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Em muitos casos, nota-se que uma Fake News adota técnicas de propaganda
largamente conhecidas, com o fito claramente manipulatório, amalgamadas ao
formato jornalístico para transmitir verossimilhança e credibilidade. Tal construção se
aproveita do contexto favorável de propagação propiciado pelas multiplataformas
midiáticas assumidas como instrumentos por atuantes convictos do valor de tais
informações.
Consideramos mais prática a definição de “desinformação” de Wardle e
Derakshan (2017): “quando falsa informação (como tal) reconhecida é
compartilhada com o objetivo de causar dano”. Eles contrastam com
misinformation (“quando falsa informação é compartilhada, mas nenhum
dano é intencional”) e malinformation (quando informação genuína é
compartilhada para causar dano, frequentemente ao repassar informação de
caráter privado para circular na esfera pública). ( ONG; CABAÑES, 2019)
1 Astroturfing...
2 Firehosing...
3 Doxxing...
Recepção e títeres: quem manipula quem?
Via de regra, um viés recorrente nas análises da temática das Fake News é o
apagamento do papel da recepção na consolidação dos fluxos comunicativos baseados
em materiais de desinformação. Há uma ênfase na capacidade das estratégias dos
emissores dos conteúdos falsos, em detrimento das formas de apropriação que o
público receptor é capaz de fazer de tais informações. Ao dar tal ênfase, admite-se que
todos os receptores agirão da mesma maneira ao receber conteúdo, o que ignora todo
o sistema que contempla a perfeita recepção, mas também a concordância com o
conteúdo, a disposição prévia em interpretá-lo, o papel dos mediadores de informação
na sociedade e o quadro de referência com que os públicos formam os seus juízos
sobre o mundo da vida.
A esse respeito, vale resgatar as teorias do reforço e da dissonância cognitivos
(FESTINGER, ANO). Partindo dessa concepção, é válido afirmar que as pessoas são
capazes de estabelecer instâncias complexas de adesão ou rejeição às ideias que lhes
chegam, por uma via de exposição, confirmação ou rejeição, assimilação crítica
gradual, verificação com lideranças de opinião próximas, consolidação de perspectivas
em médio e longo prazos.
Nessas instâncias, tanto os conteúdos dos meios de comunicação quanto
aqueles que provêm de outros canais do meio social – a fofoca e o Whatsapp, entre
outros, cabem nesta noção, por exemplo – afirma-se que o público emprega as
mensagens que lhes chegam de forma interessada, aderindo ou refutando aquilo que
cabe nos seus próprios sistemas-mundo.
O sistema-mundo pode ser explicado a partir de quadros de referência que
servem como clichês para interpretar os fatos cotidianos, especialmente os que
exigem alta especialização, em busca de simplificar a sua intepretação. Essas molduras
são os quadros de referência adotados para processar um conteúdo novo a partir de
outros conteúdos anteriormente vividos ou dados a interpretar, simplificando o
processo. A esse respeito, o fato presente é assimilado com os aprendizados passados,
o que vai ser explicado, por exemplo, nos termos das neurociências (GOFFMAN apud
CASTELLS, 2015, p.196):
O enquadramento (framing) resulta do conjunto de correspondências
entre papeis organizados em narrativas, narrativas estruturadas em
molduras, molduras simples combinadas em narrativas complexas,
campos semânticos (palavras relacionadas) na linguagem conectados a
molduras conceituais, e o mapeamento de molduras no cérebro pela
ação de redes neurais construídas com base na experiência
(evolucionária e pessoal, passada e presente). (...) A maior parte da
comunicação é construída em torno de metáforas porque essa é a
forma de acessar o cérebro: ao ativar as redes cerebrais apropriadas
que serão estimuladas no processo de comunicação.
O efeito das Fake News nas eleições de 2018 se tornaram o caso mais
conhecido em solo nacional quanto ao poder da desinformação e muitas análises
foram – e ainda são – construídas para explicar a sua emergência e consolidação como
prática informativa maliciosa. Por outro lado, pouca atenção se dedica a outras frentes
do uso de conteúdo desinformativo nos demais espaços dos assuntos cívicos, da
publicidade comercial e até mesmo das trocas sociais cotidianas.
A ver:
- O princípio da propagabilidade como uma variável influenciadora da credibilidade; a
distribuição por meio de pessoas ‘confiáveis’
Comentários do grupo:
CASTELLS, Manuel. O Poder da Comunicação. Rio de Janeiro | São Paulo: Paz e Terra, 2015.
DURANDIN, Guy. As mentiras na propaganda e na publicidade. São Paulo: JSN Editora, 1997.
FESTINGER, Leon. Teoria da dissonância cognitiva. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
GOMES, Neusa D. Publicidade ou propaganda? É isso aí! Revista FAMECOS: Porto Alegre, nº
16, dezembro 2001.
MELLO, Patrícia Campos. A máquina de ódio: notas de uma repórter sobre Fake News e
violência digital. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.
NICOLAU, Jairo. O Brasil dobrou à direita: uma radiografia da eleição de Bolsonaro em 2018.
Rio de Janeiro: Zahar, 2020.
ONG, Jonathan; CABAÑES, Jason Vincent. Architects of networked disinformation: behind the
scenes of troll accounts and fake news production in the Phillipines. Public Report. University of
Massachusetts; University of Leeds, 2019.
PASTORE, Giovanni G. de S. A web como ambiente de publicidade e de guerra: publicidade
contraintuitiva, desinformação e debate político. Trabalho de Conclusão de Curso. Niterói:
Universidade Federal Fluminense, 2019. Disponível em
UOL – Congresso em foco. Disponível em: <https://congressoemfoco.uol.com.br/eleicoes/das-
123-fake-news-encontradaspor-agencias-de-checagem-104-beneciaram-bolsonaro/>
Kuehn, Kathleen M.; Salter, Leon A. 2020. “Assessing Digital Threats to Democracy, and
Workable Solutions: A Review of the Recent Literature”. International Journal of
Communication 14(2020), 2589–2610
Laterza, Vito. 2021. “Could Cambridge Analytica have delivered Donald Trump’s 2016
presidential victory? an Anthropologist’s look at Big Data and political campaigning”. Public
Anthropologist 3 (2021) 119-147
McNeil-Willson, Richard; Gerrand; Vivian; Scrinzi, Francesca; Triandafyllidou, Anna. 2019.
“Polarisation, violent extremism and resilience in Europe today: an analytical framework”.
Concept Paper Brave Project. 2019.