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O Mito de Punir Mais Fomentado Pela Mídia
O Mito de Punir Mais Fomentado Pela Mídia
The myth more punishment is better: consequences of the expansion of the criminal law
fomented by media
1
André Luis Callegari
2
Suelen Webber
Abstract: This research analyzes how brasilian society nowadays demands the necessity that the
punishment become more and more severe. On this scenary, of unrestrained search for
punishment, the society faces the phenomenon of the expansion of the criminal law in a
unrestrained way, as the preparation acts are also punished, editing abstract rules, punishing
situations that should be solved in administrative sphere, besides noticing that the only satisfactory
answer to reduce criminality is the custodial sentence. In this context, the media, through an
efficientist speech, assumes crucial role feeding the feeling of insecurity of people, fomenting the
society of fear and the creation of more laws in order to punish more acts. It is in this scenary that it
is intended to develop this article, taking as theoretical references Silva Sanc hes, Díez Ripolléz,
Pierre Bourdieu, among others.
Palavras-Chave: Direito Penal; expansão; mídia; administrativização.
1
Doutor em Direito pela Universidad Autónoma de Madid. Doutor honoris causa pela Universidad
Autónoma de Tlaxcala – México. Doutor honoris causa pelo Centro Universitário del Valle de
Teotihuancan – México. Coordenar do Curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade do
Vale do Rio dos Sinos. Advogado Criminalista.
2
Mestranda em Direito, na linha de pesquisa Sociedade, Novos Direitos e Transnacionalização da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Juíza Leiga em Juizados Especiais.
Key-Words: Criminal Law; expansion; media; administrativization.
Considerações Iniciais
O objetivo desse trabalho é verificar como a mídia tem afetado a criação e aprovação de
leis na esfera penal no âmbito brasileiro. Para realizar esse estudo, será necessário apurar como
vem se dando essa interferência, e como alguns mitos são plantados na sociedade.
Para tratar desse assunto, necessariamente tem-se que falar em expansão do Direito
Penal, fenômeno que vai consistir, por exemplo, no aumento de penas de crimes já tipificados, na
administrativização do Direito, sobretudo, penal, e na violação de garantias fundamentais da
pessoa humana. Todas essas características vem sendo aceitas por grande parcela da população,
graças ao eficientismo da mídia, que ganha grande força nesse cenário. Assim, a ideia de que punir
mais é melhor vai sendo plantada e cultivada pelos meios de comunicação de massa e colhidos
gradativamente pela sociedade.
Assume relevância ímpar essa discussão, quando depara-se com acontecimentos como a
invasão a “Favela/Complexo do Alemão” no Estado do Rio de Janeiro, onde, mesmo com a
violação de diversos direitos fundamentais, a população brasileira, em sua grande maioria, aplaude
a ação sem questionamentos. Ou ainda, quando tem-se no sistema penal brasileiro um Regime
Disciplinar Diferenciado, que permite o isolamento por até um ano do acusado.
Para apurar como situações semelhantes as acima relatadas vêm se solidificando no
cenário nacional, o trabalho foi dividido em três pontos. O primeiro dedica -se a abordar o fenômeno
da expansão do Direito Penal como resultado dos anseios da sociedade por mais segurança. Tais
anseios, originários de uma sociedade com alto risco, são alimentados diariamente pela mídia e
acabam fomentando uma “indústria” política de aumento de penas ou de criminalização de novas
condutas.
No segundo ponto, a proposta foi exatamente explorar como a mídia tem poder para
interferir em áreas como o Direito, em especial, o Direito Penal. Assim, para verificar como se dá o
eficientismo desse discurso midiático e como ele chega até a população, foram trabalhados alguns
aspectos de reportagens e programas televisivos voltados para a questão da criminalidade e como
os mesmos são estruturados para criar uma sensação de realidade e assim, consequentemente,
aumentar o medo de que fatos iguais aconteçam com o telespectador. O medo é um grande aliado
dos meios de comunicação.
Após tecer considerações sobre a expansão do Direito Penal e o discurso eficientista da
mídia, o terceiro capítulo preocupou-se em demonstrar por que a ideia punir mais é melhor ou é a
única solução é equivocada e totalmente vinculada a interesses escusos de política e economia.
Para isso, alguns números relacionados à criminalidade foram apresentados. Por fim, após verificar
esses números, vai se buscar responder: punir mais é melhor? É assim que o trabalho será
desenvolvido.
“Precisa-se de mais leis e de mais punição”, eis o ponto de partida deste trabalho. O mito
do “punir mais é melhor”, “punir mais é a solução”, faz parte de um sentimento vago de insegurança
que assola a sociedade brasileira contemporânea, e talvez possa-se dizer mundial. Esse
sentimento é diariamente alimentado pela mídia. Ao alimentar esse temor, os meios de
comunicação de massa dão ao cidadão do Estado Democrático de Direito a “única solução” para
que se diminua a criminalidade e se extermine esse medo coletivo. Assim, a única resposta que a
sociedade anseia que lhe seja dada, é mais direito penal. É dizer: “penalize -se tudo. Prendam-os”.
Todo esse movimento circular descrito acima, qual seja, informações midiáticas, clamor
social, penalização de mais condutas, mais notícias tendenciosas, mais anseio de punição, leva
obrigatoriamente a uma expansão do Direito Penal, não só no Brasil, mas em grande parte do
mundo.
Essa expansão do Direito Penal fomentada pela mídia possui um caráter meramente
simbólico, o qual vem justificado por um discurso de eficiência. Contudo, esse discurso de
eficiência é respaldado, validado e realizado pelos meios de comunicação aliados a forças políticas
interessadas em angariar votos, tendo grande poder sobre a sociedade. Importante deixar claro:
dizer que a expansão do Direito Penal cria um direito penal de cunho simbólico, não significa que
ele não tem efeitos na vida prática. Pelo contrário,
afirmar assim que o Direito Penal é simbólico não significa afirmar que
ele não produza efeitos e que não cumpra funções reais, mas que as
funções latentes predominam sobre as declaradas não obstante a
confirmação simbólica (não empírica) destas. A função simbólica é
assim inseparável da instrumental à qual serve de complemento e sua
eficácia reside na aptidão para produzir um certo número de
representações individuais ou coletivas, valorizantes ou
4
desvalorizantes, com função de “engano .
3
WAINBERG. Jacques A . Mídia e terror: comunicação e violência política. São Paulo: Paulus, 2005.
p. 65. Esse trecho foi extraído de uma análise de dados feitos por Phil Zimbardo, que identifica
que o impacto psicológico produzido pela mídia em relação a assuntos como o terrorismo é maior
do que realmente o acontecimento em si causa.
4
ANDRADE, Vera Regina Pereira. A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência à
violência do controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 1997. p. 293.
Nesse mesmo norte, Díez Ripollés vai dizer que a expansão do Direito Penal “implica
reconsiderar o flexibilizar el sistema de imputación de responsabilidad y de garantías individuales
vigentes, lo que se ha de hacer en función de la necesidad políticocriminal de mejorar la efectividad
5
en la persecución y encausiamento penales .”
Dessa forma, o Direito Penal que deveria ser a ultima ratio passa a ser utilizado como um
instrumento para a solução de todos os problemas da sociedade, e essa instrumentalização que é
criada pela política e pelos meios de comunicação generalizados ganha a aceitação maciça da
população.
O fenômeno da expansão, que pode ser compreendido exatamente como esse
abarcamento do Direito Penal por áreas que não deveriam lhe dizer respeito, leva obrigatoriamente
a um modelo de Direito Penal máximo. Nas palavras de Wermuth, a expansão do Direito Penal
representa
Diante de tal realidade, cabe questionar o que leva a adotar e “comprar” um modelo de
Direito Penal máximo que bate de frente com modelo do Estado Democrático de Direito, e por
consequência, a Constituição Federal de 1988 estabelece. A resposta, segundo os e studiosos, é a
existência do que se pode chamar de sociedade do risco.
Esse contexto social onde se desenvolve a expansão do Direito Penal é marcado pela
noção de que a pena pode resolver todos os problemas da sociedade, e quando fala -se em pena
como solução de problemas, em regra, fala-se de pena privativa de liberdade, a que afasta o
“delinquente”, o “marginal”, do convívio social, já que “só isso é capaz de trazer segurança à
população”.
7
Essa sociedade do risco é voltada para situações futuras e globais, as quais representam
5
DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. De la sociedad del riesgo a la seguridad ciudadana: un debate
desenfocado. In: CALLEGARI, André Luís (org.). Política Criminal, Estado e Democracia. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 85. Tradução livre: “Implica reconsiderar ou flexibilizar o sistema de
imputação de responsabilidade e garantias individuais vigentes, o que se deve fazer em função da
necessidade político criminal de melhorar a efetividade na persecução e classificação penal”.
6
WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi. A dimensão desumana do direito penal brasileiro
contemporâneo: a utilização do medo como instrumento de controle social e disciplinamento das
classes populares. Disponível em:
http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/journals/2/articles/33260/public/33260-42322-1-PB.pdf
Acesso em: 20/10/2011.
7
Para Luhmann, o conceito de risco sempre vai estar relacionado a uma decisão. Assim: “la
posibilidad de daños futuros debido a decisiones particulres. Las decisiones que se toman en el
presente condicionan lo que acontecerá en el futuro, aunque no se sabe de qué modo: deben ser
tomadas sin tener una conciencia suficiente de lo que sucederá. Con otras palabras: quien toma
una decisión en el presente no se puede proteger, con seguridad, de eventuales danõs futuros y
éstos pueden ser consecuencia de un comportamiento. El riesgo está caracterizado por el hecho
de que, no obstante la posibilidad de consecuencias negativas, convieve, de cualquier modo
uma sociedade que não enfrenta apenas problemas locais e fronteiriços, mas problemas que
afetam a humanidade como um todo. É nesse cenário, de desenvolvimento tecnológico
desenfreado, de crescimento desmedido dos meios de comunicação, que se semeia a ideia de que
punir mais é melhor. Nesse sentido, Beck vai dizer que os riscos da modernidade são os chamados
riscos da modernização, e pode-se dizer que esses riscos da modernização
9
É patente que na sociedade de complexidade que se está inserido atualmente, o Direito
Penal sofreria espontaneamente uma leve expansão, uma vez que novos crimes foram surgindo,
como os cibercrimes, novos modos de se operar crimes antigos foram aparecendo, outros bens
10
jurídicos necessitaram ser protegidos , mas o problema enfrentado não é essa expansão natural, e
sim uma expansão que busca, segundo Callegari e Motta:
decidir mejor de uma manera que de otra.” CORSI, Giancarlo; ESPOSITO, Elena; BARALDI,
Claudio. Glosario sobre la teoría social de Niklas Luhmann. México: Universidad Iberoamericana,
2006. p. 193. “a possibilidade de danos futuros devido a decisões particulares. As decisões que
são tomadas no presente condicionam o que acontecerá no futuro, ainda que não se saiba de que
modo: devem ser tomadas sem ter consciência do que acontecerá. Em outras palavras: quem
toma uma decisão no presente não pode se proteger, com segurança, de eventuais danos futuros
e estes podem ser consequência de um comportamento. O risco esta caracterizado pelo fato de
que não obstante a possibilidade de consequências negativas, convém, de qualquer modo decidir
melhor de uma maneira do que de outra. (tradução livre).
8
BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia uma nova modernidad. Trad. NAVARRO, Jorge;
JIMÉNEZ, Dabiel; BORRÁS, Maria Rosa. Barcelona: Paidós, 1998. passin. Essa noção também é
trabalhada no livro La sociedad del riesgo global.
9
A complexidade consiste no excesso de possibilidades que podem ser observadas a partir de um
sistema. Baraldi vai dizer que “complejidad es el hecho de que existen siempre más posibilidades
cuantas pueden actualizar-se como comunicación en los sistemas sociales y como pensamiento
en los sistemas psíquicos.” CORSI, Giancarlo; ESPOSITO, Elena; BARALDI, Claudio. Glosario
sobre la teoría social de Niklas Luhmann. Op. cit. p. 56.
10
Isso para os que acreditam que a função do Direito Penal é a proteção de bens jurídicos, como é o
caso de Jesús-María Silva Sánchez. Por outro lado, temos a perspectiva de que o Direito Penal
tem a função apenas de manutenção de expectativas normativas, ou a vigência da norma,
conforme Jakobs. Contudo, essa é uma discussão extensa que merece espaço próprio, e por isso
não será travada nesse artigo, e que pode ser muito bem observada na obra de ROXIN, Claus. A
proteção de bens jurídicos como função do Direito Penal. Tradução e Organização: CALLEGARI,
André Luís; GIACOMOLLI, Nereu José. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2009.
de leis penais em branco, bem como da introdução da ideia de
efetividade como princípio norteador do processo penal, ainda que à
custa da flexibilização, senão da supressão, das garantias dos
11
acusados .
A longa citação justifica-se porque são exatamente esses elementos que se reconhece e
se identifica no Direito Penal da contemporaneidade. Prova disso são, a título exemplificativo, os
12
atuais dispositivos da lei 11. 705/2008, que trata da embriaguez ao volante . A nova disposição do
13
art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/1997) prescreve exatamente um crime de
perigo abstrato, pois o simples fato de estar sob a influência de álcool já caracteriza crime, sem a
14
necessidade de que se esteja gerando perigo de dano, como se dava com a redação anterior . Ou
seja, diante do risco iminente de mais acidentes e da forte pressão midiática, transporta -se para o
Direito Penal uma característica que deveria estar apenas no Direito Administrativo, qual seja, o
perigo abstrato. Segundo Luiz Flávio Gomes, é nisso (perigo abstrato) “que reside uma das
15
diferenças entre a infração administrativa e a penal .”
Na referida lei, ainda pode-se ver o que caracteriza uma ampliação da discricionariedade,
uma vez que ela atribui poderes que nem mesmo os Magistrados ou membros do Ministério Público
11
CALLEGARI, André Luís; MOTTA, Cristina Reindollf. Estado e política criminal: a expansão do
Direito Penal como forma simbólica de controle social. In: CALLEGARI, André Luís (org). Política
Criminal, Estado e Democracia. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2007. p. 20.
12
Relevante trazer as observações de Silva Sánchez sobre dispositivo semelhante da Lei
Espanhola, quando trata da administrativização do Direito Penal: “o limite da infração
administrativa em matéria de tráfego e veículo é de 0,5 mg de álcool por litro de sangue, segundo
a normativa espanhola. Obviamente, tal limite, ou inclusive um inferior, pode estar plenamente
justificado sob perspectivas globais de ordenação do setor, inclusive com base em dados
estatísticos. Desde logo, a maioria das pessoas representa um perigo para a circulação se seu
sangue apresenta essa concentração de álcool. Mais ainda, em termos de gestão administrativa
do risco da circulação – redução das enormes cifras anuais de mortes nas estradas – pode ter
inclusive sentido o limite absoluto de 0 mg de álcool por litro de sangue, cuja superação conduziria
à infração administrativa. Mas, vejamos, tal critério por si só não è operativo no âmbito jurídico-
penal. Pois aí não interessa o aspecto estatístico, senão se a pessoa cuja conduta está sob exame
judicial pôs realmente em perigo bens jurídicos ou não. E aqui a apreciação estatística pode
somente constituir uma presunção contrário, a qual, em princípio, não constitui base suficiente
para imputação.” SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do direito penal: aspectos da política
criminal nas sociedades pós-industriais. Tradução: ROCHA, Luiz Otavio de Oliveira. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 118.
13
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro
de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra
substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008).
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a
permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
14
A antiga redação do art. 306 assim dispunha: “Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via
pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial
a incolumidade de outrem.” (sem grifo no original).
15
GOMES, Luiz Flávio. Embriaguez ao volante (Lei 11.7050/2008): exigência de perigo concreto
indeterminado. Disponível em http://www.lfg.com.br 02 julho. 2008. Acesso em 13 de novembro de
2010. Cabe destacar em nota que no decorrer deste artigo o autor defende que é absurdo encarar
o disposto no art. 306 da referida lei sem que se verifique as condições em que o condutor estava
dirigindo, pois, caso contrário, uma interpretação literal do artigo, que excluiria a forma de
condução do motorista, e assim a existência de perigo, levaria a uma figura que só pode fazer
parte do direito administrativo, conforme já enfrentado no texto acima.
possuem:
Destaque-se que a análise dessa lei foi feita de maneira proposital, já que é uma das
legislações que teve maior clamor público com fomentação da mídia e representa, de forma
límpida, uma expansão concreta do Direito Penal. Quem não era acostumado, no período que
16
Código de Trânsito Brasileiro (Lei n 9.503/97). A lei que alterou o referido artigo é a Lei n.
11.276/2006.
17
Esse é o título de um dos artigos publicados por Lenio Streck juntamente com Marcelo Andrade
Cattoni de Oliveira sobre três leis que entraram em vigor no dia 07 de fevereiro de 2006. (Mais) um
passo atrás no direito brasileiro. Quem vai cuidar do guarda da esquina? Disponível em
http://leniostreck.com.br/index.php?option=com_docman&Itemid=40. Acesso em: 15/10/2011.
18
STRECK, Lenio Luiz; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. Mais um passo atrás no direito
brasileiro. Quem vai cuidar do guarda da esquina? Op. cit.
antecedeu à aprovação da lei, a ligar a televisão ou sintonizar nos telejornais, ou ainda abrir as
páginas de um jornal impresso e vislumbrar a notícia que não queria calar: “Mais mortes no
trânsito”. “Mais vítimas da embriaguez”, quando, de fato, muitos dos acusados sequer estavam sob
a influência de álcool ou qualquer outra substância equivalente.
Todavia, nesse mesmo sentido expansionista, podemos citar a Lei 7.492/1986 e a Lei
9.613/1998, que traz tipos penais abertos, não especificando claramente as condutas. Ainda, pode-
19
se trazer a Lei 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), que apenas aumentou penas de crimes já
previstos no Código Penal Brasileiro, ou a Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), que prevê
penas extremamente elevadas e declara a inafiançabilidade de referidos crimes, além do recente
instituto do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), instituído pela Lei nº 10.792/2003, dentro da Lei
7.210/1984 (Lei de Execuções Penais), sob o mote de que a legislação de execução penal é
20
retrograda e não atende às necessidades da sociedade . De fato, parece que não aprende-se
nada com as velhas falhas do passado, com os regimes estatais anteriores e com a história do
Direito Penal. Rumo ao novo. Esqueça a prognose e lute-se por mais punição!
Os exemplos de legislação, como se viu, poderiam ser multiplicados se fossem o objeto do
estudo. Poderia-se, por exemplo, tratar dos delitos de acumulação e da há muito comprada Teoria
21
das Janelas Quebradas , mas os poucos exemplos de legislação trazidos aqui já são suficientes
para evidenciar que se está vivendo em um Estado de Direito Penal Máximo, inclusive com
22
características de Direito Penal do Inimigo . Sim, Direito Penal do Inimigo, porque ao dispor que o
acusado pode ficar isolado por um ano, como autoriza a Lei 10.792/2003, estar -se-a a punir o
autor do fato, e não o fato em si, noção primordial de Direito Penal do Inimigo.
Nada obstante, como salienta Silva Sanchez, vive-se a era do Direito Penal de velocidades,
no qual, por meio da expansão e da anedota da prevenção (e leia-se prevenção como sinônimo de
ilimitado) em busca de segurança, passa-se a tolerar inclusive, a flexibilização de direitos
19
Cabe lembrar em nota o forte clamor popular que antecedeu e motivou a criação de referida lei,
com o caso Daniela Peres.
20
Deve ser destacado que a abordagem dessas mesmas legislações já foi objeto de estudo de
WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi. A dimensão desumana do direito penal brasileiro
contemporâneo: a utilização do medo como instrumento de controle social e disciplinamento das
classes populares. Op. cit.
21
“A alegoria das 'janelas quebradas' é utilizada para exemplificar a teoria: se uma pessoa quebra a
janela de um edifício e nada é feito no sentido de consertá-la, as outras pessoas que gostam de
quebrar janelas que por ali passarem, vendo que ninguém se importa com suas atitudes, passarão
elas também a quebrar as outras janelas do prédio, de forma que, como resultado, ter-se-ia um
sentimento geral de decadência, propício ao desenvolvimento da criminalidade, razão pela qual
toda e qualquer infração penal, por ínfima que seja, deve ser reprimida sem complacência, sob
pena de se transmutar, no futuro, em um crime maior.” CALLEGARI, André Luís; WERMUTH,
Maiquel Ângelo Dezordi. Sistema Penal e Política Criminal. Porto Alegre: Livraria do Advogado.
2010. p. 27.
22
O termo Direito Penal do Inimigo é trabalhado principalmente por Günther Jakobs e,
resumidamente, pode-se apontar que é uma teoria voltada para um direito penal do autor, onde
este deixa de ser um cidadão e passa a ser um inimigo, principalmente porque ele age por
vontade contra as regras. Ainda, essa teoria defende a punição severa, com relativização de
garantias, para atos futuros, inclusive a punição para atos preparatórios, podendo ser visto como
um Direito Penal de Guerra. JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuela Cancio. Direito Penal do Inimigo:
noções e críticas. 4 ed. Tradução e organização: CALLEGARI, André Luís; GIACOMOLLO, Nereu
José. Porto Alegre; Livraria do Advogado. 2010.
fundamentais, como é o caso do Regime Disciplinar Diferenciado no Brasil. Sobre um Direito Penal
de velocidades, Sanchez lembra que o Direito Penal possui o três velocidades:
23
SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas
sociedades pós-industriais.Op. cit. p. 148.
24
DELMAS-MARTY, Mirelle. Três desafios para um Direito Mundial. Trad. CHOUKR, Fauzi Hassan:
Lumen Juris. Rio de Janeiro. 2003. p. 145/146.
25
Essa mesma pergunta já foi lançada por DELMAS-MARTY, Mirelle. Três desafios para um Direito
Mundial. Op. cit.
26
CALLEGARI, André Luís; WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi. Sistema Penal e Política
Criminal.Op. cit. p. 43.
Nesse “mercado”, nada mais “lucrativo” do que lidar com o medo, uma vez que essa é a
mercadoria que está à disposição nesse século, já que se vivencia a sociedade do medo, conforme
já trabalhado. Assim, a imagem de acontecimentos sociais passa a ser manipulada em busca de
maior audiência. Uma das consequências dessa manipulação é que certos casos são escolhidos
pela mídia como “carro chefe” da programação e passam a instigar a população na busca de
“justiça”.
Prova disso foi o caso de Daniela Peres nos anos 90, e mais recentemente o caso Isa bela
Nardoni, e entre eles os inúmeros acidentes de trânsito onde os condutores estavam supostamente
embriagados. O caso Daniela Peres resultou na lei dos crimes hediondos, as vítimas do trânsito no
enrijecimento da lei de delitos do trânsito. “Quiça”, o caso Isabela Nardoni irá inspirar algum
legislador na criação de uma lei para os maníacos que passam o dia jogando crianças pela janela,
uma vez que a mídia explorou o fato fazendo o telespectador crer que é algo que vai passar a
acontecer diariamente. Pobres das crianças que passam o dia em favelas sendo espancadas,
passando fome, negligenciadas e que não elevam os níveis de audiência. Isso, nos faz recordar as
observações já feitas em outra oportunidade por Callegari e Wermuth:
Sim, porque embora a mídia tenha a pretensão de atingir a população de massa, o fato é
que ela “reproduz”, em regra, casos penais de pessoas que não pertencem a essa massa.
Observe-se que os casos citados acima não envolviam pessoas de baixa renda. Com exceção, os
“atores televisivos” dos acidentes de trânsito serão pessoas de parcas condições, mas apenas se
isso garantir um índice de audiência maior, e isso só ocorre quando o caso realmente é trágico, o
que gera uma ansiedade maior.
27
De fato, o caso até hoje continua a ser explorado. Basta abrir a edição 2193 da Revista Veja (01
de dezembro de 2010) e nas páginas centrais você encontrará a seguinte chamada: “O homem
que faz Justiça”, referindo-se ao Promotor de Justiça que atuou no caso Isabela Nardoni.
28
CALLEGARI, André Luís; WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi. “Deu no Jornal”: notas sobre a
contribuição da mídia para a (ir)racionalidade da produção legislativa no bojo do processo de
expansão do Direito Penal. IN: Revista Liberdades. N 02. Setembro- Dezembro de 2009.
Disponível em: http://www.ibccrim.org.br/site/revistaLiberdades/_pdf/02/artigo4.pdf Acesso em:
23/10/2011. p. 62.
aumento significativo da ansiedade em pessoas reunidas em grupo
experimental submetido à transmissão de mensagens teledifundidas
com ameaças terroristas à segurança do país. A autora confirma a
hipótese de que a mídia tem poder de provocar a emoção das pessoas
e pode eventualmente ter um impacto prejudicial no bem -estar
29
psicológico das populações vítimas potenciais .
30
Durante uma “entressafra” de tragédias , a mídia vendeu a imagem de que o Brasil já
31
tinha seu “primeiro super Herói ” fazendo referência ao personagem que Wagner Moura representa
no filme Tropa de Elite, que tem a filosofia clara, entre os chavões de incorruptível, de ser
“implacável” com bandidos, ou ainda, “bandido bom é bandido morto”. Não é necessário dizer que o
implacável implica em violação total dos Direitos Humanos. Assim, os meios de comunicação de
massa vendem um material de fomentação ilimitada da violação de Direitos Humanos no Direito
Penal, que passa a ser o que a grande massa populacional reconhece como a única forma de
solucionar os problemas criminais no Brasil. E quando se fala em grande massa, se es ta falando no
sentido literal, porque os números que envolvem o filme são impressionantes.
Nesse diapasão, o lobby que a mídia de audiência procura fazer é buscar que as pessoas
se identifiquem com o fatos que estão vislumbrando na tela. Foi assim com o caso de Daniela
Peres, foi assim com o caso Isabela Nardoni e, é esse um dos motivos que justifica as milhares de
associações contra a violência no trânsito. É esse um dos motivos que justifica o grande suces so
do filme Tropa de Elite, principalmente agora em sua continuação, em que, para buscar o apelo
final, a vítima da violência é o filho do protagonista. Apelo de identificação sem igual.
Essa “trama narrativa” que, por meio de recursos que contemplam uma cena de angústia e
sofrimento (fortemente auxiliados por recursos sonoros, jogos de câmera e cenários estratégicos),
busca a empatia dos espectadores com as vítimas, sendo que essas passam a acompanhar passo
a passo o que está acontecendo ou o que aconteceu com a vítima, vivenciando um sentimento de
angústia, porque aquilo que está sendo representado poderia por ela ou por sua família ou
conhecidos ter sido sofrido. Esse modus operandi pode ser percebido em diversos programas,
tanto na televisão brasileira como no exterior. No Brasil, um dos programas que mais procurou
fazer isso foi o programa Linha Direta, exibido na Rede Globo entre os anos de 1999 e 2007. Nele,
29
WAINBERG. Jacques A . Mídia e terror: comunicação e violência política. Op. cit. p. 63.
30
Isso, claro, se não se considerar acontecimentos do Rio de Janeiro (invasão da favela do Alemão)
como uma tragédia, a qual a mídia explorou atentamente.
31
Essa foi a matéria de capa da revista Veja, em sua edição 2190, de 10 de novembro de 2010.
32
Revista Veja edição 2187 de 20 de outubro de 2010.
podia-se perceber que o repórter passava a ter mais do que o papel de transmitir a notícia. De fato,
o programa buscava uma identificação entre o telespectador e a vítima, para que se despertasse o
sentimento de injustiça na sociedade, o qual poderia ser restaurado com a apresentação do
programa e a participação ativa do telespectador.
Outro mecanismo que programas como o Linha Direta – e tantos outros que retratam casos
verídicos pelo mundo - se utilizam é o fato de procurarem “afastar” o tempo decorrido desde os
acontecimentos reais até a apresentação dos casos, a fim de que os sentimentos como
insegurança e revolta sejam “recuperados” nas pessoas. Assim, “não será por acaso que as feições
34
físicas do atores e dos envolvidos reais serão tão convincentes ”, uma vez que essa “ênfase na
35
semelhança realça a credibilidade da simulação .” Outro modo de buscar comprovar que esses
programas realmente mostram o que aconteceu, ou seja, que são fiéis aos fatos, e logo
representam a verdade (no imaginário popular), é que, em geral os apresentadores sempre fazem
um esquete do local do crime, ou do local onde a vítima vivia, ou com pessoas próximas a ela
dando seus depoimentos.
De fato, a mídia acaba por manipular tão bem a verdade dos fatos que, em casos como o
do Programa Linha Direta, houve pessoas que confundiram um dos atores com o verdadeiro
acusado. Em uma situação específica, a casa de um ator foi cercada e o mesmo chegou a ser
36
levado pela polícia para prestar esclarecimentos . Em outra situação, essa “veracidade” do
programa e sua forma especulativa e até mesmo imprudente da instigação em busca de “justiça” foi
fatal para Ronaldo Josias de Souza, o qual foi espancado até a morte após ter seu caso exibido no
37
referido programa .
O Linha Direta foi usado aqui como exemplo dessa força que a mídia tem de propagar
verdades não tão reais assim em casos envolvendo Direito Penal apenas por se tratar de um
programa brasileiro, logo, mais próximo de nossa realidade. Outro motivo que elevou essa escolha
38
são os números expressivos que envolvem o programa e dão conta de como a tragédia alheia
33
MENDONÇA, Kleber. A punição pela audiência: um estudo do Linha Direta. Rio de Janeiro:
Quartet, 2002. p. 67.
34
Ibid., p. 70.
35
Ibid., p. 74.
36
Conforme reportagem “Na cena do crime”, publicada na revista Época n 80, Ano, II, de 29/11/99,
em um dos casos apresentados no Programa, um dos atores que participaram das gravações,
acabou confundido pela vizinha como o próprio criminoso. Ela não titubeou em chamar a polícia,
que invadiu o apartamento do ator e o prendeu até que toda a confusão fosse esclarecida. Id., p.
56.
37
Ibid., p. 56.
38
“Segundo dados da reportagem 'Na cena do crime', publicada na revista Época número 80, Ano II,
de 29/11/99, o program atingiu, em 18 de novembro de 1999, o pico de 42 pontos de audiência e,
até o final deste ano, se manteve na faixa dos 38 pontos. De lá para cá, no entanto, a audiência do
programa decaiu, estabilizando-se na faixa dos 30 pontos. Mesmo assim, manteve índices mais
pode ser um show, conforme lembra Jacques Wainberg.
Saindo do cenário brasileiro e de programas voltados especificamente para a exploração de
casos de crimes não solucionados, esse poder midiático pode ser verificado nos telejornais ou nos
jornais impressos, da mesma forma que em programas como os acima citados. A verdade dos fatos
é aquela que mais interessa a determinadas fontes de poder. Em tempos de globalização, veja -se
como, segundo Kellner, as notícias sobre fatos extremamente graves, como atentados terroristas e
guerras são manipuladas.
Para reforçar o poder que a mídia tem junto à população e ao governo, as próprias
organizações criminosas se utilizam dela para causar o impacto desejado, qual seja, de medo,
insegurança e muitas vezes de desespero.
Todas essas manipulações ou seleção dos fatos “mais importantes” feita pela mídia resulta
na criação de pseudoperigos, que levam as pessoas a abandonar espaços públicos, a se centrar
em discussões superficiais procurando soluções imediatistas que as livrem de enfrentar os reais
problemas, como os de políticas públicas, banalizando os acontecimentos, conforme já referi do por
Glassner
altos do que o programa do Ratinho. O Linha Direta, no entanto, tem mantido brigas duras por
audiência com o Show do Milhão, game show apresentado por Sílvio Santos no SBT. (...) o Linha
Direta permanecia, em dezembro de 2000, entre os 15 programas de maior audiência da TV
brasileira.”(sem grifo no original). MENDONÇA, Kleber. A punição pela audiência: um estudo do
Linha Direta. Op. cit., p. 63.
39
KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Estudos culturais: identidade e política entre o moderno e
o pós-moderno. Trad: BENEDETTI, Ivone Castilho. Bauru/SP:EDUCS, 2001. p. 256.
40
WAINBERG. Jacques A . Mídia e terror: comunicação e violência política. Op. cit. p. 63 e 72.
(...) os “pseudoperigos” que jorram dia a dia das manchetes televisivas
e da mídia impressa representam novas oportunidades de evitar
problemas que não queremos enfrentar [...], assim, como aqueles que
41
já cansamos de confrontar .
Porque punir? Qual é o papel da pena em uma sociedade como a nossa? Segundo Luis
Camilo Isaza,
41
CALLEGARI, André Luís; WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi. Sistema Penal e Política Criminal.
Op. cit. p. 44.
42
BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Trad. MACHADO, Maria Lúcia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., p. 67.
43
Ibid., p. 63.
44
KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Estudos culturais: identidade e política entre o moderno e
o pós-moderno. Op. cit. p. 254.
45
Tradução livre: A pena tem se erigido como instrumento de controle social, como reação social ou
Na sociedade contemporânea, o que ocorre é um desvirtuamento da pena, que, ao invés
de ser utilizada com critérios de efetividade, passa a ser usada como arma eleitoral, a qual é
municiada pela mídia. A munição do medo gerado, pela própria imprensa, vai vender a ideia de que
somente a política pode acabar com esse temor.
E esse modo de tranquilização passa, evidentemente, pela criação de novos tipos penais
ou pelo enrijecimento das penas, acreditando-se que o mito de que “punir mais é melhor” é a
solução dos problemas sociais. Em verdade, o direito penal passa a assumir a função de arma
política, de angariar de votos, em uma sociedade que clama pela eficiência do Judiciário e pelo
imediatismo, o que, em regra, é contraditório.
No entanto, o que de fato ocorre é que, conforme bem expõe Pavarini, o papel da prisão é o
47
de unicamente neutralizar seletivamente quem cometeu crimes , oferecendo uma diferenciação
simbólica entre o bom e o mau, o aceitável e o intolerável, o cidadão de bem e o que deve ser
excluído do convívio social. E mais, por meio da mídia, o que ocorre é uma popularização do
governo, que passa a ser visto como severo contra a criminalidade quando propõe projetos de lei
para aumento de penas ou para tipificação de novas condutas, que, em um Estado efetivo
deveriam ser resolvidas na esfera administrativa. Nesse sentido Bauman vai dizer que
estatal frente ao delito, de modo que são fins principais a prevenção e a dissuasão, porque de
outra maneira, se as condutas delitivas não afetassem ou pusessem em perigo a existência da
ordem social pacífica, o Estado deveria ser indiferente a elas.” ISAZA, Camilo Osorio. Teoría de la
pena y aumento de penas. Disponível em:
http://www.congreso.gob.pe/historico.cip.materiales/extorsion/Teoria_aumento_penas. pdf Acesso
em: 18/10/2011.
46
CALLEGARI, André Luís; WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi. “Deu no Jornal”: notas sobre a
contribuição da mídia para a (ir)racionalidade da produção legislativa no bojo do processo de
expansão do Direito Penal. Op. cit. p. 64.
47
PAVARINI, Massimo. Entrevista concedida ao Instituto de Defesa do Direito de Defesa -IDDD -
Punir mais só piora e agrava a insegurança. Disponível em http://iddd.org.br/imprensa/show/223.
Acesso em 01/10/2011.
48
BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Trad: PENCHEL, Marcus. Rio de
O que causa preocupação é o fato de que, na realidade, esse aumento de pena e a
construção de mais presídios não resolvem o problema real da criminalidade. A construção de mais
49
presídios acaba apenas por representar mais prisões e mais população carcerária . Logo,
comprovando a falha do Estado em sua esfera administrativa. O aumento de penas gera apenas
um efeito simbólico de resolução dos problemas, porque a criação dessas leis não está respaldada
em prognoses e intenções de efetividade e solução, mas estão sendo implantadas apenas para a
“satisfação” eleitoral da sociedade, já que isso é o que a população defende, o aumento de penas,
sem nenhuma preocupação com as consequências complexas que tais leis trarão.
Essa noção de que penas mais severas vão garantir mais segurança não passa de uma
falácia, e, em termos reais, acaba tendo efeito diverso. Sobre o tema, Pavarini vai dizer com
propriedade que o aumento de penas representa mais risco do que benefícios para a sociedade.
Vislumbra-se, assim, uma necessidade de mais leis e mais punição. Penas mais elevadas
passam, segundo a mídia, a ser sinônimo de segurança e resposta adequada ao problema da
segurança. Cria-se assim o caos do Presídio Central de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, como
exemplo, embora a maioria dos presídios do país viva nessa realidade de super população
carcerária e a criminalidade aumentando, mesmo com a previsão de penas maiores. Algo parece
estar errado. Esse caos nada mais é do que resultado de um populismo punitivo, ou seja, situação
onde as considerações eleitorais primam sobre as condições de efetividade, passando
51
tranquilidade aos cidadãos . Nesse sentido, o papel das instituições estatais passa fictamente a
ser fortalecido, quando na verdade ocorre uma substituição da democracia pelo que fica mais
favorável aos que buscam o poder, sejam eles os governantes ou até mesmo, no outro extremo, os
terroristas.
Ora, os números acima apontados apenas materializam e oficializam o que se está a dizer
neste artigo: punir mais nunca foi e provavelmente nunca será a solução para os problemas da
sociedade com o crime. O que se precisa é de punição efetiva, a qual só será possível quando se
trabalhar realmente com prognose de política criminal.
52
WAINBERG. Jacques A . Mídia e terror: comunicação e violência política. Op. cit. p. 74.
53
KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Estudos culturais: identidade e política entre o moderno e
o pós-moderno. Op. cit. p. 254.
54
PAVARINI, Massimo. Entrevista concedida ao Instituto de Defesa do Direito de Defesa -IDDD -
Punir mais só piora e agrava a insegurança. Op. cit.
Considerações Finais
A expansão do Direito Penal é um fenômeno que atinge não só o Brasil, mas grande
parcela do globo e que se tem feito eficiente de maneira simbólica. Esse eficientismo simbólico vem
se fortalecendo por meio dos anseios desesperados da sociedade por mais segurança, e, em uma
lógica social absurda, por mais punição.
Nesse contexto, o Direito Penal passa a virar moeda de troca, seja por votos seja por mais
audiência. Ou seja, tanto a mídia como a política fazem uso desse temor que assombra a
sociedade (isso para não mencionar as empresas que prestam serviços de segurança privada, por
exemplo). Sociedade essa que nesses últimos tempos vem sendo chamada de sociedade do risco
ou, por alguns, de sociedade do medo, justamente por viver esse frenesi da busca de seg urança.
Resultado disso: está-se administrativizando o Direito Penal. Sim, está-se tentando resolver
o caos por meio da administrativização. Ou seja, as leis penais cada dia mais passam a prescrever
punições para os estágios prévios de conduta e passam a tipificar cada vez mais crimes de perigo
abstrato, sendo que o perigo abstrato é um instituto típico do Direito Administrativo. Ademais,
muitas das condutas que estão sendo punidas por meio do Direito Penal, deveriam ser resolvidas
na esfera administrativa. Porém, muito provável que a sociedade veja um problema nisso: a
impossibilidade de prisão. Atualmente, o que se prega é que a solução desses problemas se da
com a privação da liberdade.
Com efeito, cabe lembrar que nem a mídia e muito menos a política tem interesse em
resolução de problemas por via administrativa. Sem espetáculo, sem audiência e sem angariação
de votos. O que as pessoas querem ver é o drama alheio. É o julgamento, é a penalização dura e
impiedosa.
Perfeito: em busca disso, além da administrativização, outro fenômeno que nos cerca é o
aumento exorbitantes de penas para crimes que já se encontravam tipificados em leis anteriores e
no próprio Código Penal, ou ainda a previsão de institutos, como o o Regime Disciplinar
Diferenciado. É o Estado Democrático de Direito compactuado com o modelo do Direito Penal
máximo e com elementos que mais se assemelham a um Direito Penal do Inimigo.
Por trás de tudo isso, tem-se a mídia. Não há negócio mais lucrativo do que jogar com o
medo das pessoas. E é exatamente isso que a mídia faz. Como foi demonstrado, os meios de
comunicação de massa utiliza-se de artifícios que vão desde a inocente manipulação de fatos
através de recursos de apelo a identificação das pessoas com os fatos narrados, até a completa
distorção dos acontecimentos e dos números que o envolvem. Tudo em nome da audiência.
E essa manipulação dos fatos e a forte influencia que a mídia exerce na população é que
acaba por fomentar a expansão do Direito Penal. A mídia com seus discursos eficie ntista incute nas
pessoas a necessidade de que haja mais punição porque a violência está descontrolada e por
todos os lados, em todos os lugares. Nada mais esta seguro e a única forma de se resolver isso é
com mais punição e punição que afaste esses delinquentes desalmados de nossos lares. O que ela
ganha com isso: mais audiência, mais destaque, um papel de importância ímpar na vida das
pessoas. Não se sabe mais o que fazer se a mídia não guiar e não “abrir” os olhos da sociedade.
Sem maiores dramas, mas, deve-se ser franco: atualmente, a mídia tem ditado a forma de pensar.
Em razão de todos esses acontecimentos, é que se tentou demonstrar que ideologias como
“punir mais é melhor” ou “apenas a pena de prisão pode resolver o problema da criminalidade”,
frases essas que são plantadas pela mídia, são falsas e não passam exatamente disso: de mitos.
Prova disso, é que países como os Estados Unidos, como se mostrou no decorrer do artigo, tem
penas extremamente severas, mas a criminalidade continua com índices elevados. A única coisa
que mitos como esse fazem é levar à situações como o caos do Presídio Central de Porto Alegre,
no Rio Grande do Sul, que está superlotado e onde os apenados e acusados (sim, acusados,
porque a maioria que está lá ainda está respondendo a processo) sofrem constantes violações de
seus Direitos Humanos mais básicos.
E, embora o Rio Grande do Sul (assim como todo o Brasil) esteja com seus presídios
lotados, a criminalidade continua presente. A mídia, em discurso contraditório, também contin ua
vendendo que a criminalidade continua aumentando. Ora, se o discurso do punir mais é melhor, já
que os presídios estão cheios, a criminalidade deveria ter diminuído. Não?
A realidade é que mais punição ou punição através da privação de liberdade histor icamente
já se mostraram insuficientes e ineficazes. Precisa-se é de um Direito Penal que consiga se livrar
do apelo populista criado pela mídia, a serviço muitas vezes de jogos políticos, e que atenda as
necessidades da população de maneira a garantir a democracia, sem violações a Constituição
Federal. Necessita-se de um Direito Penal sério e comprometido, onde se busque um processo de
punição adequado, que certamente não se da apenas com a restrição da liberdade.
Na verdade, punindo mais não se chega a lugar algum, ou melhor, chega-se ao caos. Não
se resolve a situação de forma concreta, mas apenas com imediatismo e camuflagem. Precisa -se
de um Direito Penal respaldado por investimentos em políticas públicas adequadas, as quais só
vão se efetivar por meio de prognoses isentas da influência da mídia. O certo é que punir mais não
é melhor. Punir mais só é melhor enquanto mote eleitoral, que alimenta a ilusão social. O melhor, é
punir de forma adequada.
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