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Quão impactante pode ser a proliferação das fake news na democracia?

As redes socais fazem parte do quotidiano das pessoas, oferecendo possibilidades


ilimitadas de comunicação. Elas mudaram definitivamente as formas de relacionamento
e, mais importante para o objetivo deste trabalho, as maneiras de articulação política
entre os indivíduos. Ridiculamente, os meios que popularizaram a produção e
propagação de conteúdo também deram ao indivíduo a capacidade de atingir
incisivamente alguns grupos sociais e, por vezes, de dominar estes de forma impositiva
principalmente quando se utiliza artifícios mentirosos, as fake news. Sendo assim, o
debate sobre este problema é importante uma vez que da mesma forma que os canais de
comunicação digitais, servem para trazer mais conhecimento e velocidade de
comunicação, elas também são utilizadas para a desinformação e manipulação
ideológica. Perante isto, defendo que as fake news têm um mortífero impacto na
democracia.
A produção de notícias falsas está estruturada num jogo de forças que se estabelece
entre incentivos econômicos e interesses políticos. Em governos democráticos, há
grupos políticos que também tentam ganhar vantagem dentro das redes sociais, seja a
financiar influenciadores, seja construindo plataformas com um grande número de
pessoas, cuja narrativa remete ao desejo ideológico do grupo, na tentativa da
manipulação do debate e de propagar a informação desejada, difamando os seus
oponentes, e despertando assim no público a vontade de compartilhar essa informação
disturbada. Um dos exemplos onde as fake news desempenharam um papel significativo
na democracia, foi nas eleições de 2018, favorecendo de maneira positiva a eleição do
hoje presidente Jair Bolsonaro. Mas porquê é que favoreceu tanto Bolsonaro e não
Fernando Haddad, o seu oponente? Durante a minha pesquisa sobre este tema eu
descobri que das 72 fake news lançadas nesta campanha eleitoral, 87,5% destas
beneficiaram Bolsonaro e os restantes 12,5% beneficiaram Haddad. Realmente estes
dados mostram que ambos os candidatos podem ter sido beneficiários do conteúdo
de fake news, mas a quantidade de material visando o benefício de Bolsonaro foi
significativamente maior.
Uma dessas, foi a divulgação de uma imagem da vice-presidente de Fernando Haddad,
Manuela D´Ávila, a usar uma camisola a dizer “Jesus é travesti”. Assim, pessoas sem
sentido crítico, que não conhecem os riscos da desinformação na democracia, que não
são capazes de discernir uma notícia verdadeira de uma falsa e católicas acabam por
acreditar nesta imagem (que mais tarde foi comprovada como falsa), compartilham-na e
levam outros a acreditar na veracidade da mesma, consequentemente Bolsonaro, que foi
o que mais beneficiou com as fake news em comparação com Haddad, acabou por
ascender ao poder.
Para além desta existiram outras fake news que ajudaram Bolsonaro a ganhar as
eleições nomeadamente: uma frase falsa supostamente dita por Haddad foi amplamente
compartilhada durante o processo eleitoral afirmando que ao completar cinco anos
qualquer criança passa a ser propriedade do Estado e que cabe a ele a decisão se ela será
menino ou menina. Circulou também uma foto de uma senhora com o rosto inchado
como se estivesse cheio de hematomas e a informação de que ela teria sido agredida por
petistas (pessoas vinculadas ao partido dos trabalhadores liderado por Haddad) por ser
eleitora de Bolsonaro, quando na verdade a tal senhora era uma atriz após sofrer um
acidente. Entre outras…
Contudo, as informações transmitidas pela comunicação social, não são recebidas da
mesma maneira por todos os indivíduos.
Muitas vezes o discurso divulgado através da comunicação social, perde o seu
significado visto que cada indivíduo tem a sua maneira de interpretar e agir sobre o
mundo. Todos nós, em contacto com a realidade, construímos representações da
realidade, formamos juízos de valor a respeito dos acontecimentos do real e
consequentemente, acreditamos que estes correspondem à “verdade”. Por exemplo,
dificilmente um sujeito de esquerda, apoiante de Fernando Haddad, mudará o seu
posicionamento político após ler a notícia que difama o seu partido, a que Manuela
usava tal camisola.
Por outro lado, a quantidade de notícias exibida no telejornal, faz com que a retenção
destas seja muito baixa. Mesmo pessoas com bom nível educacional, que foram
habituadas a ver o telejornal, não são capazes de recordar com clareza as notícias
assistidas alguns minutos depois do encerramento do telejornal. Desta forma, podemos
assim concluir que a maioria das informações transmitidas por um telejornal não fica
retida na mente dos telespectadores, fazendo com que certos juízos não estejam
corretamente formulados, ou seja, que tenham sido construídos por uma base falsa de
informação.
Em suma, é notório que as fake news estão diretamente ligadas à persuasão,
influenciando-nos constantemente a ter determinado pensamento ou comportamento de
forma a fazer-nos acreditar naquilo que querem que acreditemos, tendo como resultado,
por vezes, uma inflação no poder político.

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