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Com 3 votos a 1, TSE adia julgamento sobre

inelegibilidade de Bolsonaro para 6ª-feira


29 de junho de 2023, 13h13 Imprimir Enviar

Por Danilo Vital

O julgamento da ação de investigação judicial eleitoral (Aije) no Tribunal Superior


Eleitoral que trata da reunião que Jair Bolsonaro fez com embaixadores estrangeiros para
atacar o sistema eletrônico de votação em 2022 registrou, nesta quinta-feira (29/6), um
voto divergente e outros dois a favor da punição do ex-presidente.

Presidente do TSE, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu a sessão às 13h. O caso


será retomado nesta sexta-feira (30/6), a partir das 12h, com o voto da ministra Cármen
Lúcia. Além dela, restam votar o ministro Kassio Nunes Marques e o próprio Moraes.
Antonio Augusto/Secom/TSE Até o momento, o placar é de 3 votos a 1 pela
procedência da ação. Três ministros entenderam
que Bolsonaro praticou abuso de poder político
e uso indevido dos meios de comunicação,
condutas pela qual deveria ser punido com
inelegibilidade de oito anos, conforme a punição
do artigo 22 da Lei Complementar 64/1990.

Votou dessa maneira o ministro Benedito


Gonçalves, relator da matéria, que foi
Raul Araújo abriu divergência no TSE ao acompanhado dos ministros Floriano de
entender que episódio não teve gravidade Azevedo Marques e André Ramos Tavares. A
suficiente para desequilibrar disputa posição adotada por eles exime de punição o
candidato a vice de Bolsonaro em 2022, general
Walter Braga Netto, porque não há provas de
seu envolvimento no episódio.

Apenas o ministro Raul Araújo divergiu, por enquanto. Ele votou por julgar a ação
improcedente, por considerar que a conduta de Bolsonaro não teve gravidade suficiente
para alterar a normalidade e ameaçar a legitimidade das eleições. Sua análise ainda
adotou um cenário mais restritivo de fatos e alegações do que o feito pelo relator.

A reunião que gerou o ajuizamento da ação foi feita em julho de 2022, três meses antes
do primeiro turno das eleições. Ao que tudo indica, foi uma resposta a um evento oficial
do TSE, que se reuniu com autoridades internacionais para apresentar o sistema de
votação. Nela, o então presidente, ministro Edson Fachin, fez um alerta sobre o "vírus da
desinformação".

Em três dias, Bolsonaro movimentou a máquina pública para convidar e reunir quase cem
embaixadores de países estrangeiros e autoridades nacionais na residência oficial da
Presidência, onde fez uma apresentação com slides colocando em dúvida o sistema
eletrônico de votação e a lisura da atuação da Justiça Eleitoral.
Abrangência da ação Alejandro Zambrana/Secom/TSE

Primeiro a votar nesta quinta-feira, o ministro


Raul Araújo inaugurou a divergência em
manifestação que começou por reconhecer que,
no trâmite da Aije, o TSE ampliou
indevidamente os limites da ação ajuizada pelo
PDT, especialmente por incluir e considerar
elementos posteriores às eleições.

Um desses documentos é a "minuta do


golpe" encontrada em janeiro na casa do ex- Para ministro Floriano de Azevedo Marques,
ministro da Justiça e Segurança Pública, Bolsonaro usou cargo de presidente para
Anderson Torres. Raul Araújo explicou que a criar evento e construir persona de candidato
aije protege bens jurídicos relativos à igualdade
entre candidatos e ao livre exercício do voto.
Fatos posteriores, portanto, não podem afetar a igualdade entre candidatos de uma eleição
que já aconteceu.

Esse ponto motivou uma interrupção do voto pela ministra Cármen Lúcia, para quem o
documento foi usado de maneira lateral no voto do relator. "O fato de ter juntado a
minuta golpista em nada afetou", concordou o ministro Alexandre de Moraes. "O voto foi
claro: não se está apurando a minuta. Ela é um reflexo dos efeitos do discurso feito na
reunião no tocante a inverdades sobre as urnas eletrônicas", disse o ministro Benedito.

Para o ministro Raul Araújo, houve considerações substanciais não só ao achado da


minuta, mas a fatos posteriores usados para caracterizar uma predisposição de atitudes de
Bolsonaro em direção à ruptura do processo democrático. "São fartas as referências",
rebateu. "Não há nexo de causalidade entre os fatos", afirmou.

Sem gravidade
A divergência na questão preliminar é importante porque orientou o voto no mérito. Com
o alcance da Aije reduzido às falas de Bolsonaro para os embaixadores, o episódio perdeu
um dos requisitos para caracterizar o abuso do poder político, na análise do ministro
Raul: a gravidade acentuada.

Ele destacou que nem todo o discurso veicula informações falsas, pois há trechos em que
Bolsonaro expõe sua posição política em temas abertos ao diálogo institucional, como as
críticas ao voto eletrônico e a Lula, naquela época seu potencial concorrente. "(As falas
são) Censuráveis não por seu conteúdo, mas por configurarem propaganda antecipada",
analisou ele.

No que restou do discurso, segundo o ministro, não houve gravidade justamente porque o
tema foi alvo de representação por propaganda antecipada, em que o próprio TSE
restringiu o uso e alcance dos ataques feitos pelo então presidente. Para Raul Araújo, a
resposta foi legítima e suficiente ao episódio, o que esvaziou o requisito para julgar a Aije
procedente.
Alejandro Zambrana/Secom/TSE Além disso, o público que acompanhou o evento
pela TV ou pelas redes sociais apenas recebeu
infrmações já reiteradamente apreentadas por
Bolsonaro, o que reduz a capacidade de produzir
forte e surpreendente impacto danoso.

Ele afirmou ainda que o andamento das eleições


de 2022 mostrou que o impacto da fala foi
mínimo. Bolsonaro criticou a legitimidade do
sistema de votação e desestimulou eleitores, mas
Ministro André Ramos Tavares concluiu mesmo assim o comparecimento foi recorde,
pela ocorrência de grave abuso de poder com cerca de 123 milhões de pessas, e a
político por Jair Bolsonaro no caso abstenção, de 20,9%, ficou dentro da
normalidade em relação a eleições anteriores.

Sobre o uso indevido dos meios de comunicação social, a ilicitude foi afastada porque é
função da TV Brasil acompanhar a agenda oficial do presidente. Fosse qual fosse o
discurso, a empresa transmitiria por função definida em lei. O desvio de finalidade só se
configuraria se a empresa soubesse de antemão dos abusos cometidos, o que não se
comprovou.

"Embora não se possa negar que as eleições de 2022 experimentaram um conjunto de


percalços e dificuldades decorrentes de um contexto de instabilidade oriundo de
discursos de conteúdo inverídico — do qual a fala do então presidente é exemplo
significativo —, há de se igualmente reconhecer que a Justiça Eleitoral foi capaz de
conduzir o pleito de forma orgânica, com ampla e livre participação popular, pronta
proclamação do resultado e oportuna diplomação", avaliou o ministro Raul.

"Em consequência, sendo a gravidade aferível pela vulneração aos bens jurídicos
legitimidade e normalidade das eleições, mas sendo estes sujeitos a um juízo de valor de
grau, fato é que a intensidade do comportamento concretamente imputado — a reunião
de 18/7/2022 e o conteúdo do discurso — não foi tamanha a ponto de justificar a medida
extrema da inelegibilidade", concluiu o magistrado.

Foi grave, sim Alejandro Zambrana/Secom/TSE

Votaram ainda nesta quinta os dois ministros da


classe jurista que compõem o tribunal. Floriano
de Azevedo Marques afastou a preliminar de
ampliação indevida da lide por entender que a
Aije é uma ação híbrida, composta de elemento
de inquérito, além de opor as partes. Assim, o
olhar para a produção probatória nos estritos
limites do processo civil é descabido.

E ele ainda acrescentou: "Os graves desafios à Julgamento será retomado nesta sexta-feira
ordem democrática que tiveram lugar antes e com voto da ministra Cármen Lúcia
depois do pleito, embora execráveis, não são
necessários para analisar a existência ou não do
abuso de poder político. E tampouco são úteis para caracterizar a gravidade ou não desses
fatos".

Seu voto sustentou que o evento não se inseriu nas atividades diplomáticas brasileiras e
que a organização não ficou a cargo dos órgãos competentes, nem foi feito no local
adequado — foi sediado na residência oficial da Presidência, o Palácio da Alvorada.
Além disso, o discurso de Bolsonaro visou a deslegitimar o sistema eleitoral,
desincentivar a participação do eleitor e, assim, obter benefícios.

"O investigado usou de suas competências de chefe de Estado para criar uma aparente
reunião com o objetivo de responder ao TSE e construir sua persona de candidato,
servindo-se dos meios e instrumentos para alcançar seu real destinatário: o eleitor já
cativado ou o eleitor ainda a conquistar", analisou ele.

O voto do ministro Andre Ramos Tavares seguiu a mesma linha ao apontar que
Bolsonaro criou um evento com mera roupagem diplomática para difundir conteúdo falso
e pernicioso com intenções eleitorais.

"É inviável à Justiça Eleitoral ignorar fatos notórios afim de converter a realidade
conhecida em uma versão forjada em fabricada em cima de omissões e desconhecimentos
desses fatos", disse ele ao criticar tentativas de isolar artificialmente as frases de
Bolsonaro, emitidas em um contexto maior de intenção eleitoral e ataques
antidemocráticos.

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