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PROCESSO MIDIÁTICO:
A Decisão Judicial no Estado Democrático de Direito e a Influencia da Mídia
1 INTRODUÇÃO
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Especialista pela Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Processual do Instituto de Educação Continuada na
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais — IEC PUC Minas. Bacharel em Direito pela Faculdade
Estácio de Sá de Belo Horizonte. Advogada. E-mail: lelafreis@gmail.com. Professora orientadora: Renata
Andrade Gomes.
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2 O PROCESSO MIDIÁTICO
sensacionalista pela mass media, não está livre – ainda que de forma inconsciente – de sofrer
as mesmas influências que a população.
Nos casos dos juízes, sob os quais recai a responsabilidade de julgar os grandes
processos que são midiatizados, ainda há de se destacar a influência que sofrem pelo clamor
social decorrente do sensacionalismo da mídia. Portanto, pode a opinião pública influenciar
tais decisões judiciais, já que o Poder Judiciário pode passar a ceder às pressões populares.
Nesse sentido, Artur César de Souza destaca que:
Porém, esse dever de informar não se apresenta simplificado; em via reflexiva gera o
direito de ser informado. Nesse sentido, afirma Marcos Antônio Pereira (2012) que “Isto
significa exatamente que, dentro do Estado Social, o exercício do direito de informar deve ser
revestido dos atributos de verdade, transparência e imparcialidade”.
Logo, observa-se que os meios de comunicação devem levar ao cidadão informações
que façam parte da realidade deste, ajudando-o a entender o que ocorre ao seu redor, para que
ele possa participar dos fatos da sociedade. Portanto, o dever de informar da mídia, em geral,
deve vir acompanhado de clareza, verossimilhança e evidência, sempre vinculados a uma
exigência profissional ética.
Atualmente é clara a grande função da mídia como formadora de opinião. Não é por
acaso que é intitulada como o “quarto poder”, afinal é por meio desses meios de comunicação
que a sociedade toma conhecimento de tudo que acontece à sua volta em todo o mundo.
A grande maioria da sociedade não possui os meios de comunicação apenas como
órgãos informadores, mas também como órgãos que ditam regras, que indicam o que fazer e
como fazer, que divulgam casos infundindo impressões sobre eles.
São essas impressões que ajudam a formar a opinião social; é por meio das
informações trazidas pela mídia que a sociedade julga um caso: “Os meios de comunicação
influenciam a percepção que o público possui de certas questões e condicionam de modo
relevante as decisões sociais e políticas” (ALTHEIDE apud SOUZA, 2010, p. 93).
Todo caso quando é exposto publicamente carrega uma opinião da fonte que o torna
público, logo sua divulgação dificilmente será imparcial. Nesse sentido:
E é essa parcialidade que é adotada pela população, uma vez que comumente as
pessoas não são levadas à análise crítica do caso, adotando apenas uma opinião previamente
estabelecida pela mídia.
Com o que hoje se chama de mass media, a manipulação da informação torna-se mais
corriqueira e abrangente, o que se faz de forma ainda mais fácil diante das grandes
tecnologias empregadas que possibilitam a difusão das informações em tempo real.
O Judiciário não está imune à influência da mídia. Todos os dias inúmeros casos
adentram o Judiciário, entretanto, alguns tomam dimensões distintas ao serem amplamente
divulgados pela mídia. São inúmeras as manchetes que criam impacto na população ao
divulgarem casos judiciais: caso da Suzane Von Richthofen, caso da menina Isabella Nardoni,
caso do goleiro Bruno, caso Mensalão, entre outros.
A mídia faz de alguns acontecimentos – que por muitas vezes, apesar de impactantes,
são corriqueiros – um objeto de grande atenção quando é transmitido à sociedade como se
espetáculo fosse.
O poder dos meios de comunicação em massa tendente a incentivar a opinião pública é
evidente, uma vez que influenciam na percepção que as pessoas formam, com relação a certas
situações. É esse poder da mídia que permite o desenvolvimento processual distinto aos
processos midiáticos, sendo que suas fases e o provimento final ficam condicionados ao que é
amplamente divulgado.
Assim, os processos que ganham relevância diante da mídia – e, consequentemente,
diante da sociedade – podem ser atingidos de forma positiva ou negativa pelos efeitos
midiáticos que se desenvolvem na complexa rede social.
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Alguns casos judiciais, sejam em âmbito penal ou cível, ganham destaque nos veículos
de comunicação, que os divulga de forma diferente dos demais acontecimentos, sendo
incisiva e reiterada, para salientar o caso e de torná-lo público.
É nessa atividade da mídia que se encontra uma das formas mais eficazes de garantir a
publicidade dos atos do judiciário. A publicidade é uma garantia constitucional prevista no
art. 5º, LX, CR/1988: “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a
defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.
Verifica-se, então, a clara contribuição da mídia na divulgação dos casos judiciais,
indicando todo o procedimento adotado no processo, tornando público os atos praticados pelo
Judiciário:
A mídia, utilizando-se de uma linguagem livre, por meio de textos (palavra escrita),
entrevistas, debates (palavra falada), imagens televisivas ou fotografadas, muito
diversa da forma erudita utilizada pelos profissionais de direito, torna visível a
Justiça, tem o importante papel de decodificá-la, fazê-la compreensível, pois não
basta que se veja e conheça a justiça, é preciso compreendê-la. (VIEIRA, 2003, p.
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[...] direito fundamental que tem, basicamente, duas funções: a) proteger as partes
contra juízos arbitrários e secretos [...]; b) permitir o controle da opinião pública
sobre os serviços da justiça, principalmente sobre o exercício da atividade
jurisdicional. (DIDIER Jr., 2011, p. 60)
Ana Lúcia Menezes Vieira (2003, p. 106) entende que essa função da mídia em dar
publicidade aos fatos, utilizando-se de linguagem simplificada, ao alcance populacional, é um
dos pontos mais positivos e relevantes da atividade informativa. Mais do que isso, conforme
Wesley Roberto de Paula (2009, p. 31), interpretando Bobbio, a garantia à publicidade “[...] é
condição de existência e validade da democracia [...]”, uma vez que no Estado Democrático
de Direito para legitimar os atos de poder – inclusive da função Judiciária – estes devem ter
participação do povo. É nesse sentido a grande importância da publicidade dos atos que
permitem ao povo maior participação, sendo considerado “o maior dos juízes”.
Além disso, e não menos importante, a divulgação incisiva de um caso nos meios de
comunicação, gera, em regra, celeridade ao processo.
Normalmente, um processo é lento, sendo todas as suas fases executadas de forma
morosa. Porém, os casos que tomam grandes proporções e repercussões na mídia, acabam por
serem rapidamente solucionados. A grande divulgação faz com que a população exija do
Judiciário respostas imediatas para o processo, desejando que o provimento final seja dado em
curto espaço de tempo.
Assim, o processo tende a ser mais célere que o normal, fazendo com que as soluções
sejam produzidas rapidamente no caso. O Judiciário se vê pressionado a prestar
esclarecimentos e dar respostas aos questionamentos que são levantados pela sociedade, logo,
as fases do procedimento ocorrem em tempo anormal, com muita rapidez.
Ao divulgar os casos judiciais, o mass media, por muitas vezes, imprimi-lhes sua
impressão, o que acaba por tornar os processos, que deveriam ser comuns, em “processos
midiáticos”. O problema desta tendência, para Ana Lúcia Vieira (2003, p. 212) “é que os
meios de comunicação não se colocam como observadores dos fatos, limitando-se a narrá-los,
mas se posicionam no centro deles emitindo ‘pontos de vista’”. Assim, a função da mídia em
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dar publicidade ao processo vai além, assumindo uma posição frente ao caso e influenciando a
população.
Em face ao princípio de liberdade de expressão – garantido constitucionalmente no art.
5º, IX, CR/1988: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença” –, a mídia não precisa ater-se à
apresentação de razões concretas para a forma com que divulga um caso, podendo apenas
expor, como julgue melhor, imprimindo as sensações que considerar pertinentes e
convenientes à situação.
A publicidade do processo toma, então, outros contornos, ao passo que as informações
trazidas pelos meios de comunicação são sobrecarregadas pelos julgamentos de valores e, por
vezes, com notícias infundadas. Nesse sentido, afirma Wesley Roberto de Paula (2009, p. 96):
“Nada obstante, a utilização desmesurada do direito à informação da coletividade
(publicidade), gera malsonantes efeitos no mundo capitalista, perante seu potencial desvio de
finalidades”. Esse fato gera consequências sérias ao processo e aos indivíduos nele
envolvidos. Nesse sentido, Carnelutti expressa que:
Verifica-se que, a forma incisiva e reiterada com que a mídia expõe um caso, acaba
por gerar comoção e clamor social, afetando diretamente o processo. Assim, as medidas
adotadas no curso do processo, que o torna midiático, são para atender ao clamor público;
busca-se, então, uma decisão imediata a fim de satisfazer à população.
Neste sentido, não importa o que surja no processo, o julgamento dos indivíduos
envolvidos no caso é feito pela própria mídia, que, diante de seu grande poder de
manipulação, acaba por insuflar a população frente ao que é – e como é – divulgado.
Muitas vezes, a falta de conhecimento técnico e o excesso de simplificação – com a
finalidade de que a informação seja compreendida pelos leigos –, por parte de quem informa,
gera confusões e equívocos. Isso somado ao juízo de valor, que é impresso à divulgação dos
casos, traz grandes repercussões e deformações dos atos processuais. Francisco de Assis
Serrano Neves afirma que:
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A prisão temporária não pode ser utilizada como um instrumento vingança em nome
da sociedade, levada por influencia da mídia, leiga no assunto, pretendendo sempre
dar um caráter punitivo antecipatório. (MATO GROSSO, 2009)
Assim, provas podem ser limitadas, testemunhos e perícias são divulgados pelos meios
de comunicação, sem qualquer preocupação com os efeitos desta midiatização no resultado do
devido processo constitucional.
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Vários são os casos que corroboram esta influência e imediatismo. Ainda é presente na
memória da sociedade o caso da criança Isabella Nardoni que teria sido assassinada por seu
pai e sua madrasta. Sobre este caso Luiz Flávio Gomes (2008) afirma que: “No caso Isabella a
prisão temporária foi decretada pelo juiz ‘imediaticamente’. Ele seguiu, naquele momento, o
indevido processo midiático”. Foi nesse caso que por vezes os Habeas Corpus, impetrados
para o casal Nardoni acusado – o pai e a madrasta da menina assassinada –, foram negados
frente ao argumento do STJ de garantia da ordem pública e da instrução criminal:
Esse não é o único caso emblemático de grande repercussão na mídia que promoveu
comoção social e clamor da população por soluções rápidas e conforme o esperado pela
sociedade.
No Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o caso mais recente refere-se ao goleiro
Bruno Fernandes, acusado de matar a ex-namorada e ocultar seu cadáver. Neste caso a
denegação do remédio constitucional foi ainda mais clara em relação à forma como o
processo foi conduzido pela mídia:
Assim, garantir que se tenha um devido processo constitucional é permitir aos sujeitos
processuais o exercício do direito ao contraditório, ampla defesa e isonomia. Estes são
também, direitos fundamentais, uma vez que se alicerçam no devido processo, que é a grande
garantia constitucional. É este devido processo constitucional que garante aos indivíduos a
possibilidade de um processo linear e técnico, seguindo devidamente os procedimentos
determinados em lei. É devido a essa garantia constitucional que as partes processuais podem
ter ciência de todos os atos do processo e, então, exercer plenamente o direito de resposta de
forma isonômica.
Alexandre Freitas Câmara permite definir como contraditório, a garantia de ciência
bilateral dos atos e termos do processo, com a consequente possibilidade de manifestação
sobre eles (CÂMARA, 2011, p. 52). Entende-se, então, que os sujeitos envolvidos no
processo devem tomar conhecimento de qualquer ato ali praticado, para que, sendo o caso, se
manifestem a cerca dos elementos fáticos e jurídicos constantes no processo.
Ao lado dessa garantia constitucional, e compondo o devido processo, o princípio da
ampla defesa também surge como uma garantia constitucional e é tratada por Rosemiro
Pereira Leal:
Este (direito de ampla defesa), como vimos, não é o simples dizer ou o contradizer,
mas o direito-garantia constitucional de que o debate jurídico no procedimento
reger-se-á pelo PROCESSO e consequentemente matriciado pelo due process ao
assegu-ramento do contraditório, defesa ampla e isonomia das partes em todo iter
processual e efetiva participação destas na construção do provimento (decisão).
(LEAL, 2005, p. 45. Grifo do Autor)
Não basta que as partes tenham ciência dos atos processuais, oportunidade de exaurir
todos os meios e possibilidade de expor os pontos que lhes sejam favoráveis. Pois é preciso
que tudo isso seja realizado, possibilitando a igualdade das partes envolvidas em um processo,
mantendo-se a isonomia. É essa garantia constitucional que permite a busca pela equidade de
tratamento aos sujeitos envolvidos no processo, a fim de que possam ter as mesmas condições
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4 CONCLUSÃO
as garantias trazidas pela CR/1988 possuem a mesma relevância e não existe hierarquia sobre
elas.
O direito à liberdade de expressão, exercido pela mass media, deve ser limitado
quando usado de forma abusiva e nociva ao processo e também às partes que nele estejam
envolvidas. O devido processo constitucional – este que não se adéqua ao “indevido processo
midiático” – deve ser devidamente respeitado a fim de que a decisão judicial proferida seja
legítima.
Não há que se falar em negativa do direito à liberdade de expressão para que o direito
ao devido processo legal sobreponha-se a ele, ou vice versa. Todavia, dentro do que hoje é
trazido pelo ordenamento jurídico brasileiro não há uma forma concreta de realizar essa
limitação da liberdade de expressão, para que assim, se afaste o risco ao processo e à
legitimidade das decisões judiciais, especialmente diante dos avanços tecnológicos, que por
sua vez, proporcionam maior atuação – e, consequentemente, maior crescimento de influência
– da mídia.
O que se faz necessário é que esses dois direitos fundamentais convivam de forma
equilibrada, sem que um interfira no âmbito de atuação do outro.
REFERÊNCIAS
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<http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080509170150479>. Acesso em: 23
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