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Os média e o crime: caso mediático “CASA PIA”

Na representação mediática da realidade criminal, existem dois lados: o lado


que a distorce ou a apresenta de uma forma simplista e o lado que a não a
distorce e a apresenta de uma forma completa com toda a sua complexidade,
mas que, pelo caminho, ignora a questão ética.
A perceção pública do crime é-nos sugerida pelo que os media veiculam. Estes
não se limitam a gerar informação, mas também produzem e reproduzem
eventos e opiniões. Assim, os media são instrumentos heurísticos essenciais
para a compreensão da realidade criminal, quer enquanto produto quer
enquanto produtores do meio social em que estão inseridos. Este capítulo
pretende explorar olhares teóricos sobre o papel dos media na construção
social da realidade criminal. Para tal, levantam-se questões relacionadas com o
crime e a comunicação social, designadamente: a importância que os media
têm na construção social da realidade social, a forma como o crime é abordado
pelos media, quais os efeitos que estes geram na opinião pública e, por fim,
discute-se a importância do conceito de pânico moral, enquanto componente
analítico nos atuais estudos sociais do crime.
Os media assumem na vida quotidiana dos indivíduos uma importância que
não pode ser ignorada. Para muitos, os meios de comunicação são a principal
(ou única) fonte de acesso a determinados factos, acontecimentos, histórias,
relatos, testemunhos ou imagens; e é, também, por essa via que formam
opiniões, reforçam crenças, constroem imagens, dão sentido a uma realidade
social complexa e mutante (Carvalho, 2007: 2; Penedo, 2003: 13).
Embora a forma como o público recebe a informação não seja completamente
acrítica e passiva (Guibentif, 2002; Sacco, 1995), a grande parte daquilo que as
pessoas percecionam da realidade, sobretudo no caso de realidades distantes
do seu quotidiano, é-lhes veiculada pelos media (Lippmann, 1922). Estes
podem não dizer o que o público deve pensar, mas são determinantes em
definir sobre o que ele deve pensar, através do modo como os eventos, tópicos
e indivíduos neles são destacados e representados (Machado e Santos,
2009b).
Caso mediático:
O processo Casa Pia originou o maior fenómeno de informação,
contrainformação e desinformação de que há memória na comunicação social
portuguesa desde o 25 de Abril de 1974.
Após a notícia da jornalista Felícia Cabrita, no Expresso, a 23 de novembro de
2002, os órgãos de comunicação social colocaram em campo os seus
jornalistas mais especializados em assuntos de justiça. Todos queriam a
manchete no dia seguinte com pressões constantes por parte das chefias.
A visibilidade, agora mais fragilizada e refém dos meios de comunicação,
fomenta a ocorrência de escândalos que terão uma ampliação na sociedade e
um carácter mediático, quando divulgados pelos media. O escândalo pode
espalhar-se rapidamente e de maneira incontrolável, sendo difícil reverter o
processo. Assim, uma das suas consequências imediatas é o prejuízo que traz
à reputação dos envolvidos e pode levar os mesmos, e o público em geral, à
exaustão caso esteja na agenda mediática durante um longo período de tempo,
como aconteceu com o processo Casa Pia
Nesta perspetiva, e uma das suas caraterísticas principais, o escândalo implica
a revelação, através dos media, de atividades ocultadas que desafiem as
regras morais da sociedade (THOMPSON, 2000:82). O facto de o escândalo
ser divulgado pelas organizações de media pode justificar-se por dois fatores:
1) pelo facto de o escândalo gerar receita e audiência e 2) pela
responsabilidade dos media em informar o público sobre as atividades dos
governantes no exercício do poder. O primeiro deriva do facto de que o Homem
facilmente se interessar por casos próximos e reais que apelem à emoção,
interessa-se pelos segredos e comportamentos ilícitos de figuras públicas e
políticas, que têm como obrigação seguir regras morais para validar a
confiança que o povo em si deposita. Já o segundo fator relaciona-se com o
facto de a profissão de jornalista se ter desenvolvido numa vertente de
jornalismo de investigação nos anos ’80 – principalmente nos EUA -, onde
vários profissionais encaravam como sua missão a exposição de segredos e
irregularidades no exercício da governação, contribuindo para a salvaguarda do
interesse público. Aqui, existe a ideia de que os meios de comunicação devem
ter um papel de vigilante da democracia, denunciando as ilegalidades
cometidas pela elite política.

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