Você está na página 1de 2

Rachel Duarte

Na época da ditadura e no início da redemocratização, as eleições no Brasil foram


marcadas com o que se chamava de casuísmos eleitorais, ou seja, alterações na
legislação eleitoral, feitas em curto prazo, de pouca duração e restritas ao alcance
político. A cada eleição, o governo criava uma nova norma, com a intenção de
fragmentar ou abafar a oposição. Quase 50 anos depois do Golpe Militar, o Brasil
aguarda por uma reforma política profunda, sem ter atingido, pelo menos em termos
eleitorais, a total democracia.

Os especialistas, políticos e representantes do Judiciário brasileiro concordam que nas


eleições de 2010 não houve qualquer caso que pudesse ser configurado como um
casuísmo. O mais polêmico, e que causou divergência dentro do Supremo Tribunal
Federal, foi a votação sobre a alteração na lei 12.034 (aprovada no ano passado), que
obrigava o uso do título de eleitor acompanhado de um documento com foto na votação.
A exigência dos dois documentos foi alterada depois de

um extenso debate no STF, mas não foi considerado casuísmo na avaliação do


advogado do PT no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Pierpaolo Cruz Bottini. “Este
julgamento chegou a ser tachado como casuísmo, mas na minha análise não foi, porque
houve a constatação do próprio Tribunal de que não seria possível dar conta dos
recadastramentos em tempo. Por isso, o PT entrou com ação direta de
inconstitucionalidade e pediu anulação da regra.”

A ex-juíza do pleno do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, Lúcia


Kopittke, concorda que não chegou a ser um casuísmo a criação e alteração da lei dos
dois documentos, embora tenha sido “um episódio inócuo e desnecessário, que só
prejudica o processo eleitoral”. Com atuação de oito anos como juíza do TER-RS, Lúcia
alerta que o caso pode refletir no pleito de hoje, 3. “Algumas pessoas vão votar de
qualquer jeito, porque nem mesmo foram informadas sobre a necessidade de dois
documentos ou de apenas um. Para estas pessoas não influencia este tipo de debate.
Mas, para o mesário pode haver falta de esclarecimento”, afirma. Lucia explica que o
aspecto que poderia ser configurado um casuísmo foi a pressa na elaboração da lei no
ano passado.

Para o cientista político Tarso Ñunes, o caso se configurou como casuísmo, uma vez
que foi confirmada inclusive a ligação do candidato a presidente pelo PSDB, José Serra,
para o ministro do STF Gilmar Mendes. “A lei quando foi votada, no final do ano
passado, foi considerada inconstitucional. Então, agora, adotar esta medida de exigi-la,
como fez o Congresso Nacional, é um casuísmo. Essa exigência foi motivada pelo DEM
(chapa de Serra) para retirar os votos dos menos favorecidos”, justificou.

Os casuísmos na história das eleições do Brasil

Se nestas eleições não houve casuísmo, ao longo da história eles marcaram a caminhada
do Brasil para a democracia. No período do regime de exceção (64 a 85), os políticos de
oposição clamavam contra os casuísmos que asseguravam aos militares uma maioria
para aprovar o que quisessem. O primeiro casuísmo – o AI 2 – veio em 65, extinguiu o
pluripartidarismo surgido com a queda de Getúlio Vargas depois do término da II
Guerra Mundial na década de 40 e criou o bipartidarismo com a Arena, legenda do
governo, e com o MDB, da oposição.

O cientista político Benedito Tadeu Cesar destaca a Lei Falcão, criada em 1978, como
um dos casos mais marcantes de casuísmo eleitoral. A norma surgiu para evitar o
crescimento do MDB, que já vinha crescendo desde 1974 com o surgimento do horário
eleitoral gratuito. “A Arena se sentiu ameaçada de perder a maioria no Congresso e
restringiu a propaganda para que fosse com fundo neutro, sem muitos recursos. E isso
atingia diretamente o MDB que desenvolveu coisas inéditas na época, como o uso de
gráficos e outras inovações na propaganda na televisão”, explica.

Tadeu Cesar lembra também da reforma eleitoral em 1980, que também foi um
casuísmo. Na época, a eleição seria de voto duplo para o cargo de senador e, com a
reforma proposta pelo chefe da Casa Civil do presidente João Figueiredo, passou a
existir o senador biônico. “O senador biônico era indicado pelo governo. Um deles é
Octávio Cardoso, marido da jornalista que hoje disputa uma vaga no Senado, Ana
Amélia Lemos”, fala.

Com a reforma eleitoral de 1980, o cientista político recorda que surgiram novos
partidos, além da Arena, transformada em PDS, e do MDB, em PMDB: PDT, PP, PT e
PTB. “Só que também foi um casuísmo, porque tinha uma regra que proibia ligações
internacionais nos partidos, o que impossibilitava a fundação dos partidos comunistas e
também obrigava os partidos a terem o nome de partido na sigla, o que era bom para a
Arena”, conta.

Outro casuísmo que marcou o processo eleitoral no Brasil, segundo Tadeu Cesar, foi
quando, em 1982, houve nova alteração da lei eleitoral, obrigando a vinculação total dos
cargos. “O pacote de novembro exigia voto na chapa completa dos partidos. Isso era
para o PDS (ex-Arena), que herdou toda a estrutura partidária da Arena e estava
estruturado em todos os diretórios municipais. O voto municipal puxaria o voto
nacional”, explica.

1982: a volta das diretas para governador

No Rio Grande do Sul, as alterações eleitorais – o voto vinculado e a proibição de


coligações – foram sentidas em 1982, no retorno do pleito direito para o titular do
executivo estadual. Os casuísmos deram vitória ao candidato do PDS, Jair Soares. A
oposição apresentou mais de um candidato para disputar a eleição, o que acabou
dividindo seus votos. Dessa forma, o Rio Grande do Sul foi governado por políticos que
faziam parte da base de sustentação do regime militar por mais quatro anos. Essa
hegemonia da Arena e, posteriormente, do PDS perdurou até 1986, quando Pedro
Simon, candidato do PMDB ao governo do Estado, venceu as eleições.

Um dos derrotados nesta época, Olívio Dutra, que se tornou governador mais tarde
(1999-2003), preferiu não falar daquilo que já passou, mas criticou a atuação do poder
Judiciário brasileiro nos últimos tempos. “Por trás está sempre o conflito de interesses
entre os que defendem os interesses populares e os que defendem um projeto de
minoria”, alega. Segundo ele, este setor (Judiciário) tem apoio social e sustentação
econômica forte de poderosos grupos econômicos, apesar de aparecem como defensores
dos interesses coletivos.

Você também pode gostar