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“A batalha contra o lawfare deve ser intensificada para combater a narrativa mentirosa de que Lula
é culpado, ainda que absolvido em 17 processos judiciais. O objetivo de promover sua morte
política, portanto, continua sendo buscado”, escreve a jurista Larissa Ramina
Está em curso uma guerra contra o Brasil. Uma guerra não militar, por isso chamada de guerra não
convencional, guerra irregular, assimétrica ou híbrida. Embora não faça uso de armas e
equipamentos militares, é uma guerra, e como tal, provoca danos de dimensões equivalentes ou
ainda maiores do que a guerra convencional. A guerra híbrida compreende várias estratégias de
combate, sendo uma delas a guerra jurídica ou o chamado lawfare.
Num contexto internacional em que golpes de Estado militares passam a ser inaceitáveis, tornando
a guerra híbrida uma opção viável, a disputa política pode ser transferida para o plano judicial que
desfruta, aprioristicamente, de legitimidade indiscutível. Por isso, ao treinamento de militares
latino-americanos na antiga Escola das Américas soma-se o treinamento de operadores jurídicos
em escolas judiciais e programas de capacitação jurídica, com objetivos de perseguir governos que
resistem às ofensivas neoliberais estadunidenses, de forma aparentemente democrática, pois
utilizando-se perversamente da legitimidade do direito, dos órgãos jurisdicionais e de seus
operadores. Nesse sentido, ganharam protagonismo as International Law Enforcement Academies –
ILEAs (Academias Internacionais de Aplicação da Lei), que foram estabelecidas em 1995 pelo então
Presidente Bill Clinton para, oficialmente, combaterem a criminalidade internacional.
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06/10/2022 15:08 O fardo de todos os democratas: intensificar a frente de batalha contra o lawfare praticado pela mídia | Grupo Prerrogativas
Não por acaso, as ILEAs são controladas politicamente, recebem financiamento de agências dos
EUA como a USAid e operam mediante instruções do Department of Justice. Isso explica o porquê,
na América Latina como um todo, substituem-se sistemas penais mais inquisitivos por sistemas
penais acusatórios similares ao modelo estadunidense, atribuindo maior empoderamento aos
órgãos do Ministério Público.
O termo lawfare é uma contração das palavras em inglês law, que significa Direito, e warfare, que
significa guerra. Portanto, lawfare significa literalmente guerra jurídica. Compreender o lawfare,
todavia, exige um exercício intelectual de grande envergadura, por se tratar de um conceito ainda
em construção e em disputa. Apesar das expressões lawfare e guerra jurídica estarem amplamente
consolidadas, a ressalva que deve ser feita é de que ambas realçam o plano judicial do fenômeno
quando, na verdade, essa guerra é conduzida com a mesma intensidade no âmbito midiático. Sem
a articulação com a mídia, seguramente a batalha no terreno jurídico não alcançaria o mesmo
resultado, razão pela qual entendemos que a expressão que melhor descreve a estratégia seria
“guerra jurídico-midiática”. Isso quer dizer que o lawfare não é simplesmente uma ofensiva levada
a cabo pelas vias judiciais, mas uma ofensiva levada a cabo pelas vias judiciais apoiada
fortemente por uma mídia comprometida com os objetivos políticos, econômicos e geopolíticos
perseguidos. Eugénio Zaffaroni deixa clara a importância da dimensão midiática ao constatar que a
mídia hegemônica não apenas está a serviço do poder econômico transnacional, como faz
diretamente parte dele, em uma complexa rede de interesses intimamente compartilhados.
Andrew Korybko, um dos principais estudiosos da guerra híbrida, fala no “caos sistêmico” ou “caos
estruturado” como estratégia semiótica de atribuir um significante a elementos psiquicamente
difusos em uma sociedade, como ressentimento, medo, insegurança, insatisfação. Tais elementos
podem produzir efeitos catastróficos e imprevisíveis, que atuam na geração do caos e na
consequente intensificação da polarização, atmosfera cara ao extremismo de direita. Nesse sentido
Wilson Roberto Vieira Ferreira, do Portal Cinegnose, constata que a matéria-prima da guerra híbrida
é uma nova estratégia de comunicação política, que ele chama de “bomba semiótica”. Tratar-se-ia
de uma estratégia híbrida de ação política através das mídias, que opera com vetores simultâneos
semióticos, cognitivos, psicológicos e fenomenológicos, fazendo com que a narrativa midiática
coincida com a experiência pessoal dos alvos visados, moldando a opinião pública à base do
choque de notícias que fazem uso de ferramentas linguísticas e semióticas inéditas, e criando um
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“pseudoambiente” para a opinião pública, crucial para a percepção de que o País está imerso no
caos se para exortar a radicalização e polarização política.
Conforme explicaram Celso Antônio Bandeira de Mello, Weida Zancaner e Marco Aurélio de
Carvalho no artigo “O fardo que a Folha precisa carregar”, publicado na Folha e criticando um
Editorial do próprio Jornal, a ideia de que, apesar da absolvição em 17 processos o ex-Presidente
Lula ainda deve explicações à sociedade, não corresponde à verdade dos autos, além de
gravemente inverter o princípio constitucional da presunção de inocência. E acrescentam: “Tais
processos começaram pelo fim. O juiz atirou as flechas e depois pintou os alvos”, ou seja, a
parcialidade e a incompetência de Sérgio Moro devidamente constatadas pelo STF não deixam
dúvidas de que o ponto de partida foi a condenação do réu, seguindo-se a busca desesperada por
provas, e na falta destas, a condenação pela “convicção”.
Apesar da absolvição e da inequívoca inocência de Lula, a grande mídia insiste em atuar como
instância julgadora, acima até mesmo do órgão de cúpula do Poder Judiciário Brasileiro. Mesmo
após promover antecipadamente a condenação do ex-Presidente, sem provas e de forma
absolutamente autoritária e desleal, insiste no discurso de que Lula continua sendo culpado. E é
aqui que devemos insistir: a batalha contra o lawfare deve ser intensificada para combater a
narrativa mentirosa de que Lula é culpado, ainda que absolvido em 17 processos judiciais. O
objetivo de promover sua morte política, portanto, continua sendo buscado.
Last but not least: Joe Biden pode até ter recentemente afirmado que a decisão sobre o Afeganistão
não é apenas sobre o Afeganistão, mas é sobre o fim de uma era de grandes operações militares. A
era das intervenções militares parece estar em seus últimos suspiros, mas a era das intervenções
pura e simplesmente, essa sobrevive. E é por isso que o fardo de todos os democratas deve ser a
intensificação da frente de batalha contra o lawfare, sem, todavia, menosprezar o seu aspecto
midiático.
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06/10/2022 15:08 O fardo de todos os democratas: intensificar a frente de batalha contra o lawfare praticado pela mídia | Grupo Prerrogativas
Larissa Liz Odreski Ramina é professora de Direito Internacional Público da Universidade Federal do
Paraná (UFPR) e coordenadora de Iniciação Científica da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação
da mesma instituição. É pós-doutora pela Université Paris Ouest Nanterre La Défense, doutora pela
Universidade de São Paulo (USP) e membro da Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). Veja
todos os posts de Larissa Liz Odreski Ramina.
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