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06/10/2022 15:09 O fardo que a Folha precisa carregar | Grupo Prerrogativas

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O fardo que a Folha precisa carregar


POR CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, WEIDA ZANCANER E MARCO AURÉLIO DE CARVALHO
| 01/09/2021

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Por Celso Antônio Bandeira de Mello, Weida Zancaner e Marco Aurélio de Carvalho para a Folha de
S.Paulo

Apego circunstancial a uma tese parece mais forte que respeito à decisão judicial

Em editorial de 25 de agosto sob o título “O fardo de Lula”, a Folha afirma que, apesar de absolvido
pela Justiça, o ex-presidente ainda deve explicações à sociedade. Na visão do jornal, a Justiça não
teria examinado o mérito das acusações infundadas contra Lula, limitando-se a aspectos
processuais. Além de não corresponder à verdade dos autos, tal visão inverte a lógica da
presunção de inocência consagrada na Constituição Federal.

O ex-presidente foi absolvido em 17 processos, depois de ter sua vida e a de seus familiares
literalmente revirada. Alguns desses processos foram rejeitados porque a denúncia não trazia a
correspondente e necessária justa causa. Outros foram encerrados porque os acusadores não
demonstraram o cometimento de qualquer crime e a defesa provou a inocência. E outros tantos
foram anulados ao se demonstrar que o juiz que os conduzia era parcial, e queria a qualquer custo
condenar, em vez de julgar.

Cabem algumas correções. No dia 21 de agosto, a juíza Pollyanna Alves, de Brasília, rejeitou
denúncia do Ministério Público Federal contra Lula para reabrir o “caso do sítio de Atibaia”.
Diferentemente do que diz a Folha, a Justiça enfrentou, sim, o ponto central da denúncia: a prova.
Em percuciente análise, a Juíza deixou claro que o MPF não apresentou uma prova lícita sequer
suficiente à mera inauguração de uma ação penal. Por isso, rejeitou a denúncia.

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Levantar suspeitas diante de uma sentença de absolvição tão bem fundamentada emite um sinal
extremamente preocupante.

Em primeiro lugar, sugere que o apego circunstancial a uma tese parece ser mais forte do que o
respeito à decisão judicial. Além disso, escancara incoerências e fantasmas que a própria mídia
precisa enfrentar. Afinal, o mesmo sistema judicial tão celebrado quando condenou, agora que
absolve é posto em dúvida. Independentemente de crenças individuais, a Justiça precisa valer para
todos.

Em outro ponto, a Folha mostra-se surpresa com a decisão do STF que anulou as ações contra Lula.
É de se perguntar qual é a surpresa. A parcialidade e a incompetência de Sérgio Moro na condução
das ações já foram cabalmente demonstradas: na condução coercitiva ilegal do ex-presidente , no
grampo dos advogados e da presidenta da República, nos vazamentos politicamente selecionados,
e na jurisdição fabricada artificialmente para levar o caso à Curitiba. Tais processos começaram
pelo fim. O juiz atirou as flechas e depois pintou os alvos.

As conversas entre Moro e os procuradores, algumas reveladas pela Folha inclusive, contam pelas
vozes de seus protagonistas a história de uma implacável caçada, e não de um julgamento. Ao
examinar a conduta de Moro, o STF reacreditou nosso sistema de Justiça e recuperou parte da
credibilidade perdida com o avançado processo de politização do Judiciário e de judicialização da
política. Reafirmou que todo acusado tem direito a um juiz imparcial e independente, e não a um
cúmplice da acusação.

A parcialidade criminosa de Moro em relação a Lula nos trouxe aos bicudos dias de hoje. O ex-juiz
tirou das últimas eleições presidenciais o seu franco favorito, beneficiando o candidato que depois
passaria a servir na condição de ministro da Justiça, enquanto aguardava a prometida indicação
para o STF. Nada mais grave e desprezível.

O jornal não enfrenta estes fatos, entretanto, assim como não enfrenta as consequências da prisão
injusta e injustificada de um cidadão sabidamente inocente por inacreditáveis 580 dias. Para tanto,
teria de rever sua parcela de responsabilidade histórica.

Deveria assumir que o bolsonarismo é filho legítimo do lavajatismo.

A Folha conclui falando em “um fardo pesado para um candidato”. A realidade é que tentaram
lançar sobre as costas de Lula o peso das mazelas do Brasil. Esse fardo, felizmente, fica mais leve a
cada nova decisão judicial em seu favor. Ao insistir em tratar como culpado quem já foi declarado
inocente, o jornal coloca em risco a credibilidade do nosso sistema de justiça e a nós todos. Ignorar
a lei para um, é ignorar para todos. É este o fardo que a Folha precisa carregar.

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As democracias murcham por muitas razões, e o desrespeito pelas instituições é uma das mais
fortes.

Fica a alerta!

Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo.

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Celso Antônio Bandeira de Mello

Celso Antônio Bandeira de Mello é advogado, professor e um dos juristas mais respeitados do país.
Professor titular e emérito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), é um dos
responsáveis pela construção das bases do Direito Administrativo brasileiro. Foi um dos
fundadores do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA) e do Instituto de Direito
Administrativo Paulista (IDAP). Veja todos os posts de Celso Antônio Bandeira de Mello.

Weida Zancaner

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Weida Zancaner é advogada, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
e foi procuradora do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. É fundadora e diretora de cursos
do Instituto de Direito Administrativo Paulista (IDAP), membro fundadora do Instituto de Defesa das
Instituições Democráticas (IDID) e membro do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA).
Veja todos os posts de Weida Zancaner.

Marco Aurélio de Carvalho

Marco Aurélio de Carvalho é advogado e sócio-fundador do Celso Cordeiro & Marco Aurélio de
Carvalho Advogados. Membro integrante do Grupo Prerrogativas e associado fundador da
Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), é especializado em Direito Público e
bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP). É coordenador geral do Grupo Prerrogativas. Veja todos os posts de Marco Aurélio de
Carvalho.

PUBLICADO EM DEMOCRACIA • MARCADO COMO DEMOCRACIA, FOLHA DE S.PAULO, JUSTIÇA, LULA, PRISÃO
ILEGAL, PROCESSOS, SÉRGIO MORO, STF

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