Você está na página 1de 6

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


FACULDADE DE HISTÓRIA
HISTÓRIA DO IMPERIALISMO
PROF. DR. KARL HEINZ ARENZ

Resenha do artigo “Os britânicos e seu império: debates e novos campos da


historiografia do período vitoriano” do Prof. Dr. Gabriel Passetti

Matheus (2018086400)

Belém-Pará
30 de dezembro de 2021
Gabriel Passetti é professor de História das Relações Internacionais na
Universidade Federal Fluminense. Doutor em História Social pela Universidade de São
Paulo, instituição na qual formou toda sua trajetória acadêmica. Passetti tem experiencia
com as temáticas: relações internacionais das e nas Américas, conquistas territoriais do
século XIX e participação política de povos nativos. Atualmente é coordenador do
Laboratório de História da política internacional Sul-americana (LAHPIS).

O texto analisado nos remete a reflexão sobre as formas que o império britânico
adotou para tornar-se o mais imponente do globo na maior parte do século XIX. Para
isto, Passetti apropria-se de análises historiográficas referentes a expansão obtida por
este império, tendo como eixo norteador do debate as transformações sociais e
acadêmicas que os britânicos passaram após as crises imperiais, que possibilitaram
novos horizontes e interpretações sobre a historiografia imperial britânica. A
metodologia adotada consistiu em contrapor estudos consolidados após a segunda
guerra mundial e o que o autor nomeou de “nova historiografia e seus debates internos”.

Pax Britânica foi o termo que Passetti empregou para designar o período
histórico compreendido entre a derrota napoleônica e a Primeira guerra mundial, no
qual a Grã-Bretanha se destacava por ser a maior das superpotências mundiais. Neste
período predominou a paz no continente europeu, em oposição ao que acontecia de fato
em países explorados por superpotências deste continente. Em conjunto com a França,
Rússia e outros impérios, expandiam seus impérios na progressão em que violentavam
países da américa central, países do continente africano e de ilhas menores espalhadas
pelo globo.

Em solo europeu o clima deveras amistoso se manteve, mesmo que o império


britânico não tenha deixado de recorrer à força quando necessário (como na guerra da
Crimeia). Simultaneamente, a coroa esteve presente em violentas batalhas e dominações
em portos importantes no globo por meio da Marinha Real 1. A ascensão britânica, alvo
da análise de Adam Watson, é compreendida como resultado de um investimento na
citada pax britânica, pois permitiu que estes levantassem recursos e tempo para
construção de seu poderio, mas é criticado por seus párias por atentar sua análise

1
John Darwin (2009) destaca o Cabo da Boa Esperança, no sul da África; o Ceilão (Sri Lanka) e as Ilhas
Maurício, no Oceano Índico; as Ilhas Jônicas (até 1864) e Malta, no Mediterrâneo; Halifax, no Atlântico
Norte; na sequência, as Ilhas Falkland, no Atlântico Sul (conquistadas em 1833).
somente as esferas formais da negociação política, dando pouca atenção às
consequências dessa expansão nas colônias.

Em oposição, John Darwin publicou pesquisa com olhar de preocupação para os


aspectos globais das expansões vitorianas, dando foco para os fatores externos que
contribuíram e facilitaram a ascensão do império. Interpretando Darwin, Passetti conclui
que os britânicos não contavam com um plano prévio para alcançar seu título de
superpotência, e sim contaram com uma série de oportunidades que foram bem
aproveitadas, como a decadência dos impérios mulçumanos, da dinastia Qing na China
e inesperado levante comercial norte americano. Estas oportunidades conjuntas deram
vantagens, mercado e matérias-primas para a expansão da coroa inglesa.

Apesar da discordância, tanto Watson quanto Darwin reconhecem a extensão da


violência da ocupação britânica nas colônias. Pensamento no qual Niall Ferguson
discorda, ao entender que o crescimento britânico foi pacífico e hegemônico, mas é
refutado pelos párias por tratar-se de uma concepção positivista da história do império
britânico.

Passetti mostra que durante os anos iniciais do século XIX o império passou por
momentos os quais era necessário revisar sua política. O debate em questão era a
aceitação ou não de políticas liberais, que dividia opiniões dos súditos acerca do futuro
da governança. Anthony Howe informa que houve dificuldade por parte do governo em
aceitar políticas liberais voltadas às políticas internacionais do período, mas o autor do
artigo analisado não aprofunda esta discussão.

A temática volta a ser abordada por Gallagher e Robinson na década de 1950,


mostrando que a política externa ao império se deu por meio de um “imperialismo do
livre comercio”2, exemplificando a falta de compreensão do período da pax britânica
acerca do liberalismo e suas teorias enquanto as executava. Estes aplicavam tais
políticas por meio do convencimento às colônias, mas quando a conversa não se
efetivava, bastava partirem para a demonstração de força por meio da Marinha Real,
como expõe Martin Lynn. O professor expõe em seu artigo que outro fator elementar
para a dominação econômica britânica foi a sua inserção nas Bolsas de Valores, as quais
em seus tramites envolvendo países pequenos e recém-independentes, acabaram por se
aproveitar de boom’s econômicos e especulações financeiras.

2
Termo empregado por GALLAGHER; ROBINSON, 1953.
Compreender a camada social que contribuiu para a fortificação do império é
necessária. Passetti expõe o papel que manutenções religiosas tiveram para dar voz para
uma nova classe social que emergia da revolução industrial: a classe média urbana. O
autor informa que os principais responsáveis por dar voz a estes foram os religiosos
provenientes das reformas teológicas do final do século XVIII. Estes que almejaram
romper com o excesso de burocracias e hierarquias da igreja anglicana acabaram por
representar religiosamente a vontade dos novos grupos emergentes.

Dentre as questões defendidas nesta nova teologia, encontrava-se a pregação da


igualdade entre os homens, humanizando aspectos antes não vistos como essenciais a
vida. Esse movimento ficou conhecido como humanitarianism, o qual condenava
relações pautadas na violência, com destaque para a negação da utilização da mão de
obra escrava. Esta vertente levou ao parlamento inglês o debate sobre o fim da
escravidão no império britânico, mas a princípio encontrou resistência. Todavia, foi de
suma importância para o movimento abolicionista inglês.

E por estar atrelada a uma concepção liberal de política, a classe média urbana
se alia a estes religiosos para conquistar espaço político, objetivando “acabar com os
monopólios comerciais, abrir os mercados internos à produção internacional e abalar a
economia das colônias tropicais inglesas – controladas por seus adversários políticos”
(PORTER, 1999, p. 202). Utilizando a bandeira do humanitarianism, a concepção
política imperial passa por transformações, a incluir para além dos nobres, essa nova
classe média urbana na política e na tomada de decisões.

No além-mar a política atrelada ao humanitarianism tornou-se bem estruturada e


combativa às oposições e resistências encontradas na expansão imperial. O movimento
contribuiu para levar os costumes e concepção de vida britânica para seus domínios por
meio dos novos religiosos. O autor cita Norman Etheringhton (2008) para corroborar
este fato. Passetti aborda a importância das societies para o cumprimento deste papel, e
conclui informando a importância da bandeira do humanitarianism para se criar a
associação de riqueza e hegemonia do império britânico como um dos responsáveis por
este levar a ideia de civilização para suas colônias.

A nova historiografia mostra a atuação dos conservadores na expansão imperial


britânica. Em oposição aos humanitarians, o movimento intitulado Colonial Reformers
contribuiu para a manutenção das novas posses britânicas, apesar de buscar impor
políticas de superioridade nos nativos e impondo costumes e cultura britânicas a estes.
Os locais que estes atuavam eram selecionados por seu povo, terras férteis e condições
climáticas, como aponta Passetti. Eram responsáveis por legitimar as terras aderidas
pelos humanitarians e comercializá-las na Grã-Bretanha por meio de companhias.
Estas, apesar de não terem absoluto êxito comercial, intensificaram o ganho de recursos
para o império britânico.

O autor expõe a maneira que o mercado encontrou para divulgar os feitos da


expansão britânica – mesmo que precisasse exagerar em partes de suas narrativas. Por
meio da literatura destinada a determinados públicos-alvo, eram narradas as abstratas
ideias positivas aceca da conquista britânica pelo mundo, sempre elaborando uma
contraposição entre nativos não-civilizador e brancos civilizados. Esse mercado de
informações cresceu por conta dos avanços das tecnologias de comunicação, seja por
meio de trem, telégrafos, cientistas, viajantes etc., a contribuir para a promoção das
“benfeitorias” dos ingleses no além-mar.

Por fim, Gabriel Passetti conclui a mostra bibliográfica elucidando ao leitor a


imponência britânica e a contradição que seus pesquisadores se dedicaram a encontrar
sobre a manutenção e importância do império outrora inigualável. Realça a importância
de compreendermos que a expansão não se deu pacificamente ao convergir a visão de
autores distintos a respeito da temática, mas entender o papel das oposições, das normas
oficiais, da língua, dos costumes e tradições desse povo na ainda marcante dominação
mundial inglesa. Traz ao seu leitor a necessidade de observar a contribuição dos
avanços tecnológicos para a efetivação do poderio britânico, mas sempre destacando
que tal ação não se deu de modo estritamente planejadas, e sim por meio de um
conjunto de fatores internacionais externos que facilitaram a dominação.

Referências
DARWIN, John. The Empire Project: the rise and fall of the British world system.
1830-
1970. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.

ETHERINGTON, Norman (ed.). Missions and Empire. Oxford: Oxford University


Press,
2008.

GALLAGHER, J.; ROBINSON, R. The Imperialism of Free Trade. The Economic


History Review, New Series, v. 6, n. 1,p. 1-15, 1953.

PASSETTI, Gabriel. Os britânicos e seu Império: debates e novos campos da


historiografia do período vitoriano. História (São Paulo), Assis/Franca, v. 35, p. 1- 24,
2016.

PORTER, Andrew. Trusteeship, anti-slavery and humanitarianism. In: ______(ed.). The


Nineteenth Century. Oxford: Oxford University Press, 1999. p. 198-221.

WATSON, Adam. A evolução da sociedade internacional: uma análise histórica


comparativa. Brasília: UnB, 2004.

Você também pode gostar