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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIEURO

PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
CURSO DE DIREITO

THALITA MAMEDE

A DISSEMINAÇÃO DAS FAKE NEWS E O PROCESSO ELEITORAL NO BRASIL

Espalhar notícias falsas não se constitui em um fenômeno propriamente dos nossos


dias. Todavia, uma conjugação de elementos da contemporaneidade, entre eles o
desenvolvimento tecnológico e dos meios de comunicação, são preponderantes para o
crescimento e a velocidade de disseminação dessas notícias. Trata-se, portanto, de um
fenômeno preocupante para a sociedade, visto que as denominadas fake news são potenciais
causadoras de diversos prejuízos, seja para as pessoas em particular como também para a
coletividade.
Nessa conjuntura, sobressaem-se os episódios sabidamente inverídicos difundidos no
decorrer das campanhas eleitorais, pois são épocas normalmente marcadas pelo acirramento
de ideologias, conflitos exacerbados e acentuada polarização política, tornando-se um campo
fértil para o crescimento de fatos falsos. As últimas eleições majoritárias ocorridas no Brasil
no ano de 2018 foram afetadas fortemente pelo abundante derramamento de informações
mentirosas. Portanto, a abordagem do assunto ganha justificativa por sua atualidade,
controvérsia e grande relevância.

PRINCÍPIOS QUE REGEM A PROPAGANDA ELEITORAL

De acordo com Francisco Emerenciano (2011, p. 108) “o art. 36, caput, da Lei nº
9.504/97, determina o dia posterior ao registro como prazo para que os candidatos, partidos e
coligações, iniciem a propaganda eleitoral”.
O autor completa que o propósito da propaganda eleitoral está na divulgação do nome
dos candidatos aos cargos públicos pleiteados, levando os eleitores a optarem por nomes de
sua preferência. Ela acontece somente no decorrer do período eleitoral, configurando ilícito se
for feita fora dele.
Gomes (2018, p. 416) esclarece que diferentes princípios regem a propaganda
eleitoral, entre eles:
- o princípio da legalidade: ao qual ela está subordinada, ou seja, deve seguir fielmente o que
a lei estabelece, inclusive as decisões da Justiça Eleitoral;
- o princípio da liberdade ou da disponibilidade: que se pode optar por qualquer espécie de
propaganda eleitoral dentre as opções lícitas;
- o princípio da responsabilidade: determina uma atuação responsável, de maneira que
qualquer ilícito perpetrado no decorrer da propaganda eleitoral poderá trazer
responsabilização direta dos partidos, dos candidatos ou até de terceiros. Podendo, caso não
seja respeitada a responsabilidade, gerar punições, como multas, anulação do registro, perda
do cargo, inelegibilidade, ou ação criminal;
- o princípio da igualdade: as regras valem para todos, ou seja, não é permitido o
favorecimento de nenhum candidato em se tratando de propaganda eleitoral gratuita;
- o princípio do controle judicial da propaganda: a propaganda eleitoral será controlada pelo
Poder Judiciário, que poderá agir de ofício ou por provocação.

CONCEITO DE FAKE NEWS


No entendimento de Braga (2018, p. 205), o termo fake news pode ser conceituado
como “a divulgação, através de qualquer meio de comunicação, de notícias sabidamente
inverídicas com o objetivo de chamar a atenção para desinformar ou conseguir algum tipo de
benefício político ou econômico”.
Explica o autor que Sabidamente Inverídico constitui-se em um episódio claramente
mentiroso, desprovido de contestações sobre sua não autenticidade. Dessa forma, averiguar
esse fenômeno não é empreitada das mais fáceis, mesmo não sendo uma novidade até mesmo
no que diz respeito aos processos eleitorais.
As mensagens caracterizadas como sabidamente inverídica são aquelas cujo conteúdo
carrega inverdade flagrante que não possibilite controvérsias. Gomes (2018, p. 411),
analisando a questão pelo contexto eleitoral, explica que entre os princípios reguladores da
propaganda merecem destaque os da informação e veracidade. Assim, a informação insere-se
como direito dos eleitores ao seu acesso para poder dar seu voto consciente e responsável. Em
relação à veracidade, os fatos e informações difundidos devem mostrar paridade com a
verdade de fato ou histórica.
Partindo para o campo do Direito, Rais (2018) comenta que, no seu entender, seria
mais apropriado traduzir fake news para “notícia fraudulenta” e não “notícia falsa”, Pois, a
mentira se enquadra melhor na Ética do que no Direito, colocando fraude como o adjetivo
mais aproximado do corte jurídico da desinformação. Portanto, poderiam ser descartados três
fatores importantes no tratamento jurídico das fake news: a falsidade, o dolo e o dano.

RELAÇÃO ENTRE LIBERDADE DE EXPRESSÃO E FAKE NEWS


A liberdade de expressão insere-se como um dos pilares da democracia e diz respeito
ao direito de manifestação de ideias e informações de qualquer espécie abrangendo conteúdo
intelectual, artístico, científico e de comunicação de quaisquer ideias ou valores (RAMOS,
2012, p. 16).
A Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, Incisos IV-VI-IX-XIV, consagra o
direito a liberdade de expressão em todas as suas formas e engloba tanto o direito de informar
e de ser informado. A Carta Magna reforça no art. 220, que veda-se qualquer restrição à
liberdade de manifestação do pensamento, criação, expressão e informação, admitidas sob
qualquer forma e veículo.
Seguindo o mesmo pensamento, o Supremo Tribunal Federal ao julgar a ADPF 130/09
(BRASIL, 2009) excluiu do ordenamento jurídico brasileiro qualquer tentativa de censura aos
meios de comunicação social, por entender que a Lei 5.250/1967 ia totalmente de encontro a
CF/88 no tocante a liberdade de expressão. Assim, tornaram-se inconstitucionais todos os
dispositivos da citada lei, até mesmo aqueles considerados precursores jurídicos do combate à
propagação de notícias falsas, as atuais fake news.
Entende a Suprema Corte que, considerando a estreita relação jornalista/público, não
compete ao Estado à definição prévia daquilo que deve ser informado por jornalistas aos
indivíduos, visto que “não é pelo temor do abuso que se vai coibir o uso” (BRASIL, 2009, p.
9).
Mesmo levando em conta o entendimento do STF, não se pode desconsiderar que
existem situações conflitantes com os preceitos constitucionais, em específico o fenômeno das
fake news, que desperta visões contrárias no âmbito jurídico no que se refere aos instrumentos
de combate.
Amparados nessa ótica, estudiosos sugerem a limitação da liberdade de expressão
mediante ações jurídicas de enfrentamento e punição de fatos inverídicos. Essas iniciativas
têm como fundamento a suposição de que as inverdades não trazem qualquer contribuição
para formar uma opinião apoiada do cidadão, nem em promover uma discussão pública
qualificada (GROSS, 2018, p. 162).
Todavia, o autor alega ser possível aceitar tal visão também na defesa da ampla
liberdade de expressão inclusive quando repleta de falsidades, pois no seu entender, também a
falsidade teria importância na formação da convicção total e autêntica da verdade e que a
impossibilidade da determinação com exatidão da veracidade acaba por generalizar a análise
dos conteúdos, incorrendo, muitas vezes, na não apreciação daqueles verdadeiros e
fundamentais ao debate.

TRATAMENTO DAS FAKE NEWS NA SEARA ELEITORAL

O Direito Brasileiro não possui norma específica sobre fake news. Portanto, para
tratar do assunto, torna-se necessário estabelecer um paralelo com o existente mais
aproximado sobre o fenômeno no ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo no campo do
Direito Eleitoral.
No decorrer da propaganda eleitoral podem surgir exageros, publicação de
informações falsas, ofensas, difamação ou inclusive calúnia. Por isso, a legislação eleitoral
previu o direito de resposta, já consagrado pela Constituição Brasileira em seu art. 5º, inciso
V, que consiste em uma ação eleitoral para reparar o dano causado ao ofendido (CASTRO,
2018, p. 341).
Em relação à propaganda eleitoral, existe ainda a figura da “propaganda não tolerada”
prevista pelo Código Eleitoral nos Arts. 242 e 243, que decreta: “não se admite propaganda
eleitoral que utilize meios publicitários com o fim de criar artificialmente, na opinião pública,
estados mentais, emocionais ou passionais”. Tal figura parece se adaptar ao contexto das fake
news, porém, não se vê na lei sanção eleitoral sobre esta conduta, já que há outros meios de
propaganda não tolerados pelo Código Eleitoral. (CASTRO, 2018, p. 345).
A não especificação como também a desatualização de certos dispositivos legais,
como o art. 242, empregados no combate à propagação de notícias falsas, coloca-se como
uma das razões que podem esclarecer a inclinação do setor jurídico no sentido de equacionar
o problema e evitar o que aconteceu no pleito de 2018, quando a corrida presidencial foi
marcada pelas fake news.
Em meio a boatos, ofensas pessoais e denúncias de fraude no processo eleitoral, todos
foram afetados impactando nas campanhas. Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL)
apelaram à justiça queixando-se de variadas fake news. O PT, ainda no primeiro turno, entrou
na Justiça solicitando a remoção de supostas fake News, não ganhou todas. Entretanto, uma
reportagem publicada pela Folha de São Paulo, que denunciava que empresas pagariam
campanha contra o PT pelo WhatsApp, acirrou ainda mais os ânimos. O candidato Haddad
recorreu à Justiça, e o candidato Bolsonaro foi cobrado a se explicar e afirmou saber da
irregularidade, porém não tinha como controlar seus apoiadores.
Pelas razões expostas, os debates acerca do problema precisam ser feitos de imediato,
no intuito de impedir que o sentimento de urgência ultrapasse o necessário e interrompa
direitos e garantias estabelecidas constitucionalmente.

REFERÊNCIAS
BRAGA, Renê Morais da Costa. A indústria das fake news e o discurso de ódio. In:
PEREIRA, Rodolfo Viana (Org.). Direitos políticos, liberdade de expressão e discurso de
ódio. Belo Horizonte: IDDE, 2018. p. 203-220.
BRASIL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL - Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico,
1988. 292 p. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
BRASIL. Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967. Regula a liberdade de manifestação do
pensamento e de informação. Brasília, DF: Presidência da República, 1967. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5250.htm. Acesso em: 20 nov. 2019.
BRASIL. Lei das Eleições – Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9504.htm. Acesso em 18 nov. 2019.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (plenário). Arguição de descumprimento de preceito
fundamental 130/09. Lei de Imprensa. Adequação da Ação. Regime Constitucional da
“Liberdade de Informação Jornalística. [...]. Relator: Ayres Britto, 30 abr. 2009. Diário de
Justiça Eletrônico, Brasília, DF, n. 208, 06 nov. 2009. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=605411. Acesso em 20
nov. 2019.
CASTRO, Edson de Resende. Direito Eleitoral. 9. ed. Belo Horizonte: Del Rey Editora,
2018.
EMERENCIANO, F. Direito Eleitoral Brasileiro – Teoria e Prática. São Paulo: Conceito
Editorial, 2011.
GOMES, Jairo José. Direito Eleitoral. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2018.
GROSS, Clarissa Piterman. Fake news e democracia: discutindo o status normativo do
falso e a liberdade de expressão. In: RAIS, Diogo (Coord.). Fake news: a conexão entre a
desinformação e o direito. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. p. 153 -174
RAIS, Diogo. A melhor tradução para fake news não é notícia falsa, é notícia
fraudulenta. [Entrevista cedida a Pedro Canário]. Consultor Jurídico, São Paulo, ago. 2018.
Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-ago-12/entrevista-diogo-rais-professor-
direito-eleitoral. Acesso em 17 nov. 2019.
RAMOS, André de Carvalho. Liberdade de expressão e ideais antidemocráticos
veiculados por partidos políticos – tolerância com os intolerantes?.In: RAMOS, André de
Carvalho (Org.). Temas de Direito Eleitoral no século XXI. Brasília: Escola Superior do
Ministério público da União, 2012. p. 15-36.

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