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Introdução
O valor central a ser protegido pela legislação eleitoral brasileira[1] e, de forma geral, pela
legislação dos países democráticos, é a igualdade de condições na disputa eleitoral. Novas
formas de comunicação e influência, no âmbito digital, têm rapidamente modificado as frentes
em que a disputa eleitoral se desenrola, desafiando a manutenção dessa igualdade.
Deve-se ter clareza de qual o conceito assumido pela expressão fake News, bem como trazer
segurança no uso de outros termos relacionados ao tema.
Além disso, há espaço significativo para debate sobre as indefinições e riscos associados às
mudanças legislativas e ao avanço tecnológico. Busca-se, aqui, trazer tantas respostas quanto
perguntas relevantes.
Fake news
O tão popularizado termo fake news tem como elemento central a desinformação[5]. Apesar
de, em primeira análise, aparentar se caracterizar pela difusão de notícia falsa, um olhar mais
aprofundado permite concluir que se trata de mais que isso.
Primeiramente, pode-se identificar que fake news são em geral apresentadas sob um formato
jornalístico – isto é, tomam forma de uma notícia jornalística. Como tal, buscam emular
credibilidade. Mas não há, no entanto, exclusividade de formato. Uma publicação no twitter,
um texto encaminhado pelo whatsapp, mesmo um post no facebook, podem conter conteúdo
que, fugindo do formato jornalístico, emulam credibilidade e buscam desinformar.
O tipo de conteúdo tende a ser de natureza sensacionalista, chocante, como uma verdade
escondida e até então não divulgada, ponto que tende a levar a uma difusão massificada e
eventual impacto mais significativo. O grau de novidade e as reações emocionais às notícias
levam a uma difusão mais rápida e mais ampla[6].
Especificamente quanto à veracidade do conteúdo, as fake news podem ou não ser falsas –
uma notícia verdadeira fora de seu contexto, ou uma notícia antiga já sem validade, por
exemplo, são formas de gerar desinformação sem o uso de informações estritamente falsas. O
exagero e a falta de contexto podem ser tão eficazes quanto um conteúdo integralmente
inventado.
A motivação para criação e difusão de fake news pode variar. Apesar do interesse principal da
difusão de fake news ser, aqui, aquele de natureza política, típico da disputa eleitoral, a
motivação econômica pode ser tão relevante quanto, mesmo no contexto político.
Um exemplo incônico do uso de fake news pode ser observado nas eleições presidenciais
americanas de 2016. Elas foram responsáveis, em medida significativa, por alçar o termo fake
news à proeminência.
Nessas eleições, merece destaque a possível influência russa, inclusive com denúncia em
andamento frente agentes que, em tese, utilizaram, dentre outros métodos, o uso de fake
news para interferência[7].
O projeto de lei 473, do Senado, e os projetos 9554, 8592 e 6812 tipificam a divulgação de
informação falsa ou incompleta de diferentes formas. O que todos aparentam ter em comum é
o potencial de violar a liberdade de expressão.
Deve-se ter, dessa forma, cuidado na análise dos projetos propostos. Enquanto é reconhecida
a relevância do tema e o potencial para interferência no processo eleitoral, a eventual
criminalização da produção e difusão de fake news pode, com facilidade, converter-se em ato
eventualmente caracterizado como censura.
Primeiro que o termo fake news é bastante amplo, permitindo indevida abertura na
tipificação. Em segundo lugar, é comum a ausência de conhecimento a respeito do conteúdo
do que está sendo difundido – a difusão é realizada em parte relevante por indivíduos que não
necessariamente identificam o conteúdo pelo que verdadeiramente é. Questiona-se: esses
indivíduos serão responsabilizados?
Assim, enquanto o debate acerca do tema é muito bem-vindo, seja por parte do congresso, da
Justiça Eleitoral ou da imprensa, a criminalização é resposta que avança sobre território da
liberdade de imprensa, e acaba por ter o potencial de prejudicar mais do que solucionar.
A permissão de impulsionamento prevista no art. 57-C da Lei 9.504/1997 tem como marcas:
3. impulsionamento apenas de conteúdo que promova um candidato, mas que não seja
crítico a outro.
Possíveis respostas vão na linha de assumir que haverá continuidade no entendimento do que
é propaganda eleitoral – apenas pedidos implícitos ou explícitos de voto. De forma
semelhante, pode-se assumir que os mecanismos de controle se manterão essencialmente os
mesmos – o controle cruzado realizado pelas próprias campanhas, que identificando
propaganda indevida acionam a Justiça Eleitoral.
(…)
O terceiro ponto na caracterização do art. 57-C da Lei 9.504/1997 diz respeito ao tipo de
conteúdo, especificamente a uma vedação de conteúdo crítico. O artigo traz, em seu parágrafo
terceiro, que o impulsionamento deve ser realizado “apenas com o fim de promover ou
beneficiar candidatos ou suas agremiações”.
Trata-se de expressão que claramente pode ser prejudicial ao debate político, a depender da
extensão interpretativa dada ao texto legal – se for o caso de vedar qualquer conteúdo com
análise negativa de concorrentes, ou impedir comparações em que determinado candidato
resulte em posição relativamente inferior, há efetivo impedimento de ferramenta legítima
para campanhas eleitorais.
Assim, a lei eleitoral e sua regulação, pelo TSE, determinam um conjunto de regras[12], em
especial de transparência, a serem observadas na realização de impulsionamento de
propaganda eleitoral.
Primeiramente, o conteúdo impulsionado deve ter como fim exclusivo “de promover ou
beneficiar candidatos ou suas agremiações”. Deve, ainda, ser inequivocamente identificado
como tal, sendo obrigatório constar CNPJ ou CPF do responsável pela propaganda, bem como
a expressão “Propaganda Eleitoral”.
Outra exigência é que seja contratado exclusivamente por “por partidos políticos, coligações e
candidatos e seus representantes”, sendo “representantes” expressão restrita ao
administrador financeiro da campanha.
Cambridge Analytica
O caso da Cambridge Analytica está relacionado a questão do impulsionamento uma vez que a
forma de operar estava intimamente conectada aos mecanismos de direcionamento existentes
em redes sociais, mais especificamente as do facebook.
O caso traz à tona a questão do uso de dados pessoais, coletados em redes sociais, para
estabelecer correlação entre determinados perfis e meios efetivos de convencimento – mais
do que detalhar os perfis e estabelecer estratégias individualizadas, as informações permitiram
o desenho de conteúdo cujo impacto se mostrasse efetivo.
A postura padrão é a de que o responsável pelo conteúdo é aquele que o disponibiliza, ou seja,
o usuário.