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WUJI, TAI-CHI E AS DEZ MIL COISAS:

A COSMOGONIA CHINESA NOS TEXTOS CLÁSSICOS DO TAI-CHI-CHUAN

Rodrigo Wolff Apolloni1


INTRODUÇÃO

Uma pessoa interessada em Tai-Chi-Chuan vai à internet em busca de


informações. Ela acessa a plataforma Youtube, digita o respectivo termo de
pesquisa e, em cerca de um segundo, tem como retorno uma lista de
aproximadamente 204 mil vídeos relacionados ao tema2. Dentre eles, milhares
apresentam formas ou rotinas de mãos livres ou com armas tradicionais que
caracterizam os cinco estilos clássicos ou canônicos de Tai-Chi-Chuan: Chen
(陳式), Yang (楊氏), Wu/Hao (武/郝氏), Wu (吳氏) e Sun (孫氏)3.
Essas formas começam de forma aparentemente simples, com o
praticante parado em posição ereta, os pés unidos e os braços em posição de
repouso junto ao corpo. Se a forma for feita com uma arma tradicional, essa
posição será ligeiramente diferente, com um dos braços/mãos ajustado à
empunhadura, mantendo-se, contudo, o mesmo princípio de aparente
relaxamento em espera.
Em questão de segundos, um dos pés se desloca para o lado ou para trás,
os braços se elevam e a rotina tem início. Dependendo da quantidade de
passos e técnicas, a sequência durará de menos de dois minutos, como no
caso de formas modernas curtas, a cerca de uma hora, caso de certas formas
clássicas4. Se o vídeo registrar uma rotina completa, ela provavelmente será

1
Rodrigo Wolff Apolloni (rwapolloni@gmail.com) é mestre em Ciência da Religião pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e doutor em Sociologia pela Universidade Federal do
Paraná (UFPR). Praticante de Tai-Chi-Chuan e Kung-Fu desde 1985, é professor formado pelos mestres
Chan Kowk Wai, Lee Chung Deh e Jorge Jefremovas. É diretor de práticas corporais do Centro Ásia, em
Curitiba (www.centroasia.com.br).
2
Em uma contagem de dezembro de 2015.
3
Em termos exatos, a expressão “Tai-Chi-Chuan” (“太極拳”) se refere às técnicas e formas praticadas
com as mãos livres. Formas que incorporam espada, sabre, leque, lança, alabarda e clava substituem o
terceiro ideograma - Chuan, (拳), “punho” – pelo da respectiva arma tradicional. Neste artigo, para
simplificar a leitura, usaremos a expressão “Tai-Chi-Chuan” de forma ampla, isto é, identificando tanto
as formas de mãos livres quanto as formas com armas. Quando a diferenciação se fizer necessária, ela
será indicada no próprio texto.
4
Por “modernas”, no presente contexto, devemos compreender as formas criadas pelo governo da
República Popular da China (através do Conselho Nacional Chinês de Esportes e Educação Física) a partir
de 1956, ano em que foi lançada a rotina de mãos livres em 24 movimentos da Escola Yang. Formas
concluída com um retorno ao ponto de partida, sendo o movimento final, de
fechamento da forma, e exato oposto ao de seu início: os pés se reencontram,
o corpo permanece ereto e os braços retornam suavemente à posição de
descanso junto ao corpo5.
Para o observador leigo e mesmo para muitos praticantes de Tai-Chi-
Chuan, a postura situada imediatamente antes do início e logo após o
fechamento não merece maior atenção. Não seria ela, apenas e tão somente, a
posição de entrada e saída da forma, uma “moldura” adequada por sua
inexpressividade corporal?
Seria, se ela originalmente se limitasse a esse papel. Examinando textos
clássicos sobre Tai-Chi-Chuan, ficamos surpresos ao descobrir a atenção e o
número de caracteres dedicados à descrição dos elementos físicos, mentais e
“energéticos” que compõem a postura inicial e final das formas. Essa postura
materializa o chamado Wuji ou Wu-Chi ( 無 極 ), termo que traduziríamos
inicialmente como “Vazio Primordial”, um estado de grande importância para a
religiosidade chinesa, especialmente no contexto do Taoísmo.
A proposta deste artigo é abordar Wuji e outros conceitos “filosófico-
corporais” 6 do Tai-Chi-Chuan a partir de alguns desses textos e perceber como
seus autores os situavam dentro da prática da modalidade. Para tanto, vamos
trilhar um caminho que prevê, em um primeiro momento, uma introdução aos
conceitos de Tai-Chi-Chuan e de Tai-Chi; em seguida, buscaremos desvelar o
conceito de Wuji, partindo de sua relação com o conceito de Tai-Chi (a
“Cumeeira Suprema”).
A seguir, faremos uma aproximação da história da arte marcial chinesa,
em especial do período situado entre o declínio da Dinastia Ming (século XVII)
e o início do século XX, buscando localizar algumas de suas relações com a
religiosidade de corte budista-taoista.

“clássicas” são as canônicas anteriores a esse período. Sobre a datação do Tai-Chi-Chuan moderno, ver
LI, X., HONG, Y., e CHAN, K., "Tai chi: physiological characteristics and beneficial effects on health",
artigo publicado em British Journal of Sports Medicine, volume 35, número 03, junho de 2001, pp. 148-
153, p. 148.
5
O Tai-Chi registra formas cujo ponto de fechamento não equivale ao de abertura. Elas, porém, são
raras.
6
A expressão “filosófico-corporais” não dá conta da amplitude de conceitos como “Wuji”: eles são
filosóficos, na medida em que nascem das escolas chinesas de pensamento; são religiosos porque se
associam ao Taoísmo e ao Budismo; são energéticos, porque se referem à cosmogonia e à teoria médica
chinesa.
Passaremos então à observação dos textos. Nesse processo,
buscaremos perceber as chaves usadas para traduzir, em termos corporais –
na prática da arte marcial e do estado mental a ela associado – conceitos sutis,
muito mais porque próprios de um padrão de integração corpo-mente com que
não estamos acostumados neste início de século XXI. Como conclusão,
faremos algumas considerações a respeito de como o conhecimento de
conceitos como os de Wuji e Tai-Chi podem beneficiar a prática atual do Tai-
Chi-Chuan.
Uma observação antes de iniciar o trabalho: ideias como as de Wuji e Tai-
Chi perpassam boa parte do pensamento chinês dos últimos vinte e cinco
séculos, sendo, portanto, tremendamente ricas em suas relações com o
contexto histórico. Nós propomos um recorte sobre a sua conexão com a
prática marcial, mais especificamente a do Tai-Chi-Chuan7.

1. TAI-CHI-CHUAN

Quando investigamos o tema deste artigo, somos confrontados, em


primeiro lugar, com sua posição dentro do universo das práticas corporais:
afinal, o que é Tai-Chi-Chuan? Não existe um conceito simples, uma vez que a
prática sofreu transformações próprias de sua prevalência ao longo de pelo
menos duzentos anos e de sua transplantação para os países do Ocidente nas
últimas décadas8.
Os “tai-chis” praticados na China do início do século XIX9 e no Brasil do
século XXI são os mesmos – eles seguem certos fundamentos que
caracterizam a prática desde a sua origem, como os padrões e a lentidão dos
movimentos do corpo – e, ainda assim, são muito diferentes. Se ao Tai-Chi-
Chuan dos velhos mestres chineses importava elementos como o poder
marcial e o sutil cultivo da “imortalidade” nos moldes taoistas, aos praticantes

7
Para facilitar a leitura por parte de pessoas não acostumadas com os sinais diacríticos do sistema de
romanização Pīnyīn, optamos pelo uso de uma romanização mais simples, pautada no uso comum de
termos como “Tai-Chi-Chuan”, “Chi”, “Chi Kung”, “Wuji”, “Wudang” e “Shaolin”; ao final do texto,
contudo, trazemos uma lista com os termos na transliteração simplificada, em escrita tradicional chinesa
e em romanização pelo sistema Pīnyīn.
8
Sobre o nascimento da moderna arte marcial chinesa, ver SHAHAR, M., “O Mosteiro de Shaolin”, 1ª
edição, São Paulo: Perspectiva, 2008, 349 p.
9
Fase de conformação e consolidação institucional da prática nos cinco estilos clássicos ou canônicos.
recentes têm grande valor os ganhos à saúde e à sociabilidade 10 . Esses
valores, por certo, não são excludentes – eles recebem, apenas, ênfases
diferentes em contextos histórico-culturais distintos.
Em nosso artigo, em que se busca conhecer de forma mais detalhada um
conceito essencialmente chinês, o recorte do Tai-Chi-Chuan terá como centro
olhares mais antigos, ancorados em elementos da marcialidade e,
especialmente, da cosmogonia chinesa materializada na prática psíquico-
corporal. Uma perspectiva que, acreditamos, guarda interesse para praticantes
e professores de nossa época interessados em adquirir um arcabouço teórico
ao mesmo tempo tradicional e aplicável à vivência da arte.

2. O TAI-CHI-CHUAN ETIMOLÓGICO

Uma aproximação etimológica em relação aos ideogramas que compõem


a expressão chinesa “Tai-Chi-Chuan” (Figura 01) revela, primeiramente, sua
natureza marcial. A chave para esse entendimento reside no terceiro
ideograma 11 , “Chuan” (“拳”) – literalmente, “punho” –, que deve ser lido no
sentido de uma parte do corpo representativa de uma forma de combate sem
armas que também contempla braços, cotovelos, pernas, pés, joelhos, cabeça
e tronco12.
O ideograma também aparece em outras denominações marciais
chinesas, como “Shaolin Chuan” (“少林拳”, família de estilos de luta originária
do mosteiro budista de Shaolin, em Henan), “Mei Hua Chuan” (“梅花拳”, “Punho
da Flor de Ameixeira”, estilo marcial registrado documentalmente no início do
século XIX13) e “Nan Chuan” (“南拳”, “Punho do Sul”, identificação genérica de
estilos do sul da China).
No caso das formas de Tai-Chi com armas, “ 拳 ” é substituído pelo
ideograma equivalente ao da respectiva ferramenta de combate: “劍” (“Jian”,

10
Ênfase que é assumida pela própria academia, como vemos em WAYNE, P., e FUERST, M., “The
Harvard Medical School Guide to Tai Chi”, 1ª edição, Boston: Shambala, 2013, 336 p.
11
Em ordem de leitura da esquerda para a direita. Outras ordens de produção da escrita – da direita
para a esquerda ou de cima para baixo – também são possíveis.
12
Sobre as dificuldades de tradução do termo no contexto da marcialidade, ver SHAHAR, M., op. cit., pp.
165 e 166.
13
Idem, pp. 181-183.
espada reta), “ 刀 ” (“Dao”, faca/sabre/facão), “ 扇 ” (“Shan”, leque) ou “ 枪 ”
(“Chien”, lança).

Figura 01 – Ideogramas da Expressão “Tai-Chi-Chuan”.

Os dois outros ideogramas, “太極”, constituem uma expressão que pode


ser lida em sentido literal ou, então, dentro de um contexto que incorpora
aspectos cosmológicos ou energéticos, ligados à concepção chinesa de
formação e transformação do universo a partir de uma dinâmica de inter-
relação de princípios opostos, Yin (陰) e Yang (陽).
Em termos literais, “Tai” (“ 太 ”) pode ser traduzido como “supremo”,
“extremo” ou “demasiado” – ele seria a representação de algo grande (“大”,
uma pessoa de braços abertos = “grande”) que está sobre uma rocha
(representada pelo traço “丶”acrescido ao ideograma “大”).14 “Chi” ou “Ji” (“極”),
por sua vez, pode ser lido tanto como “cume”, “cumeeira” ou “viga mestra”15
quanto no sentido de indicar algo que está acima, no topo ou em uma condição
de superioridade em relação aos elementos de comparação (o mais alto em
relação a “x” ou “y”, por exemplo).

14
Para essas duas acepções, ver CEINOS, P., “Manual de Escritura de los Caracteres Chinos”, 1ª edição,
Madri: Miraguano Ediciones, 2008, 381 p., p. 19 e 56; GRANET, M., “O Pensamento Chinês”, 1ª edição,
Rio de Janeiro: Contraponto, 1997, 415 p., nota 403 (p. 369); e ROBINET, I., “Wuji and Taiji”, in
PREGADIO, F., "The Encyclopedia of Taoism - Volume 1 & 2", 1ª edição, Nova Iorque: Routledge, 2008,
1551 p., p. 1059.
15
GRANET, M., op. cit., nota 403 (p. 369); no sentido de “cumeeira”, ver CHENG, A., “A História do
Pensamento Chinês”, 1ª edição, Petrópolis: Vozes, 2008, 816 p., p. 497.
Ao traduzir “Tai-Chi” literalmente, então, chegaríamos a uma expressão
indicativa de algo que é insuperável em sua grandeza. Em inglês, aliás, “Tai-
Chi” é muitas vezes traduzido como “Supreme Ultimate” (no sentido de o maior,
o melhor ou o mais rematado representante de alguma coisa) 16 . Nesse
contexto, portanto, “Tai-Chi-Chuan” poderia ser lido como a “forma de luta
insuperável em sua grandeza”, “a arte marcial invencível” ou “a mais refinada
técnica de luta”.
Tai-Chi ( 太 極 ), contudo, comporta outra leitura, mais próxima do
significado pretendido quando da construção, entre os séculos XVII e XIX, de
uma cultura do Tai-Chi-Chuan que é produto da soma entre conteúdos
corporais e não corporais. Essa leitura se relaciona com aspectos históricos e
cosmológicos chineses.
A expressão “Tai-Chi”, explica a sinóloga Isabelle Robinet, se liga a um
antigo conceito chinês relacionado ao fulcro ou ao centro do universo e da
pessoa:

O termo taiji [tai-chi], ou Grande Último (literalmente, a Grande Viga


Mestra), parece ter origem taoista. Nos manuscritos de Mawangdui [馬王堆,
século II a. C.], a mesma noção aparece como daheng 太恆 (Grande
Constância). Fontes taoistas associam o Grande Último com o Taiyi
(Grande Um), a estrela-divindade que reside no centro do Céu, e com
huangji 皇 極 (o Augusto Último), outro termo que designa o centro. O
Grande Último é, portanto, o coração cósmico (xin), assim como é a estrela
polar (jixing 極星) e o coração humano.17

Literalmente como “Tai-Chi”, o termo pode ser encontrado nos escritos de


Chuang Tzu (369 a 283 a. C.), mais exatamente no texto “O Maior e Mais
Honrado Mestre” (“Da Zongshi”, “ 大 宗 師 ”), pertencente aos chamados
“Capítulos Internos” (“Nei pian”, “內篇”) da obra do filósofo taoista. Nela, é
utilizado para expressar a dialética dos opostos – a separação-polarização,
contato, integração e mutação de Yin e Yang, os princípios feminino e

16
A tradução é encontrada, por exemplo, em LO, B., INN, M., FOE, S., e AMACKER, R., “The Essence of
T’ai Chi Ch’uan”, reedição da 1ª edição (1985), Berkeley: Blue Snake Books, ND, 102 p., p. 99.
17
ROBINET, I., op. cit. p. 1059, tradução nossa. Mawangdui, a que se refere a citação, é um sítio
arqueológico escavado na província chinesa de Hunan no início dos anos setenta do século passado. Ele
é composto por um conjunto de tumbas de nobres da dinastia Han (Han Chao, 漢朝). Referência: BONN-
MULLER, E., “China’s Sleeping Beauty”, in Archaeology, edição de 10 de abril de 2009, disponível em
http://migre.me/sHV14 (acesso 15.01.15).
masculino18 – que regeria o universo. Chuang Tzu relaciona o conceito ao do
Tao, o princípio de que emana a realidade:

Este é o Tao; nele há emoção e sinceridade, mas ele nada faz e nem
possui corporeidade. Ele pode ser transmitido (pelo professor), mas pode
não ser recebido (por seus alunos). Ele pode ser apreendido (pela mente),
mas não pode ser visto. Ele possui suas raízes e seu solo (de existência)
em si mesmo. Antes que houvesse céu e terra, nos tempos mais remotos,
ele seguramente já existia. Dele vêm as misteriosas existências dos
espíritos, dele vem a misteriosa existência de Deus. Ele produziu o Céu;
ele produziu a Terra. Foi antes do Tai Ji e, ainda assim, não pode ser
considerado elevado; estava abaixo de todo o espaço e, mesmo assim,
não pode ser considerado profundo. Foi produzido antes do Céu e da
Terra, e, mesmo assim, não se pode dizer que existiu por muito tempo; era
mais velho que a mais remota antiguidade e, mesmo assim, não pode ser
considerado velho. Fu-Xi19 o possuía e, por meio dele, penetrou o mistério
da maternidade do tema fundamental.20

Na “Explicação do Diagrama da Cumeeira Suprema” (“Taijitu Shuo”, “太極


圖 說 ”), Zhou Dunyi ( 周 敦 頤 , 1017-1073), pensador que promoveu o
renascimento de valores cosmológicos chineses durante a Dinastia Song (宋朝,
960 – 1279)21, apresenta o Tai-Chi como o “princípio do princípio”, o fator que
dá início às mutações que conformam o universo:

A Cumeeira suprema [Tai-Chi] no movimento dá origem ao Yang, o


movimento chegado ao seu auge torna-se quietude, na quietude tem
origem o Yin, a quietude chegada ao seu auge retorna ao movimento.
Movimento e quietude alternam-se, deitando raiz um no outro. Um Yin, um
Yang, de sua divisão surgem os dois modelos. Da transformação do Yang
e de sua união com o Yin nascem água, fogo, madeira, metal, terra.
Quando estas cinco energias agem numa sucessão harmoniosa, as quatro
estações seguem seu curso.22

18
“O Yin e o Yang não podem ser definidos nem como puras entidades lógicas, nem como simples
princípios cosmogônicos. Não são nem substâncias, nem forças, nem gêneros. São tudo isso,
indistintamente, e nenhum técnico jamais os considera sob um desses aspectos, à exclusão dos outros.”
GRANET, M., op. cit., p. 99.
19
“(...) Fu Hsi (伏羲) foi o primeiro dos Três Imperadores, o assim chamado fundador da China, a quem
são creditados o estabelecimento do regramento real, das leis de casamento e a contagem do tempo
pela invenção de um calendário que utilizava uma corda com nós.” STEVENS, K., “Chinese Gods – The
Unseen World of Spirits and Demons”, 1 ª edição, Londres: Collins & Brown, 1997, 191 p., p. 56.
Tradução nossa para o português.
20
CHUANG TZU, “O Grande e Mais Honrado Mestre” (“大宗師”, “The Great and Most Honoured
Master”), tradução de James Legge para o inglês disponível in Chinese Text Project -
http://ctext.org/zhuangzi/great-and-most-honoured-master (acesso 06.01.16). Tradução nossa para o
português.
21
CHENG, A., op. cit., p. 497.
22
Idem.
Ao examinar “O Grande Comentário” ("Chuan" - “傳” ou “As Dez Asas”,
"Shi I" – “十翼”) – interpretação do “Livro das Mutações” (“I Ching”, “易經”)
atribuída a Confúcio –, o intelectual Shao Yong (邵雍, 1012-1077) apresenta o
Tai-Chi como a matriz da divisão do elemento original indivisível (Wuji, que
veremos no próximo item) em duas polaridades que interagem e geram as
mutações que configuram o universo:

Portanto, nas Mutações [referência ao “I Ching”], a Cumeeira suprema gera


os dois modelos [Yin e Yang]. Os dois modelos geram as quatro imagens
[referência às linhas “jovens” e “velhas” que constituem os trigramas que vão
formar as 64 mutações previstas no “I Ching”], as quais geram os oito
trigramas.23

A Cumeeira suprema é o Um (enquanto é a totalidade indivisível, o Um não


pode ser um número). Sem pôr-se em movimento, ele dá origem ao dois.
Desde que há o dois, há a potência espiritual (que representa o aspecto
dinâmico da realidade e introduz a possibilidade de mutação, enquanto a
Cumeeira suprema permanece imóvel). O espiritual dá origem aos números
(que, enquanto aspecto da realidade, são produzidos, portanto, nesta
primeira passagem da imobilidade ao movimento). Os números dão origem
às imagens. As imagens dão origem aos objetos concretos.24

Assumindo o termo “Tai-Chi” como sendo oriundo da antiga semântica


taoista, portanto, teríamos Tai-Chi-Chuan não como a “forma de luta
insuperável em sua grandeza” (conceito nascido da tradução literal feita alguns
parágrafos acima), mas como a forma de luta que se conecta diretamente aos
princípios que regem a dialética universal de Yin e Yang.
Esse conceito, de cunho tradicional – ou seja, associado ao olhar chinês
anterior ao da chegada dos comunistas ao poder, em 1949 25 –, interessa
especialmente ao nosso estudo.26

23
Idem, p. 489.
24
Idem, p. 490.
25
A chegada dos comunistas ao poder e a fundação da República Popular da China implicaram
transformações no olhar sobre a arte marcial tradicional: em muitos casos, ela perdeu seu caráter
privado, mágico ou subversivo, e ganhou contornos mais próximos do valorizado pelo pensamento
socialista: uma arte de cunho desportivo ou voltada à saúde e, principalmente, à construção do “novo
homem chinês”. A esse respeito, ver BALLARDINI, B., "Between Sport and Ideology: the modernisation
of the Chinese Martial Arts", apud APOLLONI, Shaolin à Brasileira: estudo sobre a presença e a
transformação de elementos religiosos orientais no Kung-Fu praticado no Brasil, dissertação
apresentada ao Departamento de Pós-Graduação em Ciência da Religião da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, 2002, 221 p., p. 55.
Um conceito complementar ao que apresentamos é de Susan Foe,
tradutora e editora de uma das primeiras compilações em língua inglesa de
clássicos chineses sobre Tai-Chi-Chuan, publicado em 1975. Segundo ela,
“T’ai Chi Ch’uan é um método pelo qual assuntos externos são regulados
(autodefesa) enquanto o ch’i (respiração) é cultivado (yoga)”27.
Ao associar respiração a um princípio energético (ch’i ou chi – "氣"), esse
conceito estabelece uma conexão material entre a corporeidade e os princípios
regentes do cosmos segundo a tradição taoista. Essa aproximação, corrente
em boa parte dos textos clássicos sobre Tai-Chi-Chuan, é importante para a
compreensão do valor do Wuji no contexto desta arte marcial.

3. WUJI

O conceito de Tai-Chi, sobre o qual nos detivemos no item anterior, é


essencial para a localização e para o entendimento do conceito de Wuji (Fig.
02). Nos pensamentos taoista e confucionista, ambos os termos se relacionam
profundamente.
Em termos de construção linguística, Wuji e Tai-Chi estão muito próximos.
Segundo o critério de transliteração que escolhemos, pautado em uma leitura
mais corriqueira das expressões, o mesmo ideograma, “極”, é lido como “Chi” e
como “Ji”. Na romanização Pīnyīn, os termos são lidos como “Tàijí” e “Wújí”.
“Chi” e “Ji” equivalem, portanto, ao ideograma cuja tradução remete aos termos
“cume”, “cumeeira” ou “viga mestra”. Enquanto “Tai” estabelece uma noção de
tamanho, “Wu” expressa ausência.
Wuji ( 無 極 ) seria, então, o “Sem Cumeeira”, “Sem Viga Mestra” ou,
segundo algumas traduções para o inglês, o “Sem Extremidades”, “Sem Fim”,
“Sem Fronteiras” ou “Infinito”. 28 A ausência da “viga mestra” diz respeito à
ausência de limites; ela se refere a um objeto, fenômeno, contexto ou

26
Um conceito mais amplo de Tai-Chi-Chuan deveria incluir elementos que ganharam relevo na prática
nas últimas décadas, tais como a valoração da saúde, da sociabilidade e mesmo da possibilidade de uma
vivência religiosa de cunho pessoal pautada em leituras da religiosidade chinesa.
27
LO, B., INN, M., FOE, S., e AMACKER, R., op. cit., p. 09. Tradução nossa.
28
A tradução “Sem Extremidades” aparece em uma nota produzida por Tim Cartmell para a tradução da
obra do Mestre Sun Lutang, LUTANG, S., “A Study of Taijiquan by Sun Lutang”, 1ª edição, Berkeley: Blue
Snake Books, 2003, 221 p., p. 69, nota 01. As traduções “Sem Extremidades”, “Sem Fim”, “Sem
Fronteiras” ou “Infinito” são de Isabelle Robinet e aparecem em in PREGADIO, F., op. cit. p. 934.
configuração anteriores a quaisquer sistemas de medição – anteriores, mesmo,
a uma inteligência demiúrgica à moda platônica, capaz de construir valores e
classificar as coisas.

Fig. 02 – Ideogramas da expressão “Wuji”

É possível afirmar que o conceito de Wuji é tão antigo quanto o de Tai-Chi.


Ambos pertencem a um mesmo período histórico, a Era dos Reinos
Combatentes (Zanguo Shidai - 戰國時代, 480 a. C – 221 a. C.), período da
dinastia Zhou (周朝, 1046 a. C. – 256 a. C.) que culminou com a reunificação
da China sob o imperador Qin Shi Huang (秦始皇).29
Um dos registros mais antigos de Wuji aparece no “Tao Te Ching” (“O
Livro do Caminho e de sua Virtude”, “道德經”), obra surgida por volta de 250 a.
C. e atribuída a Lao Tzu (老子), patriarca semilendário do Taoísmo que teria
vivido entre os séculos VI e V a. C.30.
Nos versos que formam o Capítulo 28, 無極 é indicado como a verdadeira
meta do homem sábio, de retorno a “um estado que faria referência à pureza e
à simplicidade infinitas da infância”31: “Conheça em si o branco, adira ao negro;
faça de si a Regra do Mundo. Ser você mesmo a Regra do Mundo é caminhar
com a Virtude constante, é retornar ao Wuji Sem Limite.”32

29
Ver CHENG, A., op. cit., p. 208.
30
Idem.
31
JULIAN, S., “Tao Te King. Le livre de la voie et de la vertu composé dans le VI siècle avant l'ère”, 1ª
edição, Paris: L’Imprimerie Royal”, 1842, 303 p., p. 107. Obra disponível em http://migre.me/sG5Ju
(consulta 12.01.16). Tradução nossa.
32
PIETROBON, X., “L’Équilibre des Opposés du Taiji Quan 太極拳 comme principe d’harmonisation” ("O
Equilíbrio dos Opostos do Tai-Chi-Chuan 太極拳 como princípio de Harmonização"), tese de doutorado
No Capítulo 40, Lao Tzu observa que “todas as coisas sob o Céu surgem
Dele [o Tao], existentes (e nomeadas); esta existência surge Dele [o Tao] como
não existente (e não nomeada).”33 A ideia de Wuji, nesse contexto, aparece no
ideograma Wu (無), com sentido de negação (“não existente/não nomeada”,
“não ser”), que se opõe ao ideograma You (有, ter), atribuído às coisas do
mundo.34

3.1 TAI-CHI E WUJI: OPOSTOS, COMPLEMENTARES, IGUAIS

Partindo da etimologia e dos textos clássicos que examinamos até o


momento, seria possível supor que Wuji e Tai-Chi são opostos – “sem
cumeeira” x “cumeeira sagrada” – ou, então, que representam dois momentos,
mais exatamente de passagem de um estado incriado a um estado de criação
e movimento.
Essa é a primeira das duas leituras axiais feitas pelos intelectuais
chineses do período dinástico. Ela é, segundo Isabelle Robinet, a preferida
pelos taoistas, para quem “o Taiji é o início do mundo, mas o Wuji é o próprio
Tao incognoscível”.35
Ela encontra suporte, por exemplo, na supracitada observação feita por
Shao Yong ao “Grande Comentário” (“A Cumeeira suprema é o Um”) e em
textos clássicos do próprio Tai-Chi-Chuan, caso, por exemplo, do “Tai Chi
Chuan Lun” (“Tratado Sobre Tai-Chi-Chuan”, “ 太 極 拳 論 ”) ou “Tratado do
Depósito de Sal”, obra atribuída a Wang Zongyue ( 王 宗 岳 ), um dos pais
lendários da arte marcial chinesa.36 O aforismo de abertura afirma que “Tai-Chi
nasce de Wuji e é a mãe do Yin e Yang. (“太極者,無極而生,陰陽之母也”).37

em Filosofia apresentada à Université Paris Ouset Nanterre La Défense, 2012, 495 p., nota 01, p. 57.
Tradução nossa.
Disp. em http://rhuthmos.eu/IMG/pdf/Xavier_Pietrobon_L_equilibre_des_opposes.pdf (c. 25.01.16)
33
LAO TZU, “Dao De Jing”, tradução para o inglês por James Legge disponível em http://ctext.org/dao-
de-jing (consulta 12.01.16). Tradução nossa.
34
Anne Cheng (op. cit., p. 499) traduz a mesma frase como “As dez mil coisas sob o Céu nascem do há
(you, 有), o há nasce do não-há.” Essa forma, menos truncada que a tradução de Legge, aproxima mais
os sentidos de materialidade e imaterialidade expressos pelo verbo "有" e pela partícula “無”.
35
ROBINET, I., op. cit., p. 1058.
36
Pesquisadores recentes colocam em questão o momento de vida e mesmo a existência de Wang
Zongyue. Segundo algumas fontes, ele teria vivido no século XIII; segundo outras, no século XV; alguns
autores tradicionais afirmam que ele teria sido aluno de Chang-San Feng, o fundador mítico do Tai-Chi-
Outra obra, a do mestre Gu Ruzhang (顾汝章, 1894 - ?)38, reproduz uma
parte do “Manual de Tai-Chi-Chuan” (“Tai-Chi-Chuan Jiang Yi”, “太极拳讲义”)
escrito por Yao Fuchun & Jiang Rongqiao e publicado em Xangai no ano de
1934. Os autores seguem a mesma linha de considerar Tai-Chi como matriz de
Wuji – eles também estabelecem uma relação importante entre os dois
conceitos e sua materialização no corpo do praticante de Tai-Chi-Chuan:

Está escrito no Livro das Mutações [“I Ching”]: “a Não Polaridade gerou a
Grande Polaridade, a Grande Polaridade. Gerou os aspectos duais, os
aspectos duais geraram as quatro manifestações e as quatro manifestações
geraram os oito trigramas.” Quando minha mente está em silêncio, sem
desejos ou preocupações, mesmo todas as coisas boas se aquietam – isto é
chamado Não Polaridade. Quando ativa, então há movimento, isso é como a
Grande Polaridade. Mas quando passiva, quando há quietude, isso é como
a Não Polaridade. Quando o movimento começa, então o aspecto ativo é
gerado. Quando o movimento alcança seu limite, então o aspecto passivo é
gerado.39

A segunda leitura axial, oriunda do confucionismo do período Song, relativiza a


diferença entre Tai-Chi e Wuji. Ambos os princípios estariam em todas as
manifestações simultaneamente, um absolutamente visível (Tai-Chi) e, o outro,
absolutamente invisível (Wuji):

O Wuji ou Infinito é o aspecto negativo, o invisível que só pode ser


conhecido por seus efeitos, mas que permanece escondido mesmo em suas
manifestações. Nesse sentido, Taichi é sinônimo de iluminação,
conhecimento divino, a "real natureza" das coisas, o elixir. É a luz que
conecta internamente cada ser humano, simultaneamente o ponto de partida
e o destino.40

Essa posição, frisada por Zhou Dunyi na sentença de abertura de sua


“Explicação do Diagrama da Cumeeira Suprema” – “Sem Cumeeira, mas

Chuan. Independente de a obra ser ou não um original ou uma falsificação, o fato é que, desde seu
aparecimento, em 1812 em um depósito de sal, ela se tornou uma referência – um legítimo clássico do
Tai-Chi-Chuan. Sobre a polêmica envolvendo o personagem, ver HU, C., “Tai Chi Chuan: an Historical
Update”, artigo publicado em Black Belt Magazine, edição de abril de 1975, 86 p., pp. 46-50.
37
Tradução para o inglês em LO, B., INN, M., FOE, S., e AMACKER, R., op. cit., p. 31. Texto original em
chinês disp. em http://itcadc.org/doc/itca_taichi_library_theory.pdf (c. 15.01.16).
38
RUZHANG, G., “Tai-Chi-Chuan” (“太極拳”), tradução para o inglês por Paul Brennan, agosto de 2013,
texto disponível em https://brennantranslation.wordpress.com/2013/08/20/the-taiji-manual-of-gu-
ruzhang/ (c. 18.01.16).
39
Idem, tradução nossa.
40
ROBINET, I., op. cit., p. 1059.
Cumeeira suprema!” (“wuji er taiji”, “無極而太極”) –, nasce de uma leitura do
“Tao Te Ching” que manifesta a intuição de que

[...] todas as coisas se realizam no retorno que é “o próprio movimento do


Tao”, ou seja, da vida. Retorno ao Vazio original, a ser compreendido não
como ponto de aniquilação, mas como sinônimo de vivo e constante. Vivo,
porque o Vazio, mais que um lugar onde são reabsorvidos os seres, é aquilo
pelo qual o sopro jorra sempre de novo. Constante, porque o Vazio é aquilo
que permite a mutação, sendo ele embora aquilo que não muda.41

Teríamos, aqui, uma aproximação entre o pensamento do autor e o


conceito budista de impermanência popularizado pela Madhyamaka (“Escola
do Caminho Médio”, “मध्यमक”; em chinês, “Zonguan Pai”, “中觀派”), fundada por
Nagarjuna no século II d. C.42: “[...] forma é vacuidade e vacuidade é forma;
vacuidade não difere da forma, forma não difere da vacuidade, o que é
vacuidade, isto é forma, o mesmo é verdadeiro para os sentimentos,
percepções, impulsos e consciência. [...]”.43
Esse duplo pertencimento (“Sem Cumeeira” = “Cumeeira Sagrada”)
também estaria expresso na inexistência de uma condição polar absoluta
(“Yang puro” ou “Yin puro”). Ao chegar ao seu limite, uma polaridade se
transforma em seu oposto, o que só acontece porque ela traz, em si, este
oposto em processo de germinação.
Relacionando Yang (princípio masculino) com ação e movimento, e Yin
(princípio feminino) com inação e quietude, teríamos uma condição semelhante
à da dinâmica que envolve Tai-Chi (o criado) e Wuji (o incriado). Por essa
relação, teríamos que Wuji traz Tai-Chi em si, dando-lhe origem na passagem
do Incriado ao Criado, e que Tai-Chi carrega consigo Wuji, de que é uma
manifestação e que, na dinâmica universal, voltará a se manifestar em sua
plenitude – em um processo infinito.
Essa é a dinâmica expressa no círculo dividido do “Símbolo de Yin e Yang”
ou “Diagrama de Tai-Chi” (“Taijitu”, “ 太 極 圖 ” – Fig. 03) e também nos

41
CHENG, A., op. cit., pp. 38 e 39.
42
Sobre a escola Madhyamaka, ver, por exemplo, HAYES, R., "Madhyamaka", The Stanford Encyclopedia
of Philosophy (Spring 2015 Edition), Edward N. Zalta (ed.), artigo disponível em
http://plato.stanford.edu/archives/spr2015/entries/madhyamaka/, e BUSWELL, R. e LOPEZ, D., “The
Princeton Dictionary of Buddhism”, 1ª edição, Princeton: Princeton University Press, 1265 p., p. 487.
43
“Sutra do Coração”, tradução por CONZE, E., disp. em http://www.dharmanet.org/HeartSutra.htm (c.
18.01.2015).
Hexagramas 01 (“Chien” – “乾”) e 02 (“Kun” – “坤”) do “Livro das Mutações” (“I
Ching”, “易經”) (Fig. 04). Os hexagramas e os ideogramas correspondentes
traduzem uma ideia de oposição: se o primeiro indica masculino, o segundo
indicará feminino, positivo/negativo, céu/terra, ativo/receptivo, Yang/Yin.44

Figura 03 – “Símbolo de Yin e Yang”

Figura 04 – Hexagramas iniciais do “I Ching”

Em nosso estudo, perguntamos como essas abordagens cosmológicas da


relação Wuji/Tai-Chi poderiam ser lidas à luz de uma teoria e da prática do Tai-
Chi-Chuan. Os textos clássicos e manuais que, nos últimos trezentos anos,
consolidaram o corpo doutrinário dessa arte marcial, mostram uma afiliação
bem definida. Nela, a prática elevada e a habilidade marcial dela decorrente
são relacionadas ao conhecimento e à vivência psicofísica das dinâmicas de
Wuji/Tai-Chi e dos opostos.
A busca por respostas passa por uma aproximação em relação ao quadro
histórico associado ao nascimento do Tai-Chi-Chuan. É nele que vamos
encontrar as razões do cruzamento entre técnicas de ataque e defesa,

44
I CHING, texto original e tradução para o inglês por James Legge disponíveis em Chinese Text Project”,
http://ctext.org/book-of-changes/yi-jing (c. 20.01.16) .
conceitos cosmológicos e uma linguagem esotérica própria do universo
religioso chinês.

4. POLÍTICA, RELIGIOSIDADE POPULAR E TAI-CHI-CHUAN

Examinar o quadro histórico no qual surgiu o Tai-Chi-Chuan, no período


transicional das dinastias Ming-Qing e durante a dinastia Qing (século XVI ao
início do século XX), oferece ao pesquisador uma oportunidade de
conhecimento das variáveis não marciais – situadas fora dos limites das
técnicas de ataque e defesa – envolvidas na configuração de uma arte marcial.
Variáveis ligadas à cultura, contexto político, condições de riqueza e pobreza
em uma sociedade, crenças de caráter mágico, práticas religiosas, tensões
étnico-culturais e sociabilidade.
O primeiro elemento a observar, antes propriamente de se fixar a atenção
no momento histórico de construção do Tai-Chi-Chuan, é a profunda e antiga
relação entre a cultura chinesa e seus valores cosmológicos. Examinando, por
exemplo, antigos clássicos militares e obras devotadas à medicina tradicional,
percebemos a presença e utilização corriqueira de termos como “Tao” (em uma
tradução genérica, “caminho” – “道 ”) e “Chi” (“energia” – "氣"), próprios dos
discursos confucionista e taoista45.
A figura do “mestre” – “Fu”, "夫" (que também representa “homem casado”
ou “marido”) –, tão prestigiada no contexto marcial, encontra raízes na mesma
tradição: uma leitura possível do ideograma mostra uma pessoa que, por sua
sabedoria, logrou elevar-se acima do céu e, assim, materializar o Tao.46
Essa visão de mundo resistiu, inclusive, a momentos históricos recentes
como a Revolução Cultural (Wenhua dageming, 文化大革命, 1966 – 1973), que,
em sua feroz propaganda contra os “Quatro Velhos” – velhas ideias, velha

45
Ver, por exemplo, SAWYER, R. (tradutor), “The Seven Military Classics of Ancient China including The
Art of War”, 2ª edição, Boulder (Colorado): Basic Books, 2007, 568 p., e RUSONG, W., WANG, H., e
HUANG, Y., “Sun Zi’s Art of War and Health Care”, 1ª edição, Beijing, New World Press, 1997, 148 p.
46
Dissecando o ideograma "夫", vemos “pessoa” ("人", ren), "grande" ("大", ta, pessoa de braços
abertos) e "céu” ("天", tien, maior que grande). O traço esquerdo de "人" que se eleva acima do traço
superior horizontal de "天" mostra uma pessoa que alcançou o céu, que, na China, é visto como símbolo
da perfeição. "夫" também é interpretado como uma forma simplificada de representação do erudito
chinês com seu penteado típico e o prendedor de cabelo que o sustentava. Ver HSUAN-AN, T.,
“Ideogramas e a Cultura Chinesa”, 1ª edição, São Paulo: É Realizações, 2006, 502 p., pp. 37- 40.
cultura, velhos costumes e velhos hábitos –, fez uso extensivo de termos e
imagens originárias da antiga cosmogonia47. E ela segue firme no século XXI,
nos hábitos, alimentação, calendário e relações de gênero na China continental,
em Taiwan e nas colônias chinesas em todo o mundo.
Diante de uma presença de tal forma pervasiva, é possível compreender
porque o conjunto da arte marcial chinesa (fruto da soma de elementos
militares, corporais, medicinais, políticos, sociais, religiosos e mágicos) também
tem sua linguagem e visão de mundo tão influenciadas por elementos como
Wuji e Tai-Chi. Esse conjunto marcial, aliás, participou e participa da afirmação
desses valores na China e além das fronteiras chinesas.
Em toda a sua cor, porém, a arte marcial chinesa parece especialmente
próxima da cosmogonia e dos elementos religiosos e mágicos que dela
emergem. Um bom exemplo é o próprio Tai-Chi-Chuan, cujo nome e padrão de
movimentos (lentos e muitas vezes distantes de um pragmatismo marcial)
espelham essa afiliação.
Tamanho grau de proximidade com valores civilizacionais fundantes
poderia ser explicado em termos políticos e de busca de uma identidade
chinesa em um momento de crise nacional: o período imperial Qing (1644 –
1912), marcado tanto pelo mandato de uma dinastia não pertencente à etnia
majoritária Han (汉) - mas oriunda da Manchúria (满洲地区, Manzhou dichu) -
quanto pela ameaça das potências ocidentais e pela intercorrência de dezenas
de rebeliões, algumas de grande porte (exemplo, Rebelião Taiping: Taiping
Tienguo Yundong - 太平天国运动, 1851–1864)48.
Os monges guerreiros de Shaolin (少林寺), por exemplo, desempenharam
uma função marcial real (em especial, durante as campanhas antipirataria de
meados do século XVI, em Zhejiang), com reflexos extraordinários sobre o
imaginário rebelde chinês favorável à restauração da Dinastia Ming49. O mito
da destruição do mosteiro em 1736 e o suposto juramento de vingança feito por
clérigos sobreviventes contra os imperadores “estrangeiros” (manchus) da
47
Ver APOLLONI, R., & CHANG, C., "'Dez Mil Anos de Felicidade!': respostas da leitura textual e
imagética de um cartaz da Revolução Cultural Chinesa", artigo apresentado no Grupo de Trabalho de
Sociologia da Imagem (GT-27) do XV Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia, Curitiba, 2011,
disp. em http://migre.me/sM6Iq (c. 23.01.16).
48
Sobre a rebelião Taiping, ver SPENCE, J., “O filho chinês de Deus”, 1ª edição, São Paulo: Companhia
das Letras, 1998, 413 p.
49
SHAHAR, M., op cit., pp. 75-118.
Dinastia Qing não só inspirou muitos estilos de Kung-Fu da família de Shaolin50,
como também as Tríades Chinesas (“Sociedade do Céu e da Terra”,
“Tiendihui”, “天地會”), grupos altamente ritualizados que, no século XX, dariam
origem à máfia chinesa51.
O caso do Tai-Chi-Chuan traz, ainda, um segundo elemento nacionalista.
A tese é defendida por Meir Shahar, que aponta uma diferenciação,
estabelecida por intelectuais dos séculos XVIII e XIX, entre os estilos de luta
oriundos de Shaolin – lar de uma religião “estrangeira” ou “não tão chinesa
assim”, o Budismo52 – e os nascidos em Wudang (武當山), sede do Taoísmo –
religião chinesa por excelência53.
Os estilos associados a Wudang, aliás, são chamados de “internos” (“nei
jia”, “escola interna”, “ 內 家 ”), por oposição aos estilos da família Shaolin,
chamados “externos” (“wai jia”, “escola externa”, “ 外 家 ”). Seus fundadores
lendários são, respectivamente, um personagem central do Taoísmo – o
alquimista Chang San-Feng (張三丰, que teria vivido entre os séculos IX e XII)
– e o celebrado patriarca do Zen-Budismo, Bodhidharma (बोधििमम; em chinês,
Puti Tamo - 菩提达摩), que teria vivido nas imediações do mosteiro de Shaolin
entre os anos de 520 e 527 d. C.
Uma observação quanto ao viés político da adoção dos termos “wai” (“ 外”)
e “nei” (“內”) também é feita por Douglas Wile, que percebe, em obras do
período Qing, uma associação entre o “interno” e o elemento nacional chinês, e
entre o “externo” e o estrangeiro. Por essa visão, o “interno” – no qual se situa
o Tai-Chi-Chuan – seria mais nobre porque totalmente chinês.54 A divisão vai
além da política: enquanto os estilos “externos” teriam por foco a ofensividade

50
Caso do Sistema Sino-Brasileiro de Kung-Fu, do grão-mestre Chan Kowk Wai. Ver ACADEMIA SINO-
BRASILEIRA DE KUNG-FU, "Kung Fu – versão curta de uma história muito longa", São Paulo, 1998, 26 p.
51
MURRAY, D., "The Origins of the Tiandihui – The Chinese Triads in Legend and History", 1ª edição,
Stanford: Stanford University Press, 1994, 350 p.; TER HAAR, B., “Ritual & Mythology of the Chinese
Triads”, 1ª edição, Leiden: Brill´s Scholars List, 1997, 577 p.
52
O primeiro mosteiro budista chinês, o Templo do Cavalo Branco (“Bai Ma Si”, “白馬寺”) foi fundado
no ano de 64 d. C. em Henan. Com o passar do tempo, o Budismo incorporou elementos da religiosidade
chinesa (o Zen é um exemplo disso) e cedeu elementos ao Taoísmo e ao Confucionismo. Uma presença
tão antiga e tão profundamente entranhada na espiritualidade chinesa, contudo, não foi suficiente para
desvestir o Budismo, junto a certos círculos nacionalistas do período Qing, do rótulo de “religião
estrangeira”.
53
SHAHAR, M., op cit., pp. 263-269.
54
WILE, D., “Lost T’ai-chi Classics from de Late Ch’ing Dinasty”, 1ª edição, 1996: State University of New
York Press, 1996, 233 p., p. 26.
e a força muscular, os “internos” estariam ancorados no cultivo e controle da
energia universal, “Chi” ("氣"), e da força interna, “Jin” ("勁").
Esse é o argumento da obra que estabeleceu a diferenciação estilos
externos x estilos internos e, com o tempo, conferiu ao Tai-Chi-Chuan uma
dimensão ainda mais profundamente taoista – o “Epitáfio de 1669 para Wang
Zhengnan” (“Wangjangnan Muziming”, “王征南墓志銘”), escrito pelo intelectual
Huang Zongxi (黄宗羲, 1610 – 1695):

Shaolin é famoso pelo combate de mãos. Contudo, suas técnicas são


majoritariamente ofensivas, o que cria oportunidade de exploração por um
oponente. Agora há outra escola, chamada “interna”, que supera o
movimento por meio da quietude. Atacantes são rechaçados sem esforço.
Assim, nós distinguimos Shaolin como “externa.” A Escola Interna foi
fundada por Chang San-Feng, da Dinastia Song. San-feng era um
alquimista taoista das Montanhas Wudang.55

Na medida em que a finalidade de rechaçar oponentes demandava o


domínio da quietude, pode-se compreender porque lutadores de fato – mais
interessados no combate do que na saúde ou na realização espiritual –
passariam a persegui-la com empenho, apelando, para tanto, a práticas que
materializassem os princípios cosmogônicos no próprio corpo.

4.1 EXÉRCITOS, CLÃS E ARTISTAS DE RUA

A valorização de elementos mais “espirituais” e menos pragmáticos,


assim como a prevalência de técnicas de mãos livres – em oposição às
presumivelmente mais efetivas técnicas com armas, desenvolvidas na China
desde, pelo menos, a Idade do Bronze 56 –, demonstram que a arte marcial
chinesa não deriva apenas de uma classe guerreira institucionalizada. Ela é

55
ZONGXI, H., “Epitáfio de 1669 para Wang Zhengnan”, in SHAHAR, op. cit., p. 263.; a mesma obra
aparece traduzida em WILE, D., “T’ai Chi Ancestors – The Making of na Internal Martial Art”, 1ª edição,
Nova Iorque: Sweet Ch’i Press, 1999, 224 p., p. 53.
56
Machados, espadas retas, lanças, sabres e bestas e lanças fazem parte do arsenal sínico desde, pelo
menos, o período Zhou (1046 a 256 a. C.), quinze séculos antes do surgimento da moderna arte marcial
chinesa. Exemplos podem ser vistos no “Exército de Terracota” encontrado no túmulo do imperador Qin
Shi Huang em Xian (西安), Shaanxi (陕西). Um catálogo de armas chinesas foi publicado por MING, Y.,
“Ancient Chinese Weapons – A Martial Artist´s Guide”, 2ª edição, New Hampshire: YMAA Publication
Center, 142 p. Ver, também, PINKOWSKI, J., "Chinese terra cotta warriors had real, and very carefully
made, weapons", in The Washington Post, 26.11.12, disp. em http://migre.me/sKWmm (c. 21.01.16).
fruto, também, de outros grupos sociais que, de uma forma ou outra, estiveram
envolvidos com episódios de violência em larga escala. Um bom exemplo é o
dos monges de Shaolin, que, mesmo descumprindo o primeiro dos Cinco
Preceitos de sua religião (“Abster-se de intenções prejudiciais”)57, tornaram-se
célebres por suas habilidades de combate.58
Essa “dispersão marcial” poderia ser explicada, entre outros motivos, pela
desorganização institucional do período final da Dinastia Ming (século XVI), que
aumentou os níveis de violência e levou populações e poderes locais a
constituírem milícias de autodefesa; pode ser explicada, também, pela
popularidade da chamada cultura “Wuxia” (literalmente, “herói marcial”, “武俠”),
que desde muito cedo promoveu a valorização da figura do herói justiceiro
errante entre as classes letradas e iletradas, na literatura, ópera e histórias
contadas nas praças59; ela encontra justificativa, ainda, na exclusão de uma
elite étnica Han do poder quando da ascensão da Dinastia Qing, fato que
alimentou ressentimentos e engendrou movimentos de resistência e rebelião.
Douglas Wile localiza três cenários das artes marciais chinesas, situando-
os no período que começa durante a dominação mongol (Dinastia Yuan: Yuan
Chao, 元朝, 1271-1368) e avança pelas dinastias Ming (Ming Chao, 明朝) e
Qing (Qing Chao - 清朝, 1368 – 1912): o primeiro é o da classe militar, berço de
entusiastas e exegetas das formas de combate; o segundo é o do ambiente
teatral – da ópera, saltimbancos e contadores de histórias –, responsável pela
fusão, replicação e criação de conhecimentos em termos orais-corporais; e o
terceiro é o privado ou dos clãs, que, em seus esforços de defesa, reforço dos
laços familiares e transmissão de valores, também apelavam a práticas de
adestramento corporal60. A religiosidade, por certo, permeou os três ambientes,

57
BUSWELL, R. e LOPEZ, D., "Ahimsā" (verbete), op. cit, p. 21.
58
SHAHAR, M., op. cit.
59
APOLLONI, R., “Wuxia”, caderno especial de cultura publicado pelo jornal Gazeta do Povo, de Curitiba
(PR), em 27.05.2011. Matérias disponíveis em http://migre.me/sObke (c. 26.01.16).
60
Meir Shahar se refere ainda a uma categoria mais ampla, que englobaria artistas de rua e outros
grupos de pessoas caracterizados pelo desenraizamento: “Artistas marciais do período Ming tardio
estavam normalmente, assim, na estrada, ou, como diriam os chineses, ‘na água’. Autores dos séculos
XVI e XVII se referem a artistas marciais no contexto de ‘rios-e-lagos’ (jianghu), termo que designava a
todos aqueles que possuíam uma vida ‘transitória’: atores, caixeiros viajantes, caçadores de fortuna e
semelhantes”. SHAHAR, M., "Evidências da Prática Marcial em Shaolin durante o Período Ming", art.
publicado em REVER - Revista de Estudos da Religião, nº 04, 2003, pp. 93-144, p. 110. Disp. em
http://www.pucsp.br/rever/rv4_2003/p_shahar.pdf (C. 12.12.16).
com especial vigor o segundo e o terceiro, menos sujeitos a um regramento
institucional e mais próximos de comportamentos e práticas de cunho sectário61.
A força de cada um desses cenários esteve relacionada à configuração
política: em períodos de dominação estrangeira (mongol e manchu), quando as
forças militares nacionais (de etnia Han) foram desmobilizadas ou proibidas,
ganharam importância as práticas marciais artísticas e familiares, mais
estilizadas e menos visíveis aos olhos do poder institucional.

4.2. DAOYIN E TAI-CHI-CHUAN

Outro aspecto importante para a fusão entre “técnica marcial” e “cultivo


energético” ou ”retorno ao Tao” reside na junção entre as técnicas de combate
e os antigos exercícios respiratórios e meditativos chineses, chamados Daoyin
(“Guiar” ou “Guiar e Puxar, “ 導 引 ”), originários de danças xamânicas e
praticados desde, pelo menos, o século II a. C.62 Essa fusão, vale observar,
não se restringiu aos chamados “estilos internos”, valendo para o conjunto
marcial chinês.
Ao praticar exercícios de Daoyin, explica Catherine Despeux,

[...] o indivíduo efetua movimentos externos ou internos do corpo conjugados


a exercícios respiratórios e, ao mesmo tempo, realiza um trabalho mental. A
meta é expulsar os ventos/sopros patogênicos, restaurar a circulação de um
sopro defeituoso ou, ainda, de melhorar a qualidade do sopro. (...) A
execução dos movimentos é lenta e regular, a fim de facilitar a eliminação
de todas as tensões e promover a interiorização progressiva do movimento.
De fato, o movimento exterior deve seguir o movimento interior do sopro, do
que decorre a importância dada, no daoyin, à respiração e às técnicas de
circulação de sopro.63

A semelhança com o Tai-Chi-Chuan, em especial no que respeita à


lentidão dos movimentos, relaxamento e “regularização do sopro” (que pode

61
Utilizamos o termo “sectário”, neste artigo, no sentido dado por Meir Shahar, de movimentos
chineses associados a crenças religiosas, práticas mágicas e ação política armada.
62
Essa datação é confirmada pela descoberta, no já referido sítio arqueológico de Mawangdui, de um
rolo de seda com imagens de pessoas fazendo exercícios de Daoyin (o chamado “Daoyin Tu”, ”导引图”
ou “Diagrama de Daoyin”). Essas práticas, aliás, encontram semelhança com a de exercícios de Chi Kung
(práticas respiratórias mais recentes) praticados atualmente. Imagem do “Daoyin Tu” no site do Museu
Provincial de Hunan, China: http://migre.me/sNwz8 (c. 25.01.16).
63
DESPEUX, C., La Moëlle du phénix rouge : santé et longue vie dans la Chine du xvie siècle, Paris, Guy
Trédaniel, coll. “Arts martiaux”, 1990, 371 p., pp. 38-39, citado por PIETROBON, X., op. cit., nota 4 (p.
273). Tradução nossa para o português.
ser lido tanto em termos de respiração quanto em termos de circulação da
energia), é significativa. Nas modernas academias, aliás, muitas vezes as aulas
de Tai-Chi-Chuan começam com práticas de Chi Kung (气功, “Trabalho de
Energia” - exercícios respiratórios)/Daoyin.
Sobre esse contato entre marcialidade e “corpo-espiritualidade”, vale citar,
também, o primeiro estudioso verdadeiramente moderno das artes marciais
chinesas, Tang Hao (唐豪, 1887-1959). Referindo-se especificamente à gênese
do Tai-Chi-Chuan, ele observou que:

Taiji Quan é um produto do período de transição Ming-Qing. Ele herdou,


desenvolveu e criou uma síntese de vários estilos de mãos livres do período
Ming que eram praticados por pessoas comuns e militares, combinando-os
com os antigos métodos de ginástica (Daoyin) e respiração (tuna). Ele
absorveu a antiga filosofia material do yin e yang, assim como o conceito
fundamental da medicina chinesa relativo aos meridianos (jingluo) [nos quais
o qi circula], criando uma técnica de mãos livres que cultivava igualmente o
interno e o externo... Depois de integrar os métodos de ginástica e
respiração, o Taiji Quan não era meramente apropriado para avançar o
movimento das juntas e músculos, mas também era capaz de coordenar
movimento e respiração, incrementando o desempenho dos órgãos internos
[...] No treinamento de Taiji Quan, os três aspectos de consciência,
movimento e respiração são harmoniosamente integrados. A aproximação
holística do treinamento e a ênfase sobre a unidade externo-interno são a
característica da prática do Taiji Quan.64

5. O INÍCIO DO TAI-CHI-CHUAN E A TRADIÇÃO LITERÁRIA

É na esfera marcial privada que, no início do século XIX, nasceria o que


conhecemos como Tai-Chi-Chuan, mais exatamente nas províncias de Henan
(河南) e Hebei (河北), no norte da China, pelas mãos e pés de integrantes dos
clãs Chen (陳), Yang (楊) e Wu (武).65 A prática ganhou notoriedade quando
alguns de seus praticantes romperam com a tradição familiar e aceitaram
alunos de fora: o patriarca do estilo Chen, Chen Changxing (陳長興, 1771-
1853), em relação a Yang Luchan (楊露禪, 1799-1872), que viria a se tornar o

64
HAO, T., e LIUXIN, G., “Taijiquan yanjiu”, pp. 5-6, in SHAHAR, op. cit. pp. 217 e 218. Grifo nosso.
65
DAVIS, B., op. cit., pp. 03-22.
patriarca do estilo Yang; e Yang Luchan em relação a Wu Yuxiang ( 武禹
襄,1812-1880), que viria a se tornar patriarca do estilo Wu (Hao)66.
O fim da transmissão exclusiva entre membros de um mesmo clã e a
transformação da prática em um ativo econômico – pela abertura de escolas e
pelo ensino a oficiais de governo e particulares - possibilitaram a popularização
da arte marcial na China e, décadas mais tarde, no Ocidente.
A institucionalização do Tai-Chi-Chuan, em especial quando de sua
valorização pela elite chinesa Qing – Yang Luchan tornou-se instrutor da Corte
Imperial por volta de 1850 –, também implicou o surgimento de uma tradição
literária relacionada à prática, algo comum no conjunto das artes marciais
chinesas desde o século XVI67.
Essa tradição foi formada por obras que traziam detalhes sobre aspectos
práticos (técnicas, diagramas de rotinas) e teóricos (fundamentos históricos,
associação aos princípios cosmogônicos, relações com a religiosidade,
elementos medicinais).
É interessante observar, com olhos hoje, a liberdade com que esses
antigos textos foram repetidamente incorporados a novos trabalhos, obras
publicadas até os anos trinta do século XX68. Isso talvez possa ser explicado
por uma disposição da cultura tradicional chinesa, de base confucionista, de
valorizar a tradição em detrimento da afirmação da própria autoria. Por essa
lógica, o melhor produto não é o que inova, mas o que organiza o passado,
venera mestres fundadores e soma elementos para uma compreensão mais
profunda do tema que é objeto de interesse.69
Esse “encadeamento bibliográfico” contribuiu para a consolidação de um
cânone de Clássicos do Tai-Chi-Chuan que, nas últimas décadas, vem sendo

66
Três dos cinco estilos clássicos ou canônicos de Tai-Chi-Chuan.Ver o primeiro parágrafo da Introdução
deste artigo.
67
Ver, a esse respeito, KENNEDY, B., e GUO, E., “Chinese Martial Arts Training Manuals – A Historical
Survey”, 1ª edição, Berkeley: Blue Snake Books, 2005, 328 p.
68
Ela pode ser confirmada, por exemplo, pela leitura das obras traduzidas para o inglês por Paul
Brennan e publicadas em “Brennan Translation”, disponível em
https://brennantranslation.wordpress.com (c. 29.01.16)
69
“No entendimento chinês, os textos, embora não mudem – sua forma é idealmente inviolável -, estão
sempre revelando uma nova realidade.” - comentário de Giorgio Sinedino ao aforismo 6.25 (Capítulo 06:
“Yongye – Elogio e Crítica II”) dos “Analectos”. In CONFÚCIO, “Os Analectos”, 1ªedição, São Paulo:
Editora Unesp, 2011, 607 p., p. 206.
traduzido para a língua inglesa. A atual extensão dessa biblioteca, como
observa a tradutora Barbara Davis, porém, é problemática:

Aparentemente, o título “Clássicos de Taijiquan [Tai-Chi-Chuan]” foi aplicado


aos Clássicos no início de 1900. Em anos recentes, “Clássicos de Taijiquan”
passou a servir como um título genérico para qualquer grupo de antigos
poemas e estudos associados com o taijiquan, independente de sua
linhagem.70

Trata-se de uma situação que, acreditamos, pode ser explicada pela


avidez da parcela de praticantes de Tai-Chi-Chuan interessada em ampliar
seus conhecimentos teóricos, pela pressa do mercado editorial em atender a
essa demanda e, também, por eventuais descobertas de valor em arquivos
chineses.
Dessa “biblioteca ampliada” de valores desiguais, contudo, é possível
extrair uma relação de textos tidos como essenciais pela comunidade marcial.
Seguimos, aqui, indicações de tradutores que construíram suas obras a partir
de uma leitura cuidadosa de listas produzidas entre meados do século XIX e as
primeiras décadas do século XX71. Junto ao título, indicamos sua aproximação
em relação à cosmogonia chinesa72:

I. “Epitáfio de 1669 para Wang Zhengnan” (“Wangzhengnan muzhi ming”,


“王征南墓志銘”), de Huang Zongxi: nela, é estabelecida a diferença entre os
estilos “Externos” (baseados no mosteiro budista de Shaolin) e “Internos”
(baseados no complexo taoista de Wudang). Valorização da suavidade –
elemento associado à polaridade Yin e ao conceito de Wuji.73

II. “Clássico de Tai-Chi-Chuan” (“Tai-Chi-Chuan Jing”, “太極拳經”, atribuído a


Chang-San Feng). A atribuição a Chang-San Feng afilia a arte marcial ao
Taoísmo e à cosmogonia de Wuji/Tai-Chi e dos opostos. Em um dos versos, os
fundamentos marciais são associados a noções taoistas:

70
DAVIS, B., “The Taijiquan Classics – an Annotated Translation”, 1ª edição, Berkeley: Blue Snake Books,
2004, 212 p., p. 30.
71
DAVIS, B., op. cit.; LO, B., INN, M., FOE, S., e AMACKER, R., op. cit., WILE, D., op. cit.
72
Todos os textos transcritos são de nossa tradução.
73
WILE, D., “T’ai Chi’s Ancestors…”, op. cit., pp. 53-57.
Peng (掤, rebater), lu (履, recuar), chi (挤, empurrar), an (按, pressionar), tsai
(采, colher), lieh (列, separar), tsou (肘, cotovelos) e kao (靠, ombros) são os
Oito Trigramas [Pa Kua, 八卦].

Passo à frente [Jinbu, 进步], passo de retorno [Tuibu, 退步], olhar para a
esquerda [Zuogu, 右盼], olhar para a direita [Youpan, 左顾] e o equilíbrio
central [Zhongding, 中定] são os cinco elementos [Wuxing, 五行].

Peng, lu, chi e an são chien [masculino, ativo], kun [feminino, receptivo], li
[离, trigrama do “I Ching” – “☲” associado ao fogo] e as quatro direções
cardeais.

Avançar, recuar, esquerda, direita e equilíbrio central são metal, água, fogo
e terra [os cinco elementos do universo taoista]74

Juntos, eles conformam as treze posturas [十三式, shisan shi]75

III. “Tratado de Tai-Chi-Chuan” (“Tai-Chi-Chuan Lun”, "太極拳論"), atribuído a


Wang Zongyue:

Tai-Chi nasce de Wuji; é a mãe de Yin e Yang. Se se move, divide. Se


permanece, une. [...] ainda que as transformações tenham uma miríade de
variedades, elas são de uma só natureza. Pela experiência do toque, a
pessoa pode compreender jin [força interna]. Pela compreensão de jin, a
pessoa pode alcançar uma clareza próxima à divina.76

IV. “Exposição sobre a Compreensão das Treze Posturas” (“Shisan shi


xinggong win jue”, “十三势行功心解”), atribuído a Wu Yuxiang (武禹襄, 1812-
1880):

Hsin (a mente [coração], 心) mobiliza Chi (respiração).


Faça o Chi repousar calmamente;
Então ele reunirá e permeará os ossos.
O Chi mobiliza o corpo.
Faça com que ele se mova suavemente, e então ele facilmente seguirá (a
direção) de Hsin.77

74
LO, B., INN, M., FOE, S., e AMACKER, R., op. cit., p. 27.
75
Uma lista completa das relações entre posições, elementos e trigramas pode ser encontrada em
CHING, T., "13 Postures (十三式)", in The Ultimate Fist, disp. http://www.theultimatefist.com/taijiquan-
theory/13-postures (c. 30.01.16).
76
DAVID, B., op. cit., p. 77.
77
LO, B., INN, M., FOE, S., e AMACKER, R., op. cit., p. 43.
V. “Canção das Treze Posturas” (“Shisan shi ge”, “十三式歌”), anônimo:
“Tenha consciência das mutações substanciais e insubstanciais; o Chi
(respiração) se espalha por tudo sem impedimentos”. 78

VI. “Canção do Trabalho de Mãos” (“Dashou Ge”, “打手歌”), anônimo. Essa


obra curta – 84 ideogramas que, traduzidos, conformam um poema de dez
linhas – tem como foco a técnica marcial. Ainda assim, tem a suavidade como
tônica: “Use quatro onças para defletir mil libras. Atraia ao vazio e
descarregue”.79

VII. “O Segredo dos Cinco Caracteres” (“Wu Zi Jue”, “五字诀”), Li Yishe (李


亦畬, 1832–1892). A chave para a compreensão do Tai-Chi-Chuan reside nos
ideogramas “Calma” (xinjing, 心静), “Agilidade” (shenling, 身灵), “Respiração”
(qilian, 氣斂), “Força Interna” (jinzheng, 勁整) e “Espírito” (shenju, 神聚). Deles,
apenas um, “Agilidade”, poderia ser associado mais diretamente à destreza
corporal, musculoesquelética. Os demais, mesmo a “Respiração” (em sua
associação com Chi) são de natureza energética e estão relacionados à
tranquilização da mente.80

VIII. “Pontos Essenciais sobre a Prática da Forma e da Pressão de Mãos”


(“Zou jia dashou xinggong yao yan”, “走架打手行功要言”), Li Yiyu. Nessa obra,
o autor repete, em forma de prosa, os princípios enunciados em “O Segredo
dos Cinco Caracteres”.81

IX. “Os Dez Pontos Importantes do Tai-Chi-Chuan por Yang Cheng-Fu”


(“Yangchgngfu tai-chi-chuan shuo shi yao”, " 杨 澄 浦 太 极 拳 说 十 要 "), Yang
Cheng-Fu. Nessa obra, Yang Cheng-Fu ( 楊 澄 甫 , 1883-1936) – neto do
fundador do Tai-Chi-Chuan Yang, Yang Luchan – focaliza a atitude corporal
para o sucesso no processo de condução de Chi, Hsin e Shen. Algumas
palavras-chave ou expressões utilizadas pelo autor: “relaxar”, “afundar” (no
78
Idem, p. 43.
79
Idem, p. 69.
80
Idem, pp. 73-77.
81
Idem, pp. 81-82.
sentido de relaxamento do quadril e dos ombros), “substancial/insubstancial”,
“mente/força física”, “quietude em movimento”.82

X. “Estudo sobre Tai-Chi-Chuan” (“Tai-Chi-Chuan Xue”, ““太极拳学””), Sun


Lutang (孫祿堂 ou Sun Fuquan, 孫福全 - 1860 - 1933). Publicado em junho de
1921, é o principal clássico do Tai-Chi-Chuan do século XX. Nele, o autor
descreve sua própria rotina de mãos livres, que daria início à “quinta escola
clássica” – o Tai-Chi-Chuan Sun (孫氏太極拳).
A obra merece ser apresentada em maior profundidade porque
estabelece uma ligação direta entre a teoria, sua manifestação no corpo e sua
realização como “retorno cosmogônico” – como conexão entre o homem e o
Tao.
Sun Lutang examina a postura inicial de sua rotina, Wuji, nos aspectos
teórico e prático. Segundo ele, doutrinariamente, Wuji

[...] é o estado natural que ocorre antes de a pessoa começar a praticar


artes marciais. A mente é sem conhecimento; a intenção é sem movimento;
os olhos são sem foco; as mãos e pés são quietos; o corpo não faz
movimento; yin e yang ainda não estão divididos; o claro e o túrbido ainda
não estão separados; o qi está unido e indiferenciado. O homem nasce
entre o céu e a terra, e possui as naturezas de ambos, yin e yang. Seu qi
[Chi] original é unido e indiferenciado. Contudo, o homem torna-se confuso
pelos desejos e isso dá origem ao qi impuro e ao uso desajeitado da força.
Em seu ponto máximo, se a pessoa não sabe como cultivar a si
internamente enquanto se nutre externamente, o resultado será de yin e
yang desequilibrados, e do interno e externo divididos. Quando yang
alcança seu limite, yin nasce. No extremo do yin, a exaustão é o resultado
inevitável. Nesse ponto, nada pode ser feito pela pessoa.
O método mais refinado de cultivo é chamado “caminho do movimento
inverso”. Esse método transforma Qian e Kun [os princípios masculino e
feminino], revolvendo o qi até que as funções pós-natais [Tai-Chi] retornem
ao estado pré-natal [Wuji]. Qi impuro e força desajeitada são transformados.
O “fogo” interno é levado de volta ao seu local de origem e o qi preenche o
Dan Tien [“Campo de Cinábrio”, 丹田, sede do Chi localizada cerca de
quatro centímetros abaixo do umbigo, segundo a tradição chinesa]. Além
disso, essas transformações possuem aplicação nos aspectos marciais das
“Treze Posturas”. Pondere e busque o caminho no qual o qi se expande e se
contrai. Este é o significado do assim chamado “Wuji dá origem ao Tai-Chi”
(o qi unificado é o Tai-Chi). [...] quando praticando a rotina, a essência
interna, qi e espírito devem preencher todo o corpo, sem a menor
deficiência.83

82
Idem, pp. 84-89.
83
LUTANG, S., “A Study of Taijiquan by Sun Lutang”, op. cit. pp. 69-71.
A forma é ilustrada iconograficamente pelo próprio Sun Lutang da
seguinte maneira (Figura 05):

Fig. 05 – Postura de Wuji.

Em termos de manifestação na forma, isto é, de tradução corporal dos


conceitos, ele instrui:

Comece olhando para frente. O corpo está reto, com as mãos tombadas ao
lado do corpo. Os ombros pendem naturalmente; não use força para
empurrar os ombros para baixo. [Os calcanhares estão unidos e os] dedos
dos pés estão separados em um ângulo de noventa graus. Os dedos não
devem se prender ao chão com força. Os calcanhares não devem pisar e
nem estar torcidos com força. Permaneça como se você estivesse apoiado
na areia. Não há controle consciente das mãos e dos pés. Seu corpo e sua
mente ainda não estão conscientes de quaisquer movimentos de abertura e
fechamento, e não há tentativa consciente de elevação do topo da cabeça.
Permaneça e flua com o que ocorre naturalmente. Internamente, o coração
(mente) está “vazio” de qualquer pensamento controlado. Externamente,
não há foco visual consciente. Não há, ainda, qualquer traço de
movimento.84

A movimentação inicial da rotina, Tai-Chi, é descrita teoricamente nos


seguintes termos:

Tai-Chi está contido em Wuji. Primeiramente, procure encontrar um estado


último no qual você está centrado e esvaziado da intenção consciente.
Quando o qi [Chi] está guardado dentro, há “virtude” (poder inerente).
Quando o qi se manifesta externamente, há “método” (poder manifesto).
Quando o qi interno e externo se combinam em um fluir unificado, é possível
assumir o lugar apropriado entre o céu e a terra, abraçando Yin e Yang.
Portanto, a força interna das artes marciais forma a base da vida.

84
Idem, 72.
Como céu, ela se manifesta como destino. Como homem, manifesta-se
como a natureza humana. Como objetos inanimados, manifesta-se como
princípio de ordem. Como técnicas marciais, manifesta-se como a Escola
Interna [Neija] das artes marciais. Ainda que apareça sob diferentes nomes
e diferentes manifestações, o princípio permanece o mesmo. A esse
princípio nos chamamos “Tai-Chi” (a interação mútua dos extremos).
Os antigos diziam: “De Wuji nasce Tai-Chi”. Esse princípio não é exclusivo
das artes marciais. Esse mesmo conceito foi descrito pelos sábios quando
eles falavam acerca da moderação e de manter a medida média [das coisas].
Os budistas se referem à mesma ideia quando falam de “iluminação”. Os
taoistas se referem a esse conceito como “Espírito do Vale” [“Tao-Te-Ching”,
Capítulo 06]. Ainda que o conceito seja conhecido por diferentes nomes,
todos eles se referem a permitir que o qi flua suavemente. As artes marciais
internas e os métodos dos taoistas [dentre os quais se situa o Chi Kung] são
por dentro e por fora. Esse princípio (“De Wuji nasce Tai-Chi” possui
aplicações que vão além do mero fortalecimento do corpo e ampliação da
vida.85

Nos termos da rotina, a instrução para “Tai-Chi” é a seguinte:

Comece com as duas mãos tombadas ao lado do corpo. Relaxe os ombros.


Mova os dedos do pé direito até que o pé esteja reto, formando um ângulo
de quarenta e cinco graus em relação ao pé esquerdo. Ao mesmo tempo em
que o pé direito gira para dentro [em Wuji, os pés formavam um ângulo de
noventa graus], mova a cabeça para olhar à esquerda. Os olhos miram à
esquerda. O coração deve estar estável e o qi deve descer. Use a intenção
para relaxar a cintura. Isso deve ser obtido pelo uso da intenção e não com
força bruta. Quando a cabeça gira, ela deve estar coordenada com o
coração, a mente, o Dan Tien, a parte de cima, a parte de baixo, as partes
de dentro e de fora como se um único qi as unisse. A língua toca o céu da
boca [o palato duro]. O ânus é elevado [isto é, naturalmente contraído].
O resultado disso é chamado “transformar Qian e Kun”, o que se refere a
revolver o qi e levar o verdadeiro qi pré-natal a circular de forma reversa.
Esse qi é chamado Tai-Chi. Os antigos filósofos diziam, “Tai-Chi é o primeiro
qi, o primeiro qi é Tai-Chi”. Sábios, imortais, budas e as artes marciais
internas incluem esse qi – não há quem, dentre eles, não o preserve e não o
utilize. Caso contrário, aqueles que desejam tornar o corpo leve e ágil, que
desejam unir o qi interno e externo e tornar-se um com o Grande Vazio,
encontrarão dificuldade.86

A forma é ilustrada da seguinte maneira (Figura 06):

85
Idem, pp. 73-74.
86
Idem, p. 75.
Fig. 06 – Postura de Tai-Chi.

Lendo os textos selecionados de Sun Lutang – que descrevem duas das


noventa e oito formas que constituem sua rotina –, podemos perceber a
intenção do autor de fundir conceitos cosmogônicos, doutrinários do Tai-Chi-
Chuan, com a prática pura, uma ação corporal-mental.
A despeito de muitos dos conceitos utilizados soarem herméticos – em
especial, quando o leitor médio ocidental não domina figuras do pensamento
clássico chinês –, eles, em tese, poderiam ser ensaiados a partir da repetição
das instruções corporais e de uma atitude mental de quietude e auto-
observação.
Poderíamos afirmar que a configuração bibliográfica proposta por Sun
Lutang, de somar conceitos cosmogônicos com instruções práticas e
fotografias, buscou constituir uma ponte entre os textos mais antigos – e de
compreensão mais difícil – e uma prática mais moderna e aberta mesmo aos
interessados não eruditos.

CONCLUSÃO

Ao observar o nome e o padrão de movimentos e quietude que


constituem o Tai-Chi-Chuan, somos levados a notar, ainda que de forma
superficial, a existência, neste arte marcial, de elementos que fogem a uma
marcialidade “pura”, muscular e pragmática. Elementos associáveis, em um
primeiro momento, a uma representação popular da “velha China”: uma
civilização misteriosa, metódica, impassível e “espiritualizada”.
Ao conhecer o contexto histórico de desenvolvimento do Tai-Chi-Chuan,
descobrimos que a associação combate-cosmogonia também funcionou como
veículo de um olhar nacionalista e de um espírito de rebelião.
Ao acessar os chamados “Clássicos de Tai-Chi-Chuan”, percebemos
como seus autores buscaram na antiga cosmogonia chinesa referências
teóricas e elementos doutrinários para a nova arte marcial e até para um “novo
homem chinês”, e como tentaram gravar, na atitude corporal dos praticantes,
conceitos como os de Wuji e Tai-Chi.
Ao transportar esse olhar teórico para as rotinas que constituem a
manifestação corporal por excelência do Tai-Chi-Chuan, somos capazes de lê-
las como materialização ou corporificação da teoria cosmogônica chinesa. Em
primeiro lugar na lentidão, que expressa a ideia de “Sem Cumeeira, mas
Cumeeira suprema!” (“wuji er taiji”, “無極而太極”): em movimento, mas com a
quietude como referência; quieto, mas potencialmente cinético.
Sob a mesma lente, podemos encontrar Wuji na postura inicial de
quietude – “postura de Wuji” –, pés afastados, ombros relaxados e braços
tombados junto ao corpo; Tai-Chi, no primeiro afastamento das pernas e
elevação dos braços; o Taijitu (a dialética Yin-Yang), na distribuição do peso
corporal, da força e da intenção pelos membros; os Oito Trigramas (Pa Kua) e
Cinco Elementos (Wuhang), nas oito técnicas e cinco passos que constituem
as bases do Tai-Chi-Chuan; as “Dez Mil Coisas”87, na evolução da sequência,
que pode chegar a centenas de movimentos encadeados de forma harmônica,
sem quebras; o retorno à quietude, pelo encerramento da forma no local e
posição de início.
O domínio dessa “teoria cosmogônica” de Tai-Chi-Chuan não é, por certo,
um pré-requisito para a prática, como demonstram os milhões de pessoas que,
a despeito de não acessá-la – nem na figura de um mestre tradicional, nem nos
textos clássicos, disponíveis essencialmente em chinês e em inglês –, dão vida
87
Em chinês, o ideograma para 10.000 - “萬” ou “万”, em sua forma simplificada – também é associado
ao infinito, como vemos no capítulo 42 do “Tao Te Ching”: “道生一,一生二,二生三,三生萬物。”
(“O Tao produziu o um; o um produziu o dois, o dois produziu o três; o três produziu todas as [dez mil]
coisas.” Original chinês disponível em http://ctext.org/dao-de-jing (c. 01.02.16)
à arte marcial todos os dias em academias, parques e praças 88 . Esses
praticantes encontram outros referenciais, baseados, por exemplo, nos
comprovados benefícios à saúde, na sociabilidade e até numa proximidade em
relação a um universo simbólico difuso que toma o “Oriente” como fonte de
inspiração e representações. Referenciais que, sem dúvida, acabam por
moldar a arte para as gerações futuras.
Com este trabalho, buscamos contribuir para a apresentação de uma
“teoria primeira” do Tai-Chi-Chuan aos interessados brasileiros. Isso, por certo,
não significou uma tentativa de resgate de um olhar mais “puro”, “original” ou
“correto” sobre a prática marcial (algo que talvez só fizesse sentido se
fôssemos chineses do século XIX), mas uma contribuição para a sofisticação
de uma perspectiva. Uma contribuição – este é o nosso desejo – capaz de
fortalecer o campo brasileiro de estudos sobre arte marcial chinesa, provocar
questionamentos e, se possível, tornar a vivência do Tai-Chi-Chuan ainda mais
rica.

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Graduação em Ciência da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, 2002, 221 p.

88
O quadro não é muito diferente na própria China, onde, nos últimos sessenta anos (quando da
publicação da primeira rotina moderna de Tai-Chi, a chamada “Forma de Pequim em 24 Movimentos”),
o Tai-Chi-Chuan foi desvestido de seus antigos elementos doutrinários e passou a ser ensinado como
prática voltada à saúde e como esporte de competição.
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SUTRA do Coração, tradução por CONZE, E., disponível em


http://www.dharmanet.org/HeartSutra.htm (c. 18.01.2015).

TER HAAR, B., “Ritual & Mythology of the Chinese Triads”, 1ª edição, Leiden:
Brill´s Scholars List, 1997, 577 p.

WAYNE, P., e FUERST, M., “The Harvard Medical School Guide to Tai Chi”, 1ª
edição, Boston: Shambala, 2013, 336 p.

WILE, D., “Lost T’ai-chi Classics from de Late Ch’ing Dinasty”, 1ª edição, 1996:
State University of New York Press, 1996, 233 p.

_______, “T’ai Chi Ancestors – The Making of na Internal Martial Art”, 1ª edição,
Nova Iorque: Sweet Ch’i Press, 1999, 224 p.

YEYOUNG CULTURAL STUDIES, “The Origins of Tai-Chi: The Zhang Sanfeng


Camp”, texto disponível em http://www.literati-
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YUSHENG, X., "Taiji Boxing postures with drawings and explanations",


tradução para o inglês de Paul Brennan (agosto de 2012), documento
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manual-of-xu-yusheng/ (c. 11.01.16).
APÊNDICE
LISTA DE TERMOS TRANSLITERADOS EM ROMANIZAÇÃO PĪNYĪN

An (按) - Àn
Bai Ma Si (白馬寺) - báimǎ sì
Bodhidharma (菩提达摩) - Pútí dá mó
Chang San-Feng (張三丰) - zhāngsānfēng
Chen (陳) - chén
Chen Changxing (陳長興) - chén zhǎngxìng
Chi (挤) - jǐ
Chi (氣) – qì
Chi Kung (气功) - Qìgōng
Chuan (傳) - Chuán
Da Zongshi (大宗師) - Dà zōngshī
Daiheng (太恆) - tài héng
Dantien (丹田) - Dāntián
Dao (刀) - dāo
Daoyin (導引) - dǎo yǐn
Dashou Ge (打手歌) - dǎshǒu gē
Fu (夫) - fū
Fu Hsi (伏羲) - fúxī
Gan (乾) - gàn
Gu Ruzhang (顾汝章) – gùrǔzhāng
Han (汉) - hàn
Han Chao (漢朝) - Hàn cháo
Hebei (河北) - héběi
Henan (河南) - hénán
Hsin (心) - xīn
Hsing I Chuan (形意拳) - Xíng yì quán
Huang Zongxi (黄宗羲) - huángzōngxī
Huangji (皇極) - huáng jí
I Ching (易經) - yì jīng
Jian (劍) - jiàn
Jin (勁) - jìn
Jinbu (进步) - Jìnbù
Jingwu (精武) - jīng wǔ tǐyùhuì
Jinzheng - (勁整) - jìn zhěng
Jixing (極星) - jí xīng
Kao (靠) - kào
Kun (坤) – kūn
Lao Tzu (老子) - Lǎozi
Li (离) – lí
Li Yishe (李亦畬) - Lǐyìshē
Lieh (列) - liè
Lu (履) – lǚ
Manchúria (满洲地区) - Mǎnzhōu dìqū
Mawangduei (馬王堆) - Mǎwángduī
Mei Hua Chuan (梅花拳) - méihuā quán
Ming Chao (明朝) - Míng Cháo
Nan Chuan (南拳) - nán quán
Nei jia (內家) - nèi jiā
Neipian (內篇) - nèi piān
Pa Kua (八卦) – bāguà
Pa Kua Zhang (八卦掌) - bāguà zhǎng
Peng (掤) - Bīng
Qien (枪) – qiāng
Qilian (氣斂) - qì liǎn
Qin Shi Huang (秦始皇) - Qínshǐhuáng
Qing Chao (清朝) - Qīng Cháo
Ren (人) – rén
Shaanxi - (陕西) Shǎnxī
Shan (扇) - shàn
Shao Yong (邵雍) - Shào Yōng
Shaolin Chuan (少林拳) - shàolínquán
Shaolin Si (少林寺) – shàolínsì
Shenju (神聚) - shén jù
Shenling - (身灵) - shēn líng
Shi I (十翼) - shí yì
Shisan Shi (十三式) - shísān shì
Shisan shi ge (十三式歌) - shísān shì gē
Shisan shi xinggong win jue (十三势行功心解) - shísān shì xíng gōng xīn jiě
Song Chao (宋朝) - Sòng cháo
Sun (孫氏) - sūn shì
Sun Fuquan (孫福全) - Sūn fúquán
Sun Lutang (孫祿堂) – Sūnlùtáng
Sunshi Tai-Chi-Chuan Jiouba Shi (孫式太極九八式) - Sūn shì tàijí jiǔbā shì
Sunshi Tai-Chi-Jian leoushi ershi (孫式太極劍六十二式) - Sūn shì tàijí jiàn liùshí'èr shì
Ta (大) - dà
Tai-Chi (太極) - tàijí
Tai-Chi-Chuan - (太極拳) - tàijí quán xué
Tai-Chi-Chuan Jiang Yi (太极拳讲义) - tàijí quán jiǎngyì
Tai-Chi-Chuan Jing (太極拳經) - tàijí quán jīng
Tai-Chi-Chuan Lun (太極拳論) - tàijí quán lùn
Tai-Chi-Chuan Lun (太極拳論) - tàijí quán lùn
Tai-Chi-Chuan Sun (孫氏太極拳) - sūn shì tàijí quán
Tai-Chi-Chuan Xué (太极拳学) - tàijí quán xué
Tai-Chi-Chuan Xué (太极拳学) - tàijí quán xué
Taijitu Shuo (太極圖說) - tàijí tú shuō
Taiping Tienguo Yundong (太平天国运动)
Tao (道) - dào
Tao Te Ching (道德經) - dàodé jīng
Tazongshi (大宗師) - dà zōngshī
Tien (天) - tiān
Tsai (采) - cǎi
Tsou (肘) - zhǒu
Tuibu (退步) - tuìbù
Wai jia (外家) - wài jiā
Wang Zongyue (王宗岳) – wángzōngyuè
Wangzhengnan muzhi ming (王征南墓志銘) - wángzhēngnán mùzhì míng
Wenhua dageming (文化大革命) - Wénhuà dàgémìng
Wu (吳氏) - wú shì
Wu (武) - wǔ
Wu Yuchiang (武禹襄) – Wǔyǔxiāng
Wu Yuxiang (武禹襄) Wǔyǔxiāng
Wu Zi Jue (五字诀) - wǔ zì jué
Wu/Hao (武/郝氏) - wǔ/hǎo shì
Wu-Chi (無極) - wújí
Wudang (武當山) - wǔdāng shān
Wuhang (五行) - wǔháng
Wuji er taiji (無極而太極) - wújí ér tàijí
Wuxia (武俠) – wǔxiá
Xian (西安) - Xī'ān
Xinjing (心静) – xīnjìng
Xu Shichang (徐世昌) - Xú Shìchāng
Yang (楊) - yáng
Yang (楊氏) - yáng shì
Yang (陽) - yáng
Yang Cheng-Fu (楊澄甫) - yángchéngfǔ
Yang Luchan (楊露禪) - yánglùchán
Yangchgngfu tai-chi-chuan shuo shi yao (杨澄浦太极拳说十要) - yángchéngpǔ tàijí quán shuō
shí yào
Yin (陰) - yīn
You (有) - yǒu
Youpan (左顾) - yòu pàn
Yuan Chao (元朝) - Yuán Cháo
Zanguo Shidai (戰國時代) - Zhànguó shídài
Zhongding (中定) - zhōng ding
Zhou Chao (周朝) - Zhōu cháo
Zhou Dunyi (周敦頤) – Zhōudūnyí
Zonguan Pai (中觀派) - Zhōngguān Pài
Zou jia dashou xinggong yao yan (走架打手行功要言) - zǒu jià dǎshǒu xíng gōng yào yán
Zuogu (右盼) - zuǒ gù

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