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06/10/2022 15:08 O fardo de todos os democratas: intensificar a frente de batalha contra o lawfare praticado pela mídia | Grupo Prerrogativas

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O fardo de todos os democratas:


intensificar a frente de batalha contra o
lawfare praticado pela mídia
POR LARISSA LIZ ODRESKI RAMINA
| 03/09/2021

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“A batalha contra o lawfare deve ser intensificada para combater a narrativa mentirosa de que Lula
é culpado, ainda que absolvido em 17 processos judiciais. O objetivo de promover sua morte
política, portanto, continua sendo buscado”, escreve a jurista Larissa Ramina

Está em curso uma guerra contra o Brasil. Uma guerra não militar, por isso chamada de guerra não
convencional, guerra irregular, assimétrica ou híbrida. Embora não faça uso de armas e
equipamentos militares, é uma guerra, e como tal, provoca danos de dimensões equivalentes ou
ainda maiores do que a guerra convencional. A guerra híbrida compreende várias estratégias de
combate, sendo uma delas a guerra jurídica ou o chamado lawfare.

Num contexto internacional em que golpes de Estado militares passam a ser inaceitáveis, tornando
a guerra híbrida uma opção viável, a disputa política pode ser transferida para o plano judicial que
desfruta, aprioristicamente, de legitimidade indiscutível. Por isso, ao treinamento de militares
latino-americanos na antiga Escola das Américas soma-se o treinamento de operadores jurídicos
em escolas judiciais e programas de capacitação jurídica, com objetivos de perseguir governos que
resistem às ofensivas neoliberais estadunidenses, de forma aparentemente democrática, pois
utilizando-se perversamente da legitimidade do direito, dos órgãos jurisdicionais e de seus
operadores. Nesse sentido, ganharam protagonismo as International Law Enforcement Academies –
ILEAs (Academias Internacionais de Aplicação da Lei), que foram estabelecidas em 1995 pelo então
Presidente Bill Clinton para, oficialmente, combaterem a criminalidade internacional. 

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Não por acaso, as ILEAs são controladas politicamente, recebem financiamento de agências dos
EUA como a USAid e operam mediante instruções do Department of Justice. Isso explica o porquê,
na América Latina como um todo, substituem-se sistemas penais mais inquisitivos por sistemas
penais acusatórios similares ao modelo estadunidense, atribuindo maior empoderamento aos
órgãos do Ministério Público.

O termo lawfare é uma contração das palavras em inglês law, que significa Direito, e warfare, que
significa guerra. Portanto, lawfare significa literalmente guerra jurídica. Compreender o lawfare,
todavia, exige um exercício intelectual de grande envergadura, por se tratar de um conceito ainda
em construção e em disputa. Apesar das expressões lawfare e guerra jurídica estarem amplamente
consolidadas, a ressalva que deve ser feita é de que ambas realçam o plano judicial do fenômeno
quando, na verdade, essa guerra é conduzida com a mesma intensidade no âmbito midiático. Sem
a articulação com a mídia, seguramente a batalha no terreno jurídico não alcançaria o mesmo
resultado, razão pela qual entendemos que a expressão que melhor descreve a estratégia seria
“guerra jurídico-midiática”. Isso quer dizer que o lawfare não é simplesmente uma ofensiva levada
a cabo pelas vias judiciais, mas uma ofensiva levada a cabo pelas vias judiciais apoiada
fortemente por uma mídia comprometida com os objetivos políticos, econômicos e geopolíticos
perseguidos. Eugénio Zaffaroni deixa clara a importância da dimensão midiática ao constatar que a
mídia hegemônica não apenas está a serviço do poder econômico transnacional, como faz
diretamente parte dele, em uma complexa rede de interesses intimamente compartilhados.

Como resultado da articulação entre operadores do sistema de justiça e a mídia, fabricam-se


consensos que acabam por aniquilar da vida pública os supostos ‘inimigos políticos’, por meio da
construção do fenômeno que tem sido chamado de “pós-verdade”: parece mais fácil aceitar uma
mentira, desde que repetida ad nauseam pelos meios de comunicação de massa, do que fazer o
esforço de entender uma verdade complexa ignorada por eles. Na prática, isso constitui um juízo
paralelo e uma penalidade antecipada.

Andrew Korybko, um dos principais estudiosos da guerra híbrida, fala no “caos sistêmico” ou “caos
estruturado” como estratégia semiótica de atribuir um significante a elementos psiquicamente
difusos em uma sociedade, como ressentimento, medo, insegurança, insatisfação. Tais elementos
podem produzir efeitos catastróficos e imprevisíveis, que atuam na geração do caos e na
consequente intensificação da polarização, atmosfera cara ao extremismo de direita. Nesse sentido
Wilson Roberto Vieira Ferreira, do Portal Cinegnose, constata que a matéria-prima da guerra híbrida
é uma nova estratégia de comunicação política, que ele chama de “bomba semiótica”. Tratar-se-ia
de uma estratégia híbrida de ação política através das mídias, que opera com vetores simultâneos
semióticos, cognitivos, psicológicos e fenomenológicos, fazendo com que a narrativa midiática
coincida com a experiência pessoal dos alvos visados, moldando a opinião pública à base do
choque de notícias que fazem uso de ferramentas linguísticas e semióticas inéditas, e criando um

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“pseudoambiente” para a opinião pública, crucial para a percepção de que o País está imerso no
caos se para exortar a radicalização e polarização política.

Conforme explicaram Celso Antônio Bandeira de Mello, Weida Zancaner e Marco Aurélio de
Carvalho no artigo “O fardo que a Folha precisa carregar”, publicado na Folha e criticando um
Editorial do próprio Jornal, a ideia de que, apesar da absolvição em 17 processos o ex-Presidente
Lula ainda deve explicações à sociedade, não corresponde à verdade dos autos, além de
gravemente inverter o princípio constitucional da presunção de inocência. E acrescentam: “Tais
processos começaram pelo fim. O juiz atirou as flechas e depois pintou os alvos”, ou seja, a
parcialidade e a incompetência de Sérgio Moro devidamente constatadas pelo STF não deixam
dúvidas de que o ponto de partida foi a condenação do réu, seguindo-se a busca desesperada por
provas, e na falta destas, a condenação pela “convicção”.

Apesar da absolvição e da inequívoca inocência de Lula, a grande mídia insiste em atuar como
instância julgadora, acima até mesmo do órgão de cúpula do Poder Judiciário Brasileiro. Mesmo
após promover antecipadamente a condenação do ex-Presidente, sem provas e de forma
absolutamente autoritária e desleal, insiste no discurso de que Lula continua sendo culpado. E é
aqui que devemos insistir: a batalha contra o lawfare deve ser intensificada para combater a
narrativa mentirosa de que Lula é culpado, ainda que absolvido em 17 processos judiciais. O
objetivo de promover sua morte política, portanto, continua sendo buscado. 

Last but not least: Joe Biden pode até ter recentemente afirmado que a decisão sobre o Afeganistão
não é apenas sobre o Afeganistão, mas é sobre o fim de uma era de grandes operações militares. A
era das intervenções militares parece estar em seus últimos suspiros, mas a era das intervenções
pura e simplesmente, essa sobrevive. E é por isso que o fardo de todos os democratas deve ser a
intensificação da frente de batalha contra o lawfare, sem, todavia, menosprezar o seu aspecto
midiático.

Artigo publicado originalmente no Brasil 247.

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Larissa Liz Odreski Ramina

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Larissa Liz Odreski Ramina é professora de Direito Internacional Público da Universidade Federal do
Paraná (UFPR) e coordenadora de Iniciação Científica da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação
da mesma instituição. É pós-doutora pela Université Paris Ouest Nanterre La Défense, doutora pela
Universidade de São Paulo (USP) e membro da Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). Veja
todos os posts de Larissa Liz Odreski Ramina.

PUBLICADO EM DEMOCRACIA • MARCADO COMO BRASIL 247, DEFESA DA DEMOCRACIA, DEMOCRACIA,


DIREITO, LAWFARE, LULA, MÍDIA, PARCIALIDADE, POLÍTICA, PROCESSO, SÉRGIO MORO

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