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O papel da internet nas eleições de 2018

Introdução
O valor central a ser protegido pela legislação eleitoral brasileira[1] e, de forma geral, pela
legislação dos países democráticos, é a igualdade de condições na disputa eleitoral. Novas
formas de comunicação e influência, no âmbito digital, têm rapidamente modificado as frentes
em que a disputa eleitoral se desenrola, desafiando a manutenção dessa igualdade.

Há casos de destaque sobre formas possivelmente indevidas de influência em eleições que


trouxeram o tema para o centro do debate político internacional. Exemplos icônicos são o caso
de suspeita de intervenção estrangeira nas eleições presidenciais americanas de 2016[2] e a
possível influência da empresa Cambridge Analytica[3], assim como na campanha
do Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia).

Deve-se ter clareza de qual o conceito assumido pela expressão fake News, bem como trazer
segurança no uso de outros termos relacionados ao tema.

No contexto brasileiro, inovações na legislação[4] permitem que as redes sociais e a internet


sejam legalmente utilizadas pelas campanhas para promover candidaturas, por meio de
impulsionamento de conteúdo.

O contexto mundial, e mais especificamente o brasileiro, com a crescente importância do


ambiente digital nas disputas eleitorais, impõe que se estabeleça uma base de entendimento
sobre o tema. Quais são os conceitos? Os riscos? O que de fato a legislação impõe? Que
entendimento jurisprudencial é aplicável?

Além disso, há espaço significativo para debate sobre as indefinições e riscos associados às
mudanças legislativas e ao avanço tecnológico. Busca-se, aqui, trazer tantas respostas quanto
perguntas relevantes.

Fake news
O tão popularizado termo fake news tem como elemento central a desinformação[5]. Apesar
de, em primeira análise, aparentar se caracterizar pela difusão de notícia falsa, um olhar mais
aprofundado permite concluir que se trata de mais que isso.

Primeiramente, pode-se identificar que fake news são em geral apresentadas sob um formato
jornalístico – isto é, tomam forma de uma notícia jornalística. Como tal, buscam emular
credibilidade. Mas não há, no entanto, exclusividade de formato. Uma publicação no twitter,
um texto encaminhado pelo whatsapp, mesmo um post no facebook, podem conter conteúdo
que, fugindo do formato jornalístico, emulam credibilidade e buscam desinformar.

O tipo de conteúdo tende a ser de natureza sensacionalista, chocante, como uma verdade
escondida e até então não divulgada, ponto que tende a levar a uma difusão massificada e
eventual impacto mais significativo. O grau de novidade e as reações emocionais às notícias
levam a uma difusão mais rápida e mais ampla[6].

Especificamente quanto à veracidade do conteúdo, as fake news podem ou não ser falsas –
uma notícia verdadeira fora de seu contexto, ou uma notícia antiga já sem validade, por
exemplo, são formas de gerar desinformação sem o uso de informações estritamente falsas. O
exagero e a falta de contexto podem ser tão eficazes quanto um conteúdo integralmente
inventado.

A motivação para criação e difusão de fake news pode variar. Apesar do interesse principal da
difusão de fake news ser, aqui, aquele de natureza política, típico da disputa eleitoral, a
motivação econômica pode ser tão relevante quanto, mesmo no contexto político.

É ilustrativo, para melhor entendimento, que os múltiplos acessos à sites, independente do


conteúdo, podem gerar renda pela exposição de publicidade – uma difusão massificada que
direciona à site com conteúdo publicitário terá como consequência o enriquecimento do
proprietário do site. Assim, deve-se entender que pode ocorrer mais de um motivo,
simultaneamente ou não, para a difusão de fake news – o político, para promoção de
candidatura ou ideal político, e o econômico, apenas pelo acesso em si ao site que abriga o
conteúdo da notícia, independentemente do seu conteúdo.

Um exemplo incônico do uso de fake news pode ser observado nas eleições presidenciais
americanas de 2016. Elas foram responsáveis, em medida significativa, por alçar o termo fake
news à proeminência.

Nessas eleições, merece destaque a possível influência russa, inclusive com denúncia em
andamento frente agentes que, em tese, utilizaram, dentre outros métodos, o uso de fake
news para interferência[7].

Projetos de lei sobre fake news


Especificamente em relação às fake news, não há, hoje, legislação específica. Devido à
evidência do assunto, no entanto, são alguns os projetos de lei em tramitação no congresso.

O projeto de lei 473, do Senado, e os projetos 9554, 8592 e 6812 tipificam a divulgação de
informação falsa ou incompleta de diferentes formas. O que todos aparentam ter em comum é
o potencial de violar a liberdade de expressão.

Deve-se ter, dessa forma, cuidado na análise dos projetos propostos. Enquanto é reconhecida
a relevância do tema e o potencial para interferência no processo eleitoral, a eventual
criminalização da produção e difusão de fake news pode, com facilidade, converter-se em ato
eventualmente caracterizado como censura.

Primeiro que o termo fake news é bastante amplo, permitindo indevida abertura na
tipificação. Em segundo lugar, é comum a ausência de conhecimento a respeito do conteúdo
do que está sendo difundido – a difusão é realizada em parte relevante por indivíduos que não
necessariamente identificam o conteúdo pelo que verdadeiramente é. Questiona-se: esses
indivíduos serão responsabilizados?

Assim, enquanto o debate acerca do tema é muito bem-vindo, seja por parte do congresso, da
Justiça Eleitoral ou da imprensa, a criminalização é resposta que avança sobre território da
liberdade de imprensa, e acaba por ter o potencial de prejudicar mais do que solucionar.

A internet na Legislação Eleitoral Brasileira


A legislação eleitoral brasileira regula de forma bastante específica o período em que se pode
realizar propaganda eleitoral, quem pode financiar campanhas e em que termos, bem como
inova, a partir das eleições de 2018, ao permitir impulsionamento de conteúdo na internet.
A restrição de período com permissão de propaganda eleitoral, por si só, já representou, em
conjunto com a própria definição do que se enquadra como propaganda eleitoral, desafio
relevante. O ponto parece ser secundário, mas é de extrema importância, como se perceberá
adiante.

Como seria possível diferenciar de atividade política do que é especificamente de objetivo


eleitoral? Afinal, políticos que eventualmente se convertem em candidatos defendem,
diuturnamente, suas ideias e posicionamentos. Chegou-se, jurisprudencialmente, no
entendimento de que a propaganda eleitoral é marcada pelo pedido, implícito ou explícito, de
voto. [8]

A permissão de impulsionamento prevista no art. 57-C da Lei 9.504/1997 tem como marcas:

1. permissão de impulsionamento de propaganda política exclusivamente pelas


campanhas políticas;

2. permissão apenas de impulsionamento, não de propaganda;

3. impulsionamento apenas de conteúdo que promova um candidato, mas que não seja
crítico a outro.

Tal caracterização implica na necessidade de clareza do que vem a ser, primeiramente, o


próprio impulsionamento. Trata-se de palavra que é literalmente utilizada pela rede
social facebook, e caracteriza-se pela exposição amplificada de conteúdo já existente na rede
social. Ou seja, não se trata de criação de conteúdo propriamente dito a ser exposto de
forma exclusiva em espaço publicitário, mas sim da ampliação da exposição de conteúdo que
pode ser acessado normalmente, sem o impulsionamento. Dessa forma, pode-se identificar
um fator que diferencia de propaganda eleitoral online (esta terminantemente vedada): o
conteúdo deve estar disponível de forma independente do impulsionamento.

Considerando-se o primeiro ponto, pode-se entender que há vedação ao impulsionamento de


propaganda política por qualquer outro que não a própria campanha oficial do candidato,
dentro de condições específicas estabelecidas na legislação (como indicação da chapa, etc.).
Em conjunto com a permissão para que qualquer indivíduo impulsione conteúdo pessoal,
retorna-se a necessidade de distinção entre um conteúdo que possa ser impulsionado por
qualquer um e o conteúdo vedado, ou seja, uma clareza do que vem a ser caracterizado como
propaganda eleitoral. Continua válida a definição por meio do entendimento jurisprudencial,
de pedido de voto? Como será realizado o controle, considerando-se a possibilidade de que
tais impulsionamentos, quando vindo de indivíduos dispersos, pode ser pulverizada?

Possíveis respostas vão na linha de assumir que haverá continuidade no entendimento do que
é propaganda eleitoral – apenas pedidos implícitos ou explícitos de voto. De forma
semelhante, pode-se assumir que os mecanismos de controle se manterão essencialmente os
mesmos – o controle cruzado realizado pelas próprias campanhas, que identificando
propaganda indevida acionam a Justiça Eleitoral.

Há questionamento relevante[9] a respeito do efetivo controle, em especial sob o âmbito do


financiamento da campanha. A ausência de transparência implicaria na impossibilidade de
efetivo levantamento de valores utilizados na campanha, resultando em verdadeiro caixa
dois de campanhas na internet.
O segundo ponto está intimamente relacionado ao que se entende por impulsionamento. A
legislação claramente veda[10] “qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet”,
excetuando conteúdo impulsionado. É válido apontar que o termo “impulsionamento” é
extraído de produto da rede social Facebook, de onde surge a questão de sua aplicação para
outras empresas. Nesse sentido, a regulamentação da lei traz definição[11] que abarca outros
produtos, desde que potencializem o acesso ao conteúdo impulsionado. Considerando que a
Resolução 23.551/2017 foi elaborada pelo próprio Tribunal Superior Eleitoral, é de se esperar
que os julgamentos tenham aderência ao que se coloca na própria resolução, ou seja, que:

Art. 32. Para o fim desta resolução, considera-se:

(…)

XIII – impulsionamento de conteúdo: o mecanismo ou serviço que, mediante contratação com


os provedores de aplicação de internet, potencializem o alcance e a divulgação da informação
para atingir usuários que, normalmente, não teriam acesso ao seu conteúdo;

Pela definição, espera-se que sejam enquadrados anúncios no Youtube e conteúdo


patrocinado em pesquisas do Google, dentre outros. Resta esperar qual será a efetiva
recepção dos tribunais frente a casos concretos de produtos de empresas de tecnologia onde
não fique clara a distinção entre impulsionamento e propaganda paga.

O terceiro ponto na caracterização do art. 57-C da Lei 9.504/1997 diz respeito ao tipo de
conteúdo, especificamente a uma vedação de conteúdo crítico. O artigo traz, em seu parágrafo
terceiro, que o impulsionamento deve ser realizado “apenas com o fim de promover ou
beneficiar candidatos ou suas agremiações”.

Trata-se de expressão que claramente pode ser prejudicial ao debate político, a depender da
extensão interpretativa dada ao texto legal – se for o caso de vedar qualquer conteúdo com
análise negativa de concorrentes, ou impedir comparações em que determinado candidato
resulte em posição relativamente inferior, há efetivo impedimento de ferramenta legítima
para campanhas eleitorais.

Assim, a lei eleitoral e sua regulação, pelo TSE, determinam um conjunto de regras[12], em
especial de transparência, a serem observadas na realização de impulsionamento de
propaganda eleitoral.

Primeiramente, o conteúdo impulsionado deve ter como fim exclusivo “de promover ou
beneficiar candidatos ou suas agremiações”. Deve, ainda, ser inequivocamente identificado
como tal, sendo obrigatório constar CNPJ ou CPF do responsável pela propaganda, bem como
a expressão “Propaganda Eleitoral”.

Outra exigência é que seja contratado exclusivamente por “por partidos políticos, coligações e
candidatos e seus representantes”, sendo “representantes” expressão restrita ao
administrador financeiro da campanha.

Cambridge Analytica
O caso da Cambridge Analytica está relacionado a questão do impulsionamento uma vez que a
forma de operar estava intimamente conectada aos mecanismos de direcionamento existentes
em redes sociais, mais especificamente as do facebook.
O caso traz à tona a questão do uso de dados pessoais, coletados em redes sociais, para
estabelecer correlação entre determinados perfis e meios efetivos de convencimento – mais
do que detalhar os perfis e estabelecer estratégias individualizadas, as informações permitiram
o desenho de conteúdo cujo impacto se mostrasse efetivo.

Trata-se, essencialmente, do uso de técnica de micro-targeting, em que os eleitores foram


expostos a mensagens especificamente elaboradas para maior efetividade.[13]

Brevemente, o caso: foram contratados, pela empresa Cambridge Analytica em favor da


campanha presidencial do Partido Republicano, mais de 10.000 anúncios durante as eleições
americanas de 2016. O algoritmo para direcionamento desses anúncios utilizou os dados de
perfis do Facebook de mais de 87 milhões de pessoas.[14]

O posicionamento das empresas de tecnologia


Apesar do Facebook[15], Google e outras redes sociais não se verem na posição de avaliadores
do conteúdo disponibilizado em suas plataformas, considerando-se ainda a natureza dos seus
modelos de negócios, são crescentes as iniciativas [16]tanto no sentido de avaliar quanto de
coibir práticas que podem ser eventualmente enquadradas como abusivas.

A postura padrão é a de que o responsável pelo conteúdo é aquele que o disponibiliza, ou seja,
o usuário.

Há, no entanto, uma mudança em curso. Os diferentes casos emblemáticos de manipulação,


seja o da Cambridge Analytica ou o de potencial intervenção nas eleições dos Estados Unidos,
trouxeram o questionamento sobre outras formas de atuação dessas plataformas. A exemplo
disso, está sendo lançada em maio de 2018 iniciativa do Facebook[17] para checagem de fake
news. Trata-se de parceria com Aos Fatos e Agência Lupa para verificação de conteúdo
denunciado na rede.

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