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ROBERTO ZUCCO

"Depois da segunda oração. tÜ verás subir o disco solar e


verás pendurado nelc o phallus. a origem do vento; e se
virares teu rosto em direção ao Oriente, ele mudará de lugar,
e se virares tcu rosto em direção ao Ocidente, ele te seguirá.»
(Liturgin de Mithra, parte do Grond Pnpyf71sMngiquedePnris.
Citado por Carl Jung em sua última entrevista à B.B.C.)
~
~

~ PERSONAGENS
)
Roberro Zucco.
~
~ Sua mãe.
. .
A memna.
I Sua irmã.
~ Seu irmão.
~Seu pai.
Sua mãe.
~
~O senhor mais velho. .
A senhora elegante.
~
I O fortão.
I O cafecão impaciente.
A puta histérica.
I O inspetor melancólico.
Um delegado.
Um comissãriq de polícia.
Primeiro guarda.
Segundo guarda.
Primeiro policial.
Segundo policial.

Homens. Mulheres. Putas. Cafetões. Vozes de prisioneiros


e de guardas.

II
I. A FUGA grades maiores, depois, tem as grades' 'mais finas, como
num coador, e depois mais finas ainda, como uma peneira.
o 1~/hadod~ lima prisão, olé sIm port~ mo;s alIo. Tcria que ser líquido pra poder passar entre elas. E uma mão
O caminho, no altura do tdhado, por ondt os guardas passam que esfaqueou, um braço que estrangulou. não podem ser
loundo o rondo nolUrna. feitos de líquido. Ao contrário, eles devem ficar grandes e
H oro ~m qll~osgtlOrdas,porcOt/sa do silindo ~cansados d~olhar pesados. Como você acha que alguém pode ter a idéia de
almlnmro/~ o ~SCt/ro,são os v~us víl;mas & nludnnçõ~s. esfaquear ou estrangular, primeiro a idéia. e depois passar
~~o? .

PRIMEIRO GUARDA - Você ouviu alguma coisa? PRIMEIRO GUARDA - Puro vício.
SEGUNDO GUARDA - Não, nada. SEGUNDO GUARDA - Eu que sou um guarda já faz seis
PRIMEIRO GUARDA - Você nunca ouve nada. anos,eu sempre olhei os assassinos procur-mdoonde poderia
SEGUNDO GUARDA - E você, ouviu alguma coisa? estar o que faz com que eles sejam diferentes de mim, vigia
PRIMEIRO GUARDA - Não, mas tenho a impressão de de prisão, incapaz de esfaquear ou estrangular, incapaz até
ouvir alguma coisa. de ter a idéia de fazer isso. Eu pensei, eu procurei, eu fiquei
SEGUNDO GUARDA - Você ouviu ou não ouviu? até olhando quando eles tomavam banho. porque me disse-
PRIMEIRO GUARDA - Eu não ouvi com as orelhas, mas ram que era no sexo que o instinto assassino se alojava. Eu
imaginei ter ouvido alguma coisa. vi mais de seiscentos, e nenhum ponto em comum entre
SEGUNDO GUARDA - Imaginou? Sem as orelhas? eles; tem gordo, pequeno, magro, bem pequeno, redondo,
PRI!vfEIRO GUARDA - Você, você nunca imagina nada, pontudo, tem ainda os enormes, e não dá pra chegar a
e é por isso que você nunca ouve nada e nem vê nada. nenhuma conclusão a partir disso.
SEGUNDO GUARDA - Eu não ouço nada porque não PRIMEIRO GUARDA - Puro vício, eu estou falando.
tem nada pra ouvir e eu não vejo nada porque não tem nada Você não está vendo alguma coisa?
pra ver. Nossa presença aqui é inútil, é por isso que a gente
acaba sempre brigando. Inútil, completamente; as metralha- Apa1?c~ZfllXO,andando no alIodo t~/hado.
doras, as sirenes mudas, nossos olhos abertos sendo que a
essa hora todo mundo tem os olhos fechados. Eu acho inútil SEGUNDO GUARDA -
Não, nada nada.
ficarcomosolhosaberrospran1ioolharpranada,eosouvidos -PRIMEIRO GUARDA -Eu também não, mas tenho a
atentos pra não ouvir nada, enquanto a essa hora nossos impressão de estar vendo alguma coisa.
ouvidos deveriam escutar o barulho do nosso universo ince- SEGUNDO GUARDA - Eu estOu vendo um homem
rior e nossos olhos deveriam contemplar nossas paisagens' andando no telhado. Deve ser efeito da nossa falta de sono.
interiores. Você acredita no universo interior? PRIMEIRO GUARDA-O que é que um homem faria em
-
PRIMEIRO GUARDA Eu acredito que não é inútil que cima do telhado? Você tem razão.Agente deveria de vez em
a gc;me esreja aqui, para impedir as fugas. quando fechar os olhos para ver nosso universo interior.
SEGUNDO
I GUARDA - Mas não há fuga aqui. É impos- SEGUNDO GUARDA- Eu diria mesmo que era o Rober-
sCvel.A prisão é moderna demais. Mesmo um prisioneiro to Zucco, aquele que foi preso essa tarde pelo assassinato do
bem pequenininho não poderia fugir. Mesmo um prisio- pai. Uma besta furiosa, uma besta selvagem.
.neir~--..tão pequeno quanto um rato. Se ele passasse pelas PRIMEIRO GUARDA-RobertoZucro..Nunca ouvi falar.

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,")

:)
A MÃE - Como você conseguiu eSC2par?Que espécie de
.:) SEGUNDO GUARDA - Mas você está vendo alguma
'-' coisa, ali, ou s6 eu estou vendo?
""" prisão é essa?
'.3 ZUCCO - Nunca me manterão preso por mais do que
'L:> ZtlCCO contintlo t1tJOnçOI1ÓO, trol1qiHlommt~, sobrr o telnodo. algumas horas. Nunca. Abre, mãe. Voc!vai fazer uma lesma
.<~~ perder a paciência. Abre, ou eu derrubo esse barraco.
.~.1;"r
'- PRIMEIRO GUARDA - Eu imagino que estou vendo A MÃE - O que é que você veio fazer aqui? De onde vem
~) alguma coisa. Mas o que
que é? essa necessidade de voltar? Eu não quero mais te ver, eu não
;) quero mais te ver. Você não é mais meu filho, acabou. Você,
pra mim, não vale mais do que uma mosca na merda.'
'3) ZtlCCOcom~çoo ó~op01?ar otrds d~ limo cnominl.
~S}SEGUNDO GUARDA - É um prisioneiro fugindo. ZII«O orrombo 11porto.

~ A MÃE - Roberto, não chegue perto de mim.


e; Zucco d~opo1?a.
,ia ZUCCO- Eu vim buscarmeu uniforme.
(')PRIMEIROGUARDA- Mcrd:J,você tem razão;é uma A MÃE - Seu o quê?
13fuga.
ZUCCO - Meu uniforme: minha camisa cáqui e minha
calça de combate.
:) Tiros, holofotes, si1?11~. A MÃE - Essa imundfcie de roupa militar. Pra que é que
~} você precisa dessa imuncHciede roupa militar?Você é louco,
Roberto. A gente deveria ter compreendido isso quando
~II. ASSASSINATO DA MÃE você ainda estava no berço e jogado voe! no lixo.
~ ZUCCO - Anda logo, mãe, rápido, traz meu uniforme de
~ mõ~ Ó~Zucco, & camisola nn frrl1t~ à pono f~c!lt1do.
uma vez.
A MÃE - Eu te dou dinheiro. É dinheiro o que você qu'er.
i) A MÃE - Roberro, eu estou com a mão no telefone, eu Você vai poder comprar todas as roupas que você quiser.
~disco e chamo a polícia. ZUCCO - Eu não quero dinheiro. É o meu uniforme que
~ZUC_CO - Abre pra mim. eü quero.
A MAE - Nunc:J. A MÃE - Eu não quero, eu não quero. Eu vou chamar os
JZUCCO - Se eu der um chute na porra, ela cai, você sabe vizinhos. I
;jmuito bem, não se faça de idiota. ZUCCO - Eu quero meu uniforme. I
r;,A MÃE - Tá bom, faz isso então, ~?ent,e, louco, faz isso c A MÃE - Pára de gritar, Roberto, pára de gritar, você me dá
. acorda os vizinhos. Você estava mais seguro na prisão, por- medo; pára de gritar, você vai acordar os vizinhos. Eu não I
)que se virem você, você vai ser linchado: não se admite aqui posso te dar o seu uniforme, é impossfvel; ele está sujo, ele
)que alguém mate o pr6prio pai. Até os cachorros, nesse está nojento, você não pode vestir esse uniforme assim. Me
" bairro, vão te olhar atravessado. dá um tempo que eu lavo, seco e passo esse uniforme.
J ZUCCO - Pode deixar que eu mesmo lavo. Eu vou na
:jZucco ~smtJrro a pono. lavanderia automática.
...
A MÃE - Você está variando, meu filho. Você está comple- Como você uiuassim dos trilhos, Roberco? Quem colocou
tamente louco. um tronco de árvore sobre esse caminho tão reco pra fazer
ZUCCO - ~-o lugar do mundo que eu prefiro. É calmo, é você cair no abismo? Roberco, Roberm, um carro que cai
tranqüilo, e tem mulheres. num barranco, não tem conserto? Um trem que descarrilha,
A MÃE - Não me inceressa. Eu não quero te dar esse a gente não tenta fazer com que ele volte pros trilhos. A
uniforme. Não chegue perco de mim, Roberco. Eu ainda gente abandona esse trem, esquece. Eu te esqueço, Ro-
escou de lUtopelo seu pai, será que você vai me matar,agora berco,eu já te esqueci.
é a minha vez? ZUCCO -Ances de me esquecer, ma fala onde está o meu
ZUCCO - Não tenha medo de mim, mãe. Eu sempre fui uniforme.
doce e bonzinho com você. Porque você teria medodemim? -
A MÃE Ele está aí,dentro do balaio. Está sujo e rodo
Por que você não me daria o meu uniforme? Eu esCOu amassado. (ZIICCO tiro o IInifonne do boloio.) E agora vai
precisando dele, mãe, estou precisando. embora, você me jurou.
A MÃE - Não seja bonzinho comigo, Roberco. Como você ZUCCO - Está bem, eu jurei.
quer que eu esqueça que você matou oseu pai, que você o
jogou pela janela, como se joga um cigarro? E agora, você é Ele s~ aproximo do mõ~, ocoricio-o. dá II1nb~ijo, ap~/10-o contro
bonzinho comigo. Eu não quero esquecer que você matou o si,' tio g~1H~.
seu pai, e a sua doçura vai me fazer esquecer cudo, Roberco. Ele o solto ~t/o coi, ~strongrllodo.
ZUCCO - Esquece, mãe. Me dá meu uniforme, minha Zucco tiro tI rOl/pa, Qeste S~II unifonn~ ~ sai.
c:Jmisacáqui e minha calça de combate; mesmo sujo, mesmo
amassado, me dá meu uniforme. E depois eu vou embora, eu
Juro. . - m. EMBAIXO DA MESA
A MÃE - Fui eu, Roberco, fui eu que te pari? Foi de mim
que você saiu? Se eu não tivesse te parido aqui, se eu não No co%inho.
tivesse te visco sair, e acompanhado com os meus olhos até Uma meso, cob~t1ocom limo toalha qll~ Qai ali o chão.
que te pusessem no berço; se eu não tivesse colocado, desde Entro o innõ do mmino.
o berço, meu olhar sobre você sem te deixar um minuto, e _E/o voi nn dit--efãolijonda, obn-a 11mpouco.
acompanhado cada mudança do seu corpo até o ponro em
que eu nem vi as mudanças acontecerem e se eu não A IRMÃ- Emra, não faz barulho, tira seus sapatOs;sema aí
estivesse te vendo aqui, parecido com aquele que saiu de e cala a boca. (A menino entropdo jondo.) Enrão é assim, a
mim nesta cama, eu acreditaria que não é o meu filho que eu uma horadessas da noite eu te encontro agachada, encostada
renho aqlli na minha frence. No enta,ni:o,eu te reconheço, num muro qualquer. Seu irmão está de carro correndo a
RoGeno. Eu reconheço a forma do seu corpo, seu tamanho, cidade inteira e eu posso te dizer que quando ele te encon-
a cor dos seus cabelos, a cor dos seus olhos, a forma das suas trar, ele vai encher essa sua bunda de chures, porque ele já
mãos, essas grandes mãos fortes que nunca serviram pra estava ficando louco atrás de você. Sua mãe ficou espiando
outra coisa senão acariciar o pescoço de sua mãe, ou apertar na janela durante horas inventando todas as hipóteses do
o de seu pai, que você matou. Por que essa criança, tão mundo, desde o esrupro coletivo por um bando de arruacei-
sensara dumnre vinte e quatro anos:ficou louca de repente? ros até o corpo decepado que seria encontrado em um
,...,....
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:} bosque, sem falar do sádico que teria te prendido no porão, esperar a sua hora, e que nós escolheremos, todos juntos-
sua mãe, seu pai, seu irmão, eu mesma, e você também aliás
!) tUdo passou pela cabeça dela. E seu pai já tem tanta certeza
~
de que não vai mais te ver que tomou um porre e. está - pra quem você vai dar isso. Ou então vai ser necessário que
,,-Ironcando no sofá, um ronco de desespero. Quanto a mim, eu alguém consiga com violêneÍ2, e isso, quem ousará fazer, a
j rodo nesse bairro feito uma 10lieae te encontro aí, simples- uma menina como você, tão pura, tão virgem? Diz pra mim
, mente agachadae encostada nesse muro. Enquanto seria que ninguém foi violento com você. Diz pra mim, diz que
~ suficiente que você :ttravessasse a rua para nos tranqÜilizar. ninguém te roubou isso, não é. issoque não aeve ser roubado
) Tudo o que você terá g:mhado então, é que você vailevar uns de você. Responde. Responde ou eu vou ficar zangada.
.') bons chures do seu irmão, e cu cspero que ele chute a sua (Bnrtilho.)Esconde rápido embaixo da mesa. Eu acho que é
) bun.d~ até sangrar. (,Tempo.)M~s eu est~u ve~d,oque você
'.- decIdIU que n1l0vai falar comigo. Voce decidIu ficar em
o seu irmão que está chegando.

;) silêncio profundo. Silêncio. Silêncio. Todos se agitam em A mminn óesnpnf?ce embnixo df/mesn.
;) volta de.mim mas ClIme calo. 13oca.fechm.l:1. En/ra opni, depijnmn, meio ótN7ninóo. Ele n/rnvessn n cozinhn,

,
)
.Veremosse sua
boca vai ficar fechada quando scu Irmão estiver chut::mdoa
SU:1bunda. QU:1ndo então voce vai abrir a boca pra me
explicar por quc,já que você tinha permissão até meia-noite,
óesnpnrea nlgllns segllndos, ntrmJesso de novo n cozinhn e vol/n
pnra o sefl qllnrto.

A IRMÃ - Você é uma menina, você é uma pequena


1} por que é quc você voltou pra casa t50 tarde? Porque, se você
não abrir o bico, eu vou começar a ficar nervosa, eu também virgem, você é a pequena virgem da sua irmã, do seu irmão,
> vou fazer todas as suposições. Meu pardalzinho, fale com a do seu pai e da slla mãe. Não me diga essa coisa horrível. Cala
~sua irmã, eu sou cap:1Zde compreender tUdo, eu juro, eu vou a boca. Eu ficou louca. Você está perdida, e nós tOdos,
perdidos com você.
~com
te protcger da r::Iivado seu irmão. (Tempo.) O que aconteceu
você foi uma pequcna história de menina, você eneon-
. trou um garotO, cle foi idiota como todos os garotOS, agiu mal Entrn o innlío, Inundo mn gnmde /mmtl/o. A innli se pl'rcipiltl
. com você, foi grosseiro? Eu conheço isso, meu pintassilgo,eu
sobr~ele.
fui uma menina, eu fui a festas onde os garotos são uns
~imbecis. Mesmo se você deixou alguém te beijar, qual o AIRMÃ-Não grita, não fica nervoso. Ela não está aqui mas
. problema? Você ainda vai ser beijada mil vczes por imbecis, eTãfoi encontrada. Ela foi encontrada mas ela não está aqui.
~você querendo ou não; e você vai deixar que eles passem a Fica calmo, senão eu acabo ficando louca. Eu não quero
mão em você, minha pobrezinha, quer você queira quer não. tOdasas desgraças juntas e, se você gritar, eu me mato.
~Porque os garotos são uns imbccis e tudo o que c/es sabem O IRMÃO - Onde ela está? Onde ela está?
. fazer é passar a mão na bunda das meninaft. Eles adoram isso. AIRMÃ-Ela está na casa de uma amiga. Ela está dormindo
> Eu nãosei que pr:1Zerelestêm; na vcrdade, aliás, eu acho que
nacasade umaamiga,na camade sua amiga,no quentinho,
eles não vêem nenhum prazer nisso. Faz parte da tradição com segurança, nada de mal pode acontecer a ela, nada. Está
~ deles. Eles não podem f:1Zer nada. Eles são fabricadoscom nos acontecendo uma desgraça. Não grita, por favor, porque
~imbecilidade. Mas não precisa fazer um drama de tudo isso. depois você poderá se arrepender e até chorar.
O essencial é que você não deixe ninguém roubar o que não a IRMÃO - Nada poderia me fazer chorar, a não ser uma
Ideve ser roubado ::tntes da hOr::t.Mas eu sei que você vai desgraça que acontecesse com a minha irmãzinha. Mas eu
,
24 ~-'........
t
comei tanto cuidado com ela, e só essa noite ela me escapou. preferiria que me chamassem de raco,cascavel ou porca. O
Essa é a primeira vez que ela me escapou, só algumas horas, que é que você faz, na vida?
em codosesses anos em que eu tomei conta dela. Adesgraça ZUCCO - Na vida?
precisa de mais tempo pra se abater sobre alguém. A MENINA - É, na vida. Seu trabalho, sua ocupação, co-
A IlUvIÃ - A desgraça não precisa de tempo. Ela vem mo você ganha dinheiro,e codasessas coisasque tOdomundo
quando quer, ela transforma tudo em um instante. Ela faz? .
. destrói em um instante um objeto preciosoque a geme ZUCCO - Eu não faço o que todo mund~ faz.
guarda durante anos. (E/fi pegflll1noújetoejogfl-o l/Omõo.) E A MENINA - Então, justamente, me diz o que você faz.
a geme não pode recolher os pedaços. Mesmo gritando, a ZUCCO - Eu sou agente secreto. Você sabe o que é, um
gente não poderia recolher os pedaços. . agente secreto?
A MENINA - Eu sei o que é secretO.
Entra o poi. E/e fltmtleSSfI fi cozillho como 110ptimeim vez e ZUCCO - Um agente, além de ser secreco, ele viaja,
desopflrece. percorre o mundo, ele tem armas.
A rvIENINA - Você tem uma arma?
o IlUvIÃO- Me ajuda, minha irmã, me ajuda. Você é mais ZUCCO - Claro que tenho.
forte do que eu. Eu não suporco as desgraças. A MENINA - Me mostra.
A IRMÃ - Ninguém suporta a desgraça. ZUCCO - Não.
-
O IRMÃO Divide comigo. A MENINA - Emão, você não tem uma arma.
A IlUvIÃ- Eu já estou transbordando. ZUCCO - Olha. (Ele tim 11mpunho/.)
O IlUdÃO - Eu vou beber alguma coisa. (E/e sai.) A MENINA - Isso não é uma arma.
ZUCCO - Com isso, você pode matar tão bem quanto
o poi tlO/Io. com qualquer outra arma.
A MENINA - Fora matar, que mais que elc faz, um agcntc
o PAI - Você está chorando, minha filha?Eu acho que ouvi secreto?
alguém chorando. (A i/'1I/õse/evflllff1.) ZUCCO - Ele viaja,vai pra África. Você conhece a África?
A IRMÃ - Não. Eu esrava cantando. (E/o sfli.) A MENINA -Muito bem.
O PAI- Você tem razão. Quem canta os males espanta. (EIe- ZUCCO - Eu conheço uns lugares na África, umas monta-
soi.) nhas tão altas, onde neva o rempo todo. Ninguém sabe que
neva na África. Eu, é issoo que eu prefiro no mundo: a neve
Depois de 1I1nmommto, fi mmil10 sai dedeúoixo da mesa, se na África que cai nos lagos gelados.
aproxima do janela, aúre-fI mn pOllco,fqz Zucco mtrar.
I
I
-
AMENINA Eu queria ir ver a neve na África. Eu queria
andar de patins nos lagosgelados.
A t\1ENINA -
Tira os sapatOs. Como você se chama? ZUCCO - Tem também rinocerontes brancos que atra-
ZUCCO - Me chame como você quiser. E você? vessam o lago, por baixo da neve.
A ~ENINA - Eu? Eu não tenho mais nome. Me chamam A MENINA - Como você se chama? Me diz o seu nome.
o tempo todo por nomes de bichinhos bobos, pintinho, ZUCCO - Eu nunca vou dizer o meu nome.
--PLn_~~~ilgo, pardalzinho, corovia. pombinha, rouxinol. Eu A MENINA - Por quê? Eu quero saber o seu nome.
" '~..........
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ZUCCO - É um segredo. A MENINA - Não. Eu canto paraespantar os males.

,
~A MENINA - Eu sei guardar segredos. Me diz o seu nome.
ZUCCO - Eu esqueci.
') A MENINA - Mentiroso.
A MÃE - Você tem razão. (Vendo o objeto quebrado.) Tanto
melhor. Tem um bom tempo que eu queria me ver livre
dessa sujeira.
. ZUCCO - André.
) A MENINA - Não. Elo sai.
) ZUCCO - Ângelo. A menino vai ficar perto de Zucco. que está escondido sob a mesa.

) A MENINA - Não goza da minha cara que eu gritO. Não


é nenhum desses nomes. voz DA MENINA - Você, garoto, você me tirou a vir-
~ ZUCCO -
E como você sabe, se você não sabe? gindade. e agora ela é sua. Não haverá ourea pessoa que
) A MENINA - Impossível. Eu o reconheceria na mesma vai poder timr isso de mim. Agora ela é sua :ltç o fim dos
seus dias. ela será sua mesmo quando você já tiver me
) hora.
. ZUCCO - Eu não posso te dizer meu nome. esquecido. ou morrido. Você está marcado por mim como
} A MENINA - Mesmo se você não pode me dizer, diz por uma cicatriz depois de um:r briga. Eu não corro o ris-
) assim mesmo. co de esquecer, porque eu não tenho oUtra pra dar pra
ninguém; pronto, está feitO, até o fim da minha vida. Está
) ZUCCO - Impossível. Poderia me acontecer uma des- dada e ela é sua.
graça.
-
~ A MENINA Não tem problema. Diz assim mesmo.
. ZUCCO - Se eu te dissesse meu nome, eu morreria.
A MENINA - Mesmo se você morrer, me diz seu nome IV. A MELANCOLIA DO INSPETOR
~ assim mesmo.
~ ZUCCO - Roberco. &cepçiio de mn hotel de plllas do Peqllet/o Chimgo.
, A MENINA -
Roberto o quê?
, ZUCCO -: COntcnre-se com isso. O INSPETOR - Eu estOu triste, madame. Eu sintO o
I A 'MENINA - Roberto o quê? Se você não me disser, eu coraçãobem pesado e eu não sei por quê. Eu estOu constan-
~ grito, e meu irmão, que está muito nervoso, vai te matar. temente triste, mas dessa vez tem alguma coisa me incomo-
ZUCCO - Você me disse que você sabia o que era um dando. Normalmentc, quando eu me sinto assim. com von-
I segredo. Será que você sabe mesmo? tade de chorar ou morrer, eu procuro o porquê disso. Eu
A MENINA - É a única coisa que eu sei perfeitamente o penso em tUdo o que aconteceu durante o dia, durante a
que é. ~Ic diz o seu nome, me diz o seu nome. noite. e na véspera. E eu acabo sempre enconrrando algum
ZUCCO - Zucco. acomecimentO sem importância que, na hora. não me cha-
A MENINA - Roberto Zucco. Eu núnca vou esquecer mou muitOa atenção, mas qUt.:,como uma pOfcari;lzinhJ dç
esse nome. Esconde embaixo da mesa; vem vindo gente. um micróbio,se instalou no meu coração e fica me atOrmen-
tando em todos os sentidos. Agora,quando eu descubro qual
Entra a mãe. foi o acontecimento sem importância que me fez sofrer
tanto, eu achograça, o micróbio é destcuído como uma pulga
A MÃE - Você está falando sozinha, meu rouxinol? com a unha. e fica tudo bem. Mas hoje eu já procurei; eu já

26 ,.
I

voltei até três dias pra trás, uma vez num sentido e depois no como se a reflexão profunda onde ele estava mergulhado
ouero, e aqui estou eu de novo, sem saber de onde vem o mal, acabasse de encontrar uma solução. Depois todo o seu corpo
eu tão triste e o coração tão pesado. balança, e ele afunda no chão. Nem o assassino nem a sua
A l'VIADMvIE- Você fica inventando muita hist6ri~ de vítima se olharam em nenhum momento. O menino tinha os
cadáverc cafetão,inspctOr. . olhos fixos sobre o revólver do inspetor: ele vai, pega o
O INSPETOR - Não tem tanto cadáver assim. Mas cafe- revólver, põe dentro do bolso, e vai embora, tranqüilamente,
tão, isso sint, tem demais. Aliás era bem melhor se tivesse com a tranqüilidade do demônio, madame. Porq ue ninguém
mais cadáver e menos cafetão. se mexeu, todo mundo que estava ali ficou imóvel, olhando
A MADAl'vIE- Já eu, prefiro os cafetões, eles me fazem ele ir embora. Ele desapareceu na multidão. Era o diabo que
viver e eles mesmos são bt::mvivos. a senhora tinha debaixo do seu reto, madame.
O INSPETOR - Eu preciso ir, madame. Adeus. AMADAME- De qualquer jeitO, com o assassinatOde um
inspetOr,esse menino está perdido.
ZI/CCOsai de 1/1/1ql/nt1o.fecha sI/a pOf1n à chave.

A lvlADAME - Nunca se deve dizer adeus, inspetOr. V. O IlUvlÃO

o iflspetor sai, segl/ido por ZI/cco. A cozinha.


Depois úe algl/lls illStfl1ltes, lima pllla, hislini:o, entra. A meninaestdcontra a po,.~de.fllen'OfiZflúo.

A PUTA - Madame, madame, forças diabólicas acabam de O IRlvlÃO- Não tenha medo de mim, pintinho. Eu não vou
atravessar o Pequeno Chicago. O bairro está todo uma te fazer mal. Sua irmã é uma idiota. Por que ela acha que eu
confusão, as puras não trabalham mais, oscafetões ficamcom te daria uma surra? Agora você é uma fêmea; eu nunca bati
a boca abcrca, os clienres sumiram, está tudo parado, tudo numa fêmea. Eu gosro das fêmeas; é o que eu prefiro. É
petrificado. Madame, a senhora abrigou o demônio na sua muito melhor do que uma irmã mais nova. Enche o saco, uma
casa. Esse rapaz que chegou recentemenre, que não abre a irmã mais nova. Tem de ficar o tempo todo vigiando, com o
boca, que não responde às perguntas das mulheres, esse que olho em cima dela. Pra proreger o quê? A virgindade? Por
parece que não tem voz nem sexo; esse menino, no entanto, quanro tempo é necessário vigiar a virgindade de uma irmã?
com um olhar tão doce; esse menino bonito, com certeza, de Todo o tempo queeu passei re vigiando é tempo perdido. Eu
quem a genre falou canto, entre nós, mulheres -
saiu atrás lamemo rodo esse tempo. Lamenro cada dia, cada hora
do inspetor. Agente ficou olhando, nós, as meninas, a gente perdida com o olho em cima de você. A gente deveria
ria, imaginava coisas. Ele anda atrás do inspetor que parece detlorar as meninas desde bem pequenas, assim deixariam
mergulhado numa retlexão profunda; ele anda atrás do os irmãos mais velhos em paz, eles não teriam nada para
inspetor como se fosse a sombra deie; e a sombra chega perto, vigiar, e poderiam passar o tempo fazendo outra coisa. Eu
COI)1Q ao meio-dia, cada vez mais pertO das costas curvadas estOu bem feliz que você tenha logo dado pra alguém;
do inspetor, c de repente, ele tira uma faca bem grnnde de porque agora eu tenho paz. Você faz o seu caminho, eu faço
denrro do bolso, c enfia nas costas do pobre homem. O o meu, eu não tenho mais de ficarte carregando atrás de mim.
'1ns-pe.t,prfica parado. Não se vira. Balança de leve a cabeça, Bem melhor, vem beber alguma coisa comigo. Você precisa

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I\

aprender, agora, a não baixar mais os olhos, a não ficar pegar o último metrô quando de repente, num cruzamento
vermelha, a olhar pros garotos de frente. Tudo isso acabou. deste labirinto de corredores e escadas, eu não reconheci
Não tenha mais vergonha de nada. Levanta a cabeça, olha os mais a minha estaÇão; que eu freqüento no entanto tão
homens, encara mesmo, eles adoram. Não serve pra nada ser regularmente que eu pensei que a conhecia tão bem quanco
tímida, nem um segundo mais. Solta tudo de uma vez. Vai conheço a minha cozinha. Mas eu ignorava que ela escondia,
andar no Pequeno Chicago no meio das pUtas,vira uma pUta: por trás do percurso simples que eu faço todos os dias, um
você vai ganhar dinheiro e não vai mais depender de nin- mundo obscuro de túneis, de direções desconhecidas que eu
guém. E quem sabe eu vou te encontrar num desses baresde teria preferido ignorar mas que a minha distração confusa me
pura, aí eu te faço um sinal, e seremos companheiros de bar; obrigou a conhecer. Aí de repente as luzes se :1pagam e
enche bem menos o saco e a gente se diverte muitO mais. deixam somenre a claridade dessas luzinhas brancas que eu
Não perca mais seu tempo baixando os olhos e fechando as ne~ sabia que existiam. Eu ando então, seguindo reto, em
pernas, pintinho, isso não serve mais pra nadà. De qualquer um mundo desconhecido, o mais rápido possível, o que não
forma, agora, casamentO, não tem mais jeitO. Valia a pena quer dizer muita coisa em visra do homem velho que eu
romar conta de você para o casamento, valia a pena qlie você sou. E quando no fim dessas intermináveis escadas rolan-
baixasse os olhos timidamente até o dia do casamento, mas tes paradas eu tenho a impressão de ter achado uma saída,
3gora que não tem mais casamento, tUdoo mais não imeres- tandan!..., uma grade enorme interdita a passagem. Agora
sa. Tudo de uma vez, assim, rudo perdido: o casamento, a aqui estOueu, numa siwação bem fantástica para um homem
família, seu pai, sua mãe, sua irmã; e eu estOu pouco me da minha idade, punido pela minha distração e pela lentidão
fodendo. Seu pai ronca de miséria, e sua mãe chora; é melhor do meu passo, esperando nãosci exatamente o quê e eu nem
deixá-Ios chorando e roncando e ir embora de casa. Você quero muiro saber, porque r.em umas novidades hoje em
pode fazer filhos: a gente não está nem aí. Você pode não dia que realmente, na minha idade, são difíceis de engolir.
fazer, a geme não está nem aído mesmo jeitO. Você pode Sem dúvida é a manhã, é, sem dúvida é isso que eu estOu
fazer o que você quiser. Eu parei de tomarcohta de você, e esperando nesta estação que me era tão familiar quantO a
você parou de ser uma menina. Você não tem mais idade; minha cozinha, e que agora me dá medo. Sem dúvida eu
você poderia ter quinze ou cinqUema anos, é a mesma coisa. estou esperando que as luzes normais se acendam de novo e
Você é uma fêmea e todo mundo está pouco se fodendo. que passe o primeiro metrô. Mas eu estOu muito ansioso
- porque eu não sei como eu vou ver a luz do dia de novo,
depois de uma aventura tão extravagante, esta estação não
VI. METRÔ vai parecer nunca mais a mesma, eu não vou poder mais
ignorara presença dessas luzinhas brancas que não existiam
Embaixo de um Cartnz inlitll/ndo "PROCURA-SE", com n fOlo antes; e também, uma noite em claro, eu não sei o que ela faz
de Zucco no cmlro, sem nome; senlados índo a lodo em 11mbanco com a vida, eu nunca passei uma noire em claro, tUdo deve
de 1II/1f1eslaçiio de melrô, depois da /rora defecHar, 11msen/zonnois ficarem ourra escala, os dias não devem mais se alternar com
velho e Zucco.
as noites como era antes. Eu estOumuito ansioso em relação
a tudo isso. lvlasvocê, meu jovem, cujas pernas me parecem
o SENHOR - Eu sou um homem velho e me atrasei mais bem ágeis, e o espírito bem claro, sim, eu vejo bem o seu
do que seria razoável. Eu estava todo feliz por ter conseguido olhar claro, e não embaçado e confuso como o de um homem

2R
velho como eu, é impossível acreditar que você se deixaria tranqüilamente uma pradaria e que nada poderia fazer com
confundir por estes corredores e estas'grades fechadas; não, que descarrilhasse. Eu sou como um hipopótamo afundado
um jovem com o espírito claro como você passaria por uma na lama, que se movimenta muito devagar e que nada pode-
grade fechada como uma gora d'água passa por um filrro. ria desviar do caminho nem do ritmo que ele decidiu tomar.
Você trabalha aqui duranre a noite? Fale-me um pouco de OSENHOR-Sempresepodesairdosrrilhos, meu jovem,
você, isso fará com que eu me sinta mais seguro. sim, agora eu sei que qualquer um pode sair dos rrilhos, a
ZUCCO - Eu sou um rapaz normal e sensato, meu senhor. qualquer momentO. Eu que sou um homem velho, eu que
Eu nunca me fiz notar. O senhor repararia emmim se eu não pensava que conhecia o mundo e a vida tão bem quanto
rivesse me sentado ao seu lado? Eu sempre pensei que a conheço a minha cozinha, mndan, aqui estou eu fora do
melhor maneira de viver tranqüilo seria sendo tão transpa- mundo, a esta hora que nãoé hora nenhuma, debaixo de uma
rente quanto um pedaço de vidro, como um camaleão em iuz estranha, e sobretUdo com a ansiedade ao que vai se
cima da pedra, passar arravés das paredes, não ter nem cor passar quando as luzes de sempre se acenderem de novo, e
ncm cheiro; que os olhares das pessoas te atravessassem e que vai passar o primeiro metrô, e que as pessoas comuns
vissem as pessoas atrás de você, como se você não estivesse como eu era vão invadir esta estação; e eu, depois desra
lá. É uma tarefa difícil ser transparente; é um trabalho; é um primeira noite em claro, vaiser preciso que eu saia,'atravesse
sonho amigo, muito amigo, de ser invisível. Eu não sou um a grade enfim aberra, e veja o dia sendo que eu não vi a noite.
herói. Os heróis são criminosos. Não existem heróis cujas E eu não sei nada agora do que vai acontecer, a forma com
roupas não sejam sujas de sangue, e o sangue é a única coisa que eu verei o mundo e com a qual o mundo vai me ver ou
no mundo que não pode passar despercebida. É a coisa mais não. Porque eu não vou mais saber o que é o dia e o que é a
visível do mundo. Quando tUdoestiverdestruído, quando só noire, eu não vou mais saber o que fazer, eu vou andar pela
tiver uma bruma de fim de mundo cobrindo a rerra, vão ficar minha cozinha procurando a hora e tudo isso me dá muito
ainda as roupas sujas de sangue dos heróis. Eu estUdei, eu medo, meu jovem.
fui um bom aluno. A gente não volra atrás quando se pegou ZUCCO - Há o que temer, realmente.
o hápito de::ser um bom aluno. Eu estou matriculado na O SENHOR - Você fala um pouco embolado; eu gosto
universid.1dc. Sobre os bancos da Sorbonne, meu lugar está muito disso. Me dá segurança. Me ajuda na hora em que o ba-
reservado, entre ourros bons alunos no meio dos quais eu não rulho invadir esse lugar. Me ajuda, acompanha esse homem
serei norado. Eu rc juro que é preciso ser um bom aluno,- velho perdido que eu sou, aré a saída; e além dela, talvez.
discreto e invisível, pra estar na Sorbonne. Lá não é uma
dessas universidades de subúrbio onde ficam os maus ele- As I/Jus da (.rtaçõoS( ocmdetn nOVOlnmte.
mentos e aqueles que se tomam por heróis. Os corredores Zucco ajuda o smhor mais vdho a se levantar ( o acompanha.
da minha universidade são silenciosos e atravessados por Passa o pritn(iro m(trâ.
sombras das quais não se escura nem os passos. A parrir de
amanhã eu voltarei pra continuar meu curso de lingüística.
An):1nhã,é o dia da aula de lingüística. E lá esrarei eu, in- VII. DUAS IRMÃS
visível entre os invisíveis, silencioso e atemo dentro da bru-
ma densa da vida comum. Nada vai poder mudar o curso das No cozinha.
-COisa.:!,-
meu senhor. Eu sou como um trem que atravessa A menina, com uma bolsa.

29
El1/IYIo suo il7nn. homem nenhum. Você nunca foi amada.Você ficou sozinha
a sua vida inreira, e você foi muitO infeliz.
A IRl'vlÃ- Eu te proíbo de ir embora. A IRMÃ - Eu nunca fui infeliz, exccto pela sua infeli-
A MENINA - Você não pode mais me proibir de nada. De cidade.
agora em diante eu sou mais velha que você. A MENINA - Pois eu sei que você sempre foi muitO infe-
A IRMÃ - Que história é essa? Você é um pardalzinho Jiz.Eu te peguei várias vezes chorando atrás da cortina.
empoJeirado num galho de árvore. E eu, eu sou a sua irmã A IRMÃ - Eu choro sem razão, em horas regulares, pra
mais velha. prevenir, e agora você nunca mais vai me ver chorar; eu já
A MENINA - Você é uma virgem crema, você não sabe chorei basrante adiantado. Por que você quer ir embora?
nada da vida, você comou muico bem conta de você, você se A MENINA - Eu quero encontrá-I o de novo.
proregeu muiro bem. Eu, eu já sou mais velha, eu fui violada, A IRMÃ- Você não vai encontrá-Ia.
cu sou uma perdida, eu como as minhas decisões sozinha. A MENINA - Eu vou enconrrá-Io.
-
A IIUvIÃ Você não é a minha irmãzinha, que 'me contava A IR1'IÃ- Impossível. Você sabe muitO bem CJueo seu
rodos os seus segredos? irmão rentou durante dias e noites, p<1f:1 vingar a sua honra.
-
AMENINA Você não é uma ~olteirona, que não conhece AMENINA - Só CJueeu não quero me vingar, então eu vou
nada de nada, e que deveria cà/ar a boca diante da minha enconcrá-Jo.
experiência? A IRMÃ- E o que você vai fazer, qU2ndoencontrar com
-
A IRMÃ De que experiênciól você está falando? A expe- ele?
riência da desgraça não serve pra nada. Ela s6 é boa pra ser A MENINA - Eu vou dizer ;1lguma coisa pra ele.
esquecida o mais rápido possível. Só a experiência da felici- A IRMÃ-O quê?
dade serve pm alguma coisa. Você vai se lembrar sempre das A MENINA - Alguma coisa.
noites tranqüihls com os seus pais, seu irmão c sua irmã; até A m1IÃ - Ondc você pensa que vai enconrrá-Io?
quando você estiver bem velhinha, você vai se lembrardisso. -
A I'\IENINA No Pequeno Chicago.
Ao passo CJlICa dcsgr;j~a qUI..:
se aburc:usobre n6s, essa você A IRI'\IÃ- Por que você quer se perdcr, pombinh:1 inocen-
. -vai esquecer bem depressa, meu passarinho aroruo:ldo, de- re? Não, não me ab;1ndone, não me deixe sozinha. Eu não
baixo das asas d:Jsua irmã, do seu irmão e dos seus pais. quero ficar sozinha com o seu irmão c seus pais. Eu não quero
A i'vJENINA - Sãoos meus pais,meu irmãoe minha irmã ficErsozinha nesra casa. Se.m você, minha vida não v;1ivaler
que eu vou esquecer mais depressa, eujá estou esquecendo; mais nada, n<1damais terá sentido. Não me abandone, eu re
mas nunca a minha desgraça. suplico, não me abandone. Eu detestO oseu irmão, e os seus
A IIUvIÃ- Seu irmão vai te proteger, minha gaivota; ele vai pais, e esta casa; é só você que eu amo. pombinha, minha
te amar mais do que qualquer outra pessoa te amou, porque pombinha; eu só renho você em tOda a minha vida.
ele sempre te amoll comoeJe nunca amoupinguém. Ele será
sozinho rodos os homens de quem você vai precisar. o pai mtrn,/t1l1os0.
A MENINA - Eu não quero ser amada.
A IRMÃ - Não diga isso. Não tem mais nada que valha o PAI-Sua mãe escondeu a cerveja. Eu vou dar uma surra
alguma coisa nesr<1vida. neJacomo eu faziaames. Porque eu parei um dia? Eu esrava
AMENINA-Como você ousa dizer isso?Você nunca teve com o braço cansado, mas eu deveria rcr me forçado, feira
30 "'"' ~
exercício, feito com que alguém batesse nela por mim. Eu A m~n;no pego suo bolso ~ so;.
deveria ter continuado como ances: batendo nela codosos
dias, em horas regulares. Mas tudo bem, eu fui negligente,
e agora, ela me esconde a cerveja, e eu cenho certéza de:que VIII. LOGO ANTES DE MORRER
vocês são cúm plices. (E/~ 011111
~mboixodo m~sa.)Tinha ainda
cinco garrafas. Eu vou bacer cinco vezes em cada uma se eu Um bar do noite. Uma cabine Ielejôllico.
não encontrar. lucco é jogado atr{1f)ésdo janela, Ctml um estrondo d~ vidro
quebrado.
Ele sai. Gritos no interior. Confusão de genk no porto.

A IRMÃ-l\'linha rolinha no Pequeno Chicago! Como você ZUCCO - "Foi assim que eu fui criado como um atleca.
deve estar infeliz, e quanto ainda você vai ser. Hoje eua cólera enorme me completa.
Oh, mar, e eu sou grande sobre o meu chão divino
E1l1f'fl a lIIik. De coda a tua grandeza mordendo meus pés em vão
Nu. force. o rosco mergulhado num abismo de bruma."
A MÃE - Seu pai está de fogo de novo. Ele se emupiu de UMA PUTA - Está um frio do cão. Esse menino vai aca-
cerveja. uma amís da outra. O que é que vocês estão fazendo. bar morrendo.
vocês duas, assim tão complacentes com esse velho louco? Ul'vlCARA - Não se preocupe com ele. Ele está transpi-
Vocês me deixam !'!mndo sozinha comra esse bêbado. Vocês rando. ele deve escar bem quenre por dentro.
não estão nem ligando,estão deixando que ele nosarruíne no Z.UCCO- "Cobeno de barulho e de granizo e de espuma
álcool. Vocês são duas bobonas que falam. falam, vocês só E de noices e de vencos que se chocam furiosos.
cuidam das suas histOrinhas idiotas e me deixam sozinha Eu dirijo meus dois braços ao étcr tenebroso."
com esse bêb:ldo.O que que é essa bolsaaí? -
UMCAl{A Ele esc:íbêbado, esse cara.
A IRMÃ - Ela vai nacasa de uma amiga, passar a noicelá. OUTRO CARA - Impossível. Ele não bebeu nada.
A MÃE- Umaarriiga,uma amiga...Que negócioé essede -
Ul\1APUTA Ele estj louco, ~Óisso. É melhor deixá-Io
amiga? Que história é essa encre meninas? Que necessidade tranqüilo.
ela tem de passar a noice na casa dessa amiga? Ascamassão - O FORTÃO- Dcixarele tranqüilo? Ele fica horas enchen-
melhorcs do que aqui? O prctO da noite é mais pretOlá do do o nosso saco e a gente deve deixar ele tranqüilo? Ele quc
que aflui? Se vocês ainda tivessem a idade e eu a força,eu venha mexer comigo mais uma vez e cu arrebentO a cara
daria lima surra em vocês duas. dele.
I
UMA PUTA - (ilproximando-g d~ ZI/CCO pam ajl/dó.lo (/
Ela sai. I
se lrofl/ltar.) Não procura mais briga, garotO, não procura
mais briga. Sua carinha bonira já está bem estraga da. Você
-
A I}UvIÃ Eu não quero que vocêseja infeliz. então não quer mais que as garotas se virem pra olhar
A IvIENINA - Eu sou infeliz e eu sou feliz. Eu sofri muico, pra você? É frágil uma carinha, bebê. A geme acha que cem
mas eu tive muito prazer nesse sofrimento codo. ela pra vida roda e de repente vem um idiora bem feio.
"AIR~:IÃ~ E eu vou morrer se v~cê me abandonar. que não tem nada a perdcr com a dele, e acaba com ela?

31
Já você tem muito a perder, bebê. Uma cara quebrada o fOl1ão dó 11m soco em Z1lI&D.
e tOda a sua vida está perdida como se tnessem corta-
do o seu rabo. Você não pensa antes, mas eu te juro que UM CARA - Ele acabou com esse cara.
depois você vai pensar. Não me olha assim senão eu cho- UMAPUTA- Foi fáciJ.Ele tem razão em dizer que vocês
ro; yocê é da mça daqueles que dão vontade de chorar s6 são uns covardes.
de olhar. O FORTÃO - Um homem não deve se deixar morder duas
vezes pelo mesmo cachollO.
ZIICCOse aproxima do fOr/ão e dn-/he II1nsoco.
Eles elllrtl1l11/Obar.
UMA PUTA - Eles não vão começar de noro. Zucco se levallto, oprox/ino-se da cabine.
O FORTÃO - Não me provoca, menino, nio me provoca. Tirtl o te/efo1/e do gancho, disco tI1n nlÍmero, espe.m.

ZIICCOlhe tln 1I1nsegllndo soco. ZUCCO - Eu quero ir anbora. É preciso ir embora logo.
O 10/1ão I'i:og~. Eles IlIigalll. Faz muiro calor nesta moda de cidade. Eu quero ir para a
neve da África. É preciso que eu vá embora porque eu vou
UIVIAPUTA - Eu vou chamar a polícia. Ele vai matá-Io. morrer. De qualquer form:l,ninguém se interessa por nin-
UM CARA - Não é o caso de chamar a polícia. guém. Ninguém. Os hOlllens precisam de mulheres e as
OUTRO CARA - De qualquer forma ele ji está esborra- mulheres precisam de hOll'lens.Mas amor, não há. Com as
chado no chão. mulheres, é por pena ql& meu pau sobe. Eu gostaria de
nascer de novo como um cachorro para ser menos infeliz.
Zrlcco se l~tlIrta e vai atrns do fOl1ão que esloVIIindo embora. Cachorro de rua, remexendo no lixo; ninguém me noraria.
Ch~gapeito dele e lhe bate no cara. Eu gostaria de ser um cachorro amarelo, cheio de sarna, um
cachorrojogado fora sem importância. Eu goscariade ser um
UMA PUTA - Não re:1ge,deixa ele tranqüilo, ele já nem vira-lata remexendo no lim por tOdaa eternidade. Eu acho
consegue ficar em pé. que não há palavras, não IR nada a dizer. É preciso parar de
ZUCCO - Vem cá, seu bosta, seu covarde, seu brocha. ensinar as palavras. É precisofechar as escolas e aumencar os
- cemitérios. De qualquer forma,um ano, cem anos, é rudo a
O 10l1ão dn-lfie um 10l1e empurrão, joga ZIICCOIfJIIg~. mesma coisa; mais cedo ou mais tarde todos nós devemos
morrer, tOdos. E isso, isso faz os pássaros camarem, faz os
O FORTÃO - Mais uma vez, e eu esmago esse cara, igual pássaros rirem.
eu esmago um mosquito. UMAPUTA-(Naporta6() bar.) Eu falei pra vocês que ele
I era louco. Ele faia com UIIItelefone que não funciona.
ZIICCOse I~onto nOfJtlInmu, procura brigo mais .,no Ve%.
ZIICCOsolto o telefone, serrtaDl<ostodo 110cabine.
UMA PUTA -(Aofor/ão:) Não encosta mais nele, não toca Ofortào S~aproximo de Zuao.
mais nele, não acaba com ele.
O FORTÃO - Em que .ocê está pensando, garoto?
,
32 ".'-..
ZUCCO -
Escou pensando na imortalidade do caranguejo, dedo por cimo do papel.
da lesma e do besouro.
O FORTÃO- Você sabe, eu não goscode brigar. Mas você A MENINA - Eu conheço ele.
mc provocou tamo, garoco, que não deu pra agüemarcalado. COMISSÁRIO- O que é que vocêconhece?
Porque você estava procurando tamo uma briga?Parcce que A MENINA -
Esse moço. Eu conheço ele muico bem.
você quer morrer. DELEGADO - Quem é?
ZUCCO - Eu não quero morrer. Eu vou morrer. A MENINA - Um ageme secretO. Um amigo.
O FORTÃO - Como tOdo mundo, garoto. . DELEGADO- Quem é esse aí, atrás àe você?
ZUCCO - Não é um motivo. AMENINA - Meu irmão. Ele veio comigo. Foi ele que me
O FORTÃO-Talvez. disseparavir aqui porqueeu reconheciessa fQtona rua.
ZUCCO - O problema, com a cerveja, é que a geme não DELEGADO - Você sabe que ele está sendo procurado?
compra, a geme só aluga! Eu preciso mijar. A MENINA - Sei; eu também estOu procurando.
O FORTÃO -
Então vai, antes que seja tarde. DELEGADO - É um amigo, você disse?
ZUCCO - É verdadc que até os cachorros vão me olhar A MENINA - Um amigo, é, um amigo.
atravcssado? DELEGADO - Um matador de policiais. Você vai ser
O FORTÃO -
Os cachorros nunca olham atravessado pra detida e acusada de ser cúmplice, de ocultar armas e não
ninguém. Os cachorros são os únicos seres em que você po- denunciar um malfeitOr.
de confiar. Eles gostam de você ou não, mas eles nunca A MENINA - Foi meu irmão que me disse para eu vir
rc julgam. E quando codo mundo tiver te abandonado, aqui avisar que eu conhecia ele. Eu não estOu ocultando
garotO, vai ter sempre um cachorro por aí pra te lamber nada, eu não escou denunciando ninguém. Eu conheço
os pés. ele. Só isso.
ZUCCO - "tvIorc.cvillana, di pietà nemica, DELEGADO - Fala para o seu irmão sair.
di dolor madre amica, COMISSÁRIO - Você não ouviu? Fora, você.
giudicio incomastabilc gravoso,
di tc blasmar Ia lingua s'affatica." o il7niio sni.
O FORTÃO - Você precisa mijar.
-
ZUCCO Tarde demais. DELEGADO - O que você sabe dele?
A MENINA - Tudo.
tll/rorn dall1allhii. DELEGADO
- Francês?Estrangeiro?
ZI/CCO fltlOl7nece.
AMENINA- Ele tinha um pequeno sotaque estrangeiro,
I
I muitO simpárico.
COMISSÁRIO - Germânico?
IX. DALILA A MENINA -
Eu não sei o que quer dizer germânico.
DELEGADO - Então, ele te disse que era agente secreto.
Delegacio tle políCio. Um &Iegatlo e mn comissdtio tle polício. É estranho. Em princípio, um agente secretO deve permane-
E.lItrn FlIIWlilltl segl/ido por UII inl1iiD,. Ele jic01l0 eJl/r(l{la. cer secreto.
,llIimilla Of)Oll{tl eI11direção 00 retroto de ZIJCCOe desenlttl caIR o A MENINA - , . Eu disse pra cle que eu guardaria esse

33
segredo a qualquer custO. meto uma bala pela goela abaixo. Anda logo ou você vai se
COMISSÁRIO - Bravo.Se todosossegredosfossemguar- lembrardisto.
dados como esse o nosso trabalhoseria fácil. A MENINA- Ângelo.
A MENINA - Ele me disse que ia fazer umas missõesna DELEGADO Um espanhol. -
África, nas moncanhas, lá onde tem neve o tempo rodo. COMISSÁRIO-Ou um italiano, um brasileiro, um porru-
DELEGADO - Um agente alemão no Quênia. guês, um mexicano: eu conheci até um berlinense que se
-
COMISSÁRIO As suposições da polícia não estavam tão chamava Júlio.
erradas, afinal. DELEGADO - Você sabe das coisas, comissário. {POrtla
DELEGADO - Elas estavam exatas, comissário. (POrtlo menino:)Eu estOu ficando nervoso.
mCl/ilJr1.) E o nome dele, agora. Você sabe? Você deve saber A MENINA - Está coçando aqui na minha boca, eu estou
já que ele era seu amigo. sentindo, comissário.
A MENINA - Sim, eu sei. COMISSÁRIO-Quer uma porrada na sua boca para ajudar
COMISSÁRIO - Fala. a virmaisrápido?
A MENINA - Eu sei muito bem. A MENINA - Ângelo, Ângelo, Dolce, ou alguma coisa
COMISSÁRIO -
Você está brincando conosco, menina. assim.
Você está querendo apanhar? DELEGADO - Dolce? De doce?
A MENINA - Eu não quero apanhar. Eu sei o nome dele, AMENINA- Doce, é. Ele me disse que seu nome parecia
mas eu não consigo dizer. um nome estrangeiro que queria dizer doce, ou açw:arado.
DELEGADO - Como assim, você não consegue dizer? (Ela cltora.)Ele era tão doce, tão delicado.
A MENINA - Eu estou com ele aqui, na ponca da língua. DELEGADO-Tem muitas palavms para dizer açucarado,
COMISSÁRIO -
Na ponta da língua, na ponta da língua. eu imagino.
Você est:i querendo apanhar? Quer levar uns socos, e que a COMISSÁRIO - Azucarado, zuccherato, sweetened. ge-
gente arranque o seu cabelo? Nós temos aqui salas c'Iuipa- zuckcrr, ocukrzony.
das especialmente para isso, você.sabe. DELEGADO - Eu já sei isso [Udo.comissário.
A MENINA - Não, não, eu estou com ele aqui; já está A MENINA - Zucco. Zucco. Roberro Zucco.
vindo. DELEGADO- Você tem certeza?
DELEGADO-O primeiro nome, pelo menos. Você deve - A MENINA - Tenho. Certeza absoluta.
se lembrar muito bem, você deve ter lambido isso na orelha COMISSÁRIO - Zucco.ComZ?
dele. A MENINA - Com Z, é. Roberto. Com Z.
COMISSÁRIO - Um nome, um nome. Qualquer um, ou DELEGADO- Leve a garora para prestar depoimcnto.
eu re metO na sala de tortura. I
A MENINA . - E o meu irmão?
A MENINA - André. I COMISSARIO - Seu irmão? Que irmão? Para que você
DELEGADO -(Parti o comissário:)Anote: André. (Paro n precisa de irmão? Nós estamos aqui.
menino:)Você tem certeza?
A MENINA - Não. E/a saem.
COMISSÁRIO - Eu vou matar essa menina.
DE~EGADO - Lembra essa porcaria de nome ou eu te

34
X. o REFÉM A SENHORA - Mercedes.
ZUCCO - Qual?
Em mn parque em pleno dia. A SENHORA - 280 SE.
Uma senhora degante está sentada em fim banco. ZUCCO - Não é uma porcaria de carro.
Entra Zucco. A SENHORA - Talvez, não. Mas meu marido é um pão-
duro amm mesmo.
A SENHORA - Sente-se aqui ao meu lado. Fale comigo. ZUCCO-Que é issoaí? Esse cara fica te olhando o tempo
Eu me aborreço; vamos conversar. Eu detesto os parques todo?
públicos. Você parece tímido. Eu o intimido? A SENHORA - É meu filho.
ZUCCO - Eu não sou tímido. ZUCCO - Seu filho? Grande, ele.
A SENHORA - No entanto, você tem as mãos trêmulas A SENHORA - QuatOrze anos, nem um ano a mais. Eu
como um menino diante de sua primeira garota. Você tem não sou nenhuma velha.
uma cara boa. Você é um rapaz bonitO. Você gosta das ZUCCO - Ele parece mais velho. Ele pratica esportes?
mulheres? Você é quase um rapaz bonitOdemais para gostar ASENHORA- É a única coisa que ele faz. Eu pago pra ele
das mulheres. todos os clubes ~a cidade, tOdas as quadras de tênis, de
ZUCCO - Eu gosto bastante das mulheres, é, muito. hóquei, de golfe, e com isso, ele encontra um jeitO de eu ir
A SENHORA - Você deve gostar desse tipo de meninas com ele aos treinos. É um moleque idiota.
assim de dezoitO anos. . -
ZUCCO Ele parece forte para sua idade. Me dê as chaves
ZUCCO - Eu gosto de todas as mulheres. do seu carro.
ASENHORA-Ah, isso é muito bom. Vocêjá foi duro com A SENHORA - Claro, claro. Talvez você queira o carro
uma mulher? também.
ZUCCO - Nunca. ZUCCO - É, eu quero o carro.
A SENHORA - Mas e vontade? Voc! já deve ter tido A SENHORA - Então pega.
vontade de ser violento com uma mulher, não é? Essa ZUCCO - Me dê as chaves.
vontade, todos os homens já tiveram um dia; codos. A SENHORA - Você está me cansando.
ZUCCO - Eu não. Eu sou doce e pacífico. ZUCCO-Me dá as chaves. (Elesaca o revólver,coloco-oso-
-
A SENHORA Você é um tipo estranho. - bre osjodlzos.)
ZUCCO - Você veio de táxi? A SENHORA - Você é louco. Não se brinca com essas
A SENHORA - Ah não. Eu não sUportochofer de táxi. coisas.
ZUCCO - Encão, você veio de carro. ZUCCO - Chama o seu filho.
ASENHO RA- Eviáememente. Eu,nãovim a pé; eu moro A SENHORA - Mas é claro que não.
do oUtro lado da cidade. ' ZUCCO - (Ameaçondo-acom o revólrxr.j Chame o seu
ZUG:CO- Que marca, o carro? filho.
A Sp:NHORA - Você pensaria talvez que eu tivesse um ASEN HORA- Você está louco.(Gritandopara ofilho:) Vai
Porsche? Não, eu tenho apenas uma porcaria de carro. Meu embora daqui. Volta pra casa. Dá um jeitO e vai pra casa
marido é um pão-duro. sozinho.
ZUCC9 - Que marca?

35
o mmino se aproximo, o mulher se levonto, ZIICCO
põe o revólver é muito mais forte do que eu.
sobre a gargonto delo. ZUCCO
- É, eu sou mais forte do que você.
O MENINO-Aí, então, por que você tem medo de mim?
A SENHORA - Atira então, imbecil. Eu não vou te dar as O que eu poderia fazer contra você? Eu sou pequeni-
chaves, já que você pensa que eu sou urd"aidiota. Meu ninho.
marido acha que eu sou uma idiota; meu filho acha que eu ZUCCO - Você não é tão pequeno assim, e eu não tenho
sou uma idiota, a empregada acha que eu sou uma idiota- medo.
pode atirar, vai ser uma idiota a menos no mundo. Mas eu não O MENINO - Tem sim, você está tremendo, você está
vou te dar as chaves. Azar seu, porque é um carro maravilho- tremendo. Eu esrou ouvindo muiro bem que você está
so, com bancos de couro e painel de ébano. Azarseu. Pare de tremendo.
fazer escândalo. Veja bem: esses imbecis vão se aproximar, -
UM HOMEM Chegou a polícia. '
vão fazer comentários, eles vão chamar a políéia. Veja bem: UMA MULHER- Agora,ele vai ter motivosparatremer.
eles já estão lambendo os beiços. Eles adrram isso. Eu não -
UM HOMEM A gente vai rir. A gente vai rir.
suporro os comentários dessa"gente. At;r.1então. Eu não ZUCCO-(Parn o mmino:) Feche os olhos.
quero ouvi-Ios, eu não quero 'ouvir. O MENINO - Eles estão fechados. Eles estão fechados.
ZUCCO - (Paro o menino.~Não se aproxime. Meu Deus, mas você é um medroso.
UM HOMEM - Olha como ele treme. ZUCCO - Fecha a boca, também.
ZUCCO - Não se aproxime, eu estOu falando. Deita no O MENINO - Tá bom, eu fecho tudo. Mas você é um
chão. medroso.Você dá medo a uma mulher. É uma mulher que
UMA MULHER -
É da criança que ele tem medo. você está ameaçando com a sua arma.
ZUCCO -
E agora, as mãos ao longo do corpo. Aproxi- ZUCCO - Qual é o carro da sua mãe?
me-se. -
O MENINO Um Porsche, provavelmente.
UMA MULHE R - Mas como é que ele quer que o menino -
ZUCCO Pára de falar.Calado. Fecha a boca.Fecha os
. se arrastecom as mãosao longodo corpo? olhos. Finge de morro.
UM HOMEM - É possível, é possível. Eu conseguiria. O MENINO - Eu não sei fingir de morro.
ZLTCCO- Devagar. As mãos pra trás. Não levanta a cabeça. ZUCCO-Vocêjá vaisaber. Eu vou mararasuamãee você
Pára. (O me11il10
semexe.)Não se mexa, ou eu mato a sua mãe. vai ver o que que é se fazer de morto.
UM HOMEM - Ele vai fazer isso. -
UMAMULHE R Pobre garoto.
UMA MULHER - É claro. Ele vai matar. Pobre garoto. OMENINO- Eu estOufingindo de mortO.EstOUfingindo
ZUCCO - Você jura que não vai se mexer? de morto.
O MENINO - Juro. /' UM HOMEM - A polícia não chega perco.
ZUCCO- Põe direito a cabeça nochã~, Vaivirando devagar UMA MULHER -Eles estão com medo.
a cabeça pro outro lado. Vira de lado, eu não quero que você UM HOMEM - Não. Isso é estratégia. Eles sabem o que
possa nos ver. estão fazendo. Eles têm meios que a gente não conhece. Mas
O MENINO-Mas porque você temmedodemim? Eu não eles sabem o que fazem, pode acreditar. O rapaz está per-
posso fazer nada. Eu sou uma criança. Eu não quero que " dido.
matem minha mãe. Não tem porque'ter medo de mim: você UM HOMEM - A mulher também, sem dúvida.

36
UM HOMEM - Não se faz uma omelete sem se quebrar UMA MULHER - Estamos salvos.
os ovos. UM HOMEM - Bendita estratégia.
UMA MULHER - Mas que ele não toque no garoto, pelo UM HOMEM - Eles estão preparando um golpe, eu estou
menos não no garoto, meu Deus. falando.
UMA MULHER - Eu só estou vendo i::sseaqui que está
Zucco se aproxima do menino emptlfTflndo a mulher, semptr com preparando um golpe:.
a fll7t/a apontada para a sua garganta. Põuntõo opiem cima da -
UM HOMEM O golpe já foi praticamente dado, aliás.
cabeça do Inetlino. . UMA MULHER - Pobre garoto. '
UM HOMEM -
Minha senhora, eu .ou lhe dar uma
-
UMAMULHER Ah, meu Deus, as crianças de hoje vêem bofetada se a senhora continuar falando do garoto.
cada coisa. UM HOMEM -Vocês acreditam realmente que é hora de
UM HOMEtvI -Nós também vimos muitas coisas quando ficar brigando? Um pouco de dignidade. Nós somos teste-
éramos crianças. munhas de um drama. Nós estamos diaruc da morte.
Ut\IA MULHER - Porque o senhor foi ameaçado por um POLICIAIS - (De longe.) Nós estamas mandando você
louco, o senhor também? largar essa arma. Você está cercado. (A assistênciacai na
Utvl HOMEM - E a guerra, minha senhora, a senhora já gargalhada.)
se esqueceu da guerra? ZUCCO - Diz pra ela me dar as chaves do carro. É um
UtvIAMULHER -
Ah é? Porque os a~emãespunham o pé Porsche.
em cima da sua cabeça e ameaçavam a sua mãe? A SENHORA -Imbecil.
U~1 HOMEM - Pior que isso, senhora, pior que isso. UMA MULHER - Dê a chave pra ele, dê a chave pra ele.
Ul\IAMULHER-Emtodoocaso, aqui está o senhor, bem A SENHORA-Nunca. Ele mesmo que pegue.
vivo, bem velho e bem gordo. UM HOMEM -
Ele vai arrebentar a sua cara, minha
Ut\-1 HOMEM - Minha senhora, a senhora está sendo senhora.
grosseira.. ASENHORA- Melhorassim.Eu nãovereimaisa carade
UMAMULHER - Eu só estou pensando na criança, só vocês. Muito melhor.
estou pensando na criança. UMAMULHER- Essa mulher é horrorosa.
U1\-1HOMEM - Mas enfim, parem com essa criança de -- UM HOMEM - Ela é horrível. Tem tanta gente horrível e
vocês. É a mulher que está com o revólver no pescoço. cruel.
UMA MULHER - É, mas é a criança que vai sofrer. UMA MULHER-Peguem as chaves àforça. Será que não
UMAMULHER-Me diga então, meu senhor, é issooque tem um homem aqui pra remexer nos bolsos dela e pegar
o senhor chama de técnica especial qa polícia? Você fala de essas chaves?
uma técnica. Eles ficam do oUtre I:::dodo parque. Eles estão UMA MULHER - O senhor, aí, que sofreu tanto quando
com medo. . era pequeno, o senhor em quem os alemães metiam o pé em
UM HOMEM - Eu falei que era estratégia. cima da sua cabeça ameaçando a sua mãe, mostra então que
U1'\'1HOMEM - Estratégiameu cu! o senhortem colhões,mostraentão que o senhor tem pelo
POLICIAIS - (De longe.)Largue essa arma. menos um ainda, mesmo pequeno, mesmo ressecado.
lJl\-IAMULHER - Bravo. UM HOMEM -Minha senhora, a senhora merece levarum

37
'4:abefe. Asenhora tem sorte de eu ser um homem do mundo. UM HOMEM -Olhem pra n6s, nós, homens do povo. Nós
UMA MULHER -
Revire então nos bolsos dela, pegue as somos mais corajosos do que eles.
chaves, e me dê um tapa depois. UMA MULHE R - (Paro omenino:)Pobre criança. Este pé
horrível não está te machucando?
o homem se aproximo/remendo, estica o braço;procura no bolso ZUCCO-Cala a boca. Eu não quero que falem com ele. Eu
do senhom elegan/e,pega as chaves. não quero que ele abra a boca. Fecha os olhos, você. Não se
mexa. .

A SENHORA - Imbecil. UM HOMEM - E a senhora? Como a senhora escá se


UM HOMEM - (Triunfan/e.) Vocês viram? Vocês viram? sentindo?
Que tragam esse Porsche até aqui. (A senhoraeleganteri.) A SENHORA - Tudo bem, obrigada.,rudo ~em. Mas eu
UMA MULHER - Ela está rindo. Ela encoima hora pra rir me sentiria tão melhor se vocês calassem essas bocas e
enquantO seu filho vai morrer. voltassem para as suas cozinhas e fossem bater nos seus
UMA MULHER - Que horror. filhos.
UMHOMEM- É uma loucâ. UMAMULHER - Ela é dura. Ela é dura. .

UM HOMEM - Dê as chaves pros guardas. Que eles UM POLlCIAL-(Do oll/roladodo confusão.)Aqui estão as
cuidem disso, pelo menos. Eu espero que pelo menos eles chaves do carro: É um Porsche. Ele está ali. Você pode vê-
saibam dirigir um carro. ...~. 10daqui. (Porans pessoas:)Passem as chaves pra ele.
UM HOMEI\.l - Entregue pra ele você mesmo. É o seu
o homem vaI/a corrmdo. trabalho, seu meio, os matadores.
UM POLICIAL - Nós temos nossas razões.
UM HOMEM - Não é um Porsche. É um Mercedes. UMA MULHER - Razões meu eu.
UM HOMEM - Qual modelo? UM HOMEM - Eu não toco nessas chaves. Não é meu
UM HOMEM - 280 SE, eu acho. Muito bonito. trabalho. Eu sou pai de famflia.
. ,UM HOMEM - Mercedes, é um ótimo carro. ZUCCO - Eu vou matar essa mulher, e eu dou um tiro na
UMA MULHE R - Mas tragam o carro logo, qualquer que minha cabeça. Eu estou pouco me fodendo pela minha
seja a marca. Ele vai matar tOdo mundo. vida. Eu juro pra vocês que eu estOu pouco me fodendo.
ZUCCO- Eu quero um Porsche. Eu não quero que gozem Tem seis balas nesse revólver. Eu mato cinco pessoas e
da minha car::J. me matOdepois.
UMA MULHER - Peçam para os guardas acharem um UMA MULHER -Ele vai fazer isso. Ele vai fazer. Vamos
Porsche. Não discutam. Já que ele é um louco, ele é um embora.
louco. É preciso encontrar um Porsche,pra ele. UM POLICIAL -Não se mexam. Vocês vão irritá-Ia.
UM HOMEM - Isso, pelo menos, 'bs guardas vão saber UM HOMEM - É você que está nos irritando aí, sem fazer
fazer. nada. .
UM HOMEM - Vai saber. Eles ficam de fora. UM HOMEM - Não os chateie. Deixe-os agir. Eles têm
um plano, com certeza.
Vão em direção aos policiais. UM POLICIAL - Não se mexa. (Elepõe ti chaveno chãoe,
comII1nbastão,empurra-apor baixodaspernas das pessoasa/I
,.
'o,
38
os pés de Z/lcco. Zucco se abaixa def)agOl~ pega a cnave, coloca-a A MENINA- Eu queria ser magra. Eu queria ser um galho
no bolso.) seco de árvore que a gente tem medo de quebrar.
ZUCCO - Eu levo a mulher comigo. Vão embora. -
A MADAME Pois bem. eu não. E além do mais. você é
UMA MULHER -
A criança está salva. Obrigada. meu redonda hoje. você pode ser magra amanhã. Uma mulher
Deus. muda, durante a vida. Ela não precisa se 'preocupar CO{Jlisso.
UM HOMEM - E a mulher? O que vai acontecer a ela? Quando eu era moça como você, eu era magra. magra, quase
ZUCCO - Vão embora. dava pra ver através de mim, s6 um pouco de pc::lee alguns
ossos.Nem sombra de peito. Reta como um menino. Isso me
Todo mundo vai embora. Com o revólver numa mão, Zu&co se dava uma raiva, porque nessa época eu não gostava dos
abaixa, pego o cabeça do mmino pelos cabelos, e lhe dá um riro 110 meninos. Eu sonhava em me arredondar, eu sonhava em ter
nllco. C/itos, cOllfllsiio,ftlgo. Com o revólverno pescoço da mulher, seios bonitos. Então eu colocava uns peitOs falsos'de papelão
ZIICCO,110porque quase deserto, vai em direção ao carro. que eu mesma fabricava. Mas os meninos perceberam logo
e, cada vez que eles passavam na minha frente, eles me
davam uma cotovelada no peito e destruíam tudo. Depois de
XI. O NEGÓCIO algumas vezes, eu coloquei uma agulha dentro do seio e os
gritos se ouviram em toda a cidade, você pode acreditar. E
No recepçiio do hotel do Pequmo Chicago. então, você vê, tudo começou a se arredondar, a se encher,
A nona do bordd 1m suo poltrona, e o men;na qlfe espero. e eu fiquei bem cçmeenre.Pode ficar tranqüila, meu passa-
rinho atOrdoado; você é roliça hoje, você pode ser magra
A MENINA - Eu sou feia. amanhã.
A MADAME - Não diga besteiras, patinho. A MENINA - Pouco importa. Hoje eu sou feia, gorda, e
A MENINA - Eu sou gorda, tenho um queixo duplo, duas infeliz.
barrigas, seios como duas bolas de futebol, c quanto à bun-
da, ainda bem que fica na parte de trás, assim a gente não vê. Entra oinnõo, conversando com um cofelõo. Eles nem ol/zamporo
Mas eu tenho certeza de que ela é igual a dois presuntOs a mmina.
que balançam em cada passo que eu dou.
A MADAME - Você quer calar essa boca, tolinha. o CAFETÃü - (Impacimte.)
É caro demais.
A MENINA- Eu tenho certeza, eu tenho certeza; eu vejo O IRMÃO - Isso não tem preço.
muito bem, na rua, os cachorros me seguindo com a língua de O CAFETÃO - Tudo tem um preço, e o seu está caro
forae com aq uela baba na boca.Se eu deixasse eles meteriam demais.
os dentes, como se estivessem num açougue. O IRMÃO-Quando a gente pode põr um preço em alguma
A tvlADAME - Mas de onde você tirou isso, sua peruazi- coisa, isso quer dizer que não vale grande coisa. Quer dizer
nha?Você é bonira,você é redonda, roliça,você tem boas que a gente pode conversar, baixar, aumentar o preço. Eu
formos. Você acha que os homens gostam de galhos secos de fixei o preço abstratamente porque isso não tem preço. É
árvore que a gente tem medo de quebrar só de encostar a como um quadro de Picasso: você já ouviu alguém dizer que
m..2i0?Eles gostam das formas. minha pequena, eles gostam está caro demais? Vocêjá viu um vendedor baixar o preço de
das"rormas que enchem bem uma mão. . um Picasso? O preço que se fixa, nesse caso, é uma abstração.
,"
39
o CAFETÃO- Resumindo, é uma abstração que vaipassar O IRMÃO- É, por que não hoje? Esta noite.
do meu bolso pro seu, e o vazio que vai ficar no meu bolso, O CAFETÃO - Por que não agora?
eu não penso que seja tão abstrato assim. O IRMÃO- Você está ficando nervoso, está ficando nervo-
O IRMÃO - Um vazio como esse, enche-se. Você vai so. (Escuta-st o baniMo dos passos do mm;no.) Agora, tUdo
enchê-Io bem depressa, pode acreditar, e você vai esquecer bem. (O irmõo sai dep"ssa e wi se esconderem um quarto.)
o preço que você pagou em um tempo menor do que este
que você está gastando pra discutir o preço. Mas eu, eu não Entro o mmino.
discuto. É pegar ou largar. Ou você faz o melhor negócio do
ano ou você fica na miséria. A MENINA - Onde está o meu irmão?
O CAFET ÃO - Não fique nervoso, não fique nervoso. Eu -
OCAFETÃO Ele me encarregou de tOmarCO{1ta de você.
estOu refletindo. A MENINA - Eu quero saber onde está o meu irmão.
O IRMÃO - Reflita, reflita, mas não demore demais. Eu O CAFETÃO - Anda, vem comigo.
preciso acompanhar a minha irmã até em casa. A MENINA - Eu não quero ir com você.
O CAFETÃO - Tá bom, eu pego. AMADAME- Obedeça imediacamente, perua gorda. Não
O IRMÃO -(Poro o mmino:) Você tem o nariz que brilha, se discute as ordens de um irmão.
pintinho. Você vai precisar pensar em por um pó ar.(Ammino
sai. Eles olhamporo do.) E então, meu Picasso? A mmino t ocofttõosotln. O if71lÕosoido qllortOt st smto nofnntt
O CAFETÃO - Eu continuo achando que está caro. do modomt.
O IRMÃO - Ela vai te fazer ganhar bastante dinheiro pra
que você esqueça o preço. O IRMÃO- Não fui eu que quis, madame, eu te juro. Foi
ela que insistiu, foi ela quem quis vir pra cá e fazer esse
Troca dt dinhÚro. trabalho. Ela está procurando não sei quem, e ela quer
enconcrá-Iode novo. Ela tem cerceza de que vai encontrá-Io
O CAFETÃO - Quando é que ela vai estar disponível? aqui. Eu não queria. Eu tOmei conta dela como nenhum
O IRMÃO - Não fica nervoso, não fica nervoso; a gente irmão mais velho jamais fez com uma irmã. Meu pintinho.
tem todo o tempo. J!1_inha
bonequinha, eu nunca amei ninguém como eu a
O CAFETÃO - Não, a gente não tem todo o tempo. Você amei. Eu não posso fazer nada. A desgraça se abateu sobre
tem o dinheiro, eu quero a menina. n6s. Foi ela que quis, e eu apenas cedi. Eu nunca pude dei-
O IRMÃO - Ela é sua, ela é sua, é como se ela já fosse sua. xar de ceder a uma vontade da minha irmãzinha. É a des-
O CAFETÃO -Agora que você já tem o dinheiro, você se graçaque nos escolheu e que nos persegue. (Elt choro.)
arrepende. I A MADAME - Você é uma bela imundície.
O IRMÃO- Eu não mearrependode nada,nada.Euestou
pensando.
O CAFETÃO - Em que você está pensando? Não é o XII. A ESTAÇÃO
momento de pensar. Quando, então?
O IRMÃO -
Amanhã, depois de amanhã. Numo estação dt tnln.
O CAFETÃO - Por que não hoje? .

40
ZUCCO - Roberto Zucco. nheiro. Onde você quer ir?
A SENHORA - Por que você fica repetindo o tempo todo ZUCCO - Pra Veneza.
esse nome? A SENHORA - Veneza? Que idéia estranha.
ZUCCO - Porque eu tenho medo de esquecer. ZUCCO - Você conhece Veneza?
A SENHORA- Não se esquece o próprio nome. Deve ser -
ASENHORA É claro. Todo mundo conhece Veneza.
a última coisa que a gente esquece.' ZUCCO - Foi lá que eu nasci.
ZUCCO - Não, não: eu esqueço. Eu o vejo escritO no meu A SENHORA - Bravo. Eu sempre pensei que ninguém
cérebro, e cada vez menos bem escrito, cada vez menos nascia em Veneza. e que rodo mundo morria lá. Os bebês
claramente, como se ele fosse se apagando; é preciso que devem nascer todos empoeirados e cobertos de teias de
eu olhe cada vez mais de perto pra conseguir ler. Eu tenho aranha. Em todo caso, a França te lavou muito bem. Eu não
medo de ficar sem saber meu nome. vejo nem traços de poeira. A França é um exceleme deter-
A SENHORA - Eu não vou esquecer. Eu serei a sua gente. Bravo.
memória. ZUCCO - É preciso que eu vá embora, absolUtamente; é
ZUCCO - (Depois de 1I1ntempo.) Eu goStOdas mulheres. preciso que eu parta. Eu não quero ser capturado. Eu não
Eu gostO demais das mulheres. quero que me prendam. Eu tenho medo de ficar no meio de
A SENHORA - Nunca se gosta demais delas. tanta gente.
ZUCCO - Eu gostO delas, eu gosto delas, de todas. Não há ASENHORA - Medo? Seja então um homem. Você tem
mulheres bastame. uma arma: só de tirar o revólver do bolso você já espanta
A SENHORA - Então. você gosta de mim. todo mundo.
ZUCCO - É claro, já que você é uma mulher. . ZUCCO- É porque eu sou um homem que eu tenho medo.
-
A SENHORA Por que você me trouxe aqui com você? ASENHORA- Eu nãotenho. Com tUdoo que você me fez
ZUCCO - Porque eu vou pegar o trem. ver, eu não tenho medo e eu nunca tive.
A SENHORA - E o Porsche? Por que você não vai com o ZUCCO - É justamente porque você não é um homem.
Porsche? A SENHORA - Você é complicado, complicado.
ZUCCO - Eu não quero que reparem em mim. Em um ZUCCO - Se eles me pegam, me prendem. Se me pren-
trem, ninguém vê ninguém. .dem, eu fico louco. Aliáseu estOuficando louco, agora. Tem
A SENHORA - E eu esmu convocada pra ir com você? --guardaem todo lugar, tem gente em todo lugar. Eu já estOu
ZUCCO - Não. preso no meio dessa gente. Não olhe pra eles, não olhe pra
A SENHORA - Por que não? Eu não tenho nenhum mo- ninguém.
tivo pra não pegar esse trem com você. Você não me desagra- ASENHORA - Por acaso eu tenho ar de ter a intenção de
dou desde que eu o vi. Eu vou pegar esse trem com você. te denunciar? Imbecil. Eu já teria feito isso há muitO tempo.
Aliás,é isso o que você quer, senão, você teria me matado ou Mas esses idiotas me dão nojo. Você, você me agrada.
me deixado naquele parque. ZUCCO- Olha todos esses loucos. Olha como eles têm um
ZUCCO - Eu preciso que você me dê dinheiro pra pegar o ar desagradável. São uns assassinos. Eu nunca vi tantos
trem. Eu não tenho dinheiro. Minha mãe devia me dar mas assassinosao mesmo tempo. Aomenor sinal na cabeça deles,
ela esqueceu. eles começariam a se matar uns aos outros. Eu me pergunto
Pi:-SENHORA- As mães sempre esquecem de dar di- porque o sinal não soa, aqui, agora, na cabeça deles. Porque

41
~-,

eles estão tOdos prontos pra matar. Eles são como ratos nas -
ZUCCO Se tivesse sido a sua cabeça, ela teria espalhado
caixas dos laboratórios. Eles têm vontade de matar, isso se vê sangue pr.Itodo bdo também.
na cara deles, na maneira como eles andam; eu vejo seus ASENHORA-Mas eu não teria visco,imbecil, eu não teria
punhos cerrados dentro dos bolsos. Eu reconheço um assas- visto. Meu próprio sangue, eu não me importo, ele não me
sino 3 primeira vist;!; eles têm as roupas cheias de sangue. perrence. Mas o do meu filho, fui eu que enfiei nas veias
Aqui. tcm assassino em tUdo quanro é lugar; é preciso se dele, é negóciomeu, era meu, não se pode ir esparramando
manter rranqüilo. sem mexer; é melhor não olhá-Ios nos as minhascoisasde qualquer jeito, num parque público, na
olhos. É melhor que eles não nos vejam; é preciso ser frente de uma cambada de imbecis. Agora eu não tenho mais
rr::msparente. Porquc senão, se a gente olha nos olhos deles, nada melLQualquer um está andando em cima da única coisa
se eles se dão COnt;\ de que estamos olhando, se eles resol- que me perrencia. E amanhã cedo os jardineiros vão limpar
vem olhar pra nós e 110Sver, o sinal soa na cabeça deles e eles tudo isso.O que me resta, agora, o que é que me resta?
m;!tam. eles matam. E se tem um que começa, todo mundo
aqui vai matar todo mundo. Todo mundo só está esperando ll/cco se kvontn.
o sinal na cabeça.
A SENIIORA - P;ha. Não cotnece uma crise de nervos. Eu ZUCCO - Eu vou embora.
vou comprar os dois bilhetes. Mas acalme-se, nós vamos ser A SENHORA - Eu vou com você.
descobertos. (D~pois d~ 11mtempo:) Por que você o matou? ZUCCO - Não se mexa.
ZUCCO - Quem? A SENHORA - Você não tem nem como pegar o trem.
A SENHORA -l\leu filho, imbecil. Vccê nem me deu tempo de te dar os bilhetes. Você não dá
ZUCCO - Porque ele era um moleque idiota. tempo pra ninguém te ajudar. Você é como uma faca auto-
A SENHORA - Quem te disse isso? . mática que você desliga de tempos em tempos e guarda
ZUCCO - Você. \ 'ocê disse que ele em um molequ~ idiot:1. no bolso.
Você disse que ele achava que você em uma idiota. ZUCCO - Eu não preciso que me ajudem.
A SENHORA - E se eu gostasse de ser tomada por uma A SENHORA - Todo mundo precisa de ajuda.
idiOta? E se eu gostasse dos moleques idiotas? E se eu ZUCCO - Nãocomece a chorar. Você está com cara de uma
gostasse dos moleques idiotas mais do que tUdo no mundo. mulher que vai começar a chorar. Eu detesro isso.
mais do que dos grandes imbecis? Se eu detestasse tudo ASENHORA- Você me disse que gostava das mulheres,
exceto os moleques idiotas? de tOdasas mulheres; até de mim.
ZUCCO - Seria necessário dizer. ZUCCO - Exccto quando elas fazem cara de mulher que
A SENHORA - Eu disse, imbecil, eu disse. vai começar a cborar.
ZUCCO - Não precisava me recusar a,schaves. Não preci- A SENHORA - Eu te juro que eu não vou chorar.
sava me humilhar. Eu não queria mac'á-Io,mas tUdo foi se
enca~eando sozinho por causa dessa história de Porsche. Elo cRomo ZI/CCOse afasto.
A SE,N['IORA - ~Ienriroso. Nada se encadeou; tUdo foi
atravessado. Era eu que você tinha sob a sua arma. Por que A SENHORA - E o seu nome, imbecil? Será qud:'
foi a cabeça dele que você explodiu, com sangue pra todo capaz de me dizer seu nome, agora? Quem vai se lembrar
lado?
dele pra você? Você já esqueceu, eu tenho cerreza. Eu sou a

42 -
única, agora, a me lembrar dele. Você vai partir sem a sua dó cheirode macho. E foio seu próprio irmão, esse rato entre
memória. os ratos,esse porco fedorento, esse macho depravado que a
sujou e arrasrou na lama, puxando-a pelos cabelos até a sua
ZlICCOsni. A senhorn elegnnte continllo sentndn e olhn os trens. fossa.Eu devia tê-Ia matado, devia tê-Ia envenenado, devia
tê-Ia impedido de ficar rodeando a gaiola da minha rolinha.
Devia ter colocado arame farpado em volta da gaiola do meu
XIII. OFÉLIA amor.Eu devia ter esmagado esse rato com o pé e queimado
na frigideira.(Tnnpo.) Tudo é sujo, aqui. Essa cidade tOdaé
Mesmo lugar; noite. suja e cheia de machos. Que chova, que chova muito, que a
A estnção está desertn. EsCtltn-se t1chuva cair. chuva lave um pouco a minha rolinha na fossa imunda onde
Entra n innã. ela está.

A IlUvtÃ- Onde está a minha pombinha? Em que sujeira


ela se meteu? Em que gaiola imunda a colocaram? De que XIV.PRISÃO
animais perversos e indóceis ela está rodeada? Eu quero te
encontrar, minha rolinha, eu vou te procurar até morrer. No P«jtJe1ro Clticogo.
(Tempo.) O macho é o animal mais repugnanre enrre os Doispolidois. Putos e, m/r? elas. a menina.
animais repugnanres que existem na face da terra. Tem um
cheiro no macho que me dá nojo. Cheiro de rato no esgoto, PRIMEIROPOLICIAL - Você viu alguém?
de porco na lama, um cheiro de água parada onde apodrecem SEGUNDO POLICIAL - Ninguém, não.
os cadüveres. (Tempo.) O macho é sujo, os homens não PRIMEIRO POLICIAL - É idiota. Nosso trabalho é
tomam banho, eles deixam a sujeira e os líquidos repugnan- idiota. Ficar plantado aqui como placas de estacionamento.
tes das secreções se acumularem neles, e eles nem tocam Melhor continuar circulando. .

nelas, como se fosse tUdo muito precioso. Os homens não SEGUNDO POLICIAL -É normal. Foi aqui que ele
sentem o cheiro deles entre eles mesmos porque todos têm matou o inspetor.
o mesmo cheiro. É por isso que eles estão sempre juntos, e PRIMEIRO POLICIAL- Justamente. É o único lugar pra
que eles ficam com as putas, porque as putas, por dinheiro, &ndeele não vai voltar.
agüentam esse cheiro. Eu lavei tanto essa menina. Dei tanto SEGUNDO POLICIAL - Um criminoso sempre volta ao
banho antes do jantar, e dei banho de manhã. esfreguei as localdo crime.
costas e as mãos com escova, e escovei embaixo das unhas, PRIMEIRO POLICIAL - Ele vai voltar aqui? Por que
lavei todos os dias os cabelos dela, cortei as unhas, lavei ela você ia querer que ele voltasse? Ele não deixou nada, nem
toda, todos os dias com água quente e sabão. Eu a conservei uma ba~da. Ele não é louco. Nós somos duas placas
brancà como uma pomba, eu alisei suas plumas como uma de csta~nameni:o completamente inúteis.
rola. Eu a protegi e a coloquei dentro de uma gaiola sempre SEGUNDO POLICIAL - Ele vai voltar.
limpa para que ela não sujasse sua brancura imaculada aO PRIMEIRO POLICIAL - Durante esse tempo, a gente
Contato com a sujeira desse mundo, com a sujeira dos poderia beber alguma coisa com a madame dona do bordei
m1rchos.,paraque ela não se deixasse empestear pela peste e discutir o assunto com as senhoritas e passear em outro
., 43
lugar. entre essas pessoas calmas. tranqüilas; o Pequeno EilImbao.
Chicago é o bairro mais tranqüilo da cidade.
SEGUNDO POLICIAL - Tem fogo sob as cinZ:ls. PRIMEIRO POLICIAL - Mas nunca - mesmo se eu
PRIMEIRO POLICIAL- Um fogo?Que fogo?Ondç você fosse louco, mesmo se eu fosse um assassino - nunca eu
está vendo fogo? Mesmo as senhoritas são calm3s e trao- camiobaria tranqüilamente nos locais do meu crime.
qüibs como caixas de supermercado; os clientes passeiam SEGUNDO POLICIAL -Olha esse cara.
como num parque, e os cafetões dão a volta do proprietá- PRIMEIRO POLICIAL - Qual?
-
rio, como livreiros que verificam se todos os livros estão SEGUNDOPOLICIAL Aquele que passeia tranqüila-
nas estantes e se alguém não roubou algum. Onde você mente. ali.
está vendo fogo? Esse C3ranão vai voltar aqui, eu aposto PRIMEIRO POLICIAL - Todo mundo passeia tranqüila-
com você. eu apostO uma cerveja no bordeI da madame. meou:. aqui. O Pequeno Chicago se transformou num par-
SEGUNDO POLICIAL-Ele bem que voltou nacasadele que público onde até as crianças poderiam jogar bola.
depois de marar o pai. SEGUNDO POLICIAL-Aquele que está com um unifor-
PRIMEIRO POLICIAL - É que ele tinha o que fazer lá. me militar.
SEGUNDO POLICIAL -E o que ele tinha pra fazer lá? PRIMEIRO POLICIAL - Ah sei. eu estou vendo.
PRHvIEIRO POLICIAL-Matara mãedcle. Uma vez feitO SEGUNDO POLICIAL - Ele não te lembra ninguém?
isso. ele não voltou mais. E como aqui não tem mais inspetor PRIMEIRO POLICIAL - Talvez sim, talvez sim.
pra matar. ele não vai voltar. Eu me sinro como um idiota; eu SEGUNDO POLICIAL - Eu diria que é ele.
sinto ql~eestão nascendo raízes e folhas em cima dos braços PRIMEIRO POLICIAL - ImpossíveJ.
e das pernas. Eu sinto que estou afundando no cimento. A MENINA - (PercebmdoZucco.)Roberto. (Elo chegopeno
Vamos dar uma chegada no bordeI e beber alguma coisa. tkle e/k dó /1mbeijo.)
Tudo está calmo; todo mundo passeia tranqüilamente. Você PRIMEIRO POLICIAL - É ele.
está vendo alguém com cara de assassino? SEGUNDO POLICIAL- Não tem mais nenhuma dúvida.
SEGUNDO POLICIAL- Um assassino nunca tem cara de A MENINA - Eu te procurei, Roberto, eu te procurei, eu
assassino. Um assassino anda tranqüilamente no meio de te traí.eu chorei. chorei, até o ponto em que eu virei uma
todos os outros como você e eu. ilhazinha no meio do mar e as últimas ondas estão me
PRIMEIRO POLICIAL - Ele teria de ser louco. -fazeodo afogar. Eu sofri. tanto, que o meu sofrimento po-
SEGUNDO POLICIAL - Um assassino é louco por defi- dem encher os abismos da terra e fazer transbordar os
nição. vulcões. Eu quero ficar com você. Roberto; eu quero comar
PRIMEIRO POLICIAL - Nem sempre, nem sempre. cona de cada batida do seu coração, cada respiração do seu
Tem vezes que eu quase tenho v?nrade de matar; eu peitO;a orelha grudada em você, eu vou ouvir o barulho de
tam~m. . cadaengrenagem do seu corP,O.eu vou tomar comar do seu
SE GUNDO POLICIAL - Então, tem vezes que você deve corpocomo um mecânico toma conu da sua máquina. Eu
ficar quase !ouco. gumlarei todos os seus segredos, eu serei a sua pasta de
PRIMEIRO POLICIAL - Talvez sim. talvez sim. segraios; eu serei a bolsa onde você vai guardar oS seus
SEGUNDO POLICIAL - Eu tenho certeza. mistérios. Eu vou vigiar suas armas, eu vou protegê.,Jas da
ferrugem. Você será meu agente e meu segredo e ~u, nas
« ~ '.
-
suas viagens, eu serei a sua bagagem, sua carregadora e seu UMA VOZ - Ele não vai longe.
amor. UMAVOZ- É uma prisão moderna. Não di prá escapar
PRIMEIRO POLlCIAL-( Aproxitnondo-s~d~ ZIUED.)
Quem assim.
é você? -
UMA VOZ É impossível.
ZUCCO - Eu sou o ãssassino do meu pai, da minha mãe, de UMAVOZ - Completamente impossível.
um inspetOr de polícia e de uma criança. Eu sou um matador. UMAVOZ - Zucco está fodido.
UMAVOZ- Talvez ele esteja fodido, mas. por enquanto,
Os policiais levam-no. . ele está subindo no tclhado e gozando a cara de vocês.

Zoao, com o peito n/I ~ descalço, clz~(J 110porte mais alta do


xv. ZUCCO AO SOL telltodo.

A par/~ d~ CIinlldos 1~/hlldosd~ IImll prisão, 110m~io-dia. UMA VOZ - O que você está fazendo aí?
Não se vê ninguém, dl/rante todll 11cenll, ~xalO ZlIcaJ 'lllllndo eI~ UMA VOZ - Desça imediatamente. (Risos.)
sobe no nllO do telhado. UMA VOZ - Zucco, você está fodido. (Iüsos.)
Vous d~ guardas ~ d~prision~iros misttlrados~ UMA VOZ - Zucco, Zucco, conta pra nós como você faz
pra não ficar nem uma hora na prisão?
Ul\'lA VOZ - Roberro Zucco escapou. -
UMA VOZ Como você faz?
Ul\.IAVOZ - Maisuma vez. . -
UMA VOZ Por onde você passou? Dê a pista pra nós.
UMA VOZ -Mas quem o vigiava? ZUCCO - Por cima. Não se pode escapar através dos
Ul\'IAVOZ - Quem era responsável por ele? muros, porque depois desses muros tem oueros, tem sem-
Ur-,.IAVOZ - A gente está com cara de bobo. pre a prisão. É preciso escapar por cima, em direção ao sol.
UMA VOZ - Vocês estão com cara de bobo, sim. (Risos.) Nunca vão pôr um muroenÚe o sol e a terra.
Ul\'IAVOZ - Silêncio. UMA VOZ - E os guardas?
UMA VOZ - Ele tem cúmplices. ZUCCO - Os guardas não existem. Basta não vê-los. De
UMA VOZ - Não; é porque ele não tem cúmplice que ele qualquer forma, eu poderia pegar cinco com uma mão só e
sempre consegue escapar. -acabarcom eles de uma vez.
UMA VOZ - Sozinho. UMAVOZ- De onde vem a sua força, Zucco, de onde vem
UMA VOZ - Sozinho, como os heróis. a sua força?
UMA VOZ - É preciso procurar nos cantos do corredor. ZUCCO - Quando eu avanço, eu vou até o fundo, bem
UMA VOZ - Ele deve estar escondido em algum lugar. rápido, eu não vejo os obstáculos, e, como eu não olhei pra
UMA VOZ - Ele deve estar encolhido em algum buraco, e eles, ek.~caem sozinhos na minha frente. Eu sou solitário e
está oremendo. forte, eu sou um rinoceronte.
UM~ VOZ - Só que não são vocês que fazem ele tremer. -
UMA VOZ Mas seu pai, e sua mãe, Zucco. Não se pode
UMA VOZ - Zucco não está tremendo, e sim gozando da tocar nos próprios pais.
cara de vocês. ZUCCO - É normal matar os próprios pais.
tlMA..Y.OZ- Zucco goza da cara de todo mundo. UMA VOZ - Mas uma criança, Zucco; não se mata uma

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. criança. Mata-se os inimigos, mata-se as pessoas capazes de como ele mexe de um lado pro oUtro?
se defender. Mas não uma criança. . -
UMA VOZ A gente não está vendo nada.
ZUCCO - Eu n1l0tenho inimigos e eu não ataco. Eu acabo UMA VOZ - O sol machuca os olhos. Ele nos cega.
com os OUtrosanimais não por maldade mas porque eu não ZUCCO -Olhem o que está saindo do sol. É o sexo do sol;
os vi e porque eu pisei em cima deles. é de lá que vem o vento.
UMA VOZ - Você tem dinheiro? Dinheiro escondido em UMA VOZ - O quê? O sol tem um sexo?
algum lugar? UMA VOZ - Cala a boca.
ZUCCO - Eu não tenho dinheiro, em nenhum lugar. Eu ZUCCO - Mexam a cabeça: yocês vão ver ele mexer com
não preciso de dinheiro. vocês.
UMA VOZ - Você é um herói, Zucco. UMA VOZ - O que qlJe está mexendo? Eu não estou
UMAVOZ- É o Golias. vendo nada mexer. .
UMA VOZ - É Sansão. -
UMA VOZ Como você queria que alguma coisa mexes-
UMA VOZ - Quem é Sansão? se, lá em cima? Tudo está fixado lá desde a eternidade, e
UMA VOZ - Um mau e!emento de Marselha. bem imobilizado, bem soldado.
UMA VOZ.,-- Eu o conh~ci na prisão. Uma verdadeira besta. ZUCCO - É a fonte dos vemos.
Ele podia quebrar a cara de dez pessoas de uma vez. UMA VOZ - Não dá pra ver mais nada. Tem luz demais.
UMA VOZ - Mentiroso. ZUCCO - Vire seu rosto em direção ao Oriente e ele
UMA VOZ - S6 com os seus socos. mudará de lugar; e, se você virar seu rosto em direção ao
UMA VOZ - Não, com um maxilar de asno. E ele não era Ocidente, ele te seguirá.
de Marselha.
UMA VOZ - Ele foi beijado por uma mulher. Um vento de tempestode sopra. Zucco vacilo.
UMA VOZ- Dalila. Uma história de cabelos. Eu conheço.
UMA VOZ - Tem sempre uma mulher para trair. UMA VOZ - Ele é louco. Ele vai cair.
UMA VOZ - Estaríamos todos em liberdade sem as mu- UMA VOZ - Pára, Zucco; você vai se arrebentar.
lheres. UMA VOZ - Ele é louco.
UMA VOZ - Ele vai cair.
o sol sobe, brilhante, extraordinariamente luminoso. Um grantf!
fX1l/Q sopro. o sol sok,fica claro como a explosão de uma bomba atômica.
Não se vi mais nada.
ZUCCO - Olhem pro sol. (Um silêncio absoluto se estabelece
no locol.} Vocês não estão vendo nada? Não estão vendo UMA VOZ - (GIi/ando.) Ele caiu.
,I

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