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Por Danilo Vital
Apenas o ministro Raul Araújo divergiu, por enquanto. Ele votou por julgar a ação
improcedente, por considerar que a conduta de Bolsonaro não teve gravidade suficiente
para alterar a normalidade e ameaçar a legitimidade das eleições. Sua análise ainda
adotou um cenário mais restritivo de fatos e alegações do que o feito pelo relator.
A reunião que gerou o ajuizamento da ação foi feita em julho de 2022, três meses antes
do primeiro turno das eleições. Ao que tudo indica, foi uma resposta a um evento oficial
do TSE, que se reuniu com autoridades internacionais para apresentar o sistema de
votação. Nela, o então presidente, ministro Edson Fachin, fez um alerta sobre o "vírus da
desinformação".
Em três dias, Bolsonaro movimentou a máquina pública para convidar e reunir quase cem
embaixadores de países estrangeiros e autoridades nacionais na residência oficial da
Presidência, onde fez uma apresentação com slides colocando em dúvida o sistema
eletrônico de votação e a lisura da atuação da Justiça Eleitoral.
Abrangência da ação Alejandro Zambrana/Secom/TSE
Esse ponto motivou uma interrupção do voto pela ministra Cármen Lúcia, para quem o
documento foi usado de maneira lateral no voto do relator. "O fato de ter juntado a
minuta golpista em nada afetou", concordou o ministro Alexandre de Moraes. "O voto foi
claro: não se está apurando a minuta. Ela é um reflexo dos efeitos do discurso feito na
reunião no tocante a inverdades sobre as urnas eletrônicas", disse o ministro Benedito.
Sem gravidade
A divergência na questão preliminar é importante porque orientou o voto no mérito. Com
o alcance da Aije reduzido às falas de Bolsonaro para os embaixadores, o episódio perdeu
um dos requisitos para caracterizar o abuso do poder político, na análise do ministro
Raul: a gravidade acentuada.
Ele destacou que nem todo o discurso veicula informações falsas, pois há trechos em que
Bolsonaro expõe sua posição política em temas abertos ao diálogo institucional, como as
críticas ao voto eletrônico e a Lula, naquela época seu potencial concorrente. "(As falas
são) Censuráveis não por seu conteúdo, mas por configurarem propaganda antecipada",
analisou ele.
No que restou do discurso, segundo o ministro, não houve gravidade justamente porque o
tema foi alvo de representação por propaganda antecipada, em que o próprio TSE
restringiu o uso e alcance dos ataques feitos pelo então presidente. Para Raul Araújo, a
resposta foi legítima e suficiente ao episódio, o que esvaziou o requisito para julgar a Aije
procedente.
Alejandro Zambrana/Secom/TSE Além disso, o público que acompanhou o evento
pela TV ou pelas redes sociais apenas recebeu
infrmações já reiteradamente apreentadas por
Bolsonaro, o que reduz a capacidade de produzir
forte e surpreendente impacto danoso.
Sobre o uso indevido dos meios de comunicação social, a ilicitude foi afastada porque é
função da TV Brasil acompanhar a agenda oficial do presidente. Fosse qual fosse o
discurso, a empresa transmitiria por função definida em lei. O desvio de finalidade só se
configuraria se a empresa soubesse de antemão dos abusos cometidos, o que não se
comprovou.
"Em consequência, sendo a gravidade aferível pela vulneração aos bens jurídicos
legitimidade e normalidade das eleições, mas sendo estes sujeitos a um juízo de valor de
grau, fato é que a intensidade do comportamento concretamente imputado — a reunião
de 18/7/2022 e o conteúdo do discurso — não foi tamanha a ponto de justificar a medida
extrema da inelegibilidade", concluiu o magistrado.
E ele ainda acrescentou: "Os graves desafios à Julgamento será retomado nesta sexta-feira
ordem democrática que tiveram lugar antes e com voto da ministra Cármen Lúcia
depois do pleito, embora execráveis, não são
necessários para analisar a existência ou não do
abuso de poder político. E tampouco são úteis para caracterizar a gravidade ou não desses
fatos".
Seu voto sustentou que o evento não se inseriu nas atividades diplomáticas brasileiras e
que a organização não ficou a cargo dos órgãos competentes, nem foi feito no local
adequado — foi sediado na residência oficial da Presidência, o Palácio da Alvorada.
Além disso, o discurso de Bolsonaro visou a deslegitimar o sistema eleitoral,
desincentivar a participação do eleitor e, assim, obter benefícios.
"O investigado usou de suas competências de chefe de Estado para criar uma aparente
reunião com o objetivo de responder ao TSE e construir sua persona de candidato,
servindo-se dos meios e instrumentos para alcançar seu real destinatário: o eleitor já
cativado ou o eleitor ainda a conquistar", analisou ele.
O voto do ministro Andre Ramos Tavares seguiu a mesma linha ao apontar que
Bolsonaro criou um evento com mera roupagem diplomática para difundir conteúdo falso
e pernicioso com intenções eleitorais.
"É inviável à Justiça Eleitoral ignorar fatos notórios afim de converter a realidade
conhecida em uma versão forjada em fabricada em cima de omissões e desconhecimentos
desses fatos", disse ele ao criticar tentativas de isolar artificialmente as frases de
Bolsonaro, emitidas em um contexto maior de intenção eleitoral e ataques
antidemocráticos.