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Estrada das Palmeiras, 59
Queluz de Baixo
2730-132 Barcarena
Foi há três anos, quatro meses, dois dias e uma mão-cheia de horas que a vi
pela primeira vez.
A rapariga mais linda que eu já tinha visto.
O meu calvário.
Ela chegou ao internato da Lancaster Prep no primeiro dia do nosso nono
ano, e ninguém sabia quem era. Fresca e imaculada, aberta e recetiva, com
aquele maldito sorriso que parece gravado permanentemente no rosto. Todas as
raparigas da nossa turma foram imediatamente enfeitiçadas. Seguiam-na para
onde quer que fosse. Procuravam desesperadamente ser suas amigas, chegando
mesmo a lutar pelo tão cobiçado estatuto de melhor amiga. Copiavam o seu
estilo tão natural, e toda a escola vibrava de cada vez que ela aparecia com um
penteado diferente ou que usava um par de brincos novo, pelo amor da santa.
Mesmo as raparigas mais velhas, as veteranas, gravitavam na sua direção,
totalmente cativadas por uma aparentemente inocente rapariga de olhos verdes
que mal me dirigiu dez palavras desde que aqui chegou.
Várias pessoas me disseram que a assustava. Que a intimidava. Eu sou tudo
aquilo que ela teme. E bem.
Comia-a viva. Engolia-a inteira — e ia desfrutar de cada instante. E ela sabe-
o.
Somos opostos em tudo e mais alguma coisa. Ainda assim, somos
secretamente iguais. É a cena mais estranha de sempre.
Ela é a líder que todos seguem, é ela quem comanda, em silêncio, a escola. Tal
como eu. Mas a sua coroa é leve. Feita de fibra de vidro, espuma efervescente e
zero expectativas. Já a minha é pesada e incómoda, recordando-me do meu
dever para com a família. Com o nome.
Com os Lancasters.
Somos uma das famílias mais ricas do país, se não mesmo do mundo. O
nosso legado estende-se por várias gerações. Sou dono desta escola —
literalmente — e de todos no seu interior. À exceção de uma pessoa.
Ela nem sequer olha para mim.
— Porque é que estás a olhar embasbacado?
Nem sequer me dou ao trabalho de olhar na direção do meu melhor amigo, o
Ezra Cahill, quando ele me faz essa pergunta cretina. Estamos no portão da
escola, na segunda-feira a seguir ao feriado de Ação de Graças, o ar cortante da
manhã frio o suficiente para atravessar o casaco grosso de lã que tenho vestido.
Devia ter trazido um casaco mais quente. E de certeza absoluta que não vou
entrar já. Ainda não.
Faço isto quase todas as manhãs: aguardar pela chegada da rainha, pelo dia
em que ela se digne a reconhecer a minha existência.
Até hoje, recebi zero reconhecimento.
— Não estou a olhar embasbacado — digo, finalmente, ao Ez, a minha voz
monocórdica. Desinteressada.
Para o mundo, ajo como se me estivesse a cagar para tudo e para todos. É
mais fácil assim. Acreditem, sei perfeitamente o quão cliché estou a ser, mas
funciona para mim. Mostrar interesse é admitir vulnerabilidade, e eu sou o
filho da puta menos vulnerável desta escola toda. Toda a merda me passa ao
lado. Depositam zero expectativas em mim. Os meus irmãos mais velhos
acham-me o mais sortudo de entre nós, mas eu discordo.
A eles, pelo menos, reconhecem-lhes a existência. Às vezes, acho que o meu
pai, pura e simplesmente, se esquece de que eu existo.
— Estás outra vez à procura dela.
A minha cabeça dispara na direção do Ezra, o meu olhar duro e frio, apesar
de ele me ignorar, só o esgar que lhe curva os lábios mostra que se apercebeu.
— Quando é que não estou? — A pergunta é incisiva. Como uma bofetada,
não que ele queira saber.
O cabrão ainda tem a lata de se rir.
— Que se lixe esta espera toda. Já passou quanto tempo? Devias falar com
ela.
Mudo de posição no pilar frio contra o qual estou encostado, todo o meu
corpo relaxado. Casual. Mas, bem lá no fundo, estou a contorcer-me, o meu
olhar volta a dirigir-se a ela. Mais uma vez.
Sempre.
A Wren Beaumont.
Ela caminha descontraidamente em direção ao portão da escola. Em direção a
mim. Com um sorriso sereno no rosto, ela é radiante, iluminando todos
aqueles com quem se cruza com o seu singular raio de luz, embalando-os num
transe. Cumprimenta toda a gente — menos eu — com aquela voz aguda,
dando os bons-dias como se fosse a merda da Branca de Neve. Amigável e
doce, e tão estupidamente linda que quase dói ficar a olhar para ela durante
demasiado tempo.
O meu olhar fixa-se na sua mão esquerda, no fino anel de ouro que envolve o
seu dedo anular, adornado por um único diamante, minúsculo. Um anel de
compromisso que recebeu numa daquelas cerimónias maradas, onde um
monte de futuras debutantes pré-púberes desfila num mar de vestidos em tons
pastel de corte recatado. Sem um único milímetro de pele escandalosa a
descoberto.
Os pares são os paizinhos. Homens importantes que gostam de ter coisas,
mulheres incluídas. Como é o caso das suas filhas. Durante o serão, elas são
sujeitas a uma cerimónia traumática, em que olham nos olhos dos pais
enquanto lhes repetem um voto de castidade e o anel lhes é posto no dedo.
Como se fosse um casamento.
Demasiado estranho, é o que eu acho. Ainda bem que o meu pai não sujeitou
a minha irmã mais velha, a Charlotte, a essa merda. É uma cena que parece
mesmo a praia dele.
A nossa pequena Wren é orgulhosamente virgem. Toda a gente na escola está
a par dos sermões que ela dá às outras raparigas sobre guardarem-se para os
seus futuros maridos.
É uma vergonha alheia da porra.
Quando éramos mais novos, as raparigas da nossa turma ouviam a Wren e
concordavam. Deviam guardar-se. Dar valor ao seu corpo e não o entregar a
um de nós, criaturas repugnantes e inúteis. Mas depois todos crescemos um
bocadinho e começámos a ter relações ou curtes. Uma por uma, todas as suas
amigas foram perdendo a virgindade.
Até ser ela a última virgem da turma de décimo segundo ano.
— Estás a perder o teu tempo com essa, Lancaster — diz o meu outro melhor
amigo, o Malcolm. O cabrão é podre de rico e é de Londres, por isso, todas as
raparigas da escola lhe caem aos pés, por causa do seu sotaque britânico. Ele
nem sequer tem de pedir. — Ela é uma pudica e tu sabe-lo.
— É por isso que ele a quer. — O Ezra descose-se, sabendo do meu segredo.
— Ele está mortinho por a corromper. Roubar todas as primeiras vezes ao seu
mítico futuro marido. Aquele que se vai estar a cagar para se ela é virgem ou
não.
O meu amigo não está errado. É mesmo isso que eu quero fazer. Só porque
posso. Porquê guardares-te para um homem qualquer que só te vai desiludir na
tua noite de núpcias?
É completamente idiota.
O Malcolm observa a Wren enquanto ela para para falar com um grupo de
raparigas, todas mais novas do que ela. Todas esvoaçam em seu redor, como se
ela fosse uma mãe pássaro e elas, as suas crias, desejosas de atenção.
— Também não me importava nada de lá ir — murmura o Malcolm, o seu
olhar aguçando-se enquanto a continua a fixar.
Mando-lhe um olhar assassino.
— Tocas nela e morres, porra.
Ele inclina a cabeça para trás numa gargalhada.
— Por favor. Não estou interessado em virgens. Gosto das minhas mulheres
com alguma experiência.
— Definitivamente, ele não gosta quando elas têm medo de um pénis —
acrescenta o Ezra, agarrando a pila e os tomates para dar mais enfâse ao que
disse.
Ignorando as suas gargalhadas, volto a focar-me na Wren, o meu olhar
percorrendo-a de alto a baixo. Casaco com o brasão dos Lancasters, camisa
branca por baixo, as mamas comprimidas pelo tecido. Saia de pregas
axadrezada, mesmo acima do joelho. Sempre modesta, a nossa Wren. As meias
brancas com um pequeno folho, os sapatos de fivela Doc Martens calçados. O
seu único sinal de rebeldia, ainda que pequeno. Todas as raparigas da Lancaster
Prep passaram-se quando ela apareceu na escola com aqueles sapatos, no
primeiro dia depois das férias de inverno do nosso nono ano. As raparigas
ficaram confusas. Toda a gente usava mocassins na Lancaster Prep. Era uma
regra tácita.
Até à Wren.
No início do nosso décimo ano, quase todas as malditas raparigas da
Lancaster usavam sapatos de fivela, da Doc Martens e de outras marcas. Mas
nenhuma dessas raparigas mexe comigo da mesma forma que a Wren.
Os sapatos aparentemente inocentes e as meias de menina. A saia de pregas e
as maçãs do rosto coradas e a forma como ela anda sempre pela escola, depois
de almoço ou no fim das aulas, com uma merda de um chupa-chupa na boca,
os seus lábios de um vermelho sumarento à conta do rebuçado. Vejo-a com um
chupa entre os lábios e só consigo pensar nela ajoelhada à minha frente, a sua
mão a agarrar a minha picha, guiando-a em direção à sua boca acolhedora,
aquele anel da tanga, que o seu querido pai lhe deu, a reluzir.
É isso que eu quero. A Wren de joelhos, a implorar pela minha piça. A chorar
por ela quando a rejeito. Porque vou acabar por rejeitá-la. Não entro em
relações. É uma vulnerabilidade da qual não preciso. Vi a forma como o meu
pai tratou os meus irmãos mais velhos quando estes levaram mulheres lá a casa,
para as apresentar à família. O Grant e a namorada, que, na verdade, trabalha
para ele — claro que o pai teve de se fazer a ela. O meu outro irmão, o Finn,
nem sequer se dá ao trabalho de apresentar mulheres à família.
Não o posso culpar.
E depois há a minha irmã, a Charlotte. O nosso pai vendeu-a pela melhor
oferta, e agora está casada com um homem que nem sequer conhece. É um
gajo decente, mas porra.
Nem pensem que vou deixar o meu pai meter-se nas minhas relações. A
melhor forma de o fazer? Não ter relações.
Penso no meu primo, o Whit. Na forma como se viu envolvido num
pequeno escândalo no seu último ano na Lancaster Prep, com uma rapariga
com quem está prestes a casar. Até já têm um filho — fora do matrimónio, o
escândalo supremo para um Lancaster. A minha própria mãe chama à futura
mulher do Whit um lixo absoluto, mas é isso que acontece em famílias como a
nossa. A nossa reputação é tudo. E, por vezes, esta acaba conspurcada.
Boa parte do tempo, é mesmo isso que acontece.
E a noiva do Whit não é um lixo. Ela está apaixonada por ele, e ninguém
tolera as merdas dele como a Summer.
A Wren aproxima-se e eu endireito-me, tentando que os nossos olhares se
cruzem, mas, como sempre, ela recusa-se a olhar para mim. Quase me rio
quando diz bom dia ao Malcolm. Ao Ezra.
Ela não me dirige uma única palavra quando passa por mim, entrando no
edifício sem sequer um olhar por cima do ombro, acompanhada pelas raparigas
mais novas que me mandam olhares, com aqueles grandes olhos de corças.
Assim que se ouve a porta a fechar, o Ezra começa a rir novamente, dando
palmadas no joelho para efeito dramático.
— Há quanto tempo é que tentas chamar a atenção daquela miúda, e ela
continua a ignorar-te? Desiste.
Será que eles não veem que é o desafio que me dá pica? Será que não
percebem?
— Sabes, ela vai dar uma festa — diz o Malcolm quando o Ezra acaba de se
rir.
— Para quê? — pergunto, irritado.
— É o aniversário dela. Céus. — O Malcolm abana a cabeça. — Para quem,
supostamente, está obcecado pela Wren Beaumont, não sabes grande coisa
acerca dela, pois não?
— Não estou obcecado. — Afasto-me do pilar e aproximo-me dos meus
amigos, querendo saber todos os detalhes. — Quando é que é essa festa?
Estamos a três semanas das férias de inverno, embrenhados em trabalhos de
projeto e na preparação dos exames finais do nosso último semestre de outono
como alunos do décimo segundo ano, e já estamos todos exaustos. Ando a dar
o litro por notas que nem sequer importam, uma vez que faço zero planos para
concorrer à faculdade depois disto. Entrei no primeiro de três fundos
fiduciários quando fiz dezoito anos, em setembro. Além disso, os meus irmãos
querem que vá trabalhar na empresa de mediação imobiliária deles. Para que é
que haveria de ir para a faculdade quando me basta tirar uma licença de
mediação imobiliária, para depois conquistar o mundo a vender casas de luxo
ou corporações gigantescas? Os meus irmãos trabalham tanto para o setor
residencial, como para o comercial.
O que eu queria mesmo era viajar pelo mundo durante um ano ou dois
depois de terminar o secundário. Não ter de trabalhar. Absorver a cultura e a
gastronomia. As paisagens e a história. Depois, posso regressar a Nova Iorque,
começar a tratar da minha licença de mediação imobiliária e, finalmente,
juntar-me ao negócio dos meus irmãos.
Independentemente daquilo que o meu velho possa pensar, tenho várias
opções.
— Na verdade, ela faz anos no Natal, mas disse que ia fazer a festa no dia
seguinte, a vinte e seis. O Boxing Day — diz o Malcolm. — O feriado mais
subestimado, devo acrescentar.
— Um feriado inventado para os britânicos terem mais um dia de folga, é o
que eu acho — resmungo.
— O equivalente britânico da Black Friday — acrescenta o Ez com um
grande sorriso.
O Malcolm faz-nos um pirete a ambos.
— Se ela vai dar uma festa, sem dúvida que vou.
— Eu também — acrescenta o Ezra.
Franzo o sobrolho.
— Vocês foram convidados, suas bestas?
O Malcolm ri-se com ar de gozo.
— Claro. Presumo que tu não?
Abano a cabeça lentamente, esfregando o queixo.
— Ela nem sequer me fala. De certeza que não me vai convidar para a sua
festa de anos.
— Dezoito anos e nunca foi beijada — diz o Ezra com uma voz aguda,
tentado imitar uma miúda, mas falhando miseravelmente. — Devias invadir a
festa e pregar-lhe um chocho, Lancaster.
— Quem lhe dera a ela — digo lentamente, entusiasmado com a ideia.
Demasiado entusiasmado.
— Os Beaumonts são ricos como a merda — recorda-nos o Malcolm. — A
segurança daquela festa vai ser muito apertada, com todas aquelas obras de arte
valiosíssimas que eles têm penduradas nas paredes. Além disso, o pai vigia-a
como se fosse uma merda de um cão de guarda. Daí o anel de compromisso
que ela usa no dedo.
O Ezra finge-se arrepiado.
— Acho assustador. Prometeres-te ao pai? Fico a pensar no que é que se
passará naquela família.
Odeio a direção em que os meus pensamentos são conduzidos pelos
comentários do Ezra. Espero sinceramente que não se passe nada de estranho,
ou mesmo — nem me atrevo a pensar — incestuoso entre os Beaumonts.
Duvido muito, mas não a conheço nem à família. Só sei o que vejo, e vejo
muito menos do que aquilo que queria.
— Há muitas raparigas nesta escola que usam anéis de compromisso
oferecidos pelos pais — diz o Malcolm. — Imitaram todas a Wren. Lembras-
te? Era um monte de raparigas da nossa turma e mais as do nono ano, quando
andávamos no décimo.
Começo a irritar-me.
— Essa moda morreu uma morte lenta e dolorosa.
Quase de certeza que a Wren é a única que ainda usa o anel.
— Pois — diz o Malcolm, arrastando as vogais, com um sorriso porco. —
Agora são todas umas putas, implorando pelas nossas pichas.
Rio-me baixinho, apesar de não achar grande piada ao que ele disse. O
Malcolm tem esta forma de insultar as mulheres que eu acho megairritante.
Sim, somos os três umas bestas misóginas quando nos juntamos, mas nenhum
de nós anda para aí a chamar putas às raparigas como o Malcolm faz.
— Que termo tão depreciativo — diz o Ezra, o que faz com que olhemos
ambos de relance para ele. — Prefiro galdéria. Puta é tão… cruel.
— E galdéria não é? — O Malcolm ri-se.
Já nos estamos a desviar do assunto. Tenho de trazer a conversa de volta à
Wren.
O pequeno e doce passarinho que tem medo do gato malvado e perverso, e
das suas garras.
O gato sou eu.
— Se ela vai mesmo fazer uma festa de aniversário, quero um convite —
digo-lhes, com voz firme.
— Não fazemos milagres — diz o Ezra, com um encolher de ombros
displicente. Mas o que é que lhe interessa? Ele já foi convidado. — Devias
tentar uma abordagem mais delicada com a Wren. Sê simpático, por uma vez
que seja, em vez da grandessíssima besta que és sempre.
Sempre que a vejo fico automaticamente cheio de raiva. Como é que vou ser
simpático quando a única coisa que me apetece é fodê-la toda?
Fodê-la toda como em: fodê-la até ao coma. Olho para ela e fico logo cheio
de tesão. Quando a vejo com o chupa-chupa entre os lábios fico logo de pau
feito. Para todos os outros, ela é a doce e meiga Wren.
Eu vejo-a de outra forma. Eu quero-a… de outra forma.
Não tenho outra maneira de o explicar.
— Ele agora está com aquele olhar furioso só porque está a pensar nela —
nota o Malcolm. — É um caso perdido. Desiste, puto. Ela não é para ti.
Mas o que é que ele sabe, porra? Sou um Lancaster, pelo amor da santa.
Consigo fazer tudo acontecer.
Como foder uma virgem.
DOIS
WREN
Assim que as portas duplas se fecham com um som metálico atrás de mim,
olho por cima do ombro, tentando encontrar o Crew Lancaster do outro lado
do vidro opaco. Mas a única coisa que vislumbro é o seu cabelo louro escuro,
mais as cabeças dos seus dois amigos. O Malcolm e o Ezra.
Nenhum deles me intimida da mesma forma que o Crew. O Malcolm é um
engatatão do pior, com uma forma de ser inconfundivelmente perversa. O Ezra
está sempre à procura de qualquer coisa para gozar.
Já o Crew fica só ali no meio, a cismar. É a cena dele.
Não gosto da cena dele.
Não me agradam os meus pensamentos — este último, em particular,
pareceu-me vagamente inadequado, e eu não tenho pensamentos destes.
— Wren, hoje vens almoçar connosco? — pergunta-me uma das raparigas.
Oh. Começo a pensar no Crew e esqueço-me do que se está a passar à minha
volta. Como o facto de que, presentemente, tenho quatro raparigas do nono
ano que me seguem para onde quer que vá.
Sorrindo ligeiramente para a rapariga que me perguntou sobre o almoço,
digo:
— Desculpa, mas tenho de ir a uma reunião hoje à hora de almoço. Fica para
outro dia?
A deceção que elas sentem com a minha rejeição é palpável, mas limito-me a
sorrir. De forma relutante, todas acenam com a cabeça em simultâneo, antes de
se entreolharem e de se afastarem discretamente, sem me dizerem uma única
palavra.
É estranho ter um clube de fãs quando a única coisa que faço é,
simplesmente… existir.
Expiro nervosamente e começo a caminhar pelo corredor. A pressão que estas
raparigas depositam sobre mim, sem sequer terem noção disso, por vezes, chega
a ser insuportável. Elas puseram-me num pedestal tão alto que, em menos de
nada, posso cair dali abaixo. Acabaria por ser uma desilusão para todos, e isso é
a última coisa que eu quero. A última coisa que elas iriam querer.
Tenho uma imagem a manter e, às vezes, isso parece…
Impossível.
É uma responsabilidade enorme ser um modelo a seguir para tantas mulheres
como eu. Raparigas sem rumo, vindas de famílias ricas. Raparigas que só se
querem encaixar e pertencer a alguma coisa. Sentirem-se normais e terem uma
experiência convencional da escola secundária.
Bem sei que somos uma escola privada seleta, apenas acessível às classes mais
altas, e que a nossa vida é tudo menos normal, mas mesmo assim. Tentamos
fazer disto o mais normal que conseguimos, porque algumas de nós sofrem, tal
como toda a gente. Com problemas de autoestima, com os nossos estudos,
com as expectativas que as nossas famílias, amigos e professores depositam
sobre nós. Sentimo-nos invisíveis, incompreendidas.
Eu senti-me.
Às vezes, ainda sinto.
Presentemente, é esse o meu objetivo de vida — ajudar os outros a sentirem-
se confortáveis, talvez até a encontrarem-se a si próprios. Quando era mais
nova, costumava achar que queria ser enfermeira, mas o meu pai demoveu-me
dessa ideia, com sermões intermináveis sobre como ser enfermeira é um
trabalho duríssimo, com um salário miserável.
Miserável segundo ele. O Harvey Beaumont é rico — herdou o negócio de
mediação imobiliária do pai por volta dos trinta anos e fê-lo prosperar; e agora
é um multimilionário. Que a sua única filha se tornasse uma enfermeira seria
tão pouco digno dele e do nome Beaumont.
É algo que nem sequer posso escolher. Não importa o que eu quero.
O que quer que seja que queira fazer, tenho sempre de pedir a sua
autorização. Sou filha única, a única rapariga, e não se pode confiar em mim
para tomar sempre a decisão acertada.
Estou a caminho da minha aula de Inglês Avançado. Só vinte pessoas do
décimo segundo ano podem estar inscritas nesta disciplina e, claro, o Crew
tinha de ser uma delas. Já tive algumas disciplinas com ele desde que entrei na
Lancaster Prep, mas nunca tive de me sentar ao lado dele nem falar
diretamente com ele, e prefiro assim.
Como em: nunca tive uma conversa com ele. Não creio que ele goste
particularmente de mim, dado o ligeiro desdém estampado no seu rosto
sempre que me observa.
E ele farta-se de o fazer.
Não percebo porquê. Evito olhá-lo olhos nos olhos sempre que possível, mas,
de vez em quando, fito aqueles olhos azuis gélidos e não vejo nada além de
repulsa.
Nada além de ódio.
Porquê? Mas o que é que eu lhe fiz?
O Crew Lancaster é demasiado. Demasiado temperamental e demasiado
sombrio e demasiado calado. Demasiado bem-parecido e magnético e
inteligente. Não gosto da forma como me sinto quando ele fixa o olhar em
mim. Toda a tremer e estranha. A sensação é completamente bizarra e só
sucede quando estou perto dele, e não faz sentido nenhum.
Viro no corredor do departamento de Inglês, ansiosa por chegar à aula mais
cedo, para garantir o meu lugar na primeira fila, mesmo no meio. Quando os
meus amigos chegam à sala, asseguro-me sempre de que se sentam ao pé de
mim, para que ninguém indesejado o possa fazer. Como o Crew.
Conhecendo-o, sei que se ele tivesse a oportunidade de se sentar ao meu lado,
fá-lo-ia. Só para me perturbar.
Creio que ele iria gostar disso.
O nosso professor, o setor Figueroa, não nos atribui lugares e tem uma
atitude bastante descontraída durante as aulas. Tendo em conta que somos
todos alunos de décimo segundo ano e que ele escolheu, pessoalmente, cada
um de nós antes do início do ano escolar para estar ali, naquela disciplina
avançada, confia em nós para não sermos indisciplinados nem arranjarmos
confusão. Ele só quer «moldar as nossas jovens mentes», como costuma dizer,
sem restrições nem barreiras. É o meu professor preferido, e pediu-me que
fosse a sua ajudante no semestre de primavera.
Claro que disse logo que sim.
Entro na sala de aula, estacando de imediato quando vejo o Figueroa
abraçado a alguém. Uma aluna, porque está a usar a saia axadrezada e o blazer
azul do uniforme. O seu cabelo é de um ruivo escuro, um tom que reconheço,
e quando ele lhe faz um sinal, ela afasta-se dele rapidamente, virando-se para
olhar para mim.
Maggie Gipson. A minha amiga. O seu rosto está coberto de lágrimas e ela
funga, pestanejando.
— Oh, olá, Wren.
— Maggie. — Dirijo-me a ela, falando baixo para que o Fig não nos ouça. É
assim que ele nos pede que o chamemos, apesar de todos os rapazes gozarem
com a alcunha pelas suas costas. Imagino que, no fundo, tenham ciúmes da
relação que ele tem connosco, as raparigas. — Está tudo bem contigo?
— Estou bem. — Ela volta a fungar, abanando a cabeça. O que significa que
está tudo menos bem, mas que não a posso pressionar. Não quando estamos
numa aula. — É só… tive outra discussão com o Franklin ontem à noite.
— Oh, não. Lamento. — O Franklin Moss é o namorado dela, mas eles estão
sempre a separar-se e a reatar. Ele parece muito exigente, sempre a pressioná-la
para fazerem cenas sexuais. Ela só precisa de estar mais segura de si própria,
para lhe dizer não, e o não ser mesmo não.
Mas ela nunca o faz. Eles já fizeram sexo várias vezes, mas não tem qualquer
importância. Ele não a ama como ela quer ser amada.
Acho que é porque a Maggie se entregou a ele demasiado cedo, mas ela não
liga ao que eu digo. Quando passámos para o décimo primeiro ano e o sexo
passou a ser uma coisa banal, uma por uma, todas as minhas amigas se
sacrificaram pelos rapazes que lhes imploravam que o fizessem. Pelo menos, era
esse o termo que o meu pai usava para o descrever — um sacrifício.
Para a maioria delas, a única recordação da experiência foi um coração
partido, e as palavras «Eu bem te disse» estão-me sempre na ponta da língua
quando se vêm queixar a mim, o que não é muito frequente. Deixou de ser.
Elas sabem o que eu penso. Sabem aquilo que vou dizer. Preferem evitar-me a
ouvir a verdade.
— Vais ficar bem, Maggie. Cabeça erguida — diz o Fig, com voz suave e
olhos a brilhar, enquanto a fita.
Observo-o, os pelos na base da minha nuca eriçam-se conforme olho para um
e para outro. A forma como ele disse aquilo, como ele olha para ela — é muito
íntima.
Demasiado íntima.
Os outros alunos começam a entrar na sala, falando alto enquanto tagarelam
animadamente entre si. Sento-me na minha mesa, abrindo a mochila e tirando
o meu caderno e o meu lápis, preparando-me para o início da aula. A Maggie
faz o mesmo, o olhar sempre fixo no Fig enquanto este contorna a secretária e
se senta na sua cadeira, e algumas raparigas da turma vão falar com ele. Todas
dão risadinhas irritantes quando ele diz alguma coisa.
Vejo a Maggie olhar para ele, pensando no ciúme que deteto no olhar dela.
Humm.
Também não gosto daquilo.
No exato momento em que a campainha toca, o Malcolm e o Crew entram
na sala, como é habitual. Às vezes, chegam mesmo atrasados, apesar de o Fig
nunca lhes marcar falta de atraso.
Acabo por afastar o olhar, não querendo estabelecer contacto visual com o
Crew, mas não serve de nada. Os nossos olhares cruzam-se, os seus frios olhos
azuis parecem penetrar os meus, e fixo-o durante demasiado tempo, a minha
boca ficando seca.
Olhar para o Crew é como ser apanhada numa armadilha. O poder que ele
detém com um único olhar é quase assustador.
O nome dele está no edifício. Há centenas de anos que a sua família é dona
da Lancaster Prep. Ele é o aluno mais privilegiado desta escola. Tudo o que
quer, consegue. Todas as raparigas o desejam. Todos os rapazes daqui querem
ser seus amigos, mas ele rejeita quase toda a gente. Até a maioria das raparigas.
Detesto admiti-lo, mas somos um bocadinho parecidos, o Crew e eu. Ele é
cruel e inflexível, já eu sou amável de mais. Tento ser simpática com todos com
quem me cruzo, e todos querem algo de mim. Ele é mau e irascível, e todos
continuam a segui-lo.
É estranho.
Consigo, finalmente, afastar o olhar do Crew quando o Fig se põe em frente
do quadro, a sua voz tonitruante desviando a minha atenção quando ele
começa a falar acerca do próximo livro que vamos ler, O Grande Gatsby. Nunca
li nada do Fitzgerald e mal posso esperar.
— Wren, posso falar contigo no fim da aula? Eu passo-te uma justificação —
diz-me o setor Figueroa, enquanto me passa uma cópia em mau estado do
livro.
— Claro. — Aceno e sorrio.
Ele retribui o sorriso.
— Ótimo. Queria discutir contigo algumas coisas.
Observo-o conforme se afasta, curiosa. Sobre o que é que ele quererá falar
comigo? Ainda faltam três semanas para as férias de inverno, o que significa
que estamos a pouco mais de um mês de eu me tornar a ajudante do professor
no semestre de primavera.
Não faço ideia o que mais haverá para falar.
— O que é que ele quer, afinal?
Olho de relance para a Maggie, que me observa de olhos semicerrados.
— Estás a falar do Fig?
— Sim, estou a falar do Fig. De quem haveria de ser? — O tom dela é
desagradável, como se estivesse zangada.
Recosto-me ligeiramente na cadeira, precisando da distância.
— Ele só me pediu para ficar no fim da aula, visto que precisávamos de
discutir algumas coisas.
— Provavelmente tem a ver comigo e com o que viste. — A expressão da
Maggie transforma-se, como se soubesse o que ele me vai dizer. —
Provavelmente vai pedir-te que não contes nada. Ele não quer que ninguém
saiba.
— Saber o quê? — Quer dizer, eu até percebo aquilo que ela está a querer
dizer, mas a Maggie nunca na vida se iria… envolver com o nosso professor. Ou
será que iria? Ela está com o Franklin há mais de um ano. A relação é bastante
séria, apesar de, ultimamente, andarem a discutir muito. A Maggie diz que a
relação é muito intensa em todos os sentidos, dando ideia de que é assim que
ela gosta.
Mas porque é que haverias de querer estar com um rapaz que odeias e amas
na mesma medida? Não faz qualquer sentido.
— Da nossa amizade, parva. — Observa o Fig voltar para a sua secretária, um
ar vagamente sonhador estampado no rosto. Um ar que ela, geralmente, reserva
apenas para o namorado, não para o nosso professor. — As pessoas não iriam
perceber.
— Eu própria não percebo — replico.
A Maggie tem o desplante de se rir.
— Típico. Sabes, Wren, consegues ser um bocado moralizadora.
Sinto-me ofendida. E essa palavra existe sequer?
— Achas que sou moralista?
— Às vezes. — A Maggie encolhe os ombros. — És tão estupidamente
perfeita em tudo o que fazes e julgas toda a gente por esse mesmo padrão, o
que é impossível. Tens boas notas, nunca dás problema nenhum. Os professores
e os funcionários todos adoram-te. Voluntarias-te sempre e todas as raparigas
mais novas acham que nunca erras.
Ela enumera todas estas coisas como se fosse um defeito contra uma
qualidade.
— O que é que tu achas de mim? — Preparo-me, pressentindo que não vou
gostar do que vou ouvir.
Ela suspira enquanto me contempla.
— Acho que és uma rapariga muito ingénua, que foi protegida a sua vida
inteira. E quando, finalmente, tiveres de enfrentar o mundo real, vais ter um
grande choque.
A campainha toca nesse preciso momento e a Maggie não hesita. Levanta-se
de um salto, pega na mochila e enfia o livro lá dentro, fugindo dali sem dizer
uma única palavra. Nem sequer se despede de mim ou do Fig.
O resto dos alunos sai rapidamente, até o Crew, que nem sequer olha na
minha direção. Está demasiado ocupado a gozar com o Malcolm sobre
qualquer coisa.
Qualquer coisa que não vou querer saber, isso é certo.
Fico sentada no meu lugar, sentindo-me subitamente nervosa com o motivo
pelo qual o setor Figueroa quererá falar comigo. Pouso a mochila sobre a mesa,
enfiando a cópia de O Grande Gatsby na bolsa da frente, olhando rapidamente
para o telemóvel e vendo que tenho uma mensagem do meu pai.
Liga-me assim que puderes.
Sinto um nó no estômago. Quando ele envia uma mensagem para lhe ligar,
geralmente, nunca é por um bom motivo.
— Tenho uma hora livre agora. — O Fig encaminha-se a passos largos da
porta da sala de aula e fecha-a, abafando o barulho que vem do corredor. Está
um silêncio assustador. — É a altura perfeita para… conversarmos.
Pouso as mãos sobre a mochila e ofereço-lhe um sorriso ténue, lutando contra
os nervos que fervilham.
— Pode ser.
Ele caminha em direção à mesa da Maggie, agora desocupada, e instala-se, o
seu olhar caloroso fixando-se no meu. Respiro profundamente, recordando a
mim própria de que o Fig não quer nada de mim além de ajuda. Apesar das
histórias e dos boatos que ouvi acerca dele e de outras alunas ao longo dos
anos, ele nunca tentaria nada do género comigo.
O Fig não é burro.
— Sobre o que é queria conversar? — pergunto, sem que ele tenha dito nada,
odiando o quão ofegante estou a soar. Como se estivesse a flirtar com ele,
quando isso é a última coisa que quero.
Ele inclina a cabeça, observando-me.
— Fazes dezoito anos para o mês que vem, não é?
Pestanejo, surpreendida por ele saber disso. De certeza que ele o poderia
pesquisar na minha ficha pessoal, mas porque é que se daria ao trabalho? Será
que os professores têm sequer acesso?
— Faço. Em vinte e cinco de dezembro. — As palavras escorregam-me
vagarosamente dos lábios, o meu olhar é inquisitivo.
Onde é que ele quer chegar com isto?
Um sorriso agradável curva-lhe os lábios.
— Um bebé de Natal. Tão querido.
— É péssimo, na verdade. As pessoas dão-me prendas embrulhadas em papel
vermelho brilhante, coberto de imagens do Pai Natal. — Céus, pareço uma
ingrata, mas só estou a dizer a verdade.
— Isso é um pecado capital? — Ele arqueia o sobrolho, os olhos brilhantes.
De certeza que me está só a provocar, mas ele não sabe como é.
Ninguém sabe, a não ser que façam anos num dos feriados principais, como
eu.
— Não diria que é assim tão mau. Só não é muito divertido fazer anos no dia
de Natal. O teu aniversário nunca é tão especial como o de alguém que faça
anos em junho ou assim — explico.
— Tenho a certeza disso. — Ele acena, o seu tom é sério. — Bem, Wren,
estou entusiasmado por te ter como minha AP no próximo semestre.
Fico grata pela mudança de assunto. Não quero falar sobre nada pessoal que
me diga respeito.
— Também estou entusiasmada. — Só estou satisfeita pela hora livre no
próximo semestre. Ouvi dizer que é megafácil ser AP dele. Ele não te pede que
faças grande coisa.
— Vais substituir a Maggie. Era por isso que ela estava a chorar há pouco.
Disse-lhe que não precisava que ela continuasse a ser minha AP.
Uma sensação de alarme que me deixa fria percorre-me de alto a baixo.
— O que quer dizer? Pensei que tinha sempre vários AP em cada semestre.
— E tenho. Ainda tenho. Mas com a Maggie… com ela não estava a
funcionar. — Ele inclina-se sobre a secretária, a cara dele aproxima-se da
minha. Está tão próxima que não consigo evitar e chego-me para trás. — Às
vezes, ela é um bocadinho carente.
Ele fala baixinho, como se estivesse a partilhar um segredo comigo.
Sinto inquietação a deslizar pela minha coluna.
— Carente como?
Quando o vejo hesitar, arrependo-me de ter perguntado. Talvez não queira
saber.
— Eu dei-lhe o meu número de telefone, caso houvesse alguma emergência
ou se ela precisasse de entrar em contacto comigo. Não achei que fosse nada de
mais.
Se ele o diz. Eu acho que parece uma péssima ideia. Um professor a dar o seu
contacto a uma aluna? Isso é uma linha que ele, provavelmente, não devia ter
ultrapassado.
— E ela está sempre a mandar-me mensagens. Tornou-se… um problema —
continua ele a dizer.
Um problema por ti criado, é o que eu lhe quero dizer, mas mantenho a boca
fechada.
— Espero, caso cheguemos a trocar números de telefone quando te tornares
minha AP, que não reajas da mesma maneira. Estou à procura de uma pessoa
um pouco menos… emotiva. Se é que me entendes. — O seu sorriso e toda a
sua postura estão a projetar um ar descontraído, sem stresse. Mas há uma
tensão nele, mesmo por baixo da superfície. Ele é que não a quer revelar.
Estou a ter dificuldade em concordar com o que ele está a tentar dizer. Não
faço qualquer intenção de alguma vez lhe dar o meu número. Isso não é
apropriado. E eu não estou interessada em ter uma relação com ele que vá além
de aluna e professor.
Faz-me pensar no que terá realmente acontecido entre a Maggie e o Franklin
— e se o Fig tem alguma coisa a ver com isso.
— Eu devia ir andando. — Levanto-me e agarro na minha mochila, passando
a alça sobre o ombro. — Não me quero atrasar para a segunda aula.
Estou quase a chegar à porta quando o Fig me chama. Fico paralisada, com a
mão já na maçaneta enquanto olho devagar por cima do meu ombro. O Fig
está mesmo à minha frente.
Demasiadamente próximo.
— Esqueceste-te do teu passe. — Ele passa-me o papel azul familiar. — Não
quero que te marquem uma falta.
Encaro-o e tiro-lhe a justificação das mãos, odiando a maneira como ele a
segura, um segundo a mais do que o necessário, obrigando-me a dar um puxão
no papel, o que me aproxima ainda mais dele. Finalmente, de lábios curvados e
com um olhar sombrio, ele deixa-me tirar a justificação.
— Obrigada — digo, sem forças, a virar-me para a porta.
— Adeus, Wren — replica ele, assim que empurro a porta para a abrir.
Fujo sem lhe responder.
TRÊS
WREN
O resto do meu dia passa-se como de costume. Estava preocupada com a ideia
de estar com a Maggie à hora de almoço na nossa reunião da Sociedade de
Honra*, mas ela acabou por passar esse tempo com o Franklin, então não tive
de lidar com as perguntas dela acerca da minha conversa com o Fig.
Uma conversa que me deixou abalada. É como se ele estivesse a tentar
comunicar comigo com meias-palavras. Dava a entender uma coisa enquanto
dizia outra. Não gostei do tom dele. Da familiaridade dele. Ele sabe como eu
sou.
Ele sabe que não estou interessada em rapazes, em beber ou em sexo. Não é a
minha cena. Nunca foi. Eu sou uma boa rapariga.
Essas coisas… assustam-me.
Quando entro na minha sétima aula, a última do dia, sinto-me entusiasmada.
Psicologia é a minha disciplina favorita. Adoro aprender como as pessoas agem
e pensam, e os motivos por detrás das nossas ações. É tão interessante. Hoje é o
dia em que a setora Skov vai anunciar o nosso último projeto do semestre e,
normalmente, ela põe-nos a trabalhar em grupos. Há algumas raparigas nesta
turma com quem já fiz trabalhos de grupo e sei que vai ser fácil trabalhar com
elas outra vez. Pelo menos dividem o trabalho por igual comigo.
O Crew já lá está, esta é a única outra aula que tenho com ele, assim como
com o Ezra e o Malcolm. Estão os três sentados ao fundo da sala de aula,
rodeados por raparigas. Raparigas que enrolam tanto as saias para cima que
estão praticamente a exibir a roupa interior e que têm tanta maquilhagem nas
caras que me surpreende que sejam capazes de abrir os olhos por completo. Há
demasiado rímel nas pestanas a fazer peso.
Eu não devia ser tão mazinha nos meus pensamentos. Não é simpático.
Culpo o facto de ser uma segunda-feira. A tensão entre a Maggie e eu — e a
Maggie e o setor Figueroa. A conversa com o Fig.
É tudo tão perturbador.
— Muito bem, atenção, tudo a ouvir! — A Skov bate com a porta assim que
entra na sala, dirigindo-se à sua secretária com passos largos. Toda ela é um
movimento fluido e um frémito rítmico, as pulseiras nos seus pulsos batem
umas nas outras sempre que mexe as mãos. E ela gosta muito de mexer as mãos.
Acalmamo-nos, estamos todos sentados no lugar, virados para a frente e a
prestar atenção. Toda a gente respeita a Skov. Ela é divertida e interessante e
deixa-nos entusiasmados para aprender, o que é uma raridade, mesmo numa
escola privada que paga um salário generoso para ter os melhores educadores
no seu corpo docente.
— Como já estão bem cientes, está na hora de começar o nosso projeto final
para este semestre. Durante a pausa letiva do dia de Ação de Graças aproveitei
para meditar a sério sobre uma questão e, finalmente, cheguei à conclusão de
que depois de fazer basicamente a mesmíssima coisa durante os últimos onze
anos… estou aborrecida. — A setora Skov lança um olhar fulminante quando
o Crew e o seu clã começam a assobiar e a berrar lá do fundo. — Acalmem-se,
rapazes.
Eles calam-se e eu não consigo evitar olhar para eles por cima do ombro, com
um sorriso vitorioso já na minha cara. Este desparece quando vejo o Crew a
fulminar-me com o olhar, aqueles olhos azuis a paralisarem-me no meu lugar.
Viro-me para a frente à pressa, apertando as mãos em cima da secretária.
— Decidi mudar umas coisas. Vão trabalhar no vosso projeto cara a cara. Isto
é, vão ter um parceiro. — Ela faz uma pausa. — E sou eu que vos atribuo o
vosso parceiro de projeto.
Um resmungo coletivo ressoa pela sala, apesar de eu permanecer calada. E um
pouco nervosa. Espero que a Skov não me meta a trabalhar com alguém
demasiado horrível.
Os nervos começam a mexer comigo quando ela começa a disparar nomes.
Apercebo-me rapidamente de que ela nos está a juntar às pessoas que são os
nossos opostos. Mais resmungos. São vociferados uns quantos palavrões.
O meu coração está na minha garganta quando ela, finalmente, diz o meu
nome.
— Wren Beaumont, tu vais trabalhar com… — A pausa dura um total de
dois segundos, mas parece uma eternidade. — …o Crew Lancaster.
O quê?
As palavras saem mesmo da minha boca. Disse-as em voz alta sem querer.
Oh, céus.
— Sacana sortudo — oiço o Ezra a dizer e fecho os olhos com vergonha da
palavra que ele utilizou. Odeio quando os rapazes praguejam.
E eles sabem disso.
A setora Skov acaba a sua lista de parceiros e clareia a voz, o que faz com as de
mais vozes se silenciem. Os olhos dela varrem a sala enquanto começa a andar à
frente da nossa fila de secretárias.
— Eu sei que isto não é o que imaginaram, mas deixem-me dizer-vos qual é a
vossa tarefa. Vai fazer mais sentido quando ouvirem. — Ela detém-se à frente
da minha secretária porque, naturalmente, eu sento-me na fila da frente. —
Coloquei-vos com uma pessoa que sabia ser o vosso oposto. Quero que se
entrevistem uns aos outros. Estudem-se com atenção, porque vão pegar em
toda a informação que aprenderem e dar um discurso sobre o que faz o vosso
parceiro de projeto mexer e o porquê de assim ser.
Ainda mais resmungos. Eu afundo-me no meu lugar, a mordiscar o lábio
inferior. Nem pensar que vou dizer ao Crew o que quer que seja sobre mim.
Ele odeia-me. Qualquer informação que lhe dê, ele vai arranjar maneira de a
usar contra mim mais cedo ou mais tarde.
Ele nunca me fez nada do género antes, por isso se calhar os meus
pensamentos é que são… extremos.
— Claro, como é óbvio, não devem partilhar segredos íntimos, de longa data,
que não querem que ninguém saiba. Eu sei que toda a gente nesta aula é
madura o suficiente para respeitar a privacidade uns dos outros, mas já sabem
como as coisas são. Eventualmente, tudo se descobre — explica a Skov.
Exatamente. E eu não quero que o Crew descubra seja o que for sobre mim.
Nada.
— Para alguns de vocês isto vai ser difícil. Mas eu fiz umas pesquisas sobre
este tipo de projeto, e muitos dos envolvidos disseram que acharam ser mais
fácil confessar os seus maiores medos ou os seus sonhos mais secretos a alguém
que consideravam um estranho. Aqueles que nos conhecem têm tendência a
julgar-nos.
Penso naquilo que a Maggie me disse, e como ela acha que eu sou demasiado
«moralizadora». Isso magoou-me um pouco. A minha intenção nunca é ser
moralista…
— Durante as próximas três semanas, não há aulas, não há testes e não há
outros projetos secundários. A partir de agora até à pausa para férias de Natal,
quero que passem este período com os vossos parceiros. Conheçam-nos, façam
perguntas acerca do passado deles, perguntem-lhes sobre o seu futuro e aquilo
por que anseiam. Aquilo a que aspiram ser. Deem o vosso melhor para ir
fundo, para escavar além da superfície. Sejam honestos uns com os outros,
pessoal! Não apresentem uma imagem perfeita da vossa vida estilo Instagram.
Todos sabemos que isso é uma invenção das vossas cabeças — brinca a Skov.
— Setora, já ninguém usa muito o Instagram — grita um dos rapazes, o que
faz com que algumas gargalhadas ecoem pela sala.
Ela sorri, baixando a sua cabeça em reconhecimento.
— Sou uma pessoa idosa, que posso dizer? Não consigo acompanhar as redes
sociais em que vocês andam.
Ouvem-se mais piadas e risadas, mas eu não me consigo focar no que está a
acontecer. Só quero desaparecer. Desistir da aula.
Talvez até desistir da Lancaster Prep.
Credo, dá para entender? Não me consigo afastar dele. Até pensar na minha
escola me leva a pensar nele por causa do nome.
— Muito bem, pessoal! Dividam-se em pares. Rapidamente. Não quero
muita conversa, a menos que estejam a falar com o vosso parceiro. — Ela sorri,
com um ar muito satisfeito, enquanto se vira para se sentar à sua secretária.
Eu levanto-me e, ignorando toda a gente, vou até à sua secretária. Paro
mesmo à frente dela, a fitá-la até ela finalmente olhar para cima, a sua
expressão calma.
— Posso ajudar-te, Wren?
Consigo ver aquele bruxulear de desilusão nos olhos dela ainda antes de ter
aberto a boca. Ela sabe o que eu vou dizer.
— Queria saber se estaria aberta à ideia de eu trocar de parceiro.
A Skov suspira e pousa os braços em cima da sua secretária.
— Eu sabia que pelo menos um de vocês me viria perguntar isso. Não estava
à espera de que fosses tu.
— Eu não gosto dele. — É melhor ser aberta e honesta, certo?
Ela levanta uma sobrancelha face à minha asserção arrojada.
— Tu nem o conheces.
— Como é que sabe? — Oh, isto soou mal-humorado, e essa é a última coisa
que quero ser para um professor.
— Já estou nesta escola há muito tempo. Eu sei que os alunos acham que nós
não prestamos atenção, mas prestamos. Vejo muito. E sei garantidamente que
tu e o Crew não falam. Nunca. O que é engraçado porque vocês até são muito
semelhantes.
De que raio é que ela está a falar? Nós não somos semelhantes. Nem de perto
nem de longe.
— Não, não somos mesmo nada — digo-lhe. — Não temos nada em
comum, e ele é sempre tão… tão mau para mim.
— Como é que ele é mau para ti?
A minha mente fica completamente em branco. Odeio quando as pessoas me
pedem exemplos, porque, na maioria das vezes, não os consigo dar.
— Ele está sempre a olhar-me com desprezo.
— E estás completamente certa disso?
Agora ela está-me a fazer duvidar de todos os olhares horríveis que o Crew já
me mandou.
— Não sei.
O sorriso dela é pequeno.
— Era o que eu pensava. Primeiro, tens de conhecer alguém para
compreender como essa pessoa se sente em relação a ti. Não achas?
— Eu já sei que ele não gosta de mim — digo com toda a finalidade que
consigo conjurar. — Seria muito mais fácil para todos se eu pudesse fazer este
projeto com outra pessoa. Talvez com o Sam?
O Sam é querido. Não tenho muitos amigos rapazes, mas ele é um deles, e
sempre foi simpático para mim. Estivemos nas mesmas turmas avançadas desde
o nosso primeiro ano, e ele até me levou ao baile de finalistas, ainda que só
como amigos. Ele sabe qual é a minha posição no que toca a relações e sexo e
nunca me tentou forçar a nada.
Ele nem sequer me tentou beijar, e com o Sam até era capaz de ter
considerado. Ainda sou capaz de o vir a fazer.
Olho para onde ele se costuma sentar. Uma das raparigas com uma saia
demasiado curta está sentada à beira dele, com o sobrolho carregado enquanto
o Sam tenta falar com ela.
— Tenho a certeza de que ele iria querer trocar para ficar comigo — digo à
Skov, à medida que vejo o Sam sorrir àquela rapariga na esperança de a deixar
mais à vontade. O nome dela é Natalie.
Ela não é muito simpática. Eu evito-a e ao grupo dela a todo o custo.
— Tenho a certeza de que iria, sim.
A setora Skov parece divertida, o que é um pouco irritante.
Isto não é nenhuma brincadeira. Isto são as próximas três semanas da minha
vida. A altura mais intensa na escola — está a aproximar-se a semana de
exames mais importante do meu último ano. A que conta mais. O pai
assegura-me de que o nosso dinheiro de família me dá entrada em qualquer
universidade que eu queira, mas prefiro entrar numa das minhas escolas de
sonho pelo meu próprio mérito.
O meu nome de família faz com que isso seja quase impossível, mas veremos
o que acontece.
— Então vai-nos deixar trocar? Aposto que a Natalie iria adorar fazer este
projeto com o Crew. — Acho que eles estiverem juntos em algum momento ao
longo dos últimos anos. No mínimo, curtiram.
Que nojo.
— Não, não vos vou deixar trocar. O objetivo deste projeto é precisamente
que aprendam sobre alguém que não é como vocês, que não faz parte do vosso
grupo de amigos. Tu e o Sam foram juntos ao baile o ano passado, o que
significa que ele não conta como um possível parceiro — diz a setora Skov.
Tudo dentro de mim murcha e morre.
— É que seria mais fácil. Eu estou à vontade com o Sam, e o Crew faz-me
sentir… desconfortável.
— De forma ameaçadora? — A preocupação na sua voz é muito, muito real.
Talvez seja este o ponto fraco dela, aquele que posso aproveitar e usar para
conseguir o que quero.
— Sim, ele está sempre com um ar horrível na cara.
— Mas ele nunca te ameaçou realmente?
É aqui que a minha honestidade me apanha.
— Não. Nem por isso.
A sua mera existência parece uma ameaça, mas não lhe posso dizer isso.
Pareço uma pessoa horrível só por pensar tal coisa, quanto mais se conseguisse
dizê-lo em voz alta.
— Acho que precisas de um desafio, Wren. Estás sempre a querer ajudar
pessoas.
— Raparigas — enfatizo. — Com que é que os rapazes se têm de preocupar
nesta escola? — Não estou a concordar, apenas a afirmar os factos. — São
todos áureos. Intocáveis. Podem fazer o que bem lhes apetece, especialmente
aquele cujo nome se vê por todo o lado.
Os pelos na minha pele levantam-se ao sentir alguém aproximar-se. Consigo
sentir o seu calor, cheirar o seu odor deliciosamente intoxicante, e sei.
Sei imediatamente quem é.
— Há algum problema? — pergunta o Crew, a sua voz profunda,
retumbante, a tocar em algo estranho dentro de mim.
Preparo-me para que a Skov me incrimine.
— A menina Beaumont tinha algumas questões acerca do projeto. Correto,
menina Beaumont? — A setora Skov esboça um sorriso amplo para os dois.
Eu aceno, mantendo a cabeça para baixo. Consigo sentir o olhar do Crew a
queimar a minha pele enquanto me observa e receio que me possa transformar
em pedra caso o olhe nos olhos. Como se ele fosse a Medusa com um monte
de serpentes em espiral a fazer de cabelo.
— Vocês os dois deviam-se ir sentar-se e começar — encoraja a Skov.
— Está bem — crocito, atrevendo-me a olhar na direção do Crew.
Dou com ele já a fitar-me. O olhar na sua cara atraente é tão sombrio que os
meus joelhos quase dão de si.
* Refere-se a organização que existe a nível do secundário e da universidade, para estudantes que se
destacam, seja pelas suas notas, feitos desportivos, qualidades de liderança, entre outras coisas. (NT)
QUATRO
CREW
** O termo utilizado em inglês é «5.0 grade average». Este valor é mais do que uma média de 20 seria no
contexto escolar em Portugal, pois é um valor que só está ao alcance dos estudantes que tenham estado
inscritos em turmas avançadas, com um grau de dificuldade e exigência superiores. (NT)
*** «Crew» é um dos termos em inglês para remo. (NT)
CINCO
WREN
Volto até ao meu quarto privado, grata pelo moratório. Apesar disso, acabo por
não ter muito tempo para apreciar o silêncio porque o meu telemóvel começa a
tocar, assustando-me.
A palavra «Pai» começa a piscar no ecrã, e apercebo-me com um nó no
estômago de que nunca lhe cheguei a ligar depois da mensagem que ele me
enviou.
— Pai, desculpa. O dia fugiu-me completamente. — É assim que lhe
respondo.
A risada dele é cheia e quente, o que me faz sorrir apesar do estado agitado
em que ainda estou por causa da confrontação entre o Fig e a Maggie. E
comigo, também, suponho. Nunca estive envolvida em nada do género na
minha vida e foi desconcertante.
— Tenho notícias do responsável pelo Departamento de História de Arte na
Universidade de Columbia.
O meu coração dá um sobressalto para a garganta e, depois, afunda até ao
estômago, tudo ao mesmo tempo.
— Oh.
— Não queres saber o que ele disse?
Eu já sei o que ele disse. Está mortinho para que eu vá para lá estudar. Graças
à cunha que o meu pai meteu.
— O que é que ele disse? — Mantenho a minha voz leve e entusiasmada,
exatamente como ele me quer. A sua filha querida e feliz, que faria qualquer
coisa pelo seu pai. Ele sente exatamente o mesmo.
Quando lhe dá jeito.
— Eles querem-te, querida. Entraste — diz ele, a rebentar de orgulho.
— Oh. Isso é tão espetacular — replico, a minha voz fraca. Sento-me na
cadeira à secretária, a olhar pela janela próxima de mim e que dá para o
campus. Há alguns estudantes a passear, mas não consigo perceber quem é
quem. Parecem todos iguais, pois ainda estão, maioritariamente, de uniforme.
— Não pareces feliz, Amora. — Consigo ouvir a desilusão na sua voz. —
Pensei que a Columbia era para onde mais querias ir.
Eu nunca disse isso. Limitei-me a concordar com ele sempre que ele
começava a falar sem parar sobre como essa universidade é incrível e sobre
como a Columbia tem um bom programa de arte. Não que eu queira ser uma
artista — é mais vontade de querer estudar arte. Um dia gostava de trabalhar
numa galeria ou num museu. Talvez até ter a minha própria galeria de arte,
onde pudesse descobrir artistas promissores e apoiá-los.
Esse é o meu sonho, e os meus pais sabem-no. Também o encorajam, apesar
de eu achar que eles não acreditam que eu conseguiria fazer o que quer que
fosse sozinha. Tenho a certeza de que estão só a ser indulgentes. Os motivos
que o pai dá não são para mim, mas para ele.
A Universidade da Columbia é demasiado próxima. Ficar em Nova Iorque
significa que não há escape para mim, porque é aí que a minha família vive. Foi
onde cresci.
Quero algo diferente. Distante.
No que depender do meu pai, isso nunca vai acontecer.
— Estou empolgada. A sério. — Injeto entusiasmo na minha voz, na
esperança de que ele o detete. — Muito obrigada por teres falado com ele. Mal
posso esperar para ver em que outras universidades entrei.
— Há mais alguma universidade que importe? Pensei que a Columbia era o
grande objetivo.
Não lhe vou falar das universidades às quais me candidatei, aquelas nas quais
quero mesmo entrar, nem pensar. Ou ele lhes liga e me garante o lugar ou vai-
me logo dizer que não posso ir para algumas das localizações. Não posso
arriscar nenhum desses cenários.
— É sempre inteligente ter opções, pai.
— Tens razão. É sempre bom ter opções. Um plano B. — Consigo imaginá-
lo a acenar em concordância.
— Posso falar com a mãe?
— Oh, eu não estou com ela. Neste momento, estou em Boston a tratar de
negócios. Vou para casa na sexta. Devias ligar-lhe. Ela deve ter saudades tuas.
— Ainda este fim de semana estive com vocês. — Cheguei ao campus ontem
à tarde, depois de ter passado as férias do dia de Ação de Graças com os meus
pais.
— Nós temos sempre saudades tuas, querida. Especialmente a tua mãe. Sabes
como ela fica carente. — Eu sei. E ela não precisa necessariamente de mim, ela
precisa dele. Não que ele se aperceba. — Como é que foi a escola?
Dou-lhe um breve resumo, com cuidado para não mencionar nada acerca do
Crew, do Fig ou da Maggie. Nunca tinha tido um dia como este na Lancaster
Prep.
E eu já tive muitos dias aqui. Não estava à espera de que o meu último ano
desse uma volta tão dramática, nem tão rapidamente. E é tudo drama em que
não estou necessariamente envolvida, o que é estranho.
Normalmente, não dou por mim no meio de dramas.
Falamos durante mais uns minutos antes de ouvir uma voz feminina suave a
dizer:
— Harvey, vamos embora.
— Depois falo contigo, querida. Só te queria dar as boas notícias. Não te
esqueças de dizer a todos os teus amigos. Adoro-te. — Ele desliga a chamada
antes de poder dizer adeus.
Pouso o telemóvel na secretária, de olhos postos nele. Quem é que disse ao
meu pai que estava na hora de ir embora? Uma parceira de negócios? A
assistente? Eu sei que ele tem uma nova, mas não me lembro do nome dela.
Ou foi outra mulher?
Sabe-se que ele já traiu a minha mãe. Homens tão poderosos como o meu pai
acabam sempre por o fazer, o que é uma desilusão. Talvez seja por essa razão
que a lealdade é tão importante para mim. Talvez seja por isso que tenho medo
de me envolver com qualquer rapaz.
Os rapazes nunca ficam por perto. E a maior parte deles não consegue ser fiel,
como se isso lhes estivesse no ADN ou assim. Eles aborrecem-se tão facilmente,
tão rapidamente. É como se no momento em que uma rapariga se dá, eles já
estivessem prontos para outra.
Basta ver o que está a acontecer com o Figueroa e a Maggie. É óbvio que eles
já estão envolvidos há algum tempo, o que é quase demasiado para eu
compreender. Ele está a correr um risco enorme ao envolver-se com uma aluna.
Os rumores acerca dele sempre foram muitos e exagerados, mesmo antes de eu
ter começado a frequentar Lancaster, mas nunca foram oficialmente
confirmados.
Aquela pequena confrontação a que assisti foi uma confirmação definitiva. A
Maggie parecia furiosa. Será que ela achou mesmo que o Fig se estava a atirar a
mim? Eu não acho que estava. Acho que estava só a ser simpático. Sentiu-se
mal por mim, porque me apanhou a chorar no corredor, e eu já ouvi muitas
vezes que os homens não gostam de lágrimas. O meu pai nunca gostou.
Homens. Não os entendo.
De repente, dá-me vontade de comer um docinho, abro uma das gavetas da
secretária e tiro um dos chupa-chupas Blow Pop, a que arranco o plástico, que
atiro para o meu pequeno caixote do lixo, antes ainda de meter o chupa-chupa
na boca. Chupo aquele doce de cereja, a explosão de açúcar reveste a minha
boca.
Esta é a minha grande indulgência que não é saudável para mim. Eu tenho
cuidado com o que como e bebo, mas tenho uma paixão por doces. Adoro
tudo o que é doce, especialmente chupa-chupas.
De súbito, alguém bate à minha porta e uma voz portentosa anuncia do
outro lado:
— Beaumont! Tens uma visita!
Encosto-me na minha cadeira, ondas de surpresa agitam-se dentro de mim.
Quem é que me quereria visitar? São-nos permitidos visitantes na área comum,
a sala de convívio, do edifício do dormitório, que está no primeiro andar e
perto da receção, onde as nossas assistentes de residência (as AR) estão sentadas
com os seus olhos que tudo veem. Os visitantes são pessoas da cidade ou
rapazes. Namorados. Muitos casais passam tempo juntos na sala de convívio
depois de as aulas acabarem.
Eu não faço a menor ideia do que isso é. Nunca estive na sala de convívio
com o Sam, e ele é o meu amigo mais próximo. Se é para fazer algo em
conjunto, é durante a hora de almoço, ou então vamos para a biblioteca.
— Obrigada. Já vou descer! — digo para a pessoa que provavelmente já não
está ali.
Levanto-me e vou até ao espelho de corpo inteiro, a segurar o chupa-chupa
entre os meus dedos enquanto me contemplo. Com o chupa na boca, prendo
ainda mais a minha camisa dentro da cinta da minha saia, antes de passar uma
mão pelo meu cabelo para o alisar. Larguei o casaco assim que entrei no quarto
e estava prestes a mudar para roupas mais confortáveis antes de o meu pai me
ter ligado.
Isto vai ter de servir.
Desço as escadas dois degraus de cada vez, como estou no segundo andar não
me dou ao trabalho de usar o elevador antigo e duvidoso. Aquela coisa está
mais vezes avariada do que a funcionar.
Quando entro na sala de convívio travo ao ver quem está encostado contra a
parte de trás de um dos sofás velhos. As suas pernas compridas estão cruzadas
nos tornozelos, e ele ainda está com o seu uniforme vestido, apesar de, tal
como eu, se ter livrado do casaco.
Crew Lancaster.
Está com a cabeça curvada, a olhar para o seu telefone, mechas do cabelo
castanho-dourado caem-lhe pela testa. A gravata também se foi, alguns botões
de cima da camisa estão desapertados, deixando entrever a forte coluna da sua
garganta. Oferecendo um vislumbre do seu peito. As suas mangas estão
enroladas até aos cotovelos, e o meu olhar cai sobre os seus antebraços. São
percorridos por cordas de músculo e cobertos por pelos dourados, e uma
sensação estranha, desconhecida, começa a pulsar baixo.
Entre as minhas pernas.
Tento ignorar a sensação enquanto observo o Crew, chupando com força no
rebuçado na minha boca. Ele nem está a fazer nada, está só ali e, mesmo assim,
exsuda uma aura autoritária.
Como se fosse dono deste sítio.
E é mesmo.
Pigarreio levemente, e a cabeça dele levanta-se de súbito, os seus olhos azuis
encontram os meus, e eu fico apenas a olhar.
O olhar dele cai para os meus lábios, reparando no pau do chupa, e eu agarro
nele e tiro o doce da boca.
— O que é que queres? — pergunto-lhe, o meu tom é presunçoso, uma
tentativa de esconder o nervosismo que vai retorcendo o meu interior.
Ele afasta-se do sofá, guarda o telemóvel no bolso enquanto, lentamente, se
aproxima de mim.
— Tens uns minutos?
Olho por cima do meu ombro para as duas AR, que estão sentadas atrás da
secretária na receção, mas nenhuma delas nos está a prestar atenção. Não
importa. Eu quero que ele saiba que eu sei que elas estão ali e que me viriam
socorrer se este tipo me disser uma coisa rude que seja.
— Claro.
Sigo-o pela sala até ambos nos sentarmos em cadeirões estofados virados um
para o outro, com uma mesa redonda e baixa entre nós. Não estão muitas
pessoas na sala, por isso temos alguma privacidade, mas tenho a certeza de que
pela manhã já vai correr pela escola toda que o Crew e a Wren foram vistos
juntos, a falar.
Crew e Wren. Nunca me tinha apercebido do quão semelhantes os nossos
nomes são. Que partilham três letras. Hum.
— De que é que querias falar? — pergunto, pois ele não diz nada. Deve usar
o seu silêncio para deixar as pessoas perturbadas, e funciona. Bastante bem.
Ele inclina-se para a frente, pousando os cotovelos sobre os joelhos enquanto
me estuda.
— Acabo de ter uma conversa interessante com a Skov.
Por breves instantes, os meus olhos fecham-se com a humilhação, e volto a
enfiar o chupa na boca. Este dia podia piorar ainda mais?
— Estou chateado contigo, Birdy. Ela perguntou-me se alguma vez tinha
feito algo inapropriado que te teria perturbado tanto. O que raio é que lhe
andaste a dizer?
— Ouve, tu não queres trabalhar comigo…
— Podes ter a certeza de que não quero, não quero se é para andares a dizer
aos professores que te ando a assediar sexualmente, ou sei lá que merda é que
andaste a dizer. — As suas palavras são como balas que me perfuram a pele.
— Eu nunca disse isso.
— Deste a entender. Pelo menos foi o que eu percebi da Skov, e tive de me
defender, sem te fazer parecer uma mentirosa descarada. — Ele hesita, o seu
olhar frio faz-me tremer impotentemente. — Coisa que és.
— Eu nunca disse que tinhas feito coisas inapropriadas. Eu só lhe disse que
tinhas dito coisas ordinárias e de baixo nível.
— Palavrões. É isso. Nunca disse nada sobre querer pinar contigo.
Fico surpreendida com o seu tom feroz e com as palavras que ele acabou de
dizer. A maneira sombria como o seu olhar desliza sobre mim. Como se ele
pudesse realmente querer fazer isso — exatamente isso, a mim.
A minha mente leva-me a um lugar onde não quero estar, como se não me
conseguisse controlar. Mas, a sério… como é que seria, como seria ter a
atenção total deste rapaz? Tê-lo a olhar para mim como se se preocupasse
genuinamente, e não com tanto ódio?
O meu olhar cai para os seus braços, para a maneira como os seus bíceps se
esforçam contra o tecido de algodão branco. Como é que seria a sensação de o
ter a segurar-me? A sussurrar palavras doces no meu ouvido — apesar de ele,
provavelmente, ser incapaz de tal coisa.
Olho para a sua boca, para os seus lábios. Para a sua forma perfeita, com um
lábio inferior um pouco mais cheio. Como seria ele a beijar — suave e doce?
Ou duro e feroz? Penso nos livros que li, nos filmes que vi, e imagino o
primeiro momento, o deslizar lento da sua língua contra a minha…
Não. Não, não, não. Isso é a última coisa que quero.
— Acabaste de o dizer — digo, tremulamente.
Ele fulmina-me.
— Não era a sério. Acredita, és a última rapariga com quem quero pinar.
E agora sinto-me insultada, o que é tão estúpido.
— Ainda bem, porque nunca vais ser capaz de o fazer.
— Eu sei. Todos nós sabemos. — Ele recosta-se na cadeira, a tensão nele
aligeira-se um pouco. Agora, porquê, não sei. — Não podes andar por aí a dizer
cenas dessas. Os professores levam esse tipo de acusações a sério, por muito
implícitas que sejam. Eles têm de lhes dar seguimento e tudo.
Nem estava a pensar nas repercussões das minhas palavras quando fui
argumentar pelo meu caso com a Skov há pouco. Só estava à procura de uma
saída do projeto.
— Desculpa. Não te queria arranjar problemas.
— Credo, és mesmo sempre muito simpática, não és? — Ele parece
surpreendido pelo meu pedido de desculpas rápido, apesar de o ter arruinado
ao ser rude. Nada de novo, portanto. — Não me arranjaste problemas. Apenas
tive de lidar com a Skov e com as suas perguntas intermináveis. Tu… Epá, tem
cuidado com o que dizes. Estamos encalhados um com o outro. É lidar.
— Foi por isso que vieste aqui?
O Crew acena.
— Podias só ter enviado um e-mail. — Temos acesso ao diretório de e-mails
de estudantes, assim como dos funcionários.
— Queria dizer-te cara a cara, para que pudesses ver como estou irritado. —
O olhar dele continua furioso, mas não está tão intenso como quando
começámos a falar. — As tuas ações têm consequências, Birdy. Tens de ter
cuidado.
Seguro no pau do chupa-chupa, a chupar com força no doce, e contemplo
partir o chupa com os dentes quando o Crew diz:
— Mais uma coisa.
— O quê? — Tiro o chupa da boca.
— Tu não devias mesmo comer essas coisas à minha frente.
Ele acena para o chupa-chupa na minha mão.
— Porque não? — pergunto, de sobrolho carregado.
— Porque quando te vejo a brincar com essa coisa na boca, só consigo pensar
em ti a chupar a minha piça — diz ele, num tom casual, como se não tivesse
realmente dito o que disse.
E com isso levanta-se da cadeira e vai-se embora, sem me deixar dizer nada
em resposta. Deixa-me ali sentada, a pensar em todas as coisas que lhe podia
ter dito.
Que ele é desnecessariamente rude para mim.
Que diz coisas extremamente ordinárias só para ter uma reação.
Que me chama por uma alcunha tonta de que não gosto muito.
Mas ele não me deu a oportunidade.
Típico. Estou a começar a aperceber-me de que é assim que toda a gente me
trata. É como se estivessem todos a falar para mim, em vez de comigo. Eu
nunca estou envolvida na conversa. É só suposto estar ali e levar com tudo,
como uma boa menina.
É irritante.
E pior que isso?
Dói.
SETE
CREW
Uma vez que é hora de almoço, estou a andar pelos corredores na escola, a ir
para o refeitório, focado na minha vida, quando oiço o meu nome a ser
chamado.
Ao olhar por cima do ombro, vejo que é o raio do Figueroa que vem na
minha direção, com uma expressão cheia de determinação inflexível.
Ótimo.
Desde que voltámos da pausa letiva do dia de Ação de Graças, tem sido uma
coisa atrás da outra, e ainda só é terça-feira. Isto deixa-me mesmo frustrado. O
principal motivo disso tem a ver com a Wren, o que é interessante.
A Wren Beaumont é mais do que uma carinha laroca. O que, lá no fundo, eu
sempre soube. Ela é inteligente, é simpática com toda a gente — talvez não
comigo, mas eu mereço isso — e é influente. Tudo coisas que posso respeitar
apesar de, por qualquer razão, a palavra respeito e Wren nunca terem
combinado no meu cérebro.
Sinto-me atraído por ela. E desde quando é que o respeito entra nessa
equação para mim? Não é que eu ande a rebaixar raparigas na desportiva, mas
elas estão simplesmente… ali. Para falar, beijar e pinar.
Só isso.
Fiquei surpreendido quando ela me pediu desculpa pelo que disse acerca de
mim à Skov. Eu exagerei um pouco, tal como ela fez, e fiz de conta que a nossa
professora me tinha questionado detalhadamente a respeito das alegações dela,
o que até aconteceu, mas não foi tão mau como dei a entender. Estava a tentar
fazer com que a Wren se sentisse na merda, e funcionou, mas suponho que não
devia ter ficado surpreendido.
A rapariga é muito facilmente manipulada e é demasiado simpática. Tão
simpática que se fica com uma dor de dentes sempre que se fala com ela.
Ela é doce a esse nível.
A Wren tem de saber que eu digo aquelas cenas só para a irritar, e é tão fácil
consegui-lo. As penas de pássaro dela ficam encrespadas demasiado rápido. É
quase divertido deixá-la assim irritada.
Diversão sem maldade.
— Posso falar rapidamente contigo? — pergunta-me o Figueroa, com uma
voz amigável. Apesar disso, consigo sentir um tom sombrio subjacente às suas
palavras. Ele não está contente.
Suponho que não esteja contente por minha causa.
Mas que raio é que fiz agora? Oh, já sei, nasci. Com a tal colher de prata na
boca. Ele tem rancor de todos os miúdos ricos, o que tem uma graça dos
demónios tendo em conta que ele trabalha numa das escolas privadas mais
exclusivas em todo o país.
Mas ele tem queda pelas menininhas ricas com traumas, danificadas pelos
pais. Ele engole-as junto com as nossas colheres de prata descartadas e, depois,
cospe-as quando se farta. E siga para a próxima e para a que vier a seguir.
Como a porra de um tubarão a nadar no oceano, uma máquina mortífera,
esfomeada.
Se bem que o Figueroa é mais tipo uma máquina de aliciamento de menores
e pinanço nos corredores da Lancaster Prep, esse cretino doentio.
— Então? — Ergo o queixo, na direção dele, já aborrecido.
— Vamos falar num sítio mais privado? Não vai demorar muito tempo.
Eu sigo-o até estarmos lá fora, em frente à entrada principal da escola. Não há
muitas pessoas aqui no começo da hora de almoço, por isso este é
provavelmente o sítio mais privado que ele ia conseguir encontrar.
— De que é que querias falar? — pergunto-lhe, uma vez que o otário ainda
não disse nada. Está demasiado ocupado a olhar em redor, como se tivesse
medo de que alguém fosse saltar para fora dos arbustos.
— Wren Beaumont — diz ele, encarando-me. — Deixa-a em paz.
O tom dele é ameaçador, o seu olhar, duro.
Mas que porra é esta? Este gajo está a gozar com a minha cara?
— De que é que estás a falar?
— Deixa de a chatear nas aulas. Ela não gosta. E como está presa contigo
enquanto parceiro no projeto de Psicologia, não está feliz com isso — explica o
Figueroa. — De todo.
— Foi ela que te disse isso? — Estou abismado. Ela foi mesmo ter com este
gajo, confiou nele e disse-lhe o quanto odeia trabalhar comigo?
Que cena marada dos cornos.
— Sim, disse. Ontem. Estava a chorar. Estava chateada porque não conseguia
livrar-se de ser tua parceira naquele projeto. — Os seus lábios apertam-se numa
linha fina e firme. — Eu tentei o meu melhor para a consolar, mas ela não
parava de chorar.
— Aposto que a tentaste consolar — riposto. Este gajo.
Toda a gente sabe que ele tem andado a afiambrar a Maggie em segredo nestes
últimos meses. O Franklin acabou com ela quando descobriu. O rumor que
circula é que ela engravidou do Fig, mas não sei se isso é verdade.
Odeio como todas as raparigas lhe chamam Fig. Fico passado. Ele não merece
a atenção ou o afeto delas. É um autêntico pulha.
— Diz à Skov que queres um novo parceiro — exige o Figueroa.
— Não.
— Ela vai-te dar ouvidos. Todos os professores dão. — A última frase é dita
com um desdém total.
Ele odeia que eu seja um Lancaster. Que ele não me possa fazer nada porque
não cola. Sou intocável — na maioria dos casos. Até diria que sou a pessoa
mais poderosa nesta escola, e a maioria dos funcionários e da administração
não quer saber o que faço ou deixo de fazer. Estão habituados ao excelso
tratamento de luva branca Lancaster.
Mas, por qualquer motivo, este gajo quer saber — ele quer saber demasiado
de mim. E não de uma boa maneira.
— Se calhar eu até quero mesmo trabalhar com a Wren. — Aproximo-me, a
minha voz baixa de tom. — Talvez queira aproximar-me dela. Descobrir todos
os seus segredos. Aquilo de que ela gosta. O que ela não gosta. Talvez quanto
mais tempo ela passar comigo, mais vai baixar as suas defesas e aperceber-se de
que afinal não sou assim tão mau tipo.
O Figueroa bufa.
— Por favor. Tu não queres saber dela.
— E tu queres? — Levanto as sobrancelhas. — Só estás chateado porque
sabes que, faças o que fizeres, ela nunca vai cair na tua lengalenga. Não
verdadeiramente. Ela é tão boa rapariga, Fig. Uma virgem inocente que nunca
se atreveria a pensar em ter sexo com um gajo que tem idade para ser pai dela.
O professor dela. Alguém que ela respeita e admira.
A expressão do Figueroa contrai-se, mas ele não diz uma palavra.
— Infelizmente para ti, a Wren está a guardar-se para o seu futuro marido,
não para o cretino tarado que é o seu professor de Inglês — acrescento, só para
o deixar furioso.
Funciona. O maxilar dele mexe-se e abre os lábios como se estivesse prestes a
falar, mas eu corto-lhe a palavra.
— Mas a Wren é capaz de considerar ter alguma coisa comigo. Eu sou jovem,
mais apropriado a nível de idade do que tu, isso de certezinha. Na verdade,
somos dois adolescentes hormonais, a trabalhar em conjunto num projeto,
sabes? Vamos precisar de tempo na biblioteca, sem dúvida. Tempo privado. Só
nós os dois. Eu sei que ela gosta de estudar lá, é o lugar favorito dela no
campus. Vou-me certificar de que estamos escondidos num canto escuro e
depois vou avançar, entre as estantes.
— Ela vai dar-te uma chapada.
— Ou é capaz de abrir as pernas ainda mais e de me deixar meter-lhe a mão
dentro das cuecas. Estou disposto a arriscar. Tenho a certeza de que quando ela
experimentar, me experimentar, vai tomar o gosto e vai estar disposta — e
entusiasmada — a mais experimentações. Comigo. — Sorrio quando vejo a
raiva a agitar-se nos seus olhos. Estou-me a divertir demasiado com isto, mas
provavelmente tenho de me afastar. Conhecendo-o como conheço, deve ir a
correr para o meu pequeno passarinho para lhe contar o que eu disse sobre ela.
E ela, provavelmente, vai acreditar nele.
Suponho que deva.
O Figueroa expele um sopro violento, enquanto me aponta o dedo.
— Se te atreves a tocar-lhe num cabelo que seja eu…
— Tu o quê? — interrompo, a minha voz assustadoramente calma. — Dás
cabo de mim? Força. Eu não tenho medo de ti. E tenho a certeza de que te
destruía, Fig. Estás a amolecer com a idade. O teu único exercício hoje em dia
é dar cambalhotas com a Maggie no banco de trás do teu carro. Não te fartas
dessa porcaria?
Ele olha para mim, a respirar rápido, o seu peito sobe e desce velozmente, e
eu enfio as mãos nos bolsos, já aborrecido com a nossa conversa.
— Deixa a Wren em paz — exige, mas já não há tanto poder na sua voz
como havia antes. — É só isso que vou dizer. Se fizeres algo para a magoar, vai
haver consequências.
Vejo-o a afastar-se, divertido com a situação. As ameaças dele não valem nada.
Só me fazem querer quebrar a parede de ferro com que a Wren se guarda e
mexer com a cabeça dela. Enlouquecê-la com a vontade de me ter.
Eu podia fazê-lo. Não seria preciso muito. A rapariga está esfomeada por
atenção masculina. Dá para ver. Ela mantém-se tão fechada em si. Tem de estar
a albergar umas fantasias secretas lá no fundo.
Com sorte são fantasias doentias e retorcidas, e ela vai-me deixar recriá-las
com ela.
Este projeto estúpido vai-me ajudar a conhecê-la. Aprender o que a move.
Vou percebê-la, seduzi-la e, em breve, estarei a chegar à aula de Inglês
Avançado com ela debaixo do meu braço, com os meus lábios na testa dela,
conforme olho para aquele idiota invejoso a que chamamos o nosso professor,
sentado atrás da sua secretária.
Vai ser um prazer encenar essa atuação.
Um sorriso anima os meus lábios enquanto me dirijo, de novo, para o
refeitório.
Mal posso esperar.
Assim que entro na sala da Skov, o meu olhar aterra na Wren. Ela está sentada
no meu lugar, com o Malcolm e o Ezra a ladeá-la dos dois lados, sentados nas
suas secretárias, ambos a competir entre si pela atenção da Wren. A cabeça dela
gira de um lado para o outro entre os dois, um pequeno sorriso a animar-lhe os
lábios.
De repente, percebo o que Figueroa devia estar a sentir quando eu lhe disse
aquelas tretas todas sobre a Wren. Estou a senti-lo agora, independentemente
do quanto o quero negar.
Um ciúme grave consome-me, faz o meu sangue ferver e faz com que a
minha cabeça queira explodir.
Ela não repara em mim até estar praticamente em cima dos seus pés de Mary
Janes, a cabeça dela levanta-se e o seu olhar arregalado encontra-se com o meu.
Os meus amigos silenciam-se. Parece que a sala inteira se cala enquanto nos
estudamos.
— Estás sentada na minha secretária, Birdy — acuso, com a voz baixa.
Os meus amigos partilham um olhar, notaram sem dúvida o meu tom
ameaçador.
Aparentemente, a Wren não se sente afetada por ele.
— Pensei que nos íamos encontrar aqui.
Olho para o Ezra, que está com um sorriso cheio de satisfação na sua cara de
idiota.
— Não devias falar com ela.
O sorriso desaparece, e agora ele fica com uma expressão carrancuda.
— Não és dono dela.
— Não és de certeza — responde a Wren quando volto a focar a minha
atenção nela. — Eles são meus amigos. Ao contrário de ti.
Percebido. Um ponto para a Birdy.
— Tem calma, mano. — Isto vem do Malcolm.
Ignoro-os aos dois. Foco toda a minha atenção na Wren.
— Então onde é suposto sentar-me?
— Podes-te sentar na minha secretária. — Ela aponta para o lugar vazio à
frente da sala.
Faço um esgar.
— Não, obrigado.
Ela pousa as suas mãos entrelaçadas em cima da minha secretária, e surge-me
a ideia mais ousada.
Decido levá-la a cabo.
Deixo cair a minha mala no chão e paro mesmo ao lado da cadeira da Wren
— a minha — e sento-me, empurrando-a um bocadinho para o lado, o que
não é muito difícil.
Ela não pesa quase nada e não ocupa muito espaço na cadeira. O cheiro dela
é inebriante, como uma explosão de flores silvestres no meio de um prado
primaveril. Ela é quente e suave e encaixa perfeitamente ao meu lado. Engato o
braço em torno das costas da cadeira, meio tentado a puxá-la para o meu colo.
— Crew! — Ela está a guinchar. — O que é que estás a fazer?
— O que é que te parece? — Ela inclina a cabeça na direção da minha, e as
nossas faces estão tão próximas que consigo destrinçar as sardas esbatidas no
seu nariz. Claro que ela tem sardas. Ela é a doçura personificada. — Estou
sentado à minha secretária.
— Eu disse para te sentares na minha. — Para quem parece pronta a engolir a
língua, ela está bastante calma. O único tique que diz o contrário é a sua
pulsação rápida e adejante na base da garganta. Os lábios entreabrem-se, sopros
suaves deixam-na, e eu penso no que ela faria se eu me inclinasse e pressionasse
a minha boca ao sítio onde a sua pulsação palpita.
Provavelmente, passava-se dos carretos.
— Eu disse-te ontem que não gosto de me sentar à frente. — Desço um dedo
pelo centro das suas costas, e ela salta. — Parece que vamos ter de partilhar.
A campainha toca, a Skov entra a valsar pela sala adentro no último minuto
possível e olha duas vezes quando repara que eu e a Wren estamos a partilhar
um lugar.
— Parecem bem aconchegados.
Um risinho nervoso soa pela sala, que inclui o Ez. A Wren senta-se mais
direita, as mãos dela ainda estão em cima da minha secretária, a atenção é para
a professora e mais ninguém.
Eu não me dou ao trabalho de olhar para a Skov. Estou demasiado cativado
pela curva delicada da orelha da Wren. Pela pérola pequenina que lhe pontua o
lóbulo. Pela pele lisa do seu pescoço, como o seu cabelo escuro é perfeitamente
lustroso e direito. Ela entreabre os lábios, o olhar dela esvoaça para o meu antes
de se afastar rapidamente.
Ela consegue sentir os meus olhos nela. Boa. Deixo-a desconfortável?
Ou será que ela gosta?
Voto em desconfortável. Ela não está habituada a atenção masculina.
— Crew, por favor, senta-te noutro lado — ordena a Skov.
— A Wren está sentada na minha secretária.
Dá para ver que a Skov está ligeiramente divertida com a situação. Ela aponta
para o lugar vazio da Wren.
— Então vem-te sentar na secretária dela.
— Não gosto de me sentar à frente.
— Tenho a certeza que não. — A Skov cruza os braços. — Vamos lá.
— Eu vou — diz a Wren, mandando-me outro dos seus olhares rápidos. Ela
não parece zangada, é mais o facto de não gostar de ir contra a autoridade. —
Eu não me importo.
O Ezra e o Malcolm resmungam o seu desagrado por terem perdido a sua
audiência cativada de uma pessoa, e eu mando-lhes um olhar assassino.
Não resulta em calá-los, os idiotas.
A Wren desliza para fora da cadeira que estamos a partilhar, enquanto a Skov
vai fazendo a chamada, e, de imediato, sinto falta do seu calor. Do seu cheiro.
Ela está abalada, se é que as mãos a abanar que apanham o caderno do topo da
minha secretária e o apertam à frente do peito podem servir de indicação.
— Posso deixar a minha mochila aqui?
Aceno e estico-me na cadeira, como se não tivesse nenhuma preocupação,
mas caramba. Também estou um bocado abalado.
Tê-la tão perto de mim mexeu comigo.
E não gosto disso.
OITO
WREN
Não gosto que façam de mim um espetáculo à frente da turma inteira, e foi
exatamente isso o que o Crew acabou de fazer. A atenção não me incomoda,
desde que não seja negativa.
Aquilo que ele acabou de fazer acontecer pareceu-me negativo. Quase um
gozo. Empurrar-me para o lado, para que pudéssemos partilhar a cadeira dele,
mesmo durante aqueles breves, poucos minutos, foi irritantemente…
Agradável.
Ele é sólido. Músculo duro e pele quente. De ombros largos com um peito
amplo e braços fortes. Estar tão perto dele, com o braço dele pendurado atrás
de mim e estendido sobre as costas da cadeira, até me senti como se estivesse
num casulo Crew Lancaster. E gostei. Gostei de o ter perto. O meu coração
começou a galopar de o ter tão próximo de mim.
Ainda está a galopar.
Sento-me no meu lugar, deixando cair o meu caderno em cima da minha
secretária, mantendo a minha atenção na setora Skov, que está a acabar a
chamada.
Os pelos na parte de trás do meu pescoço levantam-se lentamente, e preciso
de me segurar com todas as minhas forças para não me virar para trás e ver
quem está a olhar.
Eu já sei quem é. Consigo sentir o olhar dele em mim, pesado e inquietante.
Tão subtilmente quanto consigo, olho de soslaio por cima do meu ombro,
apanhando os olhos dele em mim e em mais ninguém, e, depois, ele faz a coisa
mais estranha.
Ele sorri.
É pequeno e rápido, e se eu contasse a alguém o que acabou de acontecer,
ninguém acreditaria em mim, mas… Oh, meu Deus, o Crew acabou de me
sorrir, e parece que um milhão de borboletas desataram a voar no meu
estômago, as suas asas esvoaçantes provocando uma agradável sensação que me
arrepia por todo o lado.
E tudo por causa de um sorriso breve.
O que é que se passa comigo?
— Muito bem. Juntem-se aos vossos parceiros. Já estamos entendidos nisso,
certo? — A Skov pousa o seu olhar em mim, as suas sobrancelhas disparam
para cima. Eu mal consigo acenar, envergonhada por ter sido chamada à
atenção novamente. — Certo. Vamos trabalhar.
Deixo a minha secretária e vou outra vez para o fundo da sala ter com o
Crew, que está espraiado no seu lugar de uma maneira bastante insolente, com
uma expressão de puro aborrecimento, a sua linguagem corporal a dizer-me
que ele preferia estar em qualquer outro lugar que não aqui.
Passo por cima dos seus pés e deixo-me cair no lugar desocupado na secretária
ao lado do Crew, que acabou de ser abandonada pelo Ezra. — Preparaste
alguma coisa para hoje? — pergunto, já certa da sua resposta.
— Não. — Ele levanta o seu olhar semicerrado. — Tu preparaste?
A acenar, abro o meu caderno na página com a lista de questões que anotei
esta manhã, quando me apercebi de que não tinha escolha, pois, gostasse ou
não, o Crew iria continuar a ser o meu parceiro em Psicologia.
— Escrevi algumas questões.
— Para mim? — Ele senta-se mais direito e esfrega as mãos. — Vamos lá
ouvir essas perguntas.
Olho para ele de maneira estranha, surpreendida pelo seu comportamento.
Não entendo este rapaz. Eu sei que não estaria ansiosa para ouvir quaisquer
questões que ele pudesse ter para mim.
— São questões simples — começo, mas ele abana a cabeça e interrompe-me.
— Nada é simples no que te diz respeito, Birdy. Tenho a sensação de que me
vais tentar perceber.
Ele tem toda a razão, não que eu ache que tenho hipótese de o fazer, não com
o tempo limitado que temos para trabalhar neste projeto.
Perceber o Crew Lancaster e o que o motiva provavelmente vai demorar
meses. Talvez até mesmo anos.
— É isso que é suposto fazermos — enfatizo, inclinando-me sobre a
secretária. O olhar dele cai e demora-se sobre o meu peito, e apercebo-me
demasiado tarde de que o meu peito está basicamente pousado por cima da
mesa.
Afasto-me, as minhas bochechas já quentes, e quando ele devolve o seu olhar
ao meu, está com um sorriso afetado na cara.
— Tenho uma ideia — diz ele e, por momentos, esqueço-me da minha
vergonha, sinto-me apenas grata por ele estar disposto a pensar nalguma coisa
para o projeto.
— Qual é a ideia?
— Vamos fazer uma lista das suposições que temos um sobre o outro. —
Inclina-se na minha direção, aqueles olhos brilhantes nunca deixam os meus.
— Adorava saber o que achas que sabes sobre mim.
Eu não quero saber o que ele pensa acerca de mim. Tenho a certeza de que é
tudo péssimo, mais rumores do que factos. A maioria dos rapazes nesta escola
não gosta de mim, apenas porque não cedo aos seus charmes.
Pareço a minha mãe com esse termo, mas é verdade. Eu não caio na coerção
ou nas mentiras deles. Eles elogiam, dizem aquilo que nós, raparigas, queremos
ouvir e, sem darmos por isso, estamos ajoelhadas perante eles. Ou debaixo
deles numa cama, num carro ou em qualquer lugar escuro, supostamente
privado, para onde nos conseguiram levar. Pedem-nos fotografias provocantes,
dizem que são privadas e, depois, vão partilhá-las com os amigos. Fazem delas
alvo de chacota.
Eles não respeitam as mulheres. E é esse o problema. São todos uns machões,
cheios de vontade de adicionar os nomes de raparigas à sua lista de conquistas
sexuais. Nada mais.
É só isso que somos.
Até o Franklin e a Maggie, que sempre achei estavam bem, afinal, não estão.
A deles é uma relação volátil que eu não quereria.
Nenhuma das relações na escola são o que desejo. Os rapazes ou são
demasiado atrevidos ou demasiado imaturos. Eu não sou uma pessoa
particularmente religiosa, mas valorizo o meu corpo e as minhas morais. Os
meus pais sempre enfatizaram quão cuidadosa devo ser no que toca a escolher a
pessoa com quem eventualmente irei partilhar o meu amor e o meu corpo.
Fazem o melhor que podem para me convencer a não estar numa relação com
outra pessoa neste momento, especialmente o meu pai.
— Então? — A voz profunda do Crew afasta-me dos meus pensamentos, e
pestanejo para voltar a focar-me nele. — O que é que achas?
— Vais ser simpático? — A minha voz está cautelosa.
— Queres real? Ou queres simpático?
Suponho que, no que toca ao Crew e à sua opinião de mim, real e simpático
não combinam.
Bom saber.
— Real — digo, e pareço muito mais confiante do que me sinto.
— Eu quero o mesmo. Deita tudo cá para fora, Birdy. Diz-me todos os teus
pensamentos secretos sobre mim.
As palavras dele deixam-me indignada. Como é que ele pode pegar numa
coisa que é tão inocente e fazê-la parecer tão suja?
— Não tenho pensamentos secretos sobre ti.
— Estou desiludido. — Ele ri-se, e o som rico da sua risada faz-me sentir um
calor interior.
— Eu tenho toda a espécie de pensamentos secretos sobre ti.
O meu interesse agudiza-se, e tenho de dizer a mim mesma para parar. Eu
não quero saber dos pensamentos secretos que ele tem sobre mim.
— Eu não quero saber quais são.
— Tens a certeza disso? — Ele junta as sobrancelhas. Parece surpreendido.
Aceno com a cabeça.
— Sem dúvida. Tenho a certeza de que são todos indecentes.
— Indecentes — Volta a rir-se. — Boa escolha de palavra.
— Tenho a certeza de que é certeira. — Folheio a lista de questões que
apontei no meu caderno, alisando a página limpa e fresca com a mão. — Estás
pronto?
— Vamos mesmo fazer isto?
— Vamos arranjar um temporizador. — Pego no telemóvel e abro a aplicação
do relógio. — Dez minutos?
Ele acena.
— Diz-me quando começar.
Pouso o telemóvel na secretária e pego no meu lápis, o meu dedo a pairar
sobre o botão de iniciar enquanto o Crew agarra uma caneta, clicando-a umas
quantas vezes, garantidamente com o único propósito de me irritar.
— Pronto?
— Iá.
— Começa.
Imediatamente, começo a escrever num ápice todas as coisas que ouvi sobre o
Crew ao longo dos anos. Algumas das minhas próprias ideias. Tendo em conta
que nunca falámos mesmo, não faço ideia se as coisas que estou a listar são
realmente verdadeiras ou não.
O que me faz sentir um bocado mal, mas não deixo que a culpa permaneça
durante muito tempo.
Estou demasiado ocupada a escrever a minha lista.
Por outro lado, o Crew está a demorar-se, escrevinhando umas palavras aqui e
ali. A dar uns toques com a caneta contra os seus lábios ligeiramente franzidos
enquanto contempla o que quer que seja que lhe ocupa os pensamentos.
Ter noção de que ele está a pensar em mim distraí-me um bocado. Faz-me
hesitar, com o meu lápis em riste no papel, e fico com a respiração presa na
garganta quando, ao levantar o olhar, dou com ele a observar-me.
Entreolhamo-nos durante um momento até que ele me aponta a caneta e,
imediatamente, começa a escrever qualquer coisa no papel.
Eu faço o mesmo, escrevendo às cegas, sem ter bem noção se estou realmente
a compor palavras, mas espero que sim.
De que é que ele se apercebeu? Foi bom ou péssimo? Conhecendo o Crew
como conheço, o mais provável é ter sido terrível.
Quando, por fim, o temporizador apita, o som faz-me saltar, o meu lápis cai
ao chão e rola na direção do Crew. Ele mete-lhe o pé em cima, dobra-se para o
apanhar enquanto tento desligar o alarme. Finalmente, consigo silenciar o
telemóvel, ao mesmo tempo que ele me devolve o lápis, a sua mão a cobri-lo
por inteiro.
O que me força a tocar-lhe para lhe tirar o lápis da mão.
Os dedos dele deslizam sobre os meus, a eletricidade estala entre nós com
aquele toque, no entanto, a sua expressão está totalmente neutra. Como se o
que aconteceu não tivesse, de facto, acontecido, de todo.
Novamente, outro produto da minha imaginação.
— Lê-me a tua lista — exige, e a sua voz abate-se sobre mim, suave como
seda.
Abano a cabeça, recusando-me, franzindo o sobrolho na direção dos
gatafunhos no papel.
— Primeiro, tenho de decifrar o que escrevi.
Ele levanta uma única folha de papel à sua frente, cerrando os olhos em
aparente concentração.
— Então, eu leio a minha primeiro.
Recosto-me na cadeira, o meu corpo está completamente rígido com
preocupação. Pressiono os meus lábios e engulo em seco, aguardando as
palavras terríveis que aí vêm.
— As minhas suposições acerca da Birdy. — Ele olha por mim por cima do
papel. — És tu.
Sai-me uma gargalhada num sopro, mas sem som percetível.
— Certo.
— É simpática para toda a gente. Quer que as pessoas a respeitem. Que a
oiçam. Mas, na verdade, a maioria das pessoas só se aproveita dela.
Permaneço em silêncio, a absorver as palavras.
— É uma boa aluna. Inteligente. Quer que os professores a admirem. Que
pensem que é muito esforçada. Alguns admiram-na demasiado. — O olhar
cheio de significado que ele me atira faz-me logo pensar no Figueroa.
Duvidável. Mas tanto faz.
— Ela rodeia-se de muita gente, mas nunca a vejo com amigos verdadeiros.
Fecha-se. Acha-se melhor do que os outros. Moralista.
Estremeço ao ouvir essa palavra em particular.
— …também é uma pudica. Uma virgem. Não se interessa por sexo.
Provavelmente tem medo disso. Medo de gajos. Medo de toda a gente. Possível
experiência traumática no seu passado? — Ele levanta o olhar do papel, os
olhos encontram-se com os meus. — E é isso.
A minha mente está num turbilhão em torno de uma montanha de coisas.
Nenhuma delas positiva.
Eu não tenho medo de rapazes. Não tenho medo de ninguém.
Bem, este rapaz em particular faz-me sentir uma boa dose de medo, não que
alguma vez o fosse admitir.
— Foi bastante, não achas? — Tento sorrir-lhe, mas sai-me tão retorcido que
desisto.
— Não tens uma opinião acerca de qualquer um dos meus pensamentos? —
Ele levanta as sobrancelhas para pontuar a questão.
— Nunca houve nenhuma experiência traumática no meu passado.
— Tens a certeza disso?
Só o facto de ele duvidar de mim…
— Sim — digo firmemente.
Ficamos em silêncio durante um momento, a observarmo-nos. O olhar dele
finalmente cai do meu para os apontamentos no seu papel. Enquanto isso, a
minha mente revê e revira o que ele disse sobre mim.
Aproveitam-se dela.
Fechada.
Não tem amigos.
Moralista.
Pudica. Virgem.
Com medo de sexo.
Nada disso é verdade. Eu tenho amigos. Não deixo que se aproveitem de mim
e sou muito aberta. Não tenho medo de sexo. Só não estou interessada.
A única coisa que é verdade é que sou virgem. E com orgulho.
— É a tua vez — diz ele suavemente, interrompendo, uma vez mais, os meus
pensamentos.
Olho para o papel no meu caderno, a forçar os olhos para ler algumas
palavras apressadas que escrevi. Não as consigo perceber a todas, mas aqui vou
eu.
— O Crew Lancaster acredita que é intocável, o que até é maioritariamente
verdade. É arrogante. Exigente. Às vezes, é um brutamontes. — Arrisco um
olhar rápido na sua direção, mas ele nem me está a prestar atenção. Está a dar
toques com a sua caneta contra os seus lábios franzidos, e eu distraio-me a
olhar para a forma da sua boca de novo.
Não há nenhuma razão para eu estar tão fascinada com os lábios dele. Ele diz
coisas horríveis. Isso é razão suficiente para eu odiar aquela boca. Para o odiar, e
a tudo o que ele representa.
Forço-me a continuar a ler.
— É inteligente. Charmoso. Os professores fazem o que ele diz porque a
família dele é dona da escola.
— Factos — acrescenta ele.
Reviro os olhos e continuo.
— Ele é frio. Não diz muito. Muitas vezes, faz má cara para as pessoas. Não é,
de todo, muito amigável, porém, toda a gente quer ser amiga dele.
— É o nome — diz ele. — Só querem saber, porque sou um Lancaster.
Querem agradar-me.
Ele interrompe frequentemente, ao passo que eu não disse nada.
— É ameaçador. Cruel. Não sorri, tipo, nunca. Provavelmente, não está feliz
com a sua vida. — Acabo, mas decido adicionar uma coisa ao último segundo.
— Tem síndrome de coitadinho rico.
— Mas que caralho é isso?
Ignoro o seu palavrão e esforço-me para não reagir visivelmente.
— Vá lá, tu sabes.
— Quero-te ouvir a explicar. — A voz dele é mortalmente suave, e o brilho
nos seus olhos é tão, tão frio.
Inspirando profundamente, digo-lhe:
— É quando a tua família te ignora completamente, e o dinheiro é a única
fonte de amor. Prestam-te atenção quando acham necessário, mas, fora isso, és
apenas um adereço naquilo a que chamam a sua vida familiar. És o bebé, certo?
Eles estão demasiado ocupados a envolverem-se nas vidas dos outros e,
entretanto, esquecem-se completamente de ti.
O sorriso dele não é amigável. É flagrantemente ameaçador.
— Que descrição interessante. Fico com a sensação de que estás familiarizada
com esse tipo de tratamento.
Franzo o sobrolho.
— O que queres dizer?
— O teu pai é o Harvey Beaumont. Um dos maiores corretores de imóveis
comerciais em Nova Iorque, certo? — Quando não lhe respondo, ele continua:
— Os meus irmãos estão no negócio. Eles sabem tudo acerca dele. É um
cabrão implacável com uma coleção gigante de arte de valor incalculável.
Ouvi-lo chamar ao meu pai a palavra que começa com «c» é um bocado
desconcertante.
— A minha mãe é a colecionadora — admito, as palavras deixam os meus
lábios sem pensar. — É a única coisa que ela tem na vida dela que a faz
verdadeiramente feliz.
Oh, céus. Odeio ter acabado de lhe admitir isso. Ele não merece saber nada
sobre a minha vida privada. Pode pegar em qualquer informação que eu lhe dê
e distorcê-la. Fazer-me parecer uma rapariguinha triste.
O que, de acordo com ele, eu sou. E talvez tenha razão. A minha mãe não
gosta particularmente de mim. O meu pai usa-me como um adereço. São os
dois demasiado controladores sobre a minha vida e usam isso para dizer que
me querem proteger. Achei que tinha amigos, mas agora não estou tão certa
disso.
— A penthouse em Manhattan onde a arte está toda em exibição… cresceste
lá?
Tento ignorar a sensação de alarme que percorre as minhas veias ao ouvir a
pergunta dele. A familiaridade que ele tem com a minha vida. Uma vida da
qual já não sinto que faço parte, uma vez que tenho vivido na Lancaster Prep
durante a maior parte dos últimos três anos, quase quatro.
Sento-me mais direita. Empurro todos os pensamentos de mim, da pobre,
lastimável rapariga, para longe da minha mente e sorrio educadamente ao
Crew.
— Mudámo-nos para esse apartamento quando eu tinha treze anos —
confirmo.
— E és filha única.
O meu sorriso esbate-se.
— Como é que sabes tudo isto?
O Crew ignora a minha questão.
— Não tens irmãos ou irmãs, certo?
Eu sou a menina do meu pai, o seu orgulho e alegria, e o pior pesadelo da
minha mãe. Ela disse-me isso no último verão, quando estávamos de férias na
Riviera Italiana, e o meu pai comprou uma peça de arte com um preço
extravagante por uma artista emergente que ele tinha acabado de descobrir.
Que nós tínhamos acabado de descobrir. O meu pai comprou a peça porque
eu gostei dela, ignorando completamente a opinião da minha mãe. A mãe
odiou-a. Ela prefere peças mais modernas, ao passo que esta artista tinha
trabalhos reminiscentes do período Impressionista.
Ficou tão zangada comigo quando o pai comprou esse quadro e pagou uma
quantidade gigante de dinheiro para o enviar para casa. Ela disse que ele já não
lhe dava ouvidos, que só me ouvia a mim, o que não era verdade.
O Harvey Beaumont só se ouve a ele mesmo.
— Não tenho irmãos — admito, por fim. — Sou filha única.
— Então é por isso que ele te protege tanto, certo? A sua filha preciosa, que
lhe foi prometida graças a uma… cerimónia de pureza estranha.
O olhar dele assenta no anel de diamantes na minha mão esquerda, e,
imediatamente, deixo-a cair para o meu colo.
— Vocês adoram gozar comigo por causa disso.
— Quem são «vocês»?
— Toda a gente na minha turma, nesta escola inteira. Eu não estive sozinha
naquele baile. Estavam lá outras raparigas, algumas até andam atualmente
nesta escola. A cerimónia não foi bizarra. Foi especial. — Fecho o caderno,
estendendo a mão para apanhar a mochila. Enfio tudo lá dentro e fecho-a antes
de me levantar, atirando a alça por cima do meu ombro.
— Onde é que vais? — pergunta ele, incrédulo.
— Não tenho de tolerar o teu interrogatório. Vou-me embora. — Viro as
costas ao Crew e dirijo-me à porta, ignorando a setora Skov, que chama por
mim enquanto saio da sua sala de aula.
Nunca saí de uma aula mais cedo, mas, neste momento, sinto-me poderosa.
E nem sequer pedi desculpa.
NOVE
WREN
Vou a correr atrás dela, o Malcolm e o Ezra estão mesmo atrás de mim, ambos
a gritar:
— Apanhem-na!
Credo, podiam ser mais óbvios? Não precisamos de atrair atenção. Nem
precisamos de a assustar.
É demasiado tarde para isso. As pernas dela já estão a bombar num autêntico
sprint, o seu cabelo escuro desliza no ar atrás dela, aquela fita branca
irritantemente infantil e, no entanto, sexy saltita na parte de trás da sua cabeça
com cada passo que ela dá. A saia agita-se com o movimento, oferece-nos um
vislumbre de coxas nuas e elegantes, e eu aumento a velocidade.
Vou apanhá-la primeiro. Que se lixem estes gajos.
Ultrapassar o Ezra é um desafio, ele consegue manter o mesmo ritmo que eu,
já o Malcolm desiste, pois cai num espasmo de tosse constante. Demasiada
erva faz isso a uma pessoa.
E o Malcolm adora mesmo a sua erva.
Com uma sensação de determinação que me preenche, puxo pelos braços e
pelas pernas, ultrapasso o Ezra, ignorando o seu «Ei!» quando consigo passar-
lhe à frente de novo. Estou cada vez mais próximo da Wren, os passos dela vão
abrandando, a cabeça vira-se para a esquerda, depois para a direita.
A tentar decidir para onde ir a seguir.
Não te preocupes passarinho, já quase te descortinei.
Estou quase a alcançá-la quando ela dispara para a sua esquerda, esquivando-
se ao último segundo.
— Birdy! — grito a sua alcunha odiada, e ela olha por cima do ombro, os
seus olhos assustados encontram os meus.
É errado sentir alegria ao ver o medo nos seus olhos, não é? Ainda assim, uma
parte de mim sente essa alegria. Saber que ela está assustada dá-me uma
sensação de poder, uma adrenalina intoxicante que vai direta à minha cabeça.
E à minha virilha.
Olhar para mim foi o erro dela. Abranda-a, distrai-a quando ela se apercebe
do quão perto estou. A sua hesitação dá-me a vantagem, agarro-a, deslizando
os meus braços em torno da sua cintura por trás e levantando-a no ar.
Ela uiva, as mãos fecham-se em punhos e quase me acertam nos tomates,
mas, em vez disso, batem-me na coxa.
— Larga-me!
— Chiu — sussurro-lhe perto do ouvido, apertando-a contra mim enquanto
ela se digladia. Está tão zangada, consigo sentir a vibração mesmo debaixo da
pele. — Acalma-te, porra.
— Larga-me! — Ela faz força contra mim, e eu desloco o meu braço direito
para cima, reajustando o meu aperto sobre ela. As mamas dela comprimem-se
contra o meu antebraço, luxuriantes e abundantes, e penso em como ela ficaria
nua.
Ela bate com o pé em cima do meu, o que me faz praguejar. Claro que ela
escolheu o dia de hoje para usar o raio dos Doc Martens.
Aquelas coisas deviam ser classificadas como armas.
Solto o meu aperto e ela tenta aproveitar, tenta libertar-se dos meus braços.
Eu enfio a minha mão por baixo do seu casaco de uniforme e agarro-lhe na
mama direita.
Ela fica completamente quieta, a respiração dela torna-se irregular, o peito
sobe e cai. Eu não a largo.
É como se não conseguisse.
— O-O que é que queres de mim? — A voz treme. Todo o corpo dela treme.
E a culpa é toda minha.
— O que é que achas? — O meu tom é sombrio. Sugestivo. Da maneira
como lhe estou a tocar, ela consegue perceber.
Apesar de não ser isso que eu quero.
Não agora.
— Crew!
Olho sobre o meu ombro e vejo o Ezra a aproximar-se, as sobrancelhas baixas
como numa questão silenciosa. Abano a cabeça uma vez, fulmino-o com o
olhar, e ele percebe a dica e caminha para onde o Malcolm está. Longe o
suficiente de nós para que não possam ouvir.
Mas podem ver.
— Deixa-me ir, Crew. Por favor — suplica a Wren, a voz dela está cheia de
agonia. Vejo-o escrito na sua cara bonita, que está no limite de se desmoronar
com o peso da dor.
Do medo.
— Infelizmente, parece que, doravante, vou ter de andar em cima de ti,
Birdy, tendo em conta o que acabaste de ver.
— Eu não digo nada. — É a sua resposta imediata.
— É melhor que não digas. Não nos podemos dar ao luxo de arranjar
problemas nesta fase do campeonato. Por estes lados é tolerância zero, boneca.
— Aperto-lhe o seio suavemente, e um soluço escapa-lhe. — Mesmo para nós
Lancasters. Se descobrem que estou a fumar um charro no campus, expulsam-
me.
A Wren permanece em silêncio, o corpo dela agita-se com arrepios.
— Neste momento, tens muito poder nas tuas mãos. — Baixo a cabeça para
ficar mais perto do seu ouvido, os meus lábios praticamente a roçar-lhe na pele.
— Podias arruinar-me.
Ela abana a sua cabeça, o seu cabelo sedoso roça contra a minha cara.
— E-Eu não te vou arruinar. Ou aos teus amigos. Eu nem vi bem o que
estavam a fazer.
— Mentirosa. — Deixo cair o meu outro braço, de forma que fique ao largo
das suas ancas, estendido diretamente à frente da sua saia. Não seria preciso
muito para eu enfiar os meus dedos por baixo da saia e lhe tocar. — Tu viste-
nos.
— Vocês estavam a fumar… qualquer coisa.
Pelo amor da santa. Ela tinha de saber exatamente o que estávamos a fumar.
— Vais ter de esquecer o que viste.
— Es-está bem.
— Tens de prometer, Birdy. — A minha mão desliza para baixo, a brincar
com a bainha da sua saia.
A Wren soluça.
— Por favor, não me magoes.
Jesus Cristo. Ela acha que eu a vou magoar? No meio do campus, à hora de
almoço?
— Eu não te vou fazer nada que não queiras. — Deixo os meus lábios
fazerem-lhe cócegas no lóbulo da orelha, o que a faz estremecer. — Sou muito
persuasivo quando quero ser.
— És nojento — atira ela.
— Estás a dizer-me que se eu meter a mão por baixo das tuas cuecas, agora
mesmo, não vais estar molhada para mim? — Não acredito. Ela pode ter medo
de mim, mas também está excitada. Juro que consigo cheirá-lo nela. Fragrante
e acre.
Intoxicante.
Um gemido baixo, frustrado, deixa-a.
— Deixa de dizer coisas dessas.
— Porquê? Porque vai contra tudo aquilo em que acreditas? Ou porque
gostas demasiado? — Desloco o meu polegar contra a mama dela, a desejar que
ela não tivesse um sutiã tão grosso para poder perceber se o mamilo estava duro
ou não.
— Ambos — admite.
Tão suavemente que quase não a ouvi.
É a minha vez de ficar surpreendido.
— A sério, Birdy?
Ela não responde. A respiração ainda está acelerada, e os tremores abanam o
seu corpo, mas não parece tão assustada como estava há uns minutos.
Decido abusar da minha sorte.
— Eu nunca te magoaria. — Afago o seu cabelo com a minha cara,
inspirando o aroma docemente florido do seu champô. Caramba, esta rapariga
cheira bem. — A menos que gostes disso.
Ela solta um gemido. Provavelmente, estou a deixá-la confusa. Ela realmente
é muito inocente.
Seria divertido brincar com ela.
— Eu não gosto de ti — declara ela, e não soa nada como a nossa típica doce
e pequena Wren.
— Ainda bem. — Exalo no ouvido dela e sorrio quando a sinto a arrepiar-se.
— Eu também não gosto de ti. Mas não posso negar que gosto da sensação de
te ter nos meus braços.
— Então é assim que operas? Tens de forçar raparigas para conseguires o que
queres delas?
Solto uma gargalhada. Ela é uma coisinha terrível quando quer. Não acreditei
que fosse capaz.
— Não tenho de forçar raparigas a fazer coisa nenhuma. Incluindo tu.
— Então solta-me. Vê se fico por aqui — provoca ela.
— Nah. — Faço um estalido com a boca ao dizer a palavra e aperto-a ainda
mais. — Vais a correr para o gabinete do diretor Matthew e contas-lhe tudo.
Não posso arriscar isso.
— Eu já te disse que não vou dizer nada. Anda lá, Crew. Por favor. Deixa-me
ir. — Eu gosto das súplicas. Também gostava de alguma imploração, mas não
aqui.
— Temos de fazer um acordo, Birdy.
— O que queres dizer? — Ela fica rígida nos meus braços, a desconfiança
tinge-lhe a voz.
— Não acredito que não nos vais denunciar. No mínimo, vais ter com o
Figueroa, e eu não quero lidar com as merdas dele. O que significa que vou ter
de andar atrás de ti para todo o lado.
Um som irritado escapa-se dela.
— Isso é ridículo. E impossível. Além disso, eu já prometi.
— Eu não confio em ti.
— Não vou dizer nada! — grita, praticamente aos prantos. — O que é que
teria a ganhar com isso?
— Irias livrar-te de mim e dos meus amigos para nunca mais teres de lidar
connosco. Parece perfeito, certo? Não te dês ao trabalho de negar. Consigo
sentir o teu ódio por mim a emanar do teu corpo.
A campainha toca, o som é ténue uma vez que estamos tão longe do edifício,
e ela sacode-se contra o meu aperto.
— Deixa-me ir. Temos aula.
— Podemos chegar atrasados.
— Não. — Ela abana a cabeça, o cabelo suave roça contra o meu queixo. —
Eu nunca me atraso. Nem sequer falto.
— Olha que faltas sim. Ontem, vimos-te a sair da aula da Skov mais cedo —
recordo-lhe.
Um som irritado deixa-a.
— Isso foi diferente. E a culpa foi toda tua, já agora.
— Eu não sou responsável pelas tuas ações. — Acaricio-lhe a mama, o meu
toque é extragentil, e noto como ela se derrete lentamente contra mim. —
Como disse, precisamos de chegar a um acordo, passarinho.
— Eu não vou chegar a coisa nenhuma contigo. Deixa-me ir. — Ela pisa-me
o pé outra vez, surpreendendo-me. Escapa-se um berro meu, escapa-se a Wren,
que corre para longe de mim, sem nunca olhar para trás.
Vejo-a a ir, ignorando a dor que lateja nos meus dedos, e foco-me antes na
ereção que estou a ostentar graças a ter tido o corpinho sexy da Wren a roçar-se
contra o meu durante os últimos cinco minutos.
Ouvi-la dizer que odiou e gostou do que eu disse chocou-me.
Isso é algo que vou, sem dúvida, explorar mais.
ONZE
CREW
Quando finalmente entro na sala de aula, vejo a Wren sentada no seu lugar
habitual, bem à frente e ao centro, a sua cabeça curvada, com o seu longo
cabelo a cobrir-lhe a maior parte da cara. Fico parado na entrada, a estudá-la.
Está toda a gente a falar. A rir. Exceto a Wren. Ela parece apenas… triste.
Derrotada.
Sozinha.
A sua dor evidente é um peso maciço sobre os meus ombros, e isso irrita-me
de sobremaneira. Sou responsável por essa dor e, normalmente, esse tipo de
coisa não me incomodaria, mas fogo. O que é que a Wren Beaumont me fez?
Nadinha. É a sua simples existência que me irrita, mas isso não é razão
suficiente para a torturar.
Ou é?
Credo. Sou mesmo lixado dos cornos.
Passo por ela sem dizer uma palavra, vou até ao fundo da sala e deixo-me cair
no meu lugar do costume. O Ezra já está sentado à sua secretária, a Natalie está
empoleirada no seu joelho, a comê-lo com o olhar sedutor, enquanto ele fica ali
sentado como um idiota a desfrutar da atenção.
Sabendo como a Natalie opera, não confio nos seus motivos. Ela quer alguma
coisa do Ez. Essa é a única razão para lhe estar a prestar atenção.
— Crew, oh, meu Deus — diz ela quando me vê e revira os olhos conforme
se vira no joelho do Ezra para me encarar mais de frente. — Já estás
aborrecido?
Desta conversa? Podes querer.
— Estás a falar de quê, exatamente?
— De trabalhar com a virgem. Tenho a certeza de que estás a odiar todos os
segundos. — Ela aponta para as costas da Wren. — Eu não aguento ter o Sam
como meu parceiro. Ele é tão aborrecido. Fala e fala. Fala sobre coisas que eu
nem entendo.
Isso é porque o Sam é genial e a Natalie é uma idiota. Não que lhe possa dizer
isso.
— O Sam é um tipo inteligente. Ele vai garantir-te um dezanove no projeto.
— Ugh. — A Natalie inclina a cabeça para trás, e o seu olhar encontra o do
Ezra, os dois sorriem. — Eu preferia muito mais trabalhar contigo, Crew.
— E comigo? — O Ezra enrola o braço em torno dela, pousando a mão no
seu estômago, o sacana é mesmo ousado. — Não preferias ser minha parceria,
Nat?
Ela franze o nariz.
— Nem um bocadinho. — Ela empurra a mão dele para longe e levanta-se,
pondo-se de pé à minha frente.
É disto que eu não gosto na Natalie. Ela é uma provocadora. Quando não
estava por perto, estava com o cu empoleirado no joelho do Ezra, e,
provavelmente, a dar um tesão ao pobre idiota. Assim que ele se tenta atirar
um bocado — e ela estava a dar-lhe todos os sinais de que tinha permissão para
isso —, ela age como se ele fosse um pervertido nojento e empurra-o para
longe.
Eu acredito que todas as mulheres têm o direito de dizer que não — até a
Wren. Eu estava só a meter-me com ela durante a hora de almoço, não que ela
saiba a diferença.
Mas a Natalie está constantemente a testar essa linha, a tentar atravessá-la e
depois a correr de volta para o outro lado quando as coisas não correm como
ela quer. É cansativo. E perigoso.
Quando me apercebo de que ela ainda não desistiu da conversa, sai-me um
suspiro cansado.
— O que queres, Nat?
— Vem comigo e vamos falar com a Skov. Eu sei que estás miserável com ela
enquanto parceira. — Ela inclina a cabeça na direção da Wren. — Aposto que
se fôssemos lá os dois expor a nossa situação, a Skov iria ouvir-nos.
Possivelmente, não o faria, mas podia valer a pena tentar. Eu sei que a Wren
iria suspirar de alívio se não tivesse de lidar mais comigo. E afastar-me dela
também iria, provavelmente, aliviar o meu nível de frustração.
E a minha nova necessidade urgente de bater uma todas as noites no chuveiro
a pensar na Wren de joelhos com aqueles lábios cor-de-rosa em torno da cabeça
da minha piça.
Raios, sou capaz de ficar excitado só de pensar nisso.
— Não vou trocar de parceira. — A minha voz é firme.
A boca da Natalie trava, aberta.
— Oh, por favor. Não me digas que gostas de trabalhar com a virgem.
— Deixa de lhe chamar isso — digo, irritado.
— O quê? É a verdade! Ela não é uma virgem?
— Sim, sou.
Oh, caramba. Parece que a Wren se veio juntar à conversa.
A Natalie fica a olhar para ela, o escárnio a levantar-lhe de leve o lábio
superior.
— O que é que estás aqui a fazer?
— Se vais falar sobre mim, então talvez deva estar envolvida na conversa. —
A Wren cruza os braços à frente do seu peito, deixando as mamas ainda mais
evidentes.
— Para começar, não estavas incluída na conversa — resmunga a Natalie.
A Wren endireita-se.
— Então sugiro que deixes de pôr o meu nome constantemente na tua boca.
— Uauuuuuu. — O Ezra prolonga a palavra, praticamente aos saltos no
lugar com o entusiasmo de uma potencial luta entre raparigas.
O olhar da Natalie salta para o meu.
— Não lhe vais dizer para se ir sentar ou qualquer coisa?
— Não. — Mal olho para a Wren enquanto me recosto na cadeira, com os
braços para cima e as mãos atrás da cabeça, a agarrar a parte de trás do meu
pescoço, como se tivesse todo o tempo do mundo. — Acho que ela dá conta
disto.
A Natalie lança-me um olhar de desprezo e logo devolve a sua atenção à
Wren.
— Estás a dizer-me que o teu nome é Virgem? Porque foi só isso que eu disse.
A expressão da Wren escurece. Está zangada. E não a culpo. A Natalie está a
ser uma autêntica vaca.
— Para de falar de mim, Natalie.
— Ai, sim? E o que é que vais fazer se eu não parar? — goza a Natalie.
— Não entrava por aí se fosse a ti — murmuro. Ambas as raparigas olham
para mim, os olhos da Natalie acendem-se com irritação. — Eu tenho… algo
teu, Nat.
Fotografias dela nua que me mandou no passado — que mandou a
praticamente todos os gajos na escola. Um vídeo dela a vapear num cigarro
eletrónico numa festa do ano passado. Outro dela a ser comida pelo Malcolm,
apesar de nunca o ter visto.
O Malcolm certificou-se de que ficámos todos com uma cópia, claro —
apesar de não ter a certeza se a Natalie sabe que ele fez o vídeo. Ele foi buscar a
ideia a outro gajo da nossa turma que faz a mesma coisa. Tão rasca.
— Estás a falar a sério? Estás a ficar do lado dela? — Ela abana a mão na
direção da Wren.
— Se a expuseres, eu ajudo-a a fazer-te o mesmo. — Encolho os ombros. —
É tão simples quanto isso.
A Natalie não diz nada, mas está a tremer visivelmente. Com medo. Com
raiva. Talvez com uma combinação de ambas.
— És um otário.
— Isso já não é novidade, querida. Diz-me algo que eu não saiba.
Com um bufar irritado, ela vira-se e vai-se embora, senta-se na sua cadeira
umas filas à frente com um suspiro alto.
O Malcolm escolhe esse momento para entrar na sala, e o seu olhar fixa-se na
Wren, que está de pé à beira da minha secretária. Os olhos dele cerram-se.
Ele não parece contente.
De nós os três, o Malcolm é o que tem mais a perder se a Wren der com a
língua nos dentes. Ele seria enviado de volta para a Inglaterra — o último sítio
para onde quer ir. Ele tem uma relação volátil com os pais, especialmente com
a mãe. Nada que ele faça é suficientemente bom para a mulher. Se fosse
expulso e enviado de volta para o Reino Unido?
Esquece. Ela ficaria furiosa e, provavelmente, acabaria com as ajudas
financeiras.
O Malcolm dirige-se à sua secretária, que está no outro lado da minha, mais
próxima de onde a Wren está. Ele vai mesmo contra ela ao passar, sem se dar ao
trabalho de dizer com licença ou desculpa, o que é atípico porque ele é britânico
e bem-educado como o caraças, e logo se acomoda no seu lugar, sempre a
fulminá-la com os olhos.
— Importas-te?
A Wren esfrega o braço no sítio onde ele lhe bateu, a pestanejar muito rápido.
Mas que raio? Aquele cabrão magoou-a.
Se ela começa a chorar vou perder as estribeiras.
— Tem cuidado, Mal. — Quando ele olha para mim, dirijo-lhe um olhar,
um que diz Acalma-te lá e já.
Ele encolhe os ombros.
— Ela estava a bloquear-me o caminho.
— Ela é uma rapariga. Foste contra ela como se fosses um defesa ou uma
merda desse género.
— Dizes isso como se fosse uma coisa má — acrescenta a Wren.
Viro a minha atenção para ela.
— Digo o quê como se fosse uma coisa má?
— O facto de eu ser uma rapariga. Como se fosse uma maldição ou como se
fosse sub-humana ou assim.
— Bem… — enuncia o Malcolm. — Tu é que disseste.
O Ezra ri-se.
Eu permaneço em silêncio, a raiva a borbulhar mesmo abaixo da superfície.
— As mulheres só servem para uma coisa, não achas, Crew? Foi isso que
disseste antes. — O Malcolm não hesita nem por um segundo. — Para pinar.
Só isso. Ah, e para cozinhar. Com isso suponho que sejam duas coisas.
— És nojento — sussurra a Wren, o olhar dela desliza para o meu. — E tu
não és melhor, tendo em conta que estás aí sentado a deixá-lo dizer coisas tão
horríveis.
A minha raiva aumenta contra a Wren, por estar a ser moralista como de
costume.
— O que queres que diga? Que acho que o Malcolm tem razão? Que as
mulheres só servem para uma queca rápida? Ele é capaz de estar correto.
— És mesmo um parvalhão, Lancaster! — A Natalie grita do seu lugar, a rir-
se a bandeiras despregadas.
Ela só se safa a dizer isso porque a Skov ainda não entrou pela sala adentro.
Neste momento, é um vale-tudo aqui dentro.
— Ela tem razão — diz a Wren, a voz estranhamente calma. — És um
autêntico parvalhão.
Fico boquiaberto. O Ezra ri-se de tal maneira que está praticamente em
histeria. Até o Malcolm está a gargalhar.
A Wren vira-se e caminha rapidamente pelo corredor, apanha a sua mochila
do chão e sai a correr da sala. Passa a correr mesmo ao lado da Skov, que a vê a
sair antes de fechar a porta para a sala de aula.
— Porque é que aquela rapariga continua a fugir da minha sala de aula
quando nunca faltou um dia que fosse da vida dela? — pergunta a Skov a
ninguém em particular, enquanto se encaminha para a sua secretária, a abanar
a cabeça.
— Que raio foi aquilo? — pergunto ao meu amigo. — Foste de propósito
contra ela para a magoar?
O Malcolm olha para mim com um fulgor agressivo.
— Eu não confio nela. Tu também não devias. Aquela santinha vai acabar por
nos denunciar, e depois estamos lixados.
— E faltar-lhe ao respeito e fazê-la parecer uma idiota à frente da turma
inteira é a tua forma de a manter calada?
Ele tem a decência de parecer arrependido.
— Se tiver medo de nós, talvez não diga nada.
— Assustá-la também pode levá-la a confessar o que viu. — Merda, não sei o
que vai manter a Wren calada. Talvez deva ser simpático com ela, para variar.
— Não te esqueças de que ela pode arruinar tudo para ti, para nós, com uma
única visita ao gabinete do diretor. Grande plano esse que colocaste em prática,
meu caro. Mesmo sólido.
Mas quem sou eu para falar? Não fiz nada a não ser ameaçá-la há pouco. Sou
tão mau quanto o Malcolm.
Provavelmente, pior, tendo em conta que tudo o que quero é comê-la.
A realização bate-me no centro do peito, lembra-me de que, afinal de contas,
sou mortal. Eu gosto de agir como se nada me tocasse, mas, atualmente, existe
apenas uma coisa — uma pessoa que tem o poder de me tocar. De mexer com
a minha cabeça.
De me arruinar por completo.
E é a Wren.
— Talvez outra pessoa precise de a ameaçar para garantir que ela fica de boca
fechada, já que tu só consegues pensar em tirar-lhe a virgindade — replica ele.
O meu olhar queima buracos no Malcolm. Odeio como ele sabia aquilo em
que estava a pensar. Mas a culpa é toda minha. Já ando atrás da Wren desde o
começo do nosso último ano. Porra, até há mais tempo do que isso.
Porque é que me devo preocupar com uma virgenzinha protegida, que
provavelmente me dava uma chapada na cara se eu lhe tentasse dar a mão? Ela
nunca deve ter visto uma piça na vida dela. Nunca foi beijada. Nunca foi
tocada.
Ela é pura. Pristina.
Não é de todo o meu tipo.
Então, porque é que estou louco com vontade de a sujar?
Olhando de relance, vejo a Natalie a escutar a nossa conversa com interesse.
Oh, ótimo.
— Isso não é verdade.
— Tretas. Quere-la tanto. Consigo vê-lo nos teus olhos. O que significa que
não vais fazer nada de nada para ameaçar a sua carinha laroca. — O Malcolm
abana a cabeça. — Ela vai-nos derrubar, e tu vais deixá-la.
— Baixa a voz — aviso-o, praticamente a sibilar e com um olhar cerrado na
direção da Natalie. Ela põe-se a olhar para outro lado num ápice. — Não vou
deixar a Wren arruinar o que quer que seja, está bem? Eu certifico-me de que
ela fica calada.
— Sim, pois — diz o Ezra, com um sorriso manhoso estampado na cara. —
A única coisa que queres usar para a manter calada é a tua piça enfiada bem
fundo na boca dela.
— Está calado, palhaço — passo-me com ele, alto o suficiente para a minha
voz apanhar a atenção da Skov.
Ela liberta um suspiro e pousa as mãos nas ancas.
— Senhor Lancaster, não aprecio de todo esse tipo de linguagem na minha
sala de aula.
— Desculpa. — Todavia, não soo assim tão arrependido, ela sabe-o.
— Ah, sim, tenho a certeza de que estás arrependido. Uma vez que parece
que ainda não estás capaz de te acalmar no teu lugar, podes ir à procura da tua
parceira de Psicologia. Trá-la de volta à sala de aula, pode ser? Não quero ter de
a marcar como ausente. — Como fico ali parado de boca aberta, a Skov abana
as mãos na direção da porta fechada. — Vai lá. Vai. Encontra a Wren e trá-la
para aqui.
Pego na minha mochila, para que ninguém ande a mexericar ali dentro —
não confio num único anormal dentro desta sala —, e deixo a aula, sem saber
onde uma virgenzinha assustada se iria meter depois de ter uma discussão com
uma rapariga mazinha e de me chamar parvalhão.
Ainda não acredito que ela disse isso. Essas palavras não fazem parte do
vocabulário dela. Por isso mesmo é que ela dizer uma coisa dessas é tão
chocante.
Esta semana ela tem estado a fazer muitas coisas que não são típicas da Wren.
Ando sem destino, a descer o corredor, a fazer tempo. Vejo o meu telemóvel,
mas não tenho notificações. Quando vejo uma casa de banho das mulheres
hesito, a pensar que tem de ser ali que ela está escondida.
Sem hesitação, vou até à porta e empurro-a, entro e só me detenho ao ver a
Wren diante do lavatório, a olhar para o espelho. Levanta o olhar para o meu
no reflexo, a sua expressão ferida a tentar mandar abaixo a parede que reveste o
meu coração.
— O que é que queres?
A voz dela escorre com lágrimas. Qualquer outro gajo iria odiar o som, e eu
tento convencer-me de que não sou qualquer outro gajo. Eu consigo ignorar
isso. Ela foi magoada e tem estado a chorar.
E daí?
Mas quanto mais me fita com aqueles olhos tristes, mais culpado me começo
a sentir.
— A Skov mandou-me para te trazer de volta para a aula — digo, por fim.
Ela olha para mim, zangada.
— Diz-lhe que não vou.
— Acho que não tens escolha, Birdy.
— Não me chames isso! — grita ela, virando-se para me encarar. As
bochechas estão húmidas das lágrimas recentes, e os olhos estão raiados de
sangue. — Tu… vai-te só embora. Conseguiste o que querias, está bem? A
minha autoestima está no lixo. Acabei de me aperceber de que não tenho
amigos verdadeiros. Nenhum que me conheça realmente. Não me perguntam
como estou, nem vêm ver se estou bem. Ninguém quer saber. A minha vida é
um desastre total. Espero que estejas feliz contigo mesmo.
Franzo o sobrolho.
— Porque é que ficaria feliz por estares um caco?
— Porque me odeias. Acho que me estás a tentar empurrar para fora desta
escola. Eu sei que é o teu território. Vais acabar por conseguir convencer toda a
gente de que não sou merecedora, e não vou ter outra escolha a não ser nunca
mais voltar.
— Oh, pelo amor da santa, Wren. Estás a ser melodramática.
— Por tua causa! Tu é que me fazes sentir assim. — Ela atira os braços para o
ar. — Isto é o mundo do Crew Lancaster, e nós estamos apenas a viver nele,
certo?
Não. Parece que partilho o meu mundo com a Wren, mesmo quando não
quero. Ela não é como nenhuma rapariga que conheça ou que tenha alguma
vez conhecido: uma pensadora independente, porém, uma pudicazinha
pretensiosa. Apesar do seu exterior pretensioso, consigo ver que ela se
preocupa. Ela quer que as pessoas gostem dela e quer guiar as raparigas para
aquilo que acha serem as escolhas certas — como serem umas pudicas como
ela.
Está constantemente à procura de validação.
Atenção.
Ela consegue-a de todo o tipo de gente.
Mas não é o tipo de atenção de que ela precisa.
O tipo que só eu lhe posso dar.
DOZE
WREN
Os lábios dela são macios. A maneira como está a olhar para mim?
Sexy pra caramba.
Sinto-me tentado. Tentado a fazer muitas coisas. A traçar o seu lábio inferior
cheio com o meu polegar. A testar os limites dela, ver como reagiria ao meu
toque. O que é que ela faria se eu enfiasse o meu polegar na boca dela? Ia-se
passar? Morder-me? Ou iria fechar os lábios ao seu redor e segurar-me ali.
Talvez até mordiscá-lo? Chupá-lo?
Iá, não há a menor hipótese de qualquer uma dessas coisas acontecer.
Relutantemente, retiro o meu polegar da sua boca e deixo cair a mão sobre a
secretária. Ela olha para mim, os seus olhos verdes grandes e arregalados.
— O-O que queres dizer?
— Quero dizer o que disse, Birdy. Tens uma boca sexy como o caraças.
Ela estende a mão à boca, os seus dedos trémulos roçam o canto dos lábios
onde acabei de lhe tocar.
— Nunca pensei na minha boca dessa maneira.
— Calculo que não penses que nada em ti é sexy.
— Não. — Ela abana a cabeça. — Não penso mesmo.
— Nunca pensaste em recriar a tua peça favorita? Comprar um monte de
batons e beijar uma tela em branco vezes e vezes sem conta? — Se eu tivesse de
a ver a fazer isso era capaz de esporrar nas calças, como se não tivesse controlo
sobre mim mesmo, o que é algo que não faço há algum tempo.
Algo nesta rapariga faz-me querer perder todo o controlo.
Um riso suave escapa-se da sua boca.
— Não, nunca pensei em fazer isso. Dá para imaginar?
Dá, sim. Adorava ver aquela impressão sexy dos seus lábios a cobrir uma tela
em várias cores.
— Devias considerar fazê-lo — digo, propositadamente a manter uma voz
neutra. Casual. — Até pode ser um projeto para desenvolveres mais tarde.
— Já tenho projetos suficientes em que trabalhar. Incluindo este. — Ela dá-
me um toque com o lápis no braço. — Tens mais questões para mim? A aula
está quase a acabar.
Raios, o tempo passa demasiado rápido quando estou com ela.
— Sim, tenho outra questão.
— Qual é?
— Se bem que já te perguntei isto antes.
A expressão dela fica desconfiada, e um suspiro escapa-lhe.
— Força. Provavelmente, vou dar a mesma resposta que te dei antes.
— Na verdade, nunca me respondeste.
— Oh. Bem, isso foi rude da minha parte.
Esta rapariga. Estou surpreendido por ela não ter pedido desculpa pela falta
de resposta.
— Prometes que desta vez respondes? — Levanto o sobrolho.
— Talvez. — O tom dela é cauteloso.
Inteligente.
— Está bem. — Inclino-me para a frente, o meu olhar fecha-se no dela. —
Alguma vez foste beijada? Sê sincera, Birdy. Diz-me a verdade. Estou desejoso
para saber.
Ela deixa cair a cabeça, olhando para a secretária.
— Isso não te diz respeito.
— Só uma rapariga que nunca foi beijada é que responderia assim. — Ela
não reage. — Anda lá. Diz-me. Nunca sentiste a pressão de outra boca na tua?
A Wren permanece calada.
— Lábios quentes a unirem-se uma e outra vez?
Ainda nada.
— Aquele primeiro toque da língua de alguém, a deslizar dentro da tua boca?
A fazer círculos à volta da tua. À procura. As mãos começam a vaguear… — A
minha voz deriva e, ainda assim, não obtenho nenhuma reação. Ela ficou
completamente quieta, a sua cabeça ainda curvada, o seu longo cabelo a cobrir-
lhe cara. — Quando dás por ti, mãos estão a deslizar por baixo das tuas roupas,
a tocar-te…
— Já chega — sussurra ela ao levantar a cabeça, revelando as suas bochechas
rosadas.
— Então, qual é a tua resposta, Wren?
— Não. Está bem? Estás feliz? Eu nunca fui beijada. Mas, por favor… não
andes a espalhar isso.
Fico cheio de vontade de a beijar, agora mesmo, mas recalco-a.
— Queres ser beijada?
— Claro. Só que… ainda não me aconteceu.
— Porque não? — Olho para a mão dela, e aquele maldito diamante acena-
me. — Porque te prometeste ao teu pai?
— Não tem a ver com isso. — Abana a cabeça. — Tu não irias perceber.
— Por favor, explica. Eu adorava perceber.
— Ouve, é que até agora ninguém se interessou em mim o suficiente para
querer sequer beijar-me. E também ninguém me interessou assim tanto.
— E se eu te dissesse que estava interessado? — As palavras deixam-me como
se não tivesse controlo sobre os meus pensamentos ou sentimentos. Eu nunca
devia ter dito aquilo. Sinto que todo este momento é demasiado real,
demasiado cru.
Devia estar a ameaçar esta rapariga para ela manter a boca fechada depois
daquilo que viu, mas nem sequer falo nisso. Já não. E mais estranho ainda?
Não estou preocupado que ela vá fazer queixinhas nossas. Não vai.
Consigo senti-lo.
Ela revira os olhos e tenta rir-se desapegadamente do que eu disse.
— Por favor. Tu definitivamente não me queres beijar.
— Como é que sabes? — Inclino-me ainda mais para ela, o seu cheiro
intoxicante envolve-me. — Vais deixar o Larsen beijar-te?
— O quê? Não. — Ela solta mais risinhos nervosos. — Não depois do que
me disseste.
— Linda — murmuro, reparando como os seus olhos brilham com a minha
aprovação. — Tens de te manter afastada desse anormal.
— Isso é capaz de ser um bocado complicado, já que vou jantar a casa dele
amanhã à noite.
— Não o deixes apanhar-te a sós. — Estou invejoso como a porra por ela ir
passar o sábado com aquele imbecil do Larsen. — Promete-me, Birdy. Eu não
vou lá estar para tomar conta de ti.
— Como se eu precisasse que fosses o meu cão de guarda. Não te esqueças de
que és o tipo que me perseguiu há uns dias e me tentou assediar — diz ela.
— Assédio? — Sinto-me grato por ela estar a falar baixo para que mais
ninguém oiça o que acabou de dizer. — Acho que gostaste demasiado para lhe
chamares assédio.
Toda a sua cara se torna vermelha.
— És terrível.
— Mas tu gostas.
— Nem por isso.
— Nem um bocadinho? Vá lá, podes admitir.
— Não gosto o suficiente para te dar a satisfação de o dizer. — O sorriso dela
é sereno. — Deixa de escarafunchar, Crew. Não te fica bem.
Estamos a sorrir um para o outro e é uma sensação… estranha. De uma boa
maneira. De uma maneira do tipo eu sou capaz de gostar desta rapariga mais do
que quero admitir.
A campainha dá o seu toque e retira-nos do nosso transe. A Wren quase salta
na sua cadeira e mexe-se de imediato para apanhar a mochila. Eu observo-a
enquanto ela arruma as suas coisas, fecha a mochila e passa a alça sob o seu
ombro ainda antes de se levantar.
— Adeus, Crew.
Ela afasta-se antes de eu poder dizer alguma coisa, o cabelo a ondular no seu
encalce. Os meus olhos descem para a sua saia, e aí se delongam, desejando
poder ver mais dela.
A desejar poder protegê-la.
Esta sensação estranha abate-se sobre mim, e esfrego o peito, o meu sobrolho
carregado. Porque é que a quero proteger? Porque é que me importo tanto?
Não percebo.
Não percebo os sentimentos que tenho por ela.
Deixo a sala de aula e saio do edifício, dirigindo-me para o dormitório dos
alunos de terceiro e quarto ano. Eu não tenho um quarto nesse dormitório.
Sendo um Lancaster, fico automaticamente com uma das suites privadas noutro
edifício que, em tempos, albergava os funcionários quando estes viviam no
campus. Mas, ocasionalmente, venho fazer tempo ao dormitório, tipicamente
na sala de convívio.
Para onde vou agora.
Encontro uma cadeira e sento-me, pondo-me à vontade. Enquanto espero
vou navegando no telemóvel, o meu olhar sempre a ir para a porta, sabendo
que, mais cedo ou mais tarde, o vou ver a aparecer. Ele é previsível como a
porra. O seu sítio favorito para estar depois das aulas é nesta mesmíssima sala.
Com todos os seus seguidores ao redor, à espera de ouvir outra história sobre
mais uma rapariga inocente que se cedeu aos avanços desse idiota.
O problema das raparigas não falarem acerca do que ele faz é que acabam por
não avisar as outras, que lhes seguem as passadas. É tipo um segredo estranho
que cresce e cresce. Toda a gente sabe que está a acontecer, mas ninguém
admite que lhes aconteceu mesmo.
É meio marado. Alguém tem de chamar o Larsen à atenção por estas merdas.
Talvez esse alguém deva ser eu.
Porque é que aquilo que o Larsen faz a outras raparigas importa? Nós já o
deixámos acontecer durante os últimos anos, então, qual é a diferença agora?
A Wren.
Ela é a diferença. Não suporto sequer pensar nele a olhar para ela, quanto
mais a tocar-lhe. Ele é um tarado merdoso que não merece sequer um grama
da sua atenção. A Wren é tão doce e pura e boa.
Eu mal mereço a sua atenção, e sou dez vezes o homem que é a besta do
Larsen. E se ele fizesse alguma coisa que a destruísse completamente, como
filmá-la enquanto se aproveitava dela depois de lhe meter alguma coisa na
bebida? Meu Deus.
Dada a oportunidade, provavelmente matá-lo-ia.
São precisos uns bons vinte minutos, mas ele lá aparece. O Larsen entra na
sala de convívio com um sorriso na cara, a distribuir mais cincos a uns quantos
gajos que o tratam como se ele fosse o seu líder há muito perdido e agora
retornado.
Um monte de merdosos. O facto de admirarem este supremo imbecil diz
muito deles.
Ele vê-me e fica logo com um ar surpreendido, uma vez que estou sentado
naquela que é tipicamente a sua cadeira. Eu sei exatamente o que ele se põe a
aprontar. Sei como ele opera. E consigo perceber pela sua expressão sombria
que não gosta de me ver sentado no seu lugar.
A minha família é dona deste sítio. Tecnicamente, é o raio da minha cadeira.
Posso sentar-me onde bem me apetecer.
— Oi, Crew — diz o Larsen, parando diretamente à minha frente.
— Oi. — Indico-lhe a cadeira vazia diante de mim. — Senta-te.
Ele senta-se relutantemente no rebordo da cadeira, com ar de quem está
pronto para dar de frosques a qualquer segundo.
— O que é que se passa?
— Nada de mais. Como é que estás? — Não podia estar menos interessado
em como ele está, mas não vou ser um idiota e atacá-lo logo.
Preciso de uma abordagem mais discreta. Preciso de o embalar para o fazer
pensar que está tudo bem antes de lançar a minha ameaça.
— Eu estou bem. Pronto para o fim de semana.
Caramba. Caiu mesmo na cilada.
— Tens planos?
Ele acena, relaxando ligeiramente.
— Vou para a cidade. Mas só amanhã de manhã.
Bom saber. Já estive a fazer alguma pesquisa. Descobri exatamente onde fica
esta exposição que a Wren está a planear visitar.
— O que é que vais fazer enquanto lá estás?
— Vou ficar com a família. Vão receber convidados para o jantar, e a minha
mãe queria-me lá.
— Ai, sim? Quem é que vai lá a casa?
— Os Beaumonts.
— Tipo a Wren Beaumont?
Ele acena e sorri abertamente.
— Sim, estou à espera de passar um tempinho a sós com ela, sabes? Ela é a
rapariga que não se pode ter.
Isso é uma coisa que se diz? Que uma pessoa não se pode ter?
— Tu achas mesmo que ela se vai interessar por um tarado nojento como tu?
O sorriso dele desaparece, substituído por uma expressão carrancuda.
— Mas que raio, Lancaster?
Eu inclino-me, pousando os cotovelos nos joelhos enquanto o fulmino com o
olhar.
— És um canalha de merda e filmas as raparigas com quem dormes. O único
motivo para as pinares é fazeres os vídeos, só para os poderes partilhar. Para
fazeres dinheiro com eles. Estás-te pouco cagando para o facto de essas
raparigas serem destruídas pelo que estás a fazer. Algumas delas até deixaram a
escola. E nunca voltaram. E continuas a fazê-lo porque nenhuma delas diz
nada a ninguém acerca do que se está a passar. Estão demasiado
envergonhadas. Acham que as suas vidas acabaram. Estou surpreendido por
ainda não teres recebido uma conta de terapia de uma delas.
— Aposto que já viste alguns desses vídeos — diz o Larsen, a sua expressão
azeda. Tenho a certeza de que ter alguém a explicar-te as tuas merdas nunca é
agradável.
— Um. — É a verdade. — Eu vi um, fiquei imediatamente enojado com ele
e parei.
— Tão altivo e grandioso — retorque. — Achas que és o lorde da mansão por
estas bandas, e isso é uma treta. Nem todos temos de fazer o que tu mandas,
parvalhão. Se tens um problema comigo, vai-me denunciar. Desafio-te, cabrão.
— Eu não tenho provas. E não vou pôr um monte de raparigas que não
querem falar disso no centro das atenções. — Hesito durante apenas um
segundo. — É esse o teu plano para a Wren? Queres fazer um videozinho
divertido dela? Talvez dela a chupar a tua piça de lapiseira? Ou de ti a dar-lhe
por trás para não conseguirmos ver-lhe bem a cara?
Esse é um dos seus truques. Ele nunca mostra mesmo a cara delas. Não
completamente. Mas dá para perceber quem é. Sempre.
— Estás é com inveja — diz o Larsen, passado. — Também a queres. Achas
que não reparámos em ti a seguir a Wren ultimamente? Credo, tens estado a
observá-la a entrar no edifício todas as manhãs durante os últimos dois anos, a
olhar para ela como um perseguidor. A culpa não é minha que tenhas esperado
demasiado tempo e que agora tenhas perdido a tua oportunidade.
— Tu achas mesmo que tens uma hipótese com ela? — A minha voz é
insípida.
— Mais do que tu, seu idiota de merda. Pelo menos tenho a aprovação da
mãe e do pai. E essa é a coisa mais difícil de ter no que toca aos Beaumonts. O
pai dela tem-na bem guardada. Não sei bem porquê. Talvez tenha secretamente
uma má reputação? Prostituta infantil aos treze? Não duvidaria. Olha para ela,
com aquelas mamas gigantes e lábios de chupar piças.
Estou em cima dele numa questão de segundos, arrancando-o da cadeira.
Seguro-o pela sua gravata com tanta força que ele emite um som estrangulado,
os olhos dele estão praticamente a saltar para fora da sua cabeça quando
aproximo a minha cara da dele.
— Cala a merda da tua boca.
O Larsen expira irregularmente, sorrindo apesar de eu o estar prestes a
estrangular.
— Ou quê? Vais-me espancar? Bora lá, Lancaster. Tu não me assustas. Além
disso, vais ser expulso daqui tão rápido que a tua cabeça vai ficar a andar à
roda.
O sorriso aberto está de volta, e eu quero arrancá-lo à chapada da sua cara
pretensiosa.
— Toca num único cabelo na cabeça dela, e eu vou dizer a toda a gente das
tuas gravações. Vou expor-te por tudo o que fizeste nos últimos dois anos.
Esquece as raparigas e proteger a privacidade delas. Aliás, provavelmente até me
vão agradecer quando se souber tudo e eu expuser o canalha que tu és.
Os olhos do Larsen enchem-se com uma mistura de raiva e medo.
— Qual é a cena, hum? Porque é que queres saber se eu a vou comer ou não?
— Primeiro, ela nunca deixaria que lhe tocasses, seu pilantra. Depois, eu
preocupo-me porque, de facto, gosto da rapariga, que é mais do que tu podes
dizer. — Assim que as palavras me deixam, fico em silêncio, o choque a
circular dentro de mim pelas minhas veias.
Eu gosto dela.
Gosto mesmo.
Mas que raio?
— Crew, caramba, anda lá. Deixa-o em paz.
Eu viro-me e encontro o Ezra ali parado, a abanar a cabeça lentamente.
Ignoro-o e viro a minha atenção de volta para o Larsen.
— Como eu disse: toca nela, e eu parto-te os ossos todos que tens no corpo.
Grava-a a fazer qualquer coisa, nem que seja a sorrir para ti, e eu mato-te. —
Empurro-o para longe de mim, e ele tropeça contra a cadeira atrás dele,
deixando-se cair no chão.
Fulminamo-nos enquanto estou de pé, sobre ele, com as mãos fechadas em
punhos. Estou a arfar, estou tão zangado.
Odeio este animal. Tanto.
Afasto-me e deixo a sala de convívio, com o Ezra a vir logo atrás de mim.
— Mas que raio, meu? Porque é que te estás a meter com o Larsen? Tu sabes
que nós sempre o deixámos em paz.
Porque éramos um bando de idiotas que pensavam que estavam a fazer a coisa
mais correta ao proteger um dos nossos.
Bem, que se lixe isso.
— Ele é um merdas. — Limpo a parte de trás da mão na minha boca. — Ele
merece ser chamado à atenção.
— Porquê? O que é que se passa agora?
Viro-me para o meu amigo.
— Ele vai jantar com os Beaumonts amanhã à noite.
Um ar de compreensão surge na cara do Ezra.
— E daí? Achas que vai ter alguma coisa com a Wren? Por favor. Ela tem
demasiado medo de olhar para ele.
— Eu vi-os a falar no corredor há pouco. Acho que ela confia naquele idiota.
— Não devia. Ela não sabe?
— Provavelmente não. — Ela não sabia. E também não sei se acreditou no
que eu lhe disse.
A minha mente não para de a imaginar com o Larsen. A rir-se com ele
enquanto ele lenta, mas seguramente ganha a confiança dela. A aproveitar-se
daquele lado carente dela, o que ela não mostra a ninguém. Ela quer atenção.
Está esfomeada por isso. E ele vai dar-lha. Até a pode tentar drogar.
Quando der por ela, vai estar a ser comida por aquele otário. E eu consigo vê-
lo a acontecer. Consigo ver tudo na minha cabeça e nem pensar que posso
deixar isso acontecer.
Não posso.
Não vou.
CATORZE
WREN
Depois de ter feito a minha compra e de estarmos prestes a sair, a Kirstin traz-
me o meu casaco. O Crew pega nele e ajuda-me a vesti-lo, as mãos dele tocam-
me no cabelo, os dedos roçam primeiro a minha nuca quando ele puxa o
cabelo preso debaixo do meu colarinho. Os dedos dele continuam a deslizar
pelas mechas, afagando-me cabelo, e eu olho para ele, incapaz de me afastar do
seu olhar pesado.
— Não queria que ficasse preso — murmura, e eu aceno em concordância,
incapaz de encontrar palavras.
Então permaneço em silêncio. Perdida nos meus pensamentos. Na realização
de que isto não é uma fantasia que conjurei no meu cérebro, como fiz ontem à
noite. Ele está realmente aqui, à minha frente, a olhar para mim com atenção.
Com tanta atenção como a que tenho quando o observo.
Ele consegue senti-la? A atração entre nós? A química? Ou é tudo da minha
cabeça? Sou só uma rapariguinha tonta com uma queda por um rapaz com
zero interesse em mim? Ele está só a fazer-me as vontades? A brincar comigo?
O Crew veio aqui, a esta exposição, para me encontrar. Não há outra razão
para ter aparecido aqui, além de querer ver-me.
A mim.
Ele acompanha-me para fora da galeria, a mão dele no fundo das minhas
costas, guiando-me para o passeio. Olha em ambos os sentidos antes de me
pegar na mão e me levar para o outro lado da rua, na direção de um sedã
Mercedes preto que está estacionado no passeio. Um homem vestido com um
fato preto sai do lugar do condutor, com um sorriso gracioso na sua cara.
— Encontrou uma convidada, senhor Lancaster.
— Encontrei, sim — responde o Crew. — Wren, este é o Peter.
— Prazer em conhecê-lo — digo ao Peter. É um cavalheiro mais velho com
cabelos grisalhos e olhos castanhos quentes.
— Menina. — O Peter inclina a cabeça na minha direção em jeito de
cumprimento, antes de puxar o manípulo e de abrir a porta de trás para nós.
Eu entro primeiro, o Crew segue-me e a porta fecha-se, envolvendo-nos num
silêncio total. O único som que consigo ouvir é o ronronar suave do motor
ligado e o meu coração a bater desenfreadamente.
— Onde é que queres ir almoçar? — pergunta o Crew, a sua voz silenciosa. O
que me faz estremecer.
— Não sei. — Encolho um ombro, de repente, o meu estômago começa a
protestar. Não me consigo lembrar da última vez que comi.
— Estás com fome?
É a forma como ele olha para os meus lábios que me faz dizer:
— Estou esfomeada.
— Eu também. — O sorriso desenha-se lentamente na sua cara.
O meu também.
Depois de fazermos uma breve pesquisa nos nossos telemóveis, escolhemos
um restaurante não muito longe da galeria que serve pequeno-almoço e
almoço.
A fachada do Two Hands Restaurant está pintada com um azul brilhante e
alegre, e quando lá entramos fico cativada pelo design leve e arejado. A madeira
é toda branca ou de tom claro, as paredes de tijolo são caiadas de branco, e os
candeeiros gigantes suspensos do teto são construídos com fio de metal.
A funcionária leva-nos aos únicos lugares vazios no restaurante — uma mesa
apertada para dois à frente da janela, com vista para a rua. Sentamo-nos, e os
joelhos do Crew batem contra os meus, o que me faz corar.
— Quanto é que medes? — pergunto assim que ela nos deixa com as
ementas.
Ele franze o sobrolho.
— Porque é que perguntas?
— Oh. É que me deste um toque com os joelhos.
— Desculpa.
— Eu não me importei — admito, as minhas bochechas vermelhas como um
tomate, o que é tão estúpido. — Tens pernas compridas.
— Tenho um metro e oitenta e sete.
Eu sabia que ele era alto. Eu só tenho um metro e sessenta e cinco.
— Os Lancasters são altos — continua ele. — Maioritariamente loiros.
Olhos azuis. Temos todos basicamente o mesmo aspeto.
Se todos os homens Lancaster forem tão atraentes como o Crew, então devem
ser devastadores.
A nossa empregada de mesa aparece, excessivamente alegre, enquanto nos
pergunta o que queremos beber. O cabelo dela está pintado com um rosa
vívido, cortado num bob severo, e ela está a usar óculos cor-de-rosa a condizer.
É adorável.
— Só água — digo-lhe, com um sorriso ténue.
— O mesmo — acrescenta o Crew.
— Ótimo. Já volto para saber o resto do pedido. — Ela desaparece, e eu vejo-
a a ir, notando como parece ser confiante. Tens de ser confiante para ter cabelo
daquela cor.
— Gostas de raparigas com cabelo cor-de-rosa? — pergunto ao Crew.
Ele nivela aquele olhar azul gélido ao meu.
— Prefiro cabelo castanho.
— Jura.
O Crew acena.
— Com olhos verdes e apreço por arte.
— Estás só a dizer isso por dizer. — Pego na ementa e seguro-a à minha
frente, a tentar concentrar-me no que estou a ler, mas as palavras estão
desfocadas. Consigo senti-lo a observar-me, sem dizer uma única palavra, e isso
deixa-me completamente nervosa. Até que deixo cair o menu. — O que foi?
— Achas mesmo que estou «só a dizer isso por dizer» quando te segui até à
galeria? Achas que isso foi uma coincidência?
Pestanejo, cativada pela sua intensidade.
— Não. — Ele cala-se e fica em silêncio até eu não aguentar mais. — Porque
é que estás aqui, então?
— Porque é que achas?
— Andas a seguir-me?
Ele ri-se, o som é bruto, com pouco humor. Acaba tão rápido quanto
começou.
— Não.
Mas é a sensação que dá, apesar de eu não o dizer.
— Disseste que ias andar em cima de mim depois daquilo que eu… vi.
— Isso foi só uma desculpa.
— Então, porquê? Não percebo. Eu não sou nada de especial. — Vendo o
olhar incrédulo na cara dele, continuo a falar: — Não, a sério, não sou mesmo.
Sou ingénua e protegida e ridicularizada na escola pelas minhas crenças. As
pessoas não gostam de ti quando as deixas desconfortáveis.
— Achas que deixas as pessoas desconfortáveis?
Aceno.
— Eu sei que sim. Elas não gostam do anel e do que representa. — Levanto a
mão para ele o ver. Este anel estúpido que começa a parecer cada vez um fardo,
especialmente depois do que fiz a noite passada.
Uma sensação de vergonha inunda-me perante as memórias.
— Acho que és corajosa.
— Ou estúpida.
— Não estúpida, Birdy. Nunca estúpida.
— Alguma vez te sentiste aprisionado? Como se existisse todo um conjunto
de expectativas para ti, para fazeres todas estas… coisas, às vezes, coisas que
nem sequer queres fazer. As pessoas também querem que ajas de uma certa
maneira. Nunca te deixam lidar com as coisas por tua conta. Como se não
achassem que és capaz do que quer que seja. — Pressiono os lábios,
interrogando-me de repente se falei de mais.
— Constantemente — diz ele, lentamente. — Sendo o bebé da família, o
meu pai quer-me com trela curta.
— Enquanto filha única, posso dizer que o meu pai faz o mesmo.
— No entanto, mal dá pela minha existência. Acho que durante metade do
tempo se esquece de que eu existo sequer — continua.
— Eu gostava que o meu pai se esquecesse da minha existência às vezes. —
Escapa-me um suspiro. — Não sei como é, isso de ser a minha própria pessoa.
— Acho que é exatamente isso que estás a tentar ser agora — diz ele.
Aquelas palavras dão-me esperança.
— Achas mesmo?
— Sem dúvida. És mais forte do que pensas. Só precisas de esticar as tuas asas
e vais acabar por voar. — Ele pousa a mão sobre a minha, passando o polegar
sobre os nós dos meus dedos, a eletricidade faísca onde as nossas peles se
tocam. — Quando é que fazes dezoito?
— No dia de Natal — admito.
— Está quase aí. — Ele não tira a mão da minha, e eu gosto disso. Do seu
toque possessivo, da maneira como me está a estudar. — Vais fazer algo
especial?
— Ia dar uma festa no dia a seguir — admito.
— Onde?
— No apartamento dos meus pais. Mas não sei. — Encolho os ombros. —
Não tenho amigos.
— Tens, sim.
— Nenhum que seja verdadeiro.
Ele fica em silêncio durante um momento, e eu interpreto isso como uma
concordância. Até ele dizer:
— Eu sou teu amigo.
Até este momento, nunca teria descrito o Crew Lancaster como meu amigo.
— És mesmo? — sussurro.
— Sou o que quiseres que eu seja. — Ele fecha os seus dedos em torno dos
meus e levanta as nossas mãos interligadas, trazendo-as à sua boca, beijando-me
levemente os nós dos dedos.
Sinto aquele toque na minha alma, a assentar-se nas profundezas dos meus
ossos. Inclino-me para ele, entreabrindo os lábios, a minha boca seca, a desejar
conseguir encontrar as palavras para explicar o que ele me faz sentir.
Como se qualquer coisa fosse possível.
— Devias fazer a festa — diz ele.
Retiro a minha mão da sua e volto a recostar-me no meu lugar.
— Acho que não. Vou cancelar.
— Talvez devas deixar-me levar-te a algum lado no teu aniversário. — Ele
pousa a mão sobre a minha novamente, como se não conseguisse parar de me
tocar.
Porque é que está a ser tão simpático? Porque é que, de repente, quer saber? É
como se ele soubesse o que eu estive a fazer ontem à noite. A tocar-me
enquanto pensava nele, e agora está aqui, e eu não entendo a sua mudança de
humor.
Interrogo-me se ele tem segundas intenções…
— Queres levar-me a sair no meu aniversário? Porquê? — A minha voz está
meia esganiçada, e acabo por pressionar os meus lábios numa linha.
A empregada de mesa aparece, interrompendo-nos, e o Crew larga a minha
mão. Afundo-a no meu colo, apertando as mãos, os nervos devoram-me
enquanto a empregada de mesa vai mencionado os pratos do dia, à medida que
os meus olhos percorrem freneticamente os pratos da ementa.
— O que é gostaria de pedir? — pergunta-me ela, animada.
Ligeiramente em pânico, peço uma salada e recebo um olhar incrédulo da
parte do Crew, que logo pede um cheeseburger e batatas fritas.
O meu estômago contrai-se ao pensar em comer um hambúrguer, e
arrependo-me imediatamente da minha escolha. Mas não a vou mudar.
Nem pensar que posso comer hambúrguer e batatas fritas à frente dele.
Quando a empregada de mesa nos deixa, a conversa fica mais leve. Falamos
da escola. De arte. Dos sítios onde estivemos, das coisas que vimos. Ele fala
sobre os seus irmãos. A sua irmã. Eu conto-lhe dos meus pais, mas não entro
em grandes detalhes. Não quero que ele saiba que ultimamente a nossa relação
parece fraturada. Não gosto de como isso me faz sentir.
Quando as nossas refeições chegam, estou esfomeada, e olho para a minha
salada com consternação. O cheiro do almoço do Crew flutua na minha
direção e faz o meu estômago rugir. Observo-o a levar o hambúrguer à boca e a
dar-lhe uma dentada enorme, e os meus olhos demoram-se nos seus lábios. Na
maneira como ele mastiga. Engole. Pega numas quantas batatas e as mergulha
no ketchup antes de as deixar cair na sua boca.
Esfaqueio a salada na taça com o meu garfo, como se estivesse a tentar
assassinar a alface e a couve frisada, enfiando os pedaços na boca, com uma
sensação de frustração que me abala por ondas enquanto como, desejando que
a salada tivesse pelo menos uns pedaços de frango. É boa, mas aposto que
dentro de uma hora já vou estar com fome outra vez.
— Estás a olhar para mim a comer como se me quisesses roubar o
hambúrguer das mãos — diz o Crew a certa altura, o divertimento evidente na
sua voz.
— Parece delicioso — admito.
— Porque é que não pediste um? — Ele dá outra dentada.
— Eu não como muita carne vermelha — replico, o que é verdade.
— Porque não? — Ele cerra os olhos. — Não é por te achares gorda, pois
não?
Abano a cabeça e encolho os ombros.
— Talvez? Não sei. Tenho de controlar o meu peso.
— Tens mamas grandes, Bird. É só isso. E um traseiro jeitoso. — Ele atira os
seus elogios crudes com tanta facilidade. Faz-me corar.
— São demasiado grandes — sussurro e olho brevemente para o meu peito.
— Não, definitivamente, não são. — Ele está a fitá-las e depois pestaneja,
como se se estivesse a acordar de um transe. Estica o braço com o hambúrguer
na minha direção.
— Queres dar uma dentada?
Estou desejosa de dar uma dentada. Aceno, e ele dá-me o hambúrguer a
provar, colocando-o à frente da minha boca, e afundo logo os dentes nele.
Assim que os sabores rebentam na minha língua começo a gemer, a saborear o
hambúrguer enquanto o mastigo lentamente e, por fim, engulo.
O Crew está a olhar para mim, os seus lábios entreabertos. O hambúrguer
meio comido ainda está na sua mão.
— Ficas sexy a comer.
O meu rubor adensa-se.
— Tenho a certeza de que pareço um porquinho.
— Não pareces nada. — Ele deixa cair o hambúrguer no seu prato e
empurra-o na minha direção. — Come umas batatas.
Partilhamos o prato dele e limpamos tudo numa questão de minutos, a salada
já esquecida. Quando a empregada de mesa passa por nós, o Crew pede mais
batatas e deixa-me comer a maioria, observando-me a comer com um ar
divertido na sua cara o tempo todo.
Como se eu o divertisse, o que é simultaneamente entusiasmante e assustador.
Não sei o que estamos a fazer, mas decidi parar de pensar nos seus motivos e
simplesmente aproveitar.
— Nunca chegaste a responder à minha questão — digo-lhe, enquanto
continuo a devorar as batatas fritas.
Ele franze o sobrolho.
— Que questão?
— Porque é que me queres levar a sair no meu aniversário. — Dou um gole
do meu copo de água. — Mal me conheces.
— Estou a começar a conhecer-te.
— E, às vezes, ainda ages como se não gostasses de mim.
— Digo o mesmo de ti. — Ele sorri.
Ugh, é demasiado bonito quando faz isso.
— Eu não vou sair para celebrar o meu aniversário com um rapaz qualquer
— afirmo, a minha voz pequena.
— Eu não sou um rapaz qualquer, como me chamas. Já nos conhecemos há
algum tempo — diz ele, como se isso justificasse querer levar-me a sair.
— E tu trataste-me pessimamente desde o primeiro dia — relembro-o.
— No entanto, aqui estás, sentada num restaurante a almoçar comigo. — O
sorriso ainda lá está, e estou tentada a sacudi-lo à chapada da cara dele.
Ou a beijá-lo.
Pronto, tudo bem, é mais beijá-lo.
Aclaro a garganta e decido ser corajosa por uma vez na vida.
— Gostas de mim agora, Crew? Ou isto é uma espécie de truque dissimulado
para me enganares? O Ezra está escondido numa esquina qualquer a filmar-
nos? Ou talvez seja o Malcolm. Ele parece gostar menos de mim.
A raiva acende-lhe a cara com um rubor e os olhos ardem-lhe conforme me
lança um olhar fulminante.
— Ninguém nos está a filmar em segredo. Não me ponhas no nível do
Larsen.
— Não estou, é só que… — A minha voz descarrila e olho para fora da janela
durante um momento. — Não sei se deva confiar nos teus motivos.
Isto é o mais real e crua que consigo ser. Estar com o Crew é entusiasmante,
mas também é…
Assustador.
Por vários motivos. Bons e maus.
Quando lhe dou de novo a minha atenção, descubro-o a observar-me com
uma expressão séria. Ele fica em silêncio durante tanto tempo que começo a
contorcer-me na cadeira.
— Devias confiar em mim — diz ele, por fim. — Eu gosto de ti, Birdy. E não
ando por aí a correr atrás de raparigas aleatórias em galerias de arte ao sábado
de manhã. Não é o meu estilo.
Baixo a cabeça, incapaz de impedir um sorriso de se espalhar pela minha cara.
Uma centena de borboletas acabaram de eclodir no meu estômago, e as suas
asas trementes deixam-me estonteada de felicidade.
— Tenho uma pergunta para ti — diz ele, mesmo enquanto enfio a última
batata frita na minha boca.
Paro de mastigar e engulo antes de dizer:
— Sempre que começas uma frase assim, acabamos a discutir um assunto
desconfortável para mim.
— Estamos a conhecer-nos, lembras-te? Estou curioso acerca da tua pessoa.
— Está bem. — Arrasto a palavra.
— Acerca do anel. E como isso aconteceu. — O olhar dele cai para a minha
mão. — O baile da pureza, ou lá como se chama. Porque é que foste?
— É uma longa história.
— Eu tenho a tarde toda para a ouvir. — Ele reclina-se na cadeira, pondo-se
mais confortável.
Credo, ele é tão irritante às vezes. Sempre a fazer-me perguntas sobre coisas
que não quero discutir.
E, no entanto, aqui estou, pronta para lhe contar tudo.
— Começou antes do anel. Eu fiz uma coisa que… assustou os meus pais,
quando tinha doze anos — admito.
O olhar dele bruxuleia com interesse.
— O que aconteceu?
— Deram-me o meu primeiro telemóvel e eu juntei-me imediatamente a um
monte de fóruns sobre coisas que me interessavam. Maioritariamente bandas.
Boy bands.
— One Direction?
Eu aceno.
— É um rito de passagem para raparigas pré-adolescentes por volta da minha
idade.
— Eu sempre gostei do Harry — brinca. Quando vê o meu olhar
surpreendido, continua: — Eu tenho uma irmã, conheço One Direction.
— Toda a gente adora o Harry. Eu gostava do Niall. Mas enfim. — Abano
uma mão. — Passava muito tempo nestes fóruns e conheci um rapaz lá. Ele
tinha quinze anos.
— Essa devia ter sido a tua primeira pista de que algo não estava bem. Que
rapaz de quinze anos anda nesses fóruns para falar de One Direction? — O
Crew revira os olhos.
— Eu só tinha doze anos. Não sabia. — Encolho os ombros, sentindo-me
um pouco defensiva. — De qualquer maneira, começámos a falar. Muito. Ele
pediu-me uma fotografia, e eu mandei-lhe uma. Ele partilhou uma dele
comigo. Montes de fotografias. Era muito giro. Querido. Parecia compreender-
me, coisa que ninguém alguma vez realmente conseguiu.
Calo-me, as memórias são dolorosas. Eu era ingénua. Completamente
inocente. Acreditei tanto nele, achei que podíamos ficar juntos. Que ele seria o
meu namorado.
— O que é que aconteceu? — pergunta o Crew, baixinho.
— Ele queria conhecer-me. No Central Park, num dia de primavera lindo,
então concordei. — Pressiono os lábios numa linha, o meu olhar torna-se
distante. — Mas levei as minhas amigas. Elas não me deixavam ir sozinha.
— Tens boas amigas.
— Tinha. Fomos por caminhos diferentes quando eu entrei em Lancaster. —
Um suspiro deixa-me. — Ele nunca apareceu, e eu fiquei… devastada.
Esperámos no parque durante horas, até ter começado a escurecer. As minhas
amigas consolaram-me, mas chorei de pé no meio do Central Park, a achar que
me tinham dado com os pés. Assim que cheguei a casa e, finalmente, fui ver o
fórum, tinha um monte de mensagens privadas dele, a gritar-me em
maiúsculas e a dizer que tinha ido ao parque. Que até me tinha visto, mas
estava zangado porque tinha levado as minhas amigas. Ele só me queria lá a
mim, sozinha, disse ele.
— Se tivesse quinze anos, não se teria importado — observa o Crew.
— Exatamente. E ele não tinha quinze anos. Tinha trinta e nove. Era casado
com filhos. As fotografias que partilhou comigo eram do filho mais velho. —
Fico sem apetite e empurro o prato para longe de mim. — Senti-me tão
humilhada.
— Como é que descobriste que era um pai pervertido a tentar meter-se com
uma menina? — A expressão do Crew é ameaçadora.
— Depois do encontro que não deu em nada, eu não conseguia parar de
chorar e estava mesmo deprimida. Deixei de falar tanto com ele, e ele
continuou a tentar que me fosse encontrar com ele, mas recusei. Achei que ele
me ia enganar outra vez e não ia aparecer. Estou tão feliz por não ter ido. —
Uma respiração trémula deixa-me. — Os meus pais tinham noção de que eu
estava mal, mas eu não lhes dizia nada. Até que o meu pai andou a procurar no
meu telemóvel e descobriu a relação que eu tinha com o rapaz. Foi ele quem
descobriu a verdade ao contratar um investigador privado. Foi tão embaraçoso.
— O que é que aconteceu depois disso?
— Parece que o homem já tinha falado com outras raparigas da minha idade
e até se tinha encontrado com algumas delas… e violou-as.
— Caralho. — O Crew parece realmente surpreendido.
Eu aceno.
— Eu sei. Tive tanta sorte. Quando isso se soube os meus pais… o meu pai
entrou em modo de proteção total. Ele não me deixava ir a lado nenhum
sozinha. Tinha de estar sempre a comunicar onde estava. Eles puseram um
localizador no meu telemóvel. Não me deixavam passar a noite em casa das
minhas amigas. Estava em confinamento total — explico.
— Parece horrível.
— Foi horrível, e eu estava sempre tão assustada. Não confiava em mim ou
no meu julgamento. Fui enganada por aquele homem e magoou-me. Os meus
pais obrigaram-me a entrar na Lancaster Prep, apesar de eu não querer ir para
lá. Eu queria ficar com as minhas amigas e ir para o mesmo liceu que elas, mas
os meus pais queriam-me segura. O meu pai não confiava em mim.
— Sentes-te segura em Lancaster?
— Ultimamente, não. Estava totalmente alheada do que estava realmente a
acontecer nos últimos três anos, por isso creio que me sentia segura. A
ignorância é uma bênção, suponho? Mesmo antes de fazer quinze anos, o meu
pai veio ter comigo e explicou-me o baile da pureza e como funciona. O que
representava. Ele queria que eu fizesse uma promessa a mim mesma e jurasse
que não me ia envolver sexualmente com nenhum rapaz até me casar. Eu acho
que ele estava preocupado que eu fosse fazer más decisões de que me ia
arrepender. Como… antes.
— Isso é… meio pesado — diz o Crew. — E não devias ter de pagar por um
erro para o resto da tua vida.
Ele tem razão. Eu sei que tem.
— Na altura, foi exatamente o que eu precisei. Aquilo em que acreditei
firmemente. Pensei que ainda acreditava, mas agora… Já não sei.
O Crew franze o sobrolho.
— O que queres dizer?
— Tenho quase dezoito anos. E, como já sabes, nunca fui beijada. Não posso
passar o resto da vida completamente protegida, não é? Eu preciso de
experimentar. Conhecer rapazes. Ter encontros. Beijá-los. Deixá-los tocar-me.
Certo?
DEZASSETE
CREW
Este dia inteiro tem sido uma completa revelação. Descobrir os muitos
segredos da Wren à medida que ela os revela a mim, camada a camada, pedaço
a pedaço. Até se ter exposto completamente e me estar a perguntar se devia ir a
encontros e deixar rapazes tocá-la e beijá-la.
Só o uso da palavra «rapazes» no plural deixa o meu sangue a ferver. Eu não
quero ver ninguém a tocar-lhe.
Apenas eu.
— Isso é contigo — replico, por fim, pousando os braços dobrados no
rebordo da mesa. — Queres ir sair com outros rapazes? Beijá-los? Deixá-los
tocar-te?
— Não posso ser virgem para sempre — sussurra ela.
— Também não é preciso ires pinar com o primeiro gajo aleatório que te
aparecer — respondo com irritação, a soar exatamente a um anormal invejoso.
— Eu não quero fazer isso — diz ela, de imediato. — É só que… Eu tenho
tido uns pensamentos, ultimamente. Feito umas coisas.
Deixou-me bem curioso com aquela afirmação.
— Tipo o quê?
A Wren abana a cabeça rapidamente e olha para a mesa.
— Não posso dizer.
— Porque não?
— É demasiado embaraçoso. — Ela parece miserável.
— Anda lá, Birdy. Estás a falar comigo. Estamos em público. Rodeados por
pessoas. Quão mau pode ser?
— Prometes que não vais gozar comigo? — sussurra, a falar para a mesa.
— Olha para mim. — Ela olha para cima, e eu mantenho a minha expressão
o mais neutra possível. — Eu não vou gozar contigo.
Nunca faria pouco dela. Já não. Não depois de ela ter partilhado tanto
comigo. Ela tem sido tão aberta. Tão vulnerável.
— Está bem. — Uma respiração trémula deixa-a quando volta a olhar para
mim. Inclina a cabeça para a esquerda, depois, para a direita, como se estivesse
a estalar o pescoço e a preparar-se para saltar para o ringue, pronta para lutar.
— Ontem à noite eu estava sozinha e… oh, céus, não consigo dizê-lo em voz
alta.
A cara dela está vermelha como um tomate. O que quer que seja que fez, está
envergonhada por causa disso. Não consigo imaginar muitas coisas que possa
ter feito enquanto estava sozinha ontem à noite, por isso decido dizer por ela.
— Tu… tocaste-te?
Os olhos verdes dela estão enormes e abismados.
— Sim.
A minha picha estremece.
— Meteste dedos?
Ela acena.
— Vieste-te?
Mais acenos.
— Algumas vezes.
Jesus. Tenho a picha dura.
— Também vi um filme pornográfico. Pela primeira vez. De início ao fim.
Quer dizer, eu já tinha visto coisas. Imagens. Clipes. Tu sabes como as coisas
são na Internet. Não dá para fugir às coisas sexuais. Estão por todo o lado. Mas
fiquei ali e vi um vídeo de vinte minutos entre um homem e uma mulher e
foi… foi tão excitante. — Ela parece agitada. Como se ainda estivesse excitada
só de pensar naquilo.
Eu endireito-me na cadeira.
— De que é que gostaste mais?
Ela franze o sobrolho.
— Como assim?
Suponho que gosto de tortura. É o único motivo lógico para lhe estar a fazer
este tipo de perguntas.
— Qual foi a tua parte favorita do vídeo? O que é que te excitou mais
daquilo que viste? Do que eles fizeram?
— Oh. — As bochechas ficam mais coradas. Ela olha em redor, como se
estivesse a confirmar se estão pessoas a prestar atenção, mas ninguém está. O
sítio está cheio de movimento, com o burburinho baixo de múltiplas conversas
a pairar no ar. Eu estou nervoso, à espera de ouvir a resposta dela. — Isto é tão
embaraçoso. Estou a ficar com calor só de pensar nisso.
Com calor e molhada, é o que eu quero dizer, mas permaneço em silêncio.
Ela chega mesmo a abanar-se com os dedos, e é a coisa mais fofa de sempre.
— Anda lá, Birdy. — A minha voz baixa um pouco. — Diz-me.
— Quando ele lhe fez oral. — A frase sai-lhe de rajada, as palavras coladas
umas às outras parecem uma só.
Quandoelelhefezoral.
Se o rosto dela ficar mais vermelho, juro que vai pegar fogo.
— Ela veio-se quando ele fez isso?
— Mais ou menos. Não sei. Pareceu um bocado falso. Muito intenso. — Ela
abana a cabeça, descrente. — Quando tive um orgasmo, não foi nada assim.
Ora bem. Agora só consigo pensar em descobrir qual é a cara de orgasmo da
Wren.
— Queres que seja sincero contigo?
— Sim — sussurra ela.
— Estou surpreendido por me estares a admitir isto.
— Eu também estou. — Ela cobre a cara com as mãos durante um
momento, abanando a cabeça uma vez. — Eu não sei o que se passa comigo.
— Eu gosto. — Ela abre uns espaços entre os dedos, de maneira que consiga
ver os olhos dela a espreitar. — Continua a falar.
Ela ri-se, deixando cair as mãos no colo.
— Aposto que gostas.
— Não te preocupes. O teu segredo está a salvo comigo.
O riso dela morre.
— Eu espero que sim. E-Eu provavelmente sou estúpida por admitir isto, mas
confio em ti, Crew. E confio que não vais contar a ninguém o que acabei de
partilhar contigo.
Este é o problema do meu passarinho — ela confia com demasiada facilidade.
Eu dou-lhe um bocadinho de atenção, e ela mete-se a confessar todos os seus
segredos indecentes. Porque é que esta rapariga me decidiu contar que se
masturbou e se veio ontem à noite, não faço ideia.
Mas estou mesmo agradecido, porque agora sei. E não vou deixar o idiota do
Larsen meter-se ao barulho e ser ele a ajudá-la a explorar a sexualidade dela.
Tendo noção do quão fácil foi para mim ganhar a confiança dela, estou
preocupado que para o Larsen seja ainda mais fácil. Ele já a conhece há mais
tempo. Ela parecia estar à vontade com ele quando os vi a falar na escola.
Não posso deixar que isso aconteça. Tenho de a distrair. Impedir que vá ao
jantar de hoje.
A empregada de mesa aparece com a conta e eu dou-lhe o meu cartão de
crédito. Ela trata de tudo com a máquina, a fazer conversa de circunstância
comigo, mas estou demasiado distraído. Pela visão da Wren a sorrir para mim
de forma tímida do outro lado da mesa, a murmurar obrigada por lhe ter
pagado o almoço.
Eu comprava-lhe mais do que uma refeição, se bem que isto foi uma tortura
deliciosa. Vê-la comer. Dar-lhe de comer. Os sons que ela fazia, os gemidos
baixos e as palavras murmuradas cheias de apreço.
Parecia preliminares.
— Vamos sair daqui — digo assim que a empregada me dá o cartão de
crédito e o recibo. Já me estou a levantar, a vestir o casaco e o gorro. Estou
quase a ajudar a Wren com as coisas dela, mas ela é mais rápida do que eu,
vestindo rapidamente o seu casaco moderno e já a pegar na mala antes de se
dirigir para a porta.
Eu sigo-a lá para fora, com o telemóvel na mão enquanto escrevo depressa,
mandando uma mensagem ao Peter para que nos venha buscar. Ele já está a
trabalhar com a minha família há uns anos e é um empregado leal. Silencioso.
Discreto.
É exatamente aquilo de que preciso neste momento.
O Peter aparece dentro de minutos e eu abro a porta para a Wren, deixando-a
entrar para o banco de trás antes de a seguir, fechando a porta com um
estrondo atrás de nós.
— Para onde? — O olhar do Peter encontra o meu no espelho retrovisor.
— Dá umas voltas durante uma hora, pode ser? — Atiro à Wren um olhar
rápido e dou com ela já a olhar para mim, o sobrolho carregado com confusão.
— Não quero que a tarde acabe já.
O sorriso dela é lento. Lindo.
— Eu também não quero.
— Sim, senhor — diz o Peter, com um aceno, engatando a primeira
mudança antes de voltar com o carro para a rua.
— Para onde é que me estás a levar? — pergunta a Wren, com uma voz
suave.
Ocorre-me uma longa lista de respostas pirosas, cada uma delas rude e sexual,
mas não digo nenhuma delas. Esta rapariga é doce e simpática e tão
extraordinariamente pura que é quase doloroso. Tratei-a pior do que lixo
durante tanto tempo. Persegui-a há apenas uns dias, obriguei-a a praticamente
me implorar para não lhe fazer nada.
Desde então já muito se passou entre nós — o meu pequeno passarinho e eu.
Não a quero assustar ao ser muito assertivo. Mas, caralho, eu quero todas as
partes dela. Os lábios dela. As mamas. A cona. O cu. Quero ser dono do corpo
e da alma dela, e quando tivermos acabado, quando eu a tiver fodido vezes e
vezes sem conta e a tiver feito vir-se quase ao ponto do desmaio, quero que ela
olhe para mim como se eu fosse um deus. Como se fosse o deus dela, e quero
que ela se prometa a mim, não ao pai dela. Quero pegar no anel que o pai lhe
pôs no dedo e deitá-lo fora. Fazê-la esquecer todas as suas promessas anteriores.
Mais do que qualquer outra coisa, quero ser dono dela.
— Onde queres ir? — pergunto-lhe, o meu olhar preso no casaco dela. No
quão espesso é. Parece caro.
O que é que ela diria se eu estendesse o casaco no banco de trás e lhe fizesse
um minete? Se lhe desse um bocadinho do que ela anda a querer depois
daquela pornografia que viu ontem à noite?
O Peter provavelmente não ia olhar.
Iá. Não. Não posso fazer nada do género. De novo, não a quero assustar. E ele
não merece vê-la nua. Ninguém a devia ver assim.
Exceto eu.
— Onde quiseres ir. — Ela pousa a bochecha contra o assento de cabedal
preto suave, sorrindo para mim com olhos cheios de adoração. Toda a
confiança que tem em mim brilha nas profundezas verdes dos seus olhos. Eu
não consigo evitar ver essa confiança e sentir dor, porque se fizer merda — e é
inevitável que o faça, não tenho jeito para estas coisas — vou magoá-la.
E isso é a última coisa que eu quero fazer.
DEZOITO
WREN
Passo o resto do fim de semana numa agonia muda, a pensar na Wren com o
Larsen, o otário, durante o jantar de sábado à noite, a gracejar e a rir e a
esquecer-se de mim.
Porque é exatamente isso que parece ter acontecido. Ela não tentou contactar-
me uma única vez. Não depois de a termos deixado em casa e de ela ter corrido
lá para dentro sem olhar para trás uma vez. Nem no domingo quando lhe
tentei ligar.
E eu só lhe liguei uma vez. Um Lancaster não corre atrás de ninguém. Não
imploramos e não perguntamos o que se passa.
Ela pode vir ter comigo.
Agora é segunda-feira, de manhã, e eu estou no meu lugar do costume,
encostado contra a parede na entrada principal da escola, com o Ezra e o
Malcolm a ladear-me. A Natalie está connosco, a flirtar com o Ezra ao mesmo
tempo que, ocasionalmente, me manda um olhar, mas eu ignoro-a. O
Malcolm está-se a queixar dos pais. Tudo isto enquanto espero que o meu
pequeno pássaro apareça.
Por outras palavras, nada mudou.
Mas eu sinto que mudei, apesar de ninguém o conseguir ver. Beijar a Wren
no banco de trás do carro… os sons que ela fez. A forma como respondeu. O
sabor da sua boca. A provocação tentativa da sua língua. Não consigo parar de
pensar nisso.
Não consigo parar de pensar nela.
— Credo, estás de péssimo humor hoje — diz o Malcolm de repente, as suas
palavras dirigidas a mim.
— Concordo — acrescenta o Ezra.
— Eu nem disse muito — murmuro entre dentes, apoiando o pé contra a
parede, sempre em alerta para o aparecimento de uma certa pessoa.
— Não é preciso dizer. A tua negatividade é uma nuvem escura literal, tipo
um enxame à tua volta — retorque o Malcolm.
— Oh, tão descritivo — arrulha a Natalie, o olhar dela apreciativo enquanto
tira as medidas ao Malcolm. — Porque é que nós nunca saímos?
— Estás demasiado ocupada a fazer-te a ele. — O Malcolm acena na minha
direção.
— Ei! — O Ezra agarra na mão da Natalie, puxando-a para os seus braços. —
E eu?
Ele é demasiado carente. É por isso é que ela não está interessada no Ezra. Ele
podia aprender uma coisinha ou duas comigo. Quanto mais eu ignoro a Nat,
mais ela parece querer-me.
Não que eu a queira.
— Oh, não me esqueci de ti. — A Natalie ri-se, o som mói-me os nervos.
— Queres faltar à primeira aula? Ir para o meu quarto no dormitório?
— Quero — diz o Ezra, demasiado entusiástico. — Vamos esperar uns
minutos primeiro.
— Porquê? — pergunta a Natalie, a fazer beicinho. — Eu quero ir embora
agora.
O Ez não consegue admitir que quer exibir a Natalie dependurada nele a toda
a gente. Ele simplesmente sorri e beija-a, o que faz o meu estômago revirar-se.
— Onde está o teu passarinho? — pergunta-me o Malcolm, a rir-se. — A
coisa já está garantida?
— Nunca chegou a começar sequer — minto.
— Pensei que ias vigiar o nosso cordeiro sacrificial para garantir que ela não
nos vai denunciar. — O Malcolm levanta o sobrolho. — Devíamos estar
preocupados?
— Está tratado — respondo-lhe com brusquidão, a odiar que ele duvide de
mim.
— Espero bem que sim — resmunga o Malcolm. — Não posso ser expulso
agora. Isso ia dar cabo de tudo.
Eu ignoro-o, pois o meu olhar fica preso na cara linda que apareceu de
repente.
É a Wren. Vem sozinha a caminhar pela passadeira no sentido da entrada da
escola. Não está rodeada pela grupeta típica de raparigas caloiras que a
idolatram. Preciso de todas as minhas forças para me controlar e não saltar da
parede para ir ao seu encontro, mas permaneço no meu lugar, deixando-a
aproximar-se de mim.
Os passos dela são lentos, a sua expressão, incerta. Ela não faz contacto visual
comigo durante imenso tempo, e eu não consigo afastar o olhar dela.
Mantenho-me focado na sua cara, a deliciar-me com a beleza dela. Os olhos
verdes lindos e os lábios carnudos. O cabelo está preso num rabo de cavalo
alto, uma fita branca como neve está dobrada num laço na base do penteado, e
ela está a usar o mesmo casaco espesso que usou no sábado.
Fico à espera de que ela passe por mim, que me ignore como de costume, o
que seria enfurecedor, mas ela surpreende-me ao vir até mim e parar
diretamente à nossa frente, ignorando os olhares de escárnio que o Ez, o
Malcolm e a Natalie lhe estão a mandar.
— Posso falar contigo um bocado? — pergunta, a sua voz doce abatendo-se
sobre mim. Ela olha brevemente na direção dos meus amigos, que parecem
prestes a rebentar de riso por causa da sua aparição, os idiotas. — Em privado?
— Claro. — Afasto-me da parede e sigo-a; entramos no edifício com as
gargalhadas ruidosas dos meus amigos atrás de nós.
Cabrões.
Ela encontra uma sala imersa em escuridão com uma porta destrancada e
entra, e eu sigo-a, fechando a porta atrás de mim. É uma sala que não foi
utilizada este semestre, por isso só tem umas quantas secretárias lá dentro,
juntamente com um pódio que está mesmo à frente dos quadros brancos. É
silenciosa. Privada.
Ninguém nos deve incomodar aqui.
A Wren não deixa de andar até ter chegado ao canto da sala mais afastado da
porta, e só aí é que se vira para me encarar.
— Desculpa…
Corto-lhe a palavra com a minha boca, beijando-a com força. É o castigo por
não me ter falado durante o fim de semana. Por me ter ignorado como se eu
não existisse. Quem é que esta rapariga acha que é?
Ela solta um gemido e tenta empurrar o meu peito para longe, mas eu suavizo
o meu ataque, não só por ela, mas por mim.
Porque, porra, ela sabe mesmo bem. E quando a sinto derreter lentamente
contra mim, as mãos a puxar nas lapelas do meu casaco como se me quisesse
mais perto, eu sei que ela sente o mesmo. Pressiono-a contra a parede,
enquanto continuo a beber dos seus lábios, a deslizar a minha língua contra a
dela, uma, duas, três vezes, uma e outra vez, na esperança de conseguir eliminar
de vez quaisquer provas da noite que ela passou com o idiota do Larsen.
Sou eu quem termina o beijo primeiro, pressionando a minha testa contra a
dela.
— Estou zangado contigo.
— Foi um fim de semana duro.
Sem querer, sai-me um ronco irónico.
— Tenho a certeza de que o Larsen te ocupou o tempo todo.
— Eu mal falei com ele.
— Então sempre foste ao jantar em casa dos pais dele. — A confirmação é
dolorosa.
— Claro que fui. Fui com os meus pais. Eles esperavam-me lá. — Ela emite
um som estrangulado e apoia o seu peso contra mim. — Vão divorciar-se.
— Quem? Os pais do Larsen? — Quem é que quer saber?
A Wren baixa a cabeça e encaixa-se contra o meu peito. Pousa as mãos ali,
sobre o meu coração.
— Não. Os meus. Disseram-me este fim de semana. É uma confusão. A
minha vida está uma confusão.
Ah, merda.
Rodeio-a com os braços e puxo-a para mim. Vou-lhe passando uma mão pelas
costas de cima para baixo, à medida que ela chora suavemente contra a minha
camisa.
— Birdy, lamento imenso.
— Não faz mal. É… Foi um choque tão grande. A minha mãe contou-me
primeiro, e ela estava tão calma. Foi estranho. — Ela funga e afasta-se para
olhar para mim. Os olhos estão raiados de sangue e lacrimosos, as lágrimas
deixando os rastos no seu rosto. Por instinto, limpo-as com o polegar, e ela
fecha os olhos. Os seus lábios curvam-se ligeiramente — um pequeno,
pequeníssimo sorriso. — Eu nunca pensei que eles se fossem separar, mas aqui
estão, a destruir um casamento de vinte e cinco anos. E há tanta coisa
envolvida. Dinheiro e bens. Demasiados bens. Aquela arte toda.
— Vão dividir entre eles?
— De acordo com a minha mãe, vão fazer um leilão. Não conseguem chegar
a um acordo sobre a coleção, e ela recusa-se a pagar por arte que já é dela, ou
pelo menos foi isso que ela me explicou. — A Wren abana a cabeça. — Vai ser
feio. Eu não sei o que fazer ou como me sentir.
Puxo-a para mim.
— Devias-me ter ligado.
— Eu não sabia o que te dizer — admite. — Depois… de tudo o que
aconteceu no sábado. Não sabia em que pé estávamos.
Coloco os dedos sob o seu queixo, inclino-lhe gentilmente a cara para cima,
para que ela tenha de me olhar de frente.
— Eu disse-te que era teu amigo.
— Eu preciso de um amigo, Crew — sussurra ela. — Desesperadamente.
— Diz-me o que precisas.
— E-Eu ainda não sei bem. O teu apoio? Alguém para se sentar comigo à
hora de almoço? — O riso dela é triste, e ouvi-lo magoa a porra do meu
coração de aço. — Alguém que seja realmente simpático?
— Caramba, Wren. — Beijo-a outra vez, porque está tão triste, mas ela
interrompe o beijo primeiro e afasta-se de mim. — O que se passa?
— Devíamos ir andando para a aula. — Como se estivesse a seguir a sua
deixa, a campainha começa a tocar o aviso dos cinco minutos para a hora. —
Não nos podemos atrasar para a aula do Fig.
O cabrão do Fig. Odeio esse gajo.
— Crew… — Ela dá um passo na minha direção, com uma expressão
suplicante. — Podemos manter o que aconteceu entre nós… um segredo?
— O quê? — Abano a cabeça. — O que queres dizer com isso?
— Eu não quero que as pessoas pensem que temos uma… relação romântica.
Podemos ser amigáveis. As pessoas vão pensar que isso é uma progressão
normal por causa do nosso trabalho em conjunto no projeto, certo? Eu só não
estou pronta para que as pessoas saibam que curtimos no banco de trás de um
carro.
Automaticamente, o meu impulso é menosprezar o que aconteceu no banco
de trás do carro naquela tarde de sábado. Qual é o problema de uns amassos?
Estamos no secundário. Merdas dessas estão sempre a acontecer. Montes de
pessoas que andam aqui já se comeram no fim de semana e estão, neste
momento, a fazer de conta de que nada aconteceu. Porra, eu já fiz isso algumas
vezes.
Mas há algo no facto de a Wren me dizer que não quer que se saiba que nos
beijámos que me incomoda. Como se ela me quisesse manter como o seu
segredozinho sujo.
Isso é muito marado. Se for sincero comigo mesmo, é um enorme golpe no
meu ego.
Porém, não consigo imaginar o que é ser a Wren, a Menina Perfeita, a virgem
querida e orgulhosa no campus a pregar a favor da abstinência. Ser vista comigo
põe a reputação dela em perigo, e isso é algo que ela valoriza.
Talvez um pouco de mais.
— Se é isso que queres — digo-lhe com um sorriso fácil. — Somos só
amigos, certo, Wren?
— Certo. — Ela acena. — Apenas amigos — acrescenta, quase sem voz.
— Sai tu primeiro, está bem? Eu vou esperar um minuto para as pessoas não
nos verem a sair juntos — digo-lhe, em jeito de instrução.
— Está bem. — Ela sorri. — Obrigada por perceberes.
E depois vai-se embora.
Inclino-me contra a parede, a fumegar. Bato com a parte de trás da cabeça
contra a parede uma vez. Duas vezes. Mais umas quantas vezes até um rosnar
me romper dos lábios.
Porque é que quero saber se ela nos quer manter um segredo? Isso é como eu
geralmente ajo, por isso devia estar a favor. Eu também não ia a correr contar a
toda a gente o que aconteceu. Nem o mencionei aos meus amigos. Fogo, até
menti ao Malcolm há pouco.
Mas é a Birdy que está a decidir coisas. Não gosto. Nem um bocadinho.
Como prometido, saio da sala cerca de um minuto depois. Vou a correr para
a aula, a forçar caminho por entre os alunos que estão a fazer tempo nos
corredores. Alguns deles chamam por mim, mas eu ignoro-os. Um plano surge
na minha cabeça enquanto corro para a sala de Inglês Avançado, e, quando
entro na sala de aula, fico aliviado ao ver que posso pô-lo em prática.
A Wren já lá está, sentada no seu lugar do costume. À frente e ao centro. O
rosto dela está manchado de quando esteve a chorar, mas fora isso parece estar
bem. Mal se está a aguentar, mas bem. Eu vou até à secretária mesmo atrás da
dela e deixo cair a minha mala no chão ao lado dos meus pés.
O Figueroa repara, claro. Ele observa-me do seu lugar à secretária, rodeado
pelo seu habitual harém, incluindo a Maggie, que está a fulminar as outras
raparigas com o olhar, como se lhes quisesse abrir as gargantas.
Alguém se está a sentir territorial.
Eu simplesmente sorrio e sinto a tentação de lhe acenar. Ele não me quer ver
perto da Wren. Também se anda a tentar meter com ela.
Só por cima do meu cadáver.
A campainha dá o seu último toque, e as raparigas vão sentar-se. Uma delas
manda-me um olhar mortífero uma vez que, assumo, lhe tirei o seu lugar
habitual.
— Esse é o meu lugar — diz ela, arrogantemente.
— Desculpa, querida. Estou a tentar ganhar pontos com o profe — digo-lhe.
O setor Figueroa lança-se numa palestra sobre O Grande Gatsby, que eu ainda
não comecei a ler. Se precisar vou simplesmente ver o filme. Ou alguém vai
partilhar os seus apontamentos ou o que seja comigo e ajudar-me. Eu sou um
Lancaster, porra. Eles fazem todos o que eu mandar.
Desligo da voz monótona do Figueroa e fixo o olhar na parte de trás da
cabeça da Wren. O seu cabelo escuro está apanhado naquele rabo de cavalo
alto, com as pontas onduladas a roçar a parte de trás do seu casaco azul-
marinho. Cedo à tentação. Estendo uma mão e enrolo uma mecha de cabelo
em torno do meu dedo, puxando levemente.
Ela não reage. Nem sequer se mexe, e fico na dúvida se sentiu sequer.
Olho em redor para me certificar de que ninguém me está a prestar atenção.
Não devia brincar com o cabelo dela à frente de toda a gente. Podem ficar com
a ideia errada.
Mas isso seria assim tão mau? Pensarem que gostamos um do outro? E se
gostarmos?
Jesus. Pareço um idiota, mesmo na minha própria cabeça. Não me posso
apaixonar por esta rapariga. Ela não é para mim. É demasiado boa, demasiado
querida, demasiado inocente e crédula. E está numa trapalhada das grandes,
graças à separação dos pais.
Eu devia deixá-la em paz. Ser amigo dela e tirar dos pensamentos toda a
esperança de a ver nua.
— Senhor Lancaster. Estás a prestar atenção?
A voz presunçosa do Figueroa assusta-me, e eu lanço-lhe um olhar furioso.
Ignoro as risadas silenciosas que enchem a sala.
— Sim.
— Então, diz-nos um dos temas do livro. — O Figueroa cruza os braços, à
espera de que eu diga merda.
Eu tentei ver o filme quando tinha, tipo, dez anos, acho. Não me lembro —
isto é, não me lembro de quase nada sobre o filme. Saí da sala cinco minutos
depois de ter chegado, imediatamente aborrecido ao ponto das lágrimas.
— Avareza? Excesso?
A surpresa espelha-se na cara do meu professor.
— Está correto. E mais? Quem sabe?
Outra pessoa levanta a mão e ele chama-a pelo nome, caminhando para o
outro lado da sala. A Wren vira-se ligeiramente na sua cadeira e manda-me um
olhar indecifrável.
— Porque é que te estás a sentar atrás de mim? Normalmente, sentas-te lá
atrás.
— Achei que era boa ideia sentar-me perto da minha amiga. — Estico a mão
e dou outro puxão no rabo de cavalo dela, e, desta vez, ela repara. — Gosto do
teu cabelo assim.
As bochechas dela ficam rosadas.
— Obrigada. — Ela vira-me as costas novamente, e eu sorrio sozinho.
Ela acha mesmo que vamos conseguir manter as coisas entre nós estritamente
amigáveis?
Eu dou-lhe o amigável.
VINTE E UM
WREN
Ela caminha ao meu lado enquanto nos dirigimos para a biblioteca. Andamos
rápido porque começou agora mesmo a nevar. É mais uma espécie de chuva
gelada, o que significa que está fria e que, ainda por cima, magoa. Pelo menos,
a neve é suave a maior parte do tempo.
— Anda — digo-lhe, colocando a mão no centro das suas costas, dando-lhe
um empurrão para ela acelerar o passo. Vamos a correr o resto do caminho. Só
paramos quando estamos por baixo da aba do telhado diante da biblioteca. A
Wren passa a mão pelo topo da cabeça, o que faz voar várias gotas de água.
— Que frio de rachar — diz ela, com os dentes a bater, e eu nem hesito.
Pego-lhe na mão e puxo-a para dentro da biblioteca, e o calor do interior
descongela-me de imediato.
— Está melhor? — pergunto-lhe.
— Sim. — Ela deixa cair a mão e olha em redor pela sala. É um dos edifícios
originais no campus, e tem aquele cheiro bafiento de livros velhos a pairar no
ar. O teto eleva-se, assombrosamente alto, as estantes são enormes e
preenchidas com tantos livros que uma pessoa demoraria décadas para os ler a
todos.
Não está quase ninguém na biblioteca, penso que o tempo lá fora as
desencoraja. Eu nunca venho à biblioteca. Provavelmente, até só preciso de
uma mão para contar as vezes que vim cá desde que comecei a andar na
Lancaster Prep. Bem, talvez precise das duas.
— Vamos lá para trás — sugiro.
Ela franze o sobrolho.
— Porquê?
— Para termos privacidade.
— Porque é que precisamos de privacidade?
— Estamos a falar de cenas pessoais, Birdy. Queres que toda a gente descubra
os teus segredos mais profundos e obscuros?
A expressão dela fica abalada.
— Não. Mas isso significa que também não quero que sejam discutidos
durante a nossa apresentação.
— Mantemos as coisas pela superfície. Não te preocupes. Anda daí. —
Inclino a cabeça na direção em que quero ir e começo a andar. Ela segue-me.
— Vens aqui muitas vezes?
— Nem por isso. Costumava vir aqui quando era mais nova. Vinha com as
minhas amigas, e a senhora Taylor ficava chateada connosco — diz ela,
referindo-se à bibliotecária. — Estava sempre a mandar-nos calar.
— Ela é mais velha do que a terra. Acho que já está aqui há duzentos anos.
— Talvez seja um zombie — sugere a Wren.
— É mais uma vampira — brinco. — A viver a sua melhor vida eterna.
A Wren sorri, e eu gostava de a ver fazer isso mais vezes. Ela tem estado tão
soturna nestes últimos dias. Desde que os pais lhe disseram que se vão
divorciar.
Penso nos meus pais e na relação tóxica que têm. O pai é um otário que exibe
os seus casos e tenho quase a certeza de que a mãe faz o mesmo. É por isto que
não quero estar numa relação. São complicadas. Desnecessárias. Mais cedo ou
mais tarde, provavelmente vou ter de me casar e continuar a linhagem da
família ou o caralho, mas talvez não tenha de o fazer. Talvez os meus irmãos
tratem disso por mim.
O meu irmão mais velho, o Grant, está envolvido com uma pessoa, e parece
bastante sério, e bastante rápido. O Finn é um autêntico galanteador, por isso
tão cedo não vai assentar. A Charlotte acabou de se casar com alguém que ela
mal conhece, mas o tipo é fixe.
Eu mal tenho os dezoito feitos. Não estou interessado em nada desse género.
Mas estou interessado em apanhar a Wren a sós outra vez. Também não me
importava de a tentar beijar outra vez, mas não sei se ela alinharia. Anda tão
tensa ultimamente. Eu quero que ela aja como no último sábado, quando
estava livre e feliz, cheia de alegria enquanto partilhava o seu amor por arte
comigo. A nossa conversa fluiu e chegou ao ponto de ela admitir coisas
enormes, que eu ainda não acredito que partilhou comigo. A meter dedos a
noite toda no quarto e a ver pornografia — isso não é de todo comportamento
típico da Wren.
Só a lembrança das suas confissões suavemente pronunciadas é suficiente para
fazer a minha picha tremer.
Acabamos por encontrar uma mesa redonda vazia mesmo ao fundo da
biblioteca e eu vou até ela. Sento-me numa cadeira e puxo a que está ao meu
lado para fora, para a Wren se sentar. Ela senta-se, colocando a mochila na
mesa, com movimentos lentos. Precisos.
— Trouxeste-me mesmo para aqui para trabalhar no projeto?
Ela tira o casaco e coloca-o na parte de trás da cadeira. Olha para mim com
aqueles olhos verdes grandes, os seus lábios apertados num beicinho sexy.
Espera lá.
— Iá — digo-lhe. Tiro o casaco e deixo-o cair atrás de mim. — Tu disseste
que querias manter as coisas estritamente amigáveis entre nós.
— Certo. — Ela afasta o olhar do meu e olha para a prateleira mais próxima
de nós. Um suspiro deixa-lhe os lábios. — Estou tão cansada de me sentir
triste.
— Tens de afastar isso da tua cabeça. — Quando ela se vira para mim, eu
continuo: — Os teus pais. A tua família. Precisas de uma distração. Tu mesma
disseste isso há pouco, na aula.
— Não vou fumar ganza contigo nem comer um comestível canábico — diz
ela, num tom empertigado.
Porra, até o tom empertigado é atraente.
— Eu não ia sugerir isso. Além disso, não tenho nada comigo para te oferecer.
Isso é contra as regras da escola, lembras-te? — Levanto as sobrancelhas para
dar ênfase à questão, recordando o momento em que ela nos apanhou a
partilhar aquele charro durante a hora de almoço. É uma coisa que fazemos
ocasionalmente e sempre às escondidas.
Eu disse ao Ez e ao Malcolm que tínhamos de deixar de fumar no campus, às
claras, e eles concordaram. Nenhum de nós quer ser expulso. Definitivamente,
não agora, quando estamos quase a acabar o secundário.
— Certo. Não quero quebrar as regras — murmura.
— Nunca quebras — digo, e ela não responde. Não há necessidade de
resposta, uma vez que ambos sabemos que é verdade. — Queres quebrar umas
agora?
— Estás a falar de que regras? — pergunta, desconfiada.
— Vem comigo.
Levanto-me e estendo-lhe a mão.
Ela estuda-a por um momento e, depois, levanta o seu olhar para o meu.
— O que estás a aprontar, Crew?
— Vem comigo, Wren, e eu mostro-te.
— E as nossas coisas?
— Podemos deixá-las aí. Ninguém vai aparecer aqui para mexer nas coisas.
Ela hesita por um momento, mas logo pousa a sua mão na minha, e eu fecho
os meus dedos em torno dela, puxando-a para fora da cadeira. Não há
ninguém por perto e a única pessoa que me preocuparia é a velha senhora
Taylor, mas ela tem de vigiar toda a gente a partir da sua secretária na entrada
da biblioteca, por isso não vai reparar em nós.
Com passos apressados, guio a Wren por um caminho que se afunda pelas
fileiras de estantes. Continuamos até estarmos rodeados por filas e filas de livros
e o corredor começar a estreitar-se. As estantes ficam mais altas, as luzes, mais
fracas. Finalmente, chegamos a uma porta de madeira com um ar banal, exceto
a fechadura digital nova em folha, localizada acima da maçaneta. Liberto a mão
da Wren para introduzir o código. A luz verde começa a piscar e rodo a
maçaneta, abrindo a porta com facilidade.
Olho para trás e vejo o queixo da Wren a cair de surpresa.
— Para onde dá essa porta?
— Vem comigo e descobre.
— Não sei. — Ela olha por cima do seu ombro, como se estivesse totalmente
à espera de que a senhora Taylor, a mulher-dragão, nos estivesse a observar e a
respirar chamas. — E se alguém nos apanha?
— Ninguém nos vai apanhar — afirmo, com confiança.
Ela encara-me uma vez mais. Os seus olhos movem-se para a entrada aberta.
Só se vê escuridão.
— Não é perigoso, pois não?
A única coisa que pode ser perigosa para ela sou eu, mas não lhe digo isso.
— De todo.
A Wren entra primeiro, e eu sigo atrás dela, fechando a porta atrás de nós, o
que elimina toda a luz da biblioteca, deixando-nos envoltos na escuridão. Ela
solta um grito mudo, e eu apareço atrás dela, pousando as mãos nos seus
ombros esguios.
— Está tudo bem.
— Não consigo ver nada.
— Eu guio-te. — Pego na mão dela e puxo-a pelo caminho. Quanto mais
tempo passamos no escuro, mais a minha visão se ajusta. Guio-a até ao lugar
que lhe quero mostrar, a sala vai ficando mais clara até chegarmos a uma
parede de janelas que dão para o jardim que existe atrás da biblioteca. — O
que achas?
Ela aproxima-se lentamente das janelas antigas e inclina a cabeça para trás. O
seu olhar ergue-se até ao teto.
— São tão altas.
— Há muito, muito tempo isto era uma sala de aula. Fecharam-na nos anos
oitenta, e acabou por se tornar num sítio para engates. Acabaram por lhe meter
uma fechadura nova há uns anos para impedir os estudantes de cá entrarem.
Demasiadas pessoas esgueiravam-se para aqui — explico.
A Wren desenha um círculo lento com os seus passos, o olhar dança pela sala
maioritariamente vazia. Franze o nariz.
— Onde é que curtiam?
— Onde desse. Se estás suficientemente desesperado para andares às
escondidas com alguém, acabas por te tornar muito criativo. — Merda, de
repente, estou a sentir-me desesperado para curtir com a minha suposta amiga.
Que treta. Não sei porque é que andamos a dançar à volta disto. Estou quase
certo de que ela me quer.
E sem dúvida que a quero.
— Nunca tinha reparado nestas janelas — diz ela, aproximando-se delas. Eu
sigo-a, mas fico a uns metros do sítio onde ela está, com os dedos pressionados
contra o vidro e os olhos fixos nos terrenos da escola que se estendem aos
nossos pés.
— Já reparaste, sim. — Quando ela se vira para mim, eu continuo: — É a
parede de janelas que se vê dos jardins. As heras cobrem a maior parte do
edifício, por isso nunca ninguém se apercebe de que faz parte da biblioteca.
— Oh, sim. — A Wren devolve a sua atenção ao jardim. Flocos de neve caem
docemente no chão, polvilhando tudo de branco. — Não vou muitas vezes
para os jardins. As estátuas assustam-me.
— A sério?
Ela mantém o olhar numa linha reta, sem reparar sequer na minha
aproximação.
— Parece que estão sempre a observar-me. É sinistro.
— Achei que gostarias delas. São obras de arte. Com séculos de idade. —
Paro imediatamente atrás dela, a inalar o seu cheiro. Sinto-me tentado a esticar
a mão e agarrar-lhe no cabelo. A enrolá-lo em torno do meu punho e puxá-la
para um beijo intoxicante.
— Tens razão. São obras de arte, mas também são tristes. Aquelas estátuas
estão todas com ar de quem se quer mandar de um penhasco para uma morte
horrível.
Solto uma gargalhada, mas, mesmo assim, ela não se mexe. Ela tem de saber
que estou mesmo atrás dela.
— A família Lancaster é mesmo assim. Estamos todos à beira de nos
mandarmos de um edifício, impacientes para nos atirarmos para uma morte
extasiante.
— Vocês, Lancasters, são muito melancólicos. — A Wren pousa a mão no
vidro, soltando um silvo com o contacto. — Está tão frio.
— Ainda está mais frio lá fora.
— Não estou vestida para voltar lá para fora.
— Nem eu. — Dou outro passo em frente. Estou tão próximo dela que estou
a pressionar levemente as suas costas. — A vista é bonita, não achas?
Não estou a falar dos jardins, apesar de o adjetivo servir para os descrever,
especialmente com a neve a cair sobre eles. São uma cena de início de inverno
perfeita.
Mas estou-me a referir à Wren. Ela é tão linda. Doce. Interessante. Choca-me
o quanto gosto de falar com ela. De passar tempo com ela.
— Sim, é — admite, com uma voz suave. Ela inclina a cabeça para a frente, e
o cabelo cai-lhe pela cara. Estico uma mão para o afastar, expondo o pescoço
dela. — O que estás a fazer?
— A distrair-te — sussurro, mergulhando a cabeça para pressionar a minha
boca contra a parte de trás do seu pescoço. — Eu sei que aprecias coisas
bonitas. Queria mostrar-te uma vista que nunca tivesses visto.
Ela está em silêncio, mas consigo sentir o corpo dela a tremer. E não creio que
seja das janelas frias.
Volto a beijá-la no mesmo sítio, os meus dedos enrolam-se no seu cabelo. Ela
levanta a outra mão e fica com as duas apoiadas contra o vidro. Dou-lhe um
empurrão subtil com o meu corpo até ela estar totalmente pressionada contra a
janela.
E contra mim.
Ela inspira acentuadamente.
— Demasiado frio? — pergunto-lhe, as palavras murmuradas na sua pele.
— Sim — sussurra. — Mas tu estás quente.
Pouso uma mão na sua cintura e toco-lhe no rosto com a outra, ponho-lhe a
cabeça num ângulo que torne inevitável que os nossos olhares se cruzem.
— Não me afastes, Birdy.
Vejo o momento em que ela cede, como a aceitação lhe cintila no olhar, e ela
retira as mãos da janela, virando-se para me encarar.
— Crew…
Beijo-a antes que possa protestar ou que me diga para parar. E ela não diz
mais nada depois disso. Entrega-se completamente, as mãos sobem e
entrelaçam-se em torno do meu pescoço, todo o seu corpo se apoia em mim.
Aquelas mamas enormes empurram contra o meu peito, e a minha mão sobe
velozmente o lado do seu corpo. Passo o polegar pelo seu seio, ela entreabre os
lábios para suspirar, permitindo a entrada da minha língua, e um gemido baixo
e rouco deixa-me enquanto aprofundo o beijo.
— E se alguém nos vir? — murmura contra a minha boca.
Mordisco-lhe o lábio inferior, fazendo-a gemer.
— Ninguém nos consegue ver. Prometo.
Abro os olhos e olho pela janela, mas não está ninguém lá fora. A neve
começa a cair com mais força, a luz na sala cavernosa diminui cada vez mais,
graças ao céu que escurece no exterior, e eu seguro-lhe no rosto com a minha
mão em concha, inclinando-lhe a cabeça para trás, para a devorar.
Rapidamente, os nossos beijos transformam-se em línguas e dentes e lábios
mordiscados e respirações ofegantes. As mãos delas deslizam para baixo do meu
casaco de uniforme, descem pelas minhas costas, e eu pressiono as ancas às
dela, deixando-a sentir o que me está a fazer.
É a Wren quem interrompe o beijo primeiro, e eu abro os olhos,
encontrando-a a observar-me, o peito a subir e a descer contra o meu, a
respiração acelerada.
— Provavelmente não devíamos estar a fazer isto.
— Porque não? — Beijo-lhe o pescoço, arrastando a língua até à sua orelha.
Ela inclina a cabeça, fechando os olhos, a sua cara adquire uma expressão
torturada. — Eu sei que gostas, Birdy.
— Beijos levam a… outras coisas. Coisas que ainda não estou pronta para
fazer.
— Tens a certeza disso?
Ela engole em seco quando começo a morder-lhe levemente o maxilar.
— Não sei.
— Então diz-me quando quiseres que pare.
Ah, faço com que soe tão simples, mas o que quero é que esta rapariga se
esqueça e se deixe levar.
Comigo.
Porque ela precisa disso. Porque ela quer.
Tal como eu a quero.
VINTE E QUATRO
WREN
Estou colada ao vidro frio com um Crew quente a pressionar-me, o corpo duro
— sim, ele está mesmo duro — tão perto do meu que acho impossível
conseguir enfiar um pedaço de papel entre nós. As suas palavras repetem-se no
meu cérebro.
Então diz-me quando quiseres que pare.
Ele faz com que pareça simples, quando não é. Por fim, começo a perceber
porque é que as raparigas cedem tão facilmente a isto — ao sexo. É uma
sensação tão boa, a boca dele. Os seus beijos esfomeados. A língua dele. Como
se envolve com a minha. As suas mãos no meu corpo. O seu coração a bater
desenfreadamente, e a sua respiração acelerada, aqueles barulhos roucos,
deliciados que faz quando me beija. Como se eu fosse a coisa mais deliciosa
que ele alguma vez provou.
São coisas embriagantes. Consigo sentir aquela sensação nova, recentemente
tornada familiar, a pulsar entre as minhas coxas. A humidade a crescer ali. O
desejo fosco, doloroso que se forma, e ele é responsável por tudo isto.
Acho que ele é o único que pode suprimir a minha carência.
Ele beija-me até não conseguir pensar. Puxa-me a camisa branca e tira-a para
fora da minha saia, os dedos passam por baixo do algodão branco, puro e
engelhado, e, por momentos, pousam contra a minha cintura despida, depois,
correm-me pelo estômago.
Não consigo respirar. Só consigo agarrar os seus ombros desamparadamente, a
minha língua a dançar contra a dele enquanto ele lenta, mas seguramente, me
vai acordando com os seus dedos. Eles deslizam para cima, roçam a parte de
baixo do meu sutiã, e dou por mim a desejar com todas as forças que tivesse
um sutiã com renda e bonito. Alguma coisa que fizesse os olhos dele saltar das
órbitas quando o visse.
Mas não tenho nada disso. A peça de roupa cor de pele que estou a usar é
aborrecida e simples. Sem laços.
Sem renda.
— Queres que eu pare, Birdy? — Ele arqueja as palavras contra a minha pele,
o meu pescoço. Os lábios dele estão quentes, e a língua também, e, quando me
lambe no sítio onde o meu pulso lateja, eu abano a cabeça.
Não. Eu não quero que ele pare. Nunca.
As mãos dele tocam na minha cintura, e ele vira-me ao contrário,
pressionando-me de frente contra a janela. A ereção dele empurra contra o meu
rabo, e olho para a neve que cai, os meus lábios entreabertos, e a minha mente
acelerada com pensamentos de o ver nu. Ele parece ser enorme.
Não sei o que faria com ele se algum dia o visse mesmo.
Ele desce as mãos hábeis pelo meu corpo, até estarem a brincar com a bainha
da minha saia. Depois, estão por baixo da saia, e os seus dedos estão no meu
traseiro, a percorrer a margem da minha roupa interior. Um, depois, o outro.
Para trás e para a frente, os dedos leves como penas na minha pele.
Um jorro de humidade inunda as minhas cuecas e fecho os olhos, a
pressionar a face contra o vidro, a precisar que o frio atenue o calor que me
consome.
— Crew…
— Devo parar? — Ele tira as mãos das minhas cuecas, e eu soluço. — A tua
pele é tão suave, passarinho. É difícil para mim deixar de te tocar.
Estou num dilema. Eu sei que devia dizer que não. Isto já avançou
demasiado. Ele tem uma ereção. Tocou no meu sutiã. As mãos dele estiveram
literalmente debaixo da minha saia. Isto é tudo o que prometi ao meu pai que
não faria até estar com o homem com quem planeio casar.
Mas depois aquelas mãos voltam a escorregar para baixo da minha saia, um só
dedo desliza por baixo das minhas cuecas, e solto um gemido, abafado pela
janela.
— Foda-se, estás tão molhada. — Ele vai mais fundo, o seu dedo move-se
para dentro das minhas dobras, e arqueio as ancas para trás. Quero mais. Luto
contra a vergonha que ameaça invadir-me, a minha carência é demasiado
grande. — Credo, Wren.
Ele provoca-me com o dedo na minha entrada, mal o empurra para dentro, e
os arrepios convulsionam o meu corpo. Nem consigo imaginar a minha figura
neste momento, com a parte superior do corpo espalmada contra a janela e
com o rabo empinado, a empurrar contra o Crew, enquanto o seu dedo entra
lentamente em mim…
— Oh, céus — digo, o som estrangulado.
O Crew para a sua exploração.
— Queres que pare?
— Não! — Sou capaz de morrer se ele parar agora.
O dedo desliza mais fundo, e sinto-me apertar com força em torno dele. Um
gemido tremido escapa-se da sua garganta.
— Relaxa.
Eu tento, mas estou nervosa, amedrontada e excitada. Nunca deixei um rapaz
fazer-me isto, e é estranho. Diferente. Maravilhoso. Delicioso.
Cada uma dessas coisas, todas ao mesmo tempo.
— Estou a magoar-te? — pergunta.
Eu abano a minha cabeça, apoio as mãos no vidro mais uma vez e abro os
olhos para ver a neve cair à medida que o Crew me mete um dedo. Ele faz o
dedo deslizar e entrar por inteiro, até à base, antes de o arrastar lentamente
para fora e, oh, meu Deus, a fricção. Preciso de mais.
Uma respiração trémula deixa-me quando ele volta a empurrar o dedo para
dentro de mim, e consigo senti-lo a usar a outra mão para levantar a minha
saia, expondo-me o traseiro.
— Estás a dar cabo de mim, Birdy. Tão sexy — murmura, e consigo sentir os
olhos dele a queimar um buraco na minha pele pela intensidade do seu olhar.
Permaneço em silêncio, sem saber como responder. O meu corpo começa a
mexer-se com o seu dedo, as minhas ancas começam a oscilar, e, quando ele
retira a sua mão completamente de mim, quero desatar a chorar pela perda.
— Vira-te — ordena ele, bruscamente, e as suas mãos fazem rodar as minhas
ancas, deixando-me sem escolha a não ser fitá-lo. A boca dele está na minha, o
beijo é tão esfomeado, tão intenso, que a única coisa que consigo fazer é
agarrar-me a ele e deixá-lo consumir-me.
A mão surge novamente por baixo da minha saia. Roça a frente das minhas
cuecas. Eu grito de prazer contra os seus lábios quando ele pressiona os dedos
contra mim, esfregando devagarinho.
— Queres que pare agora? — pergunta, e consigo ouvir o triunfo na sua voz.
Ele sabe que me apanhou.
— N-n-não — gaguejo. Inclino a cabeça para trás quando ele volta a passar
os dedos pela frente das minhas cuecas e me agarra por inteiro.
— Gostas disto?
Aceno, incapaz de pronunciar uma palavra, quando ele pressiona
bruscamente o polegar contra o meu clitóris.
Um toque começa a soar, assustando-nos aos dois, e abro os olhos para ver o
Crew já a estudar-me, com o sobrolho carregado com descontentamento. Os
dedos dele ainda estão nas minhas cuecas, e o único som além do toque de
telemóvel é o das nossas respirações ofegantes a misturarem-se no ar.
— Não é o meu — diz ele, e apercebo-me de que tem razão.
É o meu telemóvel.
— Ignora — incita-me o Crew, inclinando-se para outro beijo, mas eu
pressiono a minha mão contra o seu peito, parando-o.
— Eu devia ver quem é — digo, suavemente. O toque silencia-se, e suspiro
de alívio. — Talvez ainda não.
O Crew esboça um sorriso endiabrado à medida que se baixa para outro
beijo, a sua língua desliza para dentro da minha boca no preciso momento que
ouvimos novamente o toque.
Ele afasta-se de mim, mas a sua mão permanece nas minhas cuecas.
— Onde é que está?
— No bolso do meu casaco. — Deixo a mão cair para dentro do bolso e tiro
o telemóvel para fora a tempo de ver a palavra «Pai» a piscar no ecrã. Afundo os
dentes no lábio inferior. O sentimento de culpa atinge-me com dez vezes mais
força. — É o meu pai.
— Credo. — Ele tira a mão das minhas cuecas e afasta-se de mim. —
Atende.
Sinto-me vazia sem as mãos dele em mim e solto uma exalação suave ao olhar
para o ecrã, imaginando como vou soar aos ouvidos do meu pai se lhe atender
o telefone. Ofegante. Nervosa. A minha boca ainda está arrepiada dos beijos do
Crew, e o meu clitóris pulsa pelos seus dedos.
— Não consigo.
O toque silencia-se de novo, e eu enfio o telemóvel no bolso. O Crew estende
os braços para mim, mas afasto-me dele. De repente, sinto-me insegura.
Acerca de tudo.
De tudo o que aconteceu.
Ele está a franzir o sobrolho, observando-me com atenção.
— Estás bem?
— É melhor ir andando. — Volto a olhar pelo caminho que fizemos, a odiar
o quão escuro parece ser. Parece mesmo uma gruta assustadora e insondável
que dá para lado nenhum.
— Birdy, anda lá… — replica ele, mas abano a cabeça, e ele cala-se.
— Eu não… não posso fazer isto. — Estou demasiado confusa. O pai a ligar-
me mesmo a meio do encontro mais apaixonante que já tive arruinou por
completo o ambiente. Fez-me duvidar de mim mesma — e do Crew. — Não
estou pronta.
— Wren. — Ele passa uma mão pelo cabelo, esfregando a parte de trás do
pescoço. — Não te vás embora. Ainda não.
— Tenho de ir. Eu só… talvez isto tenha sido uma má ideia. Eu não sou a
rapariga que pensas que sou, Crew. Estou demasiado nervosa, demasiado
assustada. Nunca fiz este tipo de coisas.
— Eu prometi que levaria isto tão devagar quanto quisesses.
— E tens sido perfeito. — Ofereço-lhe um sorriso trémulo, mas sinto que
posso desatar a chorar a qualquer momento, então, afasto o olhar, incapaz de
continuar a ver a sua cara linda durante muito mais tempo. — Eu tenho de ir.
Fujo da sala. Os meus sapatos batem contra o chão de cimento enquanto
corro pela escuridão adentro. Vejo a porta e abro-a, e, de imediato, uma
sensação de alívio apodera-se de mim ao encontrar a biblioteca principal de
novo. Avanço pelas estantes até a nossa mesa aparecer e visto o casaco à pressa.
Agarro na mochila.
Dou de frosques para longe da biblioteca. A porta bate atrás de mim com um
estrondo tão alto que juro ouvir a senhora Taylor a sibilar: «Chiu!»
Só quando estou de volta ao dormitório é que envio uma mensagem rápida
ao meu pai.
Eu: Desculpa, estava na biblioteca a estudar para um projeto. Ligo-te
depois de tomar um duche? Está a nevar aqui e fiquei encharcada a voltar
para o dormitório.
Pai: Sem problema, Amora. Liga-me quando puderes. Só para saber como
estás.
Ao ler as suas palavras queridas e a alcunha que usa para mim desde que me
lembro, começo imediatamente a chorar.
— Tenho novidades — anuncia o pai depois de termos falado durante uns
minutos, de termos passado pelas questões típicas: «Como é que estás e como é
que vai a escola?» Estou sentada na cama depois de ter tomado um duche e de
ter trocado para roupas mais quentes, tal como lhe prometi que faria.
— Quais são? — pergunto, desconfiada, preparando-me mentalmente para o
inesperado.
— A tua mãe e eu… vamos tentar e trabalhar na nossa relação.
Fico em silêncio, a absorver as palavras dele durante um momento.
— Estás a falar a sério?
— Vamos começar a terapia de casal esta semana. Queremos que isto
funcione. Por ti. Por nós — diz ele. — Não podemos simplesmente desistir
agora, não depois de vinte e cinco anos.
— Não faças isto por mim — afirmo, séria sobre todas as palavras que digo.
— Isto não tem que ver comigo. Isto tem que ver contigo e com a mãe.
— Eu sei, mas tu também fazes parte da família. Apesar de estares a ficar mais
velha e de estares prestes a fazer o teu próprio caminho — replica ele.
Porque é que essa parte parece uma mentira? Oh, eu sei porquê.
— Ainda há dias atrás me estavas a tentar juntar ao Larsen Von Weller —
relembro-o. — Na esperança de que ele acabasse por ser o meu futuro marido.
Ainda parece tão completamente ridículo. Mesmo que o Crew não me tivesse
avisado acerca do Larsen e me tivesse dito todas aquelas coisas terríveis sobre
ele, eu ficaria desagradada com a ideia na mesma. Resistente. Assim que
cheguei à casa Von Weller e mal lhe dirigi a palavra, o Larsen sabia que não
tinha a mínima hipótese. Ele acabou por me deixar em paz.
Graças a Deus.
— Eu não posso fazer essa escolha por ti. A tua mãe e eu discutimos a
questão. Estávamos a stressar a pensar em ti, sozinha, e no que te poderia
acontecer.
Raiva começa a espalhar-se lentamente pelas minhas veias ao ouvir as palavras
dele, por causa do significado por detrás delas. Ele ainda não confia que eu sei
como tomar conta de mim mesma, continua a acreditar que só vou fazer más
escolhas, vezes e vezes sem conta.
Se bem que é capaz de ter razão para se preocupar. É só ver o quão facilmente
cedi ao Crew na biblioteca. Céus, ele meteu mesmo os dedos dentro de mim e
eu deixei-o. E gostei.
A vergonha passa pelo meu corpo como uma maré quente de lava, deixa-me a
arder, e não de uma boa maneira.
— Eu vou ficar bem — asseguro-o, inspirando tremulamente. — Tenho
quase dezoito. E quero ir para a universidade.
Ainda não estou completamente certa disso, mas parece-me bem e isso é tudo
o que importa.
— Acho que te ias dar muito bem na universidade — diz ele, com uma voz
demasiado entusiástica. — Podes viver nos dormitórios e fazer novos amigos.
Ele quer-me escondida num dormitório em segurança, tal como estou aqui,
em Lancaster. E assim não vai ter de se preocupar comigo e pode tratar da sua
vida, seguro no facto de eu estar longe na universidade.
— É esse o meu plano — digo, a voz sai-me como um trinado e recorda-me
da maneira como falei com o Fig na aula. Só charme falso com uma ponta de
sarcasmo. É engraçado como nenhum destes homens repara. — Eu tenho de ir
andando, pai. Preciso de trabalhar no meu projeto.
— Para que aula?
— Psicologia. O meu parceiro é o Crew Lancaster. — Fecho os olhos, não
acredito no erro que acabei de cometer. Porque é que o mencionei outra vez?
Pela excitação de dizer o nome dele? Por saber o que partilhámos há
momentos? Apesar da minha vergonha pelo que ele me fez, não consigo parar
de pensar nele. Está sempre em primeiro plano na minha mente — e o que
fizemos juntos também. E, apesar de saber que não me devia permitir estar a
sós com ele outra vez, no fundo do meu coração sei que provavelmente vou
deixar que isso aconteça.
Se calhar não se pode confiar em mim. Se calhar sou demasiado crédula,
demasiado fácil de manipular para ser deixada sozinha.
— Porque é que estou sempre a ouvir esse nome ultimamente?
— Não sei, talvez porque é meu amigo?
O pai fica em silêncio durante um momento, e estou prestes a dizer alguma
coisa, mas ele é mais rápido.
— Eu duvido muito que o Crew Lancaster seja teu amigo, Amora. É um
rapaz com sangue na guelra como o resto, a correr atrás de uma rapariga
querida e inocente.
Lembro-me da sensação da boca quente do Crew no meu pescoço, da
maneira como lambeu a minha orelha e, pela primeira vez há algum tempo,
tenho de concordar com o meu pai.
— É só um projeto, pai.
— Eu sei, Amora. Mas lembra-te, és demasiado nova para pensares a sério em
rapazes. Tens a vida toda à tua frente.
— Eu sei. — Já ouvi essas palavras tantas vezes ao longo dos anos, era capaz
de as recitar em conjunto com ele.
— De qualquer das maneiras, eles só querem saber de uma coisa — continua.
Hum. Se calhar, eu sou igual. — Não gosto da família Lancaster. Não se pode
confiar neles. — O tom dele torna-se azedo.
— O que é que eles te fizeram? — Estou genuinamente curiosa, mas,
conhecendo-o como conheço, duvido que me diga algo concreto.
— Estamos no mesmo negócio. Os irmãos dele têm uma empresa na área
imobiliária e são manhosos. — Ele aclara a garganta. — Mas nada disto te
devia preocupar. Simplesmente… mantém-te longe do Crew Lancaster.
— Tenho de trabalhar no meu projeto com ele — começo a dizer, mas ele
interrompe-me.
— Tu sabes o que quero dizer. — O pai suspira, de repente, parece exausto.
— Tenho de ir andando. Dorme bem. Bons sonhos. Adoro-te.
— Também te adoro. — Desligo a chamada primeiro e atiro o telemóvel para
o lado, antes de me mandar de costas para cima da cama. Fico a olhar para o
teto. Uma sensação de frustração percorre-me em ondas, lembrando-me de que
não estou a fazer as melhores escolhas, mas serão as que estou a fazer assim tão
más?
Esgueirei-me para uma sala com o Crew e beijei-o, e daí? E daí que o tenha
deixado tocar-me. Deixá-lo enfiar a mão dentro das minhas cuecas…
Céus, como é que o vou encarar amanhã na aula? Depois do que fizemos? Vai
ser estranho olhá-lo nos olhos, sabendo o que ele me fez. E o quanto eu gostei.
Será que ele achou que parecia estúpida, agarrada ao vidro e praticamente a
implorar-lhe que me continuasse a tocar? Será que me acha uma criaturinha
patética que de repente está viciada no seu toque, na sua boca?
Porque é assim que me sinto. Viciada. Assoberbada. Carente.
Fecho os olhos e inspiro fundo, lembrando-me a mim mesma de que consigo
fazer isto. Consigo encará-lo amanhã e consigo fazer de conta de que nada
alguma vez aconteceu entre nós.
Eu consigo.
VINTE E CINCO
CREW
Não vás.
Essas duas palavras são sussurradas na minha mente enquanto me dirijo ao
refeitório mais cedo para jantar. Sento-me com a Lara e a Brooke, sem
realmente ouvir o que elas estão a coscuvilhar sobre todas as outras pessoas na
nossa turma.
Assim que acabo de comer, volto para o meu quarto, e aquelas duas palavras
ecoam no meu cérebro conforme caminho. O passeio está lamacento e
molhado por causa da neve que foi derretendo. O céu já está escuro e, em
breve, o passeio vai voltar a congelar.
Espero não partir o pescoço quando for ter com o Crew.
Não. Não vás.
Tomo um duche e lavo o meu cabelo. Faço a depilação nas pernas e em todas
as outras áreas que me ocorrem. Besunto a pele com a minha loção corporal
favorita. Seco o cabelo, enrolando as pontas com uma escova de enrolar.
Coloco uma camada fina de rímel nas pestanas e aplico o meu bálsamo labial
favorito. Aquele que deixa os lábios mais rosados.
Visto a roupa interior mais bonita que tenho — um par de cuecas de algodão
cor-de-rosa com uma cinta em renda e uma bralette que, de alguma maneira,
convenci a minha mãe a comprar-me há uns anos, quando fomos juntas às
compras. É branca e com renda, e eu nunca a usei.
Até agora.
A minha intenção é clara. Eu vou ter com o Crew e estou a usar a roupa
interior mais sexy que tenho, que não é assim tão sexy, mas enfim.
Estou a tentar.
Visto um hoodie preto e as minhas leggings pretas favoritas e calço um par de
botas UGG velhas que não me importo de molhar na neve. Depois, visto o
meu casaco puffer e vou até ao espelho para ver como ficou o conjunto.
Aborrecido. Normal. Não pareço diferente do costume. Decididamente não
pareço uma rapariga que está com esperança de que um rapaz lhe meta a mão
nas cuecas outra vez.
Um som frustrado deixa-me, e pego no telemóvel e no meu passe para o
edifício do dormitório, trancando a porta atrás de mim antes de sair.
Ninguém repara em mim a sair. Nem a AR que está sentada na receção. Ela
está demasiado ocupada a responder a perguntas de um grupo de raparigas ao
redor da sua secretária, e não quero saber o suficiente para ficar por perto a
ouvir do que se estão a queixar.
Está frio e escuro, e eu vou percorrendo o caminho com cuidado ao longo do
passeio, notando como este está escorregadio. Não há mais ninguém cá fora, e
uma névoa paira no ar, o que me faz sentir grata por ter trazido o gorro. Ponho
o capuz da camisola para cima, acrescentando outra camada de proteção ao
cabelo que acabei de secar.
O quarto do Crew fica num dos antigos edifícios que costumavam albergar os
funcionários que viviam no campus. Agora, tem algumas suites para os
membros da família Lancaster, mas é maioritariamente utilizado para
armazenamento. Nunca fui até lá.
Nem uma vez.
Puxo a maçaneta metálica, fria ao toque, abrindo a porta, que faz um rangido
alto num silêncio de outra forma absoluto. Assim que estou lá dentro, noto a
calma silenciosa no ar do átrio, lembrando-me de que sou só eu e o Crew aqui.
Mais ninguém.
Uma corrente de medo começa a fluir por mim, mas afasto-a. Ele provou que
sabe como ser simpático comigo, apesar de também já ter testemunhado a sua
raiva e maldade.
Talvez isso seja metade da atração. Nunca sei o que me vai sair quando estou
com ele.
Desço o corredor e vejo uma porta aberta mais à frente. A luz que vem de
dentro do quarto ilumina o chão. Subitamente, ele aparece, de pé no feixe de
luz, demasiado atraente no seu hoodie azul-marinho, que se parece com o meu,
e um par de calças de fato de treino cinzentas com o logotipo Propriedade da
Lancaster Prep no lado direito da anca.
— Chegaste. — Ele sorri levemente à medida que me aproximo. — Não
achei que fosses aparecer.
— Eu também não achei — respondo-lhe honestamente. Paro mesmo à
frente dele. — Devo ir-me embora?
— Queres ir? — Antes de poder responder, ele acrescenta: — Não penses
muito nisso. Diz só sim ou não.
— Não. — Endireito a coluna. — Não me quero ir embora.
Ele estende a mão para o seu quarto.
— Então entra.
Entro na suite, olhando em redor, tentando absorver tudo. O quarto é
enorme. Há uma cama gigante mesmo ao meio, pelo menos de tamanho king,
com uma mesinha de cabeceira a flanquear cada lado, e ambos os candeeiros
estão acessos. À esquerda da cama há uma secretária com uma cadeira cara e, à
direita, uma cómoda. Uma porta aberta à direita da cama conduz a uma casa
de banho.
— O teu quarto é bonito — digo, a sentir-me nervosa.
— Obrigado. — Ele vem até mim. — Queres tirar o casaco?
— Oh, sim. — O Crew ajuda-me a tirar o casaco, e eu sorrio-lhe. —
Obrigada.
— Não fiques com esse ar assustado, Birdy. É só um filme. — Ele pega no
casaco e pendura-o no cabideiro perto da porta, que fecha de seguida.
E tranca.
Reparo no portátil no centro da cama.
— Onde é que vamos ver o filme?
— Achei que podíamos descontrair a ver o filme na minha cama — sugere,
num tom casual.
— Na tua cama? — A pergunta sai-me como um guincho, enquanto tento
engolir o nervosismo que sinto.
— Eu não vou tentar fazer nada que não queiras — diz ele.
Pois, mas é esse o problema. Eu posso querer que ele tente fazer todo o tipo
de coisas…
— Não, pode ser. — Assumo um ar desinteressado, porque posso. Eu não
tenho medo dele. Ou desta… ligação que está a crescer entre nós. É
irreprimível e, sim, também é um bocadinho assustadora, mas estou tão
cansada de ter medo de rapazes e de beijos e de corpos nus e de sexo.
É natural. Eu sou quase adulta. Falta menos de um mês para o meu décimo
oitavo aniversário. Já não devia ter sido beijada por um ou dois rapazes por esta
altura? Ter-me apaixonado, apenas para ver o meu coração estilhaçado num
milhão de pedaços pelo rapaz?
— Queres alguma coisa para petiscar? — Ele vai até uma prateleira que me
tinha escapado quando entrei no quarto pela primeira vez, e apercebo-me de
que há um pequeno frigorífico dentro da suite. Ele tira um saco de pipocas da
prateleira, juntamente com uma caixa de Milk Duds, e oferece-me ambos. —
Tenho mais.
Eu tiro-lhe o saco de pipocas das mãos.
— Podemos partilhar.
— Queres beber alguma coisa? — Ele baixa-se, abre o frigorífico, e consigo
ver umas garrafas de água e latas de Coca-Cola. Umas quantas garrafas de
cerveja.
— Só água, por favor.
Quando ele se levanta e me passa a garrafa de água, tiro-lha das mãos,
agradecendo num sussurro, e os nossos olhares cruzam-se. Ele parece nervoso.
Por me ter no seu quarto?
Não é um comportamento muito normal do Crew.
Observo-o a instalar-se na cama primeiro. Ele tem uma pilha de almofadas e
encosta-se contra um monte, depois, dá um toque no lugar vazio à beira dele.
— Senta-te.
Pouso a minha garrafa de água na mesinha de cabeceira antes de me juntar a
ele, atirando o saco de pipocas na sua direção. Ele apanha-o e pousa-o ao seu
lado, antes de se inclinar e pegar no portátil.
A cara do Leonardo DiCaprio aparece a ocupar o ecrã, está elegante no seu
fato, com o seu cabelo dourado escovado para o lado.
— Pronto a visualizar, tal como prometido — diz o Crew e, quando me olha,
eu sorrio.
— Mete a dar então. Tenho de voltar ao meu dormitório dentro de… —
Verifico as horas no seu portátil. — Pouco mais de três horas.
— Apareceste cedo.
— Estava preocupada com o tempo que ia demorar a chegar aqui. Os
passeios estão a ficar escorregadios.
— Está frio lá fora.
— Mas aqui está agradável e quentinho.
Ele não diz nada, pressiona apenas a barra de espaço no seu portátil e o filme
começa a dar. Ele segura o portátil no colo, virando-o para que eu também
consiga ver, e eu cedo ao conforto e inclino a cabeça contras as almofadas atrás
de mim. Viro-me de lado para chegar ao saco de pipocas. Abro-o e tiro uma
mão cheia antes de o devolver ao Crew, e partilhamos o saco. Ocasionalmente,
vamos pondo as mãos lá dentro ao mesmo tempo. Os nossos dedos colidem.
Entrelaçam-se.
Estou dolorosamente ciente da sua presença e nem me consigo concentrar no
filme, apesar de o Crew ter razão. O filme é visualmente deslumbrante, e quero
prestar atenção, mas o Crew é uma verdadeira distração.
Ele está tão próximo. Eu podia estender os dedos e tocá-lo com facilidade.
Estudo-lhe a cara, a maneira como o seu cabelo lhe cai na testa, e como ele o
está sempre a empurrar para trás. Ele tem um cheiro limpo e fresco, como se
tivesse tomado um duche antes de eu chegar, e estou tentada a enterrar a cara
no seu pescoço, para lhe inalar o cheiro.
O Crew muda de posição, para imitar a minha, e repousa a sua cabeça num
monte de almofadas, deitado de lado. Coloca o portátil entre nós antes de me
olhar de soslaio, apenas para me encontrar já a observá-lo.
E não deixo de o fitar. É como se não conseguisse.
O olhar dele desce para a minha boca, detém-se nela antes de, finalmente, me
olhar nos olhos.
— Não me devias olhar assim.
— Assim como? — sussurro, a minha pele é percorrida por uma sensação de
formigueiro com a consciência da sua proximidade, quando ele estende a mão
e me afasta o cabelo da cara. O seu toque é tão gentil que fecho os olhos por
um momento, saboreando a sua proximidade. O facto de estar aqui com o
Crew. Só nós os dois. Deitados na sua cama.
Vai contra tudo o que eu alguma vez preguei. E todas as raparigas que
menosprezei por sucumbirem a um rapaz. Como eu as achava fracas.
Agora sou tão fraca quanto elas e entendo.
Percebo.
— Como se quisesses que eu te beijasse — murmura, passando as pontas dos
dedos pela linha do meu maxilar. — Abre os olhos, Birdy.
Faço o que ele diz. Inspiro fundo quando vejo o quão próxima a sua cara está
da minha.
— Estás tão bonita — murmura. O seu polegar vagueia pelo meu lábio
inferior. — Pensei que me odiavas.
— E odiava — digo, com hesitação.
Ele sorri, é uma visão que me aquece por dentro.
— Eu também te odiava.
— Porquê? — Estou genuinamente curiosa. — Eu nunca te fiz nada.
— Chegaste a esta escola e eras uma autêntica desconhecida. Ninguém sabia
quem raios eras, mas, apesar disso, toda a gente te queria conhecer. Se queria
aproximar de ti, te queria copiar, ser teu amigo. Incomodou-me. — Aparece
um laivo de irritação nos seus olhos. Tão rápido quanto aparece, desaparece.
As palavras dele fazem-me sentir mal. Ele ainda se sente assim em relação a
mim? Eu não gostava dele porque ele estava sempre a fulminar-me com os
olhos. Assustava-me.
— Achava que eras só tanga. Ninguém podia ser assim tão querida, tão
simpática, tão bela. Achei que estavas a esconder um segredo feio e sombrio. —
Ele fecha os dedos em torno do meu queixo, inclinando-me a cabeça para
cima. — Mas não. Tu és mesmo querida.
Faço-lhe uma cara feia.
— Não sou sempre querida.
— Eu sei. — Ele inclina-se, a boca dele quase a tocar na minha. — Às vezes,
és indecente, não és? Gostaste de ter os meus dedos dentro de ti.
Liberto uma respiração trémula, e ele beija-me outra vez, a sua boca demora-
se sobre a minha, a sua língua desliza e dá-me uma lambidela provocante, antes
de ele se afastar.
— Estavas tão molhada.
As minhas maçãs do rosto ruborizam de calor. A maneira como ele está a
reavivar todos os detalhes mortificantes daquela tarde é embaraçosa.
— Molhada para mim — segreda contra a minha boca, antes de me beijar
profundamente, a sua língua a empurrar, a roçar contra a minha. Ele aproxima-
se mais de mim, fechando o portátil com o pé, interrompendo o filme e
deixando o quarto em silêncio. O único som é o encontro dos nossos lábios. O
barulho da roupa quando ele me puxa para mais perto, um suspiro que cai dos
meus lábios quando ele me beija a garganta.
— Hoje estavas a deixar-me louco durante a aula — admite, a falar contra o
meu pescoço.
Envolvo-o com os braços, ouso meter-lhe uma mão por baixo da camisola,
para lhe sentir a pele nua e quente.
— Como?
— Com aquele maldito chupa-chupa. Com a maneira como o estavas a
lamber. Tu não queres saber o que eu te imaginei a fazer. — Ele levanta a sua
cabeça para o seu olhar se encontrar com o meu.
— Diz-me o que querias que eu…
Ele silencia-me com os seus lábios, roubando outro linguado profundo antes
de se afastar, a sua respiração quente no meu ouvido.
— Imaginei-te a fazer o mesmo com a minha piça. — Ele morde levemente o
lóbulo da minha orelha, provocando um gemido. Ou talvez sejam as palavras
dele que me fazem sentir assim. Carente e impaciente e a querer mais do que
apenas os seus beijos. — Imaginei que estavas de joelhos à minha frente, a
chupar-me. A lamber-me como lambeste aquele chupa-chupa.
Eu nunca pensei que fosse querer fazer algo do género, mas a imagem que ele
está a pôr na minha cabeça faz-me latejar entre as coxas.
— Achas que eu seria boa nisso?
— Eu sei que serias. — Ele deita-me na cama e gira-me, de forma que
metade dele fique sobre mim, a boca dele na minha, a beijar-me como se
nunca se fosse fartar de o fazer. Eu beijo-o de volta com o mesmo entusiasmo e
passo as mãos pelo fundo das suas costas, para cima e para baixo, maravilhada
com o quão suave ele é. Quão quente.
Quero-me aproximar.
O aquecedor está a funcionar no máximo dentro do quarto, e estou a
começar a ficar quente. Mais quente. Talvez esteja relacionado com o facto de o
Crew estar em cima de mim e de ele estar quente como uma fornalha, não sei.
Queria poder tirar o meu hoodie. Mas não trouxe uma T-shirt por baixo e não
posso ficar só de bralette e de leggings enquanto estamos aos beijos.
Ou talvez pudesse…
— Foda-se, estou a arder. — O Crew salta da cama e vai baixar a potência do
aquecedor, antes de arrancar o hoodie, revelando que também não tem nada
por baixo. Eu sento-me, fico a olhar para ele à descarada, os meus olhos
irrequietos olham para todo o lado, sem saber onde parar primeiro.
Todo o ar que inspiro parece ficar bloqueado na minha garganta, deixando-
me incapaz de falar. O corpo dele é lindo. Não há outra maneira de o
descrever. Ombros largos. Peito amplo, firme. Peitorais esculpidos com um
toque muito leve de pelo no centro. Não são muitos. São apenas o suficiente
para me deixar curiosa.
Para me fazer querer tocar neles.
O estômago dele é liso como uma tábua, e os músculos salientam-se sob a
pele quando se move. Há uma zona estreita de cabelos pretos mesmo abaixo do
seu umbigo, um trilho que desaparece na cintura das suas calças, e, de repente,
tenho vontade de traçar esse caminho com os meus dedos. De enfiar a minha
mão dentro da parte da frente das suas calças. Tocar naquele espesso e
quente…
— Estás a olhar, Birdy. — A sua voz profunda assenta entre as minhas pernas,
a pulsar. A lembrar-me do que ele me fez com os dedos da última vez que
estivemos juntos.
Um arrepio move-se através de mim ao recordar esse momento.
— Estás sem camisa, Crew.
Ele olha para baixo, para ele mesmo, e passa a mão pela sua caixa torácica
antes de devolver o seu olhar ao meu.
— Incomoda-te?
Abano a cabeça.
— Não. Eu estou só…
— Chocada?
— Não estava à espera. — Fecho as minhas coxas com força, a sentir-me…
Dorida.
Carente.
— Não quero continuar a ver o filme. — Ele inclina-se e pega no portátil,
pousando-o em cima da secretária. Não se junta a mim na cama.
— Eu também não — admito suavemente.
Entreolhamo-nos durante um momento, e deixo que o meu olhar caia
novamente sobre o seu peito, fascinada. Os meus dedos estão literalmente a
tremer com a ânsia de lhe tocar, e afundo os dentes no meu lábio inferior, a
tentar lutar contra os sentimentos que estão a bombear nas minhas veias.
O pretexto de estar com o Crew para ver um filme por causa de uma aula já
acabou há muito. A sessão de beijos prova isso. Eu sei porque é que ele me
convidou. E sei porque é que apareci.
— Vem cá — exige, e eu não protesto.
Porque é que o faria?
Levanto-me da cama e caminho até ele, deixando-o pegar na minha mão. Ele
puxa-me para perto dele. Estendo uma mão, pousando-a de lado no seu torso.
Sinto a sua carne quente a queimar a minha palma e levanto a cabeça para o
ver já a observar-me, os seus lábios curvados num sorriso matreiro.
— Tenho um mimo para ti.
— O que é?
Ele enfia uma mão no bolso das calças e tira um Blow Pop. Sabor de cereja.
O meu favorito.
Levanto o meu olhar para o dele.
— Porque é que me compraste um chupa-chupa?
Eu sei porque é que ele o fez. Eu só quero que ele o diga.
O Crew inclina-se para mim, a sua boca mesmo à beira do meu ouvido a
fazer-me estremecer.
— Eu quero ver-te a chupá-lo.
O meu corpo inteiro enrubesce com o calor.
— Porquê?
— Não estava a mentir quando te disse que não conseguia deixar de pensar
em ti durante a aula, a chupar aquele Blow Pop. Em como estavas tão sexy a
fazê-lo. Como os teus lábios e língua ficaram vermelhos de estar a lamber a
guloseima. — Ele aninha a cara dele na minha. — Eu quero beijar esses lábios
vermelhos lindos — sussurra-me ao ouvido. — Saborear-te.
Não consigo respirar quando ele se afasta de mim, ostentando um sorriso
convencido enquanto tira o plástico do chupa, que atira por cima do ombro
para o chão.
— Crew. — Estou prestes a dar-lhe um raspanete por ele estar a fazer lixo,
mas ele interrompe-me.
— Chupa. — Ele esfrega o chupa-chupa nos meus lábios. Para a frente e para
trás. Desenha a sua forma com o chupa. Eu entreabro-os, e ele desliza a
guloseima para dentro da minha boca, só um pouco. — Força, Birdy.
Envolvo o Blow Pop com os lábios e começo a chupar. Os olhos dele estão
fixados na minha boca e acendem-se com interesse.
— Mostra-me a tua língua. Lambe-o.
Ele tira o chupa da minha boca, mas deixa-o encostado aos meus lábios.
Como é costume, o Crew pegou numa coisa que começou por ser inocente
— e uma coisa que faço com frequência — e transformou-a em algo obsceno.
Por algum motivo, não me importo. Quero fazer isto.
Quero mostrar-lhe o que consigo fazer com um chupa-chupa.
Faço um esforço para pôr a minha vergonha de lado e, lentamente, começo a
fazer um círculo no topo do chupa com a minha língua. Os nossos olhares
prendem-se, o meu coração acelera. Fecho os olhos e sorvo com voracidade o
chupa, envolvendo-o com os meus lábios antes de o soltar de novo.
— Jesus — murmura ele entre dentes. A voz dele parece revelar uma aflição.
Quando abro os olhos, deparo-me com a sua expressão torturada, e uma
sensação de adrenalina estonteante passa através de mim, juntamente com um
pensamento.
Há poder no sexo. Em mim e na minha sexualidade. Sempre tive tanto medo
dela. Medo de me dar à pessoa errada. Medo de ser humilhada e da vergonha
de ter partilhado o meu corpo com alguém que não o merecia.
E talvez o Crew Lancaster não o mereça, não me mereça, mas estou a dar-me
a ele de qualquer maneira. Já lhe dei uma parte de mim e, ao participar nisto
agora, hoje, estou prestes a dar-lhe outro pedaço.
Consigo ver-lhe nos olhos que ele me quer, e isso é potente. Que ele está a
sentir as coisas com a mesma intensidade que eu.
Porque eu também o quero.
O Crew tira o chupa da minha boca e beija-me. A língua dele empurra e abre
caminho entre os meus lábios, e começa a soar um gemido rouco, baixo, na sua
garganta. É o mesmo som esfomeado que ele faz sempre que me beija, como se
não conseguisse ter o suficiente de mim. Abro-me a ele, deixando-o devorar-
me, a minha língua deslizando contra a dele. Ele chupa-me a língua, e eu
percorro o peito dele com as mãos, maravilhada com a força que sinto a mover-
se por baixo das minhas palmas. Pele quente e lisa, músculos firmes. Aqueles
pelos suaves, provocadores, entre os seus peitorais.
Ele interrompe o beijo primeiro, a respirar com força enquanto me olha.
— Sabes a cerejas.
Eu aceno, a minha mente vazia, e com o corpo inteiro a vibrar. Contemplo a
sua boca e levanto a cabeça para conseguir pressionar os meus lábios aos dele de
novo, e ele agarra a parte de trás da minha cabeça, deixando-me assumir o
controlo. Eu experimento as diferentes maneiras de beijar um rapaz.
Suavemente. Com força. Mordo o seu lábio inferior, e ele rosna.
O som só me encoraja a morder com mais força.
Chupo o seu lábio superior. Traço a sua forma com a ponta da língua. Enfio a
minha língua entre os seus lábios e deslizo-a contra a dele. Agarro na cabeça
dele com as minhas mãos e passo os dedos pelo cabelo sedoso.
As mãos dele descem para as minhas ancas, guiando-me para a sua cama, e eu
deixo-o, sem pensar. Sem querer saber.
Assim que me deitar naquela cama com ele, qualquer coisa pode acontecer.
Qualquer coisa.
Acabo por me sentar no rebordo do colchão, com o Crew de pé à minha
frente. A sua ereção estica a parte da frente das calças e fica praticamente na
minha cara. Eu olho para ela. Ele é tão grande. Grosso.
Tento imaginar o que o Crew quer que eu faça com ele.
— Não precisas de ficar com esse ar assustado. — A voz dele é baixa, meio
áspera e tão incrivelmente sexy. — Hoje é tudo para ti.
Observo-o à medida que ele pega no saco de pipocas e o deixa cair ao chão. O
saco cai para o lado e verte pipocas pelo chão todo. Ele não parece querer saber.
O foco dele está completamente em mim.
Antes de conseguir pensar muito sobre a situação, ele está praticamente em
cima de mim, as minhas costas estão contra o colchão, e o Crew ergue-se,
atraente e sombrio e todo meu.
Pelo menos por esta noite.
Do nada, o chupa-chupa volta, e ele arrasta-o pelos meus lábios. A minha
língua dardeja para fora, lambendo o chupa com entusiasmo, e juro que
consigo sentir a ereção dele a ficar maior contra a minha perna.
— Tens muito jeito com essa língua — diz ele, a sua voz rouca.
Eu rio-me, sinto um poder embriagante a pulsar nas minhas veias. Depois,
dou ao chupa outra boa lambidela.
— Eu tenho uma ideia — começa ele a dizer, agarrando na bainha do meu
hoodie. — Vamos tirar isto.
Uma sensação de pânico atravessa-me, e pouso a mão sobre a dele, parando-o.
— Espera.
Se ele me tirar o hoodie, as coisas vão mudar ainda mais entre nós. Apesar de
já se terem alterado depois do que aconteceu antes. Quando ele enfiou os
dedos nas minhas cuecas e me acariciou até eu estar a gemer e a empurrar-me
contra ele como a rapariga fraca que aparentemente sou.
Ele fica imóvel, e o seu olhar encontra o meu.
— Não te vou obrigar. Tu sabes disso.
Medo escorre pela minha coluna. Eu quero confiar nele. Foi o que fiz naquela
sala secreta na biblioteca, quando ele tinha os dedos entre as minhas coxas.
— O que é que queres fazer? — pergunto.
— Tirar-te a camisola. O teu sutiã. — O olhar dele torna-se mais sombrio
quanto mais me observa.
Derreto com as suas palavras, quão simples e eficazes são. O que ele disse não
devia soar tão bem, mas aos meus ouvidos soa. Afasto a mão da dele e aceno,
dando-lhe o meu consentimento.
Ele tira-me a camisola, puxando-a pela minha cabeça e atirando-a para o
canto. Fico ali deitada com apenas a bralette rendada e delicada, os meus
mamilos a esticarem o tecido fino, todo o meu corpo a aquecer quando ele
olha para o meu peito.
Sem aviso, ele baixa-se, arrastando a boca por um seio, a sua língua sai, veloz,
para lamber um mamilo endurecido por cima da renda. Ele pega na frente da
bralette e, com a mão, abre o fecho, e as copas caem para o lado, expondo-me
por completo.
Ele afasta-se. Contempla o meu peito nu, e as mãos afastam as alças dos meus
ombros. Contorço-me um pouco para sair da bralette e afasto-a. Suspiro de
alívio quando ele devolve a atenção ao meu peito. A sua boca está por todo o
lado, deixando um rasto de fogo onde toca, fazendo-me gemer quando puxa
um mamilo para a sua boca e o chupa com voracidade.
Perco-me na sensação dos seus lábios. No puxar e chupar. Na sua língua
quente que lambe. Que rodeia. Ele levanta a cabeça do meu peito, não sei
como, mas ainda tem o chupa-chupa na mão e estende-o para a minha boca.
— Chupa.
Obedeço e dou-lhe uma boa lambidela. Ele mete-o sobre os meus seios e
arrasta a guloseima brilhante e húmida sobre o meu mamilo. Rodeia-o vezes e
vezes sem conta.
Depois, deixa cair a cabeça sobre o meu peito e chupa o meu mamilo de volta
para dentro da sua boca.
A gemer, enfio as mãos no seu cabelo e seguro-o perto de mim.
Ele mantém esta tortura, como se gostasse de me enlouquecer com luxúria.
De usar o chupa para brincar com a minha carne. De o esfregar contra os meus
mamilos. Ele chupa e morde levemente, enlouquecendo-me. Presta tanta
atenção ao meu peito que, em breve, me torno impaciente, e as minhas pernas
começam a mover-se. Faço-as mexer em tesoura, a tentar afastar o latejar
doloroso entre as minhas pernas. Estou molhada. Encharcada por causa da sua
atenção e, quando ele, por fim, estende a mão para agarrar a cintura das
minhas leggings, praticamente soluço de alívio.
Finalmente, penso eu.
— Vou fazer uma coisa — diz ele, em jeito de aviso, e eu imobilizo-me. —
Não entres em pânico, está bem?
Quando alguém te diz para não entrares em pânico, é precisamente isso que
queres fazer.
— Es-Está bem.
Ele levanta a cabeça, o seu olhar encontrando-se com o meu.
— A sério. Vai saber bem. Confia em mim.
Eu aceno, fechando os olhos quando ele me tira as leggings com um só puxão,
acariciando a minha pele exposta com as mãos. As leggings caem no chão com
um som quase impercetível, e ele começa a percorrer o meu corpo com beijos.
O lado de dentro dos meus joelhos, a parte de cima das minhas coxas. Quando
a boca dele toca na parte da frente das minhas cuecas, coloco os braços à frente
dos meus olhos, ligeiramente envergonhada.
Mas também estou excitada. Uma enchente de humidade escapa-se, e sei que
estou tão embaraçosamente molhada. Mas nem quero saber.
Não consigo.
O chupa voltou a jogo. Ele esfrega-o contra as minhas cuecas, fazendo
pressão.
— Eu vou-tas tirar. — Os dedos dele prendem-se por baixo do elástico da
cintura. — A menos que não queiras que o faça.
Não protesto. Eu quero que ele as tire. Quero ver o que ele vai fazer a seguir.
Não faço ideia. Isto é tudo tão novo para mim, e não tenho experiência
nenhuma. Estou surpreendida por ele ainda não me ter mandado parar porque
já devo ter feito alguma estupidez, de certeza.
Ele puxa as minhas cuecas a partir da cintura. Mantenho o braço sobre os
meus olhos enquanto ele as tira, até estar completamente nua à frente dele.
— Tão linda, Birdy — sussurra ele, num um tom reverencial, e as suas mãos
curvam-se em torno das minhas ancas. Da minha cintura. A minha pele
arrepia-se pela combinação do seu toque com o frio que paira no ar desde que
ele desligou o aquecimento. — Tens noção de como és deslumbrante?
Eu não digo nada. Só me consigo deleitar com os seus elogios. Com a doçura
da sua voz quando fala sobre mim. Como se quisesse saber.
Como se eu fosse importante para ele.
Ele pega no chupa e mete-o na boca. Consigo ouvi-lo a chupá-lo antes de o
retirar da boca de novo.
— Tenho de o deixar bem molhado primeiro — murmura, as palavras com
um toque extra de obscenidade.
E, logo de seguida, ele passa o chupa pelo meu lugar mais privado.
Eu grito, choque e prazer juntos a correr sob a minha pele.
— Afasta as pernas — ordena, e eu faço-o automaticamente, pondo-me em
completa exibição. — Olha para mim.
Retiro o braço dos meus olhos e abro-os lentamente para encontrar o Crew
de joelhos entre as minhas pernas abertas. Os olhos dele encontram-se com os
meus, enquanto levanta o chupa para eu ver. Ele lambe o chupa, a língua dele
envolve-o de uma maneira exagerada, e depois tira o Blow Pop da boca e
devolve-o ao sítio entre as minhas coxas.
Um gemido trémulo escapa-me. Nunca fiz um som assim na minha vida, mas
meu Deus, isto é tão errado, mas é tão bom — o que ele está a fazer ao meu
corpo com o chupa-chupa.
Nunca mais vou olhar para um Blow Pop da mesma maneira.
Ele traça-me por todo o lado com a guloseima. Através das minhas dobras.
Pelo meu clitóris. Para cima e para baixo, dá voltas e voltas, até se deter perto
da minha entrada. Depois, muito lentamente, começa a inserir o chupa dentro
do meu corpo, só um pouco.
— Dói? — pergunta ele.
— N-Não. — Abano a cabeça.
Ele empurra-o mais para dentro. Um gemido deixa-me, e fecho os olhos, a
deixar que a sensação passe por mim conforme ele puxa o chupa quase todo
para fora, antes de o voltar a mergulhar.
Dentro e fora.
Dentro e fora.
O Crew retira o chupa, e eu abro os olhos a tempo de o ver meter o chupa
dentro da sua boca, de o ver a saborear-me. Os meus lábios entreabrem-se. Não
acredito que ele acabou de fazer aquilo.
Quero que continue a fazê-lo.
Ele continua, graças a Deus. Provoca o meu clitóris com o chupa, esfregando-
o em círculos apertados, aumentando o meu prazer. O meu corpo inteiro
parece líquido, solto e lânguido e completamente fora do meu controlo. Estou
a derreter no colchão, completamente perdida e, quando ele empurra o chupa
de novo para dentro do meu corpo, eu levanto as ancas, a querer que vá mais
fundo, mas sei que não vai dar.
É demasiado pequeno.
— Credo. Tens noção de como és sexy, a deixar-me foder-te com este Blow
Pop? — É mesmo isso que ele faz com a guloseima e, no preciso momento em
que me começo a mover com ele, ele tira-o para fora e estende-mo. — Queres
provar?
Quero? Estou prestes a perguntar se quero, mas, quando abro a boca, ele enfia
o chupa lá dentro.
Tentativamente, começo a chupar o doce, a saborear a mistura da cereja
comigo mesma. Há uma sugestão de sal e uma nota amarga que se misturam
com o doce.
— Tão sexy — murmura, de olhos postos em mim enquanto continuo a
chupar o doce. Quando ele o retira da minha boca, os lábios dele embatem nos
meus. Ele beija-me com uma ferocidade que não esperava, e afogo-me no seu
sabor, na sua ferocidade. Na sua necessidade.
Ele está em cima de mim, a impulsionar-se lentamente contra mim ao ritmo
da sua língua ávida, a sua ereção está pressionada diretamente contra o meu
centro. Afasto mais as minhas pernas para o acomodar. Estou nua, molhada e
carente, e é como se ele fosse o único que pode tomar conta de mim.
Ele é o único que pode satisfazer as minhas necessidades.
— Wren — sussurra ele, assim que quebra o beijo, deslizando a sua boca pelo
meu pescoço. — Eu quero dar-te um orgasmo.
— Estou tão perto — admito, a minha pele a vibrar quando ele levanta a
cabeça para me olhar nos olhos. — Estou mesmo.
— Da última vez não te vieste.
Pressiono os lábios, a recordar como fugi dele.
— Assustei-me.
A sensação foi tão avassaladora, eu não sabia como lidar com ela.
Ele beija-me, os seus lábios gentis sobre os meus.
— Eu vou fazer-te sentir bem.
Um brilho de feroz determinação enche-lhe os olhos, e ele desliza pelo meu
corpo, a sua boca e as suas mãos percorrem todos os meus centímetros. O
chupa deixa um rasto pegajoso pela minha pele, mas não me incomoda.
Levanto os braços acima da cabeça, agarro a almofada que está ali e levanto as
ancas. O meu corpo sabe o que quer, mesmo sem ter experiência, e, quando o
Crew faz uma pausa, o seu olhar levanta-se para o meu, sombrio e cheio de
promessa.
— Era parecida com isto?
Franzo o sobrolho, confusa.
— O que queres dizer?
— A pornografia que viste. Quando ele fez um minete à mulher. — O olhar
dele aquece quanto mais me observa.
— Isto é melhor — admito, e ele sorri, mesmo antes de pousar a sua boca em
mim.
Um suspiro irregular deixa-me, e enfio com força as mãos no seu cabelo,
mantendo-o perto de mim enquanto devora a minha carne. A língua dele
lambe e provoca. Ele enfia-a dentro de mim, tira-a para fora. Empurra a língua
para dentro de mim.
Sabe tão bem, mas não parece ser suficiente.
Ele mete o chupa entre as minhas coxas e enfia-o dentro de mim, antes de o
tirar, esfregando-o contra as minhas dobras. Estou a gemer, os meus olhos
fecham-se, as sensações estão a dominar-me de novo, tal como ontem à noite.
Mas não me afasto, procuro a libertação, a minha boca abre-se num grito
mudo à medida que ele aumenta o ritmo, a sua cara esmagada contra mim, a
sua boca a deixar-me num frenesim. Ele substitui o chupa com um dedo,
empurrando-o para dentro de mim, e eu exclamo. Quando ele acrescenta outro
dedo, praticamente grito.
É demasiado. Não é suficiente. Os meus músculos estão tensos, a minha pele
está revestida por suor e, quando ele envolve o meu clitóris com os seus lábios e
chupa, é suficiente.
Estou-me a vir. O meu corpo estremece incontrolavelmente à medida que
canto o seu nome, a parte inferior do meu corpo colide contra a sua cara.
Estou desamparada, completamente fora de controlo, e ele agarra as minhas
ancas e segura-me contra ele enquanto continua a sua deliciosa investida.
É como se estivesse numa autêntica queda livre. Não tenho noção de controlo
sobre o meu corpo. Estou a tremer, a inspirar sofregamente, o meu coração está
a bater com tanta força que sinto que poderia voar para fora do meu peito.
Tento afastá-lo. A minha pele está tão sensível à sua atenção que quase dói, e
ele faz o que eu lhe peço em silêncio, afastando-se de mim. Olho para baixo e
presencio o Crew a esfregar a sua mão contra o lado da sua cara e, quando
deixa a mão cair, vejo que a sua pele e boca estão a brilhar.
Por minha causa.
Ele apanha-me a olhar, e os seus olhos cerram-se um pouco conforme me
estuda. Eu ainda estou a tremer, a minha respiração está errática, e o meu
coração, a disparar. Queria que ele dissesse alguma coisa.
Qualquer coisa.
Ele move-se, de forma a deitar-se do meu lado, a sua mão na minha anca,
puxando-me para ele. Vou facilmente, ainda me sinto sem ossos e articulações
enquanto ele me embrulha com o seu corpo. A sua boca está na minha testa, os
seus dedos, no meu cabelo enquanto murmura:
— Estás bem?
Aceno, encolhendo-me contra ele, pressionando o rosto contra o seu peito.
Preciso que ele me segure. Que diga as coisas certas. Que me garanta que vou
ficar bem.
Eu não me sinto bem. Sinto que estou a sair da minha pele. Como se durante
todo este tempo o mundo me tivesse fechado as portas, e finalmente consegui
vislumbrar o que se esconde lá dentro.
E descobri que é tudo o que poderia querer.
VINTE E OITO
CREW
Viro-me para a cómoda. No espelho que está sobre o móvel, o meu reflexo
devolve-me o olhar. É suposto estar a dar privacidade à Wren, para ela se poder
vestir, mas não consigo evitar olhar para ela enquanto se veste. Olhar para toda
aquela pele lisa e cremosa em exibição, para aquelas mamas perfeitas com os
mamilos rosa que provavelmente ainda estão pegajosos de os ter esfregado com
o Blow Pop.
Não acredito que fiz isso. Ou que a fodi com um chupa-chupa. Mas ela
gostou.
Ela gostou muito.
Dei-lhe o que ela queria ao lhe fazer um minete, pois ela tinha-me dito que
essa tinha sido a sua parte favorita do vídeo pornográfico que viu.
Ao olhar por mim abaixo, apercebo-me de que o meu pénis ainda está a
latejar e reajusto-me. Tento pensar noutras coisas. Na temperatura fria lá fora.
No quão chateado fiquei com o Fig há umas horas.
Alguma da tensão melhora e eu inspiro fundo. Pego no meu hoodie e volto a
vesti-lo.
— Acho que devia ir andando.
Volto a encarar a Wren, notando como ela parece insegura, com o seu olhar
focado no chão, aquele rubor do orgasmo que ainda lhe cobre a pele.
— Não acabámos o filme — continua ela, a falar para o chão.
— Se calhar podias vir cá amanhã, e podemos acabá-lo — sugiro, não
estando de todo a falar do filme.
Os seus lábios reviram-se num pequeno sorriso, e ela atira-me um olhar
rápido. Aperta as mãos à sua frente.
— Talvez.
Estou surpreendido que tenha concordado.
— Devias mesmo vir.
— Que horas são? — pergunta ela, antes de ir até à mesinha de cabeceira e de
pegar no telemóvel. — Já são um quarto para as dez.
— É melhor ir contigo então.
Os olhos dela abrem-se muito, enquanto guarda o telemóvel no bolso do
hoodie.
— Eu posso ir sozinha.
Abano a cabeça devagar, aproximando-me dela.
— Nem pensar que te vou deixar ir a pé sozinha para o dormitório a esta
hora da noite.
— Não vai estar ninguém lá fora.
— Não sabes isso.
— Eu fico bem. — Ela pausa. — E se alguém nos vir juntos?
Acende-se uma irritação dentro de mim que acaba de vez com a minha
ereção. Incomoda-me que ela não queira que ninguém saiba o que estamos a
fazer. Se bem que… o que é que estamos mesmo a fazer? Ainda não tenho a
certeza.
— Eu não te levo até à porta.
— Não sei…
— Vou acompanhar-te até ao teu dormitório. Para de discutir. — Vou até ao
meu armário e pego nas minhas botas. Deixo-me cair na cadeira da secretária
para as calçar, apesar de não estar a usar meias.
A Wren observa-me com uma expressão triste.
— Chateei-te.
— Eu estou só a certificar-me de que ficas bem. Não sei porque é que tens de
discutir comigo sobre isso.
— Está sempre toda a gente a tentar tomar conta de mim. Professores. Os
meus pais. Especialmente o meu pai. Ele é o pior. — Ela levanta o queixo. —
Estou a tentar aprender a tomar conta de mim mesma.
Inclino-me na cadeira, imediatamente a sentir-me como um otário, mas
empurro o sentimento para longe.
— E se alguma coisa te acontecer enquanto voltas para o teu quarto? Eu
nunca me perdoaria.
Ela estuda-me e mete as mãos dentro do bolso do hoodie.
— Mudaste muito ao longo das últimas semanas.
— O que queres dizer? — Franzo o sobrolho.
— Estás muito mais simpático.
Levanto-me e vou até ela, puxando-a para os meus braços.
— E tu estás muito mais mazinha.
Antes de ela se poder queixar, estou a beijá-la, a murmurar a minha aprovação
quando se abre a mim sem hesitação. Raios, esta rapariga é mesmo sexy.
Estamos a dar os passos todos certos, e está tudo a ir dar exatamente ao que eu
quero. Prevejo que lhe vou tirar a virgindade antes de as férias de inverno
começarem.
À velocidade a que vamos, vai ser fácil convencê-la a ter sexo comigo.
E depois o quê? O que acontece a seguir? Faço de conta de que ela não existe,
como aconteceu com as outras raparigas antes dela?
Não sei se consigo fazer isso com a Wren. Ela permanece comigo.
Em mim.
O tempo todo.
Não consigo parar de pensar nela. E depois do que aconteceu entre nós ainda
agora? Esquece. Ela vai-me consumir. Eu sei que vai.
Já o faz.
Quando ela se afasta de mim, os lábios dela estão inchados, a respiração
engata-se na sua garganta.
— Temos de ir.
— Iá. — Beijo-a uma última vez, depois, deixo-a ir e pego no meu casaco
enquanto ela veste aquele casaco preto que tinha por cima do hoodie. Ela calça
um par de UGG podres de velhas, e depois saímos do edifício e entramos na
noite gélida.
Arrasto-a para perto de mim, colocando o meu braço em torno dos seus
ombros enquanto caminhamos ao longo dos passeios congelados, com passos
cuidadosos para não escorregarmos. Não dizemos muito. A nossa respiração
forma pequenas nuvens quando exalamos, e ela está a tremer ao meu lado,
apesar de eu a segurar perto de mim.
Quando o dormitório dela aparece no nosso campo de visão, tenho de a
prender para ela não se soltar de mim.
— Tenho de entrar — diz-me ela, quando lhe apanho o capuz e não o solto.
— São quase dez. Eu não quero arranjar problemas.
O olhar suplicante que ela me lança faz-me abrir mão do capuz, mas ela não
foge.
Em vez disso, atira-se a mim, os seus braços serpenteiam por baixo do meu
casaco para me dar um abraço, e a bola de pelo no gorro dela acerta-me mesmo
na boca.
— Eu diverti-me — murmura.
Diversão. É uma maneira de descrever o que acabámos de fazer.
Ela inclina a cabeça para trás, e o seu olhar encontra o meu.
— Por favor, não tornes as coisas estranhas entre nós amanhã.
— Eu é que te devia estar a dizer isso. — Beijo-a rapidamente e depois
empurro-a gentilmente para fora dos meus braços. — Vai. Antes que te atrases.
Um sorriso surge-lhe nos lábios, e os seus olhos brilham enquanto ela dá um
passo para trás. Depois, outro. Ela perde o equilíbrio, a sua expressão fica
verdadeiramente cómica, e estou prestes a apanhá-la, mas ela lá se consegue
equilibrar e permanecer de pé.
— Tem cuidado — aviso-a, e ela apenas se ri.
Que som tão bonito.
Ela vira-se, corre — cuidadosamente — para o seu edifício e desaparece
através das portas duplas.
Eu começo a andar de volta para o meu quarto, mas abrando o passo quando
avisto o brilho das luzes de presença de um carro, que está a chegar ao parque
de estacionamento.
Estranho. É tarde. Ninguém pode sair do campus durante as noites de
semana, a menos que tenham uma autorização especial.
Ponho de parte a ideia de voltar ao meu edifício e, ignorando o frio, vou-me
esgueirando até ficar mais próximo do parque de estacionamento, até conseguir
ver bem o carro. O carro é um Nissan, um modelo recente, que está ali parado,
com duas pessoas sentadas no seu interior. Consigo distinguir as suas cabeças e
como estão próximas uma da outra, mas não dá para perceber as feições, apesar
de reconhecer o veículo.
É o carro do Figueroa.
Escondo-me atrás de um arbusto, inclinando lentamente a cabeça para o
lado, para conseguir ver à volta e descobrir quem é que vai saltar da porta do
lado do pendura. Claro que o tarado leva uma rapariga para fora do campus
durante a semana. Nem sequer se consegue controlar e esperar pelo fim de
semana, quando as regras são mais relaxadas. Provavelmente, é a Maggie. O
rumor que circula pelo campus é que eles têm andado enrolados o semestre
todo, e ouvi dizer que o namorado acabou com ela recentemente por causa
disso.
Complicado.
Por fim, a porta abre-se, e eu fico à espera de ver a cabeça loira escura familiar
da Maggie.
Mas não é a Maggie quem está a sair do carro do Fig.
É a Natalie.
Escondo-me outra vez atrás do arbusto, confuso. Desde quando é que ela
anda à volta do Fig? Ela nunca esteve nas aulas dele — a tendência dele é ir
atrás das inteligentes. Das raparigas vulneráveis que estão silenciosamente
desesperadas por atenção. Iá, a Natalie está sempre à procura de atenção, mas
não usaria a palavra «silenciosa» ou «desesperada» para a descrever.
Também não a consideraria necessariamente vulnerável. A moça vai atrás do
que quer, quando quer.
Talvez seja isso que ela fez com o Fig.
E como é que este anormal consegue ter tanta rata à disposição? Ele deve ter
um jeito especial com as palavras para convencer com tanta facilidade estas
raparigas todas a abrirem as pernas para ele ao longo dos anos.
Ele é tão anormal. Se pudesse, espancava-o por todas as raparigas que deve ter
destruído ao longo dos anos.
Monte de merda.
A Natalie está a vir na minha direção — o dormitório dela é no mesmo
recinto que o da Wren — e está prestes a marchar ao lado do arbusto onde me
estou a esconder, quando saio detrás dele, revelando-me.
Ela estanca, os olhos esbugalhados.
— Crew. O que estás a fazer aqui a estas horas da noite?
— Eu devia estar a fazer-te a mesma questão, Nat. — Olho para o lugar no
parque de estacionamento, que agora se encontra vazio. Há muito que o carro
do Figueroa desapareceu. Nem sequer esperou para ver se ela chegava em
segurança. — Com quem é que saíste às escondidas?
Ela decide ser audaciosa, apesar do frio de rachar e do quão agasalhada ela
está.
— Isso gostavas tu de saber — replica, com um tom coquete.
— Eu acho que já sei. — Ela sorri com atrevimento, como se me estivesse a
desafiar a descobrir. — Nissan cinzento-escuro? Um Altima, se não estou em
erro. Tenho quase a certeza de que só há um professor que conduz um carro
desses. O Figueroa?
O seu sorriso atrevido desaparece, e o olhar transforma-se numa súplica.
— Não podes dizer nada a ninguém.
— Andas mesmo a comer aquele monte de merda?
Ela olha na direção do seu dormitório e, quando me volta a encarar, está com
um ar totalmente assustado.
— Fala mais baixo.
— Ninguém nos consegue ouvir. Eu não acredito nisto. Tu sabes que ele tem
andado enrolado com a Maggie o semestre todo — digo-lhe.
A Natalie encolhe-se.
— Ele jurou que tinham acabado.
— E tu acreditas mesmo nele? E o Ezra? Pensei que gostavas dele.
— Isso é só pelo gozo. Ele gosta de flirtar. — Ela encolhe os ombros.
— Estás é a gozar com ele. Achei que eras mais simpática. — Abano a cabeça.
— Oh, por favor, Crew. Tu já devias saber. Eu não sou simpática. — Ela vira-
me as costas e começa a andar para o dormitório.
Feito idiota, vou atrás dela. Iá, nós já nos comemos e sim, acho-a irritante a
maior parte do tempo, mas ela precisa de ter cuidado. O Figueroa é um
merdas. Só pensa nele.
— Tens de ter cuidado com ele, Nat.
— Oh, ter cuidado com ele? — Ela volta-se como um turbilhão, com uma
expressão feroz. — Temos de ter cuidado com todos vocês. É só isso que os
gajos querem, certo? Uma rapidinha e depois dão-nos com os pés. Pelo menos
o Fig é um homem. Sabe como tratar bem uma rapariga. Fazê-la sentir-se bem.
Não é um idiota insensível como vocês.
— Oh, por favor. Achas mesmo que ele é especial por ser um adulto? É um
predador quarentão que se mete com menores. Ele arranja novas raparigas
todos os anos, e não faço ideia como é que esse merdas não é apanhado.
Os olhos dela estão enormes, e está ofegante. Ela está tão transtornada.
— Não é assim tão profundo, Lancaster.
— Certo. Por isso que é pareces pronta para me arrancar os olhos por ter
insultado o teu namorado pedófilo. Preocupas-te mesmo com esta besta,
Natalie? Tens de acordar de vez.
Ela atira-se a mim, de punhos erguidos e a balançar na minha direção, a urrar
com os pulmões inteiros. Eu desvio-me, evito os seus punhos e agarro-a com
ambos os braços, segurando-a contra mim enquanto ela se debate e luta
comigo. Está a insultar-me com todos os nomes que lhe ocorrem, e juro por
Deus que está a soluçar.
Tenho quase a certeza de que nunca vi a Natalie a chorar.
— És mesmo um anormal, Lancaster! — grita, e eu estou prestes a tapar-lhe a
boca com a mão para a manter em silêncio, quando uma luz brilhante cai sobre
nós. Um grupo de pessoas saem do dormitório, lanternas iluminam-nos.
— Natalie? És tu? — chama uma das mulheres.
A vontade de lutar deixa-a, e ela afunda-se nos meus braços.
— Oh, merda — sussurra.
VINTE E NOVE
WREN
Ainda estou na cama, meia a dormir, quando oiço alguém a bater à minha
porta, rápido como uma descarga de metralhadora.
Abro um olho, pego no telemóvel e verifico as horas.
Ainda não são sete da manhã. As aulas só vão começar daqui a uma hora.
As batidas à porta recomeçam e, depois, param.
— Wren. Abre a porta.
É a Maggie.
Saio da cama e calço os chinelos. Atravesso o quarto, destranco e abro a porta
e deparo-me com a Maggie na soleira da porta, já com o uniforme vestido e
pronta para o dia, apesar de a sua cara estar manchada com lágrimas.
— O que se passa?
Ela apressa-se a entrar, fecha a porta atrás dela e encosta-se contra a superfície.
— O Fig não veio ter comigo ontem à noite.
Estou quase aliviada por saber que ele não apareceu, mas não lhe posso dizer
isso.
— O que é que aconteceu? Ele deu-te uma razão?
A Maggie abana a cabeça.
— Ele disse que surgiu uma coisa e que não podia falar sobre isso. Passei o
tempo todo a mandar-lhe mensagens, mas ele ignorou-me o resto da noite. —
Ela hesita, os olhos cheios de medo. — Achas que ele encontrou outra pessoa?
— Não — digo automaticamente, porque não o consigo imaginar a
encontrar outra rapariga tão rápido. — Ele tem estado demasiado ocupado
contigo para encontrar outra pessoa.
Bem, ele andava com a esperança de me recrutar, mas acho que já lhe dei uma
nega. Talvez ele tenha realmente procurado outra pessoa?
— Iá, é isso que estou sempre a dizer a mim mesma, mas se calhar estou
errada. Talvez ele não esteja feliz com o facto de eu querer ficar com o bebé.
Talvez não o deva fazer. — Ela deixa a cabeça cair, mas ainda consigo ver as
lágrimas a pingar-lhe do rosto.
— Oh, Maggie. — Eu vou até ela e envolvo-a num grande abraço e deixo-a
chorar no meu ombro. Estou tão feliz por o que passa entre mim e o Crew, seja
lá o que for, não ser tão complicado como aquilo pelo que a Maggie está a
passar. Ele ainda me confunde e não tenho a certeza se estamos a tentar estar
numa relação a sério ou se ele só quer curtir comigo, mas pelo menos não estou
a chorar por causa dele.
— Não faz mal — diz ela, por fim, ao afastar-se de mim, limpando as
lágrimas à pressa. — Foi por isso que me arranjei mais cedo. Vou falar com ele.
— Achas que é uma boa ideia?
— Não falar com ele sobre isso é pior — diz ela, praticamente num pranto.
— Eu preciso de saber em que é que ele está a pensar. O que é que ele esteve a
fazer ontem à noite. Não saber é o pior.
Vou até à minha cómoda e pego na caixa de lenços lá está em cima, depois,
passo-a à Maggie.
— Eu odiaria isso.
— É péssimo. — A Maggie tira um lenço, limpa a cara e depois sopra o nariz.
— Mal consegui dormir ontem à noite, estava tão nervosa. Oh, meu Deus!
— O que foi?
— Aconteceu outra coisa ontem à noite. Como estou no rés do chão,
consegui ouvir tudo. Um grupo de raparigas foi à rua e viu tudo a acontecer.
Estou a franzir o sobrolho.
— Viu o quê a acontecer?
— Apanharam a Natalie à frente do dormitório a discutir a altos berros com
o Crew. Dá para acreditar? Eu achava que vocês os dois tinham uma cena, mas
se calhar eles andaram enrolados este tempo todo?
Deixo-me cair pesadamente na cama, as palavras dela tocam em repetição no
meu cérebro.
Com o Crew.
A Natalie esteve lá fora com o Crew.
Se calhar ela estava a tentar entrar às escondidas e ele viu-a, já que estava na
zona porque me veio trazer ao dormitório? Tem de ser isso.
— Mas o que é que aconteceu mesmo? — pergunto. — Tu sabes?
— Acho que estavam a discutir? Eu ouvi a Natalie gritar. Ouvimos todas. Ela
estava a gritar a altos berros, como se nem quisesse saber, apesar de já passar do
horário de recolher obrigatório, por isso ela tinha de saber que ia se ia meter
em sarilhos. Não sei é porque é que o Crew estava à frente do edifício. Pela
Natalie, talvez?
Não, por minha causa, é o que lhe quero dizer. Vimos um filme e depois
esquecemo-nos disso. Ele beijou-me até eu ficar sem fôlego, e eu conseguia
sentir a sua ereção contra a minha coxa. Fizemos coisas impróprias com um
Blow Pop e ele fez-me vir com a sua boca e com a guloseima. Foi a experiência
mais excitante da minha vida.
Arruinada por ele acabar por ser apanhado com… a Natalie?
Não consigo sequer imaginar o que pode ter acontecido depois de o ter
deixado lá fora ontem à noite.
— Ainda bem que não me apanharam a mim — diz a Maggie, sem se
aperceber do meu choque. — De certeza que me tinham visto se me tivesse
encontrado com o Fig como era suposto.
— Iá… — digo, a minha voz entorpecida. — Tiveste sorte.
— Eu sei. — Ela pega noutro lenço e passa-o pela cara, para absorver os
vestígios das lágrimas, depois, vai até ao espelho de corpo inteiro na minha
parede, e examina-se de alto a baixo. — Parece que estive a chorar.
— Não pareces assim tão mal — asseguro-a, desejando que ela pudesse fazer
o mesmo por mim.
Mas isso significaria que tinha de lhe contar tudo o que aconteceu entre mim
e o Crew ontem à noite, e essa é a última coisa que quero fazer. Especialmente
com tudo o que aconteceu depois disso.
— Podia estar melhor. — Ela mantém o olhar no reflexo e suspira. — Enfim.
Vai ter de servir. Vou falar com ele.
— Achas que ele já lá está?
— Ele chega sempre mais cedo. Se ainda não estiver na sala de aula, vou ao
refeitório buscar um café primeiro — diz ela, enquanto se dirige à porta.
Não vale a pena dizer-lhe para ficar ou tentar convencê-la a não ir falar com
ele. Que é melhor obrigá-lo a ir ter com ela. Ela não me daria ouvidos. Ela vai
fazer o que quer.
— Está bem. Boa sorte. — A minha voz está fraca, os meus pensamentos,
turbulentos, mas ela nem repara.
— Adeus, Wren. Vemo-nos na aula. Deseja-me sorte! — Ela bate com a porta
antes que eu consiga dizer mais alguma coisa.
Atiro-me de costas para a cama, sobrecarregada. Nem sei o que pensar. A
Natalie e o Crew vão arranjar problemas? Vão ser suspensos? Oh, céus…
expulsos?
Eles nunca expulsariam um Lancaster, certo? Eu sei que ele diz que eles têm
tolerância zero com drogas e que até ele seria expulso, mas e numa situação
como esta?
E se ele já tiver ido embora e eu nunca mais tiver oportunidade de falar com
ele de novo? E depois? Eu nem tenho o número de telefone dele, o que é tão
estúpido. Suponho que pudesse entrar em contacto com ele através das redes
sociais, mas…
Certo, já me estou a adiantar demasiado. Preciso de me preparar para as aulas
e de sair um pouco mais cedo para ver se ele está à minha espera à frente da
entrada como de costume. Se ele não estiver lá…
Não sei o que vou fazer.
Arranjo-me à pressa, vestindo primeiro um par de collants de lã brancos e
grossos e a bralette que usei na noite anterior e, de seguida, visto o meu
uniforme. Enfio uma camisola azul-marinho por cima da camisa branca,
deixando o casaco de lado, depois, visto a saia e enrolo-a um pouco para cima
para mostrar mais perna.
Perna coberta por collants, mas e daí? Estou a tentar chamar a atenção de uma
pessoa.
Com sorte, ele vai lá estar. À minha espera junto da entrada, como é habitual.
Antes, quando ele me costumava fixar com aquele olhar frio, eu corria só para
fugir dele.
Agora caminho lentamente, saboreando aquele sorriso de um só lado que
aparece na sua cara quando me encontra na multidão pela primeira vez. Ele
faz-me sentir bela.
Mas o que é que ele andava a fazer com a Natalie ontem à noite?
Assim que saio do dormitório, percorro o caminho até ao edifício principal,
com passos cuidadosos graças à sujidade lamacenta em que os passeios se
tornaram. O sol voltou a aparecer, um pouco mais quente esta manhã e, apesar
de ainda estar frio, está a fazer com que a neve derreta.
Ao meu redor estão várias pessoas, a maioria com as suas cabeças curvadas
enquanto caminha, a sussurrar entre si. Oiço o nome da Natalie a ser
mencionado vezes e vezes sem conta, juntamente com o do Crew.
É o tópico de conversa do momento. Os boatos vão correr desenfreadamente
pelo campus.
Se eles acham que o Crew e a Natalie estão juntos, vou sentir-me uma idiota.
Apesar de não ser verdade.
De cabeça erguida, acelero o passo e vou a marchar para a entrada da escola,
quando avisto o Ezra e o Malcolm no lugar do Crew, ambos de sobrolho
franzido enquanto olham para as pessoas que passam por eles.
Não há Crew à vista, e eu não consigo lutar contra a desilusão que se afunda
no meu estômago como uma pedra.
— Wren.
O Malcolm chama por mim com aquele seu sotaque britânico límpido, e eu
vou até ele, com uns nervos que fazem todo o meu corpo tremer.
— Sim? — pergunto, mergulhando as mãos enluvadas nos bolsos do casaco.
— Ouviste o que aconteceu ao nosso mano?
Gosto da maneira como ele chama ao Crew «nosso mano». Ele deve saber do
que se passa entre nós e, em qualquer outra ocasião, isso seria embaraçoso. Mas
não agora.
Agora tudo o que eu quero é informação acerca do Crew. Onde está. Se está
bem. O que é que andava a fazer com a Natalie.
— Sei que ele foi apanhado com a Natalie ontem à noite — admito, dando
um passo para me aproximar, para falar com ele de forma mais privada. —
Onde é que ele está?
— Tem uma reunião com o Matthews — responde o Malcolm, referindo-se
ao diretor da escola. — Mesmo às oito horas. Ele queria que eu te dissesse.
— Oh. — A esperança cresce dentro de mim, mas eu recalco-a. Não posso
começar com grandes efabulações a partir disto. — Obrigada por me dizeres.
O Malcolm atira um olhar rápido na direção do Ezra, antes de me devolver a
sua atenção. Ele estende-me um papel amarelo dobrado, preso entre os seus
dedos.
— Este é o número dele. Não sei que caralho é que vocês andam a fazer se
não andam a trocar mensagens ou a falar no Snapchat como adolescentes
normais, mas em todo o caso ele queria que ficasses com o número dele.
— Obrigada. — Aperto o pedaço de papel na minha mão, as suas margens
mordem a minha palma. — Ele vai ficar bem?
— Não sei — diz o Ezra, o que lhe vale um olhar zangado do Malcolm pela
sua contribuição tão apaziguadora. — É possível que seja suspenso. O cabrão
merece.
— É um Lancaster — acrescenta o Malcolm, ignorando o Ezra. — Vai ficar
bem.
Vejo a hostilidade a encher o olhar do Ezra e recordo como ele estava sempre
no flirt com a Natalie. E como o flirt tinha sempre um lado quase desesperado,
e como ela o ignorava.
Como ela estava sempre a olhar para o Crew.
— Novamente, obrigada — digo ao Malcolm, porque sou educada ao ponto
de ser irritante e o impulso é mais forte do que eu. Ele acena. O Ezra escarnece.
Deixo-os onde estão e entro no edifício. Imediatamente, encosto-me contra a
parede, e abro o Post-it para estudar o número de telefone do Crew.
Além do número, ele escreveu outra coisa.
Manda-me mensagem quando conseguires, Birdy. Preciso de falar contigo.
O meu coração agita-se no meu peito. Pego no telemóvel, digito o número e
mando-lhe uma mensagem de imediato.
Eu: É a Wren. Responde-me quando puderes falar.
Fico à espera durante alguns minutos, encostada à parede, a ver toda a gente
passar por mim a caminho das suas aulas. Estão todos a falar entre si, a
sussurrar e a bisbilhotar. A rir-se e a divertir-se com a queda da Natalie e do
Crew.
Deixa-me triste. Pior, deixa-me zangada, porque eles não sabem o que
realmente aconteceu. Estão todos a assumir que o Crew e a Natalie estiveram
juntos ontem à noite, e eu sei que não é esse o caso.
Ele não me ia deixar ao dormitório só para depois se encontrar com a Natalie,
pois não?
Não. Nem pensar.
Não depois de tudo o que partilhámos.
Entro na sala de aula de Inglês num transe, com a cabeça curvada, sem prestar
atenção ao que está a acontecer. Deixo-me cair na minha cadeira, odiando o
facto de a cadeira atrás de mim estar vazia, o facto de o Crew estar
desaparecido, e o meu olhar prende-se no do Figueroa. Ele já me está a
observar, e apercebo-me, ao olhar pela sala novamente, de que a Maggie não
está aqui.
Sem pensar, levanto-me e aproximo-me da sua secretária, reparando no
sorriso agradável na sua cara, na maneira como os olhos se acendem com
interesse quando aterram em mim.
Queria ter a coragem para lhe dar uma chapada e para o expor pelo seu mau
comportamento. Ele está a ficar descuidado.
— Wren. Em que é que te posso ajudar hoje? — O tom dele é ligeiro, como
se não tivesse nenhuma preocupação neste mundo.
Eu estive com a Maggie nem há uma hora. Com uma Maggie transtornada,
grávida com o bebé dele, que deixou o meu quarto para ir falar com ele, e aqui
está ele sentado, nem um bocadinho traumatizado, enquanto ela nem aqui
está.
O que aconteceu quando eles falaram? Ele mandou-a dar uma volta?
— Onde está a Maggie? — pergunto-lhe com uma voz insípida. Não
amigável. Completamente o meu oposto.
Ele franze o sobrolho, sentido a minha hostilidade.
— Eu não sei. Ela ainda não apareceu para a aula. A campainha ainda não
deu o toque…
E nisto a campainha começa a tocar, silenciando a nossa conversa.
— Ela ainda tem mais três minutos — diz ele, assim que a campainha para de
tocar. — Ela deve estar quase a aparecer.
— Mas eu sei que ela veio direta do dormitório para aqui, para falar consigo
— digo, a querer que ele entenda que eu sei tudo.
Qualquer coisa se agita na sua expressão, mas ele elimina-a. Como uma tela
em branco.
— Não, não veio.
— Ela disse-me que vinha.
— Não temos nada para discutir.
— Ela estava nervosa porque não se encontrou com ela ontem à noite.
Agora a irritação está a arder em força nos seus olhos escuros.
— Tu não sabes do que falas.
— Sei. Era suposto ter-se encontrado com ela ontem à noite, e cancelou. Ela
queria falar consigo por causa do b…
— Chega. Cala-te. — A voz dele é feroz, e os olhos estão quase pretos. —
Não te metas, Wren.
Fico a olhar para ele, atordoada por ele me falar tão bruscamente.
— Onde é que ela está?
— Eu não sei.
Ele está a mentir.
— Ela foi-se embora? Devo ir à procura dela? Certificar-me de que está bem?
— Ela vai ficar bem — riposta ele com brusquidão. — Vai sentar-te.
É como se já não quisesse saber. Deixei todas as delicadezas de lado, tal como
ele. Eu preciso que ele saiba que eu sei… tudo.
— Vai pagar pelo que lhe fez — declaro, a minha voz equilibrada. As minhas
emoções estão completamente sob controlo. — Tem de fazer o mais correto e
tomar conta dela.
Ele não diz uma única palavra, mas fecha a sua mão direita num punho,
batendo-a levemente no tampo da secretária.
— Ela só tem dezassete anos e está perdidamente apaixonada por si —
continuo a dizer, olhando de relance por cima do ombro para ver se alguém
nos está a observar. Ninguém nos está a prestar atenção. Toda a gente está
habituada a ver raparigas a falar com o Fig durante as aulas. — Eu não sei
porquê, tendo em conta a reputação que tem. Faz isto todos os anos.
— Como se tu soubesses o que estava a acontecer até aquele paspalho do teu
namorado te ter dito — rosna o Fig, basicamente admitindo aquilo de que o
acusei. Caiu a máscara do professor de Inglês amigável e fixe. Agora não passa
de um homem patético e zangado. Ele baixa o tom de voz, mas não tenho a
certeza de que ainda queira saber se alguém o ouve ou não. — E onde é que
anda o Crew? Ah, pois é, foi apanhado numa escapadela ontem à noite com a
Natalie Hartford. Provavelmente, vão ser os dois suspensos.
As palavras dele são como uma facada no coração. Ele disse-as só para me
perturbar, e funcionou.
Viro-lhe as costas e volto para a minha secretária. Sento-me no meu lugar, a
olhar para a porta, a desejar que a Maggie se materialize ali.
A desejar que o Crew também apareça.
Mas nenhum deles aparece.
TRINTA
CREW
É uma agonia ter o Crew tão perto e, no entanto, ser incapaz de falar com ele.
Tenho tantas perguntas para lhe fazer, e têm todas que ver com a noite de
ontem e o que aconteceu entre ele e a Natalie.
Quero acreditar que foi só uma coincidência, que, de alguma forma, eles
cruzaram caminhos, mas a dúvida persiste como de costume. Há apenas umas
semanas ele odiava-me. Antagonizava-me sempre que podia. Quem garante
que isto não passa de um truque do Crew? Uma forma de se aproximar de
mim só para me transformar no alvo de chacota da escola toda?
O meu estômago revira-se com esse pensamento. Céus, acho que vou
vomitar.
Ele dá-me um toque no ombro, e eu viro-me, o meu olhar encontra o dele, e
ele deve conseguir ler a preocupação na minha cara, apesar de a escolher
ignorar. A sua expressão está assustadoramente séria.
— Emprestas-me um pedaço de papel?
— Claro — replico, franzindo o sobrolho.
— Esqueci-me da mochila no quarto — explica. — Nem trouxe o meu livro.
— Queres que te empreste o meu exemplar? — ofereço, desejando dar uma
chapada a mim mesma. Tenho de deixar de ser tão simpática com ele. Ele pode
não o merecer.
— Iá. Por favor.
— Wren. Crew.
O Figueroa ostenta uma expressão austera. Hoje está a ser ainda mais severo,
apesar de ter a certeza de que isso está relacionado comigo e com a maneira
como acabei de o confrontar. Enviei uma mensagem rápida à Maggie há
pouco, a perguntar onde é que ela estava, e ela ainda não me respondeu.
Estou preocupada.
— Esqueci-me das minhas coisas. Ela está-me a ajudar — diz o Crew ao Fig.
Passo ao Crew algumas folhas, um lápis e o meu exemplar do livro O Grande
Gatsby, e os dedos dele tocam nos meus durante a troca, o que me faz
estremecer.
— Obrigado — murmura.
— Não tens de quê. — Volto-me a virar para a frente e inspiro fundo,
sentindo-me parva. Eu lembro-me de tudo o que aconteceu entre nós ontem à
noite. De cada coisa, e não me quero arrepender disso.
Mas algo me diz que é uma possibilidade. Que talvez as coisas não sejam o
que aparentam ser entre nós. E se ele me tem estado a usar durante todo este
tempo? Se as coisas que o Crew disse ou fez nestas últimas semanas realmente
não significaram nada para ele…
Vou morrer de humilhação. Nunca mais o vou querer ver.
Ele fica em silêncio durante o resto da aula, que são apenas cerca de quinze
minutos uma vez que ele chegou tão tarde. Quando a campainha toca, ele
levanta-se com um salto, deixando cair o livro em cima da minha secretária,
com um pedaço de papel dobrado dentro dele cujas margens estão à espreita.
Olho para ele com uma interrogação nos olhos.
— Vem ter comigo à hora de almoço lá atrás, no sítio onde me apanhaste e
aos rapazes. Sabes o sítio? — Ele levanta as sobrancelhas.
Eu aceno lentamente.
— Está bem.
Ele dá um toque leve no livro com o lápis que lhe dei.
— Lê o que aí tens.
Aceno de novo. Presumo que se esteja a referir ao bilhete.
O olhar dele fecha-se sobre a minha boca, e ele murmura:
— Adeus, Birdy.
Ele desaparece num piscar de olhos, e eu começo a reunir as minhas coisas,
empurrando tudo para dentro da minha mochila. Estou prestes a sair da sala
quando o Fig se pronuncia.
— Tu sabes que o devias evitar. Ele vai-te partir o coração.
Mando-lhe um olhar.
— Isso é um aviso?
— Só quero que te protejas, Wren. E aquele rapaz definitivamente não te vai
proteger. Já está a brincar com os teus sentimentos e com os da Natalie.
Odeio que ele a tenha mencionado. Ele está a acreditar nos rumores, tal como
todos os outros.
— É isso que queres? — pergunta, ao ver que não respondo. — Partilhá-lo
com outra pessoa?
As suas palavras e o facto de achar que eu quero a sua opinião acerca da
minha vida pessoal é qualquer coisa de enfurecedor. Este homem está
constantemente a ultrapassar os limites como se tivesse o direito de o fazer.
— Sabe o que é que devia fazer? — Levanto-me e meto a mochila ao ombro.
O Fig franze o sobrolho.
— O quê?
— Meter-se na porra da sua vida.
Saio dali com um movimento veloz, antes que ele possa dizer mais alguma
coisa, e uma sensação de choque viaja por mim, por causa da maneira como
acabei de mandar um professor passear. Como o insultei. Eu nunca faço isso.
Eu nunca digo palavras más. Passo um bocado de tempo com o Crew e
começo a mudar. A ficar mais forte. A encontrar a minha voz.
Acho que gosto.
Vou a correr para a minha segunda aula e chego à cadeira em tempo recorde.
As minhas mãos tremem enquanto tiro o livro de capa mole da minha mochila
e o abro, encontrando o bilhete dobrado lá dentro. Com dedos trémulos, abro-
o, e o meu olhar começa a tentar decifrar a escrita arrojada e desorganizada do
Crew.
NÃO DEIXES ninguém ler isto. Ontem à noite, depois de teres ido para dentro,
vi o Figueroa a deixar a Natalie no parque de estacionamento. Confrontei-a
acerca disso, e ela ficou chateada. Tentou atacar-me. Foi isso que aconteceu
quando fomos apanhados. Não estávamos a curtir. Ela anda metida com o Fig.
Não acredites nos rumores. Eu conto-te o resto ao almoço. Por favor, acredita em
mim.
P.S. — Não consigo parar de pensar em ti e naquele Blow Pop.
Um pequeno sorriso surge-me nos lábios, e volto a meter o bilhete entre as
páginas do livro O Grande Gatsby, depois, guardo-o na mochila.
Eu acredito nele. Tenho de acreditar nele. É impossível ele ter feito tudo
aquilo que fez comigo e, logo a seguir, ter-se envolvido com a Natalie. Eu
simplesmente — nem consigo compreender tal coisa.
É como se o meu cérebro não me deixasse.
Passo o resto da manhã como se me movesse pelas brumas. Sempre à procura
da Maggie — ela ainda não respondeu à mensagem — ou a tentar ignorar os
rumores acerca do Crew e da Natalie. Estão descontrolados.
Ninguém consegue falar de outra coisa.
Quando, finalmente, chega a hora de almoço, estou um caco por dentro, mas
estou a tentar manter a calma. Ainda não encontrei a Maggie. É suposto
encontrar-me com o Crew e tenho medo de ouvir o que ele tem para dizer,
mas nem pensar que vou faltar a esse encontro.
Eu tenho de o ver. Preciso de reafirmação.
Enquanto estou a sair da minha quinta aula, avisto a Natalie no corredor, e os
nossos olhares cruzam-se por um brevíssimo momento. O dela é conhecedor. E
tem aquele sorriso diabólico estampado na cara, como se tivesse noção de que
deixou o meu mundo de pantanas e não há maneira de o repor ao que era.
E ela não quer mesmo saber.
Eu sou a primeira a desviar o olhar. Odeio ter cedido, mas não quero
confrontá-la no corredor, onde todos nos podem ver. Isso só vai piorar a
situação.
Bolas, não gosto mesmo nada dela.
Vou até ao exterior e aperto o meu sobretudo contra mim, olhando por cima
do ombro para me certificar de que ninguém está a prestar atenção para onde
vou. Está tão frio que praticamente toda a gente está no refeitório, onde eu
também queria estar.
Ou talvez não.
Sinceramente, queria poder fugir deste sítio e nunca olhar para trás.
Preferencialmente, com o Crew ao meu lado.
Caminho até à parte de trás do edifício onde encontrei o Crew e os seus
amigos a usarem drogas, e parece que esse momento aconteceu há tanto tempo.
Aconteceu tanta coisa num curto espaço de tempo, é assustador.
Paro quando vejo o Crew, de costas para mim e com a cara virada para o céu.
Ele vira-se, como se conseguisse sentir que estou atrás dele, e, como se não
tivesse qualquer controlo, vou a correr até ele. Os braços dele abrem-se para me
apanhar quando praticamente me atiro a ele. Ele segura-me contra ele, a boca
na minha testa, e o seu corpo duro e quente a aquecer o frio que não fui capaz
de expulsar desde que acordei de manhã com a Maggie a bater-me à porta.
— Birdy, estás a tremer — murmura ele contra a minha têmpora, antes de a
beijar.
Derreto-me contra ele, fechando os olhos e saboreando o quão apertado é o
seu abraço.
— Está tudo uma tremenda confusão.
— Eu sei. Mas temos opções. — Desliza o dedo para baixo do meu queixo,
levantando-me a cara. — Podemos ignorar e esperar que outro escândalo
substitua este ou…
Carrego o sobrolho, odiando essa opção.
— Ou quê?
Um suspiro deixa-o.
— Ou eu exponho o Figueroa publicamente e digo a toda a gente que ele
esteve com a Natalie ontem à noite.
Ah, pois é. Ainda não falámos sobre isso.
— Viste-o mesmo com a Natalie ontem à noite?
— Depois de teres entrado, vi um carro a estacionar no parque de
estacionamento. Escondi-me atrás de um arbusto quando me apercebi de que o
carro era do Figueroa e fiquei à espera para ver quem ia sair de lá. Pensei que
seria a Maggie.
— Era suposto ele ter-se encontrado com ela ontem à noite — sussurro. —
Ele mandou-lhe uma mensagem, disse que tinha surgido uma coisa. Ela disse-
me isso hoje de manhã.
— Iá, porque ele estava com a Natalie. — A expressão do Crew é trovejante.
— Eu disse ao Matthews o que vi. Ele vai ter de o reportar às autoridades. Ela é
menor de idade.
— Isto vai destruir a Maggie. Ela está apaixonada por ele. — Não lhe digo
nada sobre ela estar grávida.
— Eventualmente, ela vai perceber que foi a coisa acertada a fazer. Ele é um
tarado. Anda a brincar com duas raparigas este semestre e tem andado a fazer
isto há anos. — O seu semblante fica carregado. — E ia tentar meter-se
contigo a seguir. Eu sei que ia.
Um arrepio passa por mim ao ouvir isto. Será que teria caído na lengalenga
dele? Antes de o Crew ter aparecido e ter dado um abanão ao meu mundo,
talvez tivesse caído. Não sei. Nunca saberemos.
— Agora, ele provavelmente odeia-me. Eu disse-lhe para se meter na vida
dele no fim da aula, depois de te teres ido embora.
As sobrancelhas do Crew disparam para cima.
— Fizeste isso?
Aceno. Sinto-me mal pelo que lhe disse, apesar de ele o merecer. Não
menciono que ele me estava a avisar em relação ao Crew.
— E eu nunca respondo a um professor.
Ele sorri.
— O meu passarinho está a ganhar asas.
— Para.
Reviro os olhos.
— É verdade. — Lentamente, ele percorre o meu cabelo com os dedos. —
Odeio os rumores que andam por aí. A Natalie não os está a parar. Ela disse ao
Matthews que nós nos encontrámos ontem à noite antes de sermos apanhados.
O meu estômago contrai-se.
— A sério?
Ele acena.
— Ela não quer que o Figueroa seja apanhado. Eu sei que é isso. Por que raios
é que elas o protegem tanto? Ele não o merece.
Agarro a frente do seu sobretudo, apertando a lã pesada.
— Sê honesto comigo, Crew.
A expressão dele escurece.
— Acerca de quê? Eu contei-te a verdade.
— Então, tu não… não te envolveste com a Natalie ontem à noite? — A
minha voz é um sussurro, mal se ouve. Levada pelo vento.
— Não — diz ele, com veemência. — Eu estava contigo. Só conseguia pensar
em ti. No quão bem sabias.
Apesar do ar frio, sinto o rosto a arder.
— Crew.
— Estou a falar a sério. — Ele baixa a cabeça e afaga a minha cara com a
dele, a sua respiração quente contra a minha orelha. — Não consigo parar de
pensar em ti.
— Eu também não consigo parar de pensar em ti — sussurro.
— A Natalie está a dar cabo de tudo. Devia ter ficado na minha e continuado
a andar quando vi as luzes do carro a chegar ao parque, mas eu tinha de saber.
— Ele pressiona a sua boca contra a minha face, parece estar a respirar-me.
Fecho os olhos, pressionando a minha testa contra o seu peito.
— Eu não gosto dela. Mas estás a fazer o correto, Crew.
— Achas mesmo?
Aceno e, depois, olho para ele.
— Sim.
Ele beija-me com tanta gentileza que quase quero chorar. Quem diria que
este rapaz podia ser tão doce?
— Vens ter comigo mais logo à noite para acabarmos o filme?
Tenho a certeza de que isso é código para curtir e fazer disparates.
— Não devia — respondo. — O mais provável é estarem todos de olho em
ti.
Consigo sentir a desilusão a radiar dele, mas não podemos arriscar um
encontro — e ele sabe-o.
— Talvez amanhã? É uma sexta-feira. A hora de recolher não é tão severa. Ou
vais para casa?
— Só vou para casa quando começarem as férias.
Ele endurece, apertando-me com mais força.
— Onde é que vais passar as férias?
— Em lado nenhum. Vamos passá-las em casa. — Hesito, na dúvida se devia
perguntar, mas depois faço a questão. — Tu vais a casa?
Ele acena.
— Vou estar no apartamento dos meus pais no Upper East Side.
— Oh. — Os nossos pais são praticamente vizinhos. — Talvez nos possamos
ver.
Um sorriso lento espalha-se pela sua cara linda.
— Queres ver-me, Birdy? — Ele parece surpreendido.
— Não sei. — Encolho um ombro, e ele agarra-me a cintura, por baixo do
sobretudo, e tenta fazer-me cócegas. — Para! Isso faz cócegas!
— Deixa de fazer de conta de que não queres saber, quando eu sei que queres.
— Ele puxa-me para tão perto que estou completamente pressionada contra
ele, as partes inferiores dos nossos corpos estão juntas como cola. — Não faz
mal admitires que gostas de mim.
— Eu não devia — digo-lhe com sinceridade. — Depois de tudo por que me
fizeste passar ultimamente. Na verdade, durante os últimos três anos.
A expressão dele fica sombria.
— Sou um anormal.
— Sim, és — concordo.
— Birdy. — Ele parece chocado.
— Eu não disse nada. Só concordei com o que disseste. — Sorrio.
Ele também sorri.
— Vai correr tudo bem — afirma, a sua boca a pairar sobre a minha. —
Prometo.
Ele beija-me, e eu não consigo evitá-lo.
Acredito nele.
TRINTA E DOIS
WREN
Eu nunca menti aos meus pais, pelo menos até ter conhecido o Crew. Agora
ando-me a esgueirar para sítios e a esconder o que estou a fazer da minha mãe e
do meu pai, especificamente do meu pai, porque sei que ele ficaria
incrivelmente desiludido comigo.
Pior, ele ia recusar logo esta viagem. Passar o fim de semana fora com um
rapaz, sozinha?
Procuro o número dele, depois, carrego no ícone para ligar e fico à espera,
segurando o telefone contra o ouvido enquanto vou até ao meu armário e tiro a
mala que uso quando viajo.
— Amora, como estás? — A voz dele é calorosa e demarcada com um leve
tom de preocupação, o que me faz sentir culpada.
— Olá, pai.
— Como foi o teu dia? Como é que anda a escola? Estás feliz por o semestre
estar quase a acabar?
— Sem dúvida. — Preciso de despachar esta parte. — Hum, eu queria-te
fazer uma pergunta.
— O que é? Está tudo bem?
— Está tudo ótimo — tranquilizo-o. Ele tem estado preocupado comigo
desde que eles anunciaram — e voltaram atrás com — o divórcio. — Uma
amiga minha convidou-me para ir com ela fazer viagem este fim de semana.
— Uma viagem? No fim de semana antes dos exames finais? Tens a certeza de
que isso é uma boa ideia?
Não, é uma péssima ideia. E também é maravilhosa.
— Eu estou pronta para os exames. Já fiz um hoje — digo-lhe. — Tive nota
máxima em Psicologia.
— Claro que tiveste. — Ele diz isso como se nunca tivesse tido quaisquer
dúvidas acerca das minhas capacidades. — Onde vais? Algures por perto?
— Vermont.
— Vão conduzir? Está a chegar outra tempestade, sabes. As estradas vão ser
perigosas. E com quem é que vais?
— Com a Maggie. — Fecho os olhos, rezando para que ele acredite em mim.
— E vamos de avião. A família dela tem um avião.
Não faço ideia se isso é mesmo verdade. A família da Maggie é endinheirada,
mas pode não ser endinheirada do tipo temos-um-avião-privado.
— Ah. Bem, isso deve ser mais seguro se voarem hoje à noite. A tempestade
só chega amanhã.
— Nós vamos ter cuidado, pai. Só nos queremos distanciar um pouco.
Relaxar antes da semana de exames finais intensa.
— Estás pronta? Precisas de estudar?
— Vai correr tudo bem — asseguro. — A sério. Posso ir?
Ele fica em silêncio por um momento, o que me deixa nervosa. Começo a
andar às voltas no quarto, com medo da sua resposta.
— Normalmente, nunca permitiria uma coisa destas — começa ele a dizer,
dando-me esperança —, mas tens quase dezoito anos. Estás quase a acabar o
secundário. Mereces uma pausa. Especialmente tendo em conta que a Veronica
não conseguiu encontrar alojamento adequado para a tua viagem de
aniversário.
Ah. A Veronica. A sua assistente. A viagem que era suposto ela estar a planear
para mim, embora eu quisesse tratar disso.
— Como assim, ela não conseguiu encontrar alojamento adequado?
— O que eu queria para ti ou estava esgotado ou era demasiado caro.
Desde quando é que o meu pai quer saber de despesas? Eu sei que pareço
uma fedelha mimada, mas, geralmente, ele consegue-me qualquer coisa que eu
queira, independentemente do custo — exceto aquela peça de arte que eu
tanto queria o ano passado.
— Não faz mal. Esta viagem é para o meu aniversário — digo.
— Então aproveita, Amora. Mal podemos esperar por te ver no próximo fim
de semana. A tua mãe ainda nem decorou a casa. Ela quer esperar que venhas
para casa.
Franzo o sobrolho. Isso também não parece normal. A mãe tipicamente
começa a decorar logo depois do Dia de Ação de Graças. Ela contrata um
profissional para vir a casa decorar com um tema em mente. Parece uma coisa
que se vê numa revista. Quase demasiado belo para tocar.
Eu sempre meio que odiei.
— Eu adorava ajudá-la — digo, e é verdade. Não me lembro da última vez
que decorámos a casa para o Natal sozinhas. Ainda temos decorações de Natal?
Normalmente, a mãe paga pelo serviço de decoração, faz com que a casa
apareça em alguma publicação online pela publicidade e depois devolve as
decorações quando a quadra acaba.
— Boa. Vou-lhe dizer. Também lhe vou contar da tua viagem — declara. —
Diverte-te, Amora. Porta-te bem.
A culpa é real.
— Sim. Obrigada.
— Adoro-te.
— Eu também.
Ele termina a chamada e mando imediatamente uma mensagem ao Crew.
Eu: Posso ir.
O meu telefone começa a tocar, e atendo de imediato.
— Faz as malas depressa, Birdy. Temos de estar no aeroporto até às cinco e
quinze — explica o Crew.
Pânico inunda as minhas veias. Isso significa que não tenho muito tempo.
— Eu consigo estar pronta a essa hora, mas preciso de terminar a chamada
para fazer as malas.
— Eu vou-te buscar ao teu dormitório daqui a meia hora, está bem?
— Está bem. Parece-me bem.
Abraço-a e deixo a Wren começar por controlar o beijo, pois sinto que ela
precisa disso. Dessa aparência de controlo, de estar no comando da sua vida,
penso que é algo que ela não experiencia muito. A tristeza dela é óbvia,
palpável. E estava prestes a roubar todo o oxigénio da porra do quarto até eu a
ter distraído.
Ela precisava disso. Precisa disto. De mim. A minha mão desliza para cima e
para baixo, ao longo da curva perfeita que é o rabo dela, enquanto a sua língua
surge para lamber a minha. Eu murmuro a minha aprovação quando ela chupa
a minha língua, e, depois, já não me consigo conter mais.
Assumo o controlo, a minha mão vai para o lado da cara dela, deixando-a
num ângulo inclinado para aprofundar o beijo. As nossas línguas dançam, as
respirações aceleram, e ela desliza as mãos pelo meu peito acima, curvando-as
em torno dos meus ombros, para se conseguir agarrar a mim.
Este dia inteiro tem sido um jogo de preliminares ao estilo Wren. Ir às
compras, comer. Muito comer, o que me deixa louco. Ver a cara dela iluminar-
se quando soltava ooohs e ahhs por causa das decorações de Natal que estavam
por todo o lado. O ar determinado que tomou conta da sua cara ao avistar
aquela pequena loja de lingerie, de onde saiu nem quinze minutos depois,
agarrada a um pequeno saco vermelho.
Mal posso esperar para ver o que ela tem ali.
Esta rapariga é muito mais do que aquilo que aparenta, e gosto que ela se
sinta à vontade para me revelar essas coisas. Eu também estou a tentar ser mais
aberto com ela, e interrogo-me se ela se apercebe disso.
Se ela sabe o quanto me afeta.
A Wren é diferente de qualquer rapariga que já conheci, e quero conhecê-la
ainda melhor. Sinto que ainda mal raspei a superfície, e a minitirada de hoje foi
reveladora.
Se bem que não lhe devia chamar uma «tirada». Ela estava a ser honesta e
crua e vulnerável. Algo que tem feito com frequência comigo, o que me agrada.
Raios parta, gosto de tudo nesta rapariga, e isso é assustador.
Eu não deixo pessoas entrar na minha vida, especialmente uma rapariga.
Tenho amigos, mas mantenho a maioria a uma distância de segurança, pois
preocupa-me deixá-los aproximarem-se. Não confio em pessoas, até em gajos
que são quase tão ricos quanto eu.
Mas ninguém que conheço é tão abastado como a minha família, e é difícil
deixá-los entrar no meu círculo interior. Sempre achei que todas as raparigas
que alguma vez mostraram interesse em mim estavam, na verdade, interessadas
no meu dinheiro.
É merdoso, mas é verdade.
Mas com a Wren, não. Ela não queria ter nada a ver comigo no início, mas
suponho que a venci pelo cansaço. É como se não nos conseguíssemos
controlar quando estamos perto um do outro.
E agora que já chegámos a este ponto, não a vou deixar ir sem dar luta.
Ela interrompe o beijo primeiro, o peito roça o meu com cada respiração.
— Tenho uma surpresa para ti.
Arqueio as sobrancelhas.
— Tem alguma coisa a ver com aquele saco? — Inclino a cabeça para o
monte de sacos que ela deixou em cima da mesa de centro.
Ela acena e morde o lábio inferior.
— Espero que não aches parvo.
— Qualquer coisa que te envolva a ti e ao que encontraste naquela loja, eu sei
que não vai ser parvo.
O seu sorriso é pequeno, e o olhar fecha-se no meu.
— Diverti-me tanto contigo hoje.
Acho que nunca ninguém descreveu passar tempo comigo como «divertido».
— E estou tão contente por me teres convencido a vir contigo, apesar de ter
medo. — As mãos dela apertam-me os ombros. — Gosto como me desafias.
Eu passo a mão pelo seu cabelo e ponho-a em concha do lado da sua cabeça.
— Eu acho que tu não sabes do que és capaz.
— Estou a começar a aperceber-me, graças a ti. — O sorriso dela cresce, ela
esquiva-se dos meus braços e vai praticamente a correr para os sacos, tirando o
da loja de lingerie do montinho, antes de começar a subir as escadas. — Vou
tomar um duche rápido. Vais lá acima ter comigo daqui a trinta minutos?
— Claro — digo-lhe, a sorrir, antes de ela correr pelas escadas acima.
Acomodo-me no sofá com outra fatia de piza e vou vendo o telemóvel
enquanto espero. Tenho mensagens que ando a evitar. Umas do Malcolm e do
Ezra a perguntarem-me onde estou. Uma da minha irmã a perguntar se vou
estar em casa na véspera de Natal.
Mando-lhe uma mensagem rápida, porque nunca ignoro a Charlotte. Ela é a
irmã de quem me sinto mais próximo, e tenho estado preocupado com ela
desde que casou com aquele tipo, o Perry.
Também tenho uma mensagem sinistra do meu pai, uma que me deixa cheio
de pavor.
Precisamos de falar. Liga-me quando puderes.
Considero ignorar a mensagem, mas rapidamente me apercebo de que
ignorar os meus problemas não é a resposta.
Procuro o número dele e ligo-lhe, na esperança de que não atenda, mas,
como estou com sorte, ele atende logo ao segundo toque.
— Porque é que não me disseste que ontem foste entrevistado pela polícia?
— grita-me a questão.
Raios, provavelmente vou precisar de álcool depois desta conversa.
— Tu já sabias da situação, e não achei que precisasse de te ligar. Além disso,
eu tenho dezoito anos. Sou um adulto — lembro-o.
— Eu mereço uma chamada. Assim, fui apanhado desprevenido por um
jornalista idiota que me contactou à procura de uma reação.
Merda. Não estava à espera disso.
— Porque é que querem saber? Nós não estamos mesmo envolvidos nisto.
— Porque somos Lancasters, filho. As pessoas prestam atenção ao que
fazemos, mesmo quando só estamos tangencialmente envolvidos — explica o
pai, num tom áspero.
Percebo que ele está a perder a paciência comigo.
— Bem, não foi nada de especial. Fui entrevistado, contei o meu lado da
história e o que vi, e foi só isso. — Olho para cima, na direção do quarto, oiço
o barulho do chuveiro e imagino a Wren debaixo do jato de água quente, o seu
corpo nu e molhado rodeado por vapor.
Meto a mão entre as pernas e reajusto-me.
— O jornalista foi suficientemente simpático para me informar que a história
vai sair nos jornais na segunda de manhã. Vais ser nomeado enquanto
testemunha. Muito provavelmente vais ter de testemunhar em tribunal quando
isto for a julgamento. Espero que estejas preparado para comparecer — declara
ele.
— Estou ansioso por o fazer. Faço qualquer coisa para prender aquele verme
de vez. — Regozijo-me com a ideia do Figueroa na choldra. É o que anormal
merece.
— E onde é que tu andas mesmo? Vi que usaste o jato privado.
Raios. Apanhado.
— Vermont.
— Com quem?
— Com uma amiga.
— Não tens exames para a semana?
— Iá, e daí? — Pareço o raio de um puto, mas é isto que acontece quando o
meu pai me faz este tipo de cena.
Retrocedo.
— Não acho sensato andares a divertires-te no fim de semana antes dos teus
exames — diz ele, com raiva a enlaçar-se no tom de voz. — Não podes fazer
cagada dos momentos importantes da tua vida, Crew. Algum dia vais ter de te
endireitar.
Pressiono os lábios numa linha para me impedir de dizer algo de que me vá
arrepender.
— Devias voltar para o campus — continua ele. — Estuda para os teus
exames e certifica-te de que as tuas notas estão em condições. Já te candidataste
a universidades e de certeza que elas andam de olho em ti.
Duvido. Qualquer uma delas me deixa entrar se a minha família doar um
edifício em nosso nome ou uma merda do género.
— Certo — replico, só para o calar. — Está bem.
— Vai para casa — afirma. — Amanhã.
— Assim farei. — Sempre foi esse o plano.
— E não te metas em sarilhos.
— Nunca.
Ele fica em silêncio durante um bocado. Tenho a certeza de que o chateei.
— Estás a ser engraçadinho comigo? Já devias saber que isso não é boa ideia,
filho. Não gosto que me desrespeites.
— Eu estou a concordar contigo. É só isso — declaro, a minha voz oca. Um
bocado como o meu coração.
— Desde que estejamos entendidos. Boa noite.
— Boa noite — digo, para ninguém, ele já desligou a chamada.
Enquanto guardo o telemóvel no bolso, vou até à kitchenette e tiro uma
garrafa de vodca do frigorífico, depois, vou buscar um copo ao armário. Verto
uma quantidade considerável no copo e bebo um gole igualmente notável,
engolindo com força antes de passar as costas da mão pela boca.
Porra, preciso de mais.
Falar com o meu pai deixa-me sempre cheio de dúvidas, e eu odeio isso. Ele
passa de me ignorar por completo a estar constantemente a questionar todas as
minhas decisões, e acabo sempre a sentir-me como um autêntico fracasso.
Eu não sou um fracasso. Tenho a cabeça no sítio e, pela primeira vez na
minha vida, sei o que quero.
A Wren.
Estou a apaixonar-me por ela. Faria qualquer coisa por ela. Será que sabe isso?
Será que se apercebe do quão importante é para mim? Eu devia dizer-lhe.
Devia. Hoje.
Já bebi uns quantos copos quando oiço a voz doce da Wren a chamar-me do
quarto.
— Crew? Onde estás?
Dou um último gole diretamente da garrafa, deixo-a na bancada e subo as
escadas, empurrando o meu pai para fora dos meus pensamentos. A minha
família. Tudo.
Quero concentrar-me na Wren. Mais ninguém importa.
Quando chego ao cimo das escadas, paro, observo a Wren de pé, junto à
cama, embrulhada num dos robes do hotel. O cabelo está solto, cai além dos
seus ombros, e a cara está limpa e despida, salvo um gloss vermelho brilhante
que meteu nos lábios.
A minha piça está em sentido.
— Foi isso que compraste na loja? — digo, a meter-me com ela.
Ela olha para a sua figura, a sua boca curvada num sorriso.
— Não exatamente.
— Então mostra-me o que compraste.
A Wren devolve o seu olhar ao meu.
— Queres mesmo ver?
Aceno. As mãos dela movem-se para a frente do robe, brincam com o cinto
de tecido.
— Pode-te surpreender.
— Eu adoro uma boa surpresa.
O riso dela é suave. Sexy pra porra.
— Espero que gostes.
— Despe o robe e deixa-me ver, Birdy.
Com dedos trémulos, ela abre o cinto, e o tecido branco e felpudo abre-se um
pouco, oferecendo uma visão de pernas sensuais, um estômago liso e mamas
arrebitadas. Ela encolhe os ombros e deixa o robe cair completamente, ficando
num monte aos seus pés, e eu observo-a, com todo o ar que tenho nos pulmões
a colar-se à minha garganta.
O sutiã que está a usar é feito do cor-de-rosa mais pálido e translúcido,
rodeado por renda vermelha. Consigo ver-lhe os mamilos. As cuecas
combinam, e também consigo ver os pelos púbicos dela. É como se estivesse
nua, mas, porra, não está.
Ela é a coisa mais atraente que já vi.
— Gostas? — pergunta a Wren, timidamente.
Acenando, começo a aproximar-me, mas paro a umas largas passadas dela. É
agora ou nunca. Eu quero atacar e presumo que ela queira que o faça, tendo
em conta o que está a usar, mas fogo.
Preciso de me certificar.
— Adoro. — A curva suave do seu estômago, aquela pequena cova do seu
umbigo… quero afagá-la ali. Com a minha língua. — Tenho medo de não me
conseguir controlar depois de te pôr as mãos em cima.
Algo desconhecido brilha no seu olhar, e ela lambe os lábios.
— Era essa a reação que eu queria obter.
Com a sua permissão dada, vou até ela, pousando as mãos nas suas ancas, e
brinco com a cinta rendada das cuecas dela.
— Fazes-me sentir absolutamente fora de mim, Birdy.
Ela inclina a cabeça para trás, sorri-me, apesar de os seus olhos estarem bem
abertos. Vejo medo neles e quero banir essa emoção. Banir tudo o que a
assusta, para que se sinta segura comigo.
— Eu gosto que me faças sentir confiante.
Puxo-a para mim, o corpo colide com o meu.
— Tu és a mulher mais sexy que alguma vez vi.
Os olhos dela chamejam com desejo.
— Consigo ver-te. — Agarro-lhe na mama esquerda e aperto-a levemente, o
que faz as pálpebras dela tremer. — Os teus mamilos. — Coloco a mão por
cima da cona dela, o calor radia do seu corpo, reveste a minha palma. — A tua
cona. Querias que eu te visse.
Ela acena, os lábios entreabertos.
— E a tua boca. — Toco-lhe no canto dos lábios e, quando afasto os dedos,
vejo o traço ténue de gloss vermelho que reveste as pontas dos meus dedos. —
Tu lembraste-te do que eu disse.
— Eu quero fazer uma coisa — sussurra ela. — Deixas-me?
— Sim.
Nem hesito. O que ela quiser, eu dou-lhe.
A Wren afasta-se de mim para ir buscar o seu telemóvel, que está na mesinha
de cabeceira, as nádegas a abanar enquanto anda. A minha piça cresce contra as
minhas calças de ganga, e tenho de meter as mãos entre as pernas para me
agarrar. Para me tentar meter mais confortável.
— Quero tirar uma fotografia — começa ela a dizer, e eu arqueio a
sobrancelha.
— Estás a gozar comigo?
Ela parece ligeiramente irritada.
— Deixa-me acabar. Eu quero tirar uma fotografia de ti. E depois de mim.
De nós. Juntos.
— A isso chamamos provas fotográficas, querida.
Ela esboça um sorriso impertinente enquanto se aproxima de mim.
— Eu não tenho medo. Então, tira a camisola.
Faço como ela pede, tiro a camisola pela cabeça e deixo-a cair aos meus pés.
O seu olhar apreciativo passa pelos meus ombros. Pelos meus peitorais.
Mergulha até ao meu estômago. Todo aquele maravilhamento de olhos
arregalados à medida que me contempla dá-me vontade de arrancar as calças de
ganga e de lhe mostrar o que realmente quer ver.
— Pronto, fica quieto. — Ela dá uns passos na minha direção, a sua boca
próxima do meu peitoral esquerdo. Ela faz um biquinho com os lábios, inclina-
se e pressiona um beijo longo e pegajoso na minha pele antes de se afastar.
Depois, fotografa a marca que deixou.
— Estás a tentar marcar-me?
— Estou a fazer uma memória contigo. — Ela beija-me outra vez, num sítio
diferente, e, no entanto, próximo o suficiente do primeiro. Também tira uma
fotografia dessa marca, depois, olha para ela com o sobrolho carregado num
esforço de concentração enquanto estuda a imagem.
— Como é que ficou?
— Acho que preciso de um batom mais escuro. — Ela vira o telemóvel na
minha direção.
Analiso a imagem.
— Precisas. Consigo ver, mas não muito bem.
— Para a próxima, uso um mais escuro — murmura, a voz carregada de
promessa.
— Queres fazer isto outra vez?
— Há muitas coisas que quero fazer contigo. — Vejo a emoção a brilhar-lhe
nos olhos e apercebo-me de que este é o meu momento. Preciso de ser honesto
com esta rapariga e de lhe dizer como me sinto.
— Eu também quero fazer muitas coisas contigo. — Puxo-a para os meus
braços e abraço-a. — Tu sabes que eu me importo contigo, certo?
Ela pestaneja.
— Importas-te?
— Bem, sim. Eu… eu não sou um tipo de estar numa relação. Não
normalmente. Os meus pais… — A minha voz deriva, e ela espera
pacientemente que continue. — Eles não são o melhor exemplo. Não havia
muito amor na minha casa enquanto crescia. Apenas dinheiro.
Sempre dinheiro.
— Não somos os nossos pais — murmura ela, e interrogo-me se está a pensar
nos dela.
— Iá, mas eles influenciam-nos e à nossa maneira de agir. O meu foi… é um
cretino controlador. Não é uma pessoa simpática. — Para não dizer pior.
— Mas tu és. — Quando começo a protestar, ela abana a cabeça, e eu
silencio-me. — És. És querido e bondoso. Comigo.
— Isso é porque gosto de ti. — Essas palavras não parecem suficientemente
grandes para aquilo que realmente sinto pela Wren. É mais do que isso. Ou do
que carinho. É…
Não quero pôr já um rótulo nisso. Ainda não.
— Então suponho que me deva sentir honrada. — Ela ri-se, e o som é suave.
Sexy.
Eu não respondo. Em vez disso, beijo-a até ela ficar ofegante, a minha língua
a fazer uma minuciosa busca pela sua boca deliciosa. Porra, não me canso dela.
O sentimento é tão assoberbante que quase dói.
E pior do que isso? A ideia de a perder. Isso é francamente insuportável de
imaginar.
Quando se afasta, sorri e enfia o telemóvel entre nós para me tirar uma
fotografia.
— Mas que raio, Birdy?
Ela já está a abrir a fotografia, a sorrir.
— Os teus lábios estão cobertos de gloss.
Quando me mostra a imagem no seu telemóvel, a única coisa que vejo é um
idiota cheio de luxúria, num transe por causa da rapariga que acabou de o
beijar.
— Pareço estúpido.
— Estupidamente atraente. — Ela atira o telemóvel para cima da cama e
sorri-me. — Obrigada por me fazeres a vontade e por colaborares com o meu
pequeno projeto.
— Já está?
— Acho que sim — diz, timidamente.
— Boa. — Eu inclino-me para ela, roubando-lhe um beijo. Depois, outro. —
Porque agora é a minha vez.
QUARENTA
WREN
Assim que voltámos ao campus, fui para o meu quarto, aterrei na cama e dormi
a tarde toda. Só acordei com o meu telemóvel a vibrar, e já o quarto estava
escuro porque passava das cinco.
Era o meu pai, a ver como estava e a fazer perguntas sobre a viagem. Menti
acerca dos detalhes mais concretos e despachei-o rapidamente, tirando a
bolacha do meu saco, a que tinha comprado na padaria no dia anterior, e
devorando-a antes de me deixar cair de novo na cama.
Agora é segunda de manhã e está prestes a começar outro dia na escola.
Pelo menos é um dia curto — durante toda a semana vamos sair às 12h30
por causa do horário dos exames finais. Hoje, começamos o dia com o
Figueroa.
Credo, não o quero encarar sabendo aquilo que fez. Será que ele aparece ou já
o prenderam?
Tomo um duche e seco o cabelo. Visto o uniforme. Ato o cabelo com a fita,
recordando o que o Crew disse. Como quer atar os meus pulsos com a fita um
dia destes.
A minha pele aquece com a ideia.
Calço as botas e estou prestes a pôr algumas joias quando me apercebo de
uma coisa. Onde está o meu anel?
Desfiz a mala a certa altura ontem à noite e não me lembro de o ter tirado da
mala. Vou até à casa de banho e começo a procurar na malinha de produtos de
higiene pessoal, mas não está lá. Vejo dentro da minha bolsa para ver se o
deixei cair num bolso pequeno no seu interior, mas não.
Também não está ali.
Lembro-me de o tirar. De o deixar na mesinha de cabeceira no hotel.
Não me lembro de voltar a pegar nele antes de termos saído.
Uma sensação de pânico enche-me, deixa-me com dificuldade em respirar. O
meu pai vai-me matar. Aquele anel é uma herança de família. Foi o anel de
noivado original da mãe dele e há tanto valor sentimental ligado a ele. Se eu o
perdi…
Visto o casaco do uniforme e o meu sobretudo de inverno espesso. Protejo o
pescoço com o cachecol e ponho um chapéu antes de sair do quarto e de deixar
o edifício, um pouco mais cedo do que o habitual.
Preciso de falar com o Crew. De lhe perguntar se ele se lembra de pegar no
anel por mim. Qualquer coisa é possível, certo?
Se ele não pegou na joia, posso sempre ligar ao hotel e perguntar se alguém
devolveu um anel. Ainda existem boas pessoas neste mundo que devolveriam
um objeto perdido. Tenho a certeza disso.
Os meus passos são apressados enquanto me desloco pelo passeio
escorregadio. Choveu durante uma boa parte do fim de semana, e alguma da
neve ainda permanece, apesar de agora estar empapada e escura com detritos e
sujidade. Já não está fofa e branca como quando caiu pela primeira vez, quando
parece mágica e maravilhosa.
Não, agora é só feia. O ar está frio e húmido, o céu tem uma cor de aço,
cinzento e escuro. Não há muitas pessoas na rua a esta hora, por isso não é
difícil chegar ao edifício principal. Quando avisto a entrada, não está ninguém
por lá a fazer tempo, nem os amigos do Crew. Arrasto-me pelos degraus acima,
entro e fico à espera junto à porta para o conseguir ver a chegar.
Trocámos umas mensagens ontem à noite, mas dava para ver que ele estava
cansado. Eu também estava. Além disso, não quero parecer demasiado carente.
Oh, meu Deus, pareço todas as raparigas que conheço e que tiveram sexo e
depois tentaram ser fixes e agir com naturalidade. Como se não fosse nada
importante. E a cena do sexo nem é o que me está a incomodar hoje. Não, é o
facto de ter perdido o meu anel e de estar com medo da reação do meu pai.
Ele vai ficar furioso. Eu sei que vai.
Cinco minutos passam e continua a não haver sinal do Crew. Mando-lhe
uma mensagem a perguntar onde é que está, mas ele não me responde.
Está-me a deixar louca de preocupação.
Finalmente, avisto-o a caminhar com os amigos na direção do edifício, o
Crew no meio dos dois. Vou lá para fora e mal consigo reprimir o sorriso que
quer aparecer quando reparo na maneira como o seu olhar se ilumina quando
me vê pela primeira vez.
Em como ele recalca isso para que os seus amigos não reparem.
Bem, isso é uma desilusão. Apesar de ser originalmente o que eu queria, por
isso não me posso queixar.
Mordiscando o lábio inferior, espero até ele estar mais perto para dizer
qualquer coisa.
— Olá, Crew. — Olho para os seus amigos. — Ezra. Malcolm.
Ambos acenam e murmuram os seus cumprimentos enquanto o Crew me
observa com um ligeiro franzir de sobrolho.
— Posso falar contigo? — pergunto-lhe.
— Claro.
— Em privado? — Mando um olhar irritado na direção do Ezra e do
Malcolm.
— Iá, sem dúvida.
O Crew deixa-me agarrar-lhe no braço e descemos o corredor. Acabamos por
nos esconder na sala abandonada para onde ele me arrastou daquela vez,
quando me beijou tão ferozmente. Como um amante ciumento.
Assim que a porta está fechada, o Crew vem para cima de mim, as suas mãos
tocam-me no rosto, a sua boca aterra na minha. Ele devora-me como um
homem esfomeado, consome-me por completo.
Por fim, afasto-o, pois preciso de manter a cabeça fria e odeio a maneira como
ele franze o sobrolho, a forma como a preocupação lhe atravessa o rosto.
— O que se passa? — pergunta ele.
Eu ponho as costas mais direitas, o meu tom torna-se sério.
— Perdi uma coisa este fim de semana.
O sorriso atrevido dele surpreende-me.
— Perdeste, sim.
As minhas bochechas ardem.
— Chega.
— O que é que perdeste?
— O meu anel. O que o meu pai me deu. Ele vai ficar fulo se tiver mesmo
desaparecido. Pertencia à minha avó. Foi o anel de noivado dela e é muito
especial para ele. Foi por isso que mo deu — explico, com a cabeça a começar a
doer. Nunca me vou perdoar se realmente o tiver perdido.
— Eu sei onde é que ele está — diz o Crew, calmo como sempre.
Sou inundada por uma sensação de alívio, mas não o suficiente para acalmar a
dor de cabeça recém-chegada.
— Oh, meu Deus, a sério? Onde está? Podes dar-mo?
Ele abana lentamente a cabeça.
— Não posso.
Pestanejo.
— Porque não?
— Porque não. — Ele abre o fecho do casaco e pega na gravata apertada ao
pescoço, soltando-a o suficiente para conseguir desabotoar a sua camisa.
Estou tão confusa.
— O que é que estás a fa…
O resto da palavra fica preso na minha garganta quando o vejo puxar uma
corrente que está ao redor do seu pescoço — com o meu anel pendurado.
O meu olhar encontra-se com o dele, a surpresa atravessa-me.
— Porque é que estás a usá-lo?
— Agora pertence-me. — A expressão dele é severa.
— O quê? — Pronto, ele não está mesmo a fazer sentido nenhum. — É meu,
Crew. Pertence à minha família. O meu pai deu-me esse anel.
— E eu vou ficar com ele. Porque fiquei contigo. — Ele olha para baixo,
deslizando o dedo pelo anel, apesar de mal caber. — Isto é meu, tal como tu és
minha.
Pestanejo, espantada com a sua declaração, e também um pouquinho
empolgada com ela.
— Crew…
— Não discutas comigo, Birdy. És minha. — Ele beija-me ferozmente. — Já
não lhe pertences.
Está a referir-se ao meu pai.
O Crew enfia os dedos por baixo do meu queixo, o polegar a esfregar-me a
pele.
— Tu pertences-me — sussurra.
O resto do dia passa sem mais problemas, graças a Deus. Temos uma hora de
almoço mais curta por causa do horário encurtado, e o Crew nunca deixa o
meu lado. É muito possessivo, pousa o braço sobre os meus ombros enquanto
se senta ao meu lado no refeitório e fala com os seus amigos. Reivindicando-me
como sua à frente de toda a gente na escola.
Há muitos olhares e murmúrios e boatos, mas muito disso está relacionado
com a detenção do Fig e não com a atenção — e afeto — óbvia do Crew para
comigo. É um grande drama assistir a um professor ser detido à frente da
turma durante o horário letivo. Arrastado dali para fora em algemas e exibido
pela escola inteira.
Porque foi precisamente isso que aqueles polícias fizeram. Levaram-no pelo
corredor principal, na esperança de terem a atenção do máximo número de
pessoas possível, o que foi completamente inesperado.
E não foi surpreendente.
Quando começa a soar o último toque, saio do meu último exame e encontro
o Crew à minha espera, encostado a uma fila de cacifos azuis brilhantes. Ele
afasta-se deles para se aproximar de mim, e eu franzo o sobrolho.
— O que estás a fazer aqui?
— A acompanhar-te ao teu dormitório — diz, pegando-me na mão e
deixando-se cair no ritmo do meu andar.
Fico maravilhada com este novo Crew. Temos sexo e é isto que acontece? Ele
torna-se superpossessivo e quer passar o seu tempo livre todo comigo? É tão…
estranho. E empolgante.
É, sem dúvida, algo a que tenho de me habituar. Não estou acostumada a este
tipo de atenção e, apesar de gostar, também há uma pequena parte de mim que
quer fugir e esconder-se.
Ao verem-me com o Crew, as pessoas vão acabar por se aperceber de que
aconteceu alguma coisa entre nós. Algo sexual. Os meus dias de menina-
modelo acabaram.
Caí do altar, tal como as outras.
E meio que não me importo. Agora entendo. Entendo porque é que isso
acontece e como todas as outras coisas deixam de importar quando o rapaz dos
teus sonhos, o rapaz por quem te estás a apaixonar, sorri para ti e te faz sentir
como se mais nada lhe importasse. Só tu.
Assim que estamos lá fora, largo a mão dele e calço as luvas. Ele tenta agarrar
na minha mão outra vez, mas eu não o deixo.
— Mas que raio, Birdy?
A irritação na sua voz é evidente, mas ignoro-a.
— Devias calçar as luvas primeiro.
— Oh. — A irritação desaparece, e ele tira um par de luvas pretas do bolso
do seu sobretudo, calçando-as e tomando a minha mão de novo. — Esta é a
tua maneira de tomar conta de mim?
— Às vezes, tenho de tentar, já que, ultimamente, és só tu que tomas conta
de mim.
Eu devia soar mais agradecida. Ele tem de perceber que vai demorar até eu
me habituar a isto.
Ele encolhe os ombros, aparentemente desconfortável.
— Sinto que tenho de te proteger.
— Porquê? Por causa do que aconteceu durante o fim de semana? Eu ainda
consigo tomar conta de mim, sabes — lembro-o.
— Nunca achei que não conseguisses — concorda. — Mas… não consigo
evitar como me sinto.
— E como é que te sentes?
— Como se fosses minha, e quero que toda a gente o saiba — responde com
seriedade.
Absorvo as suas palavras. A maneira feroz como as pronunciou. Acredito que
ele se preocupa comigo. Que se sente possessivo em relação a mim. Mas fomos
de nada para tudo num período muito rápido, e eu ainda preciso de processar
isto.
Quando chegamos ao dormitório, viro-me para o encarar e agarro na frente
do seu casaco, dando-lhe um pequeno abanão.
— Eu adoro o quão protetor és, mas tens de ser paciente comigo.
O Crew franze o sobrolho.
— O que queres dizer?
— Não estou habituada a isto. Há umas semanas, andavas a correr atrás de
mim. A ameaçar-me e sempre a mandar-me olhares de desprezo. Até admitiste
que me odiavas.
A exasperação dele é evidente.
— Eu não te mandava olhares de desprezo.
Adoro o facto de ele se ter fixado nessa parte.
— Mandavas, sim. Todas as manhãs em que ficavas à espera de que eu
aparecesse na escola.
— Estava a tentar ter a tua atenção.
— Como? Olhando para mim como se quisesses que eu morresse? — replico
e rio-me, mas ele não se ri.
— Suponho que abordei a situação… te abordei da forma errada — admite
ele.
— Mas acabaste por me conseguir na mesma. — O meu sorriso é pequeno.
Ele fá-lo desparecer com um beijo.
— Eu podia entrar, e podíamos ficar um bocado na sala comum — sugere,
pressionando a testa contra a minha.
— Eu adorava, mas tenho um ensaio para acabar. — Tenho de entregar o
ensaio de História amanhã, e, além disso, ainda temos o exame propriamente
dito. — Além disso, preciso de estudar.
— Não precisas nada — brinca ele, dando-me outro beijo nos lábios.
— Preciso. Ainda só escrevi dois terços do ensaio e mal me lembro do que
aprendemos nas aulas este semestre — explico. — Tenho de rever os meus
apontamentos.
— Eu tenho esse exame amanhã à tarde — diz ele. — Talvez devesse estudar
contigo.
— Se estivermos juntos não vamos estudar nada, e tu sabes disso. — Sorrio-
lhe, pois não quero magoar-lhe os sentimentos. — Assim que despachar as
coisas amanhã, o resto da semana vai ser fácil.
— E depois vamos sair. — Ele di-lo com firmeza, como se eu não pudesse
discutir.
Coisa que não faria. Eu quero passar tempo com ele. Tanto quanto possível
antes do começo das férias de Natal.
— Sim, vamos sair.
Ele beija-me outra vez antes de poder dizer mais alguma coisa.
— Quero planear qualquer coisa para o teu aniversário. Algo especial. Só para
nós os dois — declara.
Não sei o que é que o meu pai vai achar disso, mas não o menciono.
— Está bem.
— Boa sorte com os estudos. E com o ensaio. — Mais um beijo, este
demorado e cheio de língua. — Manda-me mensagem mais logo.
— Adeus — sussurro.
Fico a vê-lo a afastar-se antes de finalmente virar costas e entrar no meu
dormitório, acenando para as AR que estão sentadas atrás da secretária
enquanto passo por elas. Chego ao quarto numa questão de minutos e tiro o
uniforme para vestir um par de calças de fato de treino. Abro o portátil e
ponho-me confortável, abrindo o ensaio em que estava a trabalhar para a
disciplina de História.
Esta é a última coisa que me apetece fazer, mas repito para mim mesma que
assim que o dia de amanhã terminar o resto da semana vai ser bastante simples.
Eu consigo fazer isto. Um ensaio. Umas horas a estudar. Um exame. Depois, o
resto da semana é canja até chegar às férias de Natal.
Mal posso esperar. Quero passar algum tempo com o Crew antes de termos
de ir embora. E depois quero passar mais tempo com ele enquanto estivermos
os dois em casa. Às vezes, as férias de Natal conseguem ser tão deprimentes,
apesar de incluírem o meu aniversário e o Natal e todas essas alturas boas em
que é suposto se estar a criar memórias e a passar um bom bocado.
Normalmente, só estou com os meus pais. Não temos uma família muito
grande e, nestes últimos anos, o pai deixou de querer viajar durante as férias,
dizendo sempre que tinha muito trabalho para pôr em dia.
Mas este ano estou mesmo entusiasmada pelas férias. Por todas as
possibilidades que vêm associadas.
Como ter bastante tempo livre para passar com o Crew.
Mais cedo ou mais tarde, vou ter de contar ao pai acerca dele. A mãe
provavelmente não vai querer saber, mas o pai sim. Ele tem uma série de
expectativas acerca da minha pessoa a que já não consigo corresponder.
Não consigo. Já não.
E, na verdade, também não quero.
Estou a olhar para o ecrã do portátil, a tentar ter energia para acabar de
escrever este ensaio para História, quando o meu telemóvel começa a tocar.
É o pai.
Respondo de imediato e cumprimento-o com:
— Olá. Estava mesmo agora a pensar em ti.
— A sério? Mas parece que não andaste a pensar muito em mim durante o
fim de semana, certo? — O tom dele é duro, cheio de uma raiva mal contida.
Franzo o sobrolho e fecho o portátil com um baque.
— O que queres dizer?
— Achas que eu não sei?
O meu coração fica preso na garganta, dificultando-me a respiração.
— O que queres dizer?
— Achas que não sei com quem estiveste este fim de semana? O que é que
estiveram a fazer? Estou desiludido contigo, Wren. Quebraste a tua promessa.
Oh, meu Deus. Como é que ele sabe? Como é que ele descobriu? Quem é
que lhe disse?
— Pai, espera…
— Eu não quero ouvir as tuas desculpas ou as tuas mentiras. Porque foi isso
que tu fizeste, Wren. Mentiste-me. Disseste-me que ias para Vermont com a
Maggie e não foste. Foste com aquele rapaz insuportável e fizeste coisas
inapropriadas. Partilhaste uma cama com ele. Eu sei que sim. Eu vi as provas.
O meu cérebro está atabalhoadamente a tentar acompanhar o que ele está a
dizer.
— Como é que sabes?
— Estou contente por não o negares. Estás a fazer o correto.
Ele hesita apenas por um momento, o tempo suficiente para eu me aperceber
de que tenho lágrimas a escorrer pela cara.
— Eu tenho acesso à tua iCloud. Entrei na conta e vi as fotografias
impróprias.
Fecho os olhos por momentos, o meu coração afunda-se como uma pedra.
Lembro-me das fotografias que tirei do Crew naquele sábado à noite. Sem a
camisa e a marca do meu gloss no seu peito. Várias horas mais tarde, depois de
já termos tido sexo duas vezes e de estarmos prestes a adormecer, tirei-nos uma
última fotografia deitados na cama, a minha cabeça pousada sobre o seu ombro
nu, os nossos olhares ensonados, os sorrisos cheios de satisfação enquanto
tirava a selfie. Queria documentar o momento. A noite em que dei a minha
virgindade ao Crew.
E o meu pai viu tudo. Até as fotografias que tirei no sábado à tarde de nós na
baixa. Das decorações. Do Crew sentado à minha frente durante o almoço.
Nenhuma era para ser vista por outra pessoa que não eu. E o Crew.
— Tens alguma coisa a dizer em tua defesa? — pergunta o pai ao ver-me em
silêncio.
— O que é suposto dizer? Eu não me posso defender. Viste as provas todas.
— Engulo em seco. — Eu não sabia que tinhas acesso à minha iCloud.
— Isso é mais do que evidente — riposta. — Tendo em conta tudo o que vi
nas tuas fotografias mais recentes, quase me arrependo de ter espreitado.
Isso é falso. Tenho a certeza de que não se arrepende, uma vez que finalmente
me apanhou a mentir. É como se tivesse passado estes anos todos a desejar
apanhar-me numa mentira. Por que outro motivo é que precisaria de ter acesso
à minha conta iCloud?
Porque ele não confia em mim. Ele deixou de confiar totalmente em mim
depois daquela coisa tão incrivelmente estúpida que fiz aos doze anos.
Bem, eu já não tenho doze e penso que sou mais inteligente do que era. Sou
definitivamente mais forte.
Acho eu.
— Vens agora para casa — exige ele. — Hoje à noite.
— Pai! Eu não posso ir para casa. Tenho exames para fazer. Estou a escrever
um ensaio neste momento!
— Eu ligo à escola e podes fazer tudo online. Eu digo-lhes que é uma
emergência familiar, coisa que é verdade — declara. — Não discutas comigo,
Wren. Vens para casa mais cedo.
— Pai, por favor. Ouve-me. Eu tenho de acabar este ensaio e de estudar para
o exame. Vai tudo acontecer amanhã. Vai ser a minha primeira aula por causa
do horário especial para os exames esta semana. E se eu for para casa depois
disso? Já estou essencialmente despachada no resto das minhas disciplinas.
Ele fica em silêncio durante um momento, e pouso a cabeça na secretária,
aguardando ansiosamente pela resposta. Não é uma mentira. Eu preciso
mesmo de completar tudo o que listei.
Mas também preciso de uma oportunidade de explicar ao Crew o que está a
acontecer. Ele merece saber.
Saber que o meu pai muito provavelmente o odeia.
— Eu vou mandar um carro para te ir buscar ao meio-dia. É bom que
chegues a horas à beira do condutor, Wren. Vou-me certificar de que ele
reporta tudo — avisa-me com uma voz firme.
— Eu faço as malas hoje — digo, a minha voz trémula, a cabeça a latejar.
Assim como o meu coração.
— E afasta-te do Lancaster. Esse rapaz só atrai problemas. Já fiz a minha
pesquisa. Os irmãos dele andam a tentar roubar os meus clientes. Não duvido
que seja por isso que ele se anda a meter contigo. Está só a usar-te para se
aproximar de mim, para ajudar os irmãos — explica o pai.
Eu levanto a cabeça, coberta de raiva, mas mantenho-me calada.
O mundo não gira à volta dele. Algo que ele ainda não percebe bem. Nem
toda a gente se quer aproximar de mim ou da minha mãe para chegar a ele.
Não é assim que funciona. Não todas as vezes.
— Está bem — balbucio, sem realmente concordar.
— Continuamos esta conversa amanhã. — Ele exala agressivamente. —
Estou tão desiludido com as tuas escolhas, Amora. Estavas no caminho certo e
arruinaste tudo.
— Ter sexo não te arruína a vida, pai — replico, cheia de irritação.
— Não me respondas — diz ele, rudemente. — Quem é que pensas que és
neste momento?
Antes que consiga responder «Sou a tua filha», ele termina a chamada.
E eu desato a chorar.
QUARENTA E TRÊS
CREW
Espero por ela à entrada do seu dormitório, completamente tenso sem razão
óbvia. Ansioso.
Palavras que não utilizo tipicamente para descrever como me estou a sentir.
Tentei mandar mensagens à Wren ontem à noite, mas ela não estava muito
responsiva. Estava distante. Ela disse que a culpa era do ensaio que tinha
acabado e do estudo para o exame de História, mas não sei.
Parece que se passa mais alguma coisa. Só não consigo precisar o que é.
Ela também estava um bocado estranha ontem, e eu ainda não tenho bem a
certeza porquê. Compreendo que me estou a comportar de maneira diferente,
e percebo porquê. Passar o fim de semana inteiro com ela, ter sexo com ela,
porra. Estou obcecado.
Quero-a outra vez. De qualquer maneira que a puder ter. Não consigo parar
de pensar nela. Ontem não conseguia parar de lhe tocar. Queria que a porra do
mundo inteiro soubesse que é minha. Que me pertence.
Usar o raio do anel de pureza que o pai dela lhe deu numa corrente à volta do
meu pescoço também me pareceu ser o mais acertado. Antes de sairmos do
chalé, encontrei-o na mesinha de cabeceira, agarrei-o e enfiei-o no bolso.
Esqueci-me de lhe dizer que o tinha e, de tarde, quando cheguei ao meu quarto
e me despi para tomar um duche, o anel caiu ao chão com um tinido suave.
Agarrei nele, levantei-o à luz e começou a formar-se a ideia. Ela já não é
aquilo que o anel simboliza.
Por minha causa.
Mereço andar com o raio do anel à volta do pescoço. Talvez ela não goste que
eu tenha feito isso, mas não lho quero dar de volta.
Mas se ela o quiser de volta, fá-lo-ei. Relutantemente.
As portas abrem-se, e um grupo de raparigas sai, mas nenhuma delas é a
Wren. Sorrio-lhes sombriamente enquanto passam por mim, uma ou outra
cumprimenta-me com um «Bom dia».
Olho para o telemóvel e apercebo-me de que está mais atrasada do que o
costume. Onde é que anda a minha miúda?
Só o facto de pensar nela como minha miúda é alucinante. Ainda não fizemos
nenhuma declaração oficial um ao outro, mas parece-me uma coisa séria. Eu
importo-me com ela. Estou preocupado com ela.
Onde é que ela está?
As portas abrem outra vez, e ela aparece. Está a usar o casaco preto
acolchoado e Mary Janes nos pés, com as pernas revestidas em collants de lã
branca. Ela avista-me quase imediatamente, com uma expressão ilegível, e o
temor consome-me enquanto se aproxima de mim. Ela não está a sorrir. Os
seus olhos estão orlados por vermelho.
Eu vou até ela, estendo-lhe a mão, mas ela desvia-se do meu abraço.
— O que se passa? — pergunto-lhe, sem me preocupar com rodeios.
Ela abana a cabeça, os olhos enchem-se de lágrimas.
— Tenho de ir para casa hoje.
Franzo o sobrolho.
— Tens de ir?
— Sim. O meu pai, ele… está zangado comigo. — Ela funga, as lágrimas
caem-lhe livremente.
Dou mais um passo para ela, limpo-lhe as lágrimas com o polegar conforme
pouso a minha outra mão na sua anca.
— Porquê?
— Ele… ele sabe que estivemos juntos, Crew. E estava tão chateado. Eu
quebrei a promessa que lhe fiz, e ele está zangado.
— Como é que ele sabe?
— Ele tem acesso à minha iCloud. Eu não sabia disso. Ele viu as fotografias.
As que tirei de nós durante o fim de semana. No sábado à noite. — Ela
aproxima-se mais de mim, pressiona a sua testa contra o meu ombro. — Estou
tão envergonhada.
Fico irritado. Bela escolha de palavras.
— Estás envergonhada por estarmos juntos? Ou por termos sido apanhados?
— Ambos. Mais por termos sido apanhados. — Ela inspira fundo,
tremulamente, antes de levantar a cabeça, o olhar torturado no meu. — Eu
disse-lhe que não faria isso.
— O quê? Ter sexo com alguém? Porque é que isso é vergonhoso? Tens quase
dezoito, Wren. E, apesar disso, ainda ages como uma rapariguinha.
A boca dela fecha-se numa linha firme.
— Isso não é justo.
— Vês? Continuas a fazê-lo. — Agarro-lhe nos ombros e puxo-a para mim.
Ela pousa as mãos no meu peito, o toque é leve. — A vida não é justa, Birdy. Já
devias saber isso. Ele não devia ficar chateado contigo por teres feito uma coisa
que é natural. És uma boa rapariga. Ele devia-se orgulhar de ti por teres
aguentado a promessa durante tempo.
— Não é sobre aguentar, Crew — diz ela, o seu tom amargo. — É sobre fazer
as escolhas certas.
Mas que raio?
— Então estás a chamar-me a escolha errada?
— Não. Eu não sei. Eu não devia ter feito aquilo… — A sua voz deriva, e ela
desvia a cabeça, como se fosse doloroso olhar para mim.
— Não devias ter feito o quê? Não me devias ter fodido?
O olhar dela volta imediatamente ao meu.
— Não tens de dizer as coisas tão rudemente.
— Isso é o que o teu pai está a fazer. Ele tirou todas as emoções humanas da
coisa. Tipo, talvez eu queira estar contigo porque gosto de ti. E tu gostas de
mim — declaro. Revelando tudo. Algo que normalmente não faço.
Nunca, na verdade.
— Mas gostamos mesmo? Mal nos conhecemos. Só se passaram umas
semanas — aponta ela.
— Quando temos a sorte de encontrar alguém que torna o nosso mundo
mais luminoso, não devemos agarrar essa pessoa e nunca a deixar ir?
Ela fita-me com uma expressão confusa.
— O que queres dizer?
— Estou a falar de ti. E de mim. — Beijo-a, e, naturalmente, ela responde.
Acabo o beijo antes de nos deixarmos levar. — Não tens de dar ouvidos a tudo
o que o teu pai diz. As expectativas que tem de ti são impossíveis de manter.
— Mas ele é o meu pai — sussurra ela. — Eu adoro-o. Saber que o desiludi
simplesmente… magoa. Eu não gosto quando está zangado comigo. Ele é tudo
o que eu tenho.
Ele vai fazê-la escolher. Ele ou eu. Consigo senti-lo. Também consigo sentir
qual vai ser a resposta dela.
Fogo. Isso magoa.
— Bem, e eu? — pergunto-lhe.
— E o que é que tu és para mim? O que é que eu sou para ti?
Permaneço em silêncio, os meus pensamentos são uma autêntica mixórdia no
meu cérebro. Tenho sido honesto com ela até agora. Admiti coisas que
provavelmente não devia, no entanto, aqui estou. A abrir as veias e a deixar-me
sangrar.
— Foi isso que pensei — afirma quando eu ainda não respondi. A desilusão
está-lhe escrita na cara. — Talvez tenhamos andado demasiado depressa.
— É mesmo isso que pensas? Ou estás só a dizer isso para te sentires melhor?
Merda, eu não queria dizer isso. Sim, andámos rápido. Demasiado rápido?
Não sei.
— Eu não sei o que pensar! — lamenta-se ela, com mais lágrimas a cair. —
Eu tenho de ir. Não me posso atrasar.
Ela começa a andar, deixando-me para trás. Vejo-a a ir, sabendo que devia ir
atrás dela. Porém, permaneço preso no lugar.
A Wren continua a andar, sem nunca olhar para trás, e eu tenho de lutar
contra a raiva que começa a borbulhar mesmo abaixo da superfície. Ela só
consegue pensar no pai e em como não o pode desiludir. Os seus padrões são
impossíveis de atingir. Ele quer que ela seja a sua menina para sempre.
Ela é a minha miúda agora. Ele precisa de entender isso.
E ela também.
— Birdy! — A alcunha rebenta para fora de mim, e ela volta-se num instante,
os olhos tristes encontram os meus. — Quero ver-te quando estivermos os dois
na cidade.
— Eu não sei se posso — responde, suficientemente alto para eu ouvir.
Para perfurar o meu coração de paredes de ferro.
Eu vou vê-la. Antes do seu aniversário. Depois. Na passagem de ano. Vou
certificar-me de que estas próximas semanas são boas para ela. Vou provar-lhe
que não me esqueço dela como toda a gente. Quando eu disse que gostava
dela, também foi sentido. Nem pensar que a posso perder agora.
Tiro o telemóvel do bolso, procuro o número do meu irmão e ligo-lhe.
— O que é que queres agora? — ladra o Grant.
— Preciso da tua ajuda — digo-lhe, com uma voz séria. — Espero que o
consigas encontrar.
— Eu consigo encontrar tudo o que precisares, maninho — retorque o
Grant, com aquela confiança Lancaster que todos temos. — Diz-me do que
precisas.
QUARENTA E QUATRO
WREN
Podes beijar-me com esta cor da próxima vez que estivermos juntos. Vai-se ver
melhor na minha pele.
Beijinhos,
Crew
Fecho os meus olhos, os meus lábios sobem num sorriso. Oh, meu Deus.
Oh, meu Deus.
Salto da cama e vou para a casa de banho, abrindo o batom de novo e
aplicando-o nos lábios, com cuidado para manter a minha mão firme.
Quando termino, dou um passo atrás, olhando para mim mesma nas minhas
calças de ginásio cinzentas, o meu cabelo preso num carrapito desleixado em
cima da cabeça e com os lábios pintados de encarnado brilhante.
Com a roupa e a maquilhagem certa acho que ficava bonita.
Como se fosse crescida.
*
É hora de jantar quando o meu pai finalmente me devolve o telemóvel, com
uma expressão sombria enquanto me dá um sermão acerca da responsabilidade
e sobre fazer a coisa certa.
Mantenho a cabeça curvada e aceno ocasionalmente, aguentando o discurso
que já ouvi tantas vezes ao longo dos anos. A minha mãe vai comentando de
vez em quando, tentando defender-me, como se isso fosse o suficiente para ele
parar.
Não funciona, mas eu aprecio o apoio dela.
— E ainda tenho de ficar em casa? — pergunto quando ele acaba de falar. —
Ou posso sair?
— Com quem é que queres sair?
É preciso dizer?
Encolho um ombro.
— Amigos.
— Alguém em específico?
— Harvey — grita a mãe. — Deixa-a em paz. Sim, querida, podes sair.
Tenho a certeza de que tens imensos amigos para ver e com quem falar.
O pai suspira pesadamente.
— Tudo bem. Podes sair, Amora. Mas não voltes demasiado tarde.
Se pudesse revirar os olhos sem consequências, fá-lo-ia. Mas controlo-me.
— Obrigada, pai.
— Agradece à tua mãe. Foi ela quem me convenceu de que eu tinha de te dar
mais liberdade — resmunga o pai.
Olho para cima e descubro-a a observar-me. Movo os lábios, agradecendo-lhe
silenciosamente. Estou tão contente por ela ser uma aliada. Não me consigo
lembrar da última vez que esteve do meu lado.
Jantamos, os meus pais falam entre si enquanto olho para o meu telemóvel,
interrogando-me sobre os mistérios que pode estar a conter. Quem é que me
mandou mensagens? De acordo com o meu pai, sei que o Crew mandou.
Quantas vezes e o que é que ele disse? Será que ainda me quer ver? Ele deve
querer, tendo em conta o que disse naquele bilhete.
Os meus lábios ainda estão manchados com aquele batom. É mesmo
duradouro. O pai ou não reparou ou não quis comentar, e a minha mãe
também não, mas tenho a certeza de que ambos conseguem perceber que estou
a usar batom, algo que nunca faço.
Há muitas coisas que não fazia até recentemente.
A maior parte dessas coisas graças ao Crew.
Assim que terminamos de jantar, fujo para o meu quarto, pela primeira vez
desde que cheguei a casa quero estar ali. Imediatamente, vejo uma série de
mensagens do Crew, a maior parte delas a perguntar como é que estou. Onde
estou. Porque é que não falo com ele. E se eu o estou a ignorar de propósito ou
se o meu pai me tirou o telemóvel.
Tenho a certeza de que essa mensagem deixou o meu pai a fumegar de raiva.
Também tenho mensagens da Maggie e leio-as, odiando o facto de as ter
perdido quando chegaram.
Maggie: Vi que o Fig foi preso. Eu tive tudo a ver com isso e, apesar de me
arrepender do que aconteceu, não me arrependo disso. Desculpa se te
tratei mal. Estava a passar por um mau bocado e sei que me passei contigo
daquela vez em que nos apanhaste juntos. Eu estava invejosa. A nossa
relação era tão tóxica. Estou feliz por estar longe dele. Espero que
percebas. Talvez nos possamos encontrar durante as férias?
Ela mandou outra mensagem no dia a seguir.
Maggie: Ou talvez não. Espero que não estejas chateada comigo.
Antes de responder ao Crew, mando uma mensagem à Maggie, pois quero
que ela saiba o que aconteceu. Explico como o meu pai me tirou o telemóvel e
como tenho estado assustada e preocupada com ela. E que estou feliz por ela
estar melhor. Não falo no bebé nem na detenção que presenciei. Quando ela
estiver pronta para falar nisso, sei que me contará.
Eu: Tenho saudades tuas, Mags. Vamos mesmo tentar encontrar-nos
durante as férias. E desculpa por não te ter respondido mais cedo, mas fica
sabendo que estou aqui para ti para o que der e vier.
Ela responde quase imediatamente.
Maggie: Não acredito que ele te tirou o telemóvel! Bem, na verdade, não
me choca. O teu pai sempre foi um bocado severo. Vamos encontrar-nos
nos próximos dias. Já estou aborrecida e estou mortinha por estar contigo!
Eu: Parece-me bem. Temos muita conversa para pôr em dia.
Sorrio, dizendo a mim mesma que tenho mesmo de me certificar de que me
encontro com a Maggie nos próximos dias. Parece que ela está a precisar de
uma amiga.
E eu também estou.
Contemplo como vou abordar o Crew a seguir, mas existem outras
prioridades a tratar em primeiro lugar. Vou às definições do meu telemóvel e
mudo a palavra-passe da minha iCloud. Nem pensar que quero ter o meu pai a
espiar-me outra vez.
Ainda é difícil para mim acreditar que ele fez mesmo isso. É uma violação tão
grande da minha privacidade. Especialmente porque eu não fazia ideia de que
ele o estava a fazer. Quantas vezes é que andou a controlar-me? A ver as minhas
fotografias, as minhas mensagens, o meu e-mail? Nada estava fora de limites
para ele e magoa tanto saber que ele é capaz de me espiar dessa forma.
Finalmente, penso em algo para dizer e, depois de escrever na aplicação das
notas, copio e colo o texto e envio-o como mensagem, sempre com o coração a
bater-me na garganta.
Eu: Desculpa não te ter respondido mais cedo. Assim que cheguei a casa,
os meus pais tiraram-me o telemóvel. Por isso é que ainda não tinha
mandado mensagem nem te tinha ligado. Espero que percebas. Desculpa a
discussão que tivemos antes de me ter ido embora. Sinto-me mesmo mal
por tudo o que aconteceu, mas a única coisa pela qual nunca me sinto mal
és tu. Não me arrependo do que aconteceu no último fim de semana.
Gostava que pudéssemos repetir. Tenho tantas saudades tuas. Obrigada
pelo batom. Mal posso esperar para o usar para ti.
Estou a morder o lábio, a olhar para a nossa conversa por mensagens, quando
aparece a bolha cinzenta que indica que ele está a escrever. Os meus nervos
amplificam-se, deixam-me com uma sensação de náusea e rezo a Deus que não
acabe a vomitar o jantar que acabei de comer.
E se ele diz que se fartou de mim? Que não quer saber mais de mim? Não o
poderia culpar totalmente. Mas também foi ele que me mandou um presente
ainda hoje…
Crew: Quero ver-te.
Um pequeno suspiro escapa-se dos meus lábios, e não consigo conter o
sorriso que se abre na minha face.
Eu: Também te quero ver.
Crew: Amanhã?
Eu: Sim, amanhã.
QUARENTA E CINCO
WREN
Ignoro o meu pai o melhor que consigo durante o resto da semana, o que é…
horrível. É quase Natal, quase o meu aniversário, e eu devia estar feliz. Com
vontade de passar tempo com a minha família e amigos — bem, com a Maggie
— e de criar novas memórias.
E apesar de estar contente com certos aspetos da minha vida, a minha relação
com o meu pai não é um desses aspetos.
Ele cancelou a viagem a Aruba com o incentivo da mãe. Em vez de tirar as
próximas duas semanas de férias, como, originalmente, tinha planeado, voltou
ao escritório, o que significa que não tenho de me estar sempre a esgueirar
quando quero sair, o que é um alívio. E não ando só a ver o Crew. Também
estive com a Maggie na terça-feira. Encontrámo-nos para almoçar, e ela disse-
me que acabou por ter um aborto espontâneo, com lágrimas a correr-lhe pela
face enquanto me contava tudo.
Senti o coração a partir por ela, mas, lá no fundo, interrogo-me se se sentiu
aliviada.
Pelo menos não está eternamente ligada ao homem que a manipulou e
molestou.
Se não estou a dormir, a passar tempo com a mãe ou com a Maggie, estou
com o Crew. O que significa que estou com ele quase todos os dias, e é
maravilhoso. Perfeito. Já usámos o rolo todo que vinha com a minha máquina
fotográfica instantânea. Tenho um monte de fotografias do Crew com o peito e
as costas cobertas com marcas de batom. Tirei algumas selfies com ele, de mim
a beijar-lhe o rosto, os meus lábios vibrantes com cor. Ele tem-me enviado um
batom da Chanel todos os dias desta semana. A minha mãe também está a
gostar dos presentes, de cada vez que chegam, entrega-mos com antecipação a
dançar nos olhos. Estou confiante que acha que vale a pena manter o Crew por
perto.
Eu acho o mesmo.
Estou com ele neste momento e estamos a fazer compras no centro, a passear
à frente das lojas dos estilistas e das marcas de luxo, sendo que tenho de parar e
olhar para cada montra, maravilhada com as montras de Natal deslumbrantes.
Algumas das lojas estão tão lindas que até vale a pena entrar lá dentro, apesar
de eu não querer comprar nada.
— Vamos aqui. — O Crew guia-me para a loja da Cartier. — Preciso de
comprar uma coisa para a minha mãe.
— Na Cartier? — Paro na entrada e inclino a cabeça para trás, para absorver
melhor o interior creme. A natureza muda e calma do espaço. Os candelabros
brilhantes e gigantes que estão pendurados no teto.
Já estive em lojas de luxo antes. Muitas vezes, aliás, maioritariamente, graças à
minha mãe. Mas há lojas que estão em todo um outro nível, e a Cartier é uma
delas.
Sinto-me como se estivesse num sítio sagrado. Tipo uma igreja.
— Iá. É uma das lojas favoritas dela. — Ele está a caminhar devagar pelos
mostruários de vidro, as joias reluzentes a convidar a nossa atenção. Um
vendedor cumprimenta-o, utilizando o seu último nome, e fico impressionada.
Ele entra numa loja na Quinta Avenida e, automaticamente, sabem quem ele
é. Como é que isso deve ser?
Ajudo-o a escolher um colar para a mãe e, enquanto esperamos que o
embrulhem, ponho-me a fazer tempo diante das vitrinas cheias de anéis de
diamantes. Eles brilham e reluzem, a maioria são bandas simples calcetadas
com diamantes, apesar de existirem alguns anéis maiores incluídos na montra.
O Crew surge ao meu lado, o seu ombro pressionado contra o meu.
— Gostas?
— São lindos — admito, interrogando-me se lhe estou a provocar um ataque
de pânico. Que rapaz de dezoito anos quer que a rapariga com quem anda a
passar o seu tempo todo se ponha a olhar para diamantes?
— Não são tão bonitos como tu. — Ele dá-me um toque. — Tu nunca te
viste nua na minha cama, só a usar batom. Isso sim é lindo.
O meu rosto aquece, e escondo a cara. Ele tirou uma fotografia minha da
última vez que estivemos sozinhos no seu quarto. O lençol estava drapeado
sobre a minha parte de baixo, o cabelo a cobrir-me os seios, o batom rosa a
brilhar-me nos lábios enquanto posava para a câmara sem sorrir.
Completamente natural. Ele convenceu-me de que nunca me tinha visto tão
linda como naquele momento, e eu acreditei nele, confiei nele o suficiente para
o deixar tirar a fotografia, apesar dos nervos que tilintavam dentro de mim o
tempo todo.
Ele estudou a fotografia assim que a máquina a desenvolveu, com um ar
indecifrável na cara. Quando, finalmente, levantou a cabeça, o seu olhar
encontrou-se com o meu, e eu vi tanta — emoção nos seus olhos.
Foi quase assustador.
Depois, ele atacou-me, e eu acabei por me esquecer do que tinha acontecido.
Até agora.
— Queres ir à Chanel? — pergunta ele, assim que o vendedor lhe entrega o
saco.
— Tu queres ir à Chanel?
— Quero-te ver a caminhar pela Chanel se isso te fizer feliz — diz.
— És o meu homem de sonho? — Pouso a mão contra o seu peito e
pestanejo de forma exagerada, conseguindo que ele se ria.
— Está bem. Gosto dos batons que vendem lá. E da rapariga que os usa. —
Ele beija-me e pega na minha mão, levando-me para fora da Cartier.
Minutos depois, estamos a entrar na Chanel, com os seguranças imponentes à
entrada a observar-nos enquanto passamos por eles.
— Tens uma mala da Chanel? — pergunta-me o Crew.
— Tenho uma carteira preta com uma corrente que recebi quando fiz
dezasseis. A minha mãe tem algumas, e eu quero-as, mas ela não mas dá. —
Rio-me. — Não a culpo.
— Surpreende-me que o teu pai ainda não te tenha comprado uma mala —
murmura ele conforme paramos à frente do balcão, a olhar para as várias malas
em exibição. — Se pudesses ter uma, de que cor seria?
— Rosa — digo, sem hesitação. — Uma pequena mala a tiracolo, acho. Não
quero que seja demasiado grande.
— Tens estado a pensar nisto. — O Crew parece divertido, e eu sorrio-lhe.
— Todas as raparigas no nosso internato sonham com uma mala da Chanel
numa altura ou noutra, não achas? — Faço uma careta. — Pareço uma ricaça
presunçosa.
— Tu és uma ricaça presunçosa — brinca ele, mas a sua expressão fica séria
quando uma vendedora se aproxima de nós.
— Posso ajudá-los? — É uma mulher alta, magra como um espeto e loira,
com lábios pintados de um vermelho rico e com um sotaque francês.
— Tem malas cor-de-rosa? Especificamente, a pequena mala a tiracolo? —
pergunta o Crew, como se andasse todos os dias a comprar malas na Chanel.
— Deixe-me verificar. — Ela vira-nos as costas à medida que desliza a porta
para abrir o compartimento que tem uma quantidade exorbitante de malas da
marca.
Passeio-me pela loja enquanto o Crew aguarda, parando diante das várias
montras. Dos sapatos, das joias e da roupa. É tudo tão bonito, como pequenos
pedaços de arte. Mas se vou investir o meu dinheiro, vai ser em artigos que são,
de facto, arte, e não roupas ou acessórios de designers.
Mas não posso mentir. Eu adoro o ocasional objeto de marca.
Quando volto para o lado do Crew, vejo que estão três malas cor-de-rosa
diante dele, pousadas no balcão, e que a vendedora está a pairar por perto.
— De qual gostas mais? — pergunta-me.
A mala a tiracolo tem um tom rosa mais escuro do que gostaria, então fica
excluída. Há uma mala Boy de tamanho médio que é linda de morrer, mas a
cor é mais rosa-choque, e não sou muito fã da corrente pesada que serve de
alça.
Há uma mala a tiracolo de tamanho médio feita com pele de cordeiro com
acabamentos em prata, que tem o tom rosa-claro mais lindo de sempre. Pego
nela, admirando-a antes de a abrir e dar uma olhadela ao seu interior.
— Esta é linda — replico, num sopro, pousando a mala no balcão.
— A cor é magnífica — concorda a vendedora.
— Mas é um bocado grande. — Pressiono os lábios numa linha, olhando de
soslaio para o Crew.
Ele está a observar-me com atenção.
— Gostas?
— Oh, sim. Mas é tão cara. Não me imagino a ter uma coisa destas. Pelo
menos, não para já. — Sorrio à vendedora, que me observa com ligeiro
desdém. Ela pega na mala e desliza-a de volta para o seu lado, como se eu a
fosse tentar roubar. — Mas muito obrigada pela sua ajuda.
— Claro — diz a mulher, um pouco impertinente.
— Vamos bazar — resmunga o Crew, pegando na minha mão. Ele leva-me
para fora da loja, os dois a rir assim que nos escapamos do seu interior, mas
consigo ver vestígios de um semblante carregado nos cantos dos seus olhos.
— Aquela cabra foi rude para ti.
— Está tudo bem. — Abano a mão, descartando a ideia e a mulher. — Ela só
acha que somos adolescentes estúpidos a desperdiçar o tempo dela.
— Se calhar eu não estava a desperdiçar o tempo dela. Ela viu o que eu tinha
nas mãos? — Ele levanta o saco da Cartier. — Eu posso comprar aquela loja
inteira.
— Oh, deixa-te disso, Senhor «Eu Sou Um Homem Muito Importante»
Lancaster. — Empurro-me contra ele, deslizando o meu braço em torno da sua
cintura. — Pareces mesmo um snobe.
— Eu sou um snobe. — Ele sorri-me, alguma da tensão desaparece das linhas
da sua face. — Não gosto da maneira como ela te tratou.
— Não me incomodou.
— Incomodou-me a mim. — Ele detém-se a meio do passeio, forçando-me a
parar, e faz uma concha com a mão em torno do lado da minha cara, beijando-
me suavemente. — Porque é que és sempre tão simpática?
— Porque é que estás sempre tão carrancudo? — Levanto-me em bicos de pé,
pressiono a minha boca à dele, e as pessoas desviam-se de nós no passeio, a
maioria a resmungar entre dentes. — Vamos andando. Vamos lanchar qualquer
coisa.
— Preferia lanchar-te a ti — murmura ele.
Eu reviro os olhos.
— Não podemos voltar para tua casa outra vez.
— Porque não? Nunca está lá ninguém. — Ele pega na minha mão, e
voltamos a andar. — Eu posso chamar o Peter. Ele estaria aqui em dez
minutos.
Estou hesitante, não porque não o queira apanhar a sós, mas mais por estar
preocupada que ele só queira isso de mim.
Sexo.
As ações dele não dizem isso, mas eu também preciso das palavras.
Desesperadamente.
O Crew solta a minha mão para poder dedilhar no telemóvel. Está a enviar
uma mensagem ao Peter, tenho a certeza. Completamente a leste da guerra que
está atualmente a grassar dentro da minha cabeça.
A dúvida ressurge de tempos a tempos, quando me ponho a pensar no que é
que o Crew está realmente a fazer comigo e em quão sérias são as suas
intenções. Eu devia estar a ser a rapariga fixe. A que não se preocupa com nada,
que sabe manter as cenas casuais e nunca se torna demasiado exigente no que
toca a um rapaz.
Mas eu não sou essa rapariga, e o Crew sabe-o.
Quando estamos sentados no banco de trás do carro e o Crew me está a
tentar beijar, eu empurro-o, recebendo mais um olhar carrancudo pelas minhas
ações.
— O que se passa?
Relanceio na direção do Peter antes de devolver o meu olhar ao do Crew.
— É só isto que vamos ser um para o outro? Curtes?
— É isso que queres que sejamos? — pergunta ele, cautelosamente.
Eu não quero que seja tudo colocado em cima de mim. Preciso da opinião
dele. Preciso de saber como é que se sente em relação a mim. Não posso tomar
esta decisão sozinha. Esta é a primeira vez que faço uma coisa destas e não sei
como lidar com a situação.
— Eu…
Ele interrompe-me.
— Porque não é isso que eu quero. Achas mesmo que quero que sejas uma
curte casual quando te estou a enviar batons da Chanel todos os dias?
— Eu não sei como é que estas coisas funcionam. — Sinto-me desamparada.
Pior do que isso? Sinto-me estúpida.
— Eu digo-te como é que funciona. Pelo menos comigo. — Ele desliza o
braço em torno dos meus ombros, aconchegando-me contra o seu lado, para
que possa sussurrar no meu ouvido. — É que há uma rapariga, entendes? Ela é
querida. Linda. Não sei como é que tolera um idiota como eu, mas ela até
parece gostar de mim. E eu gosto muito, muito dela.
Calor espalha-se pelas minhas veias, e o meu coração incha.
— Esta é a primeira vez que dou por mim a querer passar o meu tempo todo
com uma rapariga, e está a fazer-me sentir… consumido. Não consigo parar de
pensar nela. Tudo o que quero fazer é fazê-la sorrir. Fazê-la rir. Fazer com que
goste de mim — continua ele a dizer.
— Eu gosto de ti — sussurro, inclinando a cabeça para ele.
O Crew beija-me, os lábios prendem-se aos meus.
— Eu também gosto de ti. E definitivamente não quero que sejas uma curte.
Outro beijo. Este mais intenso, com língua.
— Quero que sejas minha. E de mais ninguém — murmura contra os meus
lábios.
Estendo a mão para a gola da sua camisola e puxo a corrente com o meu anel
para fora. Enfio o meu dedo no anel e puxo-o suavemente, olhando para ele.
— Mais ninguém tem isto.
— Eu sei. Significa que me pertences. Eu já te disse isso.
— É só que, às vezes, me sinto… insegura — admito.
Ele abraça-me, puxando-me mais para ele, até estar praticamente sentada no
seu colo. Realmente, não cheguei a pôr o cinto de segurança.
— Eu não quero que te voltes a sentir insegura.
— Não queres? — Inclino a cabeça para trás quando ele pressiona a boca
contra a minha garganta.
— Não — murmura contra a minha pele. — Tu pertences-me. — Ele lambe
o comprimento do meu pescoço, fazendo-me estremecer. — E nunca te
esqueças disso.
QUARENTA E NOVE
WREN
Acordo na véspera de Natal com a minha mãe a entrar no meu quarto, com os
olhos arregalados e o robe de seda branco a esvoaçar no seu encalço.
— Tens uma prenda — anuncia.
Esfregando os olhos, pestanejo, ainda meio a dormir.
— Onde está?
— Não a conseguia trazer para o teu quarto. Vais ter de sair daqui para a ver.
Ela está animadíssima, está praticamente aos saltinhos. E «animada» nunca foi
uma palavra que utilizei para descrever a minha mãe.
Deixo a cama e visto o hoodie que está estendido nas costas da cadeira da
secretária, depois, enfio os pés nas pantufas que recebi no Natal do ano
passado. Sigo a mãe, e ela leva-me ao hall de entrada, onde uma grande caixa
castanha está encostada à parede perto da porta.
— É um dos teus quadros? — pergunto-lhe.
Ela abana a cabeça.
— Tem o teu nome na caixa. Eu tive de assinar para receber.
— Se calhar é a peça que comprei da Hannah Walsh. — Se bem que achava
que só seria entregue no início do próximo ano.
A mãe vai até à consola e abre uma gaveta, retirando um x-ato.
— Vamos abri-la.
— Uau. Estás preparada — digo com jactância.
— Estou sempre a abrir caixas destas. — Ela empurra a lâmina para fora e vai
até à caixa, cuidadosa enquanto a abre. Eu fico a observar, antecipação a
espalhar-se pelas minhas veias, a curiosidade a deixar-me muda.
Não faço mesmo ideia do que possa estar dentro da caixa.
— Achas que é do Crew? — pergunto, sem querer criar muitas expectativas.
Ele já não me deu o suficiente?
— Veio com um serviço de entrega diferente, por isso talvez não seja —
retorque a mãe à medida que desliza o x-ato pela caixa e a abre. — Oh, acho
que é um quadro.
Ela puxa o cartão cortado, atirando-o para o lado.
— Não é suficientemente grande para ser o que eu comprei — digo, olhando
para a tela envolvida em branco.
— Arranca isso e vamos ver o que é! — A minha mãe está praticamente a
vibrar com entusiasmo. Este é o tipo de coisa pela qual ela vive.
A minha mente está a mil, mas não consigo chegar a uma conclusão. Não sei
mesmo o que é ou quem o enviou.
O Crew já me enviou muitas prendas, por isso duvido que seja dele…
— Se não o abrires, vou abri-lo por ti — diz ela, por fim, estendendo as mãos
para o quadro.
— Ei, isso é meu. — Empurro-a para fora do caminho com a anca, fazendo-a
rir.
Cuidadosamente, puxo o invólucro de gaze que protege o quadro, que não é
um quadro de todo. O meu coração começa a bater com força à medida que a
peça é lentamente revelada, e as minhas mãos começam a tremer. Reconheço-a
de imediato, claro. As impressões de lábios com múltiplas cores numa tela em
branco, a maneira como quase cobrem o espaço todo. A forma como todos
aqueles lábios juntos parecem ondear.
É a peça que desejo há tanto tempo.
O meu coração está a bater com tanta força que ameaça libertar-se do meu
peito.
Pouso dedos trémulos sobre os meus lábios, quanto mais olho para ela, mais
sinto as lágrimas a encherem-me os olhos. Este momento é mesmo real?
— Oh, meu Deus.
— A Million Kisses in Your Lifetime — sussurra a mãe, olhando para a peça.
— Oh, é encantadora.
— Quem enviou isto? De onde veio?
Não consigo afastar o olhar da peça. Não consigo acreditar que está mesmo
aqui, parada na entrada dos meus pais.
E que me pertence.
— Eu não sei. — A mãe vai até à caixa de cartão descartada, que deixou em
pedaços no chão. — Vamos confirmar a…
— Fui eu.
Viramo-nos e encontramos o meu pai a olhar para nós com um sorriso
radiante.
A mãe franze o sobrolho.
— Não me disseste que ias…
— Oh, pai! — Corro para ele, envolvendo-o num abraço enorme, a chorar
lágrimas de pura alegria contra a sua camisola verde-escura. Calculo que ele
não tenha planeado ir trabalhar hoje, e estou tão feliz.
Não acredito que ele fez isto por mim. Que, afinal, sempre conseguiu
encontrar esta peça para mim.
— Gostas? — pergunta, apertando-me com força.
— Adoro-a. Tu sabes o quanto eu a queria. — Afasto-me dele para poder
voltar a olhar para a peça, completamente encantada. É tão bela. Todos os tons
de batom Chanel. Os diferentes formatos de impressões de lábios. Algumas
mais fortes, outras, suaves. Todas elas sobrepostas, camadas sobre camadas de
beijos.
E são todos meus.
Eu nunca conseguiria recriar isto, independentemente do que o Crew tem
dito. Nunca seria o mesmo. Nunca seria tão belo.
— Eu sei, Amora. E agora, finalmente, pertence-te. Feliz aniversário
antecipado. — O pai olha para a mãe, que ainda está de sobrolho franzido. —
Devíamos celebrar este momento, não achas? Vamos tomar o pequeno-almoço
fora.
— Eu ainda nem me vesti, Harvey. — Ela está a observá-lo com atenção,
como se não conseguisse… o quê? Acreditar que ele comprou a peça para
mim? Ela está zangada por ele o ter feito? Eu lembro-me de ela ter dito, o ano
passado, quando eu estava desejosa para ter a peça, que achava a peça
demasiado cara para ser a minha primeira. — E a Wren também não.
— Eu posso vestir-me depressa. Vamos só ao restaurante ao fundo da rua,
certo? — É o meu favorito, apesar de a mãe odiar o sítio. Mas eles têm as
melhores fatias douradas e, de repente, estou com fome.
— Perfeito. És tu que escolhes, visto que o teu aniversário é amanhã. — Ele
vira-se para a mãe. — Veste-te, Cecily. É véspera de Natal! Temos de a passar
em família.
Olho para a peça novamente, incapaz de afastar o olhar. Estou tão animada
quanto a minha mãe estava apenas há uns minutos.
— Posso levá-la para o meu quarto?
— Claro, querida — diz a mãe, com um sorriso frágil. — É tua agora. Podes
fazer o que quiseres com ela.
Pego na peça com cuidado e, lentamente, caminho de volta para o meu
quadro, rezando para não tropeçar e enfiar o pé na tela.
Nunca seria capaz de me perdoar se o fizesse.
Assim que está no meu quarto, encosto a tela à parede e dou um passo atrás
para a admirar. É belíssima.
Deslumbrante.
Toda minha.
Aperto as mãos à minha frente e começo a saltitar, como se tivesse cinco anos,
a soltar guinchinhos. Não me consigo conter nem ao meu entusiasmo. Esta é
tipo… a melhor prenda de aniversário de sempre.
Devia mandar uma mensagem ao Crew. Contar-lhe sobre a peça. Ele vai ficar
tão feliz por mim, mas suponho que hoje ele deve estar ocupado. Ele tem
planos com a família, e era suposto irem hoje de manhã cedo para a casa do seu
tio, para passarem a véspera de Natal.
O pai bate à porta e entra de rompante no meu quarto, com um sorriso falso
na cara.
— Vamos lá, toca a vestir, Amora. Não temos tempo a perder. Estou
esfomeado.
— Só um minuto. — Olho para o telemóvel e descubro que já tenho uma
mensagem do Crew.
Oi, dorminhoca, já estás de pé?
Tiro uma fotografia da peça encostada à parede antes de lhe enviar uma
resposta.
Eu: Olha o que o meu pai me comprou para o meu aniversário! Dá para
acreditar? Estou A P A I X O N A D A.
Mando-lhe uma fiada de emojis a mandar beijinhos.
— Vamos — diz o meu pai, praticamente exigindo-o, e eu pouso o telemóvel
na cómoda, virando-me para o encarar.
— Dá-me só um minuto, pode ser?
— Veste umas calças de fato de treino e vamos andando. Estás bem. Eu vou
assim. — Ele gesticula para a sua camisola e calças de ganga. — E a tua mãe
também não se vai aperaltar. É só o restaurante da esquina.
— Eu sei. Tudo bem, espera. — Acho estranho que ele não saia do meu
quarto enquanto troco de roupa, mas faço-o na zona do roupeiro para ter
privacidade. Tiro as calças de pijama, enfio umas calças de fato de treino pretas,
calço as minhas Nike favoritas e saio do armário em menos de dois minutos. —
Estou pronta.
Ele vem até mim, agarra-me no braço e guia-me para fora do quarto.
— Vamos andando. Como disse, estou cheio de fome. Estou ansioso para
atacar o meu bife de frango frito favorito.
Paramos na entrada, à espera da minha mãe.
— Aquele prato que a mãe diz que te vai dar um ataque cardíaco?
Estou a brincar. A mãe costumava estar sempre a dizer-lhe isso quando
andávamos viciados no restaurante num verão há tempos, e íamos lá quase
todos os domingos de manhã comer o pequeno-almoço. Ela obrigou-nos a
interromper esse hábito, e lembro-me de pensar que ela era mesmo uma
desmancha-prazeres.
— É esse mesmo. — Ele sorri e dá-me um toque com o dedo indicador no
nariz. — Gostas do teu presente?
— Adoro-o tanto. — Envolvo-o noutro abraço, segurando-o com força. —
Eu sei que as coisas não têm estado muito bem entre nós, e eu peço desculpa.
Significa tanto para mim que me tenhas arranjado isto. É tudo o que eu
alguma vez poderia querer.
— Não tens de quê. Tu sabes que eu te adoro mais do que qualquer coisa,
certo? — Ele passa-me a mão pelo cabelo, apertando-me a cabeça contra o seu
peito durante um breve momento. A maneira como o fez, tal como fazia
quando eu era pequena e ele era o meu verdadeiro tudo e mais alguma, faz a
minha garganta apertar. E eu não quero chorar.
Estou demasiado feliz para chorar.
— Também te adoro — sussurro, afastando-me para lhe poder sorrir.
Quando me extraio dos seus braços, viro-me e encontro a minha mãe a olhar
para nós, o seu olhar a faiscar com irritação.
O quê, ela está invejosa da nossa relação outra vez? Depois da nossa conversa?
Tudo por causa de uma peça que ela provavelmente não queria que eu tivesse?
Não percebo.
Acho que nunca vou entender a minha mãe e as suas mudanças de humor.
*
Assim que entramos os três no apartamento, a mãe vai a passo decidido até à
caixa descartada, que ainda está onde foi deixada, e começa a escavar através da
salgalhada dos invólucros até agarrar um envelope branco pequeno, sem dúvida
com um cartão no seu interior à espera para ser lido.
— Para ti — diz ela, trazendo-me o envelope.
Tiro-o das suas mãos e olho para o Crew, que me está a observar com
atenção.
— Abre-o — incentiva-me.
Com dedos trémulos, desfaço o envelope e tiro o cartão.
Uma prenda de aniversário antecipada para a minha Birdy. Um milhão de
beijos, de mim para ti.
Com amor,
Crew
Feliz Natal. Comprei-te todas as cores de batom que a Chanel tem, para que
possas recriar o teu próprio milhão de beijos. Espero que partilhes alguns comigo.
Com amor,
Crew
**** Wren é um nome de uma família de pássaros, que, em português, são comummente conhecidos
como carriças. (NT)
CINQUENTA E DOIS
CREW
— És patético.
É a primeira coisa que o Grant me diz quando volto à sala de estar depois da
minha conversa rápida com a Wren.
— Oh, deixa-o em paz. — Isto vem da namorada do Grant, a Alyssa. Ela não
tem medo de lhe responder, e acho que ele respeita isso. A contragosto. Eu sei
que respeito. Ninguém fala com o Grant como ela. — Ele está apaixonado.
Até há um dia era capaz de o ter negado, mas caramba.
Estou definitivamente apaixonado pela Wren Beaumont.
Comprar A Million Kisses in Your Lifetime como prenda de aniversário mais
do que confirma isso. Enviar-lhe uma mala da Chanel e pagar uma catrefada de
dinheiro por quatrocentos batons também o comprova.
A peça provou ser difícil de encontrar. Mais difícil ainda de a comprar ao
dono anterior. O gajo não queria abrir mão dela, independentemente dos
valores que lhe oferecêssemos, e manteve-se firme durante um bom bocado.
Também me fez suar, e o Grant adorou todos os segundos, o cabrão.
Mas o dinheiro fala sempre mais alto, e os Lancasters têm bastante. Acabei
por conseguir adquirir a peça que a minha miúda tanto adora por uns porreiros
um milhão e duzentos mil dólares.
— Se estar apaixonado me faz ser patético, então tu também és — digo ao
meu irmão, a parecer um puto de cinco anos.
— Parem de discutir — ordena a mãe, num tom ameno. — Quando é que
ela chega, Crew? Janta connosco?
— Deve estar quase a chegar. E sim, ela janta cá. É o aniversário dela.
As sobrancelhas da mãe disparam para cima.
— O quê? Hoje?
Aceno.
— Então temos de celebrar. Vou falar com o chef. Já tínhamos ideias
planeadas para o jantar, mas precisa de ser extraespecial. E devíamos ter um
bolo! Oh, céus. — Ela levanta-se e apressa-se para a cozinha, chamando pela
equipa de cozinha.
— Gastaste mesmo um milhão de paus num quadro para ela? — Isto vem do
Finn, o meu segundo irmão mais velho. Está reclinado no sofá, agarrado a um
copo de sumo de laranja carregado com vodca.
E ainda não é meio-dia. Suponho que ele precise disso para sobreviver a todo
o tempo em família que temos vivenciado nestes últimos dias, tempo que ele
normalmente tenta evitar.
Não que eu o possa culpar. Essa é a parte boa de estar preso no internato da
Lancaster Prep: só vejo a minha família nos feriados importantes.
— Gastei — digo, com um aceno, enquanto caminho até às janelas que dão
para a cidade, parando ao lado do pinheiro gigante decorado com luzes
brancas.
A mãe esmerou-se este ano. A casa tresanda a pinheiro, o que não é uma coisa
má.
— E não é um quadro.
— Então é o quê, porra? — pergunta o Finn.
Viro-me para o olhar.
— É uma peça feita com batom.
O Finn franze o sobrolho.
— Como assim?
— Alguém beijou a tela. Vezes sem conta com diferentes tons de batom da
Chanel — explica a Alyssa, o seu olhar acanhado encontrando-se com o meu.
— Quando o Grant me falou da peça, tive de ir fazer uma pesquisa. Fiquei
intrigada.
— É a peça favorita dela. — Encolho os ombros. Tudo o que quero é deixar
aquela rapariga feliz.
Independentemente do custo.
Independentemente do que quer que seja.
— Consigo perceber porquê. É linda — concorda a Alyssa, abrindo uma
imagem da peça no ecrã e mostrando-a ao Finn.
Ele estuda-a e levanta a cabeça com o sobrolho franzido.
— Não entendo.
Suspiro. O Grant diz que ele é um idiota. A Alyssa apenas abana a cabeça.
— Lamento informar, mas não tens um único osso romântico no teu corpo
— diz a Alyssa ao Finn, que, coincidentemente, é o seu antigo chefe.
— Tenho um osso em particular que não é romântico. — Ele ri-se e bebe um
gole da sua bebida, fazendo o gelo chocalhar dentro do copo enquanto a Alyssa
olha para ele com uma cara enojada.
Um dia como qualquer outro na casa dos Lancasters.
A mãe entra de rompante na sala de estar, aparentemente ofegante.
— Diz à tua rapariga encantadora para trazer um vestido, Crew. Vamos ter
um jantar formal hoje à noite.
Ah, merda.
— A sério?
— Sim. Vá, avisa-a já, rapaz, antes de ela sair de casa. Vamo-nos aperaltar! —
A mãe vira-se para a Alyssa. — Trouxeste alguma coisa apropriada para um
jantar formal, querida?
— Por acaso, trouxe. — A Alyssa sorri serenamente, tão calma quanto
possível, apesar dos esforços incansáveis da minha mãe para a azucrinar. Uma
pessoa aprende rapidamente que é preciso estar sempre preparado quando se
passa tempo com a família Lancaster. Nunca se sabe o que pode acontecer a
seguir.
— Oh. Então está bem. — A mãe funga, aparentemente desapontada por
não ter criado uma confusão.
Eu tenho pena da Alyssa. Envolver-se com o filho mais velho dos Lancasters é
uma responsabilidade enorme. Os meus pais vão sujeitá-la às nossas rotinas e
tradições sem realmente querer saber dela e vão dar o seu melhor —
especialmente a minha mãe — para a afastar. Se a Alyssa fincar o pé e não virar
costas e fugir, está aprovada.
Mais vai demorar muito tempo até conseguir ganhar a aprovação deles.
Essas expectativas não recaem em mim e no Finn, por muito injusto que isso
pareça.
A pobre Charlotte também teve de casar bem, sendo a única mulher. Não que
o nosso pai estivesse particularmente preocupado com o sítio onde ela acabava,
tendo em conta que as suas crianças nunca seriam Lancasters.
Na verdade, a minha família é muito marada. Pobre Wren.
Mas, conhecendo-a como conheço, irá derrotá-los com simpatia. Ela é
querida a esse ponto.
Quando, por fim, ela chega, estou a sentir-me ansioso, e as minhas palmas
estão a suar. Eu sei que a vi ontem, mas estou desejoso de lhe pôr as mãos em
cima. E quando recebo a notificação de que ela está no elevador da penthouse,
vou até ao corredor para a cumprimentar.
Soa o barulho de chegada do elevador, e as portas abrem-se, revelando a Wren
ali de pé no seu casaco preto acolchoado e com a mala Chanel cor-de-rosa que
lhe dei pendurada no ombro. Traz uma sacola e um saco de compras cheio de
presentes embrulhados e tem um sorriso enorme na cara quando sai do
elevador.
Diretamente para os meus braços.
Seguro-a contra mim, respirando o seu cheiro familiar e florido.
— Tive saudades tuas.
— Viste-me ontem.
— E ainda assim parece que foi demasiado tempo. — Aperto-a e beijo-lhe a
testa. Saboreio a sensação de a ter nos meus braços.
Credo, o Grant tinha razão.
Eu sou patético.
Afastando-me dela, pego nos sacos que trouxe.
— Estás pronta para conhecer os meus pais?
Os olhos dela ficam arregalados.
— Eles são assim tão maus?
— Não, nem por isso. — Estou a tentar não a assustar.
Ela endireita-se.
— Não tenho medo. Vamos lá.
— Para quem são as prendas?
— Para ti. — Ela sorri. — Para os teus pais. Mas não arranjei nada para os
teus irmãos.
— Aqueles anormais não precisam de nada — asseguro.
Ela ri-se.
— Estás sempre a chamar-lhes isso.
— Porque é isso que eles são.
— Eles não podem ser assim tão maus. — Ela encarquilha o nariz.
— Espera para ver.
Os meus irmãos controlam a boca à beira da Wren, coisa que aprecio. O pai
não parece muito interessado nela, mas por quem é que ele se interessa? Pelo
Grant, e mais ninguém. O resto pode ir para o Inferno.
A Alyssa sente que tem ali uma aliada e faz muita conversa com ela, o que
acalma os nervos da Wren. Eu aprecio o que a Alyssa está a fazer e digo-lho
enquanto nos preparamos para abrir presentes.
É bom que o Grant case com ela em breve — ninguém aguenta aquele
rabugento como ela.
A mãe adora a Wren. Dá para ver pela maneira como olha para ela. As coisas
que diz. A prenda que ela deu aos meus pais foi um conjunto de ornamentos
para a árvore de Natal feitos de cristal azul da Tifany.
A prenda que me dá é pequena e sentimental. É um mapa numa moldura
cinco por sete, com um ponto vermelho na galeria para onde a segui em
Tribeca.
— Este tipo de prenda é mais para mostrar o sítio em que o casal se conheceu
pela primeira vez — afirma, o rosto rosado conforme explica a prenda. — Mas
foi na galeria que tudo… mudou entre nós.
Olho para o mapa emoldurado. O ponto vermelho que, na verdade, tem a
forma de um coração. É uma pena não ser um par de lábios vermelhos.
— Adoro.
— Gostas mesmo? Não achas piroso?
Inclino-me e pressiono a boca contra a dela.
— Nada do que me dás é piroso. Adorei esta prenda.
— Vocês os dois — começa o Grant a dizer, mas a Alyssa coloca a mão em
cima da boca dele, abafando o que quer que fosse que ele ia dizer.
— São muito fofos — acaba a Alyssa por ele.
O Grant revira os olhos, e o Finn dá um ronco de riso.
Eu não digo nada, apenas sorrio para a rapariga que tem o meu coração.
Merda. Ainda é um bocado difícil para mim encaixar isso na cabeça.
Assim que acabamos de abrir as prendas, toda a gente se separa e vai em
direções diferentes, e eu arrasto a Wren de volta para o meu quarto. Estou
prestes a fechar a porta quando ela me interrompe.
— Devíamos deixar a porta aberta.
Franzo o sobrolho.
— Porquê?
— Não é um bocado… incorreto? — Ela faz uma careta.
Ah, o meu passarinho inocente. Ainda tão querida.
Deixando a porta parcialmente aberta, vou até ela, puxando-a para um beijo.
Ela responde imediatamente, pressionando o seu corpo luxuriante contra o
meu, os braços rodeiam-me o pescoço, e os dedos mergulham no meu cabelo.
Termino o beijo primeiro, olhando-a nos olhos.
— Diz-me que queres que a porta permaneça aberta.
— Eu não vou ter sexo contigo no dia de Natal com a tua família aqui —
sussurra ela.
— Não é Natal. É o teu aniversário.
— Tanto faz. — Ela abana a cabeça. — Vamos mesmo aperaltar-nos para o
jantar?
— Oh, prepara-te. A minha mãe adora estas merdas.
— Eu gosto dela. Achas que ela gosta de mim?
Beijo-a de novo.
— Sem dúvida. Ela gostou da tua prenda.
— Ainda bem. Debati-me muito com ela. — O olhar dela viaja para a mala
Chanel novinha em folha, pousada aos pés da cama. — Adoro as prendas que
me deste.
— Ai, sim? — Passo os dedos pelo seu cabelo sedoso, olhando para a sua cara
bonita. Podia olhar para este rosto para sempre e nunca me cansaria dele. —
Provavelmente exagerei.
— Exageraste mesmo. — Ela sorri. — Mas eu adorei. Que me tenhas
comprado A Million Kisses in Your Lifetime…
— Tu amaste.
— Tanto.
— Era para te mandar uma tela em branco, mas esqueci-me — admito.
Ela ri-se.
— Podemos ir comprar umas.
— Fazias uma versão da peça para mim?
As sobrancelhas dela erguem-se.
— Gostavas que o fizesse?
Aceno.
— Sem dúvida. Gosto da ideia de ter uma tela pendurada na minha casa
preenchida com as tuas impressões de batom. Um milhão de beijos só para
mim.
Ela atira-se a mim, o seu corpo colide com o meu mesmo antes de me beijar.
Seguro-a contra mim, agarrando a parte de trás da sua cabeça com a minha
mão, enquanto devoro a sua boca, a minha língua varre a sua, enleia-se com a
dela. Afasto-me para sussurrar contra os seus lábios as duas palavras que nunca
acreditei vir a dizer à Wren Beaumont.
— Eu amo-te.
Os seus olhos brilhantes encontram-se com os meus.
— Eu também te amo.
— Quis dizer-te isso quando te dei A Million Kisses in Your Lifetime. — Faço
uma pausa. — Também te quero dar um milhão de beijos na vida real. Quero
ser aquele que tu queres sempre beijar. O único para quem usas o batom da
Chanel.
O sorriso dela é enorme. Ofuscante.
— Eu não quero beijar mais ninguém. Só a ti, Crew. Só a ti.
Ela beija-me outra vez para o provar.
CINQUENTA E TRÊS
WREN
Estamos na véspera de Ano Novo. O dia de que menos gosto no ano inteiro.
Estou na residência Lancaster com o meu namorado. Os pais dele foram a
uma festa e vão passar a noite no hotel onde a festa está a acontecer, e o Crew
prometeu-me que íamos ficar a sós.
Só nós os dois.
Mas assim que chego ao seu apartamento, apercebo-me de que ele me
enganou, e não me importo de todo. Estão aqui pessoas da escola. Pessoas que
eu conheço e de quem gosto, incluindo a Maggie. A Lara e a Brooke. Vejo o
Ezra e o Malcolm a falarem num canto, ambos a rirem-se. O teto está coberto
por uma multitude de balões, com as suas fitas longas e enroladas, todas elas
com o mesmo esquema de cores — rosa, dourado e branco. Rosas cor-de-rosa
preenchem todos os espaços disponíveis, e há uma torre de copos de
champanhe numa mesa, cada um cheio do líquido efervescente.
Avisto um bolo rosa e branco noutra mesa, rodeado por presentes.
São as coisas que lhe descrevi naquela noite. Cada uma delas.
Olho para o Crew, que me está a observar com tanto amor a brilhar-lhe nos
olhos.
— Organizaste uma festa para mim — sussurro.
— Uma festa de aniversário de Ano Novo — diz ele, pegando na minha mão
e puxando-me para um beijo. — Espero que não te importes.
Estou tão assoberbada que tenho medo de desatar a chorar.
— Eu não me importo — crocito, grata por ele me segurar nos seus braços,
para poder fungar no seu ombro, fechando os olhos com força para que as
lágrimas não comecem a verter.
— Estás linda, Birdy — murmura quando eu finalmente me afasto.
Estou a usar um vestido branco brilhante. As mangas são em forma de balão,
e o corpete tem profundidade, mostrando bastante decote. A saia é extracurta,
e deixo um rasto de brilhantes iridescentes por onde passo.
— Obrigada. Tu também estás.
O Crew está a usar um fato preto com uma camisa branca por baixo, aberta
em cima, sem gravata. Ele está com ar atraente e sexy, e sempre que o seu olhar
pousa em mim sinto a pele aquecer, porque sei no que ele está a pensar.
Em mim e nele, nus. Isso vai acontecer em breve, depois de os convidados se
irem embora. Mas, agora, quero cumprimentar toda a gente.
E é isso que faço.
Como boa anfitriã, vou cumprimentando e metendo conversa com todos,
com o Crew ao meu lado, como se fôssemos um casal verdadeiro, coisa que
somos. Há uma mesa carregada com comida confecionada pelo serviço de
catering e muitas opções de bebida, e eu acabo por arranjar um prato que
encho com comida, antes de ir buscar um copo de champanhe da torre e de me
sentar com a Maggie, a beber e a comer enquanto pomos a conversa em dia.
Sabe tão bem passar tempo com os meus amigos e sabendo que o Crew está
por perto, sempre com um olho fixo em mim. Há uns dias, ele mencionou que
tinha tido uma conversa com o Ezra, e já não estão chateados um com o outro,
o que deixa o meu coração feliz.
Alguém acaba por meter música a dar e está tão alta que as pessoas começam
a dançar. O álcool está a fluir.
A celebração transformou-se numa festa a sério.
— Bebe qualquer coisa, Wren! — encoraja o Ezra, e eu abano a cabeça.
— Vou esperar até à meia-noite — digo-lhe, lançando um olhar mudo na
direção do meu namorado.
— Oh, anda lá…
— Deixa-a em paz, Ez — diz o Crew, calando o seu amigo de vez.
Não consigo evitar dar uma risadinha. Ele ainda é tão rabugento. Mas nunca
comigo, não realmente.
Nos últimos momentos antes da meia-noite, dou por mim de pé ao lado da
árvore de Natal, a contemplar as luzes resplandecentes da cidade. O cheiro
carregado a pinheiro ainda paira no ar, e olho de relance para a árvore,
maravilhada pelas luzes brancas. O Crew aproxima-se por trás de mim, vejo o
seu reflexo na janela. Ele envolve a minha cintura com um braço, a sua mão
aberta a repousar sobre o meu estômago enquanto me inclino contra o peso
sólido atrás de mim.
— Quero arrancar este vestido. — Ele passa os dedos pelo meu estômago.
— Se o rasgares, vou-te magoar.
Ele ri-se no meu ouvido.
— Tão feroz. Aprendeste mesmo a aumentar a parada, Birdy.
Graças a ele. E à minha mãe. E a mim mesma. Não preciso de estar sempre
assustada ou preocupada. Consigo fazer as coisas sozinha.
Consigo ser a minha própria pessoa. Não preciso da ajuda de ninguém — a
menos que peça.
E não há mal absolutamente nenhum em pedir.
— São onze e cinquenta e dois — sussurra-me ao ouvido. — Queres estar
nua e na minha cama à meia-noite?
— Não. Temos convidados — digo, com elegância empertigada. — Quero
estar aqui com copos de champanhe, e podemos brindar à saúde um do outro
quando os ponteiros chegarem às doze. O que achas?
— Acho que estás a tentar recriar a tua fantasia mais secreta — diz ele.
— Eu acho que tu queres recriar a minha fantasia mais secreta, graças a esta
festa que organizaste para mim — lembro-o.
Lembro-me de lhe ter falado disto não há muito tempo. De como queria ter
uma festa que fosse uma combinação da véspera de Ano Novo com festa de
aniversário. Contudo, o meu aniversário já passou. O ano está quase a acabar.
Um novo ano está a chegar, e a minha vida está prestes a mudar. Já mudou.
Da melhor maneira possível.
— E se brindarmos à saúde um do outro, nos beijarmos à meia-noite e depois
tu podes levar-me para a tua cama e fazer o que quiseres comigo? — sugiro.
— Porra, estás a falar a sério? — Olho para ele, vejo aquela expressão
esperançosa na sua cara e só me quero rir.
— Estou a falar muito a sério. — É o mínimo que posso fazer depois de tudo
o que ele me tem dado. Além disso, vou beneficiar com isto de qualquer
maneira.
— Eu consigo fazer com que o Ez e o Malcolm expulsem toda a gente depois
da meia-noite.
Sorrio.
— Parece que temos um plano.
— Deixa-me ir buscar champanhe.
Ele deixa-me à beira da árvore e viro-me para ela, tocando ao de leve nos seus
ramos. Nos ornamentos delicados que estão pendurados neles. São todos
brancos e alguns parecem ser feitos com fibras de vidro. Flocos de neve e
árvores delicadas. Bolas de vidro finas e bengalas doces torcidas.
— Aqui tens. — O Crew passa-me um copo de champanhe cheio com o
líquido dourado e efervescente e fica com outro copo na mão para si. A música
é silenciada e liga-se a televisão, num daqueles programas que fazem a
contagem decrescente da passagem de ano. — Temos três minutos até à meia-
noite.
— Estamos quase. — Os nervos borbulham-me no estômago, mas, desta vez,
nesta noite, sabem bem. Estão certos. Porque o próximo ano vai ser um ano de
possibilidades infinitas. Grandes mudanças. Um futuro entusiasmante.
As pessoas começam a passar chapéus e apitos línguas da sogra, e eu pego
num e sopro-o mesmo na cara do Crew. Ele faz um esgar, tirando-o da minha
mão.
— Que cor vais usar hoje à noite?
Ele está a falar dos meus lábios.
— Sensato é a palavra-chave. — Sorrio, desesperada por dar um gole do meu
champanhe, mas querendo esperar pela meia-noite primeiro. — Gostas?
— Até agora, adoro todas as cores nos teus lábios. São a melhor prenda que te
podia ter dado… e a mim.
— E tu não me chegaste a dizer como é que a vendedora reagiu quando
fizeste o pedido — digo, a brincar com ele.
— Ela achou que eu estava a brincar. — Ele ri-se. — Depois, lancei-me
numa explicação muito longa acerca da arte e da história por detrás da peça e,
quando terminei, ela disse que ia adorar ajudar-me. — O olhar dele encontra o
meu. — Ela disse-me que eu devia gostar mesmo muito da rapariga em
questão, e eu disse-lhe que sim, gostava mesmo dela.
O meu coração transborda de emoção com o que ele acabou de dizer. Com a
maneira como está a olhar para mim. A multidão reúne-se à volta da televisão,
algumas das pessoas estão próximas de nós, e o Malcolm tem um apito, que
sopra na nossa direção, fazendo-me rir.
— A contagem está quase a começar! — anuncia alguém.
— Menos de um minuto — sussurra o Crew, e apercebo-me de que não
quero estar a olhar para a contagem na televisão quando podíamos olhar pela
janela e ver parte da contagem a sério a acontecer lá fora. Pelo menos vamos ver
o fogo de artifício.
— Vamos olhar para a cidade — sugiro, e viramo-nos os dois para olhar pela
janela, de costas para toda a gente.
Ele está a observar-me. E eu estou a observá-lo. Quando começam todos a
contar, ele também começa, com uma voz suave.
Só para mim.
— Dez. Nove. Oito. Sete. Seis.
Junto-me a ele.
— Cinco. Quatro. Três. Dois. Um.
— Feliz Ano Novo, Birdy. — A cara dele está tão próxima da minha que os
seus lábios roçam os meus quando fala.
— Feliz Ano Novo — murmuro antes de o beijar.
Apesar da gritaria e do alarido dos nossos convidados, também consigo ouvir
as explosões abafadas de fogo de artifício a rebentar no ar. O clamor das
pessoas a dar as boas-vindas ao novo ano nas ruas. Afasto-me para ver o fogo de
artifício. Explosões de vermelho e branco enchem o céu, e o Crew desliza o seu
braço ao redor dos meus ombros, aninhando-me contra ele, e o seu copo toca
no meu.
— A este novo ano — diz ele.
— A este novo ano — repito antes de bebermos um gole.
O champanhe efervesce na minha garganta, e dou outro gole, acabando por
esvaziar o copo. O Crew faz o mesmo, tirando-me o copo da mão e pousando
os dois numa mesa que está por perto, antes de me dar a mão e me guiar de
volta para o seu quarto.
Esquecemos toda a gente. Só estamos focados um no outro.
Dentro do quarto está escuro, as cortinas estão abertas apenas o suficiente
para deixar entrar a luz dos arranha-céus e, quando ele me puxa para ele, vou
de bom grado. Um gemido suave deixa-me quando ele passa as mãos pelos
meus lados, os seus dedos a juntar nas mãos o tecido do meu vestido.
— Não me canso de ti — afirma, mesmo antes de pôr a boca na minha, e eu
abro-me a ele completamente, com a minha língua a lançar-se para se
encontrar com a dele.
O beijo é decadente. A boca dele sabe a champanhe, e, quando as suas mãos
entram para debaixo da bainha do meu vestido e pousam no meu traseiro
despido, estremeço.
Ele fica paralisado.
— Não estás a usar cuecas.
— Também não estou a usar sutiã — digo-lhe.
O brilho esfomeado nos seus olhos manda uma onda de calor a correr por
entre as minhas pernas, e ele vira-me com rapidez, deixando-me de costas para
ele. Os seus dedos vagueiam pela minha pele exposta, antes de começarem a
puxar o fecho do vestido. Deslizam o fecho para baixo até o vestido ficar solto
no meu corpo, caindo para a frente. Ele despe-me com mãos impacientes até o
vestido estar num monte aos meus pés, e eu afasto-o, prestes a tirar as minhas
sandálias de salto quando ele me impede, a sua mão a pousar na minha anca
despida.
— Não te descalces — diz ele, praticamente a rosnar.
Eu faço como ele pede, e, quando me vira para o encarar de novo, as nossas
bocas colidem, esfomeadas, e as suas mãos parecem estar em todo o lado ao
mesmo tempo. Na minha cintura, nas minhas ancas. Nos meus seios. Nos
meus mamilos. Ele agarra-me entre as coxas, os dedos a provocar-me, a
mergulhar dentro de mim, e eu relaxo os músculos, desejando mais.
— Quero-te foder contra a parede.
O meu corpo inteiro acende-se com a sua sugestão.
Hum. Nunca fizemos isso antes.
Quando dou por mim, estou contra a parede do seu quarto, próxima das
janelas, com a cidade iluminada diante de nós. Não há muito tempo, estaria a
passar-me com medo de que alguém nos visse. Me visse. Completamente nua.
Agora nem quero saber. Estou demasiado bêbada com desejo de o ter. A
necessidade de o sentir a mover-se dentro do meu corpo sobrepõe-se a tudo o
resto.
Lentamente, ele pressiona o seu corpo completamente vestido ao meu corpo
nu e eu silvo uma exalação, a minha pele a acordar com o roçar da sua camisa e
das suas calças na minha pele. Ele beija-me o pescoço, as mãos pousam
levemente nas minhas ancas, a sua boca desliza até à minha clavícula. Ao meu
peito. Ele dobra os joelhos, os seus lábios envolvendo-se em torno de um
mamilo, e eu enfio as mãos no seu cabelo, segurando-o contra mim.
— Porra, és linda — murmura contra o meu peito, a mão a descer para me
afagar entre as pernas. Estou molhada. Consigo ouvir os seus dedos a
escorregar no meu desejo e fecho os olhos, batendo ligeiramente com a cabeça
na parede. Já me sinto dominada pelo seu toque.
Quando ele se levanta e volta a capturar a minha boca, enquanto os seus
dedos continuam atarefados entre as minhas coxas, tudo o que consigo fazer é
deixá-lo acariciar-me, os meus joelhos a ameaçar ceder. Ele rodeia e esfrega o
meu clitóris, e o prazer radia por mim em espiral, e sei que estou quase. Agarro
a fivela do seu cinto, os meus dedos de tal modo atrapalhados que ele me afasta
a mão e trata do assunto. Desaperta o cinto, as calças e, depois, sou eu que
estou a enfiar a minha mão nas suas calças, a enrolar os dedos em torno da sua
ereção.
Quando dou por mim, estou a ser levantada, as minhas pernas fecham-se em
torno da sua cintura, a ereção está livre e mesmo onde eu mais preciso dela. Ele
embate contra mim com tanta força que, por momentos, deixo de conseguir
respirar, o seu pau desliza para dentro e para fora do meu corpo conforme me
agarro a ele, a minha boca aberta contra o seu pescoço, os meus braços
embrulhados à volta dos seus ombros largos. As suas ancas bombeiam contra as
minhas como um pistão, a sua velocidade aumenta com cada estocada, e eu
fico completamente quieta, já à beira de um orgasmo.
Ele sabe exatamente como me tocar — e onde. Os meus gemidos são uma
indicação do que quero, onde o quero, e ele sabe.
Ele já percebe o meu corpo e consegue dar-lhe exatamente aquilo que quero.
Aquilo de que preciso.
O meu clímax chega do nada e é tão forte que tenho dificuldade em respirar,
a minha mente fica completamente em branco. Só me consigo concentrar nos
tremores intensos que convulsionam o meu corpo, que radiam pelos meus
membros. Continuam sem cessar, parece que nunca vão parar, e eu juro que, a
certa altura, o meu coração deixa de bater.
Ele também se vem, um gemido rouco ressoa das profundezas do seu peito,
ondulando pela minha pele. Quando acaba, pressiona-me contra a parede com
todo o seu peso, a minha pele coberta por suor agarra-se às suas roupas, os
nossos corpos ainda conectados. Ele lateja dentro de mim, a sua respiração
difícil, irregular. A boca dele está próxima do meu ouvido.
— Gosto de te ver quando te vens — sussurra ele, e eu escondo a cara, pois,
às vezes, ainda me sinto tímida, o que é tonto.
Ele tem-me visto nua tantas vezes nas últimas semanas que nem tem piada.
Aceno, ainda incapaz de falar. Demasiado assoberbada pelo que ele me faz
sentir.
Tudo o que fazemos juntos — especialmente isto — sabe tão bem, é tão
certo. Temos uma ligação que não tenho com mais ninguém.
Nem com os meus amigos. Nem com a minha família.
Mais ninguém.
Só ele.
A sua boca roça o meu ouvido enquanto sussurra:
— Eu consigo fazer isso acontecer outra vez.
— Eu sei que consegues. — Sorrio e interrogo-me se ele o consegue ouvir na
minha voz.
— Eu estou sempre a fazê-lo — acrescenta.
Um riso suave deixa-me.
— Estás a rir, mas sabes que é verdade. — Ele mordisca o lóbulo da minha
orelha. — Eu consigo fazer com que te venhas uma e outra vez. A noite toda,
se me deixares.
Um suspiro suave escapa-se de mim, e, quando ele aninha a cara no meu
pescoço, o Crew sussurra:
— Diz alguma coisa.
— Eu amo-te. — É o que lhe digo, e ele levanta a cabeça para me poder olhar
nos olhos.
— Eu também te amo. — O sorriso dele é de pura satisfação.
— Leva-me para a cama — exijo.
— Porquê? — As suas mãos deslizam pelo meu rabo nu, como se me fosse
levar para a cama estando ainda dentro de mim. — Estás cansada?
Ele está-se a meter comigo.
Abano a cabeça.
— Quero começar o ano novo como deve ser. Durante o resto da noite. —
Beijo-o, a minha língua lançando-se para fora para lhe dar uma lambidela. —
Contigo.
O Crew sai de dentro de mim e põe-me no chão. Estou a tirar as sandálias
quando reparo numa coisa e estendo a mão para o seu maxilar, virando-lhe a
cabeça para o lado quando vejo o que é.
Marcas de beijos espalhadas por todo o seu pescoço.
— Preciso de tirar uma fotografia — começo a dizer, mas ele agarra-me e
leva-me para a cama, caindo nela em cima de mim.
— Não, não precisas. Tens a vida toda para fazer isso, lembras-te? — Ele
beija-me, roubando-me a respiração, mas não conseguindo roubar por
completo todos os meus pensamentos.
Pouso a mão no seu peito, parando-o.
— Achas que isto vai funcionar? A sério?
O sorriso dele desenha-se lentamente. É deslumbrante. Ele toca-me no rosto.
Faz os seus dedos vaguear pela minha pele.
— Sim, acho mesmo. Mais ninguém atura as minhas merdas como tu.
Começo a rir às gargalhadas, o que faz o meu peito doer.
— E mais ninguém me entende como tu.
Ele beija-me.
— Aí está um.
Franzo o sobrolho.
— Um quê?
— Um beijo. Acho que vou contar quantos beijos te dou daqui em diante.
— Isso é impossível.
Ele beija-me de novo.
— Achas? Observa.
Outro beijo.
— São três até agora.
E outro beijo.
— Quatro…
Subo para cima dele, silenciando a sua nova contagem com os meus lábios.
Não precisamos de contar.
Eu sei que ele me vai dar pelo menos mais um milhão.
EPÍLOGO
CREW
Estamos a celebrar o Natal em casa dos meus pais nos Hamptons. Não sei bem
porque estamos aqui, mas a minha mãe queria fazer algo diferente este ano e
não queria passar o Natal com os outros Lancasters.
«Agora temos a nossa própria família», explicou ela. «Com o Grant e a Alyssa,
e o Perry e a Charlotte. Oh, e tu e a Wren. E, em breve, vamos ter muitos
netos.»
Ela disse-me isto no dia de Ação de Graças, quando me ligou. Bastante eficaz
a fazer os meus tomates murchar.
«Iá, bem, não contes com netos nossos para já», disse-lhe um riso nervoso.
A Wren atirou-me um olhar fulminante, mas os seus olhos estavam a dançar,
como se achasse a minha dor súbita hilariante.
Ela é uma rapariga travessa.
A minha rapariga travessa.
Os presentes já foram abertos de manhã. O brunch foi servido há horas e está
na altura de nos prepararmos para o jantar. É uma ocasião formal e fomos
todos notificados que os homens usam fatos, e as mulheres, vestidos
semiformais.
Isto fez com que a Wren tivesse uma crise de nervos.
— Eu não sei o que vestir. — Ela tem quatro vestidos pendurados na porta
do armário e está a contemplá-los enquanto rói a unha.
Eu ponho-me de pé a seu lado, inclinando a cabeça para o lado.
— Eu gosto daquele.
É preto e parece ser capaz de esticar, com um tecido que é atravessado por um
fio prateado brilhante. Vai-se agarrar a ela como uma luva e deixar-me com
desejos de a despir durante a noite toda.
Eu gosto de me torturar com a Wren e a sua beleza fogosa inequívoca, por
isso estou mais do que pronto.
— A sério? — Ela abana uma mão na direção do vestido coberto com
lantejoulas douradas. — Eu gosto mais daquele.
Abano a cabeça.
— Guarda esse para o Ano Novo.
Ela vira-se para mim e sorri-me.
— Isso é uma boa ideia.
Com a decisão tomada, ela pega no vestido e entra na divisão do roupeiro
para o vestir, fechando a porta atrás dela.
— Eu já te vi nua — relembro-a.
A minha resposta é uma risada suave.
— Porque é que te estás a vestir aí? — Dispo as calças de ganga e visto calças
pretas, apercebendo-me de que só vou poder vestir metade do fato porque a
minha camisa está pendurada no roupeiro, que está atualmente a ser ocupado
pela Wren.
— Eu quero que seja uma surpresa — diz-me ela.
Arranco a camisola e fico à espera dela sem camisa, sem nada. Ela demora o
seu tempo, e eu sei que é assim que ela opera, mas fico impaciente de qualquer
modo. Ela fica aflita com as mamas e fica sempre preocupada que pareçam
demasiado grandes, e eu tenho de a tranquilizar e dizer-lhe que são perfeitas.
Porque são.
Tal como ela é.
Passámos os últimos dois anos sempre juntos, a viajar pelo mundo.
Decidimos adiar a ida para a faculdade para ganharmos experiência de vida
real primeiro, com a Wren a acrescentar mais peças à sua crescente coleção de
arte durante as nossas viagens. Quando fez dezoito anos, ganhou acesso a um
pequeno fundo fiduciário do lado da família da mãe e, desde essa altura, tem
estado a investir com sensatez em peças de arte.
Eu sou capaz de lhe comprar uma peça ou duas, mas ela impede mais do que
encoraja a minha indulgência. O recente divórcio dos pais e a subsequente
divisão de bens deixou-a preocupada, e eu odeio isso.
A coleção de arte dos Beaumonts é uma coisa maravilhosa e foi recentemente
vendida em dois leilões separados com a Sotheby. Os pais dela ganharam uma
fortuna. A Cecily já começou uma nova coleção.
A Wren chorou nos dois dias do leilão, demasiado assombrada pela perda de
todas aquelas peças. Ela não sabe nada acerca da peça que lhe comprei num
leilão diferente, uma peça que a mãe dela avistou no catálogo da Sotheby,
tendo-me ligado de imediato para me falar dela.
Mas, em breve, também a Wren vai ficar a saber da peça. Breve, tipo hoje à
noite.
Já viajámos por toda a Europa. Passámos um mês no Japão. Um verão nas
montanhas canadianas. Duas semanas na Suíça. Voltámos a casa porque é
necessário, e a Wren gosta de se encontrar com a Maggie e com a Lara e a
Brooke, que estão todas na universidade em Nova Iorque. Além disso, quer
passar tempo com a mãe.
A relação dela com o pai ainda não é a melhor, e até houve um período em
que ela não lhe falou de todo, mas agora já estão a falar mais. Ela até foi ter
com ele na véspera de Natal, o que foi um passo gigantesco. Ele está a viver
com a Veronica, que já não trabalha para ele. Ela odeia arte, mas adora gastar o
dinheiro do Harvey.
Imagine-se.
Não está na moda passar as férias nos Hamptons, mas a minha mãe sempre
quis ser mais uma trendsetter. É mais o facto de ter adotado a atitude clássica
dos Lancasters de Estou-me pouco lixando que o resto da família tem.
A mãe da Wren também veio, porque lhe pedi para vir. Quero que ela
presencie o que está prestes a acontecer hoje à noite, porque vou mudar o jogo
todo.
A vida toda.
— Pronto, ta-da! — A Wren abre a porta com um pontapé e ergue os braços,
e aquele vestido agarra-se ao seu corpo sexy pra caralho, tal como eu sabia que
ia acontecer.
O meu olhar passa por ela, sem saber onde aterrar primeiro.
— Meu Deus.
— O que achas? — Ela vira-se, revelando que as costas do vestido são
completamente abertas, antes de rodopiar para me encarar. — Gostas? Oh, dá
para ver que sim.
Atiro-me para ela, as minhas mãos na sua cintura, a boca na dela. Ela
pressiona as mãos contra o meu peito, afastando-me novamente.
— Onde está a tua camisa?
— No roupeiro onde estavas.
Ela desliza as mãos para baixo, os seus dedos fechando-se à volta da cintura
das minhas calças.
— Acho que devias ir assim para o jantar de Natal.
— Está bem.
Dou um puxão ao decote do seu vestido, o material elástico move-se
livremente até uma mama perfeita estar exposta.
— E tu podes ir assim.
— Não me parece. — Ela solta-me e volta a compor o decote, fulminando-
me a brincar. — Tens de te acabar de vestir.
Enquanto me visto, faço o meu melhor para ignorar os nervos que vão
crescendo dentro de mim, esperando que esta rapariga demasiado observante
não junte já as peças todas do puzzle. Aparentemente, ela está a leste, e o seu
bom humor acaba por passar para mim, até que eu também não consigo evitar
sorrir.
É isto que ela me faz. Faz-me feliz. Eleva-me o espírito. Não me deixa ser um
grande anormal — a maior parte do tempo. Ela é querida e divertida e
inteligente e interessante, e eu desfruto de todos os dias que passo com ela.
E apesar de ainda sermos jovens e de ela estar prestes a fazer vinte anos, eu sei,
sem sombra de dúvida, que não quero viver a minha vida sem ela. Eu preciso
de oficializar as coisas.
Com sorte, ela vai dizer que sim.
Lá acabamos por sair do quarto de hóspedes que estamos a partilhar e
descemos até à sala de jantar formal, onde já toda a gente se encontra à nossa
espera, com bebidas na mão e aperitivos à disposição. A mãe da Wren está a
falar com a Alyssa, que está muito grávida com o bebé do Grant — uma
menina. Só o facto de saber que vai trazer uma menina ao mundo mudou o
meu irmão por completo. Agora é mais simpático com todas as mulheres e não
deixa o nosso pai dizer uma palavra negativa que seja sobre o primeiro neto ser
uma menina.
Apesar de ser precisamente isso que aquele velho canalha misógino quer fazer.
O Finn veio para os Hamptons sozinho — perpetuamente solteiro e feliz com
isso. A Charlotte está com o seu marido, o Perry, e, apesar de ter passado por
muito nos últimos tempos, parecem estar felizes. Apaixonados.
O pai está a emborcar uísque, e a mãe está num estado de preocupação com
os arranjos florais das mesas. A Wren vai ajudá-la — a minha miúda continua a
adorar preocupar-se com tudo e mais alguma coisa —, e, enquanto está
distraída, certifico-me de que a peça que pedi para entregarem há umas horas
foi colocada no sítio certo, conforme as minhas instruções. Olho para dentro
do meu bolso para me certificar de que o anel ainda ali está e, sim, de facto,
não ganhou um par de pernas para se pôr a andar.
Porra, estou nervoso.
— Tenho um anúncio para fazer — digo para a sala, e toda a gente se vira
para me observar, com interrogações estampadas nas suas caras.
Especialmente a Wren.
Rezando com todas as forças para não dar cabo do meu discurso preparado,
começo-me a falar.
— Então, havia uma rapariga, que eu não conhecia, que chegou ao campus
no nosso primeiro ano, e eu achava que ela era a rapariga mais bela que já tinha
visto. Foi ódio à primeira vista.
Os meus irmãos riem-se. O meu pai também. A minha mãe só suspira e
abana a cabeça.
A Wren sorri-me, pois já sabe esta história.
— Havia qualquer coisa nela que eu via em mim mesmo, apesar de nunca ter
realmente acreditado que tínhamos algo em comum. Como é que podíamos
ter? Ela era o meu oposto, ou assim pensava. Até termos um projeto de
Psicologia aos pares no nosso último ano. A nossa professora meteu-nos a
trabalhar em conjunto. Aprendi muito sobre ela, e ela aprendeu muito sobre
mim. E, pronto, sentimo-nos cativados um pelo outro, e agora aqui estamos.
Juntos há dois anos. Os melhores dois anos da minha vida. — Eu sorrio-lhe, e
ela sorri de volta, mas, de repente, vejo algum nervosismo na expressão dela.
Será que ela sabe o que estou prestes a fazer?
— Apercebi-me de que aquilo que via nela antes não era o que via em mim
mesmo. De todo. A Wren não é como eu. Ela é uma parte de mim. E eu não
consigo imaginar a minha vida sem ela.
A sala está num silêncio absoluto. Os olhos da Wren brilham com lágrimas
não derramadas.
— Talvez me odeies por isto, por fazer isto no teu aniversário e no Natal,
mas… — Vou até ela e pouso um joelho no chão, pegando na mão dela. —
Wren, eu amo-te tanto, tanto. Casas comigo?
Meto a mão dentro do bolso e tiro o anel que escolhi só para ela.
É um único diamante solitário de corte redondo. Simples. De três quilates.
Suficientemente grande, mas não ridiculamente gigante como os anéis usados
por todas as noivas Lancaster que alguma vez existiram.
E está pendurado no pau de um Blow Pop de cereja.
— Oh, meu Deus. — Ela começa a rir, o rosto fica rosado, e eu sorrio. — A
sério, Crew?
— Responde-me, Birdy.
Seguro o chupa-chupa — e o anel — na sua direção.
— Sim — sussurra a Wren, o olhar dela encontrando-se com o meu
enquanto acena sem parar. — Sim, sim!
Tiro o anel do Blow Pop e meto-o no dedo dela, e ela abre mais a mão,
afastando os dedos, com o anel de diamantes a brilhar para ela e quase a cegar-
me.
Levanto-me e puxo-a para os meus braços, beijando-a loucamente.
Alguém começa a bater palmas e, de repente, a sala inteira está a vibrar com
aplausos. Até o meu pai está a bater palmas e a sorrir, e isso é um grande feito.
— Oh, meu Deus, eu amo-te — diz a Wren, só para mim, beijando-me outra
vez.
— O que é que se passa com o Blow Pop? — pergunta o Finn, o seu olhar a
cair para o chupa que ainda estou a segurar.
— É uma piada privada — digo-lhe.
A Wren bate-me no peito ao de leve, sorrindo.
A mãe dela aproxima-se de nós e puxa-me para ela para me dar um beijo
rápido na face.
— Estou tão orgulhosa por te ter como meu futuro genro.
— Obrigada.
A Cecily e eu sempre nos demos bem. Ambos queremos o melhor para a
pessoa mais importante nos nossos mundos.
A Wren.
— Estás pronto para lhe dar a outra prenda? — pergunta a Cecily.
A Wren abre a boca, pasmada, com os olhos arregalados fixos em mim.
— Há outra prenda? Crew, se continuas assim, vais chegar a um ponto em
que não te consegues superar.
Eu rio-me.
— Não estou preocupado com isso. E sim, Cecily, vou buscá-la.
Vou até à pequena sala de estar que está conectada à sala de jantar e pego na
tela antes de a trazer para dentro da divisão para a Wren a ver. Assim que ela a
avista, tapa a boca com a mão, os olhos arregalados com choque.
Ela olha para a mãe e, depois, para mim.
— Onde é que encontraste isto?
— Na Sotheby — responde a Cecily por mim. — Havia outro leilão. Um
que foi eclipsado pelo nosso.
Há tristeza no olhar da mãe da Wren, e eu percebo porquê.
Perder o seu casamento, a sua arte, não tem sido fácil para ela. Mas ela é forte
e já está muito melhor do que há uns tempos.
A Wren deixa cair a mão e aproxima-se lentamente da peça. É outra do
mesmo artista, esta não tem nome, mas condiz com A Million Kisses in Your
Lifetime. Foi feita ao mesmo tempo, mas é mais pequena e tem aqueles beijos
de Chanel em múltiplas camadas espalhados pela tela inteira.
— Pensei que estava desaparecida — diz a Wren, o seu olhar deslizando até
mim.
— Agradece à tua mãe. Ela é que a encontrou. Eu só a comprei.
Ela vira-se para a mãe, sorrindo-lhe antes de se atirar a mim e de me envolver
nos seus braços com tanta força que parece que me vai estrangular. Beija-me à
frente de toda a gente, afastando-se para murmurar:
— Agora sim, estás em apuros.
Franzo o sobrolho.
— Como assim?
A boca dela encontra a minha de novo, suave e doce, e eu afogo-me no seu
sabor. A regozijar-me porque esta mulher é minha. Toda minha.
Quando o beijo termina, a Wren sorri, e a visão desse sorriso rouba todo o
oxigénio dos meus pulmões.
— Agora deves-me dois milhões de beijos.
AGRADECIMENTOS
Escrevi este livro muito longo num curto espaço de tempo porque, mais uma
vez, dei comigo obcecada por um Lancaster. Eu sei que o da Sylvie devia ter
sido o próximo livro, mas… O Crew veio até mim como o Whit no ano
passado. Em dezembro, começou a sussurrar no meu ouvido, incentivando-me
a criar um quadro no Pinterest. Uma playlist. Eu estava a escrever
compulsivamente na aplicação das notas no meu telemóvel até me ter
apercebido de que devia só escrever o livro.
Então, foi isso que fiz. E agora estão a segurá-lo nas vossas mãos e espero que
tenham gostado de o ler. O Crew não é nenhum Whit. Não o consigo
duplicar, ele é único. O Crew é mais simpático do que o Whit, apesar de ter
começado por ser um idiota. Mas assim que se apaixonou mesmo pela Wren,
fez de tudo para criar momentos arrebatadores. Céus.
A peça A Million Kisses in Your Lifetime existe mesmo. Procurem-na. É fixe. E
existe mesmo um casal muito rico que se divorciou e teve de dividir a sua
coleção de arte gigantesca — li um artigo sobre eles em dezembro. Porque é
que o mês de dezembro me inspira tanto? O Drew Callahan também me
apareceu em dezembro de 2012…
Um facto curioso: eu perdi doze mil palavras deste livro a meio de janeiro.
Isso são… muitas palavras. Fiquei arrasada. CHOREI. A certa altura durante
este momento de crise, achei que ia deixar o livro em banho-maria e que me ia
focar noutra coisa. Mas eles não me deixavam fazer isso. Por essa altura, já me
tinham consumido. Por isso, arregacei as mangas e escrevi como uma mulher
possuída (estava mesmo). Tinha a playlist a tocar constantemente enquanto
escrevia. As músicas dessa playlist são eles, são a sua história, e eu nunca estive
tão obcecada com uma playlist. Algumas das músicas são da série Euphoria (eles
têm músicas tão boas).
Já agora, o Crew é o irmão mais novo da Charlotte Lancaster, e vão conhecê-
la no livro The Reluctant Bride. Ela casa-se com o Perry Constantine —
relutantemente. Oh, esperem para ver! Também os adoro!
Como sempre, dedico um obrigada gigante a toda a gente que lê os meus
livros. Não posso fazer isto sem vocês e são todos muito importantes para mim.
Também quero agradecer a toda a gente na Valentine PR por tomar conta de
mim. Nina, Kim, Daisy, Kelley — vocês são as melhores! Nina, como sempre,
muito obrigada pela tua perspetiva. Fizeste com que o final deste livro fosse
muito melhor.
Muito obrigada à minha editora Rebecca e à Sarah, a revisora das provas, por
tudo o que fazem. E à Serena, pelas suas boas opiniões. À Jan, por todo o seu
amor, entusiasmo e montagens/gráficos. Um enorme agradecimento à Emily
Wittig por fazer a capa do livro ganhar vida na minha cabeça e por ser uma
querida.
P.S. — Se gostaram de Um Milhão de Beijos, seria incrível se pudessem deixar a
vossa opinião no site onde compraram o livro ou no Goodreads. Muito
obrigada!