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EXCELENTÍSSIMA SENHORA PROCURADORA FEDERAL DOS

DIREITOS DO CIDADÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL DRA.


DEBORAH DUPRAT

Deputado MARCIO JERRY SARAIVA BARROSO,


brasileiro, divorciado, jornalista, e atualmente exercendo o mandato de deputado
federal pelo Estado do Maranhão, inscrito no CPF sob o nº 292.468.303-34, com
domicílio no Gabinete 372, Anexo III, da Câmara dos Deputados, Brasília/DF;
Senador RANDOLFE RODRIGUES, brasileiro, divorciado, RG: 050.360
SSP/AP, CPF: 431.879.432-68, endereço: Senado Federal, Anexo I - 9º andar;
Deputado DANIEL ALMEIDA, brasileiro, casado, RG: 110.627.970 SSP/BA,
CPF: 078.940.905-49, Endereço: Gabinete 317 - Anexo IV - Câmara dos
Deputados; Deputado ORLANDO SILVA, brasileiro, casado, Deputado
Federal, RG 0319902404 – SSP/BA, CPF: 565.244.555-68, residente e
domiciliado na SQN 202 – Bloco I – Apto. 201 – Brasília/DF, CEP: 70832-090;
Deputado MARCELO FREIXO, brasileiro, casado, deputado federal, portador
da identidade nº 066274192 IFP/RJ e CPF n° 956.227.807-72, com endereço no
Palácio do Congresso Nacional, Praça dos Três Poderes, Câmara dos Deputados,
Gabinete 725, Anexo 4, Brasília - DF, CEP 70160-900; Deputado EDMILSON
RODRIGUES, brasileiro, solteiro, CPF: 090.068.262-00, endereço: Gabinete
301 - Anexo IV - Câmara dos Deputados; Deputado FRANCISCO TADEU
BARBOSA DE ALENCAR, brasileiro, CPF 352.844.204-20, ID 11.498 OAB-
PE; Senador WEVERTON ROCHA, brasileiro, casado, RG: 382479955
SSP/MA, CPF: 629.293.993-68, endereço: Senado Federal, Anexo II, Ala
Tancredo Neves, Gabinete 57; Senador HUMBERTO COSTA, brasileiro,
divorciado, CPF: 152.884.554-49, endereço: Senado Federal, Anexo II, Ala Ruy
Carneiro, Gabinete 01; Senador FABIANO CONTARATO, brasileiro, casado,
R.G. nº 682.250 (SSP/ES), CPF/MF nº 863.645.617-72, com endereço
profissional na Praça dos Três Poderes, Palácio do Congresso Nacional, Senado
Federal, Anexo 2, Ala Afonso Arinos, Gabinete 06, endereço eletrônico
sen.fabianocontarato@senado.leg.br, Senador VENEZIANO VITAL DO
RÊGO, brasileiro, casado, RG: 1.342.437 SSP/PB, CPF: 713.463.764-68,
endereço: Senado Federal, Anexo I, 20º andar; vêm perante Vossa Excelência,
com fundamento no art. 14 da Lei nº 8.429/92 c/c art. 5º, XXXIV, letra "a", da
Constituição Federal, oferecer

REPRESENTAÇÃO POR
ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E DANO MORAL
COLETIVO
contra JAIR MESSIAS BOLSONARO, brasileiro, casado, membro reformado
das Forças Armadas e atualmente exercendo o mandato eletivo de presidente da
República, inscrito no CPF sob o nº 453.178.287-91, domiciliado no Palácio
Alvorada, SSP Zona Cívico-Administrativo, Brasília/DF, CEP 70.150-903, pelos
seguintes fatos e fundamentos jurídicos:

1- No dia 19 de julho de 2019, o país ficou estarrecido ao ver que o


presidente da República, quando se preparava para conceder uma entrevista
coletiva, teve captada pelo microfone na mesa, que já estava aberto, fala com
conteúdo reprovável e ilícito, expedindo ordem manifestamente ilegal ao
ministro-chefe da Casa Civil, violador de princípios constitucionais da
administração pública.

2- Disse Sua Excelência, o presidente JAIR BOLSONARO, ao


ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni: “Daqueles governadores de
paraíba, o pior é o do Maranhão. Tem que ter nada para esse cara”. 1

Percebe-se que o presidente da República se utilizou do vocábulo


“paraíba” para se referir, de modo geral e pejorativamente, a toda a Região
Nordeste. Essa compreensão é facilmente verificada na medida em que ele incluiu
o governador do Maranhão como um dos “governadores de paraíba”.
Obviamente que não se referia ao belíssimo Estado da Paraíba, mas sim a toda a
Região Nordeste.

3- No dicionário eletrônico Dicionário inFormal, uma das acepções


do vocábulo “Paraíba” é a seguinte:

1
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tCKrBH2JrKE Acessado em: 21 de julho de
2019.

2
No RJ, designação pejorativa de pessoas de origem nordestina e
retirantes (migrantes), não importando o estado de origem. A
expressão é usada principalmente em referência a trabalhadores
braçais, pessoas de classes mais baixas e de pouca instrução de
origem nordestina. Às vezes pode ser usada de forma não-
pejorativa (ex. Feira dos paraíbas).

(Disponível em: <dicionárioinformal.com.br>. Acessado em: 21 de julho de


2019)

4- Ainda na véspera desse dia, precisamente no dia 18/07/2019, o


presidente JAIR BOLSONARO já havia se manifestado de forma pejorativa
contra nordestinos. Em “live” transmitida pelas suas redes sociais, e
posteriormente disponibilizada no perfil particular do presidente no Youtube, ele
manteve o seguinte diálogo:

Presidente Jair Bolsonaro: (...) É o nosso trabalho também no


Nordeste. O Brasil todo é igual para nós. Não existe diferença
entre nós aqui. Até porque o meu sogro é cabra da peste de
Caruaru. Você tem algum parente pau-de-arara aí?

Ministro Tarcisio Freitas: Ah, tenho, tenho. Família no Piauí, no


Rio Grande do Norte.

Presidente Bolsonaro: Com essa cabeça aí, tu não nega (sic) não.
(Gargalhada). Minha família agora tem cabra da peste. Meu sogro
é de Crateús, tá certo?! Na campanha, fizeram comigo... pelo amor
de Deus, no jornal O Globo, página 2, certa vez, que eu, uma vez
eleito, dois anos e pouco antes das eleições, ia perseguir
nordestino. É terrível o negócio! Lamentável! E é verdade, não
adianta o jornal O Globo falar qualquer coisa, porque eu tenho lá

3
em casa guardado. Outros jornais também falavam absurdos, nos
jogar contra os nordestinos. E o nordeste, se não me engano, são
nove estados e nós fomos vitoriosos em cinco capitais. Então, o
nordestino está tendo o poder em grande parte de decidir quem é
o futuro presidente da República. Se quer votar num cara de olho
azul, como eu, ou num cara mais parecido com nordestino
(referindo-se ao ministro Tarcísio), que é o capitão do futuro,
quem sabe?! Ou como meu irmão, Hélio Negão. Negão, dá uma
chegada aqui (chamando o deputado Hélio Lopes). 2

5- Nota-se claramente que o presidente se referiu de maneira


pejorativa aos nordestinos. Nessa “live”, feita na véspera do microfone captar a
manifestação racista mais explícita, junto com a ordem manifestamente ilegal de
perseguir o Estado do Maranhão, o presidente se refere ao nordestino como “pau-
de-arara”. Depois, ainda faz referência tristemente jocosa a supostos atributos
físicos do povo nordestino. Detalhe importante é que o presidente chega a
confundir a cidade de origem do seu sogro, citando primeiro Caruaru, que fica em
Pernambuco, para em outro momento mencionar, dessa vez corretamente,
Crateús, que fica no Ceará.

6- E não é a primeira vez que o presidente JAIR BOLSONARO se


excede na linguagem e revela caracteres pessoais de preconceito. Muitas vezes,
porém, protegeu seu preconceito e racismo com a inviolabilidade parlamentar, por
ter exercido por 28 (vinte e oito) anos consecutivos mandato de deputado federal.
Entretanto, nem isso o impediu de se tornar réu em ação penal perante o Supremo
Tribunal Federal ao incitar certa vez o crime estupro e ofender a honra de uma
deputada federal (Ação Penal nº 1007 e Ação Penal nº 1008, atualmente suspensas

2
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=cbe3VFjyTEc>. Acessado em: 21 de
julho de 2019

4
pela imunidade formal concedida ao presidente da República por crimes estranhos
ao mandato).

7- Dúvidas não há de que o presidente utilizou o vocábulo “paraíba”


com essa acepção pejorativa, referindo-se à Região Nordeste. De acordo com Luiz
Flávio Gomes e Alice Bianchini, “há condutas humanas que, uma vez praticadas,
são plenamente capazes de causar sentimento de desprestígio, de desrespeito, de
engodo, não apenas em um indivíduo, mas em todo o grupo social, em toda a
coletividade (determinada ou não).”3 Porém, de acordo com a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), não é todo e qualquer atentado aos interesses
coletivos que pode ser capaz de gerar a tutela judicial, pois é indispensável que “o
fato transgressor seja de razoável significância e desborde os limites da
tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente para produzir verdadeiros
sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem
extrapatrimonial coletiva.” (REsp 1221756 / RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Massami
Uyeda, j. 02/02/2012)

8- Ora, basta passar os olhos pelas imagens divulgadas em massa nas


redes sociais nos últimos dias, inclusive as inúmeras manifestações de repúdio
divulgadas por personalidades públicas, para constatar que se trata (as falas
racistas e discriminatórias do Presidente) de algo intolerável, causador de
sofrimento e intranquilidade social, ou seja, que tais difamações e ameaças estão
a provocar danos morais coletivos, que desafiam a atuação das instituições do
sistema de justiça.

9- Mas, prosseguindo na descrição dos fatos, cumpre destacar que,


ao determinar em tom ameaçador ao ministro-chefe da Casa Civil, Onyx
Lorenzoni, que o Governo Federal discriminasse o Governo do Maranhão nas

3
GOMES, Luiz Flávio e BIANCHINI, Alice. Direitos Difusos e Coletivos II – ações coletivas em espécie: ação civil
pública, ação popular e mandado de segurança coletiva. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 20.

5
relações institucionais, o que obviamente inclui repasses voluntários de recursos
e outras medidas administrativas, praticou o presidente da República outra grave
violação a princípios constitucionais, no caso o princípio da impessoalidade,
tendo como vítimas o governador Flávio Dino, o próprio ente federado, o Estado
do Maranhão, bem como toda a população que ali reside ou, nesse estado, tem
negócios ou interesses. Isso porque, ao determinar que não se enviassem recursos
ou fossem celebradas parcerias entre o Governo Federal e o Governo do
Maranhão, ao fim, quem sofrerá o mal injusto será o povo que deixará de ser
atendido pelas políticas públicas, como serviços de saúde, educação e
infraestrutura, por exemplo.

10 - Não se pode ignorar que está na esfera de poder da Presidência da


República a tomada de decisões que podem interferir diretamente nas relações
interfederativas entre o Governo Federal e os governos estaduais. Portanto, a
ordem expressa e inequívoca a subordinado seu, no caso o ministro-chefe da Casa
Civil, é concreta, e não abstrata. Tendo ainda sido explícita. E seguramente seria
um mal injusto, na medida em que a Constituição de 1988 estabelece o princípio
da impessoalidade, de modo que não pode o presidente da República, por ato de
ofício seu ou de seus subordinados, privilegiar ou prejudicar quem quer que seja
em razão de divergências ideológicas, muito menos estabelecer tratamentos
diferenciados pela Administração Pública Federal, seja aos nacionais,
independente de estado de origem ou de domicílio, seja a governadores estaduais
e aos entes federados. É o que dispõem os arts. 19, III e 37 da Constituição:

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos


Municípios: (...)

III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.

6
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer
dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também,
ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de
1998)

11 - Sendo certo que não apenas o governador Flávio Dino será


alcançado pelo mal injusto e grave de retaliação pelo Governo Federal ao ente
subnacional, o Estado do Maranhão, qualquer do povo que resida ou tenha
interesses econômicos no estado é também vítima da injusta, imoral e ilegal
perseguição política e administrativa determinada pelo presidente da República.

12 - Apesar de absurda, a manifestação racista do Presidente, que desta


feita teve como alvo os cidadãos e cidadãs nordestinos, especialmente aqueles que
vivem no Estado do Maranhão, pretende beneficiar-se desse momento sombrio
que estamos atravessando no país, uma espantosa espécie de moratória ética. As
condutas mais evidentemente lesivas à moralidade pública, ao decoro, ao respeito
a conquistas civilizatórias comezinhas, aos direitos humanos, à verdade factual
passaram a ser “normalizadas” e pretensamente aceitas em nome de fins políticos
ou ideológicos, como se de fato tais fins justificassem a adoção de quaisquer
meios.

13 - Todavia, se aceitarmos isso, não teremos mais o direito de dizer


que vivemos sob o palio da “Constituição Cidadã” e na constância democrática
do pleno funcionamento de nossas instituições republicanas, especialmente
aquelas encarregadas de fiscalizar e sindicar a conduta dos agentes públicos.
Teremos rompido o pacto político fundamental, adentrando definitivamente o
tempo dos justiçamentos e das perseguições odiosas aos “inimigos” adredemente
selecionados.

7
14 - Havendo, pois, inequívoca afronta ao primado constitucional do
tratamento isonômico entre nacionais, quaisquer que sejam as suas origens
regionais, e ao princípio da impessoalidade, de que tratam os arts. 19, III e 37 da
Constituição da República, praticou o presidente da República ato de improbidade
administrativa, tipificado no art. 11, I, da Lei nº 8.429/92:

LEI Nº 8.429/92 – LEI DE IMPROBIDADE


ADMINISTRATIVA

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta


contra os princípios da administração pública qualquer ação ou
omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade,
legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou


diverso daquele previsto, na regra de competência;

15 - A própria Lei de Improbidade Administrativa reafirma o dever, de


probidade, de observância do princípio da impessoalidade pelos agentes públicos:

LEI Nº 8.429/92 – LEI DE IMPROBIDADE


ADMINISTRATIVA

Art. 4° Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são


obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos
assuntos que lhe são afetos.

16 - Assim, cabendo a qualquer do povo representar ao Ministério


Público para instaurar processo de investigação da prática de ato de improbidade
administrativa, ou mesmo para o ajuizamento de ação, quando apresentados todos
os elementos, é que o autor da presente representação e os demais signatários, na

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condição de congressistas e legítimos representantes do povo brasileiro, vêm
reclamar a pronta atuação do Ministério Público Federal, por meio de sua
Procuradoria Federal de Direitos do Cidadão, para o ajuizamento da ação
necessária à responsabilização do agente autor da prática do ato de improbidade,
bem como da tomada de medidas corretivas do ato, e preventivas de seus efeitos.

DIANTE DO EXPOSTO, requer-se de V. Excelência que, no


exercício da função constitucional de zelar pelo efetivo respeito dos poderes
públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na
Constituição (art. 129, II), promovendo as medidas necessárias à sua garantia,
represente pela instauração das competentes investigações sobre os fatos acima
relatados, de modo a apurar e punir: (i) a prática de ato de improbidade
administrativa, por violação de princípios constitucionais da Administração
Pública (arts. 19, III, e 37, caput, da Constituição da República), como a
impessoalidade e a moralidade, tipificada no art. 11, I, da Lei nº 8.429/92; (ii) bem
como o dano moral coletivo causado pelos atos de racismo e ameaça de
perseguição interfederativa já relatados, ambos os ilícitos cometidos pelo
Presidente da República JAIR MESSIAS BOLSONARO.

Considerando ser o Ministério Público instituição permanente de


defesa da ordem jurídica e do regime democrático (Constituição, art. 127),
invocando atribuição que lhe impõe o art. 27, parágrafo único, IV, da Lei Orgânica
Nacional do Ministério Público – Lei nº 8.265/93, c/c art. 6º, XX, da Lei Orgânica
do Ministério Público da União (Lei Complementar nº 75/93), pede-se ainda seja
expedida Recomendação ao ministro-chefe da Casa Civil para que se abstenha de
cumprir a ordem manifestamente ilegal dada pelo presidente da República de
obstar ou recusar parcerias interfederativas entre a União Federal e o Estado do
Maranhão.

9
Brasília, 25 de julho de 2019.

Deputado MARCIO JERRY

Senador RANDOLFE RODRIGUES

Deputado DANIEL ALMEIDA

Deputado ORLANDO SILVA

Deputado MARCELO FREIXO

Deputado EDMILSON RODRIGUES

Deputado FRANCISCO TADEU

Senador WEVERTON ROCHA

Senador HUMBERTO COSTA

Senador VENEZIANO VITAL DO RÊGO

Senador FABIANO CONTARATO

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