adoração
visível, exterior, própria e peculiar a ela, agora é feita a única regra e
instrumento de adoração para toda a igreja, nada passa a ser
admitido senão o que lhe pertence, e é designado por ela. É isso
que o apóstolo intenciona ao usar o termo νενομοθέτηται , a saber,
o “estabelecimento legal” da Nova Aliança, com todas as
ordenanças de sua adoração. E nisso a outra aliança é anulada e
abolida; e não apenas a aliança em si, mas todo aquele sistema de
culto sagrado segundo o qual ela foi administrada. Isso não foi feito
a princípio pela criação da aliança; sim, pois tudo isso foi
acrescentado ela à medida que foi dada como uma promessa, e
então foi consistente com isso. Quando a Nova Aliança foi dada
apenas em forma de uma promessa, ela não introduziu adoração e
nem privilégios pertencentes a ela. Por isso, ela foi consistente com
uma forma de adoração, ritos e cerimônias e todas aquelas outras
instituições da Antiga Aliança que juntas constituíam um jugo de
escravidão, pois tudo isso não pertencia à Nova Aliança. E assim
também esses, se forem adicionados após o estabelecimento da
Nova Aliança, embora não anulem sua natureza como uma
promessa, contudo são inconsistentes com ela enquanto já
concluída como uma aliança; pois, então, toda a adoração da igreja
deveria proceder e ser conformada a ela. Então ela estava
estabelecida. Portanto, em resposta à segunda dificuldade, segue-
se que, como promessa, ela se opunha ao Pacto das Obras; mas
como uma aliança, opunha-se à aliança do Sinai. Esse
estabelecimento legislador ou autoritativo da Nova Aliança, e a
adoração pertencente a ela, foi que realizou essa alteração.
A Prova da Natureza dessa Aliança Quanto à sua
Excelência
Em último lugar, o apóstolo nos diz com base em que esse
estabelecimento foi feito, a saber, ele foi feito com base, ἐ π ι
κρείττοσιν ἐ π αγγελίαις , “em melhores promessas”. Para uma
melhor compreensão disso, devemos considerar um pouco do texto
original e do uso das promessas divinas em nossa relação com
Deus.
Toda Aliança é Estabelecida sobre Promessas
Que toda aliança entre Deus e o homem deve ser fundada e
resolvida em “promessas”. Portanto, uma aliança e uma promessa
são essencialmente a mesma coisa; e Deus chama uma promessa
absoluta, fundada em um decreto absoluto, de sua aliança (Gênesis
9:11). E seu propósito em manter o curso da natureza até o fim do
mundo, ele chama de sua aliança com o dia e a noite (Jeremias
33:20). O ser e a essência de uma aliança divina estão na
promessa. Portanto, as alianças de Deus são chamadas de
“alianças da promessa” (Efésios 2:12); pois todas elas são fundadas
sobre e consistem em promessas. E é necessário que assim seja.
Pois,
[1.] A natureza de Deus que faz essas alianças requer que seja
assim. Propor para as criaturas aquilo em que sua vantagem,
felicidade e bem-aventurança consistem, é algo que revela a
grandeza e bondade de Deus em todas as suas transações
voluntárias com suas criaturas. Nós não perguntamos como Deus
pode lidar com suas criaturas como tais; ou o que ele pode
absolutamente exigir delas, tendo em conta seu próprio ser, suas
excelências essenciais absolutas, com sua dependência universal
dele. Quem pode expressar ou limitar a soberania de Deus sobre
suas criaturas? Todas as disputas sobre isso são tolas. Não temos
medidas do que é infinito. Ele não pode fazer o que lhe agrada? Não
estamos em suas mãos como o barro nas mãos do oleiro? E se ele
molda ou arruína um vaso, quem dirá a Ele: o que você está
fazendo? ele não presta contas de seus assuntos. Mas supondo que
ele venha a condescender a entrar em aliança com suas criaturas, e
a chegar a um acordo com elas quanto aos termos dela, então a
grandeza e bondade de Deus é revelada em lhes dar promessas
como um fundamento disso, nas quais ele propõe a elas aquelas
coisas em que sua bem-aventurança e recompensa consistem.
Pois, (1.) Nisso ele se propõe a eles como a eterna origem e fonte
de todo poder e bondade. Se Deus tivesse tratado conosco apenas
com base em uma lei, ele só teria revelado sua autoridade e
santidade soberanas, Sua autoridade por instituir a lei, e sua
santidade, pela natureza dela. Mas ao fazer promessas ele se
revela como a fonte eterna de bondade e poder; porque o assunto
de todas as promessas é algo que é bom, e a comunicação desse
bem depende do poder soberano. Era absolutamente necessário
que Deus declarasse a si mesmo em sua aliança para dirigir e
encorajar a obediência daqueles que participavam dela, e assim ele
o fez em Gênesis 15:1, 17:1-2. (2.) Por esse meio ele reserva toda a
glória para si mesmo. Pois, embora os termos do acordo que ele
propõe conosco sejam, em sua própria natureza, “santos, justos e
bons”, os quais estabelecem seu louvor e glória, contudo se ele não
houvesse providenciado de antemão que isso fosse assim, e que
não levaria em conta qualquer bondade, obediência ou mérito em
nós, então teríamos do que nos gloriarmos; o que é inconsistente
com a glória de Deus. Mas a substância daquelas promessas nas
quais a aliança se baseia é a graça, favor imerecido e não leva em
conta qualquer coisa em nós, e de acordo com isso a promessa não
pode, em sentido algum, ser merecida. E assim, a primeira aliança,
que foi dada em forma de lei, cumpriu com uma sanção penal,
entretanto o fundamento dela estava na promessa de uma
recompensa gratuita e imerecida, e até mesmo do gozo eterno de
Deus, o que nenhuma bondade ou obediência da criatura poderiam
merecer ou conquistar. De modo que, se um homem, em virtude de
qualquer aliança, fosse justificado pelas obras, ainda que ele
pudesse se gloriar diante dos homens, não poderia se gloriar diante
de Deus, como o apóstolo declara (Romanos 4:2); e isso porque a
recompensa proposta na promessa excede infinitamente a
obediência prestada.
[2.] Também era necessário de nossa parte que toda aliança
divina fosse fundada e estabelecida em promessas; pois não há
estado em que possamos ser levados a entrar em aliança com
Deus, mas isso é dito com base da suposição de que ainda não
chegamos àquela perfeição e bem-aventurança que nossa natureza
é capaz e que não podemos deixar de desejar. Pois quando
chegarmos ao céu e ao pleno desfrute de Deus, não haverá mais
utilidade para nenhuma aliança, visto que estaremos em repouso
eterno, no desfrute de toda a bem-aventurança da qual nossa
natureza é capaz, e imutavelmente nos apegaremos a Deus sem
qualquer expectativa adicional. Mas enquanto estamos no caminho,
ainda temos algo, sim, as principais partes de nossa bem-
aventurança, a desejar, esperar e crer. Assim, no estado de
inocência, embora tivéssemos toda a perfeição inerente a um
estado de obediência segundo o que uma lei é capaz de oferecer,
contudo a bem-aventurança do descanso eterno, para a qual fomos
feitos, não consistia nisso. Ora, se é esse o nosso caso não
podemos senão desejar e buscar aquela felicidade completa e
plena, sem a qual nossa natureza não pode descansar. Isso,
portanto, torna necessário que uma promessa seja dada como
fundamento da aliança; pois sem isso nos falta o principal
encorajamento à obediência. E isso deve ser ainda mais verdadeiro
para aqueles que se encontram em uma estado de pecado e
apostasia contra Deus; pois estamos agora não apenas muito
afastados de nossa maior felicidade, mas envolvidos em uma
condição de miséria, e a menos que sejamos libertos não podemos
de forma alguma ser induzidos a nos dedicar à obediência aos
termos dessa aliança. Portanto, a menos que sejamos preservados
na aliança por promessas de libertação de nosso estado atual e de
gozo da bem-aventurança futura, nenhuma aliança poderia ser útil
ou vantajosa para nós.
[3.] Isso é necessário devido à natureza de uma aliança. Pois
toda aliança que é proposta aos homens, e aceita por eles, requer
que algo seja realizado por parte deles, caso contrário, isso não é
uma aliança; mas onde algo é requerido para que eles aceitem a
aliança, ou para quem é ela proposta, supõe-se que algo seja
prometido em nome daqueles a quem a aliança é proposta, como o
fundamento de sua aceitação e a razão dos deveres requeridos
nela.
Tudo isso aparece de modo mais evidente no Pacto da Graça,
que aqui é dito ser “estabelecido em promessas”; e isso de acordo
com duas considerações. Pois,
[4.] Ao mesmo tempo em que muito é exigido de nós no
caminho do dever e da obediência, somos informados nas
Escrituras e experimentamos na prática que de nós mesmos não
podemos fazer nada. Assim, a menos que o preceito da aliança seja
fundamentado em uma promessa de concessão de graça e força
espiritual para nós, de acordo com a qual podemos ser capacitados
a realizar esses deveres, a aliança não pode ser de nenhum
benefício ou vantagem para nós. E a falta dessa única consideração
— a saber, que toda aliança é fundada em promessas, e que as
promessas dão vida aos preceitos dela — perverteu a mente de
muitos levando-os a supor que havia capacidade em nós mesmos
para obedecer a esses preceitos, sem que houvéssemos recebido
graça que nos capacitasse para isso anteriormente; e isso destrói a
natureza da Nova Aliança.
[5.] Como foi observado, somos todos culpados do pecado
antes que essa aliança fosse feita conosco. E, a menos que uma
promessa de perdão do pecado seja dada, não há sentido ou
propósito algum em propor novos termos de aliança para nós. Pois
“o salário do pecado é a morte”; e nós, ao pecarmos, devemos
morrer, não importa o que venhamos a fazer depois, exceto se
nossos pecados forem perdoados. Portanto, o perdão de pecados
deve ser proposto para nós como o fundamento da aliança, ou
então isso será inútil. E nisso reside a grande diferença entre as
promessas do Pacto das Obras e as do Pacto da Graça. As
promessas do primeiro eram concernentes apenas a coisas futuras;
vida eterna e bem-aventurança com base na realização de uma
obediência perfeita. Nenhumas promessas de misericórdia e perdão
atuais eram necessárias ou poderiam ser supridas pela primeira
aliança. Nem havia promessas de concessão de mais graça; mas o
homem foi totalmente deixado ao que ele havia recebido a princípio.
Portanto, o pacto foi quebrado. Entretanto, no Pacto da Graça, todas
as coisas são fundadas em promessas de misericórdia atual e
provisões contínuas de graça, bem como de bem-aventurança
futura. Portanto, essa aliança, o Pacto da Graça, vem a ser
“ordenado em todas as coisas e oferece segurança”.
E essa é a primeira coisa que deve ser declarada, ou seja, que
toda aliança divina é estabelecida em promessas.
A Nova Aliança é Estabelecida com Promessas
Melhores
Essas promessas são consideradas “promessas melhores”. A
outra aliança tinha suas promessas peculiares, com relação às
quais se diz que essa é “estabelecida em melhores promessas”.
Aquele era, de fato, representada principalmente sob um sistema de
preceitos, e esses preceitos eram quase inumeráveis; mas ela
também tinha suas promessas, e a seguir iremos examinar a
natureza delas. Pois é com respeito a essas promessas que a Nova
Aliança, da qual o Senhor Jesus Cristo é o mediador, e dita ser
“estabelecida em promessas melhores”. O fato de que a Nova
Aliança deveria ser fundada em promessas era necessário a partir
de sua natureza geral como uma aliança, e mais necessário ainda
em virtude da sua natureza especial como um pacto de graça.
Essas promessas são consideradas “promessas melhores” em
comparação com as promessas da Antiga Aliança. Mas isso é dito
de modo a abranger e incluir todos os outros graus de comparação.
Elas não são apenas melhores que as outras, mas são
positivamente boas em si mesmas, e são absolutamente o melhor
que Deus já deu ou dará à igreja. E consideramos em que elas
consistem à medida que prosseguirmos. E várias coisas podem ser
observadas a partir dessas palavras.
Oitava Observação Prática
Há graça infinita em toda aliança divina, na medida em que é
ela estabelecida em promessas. Deus demonstra uma infinita
condescendência ao entrar em aliança com o pó e as cinzas, com
os pobres vermes da terra. E nisso jaz a fonte de toda a graça, de
onde todas as correntes dela fluem. E a primeira expressão disso é
posta sobre as bases de algumas promessas não merecidas. E é
isso que revela a bondade e a grandeza da natureza de uma aliança
divina, e os meios de acordo com os quais somos levados a aderir a
ela em fé, esperança, confiança e obediência, até chegarmos ao
desfrute dela; então é para isso que servem as promessas, a saber,
para nos manter apegados a Deus, como a primeira origem e fonte
de toda a bondade, e a recompensa final que satisfaz as nossas
almas (2 Coríntios 7:1).
Nona Observação Prática
As promessas do Pacto da Graça são melhores do que as de
qualquer outro pacto, por diversas razões, especialmente porque o
da graça não requer qualquer condição ou qualificação de nossa
parte. Eu não digo que o Pacto da Graça absolutamente não possui
condições, se por condições nós nos referimos aos deveres de
obediência que Deus requer de nós por e em virtude desse pacto;
contudo, as principais promessas não são, em primeiro lugar,
recompensas da nossa obediência no pacto, mas elas eficazmente
evidenciam que estamos na aliança, estabelecendo-nos ou
confirmando no pacto. O Pacto das Obras tinha suas promessas,
mas todas elas eram recompensas de uma obediência que deveria
ser previamente prestada por nós (o mesmo se aplica a todos
aqueles que estavam peculiarmente no pacto do Sinai). Essas
promessas, de fato, também provinham da graça, pois a
recompensa excedia infinitamente o mérito de nossa obediência;
mas todas supunham nossa obediência, e o principal assunto delas
consistia formalmente apenas em uma recompensa. No Pacto da
Graça não é assim; pois muitas das promessas dele são o meio de
sermos levados a entrar em aliança com Deus. A primeira aliança foi
absolutamente estabelecida em promessas, na medida em que,
quando os homens eram levados a entrarem nela, eram
encorajados à obediência pelas promessas de uma recompensa
futura. Contudo, aquelas promessas, a saber, de ter seus pecados
perdoados escrevendo a lei em seus corações, sobre as quais o
apóstolo expressamente insiste como as promessas peculiares
dessa aliança, acontecem e são efetivamente operadas em nós
antes de podermos prestar a obediência requerida pela aliança. Pois
embora, quanto à ordem da natureza, a fé seja exigida antes de
nosso recebimento real do perdão do pecado, ainda assim a própria
fé é produzida em nós pela graça da promessa, e assim sua
precedência para o perdão diz respeito apenas à ordem que Deus
designou para a comunicação dos benefícios dessa aliança, e,
portanto, isso não significa que o perdão do pecado seja a
recompensa de nossa fé.
Um Discurso Acerca de Algumas Coisas em
Geral
Isso introduziu o apóstolo em seu discurso sobre as duas
alianças, o qual ele continua até o final desse capítulo. Contudo,
esse discurso apresenta algumas dificuldades. Muitas coisas em
particular nos eram esclarecidas à medida que progredirmos, as
quais podem ser consideradas em seus devidos lugares. Enquanto
isso, há algumas coisas em geral que podem ser tratadas aqui, pois
ao entendê-las muita luz será lançada sobre o que falaremos a
seguir.
Uma Disputa em Relação às Duas Alianças
Em primeiro lugar, o apóstolo evidentemente inicia uma disputa
acerca das duas Alianças, ou dois Testamentos, comparando uma
com a outra, e declarando a abolição de uma pela introdução e
estabelecimento da outra. Nós já declaramos quais são essas duas
alianças, a saber, aquela feita com a igreja de Israel no Monte Sinai
e outra feita conosco no Evangelho; não como absolutamente o
Pacto da Graça, mas como realmente estabelecido na morte de
Cristo, com toda a adoração que lhe pertence.
Aqui, então, surge uma diferença de grande importância, a
saber, se elas são de fato duas alianças distintas, quanto à essência
e substância delas, ou apenas diferentes formas de dispensação e
administração da mesma aliança. E a razão da dificuldade está
nisto: devemos afirmar uma destas três coisas: 1. Ou que o Pacto
da Graça estava em vigor sob o Antigo Testamento; ou 2. Que a
igreja foi salva sem ele, ou sem qualquer benefício de Jesus Cristo,
que é o Mediador somente desse pacto; ou 3. Que todos eles
pereceram eternamente. E nenhuma das duas últimas declarações
pode ser admitida.
Alguns, de fato, nestes últimos dias, reavivaram a velha
fantasia pelagiana de que, antes da lei, os homens eram salvos por
se conduzirem conforme a luz natural e a razão; e sob a lei, pelas
suas diretrizes, doutrinas, preceitos e sacrifícios, sem qualquer
relação com o Senhor Jesus Cristo ou com sua mediação no outro
pacto. Mas aqui não disputarei com eles, já que em outro escrito
refutei de modo suficiente esses devaneios. Para esse fim, tomarei
aqui como certo que nenhum homem jamais foi salvo, senão em
virtude da Nova Aliança e da mediação de Cristo nela.
Suponha, então, que essa Nova Aliança da Graça fosse
existente e eficaz sob o Antigo Testamento, assim como a igreja foi
salva em virtude dela, e a mediação de Cristo nela, como poderia
ser que ao mesmo tempo houvesse outra aliança entre Deus e eles,
de outra natureza, acompanhada de outras promessas e de outros
efeitos?
Sobre essa consideração, é dito que as duas alianças
mencionadas, a Nova e a Antiga, não eram de fato duas alianças
distintas, quanto à sua essência e substância, mas apenas
administrações diferentes do mesmo pacto, e que eram chamadas
de duas alianças devido a algumas solenidades exteriores e
deveres de adoração diferentes que as acompanhavam. Para
esclarecer isso, devemos observar:
1. Que pelo termo “Antiga Aliança” não é pretendido o Pacto
de Obras original, feito com Adão e toda a humanidade nele; pois,
sem dúvida, essa é uma aliança diferente em essência e substância
da Nova Aliança.
2. Por “Nova Aliança” não é pretendida a Nova Aliança
absoluta e originalmente, como dada na primeira promessa; mas por
“Nova Aliança” é pretendida a sua completa administração no
Evangelho, quando, de fato, ela foi estabelecida pela morte de
Cristo, como administrada nas ordenanças do Novo Testamento.
Assim, essa Nova Aliança, e a aliança do Sinai, seriam, como
muitos dizem, diferentes administrações do mesmo pacto.
Todavia, por outro lado, é feita uma tal menção expressa —
não apenas nessa passagem, mas em várias outras passagens da
Escritura — sobre duas alianças distintas ou sobre testamentos de
diferentes naturezas, propriedades e efeitos, que parece realmente
constituir duas alianças distintas. Portanto, devemos investigar isso;
e primeiro declararemos o que é consenso entre aqueles que são
sóbrios nesse assunto, embora difiram em seus julgamentos sobre
essa questão, a saber, se são duas alianças distintas ou apenas
uma dupla administração da mesma aliança. E, de fato, há tanta
concordância que o restante parece ser apenas uma diferença
sobre a expressão da mesma verdade, do que qualquer contradição
real acerca das próprias coisas.
Quatro Pontos Consoantes Acerca das Duas
Administrações
1. Concorda-se que o caminho de reconciliação com Deus, da
justificação e da salvação, sempre foi um e o mesmo; e que desde a
primeira promessa ninguém foi justificado ou salvo, senão pela Nova
Aliança, e Jesus Cristo, o Mediador dela. O devaneio tolo
mencionado anteriormente, a saber, que os homens foram salvos
antes da concessão da lei seguindo a orientação da luz da natureza,
e após a concessão da lei pela obediência às direções dela, é
rejeitado por todos os que estão sãos na fé como algo destrutivo do
Antigo e Novo Testamentos.
2. Que os escritos do Antigo Testamento, a saber, a Lei, os
Salmos e os Profetas, contêm e declaram a doutrina da justificação
e salvação por Cristo. A igreja no passado cria nisso e andava com
Deus pela fé nisso. Isso é inegavelmente provado, na medida em
que a doutrina mencionada é frequentemente confirmada no Novo
Testamento por passagens bíblicas extraídas do Antigo Testamento.
3. Que pela aliança do Sinai, como propriamente dita, à parte
de sua relação figurativa com o Pacto da Graça, ninguém jamais foi
salvo eternamente.
4. Que a utilidade de todas as instituições pelas quais a Antiga
Aliança era administrada consistia em representar e conduzir a
Jesus Cristo e à sua mediação.
Portanto, o único caminho de vida e salvação por Jesus Cristo,
sob o Antigo e o Novo Testamentos, está assegurado, que é a
substância da verdade com a qual estamos lidando agora. Por
esses motivos, podemos prosseguir com a nossa investigação.

O Julgamento dos Melhores Teólogos Reformados

O julgamento da maioria dos teólogos reformados é que a


igreja sob o Antigo Testamento tinha a mesma promessa de Cristo,
a mesma participação nele pela fé, remissão de pecados,
reconciliação com Deus, justificação e salvação da mesma forma e
meios, que os crentes sob o Novo Testamento. E embora a essência
e a substância da aliança consistam nessas coisas, elas não devem
ser consideradas como estando sob outra aliança, mas apenas em
uma administração diferente. Mas a aliança, que é estabelecida no
Evangelho após a vinda de Cristo, é tão diferente da primeira
aliança que tem a aparência e o nome de outra aliança. E a
diferença entre essas duas administrações pode ser reduzida aos
seguintes tópicos:
Cinco Diferenças entre as Duas Administrações
1. Consistia no caminho e no modo da declaração do mistério
do amor e da vontade de Deus em Cristo; da obra de reconciliação
e redenção, com a nossa justificação pela fé. Porque nisso o
Evangelho, no qual “vida e imortalidade são trazidas à luz”, faz com
simplicidade, clareza e evidência, muito mais do que a
administração e declaração das mesmas verdades sob a lei fez. E a
grandeza do privilégio da igreja neste caso não é facilmente
expressa. Pois dessa forma “com a face descoberta contemplamos
como em um espelho a glória do Senhor” e “somos transformados
na mesma imagem” (2 Coríntios 3:18). O homem cujos olhos o
Senhor Jesus Cristo abriu (Marcos 8:23-25) representa esses dois
estados. Quando ele o tocou pela primeira vez, seus olhos se
abriram e ele viu, mas não via nada claramente; por causa disso,
quando passou a ver, ele disse: “Eu vejo os homens como árvores,
andando” (v. 24), mas em seu segundo toque, ele “viu os homens
claramente” (v. 25). Eles tinham uma visão sob o Antigo Testamento,
e o objeto foi proposto a eles, mas como que a uma grande
distância, como encoberto por névoas, nuvens e sombras, como se
“vissem os homens como árvores, andando”, não viam nada clara e
perfeitamente. Mas agora sob o Evangelho, após o objeto, que é
Cristo, haver Se aproximado de nós, e todas as nuvens e sombras
terem desfeitas, vemos ou podemos contemplar todas as coisas
claramente. Quando um viajante percorre morros ou colinas fica
cercado por uma espessa neblina e névoa, embora esteja em seu
caminho, ainda assim ele é incerto, e nada lhe é apresentado em
sua forma e distância apropriadas; as coisas próximas parecem
estar distantes, e as coisas distantes estão próximas, e embora as
coisas não tenham uma aparência falsa, ainda assim, são incertas.
Mas quando o sol irrompe e dissipa as névoas e neblinas que estão
ao seu redor, e imediatamente tudo parece ganhar outra forma, de
modo que tal pessoa pode até pensar estar em outro lugar. Seu
caminho é claro, ele tem certeza disso e toda a região se mostra
claramente aos seus olhos; embora não haja mudanças, senão a
remoção das névoas e das nuvens que dificultavam a sua visão.
Assim era com eles sob a lei. Os tipos e sombras em que eles
estavam inseridos, e que eram o único meio que tinham para ver as
coisas espirituais, os representavam não claramente e nem em sua
forma adequada. Mas após eles serem agora removidos, pelo
surgimento do sol da justiça que trouxe cura sob suas asas, na
dispensação do Evangelho, todo o mistério de Deus em Cristo é
claramente manifestado para aqueles que creem. E a grandeza
desse privilégio do Evangelho acima da lei é inexprimível; sobre o
que, como suponho, falaremos um pouco mais depois.
2. Na comunicação abundante da graça para a comunidade da
igreja; pois, é agora que recebemos “graça sobre graça”,[14] ou uma
abundante efusão, por Jesus Cristo. Houve graça concedida de uma
forma eminente a muitas pessoas santas sob o Antigo Testamento,
e todos os verdadeiros crentes tinham verdadeira e real graça
salvífica comunicada a eles; mas as medidas da graça na
verdadeira igreja sob o Novo Testamento excedem as da
comunidade da igreja sob o Antigo. E, portanto, Deus tolerou
algumas coisas sob o Antigo Testamento, como a poligamia e coisas
semelhantes, as quais são expressas e severamente proibidas sob
o Novo, nem são consistentes com as administrações atuais dele. O
mesmo acontece com vários deveres — tais como os de
autonegação, prontidão para levar a cruz, para abandonar casas,
terras e habitações — os quais são mais expressamente ordenados
a nós do que aos santos da igreja do Antigo Testamento. E a
obediência que Deus requer em qualquer aliança, ou administração
dela, é proporcional à força que a administração daquela aliança
exibe. E se aqueles que professam o Evangelho não se
contentarem com a participação nesse privilégio, se não se
esforçarem para participar dessa abundante efusão da graça que
acompanha a sua presente administração, o próprio Evangelho não
terá outra utilidade para eles, senão para aumentar e agravar a sua
condenação.
3. No modo de nosso acesso a Deus. Nisso consiste tudo
aquilo que é chamado de religião; pois disso depende toda a nossa
adoração exterior dedicada a Deus. E nisso a superioridade das
vantagens da administração evangélica da aliança em relação à lei
é, em todas as coisas, muito eminente. Agora, o nosso acesso a
Deus é imediato, por Jesus Cristo, com liberdade e ousadia, como
declararemos a seguir. Os que estavam debaixo da lei estavam
imediatamente familiarizados, em toda a sua adoração, com coisas
exteriores e típicas, como o tabernáculo, o altar, a arca, o
propiciatório e as semelhantes representações misteriosas obscuras
da presença de Deus. Além disso, a forma como a aliança foi feita
com eles no Monte Sinai os encheu de medo e os escravizou, de
modo que tinham comparativamente uma estrutura servil de espírito
em toda a sua santa adoração.
4. No modo de adoração requerido sob cada administração.
Pois sob a lei, aprouve a Deus designar um grande número de ritos,
cerimônias e observâncias exteriores; e esses, à medida que eram
obscuros em sua significação, como também em sua utilidade e
finalidade, assim como eram difíceis e penosos de serem
observados em razão de sua natureza, número e severas punições.
Mas o modo de adoração sob o Evangelho é espiritual, racional e
claramente subserviente aos fins da própria aliança; de modo que a
utilidade, as finalidades, os benefícios e as vantagens são evidentes
para todos.
5. Na extensão da dispensação da graça de Deus; pois é
grandemente ampliada sob o Evangelho. Pois sob o Antigo
Testamento ela estava limitada à posteridade de Abraão segundo a
carne; mas sob o Novo Testamento se estende a todas as nações
debaixo do céu.
Várias outras coisas são geralmente acrescentadas pelos
nossos teólogos com o mesmo propósito. Veja Calvino (Institutas:
livro 2. cap. 11); Mártir[15] (Loci Communes: loc. 16, seção 2); Bucan.
[16]
(loc. 22) etc.
Os Argumentos Luteranos
Os luteranos, por outro lado, insistem em dois argumentos
para provar que não se trata de uma dupla administração da mesma
aliança, mas que nesse discurso o apóstolo intenciona duas
alianças substancialmente distintas.
1. Porque quando elas são mencionadas nas Escrituras são
comparadas uma com a outra e, às vezes, opostas uma à outra: a
primeira e a última, a nova e a velha.
2. Porque o Pacto da Graça em Cristo é eterno, imutável,
sempre o mesmo, não sujeito a nenhuma alteração, mudança ou
revogação; entretanto nenhuma dessas coisas podem ser ditas a
respeito de qualquer administração, como eles dizem a respeito da
Antiga Aliança.
Cinco Pontos sobre essa Questão
Para confirmar que pensamos corretamente acerca desse
assunto, e para proporcionar a luz que podemos para a obtenção da
verdade, os seguintes pontos podem ser observados:
1. Quando falamos da “Antiga Aliança”, não nos referimos ao
Pacto de Obras feito com Adão, e toda a sua posteridade nele; pois
sobre o qual não há diferença ou dificuldade, quanto a se ele é um
pacto distinto do Novo ou não.
2. Quando falamos da “Nova Aliança”, não nos referimos
absolutamente ao Pacto da Graça, como se esse não fosse anterior
àquela quando à sua existência e eficácia, mas nos referimos à
introdução daquilo que é prometido nessa passagem. Pois o Pacto
da Graça sempre foi o mesmo, quanto à substância, desde o
princípio. Passou por toda a dispensação dos tempos da lei, e sob a
lei, permanecendo de uma mesma natureza e eficácia, inalterável,
“eterno, que em tudo será bem ordenado e guardado” (2 Samuel
23:5). Todos os que discutem sobre essas coisas, exceto os
socinianos, admitem que o Pacto da Graça, considerado
absolutamente, que é a promessa da graça em e por Jesus Cristo,
era o único caminho e meio de salvação para a igreja, desde que o
pecado entrou inicialmente no mundo. Mas, por duas razões, ele
não é expressamente chamado de aliança sob o Antigo Testamento.
Quando Deus renovou a promessa dele para Abraão, é dito que ele
fez um pacto com ele; sim, Deus fez um pacto, mas foi com respeito
a outras coisas, especialmente sobre o fato de que dele surgiria a
Descendência prometida. Contudo, absolutamente falando, sob o
Antigo Testamento, o Pacto da Graça consistia apenas em uma
promessa; e ele é proposto apenas como tal nas Escrituras (Atos
2:39; Hebreus 6:14-16). O apóstolo realmente diz que a aliança foi
confirmada por Deus em Cristo, antes da entrega da lei (Gálatas
3:17). E assim foi, não absolutamente em si mesma, mas na
promessa e nos benefícios dela. O termo νενομοθέτηται
(nenomothet ē tai), ou estabelecimento legal completo dela, em
razão do qual se tornou formalmente um pacto para toda a igreja,
era algo que aconteceria apenas no futuro, e enquanto sob o Antigo
Testamento estava em forma de promessa; pois faltavam duas
coisas para que o seu estabelecimento se tornasse real:
(1.) Faltava sua confirmação e estabelecimento solenes pelo
sangue do único sacrifício que era adequado para tal. Antes que
isso fosse feito na morte de Cristo, a aliança não tinha a natureza
formal de um pacto ou testamento, como nosso apóstolo comprova
(Hebreus 9:15-23). Pois, como ele mostra naquela passagem, a lei
dada no Sinai não teria sido uma aliança, se não tivesse sido
confirmada com o sangue dos sacrifícios. Portanto, o Pacto da
Graça existia apenas como uma promessa antes de tornar-se uma
aliança formal e solene.
(2.) Estava faltando aquilo que era a fonte, a regra e o padrão
de toda a adoração da igreja. Essa regra completa de adoração que
Deus requer da igreja pertence a toda aliança, propriamente dita,
que ele faz com ela; e é isso que eles devem estipular em sua
entrada na aliança com Deus. Mas o Pacto da Graça não estava
sob o Antigo Testamento; porque Deus exigia da igreja muitos
deveres de adoração que não pertenciam a ele. Mas agora, sob o
Novo Testamento, essa aliança, com seus próprios selos e
designações, é a única regra e padrão de toda adoração aceitável.
Para esse fim, a Nova Aliança prometida na Escritura, e aqui
colocada em oposição à Antiga, não é a promessa de graça,
misericórdia, vida e salvação por Cristo, absolutamente
considerada, mas à medida que tinha a natureza formal de um pacto
conferida a ela, em seu estabelecimento pela morte de Cristo, a qual
é a causa da obtenção de todos os seus benefícios e da declaração
dela como a única regra de adoração e obediência para a igreja.
Assim, por “Pacto da Graça” muitas vezes não entendemos nada
mais do que o caminho da vida, graça, misericórdia e salvação por
Cristo. No entanto, por “Nova Aliança”, nos referimos ao verdadeiro
estabelecimento do Pacto da Graça na morte de Cristo, e também
ao modo bendito de adoração que é estabelecido na igreja por meio
disso.
3. Enquanto a igreja desfrutava de todos os benefícios
espirituais da promessa, na qual a substância do Pacto da Graça
estava contida, antes de ser confirmada e tornada a única regra de
adoração à igreja, não era inconsistente com a santidade e a
sabedoria de Deus colocá-la sob qualquer outra aliança ou
prescrever para ela as formas de adoração que quis. As razões para
isso são dadas nestas três suposições:
(1.) Essa aliança não invalidou ou tornou ineficaz a promessa
que foi dada anteriormente, mas ela continuou a ser o único meio de
vida e salvação. O nosso apóstolo prova amplamente que isso foi
assim em Gálatas 3:17-19.
(2.) Essa outra aliança, com toda a adoração contida nela ou
exigida por ela, não desviou, mas antes dirigiu e conduziu ao
estabelecimento futuro da promessa na solenidade de uma aliança,
pelas formas mencionadas. E que a aliança feita no Sinai, com
todas as suas ordenanças, fez isso, o apóstolo prova igualmente na
passagem mencionada acima, como também em toda esta epístola
aos Gálatas.
(3.) A lei possui utilidade e benefícios presentes para a igreja
em sua condição atual. O apóstolo reconhece que isso era uma
grande objeção contra o uso e a eficácia da promessa sob o Antigo
Testamento, no que diz respeito à vida e salvação, a saber: “Para
que fim serve então a lei?”, ao que ele responde mostrando a
necessidade e o uso da lei para a igreja em sua condição presente
(Gálatas 3:17-19).
4. Observando essas coisas, podemos considerar que as
Escrituras mencionam clara e expressamente dois testamentos, ou
alianças, e fazem distinção entre eles de tal maneira, que o que é
falado dificilmente pode ser acomodado a uma dupla administração
do mesmo pacto. Um é mencionado e descrito em passagens como
Êxodo 24:3-8 e Deuteronômio 5:2-5, ou seja, o pacto que Deus fez
com o povo de Israel no Sinai; e que é comumente chamado de “a
aliança”, onde é dito que as pessoas que viveram sob o Antigo
Testamento guardam ou quebram a aliança de Deus, a qual, na
maioria das vezes, é mencionada com respeito aquele culto que era
peculiar a ela. A outra aliança é prometida em passagens como
Jeremias 31:31-34 e 32:40, essa é a Nova Aliança ou Aliança
Evangélica, como foi anteriormente explicada e mencionada a partir
de passagens como Mateus 26:28 e Marcos 14:24. E essas duas
alianças, ou testamentos, são comparadas uma com a outra, e
opostos uma à outra, em passagens como 2 Coríntios 3 6-9;
Gálatas 4:24-26 e Hebreus 7:22, 9:15-20.
Nós chamamos essas duas Alianças de “o Antigo e o Novo
Testamentos”. Contudo, deve ser observado que, nesse argumento,
por “Antigo Testamento”, nós não entendemos os livros do Antigo
Testamento, ou os escritos de Moisés, os Salmos e os Profetas, ou
os oráculos de Deus que foram então confiados à igreja (confesso
que esses livros e escritos são chamados assim uma vez em 2
Coríntios 3:14: “Até hoje o mesmo véu está por levantar na lição do
velho testamento”, isto é, a menos que digamos que o apóstolo se
refere apenas à leitura daquelas coisas na Escritura que dizem
respeito ao Antigo Testamento), pois essa Antiga Aliança, ou
Testamento, como for, está revogada e abolida, como o apóstolo
prova expressamente; por outro lado, a Palavra de Deus nos livros
do Antigo Testamento permanece para sempre. E esses escritos
são chamados de o Antigo Testamento, ou os livros do Antigo
Testamento, não como se eles contivessem em si apenas o que
pertence à Antiga Aliança, pois eles contêm a doutrina do Novo
Testamento também; entretanto, eles são chamados assim porque
estavam confiados à igreja enquanto a Antiga Aliança estava em
vigor, como a regra e a lei de sua adoração e obediência.
5. Portanto, devemos entender que o apóstolo se referiu a
duas alianças distintas, ao invés de uma administração dupla do
Pacto da Graça. Nós devemos fazer isso enquanto sustentamos que
o caminho da reconciliação e da salvação é o mesmo nas duas
alianças. Mas alguém pode dizer — e com grande pretensão de
razão, pois esse é o único fundamento sobre o qual todos
constroem, o qual admite apenas uma administração dupla do Pacto
da Graça — “Se esse é o fim principal de uma aliança divina, se o
caminho da reconciliação e da salvação é o mesmo sob as duas
alianças, então, de fato, quanto à sua substância elas são apenas
uma”. E eu admito que isso inevitavelmente se seguiria, se ambas
as alianças possuíssem virtudes iguais. Se a reconciliação e a
salvação por Cristo fossem obtidas não apenas sob a Antiga
Aliança, mas em virtude dela, então ela deveria ser a mesma que a
Nova no que diz respeito à sua substância. Mas isso não é assim;
pois nenhuma reconciliação com Deus nem salvação poderia ser
obtida em virtude da Antiga Aliança, ou da administração dela,
segundo o que nosso apóstolo contesta de forma geral, embora
todos os crentes foram reconciliados, justificados e salvos, em
virtude da promessa, enquanto eles estavam sob a Antiga Aliança.
Três Coisas Relacionadas à Primeira Aliança que
Provam que Ela Não foi uma Administração do
Pacto da Graça
Assim, mostrei em que sentido o Pacto da Graça é chamado
de “a nova aliança”, nessa distinção e oposição com a antiga ou
primeira aliança. Então eu proporei várias coisas que se relacionam
com a natureza da primeira aliança, as quais manifestam que ela é
uma aliança distinta, e não uma mera administração do Pacto da
Graça.
Primeira, Ela não foi Feita para a Vida e Salvação
da Igreja
Essa aliança, chamada de “a antiga aliança”, nunca foi
destinada a ser em si mesma a regra absoluta e lei para vida e
salvação para a igreja, mas foi feita com um propósito particular, e
com respeito a fins particulares. O apóstolo prova isso
inegavelmente nessa epístola aos Hebreus, especialmente no
capítulo 7, e também nos capítulos 8 e 9. Portanto, segue-se que
ele não poderia anular ou invalidar nada que Deus, em qualquer
época anterior, tivesse dado como regra geral à igreja. Pois aquilo
que é particular não pode anular qualquer coisa que fosse geral e
anterior a ele; assim como o que é geral anula todos os particulares
antecedentes, assim também a Nova Aliança anula a Antiga.
Deveremos considerar isso a partir das passagens relacionadas.
Pois,
(1.) Anteriormente Deus havia feito o Pacto de Obras, ou de
perfeita obediência, com toda a humanidade, na lei da criação. Mas
essa aliança feita no Sinai não anulou nem invalidou esse pacto,
nem de modo algum o cumpriu. E a razão disso é: porque ela nunca
pretendeu substituí-lo ou tomar o seu lugar como uma aliança,
contendo uma regra inteira de toda a fé e obediência para toda a
igreja. Deus não pretendia anular o Pacto das Obras e substituí-lo
por essa aliança feita no Sinai; mas antes, de várias maneiras ele
reforçou, estabeleceu, e confirmou esse pacto. Pois,
[1.] Ele reviveu, declarou e expressou todos os mandamentos
daquele Pacto de Obras no Decálogo; pois isso nada mais é que um
resumo feito por Deus da lei escrita no coração do homem em sua
criação. E nisso a maneira terrível de sua entrega ou promulgação,
com sua escrita em tábuas de pedra, também deve ser considerada;
pois nelas estava representada a natureza daquele primeiro pacto,
com sua inexorabilidade quanto à perfeita obediência. E porque
ninguém poderia atender às suas exigências, ou cumprir esse pacto,
ele foi chamado de “o ministério da morte”, pois causava medo e
servidão (2 Coríntios 3:7).
[2.] A aliança do Sinai reviveu a sanção daquele primeiro
pacto, na maldição ou sentença de morte que denunciou contra
todos os transgressores. A morte foi a penalidade da transgressão
do primeiro pacto: “No dia em que dela comeres, certamente
morrerás” (Gênesis 2:17). E essa sentença foi revivida e novamente
representada na maldição pela qual o pacto do Sinai foi ratificado:
“Maldito aquele que não confirmar as palavras desta lei, não as
cumprindo” (Deuteronômio 27:26; Gálatas 3:10). Pois o desígnio de
Deus nessa aliança era vincular um senso daquela maldição às
consciências dos homens, até que viesse Aquele por quem ela seria
abolida, como o apóstolo declara em Gálatas 3:19.
[3.] A aliança do Sinai reviveu a promessa daquele pacto, a
saber, a da vida eterna com base em uma obediência perfeita.
Assim, o apóstolo nos diz que Moisés descreve a justiça da lei: “O
homem que fizer estas coisas viverá por elas” (Romanos 10:5 —
como aparece em Levítico 18:5).
Ora isso não é outra coisa senão o Pacto das Obras revivido.
Essa aliança do Sinai não tinha qualquer promessa de vida eterna
anexada a ela, como tal, mas apenas a promessa inseparável do
Pacto de Obras que ela reviveu, dizendo: “Faça isso e viva”.
Portanto, quando nosso apóstolo argumenta contra a
justificação pela lei, ou pelas obras da lei, ele não intencionava as
obras peculiares à aliança do Sinai, com seus ritos e cerimônias de
adoração então instituída; mas ele também intenciona as obras do
primeiro pacto, o único que trazia em si a promessa da vida para
eles.
E, portanto, segue-se também que a aliança do Sinai não era
um novo pacto de obras estabelecido no lugar do antigo, para a
regra absoluta de fé e obediência a toda a igreja; pois então isso
teria anulado e abolido aquele pacto, e toda a força dele, o que não
aconteceu.
(2.) O outro exemplo está na promessa. Ela também foi dada
antes da aliança do Sinai; a promessa não foi revogada ou anulada
pela introdução dessa aliança sinaítica. Essa promessa foi dada aos
nossos primeiros pais imediatamente após a entrada do pecado e
foi estabelecida como contendo o único caminho e meio de salvação
dos pecadores. Agora, ela não poderia ser anulada pela introdução
dessa aliança, e nem um novo caminho de justificação e salvação
poderia ser estabelecido por meio disso. Porque a promessa dada
em geral para toda a igreja, a qual continha o caminho indicado por
Deus para a justificação, vida e salvação, não poderia ser anulada
ou mudada, sem que antes houvesse uma mudança e alteração nos
conselhos daquele “em quem não há mudança nem sombra de
variação” (Tiago 1:17). Muito menos isso poderia ser realizado por
uma aliança em particular, tal como aconteceu, quando foi dada
como regra geral e eterna.
Segunda, Ela Não Anulou a Promessa Feita a
Abraão
Uma promessa especial foi dada a Abraão, segundo a fé, pela
qual ele se tornou “pai de todos os que creem” (Romanos 4:11), pelo
fato de Abraão ser o progenitor dos crentes, pode dar a entender
que essa aliança invalidou totalmente ou substituiu a promessa, e
impediu a igreja de prosseguir edificando sobre esse alicerce, e
assim os restringiu totalmente a essa nova aliança sinaítica que
agora estava feita com eles. Assim diz Moisés: “Não com nossos
pais fez o Senhor esta aliança, mas conosco, todos os que hoje aqui
estamos vivos” (Deuteronômio 5:3). Deus não fez essa aliança no
Monte Sinai com Abraão, Isaque e Jacó, mas com o povo então
presente, e sua posteridade, como ele declara: “E não somente
convosco faço esta aliança e este juramento; mas com aquele que
hoje está aqui em pé conosco perante o Senhor nosso Deus, e com
aquele que hoje não está aqui conosco” (Deuteronômio 29:14-15).
Isso, portanto, parece privá-los completamente daquela promessa
feita a Abraão, e assim torna-la sem efeito. Mas o apóstolo prova
estritamente que isso não aconteceu e nem poderia (Gálatas 3:17-
22); sim, ele estabeleceu e confirmou essa promessa de várias
maneiras, tanto como primeiramente dada quanto como
posteriormente confirmada com o juramento de Deus a Abraão; e
ele fez isso especialmente de duas maneiras:
(1.) ele declarou a impossibilidade de obter a reconciliação e a
paz com Deus de qualquer outro modo, exceto pela promessa. Ele
fez isso para demonstrar que os mandamentos do Pacto de Obras
exigiam obediência perfeita e sem pecado, sob a pena da maldição,
e assim convenceu os homens de que ele não era o caminho para
os pecadores buscarem vida e salvação. E por esse meio, instigou
as consciências dos homens, para que eles não tivessem descanso
ou paz em si mesmos, mas que eles deveriam ter essas coisas
apenas na medida em que a promessa lhes proporcionaria, portanto
eles se viram na necessidade de se confiarem a ela.
(2.) ele demonstrou os caminhos e meios para a realização da
promessa, e daquilo em que toda a eficácia dela para a justificação
e salvação dos pecadores depende, a saber, a morte, o
derramamento de sangue e a oblação ou sacrifício de Cristo, a
descendência prometida. Todas as suas ofertas e ordenanças de
culto foram direcionadas a terem isso em vista; como, por exemplo,
a encarnação de Cristo, e a habitação de Deus em sua natureza
humana, foi tipificada pelo tabernáculo e pelo templo. Tudo isso
estava tão longe de anular a promessa ou desviar a mente do povo
de Deus dela, que promoveu o contrário, por todos esses meios eles
a estabeleceram e apontaram para ela.
Terceira, Ela Continha Outros Benefícios para a
Igreja
Mas alguém me dirá, como foi observado anteriormente: “Se a
aliança do Sinai não anulou o primeiro Pacto de Obras nem tomou o
lugar dele, e nem anulou a promessa feita a Abraão, para que fim
então ela servia, ou que benefício a igreja recebeu por meio dela?”.
A isso eu respondo,
(1.) Em relação ao lidar de Deus para com a igreja tem havido,
οἰκονομία τῶν καιρῶν , uma “certa dispensação” e disposição de
tempos e épocas, o que está reservado à soberana vontade e
beneplácito de Deus. Portanto, desde o início ele se revelou
π ολυτρό π ως[17] e π ολυμερ ῶ ς ,[18] segundo o que parecia bom
aos seus olhos (Hebreus 1:1). E essa dispensação de tempos tinha
uma π λήρωμα , uma “plenitude” designada a ela, na qual todas as
coisas — a saber, as que pertencem à revelação e comunicação de
Deus à igreja — deveriam chegar ao seu auge e ter seu
aperfeiçoamento final. Isso aconteceu quando Cristo foi enviado,
como o apóstolo declara em Efésios 1:10: “Na dispensação da
plenitude dos tempos” Deus tornaria a congregar todas as coisas a
um cabeça, Cristo. Até que essa época chegasse, Deus lidou de
forma variada com a igreja, ἐν π οικίλῃ σοφίᾳ , “de muitos modos”
ou “com sabedoria variada”, segundo ele considerava necessário e
útil para ela durante aquele tempo pelo qual ela passaria antes que
a plenitude dos tempos viesse. Dessa natureza foi Sua entrada na
aliança com a igreja no Sinai (nós investigaremos as razões disso a
seguir). Enquanto isso, se não tivéssemos outra resposta para essa
pergunta, mas somente essa, a saber: que na ordem da disposição
ou dispensação dos tempos para a igreja, antes que a plenitude dos
tempos chegasse, Deus em sua sabedoria multiforme considerou a
aliança do Sinai como algo necessário para a igreja daquela época,
nós consentiríamos com ela nesse aspecto. Mas,
(2.) De modo geral, o apóstolo nos familiariza com os fins que
Deus propôs para essa dispensação em Gálatas 3:19-24: “Logo,
para que é a lei? Foi ordenada por causa das transgressões, até
que viesse a posteridade a quem a promessa tinha sido feita; e foi
posta pelos anjos na mão de um mediador. Ora, o mediador não o é
de um só, mas Deus é um. Logo, a lei é contra as promessas de
Deus? De nenhuma sorte; porque, se fosse dada uma lei que
pudesse vivificar, a justiça, na verdade, teria sido pela lei. Mas a
Escritura encerrou tudo debaixo do pecado, para que a promessa
pela fé em Jesus Cristo fosse dada aos crentes. Mas, antes que a fé
viesse, estávamos guardados debaixo da lei, e encerrados para
aquela fé que se havia de manifestar. De maneira que a lei nos
serviu de aio, para nos conduzir a Cristo, para que pela fé fôssemos
justificados”. Podemos conhecer muito da mente do Espírito Santo
nessas palavras, e coisas que não são comumente discernidas
pelos expositores, se nos concentramos em interpretá-las
corretamente. Agora, irei apenas observar algumas dessas coisas
que são pertinentes ao nosso presente propósito.
Duas Perguntas sobre a Aliança do Sinai
O apóstolo faz duas perguntas acerca da lei, ou a aliança do
Sinai: [1.] Para que fim, em geral, ela serviu. [2.] E se ela era
contrária à promessa de Deus. O apóstolo responde ambas as
perguntas a partir da natureza, do ofício e da função dessa aliança.
Pois havia, como foi declarado, duas coisas: [1.] Um reavivamento e
reapresentação do Pacto das Obras, com sua sanção e maldição.
[2.] A igreja foi direcionada a olhar para e esperar a realização da
promessa. A partir dessas duas coisas o apóstolo constrói sua
resposta para as duas perguntas que ele próprio fez.
E para a primeira pergunta, “logo, para que é a lei”, ele
responde: “Foi ordenada por causa das transgressões”. Após a
promessa ter sido dada parece não haver necessidade disso, por
que então a lei foi acrescentada a ela naquele tempo? “Foi
acrescentada por causa das transgressões”. A plenitude do tempo
ainda não havia chegado, na qual a promessa deveria ser cumprida,
realizada e estabelecida como a única aliança na qual a igreja
deveria andar com Deus; ou “a descendência” a quem a promessa
foi feita ainda não havia chegado, como diz o apóstolo.[19] Enquanto
isso, alguma providência deve ser tomada em relação ao pecado e
à transgressão, para que toda a ordem das coisas designadas por
Deus não seja transtornada por eles. E isso foi feito de duas
maneiras através lei:
[1.] Ao reviver os mandamentos do Pacto das Obras, com a
sanção da morte, isso colocou temor nas mentes dos homens e
restringiu as suas concupiscências, para que não ousassem se
entregar aos excessos para os quais eram naturalmente inclinados.
A lei, portanto, foi “ordenada por causa das transgressões”, pois, ao
declarar a severidade de Deus contra elas, serviu como algo que
poderia fixar alguns limites para os transgressões; “porque pela lei
vem o conhecimento do pecado” (Romanos 3:20).
[2.] Para encerrar os incrédulos, e os que não buscam a
justiça, a vida e a salvação pela promessa, sob o poder do Pacto
das Obras, e da maldição que o acompanha. A lei “encerrou tudo
debaixo do pecado”, diz o apóstolo em Gálatas 3:22. Esse foi o fim
da lei, e para esse fim ela foi ordenada e adicionada, e por meio
disso ela reviveu o Pacto das Obras.
Para a segunda pergunta, que surge dessa suposição, a saber,
se a lei convenceu do pecado e trouxe condenação por causa dele:
“logo, a lei é contra as promessas de Deus?”, o apóstolo da mesma
maneira retorna uma resposta dupla, extraída do segundo uso da
lei, antes de insistir a respeito da promessa. E,
[1.] ele diz: “Embora a lei reprove e convença do pecado e
traga condenação por causa dele, e assim imponha limites para as
transgressões e os transgressores, contudo, Deus nunca
intencionou que ela fosse um meio pelo qual ele concederia a vida e
a justiça, e nem a lei poderia fazer isso”. O fim da promessa era dar
retidão, justificação e salvação, mas tudo isso por Cristo, a quem e a
respeito de quem ela foi feita. Mas esse não foi o fim para o qual a
lei foi revivida na aliança do Sinai. Pois embora em si ela exija uma
justiça perfeita, e conceda uma promessa de vida em função disso
(“o homem, que fizer estas coisas, por elas viverá” — Gálatas 3:12),
ainda assim ela não poderia conceder nem justiça e nem vida a
alguém que estivesse em um estado de pecado (Veja Romanos 8:3,
10:4). Sob esse aspecto, a promessa e a lei não são contrárias uma
à outra, pois possuem fins diferentes.
[2.] ele diz: “A lei está grandemente relacionada à promessa; e
foi dada por Deus para esse fim, a saber, para que pudesse
conduzir e direcionar os homens para Cristo”. Isso é suficiente para
responder à pergunta proposta no início desse discurso, sobre o fim
dessa aliança, e a vantagem que a igreja recebeu por meio dela.
A Substância de Toda a Verdade
O que foi falado pode ser suficiente para declarar em geral a
natureza dessa aliança feita no Sinai; e duas coisas aqui
evidentemente seguem, nas quais a substância de toda a verdade
reivindicada pelo apóstolo consiste:
(1.) Que enquanto o Pacto da Graça estava contido e proposto
apenas na promessa, antes de ser solenemente confirmado no
sangue e sacrifício de Cristo, e assim instituído ou estabelecido
como a única regra de adoração da igreja, a introdução dessa outra
aliança do Sinai não constituía um novo caminho ou meio para
alcançar justiça, vida e salvação; mas os crentes buscaram alcançar
essas coisas somente através do Pacto da Graça, conforme
declarado na promessa. Isso decorre evidentemente do que nós
temos discorrido; e assegura absolutamente aquela grande verdade
fundamental, que o apóstolo nessa e em todas as suas outras
epístolas tão fervorosamente defende, ou seja, que não existe e
nem jamais houve retidão, justificação, vida ou salvação a serem
alcançadas por qualquer lei, ou pelas obras dela (pois essa aliança
feita no Monte Sinai abrangia toda lei que Deus já havia dado à
igreja), mas somente por Cristo, e pela fé nele.
(2.) Que embora essa aliança seja introduzida pala vontade de
Deus, foi prescrita com ela uma forma de adoração exterior
adequada à dispensação daqueles tempos e ao estado em que a
igreja se encontrava. Entretanto com a introdução da Nova Aliança
na plenitude dos tempos, que passou a ser a regra de todo
relacionamento entre Deus e a igreja, tanto essa aliança sinaítica
quanto toda a sua adoração foram necessariamente anulados. E é
isso que o apóstolo prova com todo tipo de argumentos, e
manifestando o grande privilégio da igreja por meio disso.
Essas coisas, evidentemente decorrem do que temos
discorrido anteriormente, e consistem nas principais verdades
defendidas pelo apóstolo.
Seis Razões para a Introdução da Primeira
Aliança
Resta apenas uma coisa a ser considerada, antes de
passarmos a tratar da comparação entre as duas alianças aludidas
pelo apóstolo. Vamos manifestar a razão da introdução da primeira
aliança naquela época e como ela veio a ser uma aliança especial
para esse povo. E para esse fim várias coisas devem ser
consideradas concernentes àquele povo e a igreja de Deus nele,
com quem essa aliança foi feita; e isso evidenciará ainda mais a
natureza, o uso e a necessidade dela:
(1.) Esse povo era a posteridade de Abraão, a quem foi feita a
promessa de que em sua descendência todas as nações da terra
seriam abençoadas. Estava prometido que a partir da posteridade
de Abraão o descendente seria levantado na plenitude dos tempos,
ou que em seu devido tempo, a partir dessa posteridade, o Filho de
Deus surgiria como o descendente de Abraão. Várias coisas foram
necessárias para esse fim:
[1.] Que eles tivessem um lugar determinado ou país de
residência, para que pudessem habitar livremente, separados das
outras nações, e estivessem sob leis e governo próprios. Assim é
dito a respeito deles: “este povo habitará só, e entre as nações não
será contado” (Números 23:9), e: “O cetro não se arredará de Judá,
nem o legislador dentre seus pés, até que venha Siló” (Gênesis
49:10). Porque Deus tinha em conta a sua própria glória em manter
Sua fidelidade em relação à palavra e ao juramento dados a Abraão,
não apenas para que eles fossem cumpridos, mas para que sua
realização fosse evidente e conspícua. Mas se a essa posteridade
de Abraão, dentre a qual o descendente prometido se levantaria,
tivesse acontecido o que acontece com eles hoje, a saber, tivesse
sido espalhada pela face da terra, se misturado com todas as
nações e sido sujeitada ao poder delas, embora Deus pudesse
realmente ter cumprido sua promessa de levantar a Cristo a partir
dessa posteridade, contudo, não poderia ser provado ou
evidenciado que ele tinha feito isso, em razão desse povo haver se
misturado com os outros povos. Para esse fim, Deus providenciou
uma terra e um lugar para eles, para que pudessem habitar
sozinhos, a terra de Canaã. E isso era muito adequado para todos
os propósitos de Deus para aquele povo, como é declarado em
várias passagens, que revelam o objetivo de Deus quanto a isso:
“Naquele dia levantei a minha mão para eles, para os tirar da terra
do Egito, para uma terra que já tinha previsto para eles” (Ezequiel
20:6). Ele escolheu isso como o mais adequado para o seu
propósito em relação aos povos de todas as terras debaixo do céu.
[2.] Que sempre deveria haver entre eles uma confissão aberta
e uma representação visível do propósito para o qual eles estavam
então separados de todas as nações do mundo. Eles não deveriam
habitar na terra de Canaã simplesmente para fins seculares, ou
como se eles fossem um espetáculo mudo; mas assim como eles
estavam guardados e preservados ali para evidenciar a fidelidade
de Deus quando ele levantasse o Descendente prometido na
plenitude dos tempos, assim também um testemunho era mantido
continuamente entre eles quanto ao propósito de Deus em preservá-
los desse modo. Esse foi o fim de todas as suas ordenanças de
adoração e do tabernáculo, sacerdócio, sacrifícios e ordenanças; os
quais foram todos designados por Moisés, sob a ordem de Deus,
“para testemunho das coisas que se haviam de anunciar” (Hebreus
3:5).
Essas coisas foram necessárias em primeiro lugar, com
respeito aos fins de Deus para com esse povo.
(2.) Se Deus chamasse qualquer povo para uma relação
especial consigo mesmo, fizesse o bem a eles de uma maneira
eminente e peculiar, e então permitisse que eles vivessem de
acordo com suas próprias vontades, sem qualquer consideração
pelo que ele fez por eles, isso não seria algo que revelaria sua
sabedoria, santidade e soberania. Portanto, após conceder a esse
povo os grandes privilégios da terra de Canaã, e as ordenanças de
adoração relativas ao grande fim mencionado, Deus também lhes
prescreveu leis, regras e termos de obediência, com base nos quais
eles deveriam possuir e desfrutar dessa terra, com todos os
privilégios inerentes à posse dela. E tudo isso é expresso e
frequentemente inculcado através da repetição e promessas da lei.
Além disso, na prescrição desses termos, Deus reservou a
soberania de lidar com eles para Si próprio. Pois se os tivesse
deixado ficar em pé ou cair absolutamente com base nos termos
que prescreveu para eles, então eles poderiam e teriam perdido
totalmente tanto a terra quanto todos os privilégios que desfrutavam
nela. E se eles tivessem caído, então o grande fim de Deus em
preservá-los como um povo separado até que o Descendente
viesse, e se manifestasse entre eles, teria sido frustrado. Assim,
embora ele os punisse por suas transgressões, de acordo com as
ameaças da lei, ainda assim ele não traria ‫חֵ ֶר ם‬, “a maldição da lei”,
sobre eles e nem os rejeitaria totalmente, até que seu grande fim
fosse alcançado (Malaquias 4:4-6).
(3.) Deus não privaria esse povo da promessa, porque a sua
igreja estava entre eles, e essas pessoas não podiam agradar a
Deus nem ser aceitas diante dele, senão pela fé em sua promessa.
Entretanto, eles deveriam ser tratados de modo apropriado. Pois,
por muitas vezes, geralmente eles foram um povo de dura cerviz, de
coração duro e pensaram ser mais justos e melhores do que os
outros povos. A fim de preservá-los desses pecados, Moisés se
esforça, no livro de Deuteronômio, para lhes dar razões e exemplos
que lhes mostravam o contrário. De forma geral, tais esforços de
Moisés ainda não lograram êxito entre eles até os dias de hoje; pois
mesmo em meio a toda a sua maldade e miséria, eles ainda confiam
e se vangloriam em sua própria justiça, e acreditam que Deus tem
uma obrigação especial para com eles por causa disso. Por essa
razão, Deus achou necessário colocar um jugo doloroso e pesado
sobre eles, para subjugar o orgulho de seus espíritos e levá-los a
ansiar por livramento. O apóstolo Pedro chama isso de “um jugo que
nem seus pais nem eles puderam suportar” (Atos 15:10). Portanto, o
Senhor Jesus Cristo os convidou a buscar a paz, alívio e descanso
somente nele mesmo (Mateus 11:29-30). E esse jugo que Deus
colocou sobre eles consistia nestas três coisas:
[1.] Em uma multidão de preceitos, difíceis de serem
entendidos e penosos de serem observados. Os judeus atuais
consideram haver seiscentos e treze desses preceitos; mas eles
debatem interminavelmente entre si sobre o sentido da maioria
deles. Porém a verdade é que desde os dias dos fariseus eles
aumentaram o seu próprio jugo e fizeram da obediência à sua lei
algo totalmente inviável. Seria fácil manifestar, por exemplo, que
nenhum homem debaixo do céu jamais guardou ou pode guardar o
sabbath de acordo com as regras que eles prescrevem a respeito
dele em seu Talmude. E dificilmente eles observam algumas dessa
regras. Entretanto, na lei, como dada pelo próprio Deus, é certo que
há uma multidão de preceitos arbitrários, os quais em si mesmos
não são acompanhados de quaisquer vantagens espirituais, como
nosso apóstolo mostra em Hebreus 9:9-10; eles eram obrigados a
cumpri-los apenas por um mero ato soberano de poder e autoridade
divinos.
[2.] Na severidade pela qual foi ordenada a observância de
todos aqueles preceitos. E isso foi seguido por uma ameaça de
morte, pois “quebrantando alguém a lei de Moisés, morre sem
misericórdia” e “toda a transgressão e desobediência recebeu a
justa retribuição” (Hebreus 10:28, 2:2). Portanto, esse era o motivo
de sua antiga queixa: “Então falaram os filhos de Israel a Moisés,
dizendo: Eis aqui, nós expiramos, perecemos, nós todos
perecemos. Todo aquele que se aproximar do tabernáculo do
Senhor, morrerá; seremos, pois, todos consumidos” (Números
17:12-13). E a maldição denunciou solenemente todo aquele que
não confirmava todas as coisas escritas na lei, cumprindo-as.
[3.] Em um espírito de escravidão ao medo. Isso foi
administrado durante a concessão e dispensação da lei, mesmo
quando um espírito de liberdade e de poder é administrado no e
pelo Evangelho. E como isso dizia respeito à sua obediência
presente e à sua maneira de agir, então, em particular, ela dizia
respeito à morte como ainda não tendo sido vencida por Cristo.
Portanto, nosso apóstolo afirma que pelo “medo da morte, estavam
por toda a vida sujeitos à servidão” (Hebreus 2:15).
Deus os introduziu nesse estado, por um lado, para subjugar o
orgulho de seus corações, os quais confiavam em sua justiça
própria e, por outro, para fazer com que eles olhassem
sinceramente para o libertador prometido.
(4.) Deus os trouxe para esse estado e condição através de
uma aliança solene, confirmada por consentimento mútuo entre ele
e eles. O teor, a força, e a ratificação solene dessa aliança são
expressos em Êxodo 24:3-8. Toda a igreja ficou indispensavelmente
obrigada aos termos e condições dessa aliança, sob pena de
extermínio, até que tudo tivesse sido cumprido (Malaquias 4:4-6). A
essa aliança pertencia o Decálogo, com todos os preceitos de
obediência moral extraídos dele. Assim também as leis do governo
político foram estabelecidas entre eles, bem como lhes foi dado todo
o sistema de culto religioso. Todas essas leis foram trazidas para o
escopo dessa aliança, e passaram a fazer parte de sua constituição.
Essa aliança possui promessas e ameaças especiais anexadas a
ela como tal, as quais eram vigentes em todo o território de Canaã.
Pois até mesmo muitas das leis dessa aliança não eram obrigatórias
em outro lugar, como por exemplo, a lei do ano sabático e todos os
seus sacrifícios. Havia pecado e obediência neles ou sobre eles
enquanto estavam na terra de Canaã, os quais não seriam assim se
estivessem em outo lugar. Assim sendo,
(5.) Essa aliança feita desse modo, com esses fins e
promessas, nunca salvou e nem condenou qualquer homem
eternamente. Não foi em virtude dessa aliança, enquanto
considerada a partir de um ponto de vista formal e em si mesmo,
que todos aqueles que viveram sob a administração dela
alcançaram a vida eterna ou perecerem para sempre. De fato, ela
reviveu o poder dominante e a sanção do primeiro Pacto de Obras;
e nesse aspecto, como o apóstolo fala, ela foi “o ministério da
condenação” (2 Coríntios 3:9); pois “pelas obras da lei nenhuma
carne será justificada”.[20] E, por outro lado, ela também apontava
para a promessa, que era o instrumento da vida e da salvação para
todos os crentes. Mas quanto ao que essa aliança continha em si
mesma, ela se limitava às coisas temporais. Os crentes foram
salvos sob ela, mas não em virtude dela. Os pecadores pereceram
eternamente sob ela, mas isso aconteceu devido à maldição das
obras da lei original. E,
(6.) Com base nisso é que ocorreu a ruína daquele povo. “A
sua mesa tornou-se em laço para eles, e aquilo que deveria ter sido
para o seu bem-estar tornou-se uma armadilha”, de acordo com a
previsão do nosso Salvador no Salmo 69:22. Foi essa aliança que
os elevou e os arruinou. Ela os elevou à glória e honra quando foi
dada por Deus e os arruinou quando foi pervertida por eles, ao
fazerem aquilo que era expressamente contrário à mente e vontade
divinas. A maioria desse povo foi perversa e rebelde, e
continuamente quebrou os termos da aliança que Deus fez com
eles, tanto quanto lhes fora possível; todavia, eles consideravam
essa aliança apenas como regra e meio de justiça, vida e salvação,
como o apóstolo declara em Romanos 9:31-33, 10:3. Pois, como já
dissemos muitas vezes, havia duas coisas nela, as quais eles
perverteram ao buscar fins diferentes daqueles que Deus
intencionou:
[1.] Houve a renovação da regra do Pacto de Obras para a
justiça e a vida. E essa aliança foi dada para que eles buscassem a
justiça e a vida por meio dela, mas então eles buscaram a vida e a
justiça nela própria, isto é, buscaram a justiça pelas obras da lei.
[2.] Foi ordenado nela uma representação típica do caminho e
dos meios segundo os quais a promessa deveria se tornar eficaz, a
saber, segundo a mediação e sacrifício de Jesus Cristo; esse foi o
fim de todas as suas ordenanças de adoração. Mas eles se
contentaram com a observância da lei externa de sua instituição,
eles só buscavam por um libertador quando julgavam não conseguir
desempenhar uma justiça exata e perfeita.
O apóstolo expressamente escreve contra esses dois erros
perniciosos em suas epístolas aos Romanos e aos Gálatas, para
salvá-los, se fosse possível, daquela ruína em que se lançariam, se
fossem enredados por eles. Quando a isso, “os eleitos o
alcançaram”, mas “os outros foram endurecidos” (Romanos 11:7).
Pois, agindo assim, eles renunciaram totalmente à promessa, na
qual somente Deus concedeu o caminho da vida e da salvação.
Essa é a natureza e substância daquela aliança que Deus fez
com esse povo no Sinai; uma aliança particular e temporária, e não
uma mera dispensação do Pacto da Graça.
A Diferença entre as Duas Alianças
O propósito da revelação da mente do Espírito Santo em toda
essa questão é anunciar as diferenças que existem entre aquelas
duas alianças, em relação às quais, uma é dita ser “melhor” do que
a outra, e ser “confirmada em melhores promessas” (Hebreus 8:6).
A Opinião da Igreja de Roma
Os da Igreja de Roma comumente dizem que essa diferença
consiste em três coisas: 1. Nas promessas delas: A Antiga Aliança
era apenas temporal, enquanto a Nova é espiritual e celestial. 2.
Nos preceitos delas: Sob a Antiga eles requeriam apenas
obediência externa, intencionando uma justiça humana exterior,
enquanto sob a Nova, os preceitos são internos, e dizem respeito
principalmente ao homem interior e ao seu coração. 3. Em seus
sacramentos: para aqueles que viveram sob o Antigo Testamento,
eles eram apenas exteriores e figurativos; mas os sacramentos do
Novo são eficazes em comunicar a graça.
Mas essas coisas não expressam muito, se é que expressam
algo, sobre a diferença que a Escritura esboça entre as duas
Alianças. E, além disso, como alguns já explicaram, essas
diferenças alegadas não são verdadeiras, especialmente as duas
últimas. Pois eu não posso senão ficar admirado ao imaginar como
é que ocorreu no coração ou na mente de qualquer homem pensar
ou dizer que Deus alguma vez deu uma lei ou leis, preceito ou
preceitos, que “diziam respeito principalmente ao homem interior e à
regulação de deveres externos”. Um pensamento como esse é
contrário a todas as propriedades essenciais da natureza de Deus, e
serve apenas para gerar pensamentos impróprios a respeito de
todas as suas gloriosas excelências. A vida e o fundamento de
todas as leis sob o Antigo Testamento eram: “Amarás o Senhor teu
Deus com toda a tua alma”, e sem isso nenhuma obediência exterior
jamais foi aceita por Ele. E quanto à terceira das supostas
diferenças, os sacramentos da lei não eram “figurativos”, mas
exibiam Cristo aos crentes: Todos “bebiam da pedra espiritual que
os seguia; e a pedra era Cristo” (1 Coríntios 10:4). Tampouco os
sacramentos do Evangelho são eficazes em si mesmos para
comunicar a graça, à parte da fé; pois sem fé os sacramentos são
inúteis para os que os recebem.
A Doutrina da Escritura sobre a Diferença entre
as Alianças Exposta em 17 Particularidades
As coisas em que essa diferença consiste, conforme
expressas na Escritura, são em parte circunstanciais e em parte
substanciais, e podem ser reduzidas aos seguintes pontos:
1. Essas duas alianças diferem em circunstâncias de tempo
quanto à sua promulgação, declaração e estabelecimento. Essa
diferença que é citada pelo apóstolo a partir do profeta Jeremias em
Hebreus 8:9 será tratada mais detalhadamente adiante. Em resumo,
a primeira aliança foi feita no tempo em que Deus tirou os filhos de
Israel do Egito, e no terceiro mês após chegarem ao pé do Sinai
(Êxodo 19, 24). Desde o tempo do que é registrado na última
passagem, no qual o povo dá seu consentimento real aos termos
dela, começou sua obrigação formal como uma aliança. Depois
iremos inquirir quando ela foi revogada e deixou de ser obrigatória
para a igreja. Já a Nova Aliança foi declarada e se tornou conhecida
“nos últimos dias” (Hebreus 1:1-2), “na dispensação da plenitude
dos tempos” (Efésios 1:10). A data de seu início, como uma aliança
formalmente obrigatória para toda a igreja, se dá por ocasião da
morte, ressurreição, ascensão de Cristo e o envio do Espírito Santo.
Eu cito todos esses eventos como o início da Nova Aliança porque
embora principalmente ela tenha sido estabelecida pela morte de
Cristo, contudo ela não era absolutamente obrigatória como uma
aliança até depois da vinda do Espírito Santo.
2. Elas diferem na circunstância do lugar quanto à sua
promulgação; o que também é registrado pelas Escrituras. A
primeira foi declarada no monte Sinai; na primeira parte dessa
exposição eu já declarei amplamente a forma e o tempo em que as
pessoas receberam a lei, e agora eu direciono o leitor para aquele
lugar[21] (Êxodo 19:18). A Nova Aliança foi declarada no Monte Sião,
e a lei dela saiu de Jerusalém (Isaías 2:3). Nosso apóstolo insiste
nessa diferença e dá vários exemplos notáveis dela em Gálatas
4:24-26: “Ora, esta Agar é Sinai, um monte da Arábia, que
corresponde à Jerusalém que agora existe, pois é escrava com seus
filhos”. Agar, era a escrava que Abraão tomou antes que o herdeiro
da promessa houvesse nascido, sendo que ela era um tipo da
Antiga Aliança dada no Sinai, antes da introdução na Nova Aliança
ou Aliança da Promessa; por isso, ele acrescenta: “Ora, esta Agar é
Sinai, um monte da Arábia, que corresponde à Jerusalém que agora
existe, pois é escrava com seus filhos”. Esse Monte Sinai, onde a
Antiga Aliança foi dada, e que foi representada por Agar, está na
Arábia, lançado fora das fronteiras e limites da igreja. E
“corresponde” ou “é colocado na mesma série, posição e ordem que
Jerusalém”, ou seja, nesse contraste entre as duas alianças. Assim
como a Nova Aliança, a Aliança da Promessa, a qual concede
liberação e liberdade, foi dada em Jerusalém, através da morte e
ressurreição de Cristo, e da pregação do Evangelho que se seguiu
em razão disso; assim também, a Antiga Aliança, que levou o povo
à escravidão, foi dada no Monte Sinai, na Arábia.
3. Elas diferem na maneira de sua promulgação e
estabelecimento. Duas coisas notáveis acompanharam a declaração
solene da primeira aliança:
(1.) O pavor e terror da aparência externa no Monte Sinai, que
se apoderou de todo o povo, e até mesmo o próprio Moisés, que
temeu e tremeu (Hebreus 12:18-21; Êxodo 19:16, 20:18-19). Por
meio disso, um espírito de medo e escravidão foi incutido em todas
as pessoas, de modo que elas escolheram manter distância e não
se aproximarem de Deus (Deuteronômio 5:23-27).
(2.) Ela foi dada pelo ministério e “ordenação dos anjos” (Atos
7:53; Gálatas 3:19). Portanto, as pessoas estavam, em certo
sentido, “submetidas aos anjos”, os quais possuíam um ministério
de autoridade nessa aliança. A igreja daquele tempo, foi colocada
em algum tipo de sujeição aos anjos, como o apóstolo claramente
sugere em Hebreus 2:5. Foi muito por causa disso que o culto ou
adoração de anjos começou a ser praticado entre esse povo
(Colossenses 2:18); o mesmo culto aos anjos, com um acréscimo à
sua loucura e superstição, foi introduzido por alguns na igreja cristã,
na qual os anjos não possuem tal ministério de autoridade como o
faziam sob a Antiga Aliança.
As coisas são bem diferentes no que diz respeito à
promulgação da Nova Aliança. O Filho de Deus em sua própria
pessoa declarou isso. Ele “falou do céu”, como o apóstolo observa;
em oposição à lei “sobre a terra” (Hebreus 12:25). No entanto, ele
falou na terra também, e ele declara esse mistério acerca de si
mesmo em João 3:13. E ele realizou todas as coisas que
pertenciam ao estabelecimento dessa aliança em um espírito de
mansidão e condescendência, com a mais alta evidência de amor,
graça e compaixão, encorajando e convidando os cansados e
sobrecarregados a virem a Ele. E por meio de seu Espírito, ele fez
com que seus discípulos continuassem a mesma obra até que a
aliança fosse plenamente declarada (Hebreus 2:3; veja João 1:17-
18).
E todo o ministério de anjos, na entrega dessa aliança, era
meramente uma maneira de servir e obedecer a Cristo; e, em si
mesmos, os anjos eram apenas “conservos” daqueles que têm “o
testemunho de Jesus” (Apocalipse 19:10). De modo que esse
“mundo por vir”, como era chamado antigamente, não foi posto em
sujeição a eles.
4. As duas alianças diferem em seus mediadores. O mediador
da primeira aliança foi Moisés. “Foi posta pelos anjos na mão de um
mediador” (Gálatas 3:19), esse mediador não era outro senão
Moisés, que era servo na casa de Deus (Hebreus 3:5). E ele era um
mediador, conforme designado por Deus, que havia sido escolhido
pelo povo, na ocasião em que experimentaram aquele pavor e
consternação durante a terrível promulgação da lei. Pois eles viram
que não podiam suportar a presença imediata de Deus, nem tratar
com ele pessoalmente. Para esse fim, eles desejaram um
intermediário, um mediador entre Deus e eles, e que Moisés fosse
essa pessoa (Deuteronômio 5:24-27). Mas o Mediador da Nova
Aliança é o próprio Filho de Deus. Pois “há um só Deus, e um só
Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem” (1 Timóteo
2:5). Aquele que é o Filho e o Senhor sobre a sua própria casa,
graciosamente empreendeu em sua própria pessoa ser o Mediador
dessa aliança; e nisso a Nova Aliança é indescritivelmente superior
à Antiga.
5. Elas diferem em sua constituição, tanto em relação aos
preceitos quando em relação às promessas; e os maiores privilégios
pertencem à Nova Aliança. Pois,
(1.) A Antiga Aliança, no que diz respeito à sua parte
preceptiva, renovou os mandamentos do Pacto das Obras, e isso
com base em seus termos originais. O pecado foi proibido, isto é,
todo e qualquer pecado, em seu conteúdo e forma, com base na dor
da morte; e a promessa de vida foi dada somente em caso de uma
obediência perfeita e impecável — por causa disso o próprio
Decálogo, que é uma transcrição da lei das obras, é chamado de
“aliança” em Êxodo 34:28. E, além disso, como observamos
anteriormente, havia outros preceitos inumeráveis, acomodados à
condição atual do povo e impostos a eles com rigor. Mas no que diz
respeito à Nova Aliança, a primeira coisa que ela se propõe é a
realização e o estabelecimento do Pacto de Obras, tanto em relação
aos seus comandos quanto em relação às suas sanções, com base
na obediência e sofrimento do Mediador. Nisso os mandamentos
dessa aliança, em relação aos que participam dela, não são
penosos; o jugo de Cristo é suave e seu fardo é leve.
(2.) O Antigo Testamento, absolutamente considerado: [1.] Não
continha nenhuma promessa de graça, para comunicar a força
espiritual, ou para nos auxiliar em nossa obediência; [2.] nem
continha a promessa da vida eterna, nem de qualquer outra vida
senão daquela que estava contida na promessa do Pacto das
Obras, “o homem, que fizer estas coisas, por elas viverá”;[22] e [3.]
Continha promessas de coisas temporais na terra de Canaã que são
inseparáveis dele próprio. Na Nova Aliança todas as coisas são de
outro modo, como será declarado na exposição dos versículos
seguintes.
6. Elas diferem, principalmente, quanto ao modo de sua
dedicação e sanção. É isso que confere uma natureza formal a uma
aliança ou testamento. Pode haver uma promessa, pode haver um
acordo em geral, e ainda assim não termos a natureza formal de
uma aliança, ou testamento, e foi isso que aconteceu com o Pacto
da Graça antes da morte de Cristo, mas é a solenidade e o modo da
confirmação, dedicação e sanção de qualquer promessa ou acordo
que lhe dá a natureza formal de um pacto ou testamento. E isso é
realizado por meio de um sacrifício, no qual há derramamento de
sangue e morte, em razão disso. A Antiga Aliança foi confirmada
apenas com o sacrifício de animais, cujo sangue foi aspergido sobre
todo o povo (Êxodo 24:5-8). Mas o Novo Testamento foi
solenemente confirmado pelo sacrifício e pelo sangue do próprio
Cristo (Zacarias 9:11; Hebreus 10:29, 13:20). E o Senhor Jesus
Cristo, ao morrer como Mediador e Fiador dessa aliança, comprou
todas as coisas boas para a igreja; e como um testador as legou
para ela. Portanto, ele diz a respeito do cálice sacramental: “Isto é o
meu sangue, o sangue do novo testamento” (Marcos 14:24), ou
seja, o penhor de que será legado à igreja todas as promessas e
misericórdias da aliança; a qual é o Novo Testamento, ou a
disposição de seus bens para seus filhos. Mas porque o apóstolo
trata expressamente dessa diferença entre as duas Alianças em
Hebreus 9:18-23, direcionamos o leitor para lá para obter uma
consideração completa desse assunto.
7. Elas são diferentes quanto aos sacerdotes que deveriam
oficiar perante Deus em favor do povo. Na Antiga Aliança, somente
Arão e sua posteridade poderiam desempenhar esse ofício; na
Nova, o próprio Filho de Deus é o único sacerdote da igreja.
Lidamos amplamente com essa diferença e com a vantagem da
atual dispensação evangélica, na exposição do capítulo anterior,
Hebreus 7.
8. Elas são diferentes quanto aos sacrifícios dos quais
depende a paz e a reconciliação com Deus. E isso também será
tratado, se Deus permitir, no capítulo seguinte, Hebreus 9.
9. Elas são diferentes em relação a forma e a maneira em que
foram escritas. Todas as alianças no passado eram solenemente
escritas em placas de latão ou tábuas de pedra, onde pudessem ser
fielmente preservados para o uso das partes interessadas. Assim, a
Antiga Aliança, quanto à sua parte principal e fundamental, estava
“gravada em tábuas de pedra”, que eram preservadas dentro da
arca (Êxodo 31:18; Deuteronômio 9:10; 2 Coríntios 3:7). E Deus fez
isso em sua providência, pois as primeiras tábuas foram quebradas,
para dar a entender que a aliança contida nelas não era eterna ou
inalterável. Mas a Nova Aliança está escrita nas “tábuas de carne do
coração” daqueles que creem (2 Coríntios 3:3; Jeremias 31:33).
10. Elas são diferentes em relação aos seus fins. O principal
fim da primeira aliança era revelar o pecado, condená-lo e
estabelecer limites para ele. Assim diz o apóstolo: “Foi ordenada por
causa das transgressões” (Gálatas 3:19). E isso foi feito através de
várias maneiras:
(1.) Através da convicção: porque “pela lei vem o
conhecimento do pecado” (Romanos 3:20); ela convenceu os
pecadores e fez com que toda a boca fosse fechada diante de Deus
(Romanos 3:19).
(2.) Condenando o pecador, ao aplicar a sanção da lei à sua
consciência.
(3.) Através dos juízos e castigos pelos quais, em todas as
ocasiões, ela foi acompanhada. Em tudo isso ela manifestou e
representou a justiça e severidade de Deus.
Já o fim da Nova Aliança é declarar o amor, a graça e a
misericórdia de Deus; e, portanto, conceder arrependimento,
remissão de pecados e vida eterna.
11. Elas eram diferentes quanto aos seus efeitos. Pois a
primeira aliança era o “ministério da morte” e da “condenação”, e
isso levou as mentes e os espíritos dos que estavam sob ela a um
espírito de servidão e escravidão; por outro lado, o efeito imediato
do Novo Testamento é a liberdade. E não há nada em que o Espírito
de Deus mais insista para nos mostrar a diferença entre essas duas
alianças do que nessa liberdade de uma, e na escravidão da outra
(Veja Romanos 8:15; 2 Coríntios 3:17; Gálatas 4:1-7, 24, 26, 30, 31;
Hebreus 2:14-15). Portanto, explicaremos um pouco mais sobre
isso. Para esse fim, a escravidão, que era o efeito da Antiga Aliança,
surgiu de várias causas que contribuíram para a sua efetivação:
(1.) A renovação dos termos e sanções do Pacto de Obras
contribuiu muito para isso. Pois as pessoas não enxergavam como
os mandamentos daquela aliança poderiam ser observados, nem
como sua maldição poderia ser evitada. Quero dizer que elas não
viram como poderiam fazer essas coisas por meio de algo que
houvesse na aliança do Sinai; e nisso portanto, essa aliança, “gerou
filhos para a servidão” (Gálatas 4:24). Toda a perspectiva que eles
tinham de se libertarem dela vinha a partir da promessa.
(2.) Surgiu a partir da maneira como a lei foi entregue, e foi por
essa razão que Deus entrou em aliança com eles. Essa aliança foi
ordenada com o propósito de enchê-los de pavor e medo. E ela não
podia deixar de fazer isso sempre que eles recordavam dela.
(3.) Surgiu a partir da severidade das penas anexadas à
transgressão da lei. E Deus os havia convencido que onde a
punição não fosse exigida de acordo com a lei, ele mesmo agiria e
os “extirparia”. Isso os mantinha sempre ansiosos e preocupados,
pois não sabiam quando estavam seguros ou protegidos.
(4.) Surgiu a partir da natureza de todo o ministério da lei, que
era o “ministério da morte” e da “condenação” (2 Coríntios 3:7, 9); o
qual declarou a punição de todo pecado com a morte, e denunciou a
morte a todo pecador; nem o ministério da lei administrava, por si
só, alívio para as mentes e consciências dos homens. Assim ele se
tornou a “letra que matou” os que estavam sob seu poder.
(5.) Surgiu a partir da escuridão de suas próprias mentes,
quanto aos meios, caminhos e causas de libertação de todas essas
coisas. É verdade que eles já haviam recebido uma promessa de
vida e salvação, que não foi abolida por essa aliança, nem mesmo
pela promessa feita a Abraão; mas isso não pertencia a essa
aliança, e o caminho de sua realização, pela encarnação e
mediação do Filho de Deus, estava muito obscuro para eles, sim, e
até mesmo para os próprios profetas que fizeram tais predições.
Isso os deixava sob grande escravidão. Porque a principal causa e
meio da liberdade dos crentes sob o Evangelho surge da luz clara
que eles têm sobre o mistério do amor e da graça de Deus em
Cristo. Esse conhecimento de e fé em sua encarnação, humilhação,
sofrimentos e sacrifícios, de acordo com os quais ele fez expiação
pelo pecado e operou uma justiça eterna, é o que lhes dá liberdade
e ousadia em obediência (2 Coríntios 3:17-18). Enquanto no
passado, o povo estava em escuridão, no que se refere a essas
coisas, eles necessariamente estavam mantidos sob grande
escravidão.
(6.) Isso era aumentado pelo jugo de uma multidão de leis,
ritos e cerimônias, impostos sobre eles; o que fazia de toda a sua
adoração um fardo insuportável para eles (Atos 15:10).
Através de todas essas formas um espírito de escravidão e
temor foi administrado a eles. E Deus lidou com eles desse modo
para que não descansassem naquele estado, mas continuamente
anelassem por libertação.
Por outro lado, a Nova Aliança dá liberdade e ousadia, a
liberdade e ousadia de filhos, a todos os crentes. É o Espírito do
Filho que nos liberta, ou nos dá universalmente toda a liberdade que
é de alguma forma necessária ou útil para nós. Pois “onde está o
Espírito do Senhor, aí há liberdade” (2 Coríntios 3:17), ou seja, servir
a Deus “em novidade de espírito, e não na velhice da letra”
(Romanos 7:6). E é declarado que essa era a grande finalidade da
introdução da Nova Aliança, em cumprimento da promessa feita a
Abraão, a saber, “que, libertados da mão de nossos inimigos, o
servíssemos sem temor... todos os dias da nossa vida” (Lucas 1:74-
75, ARA). E podemos considerar brevemente no que essa libertação
e liberdade pela Nova Aliança consistem:
(1.) Em nossa liberdade do poder de comando da lei, à medida
que exigia obediência sem pecado e perfeita, a fim de obter retidão
e justificação diante de Deus. Seus comandos ainda estão válidos,
mas não para a vida e salvação; pois para esses fins estão
cumpridos no e pelo Mediador da Nova Aliança, que é “o fim da lei
para justificar a todo aquele que crê” (Romanos 10:4)
(2.) Em nossa liberdade em relação ao poder de condenação
da lei, e a sanção dela na maldição. Isso foi sofrido e suportado por
aquele que foi “feito maldição por nós”, logo estamos livres disso
(Romanos 7:6; Gálatas 3:13, 14). E, nesse aspecto, também somos
“libertos do medo da morte” (Hebreus 2:15), enquanto uma
penalidade e entrada em juízo ou condenação (João 5:24)
(3.) Em nossa liberdade de consciência quanto ao pecado
(Hebreus 10:2), isto é, a consciência inquieta, perturbada e que
condena; sendo os corações de todos os que creem “purificados da
má consciência” (Hebreus 10:22)” pelo sangue de Cristo.
(4.) Em nossa liberdade de todo o sistema da adoração
mosaica, em todos os ritos, cerimônias e ordenanças dela; que os
apóstolos declaram ser um fardo (Atos 15), e nosso apóstolo faz o
mesmo amplamente em sua epístola aos Gálatas.
(5.) De todas as leis dos homens nas coisas referentes ao
culto a Deus (1 Coríntios 7:23).
E por todas esses e outros exemplos de liberdade espiritual, o
Evangelho livra os crentes daquele “espírito de escravidão e medo”
que era administrado sob a Antiga Aliança.
Resta apenas que apontemos aqueles caminhos de acordo
com os quais essa liberdade nos é comunicada sob a Nova Aliança.
Isso é feito:
(1.) Principalmente pela concessão e comunicação do Espírito
do Filho como um Espírito de adoção, o Qual concede a liberdade,
ousadia e confiança de filhos (João 1:12; Romanos 8:15-17; Gálatas
4:6, 7). A partir dessa passagem o apóstolo estabelece como uma
regra certa que, “onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade” (2
Coríntios 3:17). Que os homens finjam o que quiserem, que se
gabem da liberdade de suas condições exteriores neste mundo, e
da liberdade interior ou liberdade de suas vontades, de fato não
existe liberdade verdadeira onde o Espírito de Deus não está. Mas
não me demorarei aqui para declarar os caminhos pelos quais ele
concede liberdade, poder, uma mente sã, ousadia espiritual,
coragem, o carregar da cruz, santa confiança diante de Deus,
prontidão para a obediência e crescimento da aplicação do coração
em deveres, com todas as outras coisas em que a liberdade
consiste, ou que de qualquer maneira pertencem a ela. O mundo
julga que não há escravidão, senão onde está o Espírito de Deus;
pois isso concede aquele temor prudente do pecado, aquele temor
de Deus em todos os nossos pensamentos, ações e caminhos,
aquele comportamento cuidadoso e vigilante, aquela temperança
nas coisas lícitas, aquela abstinência de toda a aparência do mal, o
que eles julgam ser a maior escravidão na terra. Mas aqueles que o
receberam sabem que o mundo inteiro jaz no maligno e que todos
aqueles para quem a liberdade espiritual é uma servidão são os
servos e escravos de Satanás.
(2.) Essa liberdade é obtida pela evidência de nossa
justificação diante de Deus e das causas dela. Os homens estavam
em trevas quanto a isso sob a primeira aliança, embora toda a paz
estável para com Deus dependesse disso; pois é no Evangelho que
“a justiça de Deus é revelada de fé em fé” (Romanos 1:17). De fato,
“a justiça de Deus, sem a lei, é testemunhada pela lei e pelos
profetas” (Romanos 3:21); ou seja, o testemunho é dado nas
instituições legais e nas promessas registradas nos profetas. Mas
essas coisas eram obscuras para eles, os quais deveriam buscar
discernir aquilo que dizia respeito a elas por detrás dos véus e
sombras dos sacerdotes e sacrifícios, oblações e expiações. Mas
nossa justificação diante de Deus, em todas as suas causas, sendo
agora totalmente revelada e manifesta, tem uma grande influência
em nossa liberdade espiritual e na ousadia.
(3.) Pela luz espiritual que é dada aos crentes no mistério de
Deus em Cristo. Isto o apóstolo afirma ter estado “oculto em Deus
desde o princípio do mundo” (Efésios 3:9). Foi ordenado e
preparado no conselho e sabedoria de Deus desde toda a
eternidade. Alguma indicação disso foi dada na primeira promessa,
e depois foi obscurecida por várias instituições legais; mas a
profundidade, a glória, a beleza e a plenitude disso estavam “ocultas
em Deus”, em sua mente e vontade, até que foram completamente
reveladas no Evangelho. Os santos sob o Antigo Testamento
acreditavam que seriam libertos pela Descendência prometida, que
seriam salvos por causa do Senhor, que o Anjo da aliança os
salvaria, sim, que o próprio Senhor viria ao seu templo; e
diligentemente inquiriram sobre “os sofrimentos que a Cristo haviam
de vir e a glória que se lhes havia de seguir”.[23] Mas tudo isso
enquanto os seus pensamentos e concepções estavam
extremamente no escuro quanto àquelas coisas gloriosas que são
esclarecidas na Nova Aliança, sobre a encarnação, mediação,
sofrimentos e sacrifício do Filho de Deus, sobre o caminho de Deus
em Cristo reconciliar o mundo conSigo mesmo. Ora, assim como a
escuridão gera temor, a luz gera liberdade.
(4.) Obtemos essa liberdade pela abertura do caminho para o
santo dos santos, e a entrada que temos por esse meio com
ousadia até o trono da graça. Sobre isso também o apóstolo insiste
peculiarmente em várias passagens de seus discursos seguintes,
como, por exemplo, o capítulo 9:8; 10:19-22, falaremos mais sobre
isso quando comentarmos essas passagens, se Deus permitir;
porque grande parte da liberdade do Novo Testamento consiste
nisso.
(5.) Por todas as ordenanças evangélicas de culto. Já
declaramos como as ordenanças de culto sob o Antigo Testamento
levavam o povo à escravidão; mas as ordenanças do Novo
Testamento, através da clareza de sua significação e de sua
conexão imediata com o Senhor Jesus Cristo, com seu uso e
eficácia para guiar os crentes em sua comunhão com Deus, em tudo
nos conduzem à liberdade evangélica. E a nossa liberdade é de tal
importância que quando os apóstolos consideraram necessário,
para evitar ofensa e escândalo, continuar a observância de uma ou
duas instituições legai tais como o abster-se de algumas coisas em
si mesmas são indiferentes, eles o fizeram apenas por um
momento, e declararam que era apenas para evitar escândalos que
eles permitiriam essa diminuição temporária da liberdade que nos foi
dada pelo Evangelho.
12. As duas alianças diferem grandemente com respeito à
dispensação e concessão do Espírito Santo. É certo que Deus
concedeu o dom do Espírito Santo sob o Antigo Testamento, e que
também concedeu as operações dele durante aquela época, como
tenho declarado[24] em outras ocasiões; mas não é menos certo que
sempre houve uma promessa de sua efusão mais distinta na
confirmação e estabelecimento da Nova Aliança. Para esse
propósito, veja em particular aquela grande promessa encontrada
em Joel 2:28-29, conforme aplicada e exposta pelo apóstolo Pedro
em Atos 2:16-18. Sim, tão escassa foi a comunicação do Espírito
Santo sob o Antigo Testamento, comparado com sua efusão sob o
Novo, que o evangelista afirma que “o Espírito Santo ainda não fora
dado, por ainda Jesus não ter sido glorificado” (João 7:39), ou seja,
ele ainda não fora dado do modo como seria na confirmação da
Nova Aliança. E aqueles da igreja dos hebreus que haviam recebido
a doutrina de João afirmaram ainda que “nem sequer tinham ouvido
se havia algum Espírito Santo” (Atos 19:2), ou seja, qualquer dom e
comunicação dele como foi então proposto como o principal
privilégio do Evangelho. Tampouco isso diz respeito apenas à
abundante efusão dele em relação aqueles dons e operações
milagrosas pelos quais a doutrina e o estabelecimento da Nova
Aliança foram testemunhados e confirmados. No entanto, isso
também caracterizou uma diferença entre as duas alianças; pois a
primeira aliança foi confirmada por aparições e operações terríveis,
realizadas pelo ministério de anjos, mas a Nova pela operação
imediata do próprio Espírito Santo. Entretanto, essa diferença
consiste principalmente nisto: sob o Novo Testamento, o Espírito
Santo graciosamente condescendeu em exercer o ofício de
Consolador da igreja. Que esse privilégio indizível é peculiar ao
Novo Testamento, é evidente a partir de todas as promessas feitas
por nosso Salvador, referentes a ele ser enviado como um
Consolador por nosso Salvador (João 14-16); especialmente por
aquela em que ele assegura aos seus discípulos que “a menos que
ele fosse” (em cuja partida ele confirmou a Nova Aliança) o
Consolador não seria enviado para eles; mas, quando ele fosse, o
enviaria da parte do Pai (João 16:7). E a diferença entre as duas
alianças que resulta disso é inexprimível.
13. Elas diferem na declaração que fazem sobre o reino de
Deus. Agostinho observa que o próprio termo “reino dos céus” é
peculiar ao Novo Testamento. É verdade que Deus reinou em e
sobre a igreja sob o Antigo Testamento; mas seu governo era tal e
tinha uma relação com as coisas seculares, especialmente com
relação à terra de Canaã, e a condição próspera do povo a esse
respeito, como se tivesse a aparência de um reino deste mundo. E
assim era e deveria ser, pois consistia em império, poder, vitória,
riqueza e paz, os quais estavam tão profundamente fixados nas
mentes da maioria do povo, que os próprios discípulos de Cristo não
conseguiam se libertar dessa compreensão, até que o Novo
Testamento fosse totalmente estabelecido. Mas agora, no
Evangelho, a natureza do reino de Deus, onde ele está e em que
consiste, é clara e evidentemente declarada, para a consolação
indescritível dos crentes. Pois, embora agora seja conhecido e
experimentado como sendo interior, espiritual e celestial, aqueles
que têm participação nele possuem maiores benefícios por meio
dele — não obstante todas as aflições que possam sofrer neste
mundo — do que poderiam ter na mais plena posse de todos os
prazeres terrenos.
14. Elas diferem em sua substância e fim. A Antiga Aliança era
típica, repleta de sombras e removível (Hebreus 10:1). A Nova
Aliança é substancial e permanente, como contendo o corpo, que é
Cristo. Agora, considere a Antiga Aliança comparativamente à Nova,
e essa parte de sua natureza, que era típica e sombria, como sendo
uma grande degradação. Mas considere a Nova Aliança
absolutamente, e veremos que as coisas contidas nelas constituíam
a sua maior glória e excelência; pois só nessas coisas havia um
sinal e penhor do amor e da graça de Deus. Quanto àquelas coisas
que haviam na Antiga Aliança, mesmo enquanto elas constituíam
uma grande escravidão em seu uso e prática, eles continham muita
luz e graça em sua significação. Esse foi o desígnio de Deus em
todas as ordenanças de culto pertencentes àquela aliança, a saber,
tipificar, manifestar através de sombras e representar as coisas
celestiais e substanciais da Nova Aliança, ou o Senhor Jesus Cristo
e a obra de sua mediação. Foi assim com o tabernáculo, a arca, o
altar, os sacerdotes e os sacrifícios; e essa era a glória deles. No
entanto, quando comparados com a substância da Nova Aliança,
eles não possuem glória.
15. Elas diferem na extensão de sua administração, segundo a
vontade de Deus. A primeira foi confinada à descendência carnal de
Abraão, e para eles especialmente com relação à terra de Canaã
(Deuteronômio 5:3), com alguns poucos prosélitos que se uniram a
eles, e com a exclusão de todos os outros da participação dos seus
benefícios. E assim, embora o ministério pessoal de nosso próprio
Salvador, na pregação do Evangelho, tenha precedido a introdução
da Nova Aliança, ele foi confinado ao povo de Israel (Mateus 15:24).
E ele era o “ministro da circuncisão” (Romanos 15:8). Tais limites
estreitos tinham a administração dessa aliança afixada a ela pela
vontade e beneplácito de Deus (Salmos 147:19-20). Mas a
administração da Nova Aliança é estendida a todas as nações
debaixo do céu; nenhuma delas é excluída por conta de língua,
família, nação ou local de habitação. Todos têm igualmente
participação nesse Sol que raiou. O muro de separação está
derrubado e os portões da Nova Jerusalém estão abertos para
todos os que atendem ao convite do Evangelho. Isso é
frequentemente ressaltado na Escritura, veja Mateus 28:19; Marcos
16:15; João 11:51-52, 12:32; Atos 11:18, 17:30; Gálatas 5:6; Efésios
2:11-16, 3:8-10; Colossenses 3:10-11; 1 João 2:2; Apocalipse 5:9.
Esse é o grande privilégio dos pobres gentios errantes. Após eles
terem voluntariamente caído da comunhão com Deus, aprouve a
ele, em sua santidade e severidade, deixar todos os nossos
ancestrais por muitas gerações servirem e adorarem ao Diabo. E o
mistério da nossa restauração estava “oculto em Deus desde o
princípio do mundo” (Efésios 3:8-10). E embora fosse assim
profetizado, predito e prometido sob o Antigo Testamento, contudo,
tal era a soberba, a cegueira e a obstinação da maior parte da igreja
dos judeus, que a sua realização em grande parte se constituiu em
uma pedra de tropeço pelo qual eles caíram; sim, a grandeza e
glória desse mistério era tal que os próprios discípulos de Cristo não
o compreenderam, até que isso tivesse sido testificado a eles pelo
derramamento do Espírito Santo, a grande promessa da Nova
Aliança, sobre alguns desses miseráveis gentios (Atos 11:18).
16. Elas diferem em sua eficácia; pois a antiga aliança “nada
aperfeiçoou” (Hebreus 7:19), ela não poderia realizar nenhuma das
coisas que representava, nem introduzir aquele estado perfeito ou
completo que Deus havia projetado para a igreja. Não nos
prolongaremos aqui, pois já falamos sobre isso e já insistimos em
nossa exposição do capítulo anterior. Por fim,
17. Elas diferem em sua duração: pois uma seria removida e a
outra permaneceria para sempre. Falaremos mais sobre isso nos
versículos seguintes.
Pode ser que outras coisas de natureza semelhante possam
ser acrescentadas à essas que mencionamos sobre em que
consiste a diferença entre as duas alianças; mas essas diferenças
são suficientes para o nosso propósito. Pois alguns — quando
ouvem que o Pacto da Graça sempre foi um e o mesmo, da mesma
natureza e eficácia sob ambos os testamentos, que o caminho da
salvação por Cristo sempre foi o mesmo — estão prontos para
pensar que não havia tão grande diferença entre o estado deles e o
nosso como aqui é pretendido. Mas vemos que, nessa suposição,
aquela aliança na qual Deus colocou as pessoas no Sinai, e sob
cujo jugo elas deveriam permanecer até que a Nova Aliança fosse
estabelecida, tinha todas as desvantagens nas quais temos
insistindo. E aqueles que não compreendem quão excelentes e
gloriosos são aqueles privilégios que são acrescentados ao Pacto
da Graça, quanto à sua administração, pela introdução e
estabelecimento da Nova Aliança, não estão totalmente
familiarizados com a natureza das coisas espirituais e celestes.
Uma Resposta aos Socinianos
Resta ainda mais uma coisa que os socinianos nos dão
ocasião de falar a partir dessas palavras do apóstolo, a saber, que a
Nova Aliança é “estabelecida em melhores promessas”. Pois a partir
disso, eles concluem que não havia promessas de vida sob o Antigo
Testamento; o que, na sua totalidade, é uma opinião insensata e
embrutecida. Pois,
1. O apóstolo nessa passagem se refere apenas àquelas
promessas sobre as quais o Novo Testamento foi legalmente
ratificado e reduzido à forma de uma aliança; as quais eram, como
ele declara, as promessas de uma misericórdia especial e
perdoadora e de uma graça eficaz para a regeneração de nossas
naturezas. Mas é admitido que a outra aliança foi legalmente
estabelecida em promessas que diziam respeito à terra de Canaã.
Para esse fim, é admitido que, quanto às promessas de acordo com
as quais as alianças foram realmente estabelecidas, as promessas
da Nova Aliança eram melhores do que as da outra.
2. A Antiga Aliança continha expressamente uma promessa de
vida eterna: “Aquele que faz estas coisas, por elas viverá”. Isso, de
fato, dizia respeito a uma obediência perfeita, no entanto,
investigaremos mais sobre essa promessa depois.
3. As instituições de culto que pertenciam àquela aliança, todo
o ministério do tabernáculo, como representando as coisas
celestiais, continham a natureza de uma promessa; porque todos
esses direcionavam a igreja a buscar vida e salvação somente em
Jesus Cristo.
4. A questão não é: Que promessas são dadas na própria Lei
ou na Antiga Aliança formalmente considerada como tal? Mas, que
promessas tinham aqueles que viviam sob aquela aliança e que não
foram anuladas por ela? Pois, provamos suficientemente que o
acréscimo dessa aliança não aboliu nem substituiu a eficácia de
qualquer promessa que Deus tenha dado anteriormente à igreja. E
dizer que a primeira promessa, e a que foi dada a Abraão,
confirmada com o juramento de Deus, não eram promessas de vida
eterna, é subverter toda a Bíblia, tanto o Antigo quanto o Novo
Testamentos.
Décima Observação Prática
E podemos observar nos discursos anteriores que, embora um
estado da igreja tenha tido grandes vantagens e privilégios acima de
outro, contudo, não houve razão para se queixar quanto a nenhum
estado, enquanto eles observaram os termos que lhes eram
prescritos. Vimos em quantas coisas, as quais em sua maioria são
da mais alta importância, o estado da igreja sob a Nova Aliança
supera aquele estado da igreja sob a Antiga Aliança; no entanto, a
Nova Aliança era em si mesma um estado de graça e privilégio
indescritíveis. Pois,
1. A Nova Aliança foi e é um estado de relação próxima com
Deus, em virtude de um pacto. E quando absolutamente toda a
humanidade havia quebrado o Pacto com Deus pelo pecado, para
chamar qualquer um deles era necessária uma nova relação pactual
com ele mesmo, e isso aconteceu por um ato de graça soberana e
misericórdia. Nisso eles se distinguiam do resto da humanidade, ao
qual Deus permitiu andar em seus próprios caminhos, e deixou
vaguear em sua ignorância, e assim todos eles pereceram enquanto
andavam segundo suas imaginações tolas. Uma grande parte do
livro do Deuteronômio é projetada para impressionar uma sensação
disso nas mentes das pessoas. E é sumariamente expressa pelo
salmista (Salmos 147:19-20); e pelo profeta: “Somos feitos como
aqueles sobre quem tu nunca dominaste, e como os que nunca se
chamaram pelo teu nome” (Isaías 33:19).
2. A Antiga Aliança de Deus era em si mesma santa, justa e
reta. Pois, embora houvesse nela uma imposição de várias coisas
penosas, elas eram como Deus considerou necessárias para esse
povo, em sua infinita sabedoria, de modo que eles não poderiam
existir sem que isso fosse assim. Portanto, em todas as ocasiões,
Deus os chama para julgarem se os seus caminhos para com eles
eram retos ou não. E para as pessoas com que foi feita, essa
aliança não foi apenas justa, mas foi acompanhada com promessas
de vantagens indescritíveis, as quais não foram dadas a outros
povos.
3. Deus lidou com eles de modo pactual, e para que exista
uma aliança é necessário haver o consentimento mútuo de todas as
partes; uma aliança lhe foi proposta para aceitação, e eles a
aceitaram voluntariamente (Êxodo 24; Deuteronômio 5) de modo
que não tinham do que reclamar.
4. Nesse estado de disciplina em que Deus se agradou de
coloca-los, eles desfrutaram do caminho da vida e da salvação
através da promessa; pois, como mostramos em geral, a promessa
não foi anulada pela introdução dessa aliança. Embora Deus
reservasse um estado melhor e mais completo para a igreja sob o
Novo Testamento, “provendo Deus alguma coisa melhor a nosso
respeito, para que eles sem nós não fossem aperfeiçoados”
(Hebreus 11:40), ainda assim, aquele outro estado da igreja sob o
Antigo Testamento era em si mesmo bom, santo e suficiente para
levar todos os crentes a se deleitarem em Deus.
Décima Primeira Observação Prática
O estado do Evangelho, ou da igreja sob o Novo Testamento, é
acompanhado com os mais altos privilégios espirituais e vantagens
que são possíveis neste mundo. E duas coisas seguem a partir
disso:
1. A grande obrigação de que todos crentes possuem de
serem santos e frutíferos em sua obediência, para a glória de Deus.
Temos nisso a máxima condescendência da graça divina, e os
maiores efeitos dela que Deus comunicará deste lado da glória.
Aquilo para o que todas essas coisas tendem, e aquilo que Deus
requer e espera de nós nelas, é a obediência grata e frutífera
daqueles que são feitos participantes desses indescritíveis
privilégios e vantagens espirituais. E aqueles que não são sensíveis
a essa obrigação são estranhos a esses privilégios e vantagens, e
não são capazes de discernir as coisas espirituais, porque elas
devem ser discernidas espiritualmente.
2. A maldade dos pecados daqueles que negligenciam ou
desprezam essas Nova Aliança é, portanto, abundantemente
manifestada. O apóstolo afirma e insiste nisso particularmente em
Hebreus 2:2-3 e 10:28-29.
Capítulo 2

Exposição do versículo 7
A Necessidade de Uma Nova e Melhor Aliança

Porque, se aquela primeira [aliança] fora irrepreensível, nunca se


teria buscado lugar para a segunda.[25]
Nesse versículo, e assim também naqueles que seguem até o
final desse capítulo, o apóstolo intenciona confirmar aquilo que
anteriormente havia afirmado e se comprometido a provar, a saber,
que existe a necessidade de uma nova e melhor aliança,
acompanhada de melhores promessas e mais excelentes
ordenanças de adoração do que as da primeira. Diante disso,
segue-se que a primeira deveria ser anulada e abolida; e essa foi a
principal tese que ele teve que provar. E há duas partes de seu
argumento para esse propósito. Primeiramente o apóstolo prova que
na suposição de outra e melhor aliança a ser introduzida,
inevitavelmente se segue que a primeira deveria ser abolida, como
algo que não era perfeito, completo ou suficiente para o seu fim; e
isso ele faz nesse versículo. Em segundo lugar, ele prova que essa
nova e melhor aliança seria explicada nos versículos seguintes.
O que antes ele havia confirmado em vários casos
particulares, agora nesse versículo ele conclui resumidamente em
um único argumento geral, o qual se baseia em um princípio
geralmente reconhecido. O argumento é este: “Todos os privilégios,
todos os benefícios e vantagens do sacerdócio e sacrifícios
araônicos, pertencem à aliança a que foram anexados, a parte
principal daquela administração exterior consistiu neles”. Os
hebreus não poderiam sequer questionar isso. Tudo o que eles
reivindicavam, a única escritura e termo de posse de todos os seus
privilégios, era a aliança que Deus fez com seus pais no Sinai. Para
esse fim, aquele sacerdócio, aqueles sacrifícios e toda a adoração
pertencente ao tabernáculo ou templo, seriam necessariamente
proporcionais àquela aliança. Enquanto essa aliança continuasse,
eles deveriam continuar; e se essa aliança cessasse, eles também
cessariam. Havia uma concordância entre o apóstolo e os hebreus
no que diz respeito a essas coisas.
Em relação a isso, ele conclui: “Mas há menção de uma outra
aliança a ser feita com toda a igreja, e a ser introduzida muito depois
da realização daquela que foi feita no Sinai”. Isso também não
poderia ser negado pelos hebreus. No entanto, para evitar qualquer
controvérsia, o apóstolo prova isso por um testemunho do profeta
Jeremias. Nesse testemunho, é peculiarmente declarado que essa
nova aliança, que foi prometida ser introduzida “nos últimos dias”,
deveria ser melhor e mais excelente do que a primeira, como é
manifesto a partir das promessas sobre as quais ela é estabelecida;
contudo, nesse versículo, o apóstolo não vai além, mas apenas
considera de modo geral a promessa de Deus de fazer outra aliança
com a igreja, e então seguiu argumentando com base nessa razão.
A partir dessa suposição, o apóstolo prova que a primeira
aliança é imperfeita, destrutível e removível. E a força de sua
inferência depende de uma noção comum ou presunção, que é clara
e evidente por si, e consiste nisto: Quando determinada vez uma
aliança é feita e estabelecida, se ela vier a servir para e efetuar tudo
que aquele que a fez designou, e exibir todo o bem que ele
pretendia comunicar, então não há razão para que outra aliança seja
feita. A criação de uma nova aliança para nenhum outro fim ou
propósito, senão aqueles mesmos para os quais a antiga aliança já
era completamente suficiente, é algo que sugere frivolidade e
mutabilidade naquele que o fez. Para esse propósito, ele
argumenta: “Se fosse dada uma lei que pudesse vivificar, a justiça,
na verdade, teria sido pela lei” (Gálatas 3:21). Se a primeira aliança
tivesse aperfeiçoado e consagrado a igreja, então ela poderia ter
comunicado toda a graça e misericórdia que Deus intentou conceder
aos filhos dos homens, e assim o sábio e santo autor dessa aliança
não teria pensado na introdução e estabelecimento de outra aliança.
Isso não teria sido coerente com a sua infinita sabedoria e
fidelidade. Portanto, a promessa de uma outra aliança prova
irrefutavelmente que tanto a primeira aliança quanto todos os
serviços dela eram imperfeitos e, portanto, deveriam ser removidos
e abolidos.
De fato, essa promessa de uma Nova Aliança, diferente
daquela que foi feita no Sinai, ou não igual a ela, como o profeta
fala, é suficiente para aniquilar os pretextos vãos dos judeus nos
quais eles estão endurecidos até hoje. A perpetuidade absoluta da
lei e de sua adoração, isto é, da aliança no Sinai, é o principal artigo
fundamental de sua fé atual, ou, antes, de sua descrença. Mas isso
é apresentado por eles em oposição direta às promessas de Deus.
A promessa de uma Nova Aliança exige deles que creiam que Deus
fará outra aliança com a igreja, não segundo a aliança que fez com
seus pais no Sinai. Se eles disserem que não creem, então
renunciam claramente aos profetas e às promessas de Deus dadas
por intermédio deles. Se eles admitirem isso, eu desejo saber deles
com que sacrifícios essa Nova Aliança será estabelecida; com qual
sacerdote e com que culto será administrada. Se eles disserem que
isso será feito pelos sacrifícios, sacerdotes e adoração da lei, eles
negam o que haviam admitido antes, a saber, que essa é uma outra
e nova aliança; pois os sacrifícios e os sacerdotes da lei não podem
confirmar ou administrar qualquer outra aliança, senão aquela à qual
eles pertencem e estão confinados. Se for admitido que essa Nova
Aliança deve ter um novo mediador, um novo sacerdote, um novo
sacrifício, como é inegável que deve, ou então não poderia ser uma
nova aliança, então a Antiga Aliança deve cessar e ser abolida, para
que essa possa tomar o seu lugar. Nada além de obstinação e
cegueira pode resistir à força desse argumento do apóstolo.
Após o propósito geral do apóstolo nesse versículo ser
explicado, podemos passar a considerar as palavras mais
especificamente. E há duas coisas nelas: 1. Uma afirmação positiva,
incluída em uma suposição: “Se aquela primeira [aliança] fora
irrepreensível”, não teria sido defeituosa, como de fato o foi. 2. A
prova desta afirmação: “Se não fosse assim, nunca se teria buscado
lugar para a segunda”, o que realmente aconteceu, e ele prova isso
nos versículos seguintes.
Uma Afirmação Positiva
Na primeira parte das palavras existe: (1.) Uma conjunção
causal, traduzindo uma razão: “porque”; (2.) O assunto é: “Aquela
primeira aliança”; (3.) O que é afirmado a respeito dela, como a
afirmação é incluída em uma suposição negativa: ela não foi
irrepreensível, não é irrepreensível:
(1.) A conjunção, γάρ , “porque”, mostra que o apóstolo
pretende a confirmação do discurso que tinha feito anteriormente.
Mas ele parece não se referir apenas ao que havia dito antes sobre
as melhores promessas do Novo Testamento, mas a todo o
argumento que tinha tratado. Através da argumentação geral sobre
a qual insiste aqui, ele prova tudo o que tinha dito antes a respeito
da imperfeição do sacerdócio levítico e de toda a adoração da
primeira aliança.
(2.) O assunto mencionado é ἡ π ρώτη ἐκείν η , “aquela
primeira”, isto é, π ροτέρα διαθήκη , aquela “primeira aliança”, a
aliança feita com os pais no Sinai, incluindo todas as ordenanças de
culto a ela pertencentes, cuja natureza e uso já declaramos.
(3.) Está escrito: εἰ ἄμεμ π τος η῏ν . A Vulgata Latina traduz
isso como: “Si culpâ vacasset”. E nós traduzimos assim: “Se ela
tivesse sido sem falhas”. Eu tenho certeza que a expressão é um
tanto quanto dura demais em nossa tradução, algo que não se
adequa à palavra original, ou pelo menos algo que a palavra original
não requer. Pois parece insinuar que havia algo de absolutamente
defeituoso ou repreensível na aliança de Deus. Mas isso não deve
ser admitido. Pois, além disso, o autor dela, que era o próprio Deus,
a isentou de qualquer acusação, ao declarar em toda parte da
Escritura que ela é “santa, justa e boa”. Existe, de fato, a indicação
de um defeito nela; mas isso não diz respeito ao seu próprio fim
particular, mas a outro fim geral, para o qual não ela não foi
designada. Aquilo que é defeituoso em relação ao seu próprio fim
particular para o qual é ordenado, ou que é projetado para realizar, é
realmente defeituoso; mas aquilo que é ou pode ser assim em
relação a algum outro fim geral, que nunca foi projetado para
realizar, não é defeituoso em si mesmo. O apóstolo discursa a
respeito disso em Gálatas 3:19-22. Devemos, portanto, declarar o
significado da palavra com referência ao assunto que ele trata nesse
lugar, a saber, a perfeição e consumação ou a santificação e
salvação da igreja. Com relação a isso é que ele afirma a
insuficiência e a imperfeição da primeira aliança. E a questão entre
ele e os hebreus não era se a primeira aliança não era em si mesma
santa, justa, boa e irrepreensível, completamente perfeita em
relação aos seus próprios fins especiais; mas sim se ela era perfeita
e eficaz para os fins gerais mencionados. E para isso ela não foi, diz
o apóstolo; e ele prova isso de forma inegável a partir da promessa
de introdução de outra aliança geral para a realização daqueles fins
gerais. Embora, nem por isso ela seja ἄμεμ π τος , ou tenha alguma
falha ou vício acompanhando qualquer coisa e aderindo a ela, de
acordo com o qual ela seja inadequada ou insuficiente para seu
próprio fim particular; ou é aquilo ao qual falta algo com relação a
outro fim geral que é muito desejável, mas que nunca foi projetado
para realizar; como a arte da aritmética, que se for perfeitamente
ensinada, é suficiente para instruir um homem em toda a ciência dos
números; mas se não for, é defeituosa quanto ao seu fim particular;
mas de maneira alguma a aritmética é suficiente para o fim geral de
fazer um homem sábio em todas áreas da sabedoria, pois isso está
longe de ser o seu fim particular, mesmo que ela seja o mais perfeita
possível em sua própria área; é apenas no último sentido que o
apóstolo afirma que a primeira aliança não era “ ἄμεμ π τος ” ou
“irrepreensível”. Se aquela aliança tivesse sido tal que nada mais
era perfeitamente requerido ou necessário para completar e
santificar a igreja, que era o fim geral que Deus intencionava, ela
tinha sido absolutamente perfeita. Mas ela não o foi, na medida em
que nunca foi projetada para ser um meio para esse fim. O apóstolo
argumento com o mesmo propósito em Hebreus 7:11 e 19. E com
relação a esse fim, é dito que “a lei era enferma” (Romanos 8:3;
Gálatas 3:21; Atos 13:38-39).
Em resumo, aquilo que o apóstolo pretende provar é que a
primeira aliança era de tal constituição, que não poderia realizar a
perfeita administração da graça de Deus à igreja, nem jamais foi
designada para esse fim; como os judeus daquele tempo falsamente
imaginavam que fosse, e sua posteridade tolamente continua a
imaginar.
A Prova desta Afirmação
As palavras que se seguem nesse versículo incluem a prova
geral de sua afirmação a respeito da insuficiência da primeira
aliança para alcançar os fins de Deus em relação à igreja: οὐκ ἃ ν
δευτέρας ἐζητεῖτο τό π ος .[26] Seu argumento é claramente o
seguinte: “A promessa de uma nova aliança prova inevitavelmente a
insuficiência da primeira, pelo menos em relação aos fins para os
quais a nova é prometida. Se não é assim, para que fim serve a
promessa, e a aliança prometida?”. Mas há alguma dificuldade no
modo como isso é expresso: “Não havia sido buscado lugar para a
segunda”, é assim que as palavras estão no original. Mas “o lugar
da segunda” não é outra coisa senão “a segunda tomando lugar”,
isto é, o anúncio, a introdução e o estabelecimento dela. E isso é
dito ser “buscado”; mas impropriamente, e de acordo com o modo
de falar dos homens. Quando os homens fazem uma aliança que se
revela insuficiente para algum fim que almejam, eles se aconselham
e buscam outras formas e meios, ou buscam um acordo e pacto em
outros termos que possam ser eficazes para o seu propósito. Para
esse fim, isso não significa nenhuma alteração e nem qualquer
defeito na sabedoria e no conselho de Deus quanto ao que deve ser
feito agora, mas apenas significa a mudança externa que ele agora
efetuaria ao introduzir a Nova Aliança. Pois assim como tais
mudanças entre os homens acontecem devido a mudança de
mentalidade, e o efeito de novos conselhos para a busca de novos
meios para alcançar o seu fim, assim também acontece com essa
mudança exterior, na remoção da Antiga Aliança e introdução da
Nova, representada em Deus; sendo apenas a segunda parte de
seu conselho ou propósito “que ele propôs em si mesmo antes da
fundação do mundo”.[27] E, portanto, podemos observar:
Primeira Observação Prática
Seja o que for que Deus tenha feito anteriormente para a
igreja, ainda assim ele não cessou, em sua sabedoria e graça, até
tê-la tornado participante de uma melhor e mais abençoada
condição que é possível neste mundo. Ele encontrou lugar para
essa melhor aliança.
Segunda Observação Prática
Que aqueles a quem os termos da Nova Aliança são propostos
no Evangelho, cuidem de si mesmos para que sinceramente os
abracem e perseverem neles; pois não há promessa nem esperança
de qualquer administração de graça adicional ou mais completa.
Capítulo 3

Exposição do Versículo 8
A Nova Aliança
Porque, repreendendo-os, [queixando-se deles,] lhes diz: Eis
que virão dias, diz o Senhor, em que com a casa de Israel e com
a casa de Judá estabelecerei [quando eu farei] uma nova
aliança.[28]
Nesse versículo o apóstolo passa a provar o argumento que
estabeleceu anteriormente. Seu argumento foi que a primeira
aliança não era ἄμεμ π τος , “irrepreensível”, ou totalmente
suficiente para o fim geral de Deus; porque havia espaço para a
introdução de outra aliança, a qual foi feita para ser apropriada a
esse fim geral.
Com base no testemunho do profeta, o apóstolo faz duas
declarações acerca dessa aliança que estava para ser introduzida:
1. Sua qualificação, ou seu complemento especial; ela era “nova” (v.
8). 2. Uma descrição dela: (1.) Uma descrição negativa, em
comparação com a Antiga (v. 9). (2.) e uma descrição positiva, em
sua natureza e propriedades efetivas (vv. 10-12). De tudo isso ele
conclui o que estava buscando provar, reforçado com uma nova
consideração que a confirmava (v. 13), isso é o resumo da última
parte desse capítulo.
Há duas partes gerais nesse versículo: 1. A introdução do
testemunho, que deveria ser implementado em sua devida ocasião,
como expressado pelo apóstolo. 2. O próprio testemunho em que
ele insiste.
A Introdução do Testemunho
A primeira é feita com estas palavras: “Porque, repreendendo-
os, lhes diz”.[29] Aqui temos: 1. A nota de conexão; 2. O fundamento
sobre o qual o testemunho é construído; 3. O verdadeiro significado
das palavras a serem consideradas.
Sua Conexão
Existe a conjunção causal, γάρ , “porque”, que faz a conexão
com o versículo anterior. Aquilo que é intencionado é a confirmação
do argumento anterior. Essa é a prova da afirmação, foi buscado
lugar para outra aliança, o que evidenciou a insuficiência da
primeira, “porque...”, e ele indica que a razão não se refere às
palavras pelas quais isso está unido, “repreendendo-os”, mas se
refere àquelas palavras que vêm em seguida, “lhes diz”: “Porque…
lhes diz: Eis que virão dias”, o que prova diretamente o que ele
havia afirmado.
Seu Fundamento
O fundamento disso é indicado a partir do que é afirmado no
seguinte testemunho. Pois a Nova Aliança não deveria ser
introduzida absolutamente, sem a consideração de qualquer coisa
anterior, mas porque a primeira não era, ἄμεμ π τος ou
“irrepreensível”. Portanto, o apóstolo mostra que Deus a introduziu
como uma forma de repreensão. Ele fez isso para “repreendê-los”,
por “encontrar culpa neles”.
Seu Verdadeiro Significado
Essas palavras podem ser distinguidas e lidas de modos
diferentes. Pois, (1.) Colocando a nota de distinção assim,
΄εμφόμενος γὰρ , αὐτοῖς λέγει , o sentido é: “Porque encontrando
culpa”, queixando-se deles, culpando-lhes, “ele diz para eles”; de
modo que a expressão μεμφόμενος , “encontrar culpa”, faz
referência à própria aliança. Piscator[30] foi o primeiro que conheço,
que distinguiu as palavras desse modo; ele é seguido por
Schlichtingius e outros. Mas, (2.) Coloque a nota de distinção em
αὐτοῖς , como é feito pela maioria dos intérpretes e expositores, e
então o sentido das palavras é corretamente expresso em nossa
tradução em inglês, “Porque encontrando culpa neles” (isto é, com o
povo) “ele diz”. E αὐτοῖς pode ser regulado tanto por
μεμφόμενος quanto por λέγει .
As razões para fixar a distinção em primeiro lugar são: (1.)
Porque μεμφόμενος , “encontrando culpa”, corresponde diretamente
a οὐκ ἄμεμ π τος , não foi “irrepreensível” (v. 7). E isso contém a
verdadeira razão pela qual a Nova Aliança foi introduzida. E, (2.)
não foi a queixa de Deus em relação ao povo que de algum modo
tornou-se a causa da introdução da Nova Aliança, mas sua queixa
em relação à própria Antiga Aliança, que era insuficiente para
santificar e salvar a igreja.
Mas essas razões parecem não ter força para mudar a
interpretação usual das palavras, pois,
(1.) Embora a primeira aliança não fosse perfeita em todos os
seus aspectos em relação ao fim geral de Deus para com sua igreja,
ainda assim pode não ser tão seguro dizer que Deus se queixou
dela. Quando coisas ou pessoas mudam o estado e a condição em
que foram feitas ou designadas por Deus, ele pode queixar-se
delas, e fazer isso justamente. Assim, quando o homem encheu o
mundo de iniquidade, é dito que “arrependeu-se o Senhor de haver
feito o homem sobre a terra”.[31] Mas quando elas permanecem
inalteradas no estado em que foram feitas por Deus, então ele não
tem razão para queixar-Se delas. E assim foi com a primeira
aliança. Assim, nosso apóstolo disputa acerca da lei e argumenta
que toda a fraqueza e imperfeição dela provém do pecado, portanto
não havia motivo para queixar-se da lei, que em si mesma era
santa, justa e boa.[32]
(2.) Deus, nessa passagem, na verdade queixa-Se do povo, a
saber, que eles “quebraram a sua aliança”; e expressa sua
indignação por causa disso: “Eu para eles não atentei, diz o Senhor”
(v. 9). Mas não há nessa passagem, nem em todo o seu contexto,
nem na profecia aqui citada e nem em qualquer outro lugar da
Escritura qualquer palavra de queixa contra a aliança em si mesma,
embora que aqui seja indicada a sua imperfeição para alcançar o
fim geral do aperfeiçoamento da igreja.
(3.) Existe um remédio especial expresso nessa passagem
contra o mal do qual Deus Se queixa, ou a respeito do qual encontra
culpa no povo, esse mal foi: “Não permaneceram naquela minha
aliança” (v. 9). Então o remédio contra esse mal é expressamente
provido na promessa dessa Nova Aliança (v. 10). Para esse fim,
(4.) Deus faz essa promessa de uma Nova Aliança junto com
uma queixa contra o povo, e isso pode ser conhecido por ser um
efeito de graça livre e soberana. Não havia nada no povo que
pudesse obter tal promessa, ou que os qualificasse para ela, exceto
o fato de haverem quebrado perversamente a primeira aliança. E
podemos, portanto, observar,
Primeira Observação Prática
Muitas vezes Deus tem uma causa justa para queixar-Se de
seu povo, mesmo quando ele não os rejeitará totalmente. A igreja
tem vivido em todos os tempos apenas por causa de sua mera
misericórdia e graça; mas em alguns períodos, quando cai sob
grandes provocações, ela é advertida.
Segunda Observação Prática
É dever da igreja tomar conhecimento profundo das queixas de
Deus em relação a ela. Isso, de fato, não está no texto, mas não
deve ser ignorado nessa ocasião em que é mencionada a queixa de
Deus de “encontrar culpa neles”. E Deus não encontra culpa
somente quando ele fala imediatamente por novas revelações,
como nosso Senhor Jesus Cristo encontrou falhas e repreendeu
suas igrejas na revelação feita ao apóstolo João; mas ele faz isso
continuamente, pela regra da Palavra. E é dever especial de todas
as igrejas, e de todos os crentes, atentarem diligentemente para
aquilo que Deus repreende, em sua Palavra, e ficarem
profundamente impressionados com isso, na medida em que eles se
encontram culpados. A falta disso é que colocou a maioria das
igrejas no mundo sob uma segurança fatal. Por isso eles dizem,
pensam ou se comportam como se fossem “ricos, abastados e de
nada tendo falta”, quando, na verdade, “eles são desgraçados,
miseráveis, pobres, cegos e nus”.[33] Considerar acerca do que Deus
nos repreende, e comover nossas almas com um senso de culpa é
a essência do “tremer da sua palavra”,[34] que ele aprova. E toda
igreja que pretende andar com Deus para a sua glória deve ser
diligente nesse dever. E para guiá-los nisso, eles devem considerar
cuidadosamente:
1. Os tempos e as épocas que vivem. Deus conduz sua igreja
através de uma variedade de tempos; e em todos eles Deus requer
deveres especiais deles, deveres pelos quais ele será glorificado em
cada um deles. Se eles são falhos nisso, é aí então que Deus
grandemente os culpa e repreende. A fidelidade para com Deus em
sua geração, isso é, fidelidade nos deveres especiais e específicos
dos tempos e épocas em que viveram, é o motivo pelo qual Noé,
Daniel e outros homens santos são recomendados. Assim, há
tempos de grande abundância de iniquidades no mundo; tempos de
grande apostasia da verdade e da santidade; tempos de julgamento
e de misericórdia, de perseguição e tranquilidade. Em todos esses e
assim por diante, Deus requer deveres especiais da igreja, sobre os
quais o seu ser glorificado neles depende muito. Se eles falham
aqui, se não são fiéis quanto ao seu dever especial, Deus em sua
palavra encontra culpa neles, e os coloca sob repreensão. E como
muita sabedoria é necessária para a realização desse dever, então
eu não julgo que qualquer igreja possa cumprir seu dever de
qualquer modo agradável sem que faça uma consideração
apropriada disso. Pois a observação apropriada dos tempos e das
épocas, e a aplicação de nós mesmos aos deveres requeridos por
Deus em cada um desses períodos, é a essência do testemunho
que devemos acerca de Deus e do Evangelho em nossa geração.
Aquela igreja que não considera seu dever especial nos dias em
que vivemos, está profundamente adormecida; e podemos duvidar
se, quando for acordada, ela encontrará óleo em sua vasilha ou não.
2. As tentações que são prevalentes e a que inevitavelmente
estamos expostos. Cada era e tempo tem suas tentações
específicas; e é a vontade de Deus que a igreja seja provada com
elas e por elas. É fácil provar que em que grandes trevas e
ignorância os homens estão, ao não discernirem ou negligenciarem
as tentações específicas da época em que viveram, e isso tem sido
continuamente as grandes causas e os meios da apostasia da
igreja. Foi por esse meio que prevaleceu a superstição em uma era,
e a profanação em outra, bem como opiniões falsas e nocivas em
uma terceira. Agora, não há nada que Deus requeira mais
estritamente de nós, do que estarmos vigilantes contra as atuais
tentações mais comuns; e ele nos acusa de culpa, quando não
agimos assim. E aqueles que não estão atentos contra as tentações
que hoje prevalecem no mundo estão muito longe de andar de
modo agradável perante a face de Deus. E várias outras coisas
semelhantes podem ser mencionadas para o mesmo propósito.
Terceira Observação Prática
Deus muitas vezes surpreende a igreja com promessas de
graça e misericórdia. Nessa passagem — onde Deus reclama do
povo, encontra defeitos neles, os acusa de não permanecerem em
sua aliança e declara que, no que diz respeito a algo neles mesmos,
ele “para eles não atentou” — pode ser facilmente esperado que ele
iria agir de modo a lançá-los fora e rejeitá-los totalmente. Mas, em
vez disso, Deus os surpreende, por assim dizer, com a mais
eminente promessa de graça e misericórdia que já foi ou que
poderia ser feita a eles. Então ele fez promessas como as que
encontramos em Isaías 7:13-14 e 57:17-19. E Deus fará isso,
1. Para que ele possa glorificar as riquezas e a liberdade de
sua graça. Esse é o seu fim principal em todas as suas
dispensações para com a sua igreja. E como as riquezas e a
liberdade de sua graça podem se tornar mais evidentes do que ao
serem exercidas quando um povo está tão longe de qualquer
aparência de mérito, visto que Deus declara em seu julgamento que
eles merecem o seu maior desprazer?
2. Para que em nenhum momento alguém que tenha o mínimo
de sinceridade e desejo de temer o nome de Deus venha a
desfalecer e desanimar, mesmo quando estiver enfrentando muitas
coisas desencorajadoras. Deus pode agir, e frequentemente age, de
acordo com sua graça soberana, para o refrigério dos pecadores
mais abatidos. Entretanto, devemos prosseguir com nossa
exposição.
O Próprio Testemunho
A segunda observação contida nesse versículo é o próprio
testemunho em que ele insiste. E há no testemunho: 1. O autor da
promessa declarada nele, “[Ele] lhes diz”, e depois, “Diz o Senhor”.
2. A introdução feita pelo uso do advérbio que indica a coisa
pretendida, “Eis”. 3. O tempo da realização do que é aqui predito e
aqui prometido, “Virão dias.” 4. A coisa prometida é “uma aliança”,
em relação a qual é demonstrado: (1.) Aquele que a faz, “Eu”, “Eu
estabelecerei”; (2.) Aqueles com quem ela é feita, “a casa de Israel
e com a casa de Judá” (3). A maneira de fazer, συντελέσω ; (4.) A
sua propriedade é que ela é “uma nova aliança”.
O Autor da Promessa
Aquele que dá esse testemunho está incluído na palavra
λέγει , “lhes diz”, “repreendendo-os, lhes diz”. Aquele que se queixa
do povo por quebrar a Antiga Aliança, é o mesmo que promete fazer
a Nova. Assim, no versículo seguinte, é declarado: “Diz o Senhor”.
O ministério do profeta foi usado para declarar essas palavras e
coisas, mas elas são propriamente as palavras de alguém que falou
por inspiração imediata.
Quarta Observação Prática
“Lhes diz”, isto é, ‫ְהו ה‬
ֹ ָ ‫נְ אֻ ם י‬, diz o Senhor, ele é o objeto formal
de nossa fé e obediência. A ele eles devem buscar e a ele devem se
submeter, e a mais nenhum outro. Todos os outros fundamentos de
fé, tais como: “Assim diz o papa”, ou: “Assim diz a igreja”, ou: “Assim
disseram os nossos antepassados”, nada mais são do que delírios.
“Assim diz o SENHOR” é que dá descanso e paz.
A Nota da Introdução
Temos a nota de introdução, que busca chamar nossa tenção:
‫ה ֵנּ ה‬,
ִ ᾿ιδού , “Eis”. Esse advérbio sempre é usado para denotar algo
eminente, seja em si mesmo ou naquelas expressões a que serve
de prefácio. Pois a palavra exige uma diligência maior do que a que
prestamos quando consideramos e atentamos para o que é
proposto. E isso foi necessário para indicar essa promessa, pois o
povo para quem ela foi dada muito dificilmente seria dissuadido de
seu apego à Antiga Aliança, que era inconsistente com a aliança
que agora era prometida. E parece haver algo mais que é indicado
nessa palavra do que um chamado a que prestemos uma atenção
especial, a saber, que a coisa de que se fala é claramente proposta
a eles, de modo que eles possam olhar para ela, e contemplá-la
clara e prontamente. E assim essa Nova Aliança é aqui proposta de
modo tão evidente e claro, tanto em toda a sua natureza quanto em
suas propriedades, que a menos que os homens voluntariamente
desviem seus olhos, eles não podem deixar de vê-la.
Quinta Observação Prática
Onde Deus coloca uma nota de observação e atenção,
devemos fixar cuidadosamente nossa fé e consideração. Deus não
estabelece nenhuma de suas marcas em vão. E se, na primeira vez
que olhamos para qualquer lugar ou coisa assim sinalizada, não
conseguirmos discernir a evidência disso, então temos uma ocasião
suficiente para prestarmos maior diligência em nossa investigação.
E se não estivermos em falta com nosso dever, descobriremos
alguma evidência especial da excelência divina em cada coisa ou
lugar.
Sexta Observação Prática
O conteúdo e os aspectos da Nova Aliança são os maiores
objetos do melhor das nossas considerações. E como tais, eles são
aqui propostos; e o que é falado acerca da natureza dessa aliança
no versículo seguinte é suficiente para confirmar essa observação.
O Tempo da Realização
O tempo é prefixado para a realização dessa promessa: ‫ִמי ם‬
‫בָּ ִאי ם‬, ἡμέραι ἔρχονται , “virão dias”. “Conhecidas são a Deus,
desde o princípio do mundo, todas as suas obras”;[35] e ele
determinou os tempos em que elas serão realizadas. Quanto aos
tempos ou épocas específicas de suas obras, enquanto são futuras,
ele os reservou para si mesmo, a menos que tenha visto algo de
bom em fazer alguma revelação especial deles. Assim ele fez
acerca do tempo de permanência dos filhos de Israel no Egito
(Gênesis 15:13); do cativeiro babilônico e da vinda do Messias após
o retorno do povo (Daniel 9). Mas a partir da entrega da primeira
promessa, na qual foi estabelecido o fundamento da igreja, a
realização dela é frequentemente chamada de “os últimos dias”
(Veja minha exposição sobre o capítulo 1:1-2). Portanto, sob o
Antigo Testamento, os dias do Messias foram chamados de “o
mundo vindouro”, como mostramos (exposição do capítulo 2:5). E
isso foi uma perífrase[36] dele, ele era ὁ ἐρχόμενος , “aquele que
havia de vir” (Mateus 11:3). E a fé da igreja foi exercida
principalmente na expectativa de sua vinda. E é esse tempo que é
aqui intencionado. E a expressão no original está no presente do
indicativo, ἡμέραι ἔρχονται , do hebraico, ‫י ִָמי ם בָּ ִאי ם‬, “virão dias”;
não os dias que virão, mas “os dias virão”. E duas coisas são
denotadas por esse meio:
(1.) A rápida aproximação dos dias referidos. O tempo agora
estava se abreviando, e a igreja deveria ser despertada para a
expectativa disso, e isso com sinceros desejos e orações pela
chegada desse tempo, no que consistia a parte mais aceitável da
adoração a Deus sob o Antigo Testamento.
(2.) Uma certeza dessa coisa em si era por esse meio fixada
em suas mentes. Que grandes expectativas eles tinham, e agora
precisavam de uma nova segurança, especialmente considerando o
julgamento pelo qual estavam passando no cativeiro babilônico; pois
o fato de toda a nação ter sido entregue ao cativeiro parecia uma
ameaça de que a promessa falharia. Então, a maneira como isso foi
expresso é adequada para confirmar a fé daqueles que eram
verdadeiros crentes entre eles, mas nutriam tais temores. No
entanto, devemos observar que, desde a entrega dessa promessa
até a realização dela, se passaram quase seiscentos anos. E, no
entanto, cerca de noventa anos depois, o profeta Malaquias, falando
do mesmo tempo, afirma: “E de repente virá ao seu templo o
Senhor, a quem vós buscais” (Malaquias 3:1).
Sétima Observação Prática
Há um tempo limitado e fixo para a realização de todas as
promessas de Deus e de todos os propósitos de sua graça para
com a igreja (Veja Habacuque 2:3-4). E a consideração disso é
muito necessária para os crentes em todas as eras: (1.) Para
guardar seus corações do desânimo, quando surgem dificuldades
que militam contra o cumprimento da promessa e parecem torná-la
impossível. A falta disso desviou muitos de Deus e fez com que eles
lançassem sua sorte e porção com o mundo. (2.) Para preservá-los
de buscarem quaisquer formas ilegítimas para promoverem o
cumprimento da promessa. (3.) Para ensiná-los a buscar
diligentemente a sabedoria de Deus que dispôs tempos e épocas
para sua própria glória e para a provação e benefício real da igreja.
A Coisa Prometida
O tema da promessa é uma “aliança”, ‫בּ ִרי ת‬. ְ A Septuaginta
traduz esse termo hebraico por διαθήκη , “um testamento”. E isso é
mais apropriado nesse lugar do que “uma aliança”. Pois se
tomarmos “aliança” em um sentido estrito e próprio, isso de fato não
pode existir entre Deus e homem. Pois uma aliança, estritamente
falando, deve proceder em termos iguais e sobre uma consideração
proporcional de ambos os lados; mas a aliança de Deus é baseada
na graça e consiste essencialmente em uma promessa livre e
imerecida. E, portanto, ‫בּ ִרי ת‬,
ְ “aliança”, nunca é mencionada como
existindo entre Deus e o homem, mas da parte de Deus consiste em
uma promessa gratuita, ou um testamento. E “um testamento”, que
é o próprio significado da palavra aqui usada pelo apóstolo, é
adequado para esse lugar, e nenhum outro. Pois,
(1.) Tal aliança é tanto intencionada como ratificada e
confirmada pela morte daquele que a faz. E isso é propriamente um
testamento, pois essa aliança foi confirmada pela morte de Cristo, e
isso foi feito tanto através da morte do testador quanto foi
acompanhada com o sangue de um sacrifício; dos quais devemos
tratar depois, se Deus quiser.
(2.) É uma aliança em que o pactuante, aquele que a faz, lega
seus bens a outros em forma de herança, e foi isso que Cristo fez
nessa aliança, como também devemos declarar depois. Para esse
fim, nosso Salvador chama essa aliança de “o novo testamento em
seu sangue”.[37] Essa é a palavra usada pelo apóstolo em seu
significado correto; e é evidente que ele não intenciona uma aliança
no sentido absoluto e estrito do termo. Com relação a isso, a
primeira aliança é geralmente chamada de “Antigo Testamento”.
Contudo, não nos referimos aos livros das Escrituras, ou oráculos
de Deus confiados à igreja dos judeus (que, como já observamos,
são uma vez chamados de “o antigo testamento” — 2 Coríntios
3:14), mas à aliança que Deus fez com a igreja de Israel no Sinai,
da qual falamos de modo geral.
E isso foi chamado de “testamento” por três razões:
[1.] Porque foi confirmado pela morte; isto é, a morte dos
sacrifícios que foram oferecidos na ocasião de seu estabelecimento
solene. Assim diz nosso apóstolo: “O primeiro [testamento] não foi
consagrado sem sangue” (Hebreus 9:18). Mas há mais coisas que
são requeridas para isso, pois até mesmo uma aliança, assim
chamada em seu sentido apropriado e estrito, pode ser confirmada
com sacrifícios. Para esse fim,
[2.] Deus fez mais e concedeu à igreja de Israel as boas coisas
da terra de Canaã, junto com os privilégios de sua adoração.
[3.] A principal razão dessa denominação, “o antigo
testamento”, vem do fato de isso apontar tipicamente para a morte e
o legado do grande testador, como mostramos.
Três Coisas que Coincidem na Nova Aliança
Anteriormente, nós discorremos um pouco sobre a natureza do
Novo Testamento, como considerado em distinção e oposição ao
Antigo. Eu vou aqui apenas considerar brevemente o que está de
acordo com a constituição dele, quando então ele era futuro, quando
essa promessa foi dada, e como é aqui prometida. E três coisas
coincidem para isso:
(1.) Uma recapitulação, reunião e confirmação de todas as
promessas da graça que haviam sido dadas à igreja desde o
princípio, até mesmo tudo o que foi dito pela boca dos santos
profetas desde o começo do mundo (Lucas 1:70). A primeira
promessa continha toda a essência e substância do Pacto da Graça.
Todas aquelas promessas que depois foram dadas à igreja, em
várias ocasiões, foram apenas explicações e confirmações dela. No
conjunto dessas promessas houve uma declaração completa da
sabedoria e do amor de Deus ao enviar Seu Filho, e por esse meio
enviar Sua graça para a humanidade. E Deus solenemente as
confirmou com seu juramento, a saber, que todas elas seriam
realizadas no tempo que ele determinou. Portanto, embora a aliança
aqui prometida incluísse o envio de Cristo para o cumprimento
dessas promessas, todas elas estão reunidas e formam um todo
coeso, nesse sentido. É uma constelação de todas as promessas da
graça.
(2.) Todas essas promessas deveriam ser reduzidas a uma
aliança ou testamento real de duas maneiras:
[1.] À medida que, quanto ao cumprimento da graça
principalmente intencionada nelas, eles as receberam na ocasião
em que Cristo foi enviado; e quanto à confirmação e
estabelecimento delas para a comunicação da graça à igreja, eles a
receberam na morte de Cristo, como um sacrifício pactual ou
expiação.
[2.] Elas são estabelecidas como a regra e lei da reconciliação
e da paz entre Deus e o homem. Isso lhes dá a natureza de uma
aliança; porque uma aliança é a expressão solene dos termos de
paz entre as várias partes, com a confirmação delas.
(3.) Elas são reduzidas a tal forma de lei, a ponto de se tornar
a única regra das ordenanças de culto e serviço divino exigidos da
igreja. Nada para esses fins é agora apresentado a nós, ou exigido
de nós, senão o que pertence imediatamente à administração dessa
aliança, e a graça dela. Mas o leitor deve consultar o que foi dito em
geral para esse propósito no versículo 6.
Por que Chamar de uma Aliança?
E nós podemos ver o que é que Deus aqui promete e prediz,
como aquilo que ele faria nos “dias vindouros”. Pois embora eles
tivessem a promessa antes, e desse modo já tivessem virtualmente
a graça e a misericórdia da Nova Aliança, pode-se perguntar: “O
que ainda está faltando, que deve ser prometido solenemente sob o
nome de uma aliança?”. Para a resolução completa dessa questão,
devo, como antes, encaminhar o leitor para o que foi dito em geral
sobre as duas alianças, e a diferença entre elas, no versículo 6.
Aqui podemos citar brevemente poucas coisas, que são suficientes
para o que pretendemos com a exposição feita aqui:
(1.) Todas as promessas que antes haviam sido dadas à igreja
desde o princípio do mundo foram agora reduzidas à forma de uma
aliança, ou melhor, de um testamento. O nome de “aliança” é, de
fato, às vezes aplicado às promessas da graça antes ou sob o
Antigo Testamento; mas ‫בּ ִרי ת‬,ְ a palavra usada em todos esses
lugares, denota apenas “uma promessa livre e gratuita” (Gênesis
9:9, 17:4). Mas nenhuma dessas promessas, nem todas elas juntas,
estavam reunidas e reduzidas à forma de um testamento; e elas não
poderiam ser assim senão pela morte do testador. Já mostramos
antes quais são os privilégios e benefícios abençoados que foram
incluídos nisso, e voltaremos a tratar deles na exposição do capítulo
9, se Deus permitir.
(2.) Havia outra aliança que se ajustava às promessas, que
deveria ser a regra imediata da obediência e adoração da igreja. E
de acordo com a observância dessa aliança superadicionada, eles
foram estimados por terem mantido ou quebrado a aliança com
Deus. Essa foi a Antiga Aliança no Sinai, como foi declarado. Para
esse fim, as promessas não poderiam existir na forma de uma
aliança com o povo, visto que não poderiam estar sob o poder de
duas alianças de uma só vez, e o povo, como foi visto
posteriormente, era absolutamente inconsistente. Pois é isso que
nosso apóstolo prova nesse lugar, a saber, que quando as
promessas foram trazidas à forma e tiveram o uso de uma aliança
para com a igreja, a Antiga Aliança precisava desaparecer, ou ser
anulada. Somente essas promessas tinham o seu lugar e eficácia
para transmitir os benefícios da graça de Deus em Cristo àqueles
que criam; mas Deus prediz aqui que lhes dará tal ordem e eficácia
na administração da sua graça, à medida que todos os seus frutos
por Jesus Cristo serão legados e doados para a igreja, na forma de
uma aliança solene.
(3.) Apesar das promessas que eles haviam recebido, todo o
sistema de culto deles se originou e se relacionou com a aliança
feita no Sinai. Mas agora Deus promete um novo estado de
adoração espiritual, que tinha a ver apenas com as promessas da
graça trazidas para a forma de uma aliança.
Oitava Observação Prática
A Nova Aliança — à medida que reúne em uma só todas as
promessas da graça dadas desde a fundação do mundo (e assim
faz uma verdadeira exibição de Cristo, que é confirmada em sua
morte e pelo sacrifício de seu sangue) — torna-se a única regra das
novas ordenanças espirituais de adoração adequadas para isso, e
foi o grande objeto da fé dos santos do Antigo Testamento, e é o
grande fundamento de todas as nossas misericórdias atuais.
As Coisas Contidas na Nova Aliança
Todas essas coisas estavam contidas naquela Nova Aliança,
como tal, que Deus aqui promete fazer. Pois,
(1) Havia nela uma recapitulação de todas as promessas da
graça. Deus não fez nenhuma promessa, nem deu qualquer
indicação de seu amor ou graça para a igreja em geral, ou para
qualquer crente em particular, senão as que ele concentrou nessa
aliança, de modo que essas promessas deveriam ser estimadas,
todas e cada uma delas, como sendo dadas a cada pessoa que tem
participação nessa aliança. Portanto, todas as promessas feitas a
Abraão, Isaque e Jacó, e a todos os outros patriarcas, e o juramento
de Deus de acordo com o qual elas foram confirmadas, são todas
feitas para nós, e pertencem a nós não menos do que pertenceram
àqueles a quem foram dadas pela primeira vez, se nos tornarmos
participantes dessa aliança. O apóstolo dá um exemplo disso ao
citar a promessa singular feita a Josué, a qual ele aplica aos crentes
em Hebreus 13:5. Não havia nenhum amor ou graça para qualquer
pessoa, senão o amor e a graça que estão contidos nessa aliança.
(2.) A manifestação real de Cristo na carne pertencia a essa
promessa de fazer uma Nova Aliança; pois sem ela, isso não
poderia ter sido feito. Esse era o desejo de todos os fiéis desde a
fundação do mundo; eles O desejavam, e com fervor oravam por
isso continuamente. E a perspectiva da encarnação de Cristo era a
única base de sua alegria e consolação. “Abraão viu o seu dia e se
alegrou”.[38] Esse foi o grande privilégio que Deus concedeu àqueles
que andavam retamente perante Ele; tal pessoa, diz ele, “habitará
nas alturas; as fortalezas das rochas serão o seu alto refúgio, o seu
pão lhe será dado, as suas águas serão certas. Os teus olhos verão
o rei na sua formosura, e verão a terra que está longe” (Isaías
33:16-17). Essa perspectiva que eles tinham por meio da fé no Rei
dos santos, em sua beleza e glória, embora a grande distância, foi
seu consolo e sua recompensa em sua sincera obediência. E
aqueles que não entendem a glória desse privilégio da Nova
Aliança, na encarnação do Filho de Deus, ou a sua manifestação
em carne — nos quais as profundezas dos conselhos e da
sabedoria de Deus, em graça, misericórdia e amor são relevados
para a igreja — são estranhos às coisas de Deus.
(3.) A Nova Aliança foi confirmada e ratificada pela morte e
derramamento do sangue de Cristo e, portanto, incluiu em si toda
obra de sua mediação. Essa é a primavera da vida da igreja; e até
que ela fosse revelada, havia grande escuridão até mesmo nas
mentes dos crentes. Nenhuma língua é capaz de expressar que
paz, segurança, luz e alegria dependem e procedem disso.
(4) Todas as ordenanças de culto pertencem a essa aliança.
Qual é o benefício delas e quais são as vantagens que os crentes
recebem por elas iremos declarar quando chegarmos a considerar a
comparação que o apóstolo faz entre essas ordenanças e as
ordenanças carnais da lei, no capítulo 9 de Hebreus.
Portanto, ainda que todas essas coisas estivessem contidas na
Nova Aliança, como aqui prometida por Deus, é evidente quão
grande era o anelo dos santos sob o Antigo Testamento em vê-la
introduzida; e quão grande também é o nosso anelo, agora que ela
está estabelecida.
O Autor dessa Aliança
O autor ou criador dessa aliança é expresso tanto nas palavras
quanto naqueles com quem foi feita:
(1.) O primeiro está incluído na pessoa do verbo, “Farei”; “Eu
farei, diz o Senhor”. É o próprio Deus que faz essa aliança, e ele
toma para Si a feitura dela. Ele é a parte principal da aliança: “Farei
uma aliança”. Deus fez uma aliança: “Ele fez comigo uma aliança
eterna”.[39] E várias coisas nos são ensinadas a esse respeito:
[1.] A liberdade dessa aliança, sem consideração a qualquer
mérito, valor ou dignidade[40] naqueles com quem ela é feita. O que
Deus faz, ele o faz livremente “ex mera gratia et voluntate”.[41] Não
havia causa fora de si mesmo para que ele fizesse essa aliança, ou
que poderia move-lo a agir assim. E nós somos grandemente
ensinados sobre isso nessa passagem, onde ele não expressa outra
coisa que deu ocasião para que essa aliança fosse feita, senão os
pecados do povo que quebraram a aliança que ele havia feito
anteriormente com eles. E isso é expresso com o propósito de
declarar a livre e soberana graça, bondade, amor e misericórdia, as
únicas fontes absolutas dessa aliança.
[2.] A sabedoria da sua composição. Para ser boa e útil, a
realização de qualquer aliança depende apenas da sabedoria e
previsão de quem a faz. Assim, os homens frequentemente fazem
alianças que eles planejam para seu bem e proveito, mas elas são
feitas de um modo tão desprovido de sabedoria e previsão que elas
se tornam em sua dor e ruína. Mas havia infinita sabedoria na
constituição dessa aliança; por isso ela é e será infinitamente eficaz
para todos os seus fins benditos. E eles, que não são atingidos por
uma santa admiração da sabedoria divina em seu artifício, não
estão totalmente familiarizados com tal aliança. Um homem pode
passar a vida confortavelmente em contemplação, e ainda assim
estar longe o suficiente de descobrir o Todo-Poderoso, em sua
perfeição. Portanto, existe um tal mistério divino em todas as partes
dessa aliança, que a sabedoria carnal não pode compreendê-la.
Tampouco, sem a devida consideração da infinita sabedoria de
Deus em sua composição, podemos ter quaisquer concepções
verdadeiras ou reais sobre ela: ῾εκὰς ἑκὰς ἔστε βέβηλοι .[42]
Mentes profanas e não santificadas não podem ter discernimento
sobre essa obra da sabedoria divina.
[3.] Somente Deus poderia preparar e fornecer uma garantia
para esse pacto. Tendo em vista a necessidade que havia de um
fiador nessa aliança, já que nenhuma aliança entre Deus e o homem
poderia ser firme e estável sem um fiador, em razão de nossa
fraqueza e mutabilidade; e considerando de que natureza esse
fiador deve ser, Deus e homem em uma só pessoa; é evidente que
o próprio Deus é quem deve fazer essa aliança. E a provisão dessa
garantia contém em si a manifestação gloriosa de todas as
excelências divinas, acima de qualquer ato ou obra de Deus.
[4.] Existe nessa aliança uma lei soberana do culto divino, na
qual a igreja é consumada, ou trazida ao estado mais perfeito que é
possível neste mundo, e é estabelecida para sempre. Essa lei só
poderia ser dada por Deus.
[5.] Atribui-se a essa aliança uma graça muito eficaz, e nada
além da onipotência pode fazer ou realizar isso. A graça aqui
mencionada nas promessas, nos direciona imediatamente ao seu
Autor. Quem além de Deus pode escrever a lei divina em nossos
corações e perdoar todos os nossos pecados? Vendo que a
santificação ou restauração de nossas naturezas e a justificação de
nossas pessoas é prometida nessa aliança, e vendo também que
infinito poder e graça são requeridos para isso, a única conclusão
que chegamos é que o único capaz de fazer essa aliança é aquele
com a qual todo o poder e graça habitam. “Deus falou uma vez;
duas vezes ouvi isto: que o poder pertence a Deus. A ti também,
Senhor, pertence a misericórdia…” (Salmos 62:11-12).
[6.] A recompensa prometida nesta aliança é o próprio Deus:
“Eu sou o teu galardão”. E quem, a não ser Deus, pode se ordenar
como galardão?
Nona Observação Prática
Toda a eficácia e glória da Nova Aliança se originam e são
determinadas por seu autor e causa suprema, que é o próprio Deus.
E, para o encorajamento de nossa fé e o fortalecimento de nossa
consolação, podemos considerar o seguinte:
[1.] Sua infinita condescendência, de fazer e entrar em aliança
com o homem miserável, perdido, caído e pecador. Nenhum
coração pode conceber isso plenamente, nenhuma língua pode
expressá-lo; apenas vivemos na esperança de ter uma perspectiva
ainda mais clara disso e uma santa admiração por toda a
eternidade.
[2.] Sua sabedoria, bondade e graça na natureza da aliança
que ele condescendeu em fazer e entrar. A primeira aliança que
Deus fez conosco em Adão, a qual quebramos, era em si boa,
santa, reta e justa; e necessariamente ela é assim, porque também
foi feita por Ele. Mas não havia nenhuma provisão feita
absolutamente para nos preservar daquela desobediência e
transgressão lamentáveis que a tornariam nula, e frustraria todas as
finalidades santas e abençoadas dela. Tampouco Deus estava
obrigado a nos preservar, pois ele já havia nos concedido
capacidade suficiente para nossa própria preservação, de modo que
não poderíamos cair de modo algum senão por obstinadamente
apostatarmos dele. Mas essa aliança é de tal natureza que a graça
administrada nela preservará efetivamente todos os participantes
dessa aliança até o fim e assegurará a eles todos os seus
benefícios. Pois,
[3.] O poder e fidelidade de Deus estão comprometidos com a
realização de todas as promessas dessa aliança. E essas
promessas contêm tudo o que é espiritual e eternamente bom ou
desejável para nós. “Ó Senhor, Senhor nosso, quão admirável é o
teu nome em toda a terra!”.[43] Quão glorioso és Tu nos caminhos da
Tua graça para com pobres criaturas pecadoras que destruíram a Si
mesmas! E,
[4] Deus não criou algum bem para nós, mas somente ele
mesmo será o nosso galardão.
As Pessoas com Quem essa Aliança é Feita
As pessoas com quem essa aliança é feita também são
mencionadas: “A casa de Israel e a casa de Judá”. Muito antes
dessa promessa ser feita, aquele povo estava dividido em dois. Um
deles conservou o nome de Israel para se distinguir do outro. Essas
foram as dez tribos que se apartaram da casa de Davi, sob a
liderança de Efraim; e em razão disso essas tribos são
frequentemente chamadas de “Efraim” nos profetas. Já o outro
povo, que consistia da tribo propriamente dita, com a de Benjamim e
a maior parte de Levi, tomou o nome de Judá; e com eles tanto a
promessa quanto a igreja foram preservados de maneira peculiar.
Israel e Judá são mencionados aqui como distintos um do outro
mesmo que ambos originalmente tenham surgido de Abraão, que
recebeu a promessa e o sinal da circuncisão por todos eles, e que
todos igualmente tenham descendido daqueles que estavam
incluídos da Antiga Aliança, para dar a entender que nenhuma das
descendências de Abraão pode ser excluída da proposta dessa
aliança. Os termos dessa aliança deveriam ser oferecidos
primeiramente para toda a descendência de Abraão, segundo a
carne. Então Pedro diz a eles, em seu primeiro sermão, que “a
promessa era para eles e seus filhos” que estavam então presentes,
isto é, a casa de Judá; e para “todos os que estão longe”, isto é, a
casa de Israel em suas dispersões (Atos 2:39). Então, novamente,
ele expressa a ordem da dispensação dessa aliança com relação à
promessa feita a Abraão: “Vós sois os filhos dos profetas e da
aliança que Deus fez com nossos pais, dizendo a Abraão: Na tua
descendência serão benditas todas as famílias da terra.
Ressuscitando Deus a seu Filho Jesus, primeiro o enviou a vós…”
(Atos 3:25-26), ou seja, na pregação do Evangelho. Assim, nosso
apóstolo, em seu sermão a eles, afirmou: “Era mister que a vós se
vos pregasse primeiro a palavra de Deus” (Atos 13:46). E esse era
todo o privilégio que agora lhes era dado; pois o muro de separação
havia sido derrubado e todos os obstáculos contra os gentios
haviam sido removidos. Para esse fim, essa casa de Israel e a casa
de Judá podem ser consideradas de duas maneiras: [1.] Como
aquelas pessoas que constituíam toda a posteridade de Abraão. [2]
E como típicos e espiritualmente simbólicos de toda a igreja de
Deus. Por causa desse fato somente é que as promessas da graça
sob o Antigo Testamento são dadas à igreja sob esses nomes,
porque eles eram tipos daqueles que real e efetivamente seriam os
participantes delas.
[1.] No primeiro sentido, Deus fez essa aliança com eles, e isso
em várias considerações.
Em primeiro lugar, porque Aquele através de quem somente
essa aliança seria estabelecida e tornada efetiva deveria ser
levantado dentre eles e a partir da descendência de Abraão, como o
apóstolo Pedro claramente declara em Atos 3:25.
Em segundo lugar, porque todas as coisas que pertenciam à
confirmação da aliança seriam transacionadas entre eles.
Em terceiro lugar, porque, segundo a dispensação exterior
dessa aliança, os termos e a graça dela, pelo conselho de Deus,
seriam oferecidos primeiro a eles.
Em quarto lugar, porque por eles, através do ministério dos
homens de sua posteridade, a dispensação dessa aliança seria
levada a todas as nações, à medida que elas deveriam ser
abençoadas na descendência de Abraão; o que foi feito pelos
apóstolos e outros discípulos de nosso Senhor Jesus Cristo. Assim,
a lei do Redentor saiu de Sião. Por esse meio “ele firmará aliança
com muitos por uma semana”, antes do chamado dos gentios
(Daniel 9:27). E como essas coisas pertenciam igualmente a todos
eles, a menção é distintamente feita à “casa de Israel e da casa de
Judá”. Pois a casa de Judá tinha, na época em que as promessas
foram feitas, a posse exclusiva de todos os privilégios da Antiga
Aliança; Israel privou a si mesmo devido à sua revolta contra a casa
de Davi; e também foi expulso da sua terra e exilado entre os
gentios como resultado de seus pecados. Entretanto Deus, para
declarar que a aliança que ele designou não dizia respeito aos
privilégios carnais que até então estavam na posse exclusiva de
Judá, mas dizia respeito à promessa feita a Abraão, na qual ele
iguala toda a sua descendência com relação à misericórdia dessa
aliança.
[2.] No segundo sentido toda a igreja dos crentes eleitos é
intencionada sob essas denominações, sendo tipificada por eles.
Judeus e gentios são os únicos, sendo que dos dois Deus fez um,
com quem a aliança é realmente feita e estabelecida, e para quem a
graça dela é realmente comunicada. Pois todos aqueles com quem
essa aliança é feita têm realmente a lei de Deus escrita em seus
corações e os seus pecados perdoados, de acordo com a promessa
dela, assim como o povo no passado foi trazido para a terra de
Canaã em virtude da aliança feita com Abraão. Esses são os
verdadeiros Israel e Judá, que prevalecem com Deus e confessam o
seu nome.
Décima Observação Prática
O Pacto da Graça em Cristo é feito apenas com o Israel de
Deus, a igreja dos eleitos. Pois, ao fazer essa aliança com alguém,
a sua comunicação eficaz da graça para os tais é especialmente
intencionada. Não se pode dizer que essa aliança seja feita
absolutamente com alguém que não seja daqueles cujos pecados
são perdoados em virtude dela, e em cujos corações a lei de Deus
está escrita; pois essas são claramente as suas promessas. E foi
em referência a esses dentre o povo que a aliança foi prometida ser
feita com eles (Veja Romanos 9:27-33 e 11:7). Mas quanto à
dispensação exterior da aliança, ela se estende além da
comunicação efetiva da sua graça. E em relação a isso, está o
privilégio da descendência carnal de Abraão.
Décima Primeira Observação Prática
Aqueles que são os primeiros e mais favorecidos quanto aos
privilégios exteriores, são muitas vezes os últimos e menos
favorecidos pela graça e misericórdia deles. Assim ocorreu com
essas duas casas de Israel e Judá. Eles tinham o privilégio e a
preeminência, acima de todas as nações do mundo, quanto à
primeira oferta e todos os benefícios da dispensação exterior da
aliança; todavia, “embora o número deles fosse como a areia do
mar, só um remanescente era salvo”.[44] Esses benefícios foram
concedidos para as nações do mundo quanto à sua graça; e isso
por causa da incredulidade e do abuso dos privilégios concedidos a
Israel e Judá. Portanto, que aqueles que agora desfrutam dos
maiores privilégios não sejam altivos, mas temam.
O Modo de Fazer a Nova Aliança
O modo de fazer essa aliança é expressa por συντελέσω
“perficiam,” “consummabo”, “eu aperfeiçoarei” ou “consumarei”. No
hebraico, é apenas ‫אֶ כְ ֹר ת‬, “pangam,” “feriam”, “Eu farei”, mas o
apóstolo o traduz por essa palavra para denotar que essa aliança foi
imediatamente aperfeiçoada e consumada, com a exclusão de todos
os acréscimos e alterações. A perfeição e o estabelecimento
inalterável são as propriedades dessa aliança: “Uma aliança eterna,
ordenada em todas as coisas e segura”.[45]
Seu Caráter Distintivo
Quanto ao seu caráter distintivo, ela é chamada de “Nova
Aliança”, e assim o é com respeito à Antiga Aliança feita no Sinai.
Para esse fim, por essa aliança, como aqui considerada, não é
entendida a promessa da graça dada a Adão absolutamente; nem a
promessa dada a Abraão, que continha a substância e o conteúdo
dela (a graça exibida nela) mas não a forma completa dela como
uma aliança. Pois se fosse apenas a promessa, não poderia ser
chamada de “nova aliança”, com respeito àquela feita no Sinai; pois
assim aconteceu antes de absolutamente dois mil e quinhentos
anos, e na pessoa de Abraão quatrocentos anos, no mínimo. Mas
isso deve ser considerado como foi descrito anteriormente, por
ocasião do estabelecimento dela e de sua lei de adoração espiritual.
E assim ela foi chamada de “nova” depois de oitocentos anos
daquela no Sinai. Embora ela possa ser chamada de “uma nova
aliança” em outros aspectos também. Primeiro, por causa de sua
eminência; assim se diz sobre uma obra eminente de Deus: “Eis que
faço uma coisa nova na terra”;[46] e é assim chamada por sua
duração e continuidade, como a que nunca envelhecerá.
Capítulo 4

Exposição do Versículo 9
A Novidade da Nova Aliança
Não segundo a aliança que fiz com seus pais no dia em que os
tomei pela mão, para os tirar da terra do Egito; como não
permaneceram naquela minha aliança, eu para eles não atentei, diz
o Senhor.[47]
Aqui o apóstolo traduz ‫ כּ ַָר ִתּ י‬por ἐ π οίησα , ele faz isso
somente nesse lugar (depois veremos a razão disso). A expressão
ּ ‫יתי‬
ִ ‫תאּבּ ִר‬
ְ ֶ‫אֲ ָשׁראּהֵ ָמּ ה הֵ פֵ רו ּ א‬, “eles quebraram aquela minha aliança”,
“rescindiram”, “dissiparam”; o apóstolo traduz αὐτοὶ οὐκ ἐνέμειναν
ἐν διαθήκῃ μου por “não permaneceram naquela minha aliança”,
pois, de fato, não permanecer fielmente na aliança é quebrá-la. A
expressão, ‫וְאָ גכִ י בָּ ﬠַ ְל ִתּ י בָ ם‬, “eu era um marido para eles”, ou
melhor, “um senhor sobre eles”, é traduzida pelo apóstolo como,
κἀγὼ ἠμέλ ησα αὐτῶν , “eu para eles não atentei”, vamos inquirir a
razão dessa aparente alteração durante a exposição.
A expressão οὐ κατὰ τὴν διαθήκην pode ser traduzida para
o latim por “non secundum testamentum” e “secundum illud
testamentum”; e para o siríaco assim, ‫יק א‬ ֵ ‫יתּ‬
ִ ‫ ;לָ א אֵ יך ְ הָ י ִדּ‬e para o
português, “não de acordo com esse testamento”. A palavra grega
διαθήκην (diath ē k ē n) também poderia ser traduzida por “foedus”
e “illud foedus”. Nós já discorremos anteriormente sobre as
diferentes traduções da palavra foedus, a saber, “testamento” e
“pacto/aliança”.
A expressão ῝ην ἐ π οίησα pode ser traduzido para o siríaco
como ‫דּיַהֲ בֵ ת‬,ְ “que eu dei”; “quod feci”, “que fiz”. Já a expressão
τοῖς π ατράσιν pode ser equivalente a σὺν τοῖς π ατράσιν , “com os
pais”; mas para isso é necessário que venha acompanhada do
verbo ἐ π οίησα . E, portanto, o siríaco, ao omitir a preposição,
transforma o verbo em “deu”, “deu aos pais”, o que é propriamente
dito assim: ‫בוֹת ם‬ ָ ֲ‫אֶ תאּא‬, “cum patribus eorum”.
As palavras gregas οὐκ ἐνέμειναν são traduzidas na Vulgata
Latina por “Non permanserunt”; e outra palavra poderia ser usada,
“perstiterunt”. E em siríaco poderiam ser traduzidas assim, ּ ‫לָ א ַקיְיו‬,
“eles não permaneceram”, “eles não continuaram”. “Maneo” é usado
para expressar a estabilidade que existe nas promessas e pactos:
“At tu dictis, Albane, maneres”, Virgílio. Eneida, viii. 643;[48] e, “Tu
modo promissis maneas”, Eneida. ii. 160. O mesmo se dá com
“permaneo in officio, in armis, in amicitia”, continuar firme até o fim.
Tendo isso em vista, essas palavras podem ser traduzidas como
“persisto”. A palavra ᾿εμμένω é usada com esse sentido por
Tucídides,[49] ᾿εμμένειν , “permanecer firme e constante nos pactos”.
A palavra ἐμμενής é dita a respeito daquele que é “firme”, “estável”,
“constante” em promessas e compromissos.
O grego κἀγὼ ἠμέλησα pode ser traduzido para o latim por
“ego neglexi”, “despexi”, “neglectui habui”; e para o siríaco por
‫בּ ִסי ת‬,
ְ “eu desprezei”, “negligenciei”, “rejeitei-os”. Já ᾿αμελέω , pode
ser traduzida por “curæ non habeo”, “negligo”, “contemno”, uma
palavra que denota “deixar de cuidar” e isso “com desprezo”.[50]
As Razões para uma Aliança Diferente
As maiores misericórdias que Deus sempre pretendeu
comunicar à igreja para abençoá-la foram incluídas na Nova
Aliança. Tampouco a eficácia da mediação de Cristo se estende
além dos limites e abrangência dela; porque ele só é mediador e
fiador dessa aliança. Mas Deus havia feito uma aliança com seu
povo. Ela era uma aliança boa e santa, na medida em que foi
prescrita por Deus e aceita por eles com gratidão. No entanto,
apesar de todos os seus privilégios e vantagens, ela não se mostrou
tão eficaz, visto que as multidões daqueles com quem Deus fez
aquela aliança estiveram muito longe de obter a bem-aventurança
da graça e da glória por esse meio, pois eles fracassaram a ponto
de serem privados até mesmo de benefícios temporais. Para esse
fim é que Deus promete fazer uma “nova aliança” com eles, visto
que fracassaram e perderam a vantagem da primeira, contudo, se
essa outra aliança fosse da mesma espécie que a primeira, ela
também poderia se mostrar ineficaz do mesmo modo. Pois se Deus
tornasse a fazer uma aliança da mesma espécie que a primeira,
então ele deveria conceder, e a igreja receber, uma aliança após a
outra, e ainda assim os fins delas nunca seriam alcançados.
Para evitar essa objeção, e o medo que dela possa surgir,
Deus, que provê não apenas a proteção da sua igreja, mas também
seu conforto e segurança, declara antecipadamente a eles que a
Nova Aliança a ser feita com a igreja não será do mesmo tipo que a
anterior, e nem será susceptível de ser então frustrada, quanto aos
seus objetivos, como a outra o foi.
E há algumas coisas que devem ser observadas nisso:
1. O prefácio da promessa dessa Nova Aliança é uma
acusação ao povo, “repreendendo-os”, culpando-os, acusando-os
de pecado contra a aliança que Deus havia feito com eles.
2. Entretanto isso não foi o motivo e razão para fazer essa
Nova Aliança. Isso não aconteceu por que as pessoas não estavam
firmes nela e nos termos dela. Pois se assim fosse, não haveria
mais necessidade de reconduzi-los a uma boa condição, mas Deus
deveria apenas perdoar seus antigos pecados e renovar mais uma
vez a mesma aliança com eles, e dar-lhes outra oportunidade ou
castiga-los por não haverem permanecido na primeira aliança.
Contudo, visto que Deus não faria mais uma aliança igual à
primeira, mas antes faria outra aliança, de outra natureza, com eles,
fica evidente que havia algum defeito na própria aliança, a qual não
era capaz de comunicar as coisas boas com as quais Deus planejou
abençoar a igreja.
3. Essas duas coisas formam a única razão que Deus dá do
porquê ele fará essa Nova Aliança, a saber, os pecados do povo e a
insuficiência da primeira aliança para levar a igreja àquele estado
abençoado para o qual ele a designou; é manifesto que todos os
seus lidares para com aqueles a quem ele deseja o bem espiritual e
eterno são com base em sua pura graça soberana, e ele não
encontra qualquer motivo para agir assim senão somente em e de si
mesmo. Existem várias coisas contidas nessas palavras.
A Primeira Aliança
Primeiro, existe uma sugestão de que Deus havia feito uma
primeira aliança com seu povo, τὴν διαθήκην . Nesses versículos é
falado três vezes sobre fazer aliança; e em todos esses lugares as
mesmas palavras são usadas no texto hebraico, ‫כּ ִָר ִתּ י ְבּ ִרי ת‬.
Entretanto, o apóstolo altera tais palavras nessas três ocorrências.
Primeiro, ele o traduz como συντελέσω (v. 8); e depois traduz por
διαθήσομαι , o que é mais adequado (v. 10 — ζεῖναι e διατιθέναι
διαθήκην são usuais em outros autores). Aqui ele usa ἐ π οίησα ,
em referência àquela aliança que o povo quebrou e Deus anulou. E
pode ser que o tenha feito para distinguir a sua aliança alterável
daquela que deveria ser inalterável, e foi confirmada com maior
solenidade. Deus fez com essa aliança como fez com outras de
suas obras externas, as quais resolveu alterar, mudar ou abolir no
tempo determinado. Essa era uma obra cujos efeitos poderiam ser
abalados e depois removidos; como ele fala em Hebreus 12:27 que
a mudança das coisas móveis é como ὡς π ε π οιημένων , “coisas
que são feitas, para que as imóveis permaneçam”, feitas por apenas
um tempo; portanto, essas coisas são feitas para permanecerem e
durarem apenas por um tempo determinado, e tais eram todas as
coisas dessa aliança, e tal era a própria aliança. Ela não possuía
“criteria æternitatis”, nenhuma evidência de duração eterna. E, de
fato, nada o possui, senão aquilo que está baseado no sangue de
Cristo. Ele é ‫אֲ ִביאּﬠַ ד‬, “o pai da eternidade”,[51] ou o autor imediato e
causa de tudo o que é ou será eterno na igreja. Que os homens
laborem e discutam sobre essas outras coisas enquanto quiserem;
elas estão todas abaladas e serão removidas.
Primeira Observação Prática
A graça e a glória da Nova Aliança são grandemente realçadas
e manifestadas pela comparação dela com a Antiga Aliança. Isso é
feito aqui por Deus com o propósito de ilustrar essa verdade. E isso
é muito usado nessa epístola, em parte para nos convencer a
aceitarmos os termos e permanecermos fiéis a eles, e em parte para
declarar quão grande é o seu pecado, e quão dolorida será a
destruição daqueles pelos quais ela é negligenciada ou desprezada.
Essas coisas são tratadas com mais detalhes em outros lugares,
elas são, por exemplo, o assunto do discurso do apóstolo no
capítulo 12 a partir do versículo 15 até o fim.
Segunda Observação Prática
Todas as obras de Deus são igualmente boas e santas em si
mesmas; mas quanto à utilidade e vantagem da igreja, ele tem o
prazer de transformar algumas delas em meios de comunicar mais
graça do que outras. Mesmo essa aliança, em relação a qual a Nova
seria diferente, era em si mesma boa e santa; de modo que aqueles
com quem ela foi feita não tinham motivo para reclamar. Mesmo que
Deus tenha ordenado que seria por outra aliança que ele
comunicaria a plenitude de sua graça e amor à igreja. Devemos
extrair benefícios e vantagens a partir de cada coisa que Deus
aperfeiçoa em seu tempo e para seus próprios fins, embora ele
tenha outras formas de nos fazer um bem maior, cujo tempo ele
reservou para si mesmo. Mas esse é um tão grande ato de pura
bondade e graça soberanas que, embora eles tenham negligenciado
ou abusado das misericórdias e benefícios que receberam, ao invés
de rejeitá-los por conta disso, Deus passa a agir desse outro modo e
lhes concede misericórdias tais que não podem ser abusadas. Isso
ele fez isso ao introduzir a Nova Aliança no lugar da Antiga; e ele
continua fazendo isso todos os dias (Isaías 57:16-18). Vivemos em
dias nos quais os homens se esforçam para obscurecer a graça de
Deus e torná-la inglória aos olhos dos homens; mas Deus será para
sempre “admirado naqueles que creem”.[52]
Terceira Observação Prática
Embora Deus faça uma alteração em qualquer de suas obras,
ordenanças de culto ou instituições, contudo ele nunca muda sua
intenção ou o propósito de sua vontade. Em todas as mudanças
externas, ele mesmo não sofre “mudança nem sombra de variação”.
[53]
“Conhecidas são a Deus, desde o princípio do mundo, todas as
suas obras”;[54] e, não obstante qualquer mudança que pareça existir
nelas, tudo é realizado visando o propósito imutável de sua vontade
concernente a todas elas. Isso demonstra que não há a menor
mudança ou sombra de variação em Deus quando ele designou que
a Antiga Aliança durasse apenas por um tempo, e para certos fins, e
depois a aboliu, fazendo com que outra viesse a se distinguir em
graça e eficácia.

Os Destinatários da Antiga Aliança

Em segundo lugar, é declarado com quem essa Antiga Aliança


foi feita, π ατράσιν αὐτῶν , “com seus pais”. Algumas cópias em
latim trazem, “cure patribus vestris”, “com vossos pais”, mas tendo
falado antes da “casa de Israel e da casa de Judá” na terceira
pessoa, ele continua a falar nessa mesma pessoa. Assim também
acontece no profeta, ‫בוֹת ם‬
ָ ַ‫א‬, “seus pais”.
“Seus pais”, seus progenitores, eram aqueles de quem esse
povo sempre se gabava. Na maioria das vezes, eles elevavam mais
o tom de sua reivindicação quando faziam referência aos que são
principalmente intencionados aqui, a saber, Abraão, Isaque, Jacó e
os doze patriarcas. Mas, em geral, eles se gabavam de seus pais
imediatos; e não desejaram outra coisa, senão o que poderia chegar
até eles segundo o direito desses pais. E aqui então Deus os remete
aos seus pais, e ele faz isso com dois objetivos:
(1.) Fazê-los saber que ele tinha mais graça e misericórdia
para comunicar à igreja do que aquelas das quais seus pais foram
feitos participantes. Desse modo Deus evitaria que eles se
vangloriassem em seus pais ou confiassem neles.
(2.) Adverti-los a serem cuidadosos quanto ao seu
comportamento sob a dispensação dessa nova e maior misericórdia.
Pois os pais aqui referidos eram aqueles com quem Deus fez a
aliança no Sinai; mas é sabido, e o apóstolo o declarou de modo
geral no terceiro capítulo dessa epístola aos Hebreus, que eles
quebraram e rejeitaram essa aliança de Deus, através de sua
incredulidade e desobediência, e assim pereceram no deserto. A
referência é aos pais do povo com quem a primeira aliança foi feita,
os quais pereceram em sua incredulidade. Uma grande advertência
foi dada para aqueles que estariam vivos no tempo em que Deus
entraria em uma Nova Aliança com a sua igreja, para que eles não
perecessem após seguirem o mesmo exemplo daqueles. Entretanto,
essa advertência não foi eficaz em relação a eles, pois a maior parte
deles rejeitou essa Nova Aliança, assim como seus pais o fizeram
com a Antiga, e pereceram debaixo da indignação de Deus.
Quarta Observação Prática
A dispensação de misericórdias e privilégios, no que diz
respeito a tempos, pessoas e épocas, está inteiramente nas mãos e
poder de Deus. Algumas dessas misericórdias e privilégios ele
concedeu aos pais, algumas à sua posteridade, e não as mesmas
para ambos. Nossa sabedoria consiste em desenvolvermos o bem
que desfrutamos, e não murmurarmos pelo que Deus fez para com
os outros, ou fará com aqueles que virão depois de nós. Nossas
misericórdias atuais são suficientes para nós, se soubermos usá-las.
Aquele que tem um coração crente não terá falta de mais nada.
Quem Eram Esses “Pais”?
A identidade daqueles pais com quem Deus fez essa aliança
fica ainda mais evidente a partir do tempo, época e circunstâncias
da sua realização:
(1.) Durante o tempo, ela foi feita ἐ ν ἡμέρα , isto é, ἐκεῖνῃ ,
“no dia”. É óbvio para todos que esse um “dia” é mencionado nas
Escrituras como um tempo e época especial em que qualquer
trabalho ou dever deve ser realizado. O leitor pode ver o que
dissemos a respeito desse dia no terceiro capítulo.[55] E o tempo
aqui pretendido costuma ser chamado de dia, como aparece em
Ezequiel 20:6: “Naquele dia levantei a minha mão para eles, para os
tirar da terra do Egito”, isto é, naquele tempo ou época. Um tempo
determinado, específico e limitado, adequado aos meios para
realizar qualquer trabalho, acontecimento ou dever, é chamado de
“dia”. E isso corresponde à descrição do tempo em que a Nova
Aliança seria feita conforme aparece no versículo anterior: “Eis que
virão dias”, o tempo ou a época se aproxima. Isso também é dito
para denotar eminência; um “dia”, ou um sinal eminente da chegada
do tempo anunciado, como é dito em Malaquias 3:2: “Mas quem
suportará o dia da sua vinda?”, isto é, a glória e o poder benditos
que aparecerão e serão exercidos em sua vinda. A expressão “no
dia” significa: naquele grande e eminente tempo, que será muito
famoso através de todas as suas gerações.
(2.) Esse dia ou época é descrito com base no trabalho que
será realizado nele, ἐ π ιλαβομένου μου τῆς χειρὸς αὐτῶν , ‘
‫הֶ חֳ זִ ִיק י‬, “que eu fixei firmemente”. A palavra ἐ π ιλαμβάνω significa
“segurar” com um propósito de ajudar ou libertar; e assim várias
coisas são insinuadas — bem como o modo e a maneira em que
aquele povo será libertado naquele tempo:
[1.] A condição lamentável e desamparada em que estavam no
Egito. Até então eles estavam sendo capacitados a se libertarem de
seu cativeiro e escravidão, os quais, como crianças, não eram
capazes de permanecerem em pé ou andarem, a menos que Deus
os tomasse e os guiasse pela mão. Então ele fala: “Todavia, eu
ensinei a andar a Efraim; tomando-os pelos seus braços” (Oseias
11:3). E certamente nunca houve crianças tão fracas, obstinadas e
tão incapazes de ficarem de pé e andarem por si mesmas como
essas pessoas que deveriam consentir com Deus na obra de sua
libertação. Às vezes, recusavam-se a ficar de pé ou murmuravam
contra isso; outras vezes, elas se lançaram ao chão logo após
serem colocadas de pé; e ainda outras vezes, com toda a sua força,
viraram as costas para o Deus que lhes guiava. Aquele que pode ler
corretamente a história de libertação dessas pessoas, facilmente
discernirá o quanto trabalho Deus teve com essas pessoas para
ensiná-las a andar após pega-las pela mão. Portanto, não é
novidade que a igreja de Deus esteja em tal condição que não
possa nem permanecer de pé. Entretanto, se Deus os tomar pela
mão para ajudá-la, a sua libertação acontecerá.
[2.] Isso expressa a infinita condescendência de Deus para
com esse povo a ponto de ele se curvar para pegá-lo pela mão. Na
maioria das passagens bíblicas, o trabalho que ele realizou naquele
tempo é comparado ao levantar ou estender a sua mão (Ezequiel
20:6; veja a descrição disso em Deuteronômio 4:34 e 26:8). Esse
acontecimento representou para os seus inimigos uma obra de
grande poder, de braço levantado; mas para eles era uma obra de
infinita condescendência e paciência, um ato de curvar-Se para
pegá-los pela mão. E essa foi a maior obra de Deus. Pois tais eram
a perversidade e a incredulidade, e tantas eram as provocações e
tentações daquele povo, que se Deus não os tivesse segurado
firmemente pela mão, com infinita graça, paciência, longanimidade e
condescendência, eles inevitavelmente teriam arruinado a si
mesmos. E sabemos quantas vezes eles se esforçaram perversa e
obstinadamente para se livrarem da mão de Deus e para lançarem a
si próprios em uma destruição total. Portanto quando Deus diz que
“os tomou pela mão” para o fim mencionado, isso compreende toda
a graça, misericórdia e paciência, que Deus exerceu para com
aquele povo, enquanto agia para libertá-los com braço estendido,
para tomá-los pelas mãos e para destruir seus adversários.
E de fato nenhum coração pode conceber ou língua pode
expressar aquela infinita condescendência e paciência que Deus
exerce em relação a cada um de nós, enquanto nos segura pela
mão para nos levar a descansar com Ele. Nossos próprios
corações, em alguma medida, sabem com que rebeldia e
perversidade nos desviamos e nos afastamos da sua santa direção,
e como estamos sempre prontos para abusar de sua paciência; mas
a misericórdia e graça nos seguram e não nos deixam fugir delas.
Oh, que nossas almas vivam em constante admiração daquela
divina graça e paciência nas quais vivemos; que a lembrança dos
tempos e das épocas em que, se Deus não tivesse estendido sua
mão em nosso favor, teríamos destruído a nós mesmos, desenvolva
e avive diariamente em nós essa admiração, e que isso nos leve a
obedecermos ao nosso Deus com gratidão!
[3.] O poder dessa obra que é intencionada, também está
incluído nisso; não diretamente, mas por consequência. Pois, como
foi dito, quando Deus os tomou pela mão por sua graça e paciência,
ele levantou o seu braço poderoso, através das obras poderosas
que efetuou entre os seus adversários. Tudo que ele fez no Egito,
no Mar Vermelho e no deserto está incluído nisso. Essas coisas
fizeram com que o dia mencionado se tornasse eminente e glorioso.
Foi um grande dia aquele em que Deus magnificou Seu nome e
poder à vista de todo o mundo.
[4.] Todas essas coisas fizeram referência e foram anunciadas
naquela verdadeira libertação que Deus realizou para aquele povo.
E essa foi a maior misericórdia que aquelas pessoas foram ou
poderiam ser feitas participantes, naquela condição em que estavam
sob o Antigo Testamento. Quanto ao aspecto exterior, considere de
onde elas foram libertas, e para o que foram levadas, e
evidentemente se mostrará uma misericórdia tão grande quanto a
natureza humana é capaz de desfrutar. Além do mais, isso era uma
representação e tipo glorioso de seu próprio livramento espiritual e
de toda a igreja a partir do pecado, do inferno e da nossa escravidão
a Satanás, e também da nossa libertação desses para a gloriosa
liberdade dos filhos de Deus. E, portanto, Deus gravou o memorial
disso sobre as tábuas de pedra: “Eu sou o Senhor teu Deus, que te
tirei da terra do Egito, da casa da servidão”.[56] Pois o que foi
tipificado e significado por esse evento é o principal motivo para a
obediência para todas as gerações vindouras. Não existe qualquer
obediência moral que seja aceitável a Deus e que não provenha de
um sentimento de libertação espiritual.
E essas coisas são relembradas aqui nessa promessa da
realização de uma Nova Aliança, em parte para lembrar às pessoas
das misericórdias contra as quais elas haviam pecado, e em parte
para lembrá-las de que nenhuma assistência de misericórdias e
privilégios externos pode manter segura nossa relação pactual com
Deus, à parte da misericórdia especial administrada na Nova
Aliança, da qual Jesus Cristo é o Mediador e o Fiador.
Foi grandioso em todos os sentidos aquele dia, e a glória dele,
em que Deus fez a Antiga Aliança com o povo de Israel; contudo,
ele não possuía nenhuma glória quando comparado com aquele dia
que o sobrepuja, pois a luz do sol de glória desse dia foi “sete vezes
maior, como a luz de sete dias” (Isaías 30:26). Uma perfeição de luz
e glória deveriam acompanhar aquele dia, e toda a glória da obra de
Deus, e seu descanso com respeito a ela, deveria ser vista naquele
dia como a luz de sete dias.
A partir das coisas que observamos, fica totalmente evidente
tanto o que foi essa “aliança” que Deus fez, e quem foram “os pais”
com quem ela foi feita. A aliança intencionada não é outro senão
aquela que foi feita no Sinai, no terceiro mês após a saída do povo
para fora do Egito (Êxodo 19:1); nós já descrevemos qual a
natureza, utilidade e fim dessa aliança. E os pais eram os daquela
geração, os que saíram do Egito e solenemente em suas próprias
pessoas, eles e seus filhos, entraram na aliança e se obrigaram a
fazer tudo o que era requerido deles com relação a ela; devido a
isso eles foram aspergidos com o sangue daquela aliança (Êxodo
24:3-8; Deuteronômio 5:27). É verdade que toda a posteridade das
pessoas a quem a promessa foi dada estava agora tão vinculada e
obrigada por aquela aliança quanto aqueles que a receberam a
princípio; contudo, nessa passagem são pretendidos apenas
aqueles que realmente e em suas próprias pessoas entraram na
aliança com Deus. Essa consideração lançará luz ao que é
afirmado, a saber, que eles “quebraram a sua aliança” ou “não
continuaram nela”.
Uma comparação é pretendida entre as duas alianças, e, de
modo geral, essa é a primeira parte do fundamento em que se
baseia essa comparação da Nova em relação à Antiga.
A Quebra da Antiga Aliança
A segunda parte desse fundamento pode ser encontrada no
próprio ato em que essa aliança foi feita; e ela é expressa tanto por
parte do homem quanto de Deus, o que o povo fez nessa aliança
em relação a Deus, e como Deus agiu para com eles em relação a
isso.
Primeiro, a atitude da parte do povo é revelada nestas
palavras: “Como não permaneceram naquela minha aliança” — οτι
α ὐτοὶ οὐκ ἐνέμειναν ἐν τῆ διαθήκῃ μου .
A palavra ּ ‫אֲ ֶשׁר‬, “a qual”, que aparece no original hebraico, é
traduzida por ὅτι , que nós traduzimos por “como”; essa palavra,
ὅτι , às vezes é um relativo, outra vezes, um correlativo, “que” ou
“como”. Se seguirmos nossa tradução em português, “como”, ela
parece nos fornecer uma razão pela qual Deus fará com eles uma
aliança diferente daquela primeira, a saber, porque eles não
permaneceram naquela primeira, ou a quebraram. Mas essa não foi
a razão disso. A razão por que Deus fez essa Nova Aliança,
diferente daquela primeira, não foi porque eles não permaneceram
na primeira. Isso não poderia ser a razão e nem o motivo para essa
Nova Aliança. Portanto, isso é mencionado apenas para ressaltar a
graça de Deus, ao fazer essa Nova Aliança, apesar de eles haverem
quebrado a primeira aliança com seus pecados. Isso também revela
a excelência dessa aliança em si, pois aqueles que são levados a
serem participantes dela serão preservados de quebrá-la, pela
graça que ela administra. Para esse fim, eu preferiria traduzir “ ὅτι ”
pela palavra “que”, como nós traduzimos a palavra ‫ אֲ ֶשׁ ר‬que
aparece no profeta Jeremias, “aquela minha aliança”; ou pela
palavra “por”, “por eles não permanecerem”. A palavra because
(porque), que aparece em nossa versão em inglês não diz respeito
ao ato de Deus fazer uma Nova Aliança, mas se refere à reprovação
daqueles que quebraram a Antiga.
Eles são acusados de “não permanecerem”, eles “não
continuaram” na aliança que foi feita com eles. Deus chama essa
aliança de sua: “Não permaneceram naquela minha aliança”, porque
ele era o autor dela, o único que a formou e propôs seus termos e
promessas, ּ ‫הֵ פֵ רו‬, então é dito que eles a “quebraram”, eles
rescindiram, aboliram, anularam essa aliança divina. A palavra
hebraica expressa o fato, o que eles fizeram, a saber, eles
“quebraram” ou anularam a aliança. A palavra usada pelo apóstolo
expressa a maneira como eles o fizeram, ou seja, não
permaneceram fiéis nela, por não cumprirem os termos dela. O uso
da palavra μένω , e de ἐμμένω , para esse propósito, já foi
declarado anteriormente. Agora vamos inquirir sobre o que é
pretendido por esse meio:
1. Deus fez essa aliança com o povo no Sinai ao propô-la
autoritativamente para eles; e, por essa razão, o povo a aceitou
solenemente e assumiu a responsabilidade de observá-la, guardá-la
e cumprir os termos e condições dela como está em Êxodo 19:8, e
especialmente em Êxodo 24:3, 7: “O povo respondeu a uma voz, e
disse: Todas as palavras, que o Senhor tem falado, faremos” e
“Tudo o que o Senhor tem falado faremos, e obedeceremos” (O
mesmo é dito em Deuteronômio 5:27). Nisso a aliança foi ratificada
e confirmada entre Deus e eles, e por essa razão o sangue da
aliança foi aspergido sobre eles (Êxodo 24:8). Esse acontecimento
proporcionou uma ratificação solene para essa aliança.
2. Tendo assim aceito essa aliança de Deus, e os termos dela,
Moisés subiu novamente ao Monte, e o povo fez o bezerro de ouro.
E esses eventos ocorreram tão repentinamente após a realização
dessa aliança, que o apóstolo o expressa dizendo: “Eles não
permaneceram nela”, “eles se apressaram a quebrá-la”. Ele
expressa o mesmo sentido das palavras de Deus sobre isso
registradas em Êxodo 32:7-8: “Então disse o Senhor a Moisés: Vai,
desce; porque o teu povo, que fizeste subir do Egito, se tem
corrompido, e depressa se tem desviado do caminho que eu lhe
tinha ordenado; eles fizeram para si um bezerro de fundição, e
perante ele se inclinaram, e ofereceram-lhe sacrifícios, e disseram:
Este é o teu deus, ó Israel, que te tirou da terra do Egito”. Pois ali
quebraram a aliança que Deus, de uma maneira peculiar, havia
pretendido que simbolizasse a glória daquele livramento para si
mesmo.
3. Com efeito, a quebra da aliança, ou o fato de eles não
continuarem nela, se deu em primeiro lugar e principalmente com a
confecção do bezerro de ouro fundido. Depois disso, de fato, aquela
geração acrescentou muitos outros pecados e provocações, mas
mesmo antes de todas essas coisas acontecerem eles já tinham ido
tão longe a ponto de, “Deus jurar em sua ira que não entrariam em
seu descanso”.[57] Isso aconteceu como punição por sua
incredulidade e murmuração durante o retorno dos espias registrado
em Números 14, e nós já tratamos sobre isso em geral no
comentário do capítulo 3 desta epístola ao Hebreus. Essa
expressão não deve ser estendida como se referindo aos pecados
das gerações seguintes, nem aos pecados cometidos no reino de
Israel ou Judá, embora todos esses tenham transgredido
diferentemente a aliança, anulando-a na medida em era possível
para eles. A referência aqui é ao pecado daqueles que,
pessoalmente, entraram a princípio na aliança com Deus. Aquela
geração com quem Deus fez essa primeira aliança imediatamente a
quebrou, não permaneceu nela. E, portanto, não faz sentido que
aquela geração seja bem vista aos olhos de quem essa Nova
Aliança será proposta pela primeira vez. E foi assim que a
incredulidade da primeira geração que viveu nos primeiros dias da
promulgação da Nova Aliança, se mostrou ser uma ocasião para a
ruína de sua posteridade até os dias de hoje. E a partir disso
podemos observe o seguinte,
Quinta Observação Prática
Os pecados são agravados na proporção das misericórdias
recebidas. Foi isso que aquele povo recebeu devido a esse primeiro
pecado de natureza tão vergonhosa e provocadora de Deus, a
saber, que aqueles que haviam contraído pessoalmente a culpa
dessa transgressão haviam acabado de receber a honra, a
misericórdia e o privilégio de serem feitos participantes de uma
aliança com Deus. Portanto, Deus os ameaçou em relação a isso:
“Porém no dia da minha visitação visitarei neles o seu pecado”
(Êxodo 32:34). Deus teria em mente uma lembrança desse pecado
provocador em todas as suas visitações futuras. Portanto, levemos
em consideração os pecados que cometemos contra as
misericórdias recebidas, especialmente os privilégios espirituais, tais
como os que desfrutamos através do Evangelho.
Sexta Observação Prática
Nada além da graça eficaz assegurará a obediência da aliança
em qualquer momento. Por maiores que sejam os motivos ou por
mais fortes que sejam as obrigações exteriores para a obediência,
nenhum povo debaixo do céu poderia ter mais do que esse povo
havia recebido recentemente; e eles se comprometeram pública e
solenemente a obedecerem. Mas eles “depressa se desviaram do
caminho” (Êxodo 32:8). E, portanto, na Nova Aliança, essa graça é
prometida de maneira peculiar, como veremos no versículo
seguinte.
A Anulação da Antiga Aliança
Em segundo lugar, também é expresso o agir de Deus para
com eles: “Eu para eles não atentei”. Parece haver uma grande
diferença entre a tradução das palavras do profeta Jeremias e a
tradução que o apóstolo fez delas. No primeiro lugar, lemos: “Apesar
de eu os haver desposado”, e aqui: “Eu para eles não atentei”. E,
por causa disso, pode ser objetado que há uma grande diferença
em relação ao original e a essa interpretação que o apóstolo
apresenta. Mas não há necessidade de traduzir as palavras do
profeta, ‫וְאָ נכִ י ְבּﬠַ ְל ִתּ י בָ ם‬, como: “Apesar de eu os haver desposado”,
como veremos mais adiante. Embora muitos homens instruídos e
outros tenham ficado perplexos demais ao tentar reconciliar essas
passagens ou expressões, porque elas parecem ter sentido e
importância diretamente contrários entre si. Portanto, irei observar
algumas coisas que diminuem e tiram o peso dessa dificuldade, e
então darei a verdadeira solução disso. E para o nosso primeiro
objetivo podemos observar,
1. Nenhum aspecto da controvérsia e nem qualquer parte da
substância da verdade que o apóstolo prova e confirma por citar
essa passagem depende, de qualquer maneira, do significado
preciso dessas palavras. Tais palavras são apenas ocasionais
quanto ao esboço principal de toda a promessa; e, portanto, o
sentido da promessa não depende do uso ocasional delas. E nesses
casos uma liberdade na variedade de termos usados para fazer
exposições pode ser usada com segurança.
2. Observe os dois sentidos diferentes que as palavras, como
comumente traduzidas, apresentam, e não há nada de contradição
e nem mesmo a menor discordância entre elas. Pois as palavras,
como as traduzimos no profeta, expressam um agravamento do
pecado do povo: “Eles invalidaram a minha aliança apesar de eu’ —
através dela — “os haver desposado”, isto é, haver exercido uma
bondade e cuidado singulares para com eles. E do modo como
essas palavras são traduzidas pelo apóstolo, elas expressam o
efeito desse pecado tão agravado, Deus “não os considerou”, isto é,
com a mesma bondade que anteriormente; pois ele se negou a ir
com eles como havia feito até então, e agiu severamente para com
eles, fazendo-os peregrinar no deserto até serem consumidos. Em
cada um desses dois sentidos o objetivo é mostrar que a aliança foi
quebrada por eles e que eles foram tratados de acordo com isso.
Mas os expositores encontram ou criam grandes dificuldades
nisso. Geralmente, supõe-se que o apóstolo seguiu a tradução da
LXX ao citar essas palavras. Contudo, eles próprios não estão de
acordo sobre a tradução da palavra hebraica ‫ בָּ ﬠַ לתּ י‬pela palavra
grega ἠμέλησα . Alguns dizem que as cópias originais podem diferir
de algumas das cópias que agora temos a nossa disposição.
Portanto, como alguns pensam, acredita-se que as cópias originais
possam conter, ‫בָּ חַ ְלתּ י‬, “neglexi”, ou ‫ ַגָּﬠַ ְל ִת י‬, “fastidivi”, ou seja, “eu
os negligenciei” ou “os detestei”. E aqueles que falam mais
modestamente, supõe que a cópia da LXX que ele fez uso tivesse
uma daquelas palavras em vez de ‫בָּ ﬠַ ְל ִתּ י‬, a qual ainda é a leitura
mais verdadeira; mas porque isso não dizia respeito à substância do
argumento que ele estava tratando, o apóstolo não se afastaria
daquela tradução que estava em uso entre os judeus helenísticos.
Mas mesmo a melhor dessas conjecturas é incerta, e algumas
delas não devem ser sequer admitidas. Não é certo que o apóstolo
tenha feito quaisquer de suas citações a partir da tradução da LXX;
sim, o contrário é bastante certo e fácil de ser demonstrado. Nem
ele escreveu essa epístola aos judeus helenísticos, ou àqueles que
viviam ou pertenciam às comunidades judaicas dispersas, nas quais
se fazia uso da língua grega; mas ele a escreveu para os habitantes
de Jerusalém e da Judeia principalmente e em primeiro lugar, as
quais não faziam uso daquela tradução. Ele expressou o sentido da
Escritura à medida que foi direcionado pelo Espírito Santo a usar
suas próprias palavras.
É tanto perigoso como falso admitir alterações no texto original
e, em seguida, oferecermos nossas conjeturas para suprir outras
palavras sobre o que deveria estar contido ali. Isso não serve para
explicar, mas para corromper a Escritura. Para esse fim, um homem
erudito (Pococke[58] in Miscellaneas) se esforçou para provar que a
palavra ‫בָּ ﬠַ ְלתּ י‬, por todas as regras de interpretação, neste lugar
deve significar “desprezar e negligenciar”, e era assim que deveria
ter sido traduzida. E isso ele confirma a partir do uso dessa mesma
palavra na língua árabe. Com grande satisfação, o leitor pode
encontrar isso na referida obra de Pococke.
Minhas apreensões estão fundamentadas no que eu já
observei e provei. O apóstolo nem nesse e nem em nenhum outro
lugar se prende precisamente à tradução das palavras, mas
infalivelmente nos dá o sentido e o significado delas; e é isso que
ele fez nesse lugar. Pois, embora a palavra ‫ בַּ ﬠַ ל‬signifique um
“marido”, ou ser um marido ou um senhor, quando a letra ‫ ב‬é
adicionada a ela, como acontece aqui, ‫בָ ם בָּ ﬠַ ְל ִתּ י‬, o sentido é, “jure
usus sum maritali”, isto é, exerci o direito, o poder e a autoridade de
um marido para com eles; lidei com eles como um marido com uma
esposa que quebra a aliança: “O significado disso é:”, diz o
apóstolo, “Eu para eles não atentei” com o amor, a bondade e a
afeição de um marido. E foi assim que Deus realmente lidou com
aquela geração que tão repentinamente quebrou a aliança com ele.
Ele não mais lhes permitiu desfrutarem da herança, não os levou
para o lugar de sua habitação, o seu lugar de descanso na terra da
promessa; mas antes ele fez com que todos perambulassem e
sofressem o castigo devido a seus adultérios no deserto, até que
fossem consumidos. Assim, Deus exerceu o direito, o poder e a
autoridade de um marido em relação a uma esposa que havia
quebrado a aliança. E nisso, como em muitas outras coisas naquela
dispensação, Deus forneceu uma representação da natureza do
Pacto das Obras e da entrega dele.
A Verdade Dessas Coisas
Em terceiro lugar, há uma confirmação da verdade dessas
coisas nessa expressão, “Diz o Senhor”. Essa afirmação não deve
ser estendida a toda a questão, ou à promessa da introdução da
Nova Aliança; pois isso é garantido com a mesma expressão no
versículo 8, λέγει κύριος , “Diz o Senhor”. Essa afirmação traz
consigo uma palavra peculiar π άθος ,[59] a qual é acrescentada no
final das palavras ‫נְ אֻ םאּיְה ָו ה‬, e se refere apenas ao pecado do povo
e o tratamento de Deus para com eles de acordo com tais pecados.
E isso manifesta o significado das palavras anteriores como sendo a
severidade de Deus para com eles: “Eu usei a autoridade de um
marido para com eles, não os considerei mais como uma esposa”,
diz o Senhor.
Ora, Deus expressou assim a sua severidade para com eles
para que pudessem considerar como ele lidaria com todos aqueles
que desprezam, quebram ou negligenciam sua aliança. “Então”, diz
ele, “foi assim que eu lidei com eles; e do mesmo modo vou lidar
com os outros que me ofendem de maneira semelhante”.
Foi isso que aconteceu com aqueles com quem a primeira
aliança foi feita. Eles a receberam, entraram solenemente nas
obrigações dela, expressamente se comprometeram a realizar seus
termos e condições e foram aspergidos com o sangue dela; mas
eles “não pertenceram nela”, e então foram tratados de acordo com
isso. Deus usou o direito e a autoridade de um marido para com a
esposa que quebra a aliança; ele “não os considerou”, não os
deixou entrar em sua casa, privou-os de seu dote ou herança e os
matou no deserto.
A Promessa de Outra Aliança
Nessa declaração, Deus promete fazer outra aliança com eles,
na qual todos esses males deverão ser evitados. Essa é a aliança
que o apóstolo pretende provar ser melhor e mais excelente que a
primeira. E isso ele faz principalmente ao tratar do mediador e fiador
dela, ao compará-lo com os sacerdotes araônicos, cujo ofício e
serviço pertencia totalmente à administração daquela primeira
aliança. E ele confirma isso também a partir da própria natureza
dessa Nova Aliança, especialmente no que diz respeito à sua
eficácia e duração. E para isso ele cita expressamente essa
passagem como um testemunho disso, evidenciando como essa
aliança perpetuamente, através da graça administrada nela, previne
daquele fracasso que ocorreu com a primeira aliança devido ao
pecado do povo.
Portanto, ele diz sobre isso οὐ κατὰ τήν , “Não segundo a
aliança que fiz com seus pais”, isto é, não uma aliança que seja
igual à primeira nem no que diz respeito às suas promessas e
eficácia, e nem no que concerne à sua duração. Pois o que é
principalmente prometido aqui, a saber, a concessão de um novo
coração, Moisés afirma expressamente que não foi feito na
administração da primeira aliança. A Nova Aliança não é uma
renovação da Antiga Aliança e nem uma reforma dela, mas uma
aliança totalmente de outra natureza, por cuja introdução e
estabelecimento essa outra e Antiga Aliança deveria ser abolida,
revogada e removida, juntamente com o sistema de culto e serviços
a Deus que eram peculiares a ela. E foi principalmente essa
verdade que o apóstolo intencionou provar e convencer os hebreus.
E a partir de tudo isso podemos fazer várias observações:
Sétima Observação Prática
Nenhuma aliança entre Deus e o homem jamais foi ou poderia
ser estável e eficaz, quanto aos fins dela, se não fosse feita e
confirmada em Cristo. Primeiramente, Deus fez uma aliança
conosco em Adão. Não havia nada a esse respeito, senão a mera
defectibilidade[60] de nossas naturezas, pois éramos criaturas que
poderiam torná-la ineficaz. E daí é que isso procedeu. Em Adão
todos pecamos, por quebramos a aliança. O Filho de Deus não Se
interpôs, nem Se comprometeu em nosso favor. O apóstolo nos diz
que “todas as coisas subsistem por ele” (Colossenses 1:17); sem
Ele, elas não têm subsistência, consistência, estabilidade ou
duração. Então essa primeira aliança foi imediatamente quebrada.
Ela não foi confirmada pelo sangue de Cristo. E aqueles que
supõem que a eficácia e a estabilidade da presente aliança
dependem somente de nossa própria vontade e diligência,
precisavam não apenas afirmar que nossa natureza está livre
daquela depravação, assim como ela estava quando essa aliança
foi quebrada, mas que também está livre daquela defectibilidade
que nos caracterizava antes de cairmos em Adão. Os que supõem
tais coisas, negligenciam a interposição de Cristo e comprometem a
si mesmos com imaginações desse tipo, e certamente conhecem
pouco a si mesmos, e ainda menos a Deus.
Oitava Observação Prática
Nenhuma administração externa de uma aliança feita pelo
próprio Deus e nem qualquer obrigação de misericórdia na mente
dos homens pode capacitá-los a permanecer firmes na obediência
da aliança, sem que haja uma influência efetiva da graça de e por
Jesus Cristo. Pois veremos nos próximos versículos que essa é a
única provisão que é feita na sabedoria de Deus para nos tornarmos
firmes na obediência e para que sua aliança seja eficaz para nós.
Nona Observação Prática
Deus, ao fazer uma aliança com qualquer um, ao propor os
termos dela, retém o seu direito e autoridade para lidar com as
pessoas de acordo com seu comportamento em e relacionado a
essa aliança: “Eles quebraram a minha aliança e eu não os
considerei”.
Décima Observação Prática
Com isso Deus previne os homens de sua preocupação
especial quanto à quebra de sua aliança, pois esse é o mais
elevado julgamento que neste mundo pode cair sobre qualquer
pessoa.
E estamos preocupados com todas essas coisas. Pois embora
o Pacto da Graça seja estável e eficaz para todos os que são
realmente participantes dele, contudo, no que diz respeito à sua
administração externa, na qual entramos por uma profissão visível,
ele pode ser quebrado, para a ruína temporal e eterna de pessoas e
igrejas inteiras. Tome cuidado com o bezerro de ouro.
Capítulo 5

Exposição dos Versículos 10-12


As Promessas da Nova Aliança
“Porque esta é a aliança que depois daqueles dias farei com
a casa de Israel, diz o Senhor; porei as minhas leis no seu
entendimento, e em seu coração as escreverei; E eu lhes
serei por Deus, e eles me serão por povo; e não ensinará
cada um a seu próximo, nem cada um ao seu irmão, dizendo:
Conhece o Senhor; porque todos me conhecerão, desde o
menor deles até ao maior. Porque serei misericordioso para
com suas iniquidades, e de seus pecados e de suas
prevaricações não me lembrarei” (Hebreus 8:10-12).[61]
O propósito do apóstolo, ou o argumento geral que ele está
intencionando, deve ainda ser levado em conta durante toda a
consideração das passagens bíblicas que ele cita para a
confirmação disso. E esse propósito é provar que o Senhor Jesus
Cristo é o Mediador e o Fiador de uma melhor aliança do que aquela
em que o culto a Deus era administrado pelos sumos sacerdotes
segundo a lei. Logo, segue-se que o seu sacerdócio é maior e muito
mais excelente do que o deles. Para esse fim, ele não apenas prova
que Deus prometeu fazer tal aliança, mas também declara a
natureza e as características dela, segundo as palavras do profeta.
E assim, ao compara-la com a Antiga Aliança, ele manifesta a sua
excelência superior. Em particular, nessa passagem, a imperfeição
da Antiga Aliança é demonstrada a partir de seu resultado. Pois, não
preservou de modo eficaz a paz e o amor mútuo entre Deus e o
povo; mas ao ser quebrada por eles, então eles foram por isso
rejeitados por Deus. Esse fato tornou todos os outros benefícios e
vantagens inúteis. Então, o apóstolo insiste a partir do profeta sobre
as características dessa outra aliança que infalivelmente impede um
resultado semelhante, assegurando a obediência do povo para
sempre, e assim o amor e a relação de Deus com eles como o seu
Deus.
Para esse fim, esses três versículos nos dão uma descrição da
aliança da qual o Senhor Jesus Cristo é o Mediador e o Fiador, não
absoluta e inteiramente, mas quanto às características e efeitos dela
naquilo em que difere da Antiga, de modo a assegurar infalivelmente
a relação pactual entre Deus e o povo. A Antiga Aliança foi
quebrada, mas a Nova Aliança jamais o será, porque uma provisão
é feita na própria aliança contra qualquer coisa desse tipo.
E podemos considerar nas palavras: 1. A partícula de
introdução, ὅτι , correspondendo ao hebraico, ‫כִּ י‬. i2. O
assunto falado, que é διαθήκη ; com o modo de efetuá-lo ἥν
διαθήσομαι , “que farei”. 3. O autor da alinça, o Senhor Yahwéh;
“farei... diz o Senhor”. 4. Aqueles com quem deveria ser feita, “a
casa de Israel”. 5. O tempo de fazê-la, “depois daqueles dias”. 6. As
características, privilégios e benefícios dessa aliança, que são de
dois tipos: (1.) De graça interior e santificadora; descrita por uma
dupla consequência: [1.] A relação de Deus para eles, e deles para
com Deus: “eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo” (v. 10).
[2.] O favorecimento deles por esse meio, sem o uso de outras
ajudas como antigamente precisavam (v. 11). (2.) De graça relativa,
demonstrada no perdão dos seus pecados (v. 12). E várias coisas
de grande importância serão consideradas sob esses diversos
tópicos.
Exposição do versículo 10
“Porque esta é a aliança que depois daqueles dias farei com a
casa de Israel, diz o Senhor; porei as minhas leis no seu
entendimento, e em seu coração as escreverei; E eu lhes serei por
Deus, e eles me serão por povo”.
Introdução da Declaração da Nova Aliança
A introdução da declaração da Nova Aliança é feita pela
partícula ὅτι . A palavra hebraica ‫ כִּ י‬que é aqui traduzida pelo
apóstolo é usada de várias maneiras e às vezes é redundante. No
profeta, alguns o traduzem por uma exceção, “sed”, alguns por um
ilativo, “quoniam”. E aqui ὅτι é traduzido por alguns “quamborem”,
“para esse fim” e por outros “nam” ou “enim”, como o traduzimos,
“porque”. E indica uma razão do que foi falado antes, a saber, que a
aliança que Deus faria agora não deveria estar de acordo a Antiga,
ou ser semelhante àquela que foi feita anteriormente e quebrada.
O Assunto: A Criação de uma Aliança
Uma “aliança” é prometida no profeta e a palavra é ‫בּ ִרי ת‬, ְ e
aqui, διαθήκη . No profeta, O modo de fazê-la é denotado pela
palavra ‫אֶ כְ ֹר ת‬, que é a palavra usual de acordo com a qual a
criação de uma aliança é expressa. Por significar “cortar”, “atingir”,
“dividir”, relaciona-se aos sacrifícios pelos quais as alianças eram
confirmadas. A partir disso também temos as expressões “foedus
percutere” e “foedus ferire”[62] (Veja Gênesis 15:9, 10, 18). A palavra
ּ ‫ אֶ ת‬ou ‫ﬠַ ם‬, ou seja, “cum”, denota algo que está unido (Gênesis
15:18; Deuteronômio 5:2). O apóstolo traduz essa palavra por
διαθήσομαι , com um caso dativo e sem uma preposição, τῷ οἴκῳ ,
“farei” ou “confirmarei”. Antes ele havia usado a palavra συντελέσω
com o mesmo propósito.
Traduzimos as palavras ‫ ְבּ ִרי ת‬e διαθήκη nessa passagem por
uma “aliança”, embora depois a mesma palavra seja traduzida por
“testamento”. Uma aliança é propriamente um pacto ou acordo
sobre certos termos estipulados mutuamente por duas ou mais
partes. Como promessas são o fundamento e a proposta da aliança,
à medida que ela se dá entre Deus e o homem, ela também inclui
preceitos ou leis de obediência, que são prescritos ao homem para
que sejam observados. Mas na descrição da aliança aqui anexada,
não há menção de qualquer condição por parte do homem, de
quaisquer termos de obediência prescritos a ele, mas o todo
consiste em promessas livres e gratuitas, como veremos na
explicação dela. Alguns concluem a partir disso que apenas uma
parte da aliança é que está sendo descrita. Outros observam a partir
dessa passagem que toda a aliança de graça como uma aliança é
absoluta, sem quaisquer condições de nossa parte, e esse é o
sentido dessa passagem defendido por Estius.[63] Mas essas coisas
devem ser investigadas com base em:
(1.) A palavra ‫בּ ִרי ת‬,
ְ usada pelo profeta, não significa apenas
uma “aliança” ou acordo propriamente dito, mas também uma
promessa livre e gratuita. Sim, às vezes, essa palavra é usada para
tal propósito livre de Deus com relação a outras coisas, as quais em
sua própria natureza são incapazes de serem obrigadas por
qualquer condição moral. Tal é o acordo de Deus com o dia e com a
noite (Jeremias 33:20, 25). E assim ele diz que “fez a sua aliança”,
para não mais destruir o mundo pela água, “com toda alma vivente”
(Gênesis 9:10-11). Portanto, nada pode ser argumentado quanto à
necessidade de condições para pertencer a essa aliança a partir do
nome ou termo de acordo com o que é expresso pelo profeta. Uma
aliança é apropriadamente descrita pela palavra συνθ ή κη ,[64] mas
não há palavra em toda a língua hebraica para essa significação
precisa.
(2.) A realização dessa aliança é declarada pela palavra .‫כּ ַָר ִתּ י‬
65]]
Mas nem isso requer uma estipulação mútua, nos termos e
condições prescritas, para uma entrada na aliança. Pois se refere
aos sacrifícios pelos quais as alianças eram confirmadas; e aplica-
se a uma promessa gratuita, como encontramos em Gênesis 15:18:
“Naquele mesmo dia fez o Senhor uma aliança com Abrão, dizendo:
à tua descendência tenho dado esta terra…”.
Quanto à palavra διαθήκη , significa, impropriamente, um
“pacto”; já propriamente, significa uma “disposição testamentária”. E
isso pode ser sem quaisquer condições por parte daqueles a quem
algo é legado.
(3.) Tudo que é pretendido por essa aliança é expresso na
descrição que se segue. Pois, se fosse de outro modo, não poderia
ser provado a partir daí que essa aliança era mais excelente do que
a anterior, especialmente quanto à segurança de que a relação de
aliança entre Deus e o povo não poderia ser quebrada ou desfeita.
Pois essa é a principal coisa que o apóstolo pretende provar nesse
lugar; e a falta de observação disso tem feito com que muitos
expositores desse tema tenham se afastado do seu verdadeiro
significado. Se, portanto, essa não é uma descrição completa da
aliança, ainda pode haver algo reservado em essência pertencente
aquilo que poderia frustrar esse fim. Pois algumas dessas condições
podem ainda ser requeridas, as quais não possamos observar ou
não tenhamos segurança alguma que permaneceremos na
observação delas. E por essa razão essa Nova Aliança poderia ser
frustrada de sua finalidade, assim como a Antiga; o que é
diretamente contrário à declaração de Deus sobre seu propósito
com essa Nova Aliança.
(4.) É evidente que não pode haver condição prévia requerida
para nossa participação ou entrada nos benefícios dessa aliança, os
quais antecedam à sua realização conosco. Pois ninguém imagina
que existam tal condição prévia com respeito à sua constituição
original; nem pode haver isso em relação à realização dessa aliança
conosco ou à nossa entrada nela. Pois,
[1.] Isso tornaria a aliança inferior à graça daquela que Deus
fez com o povo em Horebe. Pois ele declara que não havia nada
neles que O movesse a fazer aquele pacto aliança ou para levá-los
a pactuar com Ele. Em toda parte, Deus afirma que esse é um ato
proveniente de sua pura graça e favor. Sim, ele frequentemente
declara que fez aliança com eles não apenas sem qualquer relação
a alguma coisa boa que havia neles, mas apesar de que fossem
maus e obstinados (Veja Deuteronômio 7:7-8, 9:4-5).
[2.] Isso é contrário à natureza, finalidade e características
expressas dessa aliança. Pois não há nada que possa ser pensado
ou suposto ser tal condição, senão aquilo que está compreendido na
promessa da própria aliança; porque tudo o que Deus requer em
nós é proposto como aquilo que ele mesmo efetuará em virtude
dessa aliança.
(5.) É certo que, na dispensação exterior da aliança, na qual a
graça, a misericórdia e os termos dela são propostos para nós,
muitas coisas são requeridas de nós para uma participação nos
benefícios dela; pois Deus ordenou que toda a misericórdia e graça
que são providas nessa aliança sejam comunicadas ordinariamente
no uso de meios externos, pelos quais é exigido um cumprimento de
nossa parte em uma forma de dever. Para esse fim, ele designou
todas as ordenanças do Evangelho, a Palavra e os sacramentos,
com todos os deveres, públicos e privados, que são necessários
para torná-los efetivos para nós. Pois, Deus nos conduzirá
ordinariamente a essa aliança nas e pelas faculdades racionais de
nossas naturezas, para que ele seja glorificado nelas e por elas.
Para esse fim, essas coisas são exigidas de nós para a participação
nos benefícios dessa aliança. E se, portanto, alguém chamar a
nossa atenção para tais deveres da condição da aliança, isso não
deve ser contestado, embora apropriadamente não seja assim. Pois,
[1.] Deus opera a graça da aliança, e comunica a misericórdia
dela, antes de qualquer habilidade para o desempenho de tal dever;
como ocorre com as crianças eleitas.
[2.] Entre aqueles que são igualmente diligentes no
desempenho dos deveres pretendidos, ele faz uma discriminação,
preferindo um e não o outro. “Muitos são chamados, mas poucos
são escolhidos”; e o que alguém tem que não tenha recebido?
[3.] ele realmente leva alguns à graça da aliança, enquanto
eles estão envolvidos em uma oposição à dispensação exterior dela.
Um exemplo dessa graça foi a que ele deu a Paulo.
(6.) É evidente que a graça da primeira aliança, ou o fato de
Deus colocar a sua lei em nossos corações, não pode depender de
nenhuma condição de nossa parte. Pois o que quer que seja
antecedente a isso, sendo apenas uma obra ou ato de uma
natureza corrompida, não pode ser uma condição sobre a qual a
dispensação da graça espiritual é concedida. E esse é o grande
fundamento daqueles que negam absolutamente que o Pacto da
Graça seja condicional; a saber, que a primeira graça é prometida
absolutamente, e disso e de seu exercício a totalidade dessa graça
depende.
(7.) Para uma participação plena e completa em todas as
promessas da aliança, é necessária a fé de nossa parte, da qual o
arrependimento evangélico é inseparável. Mas embora esses
também sejam produzidos em nós em virtude daquela promessa e
graça da aliança que são absolutas, é um mero conflito sobre as
palavras argumentar se elas podem ser chamadas de condições ou
não. Por um lado, é uma certeza que não podemos ter uma
participação real na graça dessa aliança na adoção e na
justificação, sem fé ou crença; e, por outro lado, também é certo que
essa fé é produzida em nós, dada a nós, concedida a nós, pela
graça da aliança que não depende de nenhuma condição em nós
quanto à sua administração distintiva, e eu não me preocuparei com
o modo como os homens desejam chamar isso.
(8.) Embora não existam condições propriamente ditas de toda
a graça da aliança, ainda assim existem condições na aliança,
tomando esse termo, em um sentido amplo, para aquilo que, pela
ordem da constituição divina, precede algumas outras coisas e tem
uma influência em sua existência; pois Deus requer muitas coisas
com quem ele realmente faz aliança, e faz participantes das
promessas e benefícios dela. Dessa mesma natureza é toda aquela
obediência que nos é prescrita no Evangelho, em nossa caminhada
diante de Deus em retidão; e havendo uma ordem nas coisas que
pertencem a isso, alguns atos, deveres e partes de nossa
obediência graciosa, sendo designados para serem meios das
provisões adicionais da graça e da misericórdia da aliança, podem
ser chamados de condições requeridas de nós na aliança, bem
como de deveres prescritos para nós.
(9.) Os benefícios da aliança são de dois tipos: [1.] A graça e
misericórdia que a aliança reúne em si. [2.] A futura recompensa da
glória que ela promete. Aqueles do primeiro tipo são todos os meios
apontados por Deus, os quais devemos usar e desenvolver para a
obtenção do último, e assim podem ser chamados de condições
requeridas de nossa parte. Eles são apenas reunidos em nós, mas
as condições são usadas e desenvolvidas por nós.
(10.) Embora διαθήκη , a palavra aqui usada, possa significar
e ser corretamente traduzida como “aliança”, da mesma maneira
que a palavra ‫בּ ִרי ת‬,
ְ ainda assim o que é pretendido é propriamente
um “testamento” ou uma “disposição testamentária” das bênçãos. É
a vontade de Deus em e por Jesus Cristo, Sua morte e
derramamento de sangue, nos dar gratuitamente toda a herança da
graça e da glória. E sob essa perspectiva, a aliança não tem
nenhuma condição, e nenhuma é expressa ou insinuada nessa
passagem.
Primeira Observação Prática
O Pacto da Graça, na forma de um testamento, confirmado
pelo sangue de Cristo, não depende de qualquer condição ou
qualificação que haja em nós, mas de uma livre concessão e oferta
de Deus; e é assim com todas as coisas boas preparadas nele.
Segunda Observação Prática
Os preceitos da Antiga Aliança são transformados em
promessas sob a Nova. Seu poder preceptivo e autoritativo não é
tirado, mas a graça é prometida para o desempenho deles. Assim, o
apóstolo tendo declarado que o povo quebrou a Antiga Aliança,
acrescenta que a graça será suprida na Nova para a realização de
todos os deveres de obediência que são exigidos de nós.
Terceira Observação Prática
Todas as coisas na Nova Aliança são propostas para nós como
promessas; e é somente pela fé que podemos ter uma participação
nelas. Pois fé é a única graça que devemos exercer, o dever que
devemos cumprir, para tornar efetivas as promessas de Deus para
nós (Hebreus 4:1-2).
Quarta Observação Prática
O senso da perda de acesso e participação nos benefícios da
Antiga Aliança é a melhor preparação para receber as misericórdias
da Nova.
O Autor dessa Aliança
O autor dessa aliança é o próprio Deus: “farei, diz o Senhor”.
Essa é a terceira vez que essa expressão, “diz o Senhor”, é repetida
nessa passagem bíblica. A obra expressa, em ambas as partes, a
anulação da Antiga Aliança e o estabelecimento da Nova, são tais
que demandam essa interposição solene da autoridade, veracidade
e graça de Deus. “Farei, diz o Senhor”. E a menção disso é
frequentemente inculcada a fim de gerar uma reverência em nós
com relação à obra que ele tão enfaticamente assume sobre si
mesmo. E isso nos ensina que,
Quinta Observação Prática
O próprio Deus, em e por Sua própria sabedoria soberana,
graça, bondade, suficiência e poder, deve ser considerado como a
única causa e Autor da Nova Aliança; ou que a abolição da Antiga
Aliança, com a introdução e estabelecimento da Nova é um ato de
mera sabedoria soberana, graça e autoridade de Deus. É o seu lidar
gracioso para conosco a partir de sua própria graça; sobre o que
não tínhamos a menor ideia e nem o menor desejo.
Com Quem a Nova Aliança é Feita
É declarado com quem essa Nova Aliança é feita: “Com a casa
de Israel” (v. 8), eles são chamados distintamente “a casa de Israel
e a casa de Judá”. A distribuição da posteridade de Abraão em
Israel e Judá tem relação com a divisão que ocorreu entre o povo
nos dias de Roboão. Antes, eles eram chamados apenas de Israel.
E no versículo 8 eles foram mencionados distintamente, para
testemunhar que nenhum dos descendentes de Abraão deveria ser
absolutamente excluído da graça da aliança, embora estivessem
divididos entre si; então aqui todos eles são expressos
conjuntamente por seu nome antigo de Israel, para manifestar que
todas as distinções relativas aos privilégios precedentes deveriam
ser removidas agora, pois “todo Israel poderia ser salvo”.[66] Mas nós
mostramos antes que todo o Israel de Deus, ou a igreja dos eleitos,
é principalmente intencionada por essa expressão.
O Tempo de Fazer a Aliança
O tempo da realização dessa promessa, ou da realização
dessa aliança, é expresso como: “Depois daqueles dias”. Existem
várias conjecturas sobre o sentido dessas palavras ou a
determinação do tempo delimitado nelas.
Alguns supõem que se refere ao tempo da entrega da lei no
Monte Sinai. Então a Antiga Aliança foi feita com os pais; mas
depois daqueles dias, seria feita outra aliança. Mas, embora o
tempo, “aqueles dias”, fossem muito remotos em relação à profecia
dada por Jeremias, a saber, cerca de oitocentos anos, era
impossível, senão que a Nova Aliança, que ainda não havia sido
dada, fosse “depois daqueles dias”; para esse fim, não havia
propósito algum em expressar que essa aliança deveria ser feita
depois daqueles dias, visto que era impossível que fosse de outro
modo.
Alguns acham que essa expressão diz respeito ao cativeiro
babilônico e ao retorno do povo de lá; porque Deus lhes mostrou
grande bondade, ao conduzi-los à obediência. Mas nem esse tempo
pode ser pretendido; porque nessa ocasião, Deus não fez uma nova
aliança com o povo, mas estritamente os obrigou aos termos do
Antiga Aliança (Malaquias 4:4-6). Mas quando esta Nova Aliança
fosse feita, a Antiga seria abolida e removida, como o apóstolo
expressamente afirmou (v. 13). A promessa não é de uma nova
obrigação, ou nova ajuda à observância da Antiga Aliança, mas de
fazer uma Nova Aliança de outra natureza, que não foi feita nessa
ocasião.
Alguns julgam que essas palavras, “depois daqueles dias”,
referem-se ao que ocorreu imediatamente antes, “eu para eles não
atentei”, palavras essas que incluem a total rejeição dos judeus.
“Depois daqueles dias em que tanto a casa de Judá como a casa de
Israel serão rejeitadas, farei uma nova aliança com todo o Israel de
Deus”. Mas isso também não resiste à uma análise mais atenta,
pois,
(1.) Supondo que a expressão, “eu para eles não atentei”,
indique a rejeição dos judeus, ainda é manifesto que a sua rejeição
e exclusão absolutamente não era em e por sua não continuidade
na Antiga Aliança, ou por não serem fiéis a ela, mas pela rejeição da
Nova Aliança quando ela foi proposta a eles. Então eles caíram pela
incredulidade, como o apóstolo manifesta de modo explícito no
capítulo 3 dessa epístola e em Romanos 11. Para esse fim, não se
pode dizer que a realização da Nova Aliança é posterior à sua
rejeição, visto que eles foram rejeitados por sua recusa e desprezo
por ela.
(2.) Por essa interpretação toda a casa de Israel, ou toda a
posteridade natural de Abraão, seria totalmente excluída de
qualquer participação nessa promessa. Mas isso não pode ser
admitido, pois não foi assim “de facto”,[67] um remanescente foi
conduzido à essa aliança; e embora fosse um remanescente em
comparação com o todo, contudo, em si mesmo era uma multidão
tão grande, a ponto de como se neles as promessas feitas aos pais
tivessem sido confirmadas. Nem essa suposição seria uma predição
de uma Nova Aliança, ou de qualquer promessa, para eles, mas sim
uma severa denúncia de juízo. Mas é dito expressamente que Deus
faria essa aliança com eles, como fez com os pais; a qual é uma
promessa de graça e misericórdia.
Para esse fim, “depois daqueles dias”, significa algo como,
naqueles dias, a saber, uma época indeterminada para algo
determinado. Assim, “naqueles dias” é frequentemente usado nos
profetas (Isaías 24:21-22; Zacarias 12:11). Portanto, um tempo
certamente futuro, mas não determinado, é tudo o que se pretende
com essa expressão, “depois daqueles dias”. E assim, a maioria dos
expositores fica satisfeito. No entanto, há, como julgo, algo mais
nessas palavras.
A expressão, “daqueles dias”, parece-me compreender o todo
o tempo destinado à economia do Antigo Testamento ou à
dispensação da Antiga Aliança. Tal tempo foi designado para isso no
conselho de Deus. Durante esse tempo, as coisas seriam como
descritas no versículo 9. O período definido e fixado para esses dias
é chamado pelo nosso apóstolo de “o tempo da correção” (Hebreus
9:10). “Depois daqueles dias”, ou seja, por ocasião da sua
expiração, ou quando eles estivessem chegando ao fim, de acordo
com o que a primeira aliança se tornaria velha e obsoleta, Deus faria
essa aliança com eles. E embora muito tenha sido feito em relação
a isso antes que aqueles dias chegassem ao fim e realmente
expirassem, ainda assim é sobre a sua realização que se diz
“depois daqueles dias”, pois isso será feito por ocasião do término e
expiração daqueles dias, isso deve acontecer para colocar um fim
pleno e definitivo a tais dias.
O Tempo Exato da Realização dessa Promessa
Em termos gerais, este foi o tempo aqui designado para a
realização e estabelecimento da nova aliança. Mas ainda
precisamos investigar mais detalhadamente o tempo exato do
cumprimento dessa promessa. E eu digo, o todo não pode ser
limitado a qualquer momento, absolutamente, como se tudo o que
foi pretendido por Deus, em criar essa aliança, consistisse em
qualquer ato único. A realização da antiga aliança com os pais é dita
ser “no dia em que Deus os tomou pela mão, para tirá-los da terra
do Egito”. Durante a época pretendida houve muitas coisas que
eram preparatórias para a realização dessa aliança, ou para o
estabelecimento solene dela. Assim foi também na realização da
nova aliança. Ela foi gradualmente feita e estabelecida, e isso por
vários atos preparatórios ou confirmatórios. E há seis graus
observáveis nisso:
(1.) A primeira introdução específica da Nova Aliança foi feita
pelo ministério de João Batista. Deus o havia levantado para enviá-
lo em seu nome, no espírito e poder de Elias, a fim de preparar o
caminho do Senhor (Malaquias 4). Portanto, o seu ministério é
chamado de “o princípio do evangelho” (Marcos 1:1-2). Até a sua
vinda, as pessoas estavam ligadas absoluta e universalmente à
aliança feita em Horebe, sem alteração ou acréscimo em qualquer
ordenança de culto. Mas o seu ministério foi planejado para prepará-
los e fazer com que eles atentassem para o cumprimento dessa
promessa da criação da Nova Aliança (Malaquias 4:4-6). E aqueles
por quem seu ministério foi desprezado, “rejeitaram o conselho de
Deus contra si mesmos”,[68] ou seja, para a sua ruína; e se fizeram
sujeitos a essa rejeição total com a ameaça que aparece na
conclusão dos escritos do Antigo Testamento (Malaquias 4:6). João,
portanto, convocou o povo a não descansar ou confiar nos
privilégios da primeira aliança (Mateus 3:8-10); pregou-lhes uma
doutrina do arrependimento; e instituiu uma nova ordenança de
culto, de acordo com a qual eles poderiam ser iniciados em um novo
estado ou condição, em uma nova relação com Deus. E em todo o
seu ministério, ele apontou, conduziu a e deu testemunho daquele
que estava prestes a estabelecer essa Nova Aliança. Esse foi o
começo do cumprimento dessa promessa.
(2.) A encarnação e o ministério pessoal de nosso Senhor
Jesus Cristo foi um avanço e um grau eminente a esse respeito. A
dispensação da Antiga Aliança ainda continuou; pois ele próprio,
tendo “nascido de mulher” e “nascido sob a lei”,[69] obedeceu-a,
observando todos os seus preceitos e instituições. Mas a sua vinda
em carne colocou um machado na raiz de toda essa dispensação;
porque, nesse aspecto, o fim principal que Deus designou por esse
meio para esse povo foi cumprido. A interposição da lei agora
deveria ser tirada e a promessa deveria se tornar tudo para a igreja.
Portanto, em seu nascimento, essa aliança foi proclamada do céu,
como aquela que aconteceria imediatamente (Lucas 2:13-14).
Porém, ela foi mais completa e evidentemente realizada em e pelo
seu ministério pessoal. Toda a doutrina dele era preparatória para a
introdução imediata dessa aliança. Mas especialmente havia a esse
respeito e por esse meio — pela verdade que ele ensinou e pelo
modo como ele as ensinou, e pelos milagres que fez, e isso em
conjunto com uma realização evidente das profecias concernentes a
ele — evidência de que Jesus era o Messias, o Mediador da Nova
Aliança. Nisso havia a declaração sobre a pessoa em quem e por
quem essa Nova Aliança deveria ser estabelecida; e, portanto, ele
lhes disse que, a menos que cressem que era ele o Messias
prometido, morreriam em seus pecados.[70]
(3.) O caminho para a introdução dessa aliança, sendo assim
preparado, foi solenemente promulgado e confirmado em e por Sua
morte; pois nisso Jesus ofereceu aquele sacrifício a Deus de acordo
com o qual a aliança foi estabelecida. E por esse meio a promessa
se tornou propriamente διαθήκη , um “testamento”, como nosso
apóstolo prova amplamente em Hebreus 9:14-16. E ele declara no
mesmo lugar, que isso correspondia àqueles sacrifícios cujo sangue
era aspergido sobre o povo e o livro da lei, na confirmação da
primeira aliança (deveremos tratar dessas coisas depois). Esse foi o
centro no qual todas as promessas da graça se encontraram e a
fonte de onde derivaram a sua eficácia. Desse ponto em diante, a
Antiga Aliança, e todas as suas administrações, tendo recebido a
sua plena realização, teve continuidade apenas devido à paciência
de Deus, até que fosse abolida e retirada do caminho em seu
próprio tempo e maneira; pois realmente, e em si mesma, a sua
força e autoridade cessaram e foram retiradas (veja Efésios 2:14-16;
Colossenses 2:14-15). Mas a nossa obrigação de obediência e a
observância de mandamentos, embora formal e definitivamente
sejam estabelecidos de acordo com a vontade de Deus, contudo
imediatamente se relacionam com a revelação da sua vontade, pela
qual somos diretamente obrigados. Para esse fim, embora as
causas da remoção da Antiga Aliança já tivessem sido aplicadas a
isso, ainda assim a lei e suas instituições continuavam não apenas
legais, mas úteis para os adoradores, até que a vontade de Deus a
respeito de sua revogação fosse totalmente declarada.
(4.) Essa Nova Aliança teve o complemento de sua realização
e estabelecimento na ressurreição de Cristo. Pois assim a Antiga
Aliança teria o seu fim perfeito. Deus não fez a primeira aliança e, a
esse respeito, revive, representa e confirma o Pacto das Obras, com
a promessa anexada a ele, de modo que isso devesse continuar
apenas por um certo período, e então findar por si mesma, e ser
arbitrariamente removida; mas toda essa dispensação tinha um fim
a ser cumprido, e sem o qual não era coerente com a sabedoria ou
a justiça de Deus removê-la ou aboli-la. Sim, nada disso poderia ser
removido até que tudo fosse cumprido. Era mais fácil remover o céu
e a terra do que remover a lei, quanto ao seu direito e legitimidade
para governar as almas e consciências dos homens, antes que tudo
fosse cumprido. E esse fim tinha duas partes:
[1.] O cumprimento perfeito da justiça que ela exigia. Isso foi
feito na obediência de Cristo, o Fiador da Nova Aliança, no lugar
daqueles com quem a aliança foi feita.
[2.] Que a maldição deveria ser sofrida. Até que isso fosse
feito, a lei não podia deixar de reivindicar poder sobre os pecadores.
E à medida que essa maldição foi sofrida de forma dolorosa,
também foi absolutamente abolida na ressurreição de Cristo. Pois,
as dores da morte foram aniquiladas e ele foi libertado dentre os
mortos, a sanção da lei foi declarada como nula, e sua maldição foi
respondida. Por esse meio, a Antiga Aliança expirou, de modo que a
adoração que pertencia a ela só continuou por algum tempo, de
acordo com a paciência e tolerância de Deus para com aquele povo.
(5.) A primeira promulgação solene dessa Nova Aliança, feita,
ratificada e estabelecida, aconteceu no dia de Pentecostes, sete
semanas após a ressurreição de Cristo. E isso correspondeu à
promulgação da lei no Monte Sinai, e havia decorrido o mesmo
espaço de tempo após a libertação do povo do Egito. Desse dia em
diante, as ordenanças de culto e todas as instituições da Nova
Aliança tornaram-se obrigatórias para todos os crentes. Então, toda
a igreja foi absolvida de qualquer dever com respeito à Antiga
Aliança, e à adoração dela, embora isso ainda não fosse claro em
suas consciências.
(6.) Quanto à questão sobre a continuação da força obrigatória
da Antiga Aliança, o contrário foi solenemente proclamado pelos
apóstolos, sob a direção infalível do Espírito Santo (Atos 15).
Esses eram os artigos, ou os graus do tempo pretendidos
naquela expressão, “depois daqueles dias”; todos correspondiam
aos vários graus de acordo com os quais a Antiga seria abolida e
desaparecia.
A Natureza das Promessas da Nova Aliança
Após esclarecermos as circunstâncias da realização dessa
aliança, em seguida propomos considerar a natureza dela em suas
promessas. E ao expor as palavras, faremos estas duas coisas: 1.
Inquirir a natureza geral dessas promessas. 2. Explicá-las particular
e distintamente.
A Natureza Geral dessas Promessas
Em primeiro lugar, a natureza geral tanto da aliança quanto
das promessas de acordo com as quais ela é aqui expressa deve
ser brevemente investigada, porque há vários pontos de vistas
acerca delas. Alguns supõem que há uma eficácia especial
relacionada às coisas mencionadas e pretendidas nessas
promessas, e nada mais; alguns julgam que as coisas em si, o
evento e a finalidade, é que são prometidas.
No primeiro sentido, Schlichtingius se expressa assim sobre
essa passagem: “O significado dessa passagem não é: ‘Por um bom
tempo farei com que minhas leis sejam escritas apenas em tábuas
de pedra, mas farei uma aliança com eles para que minhas leis
possam ser gravadas em suas próprias mentes e corações’. É
evidente que essas palavras devem ser compreendidas dentro dos
limites de [seu] poder e eficácia, certamente não necessariamente
estendendo-se ao próprio resultado da inscrição, que sempre foi
referido à liberdade do homem; esse fato também foi ensinado pelas
seguintes palavras de Deus (v. 12). Por essas [palavras], o próprio
Deus revela a razão ou o modo e o conteúdo desse fato que é
mantido unido por Sua imensa graça e pela misericórdia para com o
povo. Por isso [Sua misericórdia], ele descreve o futuro para que o
povo possa se dedicar a ele fervorosamente e consiga guardar as
suas leis. Portanto, o significado é: ‘Farei uma aliança de tal tipo que
produzirá os maiores e mais suficientes recursos para preservar o
meu povo em fidelidade’”.[71]
E em outra parte ele diz: “Em vez dessas ordenanças e
observações carnais exteriores, eu lhes darei mandamentos
espirituais para a regulação de suas afeições, preceitos muito
agradáveis a todos os homens, [operados] pela excessiva grandeza
dessa graça e misericórdia. Nesse e em muitos outros casos
semelhantes, inclinarei as suas afeições para receber a Minha lei”.
O sentido de ambos é que tudo o que é aqui prometido
consiste na natureza dos meios, e sua eficácia, em inclinar, dispor e
engajar os homens nas coisas aqui faladas, mas não em produzi-las
com certeza e infalibilidade naqueles a quem a promessa é dada. E
supõe-se que a eficácia concedida decorre da natureza dos
preceitos do Evangelho, que são racionais e adequados aos
princípios de nossa natureza intelectual. Pois esses preceitos,
avivados pelas promessas feitas à observância deles, com as outras
misericórdias pelas quais eles são acompanhados no lidar de Deus
para conosco, são adequados para persuadir nossas mentes e
vontades à obediência; entretanto, quando tudo é feito, toda a
questão depende de nossas próprias vontades e de nossa própria
determinação de uma maneira ou de outra.
Refutação da Interpretação Sociniana e
Demonstração da Verdadeira Interpretação em
Seis Aspectos
Mas essas explicações não são apenas passíveis de muitas
objeções, mas de fato destroem toda a natureza da Nova Aliança, e
o texto não é exposto, mas corrompido por elas; para esse fim, elas
devem ser refutadas e rejeitadas. E,
1. A explicação dada não pode ser adaptada às palavras, de
modo a conceder uma verdade em seu sentido literal. Pois embora
Deus diga que porá as suas leis na mente deles, e as escreverá em
seu coração, e eles o conhecerão, o que declara que ele
efetivamente o fará; o sentido da explicação daqueles homens é
que, de fato, Deus não o fará, ele somente fará aquilo que os
moverá e os persuadirá a fazerem por eles mesmos o que Deus
prometeu fazer por si mesmo, e isso quer os homens façam ou não!
Mas, se alguém a quem Deus diz que escreverá a sua lei em seu
coração, não a tenha assim escrita, seja por que causa for, se
supormos que mesmo assim a lei ainda não será escrita em seu
coração, como pode ser verdadeira a promessa que Deus escreverá
a sua lei em seu coração? É um argumento muito pobre dizer que
Deus, ao fazer essa promessa, não previu algum impedimento que
surgiria ou que não poderia superá-lo quando tal coisa ocorresse.
2. É o evento, ou o efeito em si, que é prometido diretamente,
e não qualquer eficácia de meios que podem ser frustrados. Pois a
fraqueza e imperfeição da primeira aliança foi evidenciada
justamente nisso, a saber, que aqueles com quem ela foi feita não
perseveraram nela. Por causa disso, Deus não os rejeitou, e a
aliança se tornou inútil, ou pelo menos fracassou quanto ao fim geral
de dar continuidade na relação entre Deus e eles, de ele ser o seu
Deus, e eles serem o seu povo. Para corrigir esse mal e prevenir
coisas semelhantes para o futuro, ou seja, providenciar efetivamente
que Deus e seu povo sempre permaneçam nessa relação pactual
abençoada, ele faz suas promessas de acordo com as quais isso
possa ser assegurado. Aquilo que a primeira aliança não conseguiu
efetuar, Deus prometeu realizar na e pela Nova Aliança.
3. Não é dito e nem insinuado em qualquer lugar nas
Escrituras, que a eficácia da Nova Aliança, e a realização das
promessas dela, devem depender e provir da adequação de seus
preceitos à nossa razão ou a princípios naturais; mas isso é
universal e constantemente atribuída à eficácia do Espírito e da
graça de Deus, não apenas nos capacitando para a obediência, mas
nos dando um princípio espiritual, sobrenatural e vital, do qual a
obediência procede.
4. É verdade que nossas próprias vontades, ou as ações livres
delas, são requeridas em nossa fé e obediência; pelo que é
prometido que seremos “voluntários no dia do seu poder”.[72] Mas
afirmar que as nossas vontades são deixadas absolutamente à
nossa própria liberdade e poder, sem sermos inclinados e
determinados pela graça de Deus, é algo proposto pelo
pelagianismo, o qual há muito tempo atacou a igreja, mas jamais
chegou a prevalecer na igreja de Deus.
5. Gravar as leis de Deus em nossas mentes, e escrevê-las em
nossos corações, para que possamos conhecê-lo e temê-lo
continuamente, é prometido do mesmo modo e maneira como o é
com o perdão do pecado (v. 12); e é difícil definir um determinado
sentido a essa promessa de modo que venha a significar que Deus
usasse determinados meios para perdoar nossos pecados, os quais,
todavia, pudessem falhar.
6. Visto que essa explicação dessa passagem não é adequada
às palavras do texto, e nem do contexto ou do escopo da
passagem, de fato, ela perverte e arruína a natureza da Nova
Aliança, e a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que é comunicada
por esse meio. Pois,
(1.) Se o efeito em si, ou as coisas mencionadas, não forem
prometidas, mas somente o uso desses meios for deixado à
liberdade da vontade dos homens, para que eles os cumpram ou
não, então a própria existência da aliança, terá qualquer existência
ou não, depende absolutamente das vontades dos homens, e assim
pode não existir. Pois não é a proposta dos termos da aliança, e os
meios pelos quais podemos entrar nela, que isso é chamado de a
realização dessa aliança conosco; mas a nossa participação real da
graça e misericórdia prometida nela. Só isso dá uma existência real
à própria aliança, sem a qual ela não é uma aliança, e se isso
estiver ausente essa aliança não pode ser apropriadamente feita
com qualquer pessoa.
(2.) O Senhor Jesus Cristo seria feito o Mediador de uma
aliança incerta por esse meio. Pois, se depender absolutamente das
vontades dos homens, de eles aceitarem os termos e os cumprirem
ou não, é incerto qual será o resultado, e se algum deles agirá
assim ou não; pois quando a vontade não é determinada pela graça,
as suas ações são totalmente incertas.
(3.) A aliança não pode, em nenhum sentido, ser um
testamento — o que nosso apóstolo prova que ela é — e ser
irrevogavelmente confirmada pela morte do Testador. Pois não pode
haver, nessa suposição, um herdeiro para quem Cristo legou os
seus bens e a herança de misericórdia, graça e glória. Isso tornaria
esse testamento inferior ao de um homem sábio, que determina em
detalhes para quem seus bens serão dados após sua própria morte.
(4.) Isso remove a diferença que há entre essa aliança e a
Antiga Aliança, que é o principal objetivo que o apóstolo busca
provar; e no mínimo, faz com que a diferença consista apenas na
eficácia gradual dos meios exteriores; o que é ainda mais distante
do seu propósito. Pois, pela Antiga Aliança, foram fornecidos meios
para induzir o povo à obediência constante, e meios poderosos. Isso
é alegado por Moisés, em quase todo o livro de Deuteronômio. Pois
o escopo de todas as suas exortações à obediência é mostrar que
Deus os instruiu no conhecimento de sua vontade ao dar a lei, e
acompanhou os seus ensinamentos com muitas misericórdias, os
quais eram efeitos de seu grande poder, bondade e graça; de modo
que a aliança foi acompanhada de tais promessas e ameaças a
ponto de, nesse aspecto, a vida e a morte temporais e eternas
terem sido colocadas diante deles; tudo isso tornava a sua
obediência tão razoável e necessária, que nada além de uma
maldade obstinada poderia afastá-los dela. Para esse propósito é
que Moisés faz os discursos que encontramos no livro de
Deuteronômio. Entretanto, apesar de tudo isso, é acrescentado:
“Que Deus não circuncidou seus corações para temê-lo e obedecê-
lo sempre”,[73] como é prometido aqui. A comunicação da graça
eficaz, produzindo infalivelmente as boas coisas propostas e
prometidas nas mentes e corações dos homens, não pertencia
àquela aliança. Se, portanto, nada mais estiver contido na
realização da Nova Aliança, além de apenas a adição de meios e
motivos exteriores mais fortes, mais adequados às nossas razões e
mais adequados para alcançar as nossas afeições, ela difere da
Antiga apenas em alguns graus imperceptíveis. Mas isso é
diretamente contrário à promessa do profeta, de que a Nova Aliança
não será conforme a Antiga Aliança ou do mesmo tipo dela;[74] e
Cristo, o sumo sacerdote, seria um sacerdote segundo a ordem de
Arão.
(5.) Seguindo essa suposição, Deus poderia cumprir a sua
promessa de “por as suas leis no entendimento dos homens e
escrevê-las em seus corações”, e ainda assim nenhum deles ter as
leis dele colocadas em seus entendimentos nem escritas em seus
corações, o que é um absurdo que não pode ser admitido como
verdadeiro pela razão comum da humanidade.
Assim, devemos admitir que esse é o efeito, o resultado na
comunicação das coisas prometidas, que é atribuído a essa aliança,
e não apenas o uso e a aplicação dos meios para a produção
desses efeitos e resultados. E isso ainda aparecerá na exposição
particular das várias partes dessa aliança. Mas, ainda assim, antes
de entrarmos nessa questão, duas objeções devem ser removidas,
as quais geralmente podem ser feitas contra a nossa interpretação.
Duas Objeções Respondidas
Primeira objeção: “Essa aliança é prometida como algo futuro,
a ser realizada em um determinado tempo, ‘depois daqueles dias’,
como foi declarado. Mas é certo que as coisas aqui mencionadas, a
graça e misericórdia expressas, foram de fato comunicadas muitos
antes e depois da promulgação da lei, muito antes dessa aliança ser
feita; pois todos os que realmente criam e temiam a Deus tinham
essas coisas operadas neles pela graça. Logo, a sua comunicação
eficaz não pode ser considerada uma característica dessa aliança
que seria feita depois”.
Resposta: Essa objeção foi suficientemente respondida no que
já dissemos sobre a eficácia da graça dessa aliança antes de ela
mesma ser solenemente consumada. Pois todas as coisas dessa
natureza que pertencem a ela surgem e provêm da mediação de
Cristo, ou de sua interposição em favor dos pecadores. Para esse
fim, isso ocorreu a partir da entrega da primeira promessa; a
administração da graça dessa aliança ocorreu nesse sentido e
depois em determinado tempo. Embora o Senhor Jesus Cristo ainda
não tivesse feito aquilo pelo que ela foi solenemente confirmada, e
de que todas as virtudes dela dependem. Para esse fim, essa
aliança é prometida ser feita, não em oposição à graça e
misericórdia que foi derivada dela tanto antes quanto sob a lei, nem
quanto à primeira administração da graça do seu Mediador; mas em
oposição à aliança do Sinai e com respeito à sua solene
confirmação exterior.
A segunda objeção: “Se as coisas são prometidas na aliança,
então todos aqueles com quem essa aliança é feita devem ser real e
efetivamente tornados participantes dela. Mas não é assim; nem
todos são realmente santificados, perdoados e salvos, que são as
coisas aqui prometidas”.
Resposta: A realização dessa aliança pode ser considerada de
duas maneiras: 1. Quanto à preparação e proposição de seus
termos e condições. 2. Quanto à estipulação interna entre Deus e as
almas dos homens. Somente neste sentido, é dito propriamente que
Deus faz essa aliança com alguém. A preparação e proposição de
leis não constituem a realização da aliança. E, portanto, todos com
quem essa aliança é feita são efetivamente santificados, justificados
e salvos.
As Propriedades Abençoadas e os Efeitos da
Nova Aliança
Em segundo lugar, essas coisas sendo pontuadas, como era
necessário, para o correto entendimento da mente do Espírito
Santo. Agora, tratarei das particularidades da aliança como aqui
expressas, a saber, as abençoadas propriedades e efeitos dessa
Nova Aliança, de acordo com o que ela se distingue da anterior.
Primeira Bênção Geral – Restauração da Imagem
de Deus em Nós
As duas primeiras expressões são da mesma natureza e
tendência: “Porei as minhas leis em seus corações, e as escreverei
em seus entendimentos”. Em termos gerais, essa é a reparação de
nossa natureza pela restauração da imagem de Deus em nós, ou
seja, o que é prometido nessas palavras é a nossa santificação. E
algo é expresso duplamente nessas palavras: 1. O que é atingido: o
“coração” e o “entendimento”. 2. A maneira de produzir o efeito
mencionado neles, a saber, “pôr” e “escrever”. E, 3. as coisas que
são comunicadas por esses meios: as “leis” de Deus.
O que é Atingido
O coração e o entendimento. Quando o apóstolo trata da
depravação e corrupção de nossa natureza, ele os coloca no τῇ
διανοίᾳ e no ἐν τῇ καρδίᾳ (Efésios 4:18), ou seja, “o
entendimento” e “o coração”. Esses são, na Escritura, o lugar da
corrupção natural, a residência do princípio de alienação da vida de
Deus que há em nós. Assim, a renovação de nossas naturezas
consiste na retificação e cura de nossos entendimentos e corações,
ao operar neles princípios contrários de fé, amor e união com Deus.
E podemos observar que,
Sexta Observação Prática
A graça de nosso Senhor Jesus Cristo na Nova Aliança, em
seu ser e existência, em sua eficácia restauradora e reparadora, é
tão grande e extensa quanto o pecado em sua habitação e poder
para depravar as nossas naturezas. Essa é a diferença sobre a
extensão da Nova Aliança, e a graça dela: Alguns creem que ela se
estenda a todas as pessoas, em sua proposição afetuosa e
condicional; mas não a todas as coisas, quanto à sua eficácia na
restauração de nossas naturezas. Outros afirmam que ela se
estende a todos os efeitos do pecado, para a remoção deles e a
cura de nossas naturezas por esse meio; mas, quanto às pessoas,
ela não é realmente estendida a ninguém, exceto àqueles em quem
esses efeitos são produzidos, não importando qual seja sua
administração exterior, que também sempre foi limitada — essa é a
posição que eu subscrevo.
Em seus Entendimentos
A primeira coisa mencionada é o “entendimento”, ּ ‫ק ֶרב‬,ֶ o que o
apóstolo traduz por διάνοια , “a parte interior”. A mente é a parte ou
poder da alma mais secreto e interior. E o profeta o expressa como
“interior”, porque é o único repositório seguro e útil das leis de Deus.
Quando elas estão ali, não as perderemos; nem homens nem
demônios podem tirá-las de nós. E ele também declara em que
consiste a excelência da obediência pactual. Não é a conformidade
de nossas ações exteriores com a lei, embora isso seja necessário
também; mas é principalmente nas partes interiores, onde Deus
procura e considera a verdade com sinceridade (Salmo 51:6). Para
esse fim, διάνοια é o “entendimento e a mente”, cuja depravação
natural é a fonte e o princípio de toda desobediência; cuja cura é
aqui prometida em primeiro lugar. Na administração exterior dos
meios da graça, as afeições, ou, se assim posso falar, a parte mais
externa da alma, geralmente são primeiro alcançadas e
estimuladas; mas o primeiro efeito real da graça interior prometida
na aliança está no entendimento, a parte mais espiritual e interna da
alma. No Novo Testamento isso é expresso pela renovação da
mente (Romanos 12:2; Efésios 4:23); a abertura dos olhos de
nossos entendimentos (Efésios 1:17-18); e Deus brilhando em
nossos corações, para nos dar o conhecimento de sua glória na
face de Jesus Cristo (2 Coríntios 4:6). Por esse meio, a inimizade
contra Deus, a vaidade, as trevas e a alienação da vida de Deus,
com a qual a mente naturalmente é tomada e preenchida, são
tiradas e removidas (tratei amplamente sobre a natureza dessa obra
em outros de meus escritos),[75] pois a lei de Deus no entendimento
consiste no conhecimento salvífico da mente e da vontade de Deus,
cuja lei é a revelação, comunicada ao entendimento e implantada
nele.
O Modo de Produzir o Efeito
O modo como Deus, no Pacto da Graça, age sobre a mente é
expresso por διδούς ; assim o apóstolo traduz ‫ נ ַָת ִתּ י‬por, “darei”.
διδούς , “dando”, pode ser substituído por δώσα , “darei”. Assim é
expresso na próxima cláusula, ἐ π ιγράψω , no futuro, “escreverei”.
A palavra que aparece no profeta é, “darei”, nós o traduzimos como
“colocarei”. Mas há duas coisas indicadas na palavra: (1.) A
liberdade da graça prometida; é uma pura concessão, presente ou
doação da graça. (2.) A eficácia dela. Aquilo que é dado por Deus
deve ser recebido por alguém, caso contrário não é um presente. E
essa última é bem expressa pela palavra usada por nós, “colocarei”,
que indica uma comunicação real, e não uma proposta infrutífera. O
apóstolo apresenta isso enfaticamente através do uso da palavra
διδούς ; ou seja, εἰμί , “isso é o que eu faço, o que estou fazendo
nessa aliança; ou seja, dando livremente aquela graça segundo a
qual minhas leis serão implantadas nos entendimentos dos
homens”.
O que é Comunicado: Minhas Leis
Antes de prosseguirmos para a natureza dessa obra, tanto
quanto for necessário para a exposição das palavras, podemos aqui
considerar o que foi observado em terceiro lugar, ou seja, o que é
prometido ser comunicado, e assim, meditarmos nisso durante a
exposição da outra cláusula dessa promessa.
Aquilo que deve ser colocado nesse receptáculo espiritual é
descrito com essas palavras, τοὺς νόμους μου , “minhas leis”, no
plural. Os expositores questionam quais são as leis aqui
pretendidas, se apenas a lei moral ou outras. Mas não há
necessidade de tal investigação. Há uma metonímia do sujeito e
efeito nas palavras. É aquele conhecimento da mente e da vontade
de Deus que é revelado na lei e ensinado por ela, que é prometido.
As “leis de Deus”, portanto, são aqui consideradas amplamente,
como toda a revelação da mente e vontade de Deus. Assim,
originalmente a palavra hebraica ‫תּוֹר ה‬ ָ significa “doutrina” ou
“instrução”. Seja qual for o meio ou revelação que Deus faça de si
mesmo e de sua vontade a nós, nos quais ele exige nossa
obediência nesse aspecto, tudo está contido na expressão “suas
leis”.
A Natureza da Graça na Primeira Promessa
A partir disso, podemos facilmente discernir a natureza dessa
graça que está contida nesse primeiro ramo da primeira promessa
da aliança, a saber, a operação eficaz do seu Espírito na renovação
e na iluminação salvífica de nossos entendimentos, de acordo com
o que eles são habitualmente moldados à toda a lei de Deus, ou
seja, a regra e a lei de nossa obediência na Nova Aliança, e
habilitados para todos os atos e deveres que são exigidos de nós. E
essa é a primeira graça prometida e comunicada a nós em virtude
dessa aliança, como era necessário; pois: 1. O entendimento é o
principal lugar de toda obediência espiritual. 2. As ações próprias e
peculiares do entendimento, tais como: discernir, conhecer e julgar,
devem ocorrer antes das ações da vontade e das afeições, e isso é
muito mais verdadeiro em relação às práticas exteriores. 3. A
depravação do entendimento é tal, pela cegueira, escuridão,
vaidade e inimizade, que nada pode inflamar as nossas almas, ou
lograr êxito em reparar as nossas naturezas, senão uma operação
de graça interior, espiritual e salvífica na mente. 4. A fé em si é
gerada principalmente por uma infusão de luz salvífica no
entendimento (2 Coríntios 4:4, 6). Então,
Sétima Observação Prática
Tanto as primeiras apreensões como o crescimento no
conhecimento salvífico de Deus, e por essa razão à obediência a
ele, são efeitos da graça da aliança.
Em seus Corações
A segunda parte dessa primeira promessa da aliança é
expressa nestas palavras: “E as escreverei em seus corações”, que
é aquilo que torna a primeira parte realmente eficaz.
Em geral, os expositores observam que isso tem relação com
a concessão da lei no Monte Sinai, ou seja, na primeira aliança; pois
então a lei (isto é, “as dez palavras”) foi escrita em tábuas de pedra.
E embora as tábuas originais tivessem sido quebradas por Moisés,
quando o povo quebrou a aliança, Deus não alteraria essa
dispensação, nem escreveria as suas leis de outra maneira, mas
ordenou que novas tábuas de pedra fossem feitas, e que fossem
escritas ali. E isso foi feito, não tanto para garantir o registro das
letras quanto para representar a dureza do coração das pessoas a
quem elas foram dadas. Deus não dispôs ou disporia, em virtude da
aliança, a sua lei de outra forma. E o resultado que se seguiu a isso
foi que eles quebraram essas leis e não perseveraram em
obediência. Então Deus promete antecipar e prevenir esse resultado
sob a Nova Aliança, e escrever estas leis agora em nossos
corações, as quais ele escreveu antes apenas em tábuas de pedra;
ou seja, Deus efetivamente operará aquela obediência em nós que
a lei requer, pois é ele quem “opera em nós tanto para querer
quanto o efetuar segundo a sua vontade”.[76] O coração, como
distinto do entendimento, compreende a vontade e as afeições; e
essas são comparadas com as tábuas em que a letra da lei foi
gravada. Pois, assim como por aquela escrita e impressão, as
tábuas receberam a marca das letras e palavras que continham a
lei, as quais retiveram e representaram firmemente, de modo que
embora ainda fossem pedras em sua natureza, contudo, eram a lei
em seu uso; assim, pela graça da Nova Aliança, há uma impressão
duradoura da lei de Deus sobre as vontades e as afeições dos
homens, segundo o que eles a cumprem, a praticam e possuem um
princípio vivo de obediência a ela. Essa obra deve necessariamente
consistir de duas partes, a saber, a remoção do coração de tudo o
que é contrário à lei de Deus, e a implantação dos princípios de
obediência à lei; e isso é indicado em uma descrição ou
denominação dupla na Escritura, a saber: “tirar o coração de pedra”
ou “circuncidar o coração” e, outras vezes, “dar um coração de
carne”, “escrever a lei em nossos corações”, que é a renovação de
nossas naturezas à imagem de Deus em verdadeira retidão e
santidade. Para esse fim, nessa promessa está incluída toda a
nossa santificação, em seu começo e progresso, e em seu agir
sobre toda a nossa alma e todas as suas faculdades.
Oitava Observação Prática
A obra da graça na Nova Aliança acontece em toda a alma, em
todas as suas faculdades, poderes e afeições, em sua mudança e
renovação. Tudo foi corrompido e tudo deve ser renovado. A
imagem de Deus estava originalmente em e no todo, e quando essa
imagem foi perdida o todo ficou depravado (Veja 1 Tessalonicenses
5:23).
Nona Observação Prática
Negar a necessidade e a eficácia da graça renovadora,
transformadora e santificadora, que consiste em uma operação
interna e eficaz dos princípios, hábitos e atos de graça e obediência
interiores, é claramente anular e rejeitar a Nova Aliança.
Décima Observação Prática
Não trazemos nada para a Nova Aliança, senão os nossos
corações, como tábuas a serem escritas, e também um senso da
insuficiência tanto dos preceitos e promessas da lei quanto de nossa
própria capacidade de cumpri-los.
“E eu lhes serei por Deus, e eles me serão por
povo.”
A última coisa que há nas palavras é a relação resultante entre
Deus e seu povo: “E eu lhes serei por Deus, e eles me serão por
povo”. Essa é de fato uma promessa distinta por si mesma,
sumariamente compreendendo todas as bênçãos e privilégios da
aliança. E é colocada no centro do relato dado do todo, como a
fonte de que toda a graça da aliança brota, na qual todas as
bênçãos dela consistem, e segundo o que elas são asseguradas.
Nessa passagem é mencionada de modo peculiar, como aquilo que
tem o seu fundamento na promessa precedente. Pois essa relação,
que implica em mútua aquiescência, não poderia existir se as
mentes e os corações daqueles que devem ser participantes dessa
aliança não fossem mudados e renovados. Pois Deus não poderia
aprovar e fazer Seu amor repousar sobre eles, enquanto fossem
inimigos dele e permanecem na depravação de suas naturezas;
nem eles poderiam encontrar descanso ou satisfação em Deus, a
Quem não conheciam, nem apreciavam e nem amavam.
Esta é a expressão geral de qualquer relação pactual entre
Deus e os homens: “E eu lhes serei por Deus, e eles me serão por
povo”. E frequentemente ela é usada em relação à primeira aliança,
a qual, contudo, foi anulada. Deus afirmava que o povo, nesse
aspecto, era sua porção peculiar, e eles declaravam que ele
somente era o seu Deus.
Isso não pode ser dito de Deus e de qualquer povo, senão com
base em uma aliança especial. É verdade que Deus é o Deus de
todo o mundo e todas as pessoas pertencem a Ele; sim, ele é um
Deus para todas elas. Pois assim como ele as criou, ele as sustenta,
dirige e governa em todas as coisas, por Seu poder e providência.
Mas nesse aspecto, Deus não promete livremente que ele será um
Deus para qualquer um, nem pode sê-lo; pois seu poder sobre
todos, e seu governo de todas as coisas, é essencial e natural para
ele, e não pode ser de outro modo. Então, essa é uma expressão
peculiar de uma relação especial de aliança. E a natureza disso
deve ser exposta pela natureza e características dessa aliança.
A Natureza dessa Relação
Portanto, devemos considerar duas coisas para descobrir a
natureza dessa relação: 1. O fundamento dela. 2. As ações mútuas
em virtude dessa relação.
O Fundamento
Para a manifestação do fundamento, algumas premissas
devem ser observadas:
(1.) Por ocasião da entrada do pecado nenhuma relação de
aliança entre Deus e o homem teve continuação, como se em
virtude de uma suposta continuação ele permanecesse sendo seu
Deus, e eles, o seu povo. Deus ainda continuou no pleno gozo de
sua soberania sobre os homens, o que nenhum pecado, rebelião ou
apostasia do homem poderia minimamente impedir. E o homem
continuou sob a obrigação de depender de Deus e de sujeitar-se à
sua vontade em todas as coisas. Pois os homens não podem ser
separados de sua natureza e assim serem ser até que o juízo final
seja executado; depois do qual Deus governará sobre eles somente
pelo poder, sem qualquer relação com suas vontades ou obediência.
Mas aquela relação especial de pertencimento mútuo em virtude da
primeira aliança cessou entre eles.
(2.) Deus não entraria em qualquer outra aliança com o
pecador, com o homem caído, para ser “um Deus para eles”, e para
levá-lo a ser um “povo peculiar” para ele, imediatamente em suas
próprias pessoas. Tampouco era coerente com sua sabedoria e
bondade que assim o fizesse; pois se o homem não perseverou na
aliança de Deus, mas a quebrou e anulou mesmo quando estava
sem pecado e era justo, criado apenas com a possibilidade de
deserção, que expectativas poderia haver agora que ele havia caído
e sua natureza era totalmente depravada? Qualquer nova aliança
seria útil para a glória de Deus ou para o benefício do homem?
Entrar em uma Nova Aliança que seria necessariamente quebrada,
para o agravamento da miséria do homem, não estaria de acordo
com a sabedoria e a bondade de Deus. Se for dito: “Deus poderia
ter feito uma Nova Aliança imediatamente com os homens a fim de
assegurar a sua futura obediência e torná-la firme e estável”, eu
responderia que não estaria de acordo com a divina sabedoria e
bondade lidar melhor com os homens depois de sua rebelião e
apostasia do que antes, ou seja, em consideração a eles mesmos.
Deus, em nossa primeira criação, comunicou à nossa natureza toda
a graça e todos aqueles privilégios com os quais, em sua sabedoria,
ele intencionou reunir para capacitá-la, e tudo o que era necessário
para tornar os participantes dela eternamente abençoados. Supor
que Deus, por si mesmo, imediatamente concedesse mais graça a
essa aliança, é supor que ele estava singularmente satisfeito com
nosso pecado e rebelião. Deus não agiria assim. Para esse fim,
(3.) Deus providenciou, primeiramente, que deveria haver um
Mediador, um Fiador, um Substituto, com quem somente que Deus
trataria de uma Nova Aliança, e assim a estabeleceria. Pois, no
arranjo de sua graça e sabedoria a esse respeito, havia muitas
coisas necessárias que não poderiam ser realizadas e cumpridas de
outro modo. Não, não havia uma coisa em todo o bem que ele
projetou para a humanidade nessa aliança, em amor, graça e
misericórdia, que pudesse ser comunicado a eles, de modo que sua
honra e glória pudessem ser promovidas por esse meio sem que
houvesse um Mediador e o que ele se comprometeu a fazer. Nem a
humanidade poderia obedecer a Deus como ele exigiria dela, sem a
interposição desse Mediador em seu favor. Portanto, foi com o
Mediador que Deus primeiro fez essa aliança.
O Mediador deve Ser Cristo
Visto que era necessário que esse Mediador fosse Deus e
homem em uma pessoa, então ele se tornou assim para agir por
nós e em nosso lugar; o que foi a aliança especial entre Deus e ele
quanto à obra que ele pessoalmente realizaria; temos, de acordo
com nossa fraca e obscura medida de compreensão dessas coisas
celestiais, falado de modo geral sobre isso em nossa obra
Exercitations sobre essa epístola, e ainda mais plenamente em
nosso discurso sobre o mistério e a glória da pessoa de Cristo.[77]
Para esse fim, em relação a essa Nova Aliança, ela foi feita
primeiramente com Jesus Cristo, o seu Fiador e Substituto nela.
Pois,
(1.) Deus tampouco poderia “salvâ justitiâ, sapientiâ, et
honore”[78] e tratar imediatamente com homens rebeldes e
pecadores em termos de graça para o futuro, até que fosse feita
satisfação pelos pecados passados, ou posteriores. Isso foi feito
somente por meio de Cristo; que era, portanto, o π ρῶτον
δεκτικόν[79] dessa aliança e de toda a graça dela (Veja 2 Coríntios
5:19-20; Gálatas 3:13-14; Romanos 3:25).
(2.) Nenhuma restipulação de obediência a Deus poderia ser
feita pelo homem, o que poderia ser uma razão para entrar em uma
aliança destinada a ser firme e estável. Pois, visto que havíamos
quebrado nosso primeiro compromisso pactual com Deus em nossa
melhor condição, não éramos propensos a fazer um novo
compromisso de natureza mais elevada do que o primeiro. Quem
aceitará a palavra ou a garantia de um homem que faliu por causa
de milhares, quando sabe que ele já não tem nenhum centavo;
especialmente se ele tivesse desperdiçado seus bens anteriores em
luxúrias e devassidão, e continuasse claramente um escravo das
mesmas concupiscências? Era absolutamente necessário que,
nessa aliança, houvesse um fiador, que estivesse em nosso lugar
para que permanecêssemos firmes nos termos da aliança. Sem
isso, o resultado dessa Nova Aliança, a qual Deus faria como efeito
singular de sua sabedoria e graça, não teria sido para a glória dele
nem para nosso proveito.
(3.) Aquela graça que seria a fonte de todas as bênçãos dessa
aliança, para a glória de Deus e a salvação da igreja, deveria ser
depositada em alguma mão segura, para a realização desses fins.
Na primeira aliança, Deus imediatamente comprometeu ao homem
toda a graça que era necessária para capacitá-lo à obediência a Ele.
E a graça da recompensa que ele deveria receber pelo desempenho
dessa obediência, Deus reservou absolutamente para si mesmo;
sim, mesmo que talvez o homem não entendesse completamente
que isso era assim. Mas tudo que estava sob nosso cuidado foi
perdido de uma só, de modo que nada foi deixado para nos dar o
menor alívio quanto a quaisquer novos acordos. Para evitar isso,
Deus agora irá assegurar todas as coisas boas dessa aliança, tanto
a graça como a glória, colocando-as nas mãos de um terceiro, nas
mãos de um Mediador. Assim, as promessas são feitas a Cristo, e a
plenitude da graça está depositada nele (João 1:14; Colossenses
1:19, 2:3; Efésios 3:8; 2 Coríntios 1:20).
(4.) À medida que Cristo era o Mediador dessa aliança, Deus
Se tornou o seu Deus, e ele se tornou o servo de Deus de uma
maneira peculiar. Pois, nessa aliança, ele estava diante de Deus
como o representante público de todos os eleitos (Veja nosso
comentário de Hebreus 1:5, 8, 9 e 2:13). Deus é um Deus para ele
em todas as promessas que ele recebeu em nome de seu corpo
espiritual; e Cristo era o seu servo no cumprimento dessas
promessas, já que o prazer do Senhor prosperaria em sua mão.
(5.) Sendo Deus, nessa aliança, um Deus e Pai para Cristo, ele
veio em virtude disso a ser também nosso Deus e Pai (João 20:17;
Hebreus 2:12-13). E nos tornamos “herdeiros de Deus e coerdeiros
de Cristo”;[80] e seu povo, para render-Lhe toda obediência sincera.
E essas coisas bastam para declarar brevemente o
fundamento dessa relação pactual que é expressa aqui.
Décima Primeira Observação Prática
Para esse fim, o Senhor Jesus Cristo, Deus e homem,
comprometeu-Se a ser o Mediador entre Deus e o homem, e o
Fiador em nosso favor, ele é a fonte e a cabeça da Nova Aliança, a
qual é feita e estabelecida conosco nele.
As Ações Mútuas
A natureza dessa relação pactual é expressa em ambas as
partes: “E eu lhes serei por Deus, e eles me serão por povo”.
A Relação de Deus para com o Homem
Da parte de Deus é: “Eu lhes serei por Deus” ou, como é
expresso em outra passagem: “Eu serei o seu Deus”. E devemos
fazer uma breve investigação desse privilégio indescritível que
somente a eternidade revelará:
[1.] A pessoa que fala está incluída no verbo, καὶ ἕσομαι , “Eu
serei”; “Eu, Yahwéh, quem faço essa promessa”. E nisso Deus
apresenta à nossa fé todas as propriedades gloriosas de sua
natureza: “Eu, que sou o que sou, Yahwéh, bondoso e
autoexistente, e a causa de todo ser e bondade para com todos;
infinitamente sábio, poderoso, justo etc. Eu sou e sempre serei tudo
isso”. Aqui está a eterna fonte dos tesouros infinitos dos
suprimentos da igreja, agora e para sempre. O que quer que Deus
seja em si mesmo, quaisquer que sejam as características de sua
natureza, nisso tudo Deus prometeu ser o nosso Deus: “Eu sou o
Deus Todo-Poderoso, anda em minha presença” (Gênesis 17:1).
Portanto, para dar estabilidade e segurança à nossa fé, ele tem
revelado a si mesmo em sua Palavra através de muitos nomes,
títulos, características e isso com muita frequência, para que
possamos conhecer aquele que é o nosso Deus, o que ele é e o que
ele será para nós. E o conhecimento dele, tão revelador de si
mesmo, é o que assegura a nossa certeza, fé, esperança, temor e
confiança. “O Senhor será também um alto refúgio para o oprimido;
um alto refúgio em tempos de angústia. Em ti confiarão os que
conhecem o teu nome; porque tu, Senhor, nunca desamparaste os
que te buscam” (Salmos 9:9-10).
[2.] O que ele promete é que “será um Deus para nós”. Ora,
embora isso envolva absolutamente tudo o que é bom, ainda assim
a noção de ser um Deus para qualquer pessoa se refere a dois
aspectos gerais: Primeiro, um preservador todo-suficiente; e, em
segundo lugar, um recompensador todo-suficiente. Assim, ele
declara o significado da expressão encontrada em Gênesis 17:1 e
15:1: “Eu serei tudo isso para eles, para que eu seja um Deus que
preserva e recompensa” (veja Hebreus 11:6).
[3.] A regra e medida declaradas das ações de Deus para
conosco como nosso Deus, são as promessas da aliança, tanto de
misericórdia, graça, perdão, santidade, perseverança, proteção,
triunfo e vitória espiritual neste mundo quanto de glória eterna no
mundo por vir. Em todas essas coisas ele será, em tudo o que é em
si mesmo, um Deus para aqueles a quem ele conduz a se tornarem
participantes dessa aliança.
[4.] Está incluído nessa parte da promessa que aqueles que O
tem como o seu Deus dirão: “Tu és meu Deus” (Oseias 2:23); e
confiam nele segundo sua infinita bondade, graça, misericórdia,
poder e fidelidade.
Décima Segunda Observação Prática
E podemos observar que nada menos do que Deus se tornar
nosso Deus poderia nos livrar, ajudar e salvar, então, nenhuma
outra coisa poderia ser exigida para esse fim.
Décima Terceira Observação Prática
A eficácia, segurança e glória dessa aliança dependem
originalmente da natureza de Deus, imediata e efetivamente na
mediação de Cristo. Essa é a aliança que Deus faz conosco nele
como o Fiador dela.
Décima Quarta Observação Prática
É devido ao envolvimento das características da natureza
divina que essa aliança é “em tudo bem ordenada e guardada”.[81] A
sabedoria infinita a proveu, e o poder infinito a tornará eficaz.
Décima Quinta Observação Prática
Assim como a graça dessa aliança é inexprimível, assim
também são os deveres que ela nos impõe para obediência.
A Relação do Homem com Deus
A relação do homem com Deus é expressa nestas palavras: “E
eles me serão por povo” ou “Eles serão o meu povo”. E duas coisas
estão contidas nisso:
[1.] Deus é o dono deles de um modo peculiar, de acordo com
o teor e promessa dessa aliança, e lida com eles de acordo com ela.
Eles são λαὸς π εριούσιος , “um povo especial” (Tito 2:14). Que os
outros sejam cautelosos em como tratam esse povo, para que não
mexam com a propriedade de Deus (Jeremias 2:3).
[2.] Inclui-se nisso aquilo que é essencialmente requerido para
que sejam o seu povo, a saber, a profissão de toda sujeição ou
obediência a ele, e toda a dependência dele. Para esse fim, isto
também pertence a essa relação: a garantia de que esse Deus é o
seu Deus e a dedicação voluntária a toda a obediência que ele
exige. Pois, embora a expressão, “e eles serão para mim um povo”,
pareça apenas denotar um ato da graça de Deus, assumindo-os
nessa relação conSigo mesmo, ainda assim inclui o fato de que eles
confessam que ele é o Deus deles e o seu engajamento voluntário
de obediência a ele como seu Deus. Quando ele diz: “Eles são o
meu povo”, eles também dizem: “Tu és o meu Deus” (Oseias 2:23).
Décima Sexta Observação Prática
No entanto, deve-se observar que Deus também Se
compromete em sermos o seu povo como ele se compromete em
ser o nosso Deus. E as promessas contidas nesse versículo visam
principalmente a esse fim, ou seja, nos tornarmos um povo para Ele.
Décima Sétima Observação Prática
Aqueles com quem Deus faz uma aliança são seus de modo
especial. E a profissão disso é aquilo que o mundo principalmente
difama neles, e isso acontece desde o princípio.
Exposição do Versículo 11
“E não ensinará cada um a seu próximo, nem cada um ao seu
irmão, dizendo: Conhece o Senhor; porque todos me
conhecerão, desde o menor deles até ao maior”.

A segunda promessa geral, a qual declara a natureza da Nova


Aliança, é expressa nesse versículo. E a questão estabelecida é: 1.
Negativamente, em oposição ao que estava em vigor e era
necessário sob a primeira aliança. 2. Positivamente, naquilo que
deveria acontecer no lugar, e ser desfrutado sob essa Nova Aliança,
e em virtude dela.
A Parte Negativa da Promessa
Na primeira parte podemos observar:
1. A veemência da negação, na dupla partícula negativa, οὐ
μή : “De maneira nenhuma ensinará; não será assim com quem
Deus fizer essa aliança”. E isso é designado para fixar nossas
mentes na consideração do privilégio que é desfrutado sob a Nova
Aliança, e a sua grandeza.
2. A coisa assim negada é ensinar, não absolutamente, mas
quanto a um certo modo de fazê-lo. Não é uma negação universal
quanto ao ensino, mas restrita a um certo tipo de coisa que estava
em vigor e era necessária sob a Antiga Aliança. E essa necessidade
existia a partir da instituição de Deus ou da prática assumida entre o
povo, o que deve ser examinado.
3. O tema desse ensino, ou a matéria a ser ensinada, era o
conhecimento de Deus: “Conhece o Senhor”. O que é pretendido
aqui é todo o conhecimento de Deus prescrito na lei. E isso pode ser
reduzido a dois aspectos: (1.) O conhecimento de Deus e o fato de
ele ser, em razão disso, o único Deus; que é o primeiro
mandamento. (2) O conhecimento de sua mente e vontade, quanto
à obediência que a lei exigia em todas as suas instituições e
preceitos; todas as coisas que Deus revelou para o bem deles: “As
coisas... reveladas nos pertencem a nós e a nossos filhos para
sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei”
(Deuteronômio 29:29).
4. O modo de ensino, cuja continuação é negada, é
exemplificado em relação aos mestres e aqueles que são
ensinados: “E não ensinará cada um a seu próximo, nem cada um
ao seu irmão”. E nisso, (1.) A universalidade do dever de “cada um”
é expressa; e, portanto, isso era recíproco. Cada um deveria
ensinar, e cada um deveria ser ensinado; o que ainda dependeria de
suas várias capacidades. (2.) A oportunidade para o cumprimento
do dever também é declarada, a partir da relação mútua dos
mestres e dos que são ensinados: “cada um a seu próximo, nem
cada um ao seu irmão”.
A Parte Positiva da Promessa
Em segundo lugar, a parte positiva da promessa consiste em
duas partes:
1. O conhecimento de Deus é prometido: “Todos me
conhecerão”. E isso é colocado em oposição ao que é negado: “Não
ensinará cada um a seu próximo... dizendo: Conhece o Senhor”.
Mas essa oposição não é sobre o ato ou dever de ensinar, mas
sobre o efeito, ou o próprio conhecimento salvífico. A principal causa
eficaz de aprendermos o conhecimento de Deus sob a Nova Aliança
está incluída nessa parte da promessa. Isso é expresso por outro
profeta e promessa: “E serão todos ensinados por Deus”.[82] E a
observação disso será útil para nós na exposição deste texto.
2. Acrescenta-se a universalidade da promessa em relação
àqueles com quem esta aliança é feita: “Todos... desde o menor
deles até ao maior”, um discurso proverbial, indicando a
generalidade pretendida sem qualquer exceção, como lemos em
Jeremias 8:10: “Porque desde o menor até ao maior, cada um deles
se dá à avareza”.
Refutação de uma Má Interpretação desse Texto
Esse texto foi considerado ser muito difícil e obscuro, e há
expositores que geralmente preferem ocultá-lo do que removê-lo.
Pois, devido a negação veemente do uso desse tipo ou modo de
ensino que estava em vigor sob a Antiga Aliança, alguns têm
entendido e argumentado que todos os modos declarados de
instrução sob o Novo Testamento são inúteis e proibidos. Com base
nisso tem sido rejeitadas todas as ordenanças da igreja, todo o
ministério e orientação dela; o que implica, em suma, que não existe
tal coisa como uma igreja professa no mundo. Contudo, aqueles que
pensam assim não são capazes de promover a sua opinião, senão
por uma contradição direta ao sentido que eles próprios atribuem a
essa promessa. Pois eles se esforçam para ensinar aos outros a
sua opinião, e não de modo público, mas cada um ao seu próximo;
o que, segundo eles, é aqui negado de uma maneira especial. E a
verdade é que, se todo o ensino exterior for absoluta e
universalmente proibido, isso rapidamente encheria o mundo de
trevas e ignorância brutal, logo, se alguém chegasse ao
conhecimento do sentido desse ou de qualquer outro texto da
Escritura, seria absolutamente ilegal comunicá-lo aos outros; pois
dizer: “Conheça o Senhor, ou a mente de Deus nesse texto”, seja
para o próximo ou para o irmão, seria proibido. Alguns entendem
que a intenção do texto não é tanto a ministração pública, através
da administração das ordenanças da igreja; pois é apenas a
instrução privada, dos próximos e dos irmãos, que é expressa. Para
esse fim, havendo uma suposta proibição de tal instrução exterior,
se alguém ensinar a outro que as ordenanças públicas da igreja não
devem ser permitidas como meio de ensino sob o Novo Testamento,
ele cai diretamente sob a proibição gerada pela sua própria
interpretação desse texto, e é culpado de transgredi-la. Portanto, é
claro e óbvio que essas palavras devem necessariamente ter outro
sentido, como veremos na exposição delas.
Seja como for, alguns eruditos ficaram tão comovidos com
essa objeção, a ponto de afirmar que a realização dessa promessa
da aliança pertence ao céu e ao estado de glória; pois só a esse
respeito, dizem eles, não teremos mais necessidade de ensino de
qualquer tipo. Mas, essa exposição é diretamente contrária ao
desígnio do apóstolo, no que diz respeito ao ensino da Nova Aliança
e ao Testador dela; quando ele intenciona apenas a Antiga Aliança,
e exalta a Nova acima dela. Portanto, não existe tal dificuldade nas
palavras que nos force a levar a interpretação delas para o mundo
vindouro.
A Interpretação Correta do Texto
Para o entendimento correto, várias coisas devem ser
observadas:
1. Que várias coisas parecem na Escritura, por vezes, serem
negadas absolutamente quanto à sua natureza e ser, quando na
verdade isso acontece apenas na medida em que elas são
comparadas a algo que é preferido antes delas. Muitos exemplos
podem ser dados disso. Citarei apenas um que não é passível de
objeção: “Porque nunca falei a vossos pais, no dia em que os tirei
da terra do Egito, nem lhes ordenei coisa alguma acerca de
holocaustos ou sacrifícios. Mas isto lhes ordenei, dizendo: Dai
ouvidos à minha voz, e eu serei o vosso Deus, e vós sereis o meu
povo; e andai em todo o caminho que eu vos mandar, para que vos
vá bem” (Jeremias 7:22-23). Os judeus da época preferiam o culto
cerimonial feito através de holocaustos e sacrifícios acima de toda
obediência moral, acima dos grandes deveres de fé, amor, retidão e
santidade. E não apenas isso, mas ao fingirem prestar observação
diligente disso, eles se confiaram em uma negligência aberta e
desprezo pela obediência moral, ao colocar toda a confiança de sua
aceitação para com Deus nesses outros deveres. Para preveni-los
dessa presunção vaidosa e destruidora, Deus, pelo ministério de
vários outros profetas, declarou a completa insuficiência desses
sacrifícios e holocaustos por si mesmos para torná-los aceitáveis a
ele, e então Deus prefere a obediência moral acima deles; é por isso
que Deus afirma aqui que não os ordenou. E é dado um exemplo
daquele tempo em que se sabe que todas as ordenanças de
adoração pelos holocaustos e sacrifícios foram solenemente
instituídas. Entretanto, é feita uma comparação entre o culto
cerimonial e a obediência espiritual; em relação a qual Deus diz que
não ordenou o primeiro, a saber, não de modo que ele viesse a
concorrer com o último, ou para que eles depositassem sua
confiança no culto cerimonial e negligenciassem a obediência
espiritual. Assim, nosso bendito Salvador expõe essa e as
passagens semelhantes nos profetas, ao fazer uma comparação
entre os menores estatutos da lei cerimonial, como o dízimo da
hortelã e do cominho, e os grandes deveres do amor e da justiça.
“Essas coisas”, diz ele, falando desses grandes deveres, “vocês
deveriam ter feito”, isto é, principalmente e em primeiro lugar, como
aquilo que era principalmente intencionado pela lei. Mas o que então
será dos preceitos cerimonias? Cristo diz: “Mas vocês também não
devem deixar de cumpri-los” (Mateus 23:23), em seu devido lugar,
deveríamos prestar obediência a Deus cumprindo-os também.
Então, o mesmo acontece com o nosso presente caso. No Antigo
Testamento foi ordenado um ensino que deveria ser realizado por
“cada um a seu próximo, e cada um a seu irmão”. As pessoas
confiavam e descansavam nisso, e não tinham qualquer
consideração ao ensino de Deus quanto à circuncisão interior do
coração. Mas na Nova Aliança, havia uma promessa expressa
acerca de um ensinamento interno e eficaz efetuado pelo Espírito de
Deus, ao escrever Sua lei em nossos corações, sem o que todo
ensino exterior é inútil e ineficaz; isso não é afirmado de modo
absoluto, mas em comparação e contraste com esse outro modo
que é efetivo para o ensino e a instrução. Mesmo hoje em dia
muitos colocam esses ensinamentos em oposição uns aos outros,
embora de acordo com a instituição de Deus eles sejam
subordinados. E quanto a isso, rejeitando o ensino interno e eficaz
do Espírito de Deus, eles se comprometem apenas com seus
próprios esforços empregados nos meios exteriores de ensino; nos
quais, na maioria das vezes, não há ninguém mais negligente do
que eles. Mas é assim que os caminhos da graça de Deus não se
adequam ao raciocínio corrupto dos homens, antes sempre se opõe
a eles. Semelhantemente, alguns rejeitam todos os meios exteriores
de ensino pelas ordenanças do Evangelho, sob a pretensão de que
o ensino interior do Espírito de Deus é tudo o que é necessário ou
útil. Outros, por outro lado, aderem apenas aos meios exteriores de
instrução, desprezando o que é afirmado a respeito do ensino
interior do Espírito de Deus, julgando-o como mera imaginação. E
ambos os tipos se deparam com esses erros perniciosos, e se
opõem àquelas coisas que Deus fez subordinadas.
2. O ensinamento pretendido, cuja continuação é aqui negada,
é aquele que estava então em uso na igreja; ou melhor, seria assim
quando o estado da Nova Aliança fosse solenemente introduzido. E
esse ensinamento era duplo: (1) Aquilo que foi instituído pelo próprio
Deus; e, (2) Aquilo que o povo tinha adicionado segundo à sua
prática:
(1.) O primeiro desses ensinamentos é, como encontramos em
outros lugares, particularmente expresso em Deuteronômio 6:6-9: “E
estas palavras, que hoje te ordeno, estarão no teu coração; e as
ensinarás a teus filhos e delas falarás assentado em tua casa, e
andando pelo caminho, e deitando-te e levantando-te. Também as
atarás por sinal na tua mão, e te serão por frontais entre os teus
olhos. E as escreverás nos umbrais de tua casa, e nas tuas portas”.
Adicione a isso a instituição de franjas para servirem de memorial
dos mandamentos, a qual era uma maneira de dizer: “Conheça o
Senhor” (Números 15:38-39).
Duas coisas podem ser consideradas nessas instituições: [1.]
Aquilo que é natural e moral, incluído nos deveres mútuos comuns
dos homens uns para com os outros; pois dessa natureza é a busca
do bem do próximo por instrui-los no conhecimento de Deus, no
qual sua maior felicidade consiste. [2.] Aquilo que é cerimonial,
quanto à forma desse dever, é descrito em vários casos, como usar
frontais e franjas, e escrever nos umbrais e portas. O que é natural e
moral deverá permanecer para sempre. Nenhuma promessa do
Evangelho esvazia qualquer preceito da lei da natureza, e tal é o
caso com aqueles que visam o bem dos outros e o seu bem
principal, por meios e modos próprios para isso. Mas o que é
cerimonial, no que os judeus praticaram e confiaram principalmente,
é por essa promessa, ou a Nova Aliança, anulado e abolido.
(2.) Quanto à prática da igreja dos judeus dessas instituições,
não é possível expressar as situações extremas em que eles se
depararam. É provável que no tempo mencionado nessa promessa,
que é o do cativeiro babilônico, eles tenham começado aquela
maneira intricada e confusa de ensinar, com a qual eles estavam
totalmente viciados. Pois todos os que pretendiam ser sérios se
dedicaram ao ensino e aprendizado da lei. Mas a isso misturaram
tantas curiosidades e tradições vãs, que todo o seu esforço foi
desaprovado por Deus. Portanto, logo quando começaram a praticar
esse modo de ensinar, Deus ameaça destruir todos os que lhes
derem ouvidos: “O SENHOR exterminará o mestre e o erudito dos
tabernáculos de Jacó” (Malaquias 2:12 – trad. lit.). É verdade que
não temos memoriais ou registros do que eles ensinaram durante
todo esse tempo, nem do que eles ensinaram e nem como
ensinaram; entretanto podemos razoavelmente supor que seu
ensino era do mesmo tipo daquele que floresceu depois em suas
famosas escolas que se originaram a partir desses primeiros
inventores. Essas escolas possuíam tal reputação entre eles, que
ninguém era considerado um homem sábio ou alguém que possuía
alguma compreensão da lei, a menos que fosse criado em uma
delas. O primeiro registro que temos da maneira de ensinar deles,
ou de como agiram quanto a isso, está na Mishná.[83] Essa é a
interpretação deles da lei, ou a declaração deles um para o outro:
“Conhecei o SENHOR”. E aquele que considerar seriamente apenas
uma seção ou capítulo de todo aquele livro, rapidamente discernirá
de que tipo e natureza seu ensinamento foi; pois não há outro
exemplo a ser dado em todo o mundo de um trabalho tão tedioso,
laborioso, curioso e infrutífero. Não há nenhum ponto, doutrina ou
preceito da lei, quer seja do sabbath, dos sacrifícios ou das ofertas,
que eles não tenham enchido de tantas perguntas desnecessárias,
tolas, curiosas e supersticiosas, e determinações humanas, que é
quase impossível que algum homem durante todo o curso de sua
vida os entenda ou guie sua conduta de acordo com eles. Esses
eram os fardos que os fariseus amarravam aos ombros de seus
discípulos, até que eles estivessem totalmente cansados e
sobrecarregados debaixo deles. E era esse tipo de ensino que
estava em vigor na igreja daquele tempo quando a Nova Aliança
estava solenemente para ser introduzida. E é estritamente a esse
tipo de ensino que a promessa de refere ao falar daquele ensino
que deveria cessar completamente. Pois Deus tiraria a lei, que em si
mesma era “um fardo”, como o apóstolo Pedro fala, “que nem seus
pais nem eles podiam suportar”.[84] E o peso desse fardo foi
indizivelmente aumentado pelas exposições e acréscimos que
constituam a essência desse ensino rabínico. E a remoção dele é
aqui proposta em forma de uma promessa, o que torna evidente que
isso é uma questão de graça e bondade para com a igreja.
Entretanto, a remoção do ensino em geral é sempre mencionada
como uma ameaça e punição.
Em que Consistia a Remoção do Ensino?
A negação da continuação desse ensino pode ser considerada
de duas maneiras:
(1.) Pode ser considerada como externa, em oposição e
comparação ao ensino interno efetivo realizado pela graça da Nova
Aliança; por isso ele é posto de lado, não absolutamente, mas
comparativa e separadamente.
(2.) E pode ser considerada em relação à forma dela,
especialmente com respeito à lei cerimonial, pois ela consistia na
observância de vários ritos e cerimônias. E nesse sentido ela
cessou totalmente; acima de tudo, isso pode ser considerado com
respeito aos acréscimos que os homens haviam feito às instituições
cerimoniais. Seu ensino consistia em escrever partes da lei em suas
franjas, frontais e nos umbrais de suas casas; especialmente à
medida em que essas práticas da lei cerimonial foram sendo
desenvolvidas, e os preceitos concernentes a elas se multiplicaram
na prática da igreja judaica. É prometido em relação a essas coisas,
que elas serão absolutamente removidas, como inúteis, prejudiciais
e inconsistentes com o ensino espiritual da Nova Aliança. Mas
quanto ao tipo de instrução — seja por pregação pública da Palavra,
ou pelo tipo de instrução que é mais privada e ocasional, que é
subserviente ao ensino prometido do Espírito de Deus, o qual ele
usa e usará em e para a comunicação do próprio conhecimento
prometido aqui — não é insinuado nada que seja depreciativo ao
seu uso, continuidade ou necessidade. Supor isso, seria algo que
arruinaria todo o ministério do próprio Jesus Cristo e de seus
apóstolos, bem como o ministério ordinário da igreja.
O que Não Seria Mais Ensinado?
E aquelas coisas que são faladas na exposição dessa
passagem, são tiradas a partir do significado e da intenção da
palavra “ensino”, ou do próprio dever de ensinar, cuja continuidade e
utilidade posteriores são negadas. Contudo, ainda assim, podemos
alcançar um entendimento mais claro a respeito do que seja a
mente do Espírito Santo quando a esse assunto a partir de uma
devida consideração do que deveria então ser ensinado, a saber:
“Conhecei o Senhor”. Com relação a isso, duas coisas podem ser
observadas:
1. Havia um conhecimento de Deus sob o Antigo Testamento,
tão revelado quanto aquele que estava oculto sob os tipos, envolto
em véus, expresso apenas em parábolas e declarações obscuras.
Pois era a mente de Deus que a clara percepção e revelação desse
conhecimento e deveria estar oculta até que o Filho viesse a partir
do seio do Pai para declará-la, para tornar Seu nome conhecido e
para “trazer à luz a vida e a imortalidade”;[85] Sim, algumas coisas
que pertenciam a isso, embora virtualmente reveladas, ainda
estavam tão cercadas de escuridão, quanto à forma em que foram
reveladas, que os próprios anjos não podiam clara e distintamente
olhar para elas. Todavia eles entenderam que havia algumas coisas
muitos grandes e excelentes concernentes a Deus e à sua vontade
que foram declaradas na revelação dada a Moisés e aos profetas, e
nas suas instituições de culto. Mas os melhores e mais sábios entre
eles também sabiam que, apesar de sua melhor e maior inquirição,
não podiam compreender o tempo, a natureza e o estado das coisas
reveladas; porque lhes foi revelado que não para si mesmos, mas
para nós, eles ministraram ao revelar aquelas coisas (1 Pedro 1:12).
E, como nosso apóstolo nos informa, Moisés, em seu ministério e
instituições, deu “testemunho das coisas que se haviam de
anunciar”, isto é, das coisas que seriam anunciadas depois
(Hebreus 3:5). Esse conhecimento secreto e oculto de Deus dizia
respeito principalmente à encarnação de Cristo, à sua mediação e
sofrimento pelo pecado, e também ao chamado dos gentios em
consequência disso. Eles nunca poderiam alcançar uma
compreensão desses e de outros mistérios do Evangelho, mesmo
que incitassem um ao outro diligentemente a inquirirem aquelas
coisas que eles podiam compreender, dizendo um ao outro:
“Conhecei o Senhor”. Depois de tudo, eles podiam compreender
apenas um pouco: “Provendo Deus alguma coisa melhor a nosso
respeito, para que eles sem nós não fossem aperfeiçoados”.[86] E
quando essa igreja deixou de fazer disso a parte principal de sua
religião, a saber, uma inquirição diligente sobre o conhecimento de
Deus oculto na e pela descendência prometida, como crentes
desejos e que entretinham uma expectativa de sua plena
manifestação, e passaram a contentar-se com a letra da Palavra, a
olhar para tipos e sombras como coisas que diziam respeito apenas
ao presente, e não ao futuro, e como sendo a substância, e não
somente sombras, eles não só perderam a glória de sua profissão
religiosa, mas foram endurecidos em uma incredulidade quanto às
coisas as quais a letra, os tipos e as sombras realmente
significavam. Agora, esse tipo de ensinamento, através de um
encorajamento mútuo para buscar conhecer as coisas ocultas no
mistério de Deus em Cristo, deve cessar, à medida que a Nova
Aliança é solenemente introduzida, e também deve passar a ser
considerada inútil devido à completa e clara revelação e
manifestação desse mistério que é feita no Evangelho. Eles não vão
e nem precisarão mais ensinar, para ensinarem esse conhecimento
de Deus, porque ele será esclarecido para a compreensão de todos
os crentes. E isso é aquilo que julgo ser principalmente intencionado
pelo Espírito Santo nessa parte da promessa, como aquilo a que a
parte positiva dela corresponde diretamente.
2. O conhecimento do SENHOR pode ser entendido aqui, não
objetiva e doutrinariamente, mas subjetivamente, como a renovação
da mente através do conhecimento salvífico de Deus. E isso nem é
nem pode ser comunicado a qualquer um por meio de ensino
externo, em relação ao qual se pode dizer comparativamente que
ele seja posto de lado, como foi indicado anteriormente.
Várias Observações sobre Expressões
Particulares
Espero que tenhamos libertado suficientemente as palavras
das dificuldades que parecem acompanhá-las, de modo que não
precisaremos entender que essa promessa se realizará apenas no
céu, como o fazem muitos expositores antigos e modernos; nem
ainda, com outros, devemos restringir essa promessa aos primeiros
convertidos ao cristianismo, os quais foram miraculosamente
iluminados; muito menos devemos interpretar essas palavras como
se elas excluíssem o ministério de ensino da igreja, ou qualquer
outro meio efetivo para esse fim. Algumas coisas podem ser
observadas a partir das expressões particulares que foram usadas:
1. Na promessa original encontramos a palavra, ‫עוֹ ד‬,
“amplius”, “não mais”. Isso é omitido pelo apóstolo, contudo, está
claramente incluído naquilo que ele expressa. Pois a palavra denota
o tempo e a época a que aquele tipo de ensino era limitado. Esse
tempo terminou por ocasião da publicação do Evangelho, então o
apóstolo afirma absolutamente: “Eles não ensinarão”, o que o
profeta anteriormente declarou se referindo ao período de tempo
agora expirado: “Eles não mais farão então”.
2. O profeta expressa o assunto usando um artigo indefinido,
‫אֶ תאּאָ ִחי ו ִאיֹ ש‬, “um a seu próximo, nem cada um ao seu irmão”; ele
se refere a qualquer homem; o apóstolo fala de modo universal,
ἕκαστος , “todo homem”; o que também é redutível a qualquer um, a
cada um que é ou pode ser chamado para esse trabalho, ou tem
ocasião ou oportunidade para isso. Pois, quanto a esse ensino, sua
regra é a habilidade e a oportunidade: aquele que pode fazê-lo e
tem uma oportunidade para isso.
3. Aquilo que eles ensinaram ou pretendiam naquela
expressão, “Conhece o Senhor”, é a mesma coisa que é prometida
na última parte desse versículo.
Algumas coisas, de acordo com nosso método e propósito,
podem ser observadas a partir da exposição dessas palavras:
Décima Oitava Observação Prática
O ministério de ensino do Antigo Testamento, considerado em
si mesmo e com relação aos seus rituais carnais, era um ministério
da letra, e não do Espírito, que não operava realmente nos corações
dos homens as coisas que ensinava. O benefício espiritual que foi
obtido sob ele procedia da promessa, e não da eficácia da lei, ou da
aliança feita no Sinai. Pois como tal, à medida que era legal e carnal
e dizia respeito apenas às coisas exteriores, ele é abolido aqui.
Décima Nona Observação Prática
Todo homem tem o dever de instruir os outros no
conhecimento de Deus, de acordo com sua habilidade e
oportunidade; essa é uma lei natural e eterna, portanto é sempre
obrigatória para todos os tipos de pessoas. E aqui isso não é
proibido ou substituído; mas apenas é predito que uma certa
maneira de o fazer cessará. O fato de o conhecimento de Deus
haver cessado agora no mundo, não é efeito da promessa de Deus,
mas um fruto amaldiçoado da incredulidade e da maldade dos
homens. O mais alto grau de religião que os homens visam agora
consiste apenas em comparecer ao e aprender através do ministério
de ensino público. E, infelizmente, quão poucos são aqueles que
fazem isso conscientemente, para a glória de Deus e para o
benefício espiritual de suas próprias almas! Todo o processo de
ensinar e aprender o conhecimento de Deus é geralmente
transformado em um gasto formal, senão em um desperdício, de
muito tempo. Mas quanto ao ensino dos outros de acordo com a
capacidade e oportunidade, quanto a esforçar-se para obter
habilidades ou buscar oportunidades para ensinar outras pessoas,
isso não apenas é negligenciado, mas desprezado. Quão poucos
são os que se importam em instruir seus próprios filhos e
empregados! Entretanto levar esse dever adiante, de acordo com as
oportunidades que nos forem dadas de instruir outras pessoas, é
algo que seria visto quase como loucura, nos dias em que vivemos.
Temos muitíssimos que ensinam mais o pecado uns aos outros, a
loucura e a impiedade de todos os tipos, do que o conhecimento de
Deus e a obediência que devemos a Ele. Isso não é algo que Deus
promete aqui de modo gracioso, antes, é ele entregando esses
professos negligentes e incrédulos quanto ao Evangelho, de modo
vingativo.
Vigésima Observação Prática
É apenas o Espírito da graça, como prometido na Nova
Aliança, que liberta a igreja de um modo trabalhoso, porém ineficaz,
do ensino. Tal era aquele que estava em uso entre os judeus da
antiguidade; e é bom, com algumas exceções, que esse tipo de
ensino não prevaleça em nossos dias. Se alguém, seja quem for,
em todos os seus ensinamentos, não recebe seu encorajamento do
ensino efetivo interno de Deus sob o Pacto da Graça, e não
concentra todos os seus esforços para ser subserviente a isso, tal
pessoa tem apenas um ministério do Antigo Testamento, o qual já
não possui qualquer aprovação divina.
Vigésima Primeira Observação Prática
Havia um tesouro da sabedoria e do conhecimento de Deus
escondido nas revelações e instituições espirituais do Antigo
Testamento, o qual o povo de então não podia examinar nem
compreender. A confirmação e explicação dessa verdade é o
principal propósito do apóstolo em toda essa epístola. Aqueles
dentre eles que temiam a Deus e acreditavam nas promessas,
estimularam esse conhecimento em si mesmo e uns nos outros,
inquirindo e dizendo uns aos outros: “Conhecei o Senhor”,
entretanto fizeram pouco progresso em conhecer a Deus, em
comparação com o que é contido na seguinte promessa.
Vigésima Segunda Observação Prática
Todo o conhecimento de Deus em Cristo é claramente
revelado e salvificamente comunicado em virtude da Nova Aliança
para aqueles que creem, como as palavras a seguir declaram.
A Parte Positiva da Promessa (continuação)
Continuamos a considerar a parte positiva da promessa. E
duas coisas devem ser inquiridas: 1. Para quem ela é feita. 2. Qual
é o assunto dela?
Para Quem Ela é Feita
Aqueles para quem ela é feita são descritos pelo profeta como,
“ ‫”כוּלָּ ם‬, “todos eles”, ָ ‫ל ִמ ְקּטַ ָנּ ם וְﬠַ דאּנְּ דוֹל‬,
ְ “desde o menor deles até ao
maior”. O modo como eles são descritos de modo absoluto e depois
mais específico, gera ênfase. Primeiro, o apóstolo, os apresenta no
plural, como as palavras estão no original, π άντες αὐτῶν , “todos
eles”, mas o modo como ele traduz os termos no singular, que
denotam distribuição, aumenta a ênfase, ἀ π ὸ μικροῦ αὐτῶν ἕως
μεγάλου αὐτῶν , “do menor deles até o maior deles”.
A proposição é universal, quanto à modificação do sujeito,
π άντες , “todos”, mas na palavra αὐτῶν , “deles”, é restrita àqueles
com quem essa aliança é feita.
A distribuição deles é feita em forma de uma expressão
proverbial: “Do menor até o maior”, a qual é usada de maneira
peculiar por esse profeta (Jeremias 6:13, 8:10, 31:34, 42:1, 44:12).
E é usada apenas mais uma vez no Antigo Testamento (Jonas 3:5),
e em nenhum outro. E pode denotar tanto a universalidade quanto a
generalidade daqueles de quem se fala, de modo que nenhuma seja
particularmente excluída ou excetuada, embora absolutamente
nenhuma seja pretendida especificamente. Além disso, vários tipos
e graus de pessoas são intencionados. Pessoas diferentes do ponto
de vista natural, social e espiritual sempre existiram e sempre
existirão na igreja de Deus. Contudo, nenhuma delas, quer seja
diferente ou igual às outras pessoas, quer sejam as menores ou as
maiores, são excetuadas ou excluídos da graça dessa promessa. E
esse pode ser o sentido das palavras, se apenas a administração
externa da graça da Nova Aliança for intencionada: Ninguém é
excluído da proposta dela, ou dos meios exteriores da comunicação
dela, no sentido pleno e claro da revelação do conhecimento de
Deus.
Embora a graça da aliança seja interna e eficaz, e não apenas
os meios, contudo o evento infalível que decorre em razão disso é
que não somente todos eles serão ensinados a conhecer, mas que
todos eles realmente conhecerão o Senhor, todos os indivíduos são
intencionados; isto é, toda aquela igreja a quem todos os filhos
serão ensinados por Deus, e então aprenderam a aproximarem-se
dele por exercerem fé salvífica em Cristo. Assim, essa parte da
promessa é equivalente àquela outra, sobre escrever a lei nos
corações dos participantes da aliança. Quanto a tudo isso, é
prometido absolutamente que eles conhecerão o Senhor.
Entretanto, entre eles existem muitas distinções e graus de
pessoas, as quais são diferenciadas por circunstâncias internas e
externas. Há alguns que são maiores e alguns que são menores, e
há também vários graus intermediários entre eles. Assim tem sido, e
assim deverá ser sempre, enquanto as habilidades naturais,
adquiridas e espirituais dos homens possuírem grande variedade de
graus entre elas; e enquanto as vantagens externas e as
oportunidades dos homens também diferirem. Embora, portanto,
seja prometido que todos eles conhecerão o Senhor, não está
implícito que todos o farão igualmente, ou que terão o mesmo grau
de sabedoria e compreensão espirituais. Existe uma medida de
conhecimento salvífico devido e provido para todos aqueles que
estão no Pacto da Graça, à medida que é necessário para a
participação de todas as outras bênçãos e privilégios desse pacto;
porém, no que diz respeito aos graus em que isso acontece, alguns
podem e excedem os outros. E podemos observar que,
Vigésima Terceira Observação Prática
Existem e sempre existiram na igreja pessoas com diferentes
graus de conhecimento salvífico de Deus. É por isso que eles são
divididos em categorias tais como: pais, jovens e crianças (1 João
2:13-14). Todos têm uma estatura, mas nem todos têm a mesma
altura. Mas, quanto aos fins do pacto, e os deveres exigidos deles
em sua caminhada diante de Deus, quanto aqueles que têm mais,
nada lhes sobrará, e quanto aos que têm menos, nada lhes faltará.
O dever de cada um é estar contente com o que recebe e aprimorá-
lo ao máximo.
Vigésima Quarta Observação Prática
Onde não há algum grau de conhecimento salvífico, não pode
haver participação na Nova Aliança.
Qual é o seu Assunto?
A promessa é o conhecimento de Deus: “Todos me
conhecerão”. Nenhum dever é mais frequentemente ordenado do
que esse, nem qualquer graça é mais frequentemente prometida
(Veja Deuteronômio 29:6; Jeremias 24:7; Ezequiel 11:10; 36:23, 26,
27). Pois isso é o fundamento de todos os outros deveres de
obediência e de toda a comunhão com Deus neles. Todas as graças
quanto ao seu exercício, tais como fé, amor e esperança, são
baseadas nesse conhecimento. E a lamentável falta de
conhecimento, que é visível no mundo, evidencia quão pouca e
verdadeira obediência evangélica existe entre a maioria daqueles
que são chamados cristãos. E duas coisas podem ser consideradas
nessa promessa: (1.) O objeto, ou o que deve ser conhecido. (2.) O
conhecimento em si, de que tipo e natureza ele é:
(1.) O objeto é o próprio Deus: “Porque todos me conhecerão,
diz o SENHOR”. E isso não acontece absolutamente, mas com
respeito a alguma revelação especial de si mesmo. Pois há um
conhecimento de Deus, como Deus, que pode ser obtido através da
luz da natureza. Não é esse conhecimento que é pretendido aqui,
nem ele é o assunto de qualquer promessa graciosa, antes esse
conhecimento natural é comum a todos os homens. Além disso,
havia um conhecimento de Deus através de revelação sob a Antiga
Aliança, mas era acompanhado de grande obscuridade em várias
coisas da mais alta importância. Mas aqui é pretendido um outro e
melhor conhecimento, como é evidente a partir da antítese entre os
dois estados mencionados. Em resumo, é o conhecimento de Deus
como revelado em Jesus Cristo sob o Novo Testamento. Mostrar o
que está contido nessa doutrina seria recapitular os principais
artigos de nossa fé, conforme declarados no Evangelho. A soma de
tudo é “conhecer o Senhor”, é conhecer a Deus como ele é em
Cristo pessoalmente, como ele será para nós em Cristo
graciosamente e o que ele requer de nós e aceita em nós através do
Amado. Em relação a todas essas coisas, apesar de todo o seu
ensino e diligência, a igreja do Antigo Testamento estava
grandemente no escuro; porém, tudo isso é mais claramente
revelado no Evangelho.
(2.) O conhecimento dessas coisas é o que é prometido. Pois,
apesar da clara revelação delas, permanecemos, em nós mesmos,
incapazes de discerni-las e recebê-las. Pois tal conhecimento
espiritual é intencionado de tal modo que a mente seja renovada,
pois é acompanhado com fé e amor no coração. Esse é o
conhecimento que é prometido na Nova Aliança, e que será
realizado em todos os que são participantes dela. E podemos
observar que,
Vigésima Quinta Observação Prática
A declaração completa e clara de Deus, sobre como ele deve
ser conhecido por nós nesta vida, é um privilégio reservado e
pertencente aos dias do Novo Testamento. Essa declaração
completa não foi feita anteriormente; e nem uma declaração maior
do que a que foi feita agora deve ser esperada neste mundo. E a
razão disso é porque essa revelação completa e clara foi feita por
Cristo (Veja a exposição de Hebreus 1:1-2).
Vigésima Sexta Observação Prática
Conhecer a Deus como ele é revelado em Cristo é o maior
privilégio do qual, nesta vida, podemos nos tornar participantes; pois
essa é a vida eterna, que possamos conhecer o Pai, como o único
Deus verdadeiro, e Jesus Cristo a quem ele enviou (João 17:3).
Vigésima Sétima Observação Prática
As pessoas desprovidas desse conhecimento salvífico são
totalmente estranhas ao Pacto da Graça; pois essa é uma promessa
e o efeito principal dela, onde quer que esteja presente.
Exposição do Versículo 12
Porque serei misericordioso para com suas iniquidades, e de
seus pecados e de suas prevaricações não me lembrarei mais.
Essa é a grande promessa fundamental e graça da Nova
Aliança; pois embora seja expressa em último lugar, ainda assim,
por ordem de natureza, ela precede as outras misericórdias e
privilégios mencionados, e é a base do dom ou comunicação deles
para nós. A palavra ὅτι , “pois”, possui efeito causal, a qual o
apóstolo traduz a partir de ‫כִּ י‬, “pois”, como está no profeta. “Porque
eu, o SENHOR, falarei, e a palavra que eu falar se cumprirá”[87]
“porque serei misericordioso” etc.; se Deus não agisse assim, não
poderia haver participação nas coisas mencionadas anteriormente.
Para esse fim, não apenas a adição de uma nova graça e
misericórdia é expressa nessas palavras, mas também uma nova
razão para isso é introduzida por elas, ou com base em tais palavras
Deus lhes concederia essas outras misericórdias.
A casa de Israel e a casa de Judá, com quem essa aliança foi
feita em primeiro lugar, e das quais se fala como representantes de
todos os outros que serão feitos participantes dela, e que por essa
razão se tornam o Israel de Deus, era constituída daqueles que
haviam quebrado e anulado a Antiga Aliança de Deus através de
sua desobediência, “eles invalidaram a minha aliança”.[88] Nem há
alguma menção de qualquer outra qualificação de acordo com a
qual eles devem estar preparados ou dispostos para poderem entrar
para essa Nova Aliança. Assim, a primeira coisa, segundo a ordem
da natureza, que deve ser feita para alcançar esse fim é o perdão
gratuito dos pecados. Sem isso, nenhuma outra misericórdia pode
ser dada a eles; porque enquanto eles continuam sob a culpa do
pecado, eles também estão debaixo da maldição. Uma razão é
apresentada, e essa é a única razão pela qual Deus dará a eles as
outras bênçãos mencionadas: “Porque Eu serei misericordioso”.
Vigésima Oitava Observação Prática
A livre graça, soberana e imerecida demonstrada no perdão do
pecado é a fonte original e fundamento de todas as misericórdias e
bênçãos da aliança. Por esse meio, e somente por esse meio, a
glória de Deus e a segurança da igreja são providas. E aqueles que
não gostam da aliança de Deus nesses termos (como ninguém
gosta por natureza) irão eternamente ficar aquém da graça dela. Por
esse meio, é excluída toda a glória e toda soberba em nós mesmos;
isso é um dos objetivos de Deus ao criar e estabelecer essa aliança
(Romanos 3:27; 1 Coríntios 1:29-31). Pois isso não poderia
acontecer se a graça fundamental dependesse de qualquer
condição ou qualificação em nós mesmos. Se abrirmos mão do
perdão gratuito do pecado, sem respeito a qualquer coisa naqueles
que o recebem, nós renunciamos ao Evangelho. O perdão do
pecado não é merecido por deveres antecedentes, mas é a
obrigação ainda mais forte para deveres futuros. Aquele que não
receberá o perdão a menos que possa, de uma maneira ou de
outra, merecê-lo, ou fazer, por si mesmo, por onde recebê-lo; ou
finge tê-lo recebido, e não se vê obrigado à obediência universal
devido a isso; não é e nem será participante desse perdão.
A Promessa Considerada
Quanto à promessa em si, podemos considerar o seguinte: 1.
Para quem ela é feita. E, 2. O que é prometido?
Para Quem é Ela Feita
Aqueles para quem ela é feita são demonstrados pelo
pronome αὐτῶν , “suas”, que é repetido três vezes. Todos aqueles
absolutamente, e somente aqueles com quem Deus faz essa
aliança, é que são intencionados. Aqueles cujos pecados não são
perdoados, em nenhum sentido participam dessa aliança; ela não é
feita com eles. Porque essa é a aliança que Deus faz com eles, para
ser misericordioso para com os seus pecados; isto é, ser
misericordioso para com eles, ao perdoá-los. Alguns falam de uma
aliança universal condicional, feita com toda a humanidade. Ainda
que existisse alguma coisa assim, não é isso que é pretendido aqui;
pois todos aqueles com quem essa aliança é feita são realmente
perdoados. E não é feita nenhuma declaração indefinida da
natureza e dos termos dessa aliança para qualquer pessoa. E qual
deveria ser a condição da graça aqui prometida acerca do perdão
dos pecados? “É que os homens se arrependam” — dizem eles —
“e creiam, e se voltem para Deus, e prestem obediência ao
Evangelho”. Se assim for, então os homens devem fazer todas
essas coisas antes de receberem a remissão de pecados? “Sim”.
Então eles devem fazer isso enquanto estão debaixo da lei, e da
maldição dela, pois é assim que estão todos os homens cujos
pecados não são perdoados. Se obedecer à lei, e isso enquanto os
homens estão debaixo da maldição dela, é a condição para receber
a misericórdia do Evangelho, então isso subverte tanto a Lei como o
Evangelho.
Objeção e Resposta
“Mas então, por outro lado, seguirá”, eles dizem, “que os
homens são perdoados antes de crerem; o que é expressamente
contrário à Escritura”. Resposta: (1.) A comunicação e doação de fé
para nós é um efeito da mesma graça segundo a qual nossos
pecados são perdoados; e ambos são concedidos a nós em virtude
da mesma aliança. (2.) A aplicação da misericórdia perdoadora às
nossas almas é por ordem da natureza consequente à nossa fé,
mas no que diz respeito ao tempo, elas andam juntas. (3.) A fé não
é requerida para a busca do perdão dos nossos pecados, mas para
recebê-lo: “Todos os que nele creem receberão o perdão dos
pecados” (Atos 10:43). Mas o que vamos observar a partir daqui é
que,
Vigésima Nona Observação Prática
A Nova Aliança é feita somente com aqueles que efetiva e
eventualmente se tornam participantes da graça dela. “Essa é a
aliança que farei com eles… porque serei misericordioso para com
suas iniquidades” etc. Aqueles com quem a Antiga Aliança foi feita
eram, todos eles, participantes reais dos benefícios dela; e se
aqueles com quem a Nova Aliança é feita não participam, todos
eles, dos benefícios dela, então a Nova fica aquém da Antiga em
eficácia, e pode ser totalmente frustrada. Nem o fato de a Nova
Aliança ser proposta em termos indefinidos, prova que ela foi feita
com qualquer um daqueles que não desfrutam dos benefícios dela.
De fato, essa é a excelência dessa aliança, e assim é aqui
declarado, a saber, que ela efetivamente comunica toda a graça e
misericórdia contidas nela para todos e a todos com quem ela é
feita; com quem quer que a Nova Aliança seja feita, seus pecados
são perdoados.
O que é Prometido
O assunto dessa promessa é o perdão do pecado. E aquilo
que temos que considerar para a exposição dessas palavras é: (1.)
O que se entende por pecados. (2.) O que se entende pelo perdão
deles. (3) Qual é a razão dessa expressão peculiar nessa
passagem.
O que se Entende por Pecados
O pecado é mencionado especialmente com respeito à sua
culpa; e assim, então, ele é o objeto de misericórdia e graça. A
culpa merece punição, ou estabelece uma obrigação de punir o
pecador, por e de acordo com a sentença da lei. O perdão é a
dissolução dessa obrigação.
O pecado é expresso aqui por três termos, ἀδι κία , ἁμαρτία ,
ἀνομία , “iniquidade”, “pecado” e “prevaricação”, conforme
apresentamos as palavras. No profeta há apenas a palavra ‫חַ טָּ א ת‬
enquanto não encontramos as palavras ַ ‫ פֶּ שׁ‬e ‫ﬠַ וֹ ן‬. Mas todas as
três são usadas em outro lugar onde é feita menção do perdão do
pecado, ou das causas dele como, por exemplo:
[1.] Na declaração do nome de Deus com respeito a isso, ַ ‫וָפֶ שׁ‬
‫ֹשׂ א ﬠָ וֹ ן‬
ֵ ‫וָפֶ ַשׁ ע ו ְ חַ טָּ אָ ה נ‬, “que perdoa a iniquidade, e a transgressão e
o pecado” (Êxodo 34:7).
[2.] Na ocasião em que o pecado deveria ser confessado para
que fosse remido pelo sacrifício expiatório: “Arão vai confessar
sobre ele ‫ֹאת ם‬ ָ ‫ָל־פּ ְשׁﬠֵ יהֶ ם ְלכָל־חַ טּ‬
ִ ‫”אֶ ת־כָּל־ﬠֲוֹ ֹנ ת וְאֶ ת־כּ‬, “todas as
iniquidades dos filhos de Israel, e todas as suas transgressões, e
todos os seus pecados” (Levítico 16:21).
[3.] Na expressão do perdão do pecado na justificação (Salmos
32:1-2). Portanto, de acordo com o seu propósito, o apóstolo
poderia justamente criar a expressão e enumeração geral dos
pecados, que é encontrada incompleta no profeta, visto que essa
expressão é frequentemente usada em outro lugar para o mesmo
propósito e na mesma ocasião.
Nem esses termos são multiplicados desnecessariamente,
antes várias coisas são ensinadas a nós por meio deles, tais como:
[1.] Que aqueles a quem Deus graciosamente adota em sua
aliança estiveram sujeitos a todos os tipos de pecados.
[2.] Que a graça dessa aliança provê misericórdia para o
perdão de todos eles, até mesmo daqueles pecados “e de tudo o
que, pela lei de Moisés, não pudestes ser justificados” (Atos 13:39).
E por isso,
[3.] Nenhum daqueles que são chamados por Deus para
participar dessa aliança deve ficar desencorajado a descansar sobre
a fidelidade de Deus para cumpri-la.
Entretanto, algo mais é intencionado pelo uso dessas palavras.
Pois elas expressam distintamente todos os aspectos do pecado
pelos quais a consciência de um pecador é geralmente afetada,
sobrecarregada e aterrorizada; como também expressam algo sobre
em que se fundamenta a justiça da maldição e punição pelo pecado.
A primeira palavra usada é ἀδικία (adikiais), “iniquidade”.
Geralmente, isso é entendido como pecados contra a segunda
tábua da lei, ou a transgressão daquela regra de justiça entre os
homens, que é dada pela lei moral. Mas aqui, como em muitos
outros lugares, expressa uma disposição geral de pecado contra
Deus. Pois é algo iníquo e injusto que o homem venha a pecar
contra Deus, que é seu governante soberano e benfeitor. Como
Deus é o senhor supremo e governador de todos, como ele é nosso
único benfeitor e recompensador e como todas as suas leis e
caminhos para nós são justos e retos, a primeira evidência de
justiça em nós é quando prestarmos a Deus aquilo que é devido a
ele, a saber, obediência universal a todos os seus mandamentos. A
justiça para com o homem não é senão um ramo que brota dessa
raiz; e onde isso não ocorre, de modo nenhum há justiça entre os
homens. Se não dermos a Deus as coisas que são de Deus, de
nada nos aproveitará dar a César as coisas que são de César, nem
a outros homens o que lhes é próprio. E essa é a primeira
consideração acerca do pecado que sujeita o pecador à punição, e
manifesta a equidade da sanção da lei, a saber, o pecado é uma
coisa iníqua. Por meio disso a consciência do pecador é atingida, se
ele for convencido do pecado de modo apropriado. A perfeição
original de sua natureza consistia nessa justiça para com Deus,
quando então prestava uma obediência apropriada a Ele. Mas essa
obediência é frustrada pelo pecado; o qual é, portanto, tanto
vergonhoso quanto destruidor; e isso aflige a consciência, quando
ela é despertada pela convicção dele.
A segunda palavra é ἁματία (hamarti ō n), “pecado”. Isso
consiste propriamente em uma falta, errar aquele fim e padrão que
temos o dever de alcançar. Há um fim determinado para o qual
fomos feitos, e uma regra certa e apropriada para nós, de acordo
com a qual podemos alcançá-lo. E esse fim é a nossa única bem-
aventurança, é isso que deve nos motivar, como o era no princípio
de nossas naturezas, quando estamos sempre tendentes a esse
objetivo, a saber, a glória de Deus e a nossa salvação eterna ao nos
deleitarmos nele. A lei de Deus é um guia perfeito para isso. Pecar,
portanto, é abandonar essa regra, e renunciar em nossa busca por
alcançar esse fim. É colocar o “eu” e o mundo como o nosso fim, no
lugar de Deus e de sua glória, e passarmos a ser governados pela
imaginação dos nossos corações. Portanto, a loucura perversa que
há no pecado — a qual nos afasta do principal bem para o que
formos criados e da lei que nos serve de guia e nos governa para
alcançarmos esse fim — abrange os maiores males, ela é ἁμα ρτία
e faz com que a punição justa cubra o pecador de vergonha e medo.
Há, em terceiro lugar, a palavra ἀνομία (anomia),
“prevaricação” ou “ilegalidade”. Não temos uma palavra apropriada
em nossa língua para expressar o sentido desse termo; e nem
existe no latim. Nós a traduzimos como “transgressão da lei”, a
palavra ανομος denota uma pessoa sem lei; a quem os hebreus
chamam de “filho de Belial”, aquele que não está sujeito a nada e
nem respeita regras; além disso, ἀνομία é uma discordância
voluntária da lei. Nisto consiste a natureza formal do pecado, como
nos diz o apóstolo (1 João 3:4). E isso é aquilo que acontece em
primeiro lugar na consciência de um pecador.
Todos os tipos de pecados particulares são incluídos nesses
vários nomes usados para descrever o pecado; assim, a natureza
geral do pecado, em todas as suas causas e aspectos, os quais
aterrorizam o pecador e manifestam a justiça da maldição da lei, é
declarada e representada por esses nomes. E podemos aprender o
seguinte a partir disso,
Trigésima Observação Prática
Aqueles pecadores que estão convictos em suas consciências
devem considerar a gravidade e variedade de seus pecados.
Trigésima Primeira Observação Prática
Na Nova Aliança a graça e a misericórdia são providas para o
perdão de todos os tipos de pecados e para todos os agravantes
deles, se elas forem recebidas de modo apropriado.
Trigésima Segunda Observação Prática
Agravamentos do pecado glorificam a graça necessária para
perdoá-los. Portanto, Deus declara esses pecados aqui para que
então possa declarar a glória de sua graça na remissão deles.
Trigésima Terceira Observação Prática
Não podemos compreender corretamente a glória e a
excelência da misericórdia perdoadora, a menos que sejamos
convencidos da enormidade e malignidade de nossos pecados com
todos os seus agravantes.
O que se Entende pelo Perdão dos Pecados
Aquilo que é prometido com relação a esses pecados é
expresso de duas formas: Primeiro, ῞ιλεως ἔσομαι , “serei
misericordioso”. E segundo, οὐ μὴ μνησθῶ ἔτι “não me lembrarei
mais”. O perdão do pecado é intencionado em ambas as
expressões; o primeiro diz respeito à causa do perdão, e o segundo,
denota a perfeição e segurança desse perdão. E duas coisas devem
ser consideradas quanto ao perdão do pecado:
[1] Uma consideração com respeito ao Mediador da aliança, e
a propiciação pelo pecado feita por Ele. Sem isso não pode haver
remissão, nem o perdão de pecado pode ser prometido.
[2] A dissolução da obrigação da lei que gera a obrigação de o
pecador culpado ser punido. Essas são as partes essenciais do
perdão evangélico, e nelas podemos ver o seguinte:
1º. A palavra ιλεως , que traduzimos como “misericordioso”,
significa tornado “propício”, “gracioso” por meio de uma propiciação.
Mas o Senhor Jesus Cristo é a única, ὶλαστήριον , “propiciação” sob
o Novo Testamento (Romanos 3:25; 1 João 2:2). E ele morreu, εἰς
τὸ ἱλάσκεσ θαι , para “propiciar” a Deus pelo pecado, para torná-lo
propício aos pecadores (Hebreus 2:17). Somente em Cristo Deus é,
ἵλεως , “misericordioso” para com nossos pecados.
2º. A lei, com a sanção dela, era o meio designado por Deus
para fazer o pecado ser lembrado de modo judicial e forense. Então,
a dissolução da obrigação de punição gerada pela lei, o qual é um
ato de Deus, o supremo reitor e juiz de todos, é parte integrante do
perdão do pecado. Isto expresso nas Escrituras de modos
diferentes, aqui lemos: “não mais me lembrarei do pecado”. A
afirmação é fortalecida por um duplo negativo. O pecado nunca será
chamado legalmente à lembrança. Mas eu tratei tão amplamente de
toda a doutrina do perdão do pecado em minha exposição do Salmo
130, que não devo tratar novamente do mesmo argumento aqui.[89]
Capítulo 6

Exposição do versículo 13
A Necessidade e Certeza da Abolição da Primeira
Aliança
Dizendo nova aliança, envelheceu a primeira. Ora, o que foi tornado
velho, e se envelhece, perto está de acabar.[90]
Nós versículos anteriores provamos de modo geral a
insuficiência da Antiga Aliança, e a necessidade da Nova, a
diferença entre uma e outra, foi mostrado a preferência da última em
relação à primeira, e tudo isso é confirmado pela excelência do
sacerdócio de Cristo em comparação com aquele sacerdócio de
Arão. Nesse último versículo do capítulo ele faz uma inferência
especial a partir de uma palavra extraída do testemunho profético,
na qual foi afirmada a principal verdade que ele se esforçou para
confirmar com respeito aos Hebreus. Eles estavam convictos que
não importava o tipo que essa aliança viesse a ser, a primeira
aliança ainda estaria em vigor, obrigando a igreja a todas as
instituições de culto pertencentes à Antiga Aliança. Este era o
principal ponto da controvérsia que o apóstolo tinha com eles; pois
ele sabia que essa convicção deles era destrutiva para a fé do
Evangelho e, se alguém aderisse obstinadamente a ela, isso se
provaria ser prejudicial para sua própria alma. Então, contrariando-
os e com o fim de demonstrar a cessação total da primeira aliança,
ele os pressiona com todos os tipos de argumentos, a partir: (1.) da
natureza, do uso e do fim dela; (2.) da sua insuficiência para
consagrar ou aperfeiçoar a igreja; (3) das várias prefigurações e
certas previsões da introdução de outra aliança, sacerdócio e
ordenanças de adoração, que eram melhores do que as que
pertenciam a ela, as quais eram inconsistentes com essa primeira
aliança (3.); além de muitas outras evidências convincentes para o
mesmo propósito. Aqui ele fixa um novo argumento em particular,
para provar a necessidade e a certeza de sua abolição; e por esse
meio, de acordo com o seu costume, ele faz uma transição para seu
discurso seguinte, no qual ele prova a mesma verdade a partir da
consideração distinta do uso e fim das instituições, ordenanças e
sacrifícios pertencentes àquela aliança. Ele busca fazer isso nos
daqui até o versículo 19 do capítulo 10; e assim retorna à parte
parenética[91] da epístola, fazendo as devidas aplicações do que ele
agora mostrava plenamente.
Aqui o apóstolo faz uso de um argumento duplo: 1. De uma
palavra especial ou testemunho bíblico. 2. De uma máxima geral da
verdade.
A Palavra Especial ou Testemunho Bíblico
1. Com relação ao primeiro, podemos considerar, (1.) O
testemunho bíblico que ele usa; (2.) A inferência para o seu próprio
propósito que ele faz dele:
(1) A primeira aliança consiste em uma adjunto dessa outra
aliança que é prometida. Essa aliança prometida é chamada pelo
próprio Deus de nova: ᾿εν τ ῷ λέγειν , καινήν , “Dizendo nova
aliança” ou “Ao dizer nova”. Assim é expressamente no profeta: “Eis
que farei uma aliança nova” (Jeremias 31:31). Assim, toda palavra
do Espírito Santo, embora seja apenas ocasional em relação ao
principal assunto mencionado, é uma evidência suficiente daquilo
que pode ser deduzido a partir dela. E, por esse tipo de
argumentação, somos ensinados que a Palavra de Deus é cheia de
santos mistérios, se com humildade e sob a direção de seu Espírito
Santo a examinarmos diligentemente, como é nosso dever. Isso,
portanto, estabelece como fundamento de seu presente argumento
o seguinte: o próprio Deus não chama essa aliança prometida de
outra aliança, ou de uma segunda, nem apenas declara a
excelência dela; mas a chama de “uma nova aliança”.
(2) Então ele infere dessa passagem que, π ε π αλαίωκε
τὴν π ρώτην , “Ele [Deus] tornou velha a primeira”. A força do
argumento não está no fato de que Deus chama a segunda aliança
de nova, o que ele não teria feito se não tivesse tornado velha a
primeira. Pois a palavra π ε π αλαίωκε possui uma significação ativa
e denota um ato autoritativo de Deus sobre à Antiga Aliança, a outra
e nova aliança era um sinal e uma evidência disso. Deus não teria
feito isso, se não houvesse envelhecido a primeira; pois com
respeito a isso é que ela é chamada de nova. Contudo, foi a
designação da nova aliança que se tornou o fundamento para tornar
a outra, antiga.
Essa palavra diz respeito ao tempo passado, e nós devemos
inquerir a que tempo ela se refere. E, então, esse deve ser o mesmo
tempo da previsão e promessa da Nova Aliança, ou o tempo de sua
introdução e estabelecimento. Ela se refere ao tempo da primeira
aliança. Pois a introdução da Nova Aliança realmente removeu e
aboliu a Antiga, fazendo-a desaparecer; mas o ato de Deus aqui
pretendido é apenas torna-la velha em comparação à Nova. E ele
fez isso através da entrega dessa promessa, e depois por vários
atos e em vários graus.
[1] ele fez isso ao chamar a fé da igreja a descansar nela, a
despertar sua expectativa pela vinda de uma melhor aliança que
tomaria o lugar da primeira. Isso fez com que a primeira aliança
fosse enfraquecida em suas mentes, e ela passou a ser menos
valorizada do que antes. Agora eles certos de que algo muito melhor
seria introduzido em seu devido tempo. Portanto, embora
permanecessem na observação dos deveres e da adoração exigida,
pois era da vontade de Deus que assim o fizessem, contudo, essa
expectativa e anseio pela melhor aliança que agora havia sido
prometida, fez com que a aliança que então vigorava não fosse tão
estimada em suas mentes e afeições. Assim, Deus tornou velha
essa aliança.
[2] ele fez isso através de uma declaração clara de sua
enfermidade, fraqueza e insuficiência para os grandes fins de uma
aliança perfeita entre Deus e a igreja. Muitas coisas para esse
propósito podem ter sido alegadas a partir da natureza de suas
instituições e promessas, desde que ela foi dada inicialmente, e é
isso que é feito por nosso apóstolo em seus discursos atuais. Mas
essas coisas não foram claramente entendidas por ninguém
naqueles dias; e quanto mais o véu os cobria,[92] menos eles podiam
as coisas até o fim das coisas que deveriam ser abolidas. Mas
agora, quando o próprio Deus positivamente declara por aquele
profeta que a antiga aliança era fraca e insuficiente, e, portanto, ele
faria com eles outra, melhor aliança; isso fez com que ela
envelhecesse, ou que estivesse caminhando para sua dissolução.
[3] A partir da entrega dessa promessa, Deus, por várias
vezes, através de sua providência, fez cessar e enfraquecer a
administração dela; que pelo que a decadência da primeira aliança
ficou cada vez mais evidente. Pois,
1º. Imediatamente após a entrega dessa promessa, o cativeiro
babilônico causou um total intervalo e interrupção a toda a sua
administração por setenta anos. Sua administração jamais havia
cessado desde que essa aliança foi feita ao pé do Monte Sinai, e
isso era um sinal evidente de que seu fim estava próximo, e que
Deus queria que a igreja vivesse sem ela.
2º. Quando o povo retornou do seu cativeiro, nem o templo,
nem o culto relacionado a ele, nem qualquer das administrações da
aliança e nem o sacerdócio foram restaurados à sua beleza e glória
primitivas. E embora de modo geral as pessoas estivessem muito
aflitas com a percepção de sua decadência, Deus as conforta não
com qualquer indicação de que as coisas sob aquela aliança seriam
levadas a condições melhores, mas ele as conforta oferecendo uma
expectativa de sua vinda para estar entre eles e pôr fim a todas as
administrações da primeira aliança (Ageu 2:6-9). E, a partir desse
momento, seria fácil traçar todo desenvolvimento dessa aliança e
como ela declinava continuamente até o seu fim.
Assim, Deus tornou velha essa aliança, até aboli-la; e para dar
uma evidência disso, ele chamou a outra aliança que faria de
“nova”. Ela não entrou em decadência por si mesma. Pois nenhuma
instituição de Deus jamais envelhecerá por si mesma; elas nunca
envelhecem, decaem ou perecem a menos que sejam anuladas
pelo próprio Deus. O tempo não consumirá as instituições divinas;
nem os pecados dos homens podem diminuir a força delas.
Somente aquele que as instituiu é que pode aboli-las.
E esse é o primeiro argumento do apóstolo, extraído desse
testemunho bíblico citado a partir do profeta Jeremias, para provar
que a primeira aliança deveria ser abolida.
Uma Máxima Geral da Verdade
Conquanto possa ser questionado se é uma consequência
direta ou não, que a primeira aliança deve ser abolida por ter sido
tornada velha, o apóstolo passa a confirmar a verdade de sua
inferência a partir de uma máxima geral, que também assume a
natureza de um novo argumento. “Ora”, diz ele, “Ora, o que foi
tornado velho, e se envelhece, perto está de acabar”.
“Velho” é um adjetivo que indica aquilo que é finito e que está
caminhando para seu fim. Tudo o que pode envelhecer tem um fim;
e aquele que envelhece, caminha para esse fim. Assim, o salmista
ao afirmar que os próprios céus perecerão, acrescenta, como uma
prova disso: “eles se envelhecerão como um vestido; como roupa os
mudarás, e ficarão mudados”;[93] e então ninguém pode duvidar que
eles terão um fim, quanto à sua substância ou seu uso.
Existem nessas palavras,
(1.) A indicação do sujeito, τ ὸ δέ , “mas isso”, ou “aquilo, seja
o que for”. A regra geral dá evidência à primeira inferência, “Seja o
que for que envelheça”.
(2.) A descrição disso em uma expressão dupla,
π αλαιούμενον e γηράσκον . Essas palavras geralmente devem ser
sinônimas e usadas apenas com o objetivo de enfatizar algo. Nós
traduzimos π αλαιούμενον , por decadência, “aquilo que decai”, para
evitar a repetição da mesma palavra e por não termos outro termo
para expressar “envelhecer” ou “tornar velho”. Mas π αλαιούμενον
não significa propriamente “aquilo que decai”, mas aquilo que sofre
efeito de π ε π αλαίωκε , “o que é feito velho”; e diz respeito
particularmente às coisas. As coisas são descritas como velhas e
não as pessoas. Mas a outra palavra, γηράσκον , diz respeito às
pessoas, e não às coisas. A palavra γηράσκειν é dita a respeito de
homens, e não de coisas inanimadas. Embora o apóstolo possa ter
usado um pleonasmo para dar ênfase à sua afirmação e para
averiguar a certeza do término da Antiga Aliança, nada impede,
porém, de pensarmos que ele tinha se referido tanto às coisas como
às pessoas que pertenciam à administração dela.
Aquilo que se afirma acerca do assunto da proposição é que
ela, ἐγγὺς ἀφανισμοῦ , “perto está de acabar”, é uma abolição e
remoção. A proposição é universal e válida absolutamente em
relação a todas as coisas, como é evidente a partir da luz da
natureza. O que quer que leve alguma coisa para uma a decadência
e envelhecimento, também a levará a um final; pois decadência e
envelhecimento são expressões que denotam tendência para um
fim. Que um anjo viva pelo tempo que for, ele não envelhece,
porque não pode morrer. Envelhecer é algo absolutamente contrário
a uma duração eterna (Salmo 102:26-27).
Tendo em vista que o que está sendo tratado aqui é respeito
da remoção da Antiga Aliança e de todas as administrações dela,
pode ser indagado por que o apóstolo expressa isso por
ἀφανισμός , “um desaparecimento”, ou “desaparecendo de vista”. E
o seguinte pode ser respondido: (1.) Para mostrar a aparência
externa gloriosa de suas administrações: Foi isso que cativou
grandemente as mentes e afeições daqueles hebreus. Eles eram
carnais, e coisas tais como a arquitetura do templo, os ornamentos
dos sacerdotes e a ordem de sua adoração possuíam em si
mesmos uma glória que eles podiam contemplar com seus olhos
carnais, e se apegarem com suas afeições carnais. O ministério da
letra era glorioso. “Toda essa glória”, diz o apóstolo, “desaparecerá
em breve, desaparecerá de sua vista”, de acordo com a predição de
nosso Senhor Jesus Cristo (Mateus 24). (2.) Para mostrar a
remoção gradual da Antiga Aliança: Ela se vai como algo que é
retirado de diante de nossos olhos. Nós, pouco a pouco, a
perdemos de vista, até que ela desaparece completamente. Como
ela foi feita para desaparecer, em que tempo, em que graus e por
quais atos de autoridade divina, deve ser dito distintamente em
outro lugar. Todas as gloriosas instituições da lei eram, na melhor
das hipóteses, estrelas do firmamento da igreja e, portanto, todas
desapareceriam com o surgimento do Sol da Justiça.
τῷ θεῷ δόξα .[94]
A editora O Estandarte de Cristo é fruto de um trabalho
que começou a ser idealizado por volta do início de
2013, por William e Camila Rebeca, com o propósito
principal de publicar traduções de autores bíblicos fiéis.
Fizemos as primeiras publicações no dia 2 de dezembro
de 2013 (publicação de 4 eBooks). De lá para cá já são
quase 7 anos e centenas de traduções de autores
bíblicos fiéis, sobre diversos temas da fé cristã.

Somos uma editora de fé cristã batista reformada e


confessional. Estamos firmemente comprometidos
com as verdades bíblicas fielmente expostas na
Confissão de Fé Batista de 1689.

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A Interpretação das Escrituras
A.W. Pink

❝ Dificilmente encontraremos um “tratado sobre hermenêutica”, tão bíblico e


completo, tão profundo e ao mesmo tempo tão prático, como diz o próprio autor:
Nestes capítulos temos nos esforçado para colocar diante de nossos leitores as
regras que temos usado há muito tempo em nosso próprio estudo da Palavra;
elas foram projetadas mais especialmente para os jovens pregadores. Nós não
poupamos esforços para torná-los tão lúcidos e completos quanto possível,
colocando em suas mãos esses princípios de exegese que nos foram de grande
proveito. ❞
Os Distintivos da Teologia Pactual Batista
Pascal Denault
❝ Pascal Denault merece muitos agradecimentos por seu trabalho ao pesquisar e
descrever as nuances da teologia do pacto da Inglaterra no século XVII. Ele
mostrou fatores significantes que contribuíram para as diferenças entre o
pensamento e a prática dos presbiterianos e batistas particulares, descrevendo
categorias teológicas em termos fáceis e acessíveis. ❞ — James M. Renihan,
Ph.D. Deão e professor de teologia histórica Institute of Reformed Baptist Studies
A Falha Fatal da Teologia por Trás do Batismo
Infantil
Jeffrey Johnson
❝ Jeffrey Johnson produziu uma interação minuciosa, vigorosa e impressionante
com a teologia pactual, enquanto usada como apoio para o batismo infantil. Ele
expôs uma análise detalhada de cada parte do sistema, aprovou o que era
biblicamente fundamentado, desafiou o que é indefensavelmente inventado e
ofereceu alternativas convincentes para cada parte do sistema que ele desafiou. ❞
— Tom J. Nettles, Ph.D. Professor de teologia histórica Southern Baptist
Theological Seminary
Um Guia para a Oração Fervorosa
A.W. Pink
❝ A oração particular é o teste de nossa sinceridade, o indicador de nossa
espiritualidade, o principal meio de crescimento na graça. A oração particular é
a única coisa, acima de todas as demais, que Satanás busca impedir, pois ele
bem sabe que, se ele puder ser bem sucedido neste ponto, o cristão falhará em
todos os outros... Por mais desesperado que seja o nosso caso, maior é nossa
necessidade de orar, se a graça em nós está fraca, a contínua negligência em
orar a fará ainda mais fraca, se nossas corrupções são fortes, a omissão em
orar as fará ainda mais fortes. ❞
Oração: Orando com o Espírito Santo e com o
Entendimento
John Bunyan
❝ A oração é uma ordenança de Deus que deve ser praticada tanto em público
quanto em particular. Além disso, é uma ordenança que conduz aqueles que
possuem o espírito de súplica para grande familiaridade com Deus, e também
possui efeitos tão notáveis que alcançam grandes coisas de Deus, tanto para a
pessoa que ora como para aqueles por quem ela ora. A oração abre o coração de
Deus e através dela a alma, mesmo quando vazia, é preenchida. Através da
oração o cristão também pode abrir seu coração a Deus como o faria com um
amigo, e obter um testemunho renovado de Sua amizade. ❞
Piedade Cristã: Os Frutos do Verdadeiro
Cristianismo
John Bunyan

Todo aquele que foi justificado pela graça de nosso Senhor Jesus Cristo
encontrará aqui um excelente guia para que possa viver de modo agradável a
Deus. Este livro faz lembrar a magistral obra, A Prática da Piedade, do
piedosíssimo Lewis Bayly, por seu fervor e fidelidade bíblicos, e por sua
sobriedade e zelo piedoso de obedecer aos mandamentos do Senhor em todas
as áreas de nossas vidas e em todos os nossos relacionamentos. O autor nos
exorta à prática da verdadeira piedade cristã a partir de Tito 3:7-8.
O Homem como Sacerdote em seu Lar
Samuel Waldron
❝ A ideia de que um homem é sacerdote em seu lar se deriva naturalmente da
tese de que todo ministério cristão tem caráter sacerdotal. No entanto, esse
assunto confronta os homens com algumas das responsabilidades mais difíceis
que enfrentaremos. Quando cumprimos nosso dever e sentimos nosso pecado e
fraqueza nessa área, devemos constantemente nos lembrar da graça e das
promessas que Deus nos deu. Não podemos fazer progresso confiado em nossas
próprias forças. Somente cresceremos e assumiremos nossas responsabilidades
com a ajuda de Deus. ❞
A Doutrina da Trindade
John Owen
John Owen fez uma defesa magistral da grande doutrina bíblica da Santíssima
Trindade contra os socinianos. Dificilmente veremos hoje alguém que se
denomine um sociniano, mas não é tão raro assim encontrar alguém indouto e
inconstante que segue as pisadas deles e nega a verdade bíblica sobre a bendita
doutrina da Trindade, para sua própria perdição eterna (2Pe 3:16). Portanto a
refutação que Owen faz das principais objeções dos oponentes dessa doutrina
permanece útil também para os nossos dias. Sobretudo é proveitosa a exposição
fiel e profunda feita por ele sobre os principais textos bíblicos que revelam essa
verdade fundamental sobre o único e verdadeiro Deus: Pai, Filho e Espírito.
Os 5 Pontos do Calvinismo
C.H. Spurgeon
Nesta excelente coletânea de sermões Charles Spurgeon expõe o ensino
bíblico sobre aqueles que ficaram conhecidos como os 5 Pontos do Calvinismo:
1. Depravação Total;2. Eleição Incondicional; 3. Expiação Limitada; 4. Graça
Irresistível; 5. Perseverança dos Santos. A capacidade ímpar com que Deus
dotou o pregador e a beleza e firmeza da verdade bíblica por ele tratada fazem
deste livro um recurso extremamente importante para todos aqueles que
desejam obter uma compreensão clara e robusta do ensino bíblico acerca da
soberania da graça divina na salvação dos homens.
Como Saltar em Segurança para a Eternidade
Lidiano Gama
❝ Com habilidade, o autor L.A. Gama desenvolveu a viagem de Greg Thopp
rumo à eternidade sempre ladeado pelas doutrinas que foram o fundamento e
alicerce não apenas dos batistas particulares (reformados), mas da própria
Reforma Protestante e do puritanismo inglês e norte-americano que se
seguiu. O livro é valioso para todos os cristãos, mas, sobretudo, é uma
preciosa contribuição para os batistas e uma excelente oportunidade para se
examinar cuidadosamente esse documento, a Confissão de Fé Batista de
1689. ❞ — Marcus Paixão
Teologia Bíblica Batista Reformada
Fernando Angelim
❝ Estou convencido da extrema necessidade e urgência da igreja brasileira,
especialmente os batistas, recuperar um entendimento bíblico profundo e piedoso
sobre os pactos de Deus. E estou igualmente convencido de que este livro tem
muito a contribuir para esse fim. Escrito de maneira clara e didática, e sobretudo
bíblica, este livro se mostrará útil tanto para o pai de família que deseja conhecer
melhor sua Bíblia e guiar a sua família piedosamente quanto para aquele que foi
chamado a se “apresentar a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se
envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade” (2 Timóteo 2:15). ❞ —
William Teixeira

[1] Samuel Palmer, The Nonconformist’s Memorial; Being An Account of the


Lives, Sufferings, and Printed Works of the Two Thousand Ministers Ejected from
the Church of England, chiefly by the Act of Uniformity, Aug. 24, 1666. Originally
Written by Edmund Calamy, D.D. (London: J. Cundee, 1802), 1:198-208;
complementado por materiais de David Bogue e James Bennett, History of the
Dissenters from the Revolution in 1688, to the Year 1808 (London:1809), 2:225-
238.
[2]
Publicado em português pela editora O Estandarte de Cristo sob o título,
Contra o Arminianismo e Seu Ídolo Dourado, o Livre-Arbítrio. [Atualmente em
processo de revisão para a publicação de uma segunda versão revisada.]
[3]νυν ὶ δ ὲ διαφορωτέρας τέτευχε λειτουργίας , ὅ σ ῳ κα ὶ κρείττονός
ἐ στι διαθ ή κης μεσίτης , ἥ τις ἐ π ὶ κρείττοσιν ἐ π αγγελίαις νενομοθέτηται .
Exposição: Turner observa que νυν ὶ , agora, que aparece aqui não é tanto
uma marcação de tempo como uma fórmula para introduzir com seriedade algo
que se inicia e possui conexão lógica com aquilo que o precede. Sobre o uso
desse termo, veja também Hebreus 11:16; 1 Coríntios 15:20; 12:18, 20. Nessas
passagens, agora não se refere ao tempo, mas implica forte convicção
fundamentada em argumentos anteriores. [Edição da Banner of Truth.]
[4] {Romanos 12:13.}
[5] {Hebreus 3:6.}
[6][Owen’s complete Exposition of Hebrews bem como as suas
Miscellaneous Works, foram publicadas pela Banner of Truth. O leitor será
frequentemente direcionado por Owen a esses seus escritos anteriores.]
[7][“…a união das duas naturezas na pessoa de Cristo... a assunção de uma
natureza humana pela pessoa eterna preexistente do Filho de Deus, de modo a
atrair a natureza humana para a unidade da pessoa divina sem divisão ou
separação das naturezas..., mas também sem mudança ou confusão de
naturezas...; outrossim, de modo a que os atributos de ambas as naturezas
pertençam à pessoa divino-humana e cooperem para a obra da salvação".”
(Muller, Dictionary, 316). ]
[8] [Abundamente melhor.]
[9][Jonasz Schlichtingius (1592–1661) foi um nobre e teólogo sociniano
polonês. Em 1634 publicou seu comentário sobre a Epístola aos Hebreus. Suas
obras formam um volume na “Bibliotheca Fratrum Polonorum”.]
[10] Mediatorem foederis esse nihil aliud est, quam Dei esse interpretem, et
internuntium in foedere cum hominibus pangendo; per quem scilicet et Deus
voluntatem suam hominibus declaret, et illi vicissim divinae voluntatis notitiâ
instructi ad Deum accedant, cumque eo reconciliati, pacem in posterum colant.
[11] [Ação ou ato de testificar; testemunho prestado.]
[12] {Cf. Atos 20:28.}
[13] {Cf. João 3:36.}
[14] {João 1:16.}
[15] {Pedro Mártir Vermigli (1499-1562) foi um teólogo reformado nascido na
Itália. Seu trabalho inicial como reformador na Itália católica e sua decisão de fugir
para o norte da Europa protestante influenciou muitos outros italianos a se
converterem e fugirem também. Na Inglaterra, ele influenciou a Reforma
Eduardiana, incluindo a prática eucarístico do Livro de Oração Comum de 1552. A
sua obra Loci Communes, uma compilação de trechos de seus comentários
bíblicos organizados pelos tópicos da teologia sistemática, tornou-se um livro
padrão de teologia reformada.}
[16]
{Provavelmente a referência é a Gulielmus Bucanus (falecido em 1603),
que foi um teólogo calvinista suíço-francês. Sua obra Institutiones Theologicae
(Genebra, 1602) foi uma das primeiras obras sistemáticas da teologia da Igreja
Reformada.}
[17] Em vários tempos.
[18] De várias maneiras.
[19] {Cf. Gálatas 3:16.}
[20] {Gálatas 2:16; Cf. Romanos 3:20.}
[21]
[Veja o volume 1, da Exposição da Epístola aos Hebreus, p. 446, editado
e publicado pela editora Banner of Truth.]
[22] {Cf. Gálatas 3:12; Romanos 10:5 citando Levítico 18:5.}
[23] {1 Pedro 1:11.}
[24] [Veja o vol. iii. p. 125, de suas Miscellaneous Works. – Ed. {Banner
Edition.}]
[25] ε ἰ γ ὰ ρ ἡ π ρ ώ τη ἐ κείνη η ῏ ν ἄ μεμ π τος , ο ὐ κ ἄ ν δευτέρας
ἐ ζητε ῖ το τό π ος .
[26] [Nunca se teria buscado lugar para a segunda.]
[27] {Cf. Efésios 1:4, 9.}
[28]΄εμρόμενος γ ὰ ρ α ὐ το ῖ ς λέγει , ᾿ ιδο ὺ , ἡ μέραι ἔ ρχονται , λέγει
κύριος , κα ὶ συντελέσω ἐ π ὶ τ ὸ ν οι ῏ κον ᾿ ισρα ὴ λ κα ὶ ἐ π ὶ τ ὸ ν οι ῏ κον
᾿ ιούδα διαθ ή κην καιν ή ν .
Stuart e Conybeare e Howson conectam o α ὐ το ῖ ς com λέγει : “Porque,
repreendendo-os [com a primeira aliança], Deus diz a eles”, isto é, os judeus,
΄εμρόμενος , de acordo com o primeiro desses críticos, isso parece reduplicar o
ἄ μεμ π τος do versículo precedente. — Ed. [Edição da Banner of Truth.]
[29]
Em inglês: For finding fault with them, he says [tradução literal: porque
encontrando culpa neles, ele diz]. A versão que estamos usando, ACF, traduz a
expressão inglesa usada por John Owen “finding fault” por “repreendendo”. A
expressão no original grego é: μεμφόμενος – memphomenos.
[30]
{Johannes Piscator (1546–1625) foi um teólogo alemão, traduziu a Bíblia
para o alemão, além disso escreveu comentários sobre livros bíblicos e tratados
sobre temas teológicos, entre eles, ceia do Senhor, predestinação, Catecismo de
Heidelberg e justificação.}
[31] {Cf. Gênesis 6:6.}
[32] {Cf. Romanos 7:12.}
[33] {Cf. Apocalipse 3:17.}
[34] {Cf. Isaías 66:2, 5.}
[35] {Atos 15:18.}
[36]{Perífrase: Processo que usa muitas palavras para expressar o que
poderia ser dito em poucos termos.}
[37] {Lucas 22:20; Cf. Mateus 26:28; Marcos 14:24.}
[38] {Cf. João 8:56.}
[39] [2 Samuel 23:5.]
[40]
[Na teologia escolástica, aquela dignidade de vida eterna que um
homem pode possuir através de boas obras realizadas em estado de graça.]
[41] Somente por sua graça e vontade.
[42] [“"Que partam os profanos!” retirado do Rite of Pharmakos, um hino
grego.]
[43] {Cf. Salmos 8:9.}
[44] {Cf. Isaías 10:22; Romanos 9:27.}
[45] {Cf. 2 Samuel 23:5.}
[46] {Cf. Isaías 43:19.}
[47]ο ὐ κατ ὰ τ ὴ ν διαθ ή κης ἥ ν ἐ π οίηασ το ῖ ς π ατράσιν α ὐ τ ῶ ν ,
ἐ ν ἡ μέρ ᾳ ὲ π ιλαβομένου μου τ ῆ ς χειρ ὸ ς α ὐ τ ῶ ν , ὲ ξαγαγε ῖ ν α ὐ το ὺ ς
ἐ κ γ ῆ ς α ἰ γ ὑ π του· ὅ τι α ὐ το ὶ ο ὐ κ ἐ νέμειναν ἐ ν τ ῇ διαθ ή κ ῃ μου ,
κ ἀ γ ὼ ἠ μέλησα α ὐ τ ῶ ν , λέγει κύριος .
[48] [A Eneida é um poema épico latino escrito por Virgílio no século I a.C.]
[49] [Tucídides (≈460-400 a.C.) foi um historiador da Grécia Antiga. Escreveu
a História da Guerra do Peloponeso, da qual foi testemunha e participante; em
oito volumes, ele conta a guerra entre Esparta e Atenas ocorrida no século V a.C.]
[50][Exposição: κ ἀ γ ὼ ἠ μέλησα . Essa é a tradução da Septuaginta. O
hebraico, de acordo com a A.V. {Versão Autorizada da Bíblia King James Version},
é, "embora eu fosse um marido para eles". Alguns explicam essa discrepância
conjeturando que os tradutores gregos tinham o cheth gutural em vez do ayin em
suas cópias. Como a palavra cognata árabe significa desprezar ou rejeitar, Kimchi
e Pococke adotam essa tradução da palavra hebraica nesta passagem.
Hengstenberg em sua obra Christology nega que a palavra possa ter esse
sentido. Ed. {Banner Edition.}]
[51] {Cf. Isaías 9:6.}
[52] {Cf. 2 Tessalonicenses 1:10.}
[53] {Cf. Tiago 1:17.}
[54] {Cf. Atos 15:18.}
[55] [Isto é, no comentário de John Owen sobre o capítulo 3 de Hebreus.]
[56] {Cf. Êxodo 20:2.}
[57] {Cf. Salmo 95:11; Hebreus 3:11.}
[58] [Edward Pococke (1604-1691).]
[59] [Forte emoção.]
[60] [Sujeito a se tornar defeituoso.]
[61] ὅ τι α ὕ τη ἡ διαθήκη ἣ ν διαθήσομαι τ ῷ ο ἴ κ ῳ Ἰ σρα ὴ λ μετ ὰ
τ ὰ ς ἡ μέρας ἐ κείνας , λέγει Κύριος , διδο ὺ ς νόμους μου ε ἰ ς τ ὴ ν
διάνοιαν α ὐ τ ῶ ν , κα ὶ ἐ π ὶ καρδίας α ὐ τ ῶ ν ἐ π ιγράψω α ὐ τούς , κα ὶ
ἔ σομαι α ὐ το ῖ ς ε ἰ ς Θεόν κα ὶ α ὐ το ὶ ἔ σονταί μοι ε ἰ ς λαόν . κα ὶ ο ὐ μ ὴ
διδάξωσιν ἕ καστος τ ὸ ν π ολίτην α ὐ το ῦ κα ὶ ἕ καστος τ ὸ ν ἀ δελφ ὸ ν
α ὐ το ῦ , λέγων Γν ῶ θι τ ὸ ν Κύριον , ὅ τι π άντες ε ἰ δήσουσίν με ἀ π ὸ
μικρο ῦ ἕ ως μεγάλου α ὐ τ ῶ ν . ὅ τι ἵ λεως ἔ σομαι τα ῖ ς ἀ δικίαις α ὐ τ ῶ ν ,
κα ὶ τ ῶ ν ἁ μαρτι ῶ ν α ὐ τ ῶ ν ο ὐ μ ὴ μνησθ ῶ ἔ τι .
[62] [Atentar contra o pacto.]
[63] [Williem Hessels van Estius (1542-1613).]
[64] [ συνθ ή κη : diath ē k ē (Hebreus 8:10).]
[65] [ ‫כּ ַָר ִתּ י‬: berit (Jeremias 31:31).]
[66] {Cf. Romanos 11:26.}
[67] [Em verdade.]
[68] {Cf. Lucas 7:30.}
[69] {Cf. Gálatas 4:4.}
[70] {Cf. João 8:24.}
[71]Non ‘ut olim curabo leges meas in lapidëis tantum tabulis inscribi, sed
tale foedus cum illis feriam ut meæ leges ipsis eorum mentibus et cordibus
insculpantur:’ apparet hæc verba intra vim et efficaciam accipienda esse, non vero
ad ipsum inscriptionis effectum necessariò porrigenda, qui semper in libera
hominis potestate positus est; quod ipsum docent et sequentia Dei verba, ver. 12.
Quibus ipse Deus causam seu modum ac rationem hujus rei aperit, quæ ingenti
illius gratia ac misericordia populo exhibenda continetur. Hac futurum dicit ut
populus tanto ardore sibi serviat, suásque leges observet. Sensus ergo est, ‘tale
percutiam foedus quod maximas et sufficientissimas vires habebit populum meum
in officio continendi.
[72] {Cf. Salmos 110:3.}
[73] {Cf. Deuteronômio 29:4.}
[74] {Cf. Jeremias 31:31-32.}
[75][Veja seu tratado sobre o Espírito Santo, vol. iii. de suas Miscellaneous
Works.- Ed. {Banner Edition.}]
[76] {Cf. Filipenses 2:13.}
[77] [Veja Exerc. xxv.-xxxiv.; e vol. i. das Miscellaneous Works do mesmo
autor. {Banner Edition.}]
[78] [Resguardar sua justiça, sabedoria e honra.]
[79] [O primeiro recipiente.]
[80] {Cf. Romanos 8:17.}
[81] {Cf. 2 Samuel 23:5.}
[82] {Cf. Isaías 54:13.}
[83] [A Mishná (em hebraico ‫משנ ה‬, “repetição”, do verbo ‫שנ ה‬, shanah,
“estudar e revisar”) é uma das principais obras do judaísmo rabínico, e a primeira
grande redação na forma escrita da tradição oral judaica, chamada de a Torá
Oral.]
[84] {Cf. Atos 15:10.}
[85] {Cf. 2 Timóteo 1:10.}
[86] {Cf. Hebreus 11:40.}
[87] {Ezequiel 12:25.}
[88] {Cf. Jeremias 31:32.}
[89] [Veja o vol. vi. das miscellaneous works do autor.- Ed. {Banner Edition.}]
[90] ᾿ εν τ ῷ λέγειν , καιν ή ν , π ε π αλαίωκε τ ὴ ν π ρ ώ την· τὸ
δ ὲ π αλαιούμενον κα ὶ γηράσκον ἐ γγ ὺ ς ἀ φανισμο ῦ .
[91] [Exortativa; encorajadora; persuasiva.]
[92] {Cf. 2 Coríntios 3:15.}
[93] {Salmos 102:26.}
[94] to theo doxa: A Deus seja a glória.

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