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CLUBE DE REVISTAS

REVISTA
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30.6.2023

INELEGÍVEL
65
CLUBE DE REVISTAS

/ Capa
ENFIM, INELEGÍVEL
3 | por Raphael Sanz
25 | Bolsonaro acumula quase 600
processos na Justiça, por Plinio Teodoro
edição #65

/ Política
32 | Extrema direita domina ranking
semanal dos deputados mais influentes
nas redes, por Ivan Longo
conteúdo |

36 | PF prende Walter Delgatti, o “hacker


de Araraquara”, por Lucas Vasques

/ Economia
40 | Dogmas monetários renitentes:
autonomia do Banco Central e metas para
a inflação, por Paulo Nogueira Batista Jr.

/ Meio ambiente
55 | Já pensou em morar em uma casa
feita de roupas descartadas?, por Iara Vidal

/ Global
61 | Três dias de Brasília em Portugal, por
Henrique Rodrigues

/ Cultura
70 | Viva Astrid, viva São João e a cultura
brasileira!, por Julinho Bittencourt

74 / Expediente
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Capa

Enfim,
inelegível
por Raphael Sanz
Foto Isac Nóbrega/PR
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Tribunal Superior Eleitoral (TSE) votou


ação movida pelo PDT que acusava o ex-
presidente de fazer uso político e eleitoral
de reunião com embaixadores em julho de
2022; após o arrasador placar de 5 a 2, foi
decretado o resultado que livrou o Brasil
do obscurantismo de Bolsonaro até 2030

A
" cabou, Bolsonaro. Você não é
presidente mais”, disse certa vez, nos
idos de 2020 e em pleno cercadinho do
Palácio do Planalto, um imigrante haitiano para
o então presidente Jair Bolsonaro (PL). Hoje,
ele poderia completar: “E nem poderá pensar
em sê-lo até 2030”.
Após um processo relativamente rápido que
focou no uso eleitoral de uma grotesca reunião
com embaixadores realizada em julho de 2022
no Palácio da Alvorada, o Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) formou maioria na sexta-feira,
30 de junho de 2023, para condenar o ex-
presidente. Finalmente, Bolsonaro está inelegível.
Após um acachapante placar de 5 a 2 no
TSE, o ex-presidente e líder da extrema direita
teve seus direitos políticos suspensos por oito
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Foto Reprodução
Bolsonaro durante reunião com embaixadores que culminou com processo movido
pelo PDT e consequente inegibilidade do ex-presidente

anos — a partir das últimas eleições — e só


poderá concorrer novamente a algum cargo
eletivo depois das eleições de 2030. Nesse
meio tempo, se não tiver maiores problemas
com a Justiça, deverá ser utilizado como cabo
eleitoral por figuras do PL, seu partido, ou por
apoiadores em geral.
Condenado por abuso de poder político
e uso indevido dos meios de comunicação,
Bolsonaro estava em Belo Horizonte (MG)
no momento em que sua inelegibilidade foi
decretada pelo TSE. Quando abordado por
jornalistas, mostrou muita irritação e chegou
a dar um chilique. “Há pouco tempo tentaram
me matar em Juiz de Fora, levei uma facada na
barriga. Hoje, levei uma facada nas costas com
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a inelegibilidade”, reclamou.
O ex-presidente ironizou a decisão do TSE e
afirmou que acredita que tenha sido “a primeira
condenação por abuso de poder político”.

“UM CRIME SEM CORRUPÇÃO. ISSO É


CRIME? ABUSO DE PODER POLÍTICO? POR
DEFENDER ALGO QUE EU SEMPRE DEFENDI
QUANDO PARLAMENTAR?”, DESTACOU,
REFERINDO-SE AO VOTO IMPRESSO.

Após a tramitação do primeiro dos 16


processos na Corte eleitoral, Bolsonaro
ainda vai enfrentar dezenas de processos na
esfera criminal, entre eles o da falsificação da
carteira de vacinação, que fez com que Mauro
Cid e seus ex-assessores fossem presos.
Lamentavelmente, seu maior crime, a condução
do combate à covid-19 nos períodos mais
agudos da pandemia, está está longe de entrar
na pauta.

Primeira sessão
O julgamento começou na noite de quinta-
feira, dia 22 de junho, quando o corregedor-geral
eleitoral e relator da ação, o ministro Benedito
Gonçalves, leu o relatório. Em seguida foram
ouvidos os advogados de acusação e de defesa
de Bolsonaro. A sessão foi encerrada com o
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pedido de Paulo Gonet Branco, vice-procurador-
geral eleitoral, pela inelegibilidade de Bolsonaro.

"TODO O EVENTO FOI


MONTADO PARA QUE
O PRONUNCIAMENTO
SE REVELASSE COMO
MANIFESTAÇÃO DO
PRESIDENTE DA REPÚBLICA,
CHEFE DE ESTADO, DAÍ
A CHAMADA DE EMBAIXADORES
ESTRANGEIROS E O AMBIENTE OFICIAL
EM QUE A REUNIÃO OCORREU. O ABUSO
DO PODER POLÍTICO ESTÁ POSITIVADO",
DECLAROU GONET.

O ex-presidente responde ao todo a 17


ações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
referentes a ataques às urnas, difusão de teorias
conspiratórias contra o Estado Democrático
de Direito e o sistema eleitoral, abuso de poder
político e econômico com fins eleitorais e uma
série de outras acusações.

O voto do relator
A segunda sessão foi realizada a partir das
19h de 27 de junho, uma terça-feira, e foi
ocupada exclusivamente pelo voto do relator, o
ministro Benedito Gonçalves. Logo no começo
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Foto Agência Brasil


O relator do processo, ministro Benedito Gonçalves, do TSE

da sessão, Gonçalves decidiu manter o caso


da minuta golpista encontrada na casa de
Anderson Torres nos autos do processo. Para
o ministro, a decisão de manter o documento
e as provas e alegações dele decorrentes foi
validada pelo TSE no último mês de fevereiro.
Além disso, também apontou que o documento
se relaciona com a ação ora analisada.
A decisão está de acordo com pedido do
PDT, o autor da ação, de que o material faz
parte de uma conjuntura mais ampla, que
envolve não apenas o descrédito das eleições
e do próprio TSE, mas os planos de golpe de
Estado e abolição do Estado Democrático de
Direito gestados no interior do bolsonarismo.
A defesa de Bolsonaro tentou alegar, sem
sucesso, que a minuta não tinha relação com
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a reunião que o ex-presidente convocou com
os embaixadores. Gonçalves ainda rejeitou o
argumento dos bolsonaristas de que estaria
contradizendo o próprio TSE em relação à
decisão que, em 2017, rejeitou a inclusão de
novas provas contra a chapa Dilma-Temer.
A seguir, o relator fez uma análise do discurso
de Bolsonaro na reunião com os embaixadores
no Palácio da Alvorada e apontou que o ex-
presidente tentou usar as Forças Armadas para
submeter o TSE.

“AS FORÇAS ARMADAS


PASSARAM A OCUPAR
UM PAPEL CENTRAL NO
DISCURSO DO INVESTIGADO
PARA CONFRONTAR O TSE NO
ÂMBITO DA NORMATIVIDADE DE
COORDENAÇÃO. ISSO
ACABOU DANDO CONTORNOS MUITO
PROBLEMÁTICOS À MENSAGEM DIFUNDIDA
EM JULHO DE 2022 PARA A COMUNIDADE
INTERNACIONAL.

Em discurso que tratava do pleito iminente, o


então chefe de Estado brasileiro mencionou as
Forças Armadas por 18 vezes, sempre com uma
percepção hiperdimensionada do convite para
integrar a comissão de transparência do TSE”,
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afirmou o relator.
“O pré-candidato lembrou a audiência por
duas vezes sobre sua condição como chefe
supremo das Forças Armadas para indicar que
não endossaria uma ‘farsa’. Para se ter ideia,
a palavra democracia apareceu apenas quatro
vezes. E em nenhuma delas foi reconhecida
como um valor real do processo eleitoral,”
finalizou a fala.
O documento que fundamenta o voto de
Gonçalves possui 446 páginas. O ministro tentou
resumir seu teor ao longo da sessão. Ele também
citou o uso da máquina pública para promover
desinformação sobre o processo eleitoral,
taxou as acusações de Bolsonaro a servidores
como "forjadas" e mencionou o golpismo vil
do último governo antes de dar seu voto. "Os
ilícitos perpetrados por Bolsonaro esgarçam
a normalidade democrática. Ao propor uma
cruzada contra uma inexistente conspiração
para fraudar eleições, ele não estava perdido em
autoengano. Estava fazendo política e fazendo
campanha", finalizou o ministro.

Quase lá
Na quinta-feira (29), o ministro Raul Araújo
abriu as votações. Ainda que não fosse certo,
era dada a hipótese nos meios de comunicação
de que ele pudesse pedir vista do processo
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Foto Marcelo Camargo/Agência Brasil


O ministro Raul Araújo julgou improcedente a ação do PDT

conforme o próprio Bolsonaro esperava. Caso


isso acontecesse, a Corte teria um prazo de 30
dias para voltar a pautar a matéria.
A análise se justificava. Aos 64 anos, Araújo
é conhecido por ter uma postura conservadora
e seu mandato no TSE irá até 2024. Convidado
para compor a Corte como representante
do Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi o
responsável pela decisão que no ano passado
proibiu manifestações políticas de artistas
durante o festival Lollapalooza.
“O ministro Raul é conhecido por ser um
jurista de bastante apego à lei. Apesar de
estar em um tribunal político-eleitoral, há uma
possibilidade de pedido de vista. Isso é bom
porque ajuda a gente a ir clareando os fatos”,
afirmou Bolsonaro em entrevista à Rádio
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Gaúcha na última semana.
Araújo não pediu vista, mas divergiu do
relator e aliviou para Bolsonaro. Ele julgou
improcedente a ação do PDT, deixando o placar
do julgamento empatado em 1 a 1. Apesar de
constatar que a reunião com embaixadores
teve conotação eleitoral, com a divulgação de
"fatos sabidamente inverídicos", disse que o
fato de Bolsonaro expor seu descontentamento
sobre temas como voto impresso é legítimo
uma vez que ele seria livre para duvidar. "Numa
democracia não há de ter limites ao direito
fundamental à dúvida. Cada cidadão é livre para
duvidar", disse Araújo.

O TERCEIRO VOTO FOI


DO MINISTRO FLORIANO
DE AZEVEDO MARQUES,
QUE SEGUIU O RELATOR,
DEIXANDO O PLACAR
EM 2 A 1 A FAVOR
DA INELEGIBILIDADE DE
BOLSONARO. "PARA MIM O ABUSO E O
DESVIO DA AUTORIDADE ESTÃO CLAROS",
DISSE O MINISTRO ANTES DE CONCLUIR O
VOTO, RESPONDENDO AOS ARGUMENTOS
DA DEFESA DO EX-PRESIDENTE.

Marques apontou que a reunião foi feita de


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forma improvisada e o discurso de Bolsonaro
teve "claro objetivo eleitoral". "Se aproximou
muito de um discurso de comício em praça do
interior", argumentou o ministro, que acatou a
inclusão da minuta golpista na ação processual.
André Tavares foi o quarto ministro a votar.
Assim como o relator, embasou-se na Teoria
do Caos, que tem sido desenvolvida por
pesquisadores para buscar entender a tática
de desinformação utilizada pela extrema
direita contemporânea. Para o ministro, o
encontro de Bolsonaro com os embaixadores
e sua transmissão pelos canais oficiais
de comunicação do Estado produziram
consequências e danos, especialmente quando
se levam em conta os inúmeros cortes da
reunião com os embaixadores que foram feitos.

"O CARÁTER ELEITORAL DO


EVENTO É IDENTIFICADO
PELA ABORDAGEM DE
PAUTAS TÍPICAS DE
CAMPANHA ELEITORAL
[...], INCUTINDO A FALSA
IDEIA DE FRAUDE SISTÊMICA [...],
NARRATIVA ALARMISTA [...] SOBRE UMA
FALSA CAUSA DE CONLUIOS DE PODERES",
DISSE O MINISTRO ANDRÉ TAVARES
DURANTE SEU VOTO.
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Com o voto de Tavares, o placar passou


a apontar 3 a 1 contra o ex-presidente,
estabelecendo um verdadeiro “matchpoint”,
para pegar emprestado o jargão esportivo.
Ou seja, com mais um voto a favor da
inelegibilidade, “acabou, Bolsonaro”.
E na sequência ainda votariam a vice e o
presidente do TSE, Cármen Lúcia e Alexandre
de Moraes, que conforme as expectativas,
finalizaria o líder de extrema direita. Mas o
julgamento foi suspenso para ser retomado no
dia seguinte.
Além de Moraes e Lúcia, estava na fila para
votação o ministro Nunes Marques, indicado
pelo réu ao STF no último período.

Matchpoint
Ao meio-dia de sexta-feira (30) foi retomado
o julgamento com os votos de Cármen
Lúcia, vice-presidente do TSE, do ministro
Nunes Marques e, fechando o julgamento,
de Alexandre de Moraes, presidente do TSE.
Cármen Lúcia abriu seu voto logo na 4ª sessão
da Corte e disse que acompanharia o relator,
votando pela condenação de Bolsonaro.
"De pronto, com todas as vênias ao eminente
ministro Raul Araújo, estou anunciando aos
Vossos Ministros que estou acompanhando o
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Foto TSE
A ministra Cármen Lúcia

ministro relator pela parcial procedência, com a


aplicação da sanção de inelegibilidade ao primeiro
investigado, Jair Messias Bolsonaro, e declarando
improcedente o pedido em relação ao segundo
investigado, Walter Souza Braga Netto", disse
Cármen logo no início da sua explanação.
Em seu voto, a ministra foi dura com Bolsonaro,
dizendo que ele tinha "consciência de perverter" e
que colocou em risco o processo eleitoral.

"A CONSCIÊNCIA DE PERVERTER DE


BOLSONARO COLOCOU EM RISCO O
PROCESSO ELEITORAL E A PRÓPRIA
DEMOCRACIA", AFIRMOU.

Cármen Lúcia ainda enfatizou a gravidade


da reunião de Bolsonaro com embaixadores
para atacar o sistema de votação e destacou
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Foto Alejandro Zambrana/Secom/TSE


O ministro Kassio Nunes Marques

a proximidade das eleições presidenciais.


"Estávamos a três meses das eleições quando o
investigado repete referências à desqualificação
de Luiz Inácio Lula da Silva (...), houve agravos
contundentes contra o Judiciário, um ataque
deliberado com a exposição de fatos que já
haviam sido refutados pelo TSE".
Com o voto de Cármen Lúcia, o placar
ficou em 4 a 1, formando-se maioria para a
inelegibilidade de Bolsonaro. Ainda havia mais
dois votos.
O ministro Kassio Nunes Marques, indicado
ao STF – e consequentemente ao TSE – por
Bolsonaro, fez um discurso contrário ao do ex-
presidente. Disse que acredita na infalibilidade
das urnas e que as eleições brasileiras são
confiáveis. Segundo ele, esse não era o objeto
do processo, mas a reunião com embaixadores,
que considerou “mero exercício de função”.
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Foto Marcelo Camargo/Agência Brasil


O ministro Alexandre de Moraes

Placar: 4 a 2.
Por fim, o ministro Alexandre de Moraes deu
contornos finais ao placar do julgamento: 5 a
2 e Bolsonaro inelegível. Classificou o encontro
com os embaixadores como algo “totalmente
eleitoreiro” e com o objetivo de “instigar o seu
eleitorado contra o sistema eleitoral do Brasil”.
Durante seu voto, Alexandre de Moraes
fez questão de ressaltar que “liberdade de
expressão não é liberdade de agressão, ataque
à democracia; liberdade de expressão não é
ataque ao Poder Judiciário, principalmente por um
presidente da República candidato à reeleição”.
Assim como o relator do caso, Moraes
também fez menção à Teoria do Caos e,
especificamente, ao livro Os Engenheiros do
Caos, que analisa a tática da extrema direita
em utilizar os meios de comunicação e ataques
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massivos de fake news para substituir a
realidade pela mentira e construir uma suposta
coesão entre o seu eleitorado.

“ISSO FAZ COM QUE A


DESINFORMAÇÃO CHEGUE
AO ELEITORADO. ISSO É
USADO EM NÍVEL NACIONAL
E INTERNACIONAL [...];
TODOS OS ELEMENTOS QUE
CARACTERIZAM O ABUSO DE
PODER POLÍTICO ESTÃO PRESENTES.”

Entenda o processo
O PDT protocolou a representação à Justiça
Eleitoral em 2022, acusando o ex-presidente de
cometer abuso de poder político e uso indevido
dos meios de comunicação ao realizar, em julho
daquele ano, a três meses das eleições, uma
reunião com embaixadores internacionais, no
Palácio da Alvorada, em que promoveu ataques
ao sistema eleitoral brasileiro.
Na reunião em questão, foi exibida uma
apresentação de PowerPoint com teorias
conspiratórias, já desmentidas em inúmeras
ocasiões, sobre suposta fraude nas urnas
eletrônicas. Entre as mentiras contadas por
Bolsonaro está, por exemplo, a de que as urnas
não seriam auditáveis.
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“O ex-presidente da República abusou
de| suas atribuições legais ao convocar
os embaixadores. Os embaixadores
necessariamente tiveram que comparecer a
essa reunião presidencial e, ao contrário do
que se esperava, que seria uma comunicação
presidencial da mais importante ordem, ele deu
a esse evento uma roupagem eleitoral, inclusive,
atacando as instituições e colocando dúvidas a
respeito do sistema eleitoral brasileiro”, declarou
à Fórum o advogado Renato Ribeiro de Almeida,
professor de direito eleitoral e coordenador
acadêmico da Academia Brasileira de Direito
Eleitoral e Político (Abradep).
O advogado avalia que essa reunião de
Bolsonaro com embaixadores fomentou
movimentos golpistas que, depois das eleições,
passaram a contestar o resultado do pleito com
atos antidemocráticos.
"Esse tipo de comportamento foi um gatilho
pra que movimentos contestadores das
eleições viessem a ocorrer por todo o país,
tanto o ex-presidente se beneficiando quanto
utilizando para os seus propósitos o cargo para
o qual ele havia sido eleito e que ele exercia.
Então, o abuso do poder político consiste
nessa utilização de caminhos que a princípio
são lícitos, que são legais, mas que eles
contenham algo a mais. Por isso, a questão do
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“O ex-presidente da República
abusou de suas atribuições legais
ao convocar os embaixadores. Ele
deu a esse evento uma roupagem
eleitoral, inclusive, atacando as
instituições e colocando dúvidas
a respeito do sistema
eleitoral brasileiro”
Renato Ribeiro de Almeida

abuso, porque o representante do povo eleito


ultrapassa a legalidade ao tentar, mediante
as atribuições que lhe seriam lícitas, dar uma
conotação eleitoral como foi o caso", detalha.
Outra mentira proferida pelo ex-presidente na
reunião é sobre o inquérito da Polícia Federal,
autorizado pelo STF, sobre suposto ataque
hacker às urnas eletrônicas em 2018. O TSE,
no entanto, já informou que, na apuração, foi
concluído que não houve qualquer tipo de
fraude ou alteração nos resultados. Mesmo
assim, Bolsonaro trouxe o assunto novamente
à tona e defendeu que as eleições municipais
de 2020 não tivessem sido realizadas. "Até
hoje esse inquérito não foi concluído. Entendo
que não poderia ter as eleições de 2020 sem
apuração", disparou.
Em meio às mentiras e conspirações sobre o
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sistema eleitoral, Bolsonaro aproveitou a reunião
com embaixadores, ainda, para atacar ministros
do STF e TSE. Para os autores da ação,
Bolsonaro realizou a reunião com embaixadores
com o intuito de fortalecer sua narrativa de
fraude no sistema eleitoral brasileiro para ter
uma justificativa caso saísse derrotado — como
aconteceu — do pleito e, assim, fomentar um
movimento golpista que o mantivesse no poder.
Quando anunciada, a ação do PDT
prometia ser mais ágil e exigir menos
procedimentos e tramitações para avançar –
o que no fim das contas foi o que aconteceu.
Essa velocidade recorde ocorre porque não
há um pedido de produção de provas, que
exigiria decisões judiciais e preparação para
quebras de sigilos, perícias e obtenção de
documentos. Pelo contrário, a ação do PDT
se baseia em um evento filmado e transmitido
na íntegra pela TV Brasil.
O partido aponta que há um precedente do
TSE, de 2021, justamente sobre esse tema: a
possibilidade de inelegibilidade por conta de
ataques à lisura das eleições. A decisão versava
sobre a cassação do então deputado estadual
paranaense Fernando Francischini, por conta de
live realizada no dia das eleições de 2018.
A ação também aponta o uso do
equipamento estatal na transmissão do evento,
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com o destacamento de equipes da TV Brasil.
A emissora é vinculada à Empresa Brasileira
de Comunicação (EBC), e Bolsonaro difundiu
as imagens em suas redes sociais com fins
eleitorais. O PDT também aponta que o local
da reunião também era ilícito. Bolsonaro
não poderia ter realizado um evento oficial
como aquele em sua residência, o Palácio da
Alvorada. O correto teria sido fazer a reunião no
Palácio do Planalto.
De acordo com a ação, Bolsonaro desvirtuou
a finalidade da reunião para fazer campanha
e, além disso, voltou a propagar mentiras
que atacam a lisura do sistema eleitoral e da
democracia brasileira. “Ataques à integridade do
processo eleitoral são o principal sustentáculo
do discurso”, diz a ação.

Há chances de reversão
da inelegibilidade?
Com todo o contexto acima descrito, Renato
Ribeiro de Almeida aponta que o TSE deverá
“avaliar bem” o caso ao longo dos próximos
meses. Mesmo com o pedido de vista, é
improvável que o ex-presidente salve seus
direitos políticos.
“Ele [Jair Bolsonaro] estaria naturalmente
fora de todas as eleições a partir do final
desse julgamento. Como o TSE é quem dá a
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palavra final em direito eleitoral, ou seja, dada
a natureza do cargo, porque se disputava o
cargo presidencial, a instância final já é o próprio
TSE, ao contrário do que acontece nas eleições
municipais, por exemplo, que há um caminho
todo recursal partindo da zona eleitoral, depois
para o Tribunal Regional Eleitoral e, por último, o
TSE em alguns casos", pontua.
Segundo o advogado, é provável que
Bolsonaro, ao final do julgamento, apresente
recursos ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Almeida explica, contudo, que esses recursos
se dão apenas "em matéria constitucional" e
que as chances de o ex-mandatário reverter a
decisão são mínimas.
"Sendo o TSE a instância final, naturalmente,
vai dar a palavra final em direito eleitoral. É
possível que o ex-presidente acabe recorrendo,
interpondo recursos ao Supremo Tribunal
Federal? Sim, mas somente em matéria
constitucional. A própria composição do TSE
já é uma composição que conta com três
ministros do Supremo Tribunal Federal. Ou seja,
é muito difícil e eu não me lembro de cabeça de
nenhuma situação em que tenha ocorrido algum
tipo de recurso que foi julgado procedente no
Supremo Tribunal Federal contra decisão do
TSE", conclui.w
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FILMES

EP.1
Terrorismo de Estado

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Foto Marcos Corrêa/PR


Capa

Bolsonaro acumula
quase 600 processos
na Justiça
Levantamento feito pela assessoria jurídica
de Bolsonaro aponta que ele perdeu 95% das
ações já julgadas contra ele
por Plinio Teodoro

A
pós ser condenado pelo Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) em sentença
oficializada nesta sexta-feira (30)
tornando-o inelegível pelos próximos oito anos,
Jair Bolsonaro (PL) ainda vai continuar por
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muito tempo no banco dos réus, respondendo
a quase 600 ações judiciais, segundo o último
levantamento feito pela área jurídica do PL, que
vai pagar boa parte dos gastos com advogados
com recursos públicos do fundo partidário.
Caso Bolsonaro seja condenado, o montante
a ser pago em indenizações pode chegar a R$
2 milhões. Com patrimônio de R$ 2,2 milhões
declarado ao TSE nas últimas eleições, além
da renda de cerca de R$ 86 mil mensais, o ex-
presidente teria condições de arcar com todas
as custas processuais, mas resolveu pedir Pix
a seguidores, recebendo antecipadamente
dinheiro para pagar os processos.
Levantamento feito pela assessoria jurídica
de Bolsonaro aponta que ele perdeu 95% das
ações já julgadas contra ele — e que ainda
cabem recurso.
Entre as derrotas que sofreu na Justiça estão
a indenização de R$ 20 mil à deputada Maria do
Rosário (PT-RS) por ato misógino, outros R$ 35
mil à repórter da Folha, Patrícia Campos Mello,
por incitação sexual — quando sugeriu que a
jornalista "deu o furo" para produzir reportagens
contra ele —, mais R$ 150 mil por ataques a
jornalistas em dois processos e R$ 30 mil por
associar o senador Omar Aziz (PSD-AM) à
pedofilia durante a CPI da Covid.
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Fotos Reprodução
Bolsonaro já foi derrotado na Justiça pela deputada Maria do Rosário (PT-RS), pela
jornalista Patrícia Campos Mello e pelo senador Omar Aziz (PSD-AM)

Banco dos réus


Além da ação movida pelo PDT sobre a
reunião eleitoreira com embaixadores para
atacar as urnas eletrônicas, Bolsonaro responde
a outros 15 processos na Justiça Eleitoral. Dois
deles devem entrar na pauta antes de o ministro
Benedito Gonçalves deixar a corregedoria da
Corte, em novembro.
Um deles deve implicar diretamente o vice,
Walter Braga Netto: o pacote de bondades
produzido às pressas por Bolsonaro durante a
eleição do ano passado, quando até taxistas e
caminhoneiros entraram no rol de beneficiados
de um auxílio do governo. Nesse caso, o TSE
deve cassar a chapa Bolsonaro-Braga Netto,
deixando o candidato a vice também inelegível.
O outro processo diz respeito à
propagação de fake news durante o processo
eleitoral, que pode resultar em uma limpa
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no Congresso Nacional, com a cassação
dos direitos políticos de quase 70 políticos
bolsonaristas, entre eles os filhos do ex-
presidente — Eduardo e Flávio [e ainda
Carlos, na Câmara do Rio de Janeiro] — e
nomes como Carla Zambelli, Bia Kicis, Magno
Malta, Nikolas Ferreira e Gustavo Gayer.

Foto Reprodução

Mira da Justiça
Nas esferas cível e criminal, Bolsonaro
coleciona centenas de processos, incluindo
as 257 ações que citam o nome do ex-
presidente no Supremo Tribunal Federal (STF).
Há desde processos por declarações em lives e
entrevistas a multa por não ter usado máscara
na pandemia ou capacete nas motociatas —
quando contava com a vista grossa da Polícia
Rodoviária Federal (PRF).
Desses processos, seis são os que mais
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causam preocupação ao ex-presidente pela
possibilidade de o levarem à cadeia.
O primeiro é a investigação sobre fraude
na carteira de vacinação, que já levou o ex-
ajudante de ordens tenente-coronel Mauro
Cid, e outros três ex-assessores de Bolsonaro
à prisão. A ação ainda pode resultar em um
desdobramento nos Estados Unidos, já que o
ex-presidente teria fraudado o documento para
entrar no país, que pode bani-lo definitivamente.

OUTRA INVESTIGAÇÃO QUE TIRA O SONO


DE BOLSONARO É O SURRUPIO
DAS JOIAS SAUDITAS E A
TENTATIVA DE DRIBLAR O
FISCO PARA ENTRAR COM
CONJUNTOS MILIONÁRIOS
DE ARTEFATOS EM OURO E
PEDRAS PRECIOSAS DADOS DE PRESENTE
AO GOVERNO BRASILEIRO POR GOVERNOS
DA ARÁBIA SAUDITA E DOS EMIRADOS
ÁRABES.

Bolsonaro ainda responde a ações pelo


vazamento de inquérito sigiloso sobre um
ataque hacker ao sistema eleitoral, por
interferência na Polícia Federal — movida pelo
seu ex-ministro Sergio Moro (União-PR) — e por
fake news sobre a vacina.
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Foto Nelson Jr./SCO/STF


O ministro do STF Alexandre de Moraes

Nas mãos de Alexandre de Moraes,


Bolsonaro também responde a 11 crimes no
inquérito das fake news: calúnia, difamação,
injúria, incitação ao crime, apologia a crime ou
criminoso, associação criminosa, denunciação
caluniosa, tentar mudar o Estado de Direito,
fazer propaganda de processos violentos ou
ilegais para alteração da ordem política ou
social, incitar a subversão da ordem política ou
social e dar causa à instauração de investigação
atribuindo a alguém a prática de crime ou
ato infracional de que o sabe inocente, com
finalidade eleitoral.
Esse último inquérito tem como
desdobramento os atos terroristas na tentativa
de golpe no 8 de janeiro, que pode determinar
que Bolsonaro tinha responsabilidade intelectual
pelos ataques.w
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A N O S
22JORNALISMO
DE
INDEPENDENTE

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Bia Kicis (PL-DF): a
primeira do ranking

Foto Marcelo Casal Jr./Agência Brasil


Política

Extrema direita domina


ranking semanal dos
deputados mais influentes
nas redes
Apenas cinco parlamentares governistas
constam na lista dos 20 com mais influência
nas redes, segundo FSB Pesquisa
por Ivan Longo

A
pesar da vitória de Lula nas eleições de
2022 e da boa avaliação do governo,
a extrema direita segue com atuação
mais forte nas redes que a esquerda. Elaborado
pela FSB Pesquisa, o Índice de Performance
CLUBE DE REVISTAS
nas Redes Sociais mostra que a maioria
entre os 20 parlamentares mais influentes no
meio digital é composta por bolsonaristas —
apesar de alguns deputados e deputadas da
base governista terem registrado avanços
significativos no ranking.
Segundo o estudo, que analisou a
performance de congressistas nas redes sociais
entre os dias 19 e 25 de junho, a deputada mais
influente nesse período foi Bia Kicis (PL-DF),
sendo seguida por outros três parlamentares
bolsonaristas: Gustavo Gayer (PL-GO), Eduardo
Bolsonaro (PL-SP) e Carla Zambelli (PL-SP).
A deputada de esquerda mais bem colocada
no ranking dos 20 mais influentes nas redes
é Gleisi Hoffmann (PT-PR), que figura na
5ª posição. Logo atrás dela, em 6º, vem o
deputado Nikolas Ferreira (PL-MG).
O segundo parlamentar da base governista
com melhor colocação é Guilherme Boulos
(PSOL-SP), que aparece em 9º lugar — uma
subida de cinco posições em relação à semana
anterior. Logo atrás dele vem a deputada Erika
Hilton (PSOL-SP), que ascendeu 15 colocações
e figura, agora, como a 10ª parlamentar mais
influente nas redes no período analisado.
Entre os deputados de esquerda, há ainda
uma ascensão relevante de Lindbergh Farias
(PT-RJ), que subiu cinco posições com relação
CLUBE DE REVISTAS

OS MAIS INFLUENTES

ESQUERDA DIREITA

5º Gleisi Hoffmann (PT-PR)


2º Gustavo Gayer (PL-GO)

9º Guilherme Boulos (PSOL-SP)


3º Eduardo Bolsonaro (PL-SP)

Fotos Câmara dos Deputados

10º Erika Hilton (PSOL-SP)


4º Carla Zambelli (PL-SP)

à análise da semana anterior e aparece como o


12º parlamentar com mais influência nas redes
sociais. Fecha a lista da base governista entre
os congressistas com atuação mais relevante
no meio digital o deputado André Janones
(Avante-MG), que está em 19º.
Segundo a FSB, o ranking dos parlamentares
mais influentes nas redes leva em consideração
"o número de seguidores, o alcance, os posts,
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a eficiência, as interações e o engajamento
registrados no Facebook, no Instagram e no
Twitter durante o período da análise".w

Ranking dos mais influentes nas redes


entre os dias 19 e 25 de junho

1.Bia Kicis (PL-DF)


2.Gustavo Gayer (PL-GO) +3
3.Eduardo Bolsonaro (PL-SP) +13
4.Carla Zambelli (PL-SP) -2
5.Gleisi Hoffmann (PT-PR) -2
6.Nikolas Ferreira (PL-MG) -2
7.Filipe Barros (PL-PR) + 3
8.Carlos Jordy (PL-RJ) -1
9.Guilherme Boulos (PSOL-SP) +5
10.Erika Hilton (PSOL-SP) +15
11.Deltan Dallagnol (PODE-PR) +4
12.Lindbergh Farias (PT-RJ) +5
13.Mario Frias (PL-SP) -1
14.Pr. Marco Feliciano (PL-SP) -8
15.Caroline De Toni (PL-SC) +4
16.Julia Zanatta (PL-SC) +24
17.André Fernandes (PL-CE) +10
18.Bibo Nunes (PL-RS) -9
19.André Janones (AVANTE-MG) -8
20.Helio Lopes (PL-RJ) -12
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Foto Reprodução
Política

PF prende Walter
Delgatti, o “hacker
de Araraquara”
por Lucas Vasques

A
Polícia Federal (PF) prendeu, na quarta-
feira (28), Walter Delgatti Neto, conhecido
como “hacker de Araraquara”. A
motivação foi o descumprimento de medidas
judiciais. A informação foi divulgada pelo
advogado dele, Ariovaldo Moreira.
Em relatório, a PF ressaltou que Delgatti
CLUBE DE REVISTAS
desrespeitou medida judicial que o proibia de
usar a internet. Ele criou e-mails e uma conta
em um site de compras. Os investigadores
descobriram que foi criado um e-mail vinculado
à conta bancária do hacker, com o objetivo de
receber doações por meio de Pix.
As apurações identificaram a criação de
contas para serviços de backup em nuvem nos
meses de julho, agosto e dezembro de 2022.
Uma delas continha o envio de documentos e
selfies de Delgatti.
O Ministério Público Federal (MPF) destacou
que “resta claro que Walter Delgatti Neto,
além de não ter interrompido o seu acesso à
internet, deixou propositalmente de atualizar
seu endereço perante a Justiça Federal, tendo
apenas deixado seu contato com um porteiro
do edifício de onde se mudou há mais de três
meses, sem informar outro endereço correto, o
que evidentemente demonstra o intuito de se
ocultar de eventual decisão judicial”.
Delgatti já tinha sido preso em julho de 2019,
durante a Operação Spoofing, que desarticulou,
segundo a PF, uma “organização criminosa que
praticava crimes cibernéticos”.
As investigações concluíram que o grupo
acessou contas do aplicativo de mensagens
Telegram utilizadas por autoridades, como
procuradores da Lava Jato.
CLUBE DE REVISTAS

Foto Reprodução
Walter Delgatti com a deputada bolsonarista Carla Zambelli

O hacker tinha conseguido o direito a


aguardar o julgamento em liberdade.

Aproximação com Bolsonaro


Em agosto de 2022, a campanha de Jair
Bolsonaro (PL) se aproximou de Delgatti para
saber a avaliação dele, como hacker, a respeito
da segurança das urnas eletrônicas.
Entre as pessoas com quem Delgatti esteve
está Valdemar Costa Neto, presidente nacional
do PL. Ele dizia que sabia como hackear
Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE).
A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP),
aliada de Bolsonaro, confirmou também ter se
encontrado com o hacker.w
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Economia

Dogmas monetários
renitentes: autonomia
do Banco Central e
metas para a inflação
por Paulo Nogueira Batista Jr.

V
olto à questão do Banco Central,
paciente leitor ou leitora. Conto com
a sua paciência, característica talvez
tipicamente brasileira. Volto ao Banco Central
porque o problema que ele representa se vê
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seriamente agravado pela teimosia do seu
presidente, que insiste em manter os juros na
lua e demora a sinalizar o início da sua redução,
já tardia, ridiculamente tardia, uma vez que os
diversos indicadores relevantes a justificam
cada vez mais claramente. Mas não quero
falar hoje da conjuntura da política monetária
brasileira, e sim do pano de fundo, isto é, de
questões estratégicas que, embora nem sempre
explicitadas, permeiam o debate sobre moeda e
juros, não só no Brasil, como em outros países.
Refiro-me a duas questões interligadas:
a autonomia do Banco Central e o regime
de metas de inflação. São políticas ainda
reverenciadas, pelo menos no Brasil, mas
muito discutíveis, para dizer o mínimo.
Viraram dogmas desde o início dos anos
1990 em grande parte do mundo ocidental,
e acabaram sendo importadas pelo Brasil:
o regime de metas em 1999 e a autonomia
legal da autoridade monetária em 2021. A
nossa adesão a esses dogmas, principalmente
ao segundo, foi tardia. E talvez por isso a
ortodoxia de galinheiro que prevalece no
debate econômico nacional se aferra a eles,
mesmo que o seu declínio se faça sentir nos
países desenvolvidos onde tiveram origem.
Na verdade, parêntese, no Brasil de hoje
não há debate econômico. O que existe não
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é propriamente “debate”, mas a divulgação
unilateral de um só ponto de vista. E não é
propriamente “econômico”, uma vez que as
teses e opiniões apresentadas são versões
vulgares do que se conhece como economia,
seja pura, seja aplicada.

Origem dos dogmas


monetários atuais
Em muitos
países esses dois
dogmas, depois
de reinarem quase
incontestes na
década final do século 20 e na
primeira década do século
atual, sobrevivem atualmente pro forma, tendo
sido essencialmente abandonados na prática.
Os bancos centrais “autônomos” estão cada
vez mais integrados à política econômica do
Estado. A propalada autonomia, que nunca foi
plena, existe hoje mais nos textos legais e nos
livros-texto do que na realidade. O regime de
metas, adotado como “âncora” para a política
monetária em muitos países desenvolvidos e
em desenvolvimento, foi sendo flexibilizado e,
em diversos casos, arquivado sem alarde.
Mesmo assim, vale a pena recapitular
brevemente a origem desses dois dogmas
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monetários. Isso ajudará a entender a sua
aplicação nas últimas três décadas, assim como
suas dificuldades de sobrevivência em anos
mais recentes. Vou tentar ser claro e exercer o
espírito de síntese.
Se pudesse resumir em poucas frases a
tendência histórica de longo prazo da instituição
moeda, diria que ela se caracteriza por uma
demorada e tumultuada trajetória na direção de
algo fundamental – o reconhecimento de que a
moeda deve ser uma moeda estatal fiduciária
pura. Desancorada, portanto. Uma moeda sem
lastro emitida por um Estado nacional, como
quase sempre acontece, ou em alguns poucos
casos por Estados nacionais associados,
como na Europa do euro. Os emissores, por
delegação estatal, são sempre bancos centrais
públicos, nacionais ou regionais. A aceitação
da moeda é uma convenção garantida pela
confiança (fidúcia) no Estado, em última
instância responsável pela sua emissão.
Essa tendência de longo prazo foi se
impondo em face de muita resistência, motivada
por hábitos e preconceitos. Prevaleceu por muito
tempo a relutância em aceitar que a moeda não
tivesse um “valor intrínseco”, a exemplo do que
ocorre com as moedas metálicas, baseadas
em metais preciosos, notadamente ouro e
prata. No entanto, a inviabilidade do padrão-
CLUBE DE REVISTAS
ouro, mesmo modificado e modernizado,
ficou escancarada com a Grande Depressão
dos anos 1930, quando se confirmou que o
ouro não passava mesmo de uma “relíquia
bárbara”, na famosa expressão de
Keynes. Resquícios importantes
do padrão-ouro ainda
sobreviveram no sistema de
taxas cambiais fixas ajustáveis
estabelecido em Bretton
Woods, imediatamente depois
da Segunda Guerra Mundial,
sistema que tinha como aspecto
central a livre conversão do dólar em
ouro a uma taxa fixa. Com a moratória decretada
pelo governo dos EUA em 1971, suspendendo-
se unilateralmente a conversibilidade do dólar
em ouro, ingressamos finalmente num regime
de moeda fiduciária pura, como destacou, entre
outros, Milton Friedman.
A demora em chegar a esse ponto se deve
não apenas a um apego selvagem à relíquia
ouro, mas a algo mais renitente: a desconfiança
dos agentes econômicos e de uma parte
importante dos economistas em relação ao
papel econômico do Estado e, portanto, a
resistência a aceitar uma moeda desancorada,
inconversível, apoiada exclusivamente na
confiança nesse Estado. Começou então
CLUBE DE REVISTAS
um longo período, ainda inconcluso, em que
se procurou garantir por meio de regras ou
âncoras que a moeda estatal fosse realmente
digna de confiança. Na impossibilidade de
basear o sistema monetário e de pagamentos
em emissão primária de moedas privadas,
restou a opção de impor disciplina ao Estado
emissor.
A aspiração se mostraria muito mais
difícil de realizar do que talvez se pudesse
inicialmente imaginar. Regras simples
se mostrariam impraticáveis,
diante da complexidade
da realidade econômica.
Regras complexas, difíceis
de especificar e pouco
transparentes, mostrariam-se
ineficazes em gerar a confiança
almejada.

O fracasso das âncoras


monetárias e cambiais
Que caminhos foram seguidos para tentar
disciplinar o Estado emissor? Uma tentativa,
propugnada pelo mesmo Friedman, foi a de
estabelecer uma “âncora monetária”, isto
é, uma regra ou regras que especificassem
quantitativamente limites à expansão da
moeda primária ou algum outro agregado
CLUBE DE REVISTAS
monetário. A relação entre emissão e inflação se
mostraria, contudo, incerta e instável, tornando
a experiência com ancoragem monetária
ineficaz. Depois de anos de controvérsias
teóricas e empíricas, o próprio Friedman e seus
seguidores, os assim chamados monetaristas,
acabariam sendo forçados a bater em retirada e
abandonar essa abordagem.
Outra tentativa foi recorrer à ancoragem
cambial, isto é, obrigar o Banco Central
a defender taxas fixas ou alguma regra
preestabelecida de variação da taxa de câmbio.
Um amplo espectro de regras cambiais, desde
o currency board até bandas cambiais amplas,
foi submetido a testes em vários países. O
sistema de taxas fixas estabelecido logo após
a Segunda Guerra, em Bretton Woods, durou
algumas décadas, mas viveu dificuldades
crescentes nos anos 1960 até sucumbir em
1971, como mencionei.

A ANCORAGEM CAMBIAL TERIA


CONSEQUÊNCIAS AINDA MAIS DESASTROSAS
EM MUITOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO,
INCLUSIVE AQUI NA AMÉRICA DO SUL,
NAS DÉCADAS DE 1970, 1980 E 1990. NOS
ANOS 1990, MÉXICO, ARGENTINA E O
BRASIL DO PLANO REAL, POR EXEMPLO,
EXPERIMENTARAM GRAVES CRISES
CLUBE DE REVISTAS
ECONÔMICAS AO TENTAR ESSA ABORDAGEM.

O problema, em poucas palavras, é que a


defesa de uma determinada taxa ou regra de
câmbio nominal se mostrava extremamente
custosa em situações marcadas por ampla
liberdade de movimentação dos capitais. Como
é praticamente impraticável abandonar por
completo e para sempre a autonomia nacional
na gestão da política monetária, a ancoragem
cambial acabava desembocando em grandes
crises de balanço de pagamentos, com
pesadas consequências para os países que
foram levados a seguir esse caminho.

As novas âncoras: autonomia do


Banco Central e metas para a inflação
O que fazer? A despeito do insucesso
das âncoras monetária e cambial, continuava
inconcebível para o pensamento econômico
dominante aceitar uma moeda estatal fiduciária
pura, sem amarras e garantias. Continuou
a busca por maneiras de limitar a liberdade
do Estado e dar, assim, confiabilidade à
moeda por ele emitida. Foi aí que se chegou,
principalmente desde os anos 1990, à
combinação de duas “âncoras institucionais”
que se cristalizariam em verdadeiros dogmas e
que sobreviveram até os dias de hoje, ainda que
CLUBE DE REVISTAS
enfraquecidas: a autonomia do Banco Central e
o regime de metas para a inflação.
O que significavam essas duas ideias
complementares? E por que também se
revelariam problemáticas como âncoras?
O que elas têm em comum e as torna
complementares, como indiquei anteriormente,
é que ambas constituem amarras ou limitações
ao poder do Estado.

A AUTONOMIA LEGAL DO BANCO


CENTRAL REMOVE A SUBORDINAÇÃO
DA AUTORIDADE MONETÁRIA AO PODER
POLÍTICO, CONFERINDO AO PRESIDENTE E
DEMAIS DIRETORES MANDATOS LONGOS E
NÃO COINCIDENTES COM O DO PRESIDENTE
DA REPÚBLICA.

O objetivo declarado é “despolitizar” a


política monetária, que passaria a ser guiada
exclusivamente por critérios técnicos. O horizonte
curto dos políticos seria substituído pelo
horizonte longo de uma burocracia autônoma
e especializada. O Banco Central ficaria livre,
em especial, do chamado ciclo político, que
tende a se traduzir em políticas expansivas em
anos eleitorais, em detrimento da estabilidade
econômica e monetária.
O regime de metas para a inflação, por sua
CLUBE DE REVISTAS
vez, impõe uma limitação adicional ao Banco
Central, a quem se confere a liberdade para
buscar, pelo manejo da taxa de juros e de outras
variáveis, sem interferência do governo, metas
numéricas para a taxa de inflação, determinadas
em geral pelo governo (pelo Conselho Monetário
Nacional, no caso brasileiro). Estabelecidas as
metas, o governo sai de cena. O Banco Central
conduz por sua conta a política monetária,
ficando obrigado a focar suas ações em um
objetivo primordial: a estabilidade do poder de
compra da moeda nacional.
O regime de metas pode ser mais ou
menos flexível, dependendo de como ele
é especificado. As metas são ambiciosas,
requerem grande esforço de contenção? São
pontuais ou há intervalos de confiança? São
curtos os prazos fixados para alcançar as
metas? A variável de referência é a inflação
cheia ou medidas de inflação ajustadas para
excluir determinados componentes voláteis do
índice geral de preços? Em certos aspectos,
o regime brasileiro foi definido de forma
relativamente flexível quando comparado ao de
outros países, o que não impediu sucessivos
descumprimentos das metas nos últimos anos.

Descrédito das novas âncoras


Procurei resumir acima, sem caricaturar,
CLUBE DE REVISTAS
os argumentos ortodoxos. Há uma certa
plausibilidade nesses argumentos, um
certo apelo ao bom senso. Mas a realidade
desapontou repetidamente as expectativas dos
que os defendiam.
Quanto ao Banco Central, logo ficaria
claro que a política monetária não pode ser
conduzida independentemente do resto
da política econômica, em particular da
política fiscal, como haviam avisado, aliás, os
economistas de orientação keynesiana. Se
o Banco Central, apoiado na sua autonomia
legal, quiser atuar em faixa própria, sem
coordenar seus passos com o Ministério das
Finanças e outras áreas do governo, certa
confusão é inevitável e nada de positivo
resultará. A realidade prática da política
econômica, as interconexões entre os seus
componentes, recomenda que a autoridade
monetária atue em combinação com o
governo, trocando informações, discutindo
objetivos, antecipando movimentos.
Em suma, o Banco Central é, sempre e em
toda parte, um braço do aparato estatal. Um
Banco Central que pretenda ser independente
de facto, e não apenas de jure, torna-se um
estorvo para a condução da política econômica.
Isso raramente acontece – o caso brasileiro de
2023 é um exemplo entre poucos.
CLUBE DE REVISTAS

Fotos Agência Brasil


Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central

A ideia do Banco Central autônomo se


tornou especialmente problemática nos tempos
de intensa polarização política em tantos
países, inclusive o Brasil. Nesse ambiente,
a não coincidência entre os mandatos do
presidente da República e do presidente do
Banco Central pode tornar o comando da
autoridade monetária um corpo estranho
dentro de um novo governo, como vem
ocorrendo no Brasil depois da posse do
presidente Lula. Roberto Campos Neto tenta
justificar tecnicamente suas decisões, em
especial os juros excepcionalmente elevados,
mas suas justificativas não são sólidas e
vêm sendo rejeitadas pelo governo e por um
CLUBE DE REVISTAS
número crescente de políticos, economistas,
empresários e até mesmo por pessoas
ligadas ao mercado financeiro. Quase uma
unanimidade negativa. Com o passar dos
meses, a posição “técnica” arguida pelo Banco
Central parece cada vez mais insustentável.
No campo oficial, muitos têm a sensação,
correta ou não, de que o presidente do Banco
Central é um bolsonarista infiltrado, que sabota
deliberadamente os planos econômicos
governamentais.

ESSE PROBLEMA NOVO, O DA


POLARIZAÇÃO POLÍTICA, SOBREPÕE-SE
A UM PROBLEMA ANTIGO, DE NATUREZA
ESTRUTURAL, QUE ECONOMISTAS
COMO EU CANSARAM DE APONTAR:
INSTITUIR A AUTONOMIA LEGAL DO
BANCO CENTRAL EM RELAÇÃO AO PODER
POLÍTICO REFORÇA A SUA CAPTURA POR
INTERESSES FINANCEIROS PRIVADOS.

Desaparece ou diminui o contraponto da


influência do governo e ganha força a influência
do capital financeiro, assegurada pela famosa
porta giratória. Os integrantes da diretoria
do Banco Central provêm, em grande parte,
do sistema financeiro e para lá retornam. A
passagem pelo comando do Banco Central é
CLUBE DE REVISTAS
uma forma de lustrar o currículo e conquistar
posições mais vantajosas no mercado
financeiro – desde que, claro, o executivo
dance rigorosamente conforme a música
durante a sua passagem pelo Banco Central.
Uma forma sutil de corrupção. O Banco
Central, por essas e outras vias, torna-se
chasse gardée do capital financeiro.
O segundo dogma, o regime de metas
para a inflação, também foi revelando fissuras
importantes. Mesmo quando definido de forma
relativamente flexível, o regime se mostra,
com frequência, difícil de manejar. Metas
que pareciam razoáveis no momento da sua
definição revelam-se depois draconianas,
exigindo taxas de juro elevadas, com impacto
sobre o nível de atividade, a taxa de câmbio e
as finanças públicas.
O problema aqui é o que sempre aparece
na aplicação de regras, sejam fiscais, sejam
cambiais, sejam monetárias: a capacidade
de previsão dos economistas é sofrível. “O
esperado nunca acontece; é o inesperado
sempre”, dizia Keynes. Fatos novos, choques
de diferentes tipos submetem qualquer
esquema de regras a tensões difíceis
de administrar. A grande crise financeira
internacional de 2008-2010, a pandemia da
covid-19, a guerra na Ucrânia desde 2022
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tensionaram os regimes de metas de inflação.
O pesado impacto dessa sucessão de choques
financeiros, políticos e de oferta levou ao
desgaste generalizado da confiança na utilidade
desse regime, mesmo nas suas versões mais
flexíveis. Os defensores escassearam, os
críticos se tornaram mais aguerridos. Muitos
bancos centrais abandonaram discretamente o
modelo monetário. As metas foram flexibilizadas
de tal maneira que o regime ficou virtualmente
indistinguível da discricionariedade pura, isto é,
muito próximo do modelo de moeda fiduciária
pura, desancorada, sem lastro.
Aqui no Brasil esses dogmas monetários
encontram, entretanto, um derradeiro refúgio.
Como dizia Millôr Fernandes, quando as
ideologias envelhecem, elas vêm morar no
Brasil. Mortas e enterradas no resto do mundo,
ganham aqui uma sobrevida final.w
CLUBE DE REVISTAS

Foto @fab.brick

Meio ambiente

Já pensou
em morar em
uma casa feita
de roupas
descartadas?
por Iara Vidal
CLUBE DE REVISTAS

Na França, projeto de uma estudante


transforma resíduos têxteis em tijolos para
construção de moradias; a ideia é excelente,
mas precisa de escala, o que só é possível
com políticas públicas

A
indústria têxtil é uma das mais poluentes
do mundo. Uma das facetas mais
visíveis desse rastro deixado por esse
braço da moda são os resíduos das roupas
que não queremos mais e que têm mudado
paisagens mundo afora. Talvez a mais famosa
seja a montanha de roupas descartadas no
deserto do Atacama, no Chile, que pode ser
vista até do espaço.
Vem da França, berço da moda de alto luxo,
uma alternativa para dar novo uso para os
resíduos têxteis. Trata-se do FabBRICK: tijolos
feitos a partir de roupas que não usamos mais.
Essa ideia, ainda em escala muito pequena,
é de Clarisse Merlet. Enquanto era estudante
de arquitetura, ela percebeu o quanto a
construção é uma indústria poluente e
intensiva em energia, então decidiu encontrar
uma maneira de construir de forma diferente,
especialmente utilizando resíduos de matéria-
CLUBE DE REVISTAS

Foto @fab.brick
Clarisse Merlet, a criadora da ideia de reutilizar roupas
descartadas para produzir tijolos ecológicos

prima, como garrafas plásticas, papelão ou


copos plásticos.
Até que a jovem se deu conta de que a
indústria têxtil era pouco considerada em
relação à reciclagem de uma das fibras mais
usadas nessa indústria, o algodão, que reúne
propriedades relevantes na área da construção
civil: é considerado um isolante térmico e
acústico eficiente.
Daí surgiu a ideia de reutilizar roupas
descartadas, transformando-as em uma matéria-
prima inovadora. Com base nas características
dos têxteis recuperados, ela projetou um material
CLUBE DE REVISTAS
de construção ecológico, com propriedades
isolantes térmicas e acústicas.
Em 2017, ela apresentou sua pesquisa e seu
primeiro protótipo para o concurso FAIRE. Ela
foi uma das vencedoras e recebeu apoio do
Pavillon de l'Arsenal para desenvolver o tijolo.
Desde então, a FabBRICK se tornou a principal
agência de design para valorização têxtil,
empregando cerca de uma dúzia de pessoas.

Foto @fab.brick

Tijolo ecológico
Com três camisetas recicladas e uma cola
ecológica é possível fazer um tijolo. E o mais
impressionante é que ele é especialmente
isolante térmica e acusticamente.
Clarisse decide então lançar uma campanha
de financiamento coletivo na internet para
financiar o projeto que rapidamente ganha
impulso. Hoje, 42 mil tijolos foram criados a
partir de 12 toneladas de roupas recicladas.

Falta escala
Diante do passivo da indústria da moda,
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Foto skifi
A montanha de roupas descartadas no deserto do Atacama, no Chile, atingiu
proporções tão grandes que já pode ser vista do espaço

que contribui com aproximadamente 2,1


bilhões de toneladas de emissões de gases
de efeito estufa (GEEs) em um único ano, o
equivalente a 4% de todas as emissões globais
e comparável às emissões anuais de GEE da
França, Alemanha e Reino Unido combinados,
a iniciativa da francesa é excelente, mas
insuficiente, e precisa ganhar escala.
O colossal impacto de carbono das roupas
ocorre em todas as etapas da cadeia de
suprimentos da moda e do ciclo de vida do
produto. No entanto, 70% das emissões da
moda se originam de atividades como produção
e processamento de matérias-primas.
CLUBE DE REVISTAS
Apesar disso, a maioria das grandes marcas
ainda não toma medidas básicas para a devida
diligência ambiental em seus fornecedores.
De um modo geral, tingimento e acabamento,
preparação de fios e produção de fibras
tendem a ser as fases que mais deixam
pegadas de carbono.
Esses processos de alto impacto ambiental
são massivamente subestimados pelas marcas
de moda, que na maioria das vezes apenas
contabilizam as emissões de suas próprias
operações, como transporte e varejo.
O impacto da moda na crise climática não diz
respeito apenas às emissões de carbono, mas
à água, produtos químicos, desmatamento,
resíduos têxteis, microplásticos e muito mais.
Fico na torcida para que essa ideia inovadora
seja contemplada por políticas públicas que
deem escala a essa revolução. Por ora, é uma
boa ideia para um público restrito.w

**Iara Vidal (@iaravidal) é representante do Fashion Revolution em


Brasília (DF) e pesquisadora independente dos encontros da moda
com a política.
CLUBE DE REVISTAS

Foto Reprodução
Global

Três dias de Brasília


em Portugal
O Fórum Jurídico de Lisboa é o momento do
ano em que a capital federal é transplantada
para o outro lado do Atlântico, e este ano, na
11ª edição, muita coisa importante rolou
por Henrique Rodrigues

J
á tem alguns anos que, mesmo que
informalmente, o centro nervoso da
política brasileira é transferido por alguns
dias para o outro lado do Atlântico, instalando-
se em Lisboa. Sim, resumidamente, Brasília é
transportada para a capital portuguesa e, de lá,
vêm as notícias mais importantes dos bastidores
CLUBE DE REVISTAS
do poder. Isso ocorre durante o Fórum Jurídico
de Lisboa, que este ano teve sua 11ª edição,
entre os dias 26 e 28 deste mês que se encerra.
Organizado pelo Instituto Brasileiro de Ensino,
Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), que tem como
um de seus sócios o ministro Gilmar Mendes, do
STF, pelo Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
(ICJP) e pelo Centro de Inovação, Administração
e Pesquisa do Judiciário da FGV Conhecimento
(CIAPJ/FGV), o badaladíssimo e concorrido evento
acontece nas dependências da Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa e é amplamente
visto como o mais importante congresso da área
do direito no mundo lusófono.
No dia da abertura, segunda-feira (26), já estava
claro que a temperatura ia manter-se elevada.
Não só a temperatura do ambiente, já que o
começo do verão na Europa é sufocantemente
insuportável, mas também a da atmosfera política.
Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos
Deputados, participou logo da mesa inicial, ao
lado de Gilmar Mendes, mas com cara de poucos
amigos. Havia uma razão para isso: o parlamentar
é alvo de investigações pela Polícia Federal,
que tem visto indícios de participação sua no
escândalo dos kits de robótica comprados com
dinheiro de emendas parlamentares liberadas para
seus aliados, cujo destino seriam escolas públicas
CLUBE DE REVISTAS

Foto Reprodução
Participaram do fórum: o ministro da Justiça Flávio Dino, o ministro do STF
José Roberto Barroso, o banqueiro André Esteves, o governador de São Paulo
Tarcísio de Freitas, o governador de Goiás Ronaldo Caiado e o presidente da
Câmara dos Deputados Arthur Lira

de seu estado.
Lira até tentou disfarçar falando grosso contra
os terroristas bolsonaristas que atacaram as
sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro, ao
afirmar que “a Câmara reagiu de forma firme,
reunindo seus parlamentares em menos de 24
horas, em pleno recesso, responderemos às
ações antidemocráticas com doses maiores
de democracia”, só que seu semblante de
desconforto era visível. O constrangimento era
ainda maior porque seu homólogo português, o
deputado Augusto Santos Silva, presidente da
Assembleia da República de Portugal, estava ali,
CLUBE DE REVISTAS
sentado bem ao seu lado.
A irritação e a impaciência do deputado
alagoano também eram vistas por muita gente
como causadas por outro fator.

FLÁVIO DINO, MINISTRO DA JUSTIÇA E


SEGURANÇA PÚBLICA, O CHEFE DA POLÍCIA
FEDERAL, ESTAVA LÁ, DE CORPO PRESENTE,
NOS BASTIDORES, AGUARDANDO SUA
PARTICIPAÇÃO NA MESA SEGUINTE,
OPORTUNIDADE EM QUE DEBATEU
COM O GOVERNADOR BOLSONARISTA
DE SÃO PAULO, TARCÍSIO DE FREITAS
(REPUBLICANOS), NUM EMBATE MUITO
ELOGIADO POR TODOS OS PARTICIPANTES,
ESPECTADORES E JORNALISTAS, JÁ QUE
O ENFRENTAMENTO OCORREU DE FORMA
CIVILIZADA, BEM-HUMORADA E RESPEITOSA,
ROMPENDO COM AS INVESTIDAS VIOLENTAS
E BÁRBARAS DOS TEMPOS DE JAIR
BOLSONARO (PL).

O ambiente, aliás, era de civilidade total,


com gente tão distinta ideologicamente, como
o presidente da Embratur, Marcelo Freixo, e o
deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) de
um lado, e o governador goiano, Ronaldo Caiado
(União Brasil), e o ex-governador paulista Rodrigo
Garcia (PSDB) do outro. Tudo regado a apertos
CLUBE DE REVISTAS
de mão, cumprimentos, sorrisos e conversas em
rodinhas, deixando para trás o belicismo bufo
e idiotizante alimentado pelo bolsonarismo nos
últimos quatro anos.
Como o mote do 11° Fórum Jurídico de Lisboa
era “Governança e Constitucionalismo Digital”,
uma abordagem recorrente em debates, painéis
e entrevistas era o desafio para lidar com as fake
news e o verdadeiro inferno de mentiras criado e
disseminado pela extrema direita. Em entrevistas
exclusivas à Fórum, os ministros Gilmar Mendes
e Luís Roberto Barroso trataram do assunto,
sempre apontando na mesma direção, a de se
estabelecer um marco de regulação para as
plataformas de internet sob pena de chegarmos
a um ponto em que a mentira definitivamente
triunfará e não será mais possível distinguir o que
é verdade do que é falso.

UM OUTRO TEMA PRESENTE EM TODA


E QUALQUER RODA DE CONVERSA, MAS
LONGE DAS MESAS E AUDITÓRIOS, FOI O
JULGAMENTO DO EX-PRESIDENTE JAIR
BOLSONARO, QUE FOI CONDENADO NO TSE E
TEVE SEUS DIREITOS POLÍTICOS SUSPENSOS
PELA CORTE.

Àquela altura, o julgamento ainda não tinha sido


encerrado, mas como tudo se encaminhava para
CLUBE DE REVISTAS
tal desfecho, o clima era de alívio e comemoração
pelo “sepultamento”, pelo menos provisório, do
extremista ultrarreacionário que incendiou o Brasil
e tentou dar um golpe de Estado mesmo depois
de ser derrotado nas urnas e de ver Lula (PT) subir
a rampa do Palácio do Planalto.
André Mendonça, o “terrivelmente evangélico”
ministro do STF indicado por Bolsonaro,
notando o clima no fórum, não disfarçou seu
descontentamento com o iminente destino do
padrinho, e mesmo não sendo integrante do TSE
e com o dever de mostrar imparcialidade em
suas posições, por conta do cargo que exerce,
resolveu soltar o verbo com os jornalistas e falar
de “injustiças” contra o radical que ocupou a
Presidência da República.
Os juros elevadíssimos da Selic, assunto que
incendeia o país e os setores econômicos, esteve
presente também no Fórum Jurídico de Lisboa. O
banqueiro André Esteves, presidente do Conselho
de Administração do banco BTG Pactual, num
debate sobre "contas públicas e equilíbrio fiscal",
falou sobre a atual situação econômica do
Brasil, que tem dado saltos desde a chegada
do presidente Lula (PT) ao poder e, mesmo
avesso a entrevistas e não falando com nenhum
dos jornalistas na saída do evento, Esteves fez
questão de deixar subentendido que já passou
da hora de os juros serem reduzidos pelo Comitê
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Foto Presidência da República de Portugal


O vice-presidente Geraldo Alckmin cumprimenta o presidente de Portugal Marcelo
Rebelo de Sousa. Os dois participaram da última mesa do Fórum Jurídico de Lisboa

de Política Monetária do Banco Central, embora o


bilionário não tenha citado a entidade nem o nome
de Roberto Campos Neto, seu presidente.
Mas o grande momento mesmo do evento
estava guardado para o último dia, e tudo devido
às presenças do vice-presidente Geraldo Alckmin
(PSB) e do presidente da República de Portugal,
Marcelo Rebelo de Sousa, que provocaram
inclusive mudanças no esquema de segurança
até então bastante frouxo montado na Faculdade
de Direito da Universidade de Lisboa. A chegada
dos dois, sob aplausos, foi coroada com uma
declaração de Alckmin nos primeiros minutos de
sua intervenção na mesa de encerramento.

“NA REALIDADE, NÓS VIEMOS


PARTICIPAR DESTE IMPORTANTÍSSIMO
CLUBE DE REVISTAS
ENCONTRO, COM JURISTAS,
POLÍTICOS, PROFESSORES,
ESPECIALISTAS, PRIMEIRO
PARA FORTALECER A
DEMOCRACIA, E EU DISSE
AQUI COM TODAS AS LETRAS,
QUE A ELEIÇÃO DO PRESIDENTE
LULA SALVOU A DEMOCRACIA BRASILEIRA, E
ISSO É UM FATO”, FALOU O VICE-PRESIDENTE
PARA UMA PLATEIA RESTRITA, APENAS
COM MAGISTRADOS, PROCURADORES,
PARLAMENTARES E OUTRAS AUTORIDADES,
ALÉM DE GRANDES EMPRESÁRIOS, DOS DOIS
PAÍSES, QUE O OVACIONOU.

A partir dali, foram apenas alguns minutos para


que as cortinas se fechassem e o “espetáculo” da
política no além-mar, em pleno verão escaldante
europeu, chegasse ao fim, predizendo que os
próximos capítulos voltarão ao cenário habitual,
em meio ao cerrado do Planalto Central.w
CLUBE DE REVISTAS

500k
Valeu,
comunidade!
CLUBE DE REVISTAS

Foto Marcelo Casal Jr./Agência Brasil


Cultura

Viva Astrid, viva


São João e a
cultura brasileira!
Gabriela Prioli e o
mercado que se danem

por Julinho Bittencourt

U
ma discussão da advogada Gabriela
Prioli com a apresentadora Astrid
Fontenelle na semana passada foi
parar entre os assuntos mais comentados
do Twitter. Entre mortos e feridos, a conversa
CLUBE DE REVISTAS
sobre as festas juninas no Brasil terminou com
a internet curiosamente desabando em críticas
sobre Prioli, por sua defesa do mercado e da
“modernização” dos eventos, provocando a
sua aculturação.
A advogada foi pra cima da apresentadora,
que se dizia indignada e frustrada com as
festas modernas, em que não se ouve mais
forró nem se come amendoim cozido. Prioli
retrucou com uma justificativa lapidar do
pensamento neoliberal:

“TANTO A INICIATIVA PRIVADA QUANTO A


INICIATIVA PÚBLICA, QUANDO VÃO FAZER
UM INVESTIMENTO EM UMA FESTA, ESTÃO
PENSANDO EM RETORNO”.

A frase traz de saída dois problemas sérios.


O maior deles é que a iniciativa pública, leia-se
o Estado, não pensa ou não deveria pensar em
retorno, ao menos financeiro. O papel do poder
público é justamente o contrário, ou seja, o de
fomentar a cultura, a identidade de seu povo,
tentar manter financeiramente manifestações
que a inciativa privada, por uma série de
distorções, abandonou.
E o outro problema da frase de Prioli é
justamente esse. Não é de hoje que empresas
modernas começam a rever conceitos
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Fotos Reprodução
A advogada Gabriela Prioli e a apresentadora Astrid Fontenelle

devastadores de que o dinheiro pode tudo,


sobretudo dilacerar e adulterar a produção
cultural do país em que estão instaladas,
normalmente de passagem.
O apelo de Astrid é tão simples quanto óbvio.
O que restará das nossas festas populares
após a invasão da cultura de massa? Um artista
como Gusttavo Lima, sem entrar em nenhum
juízo de valor, domina o mercado de shows
durante o ano todo. Vários outros, mais ligados
à tradição, cantores de forró, baião e outros
gêneros que sempre compuseram a festa, estão
praticamente relegados a ela e devem sucumbir
porque o mercado assim o quer?
E, o que é pior ainda, o Brasil, um país de
cultura tão rica e diversa, fica condenado a ouvir
e dançar a obra de Gusttavo Lima de janeiro
CLUBE DE REVISTAS
a janeiro? Ele e seus pares irão desfilar no
sambódromo também porque é mais vendável
do que o samba? Sertanejos e sofrentes vão
tomar de assalto o Boi de Parintins? O Galo da
Madrugada no Recife e o circuito Barra-Ondina
dos trios elétricos de Salvador?
É esse o inferno que nos resta, segundo o
raciocínio de Gabriela Prioli e de quem mais
acreditar nele? A hegemonia cultural total de
ponta a ponta? Vamos, enfim, deixar de ser o
Brasil diverso e múltiplo, deixar de ter a música
nativista do Rio Grande, a canção caipira de
Pena Branca & Xavantinho e Renato Teixeira,
a pantaneira de Almir Sater, o rock paulistano
dos Titãs e Rita Lee, os experimentos de Arrigo
Barnabé, a maravilhosa canção mineira de
Milton Nascimento e o Clube da Esquina, a
Bossa Nova, nossa maior expressão cultural em
todo o planeta, só porque o mercado assim o
quer? Porque ele investe e precisa de retorno?
Tomara que a Gabriela Prioli, com a tamanha
bobagem que falou, consiga despertar o amor-
próprio do brasileiro por sua herança cultural,
suas tradições mais ricas e soberanas. Que
ela, com as suas besteiras e arrogâncias, tenha
mexido no calo e consiga nos devolver com
força e indignação o amor-próprio e o sentido
da nossa existência.w
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expediente | edição #65

Diretor de Redação
_ Renato Rovai

Editora executiva
_ Dri Delorenzo

Textos desta edição:


_ Raphael Sanz
_ Plínio Teodoro
_ Ivan Longo
_ Lucas Vasques
_ Paulo Nogueira Batista Jr.
_ Iara Vidal
_ Henrique Rodrigues
_ Julinho Bittencourt

Designer Revisão
_ Marcos Guinoza _ Laura Pequeno
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