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Uua FeceSóLÂrrrrNe

OU
SERVENTIA
DASIDÉIASFIXAS

L955
/ UM^ F^c,{ Só L^MrN^ 205

Paíc Vintcius de Morues Assimcomouma bala


enteríadano corpo,
fazendomais espesso
um dosLadosdo morto;
assitncofio umabaln
do chumbomaíspesado,
no músculode um homem
pesando-omais de um lado

qual bolí que titesse


um vivo mecarismo,
bala quepossuísse
ufl coÍaçAoaüyo
igual ao de um rclógio
submern em algum corpo,
ao de um relógioivo
e tambtin reyoltoso,

rclógioque tivuse
o gut.nede umafocg
e tod.aa impiedade
de lâmixa azula.da;
assimcomoumafaca
que.sem bolsooubainha
setransformasseemPorte
de vossaanatomia;
qral umafaca íntima
ou faca d.eusointemo,
habìtandonum arpo
comoo própio esqueleto
de um homemque o titase,
e sempre,dobroso,
de homemqueseferìsse
contrqseuspróprios ossos.
/ UMA F^cA Só L{MINA
JoÃo CABRÂr.
DEMELo NETo / OBRÀCoMpLEr\

Sejabala,relógio, Dasmaissurpreendentes
ou a lâminacolérica, é a vida de tal faca:
é contudouma ausência faca, ou qualquer metáfora,
o que essehomem leva. pode ser cultivada.

Mas o que não está E maissurpreendente


neleestácomo bala: aindaé suacultura:
tem o ferro do chumbo, medranão do que come
mesmafibra compacta. porém do quejejua.

Isso que não está Podesabandonáìa,


neleé como um relógio essafacaintestina:
pulsandoem suagaiola, iamaisa encontraÌás
sem fadiga, sem ócios. com a bocavazia.

Issoque não está Do nadaeladestila


neÌeestácomo a ciosa aaziaeovinagre
presençade uma faca, e mais estÌatagemas
de qualquer faca nova. pÍivativosdossabres.

Por issoé que o melhor E como facaqueé,


dossímbolosusados fenorosae enérgica,
é a lâmina cruel semajudadispam
(melhorsede Pasmado): suamáquina perversa:

porquenenhumindica a lâmina despida


essaausênciatão ávida que cresceao segastaÌ)
como a imagem da faca que quantomenosdorme
que só tivesselâmina, quantomenossonohá,

nenhummelhor indica cuio muito cortar


aquelaausênciasô&ega lhe aumenta mais o corte
que a imagemde uma faca e úve a separir
reduzidaà suaboca, em outras,como fonte.

que a imagem de uma faca (Que a vida dessafaca


entregueinteiÌamente semede Pelo avesso:
à fome pelascoisas seiarelógioou bala,
que nasfacassesente. ou sejaa facamesmo.)
JoÂo CABML DEMEro NETo / OBRACoMPLIì / UMÀ FAcÁ Sô LÀMINÁ
^

c D

Cuidado com o objeto, Pois essafaca àsvezes


com o objetocuidado, por si mesmaseaPaga.
mesmo sendouma bala É a isso que sechama
dessechumboferrado, maré-baixa da faca.

porqueseusdentesiá ' Talvez que não seapague


a baÌaostraz rombudos e somenteadoÍmeça.
e com facilidade Seaimagemérelógio,
seembotammaisno músculo. a suaabelhacessa.

Mais cuidadoporém Mas quer durma ou seapague:


quando for um relógio ao calar tal motor,
com o seucotação a alma int€iÌa setorna
acesoe espasmódico. de um alcalino teor

E preciso cuidado bem semelhanteà neutra


por que não seacomPasse substância,quasefeltro,
o pulso do relógio que é a dasaìmasque não
com o púso do sangue, têm facas-esqueleto,

e seucobretão nítido E a espadadessalâmina,


não confunda a passada suachama antesacesa,
com o sangueque bate e o relógionervoso
já semmorder maisnada, e a tal balaindigesta,

Entãosefor a faca, tudo segueo pÌocesso


maior sejao cuidado: de lâmina que cega:
a bainhado corpo faz-sefaca,relógio
podeabsorvero aço. ou balade madeira,

TambémseucoÍte àsvezes balade couro ou pano,


tendea toÌnar-serouco ou relógiode breu,
e há casosem que ferros faz-sefaca semvértebras,
degenerara em couro. facade argila ou mel.

O importante é que a faca (Porémquandoa maré


o seuardor não perca .jánem seesperamais,
e tamPoucoa conomPa eis que a facaressurge
o cabode madeira. com todos seuscdstais.)
,oÀo CABML DEMELo NETo / oBRÁ coMPII ,.,
/ UMA FÁcASó L^MrNÂ

E
F

Forçosoé conservar
a faca bem ocúta Quer sejaaquelabala
pois na umidâde pouco ou outra qualquer imagem,
sejamesmo um relógio
seurelâmpagodura
a ferida que guarde,
(na umidade que criam
ou ainda uma faca
salivasde conversas,
que só tivesselâmina,
tanto mais pegajosas
quantomaisconfidências). de todas asimagens
a mais voraz e gúfica,
Forçosoé essecuidado
ninguém do próprio corpo
mesmo senão é faca
poderá retirála,
a bÌasa que te habita
não importa seé bala
e sim, relógio ou bala.
nem seé relógio ou faca,
Não suportam também
todas as atmosferas: nem importa qual seja
a raça dessalâmina:
sua carne selvagem
quer câmarasseveÍas. hca mansade mesa,
feroz pernambucana.
Mas sedevessacrá-los
para melhor softê-los, E senão a retiÌa
quem sofre sua rapina,
que sejaem algum páramo
ou agrestede ar aberto. menospode arrancáJa
nenhuma mão úzinha.
Mas nunca sejaao ar
que pássaroshabitem. Não pode contÍa ela
Dwe sera um ar duro, a inteira medicina
de facasnumerais
sem sombra e sem vertigem.
e aritméticas pinçãs.
E nuncasejaà noite,
que estatem asmãos férteis. Nem ainda a polícia
com seusciÌurgiõ€s
Aos ácidos do sol
e até nem mesmo o tempo
seja,ao sol do Nordeste,
com os seusalgodões,
à febre dese sol
que faz de arameas ervas, E nem a mão de quem
que faz de esponjao vento sem o saberplantou
bala,relógioou faca,
e faz de sedea terra.
imagensde furor.
loÃo CABRÁL
DE MELo Nsro / OBRÂCoMpr.tü / UM^ F^cA Só L^MIN^

G H

Essabala que um homem Quando aqueleque os sofre


Ìevaàsvezesna carne trabalha com palavras,
faz menos rarefeito sãoúteiso rêlógio;
todo aqueleque a guarde. a bala e, mais, a faca.

O que um relógioimplica Os homens que em geral


por indócil e inseto, lidam nessaoficina
encerradono corpo têm no almoxarifado
faz estemais desperto. só palavÌasextintas:

E seé facaa metáfora umas que seasfixiam


do que leva no músculo, por debaixodo pó
facasdentro de um homem outrasdespercebidas
dão-lhe mai'oÍ impulso. em meio a grandesnós;

O fio de uma faca palawasque perderam


mordendoo corpo humano, no uso todo o metal
de outro corpo ou punhal e a areia que detém
tal corpo vai armando, a atençãoque lê maÌ.

pois lhe mantendoúvas Poissomenteessafaca


todas asmolâs da alÌna dará a tal operfuio
dáìhes ímpeto de lâmina olhos mais frescospara
e cio de arma branca, o seuvocabulário

alémde ter o corpo e somenteessafaca


que a guarda crispado, e o exemplode seudente
insolúvel no sono lhe ensinaráa obter
e em tudo quantoé vago, de um materialdoente

como naquelahistóda o que em todas asfacas


por alguém referida é a melhor qualidade:
de um homem que sefez a agtdeza Íeroz,
memória tão ativa certaeletricidade,

que pôde conservar mais a vioÌência limpa


tÍeze anos na palma que elastêm, tão exatas,
o pesode uma mâo, . o gostodo deserto,
feminina,apertada. o estilodasfacas.
JoÁo CABML DEMELo NlTo / OBM CoMpr-Dt^
/ UMA FACASó LÀMINÀ

I
De rclta dessafaca,
amigaou inimiga,
Essalâtnina adversa,
quemaíscondensa o homem
como o relógio ou a bala,
qua to nais o masüga;
setorna mais alerta
todo aqueleque a guarda,
de rcIta dessafaca
deporte tão secaeto
sabeacordar também
que det'esetlevada
os objetos em torno
comoo ocultoesqueleto;
e atéos próprioslíquidos
podem adquirir ossos,
da imagemem quemaìs
me detíve,a da hmina,
E tudo o que era vago,
porqueé de todaselas
toda Íiouxa matéria,
para quem sofie a faca certamentea maìsávida;
ganhanervos, arestas.
poìsde yolta dafaca
x nbe ò outra imagem,
Em volta tudo ganha
àquelade um relógio
a vida mais intensa,
picandosoba carne,
com nitidezde agulha
e presençade vespa,
e delaàquelaouto,
s pineíra, a da bald,
Em cadacoisao lado
que tem o dentegrosso
que corta seÌevela,
poúm forte a dentada
e elasque pareciam
redondascomo a cera
e daí à lembrança
que1)esüutais iuagens
despem-se agorado
e é Ìnuito maísintensa
calosoda rotina,
do quepôde a linguagem,
pondo-se a funcionar
com todassuasquinas.
e ofinal à presença
pima,
da realid.ad.e,
Pois enúe tantas coisas
quegeroua leubronça
que também já não dormem,
e ainda a geta aìnda,
o homem a quem a faca
cofta e emprestaseucoÌte,
por fm à rcalìdade,
piüa, e tã.oiole ta
soliendo aquelalâmina
que4o tentar apreefldê-la
e seuiato tão frio,
passa,lúcido e insone, toda imagemrebenta,
vai fio contÍa fios.
FIM DE.UMA FÁ,c SÓ I.ÁMINÂ"

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