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Todos os direitos relativos à chancela Marcador encontram-se reservados para a Editorial Presença, S. A.
Estrada das Palmeiras, 59
Queluz de Baixo
2730-132 Barcarena

Copyright © 2022 por Monica Murphy.


Edição portuguesa publicada com o acordo de Sandra Bruna Agencia Literaria, SL.
Todos os direitos reservados.
Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida em qualquer forma sem permissão por
escrito do proprietário legal.

Título: Um Milhão de Beijos


Título original: A Million Kisses In Your Lifetime
Autora: Monica Murphy
Tradução: Rita Martins
Revisão: Filipa Soares/Editorial Presença
Paginação: Gráfica 99, Lda.
Design da capa: Emily Wittig/emilywittigdesigns.com
Imagens da capa: © Deposit Photos/Fotobanco.pt
Arranjo gráfico da capa: Carlota Flieg
Impressão e acabamento: Multitipo — Artes Gráficas, Lda.

1.ª edição em papel, Lisboa, outubro, 2023


PLAYLIST

Pretty — Coco & Clair Clair, Okthxbb


I Hate U <3 — Slush Puppy
Did We Change — From Indian Lakes
pink bubblegum — lavi kou
yeahyeahyeah — Scotch Mist
dream boi — tara-bridget
Deep in Yr Mind — James Wyatt Crosby
I’m Not in Love — Kelsey Lu
Are You In The Mood? — Bay Faction
Forever — Night Tapes

Descubram o resto da playlist de Um Milhão de Beijos aqui:


spoti.fi/3McPHVu
Ele era manhã de Natal,
fogo de artifício carmesim
e desejos de parabéns.
RAQUEL FRANCO
UM
CREW

Foi há três anos, quatro meses, dois dias e uma mão-cheia de horas que a vi
pela primeira vez.
A rapariga mais linda que eu já tinha visto.
O meu calvário.
Ela chegou ao internato da Lancaster Prep no primeiro dia do nosso nono
ano, e ninguém sabia quem era. Fresca e imaculada, aberta e recetiva, com
aquele maldito sorriso que parece gravado permanentemente no rosto. Todas as
raparigas da nossa turma foram imediatamente enfeitiçadas. Seguiam-na para
onde quer que fosse. Procuravam desesperadamente ser suas amigas, chegando
mesmo a lutar pelo tão cobiçado estatuto de melhor amiga. Copiavam o seu
estilo tão natural, e toda a escola vibrava de cada vez que ela aparecia com um
penteado diferente ou que usava um par de brincos novo, pelo amor da santa.
Mesmo as raparigas mais velhas, as veteranas, gravitavam na sua direção,
totalmente cativadas por uma aparentemente inocente rapariga de olhos verdes
que mal me dirigiu dez palavras desde que aqui chegou.
Várias pessoas me disseram que a assustava. Que a intimidava. Eu sou tudo
aquilo que ela teme. E bem.
Comia-a viva. Engolia-a inteira — e ia desfrutar de cada instante. E ela sabe-
o.
Somos opostos em tudo e mais alguma coisa. Ainda assim, somos
secretamente iguais. É a cena mais estranha de sempre.
Ela é a líder que todos seguem, é ela quem comanda, em silêncio, a escola. Tal
como eu. Mas a sua coroa é leve. Feita de fibra de vidro, espuma efervescente e
zero expectativas. Já a minha é pesada e incómoda, recordando-me do meu
dever para com a família. Com o nome.
Com os Lancasters.
Somos uma das famílias mais ricas do país, se não mesmo do mundo. O
nosso legado estende-se por várias gerações. Sou dono desta escola —
literalmente — e de todos no seu interior. À exceção de uma pessoa.
Ela nem sequer olha para mim.
— Porque é que estás a olhar embasbacado?
Nem sequer me dou ao trabalho de olhar na direção do meu melhor amigo, o
Ezra Cahill, quando ele me faz essa pergunta cretina. Estamos no portão da
escola, na segunda-feira a seguir ao feriado de Ação de Graças, o ar cortante da
manhã frio o suficiente para atravessar o casaco grosso de lã que tenho vestido.
Devia ter trazido um casaco mais quente. E de certeza absoluta que não vou
entrar já. Ainda não.
Faço isto quase todas as manhãs: aguardar pela chegada da rainha, pelo dia
em que ela se digne a reconhecer a minha existência.
Até hoje, recebi zero reconhecimento.
— Não estou a olhar embasbacado — digo, finalmente, ao Ez, a minha voz
monocórdica. Desinteressada.
Para o mundo, ajo como se me estivesse a cagar para tudo e para todos. É
mais fácil assim. Acreditem, sei perfeitamente o quão cliché estou a ser, mas
funciona para mim. Mostrar interesse é admitir vulnerabilidade, e eu sou o
filho da puta menos vulnerável desta escola toda. Toda a merda me passa ao
lado. Depositam zero expectativas em mim. Os meus irmãos mais velhos
acham-me o mais sortudo de entre nós, mas eu discordo.
A eles, pelo menos, reconhecem-lhes a existência. Às vezes, acho que o meu
pai, pura e simplesmente, se esquece de que eu existo.
— Estás outra vez à procura dela.
A minha cabeça dispara na direção do Ezra, o meu olhar duro e frio, apesar
de ele me ignorar, só o esgar que lhe curva os lábios mostra que se apercebeu.
— Quando é que não estou? — A pergunta é incisiva. Como uma bofetada,
não que ele queira saber.
O cabrão ainda tem a lata de se rir.
— Que se lixe esta espera toda. Já passou quanto tempo? Devias falar com
ela.
Mudo de posição no pilar frio contra o qual estou encostado, todo o meu
corpo relaxado. Casual. Mas, bem lá no fundo, estou a contorcer-me, o meu
olhar volta a dirigir-se a ela. Mais uma vez.
Sempre.
A Wren Beaumont.
Ela caminha descontraidamente em direção ao portão da escola. Em direção a
mim. Com um sorriso sereno no rosto, ela é radiante, iluminando todos
aqueles com quem se cruza com o seu singular raio de luz, embalando-os num
transe. Cumprimenta toda a gente — menos eu — com aquela voz aguda,
dando os bons-dias como se fosse a merda da Branca de Neve. Amigável e
doce, e tão estupidamente linda que quase dói ficar a olhar para ela durante
demasiado tempo.
O meu olhar fixa-se na sua mão esquerda, no fino anel de ouro que envolve o
seu dedo anular, adornado por um único diamante, minúsculo. Um anel de
compromisso que recebeu numa daquelas cerimónias maradas, onde um
monte de futuras debutantes pré-púberes desfila num mar de vestidos em tons
pastel de corte recatado. Sem um único milímetro de pele escandalosa a
descoberto.
Os pares são os paizinhos. Homens importantes que gostam de ter coisas,
mulheres incluídas. Como é o caso das suas filhas. Durante o serão, elas são
sujeitas a uma cerimónia traumática, em que olham nos olhos dos pais
enquanto lhes repetem um voto de castidade e o anel lhes é posto no dedo.
Como se fosse um casamento.
Demasiado estranho, é o que eu acho. Ainda bem que o meu pai não sujeitou
a minha irmã mais velha, a Charlotte, a essa merda. É uma cena que parece
mesmo a praia dele.
A nossa pequena Wren é orgulhosamente virgem. Toda a gente na escola está
a par dos sermões que ela dá às outras raparigas sobre guardarem-se para os
seus futuros maridos.
É uma vergonha alheia da porra.
Quando éramos mais novos, as raparigas da nossa turma ouviam a Wren e
concordavam. Deviam guardar-se. Dar valor ao seu corpo e não o entregar a
um de nós, criaturas repugnantes e inúteis. Mas depois todos crescemos um
bocadinho e começámos a ter relações ou curtes. Uma por uma, todas as suas
amigas foram perdendo a virgindade.
Até ser ela a última virgem da turma de décimo segundo ano.
— Estás a perder o teu tempo com essa, Lancaster — diz o meu outro melhor
amigo, o Malcolm. O cabrão é podre de rico e é de Londres, por isso, todas as
raparigas da escola lhe caem aos pés, por causa do seu sotaque britânico. Ele
nem sequer tem de pedir. — Ela é uma pudica e tu sabe-lo.
— É por isso que ele a quer. — O Ezra descose-se, sabendo do meu segredo.
— Ele está mortinho por a corromper. Roubar todas as primeiras vezes ao seu
mítico futuro marido. Aquele que se vai estar a cagar para se ela é virgem ou
não.
O meu amigo não está errado. É mesmo isso que eu quero fazer. Só porque
posso. Porquê guardares-te para um homem qualquer que só te vai desiludir na
tua noite de núpcias?
É completamente idiota.
O Malcolm observa a Wren enquanto ela para para falar com um grupo de
raparigas, todas mais novas do que ela. Todas esvoaçam em seu redor, como se
ela fosse uma mãe pássaro e elas, as suas crias, desejosas de atenção.
— Também não me importava nada de lá ir — murmura o Malcolm, o seu
olhar aguçando-se enquanto a continua a fixar.
Mando-lhe um olhar assassino.
— Tocas nela e morres, porra.
Ele inclina a cabeça para trás numa gargalhada.
— Por favor. Não estou interessado em virgens. Gosto das minhas mulheres
com alguma experiência.
— Definitivamente, ele não gosta quando elas têm medo de um pénis —
acrescenta o Ezra, agarrando a pila e os tomates para dar mais enfâse ao que
disse.
Ignorando as suas gargalhadas, volto a focar-me na Wren, o meu olhar
percorrendo-a de alto a baixo. Casaco com o brasão dos Lancasters, camisa
branca por baixo, as mamas comprimidas pelo tecido. Saia de pregas
axadrezada, mesmo acima do joelho. Sempre modesta, a nossa Wren. As meias
brancas com um pequeno folho, os sapatos de fivela Doc Martens calçados. O
seu único sinal de rebeldia, ainda que pequeno. Todas as raparigas da Lancaster
Prep passaram-se quando ela apareceu na escola com aqueles sapatos, no
primeiro dia depois das férias de inverno do nosso nono ano. As raparigas
ficaram confusas. Toda a gente usava mocassins na Lancaster Prep. Era uma
regra tácita.
Até à Wren.
No início do nosso décimo ano, quase todas as malditas raparigas da
Lancaster usavam sapatos de fivela, da Doc Martens e de outras marcas. Mas
nenhuma dessas raparigas mexe comigo da mesma forma que a Wren.
Os sapatos aparentemente inocentes e as meias de menina. A saia de pregas e
as maçãs do rosto coradas e a forma como ela anda sempre pela escola, depois
de almoço ou no fim das aulas, com uma merda de um chupa-chupa na boca,
os seus lábios de um vermelho sumarento à conta do rebuçado. Vejo-a com um
chupa entre os lábios e só consigo pensar nela ajoelhada à minha frente, a sua
mão a agarrar a minha picha, guiando-a em direção à sua boca acolhedora,
aquele anel da tanga, que o seu querido pai lhe deu, a reluzir.
É isso que eu quero. A Wren de joelhos, a implorar pela minha piça. A chorar
por ela quando a rejeito. Porque vou acabar por rejeitá-la. Não entro em
relações. É uma vulnerabilidade da qual não preciso. Vi a forma como o meu
pai tratou os meus irmãos mais velhos quando estes levaram mulheres lá a casa,
para as apresentar à família. O Grant e a namorada, que, na verdade, trabalha
para ele — claro que o pai teve de se fazer a ela. O meu outro irmão, o Finn,
nem sequer se dá ao trabalho de apresentar mulheres à família.
Não o posso culpar.
E depois há a minha irmã, a Charlotte. O nosso pai vendeu-a pela melhor
oferta, e agora está casada com um homem que nem sequer conhece. É um
gajo decente, mas porra.
Nem pensem que vou deixar o meu pai meter-se nas minhas relações. A
melhor forma de o fazer? Não ter relações.
Penso no meu primo, o Whit. Na forma como se viu envolvido num
pequeno escândalo no seu último ano na Lancaster Prep, com uma rapariga
com quem está prestes a casar. Até já têm um filho — fora do matrimónio, o
escândalo supremo para um Lancaster. A minha própria mãe chama à futura
mulher do Whit um lixo absoluto, mas é isso que acontece em famílias como a
nossa. A nossa reputação é tudo. E, por vezes, esta acaba conspurcada.
Boa parte do tempo, é mesmo isso que acontece.
E a noiva do Whit não é um lixo. Ela está apaixonada por ele, e ninguém
tolera as merdas dele como a Summer.
A Wren aproxima-se e eu endireito-me, tentando que os nossos olhares se
cruzem, mas, como sempre, ela recusa-se a olhar para mim. Quase me rio
quando diz bom dia ao Malcolm. Ao Ezra.
Ela não me dirige uma única palavra quando passa por mim, entrando no
edifício sem sequer um olhar por cima do ombro, acompanhada pelas raparigas
mais novas que me mandam olhares, com aqueles grandes olhos de corças.
Assim que se ouve a porta a fechar, o Ezra começa a rir novamente, dando
palmadas no joelho para efeito dramático.
— Há quanto tempo é que tentas chamar a atenção daquela miúda, e ela
continua a ignorar-te? Desiste.
Será que eles não veem que é o desafio que me dá pica? Será que não
percebem?
— Sabes, ela vai dar uma festa — diz o Malcolm quando o Ezra acaba de se
rir.
— Para quê? — pergunto, irritado.
— É o aniversário dela. Céus. — O Malcolm abana a cabeça. — Para quem,
supostamente, está obcecado pela Wren Beaumont, não sabes grande coisa
acerca dela, pois não?
— Não estou obcecado. — Afasto-me do pilar e aproximo-me dos meus
amigos, querendo saber todos os detalhes. — Quando é que é essa festa?
Estamos a três semanas das férias de inverno, embrenhados em trabalhos de
projeto e na preparação dos exames finais do nosso último semestre de outono
como alunos do décimo segundo ano, e já estamos todos exaustos. Ando a dar
o litro por notas que nem sequer importam, uma vez que faço zero planos para
concorrer à faculdade depois disto. Entrei no primeiro de três fundos
fiduciários quando fiz dezoito anos, em setembro. Além disso, os meus irmãos
querem que vá trabalhar na empresa de mediação imobiliária deles. Para que é
que haveria de ir para a faculdade quando me basta tirar uma licença de
mediação imobiliária, para depois conquistar o mundo a vender casas de luxo
ou corporações gigantescas? Os meus irmãos trabalham tanto para o setor
residencial, como para o comercial.
O que eu queria mesmo era viajar pelo mundo durante um ano ou dois
depois de terminar o secundário. Não ter de trabalhar. Absorver a cultura e a
gastronomia. As paisagens e a história. Depois, posso regressar a Nova Iorque,
começar a tratar da minha licença de mediação imobiliária e, finalmente,
juntar-me ao negócio dos meus irmãos.
Independentemente daquilo que o meu velho possa pensar, tenho várias
opções.
— Na verdade, ela faz anos no Natal, mas disse que ia fazer a festa no dia
seguinte, a vinte e seis. O Boxing Day — diz o Malcolm. — O feriado mais
subestimado, devo acrescentar.
— Um feriado inventado para os britânicos terem mais um dia de folga, é o
que eu acho — resmungo.
— O equivalente britânico da Black Friday — acrescenta o Ez com um
grande sorriso.
O Malcolm faz-nos um pirete a ambos.
— Se ela vai dar uma festa, sem dúvida que vou.
— Eu também — acrescenta o Ezra.
Franzo o sobrolho.
— Vocês foram convidados, suas bestas?
O Malcolm ri-se com ar de gozo.
— Claro. Presumo que tu não?
Abano a cabeça lentamente, esfregando o queixo.
— Ela nem sequer me fala. De certeza que não me vai convidar para a sua
festa de anos.
— Dezoito anos e nunca foi beijada — diz o Ezra com uma voz aguda,
tentado imitar uma miúda, mas falhando miseravelmente. — Devias invadir a
festa e pregar-lhe um chocho, Lancaster.
— Quem lhe dera a ela — digo lentamente, entusiasmado com a ideia.
Demasiado entusiasmado.
— Os Beaumonts são ricos como a merda — recorda-nos o Malcolm. — A
segurança daquela festa vai ser muito apertada, com todas aquelas obras de arte
valiosíssimas que eles têm penduradas nas paredes. Além disso, o pai vigia-a
como se fosse uma merda de um cão de guarda. Daí o anel de compromisso
que ela usa no dedo.
O Ezra finge-se arrepiado.
— Acho assustador. Prometeres-te ao pai? Fico a pensar no que é que se
passará naquela família.
Odeio a direção em que os meus pensamentos são conduzidos pelos
comentários do Ezra. Espero sinceramente que não se passe nada de estranho,
ou mesmo — nem me atrevo a pensar — incestuoso entre os Beaumonts.
Duvido muito, mas não a conheço nem à família. Só sei o que vejo, e vejo
muito menos do que aquilo que queria.
— Há muitas raparigas nesta escola que usam anéis de compromisso
oferecidos pelos pais — diz o Malcolm. — Imitaram todas a Wren. Lembras-
te? Era um monte de raparigas da nossa turma e mais as do nono ano, quando
andávamos no décimo.
Começo a irritar-me.
— Essa moda morreu uma morte lenta e dolorosa.
Quase de certeza que a Wren é a única que ainda usa o anel.
— Pois — diz o Malcolm, arrastando as vogais, com um sorriso porco. —
Agora são todas umas putas, implorando pelas nossas pichas.
Rio-me baixinho, apesar de não achar grande piada ao que ele disse. O
Malcolm tem esta forma de insultar as mulheres que eu acho megairritante.
Sim, somos os três umas bestas misóginas quando nos juntamos, mas nenhum
de nós anda para aí a chamar putas às raparigas como o Malcolm faz.
— Que termo tão depreciativo — diz o Ezra, o que faz com que olhemos
ambos de relance para ele. — Prefiro galdéria. Puta é tão… cruel.
— E galdéria não é? — O Malcolm ri-se.
Já nos estamos a desviar do assunto. Tenho de trazer a conversa de volta à
Wren.
O pequeno e doce passarinho que tem medo do gato malvado e perverso, e
das suas garras.
O gato sou eu.
— Se ela vai mesmo fazer uma festa de aniversário, quero um convite —
digo-lhes, com voz firme.
— Não fazemos milagres — diz o Ezra, com um encolher de ombros
displicente. Mas o que é que lhe interessa? Ele já foi convidado. — Devias
tentar uma abordagem mais delicada com a Wren. Sê simpático, por uma vez
que seja, em vez da grandessíssima besta que és sempre.
Sempre que a vejo fico automaticamente cheio de raiva. Como é que vou ser
simpático quando a única coisa que me apetece é fodê-la toda?
Fodê-la toda como em: fodê-la até ao coma. Olho para ela e fico logo cheio
de tesão. Quando a vejo com o chupa-chupa entre os lábios fico logo de pau
feito. Para todos os outros, ela é a doce e meiga Wren.
Eu vejo-a de outra forma. Eu quero-a… de outra forma.
Não tenho outra maneira de o explicar.
— Ele agora está com aquele olhar furioso só porque está a pensar nela —
nota o Malcolm. — É um caso perdido. Desiste, puto. Ela não é para ti.
Mas o que é que ele sabe, porra? Sou um Lancaster, pelo amor da santa.
Consigo fazer tudo acontecer.
Como foder uma virgem.
DOIS
WREN

Assim que as portas duplas se fecham com um som metálico atrás de mim,
olho por cima do ombro, tentando encontrar o Crew Lancaster do outro lado
do vidro opaco. Mas a única coisa que vislumbro é o seu cabelo louro escuro,
mais as cabeças dos seus dois amigos. O Malcolm e o Ezra.
Nenhum deles me intimida da mesma forma que o Crew. O Malcolm é um
engatatão do pior, com uma forma de ser inconfundivelmente perversa. O Ezra
está sempre à procura de qualquer coisa para gozar.
Já o Crew fica só ali no meio, a cismar. É a cena dele.
Não gosto da cena dele.
Não me agradam os meus pensamentos — este último, em particular,
pareceu-me vagamente inadequado, e eu não tenho pensamentos destes.
— Wren, hoje vens almoçar connosco? — pergunta-me uma das raparigas.
Oh. Começo a pensar no Crew e esqueço-me do que se está a passar à minha
volta. Como o facto de que, presentemente, tenho quatro raparigas do nono
ano que me seguem para onde quer que vá.
Sorrindo ligeiramente para a rapariga que me perguntou sobre o almoço,
digo:
— Desculpa, mas tenho de ir a uma reunião hoje à hora de almoço. Fica para
outro dia?
A deceção que elas sentem com a minha rejeição é palpável, mas limito-me a
sorrir. De forma relutante, todas acenam com a cabeça em simultâneo, antes de
se entreolharem e de se afastarem discretamente, sem me dizerem uma única
palavra.
É estranho ter um clube de fãs quando a única coisa que faço é,
simplesmente… existir.
Expiro nervosamente e começo a caminhar pelo corredor. A pressão que estas
raparigas depositam sobre mim, sem sequer terem noção disso, por vezes, chega
a ser insuportável. Elas puseram-me num pedestal tão alto que, em menos de
nada, posso cair dali abaixo. Acabaria por ser uma desilusão para todos, e isso é
a última coisa que eu quero. A última coisa que elas iriam querer.
Tenho uma imagem a manter e, às vezes, isso parece…
Impossível.
É uma responsabilidade enorme ser um modelo a seguir para tantas mulheres
como eu. Raparigas sem rumo, vindas de famílias ricas. Raparigas que só se
querem encaixar e pertencer a alguma coisa. Sentirem-se normais e terem uma
experiência convencional da escola secundária.
Bem sei que somos uma escola privada seleta, apenas acessível às classes mais
altas, e que a nossa vida é tudo menos normal, mas mesmo assim. Tentamos
fazer disto o mais normal que conseguimos, porque algumas de nós sofrem, tal
como toda a gente. Com problemas de autoestima, com os nossos estudos,
com as expectativas que as nossas famílias, amigos e professores depositam
sobre nós. Sentimo-nos invisíveis, incompreendidas.
Eu senti-me.
Às vezes, ainda sinto.
Presentemente, é esse o meu objetivo de vida — ajudar os outros a sentirem-
se confortáveis, talvez até a encontrarem-se a si próprios. Quando era mais
nova, costumava achar que queria ser enfermeira, mas o meu pai demoveu-me
dessa ideia, com sermões intermináveis sobre como ser enfermeira é um
trabalho duríssimo, com um salário miserável.
Miserável segundo ele. O Harvey Beaumont é rico — herdou o negócio de
mediação imobiliária do pai por volta dos trinta anos e fê-lo prosperar; e agora
é um multimilionário. Que a sua única filha se tornasse uma enfermeira seria
tão pouco digno dele e do nome Beaumont.
É algo que nem sequer posso escolher. Não importa o que eu quero.
O que quer que seja que queira fazer, tenho sempre de pedir a sua
autorização. Sou filha única, a única rapariga, e não se pode confiar em mim
para tomar sempre a decisão acertada.
Estou a caminho da minha aula de Inglês Avançado. Só vinte pessoas do
décimo segundo ano podem estar inscritas nesta disciplina e, claro, o Crew
tinha de ser uma delas. Já tive algumas disciplinas com ele desde que entrei na
Lancaster Prep, mas nunca tive de me sentar ao lado dele nem falar
diretamente com ele, e prefiro assim.
Como em: nunca tive uma conversa com ele. Não creio que ele goste
particularmente de mim, dado o ligeiro desdém estampado no seu rosto
sempre que me observa.
E ele farta-se de o fazer.
Não percebo porquê. Evito olhá-lo olhos nos olhos sempre que possível, mas,
de vez em quando, fito aqueles olhos azuis gélidos e não vejo nada além de
repulsa.
Nada além de ódio.
Porquê? Mas o que é que eu lhe fiz?
O Crew Lancaster é demasiado. Demasiado temperamental e demasiado
sombrio e demasiado calado. Demasiado bem-parecido e magnético e
inteligente. Não gosto da forma como me sinto quando ele fixa o olhar em
mim. Toda a tremer e estranha. A sensação é completamente bizarra e só
sucede quando estou perto dele, e não faz sentido nenhum.
Viro no corredor do departamento de Inglês, ansiosa por chegar à aula mais
cedo, para garantir o meu lugar na primeira fila, mesmo no meio. Quando os
meus amigos chegam à sala, asseguro-me sempre de que se sentam ao pé de
mim, para que ninguém indesejado o possa fazer. Como o Crew.
Conhecendo-o, sei que se ele tivesse a oportunidade de se sentar ao meu lado,
fá-lo-ia. Só para me perturbar.
Creio que ele iria gostar disso.
O nosso professor, o setor Figueroa, não nos atribui lugares e tem uma
atitude bastante descontraída durante as aulas. Tendo em conta que somos
todos alunos de décimo segundo ano e que ele escolheu, pessoalmente, cada
um de nós antes do início do ano escolar para estar ali, naquela disciplina
avançada, confia em nós para não sermos indisciplinados nem arranjarmos
confusão. Ele só quer «moldar as nossas jovens mentes», como costuma dizer,
sem restrições nem barreiras. É o meu professor preferido, e pediu-me que
fosse a sua ajudante no semestre de primavera.
Claro que disse logo que sim.
Entro na sala de aula, estacando de imediato quando vejo o Figueroa
abraçado a alguém. Uma aluna, porque está a usar a saia axadrezada e o blazer
azul do uniforme. O seu cabelo é de um ruivo escuro, um tom que reconheço,
e quando ele lhe faz um sinal, ela afasta-se dele rapidamente, virando-se para
olhar para mim.
Maggie Gipson. A minha amiga. O seu rosto está coberto de lágrimas e ela
funga, pestanejando.
— Oh, olá, Wren.
— Maggie. — Dirijo-me a ela, falando baixo para que o Fig não nos ouça. É
assim que ele nos pede que o chamemos, apesar de todos os rapazes gozarem
com a alcunha pelas suas costas. Imagino que, no fundo, tenham ciúmes da
relação que ele tem connosco, as raparigas. — Está tudo bem contigo?
— Estou bem. — Ela volta a fungar, abanando a cabeça. O que significa que
está tudo menos bem, mas que não a posso pressionar. Não quando estamos
numa aula. — É só… tive outra discussão com o Franklin ontem à noite.
— Oh, não. Lamento. — O Franklin Moss é o namorado dela, mas eles estão
sempre a separar-se e a reatar. Ele parece muito exigente, sempre a pressioná-la
para fazerem cenas sexuais. Ela só precisa de estar mais segura de si própria,
para lhe dizer não, e o não ser mesmo não.
Mas ela nunca o faz. Eles já fizeram sexo várias vezes, mas não tem qualquer
importância. Ele não a ama como ela quer ser amada.
Acho que é porque a Maggie se entregou a ele demasiado cedo, mas ela não
liga ao que eu digo. Quando passámos para o décimo primeiro ano e o sexo
passou a ser uma coisa banal, uma por uma, todas as minhas amigas se
sacrificaram pelos rapazes que lhes imploravam que o fizessem. Pelo menos, era
esse o termo que o meu pai usava para o descrever — um sacrifício.
Para a maioria delas, a única recordação da experiência foi um coração
partido, e as palavras «Eu bem te disse» estão-me sempre na ponta da língua
quando se vêm queixar a mim, o que não é muito frequente. Deixou de ser.
Elas sabem o que eu penso. Sabem aquilo que vou dizer. Preferem evitar-me a
ouvir a verdade.
— Vais ficar bem, Maggie. Cabeça erguida — diz o Fig, com voz suave e
olhos a brilhar, enquanto a fita.
Observo-o, os pelos na base da minha nuca eriçam-se conforme olho para um
e para outro. A forma como ele disse aquilo, como ele olha para ela — é muito
íntima.
Demasiado íntima.
Os outros alunos começam a entrar na sala, falando alto enquanto tagarelam
animadamente entre si. Sento-me na minha mesa, abrindo a mochila e tirando
o meu caderno e o meu lápis, preparando-me para o início da aula. A Maggie
faz o mesmo, o olhar sempre fixo no Fig enquanto este contorna a secretária e
se senta na sua cadeira, e algumas raparigas da turma vão falar com ele. Todas
dão risadinhas irritantes quando ele diz alguma coisa.
Vejo a Maggie olhar para ele, pensando no ciúme que deteto no olhar dela.
Humm.
Também não gosto daquilo.
No exato momento em que a campainha toca, o Malcolm e o Crew entram
na sala, como é habitual. Às vezes, chegam mesmo atrasados, apesar de o Fig
nunca lhes marcar falta de atraso.
Acabo por afastar o olhar, não querendo estabelecer contacto visual com o
Crew, mas não serve de nada. Os nossos olhares cruzam-se, os seus frios olhos
azuis parecem penetrar os meus, e fixo-o durante demasiado tempo, a minha
boca ficando seca.
Olhar para o Crew é como ser apanhada numa armadilha. O poder que ele
detém com um único olhar é quase assustador.
O nome dele está no edifício. Há centenas de anos que a sua família é dona
da Lancaster Prep. Ele é o aluno mais privilegiado desta escola. Tudo o que
quer, consegue. Todas as raparigas o desejam. Todos os rapazes daqui querem
ser seus amigos, mas ele rejeita quase toda a gente. Até a maioria das raparigas.
Detesto admiti-lo, mas somos um bocadinho parecidos, o Crew e eu. Ele é
cruel e inflexível, já eu sou amável de mais. Tento ser simpática com todos com
quem me cruzo, e todos querem algo de mim. Ele é mau e irascível, e todos
continuam a segui-lo.
É estranho.
Consigo, finalmente, afastar o olhar do Crew quando o Fig se põe em frente
do quadro, a sua voz tonitruante desviando a minha atenção quando ele
começa a falar acerca do próximo livro que vamos ler, O Grande Gatsby. Nunca
li nada do Fitzgerald e mal posso esperar.
— Wren, posso falar contigo no fim da aula? Eu passo-te uma justificação —
diz-me o setor Figueroa, enquanto me passa uma cópia em mau estado do
livro.
— Claro. — Aceno e sorrio.
Ele retribui o sorriso.
— Ótimo. Queria discutir contigo algumas coisas.
Observo-o conforme se afasta, curiosa. Sobre o que é que ele quererá falar
comigo? Ainda faltam três semanas para as férias de inverno, o que significa
que estamos a pouco mais de um mês de eu me tornar a ajudante do professor
no semestre de primavera.
Não faço ideia o que mais haverá para falar.
— O que é que ele quer, afinal?
Olho de relance para a Maggie, que me observa de olhos semicerrados.
— Estás a falar do Fig?
— Sim, estou a falar do Fig. De quem haveria de ser? — O tom dela é
desagradável, como se estivesse zangada.
Recosto-me ligeiramente na cadeira, precisando da distância.
— Ele só me pediu para ficar no fim da aula, visto que precisávamos de
discutir algumas coisas.
— Provavelmente tem a ver comigo e com o que viste. — A expressão da
Maggie transforma-se, como se soubesse o que ele me vai dizer. —
Provavelmente vai pedir-te que não contes nada. Ele não quer que ninguém
saiba.
— Saber o quê? — Quer dizer, eu até percebo aquilo que ela está a querer
dizer, mas a Maggie nunca na vida se iria… envolver com o nosso professor. Ou
será que iria? Ela está com o Franklin há mais de um ano. A relação é bastante
séria, apesar de, ultimamente, andarem a discutir muito. A Maggie diz que a
relação é muito intensa em todos os sentidos, dando ideia de que é assim que
ela gosta.
Mas porque é que haverias de querer estar com um rapaz que odeias e amas
na mesma medida? Não faz qualquer sentido.
— Da nossa amizade, parva. — Observa o Fig voltar para a sua secretária, um
ar vagamente sonhador estampado no rosto. Um ar que ela, geralmente, reserva
apenas para o namorado, não para o nosso professor. — As pessoas não iriam
perceber.
— Eu própria não percebo — replico.
A Maggie tem o desplante de se rir.
— Típico. Sabes, Wren, consegues ser um bocado moralizadora.
Sinto-me ofendida. E essa palavra existe sequer?
— Achas que sou moralista?
— Às vezes. — A Maggie encolhe os ombros. — És tão estupidamente
perfeita em tudo o que fazes e julgas toda a gente por esse mesmo padrão, o
que é impossível. Tens boas notas, nunca dás problema nenhum. Os professores
e os funcionários todos adoram-te. Voluntarias-te sempre e todas as raparigas
mais novas acham que nunca erras.
Ela enumera todas estas coisas como se fosse um defeito contra uma
qualidade.
— O que é que tu achas de mim? — Preparo-me, pressentindo que não vou
gostar do que vou ouvir.
Ela suspira enquanto me contempla.
— Acho que és uma rapariga muito ingénua, que foi protegida a sua vida
inteira. E quando, finalmente, tiveres de enfrentar o mundo real, vais ter um
grande choque.
A campainha toca nesse preciso momento e a Maggie não hesita. Levanta-se
de um salto, pega na mochila e enfia o livro lá dentro, fugindo dali sem dizer
uma única palavra. Nem sequer se despede de mim ou do Fig.
O resto dos alunos sai rapidamente, até o Crew, que nem sequer olha na
minha direção. Está demasiado ocupado a gozar com o Malcolm sobre
qualquer coisa.
Qualquer coisa que não vou querer saber, isso é certo.
Fico sentada no meu lugar, sentindo-me subitamente nervosa com o motivo
pelo qual o setor Figueroa quererá falar comigo. Pouso a mochila sobre a mesa,
enfiando a cópia de O Grande Gatsby na bolsa da frente, olhando rapidamente
para o telemóvel e vendo que tenho uma mensagem do meu pai.
Liga-me assim que puderes.
Sinto um nó no estômago. Quando ele envia uma mensagem para lhe ligar,
geralmente, nunca é por um bom motivo.
— Tenho uma hora livre agora. — O Fig encaminha-se a passos largos da
porta da sala de aula e fecha-a, abafando o barulho que vem do corredor. Está
um silêncio assustador. — É a altura perfeita para… conversarmos.
Pouso as mãos sobre a mochila e ofereço-lhe um sorriso ténue, lutando contra
os nervos que fervilham.
— Pode ser.
Ele caminha em direção à mesa da Maggie, agora desocupada, e instala-se, o
seu olhar caloroso fixando-se no meu. Respiro profundamente, recordando a
mim própria de que o Fig não quer nada de mim além de ajuda. Apesar das
histórias e dos boatos que ouvi acerca dele e de outras alunas ao longo dos
anos, ele nunca tentaria nada do género comigo.
O Fig não é burro.
— Sobre o que é queria conversar? — pergunto, sem que ele tenha dito nada,
odiando o quão ofegante estou a soar. Como se estivesse a flirtar com ele,
quando isso é a última coisa que quero.
Ele inclina a cabeça, observando-me.
— Fazes dezoito anos para o mês que vem, não é?
Pestanejo, surpreendida por ele saber disso. De certeza que ele o poderia
pesquisar na minha ficha pessoal, mas porque é que se daria ao trabalho? Será
que os professores têm sequer acesso?
— Faço. Em vinte e cinco de dezembro. — As palavras escorregam-me
vagarosamente dos lábios, o meu olhar é inquisitivo.
Onde é que ele quer chegar com isto?
Um sorriso agradável curva-lhe os lábios.
— Um bebé de Natal. Tão querido.
— É péssimo, na verdade. As pessoas dão-me prendas embrulhadas em papel
vermelho brilhante, coberto de imagens do Pai Natal. — Céus, pareço uma
ingrata, mas só estou a dizer a verdade.
— Isso é um pecado capital? — Ele arqueia o sobrolho, os olhos brilhantes.
De certeza que me está só a provocar, mas ele não sabe como é.
Ninguém sabe, a não ser que façam anos num dos feriados principais, como
eu.
— Não diria que é assim tão mau. Só não é muito divertido fazer anos no dia
de Natal. O teu aniversário nunca é tão especial como o de alguém que faça
anos em junho ou assim — explico.
— Tenho a certeza disso. — Ele acena, o seu tom é sério. — Bem, Wren,
estou entusiasmado por te ter como minha AP no próximo semestre.
Fico grata pela mudança de assunto. Não quero falar sobre nada pessoal que
me diga respeito.
— Também estou entusiasmada. — Só estou satisfeita pela hora livre no
próximo semestre. Ouvi dizer que é megafácil ser AP dele. Ele não te pede que
faças grande coisa.
— Vais substituir a Maggie. Era por isso que ela estava a chorar há pouco.
Disse-lhe que não precisava que ela continuasse a ser minha AP.
Uma sensação de alarme que me deixa fria percorre-me de alto a baixo.
— O que quer dizer? Pensei que tinha sempre vários AP em cada semestre.
— E tenho. Ainda tenho. Mas com a Maggie… com ela não estava a
funcionar. — Ele inclina-se sobre a secretária, a cara dele aproxima-se da
minha. Está tão próxima que não consigo evitar e chego-me para trás. — Às
vezes, ela é um bocadinho carente.
Ele fala baixinho, como se estivesse a partilhar um segredo comigo.
Sinto inquietação a deslizar pela minha coluna.
— Carente como?
Quando o vejo hesitar, arrependo-me de ter perguntado. Talvez não queira
saber.
— Eu dei-lhe o meu número de telefone, caso houvesse alguma emergência
ou se ela precisasse de entrar em contacto comigo. Não achei que fosse nada de
mais.
Se ele o diz. Eu acho que parece uma péssima ideia. Um professor a dar o seu
contacto a uma aluna? Isso é uma linha que ele, provavelmente, não devia ter
ultrapassado.
— E ela está sempre a mandar-me mensagens. Tornou-se… um problema —
continua ele a dizer.
Um problema por ti criado, é o que eu lhe quero dizer, mas mantenho a boca
fechada.
— Espero, caso cheguemos a trocar números de telefone quando te tornares
minha AP, que não reajas da mesma maneira. Estou à procura de uma pessoa
um pouco menos… emotiva. Se é que me entendes. — O seu sorriso e toda a
sua postura estão a projetar um ar descontraído, sem stresse. Mas há uma
tensão nele, mesmo por baixo da superfície. Ele é que não a quer revelar.
Estou a ter dificuldade em concordar com o que ele está a tentar dizer. Não
faço qualquer intenção de alguma vez lhe dar o meu número. Isso não é
apropriado. E eu não estou interessada em ter uma relação com ele que vá além
de aluna e professor.
Faz-me pensar no que terá realmente acontecido entre a Maggie e o Franklin
— e se o Fig tem alguma coisa a ver com isso.
— Eu devia ir andando. — Levanto-me e agarro na minha mochila, passando
a alça sobre o ombro. — Não me quero atrasar para a segunda aula.
Estou quase a chegar à porta quando o Fig me chama. Fico paralisada, com a
mão já na maçaneta enquanto olho devagar por cima do meu ombro. O Fig
está mesmo à minha frente.
Demasiadamente próximo.
— Esqueceste-te do teu passe. — Ele passa-me o papel azul familiar. — Não
quero que te marquem uma falta.
Encaro-o e tiro-lhe a justificação das mãos, odiando a maneira como ele a
segura, um segundo a mais do que o necessário, obrigando-me a dar um puxão
no papel, o que me aproxima ainda mais dele. Finalmente, de lábios curvados e
com um olhar sombrio, ele deixa-me tirar a justificação.
— Obrigada — digo, sem forças, a virar-me para a porta.
— Adeus, Wren — replica ele, assim que empurro a porta para a abrir.
Fujo sem lhe responder.
TRÊS
WREN

O resto do meu dia passa-se como de costume. Estava preocupada com a ideia
de estar com a Maggie à hora de almoço na nossa reunião da Sociedade de
Honra*, mas ela acabou por passar esse tempo com o Franklin, então não tive
de lidar com as perguntas dela acerca da minha conversa com o Fig.
Uma conversa que me deixou abalada. É como se ele estivesse a tentar
comunicar comigo com meias-palavras. Dava a entender uma coisa enquanto
dizia outra. Não gostei do tom dele. Da familiaridade dele. Ele sabe como eu
sou.
Ele sabe que não estou interessada em rapazes, em beber ou em sexo. Não é a
minha cena. Nunca foi. Eu sou uma boa rapariga.
Essas coisas… assustam-me.
Quando entro na minha sétima aula, a última do dia, sinto-me entusiasmada.
Psicologia é a minha disciplina favorita. Adoro aprender como as pessoas agem
e pensam, e os motivos por detrás das nossas ações. É tão interessante. Hoje é o
dia em que a setora Skov vai anunciar o nosso último projeto do semestre e,
normalmente, ela põe-nos a trabalhar em grupos. Há algumas raparigas nesta
turma com quem já fiz trabalhos de grupo e sei que vai ser fácil trabalhar com
elas outra vez. Pelo menos dividem o trabalho por igual comigo.
O Crew já lá está, esta é a única outra aula que tenho com ele, assim como
com o Ezra e o Malcolm. Estão os três sentados ao fundo da sala de aula,
rodeados por raparigas. Raparigas que enrolam tanto as saias para cima que
estão praticamente a exibir a roupa interior e que têm tanta maquilhagem nas
caras que me surpreende que sejam capazes de abrir os olhos por completo. Há
demasiado rímel nas pestanas a fazer peso.
Eu não devia ser tão mazinha nos meus pensamentos. Não é simpático.
Culpo o facto de ser uma segunda-feira. A tensão entre a Maggie e eu — e a
Maggie e o setor Figueroa. A conversa com o Fig.
É tudo tão perturbador.
— Muito bem, atenção, tudo a ouvir! — A Skov bate com a porta assim que
entra na sala, dirigindo-se à sua secretária com passos largos. Toda ela é um
movimento fluido e um frémito rítmico, as pulseiras nos seus pulsos batem
umas nas outras sempre que mexe as mãos. E ela gosta muito de mexer as mãos.
Acalmamo-nos, estamos todos sentados no lugar, virados para a frente e a
prestar atenção. Toda a gente respeita a Skov. Ela é divertida e interessante e
deixa-nos entusiasmados para aprender, o que é uma raridade, mesmo numa
escola privada que paga um salário generoso para ter os melhores educadores
no seu corpo docente.
— Como já estão bem cientes, está na hora de começar o nosso projeto final
para este semestre. Durante a pausa letiva do dia de Ação de Graças aproveitei
para meditar a sério sobre uma questão e, finalmente, cheguei à conclusão de
que depois de fazer basicamente a mesmíssima coisa durante os últimos onze
anos… estou aborrecida. — A setora Skov lança um olhar fulminante quando
o Crew e o seu clã começam a assobiar e a berrar lá do fundo. — Acalmem-se,
rapazes.
Eles calam-se e eu não consigo evitar olhar para eles por cima do ombro, com
um sorriso vitorioso já na minha cara. Este desparece quando vejo o Crew a
fulminar-me com o olhar, aqueles olhos azuis a paralisarem-me no meu lugar.
Viro-me para a frente à pressa, apertando as mãos em cima da secretária.
— Decidi mudar umas coisas. Vão trabalhar no vosso projeto cara a cara. Isto
é, vão ter um parceiro. — Ela faz uma pausa. — E sou eu que vos atribuo o
vosso parceiro de projeto.
Um resmungo coletivo ressoa pela sala, apesar de eu permanecer calada. E um
pouco nervosa. Espero que a Skov não me meta a trabalhar com alguém
demasiado horrível.
Os nervos começam a mexer comigo quando ela começa a disparar nomes.
Apercebo-me rapidamente de que ela nos está a juntar às pessoas que são os
nossos opostos. Mais resmungos. São vociferados uns quantos palavrões.
O meu coração está na minha garganta quando ela, finalmente, diz o meu
nome.
— Wren Beaumont, tu vais trabalhar com… — A pausa dura um total de
dois segundos, mas parece uma eternidade. — …o Crew Lancaster.
O quê?
As palavras saem mesmo da minha boca. Disse-as em voz alta sem querer.
Oh, céus.
— Sacana sortudo — oiço o Ezra a dizer e fecho os olhos com vergonha da
palavra que ele utilizou. Odeio quando os rapazes praguejam.
E eles sabem disso.
A setora Skov acaba a sua lista de parceiros e clareia a voz, o que faz com as de
mais vozes se silenciem. Os olhos dela varrem a sala enquanto começa a andar à
frente da nossa fila de secretárias.
— Eu sei que isto não é o que imaginaram, mas deixem-me dizer-vos qual é a
vossa tarefa. Vai fazer mais sentido quando ouvirem. — Ela detém-se à frente
da minha secretária porque, naturalmente, eu sento-me na fila da frente. —
Coloquei-vos com uma pessoa que sabia ser o vosso oposto. Quero que se
entrevistem uns aos outros. Estudem-se com atenção, porque vão pegar em
toda a informação que aprenderem e dar um discurso sobre o que faz o vosso
parceiro de projeto mexer e o porquê de assim ser.
Ainda mais resmungos. Eu afundo-me no meu lugar, a mordiscar o lábio
inferior. Nem pensar que vou dizer ao Crew o que quer que seja sobre mim.
Ele odeia-me. Qualquer informação que lhe dê, ele vai arranjar maneira de a
usar contra mim mais cedo ou mais tarde.
Ele nunca me fez nada do género antes, por isso se calhar os meus
pensamentos é que são… extremos.
— Claro, como é óbvio, não devem partilhar segredos íntimos, de longa data,
que não querem que ninguém saiba. Eu sei que toda a gente nesta aula é
madura o suficiente para respeitar a privacidade uns dos outros, mas já sabem
como as coisas são. Eventualmente, tudo se descobre — explica a Skov.
Exatamente. E eu não quero que o Crew descubra seja o que for sobre mim.
Nada.
— Para alguns de vocês isto vai ser difícil. Mas eu fiz umas pesquisas sobre
este tipo de projeto, e muitos dos envolvidos disseram que acharam ser mais
fácil confessar os seus maiores medos ou os seus sonhos mais secretos a alguém
que consideravam um estranho. Aqueles que nos conhecem têm tendência a
julgar-nos.
Penso naquilo que a Maggie me disse, e como ela acha que eu sou demasiado
«moralizadora». Isso magoou-me um pouco. A minha intenção nunca é ser
moralista…
— Durante as próximas três semanas, não há aulas, não há testes e não há
outros projetos secundários. A partir de agora até à pausa para férias de Natal,
quero que passem este período com os vossos parceiros. Conheçam-nos, façam
perguntas acerca do passado deles, perguntem-lhes sobre o seu futuro e aquilo
por que anseiam. Aquilo a que aspiram ser. Deem o vosso melhor para ir
fundo, para escavar além da superfície. Sejam honestos uns com os outros,
pessoal! Não apresentem uma imagem perfeita da vossa vida estilo Instagram.
Todos sabemos que isso é uma invenção das vossas cabeças — brinca a Skov.
— Setora, já ninguém usa muito o Instagram — grita um dos rapazes, o que
faz com que algumas gargalhadas ecoem pela sala.
Ela sorri, baixando a sua cabeça em reconhecimento.
— Sou uma pessoa idosa, que posso dizer? Não consigo acompanhar as redes
sociais em que vocês andam.
Ouvem-se mais piadas e risadas, mas eu não me consigo focar no que está a
acontecer. Só quero desaparecer. Desistir da aula.
Talvez até desistir da Lancaster Prep.
Credo, dá para entender? Não me consigo afastar dele. Até pensar na minha
escola me leva a pensar nele por causa do nome.
— Muito bem, pessoal! Dividam-se em pares. Rapidamente. Não quero
muita conversa, a menos que estejam a falar com o vosso parceiro. — Ela sorri,
com um ar muito satisfeito, enquanto se vira para se sentar à sua secretária.
Eu levanto-me e, ignorando toda a gente, vou até à sua secretária. Paro
mesmo à frente dela, a fitá-la até ela finalmente olhar para cima, a sua
expressão calma.
— Posso ajudar-te, Wren?
Consigo ver aquele bruxulear de desilusão nos olhos dela ainda antes de ter
aberto a boca. Ela sabe o que eu vou dizer.
— Queria saber se estaria aberta à ideia de eu trocar de parceiro.
A Skov suspira e pousa os braços em cima da sua secretária.
— Eu sabia que pelo menos um de vocês me viria perguntar isso. Não estava
à espera de que fosses tu.
— Eu não gosto dele. — É melhor ser aberta e honesta, certo?
Ela levanta uma sobrancelha face à minha asserção arrojada.
— Tu nem o conheces.
— Como é que sabe? — Oh, isto soou mal-humorado, e essa é a última coisa
que quero ser para um professor.
— Já estou nesta escola há muito tempo. Eu sei que os alunos acham que nós
não prestamos atenção, mas prestamos. Vejo muito. E sei garantidamente que
tu e o Crew não falam. Nunca. O que é engraçado porque vocês até são muito
semelhantes.
De que raio é que ela está a falar? Nós não somos semelhantes. Nem de perto
nem de longe.
— Não, não somos mesmo nada — digo-lhe. — Não temos nada em
comum, e ele é sempre tão… tão mau para mim.
— Como é que ele é mau para ti?
A minha mente fica completamente em branco. Odeio quando as pessoas me
pedem exemplos, porque, na maioria das vezes, não os consigo dar.
— Ele está sempre a olhar-me com desprezo.
— E estás completamente certa disso?
Agora ela está-me a fazer duvidar de todos os olhares horríveis que o Crew já
me mandou.
— Não sei.
O sorriso dela é pequeno.
— Era o que eu pensava. Primeiro, tens de conhecer alguém para
compreender como essa pessoa se sente em relação a ti. Não achas?
— Eu já sei que ele não gosta de mim — digo com toda a finalidade que
consigo conjurar. — Seria muito mais fácil para todos se eu pudesse fazer este
projeto com outra pessoa. Talvez com o Sam?
O Sam é querido. Não tenho muitos amigos rapazes, mas ele é um deles, e
sempre foi simpático para mim. Estivemos nas mesmas turmas avançadas desde
o nosso primeiro ano, e ele até me levou ao baile de finalistas, ainda que só
como amigos. Ele sabe qual é a minha posição no que toca a relações e sexo e
nunca me tentou forçar a nada.
Ele nem sequer me tentou beijar, e com o Sam até era capaz de ter
considerado. Ainda sou capaz de o vir a fazer.
Olho para onde ele se costuma sentar. Uma das raparigas com uma saia
demasiado curta está sentada à beira dele, com o sobrolho carregado enquanto
o Sam tenta falar com ela.
— Tenho a certeza de que ele iria querer trocar para ficar comigo — digo à
Skov, à medida que vejo o Sam sorrir àquela rapariga na esperança de a deixar
mais à vontade. O nome dela é Natalie.
Ela não é muito simpática. Eu evito-a e ao grupo dela a todo o custo.
— Tenho a certeza de que iria, sim.
A setora Skov parece divertida, o que é um pouco irritante.
Isto não é nenhuma brincadeira. Isto são as próximas três semanas da minha
vida. A altura mais intensa na escola — está a aproximar-se a semana de
exames mais importante do meu último ano. A que conta mais. O pai
assegura-me de que o nosso dinheiro de família me dá entrada em qualquer
universidade que eu queira, mas prefiro entrar numa das minhas escolas de
sonho pelo meu próprio mérito.
O meu nome de família faz com que isso seja quase impossível, mas veremos
o que acontece.
— Então vai-nos deixar trocar? Aposto que a Natalie iria adorar fazer este
projeto com o Crew. — Acho que eles estiverem juntos em algum momento ao
longo dos últimos anos. No mínimo, curtiram.
Que nojo.
— Não, não vos vou deixar trocar. O objetivo deste projeto é precisamente
que aprendam sobre alguém que não é como vocês, que não faz parte do vosso
grupo de amigos. Tu e o Sam foram juntos ao baile o ano passado, o que
significa que ele não conta como um possível parceiro — diz a setora Skov.
Tudo dentro de mim murcha e morre.
— É que seria mais fácil. Eu estou à vontade com o Sam, e o Crew faz-me
sentir… desconfortável.
— De forma ameaçadora? — A preocupação na sua voz é muito, muito real.
Talvez seja este o ponto fraco dela, aquele que posso aproveitar e usar para
conseguir o que quero.
— Sim, ele está sempre com um ar horrível na cara.
— Mas ele nunca te ameaçou realmente?
É aqui que a minha honestidade me apanha.
— Não. Nem por isso.
A sua mera existência parece uma ameaça, mas não lhe posso dizer isso.
Pareço uma pessoa horrível só por pensar tal coisa, quanto mais se conseguisse
dizê-lo em voz alta.
— Acho que precisas de um desafio, Wren. Estás sempre a querer ajudar
pessoas.
— Raparigas — enfatizo. — Com que é que os rapazes se têm de preocupar
nesta escola? — Não estou a concordar, apenas a afirmar os factos. — São
todos áureos. Intocáveis. Podem fazer o que bem lhes apetece, especialmente
aquele cujo nome se vê por todo o lado.
Os pelos na minha pele levantam-se ao sentir alguém aproximar-se. Consigo
sentir o seu calor, cheirar o seu odor deliciosamente intoxicante, e sei.
Sei imediatamente quem é.
— Há algum problema? — pergunta o Crew, a sua voz profunda,
retumbante, a tocar em algo estranho dentro de mim.
Preparo-me para que a Skov me incrimine.
— A menina Beaumont tinha algumas questões acerca do projeto. Correto,
menina Beaumont? — A setora Skov esboça um sorriso amplo para os dois.
Eu aceno, mantendo a cabeça para baixo. Consigo sentir o olhar do Crew a
queimar a minha pele enquanto me observa e receio que me possa transformar
em pedra caso o olhe nos olhos. Como se ele fosse a Medusa com um monte
de serpentes em espiral a fazer de cabelo.
— Vocês os dois deviam-se ir sentar-se e começar — encoraja a Skov.
— Está bem — crocito, atrevendo-me a olhar na direção do Crew.
Dou com ele já a fitar-me. O olhar na sua cara atraente é tão sombrio que os
meus joelhos quase dão de si.

* Refere-se a organização que existe a nível do secundário e da universidade, para estudantes que se
destacam, seja pelas suas notas, feitos desportivos, qualidades de liderança, entre outras coisas. (NT)
QUATRO
CREW

A Wren Beaumont está aterrorizada por minha causa.


Assim que ela saltou da cadeira e foi até à secretária da setora Skov, eu soube
logo que se estava a tentar safar de ter de trabalhar comigo. Consegui perceber.
Toda a gente na turma se preparava para trabalhar, juntando-se aos seus
parceiros de projeto, e eu ali, sentado, sozinho, a fumegar.
Ela está a fazer-me passar por parvo, e porquê? Porque acha que eu a vou
tratar abaixo de cão? Será que ela não se apercebe de que só está a piorar as
coisas? Ela está demasiado envolvida nas suas neuroses para perceber o que
acabou de fazer.
Comportamento típico.
Em conjunto, afastamo-nos da secretária da Skov, e a Wren dirige-se à dela,
prestes a sentar-se quando me pronuncio.
— Não me quero sentar à frente.
Um olhar carrancudo desfigura-lhe a cara bonita. Porque não há como negá-
lo. A Wren Beaumont é bela. Se menininhas pudicas protegidas forem a vossa
cena, coisa que, aparentemente, é o meu caso.
— Porque não?
— Prefiro sentar-me lá atrás. — Indico a minha secretária, que se encontra
vazia, com um aceno.
Ela vira a cabeça e estuda as secretárias vazias que rodeiam a minha. Os
ombros dela abatem-se, derrotada.
— Está bem.
Uma sensação de triunfo percorre-me enquanto a vejo a agarrar no caderno e
na mochila, o meu olhar descendo para as suas pernas. Ela usa a saia no
comprimento normal, o que, na minha opinião, é demasiado longo, e hoje está
a usar as meias brancas que lhe dão pelo joelho, por isso não consigo ver muita
pele. Aqueles sapatos Mary Jane idióticos estão-lhe nos pés, mas pelo menos
não são os Docs do costume. São outra marca e outro estilo, elegante e
brilhante.
A Pequena Menina Virgem está a mudar as cenas. Fixe.
Sigo-a até ao fundo da sala, aproveitando para contemplar a linha direita dos
seus ombros, o cabelo castanho liso e lustroso que lhe cobre as costas. Apanhou
os cabelos à frente e atou-os atrás com uma fita branca, como uma criança, e,
novamente, interrogo-me se alguma vez foi beijada.
Provavelmente não. É tão doce e inocente quanto seria possível, com um
diamante no dedo, prometendo ao pai que se vai manter pura até ao
casamento.
Não faço ideia porque é que acho isso tão irresistivelmente atraente, mas
acho. Quero desmanchá-la. Dar cabo dela. Foder com ela, fodê-la mesmo até
ela estar completamente viciada em mim e se esquecer de todas as suas
promessas virginais. Destruir esta rapariga doce e inocente é como um
desporto para mim.
Um desafio.
Um jogo.
Ela senta-se com elegância na cadeira desocupada ao lado da minha, deixando
cair o caderno na secretária com um baque barulhento. Sento-me ao lado dela
e recosto-me na cadeira, abrindo bem as pernas, o meu pé roça o dela apenas
por acidente.
De imediato, a Wren afasta o pé, como se a tivesse escaldado.
— Vais abrir um caderno? — pergunta.
— Para quê?
— Para me entrevistar. Fazer perguntas. Tirar apontamentos.
— A Skov disse que nos íamos conhecer. Este é o primeiro dia do projeto.
Ainda há muito tempo até ao fim. — Esta gaja tem de se acalmar.
— Quero fazer isto bem — enfatiza ela, com o olhar fixo na página em
branco à frente dela. — Quero tirar uma boa nota.
— Eu também. E vamos tirar. Não stresses.
— É essa a tua abordagem para tudo? — Ela levanta a cabeça e os seus olhos
verdes cor de musgo encontram os meus. Acho que nunca me sentei tão
próximo da Wren ao longo dos três anos em que andámos na mesma escola, e
fico surpreendido com o quão belos são aqueles olhos. — Sem stresse.
Preocupar-me para quê?
— Sim — digo, sem hesitação. — Tens algum problema com isso?
— Não é assim que faço as coisas. Eu trabalho no duro para ter boas notas e
manter a minha média perfeita.
Ela mencionou esse pedacinho de informação de propósito. É assim que a
virgem se exibe, grande coisa.
— Temos algo em comum — afirmo, o que a faz franzir o sobrolho.
— O quê?
— Eu também tenho uma média perfeita**. — Desde o primeiro ano que
temos estado os dois nas turmas avançadas.
O ar de descrença que lhe atravessa as feições é impossível de negar.
— A sério?
— Não sejas tão cética. É verdade.
Encolho os ombros.
— Nunca te vejo a estudar.
— Nós não andamos propriamente pelos mesmos sítios. Também nunca te
vejo a estudar.
A Wren não tem nada para dizer como resposta, porque sabe que é verdade.
Nós, definitivamente, não andamos com as mesmas pessoas nos mesmos sítios.
— Tenho a certeza de que só tens boas notas por causa do teu apelido —
retruca ela.
Uau. A Pequena Menina Virgem tem garras.
— Achas que a minha média perfeita é por ser um Lancaster? E por andar na
Lancaster Prep? — Ergo uma sobrancelha quando ela ousa olhar para mim.
Ela baixa o olhar, a cabeça curvada para a frente.
— Talvez.
— Sinto-me ofendido. — A cabeça dela levanta-se, a expressão está agora
cheia de arrependimento. — Não sou um idiota, pequeno passarinho.
— Pequeno passarinho?
— Wren é o nome de um pássaro. — A minha alcunha não é assim tão
original, mas é mesmo isso que ela me lembra às vezes. Um pequeno e doce
passarinho, a esvoaçar de ramo em ramo. A chilrear para todos, com um som
leve e melódico.
— E o teu nome é um desporto***. Chamo-te isso? ‘Tão, atleta, como vão as
cenas? — Ela revira os olhos.
Com que então, ela também tem um bocado de sentido de humor. Não achei
que fosse possível. Tendo em conta que anda sempre a passo de marcha pela
escola inteira a defender as suas causas, que é como quem diz: as tribulações de
jovens mulheres ricas, o que, a meu ver, é completamente desinteressante. Não
quero saber de um monte de raparigas caloiras virginais. Pelo menos não da
mesma maneira que ela.
— Podes chamar-me o que quiseres — digo, vagarosamente. — Otário.
Merdas. O que quiseres. É-me indiferente.
Não há qualquer hesitação na sua reação. Ela está-me a olhar com fúria, com
aqueles olhos verdes cerrados a disparar faíscas na minha direção.
— És nojento.
— Oh, desculpa. Esqueci-me de que não usas esse tipo de linguagem sórdida.
— As coisas podem ser ditas sem se polvilhar tudo com palavras obscenas.
São completamente desnecessárias.
A sua vozinha formal a dizer a palavra «obscenas» é incrivelmente excitante.
O que significa que algo está muito errado comigo.
— Às vezes, a palavra «foda-se» é muito satisfatória de se dizer. — Faço uma
pausa, já certo da resposta à questão que estou prestes a fazer. — Alguma vez a
disseste?
Ela abana logo a cabeça, negando-o.
— Não. Se queres a minha opinião, é a pior delas todas.
— Olha que não sei. Consigo pensar numas palavras ainda mais sujas de se
dizer.
E estão todas na ponta da língua, mas contenho-me.
Mal.
O olhar dela torna-se carrancudo, o que é adorável.
— Não me surpreende. Tu e os teus amigos são extremamente vulgares.
— És mesmo uma princesinha moralista, não és?
A Wren pestaneja. Tem uma expressão magoada.
— És a segunda pessoa a chamar-me moralista hoje.
— Hum, então provavelmente devias ver isso como um sinal. — Como ela
não diz nada, eu continuo: — Talvez sejas um bocado moralista.
— Tu nem me conheces — retalia ela, claramente ofendida.
Eu não digo nada, simplesmente fixo-a com o olhar. É um prazer vê-la a
contorcer-se, e ela está obviamente a contorcer-se, apesar de ser um contorcer
mais interno do que outra coisa.
A pequena e perfeita princesa que toda a gente supostamente adora está a ser
chamada à atenção acerca das suas falhas — múltiplas vezes. Tenho a certeza de
que não gosta disso.
Quem gostaria?
— Isto não vai funcionar. — Ela levanta-se, a tremer, e cerra as mãos em
punhos. — Não posso ser tua parceira.
Levanto o olhar para ela, surpreendido.
— Já estás a desistir?
— Eu não gosto de ti. E tu não gostas de mim. Qual é o propósito de
trabalharmos juntos? Vou falar com a setora Skov outra vez depois das aulas.
Ela vai-me dar ouvidos.
— Não estejas tão certa disso.
Caramba, é divertido provocá-la. Ela facilita tanto.
— Não preferias trabalhar com a Natalie?
— Não, de todo. — Faço um esgar. — Ela é superficial. Rude. Não quer
saber de ninguém nem de merda nenhuma a não ser dela.
A cara sofrida da Wren quando me ouve dizer a palavra «merda» é quase
cómica. Esta rapariga claramente tem problemas.
— Parece familiar. — O tom dela é altivo e calmo, apesar de conseguir
detetar o mais ligeiro dos tremores. — Vocês deviam dar-se lindamente. Não
costumavas sair com ela?
— Fodi-a umas vezes — digo isto de propósito, e tem o efeito desejado. O ar
de ofensa na cara da Wren é tão extremo que começo a preocupar-me que a
rapariga rebente num pranto. — Nada sério.
— Isso é nojento.
— Não, pequeno passarinho, é perfeitamente normal. Somos adolescentes
hormonais. É suposto irmos para a cama com o que o quer que seja que
consigamos apanhar. Algo do qual tu nada sabes. — Decido fazer a pergunta
que está a pairar na minha mente desde que começámos esta conversa absurda:
— Alguma vez foste beijada?
Ela levanta o queixo. Parece estar pronta a dar de frosques. Fico à espera de
que saia a correr, mas, surpreendentemente, ela finca a sua posição.
— Não tens nada a ver com isso.
A resposta óbvia é não.
O meu olhar encontra o Sam Schmidt, que está atualmente a ser torturado
pela Natalie enquanto ela fala, fala e fala sobre a sua vida sem sentido. Apesar
disso, ele não parece miserável. Está demasiado ocupado a olhar para o
movimento contínuo dos lábios lustrosos com gloss da Natalie. Ele é o tipo que
levou a Wren ao baile o ano passado. Duas pessoas aborrecidas que,
provavelmente, passaram umas horas aborrecidas juntas.
Ciúme acende-se bem lá no fundo de mim, mas eu empurro a sensação para
longe. Como é que posso ter ciúmes do Sam? Porque ele pôde dançar com ela?
Por as mãos nela? Porque a teve a sorrir para ele e a querer realmente falar com
ele durante uma noite inteira?
— E o Sam?
A Wren encolhe-se, como se tivesse dito algo que a magoou.
— O que é que tem?
— Ele não te tentou beijar na noite do baile?
Tenho a certeza de que isso teria ido ao encontro das suas expectativas
sonhadoras e românticas, mas tenho a sensação de que o Sam não é
particularmente romântico. O gajo está demasiado dentro da sua própria
cabeça para isso.
O filho da mãe é assustadoramente inteligente.
— Como é que sabias que o Sam foi o meu par para o baile?
Se ela quisesse realmente deixar-me e a esta conversa, já o teria feito. Quase o
fez.
— É uma escola pequena, e temos poucas turmas no nosso ano. Toda a gente
conhece toda a gente. — Hesito, os meus olhos vão derivando ao longo do seu
comprimento. O casaco e a camisa abotoada até cima contêm-lhe as mamas
por completo, e do que me lembro de a ver no vestido bastante modesto que
levou ao baile, a rapariga tem uma prateleira bem recheada. — Lembras-te do
meu par?
— Ariana Rhodes — diz ela, de imediato, e morde o lábio inferior assim que
as palavras saem.
— Vês? — Inclino a minha cabeça na sua direção. — Nós sabemos o que
toda a gente está a fazer a toda a hora.
— Eu só sabia porque era amiga da Ariana — diz ela.
A coitada da Ariana. Deixou o país depois do nosso terceiro ano, foi banida
para a Inglaterra para uma escola de etiqueta e boas-maneiras — uma dessas
escolas para ensinar os bons costumes às meninas de sociedade — no campo, lá
para os quintos do inferno. Era uma rapariga destroçada com uma boca
talentosa, que tinha um pequeno problema com as drogas, que explodiu num
grande problema o verão passado. Os pais tiraram-na logo daqui antes de as
coisas ficarem piores.
— Bem, talvez agora nós pudéssemos ser amigos — sugiro, e até para os
meus próprios ouvidos pareço um vilão.
— Não me parece. Como disse, vou falar com a setora Skov depois da aula.
— Ela mete a mochila ao ombro. — Prepara-te. O mais provável é ficares com
a Natalie amanhã.
— Vou ter saudades tuas, Birdy — grito-lhe, enquanto se afasta.
Ela não se dá ao trabalho de responder. Nem sequer olha para trás.
O que quer que seja que ela está a planear dizer à Skov para a convencer não
vai funcionar. Eu conheço a Skov — e, lá no fundo, a Wren também a
conhece. A nossa professora já se decidiu. É assim que as coisas vão ser.
Quer a Wren goste ou não.

** O termo utilizado em inglês é «5.0 grade average». Este valor é mais do que uma média de 20 seria no
contexto escolar em Portugal, pois é um valor que só está ao alcance dos estudantes que tenham estado
inscritos em turmas avançadas, com um grau de dificuldade e exigência superiores. (NT)
*** «Crew» é um dos termos em inglês para remo. (NT)
CINCO
WREN

Vagueio pelos corredores vazios da escola, a tentar conter as lágrimas que os


meus olhos ameaçam, mas é um esforço em vão.
Elas correm-me pela cara abaixo, e eu limpo-as o melhor que posso, irritada
comigo mesma. Com a minha professora. Com o dia inteiro.
Graças a Deus não há ninguém por perto para me ver assim, pois as aulas
acabaram há quase trinta minutos.
Fiquei depois da aula, tal como disse ao Crew que ia fazer, e voltei a falar com
a setora Skov, a tentar defender a minha posição. Mas ela não cedeu. Não foi
má em relação a isso, mas recusou-se a ouvir a minha argumentação sobre o
porquê de não poder trabalhar com o Crew. Ela não quis saber que ele tenha
sido ordinário e que tenha dito coisas grosseiras para me arrancar uma reação.
Nem do facto de ele não querer saber do projeto e que tenha simplesmente
assumido que teria uma boa nota só por ser um Lancaster.
Ele não disse necessariamente isso, mas, quando lhe perguntei, ele não negou,
por isso só posso assumir que seja verdade.
Coisa que odeio fazer, mas fiz de qualquer maneira — e também o mencionei
à Skov. O ar cético dela disse-me que não acreditava, mas enfim. Eu estava a
tentar pensar em todas as razões concebíveis para justificar não querer trabalhar
com o Crew.
E ainda estou presa a ele.
Presa à sua atitude odiosa e ao seu olhar jocoso. Ao seu vocabulário nojento e
à maneira como olha para mim. Como se conseguisse ver através de mim.
Odeio isso acima de tudo o resto.
Limpo com brusquidão outro rasto de lágrimas, a fungar alto.
— Wren!
Ao virar-me vejo o setor Figueroa à entrada da porta aberta da sala de
professores.
— Oh. — Fico parada, esperando não estar com um ar demasiado triste. —
Olá, setor Figueroa.
Ele aproxima-se lentamente, o seu sobrolho carregado de preocupação.
— Estás bem?
— Estou bem. — Sorrio, odiando como o meu queixo treme. Como se fosse
desatar a chorar a qualquer momento. — Eu apenas… tive uma tarde difícil.
— Queres falar sobre isso?
Não devia. Ele não precisa de saber acerca dos meus problemas com o Crew
ou com a setora Skov. Mas no momento em que pergunta, em que mostra que
quer saber, eu começo a falar.
E não acabo até lhe ter dito tudo o que aconteceu durante a última aula,
omitindo apenas algumas partes mais constrangedoras. Como a pergunta do
Crew sobre se alguma vez tinha sido beijada.
Como se ele tivesse alguma coisa a ver com isso. Além disso, a resposta é que
não, nunca fui, e se lhe dissesse isso ele ia rir-se de mim e depois ia contar isso a
todos os seus amigos. A confirmação oficial ia-se espalhar como fogo numa
floresta de eucaliptos — a Wren Beaumont nunca beijou um rapaz. Nunca
beijou ninguém.
Se bem que toda a gente provavelmente já pensa isso. Eles sabem o que penso
acerca de sexo e de relações. Uso o meu crachá de virgem com orgulho, porque
não? A pressão social sobre as raparigas é demasiado forte. Esmagadora, até. E
precisamos de reivindicar o controlo sobre os nossos corpos da maneira que
der.
Não gosto que me façam sentir como uma idiota só por fazer o que acredito
ser o correto para mim. O Crew Lancaster não tem nada que olhar para mim
de nariz empinado só por eu não ter sexo. Só porque ele se dá tão facilmente a
quem o quer não o torna uma pessoa melhor do que eu.
Claro que a ideia de o Crew «se dar» a outra rapariga deixa a minha mente
curiosa a zumbir. Já o vi sem a camisa — na última primavera, perto do fim da
escola, quando todos os rapazes estavam no campo a correr e na palhaçada
como os rapazes costumam estar. Eu sentara-me nas bancadas com as minhas
amigas e o meu olhar ficou preso nele, quando ele arrancou a camisa e revelou
pele lisa e bronzeada, esticada sobre músculos esbeltos e bem definidos.
Na altura, fiquei com a boca seca. O meu coração acelerou. E ele olhou para
mim. Os nossos olhares fecharam-se um no outro, como se ele soubesse o tipo
de efeito que tinha em mim.
Afasto o pensamento e volto a focar-me no meu professor, que tem uma cara
traçada por preocupação enquanto me escuta a revelar a minha história, o seu
olhar sempre caloroso e reconfortante. Mais ou menos a meio da minha
história, ele pôs o seu braço em torno dos meus ombros, o seu toque leve
enquanto me conduzia para a sala de professores que, abençoadamente, estava
vazia. Sentou-me numa das mesas e sentou-se mesmo ao meu lado. Quando
acabei a história, ele afagou-me o braço para me consolar, exalando alto.
— Queres que fale com a Anne?
Pestanejo, apercebendo-me de que ele se está a referir à setora Skov. Eu nunca
penso no primeiro nome dela. Para mim, é só Skov.
— Não tenho a certeza de que deva.
— Eu posso dar-lhe uma palavrinha a teu favor. A Anne e eu somos muito
próximos. Ela vai-me dar ouvidos. — Ele pousa a mão no meu antebraço, que
está sobre a mesa, e dá-lhe um aperto reconfortante. — Não tens de ser
atormentada pelo Lancaster nestas próximas semanas. Já estás sob pressão
suficiente.
O alívio que me enche ao ouvir as suas palavras compreensivas é tão forte que
quase quero começar a chorar outra vez.
— Estou sob tanta pressão. Há muita coisa a acontecer.
— Já fizeste as tuas candidaturas às universidades?
Faço que «sim» com a cabeça. Aprecio que tenha sido a primeira coisa que ele
se lembrou de me perguntar. Para muitos de nós, a questão da universidade
causa muito stresse. A maioria dos professores parece que se esquece, e eles vão
dando mais e mais trabalho, como se conseguíssemos lidar com tudo, quando a
maioria está à beira de um colapso nervoso.
— Muito bem. Tenho a certeza de que ainda tens alguns projetos e testes
finais, o meu incluído. — O sorriso dele é suave. — E vais-te sair bem em
todos. Sais-te sempre bem.
— Estou entusiasmada para ler o livro.
— Acredito que sim. — Ele retira a mão do meu braço e inclina-se para trás,
olhando em redor pela sala. — Eu falo com a Anne. E talvez fale também com
o Crew.
— O quê? Não. — Abano a cabeça à pressa, ignorando a expressão
surpreendida na cara dele. — Estou a falar a sério, por favor, não lhe fale disto.
Não quero arrastar o professor para esta confusão.
— Já estou na confusão. Eu quero ajudar-te. — O maxilar dele endurece.
Acho que nunca vi o Fig com um ar tão feroz. — Rapazes como ele safam-se
com tudo. Como se fossem intocáveis, sem nunca pensarem em como afetam
as outras pessoas.
— Está tudo bem…
— Não, Wren. Não está tudo bem. Não vou ficar a olhar enquanto ele te
magoa repetidamente.
Pressiono os meus lábios numa linha fina, com uma sensação de preocupação
a fazer o meu interior retorcer-se. Eu não quero que ele fale com o Crew acerca
de mim. Só posso imaginar o que o Crew lhe diria. O que acabaria por me vir
dizer a mim. Algo sobre eu ter mandado o meu professor cão de guarda atrás
dele ou qualquer coisa do género. Ia chamar ao Fig toda a espécie de nomes e
gozar comigo, aquele olhar trocista nunca se afastaria do meu.
Isso é a última coisa que quero.
— Por favor, Fig. — É a minha vez de estender a mão para lhe tocar, e ele
baixa a cabeça, segurando na minha mão que está sob o seu braço, antes de me
fitar. — Por favor, não fale com ele. Eu consigo lidar com o Crew sozinha. Mas
se pudesse dar uma palavrinha à setora Skov sobre eu trocar de parceiro, isso
seria maravilhoso.
Os seus olhos castanhos estão firmes, a observar-me. Consigo perceber pelo
seu ar severo que o meu pedido não lhe agrada.
— Tudo bem. Eu não falo com o Crew. Mas vou falar com a Anne. Tenho a
certeza de que ela vai ser razoável.
— Obrigada. — Sorrio para o Fig. Percorre-me uma sensação de choque
quando ele se chega a mim, puxando-me para os seus braços para me abraçar.
É confrangedor e estranho, porque estamos os dois sentados, e porque ele é o
meu professor, então, faço o meu melhor para me desenvencilhar rapidamente.
Uma respiração trémula deixa-me e prendo uns fios de cabelo soltos atrás da
minha orelha, mas todo o ar me deixa quando oiço uma voz feminina familiar
a guinchar.
— Mas que raio, Fig?
Ambos olhamos para a porta e vemos a Maggie na entrada, de boca aberta, a
sua cara pálida permeada por vermelho. O olhar cerrado dela encontra o meu,
e ela fulmina-me, a sua expressão está cheia de ódio.
— Maggie. — A voz dele está estável enquanto se levanta. — Tem calma.
Não é o que pensas.
A Maggie grunhe e entra na sala dos professores, como se já tivesse aqui
estado um milhão de vezes.
— Oh, claro que não. É exatamente aquilo que eu estou a pensar. É assim que
começa, não é, Fig? Todo doce e simpático e carinhoso com uma aluna. A fazê-
la sentir-se especial. Pedes-lhe para ser tua AP, trá-la como se fosse o cordeiro
inocente a caminho do sacrifício e depois avanças para a matança.
Eu dou um salto para fora do meu lugar, ansiosa para fugir.
— Eu tenho de ir…
— Não, fica. Apesar de ter a certeza de que aquilo que vou dizer te vai
empolar as orelhas virgens, mas mereces ouvir. Saber o que este homem faz. —
O sorriso dela é frágil, quebradiço, os olhos dela estão brilhantes, como se
estivesse prestes a chorar. — Porque, pela primeira vez na sua vida, finalmente,
ele vai ser derrubado. Há quantos anos trabalhas na Lancaster? E com quantas
raparigas já fodeste? Tenho a certeza de que a lista é interminável.
Encolho-me com a escolha de palavras dela. O meu olhar desliza até ao setor
Figueroa, mas ele nem me está a prestar atenção.
Está demasiado focado na Maggie. As mãos estão ao lado do seu corpo,
cerradas em punhos, apesar de ele estar a tentar manter uma aparência calma.
— Vê lá como falas, Maggie.
— Oh, pois claro, eu tenho de proteger as orelhas inexperientes da maior
virgem da escola, certo, Figgy? Tenho a certeza de que estás mortinho por lhe
saltar para a espinha. Aquela vagina provavelmente tem uma fechadura, mas
com os teus modos persuasivos ela acabará por te dar a chave. Sem problema.
A Maggie avança pela sala até estar diretamente à frente do Fig. Consigo
perceber que ele lhe quer tocar. Agarrar nela.
Até mesmo magoá-la?
Não tenho a certeza.
E não sei porque é que tenho de ser uma testemunha deste espetáculo
durante mais tempo.
— Eu… Vou deixar-vos a sós para poderem falar em privado. — Dirijo-me à
porta, a Maggie já não me está a prestar atenção.
O Fig também não me está a ver sair da sala. Estão demasiado envolvidos um
no outro.
Como amantes.
SEIS
WREN

Volto até ao meu quarto privado, grata pelo moratório. Apesar disso, acabo por
não ter muito tempo para apreciar o silêncio porque o meu telemóvel começa a
tocar, assustando-me.
A palavra «Pai» começa a piscar no ecrã, e apercebo-me com um nó no
estômago de que nunca lhe cheguei a ligar depois da mensagem que ele me
enviou.
— Pai, desculpa. O dia fugiu-me completamente. — É assim que lhe
respondo.
A risada dele é cheia e quente, o que me faz sorrir apesar do estado agitado
em que ainda estou por causa da confrontação entre o Fig e a Maggie. E
comigo, também, suponho. Nunca estive envolvida em nada do género na
minha vida e foi desconcertante.
— Tenho notícias do responsável pelo Departamento de História de Arte na
Universidade de Columbia.
O meu coração dá um sobressalto para a garganta e, depois, afunda até ao
estômago, tudo ao mesmo tempo.
— Oh.
— Não queres saber o que ele disse?
Eu já sei o que ele disse. Está mortinho para que eu vá para lá estudar. Graças
à cunha que o meu pai meteu.
— O que é que ele disse? — Mantenho a minha voz leve e entusiasmada,
exatamente como ele me quer. A sua filha querida e feliz, que faria qualquer
coisa pelo seu pai. Ele sente exatamente o mesmo.
Quando lhe dá jeito.
— Eles querem-te, querida. Entraste — diz ele, a rebentar de orgulho.
— Oh. Isso é tão espetacular — replico, a minha voz fraca. Sento-me na
cadeira à secretária, a olhar pela janela próxima de mim e que dá para o
campus. Há alguns estudantes a passear, mas não consigo perceber quem é
quem. Parecem todos iguais, pois ainda estão, maioritariamente, de uniforme.
— Não pareces feliz, Amora. — Consigo ouvir a desilusão na sua voz. —
Pensei que a Columbia era para onde mais querias ir.
Eu nunca disse isso. Limitei-me a concordar com ele sempre que ele
começava a falar sem parar sobre como essa universidade é incrível e sobre
como a Columbia tem um bom programa de arte. Não que eu queira ser uma
artista — é mais vontade de querer estudar arte. Um dia gostava de trabalhar
numa galeria ou num museu. Talvez até ter a minha própria galeria de arte,
onde pudesse descobrir artistas promissores e apoiá-los.
Esse é o meu sonho, e os meus pais sabem-no. Também o encorajam, apesar
de eu achar que eles não acreditam que eu conseguiria fazer o que quer que
fosse sozinha. Tenho a certeza de que estão só a ser indulgentes. Os motivos
que o pai dá não são para mim, mas para ele.
A Universidade da Columbia é demasiado próxima. Ficar em Nova Iorque
significa que não há escape para mim, porque é aí que a minha família vive. Foi
onde cresci.
Quero algo diferente. Distante.
No que depender do meu pai, isso nunca vai acontecer.
— Estou empolgada. A sério. — Injeto entusiasmo na minha voz, na
esperança de que ele o detete. — Muito obrigada por teres falado com ele. Mal
posso esperar para ver em que outras universidades entrei.
— Há mais alguma universidade que importe? Pensei que a Columbia era o
grande objetivo.
Não lhe vou falar das universidades às quais me candidatei, aquelas nas quais
quero mesmo entrar, nem pensar. Ou ele lhes liga e me garante o lugar ou vai-
me logo dizer que não posso ir para algumas das localizações. Não posso
arriscar nenhum desses cenários.
— É sempre inteligente ter opções, pai.
— Tens razão. É sempre bom ter opções. Um plano B. — Consigo imaginá-
lo a acenar em concordância.
— Posso falar com a mãe?
— Oh, eu não estou com ela. Neste momento, estou em Boston a tratar de
negócios. Vou para casa na sexta. Devias ligar-lhe. Ela deve ter saudades tuas.
— Ainda este fim de semana estive com vocês. — Cheguei ao campus ontem
à tarde, depois de ter passado as férias do dia de Ação de Graças com os meus
pais.
— Nós temos sempre saudades tuas, querida. Especialmente a tua mãe. Sabes
como ela fica carente. — Eu sei. E ela não precisa necessariamente de mim, ela
precisa dele. Não que ele se aperceba. — Como é que foi a escola?
Dou-lhe um breve resumo, com cuidado para não mencionar nada acerca do
Crew, do Fig ou da Maggie. Nunca tinha tido um dia como este na Lancaster
Prep.
E eu já tive muitos dias aqui. Não estava à espera de que o meu último ano
desse uma volta tão dramática, nem tão rapidamente. E é tudo drama em que
não estou necessariamente envolvida, o que é estranho.
Normalmente, não dou por mim no meio de dramas.
Falamos durante mais uns minutos antes de ouvir uma voz feminina suave a
dizer:
— Harvey, vamos embora.
— Depois falo contigo, querida. Só te queria dar as boas notícias. Não te
esqueças de dizer a todos os teus amigos. Adoro-te. — Ele desliga a chamada
antes de poder dizer adeus.
Pouso o telemóvel na secretária, de olhos postos nele. Quem é que disse ao
meu pai que estava na hora de ir embora? Uma parceira de negócios? A
assistente? Eu sei que ele tem uma nova, mas não me lembro do nome dela.
Ou foi outra mulher?
Sabe-se que ele já traiu a minha mãe. Homens tão poderosos como o meu pai
acabam sempre por o fazer, o que é uma desilusão. Talvez seja por essa razão
que a lealdade é tão importante para mim. Talvez seja por isso que tenho medo
de me envolver com qualquer rapaz.
Os rapazes nunca ficam por perto. E a maior parte deles não consegue ser fiel,
como se isso lhes estivesse no ADN ou assim. Eles aborrecem-se tão facilmente,
tão rapidamente. É como se no momento em que uma rapariga se dá, eles já
estivessem prontos para outra.
Basta ver o que está a acontecer com o Figueroa e a Maggie. É óbvio que eles
já estão envolvidos há algum tempo, o que é quase demasiado para eu
compreender. Ele está a correr um risco enorme ao envolver-se com uma aluna.
Os rumores acerca dele sempre foram muitos e exagerados, mesmo antes de eu
ter começado a frequentar Lancaster, mas nunca foram oficialmente
confirmados.
Aquela pequena confrontação a que assisti foi uma confirmação definitiva. A
Maggie parecia furiosa. Será que ela achou mesmo que o Fig se estava a atirar a
mim? Eu não acho que estava. Acho que estava só a ser simpático. Sentiu-se
mal por mim, porque me apanhou a chorar no corredor, e eu já ouvi muitas
vezes que os homens não gostam de lágrimas. O meu pai nunca gostou.
Homens. Não os entendo.
De repente, dá-me vontade de comer um docinho, abro uma das gavetas da
secretária e tiro um dos chupa-chupas Blow Pop, a que arranco o plástico, que
atiro para o meu pequeno caixote do lixo, antes ainda de meter o chupa-chupa
na boca. Chupo aquele doce de cereja, a explosão de açúcar reveste a minha
boca.
Esta é a minha grande indulgência que não é saudável para mim. Eu tenho
cuidado com o que como e bebo, mas tenho uma paixão por doces. Adoro
tudo o que é doce, especialmente chupa-chupas.
De súbito, alguém bate à minha porta e uma voz portentosa anuncia do
outro lado:
— Beaumont! Tens uma visita!
Encosto-me na minha cadeira, ondas de surpresa agitam-se dentro de mim.
Quem é que me quereria visitar? São-nos permitidos visitantes na área comum,
a sala de convívio, do edifício do dormitório, que está no primeiro andar e
perto da receção, onde as nossas assistentes de residência (as AR) estão sentadas
com os seus olhos que tudo veem. Os visitantes são pessoas da cidade ou
rapazes. Namorados. Muitos casais passam tempo juntos na sala de convívio
depois de as aulas acabarem.
Eu não faço a menor ideia do que isso é. Nunca estive na sala de convívio
com o Sam, e ele é o meu amigo mais próximo. Se é para fazer algo em
conjunto, é durante a hora de almoço, ou então vamos para a biblioteca.
— Obrigada. Já vou descer! — digo para a pessoa que provavelmente já não
está ali.
Levanto-me e vou até ao espelho de corpo inteiro, a segurar o chupa-chupa
entre os meus dedos enquanto me contemplo. Com o chupa na boca, prendo
ainda mais a minha camisa dentro da cinta da minha saia, antes de passar uma
mão pelo meu cabelo para o alisar. Larguei o casaco assim que entrei no quarto
e estava prestes a mudar para roupas mais confortáveis antes de o meu pai me
ter ligado.
Isto vai ter de servir.
Desço as escadas dois degraus de cada vez, como estou no segundo andar não
me dou ao trabalho de usar o elevador antigo e duvidoso. Aquela coisa está
mais vezes avariada do que a funcionar.
Quando entro na sala de convívio travo ao ver quem está encostado contra a
parte de trás de um dos sofás velhos. As suas pernas compridas estão cruzadas
nos tornozelos, e ele ainda está com o seu uniforme vestido, apesar de, tal
como eu, se ter livrado do casaco.
Crew Lancaster.
Está com a cabeça curvada, a olhar para o seu telefone, mechas do cabelo
castanho-dourado caem-lhe pela testa. A gravata também se foi, alguns botões
de cima da camisa estão desapertados, deixando entrever a forte coluna da sua
garganta. Oferecendo um vislumbre do seu peito. As suas mangas estão
enroladas até aos cotovelos, e o meu olhar cai sobre os seus antebraços. São
percorridos por cordas de músculo e cobertos por pelos dourados, e uma
sensação estranha, desconhecida, começa a pulsar baixo.
Entre as minhas pernas.
Tento ignorar a sensação enquanto observo o Crew, chupando com força no
rebuçado na minha boca. Ele nem está a fazer nada, está só ali e, mesmo assim,
exsuda uma aura autoritária.
Como se fosse dono deste sítio.
E é mesmo.
Pigarreio levemente, e a cabeça dele levanta-se de súbito, os seus olhos azuis
encontram os meus, e eu fico apenas a olhar.
O olhar dele cai para os meus lábios, reparando no pau do chupa, e eu agarro
nele e tiro o doce da boca.
— O que é que queres? — pergunto-lhe, o meu tom é presunçoso, uma
tentativa de esconder o nervosismo que vai retorcendo o meu interior.
Ele afasta-se do sofá, guarda o telemóvel no bolso enquanto, lentamente, se
aproxima de mim.
— Tens uns minutos?
Olho por cima do meu ombro para as duas AR, que estão sentadas atrás da
secretária na receção, mas nenhuma delas nos está a prestar atenção. Não
importa. Eu quero que ele saiba que eu sei que elas estão ali e que me viriam
socorrer se este tipo me disser uma coisa rude que seja.
— Claro.
Sigo-o pela sala até ambos nos sentarmos em cadeirões estofados virados um
para o outro, com uma mesa redonda e baixa entre nós. Não estão muitas
pessoas na sala, por isso temos alguma privacidade, mas tenho a certeza de que
pela manhã já vai correr pela escola toda que o Crew e a Wren foram vistos
juntos, a falar.
Crew e Wren. Nunca me tinha apercebido do quão semelhantes os nossos
nomes são. Que partilham três letras. Hum.
— De que é que querias falar? — pergunto, pois ele não diz nada. Deve usar
o seu silêncio para deixar as pessoas perturbadas, e funciona. Bastante bem.
Ele inclina-se para a frente, pousando os cotovelos sobre os joelhos enquanto
me estuda.
— Acabo de ter uma conversa interessante com a Skov.
Por breves instantes, os meus olhos fecham-se com a humilhação, e volto a
enfiar o chupa na boca. Este dia podia piorar ainda mais?
— Estou chateado contigo, Birdy. Ela perguntou-me se alguma vez tinha
feito algo inapropriado que te teria perturbado tanto. O que raio é que lhe
andaste a dizer?
— Ouve, tu não queres trabalhar comigo…
— Podes ter a certeza de que não quero, não quero se é para andares a dizer
aos professores que te ando a assediar sexualmente, ou sei lá que merda é que
andaste a dizer. — As suas palavras são como balas que me perfuram a pele.
— Eu nunca disse isso.
— Deste a entender. Pelo menos foi o que eu percebi da Skov, e tive de me
defender, sem te fazer parecer uma mentirosa descarada. — Ele hesita, o seu
olhar frio faz-me tremer impotentemente. — Coisa que és.
— Eu nunca disse que tinhas feito coisas inapropriadas. Eu só lhe disse que
tinhas dito coisas ordinárias e de baixo nível.
— Palavrões. É isso. Nunca disse nada sobre querer pinar contigo.
Fico surpreendida com o seu tom feroz e com as palavras que ele acabou de
dizer. A maneira sombria como o seu olhar desliza sobre mim. Como se ele
pudesse realmente querer fazer isso — exatamente isso, a mim.
A minha mente leva-me a um lugar onde não quero estar, como se não me
conseguisse controlar. Mas, a sério… como é que seria, como seria ter a
atenção total deste rapaz? Tê-lo a olhar para mim como se se preocupasse
genuinamente, e não com tanto ódio?
O meu olhar cai para os seus braços, para a maneira como os seus bíceps se
esforçam contra o tecido de algodão branco. Como é que seria a sensação de o
ter a segurar-me? A sussurrar palavras doces no meu ouvido — apesar de ele,
provavelmente, ser incapaz de tal coisa.
Olho para a sua boca, para os seus lábios. Para a sua forma perfeita, com um
lábio inferior um pouco mais cheio. Como seria ele a beijar — suave e doce?
Ou duro e feroz? Penso nos livros que li, nos filmes que vi, e imagino o
primeiro momento, o deslizar lento da sua língua contra a minha…
Não. Não, não, não. Isso é a última coisa que quero.
— Acabaste de o dizer — digo, tremulamente.
Ele fulmina-me.
— Não era a sério. Acredita, és a última rapariga com quem quero pinar.
E agora sinto-me insultada, o que é tão estúpido.
— Ainda bem, porque nunca vais ser capaz de o fazer.
— Eu sei. Todos nós sabemos. — Ele recosta-se na cadeira, a tensão nele
aligeira-se um pouco. Agora, porquê, não sei. — Não podes andar por aí a dizer
cenas dessas. Os professores levam esse tipo de acusações a sério, por muito
implícitas que sejam. Eles têm de lhes dar seguimento e tudo.
Nem estava a pensar nas repercussões das minhas palavras quando fui
argumentar pelo meu caso com a Skov há pouco. Só estava à procura de uma
saída do projeto.
— Desculpa. Não te queria arranjar problemas.
— Credo, és mesmo sempre muito simpática, não és? — Ele parece
surpreendido pelo meu pedido de desculpas rápido, apesar de o ter arruinado
ao ser rude. Nada de novo, portanto. — Não me arranjaste problemas. Apenas
tive de lidar com a Skov e com as suas perguntas intermináveis. Tu… Epá, tem
cuidado com o que dizes. Estamos encalhados um com o outro. É lidar.
— Foi por isso que vieste aqui?
O Crew acena.
— Podias só ter enviado um e-mail. — Temos acesso ao diretório de e-mails
de estudantes, assim como dos funcionários.
— Queria dizer-te cara a cara, para que pudesses ver como estou irritado. —
O olhar dele continua furioso, mas não está tão intenso como quando
começámos a falar. — As tuas ações têm consequências, Birdy. Tens de ter
cuidado.
Seguro no pau do chupa-chupa, a chupar com força no doce, e contemplo
partir o chupa com os dentes quando o Crew diz:
— Mais uma coisa.
— O quê? — Tiro o chupa da boca.
— Tu não devias mesmo comer essas coisas à minha frente.
Ele acena para o chupa-chupa na minha mão.
— Porque não? — pergunto, de sobrolho carregado.
— Porque quando te vejo a brincar com essa coisa na boca, só consigo pensar
em ti a chupar a minha piça — diz ele, num tom casual, como se não tivesse
realmente dito o que disse.
E com isso levanta-se da cadeira e vai-se embora, sem me deixar dizer nada
em resposta. Deixa-me ali sentada, a pensar em todas as coisas que lhe podia
ter dito.
Que ele é desnecessariamente rude para mim.
Que diz coisas extremamente ordinárias só para ter uma reação.
Que me chama por uma alcunha tonta de que não gosto muito.
Mas ele não me deu a oportunidade.
Típico. Estou a começar a aperceber-me de que é assim que toda a gente me
trata. É como se estivessem todos a falar para mim, em vez de comigo. Eu
nunca estou envolvida na conversa. É só suposto estar ali e levar com tudo,
como uma boa menina.
É irritante.
E pior que isso?
Dói.
SETE
CREW

Uma vez que é hora de almoço, estou a andar pelos corredores na escola, a ir
para o refeitório, focado na minha vida, quando oiço o meu nome a ser
chamado.
Ao olhar por cima do ombro, vejo que é o raio do Figueroa que vem na
minha direção, com uma expressão cheia de determinação inflexível.
Ótimo.
Desde que voltámos da pausa letiva do dia de Ação de Graças, tem sido uma
coisa atrás da outra, e ainda só é terça-feira. Isto deixa-me mesmo frustrado. O
principal motivo disso tem a ver com a Wren, o que é interessante.
A Wren Beaumont é mais do que uma carinha laroca. O que, lá no fundo, eu
sempre soube. Ela é inteligente, é simpática com toda a gente — talvez não
comigo, mas eu mereço isso — e é influente. Tudo coisas que posso respeitar
apesar de, por qualquer razão, a palavra respeito e Wren nunca terem
combinado no meu cérebro.
Sinto-me atraído por ela. E desde quando é que o respeito entra nessa
equação para mim? Não é que eu ande a rebaixar raparigas na desportiva, mas
elas estão simplesmente… ali. Para falar, beijar e pinar.
Só isso.
Fiquei surpreendido quando ela me pediu desculpa pelo que disse acerca de
mim à Skov. Eu exagerei um pouco, tal como ela fez, e fiz de conta que a nossa
professora me tinha questionado detalhadamente a respeito das alegações dela,
o que até aconteceu, mas não foi tão mau como dei a entender. Estava a tentar
fazer com que a Wren se sentisse na merda, e funcionou, mas suponho que não
devia ter ficado surpreendido.
A rapariga é muito facilmente manipulada e é demasiado simpática. Tão
simpática que se fica com uma dor de dentes sempre que se fala com ela.
Ela é doce a esse nível.
A Wren tem de saber que eu digo aquelas cenas só para a irritar, e é tão fácil
consegui-lo. As penas de pássaro dela ficam encrespadas demasiado rápido. É
quase divertido deixá-la assim irritada.
Diversão sem maldade.
— Posso falar rapidamente contigo? — pergunta-me o Figueroa, com uma
voz amigável. Apesar disso, consigo sentir um tom sombrio subjacente às suas
palavras. Ele não está contente.
Suponho que não esteja contente por minha causa.
Mas que raio é que fiz agora? Oh, já sei, nasci. Com a tal colher de prata na
boca. Ele tem rancor de todos os miúdos ricos, o que tem uma graça dos
demónios tendo em conta que ele trabalha numa das escolas privadas mais
exclusivas em todo o país.
Mas ele tem queda pelas menininhas ricas com traumas, danificadas pelos
pais. Ele engole-as junto com as nossas colheres de prata descartadas e, depois,
cospe-as quando se farta. E siga para a próxima e para a que vier a seguir.
Como a porra de um tubarão a nadar no oceano, uma máquina mortífera,
esfomeada.
Se bem que o Figueroa é mais tipo uma máquina de aliciamento de menores
e pinanço nos corredores da Lancaster Prep, esse cretino doentio.
— Então? — Ergo o queixo, na direção dele, já aborrecido.
— Vamos falar num sítio mais privado? Não vai demorar muito tempo.
Eu sigo-o até estarmos lá fora, em frente à entrada principal da escola. Não há
muitas pessoas aqui no começo da hora de almoço, por isso este é
provavelmente o sítio mais privado que ele ia conseguir encontrar.
— De que é que querias falar? — pergunto-lhe, uma vez que o otário ainda
não disse nada. Está demasiado ocupado a olhar em redor, como se tivesse
medo de que alguém fosse saltar para fora dos arbustos.
— Wren Beaumont — diz ele, encarando-me. — Deixa-a em paz.
O tom dele é ameaçador, o seu olhar, duro.
Mas que porra é esta? Este gajo está a gozar com a minha cara?
— De que é que estás a falar?
— Deixa de a chatear nas aulas. Ela não gosta. E como está presa contigo
enquanto parceiro no projeto de Psicologia, não está feliz com isso — explica o
Figueroa. — De todo.
— Foi ela que te disse isso? — Estou abismado. Ela foi mesmo ter com este
gajo, confiou nele e disse-lhe o quanto odeia trabalhar comigo?
Que cena marada dos cornos.
— Sim, disse. Ontem. Estava a chorar. Estava chateada porque não conseguia
livrar-se de ser tua parceira naquele projeto. — Os seus lábios apertam-se numa
linha fina e firme. — Eu tentei o meu melhor para a consolar, mas ela não
parava de chorar.
— Aposto que a tentaste consolar — riposto. Este gajo.
Toda a gente sabe que ele tem andado a afiambrar a Maggie em segredo nestes
últimos meses. O Franklin acabou com ela quando descobriu. O rumor que
circula é que ela engravidou do Fig, mas não sei se isso é verdade.
Odeio como todas as raparigas lhe chamam Fig. Fico passado. Ele não merece
a atenção ou o afeto delas. É um autêntico pulha.
— Diz à Skov que queres um novo parceiro — exige o Figueroa.
— Não.
— Ela vai-te dar ouvidos. Todos os professores dão. — A última frase é dita
com um desdém total.
Ele odeia que eu seja um Lancaster. Que ele não me possa fazer nada porque
não cola. Sou intocável — na maioria dos casos. Até diria que sou a pessoa
mais poderosa nesta escola, e a maioria dos funcionários e da administração
não quer saber o que faço ou deixo de fazer. Estão habituados ao excelso
tratamento de luva branca Lancaster.
Mas, por qualquer motivo, este gajo quer saber — ele quer saber demasiado
de mim. E não de uma boa maneira.
— Se calhar eu até quero mesmo trabalhar com a Wren. — Aproximo-me, a
minha voz baixa de tom. — Talvez queira aproximar-me dela. Descobrir todos
os seus segredos. Aquilo de que ela gosta. O que ela não gosta. Talvez quanto
mais tempo ela passar comigo, mais vai baixar as suas defesas e aperceber-se de
que afinal não sou assim tão mau tipo.
O Figueroa bufa.
— Por favor. Tu não queres saber dela.
— E tu queres? — Levanto as sobrancelhas. — Só estás chateado porque
sabes que, faças o que fizeres, ela nunca vai cair na tua lengalenga. Não
verdadeiramente. Ela é tão boa rapariga, Fig. Uma virgem inocente que nunca
se atreveria a pensar em ter sexo com um gajo que tem idade para ser pai dela.
O professor dela. Alguém que ela respeita e admira.
A expressão do Figueroa contrai-se, mas ele não diz uma palavra.
— Infelizmente para ti, a Wren está a guardar-se para o seu futuro marido,
não para o cretino tarado que é o seu professor de Inglês — acrescento, só para
o deixar furioso.
Funciona. O maxilar dele mexe-se e abre os lábios como se estivesse prestes a
falar, mas eu corto-lhe a palavra.
— Mas a Wren é capaz de considerar ter alguma coisa comigo. Eu sou jovem,
mais apropriado a nível de idade do que tu, isso de certezinha. Na verdade,
somos dois adolescentes hormonais, a trabalhar em conjunto num projeto,
sabes? Vamos precisar de tempo na biblioteca, sem dúvida. Tempo privado. Só
nós os dois. Eu sei que ela gosta de estudar lá, é o lugar favorito dela no
campus. Vou-me certificar de que estamos escondidos num canto escuro e
depois vou avançar, entre as estantes.
— Ela vai dar-te uma chapada.
— Ou é capaz de abrir as pernas ainda mais e de me deixar meter-lhe a mão
dentro das cuecas. Estou disposto a arriscar. Tenho a certeza de que quando ela
experimentar, me experimentar, vai tomar o gosto e vai estar disposta — e
entusiasmada — a mais experimentações. Comigo. — Sorrio quando vejo a
raiva a agitar-se nos seus olhos. Estou-me a divertir demasiado com isto, mas
provavelmente tenho de me afastar. Conhecendo-o como conheço, deve ir a
correr para o meu pequeno passarinho para lhe contar o que eu disse sobre ela.
E ela, provavelmente, vai acreditar nele.
Suponho que deva.
O Figueroa expele um sopro violento, enquanto me aponta o dedo.
— Se te atreves a tocar-lhe num cabelo que seja eu…
— Tu o quê? — interrompo, a minha voz assustadoramente calma. — Dás
cabo de mim? Força. Eu não tenho medo de ti. E tenho a certeza de que te
destruía, Fig. Estás a amolecer com a idade. O teu único exercício hoje em dia
é dar cambalhotas com a Maggie no banco de trás do teu carro. Não te fartas
dessa porcaria?
Ele olha para mim, a respirar rápido, o seu peito sobe e desce velozmente, e
eu enfio as mãos nos bolsos, já aborrecido com a nossa conversa.
— Deixa a Wren em paz — exige, mas já não há tanto poder na sua voz
como havia antes. — É só isso que vou dizer. Se fizeres algo para a magoar, vai
haver consequências.
Vejo-o a afastar-se, divertido com a situação. As ameaças dele não valem nada.
Só me fazem querer quebrar a parede de ferro com que a Wren se guarda e
mexer com a cabeça dela. Enlouquecê-la com a vontade de me ter.
Eu podia fazê-lo. Não seria preciso muito. A rapariga está esfomeada por
atenção masculina. Dá para ver. Ela mantém-se tão fechada em si. Tem de estar
a albergar umas fantasias secretas lá no fundo.
Com sorte são fantasias doentias e retorcidas, e ela vai-me deixar recriá-las
com ela.
Este projeto estúpido vai-me ajudar a conhecê-la. Aprender o que a move.
Vou percebê-la, seduzi-la e, em breve, estarei a chegar à aula de Inglês
Avançado com ela debaixo do meu braço, com os meus lábios na testa dela,
conforme olho para aquele idiota invejoso a que chamamos o nosso professor,
sentado atrás da sua secretária.
Vai ser um prazer encenar essa atuação.
Um sorriso anima os meus lábios enquanto me dirijo, de novo, para o
refeitório.
Mal posso esperar.

Assim que entro na sala da Skov, o meu olhar aterra na Wren. Ela está sentada
no meu lugar, com o Malcolm e o Ezra a ladeá-la dos dois lados, sentados nas
suas secretárias, ambos a competir entre si pela atenção da Wren. A cabeça dela
gira de um lado para o outro entre os dois, um pequeno sorriso a animar-lhe os
lábios.
De repente, percebo o que Figueroa devia estar a sentir quando eu lhe disse
aquelas tretas todas sobre a Wren. Estou a senti-lo agora, independentemente
do quanto o quero negar.
Um ciúme grave consome-me, faz o meu sangue ferver e faz com que a
minha cabeça queira explodir.
Ela não repara em mim até estar praticamente em cima dos seus pés de Mary
Janes, a cabeça dela levanta-se e o seu olhar arregalado encontra-se com o meu.
Os meus amigos silenciam-se. Parece que a sala inteira se cala enquanto nos
estudamos.
— Estás sentada na minha secretária, Birdy — acuso, com a voz baixa.
Os meus amigos partilham um olhar, notaram sem dúvida o meu tom
ameaçador.
Aparentemente, a Wren não se sente afetada por ele.
— Pensei que nos íamos encontrar aqui.
Olho para o Ezra, que está com um sorriso cheio de satisfação na sua cara de
idiota.
— Não devias falar com ela.
O sorriso desaparece, e agora ele fica com uma expressão carrancuda.
— Não és dono dela.
— Não és de certeza — responde a Wren quando volto a focar a minha
atenção nela. — Eles são meus amigos. Ao contrário de ti.
Percebido. Um ponto para a Birdy.
— Tem calma, mano. — Isto vem do Malcolm.
Ignoro-os aos dois. Foco toda a minha atenção na Wren.
— Então onde é suposto sentar-me?
— Podes-te sentar na minha secretária. — Ela aponta para o lugar vazio à
frente da sala.
Faço um esgar.
— Não, obrigado.
Ela pousa as suas mãos entrelaçadas em cima da minha secretária, e surge-me
a ideia mais ousada.
Decido levá-la a cabo.
Deixo cair a minha mala no chão e paro mesmo ao lado da cadeira da Wren
— a minha — e sento-me, empurrando-a um bocadinho para o lado, o que
não é muito difícil.
Ela não pesa quase nada e não ocupa muito espaço na cadeira. O cheiro dela
é inebriante, como uma explosão de flores silvestres no meio de um prado
primaveril. Ela é quente e suave e encaixa perfeitamente ao meu lado. Engato o
braço em torno das costas da cadeira, meio tentado a puxá-la para o meu colo.
— Crew! — Ela está a guinchar. — O que é que estás a fazer?
— O que é que te parece? — Ela inclina a cabeça na direção da minha, e as
nossas faces estão tão próximas que consigo destrinçar as sardas esbatidas no
seu nariz. Claro que ela tem sardas. Ela é a doçura personificada. — Estou
sentado à minha secretária.
— Eu disse para te sentares na minha. — Para quem parece pronta a engolir a
língua, ela está bastante calma. O único tique que diz o contrário é a sua
pulsação rápida e adejante na base da garganta. Os lábios entreabrem-se, sopros
suaves deixam-na, e eu penso no que ela faria se eu me inclinasse e pressionasse
a minha boca ao sítio onde a sua pulsação palpita.
Provavelmente, passava-se dos carretos.
— Eu disse-te ontem que não gosto de me sentar à frente. — Desço um dedo
pelo centro das suas costas, e ela salta. — Parece que vamos ter de partilhar.
A campainha toca, a Skov entra a valsar pela sala adentro no último minuto
possível e olha duas vezes quando repara que eu e a Wren estamos a partilhar
um lugar.
— Parecem bem aconchegados.
Um risinho nervoso soa pela sala, que inclui o Ez. A Wren senta-se mais
direita, as mãos dela ainda estão em cima da minha secretária, a atenção é para
a professora e mais ninguém.
Eu não me dou ao trabalho de olhar para a Skov. Estou demasiado cativado
pela curva delicada da orelha da Wren. Pela pérola pequenina que lhe pontua o
lóbulo. Pela pele lisa do seu pescoço, como o seu cabelo escuro é perfeitamente
lustroso e direito. Ela entreabre os lábios, o olhar dela esvoaça para o meu antes
de se afastar rapidamente.
Ela consegue sentir os meus olhos nela. Boa. Deixo-a desconfortável?
Ou será que ela gosta?
Voto em desconfortável. Ela não está habituada a atenção masculina.
— Crew, por favor, senta-te noutro lado — ordena a Skov.
— A Wren está sentada na minha secretária.
Dá para ver que a Skov está ligeiramente divertida com a situação. Ela aponta
para o lugar vazio da Wren.
— Então vem-te sentar na secretária dela.
— Não gosto de me sentar à frente.
— Tenho a certeza que não. — A Skov cruza os braços. — Vamos lá.
— Eu vou — diz a Wren, mandando-me outro dos seus olhares rápidos. Ela
não parece zangada, é mais o facto de não gostar de ir contra a autoridade. —
Eu não me importo.
O Ezra e o Malcolm resmungam o seu desagrado por terem perdido a sua
audiência cativada de uma pessoa, e eu mando-lhes um olhar assassino.
Não resulta em calá-los, os idiotas.
A Wren desliza para fora da cadeira que estamos a partilhar, enquanto a Skov
vai fazendo a chamada, e, de imediato, sinto falta do seu calor. Do seu cheiro.
Ela está abalada, se é que as mãos a abanar que apanham o caderno do topo da
minha secretária e o apertam à frente do peito podem servir de indicação.
— Posso deixar a minha mochila aqui?
Aceno e estico-me na cadeira, como se não tivesse nenhuma preocupação,
mas caramba. Também estou um bocado abalado.
Tê-la tão perto de mim mexeu comigo.
E não gosto disso.
OITO
WREN

Não gosto que façam de mim um espetáculo à frente da turma inteira, e foi
exatamente isso o que o Crew acabou de fazer. A atenção não me incomoda,
desde que não seja negativa.
Aquilo que ele acabou de fazer acontecer pareceu-me negativo. Quase um
gozo. Empurrar-me para o lado, para que pudéssemos partilhar a cadeira dele,
mesmo durante aqueles breves, poucos minutos, foi irritantemente…
Agradável.
Ele é sólido. Músculo duro e pele quente. De ombros largos com um peito
amplo e braços fortes. Estar tão perto dele, com o braço dele pendurado atrás
de mim e estendido sobre as costas da cadeira, até me senti como se estivesse
num casulo Crew Lancaster. E gostei. Gostei de o ter perto. O meu coração
começou a galopar de o ter tão próximo de mim.
Ainda está a galopar.
Sento-me no meu lugar, deixando cair o meu caderno em cima da minha
secretária, mantendo a minha atenção na setora Skov, que está a acabar a
chamada.
Os pelos na parte de trás do meu pescoço levantam-se lentamente, e preciso
de me segurar com todas as minhas forças para não me virar para trás e ver
quem está a olhar.
Eu já sei quem é. Consigo sentir o olhar dele em mim, pesado e inquietante.
Tão subtilmente quanto consigo, olho de soslaio por cima do meu ombro,
apanhando os olhos dele em mim e em mais ninguém, e, depois, ele faz a coisa
mais estranha.
Ele sorri.
É pequeno e rápido, e se eu contasse a alguém o que acabou de acontecer,
ninguém acreditaria em mim, mas… Oh, meu Deus, o Crew acabou de me
sorrir, e parece que um milhão de borboletas desataram a voar no meu
estômago, as suas asas esvoaçantes provocando uma agradável sensação que me
arrepia por todo o lado.
E tudo por causa de um sorriso breve.
O que é que se passa comigo?
— Muito bem. Juntem-se aos vossos parceiros. Já estamos entendidos nisso,
certo? — A Skov pousa o seu olhar em mim, as suas sobrancelhas disparam
para cima. Eu mal consigo acenar, envergonhada por ter sido chamada à
atenção novamente. — Certo. Vamos trabalhar.
Deixo a minha secretária e vou outra vez para o fundo da sala ter com o
Crew, que está espraiado no seu lugar de uma maneira bastante insolente, com
uma expressão de puro aborrecimento, a sua linguagem corporal a dizer-me
que ele preferia estar em qualquer outro lugar que não aqui.
Passo por cima dos seus pés e deixo-me cair no lugar desocupado na secretária
ao lado do Crew, que acabou de ser abandonada pelo Ezra. — Preparaste
alguma coisa para hoje? — pergunto, já certa da sua resposta.
— Não. — Ele levanta o seu olhar semicerrado. — Tu preparaste?
A acenar, abro o meu caderno na página com a lista de questões que anotei
esta manhã, quando me apercebi de que não tinha escolha, pois, gostasse ou
não, o Crew iria continuar a ser o meu parceiro em Psicologia.
— Escrevi algumas questões.
— Para mim? — Ele senta-se mais direito e esfrega as mãos. — Vamos lá
ouvir essas perguntas.
Olho para ele de maneira estranha, surpreendida pelo seu comportamento.
Não entendo este rapaz. Eu sei que não estaria ansiosa para ouvir quaisquer
questões que ele pudesse ter para mim.
— São questões simples — começo, mas ele abana a cabeça e interrompe-me.
— Nada é simples no que te diz respeito, Birdy. Tenho a sensação de que me
vais tentar perceber.
Ele tem toda a razão, não que eu ache que tenho hipótese de o fazer, não com
o tempo limitado que temos para trabalhar neste projeto.
Perceber o Crew Lancaster e o que o motiva provavelmente vai demorar
meses. Talvez até mesmo anos.
— É isso que é suposto fazermos — enfatizo, inclinando-me sobre a
secretária. O olhar dele cai e demora-se sobre o meu peito, e apercebo-me
demasiado tarde de que o meu peito está basicamente pousado por cima da
mesa.
Afasto-me, as minhas bochechas já quentes, e quando ele devolve o seu olhar
ao meu, está com um sorriso afetado na cara.
— Tenho uma ideia — diz ele e, por momentos, esqueço-me da minha
vergonha, sinto-me apenas grata por ele estar disposto a pensar nalguma coisa
para o projeto.
— Qual é a ideia?
— Vamos fazer uma lista das suposições que temos um sobre o outro. —
Inclina-se na minha direção, aqueles olhos brilhantes nunca deixam os meus.
— Adorava saber o que achas que sabes sobre mim.
Eu não quero saber o que ele pensa acerca de mim. Tenho a certeza de que é
tudo péssimo, mais rumores do que factos. A maioria dos rapazes nesta escola
não gosta de mim, apenas porque não cedo aos seus charmes.
Pareço a minha mãe com esse termo, mas é verdade. Eu não caio na coerção
ou nas mentiras deles. Eles elogiam, dizem aquilo que nós, raparigas, queremos
ouvir e, sem darmos por isso, estamos ajoelhadas perante eles. Ou debaixo
deles numa cama, num carro ou em qualquer lugar escuro, supostamente
privado, para onde nos conseguiram levar. Pedem-nos fotografias provocantes,
dizem que são privadas e, depois, vão partilhá-las com os amigos. Fazem delas
alvo de chacota.
Eles não respeitam as mulheres. E é esse o problema. São todos uns machões,
cheios de vontade de adicionar os nomes de raparigas à sua lista de conquistas
sexuais. Nada mais.
É só isso que somos.
Até o Franklin e a Maggie, que sempre achei estavam bem, afinal, não estão.
A deles é uma relação volátil que eu não quereria.
Nenhuma das relações na escola são o que desejo. Os rapazes ou são
demasiado atrevidos ou demasiado imaturos. Eu não sou uma pessoa
particularmente religiosa, mas valorizo o meu corpo e as minhas morais. Os
meus pais sempre enfatizaram quão cuidadosa devo ser no que toca a escolher a
pessoa com quem eventualmente irei partilhar o meu amor e o meu corpo.
Fazem o melhor que podem para me convencer a não estar numa relação com
outra pessoa neste momento, especialmente o meu pai.
— Então? — A voz profunda do Crew afasta-me dos meus pensamentos, e
pestanejo para voltar a focar-me nele. — O que é que achas?
— Vais ser simpático? — A minha voz está cautelosa.
— Queres real? Ou queres simpático?
Suponho que, no que toca ao Crew e à sua opinião de mim, real e simpático
não combinam.
Bom saber.
— Real — digo, e pareço muito mais confiante do que me sinto.
— Eu quero o mesmo. Deita tudo cá para fora, Birdy. Diz-me todos os teus
pensamentos secretos sobre mim.
As palavras dele deixam-me indignada. Como é que ele pode pegar numa
coisa que é tão inocente e fazê-la parecer tão suja?
— Não tenho pensamentos secretos sobre ti.
— Estou desiludido. — Ele ri-se, e o som rico da sua risada faz-me sentir um
calor interior.
— Eu tenho toda a espécie de pensamentos secretos sobre ti.
O meu interesse agudiza-se, e tenho de dizer a mim mesma para parar. Eu
não quero saber dos pensamentos secretos que ele tem sobre mim.
— Eu não quero saber quais são.
— Tens a certeza disso? — Ele junta as sobrancelhas. Parece surpreendido.
Aceno com a cabeça.
— Sem dúvida. Tenho a certeza de que são todos indecentes.
— Indecentes — Volta a rir-se. — Boa escolha de palavra.
— Tenho a certeza de que é certeira. — Folheio a lista de questões que
apontei no meu caderno, alisando a página limpa e fresca com a mão. — Estás
pronto?
— Vamos mesmo fazer isto?
— Vamos arranjar um temporizador. — Pego no telemóvel e abro a aplicação
do relógio. — Dez minutos?
Ele acena.
— Diz-me quando começar.
Pouso o telemóvel na secretária e pego no meu lápis, o meu dedo a pairar
sobre o botão de iniciar enquanto o Crew agarra uma caneta, clicando-a umas
quantas vezes, garantidamente com o único propósito de me irritar.
— Pronto?
— Iá.
— Começa.
Imediatamente, começo a escrever num ápice todas as coisas que ouvi sobre o
Crew ao longo dos anos. Algumas das minhas próprias ideias. Tendo em conta
que nunca falámos mesmo, não faço ideia se as coisas que estou a listar são
realmente verdadeiras ou não.
O que me faz sentir um bocado mal, mas não deixo que a culpa permaneça
durante muito tempo.
Estou demasiado ocupada a escrever a minha lista.
Por outro lado, o Crew está a demorar-se, escrevinhando umas palavras aqui e
ali. A dar uns toques com a caneta contra os seus lábios ligeiramente franzidos
enquanto contempla o que quer que seja que lhe ocupa os pensamentos.
Ter noção de que ele está a pensar em mim distraí-me um bocado. Faz-me
hesitar, com o meu lápis em riste no papel, e fico com a respiração presa na
garganta quando, ao levantar o olhar, dou com ele a observar-me.
Entreolhamo-nos durante um momento até que ele me aponta a caneta e,
imediatamente, começa a escrever qualquer coisa no papel.
Eu faço o mesmo, escrevendo às cegas, sem ter bem noção se estou realmente
a compor palavras, mas espero que sim.
De que é que ele se apercebeu? Foi bom ou péssimo? Conhecendo o Crew
como conheço, o mais provável é ter sido terrível.
Quando, por fim, o temporizador apita, o som faz-me saltar, o meu lápis cai
ao chão e rola na direção do Crew. Ele mete-lhe o pé em cima, dobra-se para o
apanhar enquanto tento desligar o alarme. Finalmente, consigo silenciar o
telemóvel, ao mesmo tempo que ele me devolve o lápis, a sua mão a cobri-lo
por inteiro.
O que me força a tocar-lhe para lhe tirar o lápis da mão.
Os dedos dele deslizam sobre os meus, a eletricidade estala entre nós com
aquele toque, no entanto, a sua expressão está totalmente neutra. Como se o
que aconteceu não tivesse, de facto, acontecido, de todo.
Novamente, outro produto da minha imaginação.
— Lê-me a tua lista — exige, e a sua voz abate-se sobre mim, suave como
seda.
Abano a cabeça, recusando-me, franzindo o sobrolho na direção dos
gatafunhos no papel.
— Primeiro, tenho de decifrar o que escrevi.
Ele levanta uma única folha de papel à sua frente, cerrando os olhos em
aparente concentração.
— Então, eu leio a minha primeiro.
Recosto-me na cadeira, o meu corpo está completamente rígido com
preocupação. Pressiono os meus lábios e engulo em seco, aguardando as
palavras terríveis que aí vêm.
— As minhas suposições acerca da Birdy. — Ele olha por mim por cima do
papel. — És tu.
Sai-me uma gargalhada num sopro, mas sem som percetível.
— Certo.
— É simpática para toda a gente. Quer que as pessoas a respeitem. Que a
oiçam. Mas, na verdade, a maioria das pessoas só se aproveita dela.
Permaneço em silêncio, a absorver as palavras.
— É uma boa aluna. Inteligente. Quer que os professores a admirem. Que
pensem que é muito esforçada. Alguns admiram-na demasiado. — O olhar
cheio de significado que ele me atira faz-me logo pensar no Figueroa.
Duvidável. Mas tanto faz.
— Ela rodeia-se de muita gente, mas nunca a vejo com amigos verdadeiros.
Fecha-se. Acha-se melhor do que os outros. Moralista.
Estremeço ao ouvir essa palavra em particular.
— …também é uma pudica. Uma virgem. Não se interessa por sexo.
Provavelmente tem medo disso. Medo de gajos. Medo de toda a gente. Possível
experiência traumática no seu passado? — Ele levanta o olhar do papel, os
olhos encontram-se com os meus. — E é isso.
A minha mente está num turbilhão em torno de uma montanha de coisas.
Nenhuma delas positiva.
Eu não tenho medo de rapazes. Não tenho medo de ninguém.
Bem, este rapaz em particular faz-me sentir uma boa dose de medo, não que
alguma vez o fosse admitir.
— Foi bastante, não achas? — Tento sorrir-lhe, mas sai-me tão retorcido que
desisto.
— Não tens uma opinião acerca de qualquer um dos meus pensamentos? —
Ele levanta as sobrancelhas para pontuar a questão.
— Nunca houve nenhuma experiência traumática no meu passado.
— Tens a certeza disso?
Só o facto de ele duvidar de mim…
— Sim — digo firmemente.
Ficamos em silêncio durante um momento, a observarmo-nos. O olhar dele
finalmente cai do meu para os apontamentos no seu papel. Enquanto isso, a
minha mente revê e revira o que ele disse sobre mim.
Aproveitam-se dela.
Fechada.
Não tem amigos.
Moralista.
Pudica. Virgem.
Com medo de sexo.
Nada disso é verdade. Eu tenho amigos. Não deixo que se aproveitem de mim
e sou muito aberta. Não tenho medo de sexo. Só não estou interessada.
A única coisa que é verdade é que sou virgem. E com orgulho.
— É a tua vez — diz ele suavemente, interrompendo, uma vez mais, os meus
pensamentos.
Olho para o papel no meu caderno, a forçar os olhos para ler algumas
palavras apressadas que escrevi. Não as consigo perceber a todas, mas aqui vou
eu.
— O Crew Lancaster acredita que é intocável, o que até é maioritariamente
verdade. É arrogante. Exigente. Às vezes, é um brutamontes. — Arrisco um
olhar rápido na sua direção, mas ele nem me está a prestar atenção. Está a dar
toques com a sua caneta contra os seus lábios franzidos, e eu distraio-me a
olhar para a forma da sua boca de novo.
Não há nenhuma razão para eu estar tão fascinada com os lábios dele. Ele diz
coisas horríveis. Isso é razão suficiente para eu odiar aquela boca. Para o odiar, e
a tudo o que ele representa.
Forço-me a continuar a ler.
— É inteligente. Charmoso. Os professores fazem o que ele diz porque a
família dele é dona da escola.
— Factos — acrescenta ele.
Reviro os olhos e continuo.
— Ele é frio. Não diz muito. Muitas vezes, faz má cara para as pessoas. Não é,
de todo, muito amigável, porém, toda a gente quer ser amiga dele.
— É o nome — diz ele. — Só querem saber, porque sou um Lancaster.
Querem agradar-me.
Ele interrompe frequentemente, ao passo que eu não disse nada.
— É ameaçador. Cruel. Não sorri, tipo, nunca. Provavelmente, não está feliz
com a sua vida. — Acabo, mas decido adicionar uma coisa ao último segundo.
— Tem síndrome de coitadinho rico.
— Mas que caralho é isso?
Ignoro o seu palavrão e esforço-me para não reagir visivelmente.
— Vá lá, tu sabes.
— Quero-te ouvir a explicar. — A voz dele é mortalmente suave, e o brilho
nos seus olhos é tão, tão frio.
Inspirando profundamente, digo-lhe:
— É quando a tua família te ignora completamente, e o dinheiro é a única
fonte de amor. Prestam-te atenção quando acham necessário, mas, fora isso, és
apenas um adereço naquilo a que chamam a sua vida familiar. És o bebé, certo?
Eles estão demasiado ocupados a envolverem-se nas vidas dos outros e,
entretanto, esquecem-se completamente de ti.
O sorriso dele não é amigável. É flagrantemente ameaçador.
— Que descrição interessante. Fico com a sensação de que estás familiarizada
com esse tipo de tratamento.
Franzo o sobrolho.
— O que queres dizer?
— O teu pai é o Harvey Beaumont. Um dos maiores corretores de imóveis
comerciais em Nova Iorque, certo? — Quando não lhe respondo, ele continua:
— Os meus irmãos estão no negócio. Eles sabem tudo acerca dele. É um
cabrão implacável com uma coleção gigante de arte de valor incalculável.
Ouvi-lo chamar ao meu pai a palavra que começa com «c» é um bocado
desconcertante.
— A minha mãe é a colecionadora — admito, as palavras deixam os meus
lábios sem pensar. — É a única coisa que ela tem na vida dela que a faz
verdadeiramente feliz.
Oh, céus. Odeio ter acabado de lhe admitir isso. Ele não merece saber nada
sobre a minha vida privada. Pode pegar em qualquer informação que eu lhe dê
e distorcê-la. Fazer-me parecer uma rapariguinha triste.
O que, de acordo com ele, eu sou. E talvez tenha razão. A minha mãe não
gosta particularmente de mim. O meu pai usa-me como um adereço. São os
dois demasiado controladores sobre a minha vida e usam isso para dizer que
me querem proteger. Achei que tinha amigos, mas agora não estou tão certa
disso.
— A penthouse em Manhattan onde a arte está toda em exibição… cresceste
lá?
Tento ignorar a sensação de alarme que percorre as minhas veias ao ouvir a
pergunta dele. A familiaridade que ele tem com a minha vida. Uma vida da
qual já não sinto que faço parte, uma vez que tenho vivido na Lancaster Prep
durante a maior parte dos últimos três anos, quase quatro.
Sento-me mais direita. Empurro todos os pensamentos de mim, da pobre,
lastimável rapariga, para longe da minha mente e sorrio educadamente ao
Crew.
— Mudámo-nos para esse apartamento quando eu tinha treze anos —
confirmo.
— E és filha única.
O meu sorriso esbate-se.
— Como é que sabes tudo isto?
O Crew ignora a minha questão.
— Não tens irmãos ou irmãs, certo?
Eu sou a menina do meu pai, o seu orgulho e alegria, e o pior pesadelo da
minha mãe. Ela disse-me isso no último verão, quando estávamos de férias na
Riviera Italiana, e o meu pai comprou uma peça de arte com um preço
extravagante por uma artista emergente que ele tinha acabado de descobrir.
Que nós tínhamos acabado de descobrir. O meu pai comprou a peça porque
eu gostei dela, ignorando completamente a opinião da minha mãe. A mãe
odiou-a. Ela prefere peças mais modernas, ao passo que esta artista tinha
trabalhos reminiscentes do período Impressionista.
Ficou tão zangada comigo quando o pai comprou esse quadro e pagou uma
quantidade gigante de dinheiro para o enviar para casa. Ela disse que ele já não
lhe dava ouvidos, que só me ouvia a mim, o que não era verdade.
O Harvey Beaumont só se ouve a ele mesmo.
— Não tenho irmãos — admito, por fim. — Sou filha única.
— Então é por isso que ele te protege tanto, certo? A sua filha preciosa, que
lhe foi prometida graças a uma… cerimónia de pureza estranha.
O olhar dele assenta no anel de diamantes na minha mão esquerda, e,
imediatamente, deixo-a cair para o meu colo.
— Vocês adoram gozar comigo por causa disso.
— Quem são «vocês»?
— Toda a gente na minha turma, nesta escola inteira. Eu não estive sozinha
naquele baile. Estavam lá outras raparigas, algumas até andam atualmente
nesta escola. A cerimónia não foi bizarra. Foi especial. — Fecho o caderno,
estendendo a mão para apanhar a mochila. Enfio tudo lá dentro e fecho-a antes
de me levantar, atirando a alça por cima do meu ombro.
— Onde é que vais? — pergunta ele, incrédulo.
— Não tenho de tolerar o teu interrogatório. Vou-me embora. — Viro as
costas ao Crew e dirijo-me à porta, ignorando a setora Skov, que chama por
mim enquanto saio da sua sala de aula.
Nunca saí de uma aula mais cedo, mas, neste momento, sinto-me poderosa.
E nem sequer pedi desculpa.
NOVE
WREN

É a hora de almoço do dia seguinte, depois do meu momento de fuga da aula


de Psicologia, e estou a aproximar-me de uma mesa cheia de raparigas da
minha turma. Raparigas com quem andei na escola desde o começo do
primeiro ano, mas não posso considerar nenhuma delas uma amiga verdadeira.
Já não posso.
Oh, ao início éramos bastante chegadas. Eu era novinha em folha e uma
autêntica novidade para elas, apesar de, na altura, não ter essa noção. Elas
acharam que eu era gira e estilosa, e eu regozijava-me na sua atenção e
validação.
Isso é tudo o que sempre quis. Validação. Enquadrar-me.
Em vez disso, sobressaí. À medida que o tempo foi passando, elas foram-se
tornando mais desconfiadas de mim, e fomo-nos afastando mais e mais. Ainda
são bem-educadas comigo, tal como eu sou com elas. A única que
verdadeiramente me tolera é a Maggie, mas não tanto como no começo do
nosso último ano, especialmente depois de eu ter visto o que aconteceu entre
ela e o Fig.
Coisa de que nunca mais se voltou a falar, o que por mim tudo bem. A
Maggie não o confirmou, mas ouvi recentemente que ela e o Franklin
acabaram de vez.
Isso é provavelmente pelo melhor. Espero que o nosso professor não tenha
tido nada a ver com a separação deles, mas, lá no fundo, tenho a sensação de
que teve.
Se eu tivesse provas concretas, nesse caso, diria alguma coisa. Mas não posso
falar com alguém com apenas uma suspeita. E se estiver errada?
Assusto as raparigas ao sentar-me de repente na sua mesa sem ser convidada,
mas nem uma me diz o que quer que seja sobre isso. Em vez disso, sorriem na
minha direção e logo voltam às suas conversas.
Começo a comer a salada que comprei na fila do refeitório, a bisbilhotar o
paleio interminável delas, na esperança de ouvir um pedacinho acerca do Crew
que possa levar-lhe para a aula de Psicologia de hoje.
Depois de o ter abandonado ontem, ele ignorou-me por completo na aula de
Inglês Avançado de hoje. Nem sequer estava à espera no seu lugar do costume,
na entrada da frente da escola, como faz todos os dias. Até tive saudades do
meu olhar carrancudo matinal, cortesia do Crew Lancaster.
Não que eu ache que ele está à minha espera, mas a maioria das vezes é essa a
sensação que dá…
Como a minha salada em silêncio, sem me envolver em nenhuma das
conversas à minha volta, até a Lara me fazer uma questão direta.
— O que é que se passa contigo e com o Crew Lancaster?
Paro de mastigar, a alface vai-se tornando em papa na minha língua. Esforço-
me para engolir, bebo um golinho de água e aclaro a voz antes de responder:
— Nada.
— Oh. Bem, ele anda a fazer perguntas sobre ti. — Isto vem da Brooke, que
é a melhor amiga da Lara.
O meu garfo cai com um tinido na taça quase vazia da minha salada.
— O que queres dizer?
As melhores amigas partilham um olhar antes de a Brooke continuar:
— Estava a fazer perguntas sobre ti. Sobre a tua família. O teu passado. —
Ela encolhe os ombros.
Odeio o facto de ele ter andado à procura de informações. Porque é que não
veio ter comigo e perguntou?
— E o que é lhe disseram?
— O que é que lhe poderíamos dizer? Não sabemos muito sobre ti, Wren. —
O tom da Lara é um bocado empertigado. Ela sempre agiu como se tivesse um
problema comigo.
É por isso que não me dou ao trabalho de discutir com ela.
— Adiante. Porque é que ele anda a perguntar sobre ti? — A Lara encara-me.
— Não sei. Estamos a trabalhar em conjunto num projeto — admito. —
Para Psicologia. Ele é o meu parceiro. Foi a Skov quem decidiu.
— Ahh. Eu não escolhi essa aula este ano. — A Lara parece desapontada.
— Nem eu. Devíamos, só pela possibilidade de trabalhar com o Crew — diz
a Brooke, e, logo a seguir, desatam as duas aos risinhos.
Gostava de lhes poder dizer o quão absolutamente horrível é trabalhar com o
Crew, mas nenhuma delas iria acreditar em mim, então mantenho-me em
silêncio.
— Ele é tão incrivelmente sexy — afirma a Brooke, quando as gargalhadas
pararam, maioritariamente. A Lara acena em concordância. — No verão que
passou, ouvi dizer que andava com aquela rapariga que é famosa no TikTok,
com tipo um bilião de seguidores. A que fez um filme?
— Ugh, eu lembro-me. Ela fez-se toda timorata e nunca o confirmou, mas
juro que vi fotografias deles juntos. Ela é tão linda, é nojento. Claro que ele
andou com ela. — A Lara revira os olhos, antes de olhar por ela abaixo. —
Quem me dera ter a sorte de ser tão magra como ela.
Observo a figura da Lara o mais discretamente possível. Ela está em forma,
não sei de que é que se queixa.
— Eu ouvi dizer que ele gosta de mulheres mais velhas — diz a Brooke, mas
presumo que ela simplesmente ouviu os rumores sobre o Crew e a sua suposta
preferência por mulheres mais velhas. É que a sério, como é que ela saberia? —
Não me lembro da última vez que ele andou com uma rapariga que andasse
aqui.
— Talvez no primeiro ano? — A Lara acena, de acordo.
— E a Ariana? — intervenho.
Estudam-me, assustadoramente silenciosas.
— Ele foi com ela ao baile no ano passado — lembro-as. — Não estiveram
juntos?
— Oh, por favor. Ela era uma autêntica drogada. Foi internada num centro
de reabilitação durante o verão. — A Brooke encarquilha o nariz. — Ele
provavelmente só estava com ela para ver se se metia com o traficante dela.
A Lara ri-se e dá uma chapada leve no braço da amiga.
— Brooke!
— O quê? É verdade. Eu sei que o Crew Lancaster gosta de estar sob a
influência de vez em quando.
Não sei como é que ela sabe isto, mas enfim.
— E, como eu disse, ele prefere mulheres mais velhas. Ele definitivamente
não gosta de raparigas que andam em Lancaster, isso é garantido. Já não. Talvez
sejam os uniformes?
Ignoro-as e olho de esguelha para a minha saia de uniforme, para a maneira
como cai drapeada sobre os meus joelhos, cobrindo-os completamente. Oiço a
voz do meu pai na minha cabeça, sempre tão antiquado com os seus
comentários sobre a minha aparência. A lembrar-me de que tenho de manter
as minhas saias a um comprimento modesto. Não há necessidade de mostrar
pele em excesso. Fui protegida a minha vida inteira, especialmente depois
daquele incidente doloroso quando tinha doze anos.
Quando era jovem e influenciável e acreditava em tudo o que me diziam.
O meu olhar cai para os sapatos idiotas nos meus pés. Lembro-me de sentir
que me davam um ar tão estiloso e, durante um tempo, era verdade. As
raparigas daqui consideravam-me uma verdadeira trendsetter por os usar.
Agora olho para estes sapatos Mary Jane e apercebo-me de que pareço uma
criança. Uma rapariguinha com meias brancas, com as pernas nuas expostas ao
ar frio em nome da «moda».
Que moda é esta? Pareço ridícula.
Eu sou ridícula. Com este aspeto, nunca nenhum rapaz vai reparar em mim.
O Crew Lancaster de certeza que não repara.
E desde quando é que quero que esse rapaz em particular repare em mim? Ele
é horrível.
Mas é atraente.
Rude.
Por alguma razão, atraente.
Ele não gosta de mim. Ele basicamente disse-me isso mesmo, mais do que
uma vez. Eu também não gosto dele. No entanto…
Sinto-me atraída por ele.
Frustrada, dou um pontapé na perna da mesa com tanta força que ela abana,
o que põe um fim súbito ao riso das raparigas.
— Acabaste de dar um pontapé à mesa? — pergunta-me a Lara, depois de ter
passado um momento de silêncio desconfortável.
— Desculpa. — Encolho os ombros, sem me sentir minimamente
arrependida. A palavra sai-me automaticamente sempre que alguém me chama
à atenção por qualquer coisa. — Não era minha intenção.
— Wren, sabes, na verdade, tens muita sorte por estares a trabalhar com o
Crew nesse projeto — diz a Brooke, e eu interrogo-me se ela está a ser
extrassimpática por causa da minha pequena birra.
— Como assim?
— Então, é Psicologia, não é? Ele tem de revelar os seus segredos ou as
fantasias mais íntimas? Isso podia ser interessante. — Os olhos da Brooke estão
a luzir com entusiasmo pela ideia de descobrir os segredos do Crew.
Eu não os quero saber. Ele é mau e horrível e ainda me chama moralista? Ele
é tão mau quanto eu.
Talvez até pior.
— Duvido que ele me revele alguma coisa — admito.
Ambas olham para o anel de diamante no meu dedo e partilham um daqueles
olhares que comunicam tanto sem ser pronunciada uma única palavra.
— É verdade — diz a Lara, mexendo-se um pouco no lugar.
Normalmente, faria de conta que não ouvi aquilo ou que não vi o olhar
partilhado, como se elas soubessem alguma coisa que eu não sei. Tentaria
mudar o assunto ou saltar da mesa e ir ao encontro de outra pessoa com quem
pudesse falar, mas não me estou a sentir muito «normal» de momento.
— O que queres dizer com isso? — pergunto.
— Bem, esse anel que estás a usar, para começar — afirma a Brooke,
claramente a mais corajosa das duas. Ela diz logo o que tem em mente, sem
hesitação.
— O que é que o meu anel tem de mal? — Aperto as mãos, viro o anel para
que o diamante não fique à vista.
— É tipo um estigma, sabes? O Crew provavelmente não vai falar contigo,
porque acha que não passas de uma virgenzinha assustada prometida ao pai.
A Brooke esboça um sorriso afetado, e a Lara também.
— Tenho a certeza de que todos os rapazes pensam isso — acrescenta a
Brooke.
Ponho-me de pé com um salto, dando um toque à mesa de propósito com as
minhas coxas, para a empurrar para cima delas, o que lhes arranca gritos de
desagrado.
— Oops. Desculpem — digo-lhes e viro-lhes as costas para sair do refeitório,
ignorando todos os olhares curiosos apontados na minha direção à medida que
fujo dali.
Céus, sou mesmo estúpida. Tão… nem sei como me descrever. Lastimável?
Patética?
Quero-me socar na cara. Só eu para pensar que estou a ser forte ao empurrar
uma mesa na direção delas depois de me terem dito algo rude, só para depois
lhes pedir desculpa antes de fugir.
Não admira que o Crew pense tão pouco de mim. Sou uma menina protegida
que está a fingir ser quase uma adulta. Quase a fazer dezoito e ainda não fiz
nada.
Nada.
Nunca me incomodou antes, por isso porque é que me incomoda agora?
Pela segunda vez esta semana, consigo sentir as lágrimas a correr pela minha
cara, enquanto caminho pelos corredores da escola. Acelero ao passar pela sala
de professores.
Não quero mesmo que o Fig volte a aparecer e me encontre. Provavelmente,
ia oferecer-me mais conforto e tentar apalpar-me.
Um arrepio apodera-se de mim ao pensar nisso. O primeiro pensamento
horrível que tive sobre o Figueroa desde que comecei a andar em Lancaster.
Talvez não devesse ser sua AP.
Dirijo-me para as portas laterais que dão para o pátio relvado e empurro-as, o
ar gélido atinge-me como uma chapada. Inspiro profundamente e aperto o
meu casaco contra mim, desejando ter trazido o meu sobretudo, mas ficou para
trás no cacifo, pois não planeava precisar dele até a escola ter terminado.
Ao dar a volta à esquina do edifício, paro de repente quando vejo três cabeças
masculinas dobradas. Uma pluma de fumo levanta-se a partir do centro do
círculo que fazem. Conheço cada uma dessas cabeças e cesso todo o
movimento, congelada no meu lugar.
Não apenas por causa do ar frio, mas pelo pânico real que sibila por mim ao
ver estes três rapazes em particular.
Ezra, Malcolm e Crew.
É o Malcolm quem me vê primeiro. Segura perto da boca um cigarro com
um ar estranho, envolve-o com os lábios e inspira fundo e demoradamente. O
olhar dele encontra o meu, o choque claro na sua cara, enquanto retira o
cigarro dos lábios e deixa cair a mão ao seu lado.
— Oh, merda, vejam quem se junta a nós.
Dá uma cotovelada ao Crew, o Ezra olha por cima do ombro, os seus olhos
abrem-se muito quando me vê.
— Perfeito — geme o Ezra —, vais fazer queixinhas de nós, Beaumont?
Fazer queixinhas porquê? O meu nariz franze quando sinto o cheiro. Cheira a
doninha. Oh…
Estão a fumar erva.
O Crew observa-me com aqueles olhos azuis que tudo veem, sem nunca dizer
uma palavra, e o meu coração começa a bater mais depressa.
— Desculpem. — Tenho mesmo de parar de pedir desculpas a toda a hora. —
Não queria interromper. Estava agora mesmo a ir embora… — Começo a
andar para trás, lentamente, um passo de cada vez, mantendo os olhos neles.
No último segundo possível, viro-me.
E corro.
DEZ
CREW

Vou a correr atrás dela, o Malcolm e o Ezra estão mesmo atrás de mim, ambos
a gritar:
— Apanhem-na!
Credo, podiam ser mais óbvios? Não precisamos de atrair atenção. Nem
precisamos de a assustar.
É demasiado tarde para isso. As pernas dela já estão a bombar num autêntico
sprint, o seu cabelo escuro desliza no ar atrás dela, aquela fita branca
irritantemente infantil e, no entanto, sexy saltita na parte de trás da sua cabeça
com cada passo que ela dá. A saia agita-se com o movimento, oferece-nos um
vislumbre de coxas nuas e elegantes, e eu aumento a velocidade.
Vou apanhá-la primeiro. Que se lixem estes gajos.
Ultrapassar o Ezra é um desafio, ele consegue manter o mesmo ritmo que eu,
já o Malcolm desiste, pois cai num espasmo de tosse constante. Demasiada
erva faz isso a uma pessoa.
E o Malcolm adora mesmo a sua erva.
Com uma sensação de determinação que me preenche, puxo pelos braços e
pelas pernas, ultrapasso o Ezra, ignorando o seu «Ei!» quando consigo passar-
lhe à frente de novo. Estou cada vez mais próximo da Wren, os passos dela vão
abrandando, a cabeça vira-se para a esquerda, depois para a direita.
A tentar decidir para onde ir a seguir.
Não te preocupes passarinho, já quase te descortinei.
Estou quase a alcançá-la quando ela dispara para a sua esquerda, esquivando-
se ao último segundo.
— Birdy! — grito a sua alcunha odiada, e ela olha por cima do ombro, os
seus olhos assustados encontram os meus.
É errado sentir alegria ao ver o medo nos seus olhos, não é? Ainda assim, uma
parte de mim sente essa alegria. Saber que ela está assustada dá-me uma
sensação de poder, uma adrenalina intoxicante que vai direta à minha cabeça.
E à minha virilha.
Olhar para mim foi o erro dela. Abranda-a, distrai-a quando ela se apercebe
do quão perto estou. A sua hesitação dá-me a vantagem, agarro-a, deslizando
os meus braços em torno da sua cintura por trás e levantando-a no ar.
Ela uiva, as mãos fecham-se em punhos e quase me acertam nos tomates,
mas, em vez disso, batem-me na coxa.
— Larga-me!
— Chiu — sussurro-lhe perto do ouvido, apertando-a contra mim enquanto
ela se digladia. Está tão zangada, consigo sentir a vibração mesmo debaixo da
pele. — Acalma-te, porra.
— Larga-me! — Ela faz força contra mim, e eu desloco o meu braço direito
para cima, reajustando o meu aperto sobre ela. As mamas dela comprimem-se
contra o meu antebraço, luxuriantes e abundantes, e penso em como ela ficaria
nua.
Ela bate com o pé em cima do meu, o que me faz praguejar. Claro que ela
escolheu o dia de hoje para usar o raio dos Doc Martens.
Aquelas coisas deviam ser classificadas como armas.
Solto o meu aperto e ela tenta aproveitar, tenta libertar-se dos meus braços.
Eu enfio a minha mão por baixo do seu casaco de uniforme e agarro-lhe na
mama direita.
Ela fica completamente quieta, a respiração dela torna-se irregular, o peito
sobe e cai. Eu não a largo.
É como se não conseguisse.
— O-O que é que queres de mim? — A voz treme. Todo o corpo dela treme.
E a culpa é toda minha.
— O que é que achas? — O meu tom é sombrio. Sugestivo. Da maneira
como lhe estou a tocar, ela consegue perceber.
Apesar de não ser isso que eu quero.
Não agora.
— Crew!
Olho sobre o meu ombro e vejo o Ezra a aproximar-se, as sobrancelhas baixas
como numa questão silenciosa. Abano a cabeça uma vez, fulmino-o com o
olhar, e ele percebe a dica e caminha para onde o Malcolm está. Longe o
suficiente de nós para que não possam ouvir.
Mas podem ver.
— Deixa-me ir, Crew. Por favor — suplica a Wren, a voz dela está cheia de
agonia. Vejo-o escrito na sua cara bonita, que está no limite de se desmoronar
com o peso da dor.
Do medo.
— Infelizmente, parece que, doravante, vou ter de andar em cima de ti,
Birdy, tendo em conta o que acabaste de ver.
— Eu não digo nada. — É a sua resposta imediata.
— É melhor que não digas. Não nos podemos dar ao luxo de arranjar
problemas nesta fase do campeonato. Por estes lados é tolerância zero, boneca.
— Aperto-lhe o seio suavemente, e um soluço escapa-lhe. — Mesmo para nós
Lancasters. Se descobrem que estou a fumar um charro no campus, expulsam-
me.
A Wren permanece em silêncio, o corpo dela agita-se com arrepios.
— Neste momento, tens muito poder nas tuas mãos. — Baixo a cabeça para
ficar mais perto do seu ouvido, os meus lábios praticamente a roçar-lhe na pele.
— Podias arruinar-me.
Ela abana a sua cabeça, o seu cabelo sedoso roça contra a minha cara.
— E-Eu não te vou arruinar. Ou aos teus amigos. Eu nem vi bem o que
estavam a fazer.
— Mentirosa. — Deixo cair o meu outro braço, de forma que fique ao largo
das suas ancas, estendido diretamente à frente da sua saia. Não seria preciso
muito para eu enfiar os meus dedos por baixo da saia e lhe tocar. — Tu viste-
nos.
— Vocês estavam a fumar… qualquer coisa.
Pelo amor da santa. Ela tinha de saber exatamente o que estávamos a fumar.
— Vais ter de esquecer o que viste.
— Es-está bem.
— Tens de prometer, Birdy. — A minha mão desliza para baixo, a brincar
com a bainha da sua saia.
A Wren soluça.
— Por favor, não me magoes.
Jesus Cristo. Ela acha que eu a vou magoar? No meio do campus, à hora de
almoço?
— Eu não te vou fazer nada que não queiras. — Deixo os meus lábios
fazerem-lhe cócegas no lóbulo da orelha, o que a faz estremecer. — Sou muito
persuasivo quando quero ser.
— És nojento — atira ela.
— Estás a dizer-me que se eu meter a mão por baixo das tuas cuecas, agora
mesmo, não vais estar molhada para mim? — Não acredito. Ela pode ter medo
de mim, mas também está excitada. Juro que consigo cheirá-lo nela. Fragrante
e acre.
Intoxicante.
Um gemido baixo, frustrado, deixa-a.
— Deixa de dizer coisas dessas.
— Porquê? Porque vai contra tudo aquilo em que acreditas? Ou porque
gostas demasiado? — Desloco o meu polegar contra a mama dela, a desejar que
ela não tivesse um sutiã tão grosso para poder perceber se o mamilo estava duro
ou não.
— Ambos — admite.
Tão suavemente que quase não a ouvi.
É a minha vez de ficar surpreendido.
— A sério, Birdy?
Ela não responde. A respiração ainda está acelerada, e os tremores abanam o
seu corpo, mas não parece tão assustada como estava há uns minutos.
Decido abusar da minha sorte.
— Eu nunca te magoaria. — Afago o seu cabelo com a minha cara,
inspirando o aroma docemente florido do seu champô. Caramba, esta rapariga
cheira bem. — A menos que gostes disso.
Ela solta um gemido. Provavelmente, estou a deixá-la confusa. Ela realmente
é muito inocente.
Seria divertido brincar com ela.
— Eu não gosto de ti — declara ela, e não soa nada como a nossa típica doce
e pequena Wren.
— Ainda bem. — Exalo no ouvido dela e sorrio quando a sinto a arrepiar-se.
— Eu também não gosto de ti. Mas não posso negar que gosto da sensação de
te ter nos meus braços.
— Então é assim que operas? Tens de forçar raparigas para conseguires o que
queres delas?
Solto uma gargalhada. Ela é uma coisinha terrível quando quer. Não acreditei
que fosse capaz.
— Não tenho de forçar raparigas a fazer coisa nenhuma. Incluindo tu.
— Então solta-me. Vê se fico por aqui — provoca ela.
— Nah. — Faço um estalido com a boca ao dizer a palavra e aperto-a ainda
mais. — Vais a correr para o gabinete do diretor Matthew e contas-lhe tudo.
Não posso arriscar isso.
— Eu já te disse que não vou dizer nada. Anda lá, Crew. Por favor. Deixa-me
ir. — Eu gosto das súplicas. Também gostava de alguma imploração, mas não
aqui.
— Temos de fazer um acordo, Birdy.
— O que queres dizer? — Ela fica rígida nos meus braços, a desconfiança
tinge-lhe a voz.
— Não acredito que não nos vais denunciar. No mínimo, vais ter com o
Figueroa, e eu não quero lidar com as merdas dele. O que significa que vou ter
de andar atrás de ti para todo o lado.
Um som irritado escapa-se dela.
— Isso é ridículo. E impossível. Além disso, eu já prometi.
— Eu não confio em ti.
— Não vou dizer nada! — grita, praticamente aos prantos. — O que é que
teria a ganhar com isso?
— Irias livrar-te de mim e dos meus amigos para nunca mais teres de lidar
connosco. Parece perfeito, certo? Não te dês ao trabalho de negar. Consigo
sentir o teu ódio por mim a emanar do teu corpo.
A campainha toca, o som é ténue uma vez que estamos tão longe do edifício,
e ela sacode-se contra o meu aperto.
— Deixa-me ir. Temos aula.
— Podemos chegar atrasados.
— Não. — Ela abana a cabeça, o cabelo suave roça contra o meu queixo. —
Eu nunca me atraso. Nem sequer falto.
— Olha que faltas sim. Ontem, vimos-te a sair da aula da Skov mais cedo —
recordo-lhe.
Um som irritado deixa-a.
— Isso foi diferente. E a culpa foi toda tua, já agora.
— Eu não sou responsável pelas tuas ações. — Acaricio-lhe a mama, o meu
toque é extragentil, e noto como ela se derrete lentamente contra mim. —
Como disse, precisamos de chegar a um acordo, passarinho.
— Eu não vou chegar a coisa nenhuma contigo. Deixa-me ir. — Ela pisa-me
o pé outra vez, surpreendendo-me. Escapa-se um berro meu, escapa-se a Wren,
que corre para longe de mim, sem nunca olhar para trás.
Vejo-a a ir, ignorando a dor que lateja nos meus dedos, e foco-me antes na
ereção que estou a ostentar graças a ter tido o corpinho sexy da Wren a roçar-se
contra o meu durante os últimos cinco minutos.
Ouvi-la dizer que odiou e gostou do que eu disse chocou-me.
Isso é algo que vou, sem dúvida, explorar mais.
ONZE
CREW

Quando finalmente entro na sala de aula, vejo a Wren sentada no seu lugar
habitual, bem à frente e ao centro, a sua cabeça curvada, com o seu longo
cabelo a cobrir-lhe a maior parte da cara. Fico parado na entrada, a estudá-la.
Está toda a gente a falar. A rir. Exceto a Wren. Ela parece apenas… triste.
Derrotada.
Sozinha.
A sua dor evidente é um peso maciço sobre os meus ombros, e isso irrita-me
de sobremaneira. Sou responsável por essa dor e, normalmente, esse tipo de
coisa não me incomodaria, mas fogo. O que é que a Wren Beaumont me fez?
Nadinha. É a sua simples existência que me irrita, mas isso não é razão
suficiente para a torturar.
Ou é?
Credo. Sou mesmo lixado dos cornos.
Passo por ela sem dizer uma palavra, vou até ao fundo da sala e deixo-me cair
no meu lugar do costume. O Ezra já está sentado à sua secretária, a Natalie está
empoleirada no seu joelho, a comê-lo com o olhar sedutor, enquanto ele fica ali
sentado como um idiota a desfrutar da atenção.
Sabendo como a Natalie opera, não confio nos seus motivos. Ela quer alguma
coisa do Ez. Essa é a única razão para lhe estar a prestar atenção.
— Crew, oh, meu Deus — diz ela quando me vê e revira os olhos conforme
se vira no joelho do Ezra para me encarar mais de frente. — Já estás
aborrecido?
Desta conversa? Podes querer.
— Estás a falar de quê, exatamente?
— De trabalhar com a virgem. Tenho a certeza de que estás a odiar todos os
segundos. — Ela aponta para as costas da Wren. — Eu não aguento ter o Sam
como meu parceiro. Ele é tão aborrecido. Fala e fala. Fala sobre coisas que eu
nem entendo.
Isso é porque o Sam é genial e a Natalie é uma idiota. Não que lhe possa dizer
isso.
— O Sam é um tipo inteligente. Ele vai garantir-te um dezanove no projeto.
— Ugh. — A Natalie inclina a cabeça para trás, e o seu olhar encontra o do
Ezra, os dois sorriem. — Eu preferia muito mais trabalhar contigo, Crew.
— E comigo? — O Ezra enrola o braço em torno dela, pousando a mão no
seu estômago, o sacana é mesmo ousado. — Não preferias ser minha parceria,
Nat?
Ela franze o nariz.
— Nem um bocadinho. — Ela empurra a mão dele para longe e levanta-se,
pondo-se de pé à minha frente.
É disto que eu não gosto na Natalie. Ela é uma provocadora. Quando não
estava por perto, estava com o cu empoleirado no joelho do Ezra, e,
provavelmente, a dar um tesão ao pobre idiota. Assim que ele se tenta atirar
um bocado — e ela estava a dar-lhe todos os sinais de que tinha permissão para
isso —, ela age como se ele fosse um pervertido nojento e empurra-o para
longe.
Eu acredito que todas as mulheres têm o direito de dizer que não — até a
Wren. Eu estava só a meter-me com ela durante a hora de almoço, não que ela
saiba a diferença.
Mas a Natalie está constantemente a testar essa linha, a tentar atravessá-la e
depois a correr de volta para o outro lado quando as coisas não correm como
ela quer. É cansativo. E perigoso.
Quando me apercebo de que ela ainda não desistiu da conversa, sai-me um
suspiro cansado.
— O que queres, Nat?
— Vem comigo e vamos falar com a Skov. Eu sei que estás miserável com ela
enquanto parceira. — Ela inclina a cabeça na direção da Wren. — Aposto que
se fôssemos lá os dois expor a nossa situação, a Skov iria ouvir-nos.
Possivelmente, não o faria, mas podia valer a pena tentar. Eu sei que a Wren
iria suspirar de alívio se não tivesse de lidar mais comigo. E afastar-me dela
também iria, provavelmente, aliviar o meu nível de frustração.
E a minha nova necessidade urgente de bater uma todas as noites no chuveiro
a pensar na Wren de joelhos com aqueles lábios cor-de-rosa em torno da cabeça
da minha piça.
Raios, sou capaz de ficar excitado só de pensar nisso.
— Não vou trocar de parceira. — A minha voz é firme.
A boca da Natalie trava, aberta.
— Oh, por favor. Não me digas que gostas de trabalhar com a virgem.
— Deixa de lhe chamar isso — digo, irritado.
— O quê? É a verdade! Ela não é uma virgem?
— Sim, sou.
Oh, caramba. Parece que a Wren se veio juntar à conversa.
A Natalie fica a olhar para ela, o escárnio a levantar-lhe de leve o lábio
superior.
— O que é que estás aqui a fazer?
— Se vais falar sobre mim, então talvez deva estar envolvida na conversa. —
A Wren cruza os braços à frente do seu peito, deixando as mamas ainda mais
evidentes.
— Para começar, não estavas incluída na conversa — resmunga a Natalie.
A Wren endireita-se.
— Então sugiro que deixes de pôr o meu nome constantemente na tua boca.
— Uauuuuuu. — O Ezra prolonga a palavra, praticamente aos saltos no
lugar com o entusiasmo de uma potencial luta entre raparigas.
O olhar da Natalie salta para o meu.
— Não lhe vais dizer para se ir sentar ou qualquer coisa?
— Não. — Mal olho para a Wren enquanto me recosto na cadeira, com os
braços para cima e as mãos atrás da cabeça, a agarrar a parte de trás do meu
pescoço, como se tivesse todo o tempo do mundo. — Acho que ela dá conta
disto.
A Natalie lança-me um olhar de desprezo e logo devolve a sua atenção à
Wren.
— Estás a dizer-me que o teu nome é Virgem? Porque foi só isso que eu disse.
A expressão da Wren escurece. Está zangada. E não a culpo. A Natalie está a
ser uma autêntica vaca.
— Para de falar de mim, Natalie.
— Ai, sim? E o que é que vais fazer se eu não parar? — goza a Natalie.
— Não entrava por aí se fosse a ti — murmuro. Ambas as raparigas olham
para mim, os olhos da Natalie acendem-se com irritação. — Eu tenho… algo
teu, Nat.
Fotografias dela nua que me mandou no passado — que mandou a
praticamente todos os gajos na escola. Um vídeo dela a vapear num cigarro
eletrónico numa festa do ano passado. Outro dela a ser comida pelo Malcolm,
apesar de nunca o ter visto.
O Malcolm certificou-se de que ficámos todos com uma cópia, claro —
apesar de não ter a certeza se a Natalie sabe que ele fez o vídeo. Ele foi buscar a
ideia a outro gajo da nossa turma que faz a mesma coisa. Tão rasca.
— Estás a falar a sério? Estás a ficar do lado dela? — Ela abana a mão na
direção da Wren.
— Se a expuseres, eu ajudo-a a fazer-te o mesmo. — Encolho os ombros. —
É tão simples quanto isso.
A Natalie não diz nada, mas está a tremer visivelmente. Com medo. Com
raiva. Talvez com uma combinação de ambas.
— És um otário.
— Isso já não é novidade, querida. Diz-me algo que eu não saiba.
Com um bufar irritado, ela vira-se e vai-se embora, senta-se na sua cadeira
umas filas à frente com um suspiro alto.
O Malcolm escolhe esse momento para entrar na sala, e o seu olhar fixa-se na
Wren, que está de pé à beira da minha secretária. Os olhos dele cerram-se.
Ele não parece contente.
De nós os três, o Malcolm é o que tem mais a perder se a Wren der com a
língua nos dentes. Ele seria enviado de volta para a Inglaterra — o último sítio
para onde quer ir. Ele tem uma relação volátil com os pais, especialmente com
a mãe. Nada que ele faça é suficientemente bom para a mulher. Se fosse
expulso e enviado de volta para o Reino Unido?
Esquece. Ela ficaria furiosa e, provavelmente, acabaria com as ajudas
financeiras.
O Malcolm dirige-se à sua secretária, que está no outro lado da minha, mais
próxima de onde a Wren está. Ele vai mesmo contra ela ao passar, sem se dar ao
trabalho de dizer com licença ou desculpa, o que é atípico porque ele é britânico
e bem-educado como o caraças, e logo se acomoda no seu lugar, sempre a
fulminá-la com os olhos.
— Importas-te?
A Wren esfrega o braço no sítio onde ele lhe bateu, a pestanejar muito rápido.
Mas que raio? Aquele cabrão magoou-a.
Se ela começa a chorar vou perder as estribeiras.
— Tem cuidado, Mal. — Quando ele olha para mim, dirijo-lhe um olhar,
um que diz Acalma-te lá e já.
Ele encolhe os ombros.
— Ela estava a bloquear-me o caminho.
— Ela é uma rapariga. Foste contra ela como se fosses um defesa ou uma
merda desse género.
— Dizes isso como se fosse uma coisa má — acrescenta a Wren.
Viro a minha atenção para ela.
— Digo o quê como se fosse uma coisa má?
— O facto de eu ser uma rapariga. Como se fosse uma maldição ou como se
fosse sub-humana ou assim.
— Bem… — enuncia o Malcolm. — Tu é que disseste.
O Ezra ri-se.
Eu permaneço em silêncio, a raiva a borbulhar mesmo abaixo da superfície.
— As mulheres só servem para uma coisa, não achas, Crew? Foi isso que
disseste antes. — O Malcolm não hesita nem por um segundo. — Para pinar.
Só isso. Ah, e para cozinhar. Com isso suponho que sejam duas coisas.
— És nojento — sussurra a Wren, o olhar dela desliza para o meu. — E tu
não és melhor, tendo em conta que estás aí sentado a deixá-lo dizer coisas tão
horríveis.
A minha raiva aumenta contra a Wren, por estar a ser moralista como de
costume.
— O que queres que diga? Que acho que o Malcolm tem razão? Que as
mulheres só servem para uma queca rápida? Ele é capaz de estar correto.
— És mesmo um parvalhão, Lancaster! — A Natalie grita do seu lugar, a rir-
se a bandeiras despregadas.
Ela só se safa a dizer isso porque a Skov ainda não entrou pela sala adentro.
Neste momento, é um vale-tudo aqui dentro.
— Ela tem razão — diz a Wren, a voz estranhamente calma. — És um
autêntico parvalhão.
Fico boquiaberto. O Ezra ri-se de tal maneira que está praticamente em
histeria. Até o Malcolm está a gargalhar.
A Wren vira-se e caminha rapidamente pelo corredor, apanha a sua mochila
do chão e sai a correr da sala. Passa a correr mesmo ao lado da Skov, que a vê a
sair antes de fechar a porta para a sala de aula.
— Porque é que aquela rapariga continua a fugir da minha sala de aula
quando nunca faltou um dia que fosse da vida dela? — pergunta a Skov a
ninguém em particular, enquanto se encaminha para a sua secretária, a abanar
a cabeça.
— Que raio foi aquilo? — pergunto ao meu amigo. — Foste de propósito
contra ela para a magoar?
O Malcolm olha para mim com um fulgor agressivo.
— Eu não confio nela. Tu também não devias. Aquela santinha vai acabar por
nos denunciar, e depois estamos lixados.
— E faltar-lhe ao respeito e fazê-la parecer uma idiota à frente da turma
inteira é a tua forma de a manter calada?
Ele tem a decência de parecer arrependido.
— Se tiver medo de nós, talvez não diga nada.
— Assustá-la também pode levá-la a confessar o que viu. — Merda, não sei o
que vai manter a Wren calada. Talvez deva ser simpático com ela, para variar.
— Não te esqueças de que ela pode arruinar tudo para ti, para nós, com uma
única visita ao gabinete do diretor. Grande plano esse que colocaste em prática,
meu caro. Mesmo sólido.
Mas quem sou eu para falar? Não fiz nada a não ser ameaçá-la há pouco. Sou
tão mau quanto o Malcolm.
Provavelmente, pior, tendo em conta que tudo o que quero é comê-la.
A realização bate-me no centro do peito, lembra-me de que, afinal de contas,
sou mortal. Eu gosto de agir como se nada me tocasse, mas, atualmente, existe
apenas uma coisa — uma pessoa que tem o poder de me tocar. De mexer com
a minha cabeça.
De me arruinar por completo.
E é a Wren.
— Talvez outra pessoa precise de a ameaçar para garantir que ela fica de boca
fechada, já que tu só consegues pensar em tirar-lhe a virgindade — replica ele.
O meu olhar queima buracos no Malcolm. Odeio como ele sabia aquilo em
que estava a pensar. Mas a culpa é toda minha. Já ando atrás da Wren desde o
começo do nosso último ano. Porra, até há mais tempo do que isso.
Porque é que me devo preocupar com uma virgenzinha protegida, que
provavelmente me dava uma chapada na cara se eu lhe tentasse dar a mão? Ela
nunca deve ter visto uma piça na vida dela. Nunca foi beijada. Nunca foi
tocada.
Ela é pura. Pristina.
Não é de todo o meu tipo.
Então, porque é que estou louco com vontade de a sujar?
Olhando de relance, vejo a Natalie a escutar a nossa conversa com interesse.
Oh, ótimo.
— Isso não é verdade.
— Tretas. Quere-la tanto. Consigo vê-lo nos teus olhos. O que significa que
não vais fazer nada de nada para ameaçar a sua carinha laroca. — O Malcolm
abana a cabeça. — Ela vai-nos derrubar, e tu vais deixá-la.
— Baixa a voz — aviso-o, praticamente a sibilar e com um olhar cerrado na
direção da Natalie. Ela põe-se a olhar para outro lado num ápice. — Não vou
deixar a Wren arruinar o que quer que seja, está bem? Eu certifico-me de que
ela fica calada.
— Sim, pois — diz o Ezra, com um sorriso manhoso estampado na cara. —
A única coisa que queres usar para a manter calada é a tua piça enfiada bem
fundo na boca dela.
— Está calado, palhaço — passo-me com ele, alto o suficiente para a minha
voz apanhar a atenção da Skov.
Ela liberta um suspiro e pousa as mãos nas ancas.
— Senhor Lancaster, não aprecio de todo esse tipo de linguagem na minha
sala de aula.
— Desculpa. — Todavia, não soo assim tão arrependido, ela sabe-o.
— Ah, sim, tenho a certeza de que estás arrependido. Uma vez que parece
que ainda não estás capaz de te acalmar no teu lugar, podes ir à procura da tua
parceira de Psicologia. Trá-la de volta à sala de aula, pode ser? Não quero ter de
a marcar como ausente. — Como fico ali parado de boca aberta, a Skov abana
as mãos na direção da porta fechada. — Vai lá. Vai. Encontra a Wren e trá-la
para aqui.
Pego na minha mochila, para que ninguém ande a mexericar ali dentro —
não confio num único anormal dentro desta sala —, e deixo a aula, sem saber
onde uma virgenzinha assustada se iria meter depois de ter uma discussão com
uma rapariga mazinha e de me chamar parvalhão.
Ainda não acredito que ela disse isso. Essas palavras não fazem parte do
vocabulário dela. Por isso mesmo é que ela dizer uma coisa dessas é tão
chocante.
Esta semana ela tem estado a fazer muitas coisas que não são típicas da Wren.
Ando sem destino, a descer o corredor, a fazer tempo. Vejo o meu telemóvel,
mas não tenho notificações. Quando vejo uma casa de banho das mulheres
hesito, a pensar que tem de ser ali que ela está escondida.
Sem hesitação, vou até à porta e empurro-a, entro e só me detenho ao ver a
Wren diante do lavatório, a olhar para o espelho. Levanta o olhar para o meu
no reflexo, a sua expressão ferida a tentar mandar abaixo a parede que reveste o
meu coração.
— O que é que queres?
A voz dela escorre com lágrimas. Qualquer outro gajo iria odiar o som, e eu
tento convencer-me de que não sou qualquer outro gajo. Eu consigo ignorar
isso. Ela foi magoada e tem estado a chorar.
E daí?
Mas quanto mais me fita com aqueles olhos tristes, mais culpado me começo
a sentir.
— A Skov mandou-me para te trazer de volta para a aula — digo, por fim.
Ela olha para mim, zangada.
— Diz-lhe que não vou.
— Acho que não tens escolha, Birdy.
— Não me chames isso! — grita ela, virando-se para me encarar. As
bochechas estão húmidas das lágrimas recentes, e os olhos estão raiados de
sangue. — Tu… vai-te só embora. Conseguiste o que querias, está bem? A
minha autoestima está no lixo. Acabei de me aperceber de que não tenho
amigos verdadeiros. Nenhum que me conheça realmente. Não me perguntam
como estou, nem vêm ver se estou bem. Ninguém quer saber. A minha vida é
um desastre total. Espero que estejas feliz contigo mesmo.
Franzo o sobrolho.
— Porque é que ficaria feliz por estares um caco?
— Porque me odeias. Acho que me estás a tentar empurrar para fora desta
escola. Eu sei que é o teu território. Vais acabar por conseguir convencer toda a
gente de que não sou merecedora, e não vou ter outra escolha a não ser nunca
mais voltar.
— Oh, pelo amor da santa, Wren. Estás a ser melodramática.
— Por tua causa! Tu é que me fazes sentir assim. — Ela atira os braços para o
ar. — Isto é o mundo do Crew Lancaster, e nós estamos apenas a viver nele,
certo?
Não. Parece que partilho o meu mundo com a Wren, mesmo quando não
quero. Ela não é como nenhuma rapariga que conheça ou que tenha alguma
vez conhecido: uma pensadora independente, porém, uma pudicazinha
pretensiosa. Apesar do seu exterior pretensioso, consigo ver que ela se
preocupa. Ela quer que as pessoas gostem dela e quer guiar as raparigas para
aquilo que acha serem as escolhas certas — como serem umas pudicas como
ela.
Está constantemente à procura de validação.
Atenção.
Ela consegue-a de todo o tipo de gente.
Mas não é o tipo de atenção de que ela precisa.
O tipo que só eu lhe posso dar.
DOZE
WREN

Relutantemente, sigo o Crew de volta para a aula de Psicologia em silêncio


durante o caminho inteiro. Ele também não diz uma única palavra, apesar de o
seu corpo estar praticamente a vibrar com uma emoção irreconhecível.
Não sei e não quero saber o que o está a incomodar. Se for eu?
Boa. Espero que lhe esteja a dar vontade de se mandar ao teto. Ele faz-me o
mesmo, por isso é justo.
Entramos na sala de aula e vou imediatamente até à secretária da setora Skov,
a minha expressão contrita quando os nossos olhares se cruzam.
— Peço desculpa por ter simplesmente saído da sala — digo, a minha voz
muito baixa. — Também peço desculpa por ontem. Tenho andado… mal-
humorada, apesar de isso não ser desculpa.
Um suspiro deixa-a. Ela pousa as mãos em cima da secretária.
— Está tudo bem, Wren.
Estou prestes a virar-me quando ela retoma a fala.
— Quero que saibas que estive a refletir e se quiseres trocar de parceiros e
ficar antes com o Sam para este projeto, tens a minha autorização — declara a
Skov.
Viro-me e pestanejo, chocada pela proposta.
— A sério?
Ela acena.
— Dá para ver que estar com o Crew te deixa muito desconfortável.
De facto, ele deixa-me muito desconfortável. Ele acabou, literalmente, de me
perseguir, apalpar e de me ameaçar. Devia dizer à Skov agora mesmo o que ele
fez. O quanto isso me perturbou.
De mais maneiras do que as que posso descrever.
Mas depois teria de lhe dizer porque é que ele me perseguiu e o que vi. O que
significa que, mais tarde ou mais cedo, eles seriam expulsos, e seria culpa
minha.
Não quero a responsabilidade. Ou o seu ódio.
— Falou com o Sam acerca da troca? — pergunto-lhe.
— Bem, não. Ainda não. Mas a Natalie também veio ter comigo a pedir um
novo parceiro, e ela mencionou que queria trabalhar com o Crew. Apesar de
isso ir contra a minha visão deste projeto, não gosto de te ver tão triste. — O
seu olhar conhecedor assenta sobre mim. — Parece que estiveste a chorar.
— Estou bem. — Encolho os ombros, depois, olho por cima do ombro e
vejo a Natalie a tentar falar com o Crew, e ele está a fazer o seu melhor para a
ignorar enquanto o Ezra a observa com olhos de cachorrinho. Viro-me para
encarar a minha professora de novo. — Eu não quero trocar de parceiros.
As sobrancelhas da Skov disparam para cima, quase até à linha do cabelo.
— Tens a certeza?
— Sim. — O meu aceno é firme, tal como a minha determinação. Além
disso…
Não quero o Crew a trabalhar com a Natalie. Isso vai fazer com que ela sinta
que ganhou, e eu não quero isso.
Ela não o merece. Nem ele.
— Se vais trabalhar com o Crew, não podes ter estas erupções emocionais
diárias. Entendes?
— Sim, senhora. — Inclino a minha cabeça, envergonhada. Tipicamente,
não deixo que as coisas me atinjam desta forma. Se bem que nunca ninguém
tentou realmente mexer comigo. Eu tenho as minhas seguidoras que respeitam
o que digo, e, normalmente, quem não concorda com os meus valores deixa-
me em paz.
Até ao Crew. É como se ele não conseguisse deixar de se meter comigo, e eu
odeio isso.
Apesar disso, há uma parte ínfima de mim que não odeia. Está bem
enterrada. Uma pequena e negra semente de prazer desdobra-se no meu peito
sempre que ele me toca. Há pouco, quando me tentou prender, quando tinha a
mão dele no meu peito, eu devia ter sentido nojo. Devia ter estado assustada.
E estive, no início. Mas havia mais qualquer coisa a acontecer. Foi quase
eletrizante, saber que ele me podia querer. Conseguia ouvi-lo na voz dele.
Senti-lo na maneira como me tocou.
Naquele momento, ele queria-me. Mesmo que tenha sido durante apenas um
segundo.
— Então tudo bem. Vamos lá, toca a trabalhar — incentiva a setora Skov, e
eu deixo a sua secretária e faço o meu caminho até ao fundo da sala, onde o
Crew está sentado, a Natalie sentada na secretária ao lado da dele.
— Vamos trocar de parceiros? — pergunta a Natalie alegremente, o olhar a
deslizar para o Crew.
Ele nem a está a ver. O foco dele está cem por cento em mim.
— Não — digo, abanando a cabeça, o meu olhar preso ao do Crew. — Ainda
somos parceiros.
— Credo, a Skov é mesmo uma cabra — murmura a Natalie entre dentes,
enquanto desliza para fora do lugar e se dirige à secretária vazia ao lado do
Sam.
Acomodo-me na cadeira que a Natalie acabou de abandonar, recalcando a
onda de triunfo que me tenta consumir. Deixo cair a minha mochila no chão e
abro-a, retirando o caderno e o lápis, colocando-os na secretária.
— A Skov não arreda pé, hum? — A voz profunda do Crew submerge-me,
aquece-me.
Esboço um sorriso secreto, não o consigo evitar.
— Parece que não.

A escola é bastante monótona durante o resto da semana. Não há muito a


acontecer, e estamos todos a preparar-nos para os exames finais e para os
projetos à medida que as férias de Natal se aproximam. Eu tento ao máximo
ignorar o Fig e nunca me deixo ficar sozinha com ele na sala de aula. Até
apareço mais tarde, apesar de o meu lugar estar sempre vazio e à minha espera.
Mais ninguém se quer sentar no lugar que está mesmo à frente e ao centro.
A Maggie tem estado distante de mim, tem passado o tempo a correr atrás do
Franklin, suponho, e já não passa tempo nenhum comigo.
Está tudo bem. Enfim.
Observo a maneira como as pessoas falam comigo na escola, especificamente
toda a gente no meu ano, e apercebo-me de que existo nas periferias de cada
grupo de amigos entre o pessoal do último ano. Ninguém tenta,
verdadeiramente, puxar-me para dentro do grupo, nem me procuram.
É deprimente. Antes de o Crew o ter apontado, estava completamente a leste
e, por vezes, acho que quero voltar a esse estado de espírito. Ao que tinha
quando acreditava que toda a gente gostava de mim e que eram todos meus
amigos. Ao que tinha quando achava que era uma influência positiva que fazia
a diferença.
Oh, as raparigas mais novas ainda querem passar tempo comigo, e estou com
elas durante o almoço porque não tenho mais ninguém, mas elas procuram-me
à espera de que as faça sentirem-se melhor sobre as escolhas que têm feito até
ao momento. A maioria delas vai acabar por sucumbir. Vão arranjar um
namorado. Vão apaixonar-se. Vão ter sexo.
E depois vão deixar-me para trás.
A aula de Psicologia e o projeto são as únicas coisas que me preenchem com
uma leve apreensão. Ter de encarar o Crew com um sorriso afetado está a
começar a ter repercussões, mas dou o meu melhor para sorrir o tempo todo.
Para tentar manter a nossa conversa tão impessoal quanto possível, o que é
difícil, uma vez que é suposto andarmos a escavar por baixo da pele um do
outro, a tentar perceber como funciona a outra pessoa.
Eu já desisti. Não o consigo perceber, não importa o quanto possa tentar. Ele
é mau, no entanto, arrasa-me com aquele olhar fogoso, como se me estivesse a
imaginar nua ou assim. Ele deixa-me desconfortável.
E nem sempre de uma má maneira.
Mas não ia recuar perante a Natalie. Eu sei que ela ainda está zangada por o
Crew ser o meu parceiro e não o dela. Temos pena. Ela vai ter de aprender a
lidar com isso.
Ele é meu.
Quando chegamos finalmente a sexta-feira, sinto-me como se pudesse respirar
de alívio. Vou ver os meus pais este fim de semana e mal posso esperar por isso.
Não porque esteja mortinha por os ver — estive com eles há uma semana, no
Dia de Ação de Graças —, mas o meu pai e eu vamos a uma exposição de arte
no sábado que tem uma artista emergente, cujo trabalho admiro muito. Além
disso, estou desejosa de me afastar do campus. Já estou farta de aqui estar e
ainda tenho duas semanas até às férias de Natal.
E o meu aniversário — aquela grande festança que tinha planeado para
receber os meus supostos amigos? Não sei porque é que me estou a dar ao
trabalho.
Vou cancelá-la. De qualquer das maneiras, quem viria? Não vai haver drogas
ou álcool. Ficaria surpreendida se alguém aparecesse.
Depois de surgir esse pensamento deprimente, afasto-o da minha mente antes
de permitir que me esmague por completo.
Estou a descer o corredor, a dirigir-me para a minha última aula do dia
quando oiço alguém a pigarrear atrás de mim.
— Wren, oi.
Viro-me e encontro o Larsen Von Weller diante de mim, com um sorriso que
lhe anima os lábios.
Ele é um aluno do último ano do liceu, tal como eu. Silencioso. Inteligente.
Atlético, mas não é um grande idiota como alguns dos outros desportistas que
andam nesta escola estúpida. Atraente com cabelo e olhos castanhos. Um
corpo esbelto, no entanto, musculado.
— Olá — digo, com um pequeno sorriso, perguntando-me porque é que ele
estará a falar comigo.
Fomos mais próximos no primeiro e no segundo ano, quando tínhamos mais
aulas em conjunto e nos víamos ao longo do dia. Acabámos por seguir
caminhos diferentes a partir daí, por causa das nossas escolhas de aulas, e agora
nunca falamos.
— Como estás? — pergunta ele.
— Estou bem. — Aceno, olho em redor, vejo as pessoas a passar por nós, os
seus olhares curiosos quando veem com quem estou a falar. — E tu?
— Não me posso queixar. — Ele tem um sorriso fácil. — Ouvi um rumor.
— Ai, sim? — Céus, o que é que ele sabe?
— Iá. Ouvi dizer que vais para casa este fim de semana. — Ele sorri.
Franzo o sobrolho.
— Onde é que ouviste isso?
A expressão dele fica encabulada, e ele enfia as mãos nos bolsos da frente.
— A minha mãe mencionou-me isso porque também vou a casa. Os meus
pais convidaram os teus para jantar no sábado à noite, e a tua mãe mencionou
à minha que tu vinhas.
— Oh. Sim, suponho que sim. — Eu não sabia que os pais dele eram amigos
dos meus, mas o meu pai nunca recusa uma amizade. Ele vê quase toda a gente
na sua vida como um possível negócio, tendo em conta que está na área do
mercado imobiliário. Aos seus olhos, há sempre alguém à procura de uma
oportunidade para comprar ou vender algo.
— Vai ser bom pôr a conversa em dia, não achas? — pergunta ele, ajustando
o seu passo ao meu quando começo a andar.
— Sem dúvida. — Esboço um sorriso rápido, parando perto da porta para a
minha sala de aula. — Então, parece que te vejo amanhã.
— Algo por que ansiar. — Ele atira-me um sorriso brilhante. — Até amanhã,
Wren.
O Larsen afasta-se rapidamente, sendo engolido pela multidão, e fico a vê-lo a
afastar-se, encostada contra a parede para ficar fora do caminho das pessoas que
se apressam para a sua última aula.
— O que raio foi aquilo?
Viro-me e encontro o Crew com uma expressão carrancuda e furiosa, a olhar
na direção em que o Larsen desapareceu.
— Estás a referir-te a quê mesmo?
— Ao Larsen. Porque é que ele te anda a cheirar a saia?
Franzo o nariz, enojada pela expressão que ele escolheu empregar.
— Não tens nada a ver com isso.
Entro na sala com o Crew atrás, praticamente em cima dos meus calcanhares.
— Tem tudo a ver comigo quando sei que o gajo é um tarado dos grandes.
— Então vocês os dois devem ser grandes amigos. — Esboço um sorriso
matreiro por cima do ombro e sento-me na cadeira mesmo ao lado da dele.
Temos estado apenas a coexistir nos últimos dias, mas, neste momento, estou
empolgada. Estou pronta para lhe dizer exatamente o que penso.
— Eu não sou amigo desse otário. É um imbecil presunçoso — retorque o
Crew, enquanto se senta.
— Parece familiar. — Deixo cair a minha mochila no chão ao meu lado e
viro-me para lhe mandar um olhar carregado. — Não te metas, Crew. Não tem
nada a ver contigo.
— Se ele mexer com o teu estado mental, vai, sem dúvida, ter a ver comigo.
Temos um projeto para fazer.
— O meu estado mental só é precário por tua causa. — É apenas por puro
hábito que tiro o meu caderno e lápis. O Crew não vai falar comigo, nem me
vai dar nada para apontar. Nunca dá. Podia fazer-lhe uma lista de perguntas
interminável e ele continuaria mudo. É tão frustrante.
Ele é frustrante. E agora acusa o Larsen de ser um tarado, quando nem
amigos são. Como é que ele poderia saber?
— Ele vai piorá-lo ainda mais — responde.
— Como? — Estou genuinamente curiosa. — O que é que ele me poderia
fazer que seria tão terrível?
— Credo, tu és mesmo inocente, não és?
Retraio-me com as suas palavras. Odeio que me faça sentir terrível por ser
uma boa pessoa. Não tenho culpa de não estar completamente corrompida
como ele.
— Prefiro ser inocente do que dura e cínica como tu.
O Crew ignora o meu insulto.
— Queres mesmo saber o que é o que Larsen anda a preparar?
— Conta-me, por favor!
— Ele faz-se de… bonzinho e querido para as raparigas. Como se nunca lhe
ocorresse fazer mal a uma mosca. Muito oh, ora essa, e todo esse ato de timidez
autodepreciativa, percebes? Falsa modéstia. Ele finge que é honesto com uma
rapariga que não suspeita de nada, e, quando ela dá por si, está de joelhos com
a piça dele na boca enquanto ele grava toda a transação em segredo — explica
o Crew.
As palavras dele fazem-me afastar dele. Isso parece absolutamente horrível. E
o Crew faz com que tudo soe tão clínico com o uso da palavra «transação».
É isso que o sexo é para ele? Uma transação? Uma troca de fluidos corporais?
Que nojo.
— Ele grava isso? — pergunto, a minha voz um sussurro. Não quero que
outras pessoas me oiçam a dizer isso. Já demasiadas pessoas me prestam atenção
e ao Crew quando estamos a falar, e não faço ideia porquê.
O Crew acena. A sua expressão é sombria.
— E depois vende aos amigos.
O meu queixo cai.
— O quê? Porquê?
— Por ser material para bater uma? A sério, Birdy. Não achas que todos os
gajos neste sítio adorariam ver-te de joelhos por alguém? — O olhar que ele
me lança faz-me pensar que ele também era capaz de me querer ver numa tal
— posição vulnerável. — Se o Larsen fosse capaz de capturar isso seria o herói
da Lancaster Prep.
— Isso é tão… nojento. — Olho para a minha secretária. As palavras do
Crew estão a tocar repetidamente na minha cabeça. Não sei se acredito nele.
Ele pensa sempre o pior de toda a gente. Eu nunca ouvi conversas sobre o
Larsen fazer algo do tipo. Eu faço questão de não me envolver em boatos
escandalosos, mas, ocasionalmente, oiço pedacinhos, e essa é uma história com
que nunca me deparei.
Nunca.
— Tem cuidado com ele — diz o Crew, com um tom de voz sinistro. — Eu
avisei-te.
A Skov entra na aula, mesmo antes do toque, e lança-se logo a fazer chamada.
Eu fico sentada, perdida nos meus pensamentos, odiando como o Crew
estragou o meu jantar de sábado com umas quantas palavras bem escolhidas.
Ele tem um jeito especial para isso. Para dar cabo da minha vida.
Dramático, mas verdadeiro.
Quando a Skov termina a chamada e nos dá permissão para continuar o
nosso projeto com os nossos parceiros, vejo o Crew a aproximar a sua secretária
e cadeira para ficar mais perto de mim, o que me surpreende. Porque é que ele
se está a aproximar?
Eu não quero que ele se aproxime. Prefiro que mantenha a distância. Tê-lo tão
próximo deixa-me desconfortável — e não de uma maneira má. O que não é
bom.
Não é bom de todo.
— Tenho estado a pensar no que disseste — começo a dizer.
— E?
— Não acredito.
Um suspiro exasperado deixa-o.
— Porque é que não estou surpreendido?
— Ele não parece ser esse tipo de rapaz.
— Não é sempre assim que começa? «Oh, ele era o rapaz mais simpático. Não
acredito que é um assassino em série.» — O olhar que o Crew me manda quase
me faz rir. — Atina, Birdy.
— Eu só acho que já teria ouvido alguma coisa das outras raparigas. Das que
foram… gravadas por ele, sabes? — Faço uma careta enojada com a ideia de
isso acontecer — e do que eu faria se isso me acontecesse mesmo.
Seria muito humilhante. Eu nunca recuperaria.
— Achas mesmo que alguma delas fala realmente sobre isso? Preferem
esquecer que aquilo alguma vez aconteceu. E se te fossem dizer alguma coisa,
tu provavelmente irias dar um discursinho bem bonito sobre as suas más
escolhas — declara o Crew.
O meu coração dói-me, apenas porque o que ele diz é, infelizmente, verdade.
Já dei muitos sermões a raparigas que fizeram más decisões. Não é de
estranhar que as pessoas me achem moralista.
— Provavelmente devia parar de fazer isso — admito, a minha voz suave.
O Crew inclina-se, o ombro dele roça o meu, provocando um formigueiro
agradável.
— Parar de fazer o quê?
— De ser tão moralista a toda a hora. — Levanto o olhar para encontrar o
dele. — Tinhas razão. Assim como toda a gente que me disse isso.
— Oh, o pequeno passarinho está a aprender alguma coisa com o projeto. —
Ele estende o braço e prende uma mecha de cabelo que se soltou atrás da
minha orelha. — Estou orgulhoso de ti.
A minha pele aquece com o seu toque e tento passar à frente do sentimento
estranho. Ele também não devia dizer palavras dessas.
Sou capaz de acabar por gostar demasiado delas.
— E tu, já aprendeste alguma coisa sobre ti? — pergunto, esperançosa, a
tentar ignorar as borboletas a esvoaçar no meu estômago só porque ele me
tocou.
— Aprendi que achas que sou um otário.
Franzo-lhe o sobrolho.
— Eu nunca disse isso.
— Não precisas. Eu consigo perceber.
Já me disseram que sou um livro aberto no que toca às minhas emoções…
— Também achas que ajo como se fosse dono da escola.
— Hum, tu és literalmente o dono.
— A minha família é dona da escola — corrige ele.
Reviro os olhos.
— Tanto faz.
— Hoje estás atrevida, Birdy.
— Quando forças a entrada nos meus assuntos pessoais isso deixa-me
atrevida. — Bato com o meu lápis contra o caderno. — Vamos trabalhar neste
projeto hoje ou não?
— Iá. Bora lá. — Ele reclina-se na sua cadeira, o olhar dele ainda em mim.
— Eu quero entrevistar-te.
Uma inquietação percorre-me, deixando-me imediatamente de sobreaviso.
— E se, em vez disso, eu te entrevistasse a ti?
— Não. — Ele abana a cabeça. — Pensei numas perguntas ontem à noite.
Acerca de coisas que adorava saber sobre ti.
Porque é que as palavras dele se parecem mais com uma ameaça?
— Acredita em mim. Eu não vou revelar tudo acerca da minha pessoa.
— Pensei que era esse o objetivo deste projeto.
— É suposto estares a analisar-me. A tentar perceber-me versus eu dar-te
simplesmente todas as informações que queres — relembro-o.
— Tens sempre de complicar tudo, não é. — Ele não fala como se fosse uma
questão.
As palavras dele picam, e eu odeio isso.
— Está bem. Faz as tuas questões.
O Crew agarra o seu telemóvel e abre-o na aplicação das notas, percorrendo
com os olhos o que quer que seja que escreveu, e as suas sobrancelhas juntam-
se. Aproveito para olhar para ele, para observar os seus traços bem definidos. A
linha do maxilar afiada e os lábios macios. O nariz forte e as maçãs do rosto
angulares. As sobrancelhas espessas e os gélidos olhos azuis. A cara dele é como
uma obra de arte, algo que se encontraria num quadro de há centenas de anos.
Um aristocrata insensível, vestido com meias-calças que mostrariam as suas
pernas musculadas, um casaco de veludo pesado para mostrar a sua riqueza
opulenta.
Ele ter-se-ia enquadrado na altura, tal como se enquadra agora. Como será
sabermos onde pertencemos? Estarmos confiantes nisso?
Eu achava que sabia, mas desde que este projeto começou, estou baralhada. A
sentir-me sem graça.
— Certo. — A voz profunda do Crew puxa-me dos meus pensamentos, e eu
volto a focar-me nele. — Tens algum passatempo?
— Que pergunta tão genérica. — Espera, eu estou a gozar com ele?
— É uma maneira confiável de descobrir aquilo de que gostas.
Faz sentido.
— Eu gosto de viajar.
— Onde é que já estiveste?
— Em muitos sítios. Por toda a Europa. Japão. Fui à Rússia há uns anos.
— E como é que foi? — Reparo que ele está a tirar apontamentos.
Humm.
— Fui com os meus pais a uma exposição de arte que havia lá.
— Certo. São grandes colecionadores.
— Sim. A minha mãe tornou-se uma perita no mundo das artes. Ela viaja
para qualquer lado só para deitar as mãos a uma peça que tenha debaixo de
olho. Fomos à Rússia em fevereiro há alguns anos. Estava um frio de morte.
Ficámos lá presos durante uns dias porque estavam sempre a cancelar voos, por
causa do tempo — explico.
— Gostaste da Rússia?
— O país era lindo, mas terrivelmente frio. O céu tinha uma cor cinzenta
férrea que nunca mudou. Talvez tivesse gostado mais durante outra estação.
Ele escreve mesmo alguma coisa nas suas notas, e eu queria muito saber o que
escreveu.
— E que outras coisas gostas de fazer?
— Gosto de ler.
O olhar dele desvia-se para o meu.
— Aborrecido.
— Não dá para ter o tipo de média que nós temos sem se ler muito —
saliento.
— Verdade. Mas eu não leio muito por prazer.
É a maneira como ele usa a palavra «prazer», e a maneira como a diz, que me
faz pensar em…
Coisas.
Coisas perversas.
O que é que ele faz por prazer?
— E que mais, Birdy? — pergunta, com uma voz silenciosa. A sondar.
— Gosto de arte — admito.
— De que tipo?
— Todos os tipos. Quando se é arrastado para várias galerias de arte ao longo
da vida, começa-se a apreciar o que se vê. As peças eventualmente começam a
falar contigo. De repente, tens uma lista crescente de artistas que admiras. —
Solto um suspiro. — Primeiro, resisti. Nunca queria ir a museus ou galerias de
arte. Achava que eram aborrecidas.
— Quando és pequeno é exatamente isso que são. Extremamente aborrecidas
— diz ele.
— Exatamente. Eu comecei a apreciar mais quando tinha treze anos. Há
peças pelas quais me apaixonei. — Um sorriso brinca no canto dos meus
lábios. — Há uma em particular que descobri há uns anos e que é a minha
favorita.
Os olhos dele acendem-se com curiosidade.
— Qual é?
— Oh, não é nada. — Nunca devia ter admitido isso. Ele não quer saber.
Não realmente. — É só uma peça pela qual me senti atraída.
— Fala-me sobre isso — incentiva, e apresso-me a abanar a cabeça.
— É aborrecido.
— Anda lá, Wren.
Apesar de ele parecer completamente exasperado comigo, é o facto de ter
utilizado o meu nome verdadeiro que me incita a continuar a falar.
— É uma peça que foi criada em 2007 por um artista que explora muitos
meios diferentes e que utiliza uma variedade de materiais. Quando criou a
minha peça favorita, li que ainda era toxicodependente.
— Um toxicodependente? Isso parece ir contra o teu código moral, Birdy.
— Hoje em dia, ele já não consome. As pessoas dão passos em falso às vezes.
Ninguém é perfeito — digo, com um encolher de ombros.
— Exceto tu. — Ele sorri afetadamente. — Tu és a rapariga mais perfeita
neste campus.
— Por favor. Não sou, de todo, perfeita — enfatizo, odiando que pense
assim. É difícil corresponder às expectativas de todos. Dos meus pais. Dos
meus professores. Das raparigas na escola que me idolatram. Até das pessoas
que me acham ridícula.
Ele ignora por completo o que eu disse.
— E como é que é a peça?
Sento-me mais direita, entusiasmada por a descrever.
— É uma tela gigante coberta por beijos.
— Beijos?
— Sim. Ele pôs a mesma mulher a beijar a tela com vários tons de batom da
Chanel. — Sorrio ao ver o olhar franzido do Crew. — Ela beijava sempre a tela
de uma maneira diferente. Com mais força. Mais levemente. Com os lábios
mais abertos ou mais fechados.
— Certo.
— Originalmente, não tinha título, mas agora é conhecida no mundo da arte
como A Million Kisses in Your Lifetime. O meu pai tentou comprá-la para mim,
como surpresa para o meu aniversário, o ano passado, mas a pessoa que a tem
não se quer separar dela. E há outra peça que é semelhante, mas também não
se consegue encontrar essa.
— E quanto vale a que querias?
— Muito.
— Define muito. Isso pode querer dizer uma variedade de valores.
— Quando foi a leilão, foi vendida a um colecionador privado por mais de
quinhentos mil dólares.
Ele faz um som de escárnio.
— Fácil de comprar.
— Não quando o dono não a vende. Para ele, tem um valor inestimável. —
Pego no meu telemóvel. — Queres ver a peça?
— Claro.
Abro o Google e, em menos de um minuto, tenho a peça no ecrã do
telemóvel. Só de olhar para ela sinto o meu coração a latejar, mas no bom
sentido. No sentido visceral, de algo que chama por ti, toca uma parte de ti
que está bem enterrada.
Eu nunca fui beijada, mas consigo imaginar o que seria beijar um homem e
deixar o meu batom na boca dele quando acabo. Parece tão…
Romântico.
— Aqui está. — Estendo o meu telemóvel ao Crew e ele pega nele, estudando
a peça durante longos e silenciosos segundos. — O que achas? Consegues ver
como quase parece ondear? O artista pôs a mulher a pressionar os seus lábios
em pontos específicos na tela para criar essa ilusão.
— Vejo, sim — diz ele, a esforçar os olhos à frente do ecrã do meu telemóvel.
— Não é linda? — A minha voz é melancólica, como é habitual quando falo
da minha peça de arte favorita. Ainda é uma grande desilusão que a peça não
seja minha. O meu pai tentou tanto que fosse a primeira peça da minha
própria coleção.
Como não conseguiu essa, comprou outra do mesmo artista. É encantadora,
mas não é a que eu mais queria.
— Acho que podias recriar isso sozinha, sem problemas. — Ele dá-me o
telemóvel de volta.
— Mas eu não a quero recriar. — Olho para o ecrã, para a tela coberta de
beijos que adoro. — Eu quero esta.
— Quantos batons da Chanel é que tens?
— Nenhum. Eu não uso muito batom. — Só uso bálsamo hidratante e rímel.
Isso é toda a extensão do meu regime de uso de cosméticos.
— Com uma boca dessas devias investir nuns batons — declara o Crew.
Uma sensação desconhecida escorre pelo meu sangue, deixa-me ciente de
como o Crew está presentemente a estudar os meus lábios. — O que queres
dizer?
— Nunca te disseram?
— Disseram o quê?
Ele estende a mão, o polegar dele pressiona o canto dos meus lábios,
deixando-se ficar ali. É um toque quase impercetível que provoca agradáveis
arrepios por todo o meu corpo.
— Tens uma boca sexy.
TREZE
CREW

Os lábios dela são macios. A maneira como está a olhar para mim?
Sexy pra caramba.
Sinto-me tentado. Tentado a fazer muitas coisas. A traçar o seu lábio inferior
cheio com o meu polegar. A testar os limites dela, ver como reagiria ao meu
toque. O que é que ela faria se eu enfiasse o meu polegar na boca dela? Ia-se
passar? Morder-me? Ou iria fechar os lábios ao seu redor e segurar-me ali.
Talvez até mordiscá-lo? Chupá-lo?
Iá, não há a menor hipótese de qualquer uma dessas coisas acontecer.
Relutantemente, retiro o meu polegar da sua boca e deixo cair a mão sobre a
secretária. Ela olha para mim, os seus olhos verdes grandes e arregalados.
— O-O que queres dizer?
— Quero dizer o que disse, Birdy. Tens uma boca sexy como o caraças.
Ela estende a mão à boca, os seus dedos trémulos roçam o canto dos lábios
onde acabei de lhe tocar.
— Nunca pensei na minha boca dessa maneira.
— Calculo que não penses que nada em ti é sexy.
— Não. — Ela abana a cabeça. — Não penso mesmo.
— Nunca pensaste em recriar a tua peça favorita? Comprar um monte de
batons e beijar uma tela em branco vezes e vezes sem conta? — Se eu tivesse de
a ver a fazer isso era capaz de esporrar nas calças, como se não tivesse controlo
sobre mim mesmo, o que é algo que não faço há algum tempo.
Algo nesta rapariga faz-me querer perder todo o controlo.
Um riso suave escapa-se da sua boca.
— Não, nunca pensei em fazer isso. Dá para imaginar?
Dá, sim. Adorava ver aquela impressão sexy dos seus lábios a cobrir uma tela
em várias cores.
— Devias considerar fazê-lo — digo, propositadamente a manter uma voz
neutra. Casual. — Até pode ser um projeto para desenvolveres mais tarde.
— Já tenho projetos suficientes em que trabalhar. Incluindo este. — Ela dá-
me um toque com o lápis no braço. — Tens mais questões para mim? A aula
está quase a acabar.
Raios, o tempo passa demasiado rápido quando estou com ela.
— Sim, tenho outra questão.
— Qual é?
— Se bem que já te perguntei isto antes.
A expressão dela fica desconfiada, e um suspiro escapa-lhe.
— Força. Provavelmente, vou dar a mesma resposta que te dei antes.
— Na verdade, nunca me respondeste.
— Oh. Bem, isso foi rude da minha parte.
Esta rapariga. Estou surpreendido por ela não ter pedido desculpa pela falta
de resposta.
— Prometes que desta vez respondes? — Levanto o sobrolho.
— Talvez. — O tom dela é cauteloso.
Inteligente.
— Está bem. — Inclino-me para a frente, o meu olhar fecha-se no dela. —
Alguma vez foste beijada? Sê sincera, Birdy. Diz-me a verdade. Estou desejoso
para saber.
Ela deixa cair a cabeça, olhando para a secretária.
— Isso não te diz respeito.
— Só uma rapariga que nunca foi beijada é que responderia assim. — Ela
não reage. — Anda lá. Diz-me. Nunca sentiste a pressão de outra boca na tua?
A Wren permanece calada.
— Lábios quentes a unirem-se uma e outra vez?
Ainda nada.
— Aquele primeiro toque da língua de alguém, a deslizar dentro da tua boca?
A fazer círculos à volta da tua. À procura. As mãos começam a vaguear… — A
minha voz deriva e, ainda assim, não obtenho nenhuma reação. Ela ficou
completamente quieta, a sua cabeça ainda curvada, o seu longo cabelo a cobrir-
lhe cara. — Quando dás por ti, mãos estão a deslizar por baixo das tuas roupas,
a tocar-te…
— Já chega — sussurra ela ao levantar a cabeça, revelando as suas bochechas
rosadas.
— Então, qual é a tua resposta, Wren?
— Não. Está bem? Estás feliz? Eu nunca fui beijada. Mas, por favor… não
andes a espalhar isso.
Fico cheio de vontade de a beijar, agora mesmo, mas recalco-a.
— Queres ser beijada?
— Claro. Só que… ainda não me aconteceu.
— Porque não? — Olho para a mão dela, e aquele maldito diamante acena-
me. — Porque te prometeste ao teu pai?
— Não tem a ver com isso. — Abana a cabeça. — Tu não irias perceber.
— Por favor, explica. Eu adorava perceber.
— Ouve, é que até agora ninguém se interessou em mim o suficiente para
querer sequer beijar-me. E também ninguém me interessou assim tanto.
— E se eu te dissesse que estava interessado? — As palavras deixam-me como
se não tivesse controlo sobre os meus pensamentos ou sentimentos. Eu nunca
devia ter dito aquilo. Sinto que todo este momento é demasiado real,
demasiado cru.
Devia estar a ameaçar esta rapariga para ela manter a boca fechada depois
daquilo que viu, mas nem sequer falo nisso. Já não. E mais estranho ainda?
Não estou preocupado que ela vá fazer queixinhas nossas. Não vai.
Consigo senti-lo.
Ela revira os olhos e tenta rir-se desapegadamente do que eu disse.
— Por favor. Tu definitivamente não me queres beijar.
— Como é que sabes? — Inclino-me ainda mais para ela, o seu cheiro
intoxicante envolve-me. — Vais deixar o Larsen beijar-te?
— O quê? Não. — Ela solta mais risinhos nervosos. — Não depois do que
me disseste.
— Linda — murmuro, reparando como os seus olhos brilham com a minha
aprovação. — Tens de te manter afastada desse anormal.
— Isso é capaz de ser um bocado complicado, já que vou jantar a casa dele
amanhã à noite.
— Não o deixes apanhar-te a sós. — Estou invejoso como a porra por ela ir
passar o sábado com aquele imbecil do Larsen. — Promete-me, Birdy. Eu não
vou lá estar para tomar conta de ti.
— Como se eu precisasse que fosses o meu cão de guarda. Não te esqueças de
que és o tipo que me perseguiu há uns dias e me tentou assediar — diz ela.
— Assédio? — Sinto-me grato por ela estar a falar baixo para que mais
ninguém oiça o que acabou de dizer. — Acho que gostaste demasiado para lhe
chamares assédio.
Toda a sua cara se torna vermelha.
— És terrível.
— Mas tu gostas.
— Nem por isso.
— Nem um bocadinho? Vá lá, podes admitir.
— Não gosto o suficiente para te dar a satisfação de o dizer. — O sorriso dela
é sereno. — Deixa de escarafunchar, Crew. Não te fica bem.
Estamos a sorrir um para o outro e é uma sensação… estranha. De uma boa
maneira. De uma maneira do tipo eu sou capaz de gostar desta rapariga mais do
que quero admitir.
A campainha dá o seu toque e retira-nos do nosso transe. A Wren quase salta
na sua cadeira e mexe-se de imediato para apanhar a mochila. Eu observo-a
enquanto ela arruma as suas coisas, fecha a mochila e passa a alça sob o seu
ombro ainda antes de se levantar.
— Adeus, Crew.
Ela afasta-se antes de eu poder dizer alguma coisa, o cabelo a ondular no seu
encalce. Os meus olhos descem para a sua saia, e aí se delongam, desejando
poder ver mais dela.
A desejar poder protegê-la.
Esta sensação estranha abate-se sobre mim, e esfrego o peito, o meu sobrolho
carregado. Porque é que a quero proteger? Porque é que me importo tanto?
Não percebo.
Não percebo os sentimentos que tenho por ela.
Deixo a sala de aula e saio do edifício, dirigindo-me para o dormitório dos
alunos de terceiro e quarto ano. Eu não tenho um quarto nesse dormitório.
Sendo um Lancaster, fico automaticamente com uma das suites privadas noutro
edifício que, em tempos, albergava os funcionários quando estes viviam no
campus. Mas, ocasionalmente, venho fazer tempo ao dormitório, tipicamente
na sala de convívio.
Para onde vou agora.
Encontro uma cadeira e sento-me, pondo-me à vontade. Enquanto espero
vou navegando no telemóvel, o meu olhar sempre a ir para a porta, sabendo
que, mais cedo ou mais tarde, o vou ver a aparecer. Ele é previsível como a
porra. O seu sítio favorito para estar depois das aulas é nesta mesmíssima sala.
Com todos os seus seguidores ao redor, à espera de ouvir outra história sobre
mais uma rapariga inocente que se cedeu aos avanços desse idiota.
O problema das raparigas não falarem acerca do que ele faz é que acabam por
não avisar as outras, que lhes seguem as passadas. É tipo um segredo estranho
que cresce e cresce. Toda a gente sabe que está a acontecer, mas ninguém
admite que lhes aconteceu mesmo.
É meio marado. Alguém tem de chamar o Larsen à atenção por estas merdas.
Talvez esse alguém deva ser eu.
Porque é que aquilo que o Larsen faz a outras raparigas importa? Nós já o
deixámos acontecer durante os últimos anos, então, qual é a diferença agora?
A Wren.
Ela é a diferença. Não suporto sequer pensar nele a olhar para ela, quanto
mais a tocar-lhe. Ele é um tarado merdoso que não merece sequer um grama
da sua atenção. A Wren é tão doce e pura e boa.
Eu mal mereço a sua atenção, e sou dez vezes o homem que é a besta do
Larsen. E se ele fizesse alguma coisa que a destruísse completamente, como
filmá-la enquanto se aproveitava dela depois de lhe meter alguma coisa na
bebida? Meu Deus.
Dada a oportunidade, provavelmente matá-lo-ia.
São precisos uns bons vinte minutos, mas ele lá aparece. O Larsen entra na
sala de convívio com um sorriso na cara, a distribuir mais cincos a uns quantos
gajos que o tratam como se ele fosse o seu líder há muito perdido e agora
retornado.
Um monte de merdosos. O facto de admirarem este supremo imbecil diz
muito deles.
Ele vê-me e fica logo com um ar surpreendido, uma vez que estou sentado
naquela que é tipicamente a sua cadeira. Eu sei exatamente o que ele se põe a
aprontar. Sei como ele opera. E consigo perceber pela sua expressão sombria
que não gosta de me ver sentado no seu lugar.
A minha família é dona deste sítio. Tecnicamente, é o raio da minha cadeira.
Posso sentar-me onde bem me apetecer.
— Oi, Crew — diz o Larsen, parando diretamente à minha frente.
— Oi. — Indico-lhe a cadeira vazia diante de mim. — Senta-te.
Ele senta-se relutantemente no rebordo da cadeira, com ar de quem está
pronto para dar de frosques a qualquer segundo.
— O que é que se passa?
— Nada de mais. Como é que estás? — Não podia estar menos interessado
em como ele está, mas não vou ser um idiota e atacá-lo logo.
Preciso de uma abordagem mais discreta. Preciso de o embalar para o fazer
pensar que está tudo bem antes de lançar a minha ameaça.
— Eu estou bem. Pronto para o fim de semana.
Caramba. Caiu mesmo na cilada.
— Tens planos?
Ele acena, relaxando ligeiramente.
— Vou para a cidade. Mas só amanhã de manhã.
Bom saber. Já estive a fazer alguma pesquisa. Descobri exatamente onde fica
esta exposição que a Wren está a planear visitar.
— O que é que vais fazer enquanto lá estás?
— Vou ficar com a família. Vão receber convidados para o jantar, e a minha
mãe queria-me lá.
— Ai, sim? Quem é que vai lá a casa?
— Os Beaumonts.
— Tipo a Wren Beaumont?
Ele acena e sorri abertamente.
— Sim, estou à espera de passar um tempinho a sós com ela, sabes? Ela é a
rapariga que não se pode ter.
Isso é uma coisa que se diz? Que uma pessoa não se pode ter?
— Tu achas mesmo que ela se vai interessar por um tarado nojento como tu?
O sorriso dele desaparece, substituído por uma expressão carrancuda.
— Mas que raio, Lancaster?
Eu inclino-me, pousando os cotovelos nos joelhos enquanto o fulmino com o
olhar.
— És um canalha de merda e filmas as raparigas com quem dormes. O único
motivo para as pinares é fazeres os vídeos, só para os poderes partilhar. Para
fazeres dinheiro com eles. Estás-te pouco cagando para o facto de essas
raparigas serem destruídas pelo que estás a fazer. Algumas delas até deixaram a
escola. E nunca voltaram. E continuas a fazê-lo porque nenhuma delas diz
nada a ninguém acerca do que se está a passar. Estão demasiado
envergonhadas. Acham que as suas vidas acabaram. Estou surpreendido por
ainda não teres recebido uma conta de terapia de uma delas.
— Aposto que já viste alguns desses vídeos — diz o Larsen, a sua expressão
azeda. Tenho a certeza de que ter alguém a explicar-te as tuas merdas nunca é
agradável.
— Um. — É a verdade. — Eu vi um, fiquei imediatamente enojado com ele
e parei.
— Tão altivo e grandioso — retorque. — Achas que és o lorde da mansão por
estas bandas, e isso é uma treta. Nem todos temos de fazer o que tu mandas,
parvalhão. Se tens um problema comigo, vai-me denunciar. Desafio-te, cabrão.
— Eu não tenho provas. E não vou pôr um monte de raparigas que não
querem falar disso no centro das atenções. — Hesito durante apenas um
segundo. — É esse o teu plano para a Wren? Queres fazer um videozinho
divertido dela? Talvez dela a chupar a tua piça de lapiseira? Ou de ti a dar-lhe
por trás para não conseguirmos ver-lhe bem a cara?
Esse é um dos seus truques. Ele nunca mostra mesmo a cara delas. Não
completamente. Mas dá para perceber quem é. Sempre.
— Estás é com inveja — diz o Larsen, passado. — Também a queres. Achas
que não reparámos em ti a seguir a Wren ultimamente? Credo, tens estado a
observá-la a entrar no edifício todas as manhãs durante os últimos dois anos, a
olhar para ela como um perseguidor. A culpa não é minha que tenhas esperado
demasiado tempo e que agora tenhas perdido a tua oportunidade.
— Tu achas mesmo que tens uma hipótese com ela? — A minha voz é
insípida.
— Mais do que tu, seu idiota de merda. Pelo menos tenho a aprovação da
mãe e do pai. E essa é a coisa mais difícil de ter no que toca aos Beaumonts. O
pai dela tem-na bem guardada. Não sei bem porquê. Talvez tenha secretamente
uma má reputação? Prostituta infantil aos treze? Não duvidaria. Olha para ela,
com aquelas mamas gigantes e lábios de chupar piças.
Estou em cima dele numa questão de segundos, arrancando-o da cadeira.
Seguro-o pela sua gravata com tanta força que ele emite um som estrangulado,
os olhos dele estão praticamente a saltar para fora da sua cabeça quando
aproximo a minha cara da dele.
— Cala a merda da tua boca.
O Larsen expira irregularmente, sorrindo apesar de eu o estar prestes a
estrangular.
— Ou quê? Vais-me espancar? Bora lá, Lancaster. Tu não me assustas. Além
disso, vais ser expulso daqui tão rápido que a tua cabeça vai ficar a andar à
roda.
O sorriso aberto está de volta, e eu quero arrancá-lo à chapada da sua cara
pretensiosa.
— Toca num único cabelo na cabeça dela, e eu vou dizer a toda a gente das
tuas gravações. Vou expor-te por tudo o que fizeste nos últimos dois anos.
Esquece as raparigas e proteger a privacidade delas. Aliás, provavelmente até me
vão agradecer quando se souber tudo e eu expuser o canalha que tu és.
Os olhos do Larsen enchem-se com uma mistura de raiva e medo.
— Qual é a cena, hum? Porque é que queres saber se eu a vou comer ou não?
— Primeiro, ela nunca deixaria que lhe tocasses, seu pilantra. Depois, eu
preocupo-me porque, de facto, gosto da rapariga, que é mais do que tu podes
dizer. — Assim que as palavras me deixam, fico em silêncio, o choque a
circular dentro de mim pelas minhas veias.
Eu gosto dela.
Gosto mesmo.
Mas que raio?
— Crew, caramba, anda lá. Deixa-o em paz.
Eu viro-me e encontro o Ezra ali parado, a abanar a cabeça lentamente.
Ignoro-o e viro a minha atenção de volta para o Larsen.
— Como eu disse: toca nela, e eu parto-te os ossos todos que tens no corpo.
Grava-a a fazer qualquer coisa, nem que seja a sorrir para ti, e eu mato-te. —
Empurro-o para longe de mim, e ele tropeça contra a cadeira atrás dele,
deixando-se cair no chão.
Fulminamo-nos enquanto estou de pé, sobre ele, com as mãos fechadas em
punhos. Estou a arfar, estou tão zangado.
Odeio este animal. Tanto.
Afasto-me e deixo a sala de convívio, com o Ezra a vir logo atrás de mim.
— Mas que raio, meu? Porque é que te estás a meter com o Larsen? Tu sabes
que nós sempre o deixámos em paz.
Porque éramos um bando de idiotas que pensavam que estavam a fazer a coisa
mais correta ao proteger um dos nossos.
Bem, que se lixe isso.
— Ele é um merdas. — Limpo a parte de trás da mão na minha boca. — Ele
merece ser chamado à atenção.
— Porquê? O que é que se passa agora?
Viro-me para o meu amigo.
— Ele vai jantar com os Beaumonts amanhã à noite.
Um ar de compreensão surge na cara do Ezra.
— E daí? Achas que vai ter alguma coisa com a Wren? Por favor. Ela tem
demasiado medo de olhar para ele.
— Eu vi-os a falar no corredor há pouco. Acho que ela confia naquele idiota.
— Não devia. Ela não sabe?
— Provavelmente não. — Ela não sabia. E também não sei se acreditou no
que eu lhe disse.
A minha mente não para de a imaginar com o Larsen. A rir-se com ele
enquanto ele lenta, mas seguramente ganha a confiança dela. A aproveitar-se
daquele lado carente dela, o que ela não mostra a ninguém. Ela quer atenção.
Está esfomeada por isso. E ele vai dar-lha. Até a pode tentar drogar.
Quando der por ela, vai estar a ser comida por aquele otário. E eu consigo vê-
lo a acontecer. Consigo ver tudo na minha cabeça e nem pensar que posso
deixar isso acontecer.
Não posso.
Não vou.
CATORZE
WREN

— Lamento muito, Amora, mas não vou conseguir ir amanhã à exposição.


— Espera, o quê? Estás a falar a sério? — Aperto o telemóvel mais perto do
ouvido, os meus dedos doem-me de tanto o apertar. — Mas eu só vim a casa
para podermos ir juntos.
— Eu sei e gostava de ter uma resposta diferente para ti, mas surgiu outra
coisa — diz o meu pai.
Deixo-me cair no sofá de veludo azul na sala. Odeio o quão duro é. O quão
inflexível. Como tudo o resto neste apartamento estéril e frio em que os meus
pais vivem.
— O que é que surgiu de repente?
— Vou-me encontrar com alguns clientes hoje à noite para jantar — diz, com
a sua voz aveludada. — Tu sabes como é.
É como sempre. Mas, por alguma razão, sinto que me está a mentir.
— Numa sexta-feira à noite?
— Eu trabalho sete dias por semana. Tu sabes disso. — Ele parece irritado, e
sinto-me imediatamente terrível por ter sequer duvidado dele.
— Eu sei, tens razão. Eu estou só… desiludida. — Fecho os olhos e deixo que
a emoção me percorra e passe. Esta semana inteira não me tem corrido bem, e
estava mesmo muito entusiasmada para ver esta exposição amanhã.
Só por uma vez, queria que as coisas me corressem bem.
— Eu também estou desiludido, Amora. Talvez possamos ir noutra altura. Eu
adorava ver a exposição dela.
— Vai acabar no fim do ano — relembro-o. — E este fim de semana era a
melhor altura para mim. Tenho de me preparar para os exames finais, e depois
vem o Natal. O meu aniversário.
— Talvez possamos ir na semana entre o Natal e o Ano Novo? — sugere ele.
— Mas essa é a minha semana de aniversário. Posso ter planos.
Com quem é que já não tenho bem a certeza.
Ele dá uma risada.
— Certo. A minha menina adora prolongar o aniversário dela ao máximo.
Só o meu pai para me fazer sentir mal por uma coisa que foi ele a começar.
Quando fiz dez anos, ele fez do meu aniversário um grande evento, para o
tornar especial, tendo em conta que partilho o dia com um dos maiores
feriados do ano. Ele manteve a celebração do meu décimo aniversário durante
dias, provocando a não-tão-secreta irritação da minha mãe. Desde então tem
sido uma tradição.
— Que tipo de planos tens? — pergunta ele, vendo que eu não voltei a falar.
— Queria ir para fora — admito e apercebo-me de que realmente não há
ninguém com quem queira ir. Estava a pensar em perguntar à Maggie, mas ela
não me fala desde o incidente com o Fig, então qual seria o propósito? Ela
provavelmente odeia-me e era a minha última amiga verdadeira.
— Onde é que estavas a pensar ir? A algum sítio quente?
— Na verdade, estava a pensar em ir para as montanhas, para um sítio com
muita neve. A ideia de ficar num chalé, a beber chocolate quente à beira da
lareira, parece aconchegante. — Ao dizer as palavras em voz alta, sinto-me
como se fosse uma rapariguinha tonta.
— Não queres ir a um sítio tropical? A maior parte das pessoas quer ir à praia
durante o inverno. Que tal Aruba?
Umas férias tropicais implicam biquínis e muita pele à mostra. Muitos
homens a olharem para mim e para o meu peito. Odeio tê-lo em evidência. É
simplesmente demasiado… grande.
— Eu não quero ir a Aruba, pai — digo, a minha voz pequena.
— Está certo. Tudo bem. Então e se eu pedisse à Veronica para procurar umas
localizações para ti? Ela pode fazer uma pesquisazinha, encontrar algumas
opções para dares uma vista de olhos — sugere.
— Quem é a Veronica?
— A minha assistente. Ela começou há uns meses. Eu sei que já te falei dela.
— Oh. Está bem. Sim, claro. Isso seria bom.
— Estou só a tentar ajudar-te, Amora. Eu sei que andas ocupada com a
escola, com os exames e com todos os teus projetos de fim de semestre. A
Veronica é excelente a planear viagens. Ela trata sempre das minhas.
— Obrigada. Seria ótimo. — Eu queria mesmo planear esta viagem sozinha,
mas nunca ninguém me deixa fazer nada sozinha. E eu deixo-o acontecer. —
Estou a pensar que se calhar vou à exposição amanhã.
— Com a tua mãe?
— Não. Ela provavelmente não ia querer ir comigo. — Tentei falar com ela
sobre esta artista em particular há umas semanas, quando ouvi falar da
exposição pela primeira vez, mas ela não estava interessada.
Nos últimos tempos, ela raramente se interessa pelo que eu faço.
A voz dele torna-se austera.
— Eu não quero que vás sozinha.
— Porque não? Eu já fui a exposições lá perto. Já conheço a zona. — É em
Tribeca, e não está num péssimo bairro nem nada do género, mas para o meu
pai todos os bairros são péssimos no que toca à minha pessoa.
— Nunca sozinha. Eu arranjo um carro para ti. Liga para o escritório amanhã
quando estiveres pronta, e eles vêm-te buscar.
— Pai. Posso apanhar um Uber — começo a dizer, mas ele corta-me a
palavra.
— Nem pensar. Vais usar o meu serviço de transporte. — Pelo tom de voz
dele, já sei que não me vai permitir outra coisa.
— Tudo bem. — A minha voz é suave, e fecho os olhos por um momento, a
desejar ser corajosa o suficiente para lhe dizer que vou fazer o que eu quiser.
Mas não o faço. Nunca o faço.
— A tua mãe está em casa? — pergunta ele.
— Não. Está a jantar com amigos.
Ele faz um som de desprezo.
— Amigos. De certeza. Bem, eu vejo-te amanhã à tarde. Devo chegar à
cidade por volta das duas.
— Espera, tu nem estás aqui?
— Estou na Flórida. Volto amanhã. — Uma voz melodiosa, feminina diz
algo do fundo, e eu consigo ouvir o meu pai a tapar o telefone para poder falar
com ela. — Tenho de ir, Wren. Vejo-te amanhã. Adoro-te.
Termina a chamada antes que possa responder.
Atiro o telemóvel para o sofá e inclino a cabeça para trás, a olhar para o teto.
Para o candeeiro elaborado e muito caro que brilha acima da minha cabeça.
Tudo nesta casa é caro. Alguns artigos são inestimáveis.
É como se eu não pudesse tocar em nada daquilo. Estou demasiado assustada
com a ideia de poder partir algo que é insubstituível. Arte. Objetos. As coisas
são mais importantes para a minha mãe, para o meu pai.
Eu? A filha deles? Às vezes, interrogo-me se importo. Se me tornei apenas
noutro objeto que eles gostam de exibir.
Uma peça de arte que ainda precisa de ser muito moldada.
Levanto-me do sofá e vagueio pela casa. Desço o corredor e passo ao lado dos
quadros gigantes pendurados nas paredes. Aqueles com luzes que brilham sobre
eles, que os iluminam na perfeição para que toda a gente na rua os possa ver.
Aqueles que apreciam as belas-artes morreriam para entrar nesta casa, para
apanhar até um breve vislumbre dos quadros, das esculturas e das peças que
preenchem o nosso apartamento.
Eu já nem as vejo. Estão vazias de significado.
Como eu.
Tranco-me no meu quarto e tento examiná-lo com um olho crítico. Não há
cor. A minha mãe fez isso de propósito, para não entrar em conflito com
qualquer arte que escolhesse pôr em exibição ali. Porque sim, até o meu quarto
é uma potencial vitrine para a arte dela. A peça que o meu pai me comprou o
ano passado para o meu aniversário está pendurada na parede. É uma tela com
impressões de batom, apesar de não ter nem de perto tantas como a peça
desejada que eu verdadeiramente quero, e tem ainda pedaços de pastilha já
mascada de cores vibrantes coladas em sítios aleatórios. É um bocado nojento.
Eu tive de fazer de conta de que adorei quando ele ma deu.
Afastando-me da peça, olho para o edredão branco na minha cama. Para as
almofadas pretas e cinzento-metalizadas que estão empilhadas contra a
cabeceira de metal prateado. A mobília branca. As fotografias a preto-e-branco
nas paredes, todas elas de um tempo diferente. De quando era mais nova e
tinha amigos a sério. Antes de termos mudado, de termos crescido e de nos
termos afastado.
Agora, falamos no Instagram através de comentários e da ocasional mensagem
privada. Eles seguiram todos em frente, enquanto eu me sinto parada, presa.
Apanho o meu olhar no reflexo do espelho de corpo inteiro que está na
parede e vou até ele, a olhar para mim mesma. Mudei a roupa que trazia
vestida para umas calças de ganga e uma camisola preta antes de ter saído do
campus, e se a minha mãe me visse agora diria que estou com um ar desleixado.
Talvez esteja. Mas pelo menos sinto-me confortável.
Primeiro, dispo a camisola, o olhar cai para o meu peito, e não consigo evitar
fazer uma cara feia. Odeio a maneira como ele estica o tecido da minha T-shirt
de algodão branca. A minha mãe está constantemente a dizer-me para fazer
uma dieta, mas acho que isso não vai ajudar. No final das contas, continuaria a
ter o meu peito, que não tem nada a ver com o dela. Ela é lisa. O corpo dela é
quase arrapazado, e ela trabalha no duro para o manter assim.
Enquanto isso, estou a lutar contra as minhas curvas e a tentar refrear o meu
peito com os sutiãs mais apertados que encontro para a agradar.
É cansativo ter de fingir ser uma coisa que não sou.
Tiro a T-shirt e deixo-a cair no chão, dou-lhe um chuto para a tirar do
caminho. Descalço-me. Puxo as meias. Depois, tiro as calças de ganga e atiro-as
contra a parede com um paf! audível.
Até estar no meio do quarto só com a roupa interior vestida.
As raparigas da minha idade usam tangas ou cuecas sexy, com renda. Sutiãs ou
bralettes com tecido translúcido ou, às vezes, até nem usam nada. Usam estas
coisas para elas, porque lhes dão confiança. Para se sentirem atraentes. Para
excitarem os rapazes ou raparigas ou quem for que esteja com elas. A pessoa a
quem permitem que lhes tire as camadas para ver o que está por baixo das
roupas.
Eu não olho para roupa interior dessa maneira, de todo. São simplesmente
peças do dia a dia que uso desde sempre. Comecei a desenvolver-me quando
era nova, tipo no quinto ano, e foi tão vergonhoso ter de ser medida para o
meu primeiro sutiã, ter de ouvir a vendedora a exclamar acerca do meu
tamanho de copa, tão grande para uma idade tão pequena. A maneira como a
minha mãe olhou para mim, com um nojo inegável a chamejar-lhe nos olhos.
O meu peito sempre me pareceu um fardo.
Chego a mão atrás das costas e desaperto o fecho. A peça desliza pelo corpo, e
deixo-o cair ao chão. O meu peito está livre, e os meus mamilos endurecem
sob o meu olhar demorado. São rosados, as aréolas são grandes e
completamente diferentes do que vejo nas redes sociais, onde todas as raparigas
têm peitos pequenos e mamilos bonitos.
Não que eu ande a avaliar mamilos, mas… estou curiosa. Tenho estado
curiosa acerca de muitas coisas ultimamente.
Fecho as mãos à volta dos meus seios e seguro cada um na palma da mão.
Empurro um contra o outro, para fazer um decote mais profundo. Viro-me de
lado e observo-me. O meu estômago. A largura das minhas ancas. As minhas
pernas. Sou tão pálida. Sou quase transluzente, com veias azuis desmaiadas a
aparecerem mesmo por debaixo da minha pele.
Penso na Natalie com o seu corpo perfeito e os seios pequeninos. As suas
pernas longas e a sua óbvia confiança quando se sentou no colo do Ezra há uns
dias, como se lá pertencesse. E enquanto o fazia olhava para o Crew como se
ele fosse um bife delicioso e ela estivesse com desejos de carne vermelha. Como
é que seria, agir como a Natalie?
Não faço ideia.
Encarando o espelho de novo, largo o peito e estendo as mãos para a cintura
das cuecas e, antes que possa pensar duas vezes, puxo-as para baixo. Até estar
completamente nua, a olhar para o meu reflexo. O meu corpo está completa e
totalmente exposto, apenas para os meus olhos.
Fixo o olhar nos meus pelos púbicos escuros e no que estão a esconder. Quer
dizer, não sou idiota. Eu sei para que serve uma vagina. Eu tenho períodos
todos os meses. Às vezes, tenho dores. Quando era mais nova sofria muito com
isso, e a minha menstruação era tão irregular que a minha mãe me meteu a
tomar a pílula, secretamente, sem nunca dizer ao meu pai.
«Só porque estás a tomar a pílula não quer dizer que possas ter sexo com
quem quiseres», dissera ela, a dar-me um sermão. Na altura, tinha catorze anos,
e a última coisa em que pensava era ter sexo com quem quer que fosse.
Um dia vou casar com um homem simpático e vamos ter muito sexo, de que
posso, ou não, gostar e, por fim, vamos fazer bebés. Foi assim que a minha mãe
mo explicou. É isso que o futuro me reserva.
Credo, parece tudo tão clínico. Péssimo.
Aborrecido.
Penso no Crew. Na maneira como ele me tocou no peito quando me
apanhou. Naquele aperto firme, com o seu corpo musculado comprimido
contra o meu, e os seus dedos que se moviam sobre o meu peito numa carícia
leve como uma pena. Senti-o.
E consigo senti-lo agora. Quando me tocou nos lábios esta tarde, durante a
aula.
Tens uma boca sexy.
A voz profunda dele passa sobre mim, e agarro no meu peito outra vez. Roço
os polegares sobre os mamilos. Faço-me estremecer.
Vou para a cama e deito-me. Quando me apoio nos cotovelos, apercebo-me
rapidamente de que consigo ver o meu reflexo no espelho. Lentamente, separo
os joelhos. As coxas. Até conseguir ver tudo. Sou cor-de-rosa.
Em todo o lado.
Nunca fiz nada deste género antes, nunca me examinei com tanto detalhe.
Olho para o lugar entre as minhas pernas, olhando mesmo para mim mesma, e
penso em como é que seria ter alguém a tocar-me ali.
Oh, eu já tentei masturbar-me antes — mais do que umas vezes. Muitas
vezes. Mas nunca me consigo vir. A minha mente começava sempre a divagar, e
surgiam pensamentos estúpidos, tipo coisas que me preocupavam. Ou a culpa
infiltrava-se, e eu começava a sentir aquela ponta de vergonha com que já estou
tão familiarizada. Como se estivesse a fazer algo errado. Além disso, nunca me
permiti ter um fraquinho por um rapaz. Não realmente.
Até ao Crew. Penso nele constantemente. E ele faz-me sentir todas estas…
coisas. Sentimentos que nunca tinha experienciado e nos quais estou
lentamente a ficar viciada.
A maneira como me observa com aquele olhar penetrante. O tom atiradiço e
leve quando me chama Birdy. Ajo como se odiasse, mas, secretamente, gosto da
alcunha.
Faz-me sentir que partilhamos algo especial.
Ele faz-me sentir especial.
Deixo-me colapsar na cama e fecho os olhos, a minha mão desce até ao sítio
entre as pernas, além dos meus pelos, até me estar a agarrar. A brincar comigo.
Acaricio o lado dos meus lábios menores, percorro-os para frente e para trás,
lentamente. Sensações de arrepio cintilam mesmo por baixo da minha pele e
fazem a minha respiração travar.
Sabe bem.
Cuidadosamente, abro-me e mergulho o meu dedo lá dentro. Encontro
apenas um calor molhado e escorregadio. A minha mente fixa no Crew. Na sua
cara. Na sua voz. Nas suas mãos.
Com dedos hesitantes, procuro, deslizando entre as minhas dobras,
descrevendo círculos tentativamente em torno da minha entrada antes de
voltar a fazer um dedo deslizar para o interior, estremecendo. Depois, tiro-o.
Volto a empurrá-lo.
Oh. Isso também soube bem.
Como é que seria ser beijada pelo Crew? Ele tem uma boca bonita. Lábios
cheios. Também cheira bem. É forte. Musculado. Eu já sei qual é a sensação de
estar nos seus braços, mas o que seria se ele realmente me abraçasse? Se me
segurasse próximo dele e passasse os dedos pelo meu cabelo? Se pressionasse a
sua boca contra a minha têmpora no beijo mais suave, mais doce?
Tremo só de pensar nisso.
Quando os meus dedos roçam contra um pedaço de pele distendida no topo,
apercebo-me de que é o meu clitóris. Esfrego-o de novo, e um suspiro leve saí-
me dos lábios. Continuo, rodeando-o com o toque. Massajo-o. A minha
respiração acelera e quando aperto as coxas em torno da minha mão a sensação
é ainda melhor. A pressão. A intensidade.
Rebolo, ficando de barriga para baixo, a minha mão ainda entre as coxas, e os
dedos atarefados enquanto basicamente me esfrego contra a cama. Contra a
palma da minha mão. Balanço-me contra o colchão, os meus olhos abrem-se
de repente e apanham o meu reflexo de novo.
Estou uma lástima. O cabelo está nos meus olhos, a minha pele está húmida
com suor, os meus seios abanam, e os meus mamilos estão duros. Arqueio as
costas e pressiono a anca contra a cama, a esfregar com mais força a palma da
mão contra o meu clitóris, e um som estrangulado deixa-me.
Já alguma vez foste beijada?
Na minha imaginação, ele sussurra a questão ao meu ouvido, a boca a roçar a
minha pele. Estremeço e abano a cabeça, desejando que fosse ele o primeiro a
beijar-me. Os lábios dele são suaves e quentes, e aquele primeiro deslizar da sua
língua contra a minha…
Ele afasta a minha mão e substitui-a com a dele, acariciando-me. É tão
confiante. Tão em comando do meu corpo, e eu deixo-o assumir o controlo.
Tal como faço com toda a gente e com tudo na minha vida.
Mas com o Crew não fico ressentida.
Quero-o.
Estou novamente de costas, os meus dedos, erráticos, a minha respiração,
sôfrega enquanto vou atrás da sensação estranha que sinto a crescer dentro de
mim. É quase assustador, o quão grande parece ser, quão misteriosa. Quase
como se eu não soubesse o que é, mas sei.
Porém, não tenho medo. Vou atrás dela, o ar cola-se na minha garganta, os
meus membros ficam tensos, as pernas tremem enquanto pressiono e
pressiono, mais rápido, mais. Um arquejo deixa-me, e fico completamente
imóvel.
Tão sexy, Birdy.
Depois, estou a estremecer, abalada, o meu corpo inteiro é consumido, e um
grito ávido deixa os meus lábios quando o orgasmo colide contra mim. É como
se não tivesse controlo do meu corpo, e o clímax estica-se durante longos e
intermináveis segundos. Tão rápido quanto me atingiu desparece, e fico num
estado de desordem convulsa e suada. Mal consigo respirar, e o meu coração
bate com tanta força que juro estar a entrar em paragem cardíaca.
Então, o alvoroço era todo por isto. Imagino o que aconteceria se outra
pessoa me desse um orgasmo. Tipo o Crew?
Cerro os olhos, imaginando-o nesta cama comigo, a sua boca a encontrar a
minha, e os dedos entre as minhas coxas, a fazer a sua magia.
— Oh, céus — sussurro em voz alta, a olhar para o teto sem realmente o ver.
Talvez não haja nada de errado em querer um rapaz como o Crew. Talvez eu
mereça apaixonar-me e ir a encontros e beijar um rapaz durante horas e deixá-
lo tocar-me onde ele quiser. O que é que isso tem de errado?
Nada. Mesmo nada. Tal como o Crew disse, somos só adolescentes normais e
hormonais que se querem vir.
Quer dizer, isso não é uma coisa que eu alguma vez diria, mas ele tem razão.
Olhando em redor pelo quarto, apercebo-me de que não estou satisfeita.
Estou agitada. Até um bocado frustrada. Quero experienciar este sentimento
outra vez.
Quero tudo.
Com o Crew.
QUINZE
WREN

Saio do carro, estremecendo quando o ar amargamente frio atinge o meu rosto.


Está anormalmente fresco, apesar da luz do sol brilhante acima da minha
cabeça, e provavelmente não estou bem vestida para o tempo. Passo as mãos
pela a saia de cabedal justa que a minha mãe me comprou há uns meses e que
imediatamente enfiei no fundo do meu armário para a alisar. Nunca usei nada
do género, e não sei o que lhe passou pela cabeça para achar que eu a usaria.
Mas acordei esta manhã com uma nova resolução. Estou em expansão. A
fazer coisas novas e diferentes. Não sei exatamente o que essas coisas são, mas
tentar ser independente é uma delas. Daí a saia de cabedal, que não revela
nada, mas parece-me ser ousada na mesma, juntamente com a camisola de gola
alta de caxemira cor de creme, que dá ênfase ao tamanho do meu peito.
Normalmente, evitaria usar um conjunto como este porque não quero atrair
atenção para mim mesma.
Mas nada na manhã de hoje — ou em mim — parece normal.
Tal como ontem à noite, em que saltei o jantar por completo e fiquei
trancada no meu quarto. Abri o portátil e procurei sites de pornografia,
olhando à minha volta como se fosse encontrar alguém a ver-me fazer alguma
coisa proibida, antes de me decidir a ver um vídeo de vinte minutos de um
casal a fazer todo o tipo de coisas numa variedade de posições sexuais.
Foi revelador. Inegavelmente excitante. Quando vi o homem a fazer sexo oral
à mulher, os lábios, a língua e os dedos em todo o lado, e as mãos dela no seu
cabelo a apertá-lo contra si, perdi o controlo e masturbei-me outra vez. Estive o
tempo todo a imaginar que alguém me estava a fazer a mesma coisa.
Um certo alguém com olhos azuis gélidos e um sorriso de treta na cara,
enquanto me observava a praticamente implorar-lhe que o fizesse. E, depois,
ele inclinava-se e arrastava a língua pelo meu clitóris.
Credo, sou um desastre. A sério. Porque é que fantasio sobre ele?
Ele é o pior.
— Ligue ou mande mensagem quando estiver pronta para voltar, menina. —
O condutor passa-me um cartão com o seu número de telefone. — Eu venho
assim que estiver pronta.
— Obrigada. — Esboço um sorriso e guardo o cartão de visita, observando
enquanto ele fecha a porta. — Fico-lhe grata.
Dou uma volta e dirijo-me para a entrada da galeria, e daí para o seu interior.
Sou cumprimentada por uma assistente da galeria amigável, uma mulher que
parece ser poucos anos mais velha do que eu. Quanto mais me observa, mais os
seus olhos se acendem com interesse.
— Olá. Bem-vinda. Posso guardar o seu casaco?
— Bom dia — digo-lhe, deixando-a ajudar-me a tirar o casaco bege. —
Obrigada.
Ela estuda a minha cara, e as suas sobrancelhas delicadas unem-se.
— Desculpe, é a filha da Cecily Beaumont?
Claro que ela me ia reconhecer. A minha mãe é muito bem conhecida em
certos círculos do mundo das artes, especialmente em Manhattan.
— Sim, sou eu.
— Oh, é uma honra conhecê-la! — declara, empolgada. — O meu nome é
Kirstin.
— Olá, Kirstin. — Aperto-lhe a mão que me oferece. — Eu sou a Wren.
— A sua mãe vai-se juntar a nós esta manhã? — pergunta a Kirstin,
esperançosamente.
— Infelizmente, não. Ela tem outros planos. — Eu nem sequer a convidei.
Não a vejo desde que cheguei ontem a casa, apesar de saber que ela tem andado
por perto.
A desilusão é evidente na cara da Kirstin.
— Que pena. Mas estou contente por estar aqui. É fã da Hannah?
A Hannah Walsh é a artista cujo trabalho está em exibição na galeria. A sua
última coleção é fortemente reminiscente de Picasso, mas ela dá-lhe um toque
muito próprio. O trabalho dela é inovador e, no entanto, familiar, com a
sugestão de uma veia feminina.
— Sou, sim — digo, olhando em redor pela galeria estreita. Nesta manhã não
estão muitas pessoas na galeria, mas eu também cheguei cedo, logo depois da
hora de abertura. — Estou na esperança de encontrar uma peça para comprar.
A Kirstin sorri.
— Isso é fantástico. Ela já vendeu alguns quadros, mas ainda há muitos por
onde escolher.
— Eu gostava de ter estado cá para a inauguração, mas estou na escola
durante a semana, por isso não deu — admito.
— Oh, a inauguração foi um sucesso. Ajudou ela ter trazido o noivo lindo, o
jogador de futebol americano profissional. Ele estava tão orgulhoso dela. — A
Kirstin sorri. — São tão queridos juntos, é tão bom de ver!
— Acredito que sim — murmuro, conhecendo já a história de vida da
Hannah. Como é que seria ter um homem bem-parecido, bem-sucedido na
minha vida? A apoiar-me e à minha carreira? Há muita coisa que já foi escrita
sobre ele, mas não se escreveu muito sobre ela, e eu acho-a tão intrigante.
Também acho que é por isso que me sinto cativada pelo seu trabalho.
— Gostaria de fazer uma visita guiada pela exposição ou prefere explorar
sozinha?
— Se não se importar, vou dar uma volta sozinha durante um pouco. Mas
chamo-a se precisar — digo-lhe com um sorriso leve.
— Certo, parece-me perfeito. — Estou prestes a afastar-me quando ela
continua: — Posso só dizer o quanto admiro a sua mãe e tudo que ela fez pelo
mundo das artes? É tão generosa e tem um olho tão inteligente. Tem sorte por
ter aprendido tanto com ela.
Oiço isto muitas vezes, mas as pessoas raramente me incluem na equação
como ela acabou de fazer.
Endireito mais as costas, a sentir-me orgulhosa.
— Obrigada. Vou passar a mensagem — replico antes de me afastar.
As palavras da Kirstin ficam comigo, enquanto me detenho à frente do
primeiro quadro, a olhar para ele sem realmente o ver. Não me parece que
tenha aprendido o que quer que seja com a minha mãe. Bem, devo ter
aprendido alguma coisa, mas maioritariamente a partir da observação do que
ela fazia, não porque ela tenha tirado tempo da sua vida para me ensinar sobre
arte e colecionar. Tudo o que eu sei foi, na maioria, aprendido pela via
autodidata, com uma ou outra intervenção do meu pai aqui e ali com as suas
opiniões.
Ele coleciona, mas ela é a verdadeira colecionadora. Ele paga por tudo, mas
foi ela quem escolheu quase todas as peças de que são donos. Eles têm sido um
par complementar ao longo do seu casamento, mas, ultimamente, as coisas
parecem um pouco… estranhas entre eles sempre que estou por perto. Como
se tivessem perdido o interesse um no outro.
E em mim.
Dou um abanão a estes pensamentos para me pôr a mexer e começo a vaguear
pela galeria, parando diante das peças para contemplar cada uma com um olho
crítico. São todas impressionantes. Ela pinta com um traço arrojado e cores
vívidas. Imagens brilhantes que não deixam nada à imaginação, peças que são
principalmente de pessoas. Mulheres. Homens. Animais de estimação. Uma
paisagem urbana, apesar de esse já estar vendido, provavelmente porque é o
único quadro nesse estilo.
Tenho inveja da pessoa que o comprou.
Há um quadro em particular a que estou sempre a voltar. O plano de fundo é
de um verde profundo, rico, e uma mulher está sentada no chão, com um gato
deitado ao lado, mas fora do seu alcance. O braço da mulher está esticado, é
bizarramente curto, e o gato está a olhar diretamente para mim enquanto a
mulher olha para o animal.
A cena transmitida pelo quadro é quase desconcertante, e afasto-me sempre
dela.
Só para logo dar comigo diante dela de novo.
— Acho que este é o teu favorito — diz uma voz masculina, profunda e
familiar.
Fico totalmente paralisada, a minha respiração detém-se nos pulmões
enquanto me viro lentamente para me deparar com…
Crew Lancaster, diretamente ao meu lado, o seu olhar fixo no quadro à nossa
frente.
Porque é que ele está aqui? Como é que sabia? De onde é que veio? Eu nem
reparei nele a entrar na galeria. Suponho que estava demasiado absorvida a
olhar para cada quadro.
— O que é que estás aqui a fazer? — pergunto, ofegante.
— Ouvi dizer que havia uma exposição em Tribeca até ao fim do ano. Pensei
em dar uma vista de olhos. — Ele enfia as mãos nos bolsos e olha para mim.
— Também estás aqui pelo mesmo motivo?
Meio que o quero socar. Ou abraçá-lo. Sinto que o conjurei num sonho. Este
momento é real?
— Sim, por acaso, estou.
Como se ele não soubesse.
— Que coincidência engraçada. — Ele devolve a sua atenção ao quadro e fica
a estudá-lo silenciosamente durante um momento, antes de dar um passo em
frente para ler a placa informativa ao lado da obra. — Humm. Interessante.
Este chama-se Duas Bichas.
— Não. — Desloco-me na direção do quadro, empurrando-o para o lado
para ler que o nome do quadro é…
Duas Bichas.
Ele está a rir-se quando me viro para o encarar, o meu choque estampado na
cara, de certeza.
— Não consigo acreditar que é esse o nome.
— Oh, eu consigo. Não é suposto a arte ser estimulante?
Olho para ele, incrédula. Ainda não consigo acreditar que ele está aqui. De pé
e à minha frente. Está tão giro, vestido com calças de ganga e uma camisola
num tom de carvão, com um casaco preto por cima. Calça umas Nike Blazers e
tem um gorro na cabeça, que tira e enfia no bolso do casaco, o que deixa o seu
cabelo completamente desalinhado.
Sinto a tentação de o arranjar por ele. De passar os meus dedos no cabelo
dele. Ver se é tão suave como parece.
— Porque é que achas que eu gosto desta peça? — pergunto-lhe.
— Porque estás sempre a voltar aqui para a ver.
— Há quanto tempo estás aqui?
— Há tempo o suficiente para te ver a voltar três vezes para este quadro em
particular. — Ele aproxima-se, a voz dele baixa. — Compra-o lá, Birdy. Sabes
que queres.
As palavras dele fazem o meu sangue crepitar, e dou uma volta de maneira a
ficar com as costas para ele e com o olhar no quadro mais uma vez.
— O que mais gosto é do verde. É tão profundo.
— A tua cor favorita é verde?
Sinto-o a dar um passo na minha direção, o calor do seu corpo a entranhar-se
em mim. Mantenho-me rígida para não lhe tocar, apesar de querer.
— Não. Eu gosto de cor-de-rosa. Ou vermelho. — Hesito antes de
perguntar: — Qual é a tua cor favorita?
— Verde. — Ele inclina-se, a boca tão próxima do meu ouvido, tal como eu
imaginei a noite passada. — Tal como os teus olhos.
As minhas pernas tremem, e travo os joelhos, inclinando a cabeça para baixo
enquanto tento normalizar a minha respiração. O que é que ele está a tentar
dizer?
O que é que ele está a tentar fazer?
— Vais comprá-lo? — Ele está tão próximo, a respiração dele bafeja a minha
orelha. O meu pescoço. Levanto a cabeça para encontrar o seu olhar intenso,
quanto mais nos estudamos, mais seca sinto a boca. — Devias. Os teus
instintos estão a dizer-te que este é o certo.
Pressiono os lábios, com medo de que me saia alguma coisa estúpida pela
boca fora, como dizer que os meus instintos me estão a dizer que é ele o certo.
Mas mantenho-me em silêncio, engolindo as palavras que querem explodir
para fora da minha boca.
— Vamos dar outra volta pela galeria — sugiro. — Quero ter a certeza de que
é mesmo esta a peça que quero.
— Nunca fazes nada impulsivo, Birdy? — O tom dele é suave. Quase
sugestivo.
— Não. Nem por isso.
— Um dia destes devias experimentar.
— Porquê?
— Às vezes, fazer coisas sem pensar pode ser libertador.
Eu não sei o que é essa sensação de libertação. De me sentir livre. É um
conceito estranho. Dizem-me o que fazer, onde o fazer e quando o fazer. Fui
completamente controlada toda a minha vida.
— A arte faz-me sentir livre — digo-lhe.
Ele inclina a cabeça para o lado.
— O que queres dizer?
— É difícil explicar. — O meu olhar volta outra vez para o quadro. — Olhar
para este quadro faz-me sentir que podia ser uma pessoa diferente. Talvez seja a
rapariga deitada no chão, a desejar que a gata se aproxime para lhe poder fazer
uma festa.
O Crew dá uma risada.
— Achas que é essa a mensagem que a artista está a tentar passar?
— Eu não sei o que ela está a tentar dizer, mas é isso que vejo. Frustração. Ela
só quer ser amada. Não é isso que queremos todos? — Olho para ele de soslaio.
Ele não diz nada, mas a sua expressão diz tudo.
— Temos todos reações diferentes à arte — continuo a dizer. — É isso que
faz com que seja tão maravilhosa. Não é apenas uma coisa. São tantas coisas.
Um milhão de ideias e pensamentos e visões.
O Crew contempla-me, o seu olhar apreciativo, a sua voz baixa e áspera
quando fala.
— Adoro como és apaixonada por arte. E beleza.
Pestanejo, surpreendida pelo elogio.
— Eu gosto de coisas bonitas.
— Eu também. — O seu olhar varre-me de alto a baixo, como se estivesse
realmente a ver-me pela primeira vez. — Falando de coisas bonitas, gosto da
tua roupa hoje.
Quando os seus olhos se demoram no meu peito, eu não me importo.
— Obrigada.
— Não é o que costumas usar.
Eu levanto o queixo.
— Tu só me vês de uniforme.
— Verdade.
— Mas sim, estou a experimentar algo diferente.
— Gostei. — O sorriso dele é pequeno. — Compra o quadro.
Nem penso quando lhe respondo:
— Está bem.
O sorriso dele cresce.
— E depois de comprares o quadro, podemos ir almoçar.
— Queres ir almoçar comigo? — Estou de sobrolho franzido. Se fizermos
isto, se eu for almoçar com ele, isso pode mudar a dinâmica entre nós.
Pode mudar toda a minha vida.
— Sim. Tu queres ir almoçar comigo?
O meu aceno é lento, o meu coração bate pesadamente no meu peito.
— Sim — sussurro.
— O que pensa da exposição, menina Beaumont?
O feitiço é quebrado pela assistente da galeria, tanto o Crew como eu nos
viramos para encontrar a Kirstin diante de nós com um sorriso na cara.
— É maravilhosa — digo-lhe. — Estou a ter dificuldades em escolher a peça
que quero.
— Oh, então vai definitivamente fazer uma compra?
— Ela está a pensar nesta — diz o Crew, a indicar o quatro que está diante de
nós.
A Kirstin ri-se.
— É muito impressionante, desde o seu uso da cor ao nome. Acho que a
artista quis chocar um bocadinho com esta exposição.
— É a cor — declaro, olhando para o quadro mais uma vez. Apercebendo-
me de que o Crew me está a observar com muita atenção. A maneira como ele
olha para mim é quase desconcertante. — Adoro o verde.
— É lindo — diz a Kirstin com um ar melancólico, o seu olhar agora focado
no quadro. Consigo vê-lo nos olhos dela. Ela queria tê-lo. Tê-los a todos. É por
isso que trabalha aqui. Provavelmente, é licenciada em História de Arte, uma
mulher que se quer rodear por arte que lhe diga algo. Coisas bonitas que a
fazem sentir como se estivesse prestes a rebentar.
Conheço a sensação.
— Vou levá-lo — digo e consigo ver o ar de aprovação pela minha escolha na
cara do Crew.
— Maravilhoso. Vou tratar do recibo de venda — replica a Kirstin antes de se
virar e se dirigir para a frente do edifício.
— Ótima escolha — diz o Crew, depois de ela ter ido embora.
— Obrigada. Eu realmente adoro-o. — Olho para o quadro — o meu quadro
— e, quanto mais olho para ele, mais sinto o meu peito a apertar-se. — Se
bem que não sei onde o vou pendurar.
— Em tua casa?
— Suponho que sim. Só não o quero na coleção dos meus pais. Este é meu.
— O meu olhar encontra o do Crew novamente. — Todo meu.
DEZASSEIS
WREN

Depois de ter feito a minha compra e de estarmos prestes a sair, a Kirstin traz-
me o meu casaco. O Crew pega nele e ajuda-me a vesti-lo, as mãos dele tocam-
me no cabelo, os dedos roçam primeiro a minha nuca quando ele puxa o
cabelo preso debaixo do meu colarinho. Os dedos dele continuam a deslizar
pelas mechas, afagando-me cabelo, e eu olho para ele, incapaz de me afastar do
seu olhar pesado.
— Não queria que ficasse preso — murmura, e eu aceno em concordância,
incapaz de encontrar palavras.
Então permaneço em silêncio. Perdida nos meus pensamentos. Na realização
de que isto não é uma fantasia que conjurei no meu cérebro, como fiz ontem à
noite. Ele está realmente aqui, à minha frente, a olhar para mim com atenção.
Com tanta atenção como a que tenho quando o observo.
Ele consegue senti-la? A atração entre nós? A química? Ou é tudo da minha
cabeça? Sou só uma rapariguinha tonta com uma queda por um rapaz com
zero interesse em mim? Ele está só a fazer-me as vontades? A brincar comigo?
O Crew veio aqui, a esta exposição, para me encontrar. Não há outra razão
para ter aparecido aqui, além de querer ver-me.
A mim.
Ele acompanha-me para fora da galeria, a mão dele no fundo das minhas
costas, guiando-me para o passeio. Olha em ambos os sentidos antes de me
pegar na mão e me levar para o outro lado da rua, na direção de um sedã
Mercedes preto que está estacionado no passeio. Um homem vestido com um
fato preto sai do lugar do condutor, com um sorriso gracioso na sua cara.
— Encontrou uma convidada, senhor Lancaster.
— Encontrei, sim — responde o Crew. — Wren, este é o Peter.
— Prazer em conhecê-lo — digo ao Peter. É um cavalheiro mais velho com
cabelos grisalhos e olhos castanhos quentes.
— Menina. — O Peter inclina a cabeça na minha direção em jeito de
cumprimento, antes de puxar o manípulo e de abrir a porta de trás para nós.
Eu entro primeiro, o Crew segue-me e a porta fecha-se, envolvendo-nos num
silêncio total. O único som que consigo ouvir é o ronronar suave do motor
ligado e o meu coração a bater desenfreadamente.
— Onde é que queres ir almoçar? — pergunta o Crew, a sua voz silenciosa. O
que me faz estremecer.
— Não sei. — Encolho um ombro, de repente, o meu estômago começa a
protestar. Não me consigo lembrar da última vez que comi.
— Estás com fome?
É a forma como ele olha para os meus lábios que me faz dizer:
— Estou esfomeada.
— Eu também. — O sorriso desenha-se lentamente na sua cara.
O meu também.
Depois de fazermos uma breve pesquisa nos nossos telemóveis, escolhemos
um restaurante não muito longe da galeria que serve pequeno-almoço e
almoço.
A fachada do Two Hands Restaurant está pintada com um azul brilhante e
alegre, e quando lá entramos fico cativada pelo design leve e arejado. A madeira
é toda branca ou de tom claro, as paredes de tijolo são caiadas de branco, e os
candeeiros gigantes suspensos do teto são construídos com fio de metal.
A funcionária leva-nos aos únicos lugares vazios no restaurante — uma mesa
apertada para dois à frente da janela, com vista para a rua. Sentamo-nos, e os
joelhos do Crew batem contra os meus, o que me faz corar.
— Quanto é que medes? — pergunto assim que ela nos deixa com as
ementas.
Ele franze o sobrolho.
— Porque é que perguntas?
— Oh. É que me deste um toque com os joelhos.
— Desculpa.
— Eu não me importei — admito, as minhas bochechas vermelhas como um
tomate, o que é tão estúpido. — Tens pernas compridas.
— Tenho um metro e oitenta e sete.
Eu sabia que ele era alto. Eu só tenho um metro e sessenta e cinco.
— Os Lancasters são altos — continua ele. — Maioritariamente loiros.
Olhos azuis. Temos todos basicamente o mesmo aspeto.
Se todos os homens Lancaster forem tão atraentes como o Crew, então devem
ser devastadores.
A nossa empregada de mesa aparece, excessivamente alegre, enquanto nos
pergunta o que queremos beber. O cabelo dela está pintado com um rosa
vívido, cortado num bob severo, e ela está a usar óculos cor-de-rosa a condizer.
É adorável.
— Só água — digo-lhe, com um sorriso ténue.
— O mesmo — acrescenta o Crew.
— Ótimo. Já volto para saber o resto do pedido. — Ela desaparece, e eu vejo-
a a ir, notando como parece ser confiante. Tens de ser confiante para ter cabelo
daquela cor.
— Gostas de raparigas com cabelo cor-de-rosa? — pergunto ao Crew.
Ele nivela aquele olhar azul gélido ao meu.
— Prefiro cabelo castanho.
— Jura.
O Crew acena.
— Com olhos verdes e apreço por arte.
— Estás só a dizer isso por dizer. — Pego na ementa e seguro-a à minha
frente, a tentar concentrar-me no que estou a ler, mas as palavras estão
desfocadas. Consigo senti-lo a observar-me, sem dizer uma única palavra, e isso
deixa-me completamente nervosa. Até que deixo cair o menu. — O que foi?
— Achas mesmo que estou «só a dizer isso por dizer» quando te segui até à
galeria? Achas que isso foi uma coincidência?
Pestanejo, cativada pela sua intensidade.
— Não. — Ele cala-se e fica em silêncio até eu não aguentar mais. — Porque
é que estás aqui, então?
— Porque é que achas?
— Andas a seguir-me?
Ele ri-se, o som é bruto, com pouco humor. Acaba tão rápido quanto
começou.
— Não.
Mas é a sensação que dá, apesar de eu não o dizer.
— Disseste que ias andar em cima de mim depois daquilo que eu… vi.
— Isso foi só uma desculpa.
— Então, porquê? Não percebo. Eu não sou nada de especial. — Vendo o
olhar incrédulo na cara dele, continuo a falar: — Não, a sério, não sou mesmo.
Sou ingénua e protegida e ridicularizada na escola pelas minhas crenças. As
pessoas não gostam de ti quando as deixas desconfortáveis.
— Achas que deixas as pessoas desconfortáveis?
Aceno.
— Eu sei que sim. Elas não gostam do anel e do que representa. — Levanto a
mão para ele o ver. Este anel estúpido que começa a parecer cada vez um fardo,
especialmente depois do que fiz a noite passada.
Uma sensação de vergonha inunda-me perante as memórias.
— Acho que és corajosa.
— Ou estúpida.
— Não estúpida, Birdy. Nunca estúpida.
— Alguma vez te sentiste aprisionado? Como se existisse todo um conjunto
de expectativas para ti, para fazeres todas estas… coisas, às vezes, coisas que
nem sequer queres fazer. As pessoas também querem que ajas de uma certa
maneira. Nunca te deixam lidar com as coisas por tua conta. Como se não
achassem que és capaz do que quer que seja. — Pressiono os lábios,
interrogando-me de repente se falei de mais.
— Constantemente — diz ele, lentamente. — Sendo o bebé da família, o
meu pai quer-me com trela curta.
— Enquanto filha única, posso dizer que o meu pai faz o mesmo.
— No entanto, mal dá pela minha existência. Acho que durante metade do
tempo se esquece de que eu existo sequer — continua.
— Eu gostava que o meu pai se esquecesse da minha existência às vezes. —
Escapa-me um suspiro. — Não sei como é, isso de ser a minha própria pessoa.
— Acho que é exatamente isso que estás a tentar ser agora — diz ele.
Aquelas palavras dão-me esperança.
— Achas mesmo?
— Sem dúvida. És mais forte do que pensas. Só precisas de esticar as tuas asas
e vais acabar por voar. — Ele pousa a mão sobre a minha, passando o polegar
sobre os nós dos meus dedos, a eletricidade faísca onde as nossas peles se
tocam. — Quando é que fazes dezoito?
— No dia de Natal — admito.
— Está quase aí. — Ele não tira a mão da minha, e eu gosto disso. Do seu
toque possessivo, da maneira como me está a estudar. — Vais fazer algo
especial?
— Ia dar uma festa no dia a seguir — admito.
— Onde?
— No apartamento dos meus pais. Mas não sei. — Encolho os ombros. —
Não tenho amigos.
— Tens, sim.
— Nenhum que seja verdadeiro.
Ele fica em silêncio durante um momento, e eu interpreto isso como uma
concordância. Até ele dizer:
— Eu sou teu amigo.
Até este momento, nunca teria descrito o Crew Lancaster como meu amigo.
— És mesmo? — sussurro.
— Sou o que quiseres que eu seja. — Ele fecha os seus dedos em torno dos
meus e levanta as nossas mãos interligadas, trazendo-as à sua boca, beijando-me
levemente os nós dos dedos.
Sinto aquele toque na minha alma, a assentar-se nas profundezas dos meus
ossos. Inclino-me para ele, entreabrindo os lábios, a minha boca seca, a desejar
conseguir encontrar as palavras para explicar o que ele me faz sentir.
Como se qualquer coisa fosse possível.
— Devias fazer a festa — diz ele.
Retiro a minha mão da sua e volto a recostar-me no meu lugar.
— Acho que não. Vou cancelar.
— Talvez devas deixar-me levar-te a algum lado no teu aniversário. — Ele
pousa a mão sobre a minha novamente, como se não conseguisse parar de me
tocar.
Porque é que está a ser tão simpático? Porque é que, de repente, quer saber? É
como se ele soubesse o que eu estive a fazer ontem à noite. A tocar-me
enquanto pensava nele, e agora está aqui, e eu não entendo a sua mudança de
humor.
Interrogo-me se ele tem segundas intenções…
— Queres levar-me a sair no meu aniversário? Porquê? — A minha voz está
meia esganiçada, e acabo por pressionar os meus lábios numa linha.
A empregada de mesa aparece, interrompendo-nos, e o Crew larga a minha
mão. Afundo-a no meu colo, apertando as mãos, os nervos devoram-me
enquanto a empregada de mesa vai mencionado os pratos do dia, à medida que
os meus olhos percorrem freneticamente os pratos da ementa.
— O que é gostaria de pedir? — pergunta-me ela, animada.
Ligeiramente em pânico, peço uma salada e recebo um olhar incrédulo da
parte do Crew, que logo pede um cheeseburger e batatas fritas.
O meu estômago contrai-se ao pensar em comer um hambúrguer, e
arrependo-me imediatamente da minha escolha. Mas não a vou mudar.
Nem pensar que posso comer hambúrguer e batatas fritas à frente dele.
Quando a empregada de mesa nos deixa, a conversa fica mais leve. Falamos
da escola. De arte. Dos sítios onde estivemos, das coisas que vimos. Ele fala
sobre os seus irmãos. A sua irmã. Eu conto-lhe dos meus pais, mas não entro
em grandes detalhes. Não quero que ele saiba que ultimamente a nossa relação
parece fraturada. Não gosto de como isso me faz sentir.
Quando as nossas refeições chegam, estou esfomeada, e olho para a minha
salada com consternação. O cheiro do almoço do Crew flutua na minha
direção e faz o meu estômago rugir. Observo-o a levar o hambúrguer à boca e a
dar-lhe uma dentada enorme, e os meus olhos demoram-se nos seus lábios. Na
maneira como ele mastiga. Engole. Pega numas quantas batatas e as mergulha
no ketchup antes de as deixar cair na sua boca.
Esfaqueio a salada na taça com o meu garfo, como se estivesse a tentar
assassinar a alface e a couve frisada, enfiando os pedaços na boca, com uma
sensação de frustração que me abala por ondas enquanto como, desejando que
a salada tivesse pelo menos uns pedaços de frango. É boa, mas aposto que
dentro de uma hora já vou estar com fome outra vez.
— Estás a olhar para mim a comer como se me quisesses roubar o
hambúrguer das mãos — diz o Crew a certa altura, o divertimento evidente na
sua voz.
— Parece delicioso — admito.
— Porque é que não pediste um? — Ele dá outra dentada.
— Eu não como muita carne vermelha — replico, o que é verdade.
— Porque não? — Ele cerra os olhos. — Não é por te achares gorda, pois
não?
Abano a cabeça e encolho os ombros.
— Talvez? Não sei. Tenho de controlar o meu peso.
— Tens mamas grandes, Bird. É só isso. E um traseiro jeitoso. — Ele atira os
seus elogios crudes com tanta facilidade. Faz-me corar.
— São demasiado grandes — sussurro e olho brevemente para o meu peito.
— Não, definitivamente, não são. — Ele está a fitá-las e depois pestaneja,
como se se estivesse a acordar de um transe. Estica o braço com o hambúrguer
na minha direção.
— Queres dar uma dentada?
Estou desejosa de dar uma dentada. Aceno, e ele dá-me o hambúrguer a
provar, colocando-o à frente da minha boca, e afundo logo os dentes nele.
Assim que os sabores rebentam na minha língua começo a gemer, a saborear o
hambúrguer enquanto o mastigo lentamente e, por fim, engulo.
O Crew está a olhar para mim, os seus lábios entreabertos. O hambúrguer
meio comido ainda está na sua mão.
— Ficas sexy a comer.
O meu rubor adensa-se.
— Tenho a certeza de que pareço um porquinho.
— Não pareces nada. — Ele deixa cair o hambúrguer no seu prato e
empurra-o na minha direção. — Come umas batatas.
Partilhamos o prato dele e limpamos tudo numa questão de minutos, a salada
já esquecida. Quando a empregada de mesa passa por nós, o Crew pede mais
batatas e deixa-me comer a maioria, observando-me a comer com um ar
divertido na sua cara o tempo todo.
Como se eu o divertisse, o que é simultaneamente entusiasmante e assustador.
Não sei o que estamos a fazer, mas decidi parar de pensar nos seus motivos e
simplesmente aproveitar.
— Nunca chegaste a responder à minha questão — digo-lhe, enquanto
continuo a devorar as batatas fritas.
Ele franze o sobrolho.
— Que questão?
— Porque é que me queres levar a sair no meu aniversário. — Dou um gole
do meu copo de água. — Mal me conheces.
— Estou a começar a conhecer-te.
— E, às vezes, ainda ages como se não gostasses de mim.
— Digo o mesmo de ti. — Ele sorri.
Ugh, é demasiado bonito quando faz isso.
— Eu não vou sair para celebrar o meu aniversário com um rapaz qualquer
— afirmo, a minha voz pequena.
— Eu não sou um rapaz qualquer, como me chamas. Já nos conhecemos há
algum tempo — diz ele, como se isso justificasse querer levar-me a sair.
— E tu trataste-me pessimamente desde o primeiro dia — relembro-o.
— No entanto, aqui estás, sentada num restaurante a almoçar comigo. — O
sorriso ainda lá está, e estou tentada a sacudi-lo à chapada da cara dele.
Ou a beijá-lo.
Pronto, tudo bem, é mais beijá-lo.
Aclaro a garganta e decido ser corajosa por uma vez na vida.
— Gostas de mim agora, Crew? Ou isto é uma espécie de truque dissimulado
para me enganares? O Ezra está escondido numa esquina qualquer a filmar-
nos? Ou talvez seja o Malcolm. Ele parece gostar menos de mim.
A raiva acende-lhe a cara com um rubor e os olhos ardem-lhe conforme me
lança um olhar fulminante.
— Ninguém nos está a filmar em segredo. Não me ponhas no nível do
Larsen.
— Não estou, é só que… — A minha voz descarrila e olho para fora da janela
durante um momento. — Não sei se deva confiar nos teus motivos.
Isto é o mais real e crua que consigo ser. Estar com o Crew é entusiasmante,
mas também é…
Assustador.
Por vários motivos. Bons e maus.
Quando lhe dou de novo a minha atenção, descubro-o a observar-me com
uma expressão séria. Ele fica em silêncio durante tanto tempo que começo a
contorcer-me na cadeira.
— Devias confiar em mim — diz ele, por fim. — Eu gosto de ti, Birdy. E não
ando por aí a correr atrás de raparigas aleatórias em galerias de arte ao sábado
de manhã. Não é o meu estilo.
Baixo a cabeça, incapaz de impedir um sorriso de se espalhar pela minha cara.
Uma centena de borboletas acabaram de eclodir no meu estômago, e as suas
asas trementes deixam-me estonteada de felicidade.
— Tenho uma pergunta para ti — diz ele, mesmo enquanto enfio a última
batata frita na minha boca.
Paro de mastigar e engulo antes de dizer:
— Sempre que começas uma frase assim, acabamos a discutir um assunto
desconfortável para mim.
— Estamos a conhecer-nos, lembras-te? Estou curioso acerca da tua pessoa.
— Está bem. — Arrasto a palavra.
— Acerca do anel. E como isso aconteceu. — O olhar dele cai para a minha
mão. — O baile da pureza, ou lá como se chama. Porque é que foste?
— É uma longa história.
— Eu tenho a tarde toda para a ouvir. — Ele reclina-se na cadeira, pondo-se
mais confortável.
Credo, ele é tão irritante às vezes. Sempre a fazer-me perguntas sobre coisas
que não quero discutir.
E, no entanto, aqui estou, pronta para lhe contar tudo.
— Começou antes do anel. Eu fiz uma coisa que… assustou os meus pais,
quando tinha doze anos — admito.
O olhar dele bruxuleia com interesse.
— O que aconteceu?
— Deram-me o meu primeiro telemóvel e eu juntei-me imediatamente a um
monte de fóruns sobre coisas que me interessavam. Maioritariamente bandas.
Boy bands.
— One Direction?
Eu aceno.
— É um rito de passagem para raparigas pré-adolescentes por volta da minha
idade.
— Eu sempre gostei do Harry — brinca. Quando vê o meu olhar
surpreendido, continua: — Eu tenho uma irmã, conheço One Direction.
— Toda a gente adora o Harry. Eu gostava do Niall. Mas enfim. — Abano
uma mão. — Passava muito tempo nestes fóruns e conheci um rapaz lá. Ele
tinha quinze anos.
— Essa devia ter sido a tua primeira pista de que algo não estava bem. Que
rapaz de quinze anos anda nesses fóruns para falar de One Direction? — O
Crew revira os olhos.
— Eu só tinha doze anos. Não sabia. — Encolho os ombros, sentindo-me
um pouco defensiva. — De qualquer maneira, começámos a falar. Muito. Ele
pediu-me uma fotografia, e eu mandei-lhe uma. Ele partilhou uma dele
comigo. Montes de fotografias. Era muito giro. Querido. Parecia compreender-
me, coisa que ninguém alguma vez realmente conseguiu.
Calo-me, as memórias são dolorosas. Eu era ingénua. Completamente
inocente. Acreditei tanto nele, achei que podíamos ficar juntos. Que ele seria o
meu namorado.
— O que é que aconteceu? — pergunta o Crew, baixinho.
— Ele queria conhecer-me. No Central Park, num dia de primavera lindo,
então concordei. — Pressiono os lábios numa linha, o meu olhar torna-se
distante. — Mas levei as minhas amigas. Elas não me deixavam ir sozinha.
— Tens boas amigas.
— Tinha. Fomos por caminhos diferentes quando eu entrei em Lancaster. —
Um suspiro deixa-me. — Ele nunca apareceu, e eu fiquei… devastada.
Esperámos no parque durante horas, até ter começado a escurecer. As minhas
amigas consolaram-me, mas chorei de pé no meio do Central Park, a achar que
me tinham dado com os pés. Assim que cheguei a casa e, finalmente, fui ver o
fórum, tinha um monte de mensagens privadas dele, a gritar-me em
maiúsculas e a dizer que tinha ido ao parque. Que até me tinha visto, mas
estava zangado porque tinha levado as minhas amigas. Ele só me queria lá a
mim, sozinha, disse ele.
— Se tivesse quinze anos, não se teria importado — observa o Crew.
— Exatamente. E ele não tinha quinze anos. Tinha trinta e nove. Era casado
com filhos. As fotografias que partilhou comigo eram do filho mais velho. —
Fico sem apetite e empurro o prato para longe de mim. — Senti-me tão
humilhada.
— Como é que descobriste que era um pai pervertido a tentar meter-se com
uma menina? — A expressão do Crew é ameaçadora.
— Depois do encontro que não deu em nada, eu não conseguia parar de
chorar e estava mesmo deprimida. Deixei de falar tanto com ele, e ele
continuou a tentar que me fosse encontrar com ele, mas recusei. Achei que ele
me ia enganar outra vez e não ia aparecer. Estou tão feliz por não ter ido. —
Uma respiração trémula deixa-me. — Os meus pais tinham noção de que eu
estava mal, mas eu não lhes dizia nada. Até que o meu pai andou a procurar no
meu telemóvel e descobriu a relação que eu tinha com o rapaz. Foi ele quem
descobriu a verdade ao contratar um investigador privado. Foi tão embaraçoso.
— O que é que aconteceu depois disso?
— Parece que o homem já tinha falado com outras raparigas da minha idade
e até se tinha encontrado com algumas delas… e violou-as.
— Caralho. — O Crew parece realmente surpreendido.
Eu aceno.
— Eu sei. Tive tanta sorte. Quando isso se soube os meus pais… o meu pai
entrou em modo de proteção total. Ele não me deixava ir a lado nenhum
sozinha. Tinha de estar sempre a comunicar onde estava. Eles puseram um
localizador no meu telemóvel. Não me deixavam passar a noite em casa das
minhas amigas. Estava em confinamento total — explico.
— Parece horrível.
— Foi horrível, e eu estava sempre tão assustada. Não confiava em mim ou
no meu julgamento. Fui enganada por aquele homem e magoou-me. Os meus
pais obrigaram-me a entrar na Lancaster Prep, apesar de eu não querer ir para
lá. Eu queria ficar com as minhas amigas e ir para o mesmo liceu que elas, mas
os meus pais queriam-me segura. O meu pai não confiava em mim.
— Sentes-te segura em Lancaster?
— Ultimamente, não. Estava totalmente alheada do que estava realmente a
acontecer nos últimos três anos, por isso creio que me sentia segura. A
ignorância é uma bênção, suponho? Mesmo antes de fazer quinze anos, o meu
pai veio ter comigo e explicou-me o baile da pureza e como funciona. O que
representava. Ele queria que eu fizesse uma promessa a mim mesma e jurasse
que não me ia envolver sexualmente com nenhum rapaz até me casar. Eu acho
que ele estava preocupado que eu fosse fazer más decisões de que me ia
arrepender. Como… antes.
— Isso é… meio pesado — diz o Crew. — E não devias ter de pagar por um
erro para o resto da tua vida.
Ele tem razão. Eu sei que tem.
— Na altura, foi exatamente o que eu precisei. Aquilo em que acreditei
firmemente. Pensei que ainda acreditava, mas agora… Já não sei.
O Crew franze o sobrolho.
— O que queres dizer?
— Tenho quase dezoito anos. E, como já sabes, nunca fui beijada. Não posso
passar o resto da vida completamente protegida, não é? Eu preciso de
experimentar. Conhecer rapazes. Ter encontros. Beijá-los. Deixá-los tocar-me.
Certo?
DEZASSETE
CREW

Este dia inteiro tem sido uma completa revelação. Descobrir os muitos
segredos da Wren à medida que ela os revela a mim, camada a camada, pedaço
a pedaço. Até se ter exposto completamente e me estar a perguntar se devia ir a
encontros e deixar rapazes tocá-la e beijá-la.
Só o uso da palavra «rapazes» no plural deixa o meu sangue a ferver. Eu não
quero ver ninguém a tocar-lhe.
Apenas eu.
— Isso é contigo — replico, por fim, pousando os braços dobrados no
rebordo da mesa. — Queres ir sair com outros rapazes? Beijá-los? Deixá-los
tocar-te?
— Não posso ser virgem para sempre — sussurra ela.
— Também não é preciso ires pinar com o primeiro gajo aleatório que te
aparecer — respondo com irritação, a soar exatamente a um anormal invejoso.
— Eu não quero fazer isso — diz ela, de imediato. — É só que… Eu tenho
tido uns pensamentos, ultimamente. Feito umas coisas.
Deixou-me bem curioso com aquela afirmação.
— Tipo o quê?
A Wren abana a cabeça rapidamente e olha para a mesa.
— Não posso dizer.
— Porque não?
— É demasiado embaraçoso. — Ela parece miserável.
— Anda lá, Birdy. Estás a falar comigo. Estamos em público. Rodeados por
pessoas. Quão mau pode ser?
— Prometes que não vais gozar comigo? — sussurra, a falar para a mesa.
— Olha para mim. — Ela olha para cima, e eu mantenho a minha expressão
o mais neutra possível. — Eu não vou gozar contigo.
Nunca faria pouco dela. Já não. Não depois de ela ter partilhado tanto
comigo. Ela tem sido tão aberta. Tão vulnerável.
— Está bem. — Uma respiração trémula deixa-a quando volta a olhar para
mim. Inclina a cabeça para a esquerda, depois, para a direita, como se estivesse
a estalar o pescoço e a preparar-se para saltar para o ringue, pronta para lutar.
— Ontem à noite eu estava sozinha e… oh, céus, não consigo dizê-lo em voz
alta.
A cara dela está vermelha como um tomate. O que quer que seja que fez, está
envergonhada por causa disso. Não consigo imaginar muitas coisas que possa
ter feito enquanto estava sozinha ontem à noite, por isso decido dizer por ela.
— Tu… tocaste-te?
Os olhos verdes dela estão enormes e abismados.
— Sim.
A minha picha estremece.
— Meteste dedos?
Ela acena.
— Vieste-te?
Mais acenos.
— Algumas vezes.
Jesus. Tenho a picha dura.
— Também vi um filme pornográfico. Pela primeira vez. De início ao fim.
Quer dizer, eu já tinha visto coisas. Imagens. Clipes. Tu sabes como as coisas
são na Internet. Não dá para fugir às coisas sexuais. Estão por todo o lado. Mas
fiquei ali e vi um vídeo de vinte minutos entre um homem e uma mulher e
foi… foi tão excitante. — Ela parece agitada. Como se ainda estivesse excitada
só de pensar naquilo.
Eu endireito-me na cadeira.
— De que é que gostaste mais?
Ela franze o sobrolho.
— Como assim?
Suponho que gosto de tortura. É o único motivo lógico para lhe estar a fazer
este tipo de perguntas.
— Qual foi a tua parte favorita do vídeo? O que é que te excitou mais
daquilo que viste? Do que eles fizeram?
— Oh. — As bochechas ficam mais coradas. Ela olha em redor, como se
estivesse a confirmar se estão pessoas a prestar atenção, mas ninguém está. O
sítio está cheio de movimento, com o burburinho baixo de múltiplas conversas
a pairar no ar. Eu estou nervoso, à espera de ouvir a resposta dela. — Isto é tão
embaraçoso. Estou a ficar com calor só de pensar nisso.
Com calor e molhada, é o que eu quero dizer, mas permaneço em silêncio.
Ela chega mesmo a abanar-se com os dedos, e é a coisa mais fofa de sempre.
— Anda lá, Birdy. — A minha voz baixa um pouco. — Diz-me.
— Quando ele lhe fez oral. — A frase sai-lhe de rajada, as palavras coladas
umas às outras parecem uma só.
Quandoelelhefezoral.
Se o rosto dela ficar mais vermelho, juro que vai pegar fogo.
— Ela veio-se quando ele fez isso?
— Mais ou menos. Não sei. Pareceu um bocado falso. Muito intenso. — Ela
abana a cabeça, descrente. — Quando tive um orgasmo, não foi nada assim.
Ora bem. Agora só consigo pensar em descobrir qual é a cara de orgasmo da
Wren.
— Queres que seja sincero contigo?
— Sim — sussurra ela.
— Estou surpreendido por me estares a admitir isto.
— Eu também estou. — Ela cobre a cara com as mãos durante um
momento, abanando a cabeça uma vez. — Eu não sei o que se passa comigo.
— Eu gosto. — Ela abre uns espaços entre os dedos, de maneira que consiga
ver os olhos dela a espreitar. — Continua a falar.
Ela ri-se, deixando cair as mãos no colo.
— Aposto que gostas.
— Não te preocupes. O teu segredo está a salvo comigo.
O riso dela morre.
— Eu espero que sim. E-Eu provavelmente sou estúpida por admitir isto, mas
confio em ti, Crew. E confio que não vais contar a ninguém o que acabei de
partilhar contigo.
Este é o problema do meu passarinho — ela confia com demasiada facilidade.
Eu dou-lhe um bocadinho de atenção, e ela mete-se a confessar todos os seus
segredos indecentes. Porque é que esta rapariga me decidiu contar que se
masturbou e se veio ontem à noite, não faço ideia.
Mas estou mesmo agradecido, porque agora sei. E não vou deixar o idiota do
Larsen meter-se ao barulho e ser ele a ajudá-la a explorar a sexualidade dela.
Tendo noção do quão fácil foi para mim ganhar a confiança dela, estou
preocupado que para o Larsen seja ainda mais fácil. Ele já a conhece há mais
tempo. Ela parecia estar à vontade com ele quando os vi a falar na escola.
Não posso deixar que isso aconteça. Tenho de a distrair. Impedir que vá ao
jantar de hoje.
A empregada de mesa aparece com a conta e eu dou-lhe o meu cartão de
crédito. Ela trata de tudo com a máquina, a fazer conversa de circunstância
comigo, mas estou demasiado distraído. Pela visão da Wren a sorrir para mim
de forma tímida do outro lado da mesa, a murmurar obrigada por lhe ter
pagado o almoço.
Eu comprava-lhe mais do que uma refeição, se bem que isto foi uma tortura
deliciosa. Vê-la comer. Dar-lhe de comer. Os sons que ela fazia, os gemidos
baixos e as palavras murmuradas cheias de apreço.
Parecia preliminares.
— Vamos sair daqui — digo assim que a empregada me dá o cartão de
crédito e o recibo. Já me estou a levantar, a vestir o casaco e o gorro. Estou
quase a ajudar a Wren com as coisas dela, mas ela é mais rápida do que eu,
vestindo rapidamente o seu casaco moderno e já a pegar na mala antes de se
dirigir para a porta.
Eu sigo-a lá para fora, com o telemóvel na mão enquanto escrevo depressa,
mandando uma mensagem ao Peter para que nos venha buscar. Ele já está a
trabalhar com a minha família há uns anos e é um empregado leal. Silencioso.
Discreto.
É exatamente aquilo de que preciso neste momento.
O Peter aparece dentro de minutos e eu abro a porta para a Wren, deixando-a
entrar para o banco de trás antes de a seguir, fechando a porta com um
estrondo atrás de nós.
— Para onde? — O olhar do Peter encontra o meu no espelho retrovisor.
— Dá umas voltas durante uma hora, pode ser? — Atiro à Wren um olhar
rápido e dou com ela já a olhar para mim, o sobrolho carregado com confusão.
— Não quero que a tarde acabe já.
O sorriso dela é lento. Lindo.
— Eu também não quero.
— Sim, senhor — diz o Peter, com um aceno, engatando a primeira
mudança antes de voltar com o carro para a rua.
— Para onde é que me estás a levar? — pergunta a Wren, com uma voz
suave.
Ocorre-me uma longa lista de respostas pirosas, cada uma delas rude e sexual,
mas não digo nenhuma delas. Esta rapariga é doce e simpática e tão
extraordinariamente pura que é quase doloroso. Tratei-a pior do que lixo
durante tanto tempo. Persegui-a há apenas uns dias, obriguei-a a praticamente
me implorar para não lhe fazer nada.
Desde então já muito se passou entre nós — o meu pequeno passarinho e eu.
Não a quero assustar ao ser muito assertivo. Mas, caralho, eu quero todas as
partes dela. Os lábios dela. As mamas. A cona. O cu. Quero ser dono do corpo
e da alma dela, e quando tivermos acabado, quando eu a tiver fodido vezes e
vezes sem conta e a tiver feito vir-se quase ao ponto do desmaio, quero que ela
olhe para mim como se eu fosse um deus. Como se fosse o deus dela, e quero
que ela se prometa a mim, não ao pai dela. Quero pegar no anel que o pai lhe
pôs no dedo e deitá-lo fora. Fazê-la esquecer todas as suas promessas anteriores.
Mais do que qualquer outra coisa, quero ser dono dela.
— Onde queres ir? — pergunto-lhe, o meu olhar preso no casaco dela. No
quão espesso é. Parece caro.
O que é que ela diria se eu estendesse o casaco no banco de trás e lhe fizesse
um minete? Se lhe desse um bocadinho do que ela anda a querer depois
daquela pornografia que viu ontem à noite?
O Peter provavelmente não ia olhar.
Iá. Não. Não posso fazer nada do género. De novo, não a quero assustar. E ele
não merece vê-la nua. Ninguém a devia ver assim.
Exceto eu.
— Onde quiseres ir. — Ela pousa a bochecha contra o assento de cabedal
preto suave, sorrindo para mim com olhos cheios de adoração. Toda a
confiança que tem em mim brilha nas profundezas verdes dos seus olhos. Eu
não consigo evitar ver essa confiança e sentir dor, porque se fizer merda — e é
inevitável que o faça, não tenho jeito para estas coisas — vou magoá-la.
E isso é a última coisa que eu quero fazer.
DEZOITO
WREN

Pressiono a o rosto contra o assento de cabedal frio, a olhar descaradamente


para o Crew Lancaster, sem me importar se ele acha que pareço tonta. Ele não
parece importar-se.
Apreciar toda a beleza masculina diante de mim é quase sufocante. Ele é tão
atraente. Adoro como as bochechas dele ficaram ligeiramente rosadas por causa
do ar frio, dando-lhe um aspeto mais jovem. Mais suave.
Apesar de não existir muita coisa na cara do Crew que alguém possa
considerar suave. Ele é todo feito de ângulos duros e linhas afiadas. Maçãs do
rosto altas, maxilar firme e um queixo quadrado. Sobrancelhas escuras,
atualmente carregadas enquanto me observa, com os seus olhos azuis frios a
ficarem cada vez mais quentes quanto mais me fita, como se gostasse do que vê.
Eu também gosto do que vejo.
A única coisa que posso considerar suave na cara elegante do Crew é a sua
boca. Os seus lábios são rosados, o lábio inferior é muito mais cheio que o de
cima e, de momento, estão entreabertos, o seu olhar detendo-se na minha boca
até se levantar para encontrar o meu.
Sinto o corpo aquecer e não apenas por causa do casaco espesso que estou a
usar. Ele está a pensar beijar-me. Eu sei que está. E é tudo o que eu quero.
Quero saber a que é que ele sabe. Que tipo de beijos é que dá? Suaves e doces?
Ardentes e brutos?
Talvez uma combinação de ambos.
— Se continuas a olhar assim para mim, eu… — A voz dele deriva e perde-
se.
— Tu o quê?
O peito amplo dele sobe e desce, como se tivesse inspirado profundamente,
talvez até nervosamente.
— Eu não posso ser responsabilizado pelo que possa fazer.
— Diz-me o que é que me queres fazer. — Apesar de me assustar um pouco,
quero ouvir todas as palavras sujas que lhe venham à cabeça.
Todas.
Ele olha para o condutor.
— Não quero dizê-lo em voz alta. Podes ficar envergonhada, Birdy.
— Não fico. Prometo. — Pressiono as minhas coxas uma contra a outra, a
tentar acalmar o latejar repentino, mas isso só piora a situação. — Diz baixinho
no meu ouvido.
O Crew estende o braço e a sua mão desaperta o cinto. Eu afasto o cinto do
corpo, deixando-o pegar na minha mão e puxar-me para mais perto dele. Até
estar sentada no centro do banco de trás, e ele me estar a pôr o cinto outra vez,
a sua mão roçando contra o meu peito à medida que coloca o cinto no lugar e
empurra a lingueta no encaixe.
Estamos sentados tão perto um do outro que consigo ver os pelos curtos da
barba por fazer que ladeiam as suas bochechas. Sinto o calor do seu corpo a
entranhar-se no meu lado, o que me deixa ainda mais quente. Olhamos um
para o outro, a tensão entre os dois num crescendo, e eu engulo a seco, pronta
para dizer qualquer coisa, quando ele se inclina, a sua boca no meu ouvido, a
sua respiração suave a provocar-me arrepios.
— Quero beijar-te. Saborear-te. Beijar o teu pescoço. Mordiscá-lo. Passar as
minhas mãos por baixo da tua camisola, metê-las debaixo do teu sutiã até te
estar a apertar as mamas. A beliscar os teus mamilos.
Desvio o meu olhar, a minha respiração cada vez mais acelerada.
— Tirava-te a camisola. A saia. Beijava-te o corpo todo. Dizia-te como és
linda pra caralho, porque és mesmo tão linda, Wren. O passarinho mais bonito
que já vi.
Fecho os olhos, saboreando o seu elogio.
— Enfiava a mão dentro das tuas cuecas e encontrava-te completamente
molhada. Tudo por minha causa. Metia-te os dedos até me estares a implorar
para te fazer vir e, quando finalmente explodisses na minha mão, fazia-te
lamber os meus dedos até estarem limpos.
Os meus olhos abrem-se de repente para o ver a observar-me, o seu olhar
sombrio. Intenso. Olho para baixo e vejo que ele tem uma ereção.
Oh, céus. O que é que ele faria se eu estendesse a mão e lhe tocasse?
Ele aproxima-se ainda mais, a sua boca a roçar contra o lóbulo da minha
orelha, e tenho de suprimir o gemido que quer escapar.
— Depois de te foder com os meus dedos, fodia-te com a minha língua.
Lambia-te da frente para trás, até estares aos berros e a vir-te com tanta
intensidade, até estares prestes a desmaiar.
O meu coração dispara, o meu peito oscila com tanta rapidez que quase me
dói. Ele afasta-se, o olhar encontra o meu novamente e diz:
— Era isso que te fazia. Para começar.
Há tanta promessa na sua expressão. Nas suas palavras. E eu apercebo-me de
que já não quero estar prometida ao meu pai.
Eu quero este rapaz. Não quero saber se não dura. Talvez nem queira isso.
Só quero saber qual é a sensação de ter um homem a dar-me um orgasmo. De
sentir o cabelo macio dele a roçar contra as minhas coxas enquanto ele se
dedica generosamente com a língua ao meu sítio mais privado. A sensação dos
seus dedos. Quero tocar-lhe. Em todo o lado. Quero sentir a boca dele na
minha, a sua língua a empurrar contra a minha.
Sem pensar, atiro-me a ele, estendendo a mão para o gorro que ainda está na
sua cabeça, arrancando-o e expondo o seu cabelo desalinhado. Enfio as mãos
nessa maciez sedosa, endireitando-o o melhor que consigo, sem dizer uma
palavra. Ele deixa-me, permanecendo quieto, as suas pálpebras fecham-se
brevemente conforme lhe afago o cabelo, como se lhe estivesse a saber bem.
Espero que sim. É só isso que eu quero. Fazê-lo sentir-se bem, na esperança
de que ele faça o mesmo por mim.
— Eu não vou fazer nada além de beijos — aviso-o, não querendo que ele
pense que vou deixar isto ir além disso.
— Eu só te quero beijar — assegura-me, as extremidades dos seus lábios
levantadas num sorriso quase invisível.
O seu sorriso deixa-me confusa. Eu divirto-o? Não sei como me sentir em
relação a esta situação. Excitada. Nervosa. Assustada. Pronta.
Todas as opções acima.
— Está bem… boa. Porque eu não te vou deixar fazer o que bem te apetecer
comigo, só para que saibas.
— Não te preocupes, Wren. A tua virgindade está a salvo. — Ele faz uma
pausa. — Por agora.
Fico completamente quieta, a olhar para ele.
Se o que nós estamos a fazer avançar mais, então sim…
Ele tem razão.
Quando rodeio a nuca dele com as minhas mãos trémulas, ele inclina-se para
mim, a boca a pairar um pouco acima da minha.
— Tu sabes que isto não vai acabar bem — murmura, tracejando o meu
maxilar com a ponta dos dedos.
Olho para ele, a odiar que tenha dito isso.
A odiar ainda mais o facto de concordar com ele.
— Tens a certeza de que queres que seja o teu primeiro? — Os seus dedos
percorrem-me o rosto, deslizando para o meu cabelo, segurando a minha
cabeça de lado e obrigando-me a encará-lo. — Porque depois de tirar uma das
tuas primeiras vezes, vou querê-las todas.
Eu aceno lentamente, incapaz de desviar o olhar dele. Ele tem-me num transe
do qual nunca quero acordar.
— Eu vou-te fazer sentir tão bem, Birdy. — Ele devolve a boca à minha
orelha, e a sua voz torna-se um sussurro gutural enquanto murmura: —
Prometes que também vais fazer isso por mim?
— Sim — sussurro. Um soluço deixa-me quando ele se afasta ligeiramente.
— Então sou teu. — Os lábios dele roçam os meus. — Todo teu.
Assim que as nossas bocas se tocam, estou perdida. Ele beija-me uma vez.
Duas vezes. Um som rouco pulsa no fundo da sua garganta, e o meu corpo
responde ao som com um latejar lento e regular entre as minhas pernas.
Entreabro os lábios com cada toque da sua boca, a minha respiração sustém-se
quando a sua língua brinca com a minha, depois, retira-se.
Céus. Quero que ele faça aquilo outra vez.
A mão dele cai para minha bochecha, inclinando-me a cabeça da maneira
certa enquanto nos continuamos a beijar, a sua língua a provocar a minha.
Cada movimento rápido ou círculo lento da sua língua sobre a minha deixa-me
mais ciente do meu corpo. Da forma como está a despertar. Arrepios espalham-
se pela minha pele. Uma onda de humidade surge entre as minhas pernas. A
mão dele desce para o meu pescoço, e os seus dedos, que passeiam ao de leve
pela minha pele, fazem-me estremecer, à medida que ele inclina a minha
cabeça ainda mais para trás, aprofundando o beijo.
Algo em mim incendeia-se e agarro-lhe na parte de trás da cabeça, segurando-
o contra mim. A sua outra mão está na minha cintura, e o Crew tenta puxar-
me para ele, mas os nossos casacos estão a bloquear-nos. Um som lamurioso,
frustrado ecoa, e eu apercebo-me de que…
Veio de mim.
Ele sussurra o meu nome contra os meus lábios, e eu suspiro, o som é tão
cheio de desejo que quase me sinto envergonhada. Mas isso não o detém. Ele
desliza os dedos mesmo por baixo da bainha da minha camisola, a mão dele
toca na minha pele nua, provocando-me acessos de rubor quente por todo o
corpo. Pouso as mãos nos seus ombros largos, testando a sua força, e ele geme.
O som dá-me coragem para lhe continuar a tocar, e desço as minhas mãos pela
frente do seu peito. Deixo-as repousar no sítio onde o seu coração troveja por
baixo da minha palma, e percebo algo.
Eu afeto-o tanto quanto ele me afeta a mim.
O carro ganha velocidade, acelerando pelas ruas fora, e, por momentos,
interrogo-me onde estamos. Para onde é que o Peter nos está a levar.
Afasto-me dos lábios do Crew, que ainda me procuram, tentando recuperar o
fôlego, e ele beija-me o pescoço, a sua boca quente e húmida contra a minha
pele sensível. Penso no meu pai. No carro que ele contratou para me levar à
galeria de manhã. E em como nunca liguei a esse motorista para me vir buscar
e levar a casa. Tenho a certeza de que ele reportou isso ao meu pai.
Provavelmente estão preocupados comigo.
— Que horas são? — pergunto, ofegando entre cada palavra.
O Crew afasta-se do meu pescoço, estudando-me. A cara dele está ruborizada,
a boca, húmida e inchada, e inclino-me, pressionando a minha boca à dele
uma vez. Duas.
— Vê no teu telemóvel — sussurro.
Ele mete a mão dentro do bolso do casaco e tira o telemóvel, lançando um
olhar ao ecrã antes de se virar para mim.
— São quase três.
Sou submersa por uma onda de pânico, que leva consigo, de rompante, todos
aqueles sentimentos deliciosos e carentes.
— Oh, não. — Olho ao redor dentro do carro, parando apenas para olhar
para o exterior pela janela, mas não reconheço onde estamos. — Eu devia ir
para casa.
— Birdy, espera…
— Eu preciso de ir — interrompo. — O meu pai vai chegar a casa em breve.
Ou se calhar até já lá está. Eu não sei. Peter?
— Sim? — pergunta o condutor, o seu olhar encontrando-se com o meu no
retrovisor.
Nem me consigo sentir envergonhada por ele nos ter visto aos beijos no
banco de trás. Tenho a certeza de que estou com um ar lastimoso. Sinto-me
uma lástima. Toda amarrotada e quente e agitada.
— Pode-me levar diretamente ao meu apartamento?
— Claro. Qual é a morada?
Eu respondo-lhe antes de virar a minha atenção para o Crew, que parece mais
do que um pouco agitado.
Até um pouco zangado.
— Desculpa — sussurro, a sentir uma dor afiada a espetar-se-me no peito. —
Eu odeio apressar-me, mas tenho de ir para casa. Tenho a certeza de que os
meus pais estão preocupados.
Será que estão? Talvez não, mas, certamente, o meu pai está à espera de que
esteja em casa quando ele chegar. Nunca os desafiei na minha vida e já me
estou a sentir em apuros.
Apesar de não ter feito nada de errado.
A expressão do Crew suaviza-se, e ele toca no meu cabelo. A mão dele pousa
em mim e segura o lado da minha cabeça.
— Eu não quero que se preocupem contigo. Manda-lhes uma mensagem.
Eu abano a cabeça. Isso só iria dar início a uma litania de perguntas às quais
não quero responder. Não agora, enquanto o Crew pode testemunhar o
interrogatório em tempo real.
— Quão longe estamos da minha casa, Peter?
— Vinte minutos se apanharmos pouco trânsito — responde o condutor.
— Obrigada.
Encosto-me no assento, a olhar pela janela, a minha mente em alvoroço com
todas as terríveis possibilidades. Consigo sentir o Crew a observar-me e odeio
estar no meio de um ataque de pânico à frente dele.
Ele pega na minha mão, entrelaçando os nossos dedos.
— Não stresses, Birdy.
— Eu não estou stressada — digo automaticamente, mantendo o meu olhar
na janela.
Tenho medo de desatar a chorar se olhar para ele.
Ele aproxima-se mais, a boca dele novamente a aflorar a minha orelha.
— Mentirosa. Eu conheço-te melhor do que pensas.
Engulo em seco, sem dizer nada em resposta.
É disso que eu tenho medo.
DEZANOVE
WREN

Tão silenciosamente quanto possível, entro em casa à socapa, fechando


lentamente a porta atrás de mim para não a bater. O apartamento está em
silêncio, como se não estivesse ninguém em casa, e eu suspiro de alívio.
— Onde é que estiveste?
Dou um gritinho e viro-me, encontrando o meu pai de pé à entrada do
corredor, mesmo ao lado da sua posse mais preciosa — o quadro gigante do
Andy Warhol pendurado na parede.
Eu tento sorrir-lhe.
— O que queres dizer? Fui à galeria de arte.
— Isso foi há horas. — Ele cerra os olhos, como se estivesse a tentar ver
dentro da minha cabeça. — Estiveste este tempo todo na galeria?
Aceno que sim, lentamente, com a cabeça, mas não digo nada.
— Vem comigo.
Ele vira-se e começa a descer o corredor. Não tenho escolha a não ser segui-lo,
entrando na sala de estar onde a minha mãe está à espera, vestida
impecavelmente com um vestido preto lustroso, a agarrar um copo de vinho.
Quando o olhar dela se cruza com o meu, vejo que o seu sorriso é frágil, e ela
permanece em silêncio.
Ela nunca foi minha aliada. Não sei porque é que penso sempre que pode ser.
É um caso perdido.
— Como é que chegaste a casa, menina? — Isto vem do meu pai, que se
virou para me encarar com um olhar fulminante. Ele é um homem atraente.
Começou a perder algum cabelo e tem um pouco de cinzento nas têmporas.
Olhos cor de avelã que estão sempre cheios de preocupação cada vez que
aterram em mim. Interrogo-me se se preocupa comigo constantemente. Às
vezes, parece que é tudo o que faz.
Penso em mentir-lhe, mas, muito provavelmente, ele acabaria por conseguir
arrancar a verdade de mim. E omitir alguns factos também é uma mentira?
Talvez não.
— Vim para casa no carro.
Ele ergue as sobrancelhas.
— No carro de quem? Porque não foi no meu. O condutor ligou-me em
pânico há umas horas, Wren. A dizer que nunca entraste em contacto para te
irem buscar. Quando foi à galeria, apercebeu-se de que já te tinhas ido embora.
— Ele foi à galeria? — Sinto-me afogada em culpa. Tenho a certeza de que
está escrito na minha cara.
— Ele andou por Tribeca a tentar encontrar-te e, por sorte, acabou por te ver
a sair de um restaurante com uma pessoa.
Sinto a cabeça leve ao ouvir as palavras dele e caio no sofá atrás de mim.
— Quem?
O pai avança na minha direção e enfia-me o telemóvel dele na cara. No ecrã
está uma fotografia minha e do Crew a sair juntos do Two Hands. Eu estou a
sorrir.
Acho que nunca me vi com um ar tão feliz.
— Quem é o rapaz? — pergunta o pai, exigindo uma resposta.
— O Crew Lancaster.
A minha voz está surpreendentemente calma.
Ele franze o sobrolho, empurrando o telemóvel para dentro do bolso das
calças.
— Espera, o filho do Reggie?
— Sim — intercede a mãe —, o mais novo.
— Ando com ele na escola — acrescento. — Ele está na minha turma.
— Hum. — Ele olha para a mãe. — É capaz de ser uma possibilidade melhor
para ela do que o rapaz de hoje.
Ela acena em concordância.
O meu queixo cai de choque.
De que é que estão a falar? Há mais qualquer coisa atrás do jantar de hoje
com os Von Wellers, além de o meu pai querer falar com eles sobre o negócio?
— De que estão a falar? — pergunto, uma vez que não estão a dizer mais
nada. — O Crew e eu somos apenas… amigos.
— Porque é que ele estava na galeria? — pergunta o pai.
— Eu…
O telemóvel dele toca, e ele tira-o imediatamente do seu bolso, olhando para
o ecrã antes de dizer:
— Preciso de atender isto.
E sai da sala.
Assim que ele sai, a mãe bebe um gole fortificante do seu copo.
— Da próxima vez, manda uma mensagem ao teu pai. Ele estava
preocupadíssimo.
— Desculpa — sussurro, odiando o facto de pedir desculpa automaticamente
por tudo. Nunca me tento explicar. Ou me defender.
— Já sabes como ele fica.
— Eu sei. — Aceno e reúno coragem para perguntar a questão que arde na
minha mente. — Porque é que o pai te disse aquilo?
— Disse o quê? — Ela está a fazer-se de desentendida de propósito. Dá para
ver.
— Acerca do Crew ser uma melhor… possibilidade.
Ela levanta o queixo.
— Estamos a explorar todas as vias para o teu futuro.
Estou a franzir tanto o meu sobrolho que me dói a cabeça.
— De que estás a falar? Tipo casarem-me com o Larsen? É por isso que
vamos jantar a casa deles hoje à noite? Essa é uma das vias que estamos
seriamente a explorar?
Porque é que me dou ao trabalho de falar em «nós»? Parece-me que eles
estiveram a explorar as minhas opções sem me envolverem de maneira alguma.
— Não é uma possibilidade assim tão má a considerar. Ele vem de uma boa
família. Eles são muito ricos — salienta a mãe.
— E a nossa não é rica? Porque é que preciso de me preocupar com dinheiro?
Eu não me quero casar logo a seguir ao secundário. Só vou ter dezoito anos. —
Só dizer as palavras em voz alta parece ridículo.
— Tem calma. Não te ias casar logo depois do secundário, querida. Isso é
demasiado cedo. Mas queremos arranjar-te um par que assegure o teu futuro.
— Ela bebe outro gole de vinho, tão sofisticada sem sequer o tentar ser, como
se nada alguma vez a perturbasse.
E enquanto isso eu sinto que a minha vida está a implodir diante dos meus
olhos.
— E se eu quiser ir para a universidade?
O olhar cético que lhe cruza a face é evidente.
— Queres mesmo fazer isso, Wren? É uma perda de tempo tão grande.
Retraio-me ao ouvir as palavras dela. Ela está a querer dar a entender que me
acha estúpida?
— Não sei. — Encolho os ombros, já a sentir-me defensiva. Eu candidatei-
me a algumas universidades, listando História de Arte como a minha
licenciatura de eleição. — Sou capaz de fazer um gap year primeiro. Podia
viajar pela Europa e explorar todas as galerias.
— Mas não vais ser capaz de comprar nada.
Franzo o sobrolho.
— Porque não? Ainda hoje comprei um quadro.
— É difícil de explicar. — Ela baixa o olhar e brinca com o diamante gigante
no seu dedo. Não é a aliança. Não sei de onde veio este anel, mas o diamante é
tão grande que quase parece falso. — Tu não irias perceber.
Cai-me o coração. Ela não se está a comportar como de costume.
— Diz-me.
Escapa-lhe um suspiro e ela levanta a cabeça, o seu olhar enevoado por
lágrimas encontra o meu.
— Temos de fazer uma pausa nas grandes compras, de momento. As peças de
arte enormes são dispendiosas. Tu sabes isso.
— Mas porquê? Não entendo. O negócio do pai não está a correr bem?
Um riso aquoso escapa-se dos seus lábios.
— Está tudo bem com a empresa do teu pai. O negócio está em alta. O
mercado imobiliário está melhor do que alguma vez esteve.
— Então o que se passa?
— O teu pai queria que te disséssemos isto em conjunto, mas, como de
costume, abandonou-nos. — Ela endireita-se, o queixo dela a inclinar-se para
cima. — Nós estamos separados.
Olho para ela de boca aberta, o choque da afirmação deixa-me os ossos
gelados.
— O quê? Mas ainda a semana passada estive aqui no dia de Ação de Graças
e vocês estavam completamente normais. Vocês ainda vivem juntos.
— Ainda não te queríamos dizer, mas ele já não vive aqui. Ele saiu de casa há
umas semanas.
— Há umas semanas? — repito, a minha voz fraca.
— Ele queria esperar até ao começo do ano, para teres o Natal e o teu
aniversário primeiro sem isto em cima, mas… não vale a pena continuar a
esconder isto de ti, querida. Mereces saber a verdade. Nós vamos divorciar-nos.
Já contratámos advogados e estamos atualmente a falar acerca dos bens que
adquirimos durante o nosso casamento, incluindo a arte.
A mãe abana a mão na direção de uma escultura que está de pé por perto,
uma que ela adora.
— Vão dividir tudo?
— Ele recusa-se a ficar com algumas das peças ou a dividi-las entre nós. Diz
que se eu as quero, tenho de as comprar. — Um riso amargurado escapa-se. —
Eu não vou dar milhões de dólares do meu dinheiro para pagar por arte que já
é minha. Isso é ridículo.
Estou completamente sem palavras. Quase não acredito nela. Porque é que se
iriam divorciar agora? Não vai ser demasiado complicado — e dispendioso?
Eles estão juntos há tanto tempo. Quase vinte e cinco anos.
— Para chegarmos a acordo, vamos acabar por dividir as peças de arte todas e
vamos vendê-las. Todinhas. Não vou ficar com nenhuma das minhas peças —
continua, e os seus olhos enchem-se de lágrimas.
— Oh, mãezinha. — Há anos que não lhe chamo isso. Vê-la assim está a
partir-me o coração. — Eu sei o quanto essas peças significam para ti.
— Sim, sim, isso é verdade, mas eu vou ficar bem. Está tudo bem. Vai haver
um leilão. — Ela funga, os seus dedos limpam com pressa as lágrimas. —
Todas as peças na casa vão a leilão. Se queres manter a tua peça, então,
provavelmente, o melhor será não a mandares ser entregue aqui.
— Espera, e a peça Colen que está no meu quarto?
— É uma peça demasiado valiosa, Wren. Tudo o que está na casa vai ser
incluído na coleção total que foi adquirida ao longo do nosso casamento —
explica a mãe.
Tento pestanejar para afastar as lágrimas que se formam.
— Mas o pai deu-me essa peça como prenda de aniversário!
— Lamento imenso, querida. Não há nada que eu possa fazer. — Ela bebe
outro gole do seu vinho, como se fosse o fim da conversa.
Frustrada, deixo a sala de estar e vou para o meu quarto, batendo com a porta
atrás de mim, sem querer saber quem ouve ou se alguém fica chateado com
isso. Não somos uma casa onde gritarias e grandes discussões e o bater de
portas aconteça. É tudo discutido de uma maneira civil. Silenciosamente. Com
dignidade.
Às vezes, toda essa dignidade silenciosa é irritante. Como ainda agora, com
mãe e o quão calma ela estava enquanto anunciava o seu divórcio iminente.
Enquanto troco de roupa para umas leggings e uma camisola larga, não
consigo deixar de pensar naquilo que a minha mãe disse.
Como é que eu não reparei? Eu sei que eles nem sempre se dão bem. O pai
está sempre a trabalhar. Viaja muito. Ou está fora até tarde. Quando ainda era
muito nova, quase não o via. Ele tentou estar mais presente à medida que fui
crescendo, especialmente quando aconteceu aquela confusão com o
telemóvel/fórum. Ele trabalhou menos nessa altura e certificou-se de que estava
lá para os nossos jantares em família. Às vezes, até me chegou a ajudar com os
trabalhos de casa, apesar de isso não ser frequente e, tipicamente, consistia em
estarmos os dois sentados no seu escritório em casa conforme ele trabalhava no
seu computador. A mãe sempre lhe disse que eu precisava de uma relação mais
sólida com ele. Uma figura masculina positiva para eu não crescer e ter
problemas com o pai, ou aquilo a que chamam daddy issues.
Mas depois mandaram-me para Lancaster e desde então não vejo muito nem
um nem o outro. Não estou em casa para ver as interações do dia a dia.
Durante o verão, eles planeiam sempre muitas viagens em família. Apesar de
no último verão não termos viajado muito. O pai estava a trabalhar.
Talvez nessa altura as coisas já estivessem fraturadas.
Oiço um bater à porta, e, antes de conseguir dizer para entrar, a porta está a
abrir-se, e o pai está à entrada do quarto com um ar irritado.
— Posso falar um bocado contigo?
Deixo-me cair na cama e dobro as minhas pernas, envolvendo-as com os
meus braços.
— Sim.
Ele fecha a porta atrás de si e encosta-se a ela, observando-me.
— A tua mãe disse-me que te contou.
Eu aceno, sem saber o que dizer.
— Eu queria dizer-te. Com ela, nós os dois juntos, como uma frente unida
— começa a dizer, mas eu falo por cima dele.
— Mas vocês já não estão realmente unidos.
Ele expira bruscamente e esfrega o lado da cara.
— Eu não queria que as coisas fossem assim.
— Porque é que a estás a forçar a vender a arte? — pergunto, com uma voz
pequena. O meu olhar vai para a peça que está na parede. O meu presente que
não foi um verdadeiro presente. — Ela disse-me que não posso ficar com
aquela.
Ele estuda-a antes de me devolver o olhar.
— É uma peça valiosa. Uma que podia render muito dinheiro.
— É disso que se trata? Dinheiro? É por isso que estás a vender tudo? Tenho a
certeza de que vais fazer imenso dinheiro com a coleção que mãe organizou e
desenvolveu, a coleção em que ela tanto trabalhou. — Oh, estou zangada.
Zangada por ele ser capaz de a trair assim. Zangada por ele a obrigar tão
insensivelmente a abdicar de tudo o que colecionou ao longo dos últimos vinte
anos.
— Eu investi nessas peças. Foi o meu dinheiro que ela utilizou para as
comprar. Essa coleção é tão minha quanto dela — diz o pai, afastando-se da
porta. — Não caias no choradinho dela. Ela só está zangada por as coisas não
lhe estarem a correr como queria.
— Eu não a culpo. Nada disto é justo.
— A vida não é justa, Amora. Isso é uma boa lição para se aprender agora,
quando ainda se é novo. Vão acontecer-te coisas más e, algumas dessas coisas,
vão estar completamente fora do teu controlo. Tudo depende das escolhas que
fizeres. — Ele anda pelo meu quarto e detém-se apenas para olhar para a peça
que já não me pertence. — Eu fiz algumas más escolhas na minha vida, mas a
melhor escolha de todas foi casar com a tua mãe e ter-te a ti. Espero que
acredites em mim quando digo isso.
— Então porque é que não ficas casado com ela? Se ela foi a melhor escolha
que alguma vez fizeste? — Não me apercebo de que estou a chorar até sentir as
lágrimas a escorrer pela minha cara.
— As pessoas mudam. Querem coisas diferentes. — A expressão dele suaviza.
— Eu não te quero magoar. E a tua mãe também não.
— É demasiado tarde para isso — sussurro, o meu peito a arder com o
esforço de conter as lágrimas.
VINTE
CREW

Passo o resto do fim de semana numa agonia muda, a pensar na Wren com o
Larsen, o otário, durante o jantar de sábado à noite, a gracejar e a rir e a
esquecer-se de mim.
Porque é exatamente isso que parece ter acontecido. Ela não tentou contactar-
me uma única vez. Não depois de a termos deixado em casa e de ela ter corrido
lá para dentro sem olhar para trás uma vez. Nem no domingo quando lhe
tentei ligar.
E eu só lhe liguei uma vez. Um Lancaster não corre atrás de ninguém. Não
imploramos e não perguntamos o que se passa.
Ela pode vir ter comigo.
Agora é segunda-feira, de manhã, e eu estou no meu lugar do costume,
encostado contra a parede na entrada principal da escola, com o Ezra e o
Malcolm a ladear-me. A Natalie está connosco, a flirtar com o Ezra ao mesmo
tempo que, ocasionalmente, me manda um olhar, mas eu ignoro-a. O
Malcolm está-se a queixar dos pais. Tudo isto enquanto espero que o meu
pequeno pássaro apareça.
Por outras palavras, nada mudou.
Mas eu sinto que mudei, apesar de ninguém o conseguir ver. Beijar a Wren
no banco de trás do carro… os sons que ela fez. A forma como respondeu. O
sabor da sua boca. A provocação tentativa da sua língua. Não consigo parar de
pensar nisso.
Não consigo parar de pensar nela.
— Credo, estás de péssimo humor hoje — diz o Malcolm de repente, as suas
palavras dirigidas a mim.
— Concordo — acrescenta o Ezra.
— Eu nem disse muito — murmuro entre dentes, apoiando o pé contra a
parede, sempre em alerta para o aparecimento de uma certa pessoa.
— Não é preciso dizer. A tua negatividade é uma nuvem escura literal, tipo
um enxame à tua volta — retorque o Malcolm.
— Oh, tão descritivo — arrulha a Natalie, o olhar dela apreciativo enquanto
tira as medidas ao Malcolm. — Porque é que nós nunca saímos?
— Estás demasiado ocupada a fazer-te a ele. — O Malcolm acena na minha
direção.
— Ei! — O Ezra agarra na mão da Natalie, puxando-a para os seus braços. —
E eu?
Ele é demasiado carente. É por isso é que ela não está interessada no Ezra. Ele
podia aprender uma coisinha ou duas comigo. Quanto mais eu ignoro a Nat,
mais ela parece querer-me.
Não que eu a queira.
— Oh, não me esqueci de ti. — A Natalie ri-se, o som mói-me os nervos.
— Queres faltar à primeira aula? Ir para o meu quarto no dormitório?
— Quero — diz o Ezra, demasiado entusiástico. — Vamos esperar uns
minutos primeiro.
— Porquê? — pergunta a Natalie, a fazer beicinho. — Eu quero ir embora
agora.
O Ez não consegue admitir que quer exibir a Natalie dependurada nele a toda
a gente. Ele simplesmente sorri e beija-a, o que faz o meu estômago revirar-se.
— Onde está o teu passarinho? — pergunta-me o Malcolm, a rir-se. — A
coisa já está garantida?
— Nunca chegou a começar sequer — minto.
— Pensei que ias vigiar o nosso cordeiro sacrificial para garantir que ela não
nos vai denunciar. — O Malcolm levanta o sobrolho. — Devíamos estar
preocupados?
— Está tratado — respondo-lhe com brusquidão, a odiar que ele duvide de
mim.
— Espero bem que sim — resmunga o Malcolm. — Não posso ser expulso
agora. Isso ia dar cabo de tudo.
Eu ignoro-o, pois o meu olhar fica preso na cara linda que apareceu de
repente.
É a Wren. Vem sozinha a caminhar pela passadeira no sentido da entrada da
escola. Não está rodeada pela grupeta típica de raparigas caloiras que a
idolatram. Preciso de todas as minhas forças para me controlar e não saltar da
parede para ir ao seu encontro, mas permaneço no meu lugar, deixando-a
aproximar-se de mim.
Os passos dela são lentos, a sua expressão, incerta. Ela não faz contacto visual
comigo durante imenso tempo, e eu não consigo afastar o olhar dela.
Mantenho-me focado na sua cara, a deliciar-me com a beleza dela. Os olhos
verdes lindos e os lábios carnudos. O cabelo está preso num rabo de cavalo
alto, uma fita branca como neve está dobrada num laço na base do penteado, e
ela está a usar o mesmo casaco espesso que usou no sábado.
Fico à espera de que ela passe por mim, que me ignore como de costume, o
que seria enfurecedor, mas ela surpreende-me ao vir até mim e parar
diretamente à nossa frente, ignorando os olhares de escárnio que o Ez, o
Malcolm e a Natalie lhe estão a mandar.
— Posso falar contigo um bocado? — pergunta, a sua voz doce abatendo-se
sobre mim. Ela olha brevemente na direção dos meus amigos, que parecem
prestes a rebentar de riso por causa da sua aparição, os idiotas. — Em privado?
— Claro. — Afasto-me da parede e sigo-a; entramos no edifício com as
gargalhadas ruidosas dos meus amigos atrás de nós.
Cabrões.
Ela encontra uma sala imersa em escuridão com uma porta destrancada e
entra, e eu sigo-a, fechando a porta atrás de mim. É uma sala que não foi
utilizada este semestre, por isso só tem umas quantas secretárias lá dentro,
juntamente com um pódio que está mesmo à frente dos quadros brancos. É
silenciosa. Privada.
Ninguém nos deve incomodar aqui.
A Wren não deixa de andar até ter chegado ao canto da sala mais afastado da
porta, e só aí é que se vira para me encarar.
— Desculpa…
Corto-lhe a palavra com a minha boca, beijando-a com força. É o castigo por
não me ter falado durante o fim de semana. Por me ter ignorado como se eu
não existisse. Quem é que esta rapariga acha que é?
Ela solta um gemido e tenta empurrar o meu peito para longe, mas eu suavizo
o meu ataque, não só por ela, mas por mim.
Porque, porra, ela sabe mesmo bem. E quando a sinto derreter lentamente
contra mim, as mãos a puxar nas lapelas do meu casaco como se me quisesse
mais perto, eu sei que ela sente o mesmo. Pressiono-a contra a parede,
enquanto continuo a beber dos seus lábios, a deslizar a minha língua contra a
dela, uma, duas, três vezes, uma e outra vez, na esperança de conseguir eliminar
de vez quaisquer provas da noite que ela passou com o idiota do Larsen.
Sou eu quem termina o beijo primeiro, pressionando a minha testa contra a
dela.
— Estou zangado contigo.
— Foi um fim de semana duro.
Sem querer, sai-me um ronco irónico.
— Tenho a certeza de que o Larsen te ocupou o tempo todo.
— Eu mal falei com ele.
— Então sempre foste ao jantar em casa dos pais dele. — A confirmação é
dolorosa.
— Claro que fui. Fui com os meus pais. Eles esperavam-me lá. — Ela emite
um som estrangulado e apoia o seu peso contra mim. — Vão divorciar-se.
— Quem? Os pais do Larsen? — Quem é que quer saber?
A Wren baixa a cabeça e encaixa-se contra o meu peito. Pousa as mãos ali,
sobre o meu coração.
— Não. Os meus. Disseram-me este fim de semana. É uma confusão. A
minha vida está uma confusão.
Ah, merda.
Rodeio-a com os braços e puxo-a para mim. Vou-lhe passando uma mão pelas
costas de cima para baixo, à medida que ela chora suavemente contra a minha
camisa.
— Birdy, lamento imenso.
— Não faz mal. É… Foi um choque tão grande. A minha mãe contou-me
primeiro, e ela estava tão calma. Foi estranho. — Ela funga e afasta-se para
olhar para mim. Os olhos estão raiados de sangue e lacrimosos, as lágrimas
deixando os rastos no seu rosto. Por instinto, limpo-as com o polegar, e ela
fecha os olhos. Os seus lábios curvam-se ligeiramente — um pequeno,
pequeníssimo sorriso. — Eu nunca pensei que eles se fossem separar, mas aqui
estão, a destruir um casamento de vinte e cinco anos. E há tanta coisa
envolvida. Dinheiro e bens. Demasiados bens. Aquela arte toda.
— Vão dividir entre eles?
— De acordo com a minha mãe, vão fazer um leilão. Não conseguem chegar
a um acordo sobre a coleção, e ela recusa-se a pagar por arte que já é dela, ou
pelo menos foi isso que ela me explicou. — A Wren abana a cabeça. — Vai ser
feio. Eu não sei o que fazer ou como me sentir.
Puxo-a para mim.
— Devias-me ter ligado.
— Eu não sabia o que te dizer — admite. — Depois… de tudo o que
aconteceu no sábado. Não sabia em que pé estávamos.
Coloco os dedos sob o seu queixo, inclino-lhe gentilmente a cara para cima,
para que ela tenha de me olhar de frente.
— Eu disse-te que era teu amigo.
— Eu preciso de um amigo, Crew — sussurra ela. — Desesperadamente.
— Diz-me o que precisas.
— E-Eu ainda não sei bem. O teu apoio? Alguém para se sentar comigo à
hora de almoço? — O riso dela é triste, e ouvi-lo magoa a porra do meu
coração de aço. — Alguém que seja realmente simpático?
— Caramba, Wren. — Beijo-a outra vez, porque está tão triste, mas ela
interrompe o beijo primeiro e afasta-se de mim. — O que se passa?
— Devíamos ir andando para a aula. — Como se estivesse a seguir a sua
deixa, a campainha começa a tocar o aviso dos cinco minutos para a hora. —
Não nos podemos atrasar para a aula do Fig.
O cabrão do Fig. Odeio esse gajo.
— Crew… — Ela dá um passo na minha direção, com uma expressão
suplicante. — Podemos manter o que aconteceu entre nós… um segredo?
— O quê? — Abano a cabeça. — O que queres dizer com isso?
— Eu não quero que as pessoas pensem que temos uma… relação romântica.
Podemos ser amigáveis. As pessoas vão pensar que isso é uma progressão
normal por causa do nosso trabalho em conjunto no projeto, certo? Eu só não
estou pronta para que as pessoas saibam que curtimos no banco de trás de um
carro.
Automaticamente, o meu impulso é menosprezar o que aconteceu no banco
de trás do carro naquela tarde de sábado. Qual é o problema de uns amassos?
Estamos no secundário. Merdas dessas estão sempre a acontecer. Montes de
pessoas que andam aqui já se comeram no fim de semana e estão, neste
momento, a fazer de conta de que nada aconteceu. Porra, eu já fiz isso algumas
vezes.
Mas há algo no facto de a Wren me dizer que não quer que se saiba que nos
beijámos que me incomoda. Como se ela me quisesse manter como o seu
segredozinho sujo.
Isso é muito marado. Se for sincero comigo mesmo, é um enorme golpe no
meu ego.
Porém, não consigo imaginar o que é ser a Wren, a Menina Perfeita, a virgem
querida e orgulhosa no campus a pregar a favor da abstinência. Ser vista comigo
põe a reputação dela em perigo, e isso é algo que ela valoriza.
Talvez um pouco de mais.
— Se é isso que queres — digo-lhe com um sorriso fácil. — Somos só
amigos, certo, Wren?
— Certo. — Ela acena. — Apenas amigos — acrescenta, quase sem voz.
— Sai tu primeiro, está bem? Eu vou esperar um minuto para as pessoas não
nos verem a sair juntos — digo-lhe, em jeito de instrução.
— Está bem. — Ela sorri. — Obrigada por perceberes.
E depois vai-se embora.
Inclino-me contra a parede, a fumegar. Bato com a parte de trás da cabeça
contra a parede uma vez. Duas vezes. Mais umas quantas vezes até um rosnar
me romper dos lábios.
Porque é que quero saber se ela nos quer manter um segredo? Isso é como eu
geralmente ajo, por isso devia estar a favor. Eu também não ia a correr contar a
toda a gente o que aconteceu. Nem o mencionei aos meus amigos. Fogo, até
menti ao Malcolm há pouco.
Mas é a Birdy que está a decidir coisas. Não gosto. Nem um bocadinho.
Como prometido, saio da sala cerca de um minuto depois. Vou a correr para
a aula, a forçar caminho por entre os alunos que estão a fazer tempo nos
corredores. Alguns deles chamam por mim, mas eu ignoro-os. Um plano surge
na minha cabeça enquanto corro para a sala de Inglês Avançado, e, quando
entro na sala de aula, fico aliviado ao ver que posso pô-lo em prática.
A Wren já lá está, sentada no seu lugar do costume. À frente e ao centro. O
rosto dela está manchado de quando esteve a chorar, mas fora isso parece estar
bem. Mal se está a aguentar, mas bem. Eu vou até à secretária mesmo atrás da
dela e deixo cair a minha mala no chão ao lado dos meus pés.
O Figueroa repara, claro. Ele observa-me do seu lugar à secretária, rodeado
pelo seu habitual harém, incluindo a Maggie, que está a fulminar as outras
raparigas com o olhar, como se lhes quisesse abrir as gargantas.
Alguém se está a sentir territorial.
Eu simplesmente sorrio e sinto a tentação de lhe acenar. Ele não me quer ver
perto da Wren. Também se anda a tentar meter com ela.
Só por cima do meu cadáver.
A campainha dá o seu último toque, e as raparigas vão sentar-se. Uma delas
manda-me um olhar mortífero uma vez que, assumo, lhe tirei o seu lugar
habitual.
— Esse é o meu lugar — diz ela, arrogantemente.
— Desculpa, querida. Estou a tentar ganhar pontos com o profe — digo-lhe.
O setor Figueroa lança-se numa palestra sobre O Grande Gatsby, que eu ainda
não comecei a ler. Se precisar vou simplesmente ver o filme. Ou alguém vai
partilhar os seus apontamentos ou o que seja comigo e ajudar-me. Eu sou um
Lancaster, porra. Eles fazem todos o que eu mandar.
Desligo da voz monótona do Figueroa e fixo o olhar na parte de trás da
cabeça da Wren. O seu cabelo escuro está apanhado naquele rabo de cavalo
alto, com as pontas onduladas a roçar a parte de trás do seu casaco azul-
marinho. Cedo à tentação. Estendo uma mão e enrolo uma mecha de cabelo
em torno do meu dedo, puxando levemente.
Ela não reage. Nem sequer se mexe, e fico na dúvida se sentiu sequer.
Olho em redor para me certificar de que ninguém me está a prestar atenção.
Não devia brincar com o cabelo dela à frente de toda a gente. Podem ficar com
a ideia errada.
Mas isso seria assim tão mau? Pensarem que gostamos um do outro? E se
gostarmos?
Jesus. Pareço um idiota, mesmo na minha própria cabeça. Não me posso
apaixonar por esta rapariga. Ela não é para mim. É demasiado boa, demasiado
querida, demasiado inocente e crédula. E está numa trapalhada das grandes,
graças à separação dos pais.
Eu devia deixá-la em paz. Ser amigo dela e tirar dos pensamentos toda a
esperança de a ver nua.
— Senhor Lancaster. Estás a prestar atenção?
A voz presunçosa do Figueroa assusta-me, e eu lanço-lhe um olhar furioso.
Ignoro as risadas silenciosas que enchem a sala.
— Sim.
— Então, diz-nos um dos temas do livro. — O Figueroa cruza os braços, à
espera de que eu diga merda.
Eu tentei ver o filme quando tinha, tipo, dez anos, acho. Não me lembro —
isto é, não me lembro de quase nada sobre o filme. Saí da sala cinco minutos
depois de ter chegado, imediatamente aborrecido ao ponto das lágrimas.
— Avareza? Excesso?
A surpresa espelha-se na cara do meu professor.
— Está correto. E mais? Quem sabe?
Outra pessoa levanta a mão e ele chama-a pelo nome, caminhando para o
outro lado da sala. A Wren vira-se ligeiramente na sua cadeira e manda-me um
olhar indecifrável.
— Porque é que te estás a sentar atrás de mim? Normalmente, sentas-te lá
atrás.
— Achei que era boa ideia sentar-me perto da minha amiga. — Estico a mão
e dou outro puxão no rabo de cavalo dela, e, desta vez, ela repara. — Gosto do
teu cabelo assim.
As bochechas dela ficam rosadas.
— Obrigada. — Ela vira-me as costas novamente, e eu sorrio sozinho.
Ela acha mesmo que vamos conseguir manter as coisas entre nós estritamente
amigáveis?
Eu dou-lhe o amigável.
VINTE E UM
WREN

— Wren. — O Fig para mesmo ao lado da minha secretária, e eu tenho de


olhar para cima para o ver. — Uma palavrinha?
Sem esperar pela minha resposta, dirige-se à sua secretária e eu sigo-o, sem me
atrever a olhar para o Crew. Tenho a certeza do que veria na sua cara.
Raiva. Frustração. Irritação.
É a quarta-feira depois de a minha vida ter mudado numa variedade de
formas, e eu estou só a tentar aguentar-me, dia a dia. O meu pai tem-me ligado
todas as noites e, com um tom de voz apaziguador, faz-me perguntas
intermináveis sobre o meu dia. Eu dou-lhe respostas curtas. Não sei bem como
falar com ele ou o que lhe dizer.
Ele está preocupado comigo depois das notícias do divórcio. Suponho que
deva achar isso querido, mas algo no comportamento dele faz-me pensar que
está só a olhar pelos seus interesses. A mãe mandou-me uma mensagem na
segunda-feira a ver como eu estava, mas, salvo isso, não tenho ouvido nada
dela.
Típico.
E depois há o Crew.
Não consigo parar de pensar nele, apesar de saber que não vai levar a lado
nenhum. Todas as noites antes de ir para a cama, relembro a maneira como ele
me beijou no banco de trás do carro. Não consigo evitar imaginar até onde as
coisas poderiam ir entre nós se eu continuasse a vê-lo. Ele foi tão querido na
galeria e quando fomos almoçar. Parecia um encontro com um rapaz que até
podia gostar de mim.
Os meus pais estragaram tudo. O anúncio do divórcio azedou a ideia de uma
possível relação o Crew — com quem quer que seja. O jantar nessa noite em
casa dos Von Wellers foi um autêntico desastre. O Larsen esteve o tempo todo
a tentar falar comigo, a flirtar comigo, e eu fui tão fria que o deixei a falar para
o boneco, o que, tipicamente, não é o meu estilo. Não conseguia deixar de
pensar no Crew e no seu aviso sobre o Larsen. E em como os meus pais me
estão a tentar juntar com ele para bem do meu futuro.
Inacreditável.
Depois de o Crew me ter beijado com tanta paixão naquela sala de aula vazia
na segunda-feira… desde aí que ele não tenta nada impróprio, e não consigo
não me sentir…
Desiludida.
Eu sei que disse que queria manter as coisas entre nós estritamente amigáveis
e ainda me sinto assim, porque, neste momento, a última coisa de que preciso
é uma potencial relação romântica a mexer com a minha cabeça. Acho que não
tenho a capacidade emocional para lidar com uma coisa tão potente agora.
E a maneira como o Crew Lancaster me faz sentir é muito, muito potente.
Ainda assim, queria que ele me beijasse. Ou que me desse a mão. Que me
abraçasse. É reconfortante estar nos braços dele. Ele é quente e sólido e cheira
divinamente bem.
— Wren? — O Fig já está sentado à sua secretária enquanto eu continuo
encravada nos meus pensamentos à frente da turma inteira, certamente com ar
de idiota.
Apresso-me a ir para a sua secretária e faço um esforço para manter os lábios
fechados, para garantir que não peço desculpa.
Estou sempre a pedir desculpa sem necessidade. Porque é que eu teria de
pedir desculpa nesta situação? Porque estou sempre a pedir? Isso já não é uma
razão suficientemente boa.
Preciso mesmo de me começar a valorizar.
— Está tudo bem? — pergunto ao Fig assim que chego ao lado da sua
secretária.
— Ia fazer-te a mesma pergunta. — Ele pousa as mãos entrelaçadas no topo
da sua secretária e baixa o seu tom de voz. — Consigo ver que algo te está a
incomodar.
Ele é demasiado percetivo. É perigoso. É como se conseguisse sondar e focar-
se nas raparigas quando se estão a sentir extravulneráveis para se aproveitar
delas.
— Eu estou bem. A sério.
— Está alguém a incomodar-te? — O olhar dele desliza para onde o Crew se
senta. Para o seu novo lugar mesmo atrás de mim. Espreito rapidamente por
cima do ombro e vejo o Crew com um ar furioso a olhar para nós os dois, sem
desviar os olhos uma única vez. Como se não quisesse saber que foi apanhado.
— Eu posso falar com ele se quiseres.
Abano a cabeça, recusando a oferta.
— O Crew não me está a incomodar. — Não finjo que não sei de quem ele
está a falar.
— Tens a certeza disso? Eu sei que ele pode ser intimidante. Ele tem uma
reputação no campus por atormentar raparigas, ocasionalmente.
Não me surpreende. O Crew tentou intimidar-me muitas vezes ao longo dos
anos, apesar de eu o ter ignorado na maioria delas, o que provavelmente o
deixou ainda mais frustrado.
— Ele não me atormenta. O Crew é meu amigo.
As sobrancelhas do Figueroa galgam-lhe a testa.
— O teu amigo? Oh, Wren. Por favor, diz-me que não acreditas mesmo
nisso.
— Como assim? — O comentário dele magoa-me. Dá a entender que sou
uma rapariguinha demasiado ingénua para perceber as intenções dos outros.
Já fui assim, já sofri por isso. Ainda estou a lidar com as consequências disso.
— Se o Crew diz que é teu amigo, então isso é apenas código para outra
coisa. Para mais.
— Um código para quê? — Decido fazer-me de estúpida. Claro que sei a que
é que ele se refere, mas toda a gente acha que eu sou uma virgem inocente, por
isso porque não desempenhar esse papel?
— Ele… vai aproveitar-se de ti. É assim que rapazes como ele agem.
Olho para o Fig, odiando a maneira como as palavras me fazem sentir. Odeio
ainda mais que ele seja igual ao rapaz que está a descrever. Ele aproveita-se das
suas alunas e abusa das que são mais vulneráveis.
Era assim que ele me via há umas semanas? Fraca e modesta? Demasiado
crédula e fácil de manipular?
Bem, demasiado tarde, meu caro. Já não caio no teu engodo.
—Eu sei exatamente como é que rapazes como ele agem. — É a minha vez de
baixar o meu tom de voz. — Se calhar é exatamente isso que eu quero que ele
faça, hum? Alguma vez pensou nisso?
Ele tem dificuldade em manter a sua expressão neutra, percebo que o
choquei.
— Muito bem. Eu só… te queria avisar.
— Obrigada, Fig. Estou muito agradecida. — Oh, de onde é que isto veio?
Parece que tenho atitude.
Até gosto.
Viro-me com tanta velocidade que a minha saia se levanta e deixa a
descoberto um pouco da minha perna. Vejo o olhar do Crew a descer para as
minhas coxas, e a minha pele aquece enquanto caminho de volta para a minha
secretária.
Porque é que o estou a manter à distância?
Deixo-me cair na minha cadeira e olho para o Crew, encontrando-o já a
observar-me.
— Mas que raio é que ele queria? — O olhar efervescente de raiva dele
muda-se para focar o Figueroa.
— Perguntou-me se estava bem.
Encolho os ombros, a tentar fazer pouco da situação, mas o Crew não me
deixa.
— Tentou meter-se contigo?
— Nunca.
Ele cerra o maxilar.
— Eu dou-lhe uma sova se ele te disser alguma coisa inapropriada, Wren.
Estou a falar a sério.
A minha pele fica toda arrepiada ao ouvir a ferocidade na sua voz. Ao ver
como ele está a agir de forma tão protetora, ao ouvi-lo dizer o meu nome
verdadeiro.
— Eu despachei-o.
— Ele consegue perceber quando as raparigas estão a passar por merdas
complicadas — continua o Crew.
— Eu sei. Já percebi que sim.
O olhar do Crew fixa-se no meu, a sua raiva começa a dissipar-se lentamente.
— Tens isto controlado, não tens?
Aceno.
— Tenho. Vou ficar bem. Mas obrigada por olhares por mim.
— Sempre que precisares — murmura no preciso momento em que o
Figueroa volta à aula e retoma o discurso.
Eu viro-me e encaro a frente da sala, entusiasmada por o Crew confiar que
consigo tomar conta de mim.
Algo que nunca ninguém reconhece que consiga fazer.
O resto do dia passa da mesma maneira que os últimos dois, mas, à hora de
almoço, decido fazer algo diferente. Vou à procura da Maggie, que encontro
sentada numa das mesas com a Lara e a Brooke. As três olham para mim
quando me veem chegar, murmuram cumprimentos sem interesse e logo
devolvem a sua atenção aos respetivos telemóveis.
— Posso-me sentar aqui? — pergunto a ninguém em particular, já a puxar
uma cadeira e a sentar-me mesmo ao lado da Maggie. — Como é que estás?
Ela encolhe os ombros, olhando para a sua sandes por comer.
— Estou bem.
— Olha. — Estendo a mão e coloco-a sobre a dela, e ela sobressalta-se. Vira a
cabeça, de sobrolho franzido. — Eu queria pedir-te desculpa.
— Porquê?
— Por te ter julgado. Por te dar lições de moral. E por quaisquer outras…
tretas idiotas que te tenha feito ao longo dos últimos três anos, mais coisa
menos coisa — admito. — Eu não tenho o direito de te olhar com sobranceria
como tenho feito. Eu… Fiquei um bocado arrogante com as minhas morais, e
não devia. Espero que me consigas perdoar.
A Maggie fica a olhar, sem dúvida chocada pelo meu pedido de desculpas.
Apesar de achar que peço desculpa por demasiadas coisas, este pedido é
necessário. Preciso de pedir desculpas a mais umas pessoas, até à Lara e à
Brooke, mas estou a fazê-lo passo a passo.
— Eu perdoo-te — acaba por dizer, a voz dela suave.
— Podemos ser amigas outra vez? — pergunto, cheia de esperança.
Ela acena, e eu puxo-a para um abraço e aperto-a com força.
— Se precisares de alguém com quem falar, estou aqui. Eu vou escutar-te. E
não vou julgar. Prometo.
A Maggie agarra-se a mim, as nossas faces coladas.
— Obrigada, Wren.
— O que é que se passa com esses abraços todos? — pergunta a Brooke,
interrompendo-nos. — Estás a ver se alguma da pureza dela passa para ti,
Mags?
Fulmino a Brooke com o olhar. Odeio a facilidade com que ela atirou esse
insulto à suposta amiga.
— Como se pudesses falar — digo.
— Oh, erro meu. Desculpa lá, não queria insultar a Menina Perfeição.
— Cala-te, Brooke — diz a Maggie, cansada. — És tão cansativa às vezes.
A Lara dá umas risadinhas. O olhar da Brooke consome-se pela raiva, mesmo
antes de ela se levantar de rompante e sair disparada da mesa. A Lara não se
demora e vai a correr atrás dela.
— Porque é que me dou com aquelas duas? — pergunta-me a Maggie,
mesmo antes de irromper em gargalhadas.
— Não sei. Eu também passo tempo com elas às vezes, mas são um bocado
terríveis.
— São horríveis, na verdade. — A Maggie abana a cabeça e suspira, afastando
o tabuleiro. — Não consigo comer.
— Porque não?
— Demasiada coisa a acontecer. — O sorriso dela é pesaroso. — Eu contava-
te tudo, mas precisávamos de pelo menos cinco horas.
— O que não me falta é tempo — digo-lhe e toco-lhe afetuosamente na mão.
— Tu e o Franklin ainda estão separados?
— Sim. Ele descobriu as cenas com o Fig. — Com uma só frase confirma as
minhas suspeitas. — Ele não ficou muito contente. Até queria falar com o
diretor Matthews.
Oh, uau.
— E falou?
A Maggie abana a cabeça.
— Eu convenci-o a não dizer nada, pelo menos por agora. Mas não sei
durante quanto mais tempo vou conseguir impedi-lo.
— Porque é que não o deixas dizer? Assim não tens nada que ver com a
situação.
— Porque estou apaixonada por ele, Wren — admite.
— Pelo Franklin?
— Não. Pelo Fig. — Ela suspira. — E há mais.
Céus, que mais pode haver?
— Tu vais passar-te — continua a Maggie.
— Desembucha — digo-lhe. Preciso de saber.
O olhar dela fixa-se no meu. Um remoinho de emoções agita-se nos seus
olhos. Medo e preocupação e também um fiapo ínfimo de felicidade.
— Estou grávida — sussurra.
Fico boquiaberta. Não sei o que dizer.
— O bebé é do Fig.
VINTE E DOIS
WREN

Quando chega a hora da aula de Psicologia, sinto-me um caco emocional. A


julgar pelo olhar que o Crew me manda enquanto me desloco para a secretária
ao lado da dele, ele deve estar a pressentir que algo se passa. Eu já não me dou
ao trabalho de me sentar lá à frente. Para quê?
— Estás bem? — pergunta assim que me sento.
Aceno e esboço um sorriso ténue.
— Sim.
Eu não lhe posso contar acerca da Maggie e do Fig. Isso ia envolver trair a
confiança da minha amiga, e eu não posso fazer isso. Não depois de a Maggie
me ter contado algo tão incrivelmente angustiante e privado. Tive de a arrastar
para fora do refeitório depois de ela me ter contado o início da história, porque
ela começou a chorar. Escondemo-nos na casa de banho, e eu consolei-a,
segurei-a contra mim conforme ela chorou no meu ombro e me contou tudo.
Como o facto de ela não querer abortar o bebé, apesar de ser isso que o Fig
quer. Ela acredita genuinamente que pode deixar a escola, dar à luz e, assim
que fizer dezoito anos, pode ir viver com o Fig como se fossem uma família
perfeitamente normal e feliz.
Até a mim isso me parece implausível.
— Tens a certeza? — O Crew é percetivo, tal como o Fig.
Não, espera. Eu não os devia meter na mesma categoria. Isso não é justo para
o Crew. Ele não se está a aproveitar de mim e a tentar seduzir-me.
Ou está?
— Estou só cansada — admito, o que não é uma mentira. Ando às voltas na
cama todas as noites e, quando consigo dormir, tenho sonhos atribulados.
Acerca dos meus pais. Ou do Crew. Os que são com o Crew acabam sempre
por ser sexuais, e acordo de repente com o corpo suado. Com a mão entre as
minhas pernas.
— Não andas a dormir bem?
Aceno.
— Eu também não.
— Porque é que não andas a dormir bem?
Ele encolhe os ombros.
— Tenho muito em que pensar.
É tudo o que ele diz.
E eu não me atrevo a fazer mais perguntas, porque posso não querer saber as
respostas.
A Skov entra na sala mesmo antes de a campainha dar o toque, como de
costume. Assim que termina a chamada, bate as palmas para chamar a nossa
atenção.
— Antes de começarem a trabalhar nos vossos projetos, tenho umas coisas
que queria discutir com vocês.
Eu sento-me mais direita, a prestar atenção, mas consigo sentir os olhos do
Crew fixados em mim. Meio que odeio quando ele olha para mim assim.
E também meio que gosto.
— As apresentações vão acontecer na próxima semana e vão ter de as fazer em
conjunto, à frente da turma. Sem exceções. Podem usar qualquer tipo de apoio
visual que queiram, mas não façam uma coisa muito complicada. Gostava que
entregassem um plano de projeto com as linhas gerais do vosso projeto na
sexta-feira. — A turma começa coletivamente a resmungar, e a Skov coloca as
mãos nas ancas, à espera de que coro se acalme. — Certo, tenham calma. Vocês
sabiam que isto ia acontecer. Estou a dar-vos dois dias. Vocês conseguem.
Não, eu acho mesmo que não conseguimos. Acho que eu e o Crew nem
sequer estamos em controlo deste projeto. É suposto falarmos de quê, mesmo?
E é suposto usar que tipo de apoios visuais? Eu sabia que íamos ter de
apresentar à frente da turma e, tipicamente, esse tipo de coisa não me
incomoda, mas, neste momento, estou com os nervos em franja. Só de pensar
em ter de me levantar e ficar à frente da turma com o Crew ao meu lado deixa-
me nervosa.
— Pareces assustada — observa o Crew, assim que a Skov termina de falar.
— Temos de fazer um plano de projeto em dois dias — enfatizo.
— Eu não estou preocupado. — O tom dele é tão indiferente, é irritante. —
Porquê? Tu estás?
— Achas que temos informação suficiente para a nossa apresentação? Eu nem
sei o que é que estamos a fazer.
— Eu aprendi muito sobre ti ao longo dos últimos dez dias, Wren.
Eu adoro quando ele diz o meu nome e preciso mesmo de deixar de me focar
nisso.
— Eu não aprendi muito sobre ti, Crew, considera-te com sorte.
— Acreditas mesmo nisso?
— Dizes muito sem revelar grande coisa.
O sorriso dele é pequeno.
— Há uma coisa que aprendeste.
Reviro os meus olhos e abro o caderno numa página em branco.
— Que tipo de plano de projeto vamos esboçar?
O Crew inclina-se para trás na sua cadeira, esticando as pernas. O joelho dele
toca no meu. O meu corpo reage como de costume. Estou sempre ultraciente
da sua presença, especialmente quando estamos sentados tão perto um do
outro.
— Estava a pensar que podíamos fazer no estilo de uma comparação e
contraste.
— De quê?
— De nós. Lembras-te de como a Skov disse que éramos semelhantes? Eu sei
que te lembras. Falaste nisso uma vez.
Eu consigo ver isso e, ao mesmo tempo, não o consigo ver de todo. Mas, se
calhar, é mais uma questão de não querer ser como ele.
— Isso podia funcionar.
— Podíamos estruturá-lo assim. — Ele inclina-se sobre a minha secretária e
puxa o meu caderno para o lado dele, depois, começa a escrever a caneta. — Tu
vais apresentar-te e, de seguida, eu faço o mesmo. Tu vais falar das nossas
semelhanças. Eu vou falar das nossas diferenças. Concluímos que pessoas que
parecem ser opostos têm algumas coisas em comum. Fim. — Ele dá-me um
toque na mão com a caneta. — O que achas?
— É uma boa ideia — admito, relutantemente. — O que devíamos usar
como apoios visuais?
— Já lá chegamos. Primeiro, vamos focar-nos na informação. Depois, vemos
a questão dos apoios visuais.
Concordo a contragosto, sem saber ao certo porque é que estou com uma
atitude tão má. O Crew até é bastante inteligente. Creio que nunca lhe dei o
devido mérito antes, apesar de ele ter estado sempre em todas as minhas aulas
avançadas desde o começo do secundário.
Às vezes, só vejo o que quero ver, não o que está realmente a acontecer.
Andei pela vida com palas nos olhos, especialmente na Lancaster Prep. Tinha
uma série de ideias sobre como devia agir e quem devia ser. E, durante grande
parte da minha vida no secundário, estive perfeitamente contente com a pessoa
que sou aqui.
Até agora. Até ter começado a trabalhar neste projeto com o Crew e a ouvir as
suas observações sobre mim. Foram uma grande revelação.
E, claro, depois há o próprio Crew. Os meus sentimentos por ele. Ele deixa-
me curiosa. Faz-me querer fazer coisas que não devia.
Além disso, estou a começar a não querer saber tanto das repercussões.
— Queres ficar com a lista das semelhanças ou das diferenças? — pergunta-
me o Crew.
— As semelhanças — respondo.
— A sério? Eu acho que essa é capaz de ser a mais difícil.
— Eu consigo.
— Eu não disse que não conseguias, mas sei que, ultimamente, estás a passar
por muita coisa — diz ele, com o seu olhar a cair para os meus lábios.
A minha pele aquece sob o seu olhar prolongado. É como se ele estivesse a
pensar em beijar-me. E agora também estou a pensar nisso.
— Eu estou bem — replico. — Isto vai ser uma boa distração.
Ele olha em redor pela sala, certifica-se de que ninguém nos está a prestar
atenção antes de perguntar:
— Ainda estás triste por causa dos teus pais?
— Sim. Não consigo evitar pensar que estava completamente cega em relação
ao que estava a acontecer. Como é que não vi que eles já não estavam felizes
juntos?
— Tens estado aqui nos últimos três, quase quatro anos — afirma o Crew. —
Provavelmente, tem-se passado muita coisa com os teus pais de que não fazes a
menor ideia.
— Eu mencionei que eles me iam esconder a verdade até ao fim do ano? Não
queriam estragar o Natal e o meu aniversário — admito.
— Não, não mencionaste isso. — Ele inclina a sua cabeça. — Estás a
reconsiderar a ideia de fazer a festa?
Abano lentamente a cabeça.
— Não. Não me parece muito divertido. Vou celebrar o meu aniversário mais
discretamente.
O meu pai mandou-me por mensagem uma lista feita pela sua assistente com
uma variedade de sítios para ir na minha viagem de aniversário de inverno, mas
ainda não olhei bem para as opções. Eu não vou. O mundo da Maggie
implodiu, graças à gravidez inesperada, e nem pensar que ela vai querer ir de
férias comigo, ainda que pudesse beneficiar de uns dias longe dos problemas
dela.
— Vais fazer dezoito anos. Isso é importante — murmura o Crew.
Levanto a cara para o olhar.
— Tu já tens dezoito?
Ele acena.
— E o que é que fizeste para celebrar?
— Queres mesmo saber? — Ele sorri, e a visão do seu sorriso faz o meu
coração bater com mais força.
— Talvez não queira — digo, desconfiada.
O Crew ri-se.
— Não foi assim tão mau. Passei o aniversário na nossa casa de família nos
Hamptons com amigos. Fiquei completamente ganzado e bebi pra caralho.
Nem estremeço ao ouvi-lo usar a palavra com C. Já estou meia habituada a
isso.
— Gostas de usar substâncias?
— Fumei um bocadinho de erva e bebi. Não me incomoda usar substâncias
ocasionalmente. É uma questão de moderação. Se estiveres bêbedo ou ganzado
o tempo todo, aí sim estás lixado. — Ele estuda-me com atenção. — Alguma
vez te embebedaste, Birdy?
Abano a cabeça lentamente.
— Nunca.
— Nem sequer bebeste um golinho de champanhe no Ano Novo? Nunca te
esgueiraste da tua mãe para beberes um gole do copo de vinho dela quando ela
não estava por perto?
Como é que ele sabe que a minha mãe está constantemente com um copo de
vinho na mão?
— Não. Não gosto de sentir que não estou em controlo — admito.
— Então nem vou perguntar se já fumaste erva.
Encarquilho o nariz.
— Isso é tão nojento. Não estou interessada em fumar o que quer que seja.
— Há outras maneiras de o fazer. Tipo comestíveis canábicos, por exemplo.
Há uns muito bons, provavelmente, ias gostar.
— Não, obrigada — digo, de forma empertigada, a sentir-me como a
rapariga inocente que sou.
— Tens de aprender a descontrair um bocado — diz ele. — Não é crime
divertires-te às vezes.
Normalmente, quando ele diz este tipo de coisas, eu acabo por me sentir
ofendida. Mas consigo perceber pelo seu tom de voz que não está a tentar ser
mau. Acho que ele acredita mesmo que eu tenho de aprender a descontrair, e é
provável que tenha razão, mas não o quero fazer através de drogas ou álcool.
— É assim que descontrais? — pergunto-lhe.
— Às vezes. A erva deixa-me mais relaxado. — Ele manda-me um olhar. —
Podias experimentar um bocado. Tira-te da tua cabeça. Expande-te a mente e
deixa-te pensar noutras coisas. Coisas mais agradáveis.
Reviro os olhos.
— Isso parece mesmo o que um ganzado diria.
Ele ri-se.
— Então sou um ganzado. Pareces a minha mãe.
Isso provavelmente não é um elogio.
— Talvez devêssemos falar do nosso projeto? Do plano de projeto?
— Não é exatamente isso que estamos a fazer? Tenho uma coisa para
acrescentar à minha lista de diferenças. — Ele pega no meu caderno outra vez e
começa a escrever. — A Wren não bebe nem fuma erva. O Crew, sim.
— Não devias estar a usar o teu próprio papel para tirar os teus
apontamentos? — pergunto.
— Ah, iá. — Ele levanta a cabeça, e o seu olhar divertido cruza-se com o
meu. — Suponho que sim.
Ele está a brincar comigo. A tentar distrair-me. De propósito?
Bem, está a resultar. Isto é exatamente a distração de que preciso.
Arranco o pedaço de papel do meu caderno em que ele escreveu e dou-lho.
Ele tira-mo das mãos, os dedos roçam nos meus e, desse leve toque, faísca
eletricidade.
— Devias guardar isto.
— Já está gravado aqui em cima. — Ele dá um toque na têmpora com a
caneta.
— A sério?
— Eu lembro-me de tudo acerca de ti, Wren. — O olhar dele fica mais sério.
— As mais ínfimas coisas.
A minha boca fica seca ao pensar naquele momento no banco de trás do
carro. Ou na sala de aula. Os meus olhos caem para a sua boca, e sinto uma
vontade avassaladora de o beijar de novo. Mesmo aqui, no meio da sala.
Mas claro que não o faço. Eu nunca faria tal coisa. Não quero que as pessoas
comecem a falar de nós. Eu definitivamente não quero que ninguém saiba das
nossas interações anteriores.
— Queres trabalhar nisto depois das aulas? — pergunta ele, a sua voz
profunda quebrando a minha linha de pensamento.
— Onde? — replico, sem fôlego.
— Na biblioteca.
Eu devia dizer que não. Não há motivo para trabalharmos nisto em conjunto.
Eu posso voltar para o meu quarto e trabalhar na minha lista durante o resto
da tarde, se bem que, provavelmente, nem me ia ocupar assim tanto tempo.
Posso completar as minhas partes do plano de projeto para as juntarmos
amanhã na aula.
Endireitando-me na cadeira, abro a boca, pronta para lhe dar uma nega.
— Está bem — é o que acabo por dizer.
VINTE E TRÊS
CREW

Ela caminha ao meu lado enquanto nos dirigimos para a biblioteca. Andamos
rápido porque começou agora mesmo a nevar. É mais uma espécie de chuva
gelada, o que significa que está fria e que, ainda por cima, magoa. Pelo menos,
a neve é suave a maior parte do tempo.
— Anda — digo-lhe, colocando a mão no centro das suas costas, dando-lhe
um empurrão para ela acelerar o passo. Vamos a correr o resto do caminho. Só
paramos quando estamos por baixo da aba do telhado diante da biblioteca. A
Wren passa a mão pelo topo da cabeça, o que faz voar várias gotas de água.
— Que frio de rachar — diz ela, com os dentes a bater, e eu nem hesito.
Pego-lhe na mão e puxo-a para dentro da biblioteca, e o calor do interior
descongela-me de imediato.
— Está melhor? — pergunto-lhe.
— Sim. — Ela deixa cair a mão e olha em redor pela sala. É um dos edifícios
originais no campus, e tem aquele cheiro bafiento de livros velhos a pairar no
ar. O teto eleva-se, assombrosamente alto, as estantes são enormes e
preenchidas com tantos livros que uma pessoa demoraria décadas para os ler a
todos.
Não está quase ninguém na biblioteca, penso que o tempo lá fora as
desencoraja. Eu nunca venho à biblioteca. Provavelmente, até só preciso de
uma mão para contar as vezes que vim cá desde que comecei a andar na
Lancaster Prep. Bem, talvez precise das duas.
— Vamos lá para trás — sugiro.
Ela franze o sobrolho.
— Porquê?
— Para termos privacidade.
— Porque é que precisamos de privacidade?
— Estamos a falar de cenas pessoais, Birdy. Queres que toda a gente descubra
os teus segredos mais profundos e obscuros?
A expressão dela fica abalada.
— Não. Mas isso significa que também não quero que sejam discutidos
durante a nossa apresentação.
— Mantemos as coisas pela superfície. Não te preocupes. Anda daí. —
Inclino a cabeça na direção em que quero ir e começo a andar. Ela segue-me.
— Vens aqui muitas vezes?
— Nem por isso. Costumava vir aqui quando era mais nova. Vinha com as
minhas amigas, e a senhora Taylor ficava chateada connosco — diz ela,
referindo-se à bibliotecária. — Estava sempre a mandar-nos calar.
— Ela é mais velha do que a terra. Acho que já está aqui há duzentos anos.
— Talvez seja um zombie — sugere a Wren.
— É mais uma vampira — brinco. — A viver a sua melhor vida eterna.
A Wren sorri, e eu gostava de a ver fazer isso mais vezes. Ela tem estado tão
soturna nestes últimos dias. Desde que os pais lhe disseram que se vão
divorciar.
Penso nos meus pais e na relação tóxica que têm. O pai é um otário que exibe
os seus casos e tenho quase a certeza de que a mãe faz o mesmo. É por isto que
não quero estar numa relação. São complicadas. Desnecessárias. Mais cedo ou
mais tarde, provavelmente vou ter de me casar e continuar a linhagem da
família ou o caralho, mas talvez não tenha de o fazer. Talvez os meus irmãos
tratem disso por mim.
O meu irmão mais velho, o Grant, está envolvido com uma pessoa, e parece
bastante sério, e bastante rápido. O Finn é um autêntico galanteador, por isso
tão cedo não vai assentar. A Charlotte acabou de se casar com alguém que ela
mal conhece, mas o tipo é fixe.
Eu mal tenho os dezoito feitos. Não estou interessado em nada desse género.
Mas estou interessado em apanhar a Wren a sós outra vez. Também não me
importava de a tentar beijar outra vez, mas não sei se ela alinharia. Anda tão
tensa ultimamente. Eu quero que ela aja como no último sábado, quando
estava livre e feliz, cheia de alegria enquanto partilhava o seu amor por arte
comigo. A nossa conversa fluiu e chegou ao ponto de ela admitir coisas
enormes, que eu ainda não acredito que partilhou comigo. A meter dedos a
noite toda no quarto e a ver pornografia — isso não é de todo comportamento
típico da Wren.
Só a lembrança das suas confissões suavemente pronunciadas é suficiente para
fazer a minha picha tremer.
Acabamos por encontrar uma mesa redonda vazia mesmo ao fundo da
biblioteca e eu vou até ela. Sento-me numa cadeira e puxo a que está ao meu
lado para fora, para a Wren se sentar. Ela senta-se, colocando a mochila na
mesa, com movimentos lentos. Precisos.
— Trouxeste-me mesmo para aqui para trabalhar no projeto?
Ela tira o casaco e coloca-o na parte de trás da cadeira. Olha para mim com
aqueles olhos verdes grandes, os seus lábios apertados num beicinho sexy.
Espera lá.
— Iá — digo-lhe. Tiro o casaco e deixo-o cair atrás de mim. — Tu disseste
que querias manter as coisas estritamente amigáveis entre nós.
— Certo. — Ela afasta o olhar do meu e olha para a prateleira mais próxima
de nós. Um suspiro deixa-lhe os lábios. — Estou tão cansada de me sentir
triste.
— Tens de afastar isso da tua cabeça. — Quando ela se vira para mim, eu
continuo: — Os teus pais. A tua família. Precisas de uma distração. Tu mesma
disseste isso há pouco, na aula.
— Não vou fumar ganza contigo nem comer um comestível canábico — diz
ela, num tom empertigado.
Porra, até o tom empertigado é atraente.
— Eu não ia sugerir isso. Além disso, não tenho nada comigo para te oferecer.
Isso é contra as regras da escola, lembras-te? — Levanto as sobrancelhas para
dar ênfase à questão, recordando o momento em que ela nos apanhou a
partilhar aquele charro durante a hora de almoço. É uma coisa que fazemos
ocasionalmente e sempre às escondidas.
Eu disse ao Ez e ao Malcolm que tínhamos de deixar de fumar no campus, às
claras, e eles concordaram. Nenhum de nós quer ser expulso. Definitivamente,
não agora, quando estamos quase a acabar o secundário.
— Certo. Não quero quebrar as regras — murmura.
— Nunca quebras — digo, e ela não responde. Não há necessidade de
resposta, uma vez que ambos sabemos que é verdade. — Queres quebrar umas
agora?
— Estás a falar de que regras? — pergunta, desconfiada.
— Vem comigo.
Levanto-me e estendo-lhe a mão.
Ela estuda-a por um momento e, depois, levanta o seu olhar para o meu.
— O que estás a aprontar, Crew?
— Vem comigo, Wren, e eu mostro-te.
— E as nossas coisas?
— Podemos deixá-las aí. Ninguém vai aparecer aqui para mexer nas coisas.
Ela hesita por um momento, mas logo pousa a sua mão na minha, e eu fecho
os meus dedos em torno dela, puxando-a para fora da cadeira. Não há
ninguém por perto e a única pessoa que me preocuparia é a velha senhora
Taylor, mas ela tem de vigiar toda a gente a partir da sua secretária na entrada
da biblioteca, por isso não vai reparar em nós.
Com passos apressados, guio a Wren por um caminho que se afunda pelas
fileiras de estantes. Continuamos até estarmos rodeados por filas e filas de livros
e o corredor começar a estreitar-se. As estantes ficam mais altas, as luzes, mais
fracas. Finalmente, chegamos a uma porta de madeira com um ar banal, exceto
a fechadura digital nova em folha, localizada acima da maçaneta. Liberto a mão
da Wren para introduzir o código. A luz verde começa a piscar e rodo a
maçaneta, abrindo a porta com facilidade.
Olho para trás e vejo o queixo da Wren a cair de surpresa.
— Para onde dá essa porta?
— Vem comigo e descobre.
— Não sei. — Ela olha por cima do seu ombro, como se estivesse totalmente
à espera de que a senhora Taylor, a mulher-dragão, nos estivesse a observar e a
respirar chamas. — E se alguém nos apanha?
— Ninguém nos vai apanhar — afirmo, com confiança.
Ela encara-me uma vez mais. Os seus olhos movem-se para a entrada aberta.
Só se vê escuridão.
— Não é perigoso, pois não?
A única coisa que pode ser perigosa para ela sou eu, mas não lhe digo isso.
— De todo.
A Wren entra primeiro, e eu sigo atrás dela, fechando a porta atrás de nós, o
que elimina toda a luz da biblioteca, deixando-nos envoltos na escuridão. Ela
solta um grito mudo, e eu apareço atrás dela, pousando as mãos nos seus
ombros esguios.
— Está tudo bem.
— Não consigo ver nada.
— Eu guio-te. — Pego na mão dela e puxo-a pelo caminho. Quanto mais
tempo passamos no escuro, mais a minha visão se ajusta. Guio-a até ao lugar
que lhe quero mostrar, a sala vai ficando mais clara até chegarmos a uma
parede de janelas que dão para o jardim que existe atrás da biblioteca. — O
que achas?
Ela aproxima-se lentamente das janelas antigas e inclina a cabeça para trás. O
seu olhar ergue-se até ao teto.
— São tão altas.
— Há muito, muito tempo isto era uma sala de aula. Fecharam-na nos anos
oitenta, e acabou por se tornar num sítio para engates. Acabaram por lhe meter
uma fechadura nova há uns anos para impedir os estudantes de cá entrarem.
Demasiadas pessoas esgueiravam-se para aqui — explico.
A Wren desenha um círculo lento com os seus passos, o olhar dança pela sala
maioritariamente vazia. Franze o nariz.
— Onde é que curtiam?
— Onde desse. Se estás suficientemente desesperado para andares às
escondidas com alguém, acabas por te tornar muito criativo. — Merda, de
repente, estou a sentir-me desesperado para curtir com a minha suposta amiga.
Que treta. Não sei porque é que andamos a dançar à volta disto. Estou quase
certo de que ela me quer.
E sem dúvida que a quero.
— Nunca tinha reparado nestas janelas — diz ela, aproximando-se delas. Eu
sigo-a, mas fico a uns metros do sítio onde ela está, com os dedos pressionados
contra o vidro e os olhos fixos nos terrenos da escola que se estendem aos
nossos pés.
— Já reparaste, sim. — Quando ela se vira para mim, eu continuo: — É a
parede de janelas que se vê dos jardins. As heras cobrem a maior parte do
edifício, por isso nunca ninguém se apercebe de que faz parte da biblioteca.
— Oh, sim. — A Wren devolve a sua atenção ao jardim. Flocos de neve caem
docemente no chão, polvilhando tudo de branco. — Não vou muitas vezes
para os jardins. As estátuas assustam-me.
— A sério?
Ela mantém o olhar numa linha reta, sem reparar sequer na minha
aproximação.
— Parece que estão sempre a observar-me. É sinistro.
— Achei que gostarias delas. São obras de arte. Com séculos de idade. —
Paro imediatamente atrás dela, a inalar o seu cheiro. Sinto-me tentado a esticar
a mão e agarrar-lhe no cabelo. A enrolá-lo em torno do meu punho e puxá-la
para um beijo intoxicante.
— Tens razão. São obras de arte, mas também são tristes. Aquelas estátuas
estão todas com ar de quem se quer mandar de um penhasco para uma morte
horrível.
Solto uma gargalhada, mas, mesmo assim, ela não se mexe. Ela tem de saber
que estou mesmo atrás dela.
— A família Lancaster é mesmo assim. Estamos todos à beira de nos
mandarmos de um edifício, impacientes para nos atirarmos para uma morte
extasiante.
— Vocês, Lancasters, são muito melancólicos. — A Wren pousa a mão no
vidro, soltando um silvo com o contacto. — Está tão frio.
— Ainda está mais frio lá fora.
— Não estou vestida para voltar lá para fora.
— Nem eu. — Dou outro passo em frente. Estou tão próximo dela que estou
a pressionar levemente as suas costas. — A vista é bonita, não achas?
Não estou a falar dos jardins, apesar de o adjetivo servir para os descrever,
especialmente com a neve a cair sobre eles. São uma cena de início de inverno
perfeita.
Mas estou-me a referir à Wren. Ela é tão linda. Doce. Interessante. Choca-me
o quanto gosto de falar com ela. De passar tempo com ela.
— Sim, é — admite, com uma voz suave. Ela inclina a cabeça para a frente, e
o cabelo cai-lhe pela cara. Estico uma mão para o afastar, expondo o pescoço
dela. — O que estás a fazer?
— A distrair-te — sussurro, mergulhando a cabeça para pressionar a minha
boca contra a parte de trás do seu pescoço. — Eu sei que aprecias coisas
bonitas. Queria mostrar-te uma vista que nunca tivesses visto.
Ela está em silêncio, mas consigo sentir o corpo dela a tremer. E não creio que
seja das janelas frias.
Volto a beijá-la no mesmo sítio, os meus dedos enrolam-se no seu cabelo. Ela
levanta a outra mão e fica com as duas apoiadas contra o vidro. Dou-lhe um
empurrão subtil com o meu corpo até ela estar totalmente pressionada contra a
janela.
E contra mim.
Ela inspira acentuadamente.
— Demasiado frio? — pergunto-lhe, as palavras murmuradas na sua pele.
— Sim — sussurra. — Mas tu estás quente.
Pouso uma mão na sua cintura e toco-lhe no rosto com a outra, ponho-lhe a
cabeça num ângulo que torne inevitável que os nossos olhares se cruzem.
— Não me afastes, Birdy.
Vejo o momento em que ela cede, como a aceitação lhe cintila no olhar, e ela
retira as mãos da janela, virando-se para me encarar.
— Crew…
Beijo-a antes que possa protestar ou que me diga para parar. E ela não diz
mais nada depois disso. Entrega-se completamente, as mãos sobem e
entrelaçam-se em torno do meu pescoço, todo o seu corpo se apoia em mim.
Aquelas mamas enormes empurram contra o meu peito, e a minha mão sobe
velozmente o lado do seu corpo. Passo o polegar pelo seu seio, ela entreabre os
lábios para suspirar, permitindo a entrada da minha língua, e um gemido baixo
e rouco deixa-me enquanto aprofundo o beijo.
— E se alguém nos vir? — murmura contra a minha boca.
Mordisco-lhe o lábio inferior, fazendo-a gemer.
— Ninguém nos consegue ver. Prometo.
Abro os olhos e olho pela janela, mas não está ninguém lá fora. A neve
começa a cair com mais força, a luz na sala cavernosa diminui cada vez mais,
graças ao céu que escurece no exterior, e eu seguro-lhe no rosto com a minha
mão em concha, inclinando-lhe a cabeça para trás, para a devorar.
Rapidamente, os nossos beijos transformam-se em línguas e dentes e lábios
mordiscados e respirações ofegantes. As mãos delas deslizam para baixo do meu
casaco de uniforme, descem pelas minhas costas, e eu pressiono as ancas às
dela, deixando-a sentir o que me está a fazer.
É a Wren quem interrompe o beijo primeiro, e eu abro os olhos,
encontrando-a a observar-me, o peito a subir e a descer contra o meu, a
respiração acelerada.
— Provavelmente não devíamos estar a fazer isto.
— Porque não? — Beijo-lhe o pescoço, arrastando a língua até à sua orelha.
Ela inclina a cabeça, fechando os olhos, a sua cara adquire uma expressão
torturada. — Eu sei que gostas, Birdy.
— Beijos levam a… outras coisas. Coisas que ainda não estou pronta para
fazer.
— Tens a certeza disso?
Ela engole em seco quando começo a morder-lhe levemente o maxilar.
— Não sei.
— Então diz-me quando quiseres que pare.
Ah, faço com que soe tão simples, mas o que quero é que esta rapariga se
esqueça e se deixe levar.
Comigo.
Porque ela precisa disso. Porque ela quer.
Tal como eu a quero.
VINTE E QUATRO
WREN

Estou colada ao vidro frio com um Crew quente a pressionar-me, o corpo duro
— sim, ele está mesmo duro — tão perto do meu que acho impossível
conseguir enfiar um pedaço de papel entre nós. As suas palavras repetem-se no
meu cérebro.
Então diz-me quando quiseres que pare.
Ele faz com que pareça simples, quando não é. Por fim, começo a perceber
porque é que as raparigas cedem tão facilmente a isto — ao sexo. É uma
sensação tão boa, a boca dele. Os seus beijos esfomeados. A língua dele. Como
se envolve com a minha. As suas mãos no meu corpo. O seu coração a bater
desenfreadamente, e a sua respiração acelerada, aqueles barulhos roucos,
deliciados que faz quando me beija. Como se eu fosse a coisa mais deliciosa
que ele alguma vez provou.
São coisas embriagantes. Consigo sentir aquela sensação nova, recentemente
tornada familiar, a pulsar entre as minhas coxas. A humidade a crescer ali. O
desejo fosco, doloroso que se forma, e ele é responsável por tudo isto.
Acho que ele é o único que pode suprimir a minha carência.
Ele beija-me até não conseguir pensar. Puxa-me a camisa branca e tira-a para
fora da minha saia, os dedos passam por baixo do algodão branco, puro e
engelhado, e, por momentos, pousam contra a minha cintura despida, depois,
correm-me pelo estômago.
Não consigo respirar. Só consigo agarrar os seus ombros desamparadamente, a
minha língua a dançar contra a dele enquanto ele lenta, mas seguramente, me
vai acordando com os seus dedos. Eles deslizam para cima, roçam a parte de
baixo do meu sutiã, e dou por mim a desejar com todas as forças que tivesse
um sutiã com renda e bonito. Alguma coisa que fizesse os olhos dele saltar das
órbitas quando o visse.
Mas não tenho nada disso. A peça de roupa cor de pele que estou a usar é
aborrecida e simples. Sem laços.
Sem renda.
— Queres que eu pare, Birdy? — Ele arqueja as palavras contra a minha pele,
o meu pescoço. Os lábios dele estão quentes, e a língua também, e, quando me
lambe no sítio onde o meu pulso lateja, eu abano a cabeça.
Não. Eu não quero que ele pare. Nunca.
As mãos dele tocam na minha cintura, e ele vira-me ao contrário,
pressionando-me de frente contra a janela. A ereção dele empurra contra o meu
rabo, e olho para a neve que cai, os meus lábios entreabertos, e a minha mente
acelerada com pensamentos de o ver nu. Ele parece ser enorme.
Não sei o que faria com ele se algum dia o visse mesmo.
Ele desce as mãos hábeis pelo meu corpo, até estarem a brincar com a bainha
da minha saia. Depois, estão por baixo da saia, e os seus dedos estão no meu
traseiro, a percorrer a margem da minha roupa interior. Um, depois, o outro.
Para trás e para a frente, os dedos leves como penas na minha pele.
Um jorro de humidade inunda as minhas cuecas e fecho os olhos, a
pressionar a face contra o vidro, a precisar que o frio atenue o calor que me
consome.
— Crew…
— Devo parar? — Ele tira as mãos das minhas cuecas, e eu soluço. — A tua
pele é tão suave, passarinho. É difícil para mim deixar de te tocar.
Estou num dilema. Eu sei que devia dizer que não. Isto já avançou
demasiado. Ele tem uma ereção. Tocou no meu sutiã. As mãos dele estiveram
literalmente debaixo da minha saia. Isto é tudo o que prometi ao meu pai que
não faria até estar com o homem com quem planeio casar.
Mas depois aquelas mãos voltam a escorregar para baixo da minha saia, um só
dedo desliza por baixo das minhas cuecas, e solto um gemido, abafado pela
janela.
— Foda-se, estás tão molhada. — Ele vai mais fundo, o seu dedo move-se
para dentro das minhas dobras, e arqueio as ancas para trás. Quero mais. Luto
contra a vergonha que ameaça invadir-me, a minha carência é demasiado
grande. — Credo, Wren.
Ele provoca-me com o dedo na minha entrada, mal o empurra para dentro, e
os arrepios convulsionam o meu corpo. Nem consigo imaginar a minha figura
neste momento, com a parte superior do corpo espalmada contra a janela e
com o rabo empinado, a empurrar contra o Crew, enquanto o seu dedo entra
lentamente em mim…
— Oh, céus — digo, o som estrangulado.
O Crew para a sua exploração.
— Queres que pare?
— Não! — Sou capaz de morrer se ele parar agora.
O dedo desliza mais fundo, e sinto-me apertar com força em torno dele. Um
gemido tremido escapa-se da sua garganta.
— Relaxa.
Eu tento, mas estou nervosa, amedrontada e excitada. Nunca deixei um rapaz
fazer-me isto, e é estranho. Diferente. Maravilhoso. Delicioso.
Cada uma dessas coisas, todas ao mesmo tempo.
— Estou a magoar-te? — pergunta.
Eu abano a minha cabeça, apoio as mãos no vidro mais uma vez e abro os
olhos para ver a neve cair à medida que o Crew me mete um dedo. Ele faz o
dedo deslizar e entrar por inteiro, até à base, antes de o arrastar lentamente
para fora e, oh, meu Deus, a fricção. Preciso de mais.
Uma respiração trémula deixa-me quando ele volta a empurrar o dedo para
dentro de mim, e consigo senti-lo a usar a outra mão para levantar a minha
saia, expondo-me o traseiro.
— Estás a dar cabo de mim, Birdy. Tão sexy — murmura, e consigo sentir os
olhos dele a queimar um buraco na minha pele pela intensidade do seu olhar.
Permaneço em silêncio, sem saber como responder. O meu corpo começa a
mexer-se com o seu dedo, as minhas ancas começam a oscilar, e, quando ele
retira a sua mão completamente de mim, quero desatar a chorar pela perda.
— Vira-te — ordena ele, bruscamente, e as suas mãos fazem rodar as minhas
ancas, deixando-me sem escolha a não ser fitá-lo. A boca dele está na minha, o
beijo é tão esfomeado, tão intenso, que a única coisa que consigo fazer é
agarrar-me a ele e deixá-lo consumir-me.
A mão surge novamente por baixo da minha saia. Roça a frente das minhas
cuecas. Eu grito de prazer contra os seus lábios quando ele pressiona os dedos
contra mim, esfregando devagarinho.
— Queres que pare agora? — pergunta, e consigo ouvir o triunfo na sua voz.
Ele sabe que me apanhou.
— N-n-não — gaguejo. Inclino a cabeça para trás quando ele volta a passar
os dedos pela frente das minhas cuecas e me agarra por inteiro.
— Gostas disto?
Aceno, incapaz de pronunciar uma palavra, quando ele pressiona
bruscamente o polegar contra o meu clitóris.
Um toque começa a soar, assustando-nos aos dois, e abro os olhos para ver o
Crew já a estudar-me, com o sobrolho carregado com descontentamento. Os
dedos dele ainda estão nas minhas cuecas, e o único som além do toque de
telemóvel é o das nossas respirações ofegantes a misturarem-se no ar.
— Não é o meu — diz ele, e apercebo-me de que tem razão.
É o meu telemóvel.
— Ignora — incita-me o Crew, inclinando-se para outro beijo, mas eu
pressiono a minha mão contra o seu peito, parando-o.
— Eu devia ver quem é — digo, suavemente. O toque silencia-se, e suspiro
de alívio. — Talvez ainda não.
O Crew esboça um sorriso endiabrado à medida que se baixa para outro
beijo, a sua língua desliza para dentro da minha boca no preciso momento que
ouvimos novamente o toque.
Ele afasta-se de mim, mas a sua mão permanece nas minhas cuecas.
— Onde é que está?
— No bolso do meu casaco. — Deixo a mão cair para dentro do bolso e tiro
o telemóvel para fora a tempo de ver a palavra «Pai» a piscar no ecrã. Afundo os
dentes no lábio inferior. O sentimento de culpa atinge-me com dez vezes mais
força. — É o meu pai.
— Credo. — Ele tira a mão das minhas cuecas e afasta-se de mim. —
Atende.
Sinto-me vazia sem as mãos dele em mim e solto uma exalação suave ao olhar
para o ecrã, imaginando como vou soar aos ouvidos do meu pai se lhe atender
o telefone. Ofegante. Nervosa. A minha boca ainda está arrepiada dos beijos do
Crew, e o meu clitóris pulsa pelos seus dedos.
— Não consigo.
O toque silencia-se de novo, e eu enfio o telemóvel no bolso. O Crew estende
os braços para mim, mas afasto-me dele. De repente, sinto-me insegura.
Acerca de tudo.
De tudo o que aconteceu.
Ele está a franzir o sobrolho, observando-me com atenção.
— Estás bem?
— É melhor ir andando. — Volto a olhar pelo caminho que fizemos, a odiar
o quão escuro parece ser. Parece mesmo uma gruta assustadora e insondável
que dá para lado nenhum.
— Birdy, anda lá… — replica ele, mas abano a cabeça, e ele cala-se.
— Eu não… não posso fazer isto. — Estou demasiado confusa. O pai a ligar-
me mesmo a meio do encontro mais apaixonante que já tive arruinou por
completo o ambiente. Fez-me duvidar de mim mesma — e do Crew. — Não
estou pronta.
— Wren. — Ele passa uma mão pelo cabelo, esfregando a parte de trás do
pescoço. — Não te vás embora. Ainda não.
— Tenho de ir. Eu só… talvez isto tenha sido uma má ideia. Eu não sou a
rapariga que pensas que sou, Crew. Estou demasiado nervosa, demasiado
assustada. Nunca fiz este tipo de coisas.
— Eu prometi que levaria isto tão devagar quanto quisesses.
— E tens sido perfeito. — Ofereço-lhe um sorriso trémulo, mas sinto que
posso desatar a chorar a qualquer momento, então, afasto o olhar, incapaz de
continuar a ver a sua cara linda durante muito mais tempo. — Eu tenho de ir.
Fujo da sala. Os meus sapatos batem contra o chão de cimento enquanto
corro pela escuridão adentro. Vejo a porta e abro-a, e, de imediato, uma
sensação de alívio apodera-se de mim ao encontrar a biblioteca principal de
novo. Avanço pelas estantes até a nossa mesa aparecer e visto o casaco à pressa.
Agarro na mochila.
Dou de frosques para longe da biblioteca. A porta bate atrás de mim com um
estrondo tão alto que juro ouvir a senhora Taylor a sibilar: «Chiu!»
Só quando estou de volta ao dormitório é que envio uma mensagem rápida
ao meu pai.
Eu: Desculpa, estava na biblioteca a estudar para um projeto. Ligo-te
depois de tomar um duche? Está a nevar aqui e fiquei encharcada a voltar
para o dormitório.
Pai: Sem problema, Amora. Liga-me quando puderes. Só para saber como
estás.
Ao ler as suas palavras queridas e a alcunha que usa para mim desde que me
lembro, começo imediatamente a chorar.
— Tenho novidades — anuncia o pai depois de termos falado durante uns
minutos, de termos passado pelas questões típicas: «Como é que estás e como é
que vai a escola?» Estou sentada na cama depois de ter tomado um duche e de
ter trocado para roupas mais quentes, tal como lhe prometi que faria.
— Quais são? — pergunto, desconfiada, preparando-me mentalmente para o
inesperado.
— A tua mãe e eu… vamos tentar e trabalhar na nossa relação.
Fico em silêncio, a absorver as palavras dele durante um momento.
— Estás a falar a sério?
— Vamos começar a terapia de casal esta semana. Queremos que isto
funcione. Por ti. Por nós — diz ele. — Não podemos simplesmente desistir
agora, não depois de vinte e cinco anos.
— Não faças isto por mim — afirmo, séria sobre todas as palavras que digo.
— Isto não tem que ver comigo. Isto tem que ver contigo e com a mãe.
— Eu sei, mas tu também fazes parte da família. Apesar de estares a ficar mais
velha e de estares prestes a fazer o teu próprio caminho — replica ele.
Porque é que essa parte parece uma mentira? Oh, eu sei porquê.
— Ainda há dias atrás me estavas a tentar juntar ao Larsen Von Weller —
relembro-o. — Na esperança de que ele acabasse por ser o meu futuro marido.
Ainda parece tão completamente ridículo. Mesmo que o Crew não me tivesse
avisado acerca do Larsen e me tivesse dito todas aquelas coisas terríveis sobre
ele, eu ficaria desagradada com a ideia na mesma. Resistente. Assim que
cheguei à casa Von Weller e mal lhe dirigi a palavra, o Larsen sabia que não
tinha a mínima hipótese. Ele acabou por me deixar em paz.
Graças a Deus.
— Eu não posso fazer essa escolha por ti. A tua mãe e eu discutimos a
questão. Estávamos a stressar a pensar em ti, sozinha, e no que te poderia
acontecer.
Raiva começa a espalhar-se lentamente pelas minhas veias ao ouvir as palavras
dele, por causa do significado por detrás delas. Ele ainda não confia que eu sei
como tomar conta de mim mesma, continua a acreditar que só vou fazer más
escolhas, vezes e vezes sem conta.
Se bem que é capaz de ter razão para se preocupar. É só ver o quão facilmente
cedi ao Crew na biblioteca. Céus, ele meteu mesmo os dedos dentro de mim e
eu deixei-o. E gostei.
A vergonha passa pelo meu corpo como uma maré quente de lava, deixa-me a
arder, e não de uma boa maneira.
— Eu vou ficar bem — asseguro-o, inspirando tremulamente. — Tenho
quase dezoito. E quero ir para a universidade.
Ainda não estou completamente certa disso, mas parece-me bem e isso é tudo
o que importa.
— Acho que te ias dar muito bem na universidade — diz ele, com uma voz
demasiado entusiástica. — Podes viver nos dormitórios e fazer novos amigos.
Ele quer-me escondida num dormitório em segurança, tal como estou aqui,
em Lancaster. E assim não vai ter de se preocupar comigo e pode tratar da sua
vida, seguro no facto de eu estar longe na universidade.
— É esse o meu plano — digo, a voz sai-me como um trinado e recorda-me
da maneira como falei com o Fig na aula. Só charme falso com uma ponta de
sarcasmo. É engraçado como nenhum destes homens repara. — Eu tenho de ir
andando, pai. Preciso de trabalhar no meu projeto.
— Para que aula?
— Psicologia. O meu parceiro é o Crew Lancaster. — Fecho os olhos, não
acredito no erro que acabei de cometer. Porque é que o mencionei outra vez?
Pela excitação de dizer o nome dele? Por saber o que partilhámos há
momentos? Apesar da minha vergonha pelo que ele me fez, não consigo parar
de pensar nele. Está sempre em primeiro plano na minha mente — e o que
fizemos juntos também. E, apesar de saber que não me devia permitir estar a
sós com ele outra vez, no fundo do meu coração sei que provavelmente vou
deixar que isso aconteça.
Se calhar não se pode confiar em mim. Se calhar sou demasiado crédula,
demasiado fácil de manipular para ser deixada sozinha.
— Porque é que estou sempre a ouvir esse nome ultimamente?
— Não sei, talvez porque é meu amigo?
O pai fica em silêncio durante um momento, e estou prestes a dizer alguma
coisa, mas ele é mais rápido.
— Eu duvido muito que o Crew Lancaster seja teu amigo, Amora. É um
rapaz com sangue na guelra como o resto, a correr atrás de uma rapariga
querida e inocente.
Lembro-me da sensação da boca quente do Crew no meu pescoço, da
maneira como lambeu a minha orelha e, pela primeira vez há algum tempo,
tenho de concordar com o meu pai.
— É só um projeto, pai.
— Eu sei, Amora. Mas lembra-te, és demasiado nova para pensares a sério em
rapazes. Tens a vida toda à tua frente.
— Eu sei. — Já ouvi essas palavras tantas vezes ao longo dos anos, era capaz
de as recitar em conjunto com ele.
— De qualquer das maneiras, eles só querem saber de uma coisa — continua.
Hum. Se calhar, eu sou igual. — Não gosto da família Lancaster. Não se pode
confiar neles. — O tom dele torna-se azedo.
— O que é que eles te fizeram? — Estou genuinamente curiosa, mas,
conhecendo-o como conheço, duvido que me diga algo concreto.
— Estamos no mesmo negócio. Os irmãos dele têm uma empresa na área
imobiliária e são manhosos. — Ele aclara a garganta. — Mas nada disto te
devia preocupar. Simplesmente… mantém-te longe do Crew Lancaster.
— Tenho de trabalhar no meu projeto com ele — começo a dizer, mas ele
interrompe-me.
— Tu sabes o que quero dizer. — O pai suspira, de repente, parece exausto.
— Tenho de ir andando. Dorme bem. Bons sonhos. Adoro-te.
— Também te adoro. — Desligo a chamada primeiro e atiro o telemóvel para
o lado, antes de me mandar de costas para cima da cama. Fico a olhar para o
teto. Uma sensação de frustração percorre-me em ondas, lembrando-me de que
não estou a fazer as melhores escolhas, mas serão as que estou a fazer assim tão
más?
Esgueirei-me para uma sala com o Crew e beijei-o, e daí? E daí que o tenha
deixado tocar-me. Deixá-lo enfiar a mão dentro das minhas cuecas…
Céus, como é que o vou encarar amanhã na aula? Depois do que fizemos? Vai
ser estranho olhá-lo nos olhos, sabendo o que ele me fez. E o quanto eu gostei.
Será que ele achou que parecia estúpida, agarrada ao vidro e praticamente a
implorar-lhe que me continuasse a tocar? Será que me acha uma criaturinha
patética que de repente está viciada no seu toque, na sua boca?
Porque é assim que me sinto. Viciada. Assoberbada. Carente.
Fecho os olhos e inspiro fundo, lembrando-me a mim mesma de que consigo
fazer isto. Consigo encará-lo amanhã e consigo fazer de conta de que nada
alguma vez aconteceu entre nós.
Eu consigo.
VINTE E CINCO
CREW

Estou à espera em frente ao dormitório da Wren, embrulhado no meu casaco


mais quente, um gorro, luvas e um cachecol, mas estou na mesma a rapar frio.
O sol brilha com intensidade no céu, mas faz pouco para me aquecer os ossos.
Todo o campus está coberto por uma camada espessa de neve e, felizmente,
alguém se levantou com a alvorada para abrir caminho nos passeios e nas
passagens.
Ela ainda não apareceu e estou a ficar preocupado. A campainha vai tocar em
breve. A estas horas ela costuma estar a ir para a entrada da escola, e os meus
amigos não param de me mandar mensagens a perguntar onde é que estou.
Ignoro-os. Só consigo pensar na Wren. Na maneira como ela fugiu de mim
ontem à tarde. No quão traumatizada parecia quando o pai lhe ligou e nos
interrompeu. Tenho a certeza de que isso lhe mexeu com a cabeça e a fez
sentir-se como uma pecadora ou algo do género, apesar da promessa de pureza
dela não ter nada que ver com religião, pelo que consegui perceber.
É apenas uma promessa que fez ao pai, e a ela mesma, de não ficar com o
primeiro gajo por quem se sente atraída.
Se a promessa realmente tinha um significado religioso, então suponho que
sou mesmo o diabo que a está a conduzir à tentação.
Não consigo parar de pensar nela. Na forma incrível como responde. Na
maneira sedenta como me beijou. Em quão molhada a cona dela estava — ela
estava excitada ontem, isso foi óbvio. E aquela cona virgem era tão apertada,
tão suave e quente…
Surpreende-me que não tenha explodido nas calças.
Claro que, quando a palavra «Pai» apareceu a piscar no ecrã ao mesmo tempo
que lhe metia os dedos, isso foi certeiro a acabar com o meu tesão.
O meu telemóvel vibra e, irritado como tudo, vou ver o que se passa. Outra
mensagem.
Malcolm: Onde é que andas, caralho? A aula vai começar daqui a nada.
Eu: Adormeci. Já estou a ir. Não te preocupes comigo.
Malcolm: Alguém tem de o fazer.
Sem me dar ao trabalho de responder, guardo o telemóvel, sempre de olhos
postos nas portas duplas do edifício do dormitório. Chegámos a um ponto em
que estou praticamente a tentar manifestar a Wren com a minha mente, e,
quando a porta da direita se abre e ela aparece, quase me vou abaixo com o
alívio. Ela está tão embrulhada e protegida quanto eu e está a usar botas para a
neve, em vez dos seus típicos sapatos Mary Jane, collants de lã espessos e está
ainda envolta num casaco puffer gigante. Tem um daqueles gorros que as
raparigas adoram usar com um pompom no topo, com luvas e um cachecol a
condizer. Mal consigo ver a sua cara linda.
Ela está tão focada no seu caminho para os edifícios do campus que nem me
vê.
— Wren!
Os olhos dela arregalam-se quando me encontram à espera dela, e começo a
andar na sua direção, com passos cautelosos para não escorregar e partir um
osso no gelo.
— O que é que estás aqui a fazer? — pergunta.
Parece nervosa.
— Queria falar contigo. — Paro mesmo à frente dela, tentado a puxá-la para
os meus braços e segurá-la contra mim. Mas ela parece mesmo assustada. —
Certificar-me de que estavas bem depois de ontem.
— Oh. Estou bem.
— E está tudo bem com o teu pai?
— O meu pai? Oh, sim, ele está bem. Estava só a ver como eu estava. Tem
ligado todos os dias desde que anunciaram o divórcio.
Ela fecha a boca com brusquidão, como se não quisesse dizer mais nada sobre
os seus pais ou o divórcio.
— Iá, ele meio que nos… interrompeu — digo-o de propósito, pois quero
voltar a conversa para o momento de ontem na biblioteca. Afetou-a tanto
quanto a mim? Ela ficou tão aturdida quanto eu pela intensidade do encontro?
Nem durou assim tanto, mas sei que se tivesse continuado lhe teria dado um
orgasmo.
Se ela me tivesse deixado, tê-la-ia fodido contra aquela janela. E ela teria
gostado de todos os segundos.
Bem, talvez não. Ela é virgem.
Mas eu queria, sem dúvida, fodê-la contra aquela janela, isso é mais do que
certo.
— Eu sei. — A voz dela é quase um sussurro, e quando baixa a cabeça, o
cabelo cai-lhe para a frente, o pompom no topo da sua cabeça abana. —
Desculpa.
Aproximo-me e ponho os dedos por baixo do queixo dela, inclinando a cara
para cima, para mim.
— Não peças desculpa. Fazes isso muitas vezes.
— Eu sei. — Ela engole visivelmente. — É um hábito que estou a tentar
quebrar.
— Estás mesmo bem, Birdy? Pareces…
Assustada.
Vulnerável.
Linda pra caralho.
— Eu estou bem. Eu só… nós provavelmente não devíamos ter feito aquilo.
— Ela está a falar tão baixo que mal a consigo ouvir.
— Arrependes-te do que aconteceu?
Ela está a abanar a cabeça.
— Provavelmente, fiz tudo mal.
— Foste perfeita. — Foi mesmo. E estou a repetir as palavras exatas que ela
me disse ontem.
— Fui?
Odeio como esta rapariga duvida dela mesma. Alguém mexeu mesmo com
ela, pela negativa, para a deixar tão insegura.
— Sim. — Puxo o cachecol dela para baixo, expondo-lhe o rosto para lhe
tocar. — Foste mesmo.
Ao longe, ouvimos o toque da campainha, uma vez que estamos afastados do
edifício principal onde temos a maior parte das nossas aulas, e o olhar de
pânico que passa pela cara da Wren é quase cómico.
— Temos de ir! — Ela desata a correr, e os seus pés escorregam no gelo, mas
agarro-a pelo braço para impedir a queda.
— Tem calma. Ainda partes alguma coisa. — Entrelaço os nossos braços e
começamos a andar. — Está tudo bem. Podemo-nos atrasar.
— O Fig não vai gostar — diz ela. Os seus pés parecem andar com o dobro
da velocidade para acompanhar a minha passada contínua. Consigo senti-la a
escorregar novamente e, mais uma vez, seguro-a.
— O Fig pode-me chupar a piça — resmungo.
— Oh, isso é um bocado nojento — repreende-me, mas, quando olho para
ela, não consigo ver nada além dos seus olhos graças ao cachecol.
E estão a brilhar.
— Acho que te estás a habituar à minha boçalidade — digo, a brincar com
ela, e guio-a pela passagem que vai dar às traseiras do edifício principal.
Consigo ver os estudantes a correrem pelos corredores através das janelas das
portas duplas e sei que vamos acabar por chegar uns minutos mais tarde.
Podemos culpar o tempo, mas tenho a certeza de que o Fig não vai acreditar.
Ele não é o tipo de professor que quer saber de atrasos, mas tenho a sensação
de que comigo vai querer saber.
Ele odeia-me.
O sentimento é mútuo, por isso tudo bem.
— Por acaso também acho que sim — diz ela com sinceridade, e não consigo
evitar uma risada.
— Mais cedo ou mais tarde, vais começar a largar uns «foda-se» aqui e ali,
Birdy.
— Oh, duvido. Não consigo imaginar dizer essa palavra.
Eu consigo. Quando ela estiver nua, ofegante e a morrer para que eu a faça
vir. Vou fazê-la implorar. Vou obrigá-la a dizer «Fode-me, Crew» e, quando
finalmente entrar dentro dela, ela vai-se vir em cima da minha piça.
Sim, são estes os pensamentos com que ando a lidar desde ontem à tarde.
Todos com a Wren enquanto protagonista principal das minhas fantasias mais
sujas.
A última campainha começa a tocar, e agora é a Wren que vai a correr à
minha frente, com o seu braço ainda em torno do meu, por isso está quase a
arrastar-me atrás dela. Entramos de rompante pelas portas duplas, virando à
direita na direção da sala de Inglês. A porta está fechada, o que não é típico, e a
Wren larga o meu braço para a abrir, comigo mesmo atrás dela.
Corremos para os nossos lugares mesmo a meio da chamada que o Figueroa
está a fazer, e observo num fascínio mudo conforme a Wren tira o casaco e o
pousa na cadeira, junto com o cachecol, que fica a pender das costas da cadeira.
Ela tira o chapéu, abana a cabeça e todo aquele cabelo castanho sedoso cai em
cascata além dos seus ombros.
Imediatamente, quero tocar-lhe no cabelo. Sentir as mechas suaves enroladas
em torno dos meus dedos.
Em vez disso, tiro o casaco, e o meu olhar encontra o do Fig, que me está a
fulminar com os olhos como se me quisesse arrancar a cabeça.
Vem daí, mano.
— Hoje vamos trabalhar nos nossos ensaios para O Grande Gatsby — anuncia
ele, enquanto começa a andar pela frente da sala. — Por esta altura, já devem
estar a acabar o livro ou já o devem ter acabado. Vamos ter um teste na
próxima semana para os exames finais.
Ouve-se algum descontentamento, mas o Fig ignora-o.
— E devem entregar o ensaio no dia em que voltarmos das férias de Natal.
O descontentamento atinge agora a sua apoteose. É muito raro os nossos
professores atribuírem-nos projetos nas férias. Eles sabem que precisamos
mesmo das férias e, geralmente, também não querem ter de corrigir testes logo
quando voltam.
Parece que o otário do Fig é a exceção.
— Por isso, vamos usar o tempo da aula desta semana para recuperar na
leitura, vamos falar dos temas que estão no livro e começar o trabalho de escrita
para o ensaio. Se já acabaram o livro e entendem os vários temas dentro da
história, parabéns. Podem considerar-se à frente na maratona e, provavelmente,
vão concluir o ensaio até ao fim da próxima semana, antes do início das férias.
— Ele sorri, ignorando o facto de a maioria estar dececionada.
A Wren levanta a mão, e ele sorri-lhe, o seu olhar complacente.
— Sim, Wren?
Faço punhos com as mãos, a desejar que fosse possível espancar-lhe a cara
nojenta.
— Qual será a temática do ensaio? — pergunta ela com a sua doce voz.
— Ótima questão. — Ele vira-se para o quadro, pega num marcador azul e
começa a escrever com rapidez e vontade. Por fim, afasta-se do quadro e bate
com a extremidade do marcador contra ele. — Como é que o Gatsby
representa o sonho americano? Esse é o tema.
Encosto-me às costas da cadeira, já aborrecido. Consigo trabalhar esse tema
até a dormir. Ainda não li o livro e, provavelmente, devia estudar para o exame
final que aí vem, mas acho que vai correr tudo bem. Há informação suficiente
na Internet ao meu dispor.
São feitas mais algumas questões, mas desligo-me delas, concentrando-me na
Wren sentada à minha frente, com a sua cabeça curvada, e a nuca exposta.
Lembro-me de a beijar ali ontem, de a fazer tremer.
— Senhor Lancaster? Uma palavra?
Olho para cima e descubro o Figueroa a observar-me, as suas mãos nos
bolsos, com uma postura ilusoriamente casual. Percebo que está tenso pela
linha rígida dos seus ombros.
— Claro. — Encolhendo os ombros, levanto-me da cadeira para o seguir para
fora da sala de aula. Os olhos da Wren estão em mim o tempo todo. Olho para
ela de relance e reparo na preocupação contida no seu olhar. Esboço um sorriso
rápido para a acalmar.
O sorriso dela é ténue. Quase invisível.
Esta rapariga preocupa-se demasiado.
Assim que chegamos ao corredor, o Figueroa vira-se para mim com uma
expressão sombria.
— Porque é que te atrasaste?
Isto vindo do professor que, normalmente, se está a cagar para atrasos. Que
nos disse no início do ano que fazer a chamada era uma tarefa que ele odiava,
mas que era forçado a fazê-lo.
— Por causa do tempo. Não estiveste lá fora?
— Limparam os passeios hoje de manhã cedo. Se tivesses saído com tempo,
tinhas chegado a horas. — Ele cruza os braços à frente do peito, na defensiva.
— Os passeios estavam gelados pra caralho.
— Olha as asneiras. — As pálpebras dele tremem, como se tivesse um tique
nervoso qualquer. — Porque é que chegaste tarde com a Wren?
É disto que se trata este interrogatório. O Figueroa está curioso.
— Não tens nada que ver com isso — digo, arrastando as palavras e
encostando-me à parede. — E também só chegámos dois minutos mais tarde.
— Atrasado é atrasado.
— Isto vindo do professor que não quer saber de atrasos.
— Continuo a ter de seguir as regras da escola. — O olhar dele é frio e duro
como ferro. — Assim como tu e a Wren.
— Estás é zangado — murmuro tão baixo que acho que ele não me ouviu.
Mas ouviu. Presencio a raiva que lhe atravessa a cara naquele preciso
momento.
— Explica-me porque é que achas que estou zangado.
— Pelo facto de a Wren não estar interessada em ti, por estar interessada em
mim. Nós já tivemos esta conversa, Fig. E eu disse-te o que ia acontecer. Não
tens a menor hipótese de te meteres nas cuecas dela. — Sorrio, a desfrutar da
raiva que vejo a chamejar nos seus olhos.
— E como é que a menina Beaumont se sentiria ao saber que falas dela desta
maneira?
Até parece um professor antiquado e enfadonho que respeita as suas alunas.
Que monte de merda.
— Primeiro, nunca lhe vais dizer nada, porque sabes que ela ficaria mais
ofendida por tu lhe estares a falar das cuecas dela. E, segundo, eu já estive
dentro daquelas cuecas, por isso ela não o poderia negar mesmo que tu o
mencionasses. — Oh, agora estou-me a sentir mesmo arrogante por ter
mencionado ter estado «dentro daquelas cuecas», adoro.
— Não acredito em ti — diz o Figueroa, através de dentes cerrados.
— Então, força. Pergunta-lhe. — Com um movimento rápido da cabeça,
aponto para a porta da sala fechada. — Chama-a.
— Não me vou envolver nas… atividades sexuais dos meus alunos —
retorque.
Eu rio-me.
— Essa é boa, vinda de ti. Já acabámos esta conversa?
— Vê como me falas. E não te atrases. Para a próxima, escrevo-te um recado.
À Wren também. — As palavras dele saem cortadas por pausas tensas.
Oh, ela não ia gostar disso. Um aviso escrito era capaz de a lançar numa
espiral depressiva.
Endireito-me e, como o idiota que sou, faço-lhe continência.
— Sim, senhor.
Ele olha-me com desprezo, mas não diz mais nada, e entramos os dois na sala
ao mesmo tempo. O olhar curioso da Wren não me deixa por um momento.
Ela vira-se na secretária e baixa a voz, sussurrando:
— O que é que se passou?
— Conto-te mais logo. — Ao olhar para cima, vejo o Fig a observar-nos e
sorrio com superioridade, enquanto estico uma mão e prendo uns fios de
cabelo que se escaparam atrás da orelha da Wren. — Não te preocupes com
isso.
VINTE E SEIS
WREN

Não me consigo concentrar com o Crew tão perto de mim na aula de


Psicologia. É suposto estarmos a trabalhar juntos no plano do nosso projeto, e
eu já tenho a minha parte essencialmente pronta, mas ele ainda não acabou
tudo. Estou a tentar ajudá-lo a apontar as nossas muitas diferenças, mas
acabamos a discutir sobre elas.
Depois, fico distraída pela sua cara estupidamente linda e pelo cheiro
delicioso. Pela maneira como o seu cabelo está tão desgrenhado por causa do
gorro que tem estado a pôr e a tirar o dia todo. Agora está a mascar pastilha
elástica, a fazer estalidos e bolhas com ela, e eu mando-lhe um olhar irritado.
— Tens mesmo de fazer isso?
Ele faz outra bolha aparecer e rebenta-a com os lábios.
— Incomoda-te?
Eu aceno, mas, na verdade, não me incomoda assim tanto. É mais pelo prazer
de lhe complicar a vida.
— Queres uma?
— Não, obrigada. — Estendo o braço para a minha mochila, abrindo o bolso
da frente, de onde tiro um Blow Pop novinho em folha. A minha guloseima
preferida. — Eu prefiro um destes.
O olhar dele cerra-se.
— Estás a pedir problemas a chupar um desses à minha frente, Birdy.
— A sério? — Arranco o plástico e guardo-o na minha mochila antes de pôr
o chupa na boca e de o envolver com os lábios.
O olhar dele repousa na minha boca. Ele fica a ver-me chupar o Blow Pop e,
quanto mais olha, mais quente eu me sinto. De repente, percebo algo.
Para ele, isto provavelmente tem um ar muito… obsceno.
Sou mesmo uma idiota.
Tiro o chupa-chupa da boca.
— Acho que vou comer isto mais tarde.
— Não, ora essa, não pares só por minha causa. — Ele apoia o cotovelo na
extremidade da secretária e pousa o queixo no punho cerrado, sem nunca
deixar de me observar. — Força. Desfruta. É o que eu estou a fazer.
Seguro o chupa-chupa perto dos meus lábios e paro.
— Isto parece obsceno, hum?
— Indecente pra caralho, Bird. Só posso imaginar o que farias comigo dada a
oportunidade.
O meu corpo incendeia-se ao ouvir as suas palavras, a promessa por detrás
delas. Provavelmente faria tudo errado — aquilo que ele está a sugerir. Eu nem
sei se o quero na minha boca assim.
Ou será que quero?
Aquela sensação de ânsia latente e difusa começa fundo na minha barriga, e
empurro o chupa-chupa mais fundo na minha boca, sem nunca quebrar o
contacto visual com o dele. Chupo a guloseima com tanta força que abro covas
nas minhas bochechas, e só aí largo o pau.
— Isso é tudo treino? — pergunta ele.
— Para quê?
— Tu sabes para quê.
Fito-o e tiro o chupa-chupa da minha boca para poder dizer:
— Nunca pensei nisso assim. Simplesmente sempre gostei de chupa-chupas.
O sorriso que lhe aparece na face é lento e… sexy.
— Eu também gosto. Especialmente quando os estás a chupar.
Pelo menos já não está a estalar e a rebentar a pastilha elástica.
Decido mudar de assunto.
— Estás pronto para o teste e para o ensaio de Inglês?
— Claro. — Ele encolhe os ombros. — Vou ver o filme outra vez e ver se isso
acende alguma ideia.
— Já leste o livro? — Eu acabei-o há umas noites.
O Crew abana a cabeça.
— Nem estou a planear lê-lo.
— Crew.
Ele sorri.
— Wren.
— Devias ler o livro.
Ele encolhe os ombros.
— Aborrece-me. O filme é muito melhor.
— Pode não se focar no que é importante para o ensaio do Fig.
Ele faz uma careta à minha menção do Fig.
— Já viste o filme?
Eu abano a cabeça.
— Não.
— A sério? Devias ver. Acho que ias gostar. É muito… bonito.
Rio-me.
— Como assim? — Volto a pôr o chupa-chupa na boca, saboreando o seu
sabor a cereja doce e a maneira como o Crew olha para mim enquanto o estou
a chupar.
— Visualmente, é deslumbrante. E o Homem-Aranha aparece. — Quando
eu franzo o sobrolho, ele continua: — O Tobey Maguire.
— O Homem-Aranha do Tom Holland é melhor — digo automaticamente,
à volta do chupa-chupa que ainda está na minha boca, porque realmente
acredito nisso.
O Crew faz uma cara feia.
— Nem pensar. O Tobey é o Homem-Aranha da minha infância. Será
sempre o Homem-Aranha.
— Como é que está a correr?
Assustamo-nos os dois com a questão e, olhando para cima, encontramos a
Skov diante das nossas secretárias, a observar-nos com uma expressão divertida.
Eu tiro o chupa-chupa da boca.
— Bem.
O olhar dela salta do Crew para o meu.
— Vocês parecem estar a entender-se bem.
— Ela é porreirinha — diz o Crew, com uma voz arrastada, o que lhe merece
um olhar irritado da minha parte.
— Hum hum. Tenham cuidado. Eu não planeei começar um romance ao
criar este par. — Ela desaparece antes que possamos responder.
Partilhamos um olhar rápido antes de olharmos para longe um do outro, e o
meu rosto parece estar a arder.
Somos assim tão óbvios? Parecemos um potencial romance? Acho que não.
Na maior parte do tempo, ele dá-me vontade de trepar as paredes com as coisas
que diz e a maneira como se comporta. Não posso negar que me sinto atraída
por ele e deixei-o tocar-me de uma forma muito íntima ontem, mas nunca
achei que fôssemos óbvios.
— Wren. — Volto a olhar para o Crew quando ele diz o meu nome. —
Tenho uma ideia.
— Qual? — pergunto.
— Vem ter ao meu quarto hoje à noite. Podemos ver O Grande Gatsby juntos.
Eu devia mesmo dizer que não.
— Vamos estar a quebrar as regras — replico, a soar como a boa rapariga que
realmente sou. — Eu não posso ir para o teu quarto. Não há supervisão.
— Wren. É só um filme. — Ele sopra uma bolha com a pastilha elástica, e
não consigo resistir. Rebento-a com o meu dedo indicador, e a pastilha
explode-lhe na cara linda. Ele tira-a com facilidade e agarra no meu caderno,
arrancando um pedaço de papel em branco onde guarda a pastilha no centro,
depois, amassa o papel numa bola ao redor da pastilha. — Anda lá. Diz que
sim.
Eu chupo no doce, ponderando. Definitivamente, devia dizer que não. Quer
dizer, suponho que não existam regras para o Crew, tendo em conta que ele é
um Lancaster. Mas o que acontece se eu for apanhada no quarto dele? Vou ficar
em sarilhos? Chamariam os meus pais? Céus, morreria de vergonha. O meu pai
provavelmente iria pôr-me de castigo para a vida. Exigiria que voltasse a casa e
manter-me-ia trancada no quarto, forçando-me a acabar as aulas online até ao
fim do ano.
Nem pensar que alguma vez quereria que isso acontecesse.
— Eu não sei…
O Crew agarra no pau do chupa-chupa e puxa-o para fora da minha boca.
— Ei! — protesto.
— Diz que sim, e eu dou-to de volta. — Ele segura a guloseima mesmo fora
do meu alcance.
— Eu não quero arranjar problemas — admito, pondo-me séria.
A expressão dele também se torna séria.
— Eu não deixo que nada te aconteça, Birdy. Podemos começar o filme cedo.
Podes voltar para o teu quarto antes da hora de recolher.
— Prometes?
— Sim. — Ele enfia o Blow Pop na boca.
— Que nojo, não podemos partilhar isso — protesto.
— Porque não? — Ele tira-o da boca e tenta dar-mo de volta.
Eu abano a cabeça.
— Acabaste de o tirar da boca.
— Eu tive a minha boca na tua ontem — recorda-me, a voz num tom mais
baixo, e o seu olhar a aquecer. — Lembras-te?
Como é que me poderia esquecer?
Esta ideia de ver o filme juntos é uma má ideia. Posso acabar por fazer alguma
coisa de que me vou arrepender.
— Aparece às sete — diz-me ele, enquanto tira o chupa-chupa da boca e o
lambe com a língua. A minha respiração começa a acelerar. — Tens tempo de
voltar ao teu dormitório até às dez.
— Quantas horas tem o filme?
— Não sei. Umas duas horas? Vou ter tudo preparado e pronto para
visualização pelas sete. — Ele tenta passar-me o chupa-chupa. — Tens a certeza
de que não o queres de volta?
— Fica com ele — murmuro. — Eu não devia aparecer.
— Provavelmente não devias aparecer — concorda. — Mas vais aparecer.
Estou prestes a entrar no meu dormitório quando vejo a Maggie a caminhar
na minha direção. Paro e fico à espera dela, feliz por lhe ver um sorriso na cara,
coisa que já não via há algum tempo.
— Como é que estás? — pergunto enquanto entramos no edifício. O interior
está tão quente que começo de imediato a desenrolar o cachecol do meu
pescoço, a tirar o gorro e a enfiá-lo no bolso do casaco.
— Estou bem! — Os olhos dela estão a brilhar, e ela agarra-me no braço,
apertando-o com força.
— Falei com o Fig— declara num murmúrio.
— Ai, sim?
Ela acena.
— Queres vir para o meu quarto para te contar a conversa?
— Claro.
Vivemos as duas no andar onde estão as suites individuais, o que significa que
não temos de partilhar quarto com ninguém. Nos meus primeiros três anos
aqui, tive sempre uma colega de quarto e lembro-me bem de pensar que mal
podia esperar para chegar a este ponto, em que não tenho de partilhar espaço.
Agora até tenho algumas saudades. Uma colega de quarto é uma amiga que já
vem no pacote. A Maggie foi a minha colega de quarto no meu segundo ano e
desde então que somos próximas.
Tivemos os nossos altos e baixos, mas estou a tentar ser uma boa amiga para
ela e não a julgar. E acho que ela está a fazer o mesmo.
Assim que damos por nós abrigadas em segurança no seu quarto, longe de
olhos intrometidos e de ouvidos atentos, a Maggie pode falar sem restrições.
— Finalmente consegui estar com ele a sós na sala de aula e basicamente
forcei-o a falar comigo — diz ela, a andar de lado para o outro no quarto.
Parece agitada.
Sento-me na sua cadeira da secretária, observando-a.
— Tiveste de o forçar a falar contigo?
Um suspiro deixa-a, ela vai até à janela e fica a olhar para o exterior.
— Eu sei que parece mal. Até para mim. Mas ele tem-me evitado mais ou
menos desde a última semana. A cena da gravidez assustou-o mesmo, e não o
posso culpar.
— Então estás mesmo grávida?
Ela vira-se para me encarar.
— Sim. Já vou em dois meses. Mais próximo das dez semanas. Primeiro, ele
tentou convencer-me a abortar, mas eu disse-lhe que nem pensar. Quero ficar
com este bebé.
— Mas ele não quer que fiques?
— Foi isso que ele disse no início, mas mudou de ideias. Ele quer que eu
tenha o bebé. — A cara dela abre-se num sorriso enorme, e eu queria ser capaz
de sentir a mesma felicidade. — Ele quer fazer o mais correto por mim, e
apoiar as minhas decisões.
O que é que isso quer dizer?
— Vais voltar para o próximo semestre? — Vou ter saudades dela se não
voltar. Mas como é que ela pode vir grávida para aqui concluir o ano escolar?
Com toda a gente a saber que o bebé é do Fig, mesmo que ela nunca o diga? E
como é suposto que o ex-namorado reaja a isto? — E quando é que fazes
dezoito anos?
— Só em março. — Ela abana a cabeça. — Isso é um pequeno problema.
Pequeno? É um enorme problema. Ele teve sexo com uma menor de idade.
A desilusão que me preenche em torno deste assunto é quase assoberbante.
Eu pensei que ele era um bom professor. Que era bondoso e que se preocupava
connosco. Agora sinto que anda só à caça de uma nova namorada a cada
semestre, e esta lixou-lhe os planos à grande ao engravidar.
Ele achou mesmo que se podia aproveitar de mim da mesma maneira?
— É um grande problema — murmuro e consigo perceber a irritação que se
acende nos seus olhos.
— Olha, quando te apaixonas, a idade não importa. Não que tu fosses
perceber — atira ela.
Uf.
— Eu estou a tentar perceber. Eu sei que estás apaixonada por ele. Consigo
vê-lo nos teus olhos.
A expressão dela suaviza. Ela está só à defensiva, e não a posso culpar por isso.
— Estou. E tenho quase a certeza de que ele também me ama, mas tem
estado tão estranho ultimamente. Até ter falado com ele hoje. — Ela está
luminosa de tão feliz, e eu juro que parece absolutamente radiante. — Vamo-
nos encontrar hoje e vamos falar.
— Onde é que se vão encontrar?
— Eu vou-me embora com ele ao fim do dia. Ele ainda está a trabalhar, mas,
mais logo, vou-me esgueirar com ele de carro e vamos para casa dele. — A
expressão dela torna-se séria. — Não digas a ninguém, está bem? Se formos
apanhados…
Ela não precisa de acabar a frase. Vão estar os dois em grandes apuros.
Sobretudo o Fig.
— Eu não digo nada — prometo. — Mas… tem cuidado, está bem, Maggie?
Tens a certeza de que ele está bem com a gravidez? Se alguém descobre, a
carreira dele acabou.
— Vai tudo compor-se, eu sei que sim. Ele ama-me. Prometeu que ia tomar
conta de mim.
Ela faz um esgar e passa a mão sobre a frente do seu estômago.
Fico imediatamente preocupada.
— Estás bem?
— Às vezes, tenho uma cãibra estranha. Estou bem. — O sorriso dela é
ténue, como se tivesse de o forçar. — E tu, como estás? O que é que se passa
contigo e com o Crew?
Carrego o meu sobrolho.
— O que queres dizer? Não se passa nada comigo e com o Crew.
— Por favor. — Ela revira os olhos. — Ele agora senta-se atrás de ti na aula
de Inglês. E está sempre a olhar para ti. Como se te estivesse a imaginar nua.
Sinto as minhas bochechas a aquecer.
— Não sei se isso é verdade.
— Oh, mas eu sei. Eu conheço esse olhar. Acho que ele gosta de ti.
— Temo-nos estado a dar bem, por causa do projeto.
Sou mesmo mentirosa. É mais do que isso, eu é que não o consigo admitir.
Mesmo depois de a Maggie ter partilhado o seu segredo mais íntimo, eu não
sei se consigo confiar nela.
Ou em mim.
— Continua a dizer isso a ti mesma. — O sorriso da Maggie é conhecedor.
— Queres saber a minha previsão?
— Não.
Ela ignora a minha resposta.
— Tenho a sensação de que vais ter um namorado no começo do próximo
ano. E o nome dele é Crew Lancaster.
VINTE E SETE
WREN

Não vás.
Essas duas palavras são sussurradas na minha mente enquanto me dirijo ao
refeitório mais cedo para jantar. Sento-me com a Lara e a Brooke, sem
realmente ouvir o que elas estão a coscuvilhar sobre todas as outras pessoas na
nossa turma.
Assim que acabo de comer, volto para o meu quarto, e aquelas duas palavras
ecoam no meu cérebro conforme caminho. O passeio está lamacento e
molhado por causa da neve que foi derretendo. O céu já está escuro e, em
breve, o passeio vai voltar a congelar.
Espero não partir o pescoço quando for ter com o Crew.
Não. Não vás.
Tomo um duche e lavo o meu cabelo. Faço a depilação nas pernas e em todas
as outras áreas que me ocorrem. Besunto a pele com a minha loção corporal
favorita. Seco o cabelo, enrolando as pontas com uma escova de enrolar.
Coloco uma camada fina de rímel nas pestanas e aplico o meu bálsamo labial
favorito. Aquele que deixa os lábios mais rosados.
Visto a roupa interior mais bonita que tenho — um par de cuecas de algodão
cor-de-rosa com uma cinta em renda e uma bralette que, de alguma maneira,
convenci a minha mãe a comprar-me há uns anos, quando fomos juntas às
compras. É branca e com renda, e eu nunca a usei.
Até agora.
A minha intenção é clara. Eu vou ter com o Crew e estou a usar a roupa
interior mais sexy que tenho, que não é assim tão sexy, mas enfim.
Estou a tentar.
Visto um hoodie preto e as minhas leggings pretas favoritas e calço um par de
botas UGG velhas que não me importo de molhar na neve. Depois, visto o
meu casaco puffer e vou até ao espelho para ver como ficou o conjunto.
Aborrecido. Normal. Não pareço diferente do costume. Decididamente não
pareço uma rapariga que está com esperança de que um rapaz lhe meta a mão
nas cuecas outra vez.
Um som frustrado deixa-me, e pego no telemóvel e no meu passe para o
edifício do dormitório, trancando a porta atrás de mim antes de sair.
Ninguém repara em mim a sair. Nem a AR que está sentada na receção. Ela
está demasiado ocupada a responder a perguntas de um grupo de raparigas ao
redor da sua secretária, e não quero saber o suficiente para ficar por perto a
ouvir do que se estão a queixar.
Está frio e escuro, e eu vou percorrendo o caminho com cuidado ao longo do
passeio, notando como este está escorregadio. Não há mais ninguém cá fora, e
uma névoa paira no ar, o que me faz sentir grata por ter trazido o gorro. Ponho
o capuz da camisola para cima, acrescentando outra camada de proteção ao
cabelo que acabei de secar.
O quarto do Crew fica num dos antigos edifícios que costumavam albergar os
funcionários que viviam no campus. Agora, tem algumas suites para os
membros da família Lancaster, mas é maioritariamente utilizado para
armazenamento. Nunca fui até lá.
Nem uma vez.
Puxo a maçaneta metálica, fria ao toque, abrindo a porta, que faz um rangido
alto num silêncio de outra forma absoluto. Assim que estou lá dentro, noto a
calma silenciosa no ar do átrio, lembrando-me de que sou só eu e o Crew aqui.
Mais ninguém.
Uma corrente de medo começa a fluir por mim, mas afasto-a. Ele provou que
sabe como ser simpático comigo, apesar de também já ter testemunhado a sua
raiva e maldade.
Talvez isso seja metade da atração. Nunca sei o que me vai sair quando estou
com ele.
Desço o corredor e vejo uma porta aberta mais à frente. A luz que vem de
dentro do quarto ilumina o chão. Subitamente, ele aparece, de pé no feixe de
luz, demasiado atraente no seu hoodie azul-marinho, que se parece com o meu,
e um par de calças de fato de treino cinzentas com o logotipo Propriedade da
Lancaster Prep no lado direito da anca.
— Chegaste. — Ele sorri levemente à medida que me aproximo. — Não
achei que fosses aparecer.
— Eu também não achei — respondo-lhe honestamente. Paro mesmo à
frente dele. — Devo ir-me embora?
— Queres ir? — Antes de poder responder, ele acrescenta: — Não penses
muito nisso. Diz só sim ou não.
— Não. — Endireito a coluna. — Não me quero ir embora.
Ele estende a mão para o seu quarto.
— Então entra.
Entro na suite, olhando em redor, tentando absorver tudo. O quarto é
enorme. Há uma cama gigante mesmo ao meio, pelo menos de tamanho king,
com uma mesinha de cabeceira a flanquear cada lado, e ambos os candeeiros
estão acessos. À esquerda da cama há uma secretária com uma cadeira cara e, à
direita, uma cómoda. Uma porta aberta à direita da cama conduz a uma casa
de banho.
— O teu quarto é bonito — digo, a sentir-me nervosa.
— Obrigado. — Ele vem até mim. — Queres tirar o casaco?
— Oh, sim. — O Crew ajuda-me a tirar o casaco, e eu sorrio-lhe. —
Obrigada.
— Não fiques com esse ar assustado, Birdy. É só um filme. — Ele pega no
casaco e pendura-o no cabideiro perto da porta, que fecha de seguida.
E tranca.
Reparo no portátil no centro da cama.
— Onde é que vamos ver o filme?
— Achei que podíamos descontrair a ver o filme na minha cama — sugere,
num tom casual.
— Na tua cama? — A pergunta sai-me como um guincho, enquanto tento
engolir o nervosismo que sinto.
— Eu não vou tentar fazer nada que não queiras — diz ele.
Pois, mas é esse o problema. Eu posso querer que ele tente fazer todo o tipo
de coisas…
— Não, pode ser. — Assumo um ar desinteressado, porque posso. Eu não
tenho medo dele. Ou desta… ligação que está a crescer entre nós. É
irreprimível e, sim, também é um bocadinho assustadora, mas estou tão
cansada de ter medo de rapazes e de beijos e de corpos nus e de sexo.
É natural. Eu sou quase adulta. Falta menos de um mês para o meu décimo
oitavo aniversário. Já não devia ter sido beijada por um ou dois rapazes por esta
altura? Ter-me apaixonado, apenas para ver o meu coração estilhaçado num
milhão de pedaços pelo rapaz?
— Queres alguma coisa para petiscar? — Ele vai até uma prateleira que me
tinha escapado quando entrei no quarto pela primeira vez, e apercebo-me de
que há um pequeno frigorífico dentro da suite. Ele tira um saco de pipocas da
prateleira, juntamente com uma caixa de Milk Duds, e oferece-me ambos. —
Tenho mais.
Eu tiro-lhe o saco de pipocas das mãos.
— Podemos partilhar.
— Queres beber alguma coisa? — Ele baixa-se, abre o frigorífico, e consigo
ver umas garrafas de água e latas de Coca-Cola. Umas quantas garrafas de
cerveja.
— Só água, por favor.
Quando ele se levanta e me passa a garrafa de água, tiro-lha das mãos,
agradecendo num sussurro, e os nossos olhares cruzam-se. Ele parece nervoso.
Por me ter no seu quarto?
Não é um comportamento muito normal do Crew.
Observo-o a instalar-se na cama primeiro. Ele tem uma pilha de almofadas e
encosta-se contra um monte, depois, dá um toque no lugar vazio à beira dele.
— Senta-te.
Pouso a minha garrafa de água na mesinha de cabeceira antes de me juntar a
ele, atirando o saco de pipocas na sua direção. Ele apanha-o e pousa-o ao seu
lado, antes de se inclinar e pegar no portátil.
A cara do Leonardo DiCaprio aparece a ocupar o ecrã, está elegante no seu
fato, com o seu cabelo dourado escovado para o lado.
— Pronto a visualizar, tal como prometido — diz o Crew e, quando me olha,
eu sorrio.
— Mete a dar então. Tenho de voltar ao meu dormitório dentro de… —
Verifico as horas no seu portátil. — Pouco mais de três horas.
— Apareceste cedo.
— Estava preocupada com o tempo que ia demorar a chegar aqui. Os
passeios estão a ficar escorregadios.
— Está frio lá fora.
— Mas aqui está agradável e quentinho.
Ele não diz nada, pressiona apenas a barra de espaço no seu portátil e o filme
começa a dar. Ele segura o portátil no colo, virando-o para que eu também
consiga ver, e eu cedo ao conforto e inclino a cabeça contras as almofadas atrás
de mim. Viro-me de lado para chegar ao saco de pipocas. Abro-o e tiro uma
mão cheia antes de o devolver ao Crew, e partilhamos o saco. Ocasionalmente,
vamos pondo as mãos lá dentro ao mesmo tempo. Os nossos dedos colidem.
Entrelaçam-se.
Estou dolorosamente ciente da sua presença e nem me consigo concentrar no
filme, apesar de o Crew ter razão. O filme é visualmente deslumbrante, e quero
prestar atenção, mas o Crew é uma verdadeira distração.
Ele está tão próximo. Eu podia estender os dedos e tocá-lo com facilidade.
Estudo-lhe a cara, a maneira como o seu cabelo lhe cai na testa, e como ele o
está sempre a empurrar para trás. Ele tem um cheiro limpo e fresco, como se
tivesse tomado um duche antes de eu chegar, e estou tentada a enterrar a cara
no seu pescoço, para lhe inalar o cheiro.
O Crew muda de posição, para imitar a minha, e repousa a sua cabeça num
monte de almofadas, deitado de lado. Coloca o portátil entre nós antes de me
olhar de soslaio, apenas para me encontrar já a observá-lo.
E não deixo de o fitar. É como se não conseguisse.
O olhar dele desce para a minha boca, detém-se nela antes de, finalmente, me
olhar nos olhos.
— Não me devias olhar assim.
— Assim como? — sussurro, a minha pele é percorrida por uma sensação de
formigueiro com a consciência da sua proximidade, quando ele estende a mão
e me afasta o cabelo da cara. O seu toque é tão gentil que fecho os olhos por
um momento, saboreando a sua proximidade. O facto de estar aqui com o
Crew. Só nós os dois. Deitados na sua cama.
Vai contra tudo o que eu alguma vez preguei. E todas as raparigas que
menosprezei por sucumbirem a um rapaz. Como eu as achava fracas.
Agora sou tão fraca quanto elas e entendo.
Percebo.
— Como se quisesses que eu te beijasse — murmura, passando as pontas dos
dedos pela linha do meu maxilar. — Abre os olhos, Birdy.
Faço o que ele diz. Inspiro fundo quando vejo o quão próxima a sua cara está
da minha.
— Estás tão bonita — murmura. O seu polegar vagueia pelo meu lábio
inferior. — Pensei que me odiavas.
— E odiava — digo, com hesitação.
Ele sorri, é uma visão que me aquece por dentro.
— Eu também te odiava.
— Porquê? — Estou genuinamente curiosa. — Eu nunca te fiz nada.
— Chegaste a esta escola e eras uma autêntica desconhecida. Ninguém sabia
quem raios eras, mas, apesar disso, toda a gente te queria conhecer. Se queria
aproximar de ti, te queria copiar, ser teu amigo. Incomodou-me. — Aparece
um laivo de irritação nos seus olhos. Tão rápido quanto aparece, desaparece.
As palavras dele fazem-me sentir mal. Ele ainda se sente assim em relação a
mim? Eu não gostava dele porque ele estava sempre a fulminar-me com os
olhos. Assustava-me.
— Achava que eras só tanga. Ninguém podia ser assim tão querida, tão
simpática, tão bela. Achei que estavas a esconder um segredo feio e sombrio. —
Ele fecha os dedos em torno do meu queixo, inclinando-me a cabeça para
cima. — Mas não. Tu és mesmo querida.
Faço-lhe uma cara feia.
— Não sou sempre querida.
— Eu sei. — Ele inclina-se, a boca dele quase a tocar na minha. — Às vezes,
és indecente, não és? Gostaste de ter os meus dedos dentro de ti.
Liberto uma respiração trémula, e ele beija-me outra vez, a sua boca demora-
se sobre a minha, a sua língua desliza e dá-me uma lambidela provocante, antes
de ele se afastar.
— Estavas tão molhada.
As minhas maçãs do rosto ruborizam de calor. A maneira como ele está a
reavivar todos os detalhes mortificantes daquela tarde é embaraçosa.
— Molhada para mim — segreda contra a minha boca, antes de me beijar
profundamente, a sua língua a empurrar, a roçar contra a minha. Ele aproxima-
se mais de mim, fechando o portátil com o pé, interrompendo o filme e
deixando o quarto em silêncio. O único som é o encontro dos nossos lábios. O
barulho da roupa quando ele me puxa para mais perto, um suspiro que cai dos
meus lábios quando ele me beija a garganta.
— Hoje estavas a deixar-me louco durante a aula — admite, a falar contra o
meu pescoço.
Envolvo-o com os braços, ouso meter-lhe uma mão por baixo da camisola,
para lhe sentir a pele nua e quente.
— Como?
— Com aquele maldito chupa-chupa. Com a maneira como o estavas a
lamber. Tu não queres saber o que eu te imaginei a fazer. — Ele levanta a sua
cabeça para o seu olhar se encontrar com o meu.
— Diz-me o que querias que eu…
Ele silencia-me com os seus lábios, roubando outro linguado profundo antes
de se afastar, a sua respiração quente no meu ouvido.
— Imaginei-te a fazer o mesmo com a minha piça. — Ele morde levemente o
lóbulo da minha orelha, provocando um gemido. Ou talvez sejam as palavras
dele que me fazem sentir assim. Carente e impaciente e a querer mais do que
apenas os seus beijos. — Imaginei que estavas de joelhos à minha frente, a
chupar-me. A lamber-me como lambeste aquele chupa-chupa.
Eu nunca pensei que fosse querer fazer algo do género, mas a imagem que ele
está a pôr na minha cabeça faz-me latejar entre as coxas.
— Achas que eu seria boa nisso?
— Eu sei que serias. — Ele deita-me na cama e gira-me, de forma que
metade dele fique sobre mim, a boca dele na minha, a beijar-me como se
nunca se fosse fartar de o fazer. Eu beijo-o de volta com o mesmo entusiasmo e
passo as mãos pelo fundo das suas costas, para cima e para baixo, maravilhada
com o quão suave ele é. Quão quente.
Quero-me aproximar.
O aquecedor está a funcionar no máximo dentro do quarto, e estou a
começar a ficar quente. Mais quente. Talvez esteja relacionado com o facto de o
Crew estar em cima de mim e de ele estar quente como uma fornalha, não sei.
Queria poder tirar o meu hoodie. Mas não trouxe uma T-shirt por baixo e não
posso ficar só de bralette e de leggings enquanto estamos aos beijos.
Ou talvez pudesse…
— Foda-se, estou a arder. — O Crew salta da cama e vai baixar a potência do
aquecedor, antes de arrancar o hoodie, revelando que também não tem nada
por baixo. Eu sento-me, fico a olhar para ele à descarada, os meus olhos
irrequietos olham para todo o lado, sem saber onde parar primeiro.
Todo o ar que inspiro parece ficar bloqueado na minha garganta, deixando-
me incapaz de falar. O corpo dele é lindo. Não há outra maneira de o
descrever. Ombros largos. Peito amplo, firme. Peitorais esculpidos com um
toque muito leve de pelo no centro. Não são muitos. São apenas o suficiente
para me deixar curiosa.
Para me fazer querer tocar neles.
O estômago dele é liso como uma tábua, e os músculos salientam-se sob a
pele quando se move. Há uma zona estreita de cabelos pretos mesmo abaixo do
seu umbigo, um trilho que desaparece na cintura das suas calças, e, de repente,
tenho vontade de traçar esse caminho com os meus dedos. De enfiar a minha
mão dentro da parte da frente das suas calças. Tocar naquele espesso e
quente…
— Estás a olhar, Birdy. — A sua voz profunda assenta entre as minhas pernas,
a pulsar. A lembrar-me do que ele me fez com os dedos da última vez que
estivemos juntos.
Um arrepio move-se através de mim ao recordar esse momento.
— Estás sem camisa, Crew.
Ele olha para baixo, para ele mesmo, e passa a mão pela sua caixa torácica
antes de devolver o seu olhar ao meu.
— Incomoda-te?
Abano a cabeça.
— Não. Eu estou só…
— Chocada?
— Não estava à espera. — Fecho as minhas coxas com força, a sentir-me…
Dorida.
Carente.
— Não quero continuar a ver o filme. — Ele inclina-se e pega no portátil,
pousando-o em cima da secretária. Não se junta a mim na cama.
— Eu também não — admito suavemente.
Entreolhamo-nos durante um momento, e deixo que o meu olhar caia
novamente sobre o seu peito, fascinada. Os meus dedos estão literalmente a
tremer com a ânsia de lhe tocar, e afundo os dentes no meu lábio inferior, a
tentar lutar contra os sentimentos que estão a bombear nas minhas veias.
O pretexto de estar com o Crew para ver um filme por causa de uma aula já
acabou há muito. A sessão de beijos prova isso. Eu sei porque é que ele me
convidou. E sei porque é que apareci.
— Vem cá — exige, e eu não protesto.
Porque é que o faria?
Levanto-me da cama e caminho até ele, deixando-o pegar na minha mão. Ele
puxa-me para perto dele. Estendo uma mão, pousando-a de lado no seu torso.
Sinto a sua carne quente a queimar a minha palma e levanto a cabeça para o
ver já a observar-me, os seus lábios curvados num sorriso matreiro.
— Tenho um mimo para ti.
— O que é?
Ele enfia uma mão no bolso das calças e tira um Blow Pop. Sabor de cereja.
O meu favorito.
Levanto o meu olhar para o dele.
— Porque é que me compraste um chupa-chupa?
Eu sei porque é que ele o fez. Eu só quero que ele o diga.
O Crew inclina-se para mim, a sua boca mesmo à beira do meu ouvido a
fazer-me estremecer.
— Eu quero ver-te a chupá-lo.
O meu corpo inteiro enrubesce com o calor.
— Porquê?
— Não estava a mentir quando te disse que não conseguia deixar de pensar
em ti durante a aula, a chupar aquele Blow Pop. Em como estavas tão sexy a
fazê-lo. Como os teus lábios e língua ficaram vermelhos de estar a lamber a
guloseima. — Ele aninha a cara dele na minha. — Eu quero beijar esses lábios
vermelhos lindos — sussurra-me ao ouvido. — Saborear-te.
Não consigo respirar quando ele se afasta de mim, ostentando um sorriso
convencido enquanto tira o plástico do chupa, que atira por cima do ombro
para o chão.
— Crew. — Estou prestes a dar-lhe um raspanete por ele estar a fazer lixo,
mas ele interrompe-me.
— Chupa. — Ele esfrega o chupa-chupa nos meus lábios. Para a frente e para
trás. Desenha a sua forma com o chupa. Eu entreabro-os, e ele desliza a
guloseima para dentro da minha boca, só um pouco. — Força, Birdy.
Envolvo o Blow Pop com os lábios e começo a chupar. Os olhos dele estão
fixados na minha boca e acendem-se com interesse.
— Mostra-me a tua língua. Lambe-o.
Ele tira o chupa da minha boca, mas deixa-o encostado aos meus lábios.
Como é costume, o Crew pegou numa coisa que começou por ser inocente
— e uma coisa que faço com frequência — e transformou-a em algo obsceno.
Por algum motivo, não me importo. Quero fazer isto.
Quero mostrar-lhe o que consigo fazer com um chupa-chupa.
Faço um esforço para pôr a minha vergonha de lado e, lentamente, começo a
fazer um círculo no topo do chupa com a minha língua. Os nossos olhares
prendem-se, o meu coração acelera. Fecho os olhos e sorvo com voracidade o
chupa, envolvendo-o com os meus lábios antes de o soltar de novo.
— Jesus — murmura ele entre dentes. A voz dele parece revelar uma aflição.
Quando abro os olhos, deparo-me com a sua expressão torturada, e uma
sensação de adrenalina estonteante passa através de mim, juntamente com um
pensamento.
Há poder no sexo. Em mim e na minha sexualidade. Sempre tive tanto medo
dela. Medo de me dar à pessoa errada. Medo de ser humilhada e da vergonha
de ter partilhado o meu corpo com alguém que não o merecia.
E talvez o Crew Lancaster não o mereça, não me mereça, mas estou a dar-me
a ele de qualquer maneira. Já lhe dei uma parte de mim e, ao participar nisto
agora, hoje, estou prestes a dar-lhe outro pedaço.
Consigo ver-lhe nos olhos que ele me quer, e isso é potente. Que ele está a
sentir as coisas com a mesma intensidade que eu.
Porque eu também o quero.
O Crew tira o chupa da minha boca e beija-me. A língua dele empurra e abre
caminho entre os meus lábios, e começa a soar um gemido rouco, baixo, na sua
garganta. É o mesmo som esfomeado que ele faz sempre que me beija, como se
não conseguisse ter o suficiente de mim. Abro-me a ele, deixando-o devorar-
me, a minha língua deslizando contra a dele. Ele chupa-me a língua, e eu
percorro o peito dele com as mãos, maravilhada com a força que sinto a mover-
se por baixo das minhas palmas. Pele quente e lisa, músculos firmes. Aqueles
pelos suaves, provocadores, entre os seus peitorais.
Ele interrompe o beijo primeiro, a respirar com força enquanto me olha.
— Sabes a cerejas.
Eu aceno, a minha mente vazia, e com o corpo inteiro a vibrar. Contemplo a
sua boca e levanto a cabeça para conseguir pressionar os meus lábios aos dele de
novo, e ele agarra a parte de trás da minha cabeça, deixando-me assumir o
controlo. Eu experimento as diferentes maneiras de beijar um rapaz.
Suavemente. Com força. Mordo o seu lábio inferior, e ele rosna.
O som só me encoraja a morder com mais força.
Chupo o seu lábio superior. Traço a sua forma com a ponta da língua. Enfio a
minha língua entre os seus lábios e deslizo-a contra a dele. Agarro na cabeça
dele com as minhas mãos e passo os dedos pelo cabelo sedoso.
As mãos dele descem para as minhas ancas, guiando-me para a sua cama, e eu
deixo-o, sem pensar. Sem querer saber.
Assim que me deitar naquela cama com ele, qualquer coisa pode acontecer.
Qualquer coisa.
Acabo por me sentar no rebordo do colchão, com o Crew de pé à minha
frente. A sua ereção estica a parte da frente das calças e fica praticamente na
minha cara. Eu olho para ela. Ele é tão grande. Grosso.
Tento imaginar o que o Crew quer que eu faça com ele.
— Não precisas de ficar com esse ar assustado. — A voz dele é baixa, meio
áspera e tão incrivelmente sexy. — Hoje é tudo para ti.
Observo-o à medida que ele pega no saco de pipocas e o deixa cair ao chão. O
saco cai para o lado e verte pipocas pelo chão todo. Ele não parece querer saber.
O foco dele está completamente em mim.
Antes de conseguir pensar muito sobre a situação, ele está praticamente em
cima de mim, as minhas costas estão contra o colchão, e o Crew ergue-se,
atraente e sombrio e todo meu.
Pelo menos por esta noite.
Do nada, o chupa-chupa volta, e ele arrasta-o pelos meus lábios. A minha
língua dardeja para fora, lambendo o chupa com entusiasmo, e juro que
consigo sentir a ereção dele a ficar maior contra a minha perna.
— Tens muito jeito com essa língua — diz ele, a sua voz rouca.
Eu rio-me, sinto um poder embriagante a pulsar nas minhas veias. Depois,
dou ao chupa outra boa lambidela.
— Eu tenho uma ideia — começa ele a dizer, agarrando na bainha do meu
hoodie. — Vamos tirar isto.
Uma sensação de pânico atravessa-me, e pouso a mão sobre a dele, parando-o.
— Espera.
Se ele me tirar o hoodie, as coisas vão mudar ainda mais entre nós. Apesar de
já se terem alterado depois do que aconteceu antes. Quando ele enfiou os
dedos nas minhas cuecas e me acariciou até eu estar a gemer e a empurrar-me
contra ele como a rapariga fraca que aparentemente sou.
Ele fica imóvel, e o seu olhar encontra o meu.
— Não te vou obrigar. Tu sabes disso.
Medo escorre pela minha coluna. Eu quero confiar nele. Foi o que fiz naquela
sala secreta na biblioteca, quando ele tinha os dedos entre as minhas coxas.
— O que é que queres fazer? — pergunto.
— Tirar-te a camisola. O teu sutiã. — O olhar dele torna-se mais sombrio
quanto mais me observa.
Derreto com as suas palavras, quão simples e eficazes são. O que ele disse não
devia soar tão bem, mas aos meus ouvidos soa. Afasto a mão da dele e aceno,
dando-lhe o meu consentimento.
Ele tira-me a camisola, puxando-a pela minha cabeça e atirando-a para o
canto. Fico ali deitada com apenas a bralette rendada e delicada, os meus
mamilos a esticarem o tecido fino, todo o meu corpo a aquecer quando ele
olha para o meu peito.
Sem aviso, ele baixa-se, arrastando a boca por um seio, a sua língua sai, veloz,
para lamber um mamilo endurecido por cima da renda. Ele pega na frente da
bralette e, com a mão, abre o fecho, e as copas caem para o lado, expondo-me
por completo.
Ele afasta-se. Contempla o meu peito nu, e as mãos afastam as alças dos meus
ombros. Contorço-me um pouco para sair da bralette e afasto-a. Suspiro de
alívio quando ele devolve a atenção ao meu peito. A sua boca está por todo o
lado, deixando um rasto de fogo onde toca, fazendo-me gemer quando puxa
um mamilo para a sua boca e o chupa com voracidade.
Perco-me na sensação dos seus lábios. No puxar e chupar. Na sua língua
quente que lambe. Que rodeia. Ele levanta a cabeça do meu peito, não sei
como, mas ainda tem o chupa-chupa na mão e estende-o para a minha boca.
— Chupa.
Obedeço e dou-lhe uma boa lambidela. Ele mete-o sobre os meus seios e
arrasta a guloseima brilhante e húmida sobre o meu mamilo. Rodeia-o vezes e
vezes sem conta.
Depois, deixa cair a cabeça sobre o meu peito e chupa o meu mamilo de volta
para dentro da sua boca.
A gemer, enfio as mãos no seu cabelo e seguro-o perto de mim.
Ele mantém esta tortura, como se gostasse de me enlouquecer com luxúria.
De usar o chupa para brincar com a minha carne. De o esfregar contra os meus
mamilos. Ele chupa e morde levemente, enlouquecendo-me. Presta tanta
atenção ao meu peito que, em breve, me torno impaciente, e as minhas pernas
começam a mover-se. Faço-as mexer em tesoura, a tentar afastar o latejar
doloroso entre as minhas pernas. Estou molhada. Encharcada por causa da sua
atenção e, quando ele, por fim, estende a mão para agarrar a cintura das
minhas leggings, praticamente soluço de alívio.
Finalmente, penso eu.
— Vou fazer uma coisa — diz ele, em jeito de aviso, e eu imobilizo-me. —
Não entres em pânico, está bem?
Quando alguém te diz para não entrares em pânico, é precisamente isso que
queres fazer.
— Es-Está bem.
Ele levanta a cabeça, o seu olhar encontrando-se com o meu.
— A sério. Vai saber bem. Confia em mim.
Eu aceno, fechando os olhos quando ele me tira as leggings com um só puxão,
acariciando a minha pele exposta com as mãos. As leggings caem no chão com
um som quase impercetível, e ele começa a percorrer o meu corpo com beijos.
O lado de dentro dos meus joelhos, a parte de cima das minhas coxas. Quando
a boca dele toca na parte da frente das minhas cuecas, coloco os braços à frente
dos meus olhos, ligeiramente envergonhada.
Mas também estou excitada. Uma enchente de humidade escapa-se, e sei que
estou tão embaraçosamente molhada. Mas nem quero saber.
Não consigo.
O chupa voltou a jogo. Ele esfrega-o contra as minhas cuecas, fazendo
pressão.
— Eu vou-tas tirar. — Os dedos dele prendem-se por baixo do elástico da
cintura. — A menos que não queiras que o faça.
Não protesto. Eu quero que ele as tire. Quero ver o que ele vai fazer a seguir.
Não faço ideia. Isto é tudo tão novo para mim, e não tenho experiência
nenhuma. Estou surpreendida por ele ainda não me ter mandado parar porque
já devo ter feito alguma estupidez, de certeza.
Ele puxa as minhas cuecas a partir da cintura. Mantenho o braço sobre os
meus olhos enquanto ele as tira, até estar completamente nua à frente dele.
— Tão linda, Birdy — sussurra ele, num um tom reverencial, e as suas mãos
curvam-se em torno das minhas ancas. Da minha cintura. A minha pele
arrepia-se pela combinação do seu toque com o frio que paira no ar desde que
ele desligou o aquecimento. — Tens noção de como és deslumbrante?
Eu não digo nada. Só me consigo deleitar com os seus elogios. Com a doçura
da sua voz quando fala sobre mim. Como se quisesse saber.
Como se eu fosse importante para ele.
Ele pega no chupa e mete-o na boca. Consigo ouvi-lo a chupá-lo antes de o
retirar da boca de novo.
— Tenho de o deixar bem molhado primeiro — murmura, as palavras com
um toque extra de obscenidade.
E, logo de seguida, ele passa o chupa pelo meu lugar mais privado.
Eu grito, choque e prazer juntos a correr sob a minha pele.
— Afasta as pernas — ordena, e eu faço-o automaticamente, pondo-me em
completa exibição. — Olha para mim.
Retiro o braço dos meus olhos e abro-os lentamente para encontrar o Crew
de joelhos entre as minhas pernas abertas. Os olhos dele encontram-se com os
meus, enquanto levanta o chupa para eu ver. Ele lambe o chupa, a língua dele
envolve-o de uma maneira exagerada, e depois tira o Blow Pop da boca e
devolve-o ao sítio entre as minhas coxas.
Um gemido trémulo escapa-me. Nunca fiz um som assim na minha vida, mas
meu Deus, isto é tão errado, mas é tão bom — o que ele está a fazer ao meu
corpo com o chupa-chupa.
Nunca mais vou olhar para um Blow Pop da mesma maneira.
Ele traça-me por todo o lado com a guloseima. Através das minhas dobras.
Pelo meu clitóris. Para cima e para baixo, dá voltas e voltas, até se deter perto
da minha entrada. Depois, muito lentamente, começa a inserir o chupa dentro
do meu corpo, só um pouco.
— Dói? — pergunta ele.
— N-Não. — Abano a cabeça.
Ele empurra-o mais para dentro. Um gemido deixa-me, e fecho os olhos, a
deixar que a sensação passe por mim conforme ele puxa o chupa quase todo
para fora, antes de o voltar a mergulhar.
Dentro e fora.
Dentro e fora.
O Crew retira o chupa, e eu abro os olhos a tempo de o ver meter o chupa
dentro da sua boca, de o ver a saborear-me. Os meus lábios entreabrem-se. Não
acredito que ele acabou de fazer aquilo.
Quero que continue a fazê-lo.
Ele continua, graças a Deus. Provoca o meu clitóris com o chupa, esfregando-
o em círculos apertados, aumentando o meu prazer. O meu corpo inteiro
parece líquido, solto e lânguido e completamente fora do meu controlo. Estou
a derreter no colchão, completamente perdida e, quando ele empurra o chupa
de novo para dentro do meu corpo, eu levanto as ancas, a querer que vá mais
fundo, mas sei que não vai dar.
É demasiado pequeno.
— Credo. Tens noção de como és sexy, a deixar-me foder-te com este Blow
Pop? — É mesmo isso que ele faz com a guloseima e, no preciso momento em
que me começo a mover com ele, ele tira-o para fora e estende-mo. — Queres
provar?
Quero? Estou prestes a perguntar se quero, mas, quando abro a boca, ele enfia
o chupa lá dentro.
Tentativamente, começo a chupar o doce, a saborear a mistura da cereja
comigo mesma. Há uma sugestão de sal e uma nota amarga que se misturam
com o doce.
— Tão sexy — murmura, de olhos postos em mim enquanto continuo a
chupar o doce. Quando ele o retira da minha boca, os lábios dele embatem nos
meus. Ele beija-me com uma ferocidade que não esperava, e afogo-me no seu
sabor, na sua ferocidade. Na sua necessidade.
Ele está em cima de mim, a impulsionar-se lentamente contra mim ao ritmo
da sua língua ávida, a sua ereção está pressionada diretamente contra o meu
centro. Afasto mais as minhas pernas para o acomodar. Estou nua, molhada e
carente, e é como se ele fosse o único que pode tomar conta de mim.
Ele é o único que pode satisfazer as minhas necessidades.
— Wren — sussurra ele, assim que quebra o beijo, deslizando a sua boca pelo
meu pescoço. — Eu quero dar-te um orgasmo.
— Estou tão perto — admito, a minha pele a vibrar quando ele levanta a
cabeça para me olhar nos olhos. — Estou mesmo.
— Da última vez não te vieste.
Pressiono os lábios, a recordar como fugi dele.
— Assustei-me.
A sensação foi tão avassaladora, eu não sabia como lidar com ela.
Ele beija-me, os seus lábios gentis sobre os meus.
— Eu vou fazer-te sentir bem.
Um brilho de feroz determinação enche-lhe os olhos, e ele desliza pelo meu
corpo, a sua boca e as suas mãos percorrem todos os meus centímetros. O
chupa deixa um rasto pegajoso pela minha pele, mas não me incomoda.
Levanto os braços acima da cabeça, agarro a almofada que está ali e levanto as
ancas. O meu corpo sabe o que quer, mesmo sem ter experiência, e, quando o
Crew faz uma pausa, o seu olhar levanta-se para o meu, sombrio e cheio de
promessa.
— Era parecida com isto?
Franzo o sobrolho, confusa.
— O que queres dizer?
— A pornografia que viste. Quando ele fez um minete à mulher. — O olhar
dele aquece quanto mais me observa.
— Isto é melhor — admito, e ele sorri, mesmo antes de pousar a sua boca em
mim.
Um suspiro irregular deixa-me, e enfio com força as mãos no seu cabelo,
mantendo-o perto de mim enquanto devora a minha carne. A língua dele
lambe e provoca. Ele enfia-a dentro de mim, tira-a para fora. Empurra a língua
para dentro de mim.
Sabe tão bem, mas não parece ser suficiente.
Ele mete o chupa entre as minhas coxas e enfia-o dentro de mim, antes de o
tirar, esfregando-o contra as minhas dobras. Estou a gemer, os meus olhos
fecham-se, as sensações estão a dominar-me de novo, tal como ontem à noite.
Mas não me afasto, procuro a libertação, a minha boca abre-se num grito
mudo à medida que ele aumenta o ritmo, a sua cara esmagada contra mim, a
sua boca a deixar-me num frenesim. Ele substitui o chupa com um dedo,
empurrando-o para dentro de mim, e eu exclamo. Quando ele acrescenta outro
dedo, praticamente grito.
É demasiado. Não é suficiente. Os meus músculos estão tensos, a minha pele
está revestida por suor e, quando ele envolve o meu clitóris com os seus lábios e
chupa, é suficiente.
Estou-me a vir. O meu corpo estremece incontrolavelmente à medida que
canto o seu nome, a parte inferior do meu corpo colide contra a sua cara.
Estou desamparada, completamente fora de controlo, e ele agarra as minhas
ancas e segura-me contra ele enquanto continua a sua deliciosa investida.
É como se estivesse numa autêntica queda livre. Não tenho noção de controlo
sobre o meu corpo. Estou a tremer, a inspirar sofregamente, o meu coração está
a bater com tanta força que sinto que poderia voar para fora do meu peito.
Tento afastá-lo. A minha pele está tão sensível à sua atenção que quase dói, e
ele faz o que eu lhe peço em silêncio, afastando-se de mim. Olho para baixo e
presencio o Crew a esfregar a sua mão contra o lado da sua cara e, quando
deixa a mão cair, vejo que a sua pele e boca estão a brilhar.
Por minha causa.
Ele apanha-me a olhar, e os seus olhos cerram-se um pouco conforme me
estuda. Eu ainda estou a tremer, a minha respiração está errática, e o meu
coração, a disparar. Queria que ele dissesse alguma coisa.
Qualquer coisa.
Ele move-se, de forma a deitar-se do meu lado, a sua mão na minha anca,
puxando-me para ele. Vou facilmente, ainda me sinto sem ossos e articulações
enquanto ele me embrulha com o seu corpo. A sua boca está na minha testa, os
seus dedos, no meu cabelo enquanto murmura:
— Estás bem?
Aceno, encolhendo-me contra ele, pressionando o rosto contra o seu peito.
Preciso que ele me segure. Que diga as coisas certas. Que me garanta que vou
ficar bem.
Eu não me sinto bem. Sinto que estou a sair da minha pele. Como se durante
todo este tempo o mundo me tivesse fechado as portas, e finalmente consegui
vislumbrar o que se esconde lá dentro.
E descobri que é tudo o que poderia querer.
VINTE E OITO
CREW

Viro-me para a cómoda. No espelho que está sobre o móvel, o meu reflexo
devolve-me o olhar. É suposto estar a dar privacidade à Wren, para ela se poder
vestir, mas não consigo evitar olhar para ela enquanto se veste. Olhar para toda
aquela pele lisa e cremosa em exibição, para aquelas mamas perfeitas com os
mamilos rosa que provavelmente ainda estão pegajosos de os ter esfregado com
o Blow Pop.
Não acredito que fiz isso. Ou que a fodi com um chupa-chupa. Mas ela
gostou.
Ela gostou muito.
Dei-lhe o que ela queria ao lhe fazer um minete, pois ela tinha-me dito que
essa tinha sido a sua parte favorita do vídeo pornográfico que viu.
Ao olhar por mim abaixo, apercebo-me de que o meu pénis ainda está a
latejar e reajusto-me. Tento pensar noutras coisas. Na temperatura fria lá fora.
No quão chateado fiquei com o Fig há umas horas.
Alguma da tensão melhora e eu inspiro fundo. Pego no meu hoodie e volto a
vesti-lo.
— Acho que devia ir andando.
Volto a encarar a Wren, notando como ela parece insegura, com o seu olhar
focado no chão, aquele rubor do orgasmo que ainda lhe cobre a pele.
— Não acabámos o filme — continua ela, a falar para o chão.
— Se calhar podias vir cá amanhã, e podemos acabá-lo — sugiro, não
estando de todo a falar do filme.
Os seus lábios reviram-se num pequeno sorriso, e ela atira-me um olhar
rápido. Aperta as mãos à sua frente.
— Talvez.
Estou surpreendido que tenha concordado.
— Devias mesmo vir.
— Que horas são? — pergunta ela, antes de ir até à mesinha de cabeceira e de
pegar no telemóvel. — Já são um quarto para as dez.
— É melhor ir contigo então.
Os olhos dela abrem-se muito, enquanto guarda o telemóvel no bolso do
hoodie.
— Eu posso ir sozinha.
Abano a cabeça devagar, aproximando-me dela.
— Nem pensar que te vou deixar ir a pé sozinha para o dormitório a esta
hora da noite.
— Não vai estar ninguém lá fora.
— Não sabes isso.
— Eu fico bem. — Ela pausa. — E se alguém nos vir juntos?
Acende-se uma irritação dentro de mim que acaba de vez com a minha
ereção. Incomoda-me que ela não queira que ninguém saiba o que estamos a
fazer. Se bem que… o que é que estamos mesmo a fazer? Ainda não tenho a
certeza.
— Eu não te levo até à porta.
— Não sei…
— Vou acompanhar-te até ao teu dormitório. Para de discutir. — Vou até ao
meu armário e pego nas minhas botas. Deixo-me cair na cadeira da secretária
para as calçar, apesar de não estar a usar meias.
A Wren observa-me com uma expressão triste.
— Chateei-te.
— Eu estou só a certificar-me de que ficas bem. Não sei porque é que tens de
discutir comigo sobre isso.
— Está sempre toda a gente a tentar tomar conta de mim. Professores. Os
meus pais. Especialmente o meu pai. Ele é o pior. — Ela levanta o queixo. —
Estou a tentar aprender a tomar conta de mim mesma.
Inclino-me na cadeira, imediatamente a sentir-me como um otário, mas
empurro o sentimento para longe.
— E se alguma coisa te acontecer enquanto voltas para o teu quarto? Eu
nunca me perdoaria.
Ela estuda-me e mete as mãos dentro do bolso do hoodie.
— Mudaste muito ao longo das últimas semanas.
— O que queres dizer? — Franzo o sobrolho.
— Estás muito mais simpático.
Levanto-me e vou até ela, puxando-a para os meus braços.
— E tu estás muito mais mazinha.
Antes de ela se poder queixar, estou a beijá-la, a murmurar a minha aprovação
quando se abre a mim sem hesitação. Raios, esta rapariga é mesmo sexy.
Estamos a dar os passos todos certos, e está tudo a ir dar exatamente ao que eu
quero. Prevejo que lhe vou tirar a virgindade antes de as férias de inverno
começarem.
À velocidade a que vamos, vai ser fácil convencê-la a ter sexo comigo.
E depois o quê? O que acontece a seguir? Faço de conta de que ela não existe,
como aconteceu com as outras raparigas antes dela?
Não sei se consigo fazer isso com a Wren. Ela permanece comigo.
Em mim.
O tempo todo.
Não consigo parar de pensar nela. E depois do que aconteceu entre nós ainda
agora? Esquece. Ela vai-me consumir. Eu sei que vai.
Já o faz.
Quando ela se afasta de mim, os lábios dela estão inchados, a respiração
engata-se na sua garganta.
— Temos de ir.
— Iá. — Beijo-a uma última vez, depois, deixo-a ir e pego no meu casaco
enquanto ela veste aquele casaco preto que tinha por cima do hoodie. Ela calça
um par de UGG podres de velhas, e depois saímos do edifício e entramos na
noite gélida.
Arrasto-a para perto de mim, colocando o meu braço em torno dos seus
ombros enquanto caminhamos ao longo dos passeios congelados, com passos
cuidadosos para não escorregarmos. Não dizemos muito. A nossa respiração
forma pequenas nuvens quando exalamos, e ela está a tremer ao meu lado,
apesar de eu a segurar perto de mim.
Quando o dormitório dela aparece no nosso campo de visão, tenho de a
prender para ela não se soltar de mim.
— Tenho de entrar — diz-me ela, quando lhe apanho o capuz e não o solto.
— São quase dez. Eu não quero arranjar problemas.
O olhar suplicante que ela me lança faz-me abrir mão do capuz, mas ela não
foge.
Em vez disso, atira-se a mim, os seus braços serpenteiam por baixo do meu
casaco para me dar um abraço, e a bola de pelo no gorro dela acerta-me mesmo
na boca.
— Eu diverti-me — murmura.
Diversão. É uma maneira de descrever o que acabámos de fazer.
Ela inclina a cabeça para trás, e o seu olhar encontra o meu.
— Por favor, não tornes as coisas estranhas entre nós amanhã.
— Eu é que te devia estar a dizer isso. — Beijo-a rapidamente e depois
empurro-a gentilmente para fora dos meus braços. — Vai. Antes que te atrases.
Um sorriso surge-lhe nos lábios, e os seus olhos brilham enquanto ela dá um
passo para trás. Depois, outro. Ela perde o equilíbrio, a sua expressão fica
verdadeiramente cómica, e estou prestes a apanhá-la, mas ela lá se consegue
equilibrar e permanecer de pé.
— Tem cuidado — aviso-a, e ela apenas se ri.
Que som tão bonito.
Ela vira-se, corre — cuidadosamente — para o seu edifício e desaparece
através das portas duplas.
Eu começo a andar de volta para o meu quarto, mas abrando o passo quando
avisto o brilho das luzes de presença de um carro, que está a chegar ao parque
de estacionamento.
Estranho. É tarde. Ninguém pode sair do campus durante as noites de
semana, a menos que tenham uma autorização especial.
Ponho de parte a ideia de voltar ao meu edifício e, ignorando o frio, vou-me
esgueirando até ficar mais próximo do parque de estacionamento, até conseguir
ver bem o carro. O carro é um Nissan, um modelo recente, que está ali parado,
com duas pessoas sentadas no seu interior. Consigo distinguir as suas cabeças e
como estão próximas uma da outra, mas não dá para perceber as feições, apesar
de reconhecer o veículo.
É o carro do Figueroa.
Escondo-me atrás de um arbusto, inclinando lentamente a cabeça para o
lado, para conseguir ver à volta e descobrir quem é que vai saltar da porta do
lado do pendura. Claro que o tarado leva uma rapariga para fora do campus
durante a semana. Nem sequer se consegue controlar e esperar pelo fim de
semana, quando as regras são mais relaxadas. Provavelmente, é a Maggie. O
rumor que circula pelo campus é que eles têm andado enrolados o semestre
todo, e ouvi dizer que o namorado acabou com ela recentemente por causa
disso.
Complicado.
Por fim, a porta abre-se, e eu fico à espera de ver a cabeça loira escura familiar
da Maggie.
Mas não é a Maggie quem está a sair do carro do Fig.
É a Natalie.
Escondo-me outra vez atrás do arbusto, confuso. Desde quando é que ela
anda à volta do Fig? Ela nunca esteve nas aulas dele — a tendência dele é ir
atrás das inteligentes. Das raparigas vulneráveis que estão silenciosamente
desesperadas por atenção. Iá, a Natalie está sempre à procura de atenção, mas
não usaria a palavra «silenciosa» ou «desesperada» para a descrever.
Também não a consideraria necessariamente vulnerável. A moça vai atrás do
que quer, quando quer.
Talvez seja isso que ela fez com o Fig.
E como é que este anormal consegue ter tanta rata à disposição? Ele deve ter
um jeito especial com as palavras para convencer com tanta facilidade estas
raparigas todas a abrirem as pernas para ele ao longo dos anos.
Ele é tão anormal. Se pudesse, espancava-o por todas as raparigas que deve ter
destruído ao longo dos anos.
Monte de merda.
A Natalie está a vir na minha direção — o dormitório dela é no mesmo
recinto que o da Wren — e está prestes a marchar ao lado do arbusto onde me
estou a esconder, quando saio detrás dele, revelando-me.
Ela estanca, os olhos esbugalhados.
— Crew. O que estás a fazer aqui a estas horas da noite?
— Eu devia estar a fazer-te a mesma questão, Nat. — Olho para o lugar no
parque de estacionamento, que agora se encontra vazio. Há muito que o carro
do Figueroa desapareceu. Nem sequer esperou para ver se ela chegava em
segurança. — Com quem é que saíste às escondidas?
Ela decide ser audaciosa, apesar do frio de rachar e do quão agasalhada ela
está.
— Isso gostavas tu de saber — replica, com um tom coquete.
— Eu acho que já sei. — Ela sorri com atrevimento, como se me estivesse a
desafiar a descobrir. — Nissan cinzento-escuro? Um Altima, se não estou em
erro. Tenho quase a certeza de que só há um professor que conduz um carro
desses. O Figueroa?
O seu sorriso atrevido desaparece, e o olhar transforma-se numa súplica.
— Não podes dizer nada a ninguém.
— Andas mesmo a comer aquele monte de merda?
Ela olha na direção do seu dormitório e, quando me volta a encarar, está com
um ar totalmente assustado.
— Fala mais baixo.
— Ninguém nos consegue ouvir. Eu não acredito nisto. Tu sabes que ele tem
andado enrolado com a Maggie o semestre todo — digo-lhe.
A Natalie encolhe-se.
— Ele jurou que tinham acabado.
— E tu acreditas mesmo nele? E o Ezra? Pensei que gostavas dele.
— Isso é só pelo gozo. Ele gosta de flirtar. — Ela encolhe os ombros.
— Estás é a gozar com ele. Achei que eras mais simpática. — Abano a cabeça.
— Oh, por favor, Crew. Tu já devias saber. Eu não sou simpática. — Ela vira-
me as costas e começa a andar para o dormitório.
Feito idiota, vou atrás dela. Iá, nós já nos comemos e sim, acho-a irritante a
maior parte do tempo, mas ela precisa de ter cuidado. O Figueroa é um
merdas. Só pensa nele.
— Tens de ter cuidado com ele, Nat.
— Oh, ter cuidado com ele? — Ela volta-se como um turbilhão, com uma
expressão feroz. — Temos de ter cuidado com todos vocês. É só isso que os
gajos querem, certo? Uma rapidinha e depois dão-nos com os pés. Pelo menos
o Fig é um homem. Sabe como tratar bem uma rapariga. Fazê-la sentir-se bem.
Não é um idiota insensível como vocês.
— Oh, por favor. Achas mesmo que ele é especial por ser um adulto? É um
predador quarentão que se mete com menores. Ele arranja novas raparigas
todos os anos, e não faço ideia como é que esse merdas não é apanhado.
Os olhos dela estão enormes, e está ofegante. Ela está tão transtornada.
— Não é assim tão profundo, Lancaster.
— Certo. Por isso que é pareces pronta para me arrancar os olhos por ter
insultado o teu namorado pedófilo. Preocupas-te mesmo com esta besta,
Natalie? Tens de acordar de vez.
Ela atira-se a mim, de punhos erguidos e a balançar na minha direção, a urrar
com os pulmões inteiros. Eu desvio-me, evito os seus punhos e agarro-a com
ambos os braços, segurando-a contra mim enquanto ela se debate e luta
comigo. Está a insultar-me com todos os nomes que lhe ocorrem, e juro por
Deus que está a soluçar.
Tenho quase a certeza de que nunca vi a Natalie a chorar.
— És mesmo um anormal, Lancaster! — grita, e eu estou prestes a tapar-lhe a
boca com a mão para a manter em silêncio, quando uma luz brilhante cai sobre
nós. Um grupo de pessoas saem do dormitório, lanternas iluminam-nos.
— Natalie? És tu? — chama uma das mulheres.
A vontade de lutar deixa-a, e ela afunda-se nos meus braços.
— Oh, merda — sussurra.
VINTE E NOVE
WREN

Ainda estou na cama, meia a dormir, quando oiço alguém a bater à minha
porta, rápido como uma descarga de metralhadora.
Abro um olho, pego no telemóvel e verifico as horas.
Ainda não são sete da manhã. As aulas só vão começar daqui a uma hora.
As batidas à porta recomeçam e, depois, param.
— Wren. Abre a porta.
É a Maggie.
Saio da cama e calço os chinelos. Atravesso o quarto, destranco e abro a porta
e deparo-me com a Maggie na soleira da porta, já com o uniforme vestido e
pronta para o dia, apesar de a sua cara estar manchada com lágrimas.
— O que se passa?
Ela apressa-se a entrar, fecha a porta atrás dela e encosta-se contra a superfície.
— O Fig não veio ter comigo ontem à noite.
Estou quase aliviada por saber que ele não apareceu, mas não lhe posso dizer
isso.
— O que é que aconteceu? Ele deu-te uma razão?
A Maggie abana a cabeça.
— Ele disse que surgiu uma coisa e que não podia falar sobre isso. Passei o
tempo todo a mandar-lhe mensagens, mas ele ignorou-me o resto da noite. —
Ela hesita, os olhos cheios de medo. — Achas que ele encontrou outra pessoa?
— Não — digo automaticamente, porque não o consigo imaginar a
encontrar outra rapariga tão rápido. — Ele tem estado demasiado ocupado
contigo para encontrar outra pessoa.
Bem, ele andava com a esperança de me recrutar, mas acho que já lhe dei uma
nega. Talvez ele tenha realmente procurado outra pessoa?
— Iá, é isso que estou sempre a dizer a mim mesma, mas se calhar estou
errada. Talvez ele não esteja feliz com o facto de eu querer ficar com o bebé.
Talvez não o deva fazer. — Ela deixa a cabeça cair, mas ainda consigo ver as
lágrimas a pingar-lhe do rosto.
— Oh, Maggie. — Eu vou até ela e envolvo-a num grande abraço e deixo-a
chorar no meu ombro. Estou tão feliz por o que passa entre mim e o Crew, seja
lá o que for, não ser tão complicado como aquilo pelo que a Maggie está a
passar. Ele ainda me confunde e não tenho a certeza se estamos a tentar estar
numa relação a sério ou se ele só quer curtir comigo, mas pelo menos não estou
a chorar por causa dele.
— Não faz mal — diz ela, por fim, ao afastar-se de mim, limpando as
lágrimas à pressa. — Foi por isso que me arranjei mais cedo. Vou falar com ele.
— Achas que é uma boa ideia?
— Não falar com ele sobre isso é pior — diz ela, praticamente num pranto.
— Eu preciso de saber em que é que ele está a pensar. O que é que ele esteve a
fazer ontem à noite. Não saber é o pior.
Vou até à minha cómoda e pego na caixa de lenços lá está em cima, depois,
passo-a à Maggie.
— Eu odiaria isso.
— É péssimo. — A Maggie tira um lenço, limpa a cara e depois sopra o nariz.
— Mal consegui dormir ontem à noite, estava tão nervosa. Oh, meu Deus!
— O que foi?
— Aconteceu outra coisa ontem à noite. Como estou no rés do chão,
consegui ouvir tudo. Um grupo de raparigas foi à rua e viu tudo a acontecer.
Estou a franzir o sobrolho.
— Viu o quê a acontecer?
— Apanharam a Natalie à frente do dormitório a discutir a altos berros com
o Crew. Dá para acreditar? Eu achava que vocês os dois tinham uma cena, mas
se calhar eles andaram enrolados este tempo todo?
Deixo-me cair pesadamente na cama, as palavras dela tocam em repetição no
meu cérebro.
Com o Crew.
A Natalie esteve lá fora com o Crew.
Se calhar ela estava a tentar entrar às escondidas e ele viu-a, já que estava na
zona porque me veio trazer ao dormitório? Tem de ser isso.
— Mas o que é que aconteceu mesmo? — pergunto. — Tu sabes?
— Acho que estavam a discutir? Eu ouvi a Natalie gritar. Ouvimos todas. Ela
estava a gritar a altos berros, como se nem quisesse saber, apesar de já passar do
horário de recolher obrigatório, por isso ela tinha de saber que ia se ia meter
em sarilhos. Não sei é porque é que o Crew estava à frente do edifício. Pela
Natalie, talvez?
Não, por minha causa, é o que lhe quero dizer. Vimos um filme e depois
esquecemo-nos disso. Ele beijou-me até eu ficar sem fôlego, e eu conseguia
sentir a sua ereção contra a minha coxa. Fizemos coisas impróprias com um
Blow Pop e ele fez-me vir com a sua boca e com a guloseima. Foi a experiência
mais excitante da minha vida.
Arruinada por ele acabar por ser apanhado com… a Natalie?
Não consigo sequer imaginar o que pode ter acontecido depois de o ter
deixado lá fora ontem à noite.
— Ainda bem que não me apanharam a mim — diz a Maggie, sem se
aperceber do meu choque. — De certeza que me tinham visto se me tivesse
encontrado com o Fig como era suposto.
— Iá… — digo, a minha voz entorpecida. — Tiveste sorte.
— Eu sei. — Ela pega noutro lenço e passa-o pela cara, para absorver os
vestígios das lágrimas, depois, vai até ao espelho de corpo inteiro na minha
parede, e examina-se de alto a baixo. — Parece que estive a chorar.
— Não pareces assim tão mal — asseguro-a, desejando que ela pudesse fazer
o mesmo por mim.
Mas isso significaria que tinha de lhe contar tudo o que aconteceu entre mim
e o Crew ontem à noite, e essa é a última coisa que quero fazer. Especialmente
com tudo o que aconteceu depois disso.
— Podia estar melhor. — Ela mantém o olhar no reflexo e suspira. — Enfim.
Vai ter de servir. Vou falar com ele.
— Achas que ele já lá está?
— Ele chega sempre mais cedo. Se ainda não estiver na sala de aula, vou ao
refeitório buscar um café primeiro — diz ela, enquanto se dirige à porta.
Não vale a pena dizer-lhe para ficar ou tentar convencê-la a não ir falar com
ele. Que é melhor obrigá-lo a ir ter com ela. Ela não me daria ouvidos. Ela vai
fazer o que quer.
— Está bem. Boa sorte. — A minha voz está fraca, os meus pensamentos,
turbulentos, mas ela nem repara.
— Adeus, Wren. Vemo-nos na aula. Deseja-me sorte! — Ela bate com a porta
antes que eu consiga dizer mais alguma coisa.
Atiro-me de costas para a cama, sobrecarregada. Nem sei o que pensar. A
Natalie e o Crew vão arranjar problemas? Vão ser suspensos? Oh, céus…
expulsos?
Eles nunca expulsariam um Lancaster, certo? Eu sei que ele diz que eles têm
tolerância zero com drogas e que até ele seria expulso, mas e numa situação
como esta?
E se ele já tiver ido embora e eu nunca mais tiver oportunidade de falar com
ele de novo? E depois? Eu nem tenho o número de telefone dele, o que é tão
estúpido. Suponho que pudesse entrar em contacto com ele através das redes
sociais, mas…
Certo, já me estou a adiantar demasiado. Preciso de me preparar para as aulas
e de sair um pouco mais cedo para ver se ele está à minha espera à frente da
entrada como de costume. Se ele não estiver lá…
Não sei o que vou fazer.
Arranjo-me à pressa, vestindo primeiro um par de collants de lã brancos e
grossos e a bralette que usei na noite anterior e, de seguida, visto o meu
uniforme. Enfio uma camisola azul-marinho por cima da camisa branca,
deixando o casaco de lado, depois, visto a saia e enrolo-a um pouco para cima
para mostrar mais perna.
Perna coberta por collants, mas e daí? Estou a tentar chamar a atenção de uma
pessoa.
Com sorte, ele vai lá estar. À minha espera junto da entrada, como é habitual.
Antes, quando ele me costumava fixar com aquele olhar frio, eu corria só para
fugir dele.
Agora caminho lentamente, saboreando aquele sorriso de um só lado que
aparece na sua cara quando me encontra na multidão pela primeira vez. Ele
faz-me sentir bela.
Mas o que é que ele andava a fazer com a Natalie ontem à noite?
Assim que saio do dormitório, percorro o caminho até ao edifício principal,
com passos cuidadosos graças à sujidade lamacenta em que os passeios se
tornaram. O sol voltou a aparecer, um pouco mais quente esta manhã e, apesar
de ainda estar frio, está a fazer com que a neve derreta.
Ao meu redor estão várias pessoas, a maioria com as suas cabeças curvadas
enquanto caminha, a sussurrar entre si. Oiço o nome da Natalie a ser
mencionado vezes e vezes sem conta, juntamente com o do Crew.
É o tópico de conversa do momento. Os boatos vão correr desenfreadamente
pelo campus.
Se eles acham que o Crew e a Natalie estão juntos, vou sentir-me uma idiota.
Apesar de não ser verdade.
De cabeça erguida, acelero o passo e vou a marchar para a entrada da escola,
quando avisto o Ezra e o Malcolm no lugar do Crew, ambos de sobrolho
franzido enquanto olham para as pessoas que passam por eles.
Não há Crew à vista, e eu não consigo lutar contra a desilusão que se afunda
no meu estômago como uma pedra.
— Wren.
O Malcolm chama por mim com aquele seu sotaque britânico límpido, e eu
vou até ele, com uns nervos que fazem todo o meu corpo tremer.
— Sim? — pergunto, mergulhando as mãos enluvadas nos bolsos do casaco.
— Ouviste o que aconteceu ao nosso mano?
Gosto da maneira como ele chama ao Crew «nosso mano». Ele deve saber do
que se passa entre nós e, em qualquer outra ocasião, isso seria embaraçoso. Mas
não agora.
Agora tudo o que eu quero é informação acerca do Crew. Onde está. Se está
bem. O que é que andava a fazer com a Natalie.
— Sei que ele foi apanhado com a Natalie ontem à noite — admito, dando
um passo para me aproximar, para falar com ele de forma mais privada. —
Onde é que ele está?
— Tem uma reunião com o Matthews — responde o Malcolm, referindo-se
ao diretor da escola. — Mesmo às oito horas. Ele queria que eu te dissesse.
— Oh. — A esperança cresce dentro de mim, mas eu recalco-a. Não posso
começar com grandes efabulações a partir disto. — Obrigada por me dizeres.
O Malcolm atira um olhar rápido na direção do Ezra, antes de me devolver a
sua atenção. Ele estende-me um papel amarelo dobrado, preso entre os seus
dedos.
— Este é o número dele. Não sei que caralho é que vocês andam a fazer se
não andam a trocar mensagens ou a falar no Snapchat como adolescentes
normais, mas em todo o caso ele queria que ficasses com o número dele.
— Obrigada. — Aperto o pedaço de papel na minha mão, as suas margens
mordem a minha palma. — Ele vai ficar bem?
— Não sei — diz o Ezra, o que lhe vale um olhar zangado do Malcolm pela
sua contribuição tão apaziguadora. — É possível que seja suspenso. O cabrão
merece.
— É um Lancaster — acrescenta o Malcolm, ignorando o Ezra. — Vai ficar
bem.
Vejo a hostilidade a encher o olhar do Ezra e recordo como ele estava sempre
no flirt com a Natalie. E como o flirt tinha sempre um lado quase desesperado,
e como ela o ignorava.
Como ela estava sempre a olhar para o Crew.
— Novamente, obrigada — digo ao Malcolm, porque sou educada ao ponto
de ser irritante e o impulso é mais forte do que eu. Ele acena. O Ezra escarnece.
Deixo-os onde estão e entro no edifício. Imediatamente, encosto-me contra a
parede, e abro o Post-it para estudar o número de telefone do Crew.
Além do número, ele escreveu outra coisa.
Manda-me mensagem quando conseguires, Birdy. Preciso de falar contigo.
O meu coração agita-se no meu peito. Pego no telemóvel, digito o número e
mando-lhe uma mensagem de imediato.
Eu: É a Wren. Responde-me quando puderes falar.
Fico à espera durante alguns minutos, encostada à parede, a ver toda a gente
passar por mim a caminho das suas aulas. Estão todos a falar entre si, a
sussurrar e a bisbilhotar. A rir-se e a divertir-se com a queda da Natalie e do
Crew.
Deixa-me triste. Pior, deixa-me zangada, porque eles não sabem o que
realmente aconteceu. Estão todos a assumir que o Crew e a Natalie estiveram
juntos ontem à noite, e eu sei que não é esse o caso.
Ele não me ia deixar ao dormitório só para depois se encontrar com a Natalie,
pois não?
Não. Nem pensar.
Não depois de tudo o que partilhámos.
Entro na sala de aula de Inglês num transe, com a cabeça curvada, sem prestar
atenção ao que está a acontecer. Deixo-me cair na minha cadeira, odiando o
facto de a cadeira atrás de mim estar vazia, o facto de o Crew estar
desaparecido, e o meu olhar prende-se no do Figueroa. Ele já me está a
observar, e apercebo-me, ao olhar pela sala novamente, de que a Maggie não
está aqui.
Sem pensar, levanto-me e aproximo-me da sua secretária, reparando no
sorriso agradável na sua cara, na maneira como os olhos se acendem com
interesse quando aterram em mim.
Queria ter a coragem para lhe dar uma chapada e para o expor pelo seu mau
comportamento. Ele está a ficar descuidado.
— Wren. Em que é que te posso ajudar hoje? — O tom dele é ligeiro, como
se não tivesse nenhuma preocupação neste mundo.
Eu estive com a Maggie nem há uma hora. Com uma Maggie transtornada,
grávida com o bebé dele, que deixou o meu quarto para ir falar com ele, e aqui
está ele sentado, nem um bocadinho traumatizado, enquanto ela nem aqui
está.
O que aconteceu quando eles falaram? Ele mandou-a dar uma volta?
— Onde está a Maggie? — pergunto-lhe com uma voz insípida. Não
amigável. Completamente o meu oposto.
Ele franze o sobrolho, sentido a minha hostilidade.
— Eu não sei. Ela ainda não apareceu para a aula. A campainha ainda não
deu o toque…
E nisto a campainha começa a tocar, silenciando a nossa conversa.
— Ela ainda tem mais três minutos — diz ele, assim que a campainha para de
tocar. — Ela deve estar quase a aparecer.
— Mas eu sei que ela veio direta do dormitório para aqui, para falar consigo
— digo, a querer que ele entenda que eu sei tudo.
Qualquer coisa se agita na sua expressão, mas ele elimina-a. Como uma tela
em branco.
— Não, não veio.
— Ela disse-me que vinha.
— Não temos nada para discutir.
— Ela estava nervosa porque não se encontrou com ela ontem à noite.
Agora a irritação está a arder em força nos seus olhos escuros.
— Tu não sabes do que falas.
— Sei. Era suposto ter-se encontrado com ela ontem à noite, e cancelou. Ela
queria falar consigo por causa do b…
— Chega. Cala-te. — A voz dele é feroz, e os olhos estão quase pretos. —
Não te metas, Wren.
Fico a olhar para ele, atordoada por ele me falar tão bruscamente.
— Onde é que ela está?
— Eu não sei.
Ele está a mentir.
— Ela foi-se embora? Devo ir à procura dela? Certificar-me de que está bem?
— Ela vai ficar bem — riposta ele com brusquidão. — Vai sentar-te.
É como se já não quisesse saber. Deixei todas as delicadezas de lado, tal como
ele. Eu preciso que ele saiba que eu sei… tudo.
— Vai pagar pelo que lhe fez — declaro, a minha voz equilibrada. As minhas
emoções estão completamente sob controlo. — Tem de fazer o mais correto e
tomar conta dela.
Ele não diz uma única palavra, mas fecha a sua mão direita num punho,
batendo-a levemente no tampo da secretária.
— Ela só tem dezassete anos e está perdidamente apaixonada por si —
continuo a dizer, olhando de relance por cima do ombro para ver se alguém
nos está a observar. Ninguém nos está a prestar atenção. Toda a gente está
habituada a ver raparigas a falar com o Fig durante as aulas. — Eu não sei
porquê, tendo em conta a reputação que tem. Faz isto todos os anos.
— Como se tu soubesses o que estava a acontecer até aquele paspalho do teu
namorado te ter dito — rosna o Fig, basicamente admitindo aquilo de que o
acusei. Caiu a máscara do professor de Inglês amigável e fixe. Agora não passa
de um homem patético e zangado. Ele baixa o tom de voz, mas não tenho a
certeza de que ainda queira saber se alguém o ouve ou não. — E onde é que
anda o Crew? Ah, pois é, foi apanhado numa escapadela ontem à noite com a
Natalie Hartford. Provavelmente, vão ser os dois suspensos.
As palavras dele são como uma facada no coração. Ele disse-as só para me
perturbar, e funcionou.
Viro-lhe as costas e volto para a minha secretária. Sento-me no meu lugar, a
olhar para a porta, a desejar que a Maggie se materialize ali.
A desejar que o Crew também apareça.
Mas nenhum deles aparece.
TRINTA
CREW

Estou sentado no escritório do diretor Matthews, numa postura desleixada na


cadeira que está de frente para a sua secretária, a observá-lo enquanto ele fala ao
telefone com o meu pai. Ele tem o meu pai em alta-voz. Consigo ouvir todos
os comentários reles que o Reginald Lancaster tem para dizer sobre mim, mas
não quero saber.
Só quero sair daqui. Preciso de falar com a Wren. Esclarecer as coisas com ela
e certificar-me de que percebe o que realmente aconteceu ontem à noite.
— Normalmente, suspendemos os alunos que são apanhados no campus
depois da hora de recolher obrigatório — diz o Matthews depois de o meu pai
acabar a sua declaração injuriosa de três minutos sobre a minha falta de
concentração e como eu não quero saber da escola ou das outras pessoas. —
Mas estamos tão próximos da semana de exames e da interrupção letiva do
Natal. Penso que este tempo fora das aulas vai ser bom para o seu filho e para a
menina Hartford pensarem no que fizeram e assumirem a responsabilidade
pelos seus erros.
O meu pai faz um som barulhento de descrença.
— És demasiado bonzinho com eles, Matthews.
O Matthews não consegue ganhar. Se me suspender, o meu pai vai ficar
passado. Se não houver qualquer castigo, vai passar-se na mesma.
— Vou pô-los de castigo então — sugere o Matthews, o seu olhar a
encontrar-se com o meu. Se eu pudesse fazia-lhe um pirete, mas controlo-me.
— Até ao fim da semana.
Uns estonteantes dois dias de castigo. Grande coisa.
— O que achares melhor. — Dá para perceber que o meu pai já está farto
desta conversa. — Crew!
— Sim, senhor? — Credo, odeio-o.
— Deixa-te de merdas e vê se atinas por uma vez na tua maldita vida. Estás-
me a entender?
O Matthews retrai-se com a escolha de palavras que o meu pai utiliza. É um
tipo tão fixe e tranquilo quando quer ser.
Só que não.
— Assim farei — digo-lhe.
O pai termina a chamada e, com um suspiro, o Matthews carrega num botão,
desligando o telefone. Ele pousa os cotovelos sobre a sua secretária
desarrumada, pressionando as mãos uma contra a outra.
— Tu sabes que estou a correr um risco com isto.
Eu inclino-me para a frente na minha cadeira, agarrando a minha
oportunidade.
— E o diretor sabe que eu estou a dizer a verdade. A Natalie estava a voltar
para o campus às escondidas depois de se ter encontrado com o setor Figueroa.
Eu vi o carro dele. Eu vi-o dentro do carro. E tenho quase a certeza de que
também o vi a beijá-la.
O Matthews estremece.
— Tens a certeza disso?
— Não a cem por cento.
— Não achas que ele a estava a ajudar com um trabalho?
Oh, diretor Matthews — tão querido e tão idiota. Porque é que está toda a
gente em negação no que toca ao Figueroa?
— Eram dez da noite. Não me parece que a estivesse a ajudar com um
trabalho — digo-lhe, com uma voz seca. — Eu acho que ela nem está numa
das turmas dele.
O Matthews suspira.
— Não está. Já verifiquei.
— Eu disse.
— Isto é uma alegação séria, Crew. Podes estar a pôr a carreira de um homem
em risco se isto se souber.
— Vai-se saber, porque agora que lhe contei, por lei, é obrigado a reportar
essa informação às autoridades. — Estou a sentir-me muito bem por ter
denunciado o Fig. Não quero saber se isso lhe vai lixar a carreira. É exatamente
isso que devia acontecer. — Ele não tem nada que dar aulas aqui. Estes
rumores já circulam há anos. Nunca ouviu falar deles?
O Matthews suspira.
— Há rumores acerca dele há anos. Um professor de Inglês amigável, que, de
facto, se preocupa, acaba por receber muita atenção, e alguma dessa atenção é
negativa. O homem é um marco institucional nesta escola, faz parte da casa. Já
cá anda há mais tempo do que eu.
— E isso significa que pode andar atrás de raparigas menores de idade. —
Aceno. — Percebido.
— Quero que saibas que nunca ninguém veio ter comigo para falar do
Figueroa. Nunca. Já ouvi rumores, mas nunca vi provas concretas.
— Bem, agora vai ter de fazer o seu relatório, e já tem a prova de que
precisava. Eu. Eu vi-os. — Levanto-me. — Já posso ir para a minha aula?
— Qual é a tua primeira aula?
— Inglês Avançado. — Sorrio, nem quero saber se vou ter de ver o Figueroa.
Até pode ser divertido, sendo que eu sei que o estou a destruir e ele ainda não
faz ideia.
Além disso, preciso de falar com a Wren. Certificar-me de que ela está bem.
Deve andar toda a espécie de rumores a voar pelo campus, e tenho a certeza de
que estão todos a falar de mim e da Natalie.
O Malcolm já me avisou de que o Ezra está zangado. Pensa que lhe estou a
tentar roubar a miúda por me ter encontrado com ela ontem à noite.
O idiota não faz ideia do que realmente se passa. Tem é de culpar o cabrão do
Fig por lhe roubar a Natalie.
Deixo o escritório do Matthews uns minutos depois, e vejo a Natalie sentada
na secretaria. Presumo que esteja à espera para falar com ele a seguir. Assim que
os nossos olhares se encontram, ela levanta-se e vem a correr na minha direção.
— O que é que lhe disseste? — pergunta com uma voz sussurrada, enquanto
o seu olhar diverge para a secretária do Matthews, a Vivian, que nos está a
observar com um interesse óbvio.
— Tudo.
Os olhos da Natalie dilatam-se.
— A que é que te estás a referir, exatamente?
— Tive de denunciar o teu amante, Nat. Lamento, mas estou farto de ver este
gajo a destruir vidas de raparigas a cada semestre. Ele merece ir para a cadeia.
— Começo a afastar-me, mas a Natalie agarra-me a manga e segura-me com
um aperto surpreendentemente forte. Olho de volta para ela e afasto-lhe a
mão. — O que se passa contigo?
A expressão dela é de puro pânico.
— Não podes fazer isso. Tu simplesmente… não podes.
— Demasiado tarde.
Ela abana a cabeça.
— Quando os meus pais descobrirem o que aconteceu, vão-me matar. É
como se não tivesses pensado no que estás a fazer. Não queres saber de mais
ninguém. Só de ti.
— Oh, a sério? Eu apenas disse a verdade — recordo-lhe. Tive de dizer a
verdade ao Matthews acerca do que vi. — Eu não vou levar com as culpas por
ele.
Estamos basicamente num jogo do sério muito tenso, e eu consigo ver que ela
me quer bater. Dar-me uma chapada na cara. Pisar o meu pé. Qualquer coisa.
Está tão passada comigo neste momento, mas não quero saber. Eu tinha de
fazer a coisa mais correta.
A postura da Natalie transforma-se. De repente, está com as costas um pouco
mais direitas. A sua expressão clareia. A voz dela está serena.
— Estás a mentir. — Ela diz isto suficientemente alto para a Vivian ouvir.
Franzo-lhe o sobrolho.
— O que é que queres dizer?
— Nós encontrámo-nos ontem à noite. Curtimos. E fomos apanhados. Só
não o queres admitir. Não queres que a tua querida virgenzinha saiba que me
andas a foder às escondidas — declara a Natalie, num tom tão doce quanto o
seu sorriso.
— Menina Hartford, por favor, tenha tento na língua — diz a Vivian, em
jeito de reprimenda.
O Matthews sai do seu escritório e estanca quando me vê a falar com a
Natalie.
— Pode entrar, menina Hartford. Temos muito que discutir.
— Sim, temos mesmo muita coisa a discutir. — A Natalie brinda-me com
um sorriso arrogante antes de se virar e entrar no escritório do Matthews,
fechando a porta atrás dela.
Saio de rompante da secretaria, mas ainda pego no passe que a Vivian me dá
antes de sair e dirijo-me à aula do Figueroa.
Porra, Natalie. Ela vai contar ao Matthews uma história completamente
diferente e vai-me fazer parecer um otário mentiroso, e tudo para proteger o
seu precioso Fig. Vai confirmar todos os rumores que andaram a circular pelos
campus esta manhã.
Que andava envolvido com ela, e não com a Wren.
Será que a Wren testemunhava por mim? Claro que isto significaria que ela
teria de admitir ter-se esgueirado para o meu quarto ontem à noite, e tenho a
certeza de que ela não quereria fazer isso, apesar de ser uma testemunha
confiável. O Matthews acreditaria nela mais depressa do que em qualquer um
de nós.
Mas o meu passarinho nunca se mete em sarilhos.
Nunca.
Eu sou uma má influência. Provavelmente, devia deixá-la em paz, deixá-la
sozinha. Mas foda-se.
Já lhe tomei o gosto. E quero mais.
Dentro de segundos, estou a entrar na sala de aula, a marchar até a secretária
do Figueroa. Atiro-lhe o meu passe para cima da mesa.
— Estás atrasado outra vez — diz ele, com um ténue sorriso a gracejar-lhe os
lábios.
— Não graças a ti — replico.
Quero que ele saiba que o vi com a Natalie ontem à noite.
Ele nem está a prestar atenção ao que eu estou a dizer.
— Vai-te sentar e trabalha no teu ensaio. Ou lê. Faz o que tiveres de fazer. E
não fales com ninguém. Percebeste-me?
— Não mandas em mim — respondo-lhe, irritado. Odeio a maneira como
me faz sentir um chavalo quando eu sei que conseguia dar cabo dele.
Se algum dia tiver a oportunidade, vou dar-lhe um enxerto de porrada. É o
que ele merece.
— Eu sou o teu professor e vais ouvir o que eu tiver para te dizer. Já estou
farto da tua impertinência nestas últimas semanas. Senta-te. — O olhar dele
nunca se afasta do meu. — Agora.
Consigo sentir o olhar da Wren em mim e, quando olho na direção dela,
reparo na expressão suplicante na sua cara. Ela parece triste. Claro que está
triste. Deu tudo para o torto numa questão de horas.
Sento-me atrás dela, inclinando-me sobre a minha secretária, aproximando-
me o máximo que consigo dela.
— Preciso de falar contigo.
Ela vira a cabeça para o lado, e eu olho para o seu perfil, a desejar poder beijá-
la. Ela acena, mas não diz uma palavra.
Merda. Isto está uma confusão.
Uma confusão gigante.
TRINTA E UM
WREN

É uma agonia ter o Crew tão perto e, no entanto, ser incapaz de falar com ele.
Tenho tantas perguntas para lhe fazer, e têm todas que ver com a noite de
ontem e o que aconteceu entre ele e a Natalie.
Quero acreditar que foi só uma coincidência, que, de alguma forma, eles
cruzaram caminhos, mas a dúvida persiste como de costume. Há apenas umas
semanas ele odiava-me. Antagonizava-me sempre que podia. Quem garante
que isto não passa de um truque do Crew? Uma forma de se aproximar de
mim só para me transformar no alvo de chacota da escola toda?
O meu estômago revira-se com esse pensamento. Céus, acho que vou
vomitar.
Ele dá-me um toque no ombro, e eu viro-me, o meu olhar encontra o dele, e
ele deve conseguir ler a preocupação na minha cara, apesar de a escolher
ignorar. A sua expressão está assustadoramente séria.
— Emprestas-me um pedaço de papel?
— Claro — replico, franzindo o sobrolho.
— Esqueci-me da mochila no quarto — explica. — Nem trouxe o meu livro.
— Queres que te empreste o meu exemplar? — ofereço, desejando dar uma
chapada a mim mesma. Tenho de deixar de ser tão simpática com ele. Ele pode
não o merecer.
— Iá. Por favor.
— Wren. Crew.
O Figueroa ostenta uma expressão austera. Hoje está a ser ainda mais severo,
apesar de ter a certeza de que isso está relacionado comigo e com a maneira
como acabei de o confrontar. Enviei uma mensagem rápida à Maggie há
pouco, a perguntar onde é que ela estava, e ela ainda não me respondeu.
Estou preocupada.
— Esqueci-me das minhas coisas. Ela está-me a ajudar — diz o Crew ao Fig.
Passo ao Crew algumas folhas, um lápis e o meu exemplar do livro O Grande
Gatsby, e os dedos dele tocam nos meus durante a troca, o que me faz
estremecer.
— Obrigado — murmura.
— Não tens de quê. — Volto-me a virar para a frente e inspiro fundo,
sentindo-me parva. Eu lembro-me de tudo o que aconteceu entre nós ontem à
noite. De cada coisa, e não me quero arrepender disso.
Mas algo me diz que é uma possibilidade. Que talvez as coisas não sejam o
que aparentam ser entre nós. E se ele me tem estado a usar durante todo este
tempo? Se as coisas que o Crew disse ou fez nestas últimas semanas realmente
não significaram nada para ele…
Vou morrer de humilhação. Nunca mais o vou querer ver.
Ele fica em silêncio durante o resto da aula, que são apenas cerca de quinze
minutos uma vez que ele chegou tão tarde. Quando a campainha toca, ele
levanta-se com um salto, deixando cair o livro em cima da minha secretária,
com um pedaço de papel dobrado dentro dele cujas margens estão à espreita.
Olho para ele com uma interrogação nos olhos.
— Vem ter comigo à hora de almoço lá atrás, no sítio onde me apanhaste e
aos rapazes. Sabes o sítio? — Ele levanta as sobrancelhas.
Eu aceno lentamente.
— Está bem.
Ele dá um toque leve no livro com o lápis que lhe dei.
— Lê o que aí tens.
Aceno de novo. Presumo que se esteja a referir ao bilhete.
O olhar dele fecha-se sobre a minha boca, e ele murmura:
— Adeus, Birdy.
Ele desaparece num piscar de olhos, e eu começo a reunir as minhas coisas,
empurrando tudo para dentro da minha mochila. Estou prestes a sair da sala
quando o Fig se pronuncia.
— Tu sabes que o devias evitar. Ele vai-te partir o coração.
Mando-lhe um olhar.
— Isso é um aviso?
— Só quero que te protejas, Wren. E aquele rapaz definitivamente não te vai
proteger. Já está a brincar com os teus sentimentos e com os da Natalie.
Odeio que ele a tenha mencionado. Ele está a acreditar nos rumores, tal como
todos os outros.
— É isso que queres? — pergunta, ao ver que não respondo. — Partilhá-lo
com outra pessoa?
As suas palavras e o facto de achar que eu quero a sua opinião acerca da
minha vida pessoal é qualquer coisa de enfurecedor. Este homem está
constantemente a ultrapassar os limites como se tivesse o direito de o fazer.
— Sabe o que é que devia fazer? — Levanto-me e meto a mochila ao ombro.
O Fig franze o sobrolho.
— O quê?
— Meter-se na porra da sua vida.
Saio dali com um movimento veloz, antes que ele possa dizer mais alguma
coisa, e uma sensação de choque viaja por mim, por causa da maneira como
acabei de mandar um professor passear. Como o insultei. Eu nunca faço isso.
Eu nunca digo palavras más. Passo um bocado de tempo com o Crew e
começo a mudar. A ficar mais forte. A encontrar a minha voz.
Acho que gosto.
Vou a correr para a minha segunda aula e chego à cadeira em tempo recorde.
As minhas mãos tremem enquanto tiro o livro de capa mole da minha mochila
e o abro, encontrando o bilhete dobrado lá dentro. Com dedos trémulos, abro-
o, e o meu olhar começa a tentar decifrar a escrita arrojada e desorganizada do
Crew.

NÃO DEIXES ninguém ler isto. Ontem à noite, depois de teres ido para dentro,
vi o Figueroa a deixar a Natalie no parque de estacionamento. Confrontei-a
acerca disso, e ela ficou chateada. Tentou atacar-me. Foi isso que aconteceu
quando fomos apanhados. Não estávamos a curtir. Ela anda metida com o Fig.
Não acredites nos rumores. Eu conto-te o resto ao almoço. Por favor, acredita em
mim.
P.S. — Não consigo parar de pensar em ti e naquele Blow Pop.
Um pequeno sorriso surge-me nos lábios, e volto a meter o bilhete entre as
páginas do livro O Grande Gatsby, depois, guardo-o na mochila.
Eu acredito nele. Tenho de acreditar nele. É impossível ele ter feito tudo
aquilo que fez comigo e, logo a seguir, ter-se envolvido com a Natalie. Eu
simplesmente — nem consigo compreender tal coisa.
É como se o meu cérebro não me deixasse.
Passo o resto da manhã como se me movesse pelas brumas. Sempre à procura
da Maggie — ela ainda não respondeu à mensagem — ou a tentar ignorar os
rumores acerca do Crew e da Natalie. Estão descontrolados.
Ninguém consegue falar de outra coisa.
Quando, finalmente, chega a hora de almoço, estou um caco por dentro, mas
estou a tentar manter a calma. Ainda não encontrei a Maggie. É suposto
encontrar-me com o Crew e tenho medo de ouvir o que ele tem para dizer,
mas nem pensar que vou faltar a esse encontro.
Eu tenho de o ver. Preciso de reafirmação.
Enquanto estou a sair da minha quinta aula, avisto a Natalie no corredor, e os
nossos olhares cruzam-se por um brevíssimo momento. O dela é conhecedor. E
tem aquele sorriso diabólico estampado na cara, como se tivesse noção de que
deixou o meu mundo de pantanas e não há maneira de o repor ao que era.
E ela não quer mesmo saber.
Eu sou a primeira a desviar o olhar. Odeio ter cedido, mas não quero
confrontá-la no corredor, onde todos nos podem ver. Isso só vai piorar a
situação.
Bolas, não gosto mesmo nada dela.
Vou até ao exterior e aperto o meu sobretudo contra mim, olhando por cima
do ombro para me certificar de que ninguém está a prestar atenção para onde
vou. Está tão frio que praticamente toda a gente está no refeitório, onde eu
também queria estar.
Ou talvez não.
Sinceramente, queria poder fugir deste sítio e nunca olhar para trás.
Preferencialmente, com o Crew ao meu lado.
Caminho até à parte de trás do edifício onde encontrei o Crew e os seus
amigos a usarem drogas, e parece que esse momento aconteceu há tanto tempo.
Aconteceu tanta coisa num curto espaço de tempo, é assustador.
Paro quando vejo o Crew, de costas para mim e com a cara virada para o céu.
Ele vira-se, como se conseguisse sentir que estou atrás dele, e, como se não
tivesse qualquer controlo, vou a correr até ele. Os braços dele abrem-se para me
apanhar quando praticamente me atiro a ele. Ele segura-me contra ele, a boca
na minha testa, e o seu corpo duro e quente a aquecer o frio que não fui capaz
de expulsar desde que acordei de manhã com a Maggie a bater-me à porta.
— Birdy, estás a tremer — murmura ele contra a minha têmpora, antes de a
beijar.
Derreto-me contra ele, fechando os olhos e saboreando o quão apertado é o
seu abraço.
— Está tudo uma tremenda confusão.
— Eu sei. Mas temos opções. — Desliza o dedo para baixo do meu queixo,
levantando-me a cara. — Podemos ignorar e esperar que outro escândalo
substitua este ou…
Carrego o sobrolho, odiando essa opção.
— Ou quê?
Um suspiro deixa-o.
— Ou eu exponho o Figueroa publicamente e digo a toda a gente que ele
esteve com a Natalie ontem à noite.
Ah, pois é. Ainda não falámos sobre isso.
— Viste-o mesmo com a Natalie ontem à noite?
— Depois de teres entrado, vi um carro a estacionar no parque de
estacionamento. Escondi-me atrás de um arbusto quando me apercebi de que o
carro era do Figueroa e fiquei à espera para ver quem ia sair de lá. Pensei que
seria a Maggie.
— Era suposto ele ter-se encontrado com ela ontem à noite — sussurro. —
Ele mandou-lhe uma mensagem, disse que tinha surgido uma coisa. Ela disse-
me isso hoje de manhã.
— Iá, porque ele estava com a Natalie. — A expressão do Crew é trovejante.
— Eu disse ao Matthews o que vi. Ele vai ter de o reportar às autoridades. Ela é
menor de idade.
— Isto vai destruir a Maggie. Ela está apaixonada por ele. — Não lhe digo
nada sobre ela estar grávida.
— Eventualmente, ela vai perceber que foi a coisa acertada a fazer. Ele é um
tarado. Anda a brincar com duas raparigas este semestre e tem andado a fazer
isto há anos. — O seu semblante fica carregado. — E ia tentar meter-se
contigo a seguir. Eu sei que ia.
Um arrepio passa por mim ao ouvir isto. Será que teria caído na lengalenga
dele? Antes de o Crew ter aparecido e ter dado um abanão ao meu mundo,
talvez tivesse caído. Não sei. Nunca saberemos.
— Agora, ele provavelmente odeia-me. Eu disse-lhe para se meter na vida
dele no fim da aula, depois de te teres ido embora.
As sobrancelhas do Crew disparam para cima.
— Fizeste isso?
Aceno. Sinto-me mal pelo que lhe disse, apesar de ele o merecer. Não
menciono que ele me estava a avisar em relação ao Crew.
— E eu nunca respondo a um professor.
Ele sorri.
— O meu passarinho está a ganhar asas.
— Para.
Reviro os olhos.
— É verdade. — Lentamente, ele percorre o meu cabelo com os dedos. —
Odeio os rumores que andam por aí. A Natalie não os está a parar. Ela disse ao
Matthews que nós nos encontrámos ontem à noite antes de sermos apanhados.
O meu estômago contrai-se.
— A sério?
Ele acena.
— Ela não quer que o Figueroa seja apanhado. Eu sei que é isso. Por que raios
é que elas o protegem tanto? Ele não o merece.
Agarro a frente do seu sobretudo, apertando a lã pesada.
— Sê honesto comigo, Crew.
A expressão dele escurece.
— Acerca de quê? Eu contei-te a verdade.
— Então, tu não… não te envolveste com a Natalie ontem à noite? — A
minha voz é um sussurro, mal se ouve. Levada pelo vento.
— Não — diz ele, com veemência. — Eu estava contigo. Só conseguia pensar
em ti. No quão bem sabias.
Apesar do ar frio, sinto o rosto a arder.
— Crew.
— Estou a falar a sério. — Ele baixa a cabeça e afaga a minha cara com a
dele, a sua respiração quente contra a minha orelha. — Não consigo parar de
pensar em ti.
— Eu também não consigo parar de pensar em ti — sussurro.
— A Natalie está a dar cabo de tudo. Devia ter ficado na minha e continuado
a andar quando vi as luzes do carro a chegar ao parque, mas eu tinha de saber.
— Ele pressiona a sua boca contra a minha face, parece estar a respirar-me.
Fecho os olhos, pressionando a minha testa contra o seu peito.
— Eu não gosto dela. Mas estás a fazer o correto, Crew.
— Achas mesmo?
Aceno e, depois, olho para ele.
— Sim.
Ele beija-me com tanta gentileza que quase quero chorar. Quem diria que
este rapaz podia ser tão doce?
— Vens ter comigo mais logo à noite para acabarmos o filme?
Tenho a certeza de que isso é código para curtir e fazer disparates.
— Não devia — respondo. — O mais provável é estarem todos de olho em
ti.
Consigo sentir a desilusão a radiar dele, mas não podemos arriscar um
encontro — e ele sabe-o.
— Talvez amanhã? É uma sexta-feira. A hora de recolher não é tão severa. Ou
vais para casa?
— Só vou para casa quando começarem as férias.
Ele endurece, apertando-me com mais força.
— Onde é que vais passar as férias?
— Em lado nenhum. Vamos passá-las em casa. — Hesito, na dúvida se devia
perguntar, mas depois faço a questão. — Tu vais a casa?
Ele acena.
— Vou estar no apartamento dos meus pais no Upper East Side.
— Oh. — Os nossos pais são praticamente vizinhos. — Talvez nos possamos
ver.
Um sorriso lento espalha-se pela sua cara linda.
— Queres ver-me, Birdy? — Ele parece surpreendido.
— Não sei. — Encolho um ombro, e ele agarra-me a cintura, por baixo do
sobretudo, e tenta fazer-me cócegas. — Para! Isso faz cócegas!
— Deixa de fazer de conta de que não queres saber, quando eu sei que queres.
— Ele puxa-me para tão perto que estou completamente pressionada contra
ele, as partes inferiores dos nossos corpos estão juntas como cola. — Não faz
mal admitires que gostas de mim.
— Eu não devia — digo-lhe com sinceridade. — Depois de tudo por que me
fizeste passar ultimamente. Na verdade, durante os últimos três anos.
A expressão dele fica sombria.
— Sou um anormal.
— Sim, és — concordo.
— Birdy. — Ele parece chocado.
— Eu não disse nada. Só concordei com o que disseste. — Sorrio.
Ele também sorri.
— Vai correr tudo bem — afirma, a sua boca a pairar sobre a minha. —
Prometo.
Ele beija-me, e eu não consigo evitá-lo.
Acredito nele.
TRINTA E DOIS
WREN

Há anos que não me sentia tão grata por uma sexta-feira.


Às vezes, as sextas-feiras deixam-me triste. Faziam-me sentir falta da minha
família quando estava presa na escola. No início, foi difícil ajustar-me a andar
num internato. A ter de partilhar um quarto com uma pessoa que é
essencialmente um estranho, sem nunca sentir que tenho tempo para mim.
Mas dei o meu melhor e acabei por me habituar a isso.
Mas as sextas-feiras foram difíceis. Por vezes, ainda são, especialmente nos
últimos tempos, à medida que as minhas amigas se tornam mais e mais
distantes. Estava tão entusiasmada para ter o meu próprio quarto, até ter
começado a sentir falta de ter uma colega de quarto. Alguém com quem falar,
mesmo que seja convivência forçada.
Há um mês, se tanto, era nesse estado lastimoso que estava.
Pelo menos na próxima semana vamos ter um horário mais curto, isso é algo
por que ansiar, especialmente com as férias de Natal a começarem na semana a
seguir.
O Crew e eu vamos ver-nos durante as férias?
Espero que sim.
Vou até ao refeitório mais cedo para ir buscar um queque e um café, mas
detenho-me ao ver que a Maggie já lá está, de pé na fila. Vou até ela de
imediato e, quando os nossos olhares se cruzam, ela sai logo da fila e envolve-
me num abraço apertado.
— Desculpa não ter respondido. Ontem foi… difícil.
Afasto-me dela lentamente e olho pelo refeitório ao nosso redor, reparando
nos olhares curiosos das pessoas que nos estão a observar à descarada.
— Queres falar num sítio privado?
Ela abana a cabeça.
— Prefiro fingir que nada disto está a acontecer.
Eu quero argumentar, dizer-lhe que essa provavelmente não é a maneira mais
saudável de lidar com esta situação, mas não sei como é estar no lugar dela,
nem aquilo por que está a passar. Ela tem de estar assoberbada.
E acho que ela não sabe do elemento Natalie na equação entre ela e o Fig.
— Vou a casa este fim de semana — conta-me, enquanto vamos para o fim
da fila. — Preciso de falar com a minha mãe.
— Vais contar-lhe?
— Não tudo — sussurra. — Só esta parte.
Ela acena com a mão para a área próxima do seu estômago.
Não me consigo imaginar a contar à minha mãe da minha gravidez enquanto
ainda estou no secundário. Ela ia-se passar — da maneira mais elegante, claro.
— Mas ela não vai ficar curiosa quando souber quem…
— Vou-lhe dizer que é do Franklin.
Espera lá — agora vai mentir? Tenho a certeza de que ela consegue ver o
choque na minha cara.
— Eu não sei o que mais fazer. Não quero arranjar problemas ao Fig —
enfatiza a Maggie. — Nós vamos entender-nos. Mais cedo ou mais tarde.
Não lhe conto que a Natalie estava com o Fig. Isso iria deixá-la de rastos e
não sei como lhe contar. E se ela não acreditar em mim?
Passei pelos meus anos de secundário abençoadamente alheada dos dramas.
Ignorante dos problemas que as pessoas encaram diariamente. Agora estou
metida na confusão até ao pescoço, e é…
Muito para absorver.
— Estás chateada com o Crew? — Ela faz uma cara solidária, e eu apercebo-
me de que se está a referir à situação do Crew e da Natalie.
Os boatos já se acalmaram em relação ao que eram há vinte e quatro horas,
mas ainda há sussurros nos corredores e risinhos na sala de aula. A aula de
Psicologia de ontem foi uma tortura com a Natalie ali enfiada connosco. Ela
passou o tempo todo a fulminar-me e ao Crew do outro lado da sala, a ignorar
o Sam por completo, que, coitado, estava a tentar começar um diálogo com
ela. O Ezra estava sempre a lançar insultos aqui e ali, todos direcionados ao
Crew.
Foi um pesadelo.
Um pesadelo que vou ter de enfrentar outra vez, mas pelo menos tenho o
Crew ao meu lado, a fulminar todos com o olhar. Ele é tão intimidante quando
está zangado.
É um bocado atraente.
Não devia pensar nisso como atraente, mas é o que penso.
— Não é verdade — digo à Maggie, odiando a maneira como ela franze o
sobrolho. — Ele não esteve com a Natalie nessa noite. Encontraram-se por
acaso.
— Oh, Wren. Foi isso que ele te disse?
Ela tem pena de mim, dá para ver. O que é um bocado hilariante, tendo em
conta que está grávida com o bebé do nosso professor de Inglês.
— Eu tenho as minhas razões para acreditar nele — digo, o meu tom um
bocado altivo. Sinto-me na defensiva, e não gosto disso. — Tal como tu tens as
tuas para a tua situação.
Isso deixa-a em silêncio durante o resto do tempo em que ficamos à espera na
fila. Depois de ter pedido o meu café e o queque, ponho-me ao lado dela
conforme esperamos que chamem os nossos nomes.
— Tu achas-me estúpida, não achas? — diz a Maggie, a olhar para todo o
lado menos para mim.
— O que queres dizer?
Ela vira-se para mim.
— Aquilo que disseste, sobre como eu tenho as minhas razões para acreditar
nele. A minha situação é diferente da tua, Wren. Eu estou apaixonada por ele.
As coisas entre nós são sérias. As nossas vidas estão a mudar, enquanto tu tens o
rapaz mais cruel da turma a correr atrás de ti como se te estivesse a tentar
corromper — explica à medida que o seu o seu nariz se encarquilha.
Estou ofendida. A última coisa que quero é discutir com ela, mas não
acredito que ela disse isso.
— Eu sei que estás a passar por muita coisa, mas isso não significa que podes
menosprezar os meus problemas — replico.
— Os meus parecem ser um bocado maiores do que os teus — responde ela.
— E então, isto é uma competição? Há tanta coisa a acontecer que tu nem
fazes ideia — digo à Maggie. — Eu não posso explicar tudo agora, mas mais
tarde explico.
— Deixa estar. — A funcionária chama o nome dela, e ela marcha até ao
balcão, pegando no seu café. É um descafeinado, claro. Ela vira-se para mim
com uma expressão de pena na cara. — Espero que te divirtas a ter o coração
destruído.
Quase respondo «Desejo-te o mesmo», mas mantenho a boca fechada.
O Crew não apareceu na aula de Inglês, e, quando lhe mandei mensagem,
não me respondeu, o que me magoou.
Também me irritou.
Provavelmente, estou a ser demasiado sensível, mas estou preocupada.
Assustada. Onde é que ele está? O que é que se passa? Mudou alguma coisa?
Só espero que ele esteja bem. É tão estranho para mim preocupar-me com o
Crew. Claro que já me preocupei com amigos e família, mas nunca por alguém
com quem estivesse romanticamente envolvida. É um tipo de sentimento
diferente. Devorador.
Um bocado desolador.
Passo o resto do dia em piloto automático, escondo-me na biblioteca durante
a hora de almoço e acabo o meu ensaio para Inglês. Ontem, o Crew e eu
trabalhámos na nossa apresentação para Psicologia, e estou a sentir-me
confiante no resultado. Entregámos o nosso plano de projeto à Skov, e hoje ela
vai devolver os planos todos com as suas dicas e sugestões. Mas estou tão
rabugenta. Não consigo parar de pensar no Crew e onde é que ele pode estar.
Porque é que não me respondeu? Quão ocupado é que ele está, a ponto de nem
me conseguir enviar uma resposta rápida por mensagem?
É por isto que eu devia evitar rapazes. Só nos causam problemas.
Estou apreensiva enquanto caminho para a minha última aula do dia, pois sei
que muito provavelmente vou ter de lidar com a Natalie sozinha, uma vez que
o Crew tem andado desaparecido o dia todo.
Mas, para minha surpresa, o Crew está sentado à secretária, às gargalhadas
com o Malcolm, e até com o Ezra, que ainda ontem estava furioso com ele.
A Natalie não está ali de todo.
Assim que o Crew me vê, os seus olhos brilham. Vou até à parte de trás da
sala, a tentar manter a minha compostura para não me atirar a ele e o abraçar
com força. Tenho estado o dia todo preocupada com ele, e, no entanto, aqui
está ele, a sorrir e na brincadeira.
— Birdy — cumprimenta-me, enquanto me sento.
Eu olho para ele, mas não digo nada para o cumprimentar.
O Malcolm ri-se, e o Ezra faz um som tipo ooooooh baixinho.
O Crew franze o sobrolho.
— Tudo bem?
— Não quero mesmo falar disto à frente deles. — Envio um olhar na direção
do Ezra e do Malcolm.
— Oh, anda lá, Wren. Nós somos os melhores amigos dele. Se não podes
falar à nossa frente, então com quem é que podes falar disso? — O Malcolm
levanta as suas sobrancelhas.
— Cala-te — riposta o Crew, rudemente. — Deixa-a em paz.
O Malcolm levanta as mãos à sua frente.
— Desculpa. Estava só a tentar manter o ambiente leve. Não sabia que havia
problemas entre vocês.
— Eu também não sabia. — O olhar do Crew pousa sobre o meu.
Eu desvio o olhar, vagamente irritada com os três.
Não sei como me comportar ao pé dele e sinto-me desconfortável a discutir o
que aconteceu à frente dos seus amigos. Queria que estivéssemos sozinhos, para
ele me poder abraçar e dizer que vai ficar tudo bem.
A Skov entra na sala segundos depois, por uma vez na sua vida muito antes da
última campainha. Ela parece estar agitada ao pousar a sua pilha de pastas e de
livros no topo da secretária, antes de se colocar diante da turma com as mãos
nas ancas enquanto nos estuda.
— Eu não acredito que estou a dizer isto — diz ela, suficientemente alto para
conseguir a atenção da turma. — Mas estive ontem a ler os planos e… vocês
estão todos no caminho certo. Não tenho grandes sugestões para vocês.
Começamos a celebrar. Há muitos aplausos e gritaria, e eu não consigo conter
um sorriso, devido ao alívio que sinto.
— Vá, vá. Acalmem-se. Agora vou devolver os vossos planos, e vão encontrar
algumas sugestões que escrevi neles, por isso, por favor, leiam e tenham em
consideração o que vos indiquei. A minha maior preocupação é o tempo.
Parece que aprenderam muito uns com os outros, e estou preocupada que não
sejamos capazes de fazer as apresentações todas na próxima semana durante o
tempo programado para exame — explica a Skov.
Ela vai até à sua secretária e pega num molho de papéis, que começa a
distribuir.
— Tinha esperança de que alguns de vocês se sentissem confiantes o
suficiente para fazer a vossa apresentação hoje, apesar de compreender
totalmente que não se sintam capazes, dado que estou a sugerir isto sem aviso
prévio.
A mera ideia de fazer a apresentação agora faz as minhas pernas enfraquecer.
Eu preciso de me preparar mentalmente para uma coisa destas, para uma
apresentação à frente da turma inteira, especialmente porque a vou fazer com o
Crew.
Eu ainda estou irritada com ele por não me ter respondido à mensagem.
A Skov detém-se à beira da minha secretária e deixa cair o esboço em cima
dela.
— Excelente trabalho de ambos. Mal posso esperar para ver esta apresentação.
Ela afasta-se, e eu pego no papel, observando as suas sugestões. Na verdade,
ela não fez nenhumas. Apenas escreveu muitos comentários elogiosos e alguns
pontos de exclamação vermelhos em partes específicas no papel.
— Acho que ela gostou — murmura o Crew, inclinando-se para passar os
olhos pelo papel.
Eu viro-me para ele, sem me aperceber de que está tão perto.
— Eu estou zangada contigo.
— Eu sei. — Os dedos dele passeiam pela parte de cima da minha mão.
Afasto-a do seu alcance. — Eu explico tudo mais tarde. Chamaram-me à
secretaria. Fui entrevistado a manhã inteira.
— Entrevistado? Por quem? — pergunto, de sobrolho franzido.
— Eu conto-te mais logo. Ei. — Pestanejo. — Queres fazer a apresentação
agora?
— O quê? Nem pensar. — Abano a cabeça.
— Anda lá, assim já fica despachada. Tendo em conta a falta de comentários
construtivos, acho que temos esta cena garantida. Podíamos arrumar isto nuns
minutos, no máximo.
— Eu não gosto de falar em público — admito.
— Estás a falar a sério? Tu estás sempre a falar com pessoas.
— Não à frente de uma sala cheia de alunos. A falar de mim e comparar e
contrastar-me contigo. Isso é simplesmente… intimidante.
— Ouve, vamo-nos sair bem. Só tens de seguir o plano de projeto. Segue-me.
Eu não te levo por maus caminhos. — Ele sorri, e eu penso que apenas com
aquele sorriso o Crew me podia levar por maus caminhos para todo o sempre.
— Eu não sei…
— Vamos fazê-lo. — Ele põe a mão no ar num ápice, apesar da minha
exclamação de protesto. Assim que a Skov o vê, acena na sua direção.
— Por favor, diz-me que vocês os dois se vão voluntariar.
Ele pousa a mão na secretária.
— Vamos, sim.
— Muito bem. Vou-vos dar alguns minutos para se prepararem. Digam-me
quando estiverem prontos. — A Skov vai até à sua secretária, e o resto da
turma continua a falar entre si.
Fulmino o Crew com o olhar. A ansiedade por causa desta apresentação
repentina deixa-me fria. Um bocado abalada.
— Eu não estou, de todo, preparada para isto.
— Wren. — Ele agarra ambas as minhas mãos e dá-lhes uma sacudidela. O
olhar dele perfura o meu. — Tu consegues. Não vai ser assim tão difícil. Vamos
falar durante três minutos no máximo e vamos partilhar esse tempo. Noventa
segundos. É só isso. Eu sei que tu consegues.
A maneira como ele olha para mim, como se eu fosse capaz de conquistar o
mundo, enche-me com a mais pequena centelha de coragem.
— Eu não sei…
Ele aperta as minhas mãos novamente.
— Vamos rever o plano de projeto.
Assim fazemos. Eu leio as minhas partes para mim mesma, enquanto ele me
dá dicas. Eu já vi o Crew a falar à frente de uma turma, e isso nunca o parece
incomodar. Ele tem um ar tão natural, uma confiança que eu desejava possuir.
— Tu consegues. Vamos lá. — Ele levanta-se, e eu sigo-o em cima de pernas
trémulas, caminhando atrás dele até à frente da sala de aula. A Skov observa-
nos, um sorriso ténue na cara.
— Estão prontos?
— Sim. — O Crew acena.
O olhar dela cai sobre mim.
— E tu, Wren?
— Sim — minto, acenando também com a cabeça.
Independentemente do quanto me preparar, nunca vou estar pronta.
Suponho que o Crew tem razão.
O melhor é despachar isto.
O Crew começa a falar, e eu sigo o seu exemplo, interpondo as minhas
observações. Ele explica as nossas diferenças, eu exponho as nossas
semelhanças, e, ao fim de um bocado, já estabelecemos um ritmo e passamos a
palavra entre nós com vigor. Estou-me a sentir mais confiante. As minhas
costas estão mais direitas e estou a falar mais alto. Há algumas caras aborrecidas
na multidão, mas a maior parte parece interessada e, perto do fim, percebo
uma coisa.
Pelo menos estamos a fazer isto sem a Natalie aqui.
Estamos prestes a acabar quando o Crew menciona uma última observação.
— Eu sei que tenho falado sobretudo acerca das nossas diferenças, enquanto a
Wren tem relatado as nossas semelhanças. Mas tenho de mencionar que antes
de conhecer a Wren, não era um grande fã de chupa-chupas. — O olhar dele
encontra-se com o meu, um sorriso tolo na sua cara, e, de repente, quero
morrer. — Mas ela convenceu-me de que são deliciosos, especialmente quando
ela os partilha.
Ele tira uns quantos Blow Pops do seu bolso e começa a atirá-los, um
diretamente ao Ezra, que o apanha com uma mão só.
Certo. Ele está a tentar fazer-me morrer de vergonha. Claramente.
— E é isso — digo, a minha voz fraca.
A Skov começa a bater palmas, e o resto da turma acompanha-a.
— Uma última observação interessante, Crew. Não sei bem porque é que a
decidiste fazer, mas fico feliz por terem encontrado algumas coisas em comum.
Eu sabia que iria acontecer.
— Obrigado, setora Skov — diz ele, no seu jeito arrastado.
— Não foi a melhor utilização de apoios visuais, mas atirei-vos isto para cima
sem aviso, por isso não vos vou descontar por isso — afirma a Skov.
Sorrio brevemente para a professora e vou a correr para o meu lugar, com o
Crew a seguir-me. Sinto-me mortificada por ele ter falado no chupa-chupa,
mas ninguém sabe o que isso significa.
Só nós os dois.
E para ser sincera comigo mesma…
Eu gosto que tenhamos um segredo que apenas nós partilhamos.
— Ainda nos vamos encontrar hoje? — pergunta-me ele, assim que estamos
ambos sentados e à medida que a Skov tenta persuadir mais pessoas a fazer a
apresentação mais cedo. — Temos muito que conversar.
— Tens razão. Por exemplo, sobre onde estiveste hoje. — Deixo as minhas
emoções sobressair, a minha irritação torna-se óbvia.
Mas nem o perturba.
— Não posso falar disso agora. Talvez mais tarde? Tipo hoje à noite?
Este é o momento da verdade. Concordar em vê-lo mais tarde significa que a
nossa «relação» vai, muito provavelmente, progredir.
Sexualmente.
Eu estou pronta para isso? É mesmo isto o que quero?
— Eu tive saudades tuas — acrescenta ele, ao ver que permaneço em silêncio.
Inclino-me para ele, pois não quero que os outros me oiçam.
— Não acredito que falaste nos chupa-chupas.
— Os Blow Pops são agora, oficialmente, a minha guloseima favorita.
Ele está a sorrir. Na verdade, é mais do que um mero levantar dos cantos dos
lábios, ele está…
A sorrir com os dentes todos.
— Foi embaraçoso — sussurro.
— Ninguém percebeu, Birdy. Não te preocupes. — Ele adquire uma postura
desleixada no seu lugar, algo que faz frequentemente, e odeio admiti-lo, mas ele
sabe fazê-lo muito bem. Porque é que acho a sua postura esparramada tão
atraente? — És fofa quando coras.
— Costumavas odiar-me. É por isso que ainda me torturas?
— Eu já não te odeio — murmura ele, o seu olhar caloroso. — Na verdade,
até gosto de ti.
Arqueio uma sobrancelha.
— Até gostas?
— Tu ainda me odeias? — pergunta ele, evitando a minha questão.
— Quando fazes coisas como arrastar-me para a frente da sala de aula e
mencionar um dos meus momentos mais vergonhosos, sim — digo com uma
fungadela.
— Mais vergonhoso? A sério? Eu achei que foi sexy.
Estou a ficar com calor só de pensar nesse momento.
— Tenho estado a pensar muito numa repetição da performance — continua
ele. — Mas não temos de envolver doces desta vez.
Eu olho para baixo, para a minha secretária, deixando o cabelo cair para a
frente. Também tenho pensado em repetir. Tenho sentido curiosidade pelo
corpo dele.
Com isso, quero dizer que o quero ver.
Todo.
— Não fiques tímida agora — brinca ele.
Viro-me para ele e afasto o cabelo da minha cara.
— Tu sabes que eu sou tímida.
— Tímida e sexy. Uma boa menina com um lado perverso secreto. Eu gosto
disso em ti, Birdy.
— A sério?
Ele acena e muda o assunto.
— Gostava que fôssemos passar o fim de semana fora.
— Como assim? — Franzo o sobrolho.
— Estou farto deste sítio. — A voz dele escorre com nojo. — Foi uma
semana complicada. Hoje foi brutal.
Queria saber o que aconteceu, mas tenho a certeza de que ele vai acabar por
me dizer.
— Esta semana tem sido… demasiado — concordo.
O seu olhar fogoso demora-se sobre mim.
— Fugias comigo durante o fim de semana?
Rio-me da sua piada, mas ele não se ri comigo. A sua expressão permanece
totalmente séria.
Espera lá.
— Queres mesmo fugir?
— Podíamos ir embora hoje à noite. Voltávamos no domingo.
— O que é que eu diria aos meus pais?
— Nada. Não lhes dirias nada.
Olho em redor pela sala, vejo a Skov a rever um plano de projeto com
alguém. Ela não nos está a prestar atenção. Ninguém está.
— Os exames finais são na próxima semana — relembro-o. — Não podemos
simplesmente ir embora. Temos de estudar.
— A sério, Wren? Vais-me rejeitar para estudar? — Ele arqueia uma
sobrancelha.
— É só que eu nunca… fugi antes, Crew. Os meus pais sabem sempre onde
estou.
— Diz-lhes que vais passear para fora da cidade com uma amiga, porque é
isso que somos, certo? Amigos? — O seu sorriso matreiro lembra-me de que
somos tudo menos isso.
— Eu não sou uma pessoa impulsiva — digo de forma empertigada.
— Às vezes, temos de fazer cenas diferentes. Anda lá. Eu faço umas
chamadas. Encontro-nos um hotel algures.
— Nas montanhas? — As palavras saem-me da boca como se não tivesse
controlo nenhum.
— Queres ir para as montanhas?
Eu aceno.
— Era isso que eu queria fazer originalmente no meu aniversário. Fazer uma
viagem curta com as minhas amigas.
— Então vamos a isso. Podemos ir embora hoje à noite. Podemos usar o
avião se for necessário. Com sorte, está disponível.
A minha família é rica. Nós temos dinheiro. Mas não temos um avião.
A riqueza da família Lancaster é inimaginável.
— Eu não sei… — A minha voz deriva, e escapa-me um arquejo suave
quando o Crew pousa a sua mão sobre a minha.
— Vá lá. Diz só que sim.
Eu olho para ele, indecisa. Se o pai descobrisse que me fui embora durante
um fim de semana com um rapaz, ficaria destroçado. Especialmente se esse
rapaz fosse alguém como o Crew.
Ficaria zangado.
Desapontado.
E eu não o quero desiludir, nunca. Especialmente depois da promessa que lhe
fiz.
Mas quanto mais tempo passo com o Crew, menos importante essa promessa
começa a parecer.
Ele entrelaça os nossos dedos, está basicamente a dar-me a mão à frente de
toda a gente na sala. O seu dedo médio roça por cima do anel de diamante que
o meu pai me deu, e eu dou-lhe a minha resposta antes de poder pensar
demasiado nela.
— Sim.
TRINTA E TRÊS
CREW

Normalmente, não faço este tipo de coisa.


Como planear uma escapadinha de fim de semana com uma rapariga por
quem me sinto atraído.
Tipicamente, quando passo tempo com uma rapariga é numa festa ou noutro
tipo de ajuntamento social. Sempre num grupo grande. Nunca um a um —
não até a levar às escondidas para um quarto vazio ou algo do género para nos
comermos. Já tive muitos momentos assim na minha vida, e deixam-me
maioritariamente satisfeito. Perdi a minha virgindade aos quinze, no fim do
primeiro ano do secundário, e tenho fodido com alguma regularidade desde
essa altura.
Os meus irmãos ensinaram-me que é fácil conseguir gajas só com o nosso
nome de família, e rapidamente me apercebi de que tinham razão. Assim que
ouvem que és um Lancaster, as raparigas vêm a correr sem hesitação. Com esse
tipo de influência, nunca houve motivo para ficar preso a uma só pessoa, não
quando existem tantas opções.
E depois há a Wren.
Eu odiava-a — e talvez me tenha sentido assim porque lá no fundo sabia que
me sentia atraído por ela, e não havia nada que pudesse fazer em relação a isso.
Eu não me encaixo no molde de um possível namorado no que toca à Wren
Beaumont. Eu sou o tipo sobre quem o seu querido pai a avisa, e com razão.
Ela evitou-me tanto quanto possível.
Até ter deixado de o fazer.
E agora, sabe-se lá como, estamos irremediavelmente presos um ao outro.
Ela está nos meus pensamentos. Assombra os meus sonhos. Com os seus
sorrisos doces e palavras suavemente enunciadas. Com a maneira como me
observa com aqueles olhos verdes luminosos. Com aquele corpo sensual
escondido por baixo do uniforme. Com os seus lábios cheios à volta de um
Blow Pop, mesmo antes de a foder com ele. Com a sua cara quando atinge o
orgasmo.
O facto de ter sido o único que alguma vez a fez vir-se preenche-me com um
sentimento pouco familiar e absolutamente possessivo. Ela estava intocada.
Até eu ter chegado.
Não quero outro gajo a olhar para ela, muito menos a falar com ela. Quando
o Malcolm a provocou há pouco, senti-me capaz de lhe meter a cara para
dentro.
E ele é um dos meus melhores amigos. O que ele disse foi essencialmente
inócuo.
Não estou habituado a sentir-me assim. Caído por uma rapariga. A pensar
nela constantemente. A imaginar o que é que ela está a fazer, onde está, como
se está a sentir.
Deu cabo de mim ouvir a circular no campus aqueles boatos sobre estar
envolvido com a Natalie. Eu sei que magoaram a Wren, mas não podia
simplesmente dizer que me tinha estado a encontrar com ela. Ela é uma boa
rapariga que nunca arranja problemas.
Eu recuso-me a ser a sua ruína.
Graças a Deus que toda a merda que aconteceu nos últimos dias está quase a
ser resolvida de vez. Perdi a maior parte das aulas, preso na secretaria ou a ser
entrevistado por polícias ou à espera de que eles falassem comigo. Eles
entrevistaram a Natalie primeiro, e ela não quebrava, independentemente do
quanto a pressionassem.
Como é que eu sei isto? Ora bem, estava sentado lá fora, mesmo ao lado da
sala e conseguia ouvi-los a cair em cima dela com força. Não importava o que
dissessem ou que táticas utilizassem, a rapariga não cedia.
Tentaram fazer o mesmo comigo, tentaram fazer de mim o mentiroso, mas eu
também não desisti. Por fim, a Natalie acabou por confessar tudo quando a
mãe apareceu.
Depois, chamaram a Maggie. E foi aí que a merda ficou mesmo feia.
Tenho quase a certeza de que vão prender o Figueroa este fim de semana. Esse
gajo está metido num trinta e um. Pergunto-me se ele sabe sequer o que está
prestes a acontecer.
Essa é metade da razão pela qual quero ir embora. Estou farto disso. Farto do
drama para onde fui involuntariamente arrastado. Se pudesse escolher, nunca
mais via o Figueroa outra vez. Ou a Natalie.
Empurrando todos esses pensamentos acerca do triângulo amoroso retorcido
para fora da cabeça, pego no telemóvel e ligo ao meu irmão mais velho, o
Grant.
— O que é que queres? — É assim que ele me cumprimenta.
— Também é bom ouvir-te. Ainda bem que mantemos o contacto. — O
sarcasmo está pesado. É assim que eu e os meus irmãos agimos. Como se não
nos suportássemos, mas eu sei que eles estão sempre lá para mim.
— Precisas de alguma coisa, Crew? Ou estás só a ligar para me chateares?
Vou direto ao assunto.
— O avião está disponível este fim de semana?
— Queres usá-lo?
— Iá. Só hoje à noite e depois quando voltarmos a casa no domingo à tarde.
— Pergunta ao pai. — Ele parece divertido.
— Nem pensar. — A resposta dele é sempre não, embora eu raramente lhe
peça algo. — É por isso que te estou a ligar.
— E, mais precisamente, o que é que vais fazer este fim de semana? E onde é
que vais?
— É só uma viagem rápida com uma pessoa da minha turma. Vamos a
Vermont.
Encontrei uma cidade que tem neve, uma sobreabundância de espírito
natalício e um hotel de luxo com serviço de quartos. Os únicos quartos que
estavam disponíveis tinham todos camas de solteiro king. Espero que a Wren
não se importe.
Eu sei que não me importo.
— Com uma mulher?
O Grant tem uma coisa de que gosto, o facto de me tratar como um adulto a
sério.
— Estou a avisar-te. Não faças isso, maninho. Vais deslumbrá-la com a tua
riqueza e depois nunca mais te livras dela. És demasiado jovem para te
prenderes.
Com a Wren não parece que me estou a prender. Eu gosto de passar tempo
com ela. Quando não estou com ela, estou a pensar na próxima vez em que
vamos estar juntos. Qualquer merda que aconteça, eu quero falar com ela sobre
isso.
Nunca me senti assim antes. A relação dos meus pais é mais uma relação de
negócios. Ela tolera-o, ele mal a tolera, não falam um com o outro, traem-se…
E podia continuar e continuar a enumerar.
O meu pai é a porra de um monstro controlador. Ele diz às pessoas o que
fazer, e elas fazem-no. O Grant cresceu e basicamente disse ao nosso pai para ir
à merda — coisa que ele respeitou. O Finn fez mais do mesmo. A Charlotte foi
negociada e vendida a quem deu mais por ela.
E depois existo eu. O bebé da família. O pai tem zero expectativas de mim. A
maior parte do tempo, esquece-se de que eu existo, o que é ótimo.
Eu prefiro evitá-lo sempre que posso.
— Os pais dela são ricos. Ela está habituada.
— Não há ninguém como a nossa família, e tu sabes disso.
Ele tem razão, mas foda-se.
— O avião está disponível ou não?
— Está. Posso mandá-lo para os teus lados daqui a trinta minutos. O piloto
está de serviço — diz o Grant.
— Preciso dele no aeroporto pelas cinco da tarde. Quero sair às cinco e meia
— afirmo.
— Vou avisá-los.
Consigo ver que ele está prestes a desligar a chamada, mas interrompo-o.
— Ei, Grant.
— Sim?
— Obrigado.
— Considera-o o teu presente de Natal.
Ouve-se um clique e ele desaparece.
Ligo à Wren a seguir.
— Tenho uma surpresa para ti — é o que digo quando ela atende.
— Estás mesmo a planear uma viagem, Crew?
— Foi isso que te disse, certo? — Ela duvida de mim? Tenho de me certificar
de que nunca mais o faz.
— Sim, mas eu não sei. Isto é tudo tão em cima da hora. — A preocupação é
óbvia na sua voz. — E eu não sei como dizer aos meus pais.
— Como eu sugeri antes, diz aos teus pais que vais fazer uma viagem com
uma amiga. Apenas por uns dias.
— Com que amiga?
— Não sei… A Maggie?
Um suspiro deixa-a.
— Suponho que sim. Onde me vais levar?
— Quero que seja uma surpresa.
— Isso é muito querido, mas quando eu ligar ao pai e lhe disser que vou
viajar durante o fim de semana, ele vai-me perguntar onde é que vou. E eu não
lhe posso dizer que é uma surpresa, porque isso seria só estranho.
Às vezes, esta rapariga é tão irritante. Ela preocupa-se demasiado com o que
outras pessoas pensam dela — especialmente com o seu querido pai.
— Vamos a Vermont — digo-lhe.
— Oh, a sério? Eu nunca fui! Ouvi dizer que é tão bonito. As montanhas e a
neve. Algumas cidades entram mesmo no espírito do Natal.
— Isso significa que vens mesmo comigo?
— Eu quero. — Ela hesita. — Deixa-me ligar ao meu pai primeiro para lhe
dizer. Vou ver o que ele diz. De qualquer maneira, ele tem de me dar a
autorização para eu sair da escola, por isso…
Isso é verdade. Eu tenho dezoito, então não preciso de autorização dos pais
para sair do campus. Bem, isso e o facto de ser um Lancaster.
Quando o teu nome está no edifício da escola, safas-te com muitas coisas sem
argumentos.
— Liga-me ou manda mensagem quando tiveres a tua resposta, está bem? E
despacha-te. Já pedi o avião — digo.
Ela fica em silêncio durante um momento.
— Vamos mesmo voar até lá?
— Eu não queria conduzir.
— Oh, meu Deus, Crew.
— Nunca voaste num avião privado?
— Não, nunca.
— Então espera-te a viagem de uma vida.
Em mais do que uma maneira, no que depender de mim.
TRINTA E QUATRO
WREN

Eu nunca menti aos meus pais, pelo menos até ter conhecido o Crew. Agora
ando-me a esgueirar para sítios e a esconder o que estou a fazer da minha mãe e
do meu pai, especificamente do meu pai, porque sei que ele ficaria
incrivelmente desiludido comigo.
Pior, ele ia recusar logo esta viagem. Passar o fim de semana fora com um
rapaz, sozinha?
Procuro o número dele, depois, carrego no ícone para ligar e fico à espera,
segurando o telefone contra o ouvido enquanto vou até ao meu armário e tiro a
mala que uso quando viajo.
— Amora, como estás? — A voz dele é calorosa e demarcada com um leve
tom de preocupação, o que me faz sentir culpada.
— Olá, pai.
— Como foi o teu dia? Como é que anda a escola? Estás feliz por o semestre
estar quase a acabar?
— Sem dúvida. — Preciso de despachar esta parte. — Hum, eu queria-te
fazer uma pergunta.
— O que é? Está tudo bem?
— Está tudo ótimo — tranquilizo-o. Ele tem estado preocupado comigo
desde que eles anunciaram — e voltaram atrás com — o divórcio. — Uma
amiga minha convidou-me para ir com ela fazer viagem este fim de semana.
— Uma viagem? No fim de semana antes dos exames finais? Tens a certeza de
que isso é uma boa ideia?
Não, é uma péssima ideia. E também é maravilhosa.
— Eu estou pronta para os exames. Já fiz um hoje — digo-lhe. — Tive nota
máxima em Psicologia.
— Claro que tiveste. — Ele diz isso como se nunca tivesse tido quaisquer
dúvidas acerca das minhas capacidades. — Onde vais? Algures por perto?
— Vermont.
— Vão conduzir? Está a chegar outra tempestade, sabes. As estradas vão ser
perigosas. E com quem é que vais?
— Com a Maggie. — Fecho os olhos, rezando para que ele acredite em mim.
— E vamos de avião. A família dela tem um avião.
Não faço ideia se isso é mesmo verdade. A família da Maggie é endinheirada,
mas pode não ser endinheirada do tipo temos-um-avião-privado.
— Ah. Bem, isso deve ser mais seguro se voarem hoje à noite. A tempestade
só chega amanhã.
— Nós vamos ter cuidado, pai. Só nos queremos distanciar um pouco.
Relaxar antes da semana de exames finais intensa.
— Estás pronta? Precisas de estudar?
— Vai correr tudo bem — asseguro. — A sério. Posso ir?
Ele fica em silêncio por um momento, o que me deixa nervosa. Começo a
andar às voltas no quarto, com medo da sua resposta.
— Normalmente, nunca permitiria uma coisa destas — começa ele a dizer,
dando-me esperança —, mas tens quase dezoito anos. Estás quase a acabar o
secundário. Mereces uma pausa. Especialmente tendo em conta que a Veronica
não conseguiu encontrar alojamento adequado para a tua viagem de
aniversário.
Ah. A Veronica. A sua assistente. A viagem que era suposto ela estar a planear
para mim, embora eu quisesse tratar disso.
— Como assim, ela não conseguiu encontrar alojamento adequado?
— O que eu queria para ti ou estava esgotado ou era demasiado caro.
Desde quando é que o meu pai quer saber de despesas? Eu sei que pareço
uma fedelha mimada, mas, geralmente, ele consegue-me qualquer coisa que eu
queira, independentemente do custo — exceto aquela peça de arte que eu
tanto queria o ano passado.
— Não faz mal. Esta viagem é para o meu aniversário — digo.
— Então aproveita, Amora. Mal podemos esperar por te ver no próximo fim
de semana. A tua mãe ainda nem decorou a casa. Ela quer esperar que venhas
para casa.
Franzo o sobrolho. Isso também não parece normal. A mãe tipicamente
começa a decorar logo depois do Dia de Ação de Graças. Ela contrata um
profissional para vir a casa decorar com um tema em mente. Parece uma coisa
que se vê numa revista. Quase demasiado belo para tocar.
Eu sempre meio que odiei.
— Eu adorava ajudá-la — digo, e é verdade. Não me lembro da última vez
que decorámos a casa para o Natal sozinhas. Ainda temos decorações de Natal?
Normalmente, a mãe paga pelo serviço de decoração, faz com que a casa
apareça em alguma publicação online pela publicidade e depois devolve as
decorações quando a quadra acaba.
— Boa. Vou-lhe dizer. Também lhe vou contar da tua viagem — declara. —
Diverte-te, Amora. Porta-te bem.
A culpa é real.
— Sim. Obrigada.
— Adoro-te.
— Eu também.
Ele termina a chamada e mando imediatamente uma mensagem ao Crew.
Eu: Posso ir.
O meu telefone começa a tocar, e atendo de imediato.
— Faz as malas depressa, Birdy. Temos de estar no aeroporto até às cinco e
quinze — explica o Crew.
Pânico inunda as minhas veias. Isso significa que não tenho muito tempo.
— Eu consigo estar pronta a essa hora, mas preciso de terminar a chamada
para fazer as malas.
— Eu vou-te buscar ao teu dormitório daqui a meia hora, está bem?
— Está bem. Parece-me bem.

Chegamos ao aeroporto com o avião agendado para descolagem às 17h45. O


voo para Vermont são apenas trinta minutos. A partir daí, temos uma viagem
de vinte e cinco minutos para o nosso hotel, o que me enche de entusiasmo e
receio.
Vamos ter camas separadas? Conhecendo o Crew como conheço, acho isso
improvável.
Tenho quase a certeza de que estou em maus lençóis.
Sou a primeira a entrar no jato Gulfstream, com o Crew mesmo atrás de mim,
e somos cumprimentados por um assistente de bordo vestido com um fato
preto.
— Senhor Lancaster, boa tarde. Bem-vindos. O meu nome é Thomas e vou
estar ao vosso serviço durante o voo. — O Thomas olha para mim com uma
expressão amigável. — Querem beber alguma coisa?
— Eu gostava de beber um copo de champanhe — responde o Crew.
— E a menina? — O olhar do Thomas encontra-se com o meu.
— Ela bebe o mesmo — replica o Crew por mim.
— Com certeza. — O Thomas faz-nos uma pequena vénia e vai preparar as
bebidas.
— Champanhe? — digo, virando-me para o Crew.
— Vamos celebrar.
— Nós somos menores.
— Eles não nos vão pedir identificação. A minha família é dona do avião.
Podemos fazer o que nos apetecer — diz o Crew e logo vira a sua atenção para
o avião. — Isto é agradável. Nunca tinha estado neste.
— Voas em privado muitas vezes? — Ele tem razão. Este avião é muito
agradável. Os assentos de cabedal têm uma cor creme rica e estão agrupados
em pares virados uns para os outros, com uma mesa pequena entre si. As
janelas são grandes e ovais e há um armário com uma televisão.
— A maior parte do tempo — responde o Crew, e fico maravilhada com o
quão casual é a sua resposta. Como é que deve ser, vir de uma tal riqueza? A
minha família tem muito dinheiro, mas nada nesta escala.
Penso naquilo que o meu pai disse ao telefone e começo a achar que não
temos tanto dinheiro como eu originalmente pensava.
O Thomas traz-nos as nossas bebidas, e eu pego na minha, murmurando um
agradecimento, pondo-me confortável no assento mais próximo da janela.
— Vamos descolar em breve — anuncia o Thomas.
— Obrigado, Thomas — diz-lhe o Crew, sentando-se no lugar ao lado do
meu e bebendo um gole do seu copo.
Sigo-lhe o exemplo, bebendo um gole mais pequeno, e sinto as bolhas a
fazerem cócegas na minha garganta. No meu nariz. O sabor é quase amargo,
mas pelo menos desce de forma relativamente suave.
— Já bebeste champanhe antes? — pergunta-me o Crew.
Abano a cabeça lentamente.
— Eu não bebo álcool.
— Estou a corromper-te a todos os níveis. — Ele toca no meu copo com o
dele. — O que achas?
— É bom. — Bebo outro gole porque ele me está a observar e faço uma
careta. — Faz cócegas.
— São as bolhas.
Estudo o copo e as pequenas bolhas no líquido dourado.
— Não sei se gosto.
— Aposto que ias preferir algo doce. Uma bebida tropical.
— Eu bebi muitas piña coladas virgens quando fomos num cruzeiro às
Caraíbas, há uns anos — digo-lhe, mas sinto-me imediatamente estúpida por
ter admitido isso.
Ele pousa o seu copo na mesa à nossa frente e depois tira-me o meu da mão,
pousando-o na mesa ao lado do seu.
— Estás nervosa.
Não o diz como se fosse uma pergunta. Ele consegue senti-lo. Eu também
não me dou ao trabalho de o negar.
— Estou — admito. — Sinto-me mal por ter mentido ao meu pai. Por ir
passar o fim de semana fora contigo. Isto é um passo gigante para mim, Crew.
Eu não faço coisas destas.
— Eu não te vou forçar a fazer nada que não queiras — declara, e eu sei que
está a ser sincero, mas ele também sabe o quão facilmente eu me deixo levar
quando estou com ele.
Eu também o sei. Talvez me sinta culpada porque quero fazer isto. Quero
fugir com ele durante uns dias e esquecer o resto do mundo. Passar o meu
tempo com o Crew e mais ninguém. Penso no dia em que ele apareceu na
galeria de arte e em como nos divertimos. Só nós os dois.
Também penso na noite no quarto dele, quando nos beijámos na cama dele e
quando ele me fez oral. Isso também foi divertido. Um tipo de diversão
diferente, algo que eu quero explorar mais, se for sincera comigo mesma.
Eu não sabia que podia ser assim. Que estar com ele podia ser como estar
com um amigo e com um — amante, ambos ao mesmo tempo. Ou o quanto
eu ia querer passar tempo com ele. Como me sinto só quando ele não está por
perto. Como fico feliz quando o vejo pela primeira vez, quando ele me ilumina
com aquele sorriso, me olha com aqueles olhos azuis que tudo sabem. Cheios
com uma combinação de afeto e desejo. Às vezes, divertidos. Outras, irritados.
Tudo o que eu sempre quis foi alguém que me visse por quem realmente sou.
Toda a gente tem as suas expectativas, e eu acabava por cair nesses papéis, por
dar aos outros aquilo de que precisavam de mim. Ninguém me faz sentir como
eu mesma quando estou com eles.
Exceto o Crew.
— Wren. — A sua voz profunda afasta-me dos meus pensamentos, e olho
para cima para dar com ele a observar-me, o seu olhar calmo, a expressão séria.
Ele toca no meu cabelo. Prende uma mecha atrás da minha orelha, e os dedos
demoram-se ali. — Estou contente por vires comigo. Tens de te afastar da
realidade durante um bocado.
— Tu também — digo e, depois, franzo o sobrolho. — Espera. Ainda é
suposto estar chateada contigo.
Um suspiro deixa-o.
— O que é que eu fiz agora?
— Nunca respondeste à mensagem que te mandei de manhã. Eu estava
preocupada contigo. Não sabia onde estavas. — Isso é outra coisa a que não
estou habituada.
Preocupar-me com alguém — um rapaz — e interrogar-me onde é que ele
está quando não diz nada. Eu estava verdadeiramente preocupada. Até um
bocado em pânico. E se alguma coisa lhe tivesse acontecido? Algo horrível? O
alívio que senti quando o vi apagou toda a minha raiva e frustração.
Mas está tudo a voltar.
— Eu estive na secretaria a manhã toda. Só saí de lá depois do almoço —
admite, estendendo a mão para pegar no seu copo de champanhe e sorvendo
tudo, como se precisasse de ter álcool a correr-lhe nas veias para conseguir
sequer falar disso.
— Porque é que estavas na secretaria? — Eu quase não quero saber.
— Estava a ser questionado pela polícia. Acerca do Figueroa.
— Oh. — Isso parece agourento. — Eles vão prendê-lo?
— Provavelmente. Isso é metade da razão para me querer afastar dali. Estou
farto de lidar com aquela merda. Com a Natalie e as mentiras dela. Com o
Figueroa e sua sordidez. — O lábio superior dele levanta-se numa expressão de
nojo. — Não o suporto.
— Esquece-o. — Tiro-lhe o copo vazio dos dedos e devolvo-o à mesa antes de
lhe dar a minha atenção toda. — Vamos focar-nos no fim de semana. Eu nem
sei onde me vais levar ao certo.
— Manchester, Vermont. Ouvi dizer que eles dão tudo durante a quadra
natalícia.
— A sério? — O entusiasmo começa a borbulhar dentro de mim, tal como as
bolhas no meu copo de champanhe. — E há neve? Montanhas? Pinheiros?
Ele acena.
— Nunca vi ninguém tão entusiasmado com uma ida às montanhas.
— Eu sou uma rapariga citadina. A minha família nunca vai para as
montanhas.
— Nem para Vail?
— Pareces mesmo um snobe — digo com uma risada leve. — E não, não
vamos para Vail.
— Nem sabes o que perdes. — Ele não parece ofendido por lhe ter chamado
snobe. Eu também não estava a falar a sério.
— Posso perguntar-te uma coisa?
O Crew acena, virando-se no seu lugar para me encarar mais de frente.
— Fizeste isto por mim? Esta viagem a Vermont? Ou por ti?
Ele estende-me a mão, que pousa no meu rosto, e os seus dedos afagam-me a
pele, deixando-me a ofegar.
— Fi-lo por ti.
Pestanejo, os meus olhos querem-se encher de lágrimas, mas não sei porquê.
— Fi-lo por nós — admite, mesmo antes de me beijar.
TRINTA E CINCO
WREN

O hotel é mais ao estilo de uma estância de férias, e, quando chegamos ao hall


de entrada, olho para o grande candelabro de ferro forjado acima de nós. O
calor da lareira em pedra enorme que está ali perto aquece-me de imediato. Lá
fora, a neve já começou a cair, flocos pequenos, mas abundantes, e pergunto-
me como estará o exterior amanhã quando acordarmos.
Ainda não acredito que estamos aqui. Juntos.
Sozinhos.
O Crew requisitou que um SUV estivesse à nossa espera quando chegássemos
ao pequeno aeroporto, e eu não conseguia parar de observá-lo enquanto ele
conduzia pelas estradas cheias de neve com uma perícia calma.
Quem diria que eu acharia tão sexy ver um homem a conduzir? A palavra sexy
nem fazia parte do meu vocabulário até há umas semanas.
Mas tudo o que ele faz é inegavelmente sexy. Desde a maneira como assume o
controlo de todas as situações até ao som calmo e confiante da sua voz à
medida que fala com o funcionário do hotel, que está atualmente a ajudá-lo. É
uma mulher mais velha, com um sotaque de Vermont pronunciado, que parece
bastante encantada com ele.
Não a posso culpar.
Fico à espera ao lado da lareira, enquanto o Crew termina a conversa com a
rececionista, com as nossas malas aos meus pés. Ele vem até mim com os dois
cartões-chave na mão e um sorriso ténue na cara. Quando se aproxima, dá-me
um dos cartões.
— Passei-nos para a suite do chalé — diz ele.
— Um chalé? — Se for um chalé feito de madeira, vou, sem dúvida, morrer
de felicidade.
— Sim, tem uma sala. Uma lareira. Apenas uma cama, mas é de tamanho
king.
Os nervos fazem o meu estômago dar um salto, mas ignoro o sentimento.
— Isso parece agradável.
— Espero que sim. Pronta para ir?
Quando aceno, ele pega nas nossas malas, voltamos para o SUV e saltamos
logo lá para dentro. Ele conduz pela estância de férias e acabamos perto do fim
do terreno, daquilo que eu assumo ser um lago, tendo em conta o porto
coberto de neve que vejo na distância. Assim que estamos estacionados e que
ele desligou o motor, o Crew vira-se para mim.
— Deixa-me ir abrir a porta, ligar as luzes e trazer as nossas malas. Depois,
venho aqui buscar-te — afirma.
— Está bem.
Vejo-o a sair do carro e a abrir a porta de trás. Consigo escutar o som da neve
a acertar-lhe no casaco enquanto ele retira as malas e bate com a porta. Ele dá
uma corrida até ao edifício que está mesmo à nossa frente e destranca a porta,
entrando num ápice.
As luzes no interior acendem-se e, dentro de minutos, ele regressa,
caminhando na direção do carro, e abre-me a porta do lado do passageiro.
— Pronta? — pergunta.
Eu aceno, e ele pega na minha mão, fechando a porta por mim e levando-me
para dentro do nosso chalé durante o fim de semana. Eu gosto de como ele é
cortês. Na verdade, é muito…
Querido.
Assim que estou dentro do chalé, dou uma volta lenta, absorvendo tudo ao
meu redor. Há uma lareira a gás que o Crew deve ter acendido assim que
chegou e que dá ao espaço um brilho quente e acolhedor. As escadas levam ao
que parece ser um loft, e olho para o Crew, que está a abrir a sua mala e a
remover umas quantas garrafas de álcool que deve ter tirado do avião.
— Onde é o quarto? — pergunto.
— Lá em cima. — Ele pega no que parece ser uma garrafa de vodca e uma de
tequila em cada mão e acena para as escadas. — Há uma casa de banho lá em
cima. E também há uma casa de banho pequena aqui em baixo. E uma
kitchenette, mas duvido que a usemos muito para cozinhar.
— Eu nem sei cozinhar — admito.
— Eu também não. Mas uns copos davam jeito. — Ele levanta as garrafas
que tem nas mãos e dirige-se para o que presumo ser a cozinha.
— Estás com vontade de festejar? — pergunto, falando em voz alta para as
costas dele.
— Estou com vontade de fazer o que te apetecer, Birdy. Seja o que for, estou
nessa — grita de volta.
Subo as escadas, e um pequeno gritinho de felicidade deixa-me quando vejo a
cama gigante que ocupa a maior parte do espaço. Há um cobertor de pelo falso
estendido sobre a cama, e passo-lhe a mão por cima, maravilhada com a sua
suavidade.
— Esta parte aqui em cima é mesmo fofa — digo-lhe.
— Queres essa cama?
Vou até ao corrimão, para que o Crew me veja a franzir o sobrolho acima
dele.
— O que queres dizer?
— O sofá abre-se numa cama, se preferires, eu posso ficar com o sofá para tu
dormires sozinha — sugere.
— Oh. — Os nossos olhares colidem e entreolhamo-nos em silêncio até eu
dizer: — A cama aqui em cima é muito grande.
— É? — Ele enfia as mãos nos bolsos das calças de ganga. Já se livrou do
casaco e do gorro, enquanto eu ainda estou de casaco, e está mesmo giro
naquela camisa de flanela preta e cinza. Estou tão habituada a que esteja
sempre de uniforme que é um bocado chocante vê-lo com roupas normais.
Eu aceno.
— Vem cá acima ver.
Ele faz como pedido, os passos de botas pesadas ressoam nas escadas
conforme vai subindo. Ele vem até ao meu lado e, de repente, sinto-me
constrangida. Um bocado desconfortável. Não por causa dele.
Por causa das minhas próprias inseguranças e dos nervos em relação à questão
da cama.
— Tens razão. É agradável aqui em cima. — O Crew dá uma olhadela à casa
de banho. — Acho que este sítio foi remodelado recentemente. Tem tudo um
ar novo.
Sigo-o até à casa de banho, concordando com ele em silêncio. As bancadas de
mármore, o chuveiro enorme com painéis de vidro e uma banheira branca
gigante, parece tudo moderno e novinho em folha.
A minha imaginação começa a trabalhar e, de imediato, tenho uma visão de
nós os dois na banheira, o Crew atrás de mim, com os braços em torno do meu
torso, os nossos corpos nus e molhados cobertos por bolhas de sabão.
Estou-me a sentir tão crescida.
— Eu não te quero a dormir no sofá-cama — anuncio.
O seu sorriso desenha-se lentamente.
— Ah, sim?
Abano a cabeça devagar.
— Podemos partilhar a cama. — Saio da casa de banho, e ele segue-me. —
Olha só como é grande. Temos imenso espaço.
— Iá, temos. — O tom dele é sugestivo, e coro da cabeça aos pés. Nem
consigo olhar para ele.
Tenho medo de que, se olhar, ele me empurre para cima da cama e me mostre
tudo o que me quer fazer.
E eu não vou protestar. Nem um bocadinho.
Ele senta-se ao pé da cama e abre as pernas.
— Vem cá.
Deixo-o apanhar a minha mão e puxar-me para mais perto. Depois, solto-a,
para pousar ambas as mãos nos seus ombros.
— Pareces nervosa — diz ele.
O meu sorriso é trémulo.
— Estás surpreendido?
O Crew abana a cabeça lentamente, e as suas mãos pousam nas minhas ancas.
— Precisas de relaxar. Queres encomendar alguma coisa pelo serviço de
quartos?
Aceno.
— Estou com fome.
— Eu também. — Ele agarra-me e atira-me para a cama, fazendo-me
guinchar. Aterro com as costas no colchão, ofegante ao vê-lo pairar sobre mim,
a cara acima da minha, e o seu olhar preso aos meus lábios.
— É isto a que chamas serviço de quartos?
Ele ri-se.
— Acabaste de dizer uma piada porca?
Não era a minha intenção, mas…
— Parece que sim.
Ele inclina a cabeça e dá-me um beijo intoxicante. Um beijo cheio de calor e
língua, acompanhado por aqueles sons roucos e murmurantes que ele faz,
como se não conseguisse ter o suficiente.
O suficiente de mim.
A mão dele desliza para baixo da minha camisola, e não o afasto. Inclino-me
para o seu toque, desejando que ele não ficasse por ali.
Quero sentir as mãos dele em todo o lado.
Beijamo-nos durante não sei quanto tempo, até que a minha boca começa a
ficar dorida e o meu peito, apertado. Consigo senti-lo à medida que ele começa
lentamente a roçar as suas ancas contra as minhas, e o meu corpo responde,
aquela carência pulsante entre as minhas pernas a deixar-me inquieta.
Ele agarra as minhas mãos, une os nossos dedos e segura-as acima da minha
cabeça. Quando se afasta dos meus lábios que ainda procuram os dele, deixo-
me ficar ali, a tentar recuperar o fôlego, enquanto ele estuda a minha cara com
olhos sombrios.
— Se fosse por mim, não saíamos deste chalé durante o fim de semana todo
— murmura ele.
— Íamos acabar por ter de comer — lembro-o.
— Há o serviço de quartos.
— Pensei que eu era o teu serviço de quartos.
Sorrio, e ele também.
— Eu quero ver as coisas de Natal — admito. — Disseste que a cidade era
bonita.
— Pelo que percebi, parece saída de um filme do canal Hallmark.
Franzo o sobrolho.
— O que é que tu sabes de filmes do Hallmark?
— Tenho uma mãe. E uma irmã. Já vi alguns no decorrer da minha vida —
admite o Crew, um bocado relutantemente.
De repente, tenho uma excelente ideia.
— Devíamos ver alguns durante o fim de semana — sugiro.
— Tu és a única coisa que eu quero ver. — Ele encosta a cara ao meu
pescoço, a sua respiração quente contra a minha pele. — Devíamos tomar um
banho. Aquela banheira é suficientemente grande para os dois.
A minha fantasia de há pouco reacende-se, mas é rapidamente apagada por
um caso grave de nervosismo.
— Não sei se devíamos.
Ele levanta a cabeça, afastando-se do meu pescoço para olhar para mim.
— E se eu te der de comer primeiro?
Estou tentada.
— Depois, dou-te um orgasmo ou dois. — Ele sorri abertamente.
Eu coro.
— Crew…
— Devia ter trazido Blow Pops.
Ele move-se contra mim outra vez, bem devagarinho, e fecho os olhos,
inspirando fundo quando sinto os seus dedos a apertarem-se em torno dos
meus pulsos. Como se me quisesse manter cativa.
— Seguramente és mais criativo do que isso — digo, para o picar.
Ele fica em silêncio durante tanto tempo que abro os olhos, preocupada com
a possibilidade de ter dito a coisa errada.
— Queres que eu seja mais criativo? — As suas sobrancelhas disparam para
cima. A expressão diabólica na sua cara é quase assustadora.
Quase.
Mas não exatamente.
— Eu não te quero assustar, Birdy — continua a dizer. — Mas se dependesse
de mim, tirava-te a roupa toda. Depois, pegava numa dessas fitas que tens
sempre no cabelo e atava-te os pulsos.
Ele aperta-os para dar ênfase.
O meu corpo inteiro ruboriza com a imagem que ele me está a colocar na
cabeça. Adoro quando me diz o que quer fazer comigo.
— E depois?
E acho que ele também o sabe.
— Beijava-te por todo o lado. Fazia-te vir com os meus dedos. Depois, com a
minha boca. — Ele beija-me, a língua dele perscruta-me. — O que é que tu
me queres fazer?
Não sei se consigo dizer as palavras em voz alta.
— Eu posso dizer-te o que eu quero.
— Diz-me — sussurro.
— Quero que me faças vir com os teus dedos. Depois, com a tua boca. — Ele
basicamente repete o que me acabou de dizer, e as minhas cuecas ficam
inundadas de humidade com a ideia. Mas…
— Eu não sei o que fazer. Nunca fiz nada assim antes — admito, odiando o
quão intimamente ele me está a observar. Se pudesse escolher, fugia e escondia-
me depois desta confissão.
— Eu posso mostrar-te.
— Tu queres mostrar-me? — A minha voz sai-me num guincho, e fecho os
olhos.
A humilhação é quase demasiado grande para suportar.
— Mostro-te o que tu quiseres — diz ele, a sua voz rica em promessas.
— Podes despir-te para mim? — As palavras saem antes de as conseguir
travar.
Um ligeiro sorriso aflora-lhe nos lábios.
— É isso que queres?
Aceno. Já vim até aqui, e assim que o vir nu…
Não há volta a dar.
TRINTA E SEIS
CREW

A minha doce, pequena e inocente Birdy é adorável.


Adoravelmente sexy.
Completamente ensinável.
Absolutamente fodível.
Posso moldá-la em tudo o que alguma vez poderia querer, e é tentador, tão
tentador, corrompê-la por completo e tirar-lhe a virgindade esta noite. Não
seria preciso muito. Ela é tão responsiva, eu sei que conseguia fazê-lo.
Mas quero levar isto devagar. Quero que seja bom para ela. E apesar de ter
feito justamente isso durante os últimos momentos que partilhámos, a minha
frustração sexual está nos píncaros. Nunca tive um caso tão violento de tomates
cheios na minha vida.
Preciso de me aliviar.
Mas não posso ser muito exigente. Se for, ela corta-se e baza, e isso não pode
ser. Preciso que ela me queira, que queira fazer isto comigo. Apesar da minha
posição no que toca a relações e a nunca me comprometer com uma só
rapariga, estou a começar a gostar dela.
E também quero que a Wren goste de mim.
A julgar pelo fulgor no seu olhar, ela está excitada e pronta. Carente. Gosta da
maneira como a estou a manter cativa, dos meus dedos a rodear os seus pulsos.
Ter os braços acima da cabeça faz com que ela empurre mais o peito para fora,
e eu estou mortinho por ver aquelas mamas outra vez. São perfeitas.
Tudo nela é perfeito.
Lembro-me daquilo que o meu irmão me disse, sobre como não me devia
deixar prender por uma rapariga. Não é a primeira vez que ele diz algo do
género, e o mais provável é não ser a última. Eu sei que tem razão. Eu só tenho
dezoito.
Mas esta rapariga…
Estou viciado.
Não me consigo fartar.
Solto-a e rebolo para fora da cama, ficando de pé à beira dela. Ela mete-se em
posição, sentada e encostada à cabeceira, sem que o seu olhar deixe o meu.
— Queres que me dispa?
Pareço divertido porque, bem, estou divertido. Tudo o que a Wren faz tem
tendência a surpreender-me.
E eu gosto.
— Sim, quero — replica, acenando.
Começo a desapertar os botões da minha camisa, desabotoando cada um
lentamente, revelando a T-shirt branca que tenho por baixo. Ela observa-me
com o seu olhar esfomeado, focada no meu peito, e, quando tiro a camisa,
deixando-a cair ao chão, ela liberta um suspiro suave.
Rio-me.
— Ainda nem mostrei pele.
— Os teus braços. — Ela abana uma mão na minha direção. — Gosto muito
deles.
— Tu dizes tudo que te passa pela cabeça, não é?
— Só contigo — admite ela, e as bochechas ficam rosadas.
— Eu gosto disso, Birdy. — Agarro na gola da minha T-shirt por trás e puxo-
a por cima da cabeça num só movimento elegante. — Devias juntar-te a mim.
— Juntar-me como?
— Despe-te também.
— Oh. — Ela observa-se. — Não sei. Estou envergonhada.
— E achas que eu não estou? — Bem, não estou nem um bocadinho. A
apreciação que estou a ver nos olhos da Wren é um grande incentivo ao meu
ego. Todos precisamos de uma rapariga como a Wren a olhar para nós como se
fôssemos deuses.
— Não, não estás. Olha para ti. — O olhar dela desliza pelos meus peitorais,
desce até ao meu estômago.
A minha piça estremece de uma maneira quase dolorosa contra a frente das
minhas calças de ganga.
— Olha para ti — devolvo, com uma voz baixa. — És sexy pra caralho com
as tuas palavras inocentes e esses olhos a dizerem «Fode-me».
Ela pestaneja.
— O que queres dizer?
— Que estás a olhar para mim com vontade de que eu te foda. — Estendo a
mão à parte da frente das minhas calças de ganga e desabotoo um botão.
Depois, o outro. E outro depois desse, aliviando a pressão no meu pénis.
O olhar dela acompanha todos os meus movimentos.
— Eu não te queria estar a olhar assim.
— Podes admitir que me queres foder, Wren. — Abro o último botão,
deixando a braguilha aberta e revelando a parte de cima dos meus boxers pretos.
— Eu quero foder-te.
— Queres?
Ela parece surpreendida. Uma gargalhada rebenta na minha garganta.
— Claro que quero.
Ela sorri um pouco.
— Queres que me dispa contigo?
— Se quiseres. — Mantenho o tom casual, para não parecer demasiado
ansioso.
Ela senta-se com as costas mais direitas, tira a camisola e deixa-a cair ao chão.
Está a usar o sutiã que tinha vestido há umas noites. Aquele que mal lhe segura
as mamas perfeitas para as quais não consigo parar de olhar.
— Isto não é assim tão mau — admite ela, afundando os dentes no lábio
inferior. — Eu gosto da maneira como estás a olhar para mim.
— E eu gosto da maneira como estás a olhar para mim. — Mantenho a
minha distância, tentando encontrar o ritmo certo, apesar de só querer saltar
para cima dela.
Ela ri-se nervosamente.
— Estamos a ser um pouco ridículos.
— Estamos só a divertir-nos. — Encolho os ombros.
— É isso que o sexo é para ti? Diversão?
Não consigo descrever nenhuma das minhas experiências sexuais anteriores
como divertidas. O meu objetivo era sempre vir-me e certificar-me de que ela
também se vinha. Não era necessário saborear ou prolongar o momento.
— Nem por isso.
— Oh. — Ela esfrega os dedos no vale formado pelos seus seios,
aparentemente perdida nos seus pensamentos. — Eu sempre achei que era
sério. O sexo.
— Eu sei. Tens um anel no dedo que prova isso. — Aceno na direção da sua
mão esquerda.
A Wren olha para o anel de diamante que o pai lhe deu, girando-o em torno
do dedo, e, lentamente, começa a tirá-lo.
— Ultimamente, isto parece um fardo. Um lembrete do que não devia fazer.
— Se tu não quiseres — começo a dizer, mas ela abana a cabeça e
interrompe-me.
— Não. Eu quero. Quero mesmo — Ela sai da cama e deixa cair o anel em
cima da mesa de cabeceira. Devagarinho, começa-se a aproximar de mim.
Com a ponta dos pés, tiro as botas, e espero por ela, a minha respiração presa
na garganta, o meu olhar a saltitar por todo o lado, pois são demasiados os
sítios belos para contemplar de uma só vez. A sua pele cremosa e suave. As
mamas mal contidas pela renda do sutiã. O declive da cintura, o bojo das suas
ancas naquelas calças de ganga. Ela tirou as botas quando entrámos pela
primeira vez no chalé e parece mais baixa do que o costume. Mais pequena.
A necessidade de a proteger é feroz. Penetra no meu coração de aço e
preenche-me com uma panóplia de impulsos desconhecidos. Quero arrastá-la
para os meus braços e nunca mais a largar. Protegê-la de todos os anormais que
a queiram roubar de mim. Porque se eles soubessem, se soubessem quão
querida é, quão sexy é, todos a iam querer.
Ela estende as mãos na minha direção, pousa-as sobre o meu peito e afasta os
dedos, como se quisesse tocar no máximo de pele possível de uma vez. É como
se estivesse a contar as minhas costelas, a memorizar o padrão da minha pele,
com um toque leve como uma pena. Arrepios deixam-me com pele de galinha,
um calafrio desce sobre mim, e o meu coração bate com mais força. Mais
rápido.
As mãos dela deslizam para baixo, e os dedos fecham-se em torno da cintura
das minhas calças. Os nós dos seus dedos roçam a minha pele. Engulo o
gemido na minha garganta e sustenho a respiração enquanto ela abre mais a
parte da frente das calças. Tanto quanto a ganga permite.
A Wren levanta o seu olhar para o meu e mantém-se focada em mim
enquanto a sua mão desliza para dentro da parte da frente das minhas calças.
Os dedos fecham-se em redor da minha piça, segurando-me com um toque
leve. A respiração dela está mais ofegante, consigo ver pela rápida oscilação do
seu peito, e, desta vez, deixo o gemido escapar quando ela me aperta.
— És grande.
O que todos os gajos querem ouvir.
As sobrancelhas dela ficam carregadas com preocupação.
— Vai caber?
— Vai caber — digo com rouquidão. — Desde que estejas molhada e
relaxada.
A língua dela esgueira-se para lamber o canto dos lábios.
— Eu já estou molhada.
Jesus Cristo, esta rapariga. É inacreditável.
— Tu também estás — continua a dizer. — A parte da frente dos teus boxers
está húmida.
Fecho os olhos. Se ela continua a falar assim, vou-me vir aqui, de pé.
— É isso que acontece quando me tocas assim — digo-lhe através de dentes
cerrados.
— Hum. — Ela continua a sua exploração e usa a outra mão para puxar as
minhas calças para baixo. Eu dou-lhe uma ajuda, empurrando-as para baixo
das minhas ancas, até estarem num monte em torno dos meus pés, e chuto-as
para o canto. — Oh, uau.
O olhar dela está colado aos meus boxers, onde a minha piça está em esforço
contra o tecido, louca para ser libertada.
— Podes tocar-lhe — encorajo-a.
— Isto é… tu és impressionante. — Ela fita-me. — Não estava à espera de
que fosses tão grande. Acho que és maior do que aquele tipo que vi na
pornografia.
Quero-me rir. Quero gemer em absoluta agonia. As coisas inocentes que ela
diz. A maneira simples e, no entanto, altamente eficaz como me toca. O desejo
no seu olhar.
Ela está a dar comigo em doido.
Cedo e agarro-lhe no lado da cara, inclinando-lhe a cabeça para trás para a
beijar com fome. Ela responde imediatamente, os lábios entreabrem-se, a
língua dela envolve a minha. Gemo, dou um passo em frente, e a minha mão
desce para o seu peito, os meus dedos fecham-se em torno de uma mama
luxuriante, e faço o polegar roçar contra o seu mamilo. Já está duro, e eu
contorno-o uma e outra vez, fazendo-a gemer. Os dedos dela apertam-se em
torno do meu pénis, e dão-lhe um afago tentativo.
Os meus tomates apertam-se, como se estivesse prestes a rebentar a qualquer
segundo.
Estendo a outra mão para a frente das suas calças de ganga, abrindo a fivela
com dedos desajeitados, e puxo o fecho para baixo. Mergulho a mão nas calças
abertas, os meus dedos encontram o material sedoso, e pressiono-os contra a
cona dela, o tecido já molhado.
Tal como ela disse que estaria.
— Oh, meu Deus — sussurra ela, quando a agarro com a mão toda, e os
meus dedos pressionam com mais força. — Isso não devia saber tão bem.
— Gostas disto, Birdy? — Acaricio-a para cima e para baixo, utilizando a
fricção das cuecas para a ajudar a chegar ao orgasmo.
Ela acena, emite um gemido sussurrado e desamparado, e eu não aguento
mais.
Retirando a minha mão das suas cuecas, aproximo-me ainda mais, empurro-a
com o meu corpo para a cama, e ela acaba por cair de cu na borda. Olha para
mim com olhos arregalados e sem pestanejar, enquanto estende a mão para
mim e a desliza para cima e para baixo sob a frente dos meus boxers. Eu
empurro as ancas, pressionando o meu pénis contra a palma dela, para que
saiba que estou a gostar.
— Diz-me o que fazer a seguir — murmura ela.
— Tira-me para fora — exijo, e os olhos dela cintilam.
A Wren afasta a mão para conseguir puxar os boxers para baixo lentamente,
mas com confiança. Até a minha piça saltar para fora, balançando mesmo à
frente da cara dela.
Da sua boca.
De novo, ela levanta o olhar para o meu, mas logo devolve a atenção à minha
piça empolgada. Ela envolve a base com os dedos. O seu toque é gentil, e o seu
olhar, curioso enquanto me estuda. Ela franze o sobrolho, concentrada,
conforme me aperta com força, a minha respiração sai-me num sibilo, e sinto
os meus músculos do estômago a contrair.
— Gostas disto?
— Mais apertado — digo, a esforço, e ela aperta-me com ainda mais força, à
medida que o seu polegar percorre o comprimento da veia distendida,
explorando. Como se o meu pénis fosse o raio de um projeto para a aula de
Biologia.
— Não te magoa?
Abano a cabeça.
— Sabe bem.
Ela aperta-me da base à ponta, e forma-se uma gota límpida de líquido pré-
ejaculatório, para a qual olha, fascinada. Depois, faz a coisa mais louca de
sempre.
Põe o cabelo para trás, inclina-se e deixa um beijo mesmo na ponta da minha
piça.
— Foda-se — gemo, a desejar poder agarrar no cabelo dela com ambas as
mãos e forçá-la a chupar o meu pénis. Mas isso provavelmente ia assustá-la, e
não posso fazer isso.
— Diz-me o que fazer a seguir — encoraja-me, com os dedos a deslizar
lentamente para cima e para baixo ao longo do meu pénis. — Eu podia…
bater uma punheta.
Percebo que foi preciso muito para a minha doce e inocente Wren dizer
aquilo. Ela não está habituada a pedir o que quer, e o meu objetivo é garantir
que ela se sente à vontade comigo. Que eu não a vou julgar.
Vou dar-lhe o que ela quiser.
— Preferia um broche — replico, inspirando fundo.
Aquela boca que ela tem ia ficar bem pra caralho embrulhada à volta da
minha piça.
— Vou fazê-lo mal.
— Não, nunca o farias mal. — Fecho os olhos e inclino a cabeça para trás.
Quero rir-me de mim mesmo por estar de pé no meio do quarto
completamente nu, à exceção das meias. Com a minha miúda sentada na
cama, a discutir sobre um bico enquanto me esfrega o pénis como se fosse
dona dele.
O que é que me está a acontecer, porque é que estou a pensar nela como a
minha miúda? E porque é que estou a gostar tanto da ideia?
— Oh, era bem capaz — diz ela, divertida. — Não estava à espera de que
fosse tão cheio de veias.
— Wren. — O nome dela sai de mim como um gemido, e, quando olho para
baixo, vejo que ela me está a observar, e que os seus dedos ainda estão à volta
da base do meu pau. — Faz o que te apetecer.
— Queres que te toque mais depressa? — Ela faz justamente isso, os dedos
deslizam para cima e para baixo, mantendo um ritmo constante. Como se
tivesse perdido o controlo do meu corpo, as minhas ancas começam a mover-se
com ela, e estou basicamente a foder-lhe a mão.
Não consigo falar. Foram semanas de acumulação. Anos, na verdade. Anos de
querer a Wren assim. De morrer para que ela me tocasse. E agora que ela o está
a fazer, mal o consigo aguentar. Esta rapariga está prestes a fazer-me perder
todo o controlo, algo que um Lancaster nunca faz.
O meu pai enfiou-me isso na cabeça desde cedo. E os meus irmãos também.
Nós temos superioridade sobre os outros. Sempre. Nunca deixes que ninguém
te finte.
Mas esta rapariga? Esta rapariga linda e querida com a boca feita para pecado
passou completamente pelas minhas defesas, e eu deixei-a. Raios, eu
praticamente implorei para que o fizesse.
E não quero saber. Faria tudo outra vez — por ela.
Ela inclina-se para a frente, a boca está de novo na ponta do meu pau e,
lentamente, ela envolve-a com os lábios e põe-na dentro da sua boca.
Caralho.
Ela fixa aqueles olhos enormes em mim, e eu agarro no meu pau, os dedos
dela caem, e a boca fica em mim. Começo a bater uma punheta num frenesim,
o meu corpo coberto de suor, e a minha respiração pesada a fazer-me o peito
doer. Não consigo tirar os olhos dela e, quando se afasta ligeiramente, pondo a
língua de fora para me dar uma lambidela exagerada, sinto necessidade de a
avisar.
— Estou quase.
O aviso passa-lhe ao lado, pois ela continua a lamber a cabeça dilatada do
meu pénis, a língua a demorar-se em cada curva. Aquela sensação familiar
começa na base da minha coluna, espalhando-se para todo o lado, a minha pele
eletrifica-se, e sei, sem sombra de dúvida, que estou quase a vir-me.
Em cima da carinha bonita dela se ela não tiver cuidado.
— Wren — aviso.
Ela não se mexe. Eu avisei-a duas vezes.
— Foda-se — gemo ao sentir o orgasmo a chegar a toda a velocidade. Os
meus pulmões esvaziam-se, e sai-me um som estrangulado da garganta. Aquele
primeiro esguicho de esporra acerta-lhe no rosto.
Ela afasta-se do meu pénis repentinamente, os olhos cheios de surpresa
enquanto me continuo a vir, o meu corpo a convulsar, completamente
subjugado. Aperto o tronco da minha piça, mesmo abaixo da cabeça, e cai uma
última gota antes de ficar completamente gasto.
O quarto está em silêncio, apenas se ouve o som das nossas respirações
pesadas no ar. Eu perdi totalmente o controlo, algo que nunca faço com uma
rapariga, e fiz uma grande cagada. Em mim, na Wren e na cama.
Ela toca na face, depois, afasta os dedos, que ficam cobertos em esperma, e eu
quase perco a cabeça quando ela os leva à boca e lhes dá uma lambidela.
Não sei se vou sobreviver a esta noite, quanto mais ao fim de semana, se ela
continuar assim.
TRINTA E SETE
WREN

Limpamo-nos e voltamos a vestir as roupas antes de encomendarmos a comida


a partir do serviço de quartos. O momento que partilhámos ainda pesa na
minha mente, apesar de não termos falado realmente sobre isso. E eu não sei
como abordar a conversa, logo…
Não falo nisso.
Mas não consigo paro de pensar nisso. Ele pareceu perder todo o controlo.
Veio-se na minha cara, o que penso ser mesmo uma «cena», tendo em conta o
que me lembro de ver naquele site pornográfico, na noite em que estive a
explorar as categorias.
Eu não me importo, apesar de ter sido chocante quando aconteceu. Estou tão
curiosa com tudo. Tudo mesmo. É interessante como o orgasmo da mulher é,
em grande medida, tão interno, enquanto o do homem é incrivelmente óbvio.
Ao ponto de explodir por todo o lado.
Literalmente.
O Crew é tão incrivelmente paciente comigo e, apesar de o meu corpo ainda
ansiar por algo que apenas ele me pode dar, não me importo de esperar. Eu sei
que vão acontecer mais coisas entre nós. Hoje. Amanhã.
Além disso, estou com fome.
A nossa comida chega relativamente rápido e comemos na sala, ambos
sentados no chão à frente da mesinha de café, com as costas inclinadas contra o
sofá enquanto nos banqueteamos. Encomendámos os dois cheeseburgers, batatas
fritas e Coca-Cola, e deu para perceber que o Crew ficou contente por eu não
ter pedido uma salada.
Provavelmente, apenas porque assim não vai ter de partilhar a sua refeição
comigo de novo, como da outra vez.
As batatas fritas estão deliciosas, e estou sempre a arrastá-las pela poça de
ketchup no meu prato, e um pequeno som de prazer deixa-me a cada dentada.
Acabo por me aperceber de que o Crew parou de comer e me está a observar,
com um olhar um pouco vidrado e com os lábios entreabertos.
— O que é que se passa? — pergunto, com a boca um bocado cheia, o que é
má educação. Engulo tudo e limpo a boca com um guardanapo.
— És tão sexy quando comes, Birdy. Não aguento. — Ele inclina-se e agarra a
parte de trás da minha cabeça, puxando-me para um beijo rápido. — Sinto que
tudo o que fazes é sexy pra caralho.
— Não sou uma pessoa sexy — digo, com afetação, a pensar naquilo que
fizemos nem há quarenta e cinco minutos. Que foi absolutamente, cem por
cento, sexy.
Ainda não consigo acreditar que o fiz, mas não consegui resistir. Vê-lo
assim… ele era tão grande. Queria descobrir a que é que ele sabia. E, apesar de
não ter feito um broche completo, ele pareceu bastante satisfeito com o que fiz.
E eu gosto disso, de o satisfazer. De o fazer sentir-se bem, apesar de ser
assustador e de me preocupar com possíveis erros que possa fazer, mas estou-
me a aperceber de que ele parece desfrutar de tudo o que faço. Eu gostei de ver
a expressão de puro êxtase na sua cara e da maneira como perdeu controlo. Os
sons que ele fez e a maneira imponente como assumiu o controlo da situação.
Foi atraente.
Sexy, como ele diz.
— Wren. — O tom dele é de aborrecimento, e volto a olhar para ele,
carregando o sobrolho. — Por favor. És a mulher mais sexy que conheço.
Endireito-me, encantada pelos seus elogios. Pela forma como me chamou
«mulher». Estou perto dos dezoito, por isso suponho que me devo habituar a
isso, mas, em algumas coisas, ainda me sinto uma criança.
Não hoje. Nem de perto.
— Obrigada — murmuro.
Ele puxa-me para me dar outro beijo suave, e as nossas refeições são
rapidamente esquecidas à medida que nos perdemos um no outro. É assim que
o fim de semana vai ser? Não podemos fazer isto com tanta liberdade na escola
e talvez ele se sinta reprimido. É como se todo o desejo que tem por mim
estivesse agora a transbordar. Quando estamos no campus, não quero que as
pessoas nos vejam juntos, e tenho a certeza de que ele também não quer.
Ou talvez ele não queira saber quem nos vê. Talvez eu também não devesse
querer saber.
É de loucos pensar no quanto mudámos. Um com o outro, e na maneira
como nos sentimos.
Quando ele termina o beijo, eu digo a primeira coisa que me vem à cabeça:
— Há umas semanas, odiavas-me.
O sobrolho dele fica carregado.
— Eu já te disse que nunca te odiei. Não realmente. Tu simplesmente…
deixavas-me frustrado. O tempo todo.
Ainda me incomoda que eu o pudesse afetar tanto estando completamente a
leste — se bem que isso foi só no início. Depois de umas quantas semanas, eu
sabia que o Crew Lancaster não gostava de mim. Só nunca entendi porquê.
— Porquê? Eu nem falava contigo. E assim que me apercebi de que não
gostavas de mim, evitei-te tanto quanto possível.
— Porque eu queria-te, apesar de estar em negação. — O sorriso dele é lento
a aparecer. Um pouco arrogante. — E olha, agora tenho-te.
Mas é essa a única razão? Ele supostamente odiava-me? É estranho. Ele estava
tão enojado com a sua suposta atração por mim que a mascarou, agindo como
um autêntico idiota e tratando-me pessimamente? Fulminando-me com o
olhar se eu me atravesse a olhar para ele? Se for esse o caso…
Isso é um bocado perturbado.
— Achas que me tens? — Ergo as sobrancelhas.
— Convenci a última virgem na nossa turma de finalistas a vir passar o fim
de semana fora comigo. — O calor no seu olhar diz-me que está a pensar em
todas as coisas que já fizemos que me deixam mais perto de perder a virgindade
de uma vez por todas. — Estou bastante confiante nisso.
— És é muito piçudo, Crew Lancaster.
Beijo-lhe a bochecha e fujo quando ele me tenta recapturar os lábios.
— Acabaste de dizer a palavra «piça», Birdy?
Sinto-me imediatamente horrorizada pela mera sugestão.
— Claro que não. Eu disse piçudo.
— Nah. Eu ouvi. Ouvi «piça». — Ele está a sorrir abertamente. — Anda lá.
Diz. Tu sabes que queres.
Estou a abanar a cabeça.
— Nem pensar. Eu não digo palavras dessas.
— Isso é uma pena — murmura ele, o olhar focado exclusivamente na minha
boca. — Adorava ouvir-te dizer uma enxurrada de palavrões nessa tua voz
doce.
— Achas que a minha voz é doce?
Ele acena.
— Talvez as pudesses sussurrar ao meu ouvido.
Eu abano a cabeça devagar.
— Não posso.
O Crew ignora os meus protestos.
— Sabes pelo que é que estou mesmo ansioso?
— Pelo quê?
— Por ver esses lábios a embrulhar-se à volta do meu pau outra vez. — O
olhar dele encontra o meu. — Espero que da próxima vez me chupes a sério.
Sinto que o meu rosto está a arder graças ao que ele disse.
— Estás-me a envergonhar.
— Nunca te sintas envergonhada. — Ele puxa-me para a beira dele, até estar
praticamente sentada no seu colo. — Habitua-te, Birdy. É só isto que vamos
fazer durante o fim de semana todo.
Faço um beicinho exagerado.
— Tu prometeste mostrar-me as luzes de Natal.
— E vou mostrar. — Ele beija-me a ponta do nariz. — Durante uma hora.
No máximo.
— Crew. — Dou-lhe um empurrão no peito, mas ele não se mexe.
— Wren. — O tom dele é de brincadeira, e os seus olhos brilham enquanto
me estuda.
Nunca o achei tão atraente.
Atraente o suficiente para fazer a minha cabeça doer.
Céus, o que estamos a fazer? Ele mesmo o disse, naquele sábado à tarde, no
banco de trás do carro antes de me ter beijado pela primeira vez.
Isto não vai acabar bem.
Receio que tenha razão.
TRINTA E OITO
WREN

Durante o fim de tarde andamos a ver as lojas na baixa e a passear de mãos


dadas à frente das montras magnificamente decoradas. O Crew faz-me a
vontade sempre que eu quero parar para admirar as decorações natalícias
bonitas ou quando quero parar para ver o interior de uma loja, apesar de nunca
comprar nada.
Não há ninguém a quem queira dar prendas de Natal. Os meus avós de
ambos os lados da família já morreram. Não tenho irmãs nem irmãos. Não sou
assim tão próxima de nenhuma das minhas tias ou tios. Só tenho os meus pais,
e o que é se compra para pessoas que já têm tudo o que poderiam querer?
Era tão mais fácil quando era mais nova e lhes podia fazer prendas nas aulas.
Não havia pressão. Agora estou à procura de algo especial e único, mas
continuo de mãos a abanar.
O ar é puro e tão frio que magoa, e o céu está carregado de nuvens. A neve
flanqueia os passeios, e os ramos finos das árvores estão decorados com luzes
brancas reluzentes. As decorações de Natal estão por todo o lado. Grandes
coroas de pinheiro enfeitadas com fitas vermelhas. Árvores de Natal
belissimamente decoradas erguem-se, enormes, nas janelas de lojas. Quando a
porta de quase qualquer loja se abre, ouve-se o som de música de Natal, que
paira no ar, enchendo-me de entusiasmo.
Eu nunca tive um namorado durante a quadra natalícia — e durante o meu
aniversário. Bem, nunca tive um namorado, ponto. E apesar de não ter a
certeza se posso considerar o Crew Lancaster o meu namorado a sério, a
sensação que tenho é de que ele poderia sê-lo.
E isso é mais mágico do que a quadra natalícia.
Penso na última noite e naquilo que partilhámos. Como comemos o jantar e
nos beijámos durante um bocado. Tentámos ver um filme, mas mal
conseguíamos manter os olhos abertos. Acabámos por ir para a cama e não
chegámos a fazer nada. Acordámos e preparámo-nos para o resto do dia como
se fosse perfeitamente normal termos dormido juntos.
Até foi agradável dormir com o Crew. Estudar a cara dele antes de ele acordar.
Como ele parecia meigo, como o menino que costumava ser. Acordei-o com
um toque no rosto, e, quando ele abriu os olhos pela primeira vez, olhou para
mim como se eu fosse a coisa mais maravilhosa que alguma vez tinha visto. Fez
o meu coração expandir, encheu-me com demasiada esperança, coisa de que
precisava depois das dúvidas com que lutei ontem à noite.
Ele tem sido paciente comigo o dia todo, satisfazendo todos os meus
caprichos. Comemos o pequeno-almoço no restaurante do hotel. Andámos de
carro para ver todas as casas majestosas da zona, todas decoradas para o Natal.
Por fim, acabámos na baixa, que está efervescente com o movimento de pessoas
a fazer as suas compras de Natal. Passar tempo com o Crew assim parece tão
natural. Tê-lo a sorrir para mim, a querer tocar-me. Eu conseguia habituar-me
a isto.
E isso é aterrador.
Estou a andar por uma loja cheia de quinquilharia inútil, mas linda, o Crew a
ser paciente ao meu lado, quando me detenho, suspirando em voz alta.
— Não sei o que dar à minha mãe no Natal.
— É disso que tens andado à procura? Prendas para a tua mãe?
— E para o meu pai. — Pego num pássaro rústico feito de madeira, virando-
o de um lado e do outro, a apreciar a técnica. — Mas é impossível arranjar
prendas para eles.
— Com os meus é a mesma coisa.
— O que é que lhes vais dar? — Olho para ele com expectativa.
— Nada. — Ele encolhe os ombros.
Franzo o sobrolho.
— Não lhes vais comprar nada?
— Não vale a pena. Eles não estão à espera de nada da nossa parte.
Especialmente de mim.
— Porquê especialmente de ti? — Pouso o pássaro na prateleira, e o Crew
pega-lhe logo.
— Eu sou o bebé da família. Não estão à espera de que faça grande coisa —
admite, enquanto sente o peso do pássaro na sua mão. — Acho que quero isto.
— É lindo — concordo. — E tenho quase a certeza de que tudo nesta loja é
feito artesanalmente por artistas locais.
— Lembra-me de ti. — Ele estende a sua mão, com o pássaro pousado na
palma larga. — O meu passarinho.
O meu coração incha e esforço-me para o tentar acalmar mentalmente.
— Isso é tão querido — murmuro.
— Vou comprá-lo. Tu também devias comprar um. Dá-o aos teus pais. Diz-
lhes que te representa. — Ele acena para os outros pássaros sentados na
prateleira.
— Isso é uma boa ideia.
Passo os olhos pelos restantes pássaros e escolho o meu favorito antes de
seguir o Crew. De repente, surge-me uma questão e hesito antes de a deixar
escapar:
— Queres alguma coisa para o Natal?
Ele vira-se para me encarar.
— De ti?
— Bem, sim. — Reviro os olhos, como se isto não fosse uma coisa
importante. Mas sinto que é uma coisa muito importante. Uma coisa
assustadora.
— Se quiseres. — Ele começa a dirigir-se para a fila curta para pagar, e eu
sigo-o, pondo-me mesmo atrás dele.
— E tu vais-me dar alguma coisa no Natal? — Oh, pareço patética. Ridícula.
Talvez até um pouco desesperada.
O sorriso que ele atira na minha direção faz o ar travar na minha garganta.
— Já estive a considerar a questão. Até me ocorreram algumas opções.
Agora despertou a minha curiosidade.
— Tipo o quê?
— Não te posso dizer. Estas coisas devem ser uma surpresa.
Faço uma cara feia. Consigo senti-la.
— Eu odeio surpresas.
Ele apenas se ri e põe-se no fim da fila para comprar o pássaro. Eu estou ao
lado dele, a pensar em todas as coisas que ele me poderia oferecer para o
Natal/o meu aniversário. Gostava de poder passar esse dia com ele. Mas já é
esperado que o passe com os meus pais, e, em qualquer outro ano, não teria
problemas com isso. Não precisava de convidados no meu dia especial.
Planeávamos sempre uma festa pequena a seguir ao dia com os meus amigos e,
este ano, como faço dezoito, estava a planear uma grande festa.
Todos esses planos caíram por terra. Evaporaram, tal como a maior parte das
minhas amizades. Agora a única pessoa com quem quero passar o meu
aniversário é com o Crew.
Será que ele se quer juntar a nós? O meu pai permiti-lo-ia sequer? Mesmo
que o pai aprovasse, o Crew vir conhecer os meus pais seria um passo muito
importante. Não sei se ele quereria. Isso faria a nossa relação parecer tão séria.
Acho que ainda não estamos nessa fase.
— O que é que vais fazer durante as férias? — pergunto, o meu tom casual,
como se estivesse apenas a fazer conversa de circunstância.
Na verdade, estou à procura de informações.
— Vou estar em casa dos meus pais, como te disse. Acho que este ano nos
vamos juntar todos na véspera de Natal, uma vez que a Charlotte já tem planos
para o Natal — diz o Crew. — Vai estar com os novos sogros.
Lembro-me de ver as fotografias do casamento dela há uns meses. Foi lindo.
E o vestido dela? Deslumbrante.
— Quando eu era mais novo, juntávamo-nos todos em casa do meu tio, em
Long Island. Ficávamos lá durante dias e era divertido. Mas, à medida que
fomos envelhecendo, deixámos de fazer isso tantas vezes. Especialmente depois
de a minha tia e o meu tio se terem divorciado. Nessa altura, as coisas
desmoronaram-se mesmo — explica ele.
Eu penso nos meus pais e no seu anúncio de divórcio — e no pai a dizer que
iam tentar reparar o casamento deles. Eu já não sei em que acreditar. Isso vai
fazer com que as férias sejam estranhas e desconfortáveis? Espero que não.
Assim que deixamos a loja, encontramos uma padaria que também serve café,
por isso metemo-nos na fila e pedimos bolachas de açúcar e lattes antes de
voltarmos ao exterior, onde nos encostamos ao edifício de tijolo para desfrutar
dos nossos mimos.
— Está mesmo frio cá fora. — Pouso o saco que contém as nossas bolachas
no parapeito da janela e fecho as mãos em redor do copo do café para levar. —
É uma pena não haver mesas disponíveis lá dentro.
O Crew tira a sua bolacha do saco. É uma estrela azul-bebé gigante. Ele
estende-me a bolacha, e dou uma dentada num dos braços e começo a
mastigar. É uma explosão de açúcar doce e de bolacha crocante, e não consigo
conter o gemido que me escapa.
— Isto é tão bom — murmuro depois de engolir.
Ele está-me a observar com olhos semicerrados enquanto dá uma dentada
noutro braço da estrela, e apercebo-me de que isto fazia parte do seu plano. Ele
gosta de me ver comer.
— É bom, sim — concorda e deixa cair a sua bolacha dentro do saco de
novo, antes de pegar no café e beber um gole. — Queres ir jantar fora hoje à
noite?
— Talvez. — Eu preferia ficar no chalé, como ele sugeriu. Esta é a nossa
última noite. E ainda não fizemos nada desde ontem à noite antes do jantar.
Acho que quero fazer mais coisas. Ir mais longe. Sinto-me tão confortável
com ele, e tudo entre nós parece tão certo. Ele parece querer saber de mim, e
não acho mesmo que ele me esteja a usar.
Penso no meu pai e na sua reação. Se ele soubesse que estávamos juntos este
fim de semana, só nós os dois, ficaria furioso. Eu provavelmente seria proibida
de voltar a ver o Crew outra vez. E só de pensar nisso… em nunca mais o
ver…
Fico em pânico.
— Talvez? Estás a recusar uma oportunidade de ir comer fora? — Eu acho
que ele sabe o quanto gosto de comer fora.
— Acho que prefiro ficar no chalé esta noite.
Ele ergue uma sobrancelha enquanto eu beberico o meu café.
— Não queres ver as luzes de Natal?
Abano a cabeça.
— Nem por isso.
— Pensei que isso estava nos teus planos.
— Os planos podem mudar.
Lentamente, um sorriso aparece na sua cara. É quase um sorriso de lobo.
Consigo imaginá-lo a dar-me uma dentada e a desfrutar de cada segundo.
— Eu não me importo de ficar no chalé contigo.
— Talvez possamos ir buscar uma piza — sugiro, deitando um olho ao
interior do saco branco, a contemplar se quero comer a minha bolacha com a
forma de ornamento ou não. Acho que a vou guardar para mais tarde.
— Ou podemos encomendar do serviço de quartos — diz ele.
— O que for melhor. — Olho de relance para o outro lado da rua e reparo na
loja de lingerie. Nos manequins seminus que compõem as montras lindas. Dá-
me um rasgo de imaginação e mando-lhe um olhar. — Há uma loja que eu
gostava de espreitar muito rápido. Importas-te que vá?
— Força. — Ele olha na direção que tinha estado a estudar, e um brilho
forma-se nos seus olhos.
Deixo o meu café para trás e estou prestes a atravessar a estrada quando ele
grita:
— Arranja uma coisa sexy, está bem?
Oh, meu Deus.
Ele já me percebeu. Se bem que fui tremendamente óbvia.
Assim que entro na loja, sinto-me assoberbada pelas várias opções de cores.
Renda vermelha e preta. Branca e cor-de-rosa. Também há muito verde, e para
a quadra natalícia até têm umas opções axadrezadas. Eu não sei onde começar a
procurar e vagueio pela loja sem direção, a pegar num cabide aqui e ali, e fico
chocada quando descubro um par de cuecas abertas mesmo na virilha.
Suponho que essas facilitem o acesso.
— Posso ajudá-la a encontrar alguma coisa?
Assustada, coloco o cabide de imediato no suporte e viro-me, dando de caras
com uma mulher aparentemente elegante, toda vestida de preto, a sorrir
educadamente.
— Oh, eu estava só… a ver.
— Tem algo específico em mente? — As sobrancelhas da mulher levantam-se.
A antiga Wren teria dito que não e saído a correr da loja. Mas eu quero muito
encontrar algo para vestir para o Crew. Hoje à noite.
— Estou à procura de algo… fofo — digo. — E sexy.
O sorriso dela é ténue.
— Em que cor?
— Vermelho. Ou rosa. — As minhas cores favoritas.
Ela mostra-me algumas opções, sem nunca me julgar por ser uma rapariga
com quase dezoito anos a comprar algo para usar na sua primeira vez a ter
relações sexuais, o que é um bocado…
Constrangedor.
— Neste momento, temos muitos conjuntos de roupa interior bonitos nas
cores de que gosta — afirma enquanto me mostra a prateleira.
Eu vejo-as uma a uma e paro num conjunto em particular. É feito de um
tecido rosa translúcido, bordado com renda vermelha, e não esconde nada. O
que acaba por ser o propósito.
Eu não me quero esconder do Crew. Já não.
Coloco o cabide de volta no sítio e continuo a procurar, mas não há mais
nada que salte à vista. Pego no conjunto cor-de-rosa e vermelho, feliz por ver
que o meu tamanho está disponível, e retiro o cabide da prateleira para o
mostrar à vendedora.
— Acho que vou levar este.
Ela parece contente.
— Uma escolha perfeita.
Sigo-a para pagar pelos meus artigos e olho pela janela para ver o Crew, que
está à minha espera onde o deixei, a ver coisas no telemóvel. O vento agita-lhe
o cabelo, e ele tira-o dos olhos, e não consigo evitar.
O meu coração cresce com a emoção.
Eu gosto deste rapaz.
Tanto. E talvez estejamos a ir demasiado rápido, mas eu não quero saber.
Quando algo nos faz sentir bem, não nos devemos privar. E eu recuso negar a
mim mesma a oportunidade de passar tempo com o Crew.

Quando, finalmente, chegamos à estância de férias, já está escuro, e estou a


trazer os sacos com as minhas compras enquanto o Crew carrega a piza que
fomos buscar pelo caminho. O cheiro está a deixar-me faminta, e pouso os
sacos à porta, estendendo uma mão para chegar à caixa antes de o Crew a
pousar.
— Estou cheia de fome — digo-lhe enquanto levanto a tampa da caixa, pego
numa fatia e lhe dou uma dentada.
Epá, está deliciosa.
O Crew vê-me a comer com uma expressão divertida.
— Estás sempre com fome.
— Eu sei. — Pouso a fatia meia comida de volta na caixa, com uma crescente
sensação de desilusão. — A minha mãe diz que como demasiado.
— Não lhe dês ouvidos — diz ele com ferocidade. — Porra, juro que os
nossos pais estão sempre a tentar lixar-nos.
Eu franzo o sobrolho e volto a pegar na minha fatia de piza.
— Achas que o fazem de propósito?
— Às vezes, parece que sim, especialmente no caso dos meus pais. Do meu
pai. — Ele abana a cabeça, e, na minha mente, incentivo-o a continuar a falar.
A revelar mais. — Como mencionei, eles têm zero expectativas em relação a
mim, mas nunca posso fazer merda. Nunca.
— Acho que os meus pais me querem casar com um homem rico para não
terem de se preocupar mais comigo — admito.
Talvez não devesse ter dito isso, tendo em conta o quão rica a família dele é,
mas quero ser honesta com ele.
— Mas eles já não são ricos?
— É a cena do divórcio. — Fico sem apetite só de pensar nisso. — O pai diz
que estão a tentar trabalhar na relação, mas não acredito mesmo neles. Eu
acho…
Fecho a boca, pois não quero pronunciar essas palavras em voz alta. Pensar
nelas, tudo bem, mas mandá-las cá para fora, deixá-las suspensas no ar e
permitir que entrem no Universo faz-me sentir que se poderiam, de facto,
concretizar.
— Achas o quê? — pergunta o Crew ao ver que fiquei em silêncio.
— Que vai mesmo acontecer. Que eles estão só a tentar proteger os meus
sentimentos ou assim. Que vão aguentar o Natal, o meu aniversário, e depois,
no começo do novo ano, vão subitamente anunciar a separação — explico. —
Eles vão divorciar-se, de certeza. Consigo senti-lo.
— Parece uma maneira merdosa de passar as férias, a fingir que está tudo bem
quando não está — diz o Crew.
Eu gosto de como ele não se mete com rodeios comigo. Não está
constantemente a tentar proteger os meus sentimentos, que é como o meu pai
me trata sempre. Como se eu fosse uma florzinha delicada que não consegue
lidar com coisas más.
E talvez eu fosse esse tipo de pessoa não há muito tempo, mas sinto que
mudei. Desde que a escola começou e especialmente nos últimos tempos.
Passar tempo com o Crew e aprender aquilo que realmente está a acontecer à
minha volta abriu-me os olhos.
Para algumas coisas que eu não queria ver.
E para outras que agora estou feliz por saber.
Como o sabor dos seus lábios. A sensação das suas mãos quando estão no
meu corpo. Dentro de mim.
E quero conhecer tudo isso de novo. E mais.
— Realmente parece bastante merdoso, não é? — replico, em concordância.
Os olhos do Crew estão tão abertos que quase lhe saltam da sua cabeça.
— Tu disseste «merdoso».
Encolho os ombros. Pego na minha fatia de piza e enfio-a na boca,
mastigando e depois engolindo-a.
— Não consigo mentir. Vai ser um Natal horrível. E um aniversário péssimo.
Não é de todo o que eu esperava.
— O que é que esperavas?
— Queria que fosse tudo perfeito — digo, com um suspiro, visualizando
tudo. — Até tinha feito um quadro no Pinterest para a minha festa de
aniversário dos dezoito. Rosa, dourado e branco. Tudo cintilante e lindo. Um
bolo magnífico coberto com flores feitas de glacé. Purpurina por todo o lado.
Um vestido deslumbrante e sapatos a condizer que me iriam fazer sentir muito
crescida. Como uma adulta a sério. O meu cabelo estaria perfeito e íamos
beber champanhe para celebrar. Estaria frio e a nevar lá fora, mas, dentro de
casa, estaria quentinho e convidativo, e eu estaria rodeada pelas minhas pessoas
favoritas.
— Parece agradável — diz ele.
— Parece uma fantasia. Tipo uma combinação de um aniversário com uma
celebração de Ano Novo, aquilo que sempre sonhei fazer, mas é tonto, certo?
Eu nem gosto da passagem de ano, mas se fizesse a minha festa de aniversário
na mesma noite, talvez ficasse a gostar mais. Não sei. Nunca contei a ideia aos
meus pais porque sei que eles a iriam rejeitar.
— Porque é que a rejeitariam? — pergunta o Crew, estendendo, por fim, a
mão para pegar numa fatia de piza. Pelo menos não sou a única a comer.
— Porque eles têm sempre planos, e os planos nunca me incluem. Eu
costumava achar que uma festa de Ano Novo era uma coisa muito glamorosa,
especialmente as festas a que os meus pais iam. Mas agora apercebo-me de que
há qualquer coisa de sinistro na passagem de ano. Não achas?
Ele não diz nada, apenas continua a mirar-me com aquele seu olhar
descontraído e calmo enquanto come.
— É quase o fim de um ano. Às vezes, de uma era. O meu aniversário chegou
e já se foi, não que alguém queira saber. Estamos todos ocupados a fazer planos
para o futuro. A fazer promessas da treta a nós mesmos que nunca iremos
cumprir. Depois, há a contagem decrescente ao fim da noite, e a procura
desesperada por uma pessoa para beijar à meia-noite. E a maneira como
prometemos a nós mesmos que vamos ser bons e cumprir as nossas resoluções,
apesar de, no fundo, sabermos que não as vamos manter. — Calo-me,
apercebendo-me de que estou a soar pessimista, o que não é o meu estilo
habitual.
— Já pensaste muito nisto — murmura ele.
Encolho um ombro, de repente, sinto-me desconfortável.
— Pareço uma fedelha egoísta.
— Pareces uma pessoa que não gosta mesmo desta altura do ano — corrige.
Credo, ele tem toda a razão. Eu realmente odeio esta altura do ano.
— Eu faço toda uma série de promessas a mim mesma, e agora estou a
quebrá-las — admito. — Talvez me torne simplesmente uma desilusão.
— Tu não és uma desilusão.
— Para ti. — Não me dou ao trabalho de mencionar os meus pais.
Especificamente, o meu pai.
— Vem cá. — O Crew estende-me a mão, e eu aceito-a, deixando que me
puxe para a beira dele. Um suspiro deixa-me quando me vejo totalmente
pressionada contra ele. O seu braço rodeia-me a cintura, com a mão a repousar
contra o meu traseiro, e olho para ele completamente sem palavras devido à
intensidade do seu olhar. — Não gosto de te ver tão triste.
— Eu não estou triste — admito, e é verdade. — Eu só…
— Queres esquecer tudo o resto? Todos os outros?
Aceno, pousando a mão contra o seu peito, diretamente em cima do seu
coração retumbante.
— Talvez esteja um pouco triste.
Ele baixa a cabeça, aproxima a boca do meu ouvido.
— O que te faria sentir melhor?
Eu viro-me para a sua boca, e os meus lábios roçam os dele quando sussurro:
— Tu.
TRINTA E NOVE
CREW

Abraço-a e deixo a Wren começar por controlar o beijo, pois sinto que ela
precisa disso. Dessa aparência de controlo, de estar no comando da sua vida,
penso que é algo que ela não experiencia muito. A tristeza dela é óbvia,
palpável. E estava prestes a roubar todo o oxigénio da porra do quarto até eu a
ter distraído.
Ela precisava disso. Precisa disto. De mim. A minha mão desliza para cima e
para baixo, ao longo da curva perfeita que é o rabo dela, enquanto a sua língua
surge para lamber a minha. Eu murmuro a minha aprovação quando ela chupa
a minha língua, e, depois, já não me consigo conter mais.
Assumo o controlo, a minha mão vai para o lado da cara dela, deixando-a
num ângulo inclinado para aprofundar o beijo. As nossas línguas dançam, as
respirações aceleram, e ela desliza as mãos pelo meu peito acima, curvando-as
em torno dos meus ombros, para se conseguir agarrar a mim.
Este dia inteiro tem sido um jogo de preliminares ao estilo Wren. Ir às
compras, comer. Muito comer, o que me deixa louco. Ver a cara dela iluminar-
se quando soltava ooohs e ahhs por causa das decorações de Natal que estavam
por todo o lado. O ar determinado que tomou conta da sua cara ao avistar
aquela pequena loja de lingerie, de onde saiu nem quinze minutos depois,
agarrada a um pequeno saco vermelho.
Mal posso esperar para ver o que ela tem ali.
Esta rapariga é muito mais do que aquilo que aparenta, e gosto que ela se
sinta à vontade para me revelar essas coisas. Eu também estou a tentar ser mais
aberto com ela, e interrogo-me se ela se apercebe disso.
Se ela sabe o quanto me afeta.
A Wren é diferente de qualquer rapariga que já conheci, e quero conhecê-la
ainda melhor. Sinto que ainda mal raspei a superfície, e a minitirada de hoje foi
reveladora.
Se bem que não lhe devia chamar uma «tirada». Ela estava a ser honesta e
crua e vulnerável. Algo que tem feito com frequência comigo, o que me agrada.
Raios parta, gosto de tudo nesta rapariga, e isso é assustador.
Eu não deixo pessoas entrar na minha vida, especialmente uma rapariga.
Tenho amigos, mas mantenho a maioria a uma distância de segurança, pois
preocupa-me deixá-los aproximarem-se. Não confio em pessoas, até em gajos
que são quase tão ricos quanto eu.
Mas ninguém que conheço é tão abastado como a minha família, e é difícil
deixá-los entrar no meu círculo interior. Sempre achei que todas as raparigas
que alguma vez mostraram interesse em mim estavam, na verdade, interessadas
no meu dinheiro.
É merdoso, mas é verdade.
Mas com a Wren, não. Ela não queria ter nada a ver comigo no início, mas
suponho que a venci pelo cansaço. É como se não nos conseguíssemos
controlar quando estamos perto um do outro.
E agora que já chegámos a este ponto, não a vou deixar ir sem dar luta.
Ela interrompe o beijo primeiro, o peito roça o meu com cada respiração.
— Tenho uma surpresa para ti.
Arqueio as sobrancelhas.
— Tem alguma coisa a ver com aquele saco? — Inclino a cabeça para o
monte de sacos que ela deixou em cima da mesa de centro.
Ela acena e morde o lábio inferior.
— Espero que não aches parvo.
— Qualquer coisa que te envolva a ti e ao que encontraste naquela loja, eu sei
que não vai ser parvo.
O seu sorriso é pequeno, e o olhar fecha-se no meu.
— Diverti-me tanto contigo hoje.
Acho que nunca ninguém descreveu passar tempo comigo como «divertido».
— E estou tão contente por me teres convencido a vir contigo, apesar de ter
medo. — As mãos dela apertam-me os ombros. — Gosto como me desafias.
Eu passo a mão pelo seu cabelo e ponho-a em concha do lado da sua cabeça.
— Eu acho que tu não sabes do que és capaz.
— Estou a começar a aperceber-me, graças a ti. — O sorriso dela cresce, ela
esquiva-se dos meus braços e vai praticamente a correr para os sacos, tirando o
da loja de lingerie do montinho, antes de começar a subir as escadas. — Vou
tomar um duche rápido. Vais lá acima ter comigo daqui a trinta minutos?
— Claro — digo-lhe, a sorrir, antes de ela correr pelas escadas acima.
Acomodo-me no sofá com outra fatia de piza e vou vendo o telemóvel
enquanto espero. Tenho mensagens que ando a evitar. Umas do Malcolm e do
Ezra a perguntarem-me onde estou. Uma da minha irmã a perguntar se vou
estar em casa na véspera de Natal.
Mando-lhe uma mensagem rápida, porque nunca ignoro a Charlotte. Ela é a
irmã de quem me sinto mais próximo, e tenho estado preocupado com ela
desde que casou com aquele tipo, o Perry.
Também tenho uma mensagem sinistra do meu pai, uma que me deixa cheio
de pavor.
Precisamos de falar. Liga-me quando puderes.
Considero ignorar a mensagem, mas rapidamente me apercebo de que
ignorar os meus problemas não é a resposta.
Procuro o número dele e ligo-lhe, na esperança de que não atenda, mas,
como estou com sorte, ele atende logo ao segundo toque.
— Porque é que não me disseste que ontem foste entrevistado pela polícia?
— grita-me a questão.
Raios, provavelmente vou precisar de álcool depois desta conversa.
— Tu já sabias da situação, e não achei que precisasse de te ligar. Além disso,
eu tenho dezoito anos. Sou um adulto — lembro-o.
— Eu mereço uma chamada. Assim, fui apanhado desprevenido por um
jornalista idiota que me contactou à procura de uma reação.
Merda. Não estava à espera disso.
— Porque é que querem saber? Nós não estamos mesmo envolvidos nisto.
— Porque somos Lancasters, filho. As pessoas prestam atenção ao que
fazemos, mesmo quando só estamos tangencialmente envolvidos — explica o
pai, num tom áspero.
Percebo que ele está a perder a paciência comigo.
— Bem, não foi nada de especial. Fui entrevistado, contei o meu lado da
história e o que vi, e foi só isso. — Olho para cima, na direção do quarto, oiço
o barulho do chuveiro e imagino a Wren debaixo do jato de água quente, o seu
corpo nu e molhado rodeado por vapor.
Meto a mão entre as pernas e reajusto-me.
— O jornalista foi suficientemente simpático para me informar que a história
vai sair nos jornais na segunda de manhã. Vais ser nomeado enquanto
testemunha. Muito provavelmente vais ter de testemunhar em tribunal quando
isto for a julgamento. Espero que estejas preparado para comparecer — declara
ele.
— Estou ansioso por o fazer. Faço qualquer coisa para prender aquele verme
de vez. — Regozijo-me com a ideia do Figueroa na choldra. É o que anormal
merece.
— E onde é que tu andas mesmo? Vi que usaste o jato privado.
Raios. Apanhado.
— Vermont.
— Com quem?
— Com uma amiga.
— Não tens exames para a semana?
— Iá, e daí? — Pareço o raio de um puto, mas é isto que acontece quando o
meu pai me faz este tipo de cena.
Retrocedo.
— Não acho sensato andares a divertires-te no fim de semana antes dos teus
exames — diz ele, com raiva a enlaçar-se no tom de voz. — Não podes fazer
cagada dos momentos importantes da tua vida, Crew. Algum dia vais ter de te
endireitar.
Pressiono os lábios numa linha para me impedir de dizer algo de que me vá
arrepender.
— Devias voltar para o campus — continua ele. — Estuda para os teus
exames e certifica-te de que as tuas notas estão em condições. Já te candidataste
a universidades e de certeza que elas andam de olho em ti.
Duvido. Qualquer uma delas me deixa entrar se a minha família doar um
edifício em nosso nome ou uma merda do género.
— Certo — replico, só para o calar. — Está bem.
— Vai para casa — afirma. — Amanhã.
— Assim farei. — Sempre foi esse o plano.
— E não te metas em sarilhos.
— Nunca.
Ele fica em silêncio durante um bocado. Tenho a certeza de que o chateei.
— Estás a ser engraçadinho comigo? Já devias saber que isso não é boa ideia,
filho. Não gosto que me desrespeites.
— Eu estou a concordar contigo. É só isso — declaro, a minha voz oca. Um
bocado como o meu coração.
— Desde que estejamos entendidos. Boa noite.
— Boa noite — digo, para ninguém, ele já desligou a chamada.
Enquanto guardo o telemóvel no bolso, vou até à kitchenette e tiro uma
garrafa de vodca do frigorífico, depois, vou buscar um copo ao armário. Verto
uma quantidade considerável no copo e bebo um gole igualmente notável,
engolindo com força antes de passar as costas da mão pela boca.
Porra, preciso de mais.
Falar com o meu pai deixa-me sempre cheio de dúvidas, e eu odeio isso. Ele
passa de me ignorar por completo a estar constantemente a questionar todas as
minhas decisões, e acabo sempre a sentir-me como um autêntico fracasso.
Eu não sou um fracasso. Tenho a cabeça no sítio e, pela primeira vez na
minha vida, sei o que quero.
A Wren.
Estou a apaixonar-me por ela. Faria qualquer coisa por ela. Será que sabe isso?
Será que se apercebe do quão importante é para mim? Eu devia dizer-lhe.
Devia. Hoje.
Já bebi uns quantos copos quando oiço a voz doce da Wren a chamar-me do
quarto.
— Crew? Onde estás?
Dou um último gole diretamente da garrafa, deixo-a na bancada e subo as
escadas, empurrando o meu pai para fora dos meus pensamentos. A minha
família. Tudo.
Quero concentrar-me na Wren. Mais ninguém importa.
Quando chego ao cimo das escadas, paro, observo a Wren de pé, junto à
cama, embrulhada num dos robes do hotel. O cabelo está solto, cai além dos
seus ombros, e a cara está limpa e despida, salvo um gloss vermelho brilhante
que meteu nos lábios.
A minha piça está em sentido.
— Foi isso que compraste na loja? — digo, a meter-me com ela.
Ela olha para a sua figura, a sua boca curvada num sorriso.
— Não exatamente.
— Então mostra-me o que compraste.
A Wren devolve o seu olhar ao meu.
— Queres mesmo ver?
Aceno. As mãos dela movem-se para a frente do robe, brincam com o cinto
de tecido.
— Pode-te surpreender.
— Eu adoro uma boa surpresa.
O riso dela é suave. Sexy pra porra.
— Espero que gostes.
— Despe o robe e deixa-me ver, Birdy.
Com dedos trémulos, ela abre o cinto, e o tecido branco e felpudo abre-se um
pouco, oferecendo uma visão de pernas sensuais, um estômago liso e mamas
arrebitadas. Ela encolhe os ombros e deixa o robe cair completamente, ficando
num monte aos seus pés, e eu observo-a, com todo o ar que tenho nos pulmões
a colar-se à minha garganta.
O sutiã que está a usar é feito do cor-de-rosa mais pálido e translúcido,
rodeado por renda vermelha. Consigo ver-lhe os mamilos. As cuecas
combinam, e também consigo ver os pelos púbicos dela. É como se estivesse
nua, mas, porra, não está.
Ela é a coisa mais atraente que já vi.
— Gostas? — pergunta a Wren, timidamente.
Acenando, começo a aproximar-me, mas paro a umas largas passadas dela. É
agora ou nunca. Eu quero atacar e presumo que ela queira que o faça, tendo
em conta o que está a usar, mas fogo.
Preciso de me certificar.
— Adoro. — A curva suave do seu estômago, aquela pequena cova do seu
umbigo… quero afagá-la ali. Com a minha língua. — Tenho medo de não me
conseguir controlar depois de te pôr as mãos em cima.
Algo desconhecido brilha no seu olhar, e ela lambe os lábios.
— Era essa a reação que eu queria obter.
Com a sua permissão dada, vou até ela, pousando as mãos nas suas ancas, e
brinco com a cinta rendada das cuecas dela.
— Fazes-me sentir absolutamente fora de mim, Birdy.
Ela inclina a cabeça para trás, sorri-me, apesar de os seus olhos estarem bem
abertos. Vejo medo neles e quero banir essa emoção. Banir tudo o que a
assusta, para que se sinta segura comigo.
— Eu gosto que me faças sentir confiante.
Puxo-a para mim, o corpo colide com o meu.
— Tu és a mulher mais sexy que alguma vez vi.
Os olhos dela chamejam com desejo.
— Consigo ver-te. — Agarro-lhe na mama esquerda e aperto-a levemente, o
que faz as pálpebras dela tremer. — Os teus mamilos. — Coloco a mão por
cima da cona dela, o calor radia do seu corpo, reveste a minha palma. — A tua
cona. Querias que eu te visse.
Ela acena, os lábios entreabertos.
— E a tua boca. — Toco-lhe no canto dos lábios e, quando afasto os dedos,
vejo o traço ténue de gloss vermelho que reveste as pontas dos meus dedos. —
Tu lembraste-te do que eu disse.
— Eu quero fazer uma coisa — sussurra ela. — Deixas-me?
— Sim.
Nem hesito. O que ela quiser, eu dou-lhe.
A Wren afasta-se de mim para ir buscar o seu telemóvel, que está na mesinha
de cabeceira, as nádegas a abanar enquanto anda. A minha piça cresce contra as
minhas calças de ganga, e tenho de meter as mãos entre as pernas para me
agarrar. Para me tentar meter mais confortável.
— Quero tirar uma fotografia — começa ela a dizer, e eu arqueio a
sobrancelha.
— Estás a gozar comigo?
Ela parece ligeiramente irritada.
— Deixa-me acabar. Eu quero tirar uma fotografia de ti. E depois de mim.
De nós. Juntos.
— A isso chamamos provas fotográficas, querida.
Ela esboça um sorriso impertinente enquanto se aproxima de mim.
— Eu não tenho medo. Então, tira a camisola.
Faço como ela pede, tiro a camisola pela cabeça e deixo-a cair aos meus pés.
O seu olhar apreciativo passa pelos meus ombros. Pelos meus peitorais.
Mergulha até ao meu estômago. Todo aquele maravilhamento de olhos
arregalados à medida que me contempla dá-me vontade de arrancar as calças de
ganga e de lhe mostrar o que realmente quer ver.
— Pronto, fica quieto. — Ela dá uns passos na minha direção, a sua boca
próxima do meu peitoral esquerdo. Ela faz um biquinho com os lábios, inclina-
se e pressiona um beijo longo e pegajoso na minha pele antes de se afastar.
Depois, fotografa a marca que deixou.
— Estás a tentar marcar-me?
— Estou a fazer uma memória contigo. — Ela beija-me outra vez, num sítio
diferente, e, no entanto, próximo o suficiente do primeiro. Também tira uma
fotografia dessa marca, depois, olha para ela com o sobrolho carregado num
esforço de concentração enquanto estuda a imagem.
— Como é que ficou?
— Acho que preciso de um batom mais escuro. — Ela vira o telemóvel na
minha direção.
Analiso a imagem.
— Precisas. Consigo ver, mas não muito bem.
— Para a próxima, uso um mais escuro — murmura, a voz carregada de
promessa.
— Queres fazer isto outra vez?
— Há muitas coisas que quero fazer contigo. — Vejo a emoção a brilhar-lhe
nos olhos e apercebo-me de que este é o meu momento. Preciso de ser honesto
com esta rapariga e de lhe dizer como me sinto.
— Eu também quero fazer muitas coisas contigo. — Puxo-a para os meus
braços e abraço-a. — Tu sabes que eu me importo contigo, certo?
Ela pestaneja.
— Importas-te?
— Bem, sim. Eu… eu não sou um tipo de estar numa relação. Não
normalmente. Os meus pais… — A minha voz deriva, e ela espera
pacientemente que continue. — Eles não são o melhor exemplo. Não havia
muito amor na minha casa enquanto crescia. Apenas dinheiro.
Sempre dinheiro.
— Não somos os nossos pais — murmura ela, e interrogo-me se está a pensar
nos dela.
— Iá, mas eles influenciam-nos e à nossa maneira de agir. O meu foi… é um
cretino controlador. Não é uma pessoa simpática. — Para não dizer pior.
— Mas tu és. — Quando começo a protestar, ela abana a cabeça, e eu
silencio-me. — És. És querido e bondoso. Comigo.
— Isso é porque gosto de ti. — Essas palavras não parecem suficientemente
grandes para aquilo que realmente sinto pela Wren. É mais do que isso. Ou do
que carinho. É…
Não quero pôr já um rótulo nisso. Ainda não.
— Então suponho que me deva sentir honrada. — Ela ri-se, e o som é suave.
Sexy.
Eu não respondo. Em vez disso, beijo-a até ela ficar ofegante, a minha língua
a fazer uma minuciosa busca pela sua boca deliciosa. Porra, não me canso dela.
O sentimento é tão assoberbante que quase dói.
E pior do que isso? A ideia de a perder. Isso é francamente insuportável de
imaginar.
Quando se afasta, sorri e enfia o telemóvel entre nós para me tirar uma
fotografia.
— Mas que raio, Birdy?
Ela já está a abrir a fotografia, a sorrir.
— Os teus lábios estão cobertos de gloss.
Quando me mostra a imagem no seu telemóvel, a única coisa que vejo é um
idiota cheio de luxúria, num transe por causa da rapariga que acabou de o
beijar.
— Pareço estúpido.
— Estupidamente atraente. — Ela atira o telemóvel para cima da cama e
sorri-me. — Obrigada por me fazeres a vontade e por colaborares com o meu
pequeno projeto.
— Já está?
— Acho que sim — diz, timidamente.
— Boa. — Eu inclino-me para ela, roubando-lhe um beijo. Depois, outro. —
Porque agora é a minha vez.
QUARENTA
WREN

Estremeço quando ele me agarra o rabo e me levanta, atirando-me para cima


da cama como se eu não pesasse nada. Aterro na cama com um salto e coloco
as mãos em cima do colchão, para me apoiar e não cair para o lado, e fico com
os joelhos dobrados. Ele está aos pés da cama, o seu olhar apenas para mim, e
posiciono-me de uma maneira mais provocadora, aperto os joelhos um contra
o outro e, lentamente, separo-os.
O olhar dele fica cada vez mais fogoso enquanto observa o sítio entre as
minhas pernas, e eu consigo sentir as minhas cuecas a ficarem cada vez mais
húmidas quanto mais ele olha.
— És uma rapariga muito malcomportada — murmura ele. — Eu sabia que
conseguia fazer com que isso te viesse ao de cima.
Afasto as pernas tanto quanto posso, os meus pés plantados firmemente na
cama.
— Gostas?
— Adoro. — O seu olhar torna-se líquido e quente. — Mete as mãos nas
cuecas.
Choque abala-me.
— A sério? — guincho.
Ele acena.
— Mostra-me o que gostas de fazer.
— Mas… tu não vais conseguir ver onde me estou a tocar. — Não acredito
que disse isto. Ou que estou mesmo a considerar fazê-lo.
— Eu gosto da ideia de te ver enquanto te tocas, com a mão atarefada por
dentro das cuecas. E eu consigo ver. O tecido é translúcido.
Oh. É verdade.
Inspirando fundo, pouso a mão contra o estômago, mesmo acima das minhas
cuecas. Com o dedo indicador, percorro a banda fina de tecido e deslizo-o para
a frente e para trás. Só a maneira como ele me observa, a maneira como estou a
brincar comigo mesma, só essas coisas já me estão a deixar com a respiração
acelerada. Com o coração a bombear com mais força.
— Anda, Wren — exige, e os meus dedos enfiam-se por baixo do tecido fino,
deslizando pelos meus pelos púbicos. Entram mais fundo, até roçarem o meu
clitóris.
Exalo uma respiração sibilante, fechando os olhos.
— Olha para mim — diz ele, e eu abro os olhos de novo, cativa dele. —
Começa a acariciar-te.
Faço como ele diz, começo a deslizar os dedos para cima e para baixo, bem
devagarinho, a juntar toda a humidade. Um gemido deixa-me quando
pressiono o meu clitóris, e, então, estou outra vez a deslizar os dedos para
baixo, a rodear a minha entrada, o dedo médio a entrar dentro de mim, só um
pouco.
— Estás-te a foder com os dedos? — pergunta ele, a sua voz áspera.
— Nem por isso.
— E queres?
— Preferia que fossem os teus dedos — admito, a necessidade de ser
verdadeira sobrepõe-se a qualquer espécie de vergonha que possa sentir ao fazer
a confissão.
O meu toque sabe bem, especialmente por causa da maneira como ele me
está a observar.
Mas seria ainda melhor se fosse a mão dele entre as minhas pernas. Se fossem
os dedos dele a acariciar-me.
— Foda-se, és mesmo boa. — Ele abana a cabeça como se não conseguisse
acreditar. — Preciso que implores.
Franzo o sobrolho.
— Implorar?
Ele acena.
— Implora pelos meus dedos, Birdy. Diz-me o quanto me queres.
— Quero-te tanto — gemo, toda a vergonha que alguma vez experienciei no
que toca a este rapaz deixa-me com tamanha velocidade que me sinto fraca. —
Por favor, Crew. Toca-me.
Num ápice, ele está na cama, com as calças já meio desabotoadas a revelar o
seu umbigo e aquele pedaço de cabelo escuro intrigante que desaparece nos
seus boxers azuis. A ereção está comprimida contra o algodão, como se se
quisesse soltar, e, incapaz de me conter, inclino-me para a frente e estendo a
mão, percorrendo os boxers com os dedos.
O Crew engole um gemido e enfia a cara na minha, beija-me como se fosse
um homem a passar fome, e eu fosse a única coisa que o pode satisfazer. A
língua dele empurra ritmicamente contra a minha, e os seus dedos rodeiam-me
o pulso e forçam a minha mão para fora das minhas cuecas, substituindo-a
com a dele.
O toque dele é bruto e faz-me gritar, mas não me importo. Ele procura e
empurra contra mim, o polegar pressiona o meu clitóris ao mesmo tempo que
um dos seus dedos desliza para dentro do meu corpo. O dedo harmoniza com
o ritmo da sua boca, dentro e fora numa cadência veloz, e eu grito contra os
seus lábios, o orgasmo já a aproximar-se.
— Gostas disto? — sussurra o Crew contra os meus lábios, e eu aceno,
desenfreadamente. — Fode-me a mão, Wren. Fode-a.
Movo as minhas ancas com movimentos desajeitados, mas acabo por
conseguir. Empurro para a frente ao mesmo tempo que ele o faz, retraindo-me
ao início, até começar a saber melhor.
Tão melhor.
— Meu Deus — murmuro, os olhos fechados com força enquanto faço
exatamente o que ele diz. Movendo-me com a sua mão impotentemente.
Desesperada para me vir.
Ele aumenta a velocidade e enfia dois dedos dentro de mim, alargando-me
ainda mais. Dói porque está tão apertado, e tenho de parar os meus
movimentos, tento acalmar a minha respiração. O meu coração galopante.
— Birdy. — Ele beija-me, desta vez, mais docemente e suaviza também o seu
toque. Esfrega o meu clitóris devagarinho, desliza os dedos para trás e para a
frente, revestindo-os com a minha humidade antes de afastar a mão, e, de
repente, os dedos estão à frente da minha boca. — Prova.
Entreabro os lábios, e os dedos dele entram na minha boca. Lambo-os,
saboreio-me e deixo escapar um gemido. Estou a latejar entre as pernas, tanto
que dói, e ele sabe-o.
Tenho a certeza de que sabe.
— Farias qualquer coisa por mim, não farias?
Eu aceno, já não quero saber. Só o quero a ele.
— Sim.
— Eu também faria qualquer coisa por ti — continua, os dedos a deslizar
pela minha barriga, arrepiando-me. — Dás-me isto?
Ele agarra-me entre as coxas, segura-me com força, e abro os olhos, olhando
para cima, para ele, ofegante diante da escuridão que vejo no seu olhar.
— Sim.
— Eu quero-te foder.
Assinto.
— Eu sei.
— Queres que eu te foda?
Outro aceno.
— Sim. — Fecho os olhos, ligeiramente envergonhada, mesmo depois de
tudo o que partilhámos.
— Abre os olhos. — Assim faço, e ele continua: — Diz-me, Wren. Diz que
queres que eu te foda.
Pressiono os lábios, engulo em seco antes de sussurrar, tremulamente:
— Quero que me fodas, Crew.
Ele está contente por eu dizer tal coisa. Está espelhado na cara dele. No seu
sorriso.
— Eu não te quero magoar.
Eu sei que ele não o vai fazer.
— Vou dar-te um orgasmo. — Beija-me. — Um. Dois. Tens de relaxar.
O vaguear da sua boca por todo o meu corpo é uma maravilha para me
acalmar os nervos. A tensão dispara-me pelo corpo. Ele beija-me em todo o
lado, tira-me o sutiã. Faz as minhas cuecas deslizarem pelas pernas abaixo, com
cuidado para não as rasgar. Eu derreto no colchão com o toque da sua boca no
interior da minha coxa. Nas minhas ancas. No meu umbigo.
— Cheiras tão bem — murmura ele contra a minha pele, mesmo antes de se
meter entre as minhas pernas e de abrir a boca, a sua respiração a fazer cócegas
no meu sítio mais sensível quando pergunta: — Queres-te vir?
— S-sim.
Enfio as mãos no seu cabelo, seguro-o contra mim, querendo que ele fique
sempre ali.
Ele começa a lamber o meu clitóris. Carícias lentas e suaves que me fazem
gemer. Para, e eu quero morrer. Não quero que pare.
— Assim?
— Com mais força — incito-o, e ele pressiona a sua língua, pondo-a plana
contra mim, lambendo e depois chupando.
— Oh, sim. Faz assim.
Sem pudor, esfrego-me contra a sua cara, e os seus gemidos roucos só me
encorajam. O que ele está a fazer sabe tão bem. Ele sabe tão bem. Não é preciso
muito até me vir, o meu corpo treme com arrepios, e o nome dele cai dos meus
lábios enquanto empurro as ancas para cima, a tentar aproximar-me mais da
sua boca mágica.
Ele segura-me contra ele, a boca nunca descansa, a língua continua a fustigar
o meu clitóris enquanto eu cavalgo o meu orgasmo contra a sua cara. Ele enfia
um dedo dentro de mim, e eu arqueio as costas, fechando os olhos.
— Acho que não aguento — protesto.
Mas ele não me larga. Um segundo dedo junta-se ao primeiro, e ele empurra-
os bem para dentro de mim, puxa-os para fora e volta a fazê-los deslizar para o
meu interior. A língua dele está em todo o lado, a lamber o meu clitóris ainda
latejante. A perscrutar todas as partes de mim com lentidão.
Outro orgasmo começa a crescer, este mais lento, mais gradual. Mantenho os
meus dedos no seu cabelo, a torcê-lo com força, movo-me com ele conforme
ele me enlouquece com a língua e os dedos. Até estar numa lástima ofegante,
gritante, a vir-me outra vez, e tão rápido depois do primeiro orgasmo.
Ele beija o interior da minha coxa, limpa a cara contra a minha pele antes de
se levantar e beijar-me a boca. A minha resposta é entusiástica. Não me canso
dele, e o peso grosso da sua ereção contra o meu estômago diz-me que está
pronto.
Provavelmente, já estava pronto desde o começo.
— Sabes tão bem — murmura contra a minha boca, fazendo-me sorrir. —
Não me canso de ti.
— Eu quero-te — sussurro, sem me esconder.
— Volto já. — Ele deixa um beijo na minha testa e levanta-se da cama.
Apoio-me nos meus cotovelos, vejo-o tirar as calças e as meias antes de se
dirigir ao seu saco e tirar uma caixa de preservativos. Uma sensação de choque
abana-me de novo, e ele deve ver isso na minha cara à medida que abre a caixa.
— Tinha esperança.
O sorriso que me anima o canto dos lábios é de pura satisfação. Adoro saber
que ele tinha esperança.
O Crew tira um preservativo e atira-o para a cama, antes de voltar a guardar a
caixa no saco de viagem. Ele trata dos seus boxers com rapidez, e eu observo-o,
a morder o lábio inferior enquanto ele rasga o invólucro e enfia o anel do
preservativo por cima do seu grosso comprimento.
Engulo em seco, a lutar contra os nervos renovados que se agitam no fundo
da minha barriga. Isto tem sido divertido e tudo o mais, mas saber que ele está
prestes a entrar em mim pela primeira vez deixa-me apreensiva. Penso em todas
as promessas que fiz há tanto tempo. Em como jurei que isto nunca iria
acontecer.
Mas eu tenho quase dezoito e sei o que quero. E o que eu quero é…
O Crew.
Ele olha para cima, apanha-me o olhar e deve conseguir ver o medo na minha
cara. Sem hesitação, vem até mim, envolve-me nos seus braços, as nossas peles
húmidas com suor colam-se enquanto ele me embala perto dele. A mão está no
meu estômago, e a sua boca na minha testa. Fecho os olhos, a saborear a
proximidade, incapaz de ignorar a ereção que me toca ao de leve na coxa.
— Não te preocupes. — Ele beija-me a têmpora. — Eu vou ter cuidado.
— Crew… — A minha voz esbate-se, e fecho os olhos com força, a tentar
conter o pânico que começa a surgir. — Isto é muito importante para mim.
Ele não diz nada, apenas me aperta contra ele.
— Eu nunca fiz isto antes e, apesar de querer mesmo, não consigo evitar
sentir-me… assustada.
O Crew afaga o meu cabelo, os dedos prendem-se nas mechas despenteadas.
— Eu sei.
— Por favor, não me ignores quando voltarmos à escola — digo, deixando
escapar o meu maior medo, e magoa saber o quão assustador foi assumi-lo.
Sinto um aperto no peito, parece que está prestes a rebentar. — Acho que
morria se fizesses de conta de que não existo.
O corpo dele aquieta-se, e ele estende a mão para me segurar no queixo,
inclinando a minha cara para cima, de forma que tenha de o encarar.
— Não te vou ignorar. Prometo.
Depois disso, não se pronunciam mais palavras. Isto é, nada que possa ser
decifrado. Vibram muitos sons murmurados e gemidos suaves enquanto me
beija até não conseguir pensar mais. A boca dele percorre-me por inteiro.
Desce o meu pescoço. Passa pela minha clavícula e pelo meu peito. Ele lambe e
chupa os meus mamilos, dando-lhes tanta atenção que começo a ficar inquieta.
As minhas pernas entrançam-se com as dele, o latejar entre as minhas é
incomportável.
Quero-o. Quero-me sentir ligada a ele.
Ele levanta-se, os dedos em torno do seu falo enquanto arrasta a ereção
através das minhas dobras. Eu gemo, as minhas ancas levantam-se à procura de
mais conforme ele me provoca. O sobrolho dele está carregado num esforço de
concentração, e, quando a sua cabeça está a tocar na minha entrada, fico
automaticamente tensa.
A boca dele está sobre a minha uma vez mais, a língua a empurrar antes de se
afastar.
— Relaxa — murmura ele.
Faço o meu melhor, relaxo os ombros e imagino o resto dos meus músculos a
afrouxar lentamente. Afasto as coxas ainda mais enquanto ele se encaixa mais
firmemente entre as minhas pernas, e, então, ele está outra vez a tocar-me
levemente, a ponta está dentro de mim, a preencher-me. A esticar-me. Fecho
os olhos, interrogo-me se será esta a sensação de ser partida em duas.
É o caminho mental errado para tomar, eu sei.
Ele vai conseguindo entrar, um centímetro excruciante de cada vez, e estou a
respirar fundo, longas exalações vão-me deixando até ele estar totalmente
dentro de mim.
Abro os olhos e encontro o Crew a observar-me cuidadosamente, todo o seu
corpo a tremer, o pénis dele a pulsar. Quente e espesso e imóvel. O lembrete
incontestável que me conquistou por completo.
Sinto-me incrivelmente cheia. Como se nem me pudesse mexer — nem ele.
Tenho medo de que me doa e talvez ele não queira saber. Se calhar vai ficar
demasiado embrenhado no seu próprio prazer e nem me vai prestar atenção.
— Estás tão apertada. — Ele coloca um braço em torno do topo da minha
cabeça, os dedos brincam de mansinho com o meu cabelo. O olhar dele é
ternurento enquanto me estuda, mas consigo ver a tensão a formar parênteses
em torno da sua boca. Ele está-se a conter. Por mim. — Tenho medo de que
me venha se me mexer muito rápido.
— Tem cuidado comigo — sussurro, porque é disso que preciso. Se ele se
enfiasse à bruta demasiado fundo acho que chorava.
Ele faz como peço, sai antes de se empurrar novamente para dentro de mim.
Eu tento mover-me com ele, tão desajeitadamente quanto seria de esperar, e
começo a ficar frustrada, apesar de saber que demora tempo a aprender. Ele é
paciente comigo, a sua mão desce para a minha anca, para me guiar, e, depois
de alguns minutos de falsos arranques e pausas intermitentes, estamos a mexer-
nos em uníssono.
Lentamente.
Harmoniosamente.
Ainda não estou totalmente confortável. Ainda o sinto muito grosso dentro
de mim, mas quanto mais ele se move, mais fácil fica. Mais solta fico. As molas
da cama rangem ritmicamente com o nosso movimento, o som rechinante
preenche o quarto e faz-me sorrir.
— Porque é que estás a sorrir? — Ele detém-se, baixa a cabeça para me beijar.
— Não sei. — Enlaço os meus braços à volta do seu pescoço. — Estou feliz.
Estou mesmo. Estou tão feliz com o Crew. Por saber que ele é o meu
primeiro. Nunca pensei que isto fosse acontecer. Não achei que pudesse
acontecer tão depressa. Não desta forma. Seguramente não com ele.
O sorriso dele é doce e tão diferente de qualquer outro sorriso que me tenha
mostrado. E, depois, ele enfia a cara no meu pescoço, a respiração quente
contra a minha pele à medida que acelera. Bombeia dentro do meu corpo, o
lento arrastar da sua ereção para dentro e para fora começa uma nova onda de
arrepios que se abate sobre mim.
Agarro-me mais a ele, o coração dele bate contra o meu, as nossas bocas
encontram-se, as línguas digladiam-se. O beijo é imundo. Desleixado. Ele
perdeu todo o controlo, e eu estou a encorajar isso. A encorajá-lo.
— Oh, foda-se — sussurra ele contra a minha garganta, empurrando-se
contra mim, o pau dele enterrado em mim. O corpo dele fica tenso, um
gemido estrangulado cai-lhe dos lábios mesmo antes dos estremecimentos
tomarem conta dele.
Ele está-se a vir. E tudo o que posso fazer é manter-me agarrada a ele, a
testemunhar este milagre. É hipnotizante vê-lo, sabendo que não há muitos
que o tenham visto assim. Aperto as minhas paredes interiores em torno dele e
faço com que ele liberte um som estrangulado. O Crew desaba em cima de
mim, o seu peso grande e quente. A sua pele está suada e cola-se à minha.
— Credo. Desculpa. Aconteceu demasiado rápido.
Ele está ofegante, o seu coração a mil, consigo senti-lo.
— Não peças desculpa. — Passo os dedos pelas suas costas, para cima e para
baixo, contornando as omoplatas. — Foi bom.
— Vieste-te? Não. — A voz dele está monocórdica, a sua desilusão é palpável.
— Já me vim duas vezes — relembro-o, beijando-lhe a testa. Não consigo
parar de lhe tocar. Adoro tê-lo assim em cima de mim, como se fosse meu
dono. Parece tudo tão perfeito. Ele parece meu.
O Crew está prestes a sair do meu corpo, mas seguro-o, mantendo-o no seu
lugar com a minha mão em cima do seu rabo. Meu Deus do céu, os músculos
dele são duros.
— Podemos fazê-lo outra vez? — pergunto, esperançosamente.
Ele sorri, a sua boca encontra a minha enquanto murmura:
— Podes crer.
QUARENTA E UM
WREN

Acho que tenho um problema.


Tenho quase a certeza de que me estou a apaixonar pelo Crew Lancaster.
Talvez não seja amor. Talvez seja apenas uma paixoneta muito grave, mas
perfeitamente natural, tendo em conta que foi ele quem me tirou a virgindade.
Ele é muito importante para mim. É o rapaz que eu nunca, mas nunca poderei
esquecer. Aquele de quem me vou lembrar quando for uma velhinha no meu
leito de morte, com as memórias a passar pela minha mente, filtradas,
alteradas. Quebradas.
Exceto as daquele rapaz. Aquele com quem tive sexo pela primeira vez.
O resto da noite de sábado é uma bruma. Depois da segunda ronda, onde nos
certificámos de que tínhamos os dois um orgasmo, ele abraçou-me e
acarinhou-me enquanto adormecíamos. Dormimos nos braços um do outro, e,
quando acordei na manhã de domingo, ele estava encaixado atrás de mim,
duro e dar-me toques no rabo, com os dedos entre as minhas pernas, a tocar na
minha pele sensível e dorida.
Ele ainda me fez vir, e eu devolvi o favor antes de tomarmos um duche e de
nos prepararmos para sair. Comemos o pequeno-almoço e não nos
demorámos. O avião estava pronto para nos levar de volta para a Lancaster
Prep.
De volta à realidade.

Assim que voltámos ao campus, fui para o meu quarto, aterrei na cama e dormi
a tarde toda. Só acordei com o meu telemóvel a vibrar, e já o quarto estava
escuro porque passava das cinco.
Era o meu pai, a ver como estava e a fazer perguntas sobre a viagem. Menti
acerca dos detalhes mais concretos e despachei-o rapidamente, tirando a
bolacha do meu saco, a que tinha comprado na padaria no dia anterior, e
devorando-a antes de me deixar cair de novo na cama.
Agora é segunda de manhã e está prestes a começar outro dia na escola.
Pelo menos é um dia curto — durante toda a semana vamos sair às 12h30
por causa do horário dos exames finais. Hoje, começamos o dia com o
Figueroa.
Credo, não o quero encarar sabendo aquilo que fez. Será que ele aparece ou já
o prenderam?
Tomo um duche e seco o cabelo. Visto o uniforme. Ato o cabelo com a fita,
recordando o que o Crew disse. Como quer atar os meus pulsos com a fita um
dia destes.
A minha pele aquece com a ideia.
Calço as botas e estou prestes a pôr algumas joias quando me apercebo de
uma coisa. Onde está o meu anel?
Desfiz a mala a certa altura ontem à noite e não me lembro de o ter tirado da
mala. Vou até à casa de banho e começo a procurar na malinha de produtos de
higiene pessoal, mas não está lá. Vejo dentro da minha bolsa para ver se o
deixei cair num bolso pequeno no seu interior, mas não.
Também não está ali.
Lembro-me de o tirar. De o deixar na mesinha de cabeceira no hotel.
Não me lembro de voltar a pegar nele antes de termos saído.
Uma sensação de pânico enche-me, deixa-me com dificuldade em respirar. O
meu pai vai-me matar. Aquele anel é uma herança de família. Foi o anel de
noivado original da mãe dele e há tanto valor sentimental ligado a ele. Se eu o
perdi…
Visto o casaco do uniforme e o meu sobretudo de inverno espesso. Protejo o
pescoço com o cachecol e ponho um chapéu antes de sair do quarto e de deixar
o edifício, um pouco mais cedo do que o habitual.
Preciso de falar com o Crew. De lhe perguntar se ele se lembra de pegar no
anel por mim. Qualquer coisa é possível, certo?
Se ele não pegou na joia, posso sempre ligar ao hotel e perguntar se alguém
devolveu um anel. Ainda existem boas pessoas neste mundo que devolveriam
um objeto perdido. Tenho a certeza disso.
Os meus passos são apressados enquanto me desloco pelo passeio
escorregadio. Choveu durante uma boa parte do fim de semana, e alguma da
neve ainda permanece, apesar de agora estar empapada e escura com detritos e
sujidade. Já não está fofa e branca como quando caiu pela primeira vez, quando
parece mágica e maravilhosa.
Não, agora é só feia. O ar está frio e húmido, o céu tem uma cor de aço,
cinzento e escuro. Não há muitas pessoas na rua a esta hora, por isso não é
difícil chegar ao edifício principal. Quando avisto a entrada, não está ninguém
por lá a fazer tempo, nem os amigos do Crew. Arrasto-me pelos degraus acima,
entro e fico à espera junto à porta para o conseguir ver a chegar.
Trocámos umas mensagens ontem à noite, mas dava para ver que ele estava
cansado. Eu também estava. Além disso, não quero parecer demasiado carente.
Oh, meu Deus, pareço todas as raparigas que conheço e que tiveram sexo e
depois tentaram ser fixes e agir com naturalidade. Como se não fosse nada
importante. E a cena do sexo nem é o que me está a incomodar hoje. Não, é o
facto de ter perdido o meu anel e de estar com medo da reação do meu pai.
Ele vai ficar furioso. Eu sei que vai.
Cinco minutos passam e continua a não haver sinal do Crew. Mando-lhe
uma mensagem a perguntar onde é que está, mas ele não me responde.
Está-me a deixar louca de preocupação.
Finalmente, avisto-o a caminhar com os amigos na direção do edifício, o
Crew no meio dos dois. Vou lá para fora e mal consigo reprimir o sorriso que
quer aparecer quando reparo na maneira como o seu olhar se ilumina quando
me vê pela primeira vez.
Em como ele recalca isso para que os seus amigos não reparem.
Bem, isso é uma desilusão. Apesar de ser originalmente o que eu queria, por
isso não me posso queixar.
Mordiscando o lábio inferior, espero até ele estar mais perto para dizer
qualquer coisa.
— Olá, Crew. — Olho para os seus amigos. — Ezra. Malcolm.
Ambos acenam e murmuram os seus cumprimentos enquanto o Crew me
observa com um ligeiro franzir de sobrolho.
— Posso falar contigo? — pergunto-lhe.
— Claro.
— Em privado? — Mando um olhar irritado na direção do Ezra e do
Malcolm.
— Iá, sem dúvida.
O Crew deixa-me agarrar-lhe no braço e descemos o corredor. Acabamos por
nos esconder na sala abandonada para onde ele me arrastou daquela vez,
quando me beijou tão ferozmente. Como um amante ciumento.
Assim que a porta está fechada, o Crew vem para cima de mim, as suas mãos
tocam-me no rosto, a sua boca aterra na minha. Ele devora-me como um
homem esfomeado, consome-me por completo.
Por fim, afasto-o, pois preciso de manter a cabeça fria e odeio a maneira como
ele franze o sobrolho, a forma como a preocupação lhe atravessa o rosto.
— O que se passa? — pergunta ele.
Eu ponho as costas mais direitas, o meu tom torna-se sério.
— Perdi uma coisa este fim de semana.
O sorriso atrevido dele surpreende-me.
— Perdeste, sim.
As minhas bochechas ardem.
— Chega.
— O que é que perdeste?
— O meu anel. O que o meu pai me deu. Ele vai ficar fulo se tiver mesmo
desaparecido. Pertencia à minha avó. Foi o anel de noivado dela e é muito
especial para ele. Foi por isso que mo deu — explico, com a cabeça a começar a
doer. Nunca me vou perdoar se realmente o tiver perdido.
— Eu sei onde é que ele está — diz o Crew, calmo como sempre.
Sou inundada por uma sensação de alívio, mas não o suficiente para acalmar a
dor de cabeça recém-chegada.
— Oh, meu Deus, a sério? Onde está? Podes dar-mo?
Ele abana lentamente a cabeça.
— Não posso.
Pestanejo.
— Porque não?
— Porque não. — Ele abre o fecho do casaco e pega na gravata apertada ao
pescoço, soltando-a o suficiente para conseguir desabotoar a sua camisa.
Estou tão confusa.
— O que é que estás a fa…
O resto da palavra fica preso na minha garganta quando o vejo puxar uma
corrente que está ao redor do seu pescoço — com o meu anel pendurado.
O meu olhar encontra-se com o dele, a surpresa atravessa-me.
— Porque é que estás a usá-lo?
— Agora pertence-me. — A expressão dele é severa.
— O quê? — Pronto, ele não está mesmo a fazer sentido nenhum. — É meu,
Crew. Pertence à minha família. O meu pai deu-me esse anel.
— E eu vou ficar com ele. Porque fiquei contigo. — Ele olha para baixo,
deslizando o dedo pelo anel, apesar de mal caber. — Isto é meu, tal como tu és
minha.
Pestanejo, espantada com a sua declaração, e também um pouquinho
empolgada com ela.
— Crew…
— Não discutas comigo, Birdy. És minha. — Ele beija-me ferozmente. — Já
não lhe pertences.
Está a referir-se ao meu pai.
O Crew enfia os dedos por baixo do meu queixo, o polegar a esfregar-me a
pele.
— Tu pertences-me — sussurra.

Depois de nos beijarmos durante demasiado tempo na sala escura, voltamos


discretamente ao corredor, tendo sido eu a primeira a sair enquanto o Crew
esperou uns minutos antes de me seguir. Já estou na aula de Inglês quando ele
aparece a ostentar um sorriso convencido, à medida que se desloca de maneira
empertigada até à secretária diretamente atrás da minha.
O Fig ainda não deu sinais de vida, o que é extremamente incomum.
Talvez se tenha finalmente metido em sarilhos e esse seja o motivo da sua
ausência.
Viro-me no meu lugar para falar com o Crew.
— Entregaste o teu ensaio até à meia-noite?
Era para ser entregue online até ao fim do dia de ontem.
— Sim. — Ele acena. — Até o escrevi ontem à noite.
— Crew! — Não consigo evitar censurá-lo por ter esperado tanto tempo.
Ele encolhe os ombros.
— Pelo menos está feito.
— Estás pronto para o exame?
A sua atitude casual em relação a notas e trabalhos é incompreensível para
mim, especialmente tendo em conta o quão bem ele se safa.
— Achas mesmo que vamos ter exame? — Ele acena na direção da secretária
vazia do Fig.
— Não sei. Mesmo que ele não esteja aqui, acho que eles nos poriam a fazer o
exame na mesma.
— Talvez. — Ele encolhe os ombros outra vez, como se não fosse nada de
especial.
Quero perguntar-lhe acerca da possível detenção. Onde é que ele acha que o
Fig pode estar. Mas não quero dizer nada que ele me tenha dito em privado
num sítio onde alguém pode ouvir, logo, mantenho-me de boca fechada.
É mais fácil assim.
O setor Figueroa aparece mesmo quando soa o último toque da campainha,
aparentemente exausto. Deixa cair a mala em cima da secretária, perscrutando
a sala, e o seu olhar detém-se em mim um segundo a mais do que o suposto.
Depois, apercebo-me de que, na verdade, ele está a olhar para o Crew, que
está sentado mesmo atrás de mim.
O Fig aclara a garganta.
— Peço desculpa pelo atraso. Deem-me uns minutos e já começamos o
exame.
A turma rebenta num burburinho de conversas sussurradas, e eu consigo
sentir uma pontada entre as minhas omoplatas. O Crew está-me a observar.
Viro-me lentamente para ele, de novo sob o olhar pesado de outra pessoa.
Estou tão certa da minha suposição que mal olho na sua direção.
O Fig está a observar-nos, o lábio revirado num esgar ténue. Ele olha para
baixo, para a sua secretária, quando eu o apanho a olhar, mas é demasiado
tarde. Vi o ar de nojo na sua cara. Ele não suporta mesmo a ideia de mim e do
Crew juntos.
— Ele não gosta de me ver a falar contigo — sussurro.
— Bem, temos muita pena. — O Crew põe uma mão possessiva no meu
braço, reivindicando-me como sua à frente do Fig.
— Crew…
— Não, não me digas para parar. E não inventes desculpas para ele. — O
Crew baixa o tom da sua voz, o olhar intenso encontra-se com o meu. — Se
tivermos sorte, ele está prestes a ser preso. Talvez até hoje. Pensei que o fizessem
durante o fim de semana. Ele tem de saber que não se pode aproximar mais de
ti. Se olha sequer na tua direção, e eu não gostar? Vou-lhe ao focinho.
Estou de boca aberta, chocada pelas palavras que diz.
— Estás a falar a sério?
— Eu protejo o que é meu — declara através de dentes cerrados, com os
olhos a arder de fúria.
Tudo dentro de mim derrete ao ouvir a maneira como falou. A expressão no
seu rosto, a maneira como me está a tocar. O facto de estar a usar o meu anel à
volta do pescoço. O seu comportamento é tão arcaico e sexista, porém, uma
parte de mim adora isto.
Adora que ele acredite que eu lhe pertenço.
Uma série de batidas soam como uma metralhadora na porta fechada da sala
e, no preciso momento em que o Figueroa se levanta para a abrir, o diretor
Matthews entra a passadas largas, o olhar desvairado a examinar a sala antes de
dizer:
— Precisamos de si no gabinete, professor Figueroa. Agora mesmo.
O Fig levanta-se, engolindo em seco audivelmente. Afasto-me do toque do
Crew, virando-me para a frente da sala, e o meu olhar vai parar ao lugar vazio
ao meu lado.
A Maggie não está na sala. O que provavelmente é uma coisa boa.
De repente, dois homens e uma mulher entram na sala, todos a usar fatos
escuros. Dão-me a sensação de serem polícias, e, quando a mulher pega num
par de algemas, apercebo-me de que os meus instintos estão corretos.
— David Figueroa, está detido — diz a mulher enquanto os dois homens
rodeiam o Fig dos dois lados e lhe agarram nos braços antes de ele poder fugir.
Não que ele estivesse a tentar. A derrota está-lhe escrita na cara.
— Mãos atrás das costas — instrui à medida que os outros agentes viram o
Fig, de modo que fique de costas para ela. A mulher começa a fazer uma lista
das acusações. Aliciamento de menores. Prática de atos sexuais com
adolescentes. Comportamento sexual condenável. A lista continua durante um
bocado.
O nosso professor está metido numa grande alhada. Não estou a ver como é
que alguma vez pode recuperar disto.
E ainda o prenderam à nossa frente, enviando uma mensagem a toda a escola.
Ele foi apanhado. Finalmente.
Tiram-no dali, o Fig sempre com a cabeça a pender, e todos nós num silêncio
fúnebre dentro da sala. Estamos em choque. Sei que estou e até tive um aviso
de antemão.
O Matthews para na entrada aberta, contemplando-nos.
— Não se preocupem com o exame. Passaram todos com nota máxima — diz
ele, mesmo antes de se virar e desaparecer.
QUARENTA E DOIS
WREN

O resto do dia passa sem mais problemas, graças a Deus. Temos uma hora de
almoço mais curta por causa do horário encurtado, e o Crew nunca deixa o
meu lado. É muito possessivo, pousa o braço sobre os meus ombros enquanto
se senta ao meu lado no refeitório e fala com os seus amigos. Reivindicando-me
como sua à frente de toda a gente na escola.
Há muitos olhares e murmúrios e boatos, mas muito disso está relacionado
com a detenção do Fig e não com a atenção — e afeto — óbvia do Crew para
comigo. É um grande drama assistir a um professor ser detido à frente da
turma durante o horário letivo. Arrastado dali para fora em algemas e exibido
pela escola inteira.
Porque foi precisamente isso que aqueles polícias fizeram. Levaram-no pelo
corredor principal, na esperança de terem a atenção do máximo número de
pessoas possível, o que foi completamente inesperado.
E não foi surpreendente.
Quando começa a soar o último toque, saio do meu último exame e encontro
o Crew à minha espera, encostado a uma fila de cacifos azuis brilhantes. Ele
afasta-se deles para se aproximar de mim, e eu franzo o sobrolho.
— O que estás a fazer aqui?
— A acompanhar-te ao teu dormitório — diz, pegando-me na mão e
deixando-se cair no ritmo do meu andar.
Fico maravilhada com este novo Crew. Temos sexo e é isto que acontece? Ele
torna-se superpossessivo e quer passar o seu tempo livre todo comigo? É tão…
estranho. E empolgante.
É, sem dúvida, algo a que tenho de me habituar. Não estou acostumada a este
tipo de atenção e, apesar de gostar, também há uma pequena parte de mim que
quer fugir e esconder-se.
Ao verem-me com o Crew, as pessoas vão acabar por se aperceber de que
aconteceu alguma coisa entre nós. Algo sexual. Os meus dias de menina-
modelo acabaram.
Caí do altar, tal como as outras.
E meio que não me importo. Agora entendo. Entendo porque é que isso
acontece e como todas as outras coisas deixam de importar quando o rapaz dos
teus sonhos, o rapaz por quem te estás a apaixonar, sorri para ti e te faz sentir
como se mais nada lhe importasse. Só tu.
Assim que estamos lá fora, largo a mão dele e calço as luvas. Ele tenta agarrar
na minha mão outra vez, mas eu não o deixo.
— Mas que raio, Birdy?
A irritação na sua voz é evidente, mas ignoro-a.
— Devias calçar as luvas primeiro.
— Oh. — A irritação desaparece, e ele tira um par de luvas pretas do bolso
do seu sobretudo, calçando-as e tomando a minha mão de novo. — Esta é a
tua maneira de tomar conta de mim?
— Às vezes, tenho de tentar, já que, ultimamente, és só tu que tomas conta
de mim.
Eu devia soar mais agradecida. Ele tem de perceber que vai demorar até eu
me habituar a isto.
Ele encolhe os ombros, aparentemente desconfortável.
— Sinto que tenho de te proteger.
— Porquê? Por causa do que aconteceu durante o fim de semana? Eu ainda
consigo tomar conta de mim, sabes — lembro-o.
— Nunca achei que não conseguisses — concorda. — Mas… não consigo
evitar como me sinto.
— E como é que te sentes?
— Como se fosses minha, e quero que toda a gente o saiba — responde com
seriedade.
Absorvo as suas palavras. A maneira feroz como as pronunciou. Acredito que
ele se preocupa comigo. Que se sente possessivo em relação a mim. Mas fomos
de nada para tudo num período muito rápido, e eu ainda preciso de processar
isto.
Quando chegamos ao dormitório, viro-me para o encarar e agarro na frente
do seu casaco, dando-lhe um pequeno abanão.
— Eu adoro o quão protetor és, mas tens de ser paciente comigo.
O Crew franze o sobrolho.
— O que queres dizer?
— Não estou habituada a isto. Há umas semanas, andavas a correr atrás de
mim. A ameaçar-me e sempre a mandar-me olhares de desprezo. Até admitiste
que me odiavas.
A exasperação dele é evidente.
— Eu não te mandava olhares de desprezo.
Adoro o facto de ele se ter fixado nessa parte.
— Mandavas, sim. Todas as manhãs em que ficavas à espera de que eu
aparecesse na escola.
— Estava a tentar ter a tua atenção.
— Como? Olhando para mim como se quisesses que eu morresse? — replico
e rio-me, mas ele não se ri.
— Suponho que abordei a situação… te abordei da forma errada — admite
ele.
— Mas acabaste por me conseguir na mesma. — O meu sorriso é pequeno.
Ele fá-lo desparecer com um beijo.
— Eu podia entrar, e podíamos ficar um bocado na sala comum — sugere,
pressionando a testa contra a minha.
— Eu adorava, mas tenho um ensaio para acabar. — Tenho de entregar o
ensaio de História amanhã, e, além disso, ainda temos o exame propriamente
dito. — Além disso, preciso de estudar.
— Não precisas nada — brinca ele, dando-me outro beijo nos lábios.
— Preciso. Ainda só escrevi dois terços do ensaio e mal me lembro do que
aprendemos nas aulas este semestre — explico. — Tenho de rever os meus
apontamentos.
— Eu tenho esse exame amanhã à tarde — diz ele. — Talvez devesse estudar
contigo.
— Se estivermos juntos não vamos estudar nada, e tu sabes disso. — Sorrio-
lhe, pois não quero magoar-lhe os sentimentos. — Assim que despachar as
coisas amanhã, o resto da semana vai ser fácil.
— E depois vamos sair. — Ele di-lo com firmeza, como se eu não pudesse
discutir.
Coisa que não faria. Eu quero passar tempo com ele. Tanto quanto possível
antes do começo das férias de Natal.
— Sim, vamos sair.
Ele beija-me outra vez antes de poder dizer mais alguma coisa.
— Quero planear qualquer coisa para o teu aniversário. Algo especial. Só para
nós os dois — declara.
Não sei o que é que o meu pai vai achar disso, mas não o menciono.
— Está bem.
— Boa sorte com os estudos. E com o ensaio. — Mais um beijo, este
demorado e cheio de língua. — Manda-me mensagem mais logo.
— Adeus — sussurro.
Fico a vê-lo a afastar-se antes de finalmente virar costas e entrar no meu
dormitório, acenando para as AR que estão sentadas atrás da secretária
enquanto passo por elas. Chego ao quarto numa questão de minutos e tiro o
uniforme para vestir um par de calças de fato de treino. Abro o portátil e
ponho-me confortável, abrindo o ensaio em que estava a trabalhar para a
disciplina de História.
Esta é a última coisa que me apetece fazer, mas repito para mim mesma que
assim que o dia de amanhã terminar o resto da semana vai ser bastante simples.
Eu consigo fazer isto. Um ensaio. Umas horas a estudar. Um exame. Depois, o
resto da semana é canja até chegar às férias de Natal.
Mal posso esperar. Quero passar algum tempo com o Crew antes de termos
de ir embora. E depois quero passar mais tempo com ele enquanto estivermos
os dois em casa. Às vezes, as férias de Natal conseguem ser tão deprimentes,
apesar de incluírem o meu aniversário e o Natal e todas essas alturas boas em
que é suposto se estar a criar memórias e a passar um bom bocado.
Normalmente, só estou com os meus pais. Não temos uma família muito
grande e, nestes últimos anos, o pai deixou de querer viajar durante as férias,
dizendo sempre que tinha muito trabalho para pôr em dia.
Mas este ano estou mesmo entusiasmada pelas férias. Por todas as
possibilidades que vêm associadas.
Como ter bastante tempo livre para passar com o Crew.
Mais cedo ou mais tarde, vou ter de contar ao pai acerca dele. A mãe
provavelmente não vai querer saber, mas o pai sim. Ele tem uma série de
expectativas acerca da minha pessoa a que já não consigo corresponder.
Não consigo. Já não.
E, na verdade, também não quero.
Estou a olhar para o ecrã do portátil, a tentar ter energia para acabar de
escrever este ensaio para História, quando o meu telemóvel começa a tocar.
É o pai.
Respondo de imediato e cumprimento-o com:
— Olá. Estava mesmo agora a pensar em ti.
— A sério? Mas parece que não andaste a pensar muito em mim durante o
fim de semana, certo? — O tom dele é duro, cheio de uma raiva mal contida.
Franzo o sobrolho e fecho o portátil com um baque.
— O que queres dizer?
— Achas que eu não sei?
O meu coração fica preso na garganta, dificultando-me a respiração.
— O que queres dizer?
— Achas que não sei com quem estiveste este fim de semana? O que é que
estiveram a fazer? Estou desiludido contigo, Wren. Quebraste a tua promessa.
Oh, meu Deus. Como é que ele sabe? Como é que ele descobriu? Quem é
que lhe disse?
— Pai, espera…
— Eu não quero ouvir as tuas desculpas ou as tuas mentiras. Porque foi isso
que tu fizeste, Wren. Mentiste-me. Disseste-me que ias para Vermont com a
Maggie e não foste. Foste com aquele rapaz insuportável e fizeste coisas
inapropriadas. Partilhaste uma cama com ele. Eu sei que sim. Eu vi as provas.
O meu cérebro está atabalhoadamente a tentar acompanhar o que ele está a
dizer.
— Como é que sabes?
— Estou contente por não o negares. Estás a fazer o correto.
Ele hesita apenas por um momento, o tempo suficiente para eu me aperceber
de que tenho lágrimas a escorrer pela cara.
— Eu tenho acesso à tua iCloud. Entrei na conta e vi as fotografias
impróprias.
Fecho os olhos por momentos, o meu coração afunda-se como uma pedra.
Lembro-me das fotografias que tirei do Crew naquele sábado à noite. Sem a
camisa e a marca do meu gloss no seu peito. Várias horas mais tarde, depois de
já termos tido sexo duas vezes e de estarmos prestes a adormecer, tirei-nos uma
última fotografia deitados na cama, a minha cabeça pousada sobre o seu ombro
nu, os nossos olhares ensonados, os sorrisos cheios de satisfação enquanto
tirava a selfie. Queria documentar o momento. A noite em que dei a minha
virgindade ao Crew.
E o meu pai viu tudo. Até as fotografias que tirei no sábado à tarde de nós na
baixa. Das decorações. Do Crew sentado à minha frente durante o almoço.
Nenhuma era para ser vista por outra pessoa que não eu. E o Crew.
— Tens alguma coisa a dizer em tua defesa? — pergunta o pai ao ver-me em
silêncio.
— O que é suposto dizer? Eu não me posso defender. Viste as provas todas.
— Engulo em seco. — Eu não sabia que tinhas acesso à minha iCloud.
— Isso é mais do que evidente — riposta. — Tendo em conta tudo o que vi
nas tuas fotografias mais recentes, quase me arrependo de ter espreitado.
Isso é falso. Tenho a certeza de que não se arrepende, uma vez que finalmente
me apanhou a mentir. É como se tivesse passado estes anos todos a desejar
apanhar-me numa mentira. Por que outro motivo é que precisaria de ter acesso
à minha conta iCloud?
Porque ele não confia em mim. Ele deixou de confiar totalmente em mim
depois daquela coisa tão incrivelmente estúpida que fiz aos doze anos.
Bem, eu já não tenho doze e penso que sou mais inteligente do que era. Sou
definitivamente mais forte.
Acho eu.
— Vens agora para casa — exige ele. — Hoje à noite.
— Pai! Eu não posso ir para casa. Tenho exames para fazer. Estou a escrever
um ensaio neste momento!
— Eu ligo à escola e podes fazer tudo online. Eu digo-lhes que é uma
emergência familiar, coisa que é verdade — declara. — Não discutas comigo,
Wren. Vens para casa mais cedo.
— Pai, por favor. Ouve-me. Eu tenho de acabar este ensaio e de estudar para
o exame. Vai tudo acontecer amanhã. Vai ser a minha primeira aula por causa
do horário especial para os exames esta semana. E se eu for para casa depois
disso? Já estou essencialmente despachada no resto das minhas disciplinas.
Ele fica em silêncio durante um momento, e pouso a cabeça na secretária,
aguardando ansiosamente pela resposta. Não é uma mentira. Eu preciso
mesmo de completar tudo o que listei.
Mas também preciso de uma oportunidade de explicar ao Crew o que está a
acontecer. Ele merece saber.
Saber que o meu pai muito provavelmente o odeia.
— Eu vou mandar um carro para te ir buscar ao meio-dia. É bom que
chegues a horas à beira do condutor, Wren. Vou-me certificar de que ele
reporta tudo — avisa-me com uma voz firme.
— Eu faço as malas hoje — digo, a minha voz trémula, a cabeça a latejar.
Assim como o meu coração.
— E afasta-te do Lancaster. Esse rapaz só atrai problemas. Já fiz a minha
pesquisa. Os irmãos dele andam a tentar roubar os meus clientes. Não duvido
que seja por isso que ele se anda a meter contigo. Está só a usar-te para se
aproximar de mim, para ajudar os irmãos — explica o pai.
Eu levanto a cabeça, coberta de raiva, mas mantenho-me calada.
O mundo não gira à volta dele. Algo que ele ainda não percebe bem. Nem
toda a gente se quer aproximar de mim ou da minha mãe para chegar a ele.
Não é assim que funciona. Não todas as vezes.
— Está bem — balbucio, sem realmente concordar.
— Continuamos esta conversa amanhã. — Ele exala agressivamente. —
Estou tão desiludido com as tuas escolhas, Amora. Estavas no caminho certo e
arruinaste tudo.
— Ter sexo não te arruína a vida, pai — replico, cheia de irritação.
— Não me respondas — diz ele, rudemente. — Quem é que pensas que és
neste momento?
Antes que consiga responder «Sou a tua filha», ele termina a chamada.
E eu desato a chorar.
QUARENTA E TRÊS
CREW

Espero por ela à entrada do seu dormitório, completamente tenso sem razão
óbvia. Ansioso.
Palavras que não utilizo tipicamente para descrever como me estou a sentir.
Tentei mandar mensagens à Wren ontem à noite, mas ela não estava muito
responsiva. Estava distante. Ela disse que a culpa era do ensaio que tinha
acabado e do estudo para o exame de História, mas não sei.
Parece que se passa mais alguma coisa. Só não consigo precisar o que é.
Ela também estava um bocado estranha ontem, e eu ainda não tenho bem a
certeza porquê. Compreendo que me estou a comportar de maneira diferente,
e percebo porquê. Passar o fim de semana inteiro com ela, ter sexo com ela,
porra. Estou obcecado.
Quero-a outra vez. De qualquer maneira que a puder ter. Não consigo parar
de pensar nela. Ontem não conseguia parar de lhe tocar. Queria que a porra do
mundo inteiro soubesse que é minha. Que me pertence.
Usar o raio do anel de pureza que o pai dela lhe deu numa corrente à volta do
meu pescoço também me pareceu ser o mais acertado. Antes de sairmos do
chalé, encontrei-o na mesinha de cabeceira, agarrei-o e enfiei-o no bolso.
Esqueci-me de lhe dizer que o tinha e, de tarde, quando cheguei ao meu quarto
e me despi para tomar um duche, o anel caiu ao chão com um tinido suave.
Agarrei nele, levantei-o à luz e começou a formar-se a ideia. Ela já não é
aquilo que o anel simboliza.
Por minha causa.
Mereço andar com o raio do anel à volta do pescoço. Talvez ela não goste que
eu tenha feito isso, mas não lho quero dar de volta.
Mas se ela o quiser de volta, fá-lo-ei. Relutantemente.
As portas abrem-se, e um grupo de raparigas sai, mas nenhuma delas é a
Wren. Sorrio-lhes sombriamente enquanto passam por mim, uma ou outra
cumprimenta-me com um «Bom dia».
Olho para o telemóvel e apercebo-me de que está mais atrasada do que o
costume. Onde é que anda a minha miúda?
Só o facto de pensar nela como minha miúda é alucinante. Ainda não fizemos
nenhuma declaração oficial um ao outro, mas parece-me uma coisa séria. Eu
importo-me com ela. Estou preocupado com ela.
Onde é que ela está?
As portas abrem outra vez, e ela aparece. Está a usar o casaco preto
acolchoado e Mary Janes nos pés, com as pernas revestidas em collants de lã
branca. Ela avista-me quase imediatamente, com uma expressão ilegível, e o
temor consome-me enquanto se aproxima de mim. Ela não está a sorrir. Os
seus olhos estão orlados por vermelho.
Eu vou até ela, estendo-lhe a mão, mas ela desvia-se do meu abraço.
— O que se passa? — pergunto-lhe, sem me preocupar com rodeios.
Ela abana a cabeça, os olhos enchem-se de lágrimas.
— Tenho de ir para casa hoje.
Franzo o sobrolho.
— Tens de ir?
— Sim. O meu pai, ele… está zangado comigo. — Ela funga, as lágrimas
caem-lhe livremente.
Dou mais um passo para ela, limpo-lhe as lágrimas com o polegar conforme
pouso a minha outra mão na sua anca.
— Porquê?
— Ele… ele sabe que estivemos juntos, Crew. E estava tão chateado. Eu
quebrei a promessa que lhe fiz, e ele está zangado.
— Como é que ele sabe?
— Ele tem acesso à minha iCloud. Eu não sabia disso. Ele viu as fotografias.
As que tirei de nós durante o fim de semana. No sábado à noite. — Ela
aproxima-se mais de mim, pressiona a sua testa contra o meu ombro. — Estou
tão envergonhada.
Fico irritado. Bela escolha de palavras.
— Estás envergonhada por estarmos juntos? Ou por termos sido apanhados?
— Ambos. Mais por termos sido apanhados. — Ela inspira fundo,
tremulamente, antes de levantar a cabeça, o olhar torturado no meu. — Eu
disse-lhe que não faria isso.
— O quê? Ter sexo com alguém? Porque é que isso é vergonhoso? Tens quase
dezoito, Wren. E, apesar disso, ainda ages como uma rapariguinha.
A boca dela fecha-se numa linha firme.
— Isso não é justo.
— Vês? Continuas a fazê-lo. — Agarro-lhe nos ombros e puxo-a para mim.
Ela pousa as mãos no meu peito, o toque é leve. — A vida não é justa, Birdy. Já
devias saber isso. Ele não devia ficar chateado contigo por teres feito uma coisa
que é natural. És uma boa rapariga. Ele devia-se orgulhar de ti por teres
aguentado a promessa durante tempo.
— Não é sobre aguentar, Crew — diz ela, o seu tom amargo. — É sobre fazer
as escolhas certas.
Mas que raio?
— Então estás a chamar-me a escolha errada?
— Não. Eu não sei. Eu não devia ter feito aquilo… — A sua voz deriva, e ela
desvia a cabeça, como se fosse doloroso olhar para mim.
— Não devias ter feito o quê? Não me devias ter fodido?
O olhar dela volta imediatamente ao meu.
— Não tens de dizer as coisas tão rudemente.
— Isso é o que o teu pai está a fazer. Ele tirou todas as emoções humanas da
coisa. Tipo, talvez eu queira estar contigo porque gosto de ti. E tu gostas de
mim — declaro. Revelando tudo. Algo que normalmente não faço.
Nunca, na verdade.
— Mas gostamos mesmo? Mal nos conhecemos. Só se passaram umas
semanas — aponta ela.
— Quando temos a sorte de encontrar alguém que torna o nosso mundo
mais luminoso, não devemos agarrar essa pessoa e nunca a deixar ir?
Ela fita-me com uma expressão confusa.
— O que queres dizer?
— Estou a falar de ti. E de mim. — Beijo-a, e, naturalmente, ela responde.
Acabo o beijo antes de nos deixarmos levar. — Não tens de dar ouvidos a tudo
o que o teu pai diz. As expectativas que tem de ti são impossíveis de manter.
— Mas ele é o meu pai — sussurra ela. — Eu adoro-o. Saber que o desiludi
simplesmente… magoa. Eu não gosto quando está zangado comigo. Ele é tudo
o que eu tenho.
Ele vai fazê-la escolher. Ele ou eu. Consigo senti-lo. Também consigo sentir
qual vai ser a resposta dela.
Fogo. Isso magoa.
— Bem, e eu? — pergunto-lhe.
— E o que é que tu és para mim? O que é que eu sou para ti?
Permaneço em silêncio, os meus pensamentos são uma autêntica mixórdia no
meu cérebro. Tenho sido honesto com ela até agora. Admiti coisas que
provavelmente não devia, no entanto, aqui estou. A abrir as veias e a deixar-me
sangrar.
— Foi isso que pensei — afirma quando eu ainda não respondi. A desilusão
está-lhe escrita na cara. — Talvez tenhamos andado demasiado depressa.
— É mesmo isso que pensas? Ou estás só a dizer isso para te sentires melhor?
Merda, eu não queria dizer isso. Sim, andámos rápido. Demasiado rápido?
Não sei.
— Eu não sei o que pensar! — lamenta-se ela, com mais lágrimas a cair. —
Eu tenho de ir. Não me posso atrasar.
Ela começa a andar, deixando-me para trás. Vejo-a a ir, sabendo que devia ir
atrás dela. Porém, permaneço preso no lugar.
A Wren continua a andar, sem nunca olhar para trás, e eu tenho de lutar
contra a raiva que começa a borbulhar mesmo abaixo da superfície. Ela só
consegue pensar no pai e em como não o pode desiludir. Os seus padrões são
impossíveis de atingir. Ele quer que ela seja a sua menina para sempre.
Ela é a minha miúda agora. Ele precisa de entender isso.
E ela também.
— Birdy! — A alcunha rebenta para fora de mim, e ela volta-se num instante,
os olhos tristes encontram os meus. — Quero ver-te quando estivermos os dois
na cidade.
— Eu não sei se posso — responde, suficientemente alto para eu ouvir.
Para perfurar o meu coração de paredes de ferro.
Eu vou vê-la. Antes do seu aniversário. Depois. Na passagem de ano. Vou
certificar-me de que estas próximas semanas são boas para ela. Vou provar-lhe
que não me esqueço dela como toda a gente. Quando eu disse que gostava
dela, também foi sentido. Nem pensar que a posso perder agora.
Tiro o telemóvel do bolso, procuro o número do meu irmão e ligo-lhe.
— O que é que queres agora? — ladra o Grant.
— Preciso da tua ajuda — digo-lhe, com uma voz séria. — Espero que o
consigas encontrar.
— Eu consigo encontrar tudo o que precisares, maninho — retorque o
Grant, com aquela confiança Lancaster que todos temos. — Diz-me do que
precisas.
QUARENTA E QUATRO
WREN

Sou uma prisioneira na minha própria casa. Esquecida. Negligenciada. O pai


exigiu que eu voltasse a casa, e fiz como ele pediu, deixei Lancaster assim que
acabei o meu exame de História. O segundo exame final no calendário era o de
Psicologia, e eu já tinha feito a minha apresentação com o Crew, graças a Deus.
Foi fácil para o pai entrar em contacto com a secretaria e conseguir que me
deixassem vir embora mais cedo.
E agora aqui estou, no apartamento estéril com os meus pais estéreis. Só se
passaram uns dias desde que voltei e já me tornei noutro pedaço de mobília.
Ou talvez seja um quadro pendurado na parede.
Bonita de ver. O suficiente para se investir. De outro modo, não interessa.
É sábado e estou aborrecida. Inquieta. Dormi muito nos primeiros dias. Era
isso ou chorar, especialmente porque o meu pai me tirou o telemóvel assim que
cheguei. Não consigo comunicar com ninguém.
Crew.
É provável que me odeie. Deve achar que sou uma bebezinha que não se
consegue defender e lutar por si. Basicamente provei-lhe isso com as coisas
estúpidas que lhe disse quando discutimos. Foi uma discussão sequer? Eu não
sei como o descrever. Tudo o que sei é que estou arrasada por tudo ter acabado
assim. Com o meu pai a descobrir as fotografias, a ver-me ali deitada, nua com
o Crew, apesar de não ser mostrado nada na fotografia.
Mas foi tão óbvio. A imagem está impressa no meu cérebro. Consigo ver a
forma como a minha cabeça está deitada no seu ombro despido, os nossos
sorrisos preguiçosos e olhos meio fechados de sono. Os meus próprios ombros
despidos, o que torna óbvio que não estou a usar roupa. O lençol amarrotado
entre nós.
Tenho saudades dele. O meu coração dói com a vontade de o ver. De falar
com ele.
Mas estou presa.
Deixando de ter pena de mim mesma por uma vez que seja, saio do quarto e
vagueio pelo apartamento, a fulminar todas as peças de arte por que passo. Os
meus pais — especificamente a minha mãe — preocupam-se mais com a arte
que está pendurada nas suas paredes do que comigo. Ela ainda não veio falar
comigo desde que voltei a casa. Não foram mencionadas quaisquer palavras
reconfortantes tipo «Eu vou falar com o teu pai» ou até um «Vais ficar bem».
Ela está-me a deixar sofrer sozinha.
Aproximo-me da sua sala de estar, ouvindo as vozes que vêm da entrada, e
detenho-me, pressionando-me contra a parede quando me apercebo de que as
vozes são as dos meus pais e que estão a falar de mim.
— Quando é que lhe vais devolver o telemóvel? — pergunta a mãe.
— Se dependesse de mim, nunca — resmunga o pai, evidentemente
repugnado.
— Ela tem quase dezoito. Devolve-lhe o telemóvel. O que é o pior que pode
acontecer se ela o tiver?
— Aquele rapaz vai-lhe mandar mensagens. Ligar-lhe. É o que tem feito sem
parar desde que lhe tirei o telemóvel.
O meu coração incha com esperança. Ele não desistiu de mim.
— Pelo menos é persistente.
— Isso não significa nada. Ela dormiu com ele, Cecily. Claro que é
persistente. Está à espera de que se repita — explica o pai.
Retraio-me, odiando a maneira como ele pensa que o Crew só quer saber de
mim porque fizemos sexo. Quando pareceu ser muito mais do que isso…
— Bem, ela atraiu um Lancaster, e tenho de admitir que é uma escolha
sólida. Pelo menos escolheu bem — diz a mãe.
— Ela nunca devia ter feito isso. Ela prometeu-se a mim — retorque o pai
com veemência.
— As tuas maneiras de ser arcaicas não iam colar para sempre, e tu sabes
disso. Ela é uma rapariga linda. Inteligente. Interessante. Não me surpreende
que o Crew a quisesse na cama dele.
Estou chocada com as palavras da minha mãe. Acha que eu sou linda?
Inteligente? Interessante? Grande parte do tempo, ela age como se mal me
suportasse.
— Não digas isso — diz o pai, amargamente. — Não suporto a ideia de ela
estar com ele.
— Mas é verdade! Ela é quase uma mulher, Harvey. Algum dia vais ter de a
deixar ir. Vocês têm uma relação muito próxima, mas, se a impedires de ver
este rapaz, ela vai ficar ressentida — avisa a mãe. — Dá-lhe o telemóvel. Deixa-
a falar com ele. Vamos ver o que acontece. Ela é uma rapariga sagaz. Não vai
tomar nenhuma decisão estúpida.
— Não sabemos isso. Eu protegi-a durante todos estes anos. Aterroriza-me
pensar nela sozinha, a fazer más decisões, a colocar-se em risco. — Ele fala com
uma voz que parece torturada e, imediatamente, sinto-me mal.
— Tu criaste esta situação ao protegê-la durante demasiado tempo. Dá-lhe o
telemóvel de volta. Pede-lhe desculpa por teres invadido a privacidade dela. E
deixa-a fazer as suas escolhas ela, os seus erros. Se fizemos alguma coisa bem ao
criá-la, então ela vai-se sair bem. Como eu disse, ela é uma rapariga inteligente.
Consegue lidar com ela mesma e com este rapaz. E se ele lhe partir o coração,
então que assim seja. A vida é mesmo assim. Ela vai sofrer, vai sarar e vai seguir
em frente.
Ao ouvir o apoio da minha mãe, começo a sentir lágrimas a picar o canto dos
meus olhos. Se eu pudesse, entrava naquela sala a correr e abraçava-a.
Agradecia-lhe por acreditar em mim enquanto o meu pai ainda se recusa a fazê-
lo.
Em vez disso, volto para o meu quarto e fico a olhar pela janela, a ver a chuva
cair. O vento fá-la salpicar contra o vidro, lá fora as nuvens são de um
cinzento-escuro e ameaçador, e eu agarro o meu urso de pelúcia de infância
contra o peito enquanto me sento, embrulhada em mim, em cima da minha
cama.
Ouve-se um toque suave à porta e a minha mãe aparece logo a seguir, com
um sorriso simpático na cara.
— Posso entrar?
Aceno, não dizendo nada.
Ela entra com elegância, segurando algo atrás das costas.
— Chegou uma encomenda para ti.
Franzo o sobrolho.
— A sério?
— Sim. — Ela segura-a à minha frente e eu carrego as sobrancelhas enquanto
contemplo a pequena caixa branca, interrogando-me de onde é que veio. Ela
abana-a na minha direção. — Toma.
Faço como ela diz, puxando a tampa com cuidado para abrir a caixa.
— Foi entregue por um estafeta — diz a mãe enquanto me observa. — Deve
ser de alguém daqui, assumo.
Afasto as camadas de tecido branco para revelar uma pequena caixa preta.
Pego nela e leio o rótulo.
— É Chanel — diz a mãe. — Parece batom.
Sei, imediatamente, quem é que o mandou. O batom é o Rouge Allure. Abro a
pequena caixa e retiro o tubo, desapertando a tampa e rodando-o para ver a sua
cor encarnada e intensa.
— Parece o 99 Pirate. — Olho para a minha mãe, confusa. — É a cor
vermelha icónica deles. Tenho um.
Não estou surpreendida. A minha mãe gosta de usar batom vermelho
brilhante e fica-lhe muito bem.
— Quem é que te enviaria isso? — pergunta ela.
Mando-lhe um olhar, mas não digo nada, e dá para ver que ela percebe.
— Ele tem bom gosto — diz, com um sorriso ténue. — Como é normal,
tendo em conta o que ele vale.
Sorrio. Não o consigo evitar.
— Não vou dizer nada ao teu pai. Vai ser o nosso segredo — declara,
dirigindo-se à porta do quarto. — Também o tenho tentado convencer a
devolver-te o telemóvel. Ele não te pode tratar como a sua menina pequenina
para sempre.
Ela está prestes a sair do meu quarto quando a chamo.
— Mãe. — Ela vira-se para mim, com as sobrancelhas castanhas e delicadas
unidas. — Obrigada.
O sorriso dela desenha-se lentamente.
— Não tens de quê, querida. Acho que a cor te ia ficar bem. Experimenta.
— Sim, vou experimentar.
Assim que ela fecha a porta, volto a pôr a tampa e investigo a caixa. Encontro
um pequeno envelope escondido no fundo. Tiro o cartão com dedos trémulos,
reconhecendo a letra arrojada de imediato.

Podes beijar-me com esta cor da próxima vez que estivermos juntos. Vai-se ver
melhor na minha pele.
Beijinhos,
Crew

Fecho os meus olhos, os meus lábios sobem num sorriso. Oh, meu Deus.
Oh, meu Deus.
Salto da cama e vou para a casa de banho, abrindo o batom de novo e
aplicando-o nos lábios, com cuidado para manter a minha mão firme.
Quando termino, dou um passo atrás, olhando para mim mesma nas minhas
calças de ginásio cinzentas, o meu cabelo preso num carrapito desleixado em
cima da cabeça e com os lábios pintados de encarnado brilhante.
Com a roupa e a maquilhagem certa acho que ficava bonita.
Como se fosse crescida.

*
É hora de jantar quando o meu pai finalmente me devolve o telemóvel, com
uma expressão sombria enquanto me dá um sermão acerca da responsabilidade
e sobre fazer a coisa certa.
Mantenho a cabeça curvada e aceno ocasionalmente, aguentando o discurso
que já ouvi tantas vezes ao longo dos anos. A minha mãe vai comentando de
vez em quando, tentando defender-me, como se isso fosse o suficiente para ele
parar.
Não funciona, mas eu aprecio o apoio dela.
— E ainda tenho de ficar em casa? — pergunto quando ele acaba de falar. —
Ou posso sair?
— Com quem é que queres sair?
É preciso dizer?
Encolho um ombro.
— Amigos.
— Alguém em específico?
— Harvey — grita a mãe. — Deixa-a em paz. Sim, querida, podes sair.
Tenho a certeza de que tens imensos amigos para ver e com quem falar.
O pai suspira pesadamente.
— Tudo bem. Podes sair, Amora. Mas não voltes demasiado tarde.
Se pudesse revirar os olhos sem consequências, fá-lo-ia. Mas controlo-me.
— Obrigada, pai.
— Agradece à tua mãe. Foi ela quem me convenceu de que eu tinha de te dar
mais liberdade — resmunga o pai.
Olho para cima e descubro-a a observar-me. Movo os lábios, agradecendo-lhe
silenciosamente. Estou tão contente por ela ser uma aliada. Não me consigo
lembrar da última vez que esteve do meu lado.
Jantamos, os meus pais falam entre si enquanto olho para o meu telemóvel,
interrogando-me sobre os mistérios que pode estar a conter. Quem é que me
mandou mensagens? De acordo com o meu pai, sei que o Crew mandou.
Quantas vezes e o que é que ele disse? Será que ainda me quer ver? Ele deve
querer, tendo em conta o que disse naquele bilhete.
Os meus lábios ainda estão manchados com aquele batom. É mesmo
duradouro. O pai ou não reparou ou não quis comentar, e a minha mãe
também não, mas tenho a certeza de que ambos conseguem perceber que estou
a usar batom, algo que nunca faço.
Há muitas coisas que não fazia até recentemente.
A maior parte dessas coisas graças ao Crew.
Assim que terminamos de jantar, fujo para o meu quarto, pela primeira vez
desde que cheguei a casa quero estar ali. Imediatamente, vejo uma série de
mensagens do Crew, a maior parte delas a perguntar como é que estou. Onde
estou. Porque é que não falo com ele. E se eu o estou a ignorar de propósito ou
se o meu pai me tirou o telemóvel.
Tenho a certeza de que essa mensagem deixou o meu pai a fumegar de raiva.
Também tenho mensagens da Maggie e leio-as, odiando o facto de as ter
perdido quando chegaram.
Maggie: Vi que o Fig foi preso. Eu tive tudo a ver com isso e, apesar de me
arrepender do que aconteceu, não me arrependo disso. Desculpa se te
tratei mal. Estava a passar por um mau bocado e sei que me passei contigo
daquela vez em que nos apanhaste juntos. Eu estava invejosa. A nossa
relação era tão tóxica. Estou feliz por estar longe dele. Espero que
percebas. Talvez nos possamos encontrar durante as férias?
Ela mandou outra mensagem no dia a seguir.
Maggie: Ou talvez não. Espero que não estejas chateada comigo.
Antes de responder ao Crew, mando uma mensagem à Maggie, pois quero
que ela saiba o que aconteceu. Explico como o meu pai me tirou o telemóvel e
como tenho estado assustada e preocupada com ela. E que estou feliz por ela
estar melhor. Não falo no bebé nem na detenção que presenciei. Quando ela
estiver pronta para falar nisso, sei que me contará.
Eu: Tenho saudades tuas, Mags. Vamos mesmo tentar encontrar-nos
durante as férias. E desculpa por não te ter respondido mais cedo, mas fica
sabendo que estou aqui para ti para o que der e vier.
Ela responde quase imediatamente.
Maggie: Não acredito que ele te tirou o telemóvel! Bem, na verdade, não
me choca. O teu pai sempre foi um bocado severo. Vamos encontrar-nos
nos próximos dias. Já estou aborrecida e estou mortinha por estar contigo!
Eu: Parece-me bem. Temos muita conversa para pôr em dia.
Sorrio, dizendo a mim mesma que tenho mesmo de me certificar de que me
encontro com a Maggie nos próximos dias. Parece que ela está a precisar de
uma amiga.
E eu também estou.
Contemplo como vou abordar o Crew a seguir, mas existem outras
prioridades a tratar em primeiro lugar. Vou às definições do meu telemóvel e
mudo a palavra-passe da minha iCloud. Nem pensar que quero ter o meu pai a
espiar-me outra vez.
Ainda é difícil para mim acreditar que ele fez mesmo isso. É uma violação tão
grande da minha privacidade. Especialmente porque eu não fazia ideia de que
ele o estava a fazer. Quantas vezes é que andou a controlar-me? A ver as minhas
fotografias, as minhas mensagens, o meu e-mail? Nada estava fora de limites
para ele e magoa tanto saber que ele é capaz de me espiar dessa forma.
Finalmente, penso em algo para dizer e, depois de escrever na aplicação das
notas, copio e colo o texto e envio-o como mensagem, sempre com o coração a
bater-me na garganta.
Eu: Desculpa não te ter respondido mais cedo. Assim que cheguei a casa,
os meus pais tiraram-me o telemóvel. Por isso é que ainda não tinha
mandado mensagem nem te tinha ligado. Espero que percebas. Desculpa a
discussão que tivemos antes de me ter ido embora. Sinto-me mesmo mal
por tudo o que aconteceu, mas a única coisa pela qual nunca me sinto mal
és tu. Não me arrependo do que aconteceu no último fim de semana.
Gostava que pudéssemos repetir. Tenho tantas saudades tuas. Obrigada
pelo batom. Mal posso esperar para o usar para ti.
Estou a morder o lábio, a olhar para a nossa conversa por mensagens, quando
aparece a bolha cinzenta que indica que ele está a escrever. Os meus nervos
amplificam-se, deixam-me com uma sensação de náusea e rezo a Deus que não
acabe a vomitar o jantar que acabei de comer.
E se ele diz que se fartou de mim? Que não quer saber mais de mim? Não o
poderia culpar totalmente. Mas também foi ele que me mandou um presente
ainda hoje…
Crew: Quero ver-te.
Um pequeno suspiro escapa-se dos meus lábios, e não consigo conter o
sorriso que se abre na minha face.
Eu: Também te quero ver.
Crew: Amanhã?
Eu: Sim, amanhã.
QUARENTA E CINCO
WREN

Chego ao edifício dos Lancasters mesmo antes da uma da tarde e agradeço ao


Peter, enquanto ele segura a porta para eu sair do carro que o Crew enviou. O
edifício é grande, imponente, e inclino a cabeça para trás para o contemplar,
com o coração a galopar, sabendo que numa questão de minutos vou ver o
Crew.
— Diga o seu nome ao senhor na receção, e ele irá indicar-lhe o elevador para
a penthouse — aconselha o Peter depois de fechar a porta, ostentando um
sorriso caloroso quando se vira para mim.
— Obrigada outra vez — replico, com um sorriso leve, afastando os nervos
que dançam no meu estômago.
Entro no edifício, cujo hall de entrada é semelhante ao do sítio onde vivo, e,
quando dou o meu nome ao homem sentado por detrás da secretária gigante
de madeira envernizada, ele acena como se tivesse estado à minha espera, e as
instruções para o elevador da penthouse caem-lhe da língua num estrépito,
como se já as tivesse pronunciado centenas de vezes.
Apertando mais o meu sobretudo, caminho até ao elevador, e as portas
abrem-se de imediato quando pressiono o botão. O elevador é incrivelmente
rápido, o que deixa os meus joelhos instáveis ao sair, e estou prestes a bater na
porta preta mesmo à minha frente quando esta se abre, revelando o Crew.
O seu olhar fogoso percorre-me, e agora as minhas pernas estão trémulas por
outro motivo.
— Birdy. Tive saudades tuas.
Ele abre mais a porta, permitindo-me entrar, e, assim que entro, ele fecha de
imediato a porta.
E está em cima de mim num instante.
Estou pressionada contra a parede, a boca dele encontra a minha, a língua
mergulha em mim. Eu igualo o seu entusiasmo, a minha língua rodeia a dele, e
um gemido deixa-me quando ele interrompe o beijo para percorrer o
comprimento do meu pescoço com a sua boca. As mãos estão na minha
cintura, mantêm-me presa contra a parede, os seus polegares afagam a minha
frente.
— O que raio estás a usar? — pergunta, num tom de voz maravilhado.
— Um vestido — admito, insegura, enquanto levo as mãos à sua cara,
precisando de sentir a sua boca de novo na minha. — Gostas?
— Ainda não sei. — Ele beija-me uma vez mais, e ficamos ali, na entrada do
apartamento, a devorar-nos durante algum tempo, até, por fim, o empurrar,
desesperada para recuperar o fôlego. Para me orientar.
Um beijo apaixonado e estou assoberbada — da melhor maneira possível.
— Não está ninguém em casa? — pergunto conforme ele limpa um canto da
boca. Usei o batom, mas, durante a viagem até à sua casa, mordisquei os lábios,
por isso os seus lábios só têm um restinho de vermelho neles.
— Eu disse-te que estavam todos fora. Sou o único que ficou em casa. A
minha mãe está no México numa escapadinha só de mulheres. — Ele revira os
olhos. — Ela diz que o stresse das férias a deixa com os nervos à flor da pele e é
por isso que precisa desta viagem, mas vamos ver. A minha mãe não tem de
fazer nadinha para preparar o Natal. Ela contrata pessoas para fazerem essas
cenas.
— A minha mãe e eu decorámos o apartamento pela primeira vez em anos —
digo. — Ela costumava contratar sempre alguém para o fazer.
— Porque é que não o fez este ano?
— Não sei. — Começo a tirar o sobretudo, e o Crew aparece atrás de mim
para me ajudar despi-lo, lentamente. — Mas até foi divertido. Já não fazíamos
isso desde que eu era pequena.
— Hum, esse vestido. — O tom dele é apreciativo, e, quando me viro para o
encarar, vejo o desejo nos seus olhos quando estes fitam o decote quadrado e
profundo do vestido, que põe a parte de cima do meu peito em evidente
exibição. — Fogo, Birdy, estás-me a deixar a salivar.
— Hum, obrigada? — Rio-me. Acho que se passou muito tempo desde a
última vez que estive tão feliz.
— É um elogio. — O olhar dele ainda está preso ao meu peito. — Ver-te
com esse vestido dá-me vontade de te foder as mamas.
O choque do comentário abala-me. Não sei como lhe responder, então mudo
de assunto.
— Mostra-me a tua casa.
— Na verdade, a casa é dos meus pais — relembra-me, os seus olhos descem
para as minhas botas de sola grossa. — Vais ter de tirar essas botas. Se manchas
os tapetes brancos da minha mãe, ela passa-se.
— Eu não quero fazer isso. — Começo a descalçar-me, colocando uma mão
na parede que está por perto para tirar uma bota e, de seguida, a outra.
O Crew oferece-me um par de chinelos felpudos, e eu calço-os. Ele pega na
minha mão e leva-me com ele, mostrando-me o apartamento gigantesco que
envergonharia totalmente o dos meus pais. É enorme e luxurioso, com vistas
extraordinárias de Manhattan.
Mas, ainda assim, a nossa arte é melhor. Vejo algumas peças de artistas que
reconheço e são lindas. Extremamente valiosas.
— Estou a ver-te a observar a arte. — Paramos à frente de um original do
Keith Haring, e fico logo cativada pela peça. Não é uma que reconheça, e eu
considero-me bastante familiar com a sua arte. — Originalmente, não tinha
nome, mas, hoje em dia, é conhecida como Dancing Dogs.
— Acho que nunca tinha visto esta antes. — Dou um passo para a frente, o
meu olhar incapaz de se deter num ponto durante muito tempo. Estão a
acontecer demasiadas coisas ao mesmo tempo. Os cães dançantes são os mais
proeminentes, mas também existem homens a dançar. Ele só usou três cores no
quadro inteiro e existem alguns bebés radiantes a rastejar pelo fundo da tela. —
Adoro-a. A minha mãe tem uma das suas peças. Era a minha favorita quando
era mais nova.
— Os meus pais compraram esta num leilão há uns anos. A minha mãe tem
uma queda pelo Keith Haring. Ela diz que o adorava quando era uma
adolescente — explica o Crew.
Olho para ele e vejo-o já de olhos postos em mim.
— Não sabia que a tua família tinha tanta arte.
— Não tanta como a tua, mas têm algumas peças. — replica, de forma tão
casual, tal como uma pessoa rica o diria. Só reconheço o tom casual acerca de
uma coisa tão valiosa porque os meus pais fazem o mesmo. — A minha mãe
está sempre à procura de um investimento.
— É inteligente.
— Às vezes. Outras vezes, não. — Ele pega na minha mão de novo. — Anda.
Vou-te mostrar o meu quarto.
— Não chegaste a mencionar onde está o teu pai — digo, enquanto
descemos o corredor, passando pela parede de janelas com vista para a cidade.
— Está na cidade.
Paro e forço o Crew a fazer o mesmo.
— E podia aparecer aqui a qualquer momento?
— Talvez. — O Crew encolhe os ombros. — Ele não quer saber se eu tenho
uma rapariga em casa comigo, Wren.
— Eu sou capaz de querer saber. — Ele já teve outras raparigas cá em casa?
Provavelmente, não devia perguntar. Não tenho nada a ver com isso.
Ele vira-se para mim, a mão na minha cintura a guiar-me contra outra
parede. e o seu corpo quente e duro a prender-me no lugar.
— Tive saudades tuas e da tua maneira de ser picuinhas.
Estou a franzir o sobrolho.
— Eu não sou picuinhas…
Ele beija-me, roubando-me as palavras.
— És adorável. E picuinhas. Ah, e já agora… nunca tive nenhuma rapariga cá
em casa.
Sorrio ao ouvir a sua confissão, toco-lhe na boca, o meu dedo afunda-se entre
os seus lábios. Quando ele mordisca a ponta do meu dedo, solto um gritinho e
afasto a mão.
— Não quero dar uma má primeira impressão ao teu pai, Crew. Nós
estarmos aqui os dois sozinhos pode fazê-lo questionar-se sobre as minhas…
morais.
— Desde que não o cumprimentes nua, acho que vai correr tudo bem.
Precipito-me a protestar, prestes a queixar-me mais, mas sou silenciada de
novo pela boca do Crew. Aquele som sussurrante que ele faz quando os nossos
lábios se tocam pela primeira vez, como se ele nunca, mas nunca se fartasse de
mim. Perco-me no seu sabor. Na sensação do seu corpo contra mim. As suas
mãos agarram as minhas ancas, e a boca move-se vorazmente sobre a minha, e
eu envolvo-o com os meus braços e aperto-o contra mim.
Ele desliza as mãos para baixo, e os seus dedos agarram no tecido do meu
vestido, puxando-o para cima e expondo-me as coxas. Gemo quando ele enfia
o joelho entre elas, empurrando-o para cima e esfregando-o contra mim. Outro
gemido deixa-me, e viro-me para longe da sua boca, inclinando a cabeça para
trás, contra a parede, enquanto tento recuperar o fôlego.
— Estás molhada — observa ele, o joelho a dar-me um toque na frente das
cuecas.
— Tive saudades tuas — admito, comprimindo-me contra ele.
O olhar dele escurece.
— Estou capaz de te foder neste corredor.
— À frente da arte? — Olho em redor. — Dos quadros dos teus
antepassados?
Ele olha por cima do seu ombro, ostentando um ar carrancudo ao
contemplar o retrato titânico de um homem com olhos azuis como o gelo que
se assemelham aos do Crew.
— É o Augustus Lancaster original.
— Parece cruel.
— Terias de ser cruel para conseguires acumular uma fortuna como ele
conseguiu. — Ele inclina a cabeça, a boca roça na minha uma vez. Duas. A
língua dele escapa-se para uma lambida. — Não quero falar sobre ele.
— Leva-me para o teu quarto para podermos fazê-lo numa cama — sugiro, e
os meus dedos enrolam-se na frente do seu hoodie caro.
O sorriso na sua cara é endiabrado. Deslumbrante.
— Vamos.
Paro e agarro-lhe na manga para o parar também.
— Esqueci-me do meu batom.
— Trouxeste-o mesmo?
Aceno, de repente, a sentir-me tímida.
— Está na minha mala. Deixei-a na entrada com as minhas botas.
— Vamos lá buscá-lo.
Pegamos na bolsa pequenina que deixei em cima das minhas botas e levamo-
la para o quarto do Crew, que é enorme. Ele também tem uma parede inteira
de janelas, com a mesma vista espetacular da cidade. As paredes estão pintadas
com um cinzento-escuro e rico, e a sua cama está coberta por um edredão
cinzento-claro. A mobília é toda baixa e lustrosa, feita de madeira escura, e ele
tem um espelho gigante que está pendurado sobre a cómoda. Consigo ver a
cama toda refletida na sua superfície, o que significa que nós provavelmente…
Podíamos ver-nos na cama se quiséssemos.
O Crew aparece por trás de mim, deslizando os seus braços em torno da
minha cintura, a boca no meu pescoço. Mantenho o olhar colado ao espelho,
vejo-o à medida que uma mão desliza para cima, brinca com os folhos do
decote do meu vestido.
— Gosto que te tenhas arranjado para mim.
— Queria estar bonita — digo, a ele e ao meu reflexo.
Agora tem ambas as mãos no meu peito, segurando-me os seios com as mãos
em concha e arrastando os polegares para trás e para a frente sobre o meu
corpete.
— Eu acho que estás sempre bonita.
Inclino a cabeça para trás até a repousar no seu ombro, o meu olhar nunca sai
do espelho enquanto o Crew molda os meus seios com as suas mãos. O meu
corpo começa a vibrar com ânsia, aquele latejar delicioso entre as minhas coxas
aumenta o ritmo com cada toque. A sua boca está no meu pescoço, os dentes e
a língua, e exalo num sibilo quando ele me morde o lóbulo da orelha.
— Estás a ver-nos no espelho? — murmura-me ao ouvido.
Aceno, nem me sinto envergonhada.
— Perversa. — A voz dele ressoa com aprovação e não há como conter o
sorriso que se abre na minha cara. — Vamos tirar isto.
Ele levanta o meu vestido mais um pouco, expondo as minhas cuecas de
renda brancas, e estuda-me no espelho, o seu olhar focado entre as minhas
pernas. Na maneira como o tecido se cola a mim por estar molhada.
Quando ele larga o vestido para agarrar a cintura das minhas cuecas, o vestido
cai sobre elas de novo, ocultando-as da minha vista. Ele ajoelha-se atrás de mim
e, com cuidado, puxa-me as cuecas para baixo, até estar a sair delas e ele estar a
beijar a parte de trás dos meus joelhos.
As minhas coxas.
Estrangulo um arquejo quando ele mete um dedo dentro de mim por trás.
Fecho-me em torno dele, provocando um gemido rouco.
— Afasta as pernas — ordena, e eu faço como me mandam, mas a saia do
vestido restringe-me os movimentos, as minhas coxas só se afastam uns
centímetros. Não o detém. As mãos dele sobem para as minhas ancas, juntando
o tecido para o afastar do seu caminho e do meu, e começa a lamber-me por
trás.
— Oh, meu Deus — gemo, as minhas pálpebras pesadas enquanto a língua
me estoqueia. As mãos dele prendem-me com força suficiente para me deixar
marcada, da cintura para baixo estou completamente exposta. Consigo ouvi-lo
a lamber e a chupar, oiço o som da língua a escorregar nos meus fluidos, e vê-lo
ajoelhado atrás de mim no espelho, senti-lo a fazer o que está a fazer, deixa-me
cada vez mais perto do limite.
Inclino-me para a frente, pressiono o rabo contra a sua cara enquanto ele me
consome. Até o meu corpo começar a convulsar, até me vir com um suspiro
lamurioso. Um gemido. Grata por ele me estar a segurar, ou já teria desabado.
O orgasmo deixou-me fraca.
Ele levanta-se, muito mais alto do que eu, e vira-me para o encarar. Fito-o,
estonteada, deixo-o beijar-me, a sua mão a deslizar entre nós para me acariciar
a frente.
— É tão fácil fazer-te vir.
— Foi tão bom — sussurro.
— Quando te foder, quero que vejas tudo no espelho, está bem? Eu sei que
foi isso que te excitou, Birdy. — O seu tom sombrio diz-me que ele gosta que
eu tenha observado. Que tenha apreciado.
— Está bem — concordo, a voz fraca, sem protestar enquanto ele abre o
fecho do meu vestido e o desliza dos meus ombros, revelando a ausência de
sutiã.
Os meus mamilos estão duros e doridos. O meu corpo inteiro lateja, a exigir a
sua atenção. Ele tira-me o vestido rapidamente, até me deixar completamente
despida, e deita-me na cama estendida e de pernas abertas, enquanto fica de pé
ao lado e tira as roupas.
— Queria levar o meu tempo contigo — murmura à medida que me estuda.
— Quero-te saborear como deve ser. Já se passou uma semana desde a última
vez que estivemos assim.
Eu aceno e movo as minhas pernas, impaciente. Há um zumbido por baixo
da minha pele que me faz contorcer e tem tudo a ver com ele.
— Mas tu deixas-me demasiado impaciente — continua, o seu olhar a
deslizar pelo meu comprimento. — Toca-te.
Fico completamente quieta, a recordar-me de como ele me fez o mesmo
pedido da outra vez.
— Gostas de me ver a tocar-me?
— Quero-te ver a esfregar o teu clitóris. Quero que te faças vir outra vez.
Pouso a mão entre as pernas, sentindo-me subitamente tímida. Estamos a
meio da tarde. Há tanta luz a verter dentro do quarto, não consigo esconder
nada. Estou em completa e total exibição.
— Afasta mais as pernas. Quero ver-te toda. — Ele acomoda-se aos pés do
colchão, com o olhar focado no sítio entre as minhas pernas.
Afasto-as ainda mais e fico de queixo caído quando o vejo a agarrar-se e a
começar a masturbar-se. Roço os dedos contra o clitóris, gemendo com o quão
sensível está.
— Dói? — pergunta ele.
Aceno.
— Um bocadinho.
— Continua a esfregar — incentiva-me, e eu assim faço.
Entreolhamo-nos conforme nos tocamos, e acho que é a coisa mais sexy que já
fizemos. Os meus dedos estão atarefados enquanto ele me observa com muita
atenção. O meu real fascínio com a maneira como ele se acaricia, o seu polegar
a cobrir a cabeça com líquido pré-ejaculatório.
Começo a salivar. O meu corpo vibra. Quero-o dentro de mim. Quero senti-
lo a mover-se dentro de mim, os nossos corpos conectados, as bocas fundidas.
Quero senti-lo a vir-se e também me quero vir outra vez.
Quero tudo. Agora. Sinto-me ávida. Ávida por ele.
Ele também o deve sentir porque, de repente, levanta-se, o pau duro e virado
para cima enquanto se dirige à mesinha de cabeça para ir buscar um
preservativo. Vejo-o a pô-lo enquanto me acaricio, a minha pele a ficar cada vez
mais quente e comichosa.
— Vem cá — diz ele, conforme se senta na orla do colchão, com os pés
plantados no chão. — Senta-te em mim.
Faço como ele pede, mexendo-me atabalhoadamente pela cama e ajustando-
me em cima dele, de maneira a ficar com as pernas escancaradas no seu colo. O
pau dele toca no meu rabo e a sua cara está ao nível do meu peito, o que acaba
por ser uma tentação demasiado grande para ele. Ele coloca o meu mamilo na
boca e chupa-o, murmurando em torno da minha carne:
— Olha para o espelho.
Olho para lá e vejo o meu reflexo. O rubor rosado da minha pele. O meu
cabelo selvagem e a cabeça do Crew no meu peito. Os lábios dele a puxar-me o
mamilo antes de o soltar, a língua a disparar para uma longa lambidela sensual.
— Oh — gemo num sufoco, completamente dominada. A minha pele
arrepia-se quando ele começa a dedicar-se ao meu outro mamilo, a boca a fazer
milagres sobre a minha carne.
— Levanta-te, querida — sussurra ele, e é a maneira como me chama
«querida» que me faz derreter. Apoio-me sobre os joelhos aos pés da cama e
levanto-me, o pau dele já a dar um empurrãozinho contra a minha entrada. Ele
estende o seu braço, ajusta-se, e, quando me baixo lentamente sobre o seu
comprimento, ambos gememos de prazer.
Desta forma, ele está mais fundo dentro de mim, e eu paro durante um
momento, permitindo que o meu corpo se ajuste. Esta é apenas a terceira vez
que estamos a ter sexo e sinto que estamos a ir de oito a oitenta com esta
posição, mas oh, meu Deus, não quero parar. Adoro o quão fundo ele está.
Quão próximos estamos.
Olho para baixo, para ele, e desço a cabeça rapidamente para lhe roubar um
beijo, que, dentro de segundos, se torna obsceno. A sua língua, os seus dentes,
os seus lábios. Ele está a tentar consumir-me, e eu quero deixá-lo.
Quero-o.
— Volta a subir — incentiva ele, eu obedeço, e aquele lento deslizar do meu
corpo a cavalgar o seu pau quase faz os meus olhos cruzar com prazer.
Continuo a fazê-lo. Para cima e para baixo. Lento e devagar. O meu olhar vai
para o espelho, foca-se no sítio onde os nossos corpos se conectam.
Consigo mesmo vê-lo a entrar em mim, e é quanto basta.
Estou-me a vir, a agarrá-lo contra mim, as minhas paredes interiores a
espremer todo o leite dele, a arrancar o orgasmo para fora dele até ele também
se estar a vir. É demasiado. Não é suficiente. Estou a tremer com tanta força
que juro que vou apagar, e, quando finalmente acaba, quando tudo o que
consigo fazer é afundar-me contra ele, com o coração a trovejar-me nos
ouvidos. Ele desce as mãos pelo meu rabo, tocando no sítio em que o seu pénis
ainda está preso dentro de mim. Desliza os dedos para cima, ao longo da
minha vagina, a brincar com o sítio proibido e a mandar um choque de
eletricidade que me atravessa.
— Gostas disto? — pergunta ele, a sua voz cheia de satisfação presunçosa.
— Eu… não sei — respondo honestamente. Estou chocada por ele me tocar
ali.
Ele fá-lo outra vez, e suprimo um gemido.
Tenho de admitir que gostei.
Gostei muito.
QUARENTA E SEIS
CREW

Esta rapariga, raios parta.


É promíscua, favorável a qualquer coisa e tão responsiva. Os sons que faz, a
maneira como arqueja contra mim, como se não se conseguisse saciar. Quando
lhe fiz um minete por trás, a cona dela estava ensopada, a inundar a minha cara
enquanto lhe comia a carne.
Porra, e fá-lo-ia outra vez. Neste preciso momento, se ela me deixasse.
Arrisquei ao tocar-lhe no cu daquela maneira logo depois de ela ter espremido
o orgasmo de mim. Queria testá-la. Ver até onde estava disposta a ir.
Provavelmente, estou a avançar rápido de mais.
Mas a cona dela apertou-me quando lhe toquei ali. Ela contorceu-se e gemeu
e praticamente me implorou por mais quando continuei o que estava a fazer.
A minha pequena ex-virgem está aberta a qualquer coisa.
Como é que tive tanta sorte?
Depois de nos limparmos, passamos o tempo na cama, a preguiçar durante o
resto da tarde. Ela acaba por pegar no batom e vai até ao espelho que está
acima da cómoda. Dobra-se para se observar mais cuidadosamente enquanto
aplica o tom vermelho intenso. Tem o cu no ar, e consigo ver a doce sombra da
sua cona naquela pose.
A minha piça levanta-se, pronta para voltar a entrar.
Ela vira-se para me encarar, esfregando os seus lábios vermelhos, o batom
ainda firme na sua mão.
— O que é que achas?
— Sexy pra caralho — digo, o meu olhar nas suas mamas.
Ela sabe para onde estou a olhar, porque pousa a sua mão desocupada na
anca, soltando um barulho frustrado.
— Estou a falar da minha boca.
Nivelo o meu olhar nos seus lábios feitos para o pecado, pintados com um
vermelho rico e intenso.
— Vem cá e mete esses lábios à volta da minha piça. Depois, digo-te o que
penso.
Ela ri-se, põe a tampa no batom e coloca-o na cómoda antes de se passear de
volta para a cama. Quando se aproxima o suficiente, agarro nela e puxo-a para
cima de mim. Estou prestes a beijar aqueles lábios bonitos, mas ela esquiva-se
da minha boca.
— Eu tenho um plano — afirma, praticamente a ronronar.
— Qual?
— Quero tentar fazer a mesma coisa que fiz da última vez. — Quando franzo
o sobrolho, ela explica: — Quero-te beijar. Deixar marcas de batom na tua
pele. Tu disseste que este tom ia aparecer melhor, lembras-te?
Lembro-me. Espera só até ela ver o que tenho planeado para ela.
— Diverte-te. — Abro os braços e deixo-os cair ao meu lado, como se
estivesse indefeso. Ela reposiciona-se e senta-se uma vez mais em cima de mim,
com as pernas a fechar-se em torno de mim. Ela toca no anel — o anel dela —,
que está preso na minha corrente, com uma expressão pensativa.
— Queres o anel de volta? — pergunto, sabendo qual vai ser a minha
resposta se ela disser que sim.
Um não firme.
A Wren abana a cabeça lentamente.
— Eu não sei o que vou dizer quando me perguntarem onde está.
— Que o perdeste? — O que é verdade.
Ela perdeu-a — a virgindade — para mim.
— Ele vai ficar zangado.
— Vai ficar zangado independentemente do que lhe disseres. O que é que ele
faria se lhe contasses a verdade? — Arqueio uma sobrancelha.
— Arrancava-te isto do pescoço. — Ela delineia a corrente de ouro.
— Eu não lhe daria a oportunidade. — O meu sorriso é presunçoso. Eu
conseguia enfrentar o Harvey Beaumont. O homem não me assusta. Tive de
lidar com o meu pai e com os meus tios a minha vida inteira. Aqueles gajos
eram capazes de matar o Harvey Beaumont com a porra de um olhar.
— Oh, és mesmo durão — brinca a Wren.
— Tu gostas.
— Gosto — sussurra antes de se inclinar e pressionar a boca no meu peito
uma vez. Duas vezes.
Eu inclino o pescoço, fico a vê-la a deixar a sua marca, agradado ao ver o
batom vermelho aparecer, vívido contra a minha pele. Ela inclina-se para trás, a
estudar o seu trabalho, os lábios virados para cima num sorriso de boca
fechada.
— Gosto.
Levanto o meu olhar para o dela.
— És um bocadinho estranha, Birdy.
— Mas acho que não te importas — retorque, o rosto a ficar um pouco
rosado.
— Eu gosto de qualquer coisa que te faça feliz. — Estendo-lhe a mão, mas ela
salta do meu colo e pega no telemóvel. — Tens a certeza de que os teus pais
não vão encontrar estas fotografias?
— Tenho a certeza. — Ela acena. — Mudei a palavra-passe.
— Para quê?
— Oh, nem pensar que te vou dizer. — Ela aponta-me o telemóvel, dando
uns quantos passos na minha direção para focar melhor no sítio onde estão as
marcas dos beijos. — Isto vai ficar mesmo fixe.
— E tu disseste que não a querias recriar — murmuro.
Ela franze o sobrolho.
— Recriar o quê?
— A tua peça favorita. A Million Kisses in Your Lifetime. É isso que estás a
fazer neste momento. Eu sou a tua tela.
Ela pestaneja.
— Parece que sim.
— Eu não me importo.
— Quero beijar-te as costas a seguir — diz, enquanto olha para as fotografias
no seu telemóvel. — Oh, isto está incrível. Ficou mesmo como eu queria.
— Sabes o que é que eu quero fazer?
— O quê? — pergunta, o seu olhar ainda nas fotografias.
— Quero ver esses lábios vermelhos brilhantes à volta do meu pénis.
O seu olhar de olhos arregalados encontra o meu.
— Mas sem fotografias, certo?
Eu adorava ter fotografias. Nunca as partilharia com ninguém. Apenas com
ela.
— Se não queres que eu tire uma fotografia tua eu não tiro — declaro. Não
sou nenhum Larsen Von Weller, isso de certeza.
— Não quero. — Ela abana lentamente a cabeça, e eu apercebo-me neste
mesmo instante de que ela ainda não confia totalmente em mim.
E também me apercebo no momento em que baixa a cabeça e mete com
força aqueles lábios vermelhos à volta da cabeça do meu pau que quero a
confiança dela mais do que qualquer outra coisa no mundo.
Como é que ela conseguiu passar pela minha fortaleza de ferro e se esgueirou
ardilosamente para dentro do meu coração num espaço de tempo tão curto? Eu
era o gajo que se recusava a acreditar em relações e no amor e em todas as
merdas que vêm associadas a essas coisas. Quando se cresce numa família como
a minha, testemunha-se amor falso constantemente. Nas gerações anteriores, os
casamentos eram como transações de negócios. Famílias poderosas juntam-se e
tornam-se ainda mais poderosas. Caramba, ainda acontece. Basta ver o que
aconteceu à minha irmã, casada com um homem por causa do nosso nome da
família e do dele.
Eu não quero fazer a porra de uma fusão. Quero alguém com quem me possa
rir. Alguém que é, admitidamente, um bocado diferente e que gosta de
pressionar a sua boca pintada com batom à minha pele. Uma rapariga inocente
e doce com uma mente perversa.
Como a Wren.
Afasto o cabelo da cara dela para a poder observar. Ela não faz ideia do que
está a fazer, mas não importa. O entusiasmo dela compensa qualquer falta de
experiência.
Ela agarra-me com força e lambe-me como a porra de um chupa-chupa. Faz a
língua rodopiar em torno da cabeça antes de a envolver completamente com a
boca, chupando-a. Sorvendo audivelmente, o que me faz firmar, sabendo que o
fim já está próximo.
Fogo, esta rapariga. Apesar da sua inexperiência, consegue fazer-me vir mais
rápido do que qualquer outra pessoa alguma vez conseguiu. É porque gosto
dela? É por isso?
Como é que eu lhe digo isto? Como é que me exprimo quando cresci numa
casa em que ter sentimentos significava ser gozado, especialmente se fores um
gajo? É suposto sermos frios e sem sentimentos.
Mas esta rapariga faz-me sentir o oposto disso.
Ela arrasta-me bem fundo para dentro da sua boca. Um pouco mais fundo.
Até estar quase a engasgar-se, e o meu pau estar a sair rapidamente da sua boca.
— Desculpa — murmura, a pestanejar com força.
Toco-lhe no rosto, inclinando-lhe a cara para que olhe para cima.
— Não tens de fazer garganta funda, Birdy.
A sua face cora.
— Talvez tenha visto mais pornografia ontem à noite.
Oh, fogo.
— Em modo anónimo, espero.
Ela ri-se.
— Sim, sem dúvida.
— Eu não planeio vir-me na tua boca — afirmo, afastando o cabelo dela de
novo. — Brinca só com ele. Até não eu aguentar mais e precisar de te foder.
E, porra, ela brinca mesmo com ele. Leva-me ao limite num curto espaço de
tempo, até estar praticamente a arrancá-la da minha piça, posicionando-a para
ficar de costas na cama e eu estar por cima dela. Penetro-a com facilidade e fico
completamente quieto ao sentir todo aquele calor quente e húmido a agarrar-
me.
— Não pus um preservativo. — Olho para baixo e vejo-a mexer-se por baixo
de mim, como se estivesse a tentar fazer com que eu avançasse mais.
— Estou a tomar a pílula — admite ela.
Estou chocado.
— A sério?
— Tive períodos irregulares quando era mais nova. — Ela parece
envergonhada. — A minha mãe levou-me ao ginecologista, e tomo a pílula
desde essa altura.
Caramba, adoro a mãe dela.
— Eu nunca tive sexo sem preservativo. Nunca.
— Eu também não.
Beijo-lhe a boca sorridente.
— Tens piada, Birdy.
— Eu tento — brinca, levantando as ancas, e eu afundo-me mesmo mais
dentro dela. — Estás a dizer a verdade?
— Sobre nunca ter tido sexo sem um preservativo? — Quando ela acena, eu
replico: — Sim.
— Então vamos experimentar isto. Sabe bem assim.
Depois de fazermos isto assim, vai ser difícil regressar aos preservativos.
Consigo sentir… tudo. Sem barreiras, só carne com carne.
E, porra, é incrível.
— Amo estar dentro de ti — sussurro-lhe ao ouvido, porque isso é o mais
próximo que consigo chegar ao usar essa palavra. E é sentida — amo estar
dentro dela. Fodê-la. Beijá-la e fazê-la vir-se. Saber que sou o único que a faz
sentir-se bem.
— Eu amo estar assim contigo — responde, as suas mãos vagueiam até ao
meu peito e enrolam-se em torno dos meus ombros. — Ninguém me conhece
como tu, Crew.
Também ninguém me conhece como ela.
Nem uma única alma.
Primeiro, começo por ser gentil, sem a querer magoar. Isto ainda é tudo
muito novo para ela, e tenho a certeza de que está dorida. Ela já se veio duas
vezes.
Mas acabo por perder o controlo. Fodo-a a sério. E ela não se queixa, nem
uma única vez. Geme e sussurra o meu nome, apertando-me contra ele. Solto-
me do seu aperto, levanto-me acima dela, envolvendo-lhe as ancas com as
minhas mãos, e fodo-a até perder os sentidos. Até ela estar a contorcer-se
debaixo de mim, o seu gemido tremido a indicar que se está a vir.
Também me estou a vir. Com tanta força.
A apaixonar-me por ela também.
Tanto.
QUARENTA E SETE
WREN

Na segunda-feira de manhã, acordo cedo com a minha mãe a bater-me à porta


logo às nove, entrando com uma grande caixa branca nas suas mãos.
— Acorda, dorminhoca — diz ela, cantarolando. — Tens uma entrega.
Afasto o cabelo dos olhos, esforçando-os na sua direção enquanto ela pousa a
caixa na minha secretária e vai até à janela, abrindo as cortinas. Lá fora, o dia
está cinzento, mas ainda assim brilhante o suficiente para me fazer grunhir e
voltar a atirar-me para a pilha de almofadas.
— Estou de férias — digo. — Deixa-me dormir.
— Não aguentava esperar mais. — Ela vai até à minha secretária, pega na
caixa e entrega-ma.
— Isto chegou para ti há cerca de uma hora.
Sento-me, a caixa no meu colo. Eu sei de quem é, mas não faço ideia do que
lá está dentro. A antecipação deixa-me absolutamente animada, e olho para a
tampa, interrogando-me sobre o que ele me poderia ter enviado hoje.
— Oh, meu Deus, abre-a, querida! — incita-me a mãe, praticamente a
guinchar.
Rio-me e, esperando que não seja nada porco, removo a tampa e empurro as
camadas de papel de seda branco para revelar uma caixa ligeiramente mais
pequena lá dentro, embrulhada num papel preto acetinado. Tiro-a para fora,
arrancando o papel como se fosse uma criança no dia de Natal, e descubro uma
máquina fotográfica instantânea Polaroid Now. Uma edição especial do Keith
Haring.
— Eu nem sabia que isto existia. — Examino a caixa, a olhar para a imagem
da câmara. Tem uma cor vermelha, vívida e brilhante, com um dos bebés
radiantes no traço icónico do Keith na frente. A parte de trás da câmara é uma
combinação a preto-e-branco da sua arte. É linda.
Cheia de significado.
O meu coração bate com um enorme sentimento só de a contemplar.
— Uma máquina fotográfica? Oh, tem iconografia do Keith Haring. — A
mãe tira-me a caixa da máquina das mãos, estudando-a à medida que lê a
descrição. — Isto é tão divertido. Assumo que seja do jovem Lancaster?
Acenando, estendo a mão para o interior da caixa, afastando o papel de seda
para encontrar outra caixa preta esguia que contém um batom Chanel.
Quando abro a caixa e tiro a tampa do tubo, vejo que tem uma cor rosa, rica e
brilhante.
Não consigo evitar pensar que a cor lhe vai ficar bem na pele.
Há também um bilhete na caixa, e abro-o à pressa, na esperança de que a
minha mãe não repare.
Para a nossa próxima sessão fotográfica. Acho que este rosa te ficava bem nos
lábios.
Beijos,
Crew
Se ele me está a tentar arrebatar, está a fazer um bom trabalho.
— Ele gosta de ti — afirma a mãe.
Olho para ela e descubro-a já a observar-me.
— Eu também gosto dele.
— Disse ao teu pai que podias ter arranjado pior. — Ela pousa a caixa da
máquina ao meu lado, na cama, e depois senta-se na borda do colchão. — Ele
é simpático? Pergunto, porque é um Lancaster. São conhecidos por não serem
simpáticos.
— É simpático comigo — admito suavemente, colocando novamente a caixa
da máquina no meu colo. — Eu só queria que o pai não estivesse tão chateado
com isto.
Quando cheguei a casa ontem à noite, depois da minha tarde com o Crew, o
meu pai mal me falou. Tenho a certeza de que assumiu com quem estive, e eu
não confirmei nem neguei. Não lhe cheguei a dizer nada. Mas ele ainda me
pode vigiar.
Ele tinha de saber que estive com o Crew. No seu apartamento.
— És a menina dele. Ele não quer que cresças. Estou sempre a dizer-lhe que
qualquer dia tens de te tornar a tua própria pessoa — diz ela.
Naquele momento, decido perguntar-lhe a questão que me tem estado na
ponta da língua desde que a última prenda chegou.
— Porque é que estás a ser tão simpática comigo?
A expressão dela fica contrita.
— É difícil ouvir a tua filha chamar-te à atenção pela tua crueldade.
— Eu acreditava mesmo que não gostavas de mim — admito, com uma voz
pequena.
— Não tinha nada a ver contigo e tudo a ver com o teu pai. — O tom dela é
levemente amargurado. — Ele está ocupado a trabalhar. Ou a preocupar-se
contigo. Não conseguia ver onde me enquadrava nessa equação, por isso perdia
as estribeiras contigo sempre que podia. E isso é péssimo. Tinha inveja da tua
relação com o teu pai. Senti-me empurrada para fora da nossa família de três.
Odeio que ela se tenha sentido assim, mas odeio ainda mais que tenha
descarregado em cima de mim quando eu era apenas uma criança que queria a
atenção dos dois.
Quando ela me pega na mão, como se fosse a única parte de mim que se
atreve a tocar, com medo de ser rejeitada, eu puxo-a para mim e envolvo-a
num abraço, pousando a cabeça no seu ombro. Ficamos agarradas uma à outra
durante um longo e silencioso bocado, e acho que ela começa a chorar. Eu
também estou um bocadinho lacrimosa.
Ela acaba por se afastar primeiro, passando os dedos por baixo de cada olho
para limpar as lágrimas perdidas, soltando um riso lacrimejante. A minha mãe
nunca foi uma pessoa demasiado emotiva.
— Porque é que ele te deu uma máquina do Keith Haring? Estou curiosa.
— Fui ao apartamento da família dele ontem — admito. — E estava a
admirar o quadro do Keith Haring que eles têm.
— Two Dancing Dogs? — pergunta.
Aceno, não estou surpreendida por ela saber qual era.
— Era lindo. Eu disse-lhe que gostava dele. E ele mandou-me isto.
Levanto a máquina fotográfica.
— Que querido. — Um suspiro leve deixa-a. — Amor jovem. Primeiro amor.
Desfruta, querida. Não há nada equiparável.
— Oh, eu não acho que ele me ama — digo rapidamente. — Não se passou
muito tempo… do que quer que seja que estamos a fazer.
— Amor moderno. — Ela suspira uma vez mais e abana lentamente a cabeça.
— É agora que eu admito que me sinto velha e que já não entendo a juventude
de hoje em dia.
— Acho que não somos assim tão diferentes do que tu eras em adolescente
— digo.
— Existem algumas diferenças. Redes sociais, por exemplo. — Ela levanta-se
e começa a dirigir-se para a porta. — Podes voltar a adormecer. Só estava
curiosa para ver o que ele te tinha mandado hoje.
A mãe fecha a porta ao sair, e eu volto a atirar-me para a cama, estendendo o
braço para pegar no telemóvel e mandar uma mensagem ao Crew.
Eu: Recebi a tua prenda. Adorei-a. Obrigada.
Ele responde quase imediatamente.
Crew: Não tens de quê. Queres passar por cá e fazer uma sessão
fotográfica?
Estou a sorrir tanto que me dói o rosto.
Eu: Estou surpreendida por estares acordado.
Crew: O meu irmão ligou-me às sete. É mesmo otário.
Eu: O que é que ele queria?
Crew: Ele tem-me estado a ajudar com uma cena.
Eu: ???
Crew: Não consigo explicar por mensagem. Depois digo-te.
Crew: Gostaste da máquina?
Eu: ADOREI-A. Uma máquina do Keith Haring? É tão incrível.
Crew: Assim não tens de arriscar ao guardar as imagens no teu telemóvel.
Caso o teu pai descubra a tua palavra-passe.
Eu: Ninguém vai descobrir a minha palavra-passe. Nem tu.
Crew: E o batom?
Pouso o telemóvel e pego no batom, colocando-o nos lábios e usando o
telemóvel como espelho. Tiro uma selfie e mando-lha.
Crew: Sexy.
Eu: Não está muito rosa?
Crew: Em ti? Está perfeito. Vem cá a casa.
Eu: Agora?
Crew: Estamos os dois acordados. Não está ninguém em minha casa. Traz
esse traseiro gostoso para cá.
Eu não devia achar atraente o facto de ele dizer coisas destas, no entanto, aqui
estou.
A desfrutar.
Eu: Tenho de me arranjar primeiro.
Crew: Eu mando um carro para te ir buscar.
Eu: O Peter?
Crew: Iá. Ele é bom tipo. E sabe guardar um segredo.
As palavras dele provocam-me um nó no estômago. É isso que eu sou para
ele? Um segredo?
Um rapaz que te dá prendas e te faz a vontade com os teus impulsos estranhos
de lhe cobrir o corpo com beijos de batom pensa em ti como um segredo? Não
sei.
Não me posso preocupar com isso.
Eu: Mando-te mensagem quando estiver pronta.
Crew: Eu mantenho o Peter a postos para ir. Não te esqueças da máquina
e do batom.
Meto o telemóvel na mesinha de cabeceira e arrasto-me para fora da cama,
dirigindo-me à divisão do roupeiro. Não sei o que vestir hoje. Um vestido não
vai ser de certeza, embora ontem tenha sido divertido. E frio.
Especialmente quando cheguei a casa à noite. Estava a congelar quando,
finalmente, cheguei ao nosso apartamento. A cara do meu pai era de total
desilusão enquanto me observou a tirar o casaco, revelando a minha roupa por
baixo.
Não sei o que é que a mãe lhe disse para o silenciar, mas estou grata por isso.
Visto-me rapidamente com calças de ganga e uma camisola, puxando o
cabelo para trás e prendendo-o num rabo de cavalo alto. Calço as botas de sola
grossa e saio do quarto para dar de caras com o meu pai no corredor. Tem as
mãos nos bolsos do casaco, o seu olhar está no quadro pendurado na parede.
Olha para mim, a sua expressão sem emoção.
— Estava à tua espera.
Lá se vai o silenciamento da mãe.
Paro perto da porta do meu quarto, quase com medo de me aproximar.
— O que é que se passa?
Porque é que ele está aqui? É uma segunda-feira. Ele devia estar a trabalhar.
— O que é que queres fazer no teu aniversário? — O sorriso dele é
esperançoso, o que me preocupa.
Não sei como é que ele o quer passar, mas eu quero estar com o Crew. Talvez
não no dia do meu aniversário propriamente dito, mas não faz mal. Eu posso
passar o dia a seguir com ele. Quero que estejamos só nós os dois, a fazer o que
me apetecer.
O meu corpo inteiro ruboriza ao pensar nas possibilidades.
— Oh, não sei. — Encolho os ombros, esperando não ter de inventar uma
resposta neste preciso momento.
— Disseste que querias ir para fora.
— Mudei de ideias. Prefiro ficar aqui.
— Então, afinal, queres fazer a festa aqui? Podemos enviar convites ainda
hoje.
Abano a cabeça, lentamente.
— Também não quero fazer isso. Já não quero.
— Mas fazes dezoito anos. — O pai franze o sobrolho. — É um dia especial.
Devíamos celebrar.
Ele está-me a encostar contra uma parede de onde não vou conseguir sair.
— Não tens de trabalhar?
É sempre a desculpa dele. Está constantemente a trabalhar e, por uma vez na
vida, eu quero que ele esteja demasiado ocupado para passar tempo comigo.
— Posso tirar uns dias de férias. Sou dono do raio da empresa. — Ele ri-se.
— Queria que fosse uma surpresa, mas não consigo guardar o segredo por mais
tempo. Vamos fazer uma viagem.
— Quem?
— Eu, tu e a tua mãe. Para celebrar o teu aniversário. Vamos a Aruba.
Partimos no dia de Natal. O teu aniversário.
Ele sorri largamente, com um ar muito satisfeito consigo mesmo, enquanto o
meu coração afunda.
— Eu não quero ir a Aruba.
— É uma estância linda, Amora. Arranjei-nos uma suite familiar com três
quartos. Um chef privado. O melhor que eles tinham disponível, o que deu um
trabalhinho para arranjar porque planeámos isto tão à última da hora. Vamos
lá ficar uma semana.
Uma semana sem o Crew. Partimos no meu aniversário.
— A mãe sabe disto?
Ele abana a cabeça.
— Ainda não lhe contei. Tenho a certeza de que vai ficar entusiasmada.
Eu não quero parecer mal-agradecida, mas…
— Eu não quero ir.
Ele franze o sobrolho e dá uns passos na minha direção.
— Porque não? Vai ser divertido, Amora. É uma oportunidade para fugir um
bocado. Para apanhares sol e ficares sentada perto do oceano. Para esqueceres os
teus problemas e a escola e a neve.
— Eu prefiro ficar em casa. A neve não me incomoda. Posso ver os poucos
amigos que tenho enquanto estou aqui e isso chega-me.
— Eu ouvi falar do que aconteceu com o teu professor. Figueroa?
Fico completamente quieta. Já me tinha esquecido totalmente disso. Longe
da vista, longe do coração.
— Oh.
— Nem me disseste nada.
— Eu meio que me esqueci, por causa de todas as outras coisas que
aconteceram. — Estou a dar a entender que ele é o motivo pelo qual me
esqueci, com as suas exigências para que regressasse de imediato a casa.
— Costumavas contar-me tudo. Agora tenho de descobrir pelas notícias que
o teu professor foi detido por ter tido relações sexuais com uma menor. — Ele
estremece visivelmente. — Imagina se ele tentava isso contigo?
Não me dou ao trabalho de lhe dizer que ele queria tentar. Trancava-me de
vez no quarto se o soubesse.
— Eu tenho de ir, pai.
— Onde vais? É tão cedo. Estou surpreendido por não teres dormido mais.
Eu sei que gostas de acordar tarde. — O sorriso dele é gentil, e ele está a tentar.
Consigo perceber. Mas é quase como se estivesse a tentar um bocado tarde de
mais.
Ele espiou-me. Nunca confiou em mim. Viu fotografias de mim e do Crew
juntos, e isso é tão… Embaraçoso.
Vou demorar a perdoá-lo por isso.
— Vou ver o Crew. — Endireito as costas, praticamente a desafiá-lo a proibir-
me.
A boca dele contrai-se numa linha fina, e ele fica simplesmente a observar-me
durante um momento, como se não conseguisse acreditar naquilo em que me
tornei.
— Nós vamos fazer esta viagem.
— Não. — Abano a cabeça. — Tu e a mãe podem ir. Eu não vou.
— Eu já paguei o teu bilhete.
— Bem, pede um reembolso. Eu não quero ir. Não me podes obrigar. Vou ter
dezoito anos daqui a uns dias. Vou ser maior de idade. — Ergo o queixo,
esperando que ele não consiga perceber como esta confrontação me faz tremer.
Ele está com um ar furioso. Eu não faço isto — não o desafio. Nunca.
— Ainda vives debaixo do meu teto.
— Então vou viver com outra pessoa até ter de voltar para a escola. De
qualquer maneira, eu não vivo mesmo aqui. — Tento passar por ele, mas ele
impede-me, os seus dedos rodeiam-me a parte de cima do braço e impedem a
minha fuga.
— Com quem é que ias viver, hum? Com o teu suposto namorado?
Tento soltar-me.
— Ele não é meu namorado.
— Então estão só a foder? É isso que ele te diz? Ele está só a usar-te. E tu estás
a deixá-lo.
Os olhos do meu pai fixam-se nos meus, e afasto-me fisicamente dele,
desesperada para lhe fugir. Porque é que ele está a agir assim? E a dizer coisas
tão horríveis?
— Mudaste a tua palavra-passe da iCloud porque tens algo a esconder —
continua. — Pensei que te tinha criado para seres melhor do que isto.
— Não é que eu tenha algo a esconder, é o facto de tu não confiares em mim,
logo, pensas que não há problema em invadir a minha privacidade! Isso não
está certo.
— Eu sou o teu pai. Posso fazer o que bem me apetecer. Eu fiz-te.
Solto-me no preciso instante em que a minha mãe aparece no corredor.
— Mas o que é que se está a passar aqui? — Ela está tão calma, como gelo.
Impenetrável.
— Eu vou sair.
— Vais para a casa dos Lancasters? — Quando eu aceno, ela sorri. —
Diverte-te, querida. Não fiques até muito tarde.
O pai está a olhar para ela, boquiaberto, como um peixe a morrer fora de
água, a boca a abrir e a fechar, como se não conseguisse encontrar as palavras
certas.
— Tu vais deixá-la… sair?
Caminho por ele a passo de marcha, parando apenas para dar um breve
abraço à mãe antes de retomar o passo.
— Tens de parar de a tratar como uma bebé, Harvey. Já te disse isto. Quanto
mais a quiseres prender, mais vais fazer com que ela queira fugir — oiço-a
dizer.
Ela tem toda a razão. Ele continua a prender-me com demasiada força.
E eu continuo a querer fugir.
QUARENTA E OITO
WREN

Ignoro o meu pai o melhor que consigo durante o resto da semana, o que é…
horrível. É quase Natal, quase o meu aniversário, e eu devia estar feliz. Com
vontade de passar tempo com a minha família e amigos — bem, com a Maggie
— e de criar novas memórias.
E apesar de estar contente com certos aspetos da minha vida, a minha relação
com o meu pai não é um desses aspetos.
Ele cancelou a viagem a Aruba com o incentivo da mãe. Em vez de tirar as
próximas duas semanas de férias, como, originalmente, tinha planeado, voltou
ao escritório, o que significa que não tenho de me estar sempre a esgueirar
quando quero sair, o que é um alívio. E não ando só a ver o Crew. Também
estive com a Maggie na terça-feira. Encontrámo-nos para almoçar, e ela disse-
me que acabou por ter um aborto espontâneo, com lágrimas a correr-lhe pela
face enquanto me contava tudo.
Senti o coração a partir por ela, mas, lá no fundo, interrogo-me se se sentiu
aliviada.
Pelo menos não está eternamente ligada ao homem que a manipulou e
molestou.
Se não estou a dormir, a passar tempo com a mãe ou com a Maggie, estou
com o Crew. O que significa que estou com ele quase todos os dias, e é
maravilhoso. Perfeito. Já usámos o rolo todo que vinha com a minha máquina
fotográfica instantânea. Tenho um monte de fotografias do Crew com o peito e
as costas cobertas com marcas de batom. Tirei algumas selfies com ele, de mim
a beijar-lhe o rosto, os meus lábios vibrantes com cor. Ele tem-me enviado um
batom da Chanel todos os dias desta semana. A minha mãe também está a
gostar dos presentes, de cada vez que chegam, entrega-mos com antecipação a
dançar nos olhos. Estou confiante que acha que vale a pena manter o Crew por
perto.
Eu acho o mesmo.
Estou com ele neste momento e estamos a fazer compras no centro, a passear
à frente das lojas dos estilistas e das marcas de luxo, sendo que tenho de parar e
olhar para cada montra, maravilhada com as montras de Natal deslumbrantes.
Algumas das lojas estão tão lindas que até vale a pena entrar lá dentro, apesar
de eu não querer comprar nada.
— Vamos aqui. — O Crew guia-me para a loja da Cartier. — Preciso de
comprar uma coisa para a minha mãe.
— Na Cartier? — Paro na entrada e inclino a cabeça para trás, para absorver
melhor o interior creme. A natureza muda e calma do espaço. Os candelabros
brilhantes e gigantes que estão pendurados no teto.
Já estive em lojas de luxo antes. Muitas vezes, aliás, maioritariamente, graças à
minha mãe. Mas há lojas que estão em todo um outro nível, e a Cartier é uma
delas.
Sinto-me como se estivesse num sítio sagrado. Tipo uma igreja.
— Iá. É uma das lojas favoritas dela. — Ele está a caminhar devagar pelos
mostruários de vidro, as joias reluzentes a convidar a nossa atenção. Um
vendedor cumprimenta-o, utilizando o seu último nome, e fico impressionada.
Ele entra numa loja na Quinta Avenida e, automaticamente, sabem quem ele
é. Como é que isso deve ser?
Ajudo-o a escolher um colar para a mãe e, enquanto esperamos que o
embrulhem, ponho-me a fazer tempo diante das vitrinas cheias de anéis de
diamantes. Eles brilham e reluzem, a maioria são bandas simples calcetadas
com diamantes, apesar de existirem alguns anéis maiores incluídos na montra.
O Crew surge ao meu lado, o seu ombro pressionado contra o meu.
— Gostas?
— São lindos — admito, interrogando-me se lhe estou a provocar um ataque
de pânico. Que rapaz de dezoito anos quer que a rapariga com quem anda a
passar o seu tempo todo se ponha a olhar para diamantes?
— Não são tão bonitos como tu. — Ele dá-me um toque. — Tu nunca te
viste nua na minha cama, só a usar batom. Isso sim é lindo.
O meu rosto aquece, e escondo a cara. Ele tirou uma fotografia minha da
última vez que estivemos sozinhos no seu quarto. O lençol estava drapeado
sobre a minha parte de baixo, o cabelo a cobrir-me os seios, o batom rosa a
brilhar-me nos lábios enquanto posava para a câmara sem sorrir.
Completamente natural. Ele convenceu-me de que nunca me tinha visto tão
linda como naquele momento, e eu acreditei nele, confiei nele o suficiente para
o deixar tirar a fotografia, apesar dos nervos que tilintavam dentro de mim o
tempo todo.
Ele estudou a fotografia assim que a máquina a desenvolveu, com um ar
indecifrável na cara. Quando, finalmente, levantou a cabeça, o seu olhar
encontrou-se com o meu, e eu vi tanta — emoção nos seus olhos.
Foi quase assustador.
Depois, ele atacou-me, e eu acabei por me esquecer do que tinha acontecido.
Até agora.
— Queres ir à Chanel? — pergunta ele, assim que o vendedor lhe entrega o
saco.
— Tu queres ir à Chanel?
— Quero-te ver a caminhar pela Chanel se isso te fizer feliz — diz.
— És o meu homem de sonho? — Pouso a mão contra o seu peito e
pestanejo de forma exagerada, conseguindo que ele se ria.
— Está bem. Gosto dos batons que vendem lá. E da rapariga que os usa. —
Ele beija-me e pega na minha mão, levando-me para fora da Cartier.
Minutos depois, estamos a entrar na Chanel, com os seguranças imponentes à
entrada a observar-nos enquanto passamos por eles.
— Tens uma mala da Chanel? — pergunta-me o Crew.
— Tenho uma carteira preta com uma corrente que recebi quando fiz
dezasseis. A minha mãe tem algumas, e eu quero-as, mas ela não mas dá. —
Rio-me. — Não a culpo.
— Surpreende-me que o teu pai ainda não te tenha comprado uma mala —
murmura ele conforme paramos à frente do balcão, a olhar para as várias malas
em exibição. — Se pudesses ter uma, de que cor seria?
— Rosa — digo, sem hesitação. — Uma pequena mala a tiracolo, acho. Não
quero que seja demasiado grande.
— Tens estado a pensar nisto. — O Crew parece divertido, e eu sorrio-lhe.
— Todas as raparigas no nosso internato sonham com uma mala da Chanel
numa altura ou noutra, não achas? — Faço uma careta. — Pareço uma ricaça
presunçosa.
— Tu és uma ricaça presunçosa — brinca ele, mas a sua expressão fica séria
quando uma vendedora se aproxima de nós.
— Posso ajudá-los? — É uma mulher alta, magra como um espeto e loira,
com lábios pintados de um vermelho rico e com um sotaque francês.
— Tem malas cor-de-rosa? Especificamente, a pequena mala a tiracolo? —
pergunta o Crew, como se andasse todos os dias a comprar malas na Chanel.
— Deixe-me verificar. — Ela vira-nos as costas à medida que desliza a porta
para abrir o compartimento que tem uma quantidade exorbitante de malas da
marca.
Passeio-me pela loja enquanto o Crew aguarda, parando diante das várias
montras. Dos sapatos, das joias e da roupa. É tudo tão bonito, como pequenos
pedaços de arte. Mas se vou investir o meu dinheiro, vai ser em artigos que são,
de facto, arte, e não roupas ou acessórios de designers.
Mas não posso mentir. Eu adoro o ocasional objeto de marca.
Quando volto para o lado do Crew, vejo que estão três malas cor-de-rosa
diante dele, pousadas no balcão, e que a vendedora está a pairar por perto.
— De qual gostas mais? — pergunta-me.
A mala a tiracolo tem um tom rosa mais escuro do que gostaria, então fica
excluída. Há uma mala Boy de tamanho médio que é linda de morrer, mas a
cor é mais rosa-choque, e não sou muito fã da corrente pesada que serve de
alça.
Há uma mala a tiracolo de tamanho médio feita com pele de cordeiro com
acabamentos em prata, que tem o tom rosa-claro mais lindo de sempre. Pego
nela, admirando-a antes de a abrir e dar uma olhadela ao seu interior.
— Esta é linda — replico, num sopro, pousando a mala no balcão.
— A cor é magnífica — concorda a vendedora.
— Mas é um bocado grande. — Pressiono os lábios numa linha, olhando de
soslaio para o Crew.
Ele está a observar-me com atenção.
— Gostas?
— Oh, sim. Mas é tão cara. Não me imagino a ter uma coisa destas. Pelo
menos, não para já. — Sorrio à vendedora, que me observa com ligeiro
desdém. Ela pega na mala e desliza-a de volta para o seu lado, como se eu a
fosse tentar roubar. — Mas muito obrigada pela sua ajuda.
— Claro — diz a mulher, um pouco impertinente.
— Vamos bazar — resmunga o Crew, pegando na minha mão. Ele leva-me
para fora da loja, os dois a rir assim que nos escapamos do seu interior, mas
consigo ver vestígios de um semblante carregado nos cantos dos seus olhos.
— Aquela cabra foi rude para ti.
— Está tudo bem. — Abano a mão, descartando a ideia e a mulher. — Ela só
acha que somos adolescentes estúpidos a desperdiçar o tempo dela.
— Se calhar eu não estava a desperdiçar o tempo dela. Ela viu o que eu tinha
nas mãos? — Ele levanta o saco da Cartier. — Eu posso comprar aquela loja
inteira.
— Oh, deixa-te disso, Senhor «Eu Sou Um Homem Muito Importante»
Lancaster. — Empurro-me contra ele, deslizando o meu braço em torno da sua
cintura. — Pareces mesmo um snobe.
— Eu sou um snobe. — Ele sorri-me, alguma da tensão desaparece das linhas
da sua face. — Não gosto da maneira como ela te tratou.
— Não me incomodou.
— Incomodou-me a mim. — Ele detém-se a meio do passeio, forçando-me a
parar, e faz uma concha com a mão em torno do lado da minha cara, beijando-
me suavemente. — Porque é que és sempre tão simpática?
— Porque é que estás sempre tão carrancudo? — Levanto-me em bicos de pé,
pressiono a minha boca à dele, e as pessoas desviam-se de nós no passeio, a
maioria a resmungar entre dentes. — Vamos andando. Vamos lanchar qualquer
coisa.
— Preferia lanchar-te a ti — murmura ele.
Eu reviro os olhos.
— Não podemos voltar para tua casa outra vez.
— Porque não? Nunca está lá ninguém. — Ele pega na minha mão, e
voltamos a andar. — Eu posso chamar o Peter. Ele estaria aqui em dez
minutos.
Estou hesitante, não porque não o queira apanhar a sós, mas mais por estar
preocupada que ele só queira isso de mim.
Sexo.
As ações dele não dizem isso, mas eu também preciso das palavras.
Desesperadamente.
O Crew solta a minha mão para poder dedilhar no telemóvel. Está a enviar
uma mensagem ao Peter, tenho a certeza. Completamente a leste da guerra que
está atualmente a grassar dentro da minha cabeça.
A dúvida ressurge de tempos a tempos, quando me ponho a pensar no que é
que o Crew está realmente a fazer comigo e em quão sérias são as suas
intenções. Eu devia estar a ser a rapariga fixe. A que não se preocupa com nada,
que sabe manter as cenas casuais e nunca se torna demasiado exigente no que
toca a um rapaz.
Mas eu não sou essa rapariga, e o Crew sabe-o.
Quando estamos sentados no banco de trás do carro e o Crew me está a
tentar beijar, eu empurro-o, recebendo mais um olhar carrancudo pelas minhas
ações.
— O que se passa?
Relanceio na direção do Peter antes de devolver o meu olhar ao do Crew.
— É só isto que vamos ser um para o outro? Curtes?
— É isso que queres que sejamos? — pergunta ele, cautelosamente.
Eu não quero que seja tudo colocado em cima de mim. Preciso da opinião
dele. Preciso de saber como é que se sente em relação a mim. Não posso tomar
esta decisão sozinha. Esta é a primeira vez que faço uma coisa destas e não sei
como lidar com a situação.
— Eu…
Ele interrompe-me.
— Porque não é isso que eu quero. Achas mesmo que quero que sejas uma
curte casual quando te estou a enviar batons da Chanel todos os dias?
— Eu não sei como é que estas coisas funcionam. — Sinto-me desamparada.
Pior do que isso? Sinto-me estúpida.
— Eu digo-te como é que funciona. Pelo menos comigo. — Ele desliza o
braço em torno dos meus ombros, aconchegando-me contra o seu lado, para
que possa sussurrar no meu ouvido. — É que há uma rapariga, entendes? Ela é
querida. Linda. Não sei como é que tolera um idiota como eu, mas ela até
parece gostar de mim. E eu gosto muito, muito dela.
Calor espalha-se pelas minhas veias, e o meu coração incha.
— Esta é a primeira vez que dou por mim a querer passar o meu tempo todo
com uma rapariga, e está a fazer-me sentir… consumido. Não consigo parar de
pensar nela. Tudo o que quero fazer é fazê-la sorrir. Fazê-la rir. Fazer com que
goste de mim — continua ele a dizer.
— Eu gosto de ti — sussurro, inclinando a cabeça para ele.
O Crew beija-me, os lábios prendem-se aos meus.
— Eu também gosto de ti. E definitivamente não quero que sejas uma curte.
Outro beijo. Este mais intenso, com língua.
— Quero que sejas minha. E de mais ninguém — murmura contra os meus
lábios.
Estendo a mão para a gola da sua camisola e puxo a corrente com o meu anel
para fora. Enfio o meu dedo no anel e puxo-o suavemente, olhando para ele.
— Mais ninguém tem isto.
— Eu sei. Significa que me pertences. Eu já te disse isso.
— É só que, às vezes, me sinto… insegura — admito.
Ele abraça-me, puxando-me mais para ele, até estar praticamente sentada no
seu colo. Realmente, não cheguei a pôr o cinto de segurança.
— Eu não quero que te voltes a sentir insegura.
— Não queres? — Inclino a cabeça para trás quando ele pressiona a boca
contra a minha garganta.
— Não — murmura contra a minha pele. — Tu pertences-me. — Ele lambe
o comprimento do meu pescoço, fazendo-me estremecer. — E nunca te
esqueças disso.
QUARENTA E NOVE
WREN

Acordo na véspera de Natal com a minha mãe a entrar no meu quarto, com os
olhos arregalados e o robe de seda branco a esvoaçar no seu encalço.
— Tens uma prenda — anuncia.
Esfregando os olhos, pestanejo, ainda meio a dormir.
— Onde está?
— Não a conseguia trazer para o teu quarto. Vais ter de sair daqui para a ver.
Ela está animadíssima, está praticamente aos saltinhos. E «animada» nunca foi
uma palavra que utilizei para descrever a minha mãe.
Deixo a cama e visto o hoodie que está estendido nas costas da cadeira da
secretária, depois, enfio os pés nas pantufas que recebi no Natal do ano
passado. Sigo a mãe, e ela leva-me ao hall de entrada, onde uma grande caixa
castanha está encostada à parede perto da porta.
— É um dos teus quadros? — pergunto-lhe.
Ela abana a cabeça.
— Tem o teu nome na caixa. Eu tive de assinar para receber.
— Se calhar é a peça que comprei da Hannah Walsh. — Se bem que achava
que só seria entregue no início do próximo ano.
A mãe vai até à consola e abre uma gaveta, retirando um x-ato.
— Vamos abri-la.
— Uau. Estás preparada — digo com jactância.
— Estou sempre a abrir caixas destas. — Ela empurra a lâmina para fora e vai
até à caixa, cuidadosa enquanto a abre. Eu fico a observar, antecipação a
espalhar-se pelas minhas veias, a curiosidade a deixar-me muda.
Não faço mesmo ideia do que possa estar dentro da caixa.
— Achas que é do Crew? — pergunto, sem querer criar muitas expectativas.
Ele já não me deu o suficiente?
— Veio com um serviço de entrega diferente, por isso talvez não seja —
retorque a mãe à medida que desliza o x-ato pela caixa e a abre. — Oh, acho
que é um quadro.
Ela puxa o cartão cortado, atirando-o para o lado.
— Não é suficientemente grande para ser o que eu comprei — digo, olhando
para a tela envolvida em branco.
— Arranca isso e vamos ver o que é! — A minha mãe está praticamente a
vibrar com entusiasmo. Este é o tipo de coisa pela qual ela vive.
A minha mente está a mil, mas não consigo chegar a uma conclusão. Não sei
mesmo o que é ou quem o enviou.
O Crew já me enviou muitas prendas, por isso duvido que seja dele…
— Se não o abrires, vou abri-lo por ti — diz ela, por fim, estendendo as mãos
para o quadro.
— Ei, isso é meu. — Empurro-a para fora do caminho com a anca, fazendo-a
rir.
Cuidadosamente, puxo o invólucro de gaze que protege o quadro, que não é
um quadro de todo. O meu coração começa a bater com força à medida que a
peça é lentamente revelada, e as minhas mãos começam a tremer. Reconheço-a
de imediato, claro. As impressões de lábios com múltiplas cores numa tela em
branco, a maneira como quase cobrem o espaço todo. A forma como todos
aqueles lábios juntos parecem ondear.
É a peça que desejo há tanto tempo.
O meu coração está a bater com tanta força que ameaça libertar-se do meu
peito.
Pouso dedos trémulos sobre os meus lábios, quanto mais olho para ela, mais
sinto as lágrimas a encherem-me os olhos. Este momento é mesmo real?
— Oh, meu Deus.
— A Million Kisses in Your Lifetime — sussurra a mãe, olhando para a peça.
— Oh, é encantadora.
— Quem enviou isto? De onde veio?
Não consigo afastar o olhar da peça. Não consigo acreditar que está mesmo
aqui, parada na entrada dos meus pais.
E que me pertence.
— Eu não sei. — A mãe vai até à caixa de cartão descartada, que deixou em
pedaços no chão. — Vamos confirmar a…
— Fui eu.
Viramo-nos e encontramos o meu pai a olhar para nós com um sorriso
radiante.
A mãe franze o sobrolho.
— Não me disseste que ias…
— Oh, pai! — Corro para ele, envolvendo-o num abraço enorme, a chorar
lágrimas de pura alegria contra a sua camisola verde-escura. Calculo que ele
não tenha planeado ir trabalhar hoje, e estou tão feliz.
Não acredito que ele fez isto por mim. Que, afinal, sempre conseguiu
encontrar esta peça para mim.
— Gostas? — pergunta, apertando-me com força.
— Adoro-a. Tu sabes o quanto eu a queria. — Afasto-me dele para poder
voltar a olhar para a peça, completamente encantada. É tão bela. Todos os tons
de batom Chanel. Os diferentes formatos de impressões de lábios. Algumas
mais fortes, outras, suaves. Todas elas sobrepostas, camadas sobre camadas de
beijos.
E são todos meus.
Eu nunca conseguiria recriar isto, independentemente do que o Crew tem
dito. Nunca seria o mesmo. Nunca seria tão belo.
— Eu sei, Amora. E agora, finalmente, pertence-te. Feliz aniversário
antecipado. — O pai olha para a mãe, que ainda está de sobrolho franzido. —
Devíamos celebrar este momento, não achas? Vamos tomar o pequeno-almoço
fora.
— Eu ainda nem me vesti, Harvey. — Ela está a observá-lo com atenção,
como se não conseguisse… o quê? Acreditar que ele comprou a peça para
mim? Ela está zangada por ele o ter feito? Eu lembro-me de ela ter dito, o ano
passado, quando eu estava desejosa para ter a peça, que achava a peça
demasiado cara para ser a minha primeira. — E a Wren também não.
— Eu posso vestir-me depressa. Vamos só ao restaurante ao fundo da rua,
certo? — É o meu favorito, apesar de a mãe odiar o sítio. Mas eles têm as
melhores fatias douradas e, de repente, estou com fome.
— Perfeito. És tu que escolhes, visto que o teu aniversário é amanhã. — Ele
vira-se para a mãe. — Veste-te, Cecily. É véspera de Natal! Temos de a passar
em família.
Olho para a peça novamente, incapaz de afastar o olhar. Estou tão animada
quanto a minha mãe estava apenas há uns minutos.
— Posso levá-la para o meu quarto?
— Claro, querida — diz a mãe, com um sorriso frágil. — É tua agora. Podes
fazer o que quiseres com ela.
Pego na peça com cuidado e, lentamente, caminho de volta para o meu
quadro, rezando para não tropeçar e enfiar o pé na tela.
Nunca seria capaz de me perdoar se o fizesse.
Assim que está no meu quarto, encosto a tela à parede e dou um passo atrás
para a admirar. É belíssima.
Deslumbrante.
Toda minha.
Aperto as mãos à minha frente e começo a saltitar, como se tivesse cinco anos,
a soltar guinchinhos. Não me consigo conter nem ao meu entusiasmo. Esta é
tipo… a melhor prenda de aniversário de sempre.
Devia mandar uma mensagem ao Crew. Contar-lhe sobre a peça. Ele vai ficar
tão feliz por mim, mas suponho que hoje ele deve estar ocupado. Ele tem
planos com a família, e era suposto irem hoje de manhã cedo para a casa do seu
tio, para passarem a véspera de Natal.
O pai bate à porta e entra de rompante no meu quarto, com um sorriso falso
na cara.
— Vamos lá, toca a vestir, Amora. Não temos tempo a perder. Estou
esfomeado.
— Só um minuto. — Olho para o telemóvel e descubro que já tenho uma
mensagem do Crew.
Oi, dorminhoca, já estás de pé?
Tiro uma fotografia da peça encostada à parede antes de lhe enviar uma
resposta.
Eu: Olha o que o meu pai me comprou para o meu aniversário! Dá para
acreditar? Estou A P A I X O N A D A.
Mando-lhe uma fiada de emojis a mandar beijinhos.
— Vamos — diz o meu pai, praticamente exigindo-o, e eu pouso o telemóvel
na cómoda, virando-me para o encarar.
— Dá-me só um minuto, pode ser?
— Veste umas calças de fato de treino e vamos andando. Estás bem. Eu vou
assim. — Ele gesticula para a sua camisola e calças de ganga. — E a tua mãe
também não se vai aperaltar. É só o restaurante da esquina.
— Eu sei. Tudo bem, espera. — Acho estranho que ele não saia do meu
quarto enquanto troco de roupa, mas faço-o na zona do roupeiro para ter
privacidade. Tiro as calças de pijama, enfio umas calças de fato de treino pretas,
calço as minhas Nike favoritas e saio do armário em menos de dois minutos. —
Estou pronta.
Ele vem até mim, agarra-me no braço e guia-me para fora do quarto.
— Vamos andando. Como disse, estou cheio de fome. Estou ansioso para
atacar o meu bife de frango frito favorito.
Paramos na entrada, à espera da minha mãe.
— Aquele prato que a mãe diz que te vai dar um ataque cardíaco?
Estou a brincar. A mãe costumava estar sempre a dizer-lhe isso quando
andávamos viciados no restaurante num verão há tempos, e íamos lá quase
todos os domingos de manhã comer o pequeno-almoço. Ela obrigou-nos a
interromper esse hábito, e lembro-me de pensar que ela era mesmo uma
desmancha-prazeres.
— É esse mesmo. — Ele sorri e dá-me um toque com o dedo indicador no
nariz. — Gostas do teu presente?
— Adoro-o tanto. — Envolvo-o noutro abraço, segurando-o com força. —
Eu sei que as coisas não têm estado muito bem entre nós, e eu peço desculpa.
Significa tanto para mim que me tenhas arranjado isto. É tudo o que eu
alguma vez poderia querer.
— Não tens de quê. Tu sabes que eu te adoro mais do que qualquer coisa,
certo? — Ele passa-me a mão pelo cabelo, apertando-me a cabeça contra o seu
peito durante um breve momento. A maneira como o fez, tal como fazia
quando eu era pequena e ele era o meu verdadeiro tudo e mais alguma, faz a
minha garganta apertar. E eu não quero chorar.
Estou demasiado feliz para chorar.
— Também te adoro — sussurro, afastando-me para lhe poder sorrir.
Quando me extraio dos seus braços, viro-me e encontro a minha mãe a olhar
para nós, o seu olhar a faiscar com irritação.
O quê, ela está invejosa da nossa relação outra vez? Depois da nossa conversa?
Tudo por causa de uma peça que ela provavelmente não queria que eu tivesse?
Não percebo.
Acho que nunca vou entender a minha mãe e as suas mudanças de humor.

A fatia dourada é de comer e chorar por mais, tal como me lembro, e o


restaurante está cheio de pessoas, com cada mesa ocupada e uma linha de
clientes à espera para se sentarem. A música de Natal toca tão alto nos
altifalantes que toda a gente é forçada a tentar falar por cima da melodia, o que
faz com que o restaurante seja altamente barulhento, mas eu estou a adorar
cada momento.
Apesar do mau humor da minha mãe.
E do nervosismo aparentemente desconfiado do meu pai.
Estou demasiado feliz para os deixar incomodar-me durante muito tempo,
ainda estou animada por causa da minha prenda de Natal antecipada. Ou
prenda de anos. Devoro a minha fatia dourada com bacon, afogando-a em
xarope de ácer. Pequenos bolsos de açúcar em pó explodem na minha boca
com a dentada ocasional, e tenho de conter os gemidos extáticos que se querem
escapar à conta da comida.
Talvez tudo saiba melhor porque estou tão feliz. Isto é tipo… o melhor dia de
sempre. E ainda nem chegámos ao meu aniversário propriamente dito.
A única coisa que falta é o Crew. Quem me dera que ele estivesse aqui
connosco para partilhar isto. Para celebrar comigo. Eu sei que ele entenderia o
meu amor pela peça que o pai me deu e que também ficaria feliz por mim. Esta
peça agora é minha para todo o sempre.
Pertence-me.
Como uma idiota, esqueci-me de pegar no telemóvel quando o meu pai me
levou para fora do quarto, ansioso por chegar ao restaurante, e deixei-o na
mesinha de cabeceira. Ele queria chegar rapidamente ao restaurante porque
calculou que o sítio estaria cheio. Quem é que adivinharia que tantas pessoas
iriam tomar o pequeno-almoço fora na véspera de Natal?
— Estás feliz, Amora? — pergunta o pai, a certo momento, quando já quase
acabei de comer o pequeno-almoço. Ele está sentado do outro lado da mesa, à
minha frente, a sorrir daquela forma nostálgica, como às vezes fica, como se
ainda não conseguisse acreditar que já não sou a sua menina pequena.
— Nem sabes como estou feliz neste momento — digo-lhe, com um sorriso
radiante. — Ainda não consigo acreditar que me arranjaste a peça.
A mãe desligou completamente, está demasiado ocupada a ver coisas no seu
telemóvel.
Começo a sentir-me inquieta e não consigo ignorar a situação, apesar de
querer. Isto parece tudo tão familiar, como costumava ser entre nós os três. O
que magoa é que eu achava que já tínhamos resolvido isto. Pelo menos, que
tínhamos resolvido o que estava quebrado entre mim e a mãe. A minha relação
com o meu pai precisava de algum concerto, mas não estava muito preocupada
com isso. Eu sabia que ele ia cair em si.
Vejam só, a fazer-me mudar de ideias com o seu presente — como uma oferta
de paz. Ele sabia que eu não ia conseguir ficar chateada com ele se me
oferecesse a peça de arte que eu mais queria.
Ainda estou a ter dificuldades em acreditar que é mesmo minha.
O meu pai recebe uma chamada mesmo quando o empregado deixa a conta
na nossa mesa e atende-a, levantando-se do lugar na nossa cabine e cobrindo o
telemóvel para nos sussurrar «Volto já» antes de sair do restaurante.
Assim que ele desaparece, olho para a mãe, que está sentada diretamente à
minha frente, e o seu olhar preocupado cruza-se com o meu.
— O que se passa? Diz-me que não estás chateada com ele por me ter
comprado aquela peça. Eu sei que deve ter custado muito, mas eu adoro-a
tanto, mas tanto, e juro que…
— Ele não ta comprou — interrompe-me.
Pestanejo em silêncio durante um momento, a tentar compreender o que ela
acabou de dizer.
— O quê?
— Ele está-te a mentir. Eu soube logo, mas não queria acreditar.
— Não estou a entender.
Abano a cabeça, desconcertada.
A mãe olha em redor, como se estivesse à procura dele, antes de continuar:
— Eu sei quando o teu pai não está a dizer a verdade. Ele não te comprou
aquela peça. Nunca achei que o tivesse feito.
— Estou tão confusa. — Dói-me o peito. Sinto-me capaz de desatar a chorar
a qualquer momento. Se o pai não me comprou a peça, então…
— Foi o rapaz Lancaster, Wren. Teve de ser ele.
CINQUENTA
WREN

— Não. — Deslizo para fora da cabine e levanto-me, procurando o meu pai


no restaurante, lembrando-me de que ele está lá fora. — Não, não, não. Ele
não me ia mentir.
— Querida, senta-te. — A voz dela é firme, o seu olhar, suplicante. —
Precisamos de falar sobre isto antes de ele voltar.
Sento-me na extremidade do lugar, agarrando a mesa à minha frente com
dedos dolorosamente frios. Sinto-me dormente. Humilhada.
Enraivecida.
— O teu pai tem estado demasiado ocupado para ir à procura da peça. E ele
não ia gastar esse tipo de dinheiro numa peça, neste momento,
independentemente do quanto a querias. Essa peça veio do Crew Lancaster. E
faz todo o sentido, não percebes? Ele tem-te estado a enviar batons da Chanel
durante uma semana. Tudo a conduzir ao grande final. São literalmente um
milhão de beijos para ti, como no título da peça. O rapaz é um génio.
Oh, Céus. Ela tem razão. Eu sei que tem. Porque é que não o vi? Porque o
meu pai interferiu e fez a sua declaração tão rapidamente. E eu? Quis acreditar
assim tanto que ele faria isso por mim que me esqueci de que não fazia lá
muito sentido? Estou assim tão desesperada pelo amor e pela aprovação do
meu pai?
— Acho que vou vomitar — crocito, engolindo a náusea que me ameaça.
Ela empurra o copo de água para a minha beira, e eu pego nele, bebendo
metade do copo em segundos.
— Ele sabe o quão chateada tu estás com ele, e eu também tenho estado
chateada com ele, com a forma como te trata. Como me trata. Ignorei-o
durante demasiado tempo e permiti que ele te espiasse e te tratasse como uma
criança incapaz, em vez de como a mulher jovem e inteligente em que te
tornaste, mas não o permitirei mais. Tens uma boa cabeça bem assente nos
ombros. O teu pai não precisa de estar constantemente a monitorizar o que
queres fazer. Tu podes tomar as tuas próprias decisões — diz a mãe, com uma
perentoriedade que nunca lhe ouvi antes.
— Achas mesmo? — A minha voz é pequena, as minhas emoções, caóticas.
Ela acena, estendendo a mão dela para a pousar sobre a minha.
— Tu acreditas que o teu pai não pode errar, mas ele tem as falhas dele. Todos
temos. Ele é humano, como o resto. Eu não queria fazer uma cena aqui, ou à
tua frente, mas não conseguia aguentar mais tempo. Permitir que ele fique com
os louros por uma prenda que não te deu é… errado. Não entendo porque é
que está a mentir, mas está, Wren. E, eventualmente, vai ser apanhado.
Dói-me o peito pela maneira como ele me enganou. Ele tinha de saber que ia
ser apanhado.
— Achas que ficou com os louros pela prenda para me fazer feliz? Para eu
deixar de estar chateada com ele?
— Isso não é uma razão suficientemente boa, mas talvez? Ele tem de saber
que, rapidamente, ias descobrir a verdade. O Crew ia mencioná-lo, ele vai
querer os louros que merece. Surpreende-me que ainda não te tenha dito nada,
nem que te tenha perguntado o que achaste da prenda.
Descaio contra o assento.
— Deixei o meu telemóvel no quarto. O pai tirou-me dali a correr.
— Pois, claro que tirou — responde, abanando a cabeça. — Ah, ali vem ele.
Faz de conta que não sabes de nada. Podemos discutir isto em casa.
Tento manter a minha expressão neutra, mas é difícil mentir, especialmente
quando estou cara a cara com a pessoa a quem estou a mentir.
O meu pai volta a deslizar para o seu lugar na cabine, com um sorriso na cara,
como se nunca tivesse feito nada de errado na sua vida.
Como é que ele me consegue mentir? Não aguento.
Não consigo.
— Estás bem, Wren? — pergunta ele, franzindo o sobrolho. — Pareces
incomodada.
— Quando é que a compraste?
— Comprei o quê?
Oh, ele está a fazer-se de desentendido. Já está com um ar culpado.
— A peça. A Million Kisses in Your Lifetime. Quando é que a compraste?
Como é que a encontraste? — Cruzo os braços à frente do peito, à espera.
— Comprei-a… recentemente.
— De quem?
— Do dono anterior.
Duh.
— E onde é que o dono vive? Como é que o descobriste?
Ele ri-se, apesar de soar nervoso.
— Bem, nós temos as nossas ligações no mundo da arte, a tua mãe e eu.
— Eu não tive nada a ver com isto — acrescenta a mãe, recebendo um olhar
sombrio dele.
— Diz-me como a encontraste — exijo.
— Como te disse, tenho ligações. Andei a investigar e fiz algumas chamadas.
— Ele está a começar a suar. Estou a ver as gotas a pontuar-lhe o contorno do
cabelo.
— Talvez a Veronica te tenha ajudado? — pergunta a mãe, a sua voz a pingar
com repugnância. — Eu sei o quão atenciosa ela é.
— Não a metas nisto — diz-lhe ele com rispidez, o rosto a ficar vermelho.
Veronica. A nova assistente. Talvez haja mais história aí que desconheço?
— Quando é que deste pela peça? — pergunto-lhe.
— Porque é que estão as duas a atacar-me? E é rude perguntar quanto é que
custou a peça, Wren. Foi uma prenda — declara, a repreender-me. Numa
questão de segundos, está de pé, fora da cabine. — Vamos embora.
— Mas…
— Vamos embora — interrompe-me, antes de se virar e sair do restaurante.
A mãe e eu partilhamos um olhar.
— Vai correr tudo bem — diz-me ela. — Podemos acabar esta conversa em
casa.
O meu estômago afunda-se. O meu desejo era não ter de ter esta conversa de
todo.
Estou em silêncio durante o caminho até ao apartamento, tal como o meu
pai. Até a minha mãe. Estamos todos em silêncio, num ambiente sombrio.
Completamente arruinado.
Como é que ele foi capaz de me mentir desta maneira? Como? Não entendo.
Eu não sei se alguma vez vou conseguir compreender. Ele fica zangado comigo
por coisas que perceciona como sendo traições, mas depois faz a mesma coisa e
espera que toda a gente aceite as suas mentiras.
Ele não pode ter as duas coisas ao mesmo tempo.
Estamos a aproximar-nos do nosso edifício quando reparo numa pessoa de
pé, junto da entrada. Uma pessoa muito familiar, vestida com um sobretudo
preto, calças de ganga e aquele gorro que usa sempre a cobrir o seu cabelo. Ele
vira-se para nos encarar, e o meu coração lança-se às alturas.
É o Crew.
Os nossos olhos encontram-se, e o seu olhar ameaçador deixa-me
preocupada, apesar de rapidamente me aperceber de que a sua raiva não tem
nada a ver comigo.
E tem tudo a ver com o meu pai.
— Oh, céus — oiço a minha mãe a dizer quando vê o Crew.
Afasto-me dos meus pais e corro para o Crew, um choro suave a cair dos
meus lábios quando ele me puxa para os seus braços e me aninha contra o seu
peito. Pressiono a cara contra ele, inalando o seu cheiro familiar e delicioso,
odiando o que está prestes a acontecer, mas sabendo que tem de acontecer.
— Birdy. — Ele passa a sua mão pelo meu cabelo. — Precisamos de falar.
Lentamente, afasto-me dele para o olhar nos olhos.
— Eu sei.
— Crew — chama a minha mãe, enquanto se aproxima de nós com o meu
pai. — É tão bom finalmente conhecer-te.
Eu viro-me, permanecendo no abraço do Crew enquanto o meu pai nos
observa, toda a cor a drenar da sua cara quando vê com quem estou.
— Também é um prazer conhecê-la, senhora Beaumont. — O Crew solta-me
para ir até à minha mãe, apertando-lhe a mão.
O meu pai não profere uma única palavra, mas a sua expressão sinistra diz
tudo. Ele tem de saber que foi apanhado.
— Senhor. — O Crew acena na sua direção, mostrando-lhe respeito, apesar
de ele provavelmente não o merecer. — Creio que houve um equívoco.
Oh, ele está a ser demasiado bem-educado.
— Tu não me compraste aquela peça — digo ao meu pai, incapaz de me
conter. — Eu sei que não a compraste.
Ele assume uma expressão indignada.
— Estás a chamar-me mentiroso?
Não acredito que ele continua a manter-se fiel à sua história, especialmente à
frente do Crew.
— Harvey, por favor. Desiste. Foste apanhado. — A voz dela está exausta. Ela
parece cansada, e isso faz-me perceber que o tem estado a aturar há muito
tempo e que é capaz de ter chegado ao seu limite.
O Crew vira-se para mim, a sua expressão sincera e fervorosa.
— Fui eu que te comprei a peça, Wren. Calculei que tudo faria sentido no
fim, com aquilo de te ter enviado os batons da Chanel a semana toda, percebes?
Porque foi isso que o artista usou na peça.
— Eu devia ter percebido. — Estou incrédula que ele tenha feito isto por
mim. Tudo para mim. E, no entanto, também faz todo o sentido. Os batons. A
máquina fotográfica. O facto de ele me ter deixado beijá-lo e de lhe ter coberto
a pele com impressões de beijos sem nunca se queixar. Lá no fundo, eu sempre
pressenti que ele gostava disso.
Ele faria qualquer coisa por mim.
Tudo.
— Mas quem é que tu pensas que és para andares a comprar à minha filha
uma peça de arte tão cara? Ela nem te conhece, e lá vens tu, sempre a mandar-
lhe coisas. A exibires-te e a tentar comprá-la com prendas extravagantes. É
patético. — A cara do meu pai está vermelha como um tomate. Acho que
nunca o vi tão zangado.
— Eu sou patético? Pelo menos não sou um velhote ressequido a tentar
agarrar-se à sua filha com mentiras, já que controlá-la deixou de funcionar —
responde o Crew.
Toco no braço do Crew, odiando o quão cruéis foram as suas palavras ainda
agora, mas suponho que está apenas a dizer a verdade.
E, às vezes, a verdade dói.
— Vais mesmo apaixonar-te por este rapaz, Amora? Tu sabes como é que são
os Lancasters. Desumanos. Cruéis. Ele vai-te dar com os pés quando se fartar
de ti, vais ver — diz o pai, com um olhar suplicante. As suas palavras são como
um soco no estômago, como se eu não fosse suficientemente boa para reter a
atenção do Crew. O meu pai pensa mesmo pouco de mim. E do Crew. — Eu
só quero o que é melhor para ti, Wren. Estou a tentar proteger-te dele.
O meu coração afunda, as lágrimas começam a vazar dos cantos dos meus
olhos. Que ele consiga dizer coisas tão horríveis acerca do Crew quando nem
sequer o conhece, simplesmente…
Dói.
— Ouve-me, Wren. Tu és a coisa mais importante no meu mundo. Eu nunca
te tentaria magoar de propósito. Tu sabes isto. — O pai dá um passo em frente,
o seu olhar a aterrar no sítio onde a mão do Crew pousa sobre a minha anca,
quando me puxa para ele, o seu toque possessivo. Uma reivindicação, como
sempre é.
Mas agora tem mais significado. Ele está a mandar uma mensagem tácita ao
meu pai. Eu já não lhe pertenço.
— Tu mentiste — digo-lhe. — Reivindicaste como tua uma prenda que não
me deste realmente. Tentaste ficar com os louros por algo com que não tiveste
nada a ver.
— Estava a perder-te! — As palavras explodem dos lábios do meu pai,
deixando-me em choque. — Estavas a escorregar por entre os meus dedos e
não havia nada que eu pudesse fazer para o impedir. Eu não te queria perder
para… ele.
— Tu mentiste. A mim. Mentiste-me. — Abano a cabeça quando ele dá outro
passo na minha direção, e ele detém-se. Se me tocar, não sei o sou capaz de
fazer. Gritar? Empurrá-lo? Dar-lhe um pontapé nas canelas? — Depois de todo
este tempo, em que, supostamente, te estavas a preocupar comigo. Estavas a
controlar os meus movimentos. A espiar-me através do meu telemóvel. A dizer-
me o que posso e não posso fazer. A declarar que não podias confiar em mim
por causa de algo que fiz há quase seis anos e, afinal, eu é que não devia confiar
em ti!
Estou ofegante e tonta, a raiva consome-me com tal ferocidade que mal
consigo pensar em condições. Eu sei que provavelmente estamos a fazer uma
cena mesmo à frente do nosso edifício, mas não quero saber. A verdade precisa
de ser dita.
O meu pai precisa de saber como realmente me sinto.
— Tens razão.
Fico boquiaberta, chocada por ele admitir a sua culpa tão rapidamente.
— Foi errado, e peço desculpa por isso — continua a dizer e, pelo menos,
está a assumir a sua mentira.
Mas é demasiado tarde.
No entanto, não tenho força para lhe dizer isso. Estou demasiado
sobrecarregada com emoções. O Crew mantém-me perto dele, fazendo-me
sentir segura. Ele não me agarra com demasiada força, nunca. Dá-me a
liberdade de que preciso e respeita as minhas decisões. Os meus pensamentos.
O meu corpo. Toda a minha pessoa.
Todos os pedacinhos.
— Estás a partir-me o coração — crocita o meu pai, com lágrimas a brilhar-
lhe nos olhos. Em qualquer outro dia, vê-lo assim iria destruir-me. Mas hoje
não. — Eu sempre fui o teu herói, Amora. Aquele com quem vinhas ter
quando precisavas de ajuda. Nunca te esqueças disso.
— Já não tem de ser o herói dela — diz o Crew, puxando-me ainda mais para
perto dele. — Agora esse é o meu trabalho.
A dor na cara do meu pai é inconfundível. Ele chega mesmo a estremecer, e o
seu olhar cerra-se numa fenda enquanto nos estuda.
— Destruíste a minha família — declara, acusando o Crew.
— Não, Harvey. — A minha mãe dá um passo em frente, os olhos a
chamejar com raiva. — Tu fizeste isso sozinho.
Os ombros dele descaem, e ele deixa a cabeça pender. Depois, vira-nos as
costas e desaparece.

*
Assim que entramos os três no apartamento, a mãe vai a passo decidido até à
caixa descartada, que ainda está onde foi deixada, e começa a escavar através da
salgalhada dos invólucros até agarrar um envelope branco pequeno, sem dúvida
com um cartão no seu interior à espera para ser lido.
— Para ti — diz ela, trazendo-me o envelope.
Tiro-o das suas mãos e olho para o Crew, que me está a observar com
atenção.
— Abre-o — incentiva-me.
Com dedos trémulos, desfaço o envelope e tiro o cartão.
Uma prenda de aniversário antecipada para a minha Birdy. Um milhão de
beijos, de mim para ti.
Com amor,
Crew

Aperto o cartão contra o meu peito, completamente dominada pela emoção.


As lágrimas fluem livremente, correndo-me pelo rosto, e eu pestanejo com
força para limpar a visão desfocada, enquanto olho para o Crew.
— Adorei — sussurro. — Obrigada.
Ele toca-me na face, os seus dedos derivando para tracejarem o comprimento
do meu maxilar.
— Não tens de quê.
Uma emoção rodopia entre nós, parece encher a sala inteira conforme nos
continuamos a observar.
A minha mãe aclara a garganta, chamando a nossa atenção.
— Wren. Porque é que não levas o Crew para o teu quarto e lhe mostras a
peça?
Viro-me para a olhar.
— Não te importas?
O sorriso dela é pequeno.
— Claro que não. Eu confio em ti, querida.
Vou até ela, dou-lhe um abraço e aperto-a com força.
— Obrigada. Por tudo.
— Vai — diz, empurrando-me gentilmente dos seus braços. — Mostra-lhe.
Ela sabe o quanto isto significa para mim. Este momento. Esta peça.
E o Crew.
— Adoro-te — sussurro-lhe, antes de ir ter com o Crew e pegar na mão dele,
conduzindo-o pelo corredor até ao meu quarto. Ele segue-me sem uma palavra,
mas assim que o levo para dentro do quarto e fecho a porta, ele está em cima
de mim, a pressionar o meu corpo contra a parede, os seus braços envoltos com
força em torno da minha cintura.
— Desculpa — sussurra, pontilhando a minha face inteira com beijos. —
Desculpa ter aparecido e confrontado o teu pai daquela maneira, mas não o
podia deixar ficar com os louros da minha prenda.
— Não faz mal. — Deleito-me na suavidade dos seus lábios, na sinceridade
da sua voz e na forma cuidadosa como me segura. — Estou feliz por teres
vindo. Só lamento não ter percebido tudo mais cedo. A minha mãe teve de me
dizer.
— Não peças desculpa. Eu percebo. A sério, Birdy. Querias acreditar que ele
faria isso por ti. — Ele inclina-se para trás, estudando a minha cara. — Estás
bem?
— Magoa saber o quão pouco o meu pai me respeita. — A minha garganta
está em carne viva, os meus olhos ardem.
— Gostava de poder tirar-te essa dor — afirma, e eu não aguento mais.
Olho para ele, incrédula, a perguntar-me para onde foi o Crew cruel e cheio
de cismas. Foi substituído por este homem querido, sexy e atencioso que apenas
quer tomar conta de mim e…
Eu amo isso.
Eu amo-o.
Amo mesmo. Estou apaixonada por ele.
— Só estou contente por aqui estares. — Olho de relance para a peça que
está encostada à parede, e ele faz o mesmo. — Amo-a tanto.
Amo-o tanto, mas como é que lhe digo isso?
A força do meu sentimento por ele é assustadora. Será que ele sente o mesmo
por mim?
— Eu sabia que ias amar. — Ele beija-me a têmpora, e eu inclino-me para
ele.
Eu devia ter sabido logo que tinha sido o Crew a dar-me a peça. As pistas
estavam todas lá, a olhar-me na cara, e eu estava tão cega com a ideia de o meu
pai querer ganhar de volta a minha confiança e o meu perdão que aceitei a sua
mentira.
Mas agora tenho os olhos abertos. Graças à minha mãe. Teria acabado por
descobrir e ainda não consigo acreditar que não percebi logo, mas agora sei.
Foi o Crew que andou à procura da peça, que a encontrou e sabe Deus
quanto é que pagou por ela, mas deu-me a peça porque queria ver-me feliz. Ele
disse-me isso ainda ontem, quando estávamos na loja da Chanel.
— Feliz aniversário — sussurra ele, e eu devolvo o meu olhar ao dele.
— Ainda mal consigo acreditar que fizeste isto.
Ele hesita, com o sobrolho franzido.
— É o que querias, certo?
Começo a soluçar e tapo a boca, acenando enquanto mais lágrimas se
derramam.
O Crew pressiona a minha cabeça contra o seu peito, e consigo sentir o
batimento regular do seu coração.
— Oh, Birdy, não chores.
— Eu estou bem. Estou ótima. — E ainda estou a chorar. Este dia tem sido
tão completamente assoberbante. Bom. Mau.
Maravilhoso.
— Não gosto quando choras. — A voz do Crew está tensa. — Era suposto a
peça fazer-te feliz.
— Tu fazes-me feliz — digo-lhe, afastando-me ligeiramente para poder olhar
para a sua cara atraente. — Não acredito que fizeste uma coisa destas por mim.
Baixa o tom de voz, a sua expressão solenemente séria.
— Eu faria qualquer coisa por ti, Wren. Só para te ver a sorrir. Para te ouvir a
rir. Lembras-te do que te disse?
Aceno, fungando audivelmente.
— E, em vez disso, estás a chorar como se tivesse matado o teu bichano.
— Eu nem tenho um bichano — murmuro, fazendo-o sorrir.
— Em breve, vais ter duas bichas — diz ele, referindo-se ao quadro que
comprei na galeria, naquele dia em que ele me seguiu até lá e me levou a
almoçar.
Me beijou no banco de trás do seu carro privado.
Rio-me. Tusso. Fungo. Não estou no meu melhor.
— Tens razão. Vou ter.
Estamos em silêncio durante um momento e acabo por me libertar dos seus
braços para ir buscar um lenço, limpando as lágrimas.
— Adorei o bilhete que me mandaste — digo.
Céus, aquele bilhete. Quem é que diria que o Crew Lancaster conseguia ser
tão romântico? Não me apercebi de que ele era capaz disso.
Mas é isso que ele tem feito. Tem-me estado a fazer a corte durante as últimas
semanas. A fazer-me sentir especial. Como se me achasse especial. Como se se
importasse comigo. Talvez até como se me amasse.
Eu acho que ele me ama.
Acho mesmo, mesmo que sim.
— Tenho estado à procura da peça desde que me falaste dela — admite.
Estou de boca aberta.
— Tu odiavas-me nessa altura.
— Não te odiava — responde ele.
Eu rio-me, toda a tristeza deixa-me ao ouvi-lo ficar todo resmungão.
— E encontraste-a sozinho?
— Na verdade, o Grant ajudou-me a localizar o dono. — Ele sorri e abana a
cabeça. — É muito parvalhão.
— O dono anterior?
— Não, o meu irmão mais velho. Ele fez-me passar por umas merdas
enquanto estávamos a tentar encontrar a peça. Mas eu só estava preocupado
em consegui-la, e agora é tua.
— É uma prenda tão extravagante — murmuro, o meu olhar a voltar para a
peça, a beber todos aqueles beijos na tela.
— Deste-me algo que nunca podes dar a mais ninguém, e eu queria fazer o
mesmo por ti — admite ele, falando baixinho.
Oh, céus. Quando ele diz coisas dessas não sei o que fazer ou como reagir.
Agora quero mesmo saltar-lhe para cima.
— Obrigada — sussurro, a sorrir-lhe quando ele me envolve de novo nos seus
braços. — Vou estimá-la para sempre.
— Tal como eu te vou estimar. — Ele não acrescenta o «para sempre», mas eu
acho que sei o que ele quer dizer.
De repente, apercebo-me de algo e olho para ele.
— Não era suposto ires para a casa do teu tio hoje?
Ele encolhe um ombro.
— Voltei quando recebi a tua mensagem.
— O quê?
— Tu mandaste-me aquela mensagem a dizer que o teu pai te tinha
comprado a peça, nem pensar que ia passar a véspera de Natal com a minha
família enquanto o teu pai te estava a mentir à descarada. — A expressão dele é
feroz. — Tinha de te dizer a verdade. Cara a cara.
Pondo-me nas pontas dos dedos dos pés, pressiono a boca contra a dele,
beijando-o com tudo o que tenho. Ele entreabre os lábios, e eu enredo a minha
língua com a dele, até as suas mãos estarem a deambular pelo meu corpo, e eu
estou a gemer, empurrando-o para longe de mim.
— Não nos podemos deixar levar — digo, ofegante.
O sorriso largo dele é devastador.
— Sempre a minha boa menina.
Sinto o rosto a aquecer.
— Para. Vamo-nos deixar levar e depois vamos longe de mais, e tu sabes. Eu
não quero trair a confiança da minha mãe.
Ele passa uma mão pelo seu cabelo, exalando profundamente.
— Então, vamos conviver com ela.
Franzo o sobrolho.
— Tu queres conviver com a minha mãe?
— Claro. Precisamos de nos conhecer. E eu tenho a sensação de que ela gosta
de mim. Quer dizer, olha para o que eu te arranjei. Bastante impressionante.
Uma sensação de felicidade flui-me nas veias, e eu rio-me.
— Não te importas que fique a conviver contigo e com a tua mãe, pois não?
— Ele ergue uma sobrancelha.
— Quero que o faças — replico, a sorrir.
— Amanhã à tarde queres vir tu a minha casa? Vou estar só eu e os meus pais
e irmãos. A Charlotte não vai lá estar, o que é uma pena. Eu quero muito que a
conheças.
As lágrimas ameaçam cair de novo. Ele quer que eu esteja com a família dele.
E quer passar tempo com a minha mãe. Oh, céus, isto é a sério.
— Eu também a quero conhecer.
Claro que é a sério. Ele comprou um quadro que lhe custou bem mais do que
quinhentos mil dólares. Talvez até um milhão. Eu sei que ele é um Lancaster e
que isso são, provavelmente, tipo, vinte dólares para ele, mas ainda assim.
O que ele fez por mim é simplesmente… nunca ninguém me fez sentir tão
especial.
Tão amada.
— Obrigada outra vez pela minha prenda — repito, odiando o quão sem
significado parecem as minhas palavras. — Eu amo-a mesmo.
— Não tens de quê. — Nunca vi o olhar que ele tem na cara e queria tirar-
lhe uma fotografia para o guardar para sempre. — Feliz aniversário, Birdy.
CINQUENTA E UM
WREN

A manhã do dia de Natal.


O meu aniversário.
Acordo lentamente, sem vontade de sair da cama e de encarar o dia. Ainda
não. Viro-me na cama e abro os olhos, dando de caras com a peça de arte a
olhar-me de volta e sorrio.
A Million Kisses in Your Lifetime, um milhão de beijos. É isso que eu quero.
Quero alguém que me prometa um milhão de beijos e mais. Alguém que me
estime e me ame e que apenas me queira ver feliz.
E acho que essa pessoa é o Crew.
Sento-me na cama, afastando o cabelo da cara enquanto estendo a mão ao
meu telemóvel para ver se tenho uma mensagem dele.
Crew: Feliz aniversário.
Crew: Feliz Natal.
Crew: Mandei-te uma coisa.
Solto um arquejo de surpresa. Ele tem de parar de gastar dinheiro comigo.
Também adoro como ele disse feliz aniversário em primeiro lugar.
Eu: Obrigada. Feliz Natal! Deixa de me mandar prendas.
Crew: Deixa de me dizer o que fazer.
Tão rabugento.
Crew: Quando é que vens aqui ter?
Eu: Tenho de passar parte da manhã com a minha mãe.
Não quero que a minha mãe fique sozinha no Natal. Que deprimente. Já o
meu pai? Não quero saber o que é que ele anda a fazer.
Pronto, sim, quero saber. Quero ser insensível e indiferente, mas não é esse o
meu estilo. Ainda estou magoada pelo que ele fez com a prenda do Crew. Acho
que ele chegou a casa ontem à noite, já tarde, muito depois de eu ter ido
dormir, e nem passou a véspera de Natal connosco além do pequeno-almoço
desastroso, e eu sei que isso magoou a mãe. Ela não me disse nada sobre isso, e
nós arranjamo-nos e fomos jantar fora depois de o Crew se ter ido embora, só
as duas, o que foi divertido, mas sei que ela tinha as suas suspeitas sobre o sítio
para onde o pai foi.
E acho que algumas dessas suspeitas estão relacionadas com a Veronica, a
assistente. Se ele está mesmo a traí-la, depois de tudo aquilo com que têm
lidado ultimamente, eu sei…
Que isto vai ser o fim do seu casamento.
Crew: É um dia calmo e discreto para nós. Vamos ter comida e os
anormais dos meus irmãos vão cá estar. Os meus pais. O meu pai também
é um anormal, mas ele vai-se portar bem quando te conhecer.
Adoro como ele chama idiotas aos homens da sua família. Às vezes, ele
também age como um.
Eu: Mando-te mensagem quando estiver pronta para sair.
Crew: Queres que te mande um carro?
Eu: Diz-me que o Peter tem folga no dia de Natal. Por favor! Ele merece.
Crew: Tem, sim. Seria outra pessoa a conduzir.
Eu: Eu consigo dar com o caminho para aí.
Crew: Não. Deixa-me mandar um carro. Quero certificar-me de que
chegas aqui em segurança.
Sorrio. Porque é que quando o meu pai faz coisas destas me sinto controlada
e rebaixada, mas com o Crew sinto-me apenas protegida?
Talvez porque ele acredita em mim. Diz-me que consigo fazer coisas que mais
ninguém consegue. Quando ele olha para mim, consigo ver o respeito no seu
olhar. A admiração.
Eu sinto o mesmo por ele.
Eu: Está bem. Então manda-me um carro. Eu mando-te mensagem
quando estiver pronta.
Crew: Manda-me mensagem depois de abrires a tua prenda.
Eu: Eu mando. Ou queres que espere para a abrir? Posso levá-la para tua
casa.
Crew: Porra, nem pensar. Abrires a prenda à frente dos meus irmãos?
Nunca mais me dão descanso.
Hum. Porque será?
Crew: Vai abrir a prenda, Birdy. E, quando puderes, manda mensagem.
Ou melhor, liga pelo FaceTime. Quero ver a tua cara linda.
Eu: Está bem. Amo…
Volto atrás na frase, apagando-a à pressa. Estava prestes a dizer-lhe que o
amava. Como assim?
Espera.
Não há como negar que eu o amo mesmo. Estou apaixonada pelo Crew
Lancaster e preciso de lhe dizer como me sinto. Será que ele sente o mesmo?
Espero que sim.
Eu: Está bem. Dá-me só uns minutos.
Envio a mensagem, o meu coração a bater rápido com esta realização.
Saio da cama e calço os meus chinelos antes de sair do quarto. Vou até à sala
de estar, onde oiço música de Natal a tocar docemente. O som da minha mãe a
falar com alguém — deve estar ao telefone. Talvez a falar com a irmã. A minha
tia vive na Flórida, e eu gostava de a ver mais vezes, mas estou sempre na escola
quando a mãe a vai visitar.
Algo que, ultimamente, tem sido frequente.
Quando entro na sala de estar, vejo a árvore de Natal iluminada com luzes
brancas a cintilar, um conjunto de presentes por baixo dela, todos embrulhados
com um papel creme e verde-escuro. Mas há uma prenda que se destaca.
A caixa branca minimalista que é a imagem de marca do Crew.
— Oh, ela está de pé. Tenho de ir. Sim, falamos mais tarde. Feliz Natal! — A
mãe termina a chamada e sorri-me. — Feliz aniversário, querida. A tua tia
também te deseja um feliz aniversário.
— Obrigada. Devia-lhe ligar mais tarde. — Acomodo-me no chão, a olhar
para os presentes.
Para um em particular.
— Oh, sim, ela ia gostar disso. Podemos ligar-lhe de volta. — A mãe sorri,
estendendo uma mão para me afastar o cabelo da cara.
— Onde está o pai?
A expressão dela endurece.
— Não está cá.
O meu queixo cai.
— Onde é que está?
Ela encolhe os ombros.
— Ele não veio para casa.
— Oh, mãezinha. — O meu coração quebra-se por ela. Levanto-me e chego-
me de joelhos à sua cadeira, envolvendo-a num abraço. Ficamos agarradas uma
à outra durante um momento, e fecho os olhos, desiludida com o meu pai.
Pelo facto de ele a ter abandonado — a nós — tão completamente. No dia de
Natal.
No meu aniversário.
— Não faz mal, querida. As coisas entre nós já não estavam bem há algum
tempo. Eu estava a tentar aguentar até ao fim do ano como o teu pai pediu,
mas vou definitivamente pedir o divórcio em janeiro. Não consigo fingir mais.
— Ela afasta-se ligeiramente para poder olhar para mim. — Nós já não
estávamos bem há pelo menos um ano. Talvez mais.
Eu franzo o sobrolho.
— Ele disse-me que, afinal, iam tentar resolver as coisas.
O sobrolho carregado dela condiz com o meu.
— Quando é que ele te disse isso?
— Depois de terem anunciado o divórcio. Ele ligou-me e disse que tinha
boas notícias, que vocês iam fazer terapia e que queriam que as coisas
funcionassem entre vocês — explico.
Um suspiro deixa-a, e ela abana a cabeça.
— Nós nunca tivemos essa conversa. Ia sempre acabar em divórcio. Ele sabia-
o. Perguntou se podíamos ser civis um com o outro durante o resto do ano,
especificamente, quando tu estavas em casa. Eu concordei apenas porque ele
parecia estar muito preocupado com o teu bem-estar.
— Estava a tentar manter as aparências à minha frente — resmungo.
— Ou a tentar convencer-se de que as coisas iam acabar por ficar bem. É
difícil encarar os teus problemas, especialmente quando foste tu que criaste a
maior parte deles. — O sorriso dela é ténue, manchado por tristeza. — Vamos
esquecê-lo e focar-nos no teu aniversário. E no Natal.
Obrigo-a a abrir primeiro o presente que lhe arranjei — o pequeno pássaro
esculpido de madeira que encontrei naquela loja em Vermont.
— É uma carriça****? — pergunta ela, enquanto estuda o pássaro. — É muito
parecido.
— Talvez? Foi o Crew quem o encontrou. Disse que o lembrava de mim —
admito.
A expressão dela suaviza quando o seu olhar se encontra com o meu.
— Eu acho que ele gosta mesmo de ti.
Que atenuação da realidade.
— Eu também acho que sim — admito.
— Não é todos os dias que alguém compra uma peça de arte cara para outra
pessoa, só porque são amigos — acrescenta.
— Eu sei. Ele disse que só me queria fazer feliz. — Sinto-me a lacrimejar só
de pensar nisso.
— Ele é bondoso contigo? Honesto? Faz-te rir?
Sim. Sim. Sim.
— Ele é absolutamente a última pessoa com quem me imaginava — digo,
pestanejando para afastar as lágrimas que ameaçam cair. O que é que se passa
comigo e com a vontade de chorar nestes últimos dias? Estou tão emocional.
— Mas agora não consigo imaginar a minha vida sem ele.
— Oh, querida, estou tão feliz por ti. E adoro a minha prenda. — Ela sorri
para o pássaro de madeira. Dentro do nosso apartamento-museu, o pássaro
parece tão rústico, mas espero que ela goste mesmo dele.
— Tenho mais para ti. — Passo-lhe para as mãos uma caixa pequena com um
par de brincos que encontrei aqui na cidade, e ela também os adora.
Abro os presentes dos meus pais. Recebi algumas roupas. Um lenço Louis
Vuitton com impressões de lábios espalhadas por todo o tecido — estou a sentir
uma temática. Alguns cartões-oferta para as minhas lojas favoritas. Um colar
que admirei há tanto tempo que até já me tinha esquecido dele, e, por isso, é
ainda mais especial que a minha mãe se tenha lembrado e o tenha comprado.
Já abri as prendas todas exceto a caixa do Crew e ponho-me a olhar para ela,
deixando a antecipação volver dentro e através de mim.
— Não a vais abrir? — pergunta a mãe.
O meu coração começa a bater com mais força quando ela me passa a caixa.
— Quase não quero saber.
— Claro que queres saber, não sejas tonta. — Ela abana uma mão na minha
direção, obviamente impaciente. Ela desfrutou desta semana e dos meus
presentes quase tanto quanto eu. — Abre-a.
Tiro a tampa e descubro outra caixa preta e branca quase do mesmo
tamanho, embrulhada com a fita branca clássica e com a camélia que indicam
que vem da Chanel.
Oh, céus, acho que sei o que é.
Removo a tampa. Empurro o papel de seda e encontro um saco de proteção
preto rodeado por caixas de batom. Tiro o saco, caixas de batom caem para o
fundo da caixa e puxo o cordão para abrir o saco.
— Ele comprou-te uma mala? Oh, ele é tão, tão esperto. Adoro este rapaz.
Adoro mesmo — declara a mãe, fazendo-me rir.
Tiro a mala de dentro do saco de proteção e vejo que é a cor-de-rosa que
tinha admirado na loja, há apenas uns dias. Quando abro o fecho e olho para o
seu interior, descubro que não há recheio de papel.
Apenas caixa atrás de caixa de batom.
— Há algum bilhete? — pergunta a mãe.
Encontro um mesmo no fundo. Um pequeno envelope branco, como de
costume. Abro-o, a sua letra familiar aparece a atravessar o cartão.

Feliz Natal. Comprei-te todas as cores de batom que a Chanel tem, para que
possas recriar o teu próprio milhão de beijos. Espero que partilhes alguns comigo.
Com amor,
Crew

— Vou ficar com ele — anuncio, provocando o riso da minha mãe.


— Devias mesmo — replica, o seu olhar na mala cor-de-rosa pousada no
meu colo. — Ele escolhe bem.
— Eu escolhi a mala. Disse-lhe que se pudesse ter uma mala da Chanel,
queria que fosse uma cor-de-rosa — admito.
— Sempre adoraste cor-de-rosa. E os batons. É muito romântico. Ele
compreende-te, não é?
— Parece que sim. — Pela primeira vez, sinto-me compreendida.
Total e completamente.
— Preciso de lhe ligar.
— Vai lá, liga ao teu namorado — incentiva a mãe enquanto me levanto,
com a mala numa mão e o telemóvel na outra. — Vais vê-lo hoje, certo?
Eu paro e viro-me para ela, a sentir-me triste subitamente.
— Eu não te quero deixar sozinha.
— Oh, querida, não te preocupes comigo. Vou ficar bem. Vai estar com ele.
Passa o teu aniversário com ele. Eu sei que é isso que queres. Estou grata por
termos passado a noite de ontem juntas. E esta manhã. — O sorriso dela é
triste. — Já perdi muito tempo a estar triste contigo e com o teu pai quando
me devia ter inserido mais na tua vida. Peço desculpa por isso.
— Não tens de pedir desculpa — digo-lhe. — Já não.
Ela abana a cabeça e endireita-se.
— Vai-lhe ligar. Tenho a certeza de que está à espera de ouvir de ti.
Sorrio-lhe uma última vez, vou a correr para o quarto, fechando a porta para
ter privacidade. Ligo ao Crew por FaceTime e, depois de ouvir o toque durante
uns segundos, ele atende, a cara atraente a preencher o meu ecrã. Ele está um
bocado mais descabelado em comparação com ontem. O seu cabelo está
desgrenhado, e os pelos da barba traçam-lhe o rosto e o maxilar.
Seguro a mala cor-de-rosa à minha frente, mostrando-a.
— Recebeste-a.
— Adoro-a. — Deixo cair a mala na cama ao meu lado. — E aqueles batons
todos. Compraste mesmo as cores todas que a Chanel tem?
— Todas as quatrocentas que têm. Não reparaste no quão cheia de batons
estava a caixa?
— Também havia batons na mala.
— Isso foi um pedido especial. Normalmente, não metem nada dentro da
mala quando a compras. Comprei a mala a outra vendedora, já agora. Uma
mulher mais velha e muito mais simpática — explica o Crew.
— Amei. — Paro, a palavra pesada na minha língua, e ele manda-me um
olhar conhecedor.
— Não digas nada, Birdy. Agora não, não enquanto estamos a falar por
FaceTime. — O sorriso dele é presunçoso. — Guarda isso para quando
estivermos mesmo juntos.
Desato a rir.
— Como é que sabias?
— Porque eu sinto o mesmo.

**** Wren é um nome de uma família de pássaros, que, em português, são comummente conhecidos
como carriças. (NT)
CINQUENTA E DOIS
CREW

— És patético.
É a primeira coisa que o Grant me diz quando volto à sala de estar depois da
minha conversa rápida com a Wren.
— Oh, deixa-o em paz. — Isto vem da namorada do Grant, a Alyssa. Ela não
tem medo de lhe responder, e acho que ele respeita isso. A contragosto. Eu sei
que respeito. Ninguém fala com o Grant como ela. — Ele está apaixonado.
Até há um dia era capaz de o ter negado, mas caramba.
Estou definitivamente apaixonado pela Wren Beaumont.
Comprar A Million Kisses in Your Lifetime como prenda de aniversário mais
do que confirma isso. Enviar-lhe uma mala da Chanel e pagar uma catrefada de
dinheiro por quatrocentos batons também o comprova.
A peça provou ser difícil de encontrar. Mais difícil ainda de a comprar ao
dono anterior. O gajo não queria abrir mão dela, independentemente dos
valores que lhe oferecêssemos, e manteve-se firme durante um bom bocado.
Também me fez suar, e o Grant adorou todos os segundos, o cabrão.
Mas o dinheiro fala sempre mais alto, e os Lancasters têm bastante. Acabei
por conseguir adquirir a peça que a minha miúda tanto adora por uns porreiros
um milhão e duzentos mil dólares.
— Se estar apaixonado me faz ser patético, então tu também és — digo ao
meu irmão, a parecer um puto de cinco anos.
— Parem de discutir — ordena a mãe, num tom ameno. — Quando é que
ela chega, Crew? Janta connosco?
— Deve estar quase a chegar. E sim, ela janta cá. É o aniversário dela.
As sobrancelhas da mãe disparam para cima.
— O quê? Hoje?
Aceno.
— Então temos de celebrar. Vou falar com o chef. Já tínhamos ideias
planeadas para o jantar, mas precisa de ser extraespecial. E devíamos ter um
bolo! Oh, céus. — Ela levanta-se e apressa-se para a cozinha, chamando pela
equipa de cozinha.
— Gastaste mesmo um milhão de paus num quadro para ela? — Isto vem do
Finn, o meu segundo irmão mais velho. Está reclinado no sofá, agarrado a um
copo de sumo de laranja carregado com vodca.
E ainda não é meio-dia. Suponho que ele precise disso para sobreviver a todo
o tempo em família que temos vivenciado nestes últimos dias, tempo que ele
normalmente tenta evitar.
Não que eu o possa culpar. Essa é a parte boa de estar preso no internato da
Lancaster Prep: só vejo a minha família nos feriados importantes.
— Gastei — digo, com um aceno, enquanto caminho até às janelas que dão
para a cidade, parando ao lado do pinheiro gigante decorado com luzes
brancas.
A mãe esmerou-se este ano. A casa tresanda a pinheiro, o que não é uma coisa
má.
— E não é um quadro.
— Então é o quê, porra? — pergunta o Finn.
Viro-me para o olhar.
— É uma peça feita com batom.
O Finn franze o sobrolho.
— Como assim?
— Alguém beijou a tela. Vezes sem conta com diferentes tons de batom da
Chanel — explica a Alyssa, o seu olhar acanhado encontrando-se com o meu.
— Quando o Grant me falou da peça, tive de ir fazer uma pesquisa. Fiquei
intrigada.
— É a peça favorita dela. — Encolho os ombros. Tudo o que quero é deixar
aquela rapariga feliz.
Independentemente do custo.
Independentemente do que quer que seja.
— Consigo perceber porquê. É linda — concorda a Alyssa, abrindo uma
imagem da peça no ecrã e mostrando-a ao Finn.
Ele estuda-a e levanta a cabeça com o sobrolho franzido.
— Não entendo.
Suspiro. O Grant diz que ele é um idiota. A Alyssa apenas abana a cabeça.
— Lamento informar, mas não tens um único osso romântico no teu corpo
— diz a Alyssa ao Finn, que, coincidentemente, é o seu antigo chefe.
— Tenho um osso em particular que não é romântico. — Ele ri-se e bebe um
gole da sua bebida, fazendo o gelo chocalhar dentro do copo enquanto a Alyssa
olha para ele com uma cara enojada.
Um dia como qualquer outro na casa dos Lancasters.
A mãe entra de rompante na sala de estar, aparentemente ofegante.
— Diz à tua rapariga encantadora para trazer um vestido, Crew. Vamos ter
um jantar formal hoje à noite.
Ah, merda.
— A sério?
— Sim. Vá, avisa-a já, rapaz, antes de ela sair de casa. Vamo-nos aperaltar! —
A mãe vira-se para a Alyssa. — Trouxeste alguma coisa apropriada para um
jantar formal, querida?
— Por acaso, trouxe. — A Alyssa sorri serenamente, tão calma quanto
possível, apesar dos esforços incansáveis da minha mãe para a azucrinar. Uma
pessoa aprende rapidamente que é preciso estar sempre preparado quando se
passa tempo com a família Lancaster. Nunca se sabe o que pode acontecer a
seguir.
— Oh. Então está bem. — A mãe funga, aparentemente desapontada por
não ter criado uma confusão.
Eu tenho pena da Alyssa. Envolver-se com o filho mais velho dos Lancasters é
uma responsabilidade enorme. Os meus pais vão sujeitá-la às nossas rotinas e
tradições sem realmente querer saber dela e vão dar o seu melhor —
especialmente a minha mãe — para a afastar. Se a Alyssa fincar o pé e não virar
costas e fugir, está aprovada.
Mais vai demorar muito tempo até conseguir ganhar a aprovação deles.
Essas expectativas não recaem em mim e no Finn, por muito injusto que isso
pareça.
A pobre Charlotte também teve de casar bem, sendo a única mulher. Não que
o nosso pai estivesse particularmente preocupado com o sítio onde ela acabava,
tendo em conta que as suas crianças nunca seriam Lancasters.
Na verdade, a minha família é muito marada. Pobre Wren.
Mas, conhecendo-a como conheço, irá derrotá-los com simpatia. Ela é
querida a esse ponto.
Quando, por fim, ela chega, estou a sentir-me ansioso, e as minhas palmas
estão a suar. Eu sei que a vi ontem, mas estou desejoso de lhe pôr as mãos em
cima. E quando recebo a notificação de que ela está no elevador da penthouse,
vou até ao corredor para a cumprimentar.
Soa o barulho de chegada do elevador, e as portas abrem-se, revelando a Wren
ali de pé no seu casaco preto acolchoado e com a mala Chanel cor-de-rosa que
lhe dei pendurada no ombro. Traz uma sacola e um saco de compras cheio de
presentes embrulhados e tem um sorriso enorme na cara quando sai do
elevador.
Diretamente para os meus braços.
Seguro-a contra mim, respirando o seu cheiro familiar e florido.
— Tive saudades tuas.
— Viste-me ontem.
— E ainda assim parece que foi demasiado tempo. — Aperto-a e beijo-lhe a
testa. Saboreio a sensação de a ter nos meus braços.
Credo, o Grant tinha razão.
Eu sou patético.
Afastando-me dela, pego nos sacos que trouxe.
— Estás pronta para conhecer os meus pais?
Os olhos dela ficam arregalados.
— Eles são assim tão maus?
— Não, nem por isso. — Estou a tentar não a assustar.
Ela endireita-se.
— Não tenho medo. Vamos lá.
— Para quem são as prendas?
— Para ti. — Ela sorri. — Para os teus pais. Mas não arranjei nada para os
teus irmãos.
— Aqueles anormais não precisam de nada — asseguro.
Ela ri-se.
— Estás sempre a chamar-lhes isso.
— Porque é isso que eles são.
— Eles não podem ser assim tão maus. — Ela encarquilha o nariz.
— Espera para ver.

Os meus irmãos controlam a boca à beira da Wren, coisa que aprecio. O pai
não parece muito interessado nela, mas por quem é que ele se interessa? Pelo
Grant, e mais ninguém. O resto pode ir para o Inferno.
A Alyssa sente que tem ali uma aliada e faz muita conversa com ela, o que
acalma os nervos da Wren. Eu aprecio o que a Alyssa está a fazer e digo-lho
enquanto nos preparamos para abrir presentes.
É bom que o Grant case com ela em breve — ninguém aguenta aquele
rabugento como ela.
A mãe adora a Wren. Dá para ver pela maneira como olha para ela. As coisas
que diz. A prenda que ela deu aos meus pais foi um conjunto de ornamentos
para a árvore de Natal feitos de cristal azul da Tifany.
A prenda que me dá é pequena e sentimental. É um mapa numa moldura
cinco por sete, com um ponto vermelho na galeria para onde a segui em
Tribeca.
— Este tipo de prenda é mais para mostrar o sítio em que o casal se conheceu
pela primeira vez — afirma, o rosto rosado conforme explica a prenda. — Mas
foi na galeria que tudo… mudou entre nós.
Olho para o mapa emoldurado. O ponto vermelho que, na verdade, tem a
forma de um coração. É uma pena não ser um par de lábios vermelhos.
— Adoro.
— Gostas mesmo? Não achas piroso?
Inclino-me e pressiono a boca contra a dela.
— Nada do que me dás é piroso. Adorei esta prenda.
— Vocês os dois — começa o Grant a dizer, mas a Alyssa coloca a mão em
cima da boca dele, abafando o que quer que fosse que ele ia dizer.
— São muito fofos — acaba a Alyssa por ele.
O Grant revira os olhos, e o Finn dá um ronco de riso.
Eu não digo nada, apenas sorrio para a rapariga que tem o meu coração.
Merda. Ainda é um bocado difícil para mim encaixar isso na cabeça.
Assim que acabamos de abrir as prendas, toda a gente se separa e vai em
direções diferentes, e eu arrasto a Wren de volta para o meu quarto. Estou
prestes a fechar a porta quando ela me interrompe.
— Devíamos deixar a porta aberta.
Franzo o sobrolho.
— Porquê?
— Não é um bocado… incorreto? — Ela faz uma careta.
Ah, o meu passarinho inocente. Ainda tão querida.
Deixando a porta parcialmente aberta, vou até ela, puxando-a para um beijo.
Ela responde imediatamente, pressionando o seu corpo luxuriante contra o
meu, os braços rodeiam-me o pescoço, e os dedos mergulham no meu cabelo.
Termino o beijo primeiro, olhando-a nos olhos.
— Diz-me que queres que a porta permaneça aberta.
— Eu não vou ter sexo contigo no dia de Natal com a tua família aqui —
sussurra ela.
— Não é Natal. É o teu aniversário.
— Tanto faz. — Ela abana a cabeça. — Vamos mesmo aperaltar-nos para o
jantar?
— Oh, prepara-te. A minha mãe adora estas merdas.
— Eu gosto dela. Achas que ela gosta de mim?
Beijo-a de novo.
— Sem dúvida. Ela gostou da tua prenda.
— Ainda bem. Debati-me muito com ela. — O olhar dela viaja para a mala
Chanel novinha em folha, pousada aos pés da cama. — Adoro as prendas que
me deste.
— Ai, sim? — Passo os dedos pelo seu cabelo sedoso, olhando para a sua cara
bonita. Podia olhar para este rosto para sempre e nunca me cansaria dele. —
Provavelmente exagerei.
— Exageraste mesmo. — Ela sorri. — Mas eu adorei. Que me tenhas
comprado A Million Kisses in Your Lifetime…
— Tu amaste.
— Tanto.
— Era para te mandar uma tela em branco, mas esqueci-me — admito.
Ela ri-se.
— Podemos ir comprar umas.
— Fazias uma versão da peça para mim?
As sobrancelhas dela erguem-se.
— Gostavas que o fizesse?
Aceno.
— Sem dúvida. Gosto da ideia de ter uma tela pendurada na minha casa
preenchida com as tuas impressões de batom. Um milhão de beijos só para
mim.
Ela atira-se a mim, o seu corpo colide com o meu mesmo antes de me beijar.
Seguro-a contra mim, agarrando a parte de trás da sua cabeça com a minha
mão, enquanto devoro a sua boca, a minha língua varre a sua, enleia-se com a
dela. Afasto-me para sussurrar contra os seus lábios as duas palavras que nunca
acreditei vir a dizer à Wren Beaumont.
— Eu amo-te.
Os seus olhos brilhantes encontram-se com os meus.
— Eu também te amo.
— Quis dizer-te isso quando te dei A Million Kisses in Your Lifetime. — Faço
uma pausa. — Também te quero dar um milhão de beijos na vida real. Quero
ser aquele que tu queres sempre beijar. O único para quem usas o batom da
Chanel.
O sorriso dela é enorme. Ofuscante.
— Eu não quero beijar mais ninguém. Só a ti, Crew. Só a ti.
Ela beija-me outra vez para o provar.
CINQUENTA E TRÊS
WREN

Estamos na véspera de Ano Novo. O dia de que menos gosto no ano inteiro.
Estou na residência Lancaster com o meu namorado. Os pais dele foram a
uma festa e vão passar a noite no hotel onde a festa está a acontecer, e o Crew
prometeu-me que íamos ficar a sós.
Só nós os dois.
Mas assim que chego ao seu apartamento, apercebo-me de que ele me
enganou, e não me importo de todo. Estão aqui pessoas da escola. Pessoas que
eu conheço e de quem gosto, incluindo a Maggie. A Lara e a Brooke. Vejo o
Ezra e o Malcolm a falarem num canto, ambos a rirem-se. O teto está coberto
por uma multitude de balões, com as suas fitas longas e enroladas, todas elas
com o mesmo esquema de cores — rosa, dourado e branco. Rosas cor-de-rosa
preenchem todos os espaços disponíveis, e há uma torre de copos de
champanhe numa mesa, cada um cheio do líquido efervescente.
Avisto um bolo rosa e branco noutra mesa, rodeado por presentes.
São as coisas que lhe descrevi naquela noite. Cada uma delas.
Olho para o Crew, que me está a observar com tanto amor a brilhar-lhe nos
olhos.
— Organizaste uma festa para mim — sussurro.
— Uma festa de aniversário de Ano Novo — diz ele, pegando na minha mão
e puxando-me para um beijo. — Espero que não te importes.
Estou tão assoberbada que tenho medo de desatar a chorar.
— Eu não me importo — crocito, grata por ele me segurar nos seus braços,
para poder fungar no seu ombro, fechando os olhos com força para que as
lágrimas não comecem a verter.
— Estás linda, Birdy — murmura quando eu finalmente me afasto.
Estou a usar um vestido branco brilhante. As mangas são em forma de balão,
e o corpete tem profundidade, mostrando bastante decote. A saia é extracurta,
e deixo um rasto de brilhantes iridescentes por onde passo.
— Obrigada. Tu também estás.
O Crew está a usar um fato preto com uma camisa branca por baixo, aberta
em cima, sem gravata. Ele está com ar atraente e sexy, e sempre que o seu olhar
pousa em mim sinto a pele aquecer, porque sei no que ele está a pensar.
Em mim e nele, nus. Isso vai acontecer em breve, depois de os convidados se
irem embora. Mas, agora, quero cumprimentar toda a gente.
E é isso que faço.
Como boa anfitriã, vou cumprimentando e metendo conversa com todos,
com o Crew ao meu lado, como se fôssemos um casal verdadeiro, coisa que
somos. Há uma mesa carregada com comida confecionada pelo serviço de
catering e muitas opções de bebida, e eu acabo por arranjar um prato que
encho com comida, antes de ir buscar um copo de champanhe da torre e de me
sentar com a Maggie, a beber e a comer enquanto pomos a conversa em dia.
Sabe tão bem passar tempo com os meus amigos e sabendo que o Crew está
por perto, sempre com um olho fixo em mim. Há uns dias, ele mencionou que
tinha tido uma conversa com o Ezra, e já não estão chateados um com o outro,
o que deixa o meu coração feliz.
Alguém acaba por meter música a dar e está tão alta que as pessoas começam
a dançar. O álcool está a fluir.
A celebração transformou-se numa festa a sério.
— Bebe qualquer coisa, Wren! — encoraja o Ezra, e eu abano a cabeça.
— Vou esperar até à meia-noite — digo-lhe, lançando um olhar mudo na
direção do meu namorado.
— Oh, anda lá…
— Deixa-a em paz, Ez — diz o Crew, calando o seu amigo de vez.
Não consigo evitar dar uma risadinha. Ele ainda é tão rabugento. Mas nunca
comigo, não realmente.
Nos últimos momentos antes da meia-noite, dou por mim de pé ao lado da
árvore de Natal, a contemplar as luzes resplandecentes da cidade. O cheiro
carregado a pinheiro ainda paira no ar, e olho de relance para a árvore,
maravilhada pelas luzes brancas. O Crew aproxima-se por trás de mim, vejo o
seu reflexo na janela. Ele envolve a minha cintura com um braço, a sua mão
aberta a repousar sobre o meu estômago enquanto me inclino contra o peso
sólido atrás de mim.
— Quero arrancar este vestido. — Ele passa os dedos pelo meu estômago.
— Se o rasgares, vou-te magoar.
Ele ri-se no meu ouvido.
— Tão feroz. Aprendeste mesmo a aumentar a parada, Birdy.
Graças a ele. E à minha mãe. E a mim mesma. Não preciso de estar sempre
assustada ou preocupada. Consigo fazer as coisas sozinha.
Consigo ser a minha própria pessoa. Não preciso da ajuda de ninguém — a
menos que peça.
E não há mal absolutamente nenhum em pedir.
— São onze e cinquenta e dois — sussurra-me ao ouvido. — Queres estar
nua e na minha cama à meia-noite?
— Não. Temos convidados — digo, com elegância empertigada. — Quero
estar aqui com copos de champanhe, e podemos brindar à saúde um do outro
quando os ponteiros chegarem às doze. O que achas?
— Acho que estás a tentar recriar a tua fantasia mais secreta — diz ele.
— Eu acho que tu queres recriar a minha fantasia mais secreta, graças a esta
festa que organizaste para mim — lembro-o.
Lembro-me de lhe ter falado disto não há muito tempo. De como queria ter
uma festa que fosse uma combinação da véspera de Ano Novo com festa de
aniversário. Contudo, o meu aniversário já passou. O ano está quase a acabar.
Um novo ano está a chegar, e a minha vida está prestes a mudar. Já mudou.
Da melhor maneira possível.
— E se brindarmos à saúde um do outro, nos beijarmos à meia-noite e depois
tu podes levar-me para a tua cama e fazer o que quiseres comigo? — sugiro.
— Porra, estás a falar a sério? — Olho para ele, vejo aquela expressão
esperançosa na sua cara e só me quero rir.
— Estou a falar muito a sério. — É o mínimo que posso fazer depois de tudo
o que ele me tem dado. Além disso, vou beneficiar com isto de qualquer
maneira.
— Eu consigo fazer com que o Ez e o Malcolm expulsem toda a gente depois
da meia-noite.
Sorrio.
— Parece que temos um plano.
— Deixa-me ir buscar champanhe.
Ele deixa-me à beira da árvore e viro-me para ela, tocando ao de leve nos seus
ramos. Nos ornamentos delicados que estão pendurados neles. São todos
brancos e alguns parecem ser feitos com fibras de vidro. Flocos de neve e
árvores delicadas. Bolas de vidro finas e bengalas doces torcidas.
— Aqui tens. — O Crew passa-me um copo de champanhe cheio com o
líquido dourado e efervescente e fica com outro copo na mão para si. A música
é silenciada e liga-se a televisão, num daqueles programas que fazem a
contagem decrescente da passagem de ano. — Temos três minutos até à meia-
noite.
— Estamos quase. — Os nervos borbulham-me no estômago, mas, desta vez,
nesta noite, sabem bem. Estão certos. Porque o próximo ano vai ser um ano de
possibilidades infinitas. Grandes mudanças. Um futuro entusiasmante.
As pessoas começam a passar chapéus e apitos línguas da sogra, e eu pego
num e sopro-o mesmo na cara do Crew. Ele faz um esgar, tirando-o da minha
mão.
— Que cor vais usar hoje à noite?
Ele está a falar dos meus lábios.
— Sensato é a palavra-chave. — Sorrio, desesperada por dar um gole do meu
champanhe, mas querendo esperar pela meia-noite primeiro. — Gostas?
— Até agora, adoro todas as cores nos teus lábios. São a melhor prenda que te
podia ter dado… e a mim.
— E tu não me chegaste a dizer como é que a vendedora reagiu quando
fizeste o pedido — digo, a brincar com ele.
— Ela achou que eu estava a brincar. — Ele ri-se. — Depois, lancei-me
numa explicação muito longa acerca da arte e da história por detrás da peça e,
quando terminei, ela disse que ia adorar ajudar-me. — O olhar dele encontra o
meu. — Ela disse-me que eu devia gostar mesmo muito da rapariga em
questão, e eu disse-lhe que sim, gostava mesmo dela.
O meu coração transborda de emoção com o que ele acabou de dizer. Com a
maneira como está a olhar para mim. A multidão reúne-se à volta da televisão,
algumas das pessoas estão próximas de nós, e o Malcolm tem um apito, que
sopra na nossa direção, fazendo-me rir.
— A contagem está quase a começar! — anuncia alguém.
— Menos de um minuto — sussurra o Crew, e apercebo-me de que não
quero estar a olhar para a contagem na televisão quando podíamos olhar pela
janela e ver parte da contagem a sério a acontecer lá fora. Pelo menos vamos ver
o fogo de artifício.
— Vamos olhar para a cidade — sugiro, e viramo-nos os dois para olhar pela
janela, de costas para toda a gente.
Ele está a observar-me. E eu estou a observá-lo. Quando começam todos a
contar, ele também começa, com uma voz suave.
Só para mim.
— Dez. Nove. Oito. Sete. Seis.
Junto-me a ele.
— Cinco. Quatro. Três. Dois. Um.
— Feliz Ano Novo, Birdy. — A cara dele está tão próxima da minha que os
seus lábios roçam os meus quando fala.
— Feliz Ano Novo — murmuro antes de o beijar.
Apesar da gritaria e do alarido dos nossos convidados, também consigo ouvir
as explosões abafadas de fogo de artifício a rebentar no ar. O clamor das
pessoas a dar as boas-vindas ao novo ano nas ruas. Afasto-me para ver o fogo de
artifício. Explosões de vermelho e branco enchem o céu, e o Crew desliza o seu
braço ao redor dos meus ombros, aninhando-me contra ele, e o seu copo toca
no meu.
— A este novo ano — diz ele.
— A este novo ano — repito antes de bebermos um gole.
O champanhe efervesce na minha garganta, e dou outro gole, acabando por
esvaziar o copo. O Crew faz o mesmo, tirando-me o copo da mão e pousando
os dois numa mesa que está por perto, antes de me dar a mão e me guiar de
volta para o seu quarto.
Esquecemos toda a gente. Só estamos focados um no outro.
Dentro do quarto está escuro, as cortinas estão abertas apenas o suficiente
para deixar entrar a luz dos arranha-céus e, quando ele me puxa para ele, vou
de bom grado. Um gemido suave deixa-me quando ele passa as mãos pelos
meus lados, os seus dedos a juntar nas mãos o tecido do meu vestido.
— Não me canso de ti — afirma, mesmo antes de pôr a boca na minha, e eu
abro-me a ele completamente, com a minha língua a lançar-se para se
encontrar com a dele.
O beijo é decadente. A boca dele sabe a champanhe, e, quando as suas mãos
entram para debaixo da bainha do meu vestido e pousam no meu traseiro
despido, estremeço.
Ele fica paralisado.
— Não estás a usar cuecas.
— Também não estou a usar sutiã — digo-lhe.
O brilho esfomeado nos seus olhos manda uma onda de calor a correr por
entre as minhas pernas, e ele vira-me com rapidez, deixando-me de costas para
ele. Os seus dedos vagueiam pela minha pele exposta, antes de começarem a
puxar o fecho do vestido. Deslizam o fecho para baixo até o vestido ficar solto
no meu corpo, caindo para a frente. Ele despe-me com mãos impacientes até o
vestido estar num monte aos meus pés, e eu afasto-o, prestes a tirar as minhas
sandálias de salto quando ele me impede, a sua mão a pousar na minha anca
despida.
— Não te descalces — diz ele, praticamente a rosnar.
Eu faço como ele pede, e, quando me vira para o encarar de novo, as nossas
bocas colidem, esfomeadas, e as suas mãos parecem estar em todo o lado ao
mesmo tempo. Na minha cintura, nas minhas ancas. Nos meus seios. Nos
meus mamilos. Ele agarra-me entre as coxas, os dedos a provocar-me, a
mergulhar dentro de mim, e eu relaxo os músculos, desejando mais.
— Quero-te foder contra a parede.
O meu corpo inteiro acende-se com a sua sugestão.
Hum. Nunca fizemos isso antes.
Quando dou por mim, estou contra a parede do seu quarto, próxima das
janelas, com a cidade iluminada diante de nós. Não há muito tempo, estaria a
passar-me com medo de que alguém nos visse. Me visse. Completamente nua.
Agora nem quero saber. Estou demasiado bêbada com desejo de o ter. A
necessidade de o sentir a mover-se dentro do meu corpo sobrepõe-se a tudo o
resto.
Lentamente, ele pressiona o seu corpo completamente vestido ao meu corpo
nu e eu silvo uma exalação, a minha pele a acordar com o roçar da sua camisa e
das suas calças na minha pele. Ele beija-me o pescoço, as mãos pousam
levemente nas minhas ancas, a sua boca desliza até à minha clavícula. Ao meu
peito. Ele dobra os joelhos, os seus lábios envolvendo-se em torno de um
mamilo, e eu enfio as mãos no seu cabelo, segurando-o contra mim.
— Porra, és linda — murmura contra o meu peito, a mão a descer para me
afagar entre as pernas. Estou molhada. Consigo ouvir os seus dedos a
escorregar no meu desejo e fecho os olhos, batendo ligeiramente com a cabeça
na parede. Já me sinto dominada pelo seu toque.
Quando ele se levanta e volta a capturar a minha boca, enquanto os seus
dedos continuam atarefados entre as minhas coxas, tudo o que consigo fazer é
deixá-lo acariciar-me, os meus joelhos a ameaçar ceder. Ele rodeia e esfrega o
meu clitóris, e o prazer radia por mim em espiral, e sei que estou quase. Agarro
a fivela do seu cinto, os meus dedos de tal modo atrapalhados que ele me afasta
a mão e trata do assunto. Desaperta o cinto, as calças e, depois, sou eu que
estou a enfiar a minha mão nas suas calças, a enrolar os dedos em torno da sua
ereção.
Quando dou por mim, estou a ser levantada, as minhas pernas fecham-se em
torno da sua cintura, a ereção está livre e mesmo onde eu mais preciso dela. Ele
embate contra mim com tanta força que, por momentos, deixo de conseguir
respirar, o seu pau desliza para dentro e para fora do meu corpo conforme me
agarro a ele, a minha boca aberta contra o seu pescoço, os meus braços
embrulhados à volta dos seus ombros largos. As suas ancas bombeiam contra as
minhas como um pistão, a sua velocidade aumenta com cada estocada, e eu
fico completamente quieta, já à beira de um orgasmo.
Ele sabe exatamente como me tocar — e onde. Os meus gemidos são uma
indicação do que quero, onde o quero, e ele sabe.
Ele já percebe o meu corpo e consegue dar-lhe exatamente aquilo que quero.
Aquilo de que preciso.
O meu clímax chega do nada e é tão forte que tenho dificuldade em respirar,
a minha mente fica completamente em branco. Só me consigo concentrar nos
tremores intensos que convulsionam o meu corpo, que radiam pelos meus
membros. Continuam sem cessar, parece que nunca vão parar, e eu juro que, a
certa altura, o meu coração deixa de bater.
Ele também se vem, um gemido rouco ressoa das profundezas do seu peito,
ondulando pela minha pele. Quando acaba, pressiona-me contra a parede com
todo o seu peso, a minha pele coberta por suor agarra-se às suas roupas, os
nossos corpos ainda conectados. Ele lateja dentro de mim, a sua respiração
difícil, irregular. A boca dele está próxima do meu ouvido.
— Gosto de te ver quando te vens — sussurra ele, e eu escondo a cara, pois,
às vezes, ainda me sinto tímida, o que é tonto.
Ele tem-me visto nua tantas vezes nas últimas semanas que nem tem piada.
Aceno, ainda incapaz de falar. Demasiado assoberbada pelo que ele me faz
sentir.
Tudo o que fazemos juntos — especialmente isto — sabe tão bem, é tão
certo. Temos uma ligação que não tenho com mais ninguém.
Nem com os meus amigos. Nem com a minha família.
Mais ninguém.
Só ele.
A sua boca roça o meu ouvido enquanto sussurra:
— Eu consigo fazer isso acontecer outra vez.
— Eu sei que consegues. — Sorrio e interrogo-me se ele o consegue ouvir na
minha voz.
— Eu estou sempre a fazê-lo — acrescenta.
Um riso suave deixa-me.
— Estás a rir, mas sabes que é verdade. — Ele mordisca o lóbulo da minha
orelha. — Eu consigo fazer com que te venhas uma e outra vez. A noite toda,
se me deixares.
Um suspiro suave escapa-se de mim, e, quando ele aninha a cara no meu
pescoço, o Crew sussurra:
— Diz alguma coisa.
— Eu amo-te. — É o que lhe digo, e ele levanta a cabeça para me poder olhar
nos olhos.
— Eu também te amo. — O sorriso dele é de pura satisfação.
— Leva-me para a cama — exijo.
— Porquê? — As suas mãos deslizam pelo meu rabo nu, como se me fosse
levar para a cama estando ainda dentro de mim. — Estás cansada?
Ele está-se a meter comigo.
Abano a cabeça.
— Quero começar o ano novo como deve ser. Durante o resto da noite. —
Beijo-o, a minha língua lançando-se para fora para lhe dar uma lambidela. —
Contigo.
O Crew sai de dentro de mim e põe-me no chão. Estou a tirar as sandálias
quando reparo numa coisa e estendo a mão para o seu maxilar, virando-lhe a
cabeça para o lado quando vejo o que é.
Marcas de beijos espalhadas por todo o seu pescoço.
— Preciso de tirar uma fotografia — começo a dizer, mas ele agarra-me e
leva-me para a cama, caindo nela em cima de mim.
— Não, não precisas. Tens a vida toda para fazer isso, lembras-te? — Ele
beija-me, roubando-me a respiração, mas não conseguindo roubar por
completo todos os meus pensamentos.
Pouso a mão no seu peito, parando-o.
— Achas que isto vai funcionar? A sério?
O sorriso dele desenha-se lentamente. É deslumbrante. Ele toca-me no rosto.
Faz os seus dedos vaguear pela minha pele.
— Sim, acho mesmo. Mais ninguém atura as minhas merdas como tu.
Começo a rir às gargalhadas, o que faz o meu peito doer.
— E mais ninguém me entende como tu.
Ele beija-me.
— Aí está um.
Franzo o sobrolho.
— Um quê?
— Um beijo. Acho que vou contar quantos beijos te dou daqui em diante.
— Isso é impossível.
Ele beija-me de novo.
— Achas? Observa.
Outro beijo.
— São três até agora.
E outro beijo.
— Quatro…
Subo para cima dele, silenciando a sua nova contagem com os meus lábios.
Não precisamos de contar.
Eu sei que ele me vai dar pelo menos mais um milhão.
EPÍLOGO
CREW

Dois anos mais tarde…

Estamos a celebrar o Natal em casa dos meus pais nos Hamptons. Não sei bem
porque estamos aqui, mas a minha mãe queria fazer algo diferente este ano e
não queria passar o Natal com os outros Lancasters.
«Agora temos a nossa própria família», explicou ela. «Com o Grant e a Alyssa,
e o Perry e a Charlotte. Oh, e tu e a Wren. E, em breve, vamos ter muitos
netos.»
Ela disse-me isto no dia de Ação de Graças, quando me ligou. Bastante eficaz
a fazer os meus tomates murchar.
«Iá, bem, não contes com netos nossos para já», disse-lhe um riso nervoso.
A Wren atirou-me um olhar fulminante, mas os seus olhos estavam a dançar,
como se achasse a minha dor súbita hilariante.
Ela é uma rapariga travessa.
A minha rapariga travessa.
Os presentes já foram abertos de manhã. O brunch foi servido há horas e está
na altura de nos prepararmos para o jantar. É uma ocasião formal e fomos
todos notificados que os homens usam fatos, e as mulheres, vestidos
semiformais.
Isto fez com que a Wren tivesse uma crise de nervos.
— Eu não sei o que vestir. — Ela tem quatro vestidos pendurados na porta
do armário e está a contemplá-los enquanto rói a unha.
Eu ponho-me de pé a seu lado, inclinando a cabeça para o lado.
— Eu gosto daquele.
É preto e parece ser capaz de esticar, com um tecido que é atravessado por um
fio prateado brilhante. Vai-se agarrar a ela como uma luva e deixar-me com
desejos de a despir durante a noite toda.
Eu gosto de me torturar com a Wren e a sua beleza fogosa inequívoca, por
isso estou mais do que pronto.
— A sério? — Ela abana uma mão na direção do vestido coberto com
lantejoulas douradas. — Eu gosto mais daquele.
Abano a cabeça.
— Guarda esse para o Ano Novo.
Ela vira-se para mim e sorri-me.
— Isso é uma boa ideia.
Com a decisão tomada, ela pega no vestido e entra na divisão do roupeiro
para o vestir, fechando a porta atrás dela.
— Eu já te vi nua — relembro-a.
A minha resposta é uma risada suave.
— Porque é que te estás a vestir aí? — Dispo as calças de ganga e visto calças
pretas, apercebendo-me de que só vou poder vestir metade do fato porque a
minha camisa está pendurada no roupeiro, que está atualmente a ser ocupado
pela Wren.
— Eu quero que seja uma surpresa — diz-me ela.
Arranco a camisola e fico à espera dela sem camisa, sem nada. Ela demora o
seu tempo, e eu sei que é assim que ela opera, mas fico impaciente de qualquer
modo. Ela fica aflita com as mamas e fica sempre preocupada que pareçam
demasiado grandes, e eu tenho de a tranquilizar e dizer-lhe que são perfeitas.
Porque são.
Tal como ela é.
Passámos os últimos dois anos sempre juntos, a viajar pelo mundo.
Decidimos adiar a ida para a faculdade para ganharmos experiência de vida
real primeiro, com a Wren a acrescentar mais peças à sua crescente coleção de
arte durante as nossas viagens. Quando fez dezoito anos, ganhou acesso a um
pequeno fundo fiduciário do lado da família da mãe e, desde essa altura, tem
estado a investir com sensatez em peças de arte.
Eu sou capaz de lhe comprar uma peça ou duas, mas ela impede mais do que
encoraja a minha indulgência. O recente divórcio dos pais e a subsequente
divisão de bens deixou-a preocupada, e eu odeio isso.
A coleção de arte dos Beaumonts é uma coisa maravilhosa e foi recentemente
vendida em dois leilões separados com a Sotheby. Os pais dela ganharam uma
fortuna. A Cecily já começou uma nova coleção.
A Wren chorou nos dois dias do leilão, demasiado assombrada pela perda de
todas aquelas peças. Ela não sabe nada acerca da peça que lhe comprei num
leilão diferente, uma peça que a mãe dela avistou no catálogo da Sotheby,
tendo-me ligado de imediato para me falar dela.
Mas, em breve, também a Wren vai ficar a saber da peça. Breve, tipo hoje à
noite.
Já viajámos por toda a Europa. Passámos um mês no Japão. Um verão nas
montanhas canadianas. Duas semanas na Suíça. Voltámos a casa porque é
necessário, e a Wren gosta de se encontrar com a Maggie e com a Lara e a
Brooke, que estão todas na universidade em Nova Iorque. Além disso, quer
passar tempo com a mãe.
A relação dela com o pai ainda não é a melhor, e até houve um período em
que ela não lhe falou de todo, mas agora já estão a falar mais. Ela até foi ter
com ele na véspera de Natal, o que foi um passo gigantesco. Ele está a viver
com a Veronica, que já não trabalha para ele. Ela odeia arte, mas adora gastar o
dinheiro do Harvey.
Imagine-se.
Não está na moda passar as férias nos Hamptons, mas a minha mãe sempre
quis ser mais uma trendsetter. É mais o facto de ter adotado a atitude clássica
dos Lancasters de Estou-me pouco lixando que o resto da família tem.
A mãe da Wren também veio, porque lhe pedi para vir. Quero que ela
presencie o que está prestes a acontecer hoje à noite, porque vou mudar o jogo
todo.
A vida toda.
— Pronto, ta-da! — A Wren abre a porta com um pontapé e ergue os braços,
e aquele vestido agarra-se ao seu corpo sexy pra caralho, tal como eu sabia que
ia acontecer.
O meu olhar passa por ela, sem saber onde aterrar primeiro.
— Meu Deus.
— O que achas? — Ela vira-se, revelando que as costas do vestido são
completamente abertas, antes de rodopiar para me encarar. — Gostas? Oh, dá
para ver que sim.
Atiro-me para ela, as minhas mãos na sua cintura, a boca na dela. Ela
pressiona as mãos contra o meu peito, afastando-me novamente.
— Onde está a tua camisa?
— No roupeiro onde estavas.
Ela desliza as mãos para baixo, os seus dedos fechando-se à volta da cintura
das minhas calças.
— Acho que devias ir assim para o jantar de Natal.
— Está bem.
Dou um puxão ao decote do seu vestido, o material elástico move-se
livremente até uma mama perfeita estar exposta.
— E tu podes ir assim.
— Não me parece. — Ela solta-me e volta a compor o decote, fulminando-
me a brincar. — Tens de te acabar de vestir.
Enquanto me visto, faço o meu melhor para ignorar os nervos que vão
crescendo dentro de mim, esperando que esta rapariga demasiado observante
não junte já as peças todas do puzzle. Aparentemente, ela está a leste, e o seu
bom humor acaba por passar para mim, até que eu também não consigo evitar
sorrir.
É isto que ela me faz. Faz-me feliz. Eleva-me o espírito. Não me deixa ser um
grande anormal — a maior parte do tempo. Ela é querida e divertida e
inteligente e interessante, e eu desfruto de todos os dias que passo com ela.
E apesar de ainda sermos jovens e de ela estar prestes a fazer vinte anos, eu sei,
sem sombra de dúvida, que não quero viver a minha vida sem ela. Eu preciso
de oficializar as coisas.
Com sorte, ela vai dizer que sim.
Lá acabamos por sair do quarto de hóspedes que estamos a partilhar e
descemos até à sala de jantar formal, onde já toda a gente se encontra à nossa
espera, com bebidas na mão e aperitivos à disposição. A mãe da Wren está a
falar com a Alyssa, que está muito grávida com o bebé do Grant — uma
menina. Só o facto de saber que vai trazer uma menina ao mundo mudou o
meu irmão por completo. Agora é mais simpático com todas as mulheres e não
deixa o nosso pai dizer uma palavra negativa que seja sobre o primeiro neto ser
uma menina.
Apesar de ser precisamente isso que aquele velho canalha misógino quer fazer.
O Finn veio para os Hamptons sozinho — perpetuamente solteiro e feliz com
isso. A Charlotte está com o seu marido, o Perry, e, apesar de ter passado por
muito nos últimos tempos, parecem estar felizes. Apaixonados.
O pai está a emborcar uísque, e a mãe está num estado de preocupação com
os arranjos florais das mesas. A Wren vai ajudá-la — a minha miúda continua a
adorar preocupar-se com tudo e mais alguma coisa —, e, enquanto está
distraída, certifico-me de que a peça que pedi para entregarem há umas horas
foi colocada no sítio certo, conforme as minhas instruções. Olho para dentro
do meu bolso para me certificar de que o anel ainda ali está e, sim, de facto,
não ganhou um par de pernas para se pôr a andar.
Porra, estou nervoso.
— Tenho um anúncio para fazer — digo para a sala, e toda a gente se vira
para me observar, com interrogações estampadas nas suas caras.
Especialmente a Wren.
Rezando com todas as forças para não dar cabo do meu discurso preparado,
começo-me a falar.
— Então, havia uma rapariga, que eu não conhecia, que chegou ao campus
no nosso primeiro ano, e eu achava que ela era a rapariga mais bela que já tinha
visto. Foi ódio à primeira vista.
Os meus irmãos riem-se. O meu pai também. A minha mãe só suspira e
abana a cabeça.
A Wren sorri-me, pois já sabe esta história.
— Havia qualquer coisa nela que eu via em mim mesmo, apesar de nunca ter
realmente acreditado que tínhamos algo em comum. Como é que podíamos
ter? Ela era o meu oposto, ou assim pensava. Até termos um projeto de
Psicologia aos pares no nosso último ano. A nossa professora meteu-nos a
trabalhar em conjunto. Aprendi muito sobre ela, e ela aprendeu muito sobre
mim. E, pronto, sentimo-nos cativados um pelo outro, e agora aqui estamos.
Juntos há dois anos. Os melhores dois anos da minha vida. — Eu sorrio-lhe, e
ela sorri de volta, mas, de repente, vejo algum nervosismo na expressão dela.
Será que ela sabe o que estou prestes a fazer?
— Apercebi-me de que aquilo que via nela antes não era o que via em mim
mesmo. De todo. A Wren não é como eu. Ela é uma parte de mim. E eu não
consigo imaginar a minha vida sem ela.
A sala está num silêncio absoluto. Os olhos da Wren brilham com lágrimas
não derramadas.
— Talvez me odeies por isto, por fazer isto no teu aniversário e no Natal,
mas… — Vou até ela e pouso um joelho no chão, pegando na mão dela. —
Wren, eu amo-te tanto, tanto. Casas comigo?
Meto a mão dentro do bolso e tiro o anel que escolhi só para ela.
É um único diamante solitário de corte redondo. Simples. De três quilates.
Suficientemente grande, mas não ridiculamente gigante como os anéis usados
por todas as noivas Lancaster que alguma vez existiram.
E está pendurado no pau de um Blow Pop de cereja.
— Oh, meu Deus. — Ela começa a rir, o rosto fica rosado, e eu sorrio. — A
sério, Crew?
— Responde-me, Birdy.
Seguro o chupa-chupa — e o anel — na sua direção.
— Sim — sussurra a Wren, o olhar dela encontrando-se com o meu
enquanto acena sem parar. — Sim, sim!
Tiro o anel do Blow Pop e meto-o no dedo dela, e ela abre mais a mão,
afastando os dedos, com o anel de diamantes a brilhar para ela e quase a cegar-
me.
Levanto-me e puxo-a para os meus braços, beijando-a loucamente.
Alguém começa a bater palmas e, de repente, a sala inteira está a vibrar com
aplausos. Até o meu pai está a bater palmas e a sorrir, e isso é um grande feito.
— Oh, meu Deus, eu amo-te — diz a Wren, só para mim, beijando-me outra
vez.
— O que é que se passa com o Blow Pop? — pergunta o Finn, o seu olhar a
cair para o chupa que ainda estou a segurar.
— É uma piada privada — digo-lhe.
A Wren bate-me no peito ao de leve, sorrindo.
A mãe dela aproxima-se de nós e puxa-me para ela para me dar um beijo
rápido na face.
— Estou tão orgulhosa por te ter como meu futuro genro.
— Obrigada.
A Cecily e eu sempre nos demos bem. Ambos queremos o melhor para a
pessoa mais importante nos nossos mundos.
A Wren.
— Estás pronto para lhe dar a outra prenda? — pergunta a Cecily.
A Wren abre a boca, pasmada, com os olhos arregalados fixos em mim.
— Há outra prenda? Crew, se continuas assim, vais chegar a um ponto em
que não te consegues superar.
Eu rio-me.
— Não estou preocupado com isso. E sim, Cecily, vou buscá-la.
Vou até à pequena sala de estar que está conectada à sala de jantar e pego na
tela antes de a trazer para dentro da divisão para a Wren a ver. Assim que ela a
avista, tapa a boca com a mão, os olhos arregalados com choque.
Ela olha para a mãe e, depois, para mim.
— Onde é que encontraste isto?
— Na Sotheby — responde a Cecily por mim. — Havia outro leilão. Um
que foi eclipsado pelo nosso.
Há tristeza no olhar da mãe da Wren, e eu percebo porquê.
Perder o seu casamento, a sua arte, não tem sido fácil para ela. Mas ela é forte
e já está muito melhor do que há uns tempos.
A Wren deixa cair a mão e aproxima-se lentamente da peça. É outra do
mesmo artista, esta não tem nome, mas condiz com A Million Kisses in Your
Lifetime. Foi feita ao mesmo tempo, mas é mais pequena e tem aqueles beijos
de Chanel em múltiplas camadas espalhados pela tela inteira.
— Pensei que estava desaparecida — diz a Wren, o seu olhar deslizando até
mim.
— Agradece à tua mãe. Ela é que a encontrou. Eu só a comprei.
Ela vira-se para a mãe, sorrindo-lhe antes de se atirar a mim e de me envolver
nos seus braços com tanta força que parece que me vai estrangular. Beija-me à
frente de toda a gente, afastando-se para murmurar:
— Agora sim, estás em apuros.
Franzo o sobrolho.
— Como assim?
A boca dela encontra a minha de novo, suave e doce, e eu afogo-me no seu
sabor. A regozijar-me porque esta mulher é minha. Toda minha.
Quando o beijo termina, a Wren sorri, e a visão desse sorriso rouba todo o
oxigénio dos meus pulmões.
— Agora deves-me dois milhões de beijos.
AGRADECIMENTOS

Escrevi este livro muito longo num curto espaço de tempo porque, mais uma
vez, dei comigo obcecada por um Lancaster. Eu sei que o da Sylvie devia ter
sido o próximo livro, mas… O Crew veio até mim como o Whit no ano
passado. Em dezembro, começou a sussurrar no meu ouvido, incentivando-me
a criar um quadro no Pinterest. Uma playlist. Eu estava a escrever
compulsivamente na aplicação das notas no meu telemóvel até me ter
apercebido de que devia só escrever o livro.
Então, foi isso que fiz. E agora estão a segurá-lo nas vossas mãos e espero que
tenham gostado de o ler. O Crew não é nenhum Whit. Não o consigo
duplicar, ele é único. O Crew é mais simpático do que o Whit, apesar de ter
começado por ser um idiota. Mas assim que se apaixonou mesmo pela Wren,
fez de tudo para criar momentos arrebatadores. Céus.
A peça A Million Kisses in Your Lifetime existe mesmo. Procurem-na. É fixe. E
existe mesmo um casal muito rico que se divorciou e teve de dividir a sua
coleção de arte gigantesca — li um artigo sobre eles em dezembro. Porque é
que o mês de dezembro me inspira tanto? O Drew Callahan também me
apareceu em dezembro de 2012…
Um facto curioso: eu perdi doze mil palavras deste livro a meio de janeiro.
Isso são… muitas palavras. Fiquei arrasada. CHOREI. A certa altura durante
este momento de crise, achei que ia deixar o livro em banho-maria e que me ia
focar noutra coisa. Mas eles não me deixavam fazer isso. Por essa altura, já me
tinham consumido. Por isso, arregacei as mangas e escrevi como uma mulher
possuída (estava mesmo). Tinha a playlist a tocar constantemente enquanto
escrevia. As músicas dessa playlist são eles, são a sua história, e eu nunca estive
tão obcecada com uma playlist. Algumas das músicas são da série Euphoria (eles
têm músicas tão boas).
Já agora, o Crew é o irmão mais novo da Charlotte Lancaster, e vão conhecê-
la no livro The Reluctant Bride. Ela casa-se com o Perry Constantine —
relutantemente. Oh, esperem para ver! Também os adoro!
Como sempre, dedico um obrigada gigante a toda a gente que lê os meus
livros. Não posso fazer isto sem vocês e são todos muito importantes para mim.
Também quero agradecer a toda a gente na Valentine PR por tomar conta de
mim. Nina, Kim, Daisy, Kelley — vocês são as melhores! Nina, como sempre,
muito obrigada pela tua perspetiva. Fizeste com que o final deste livro fosse
muito melhor.
Muito obrigada à minha editora Rebecca e à Sarah, a revisora das provas, por
tudo o que fazem. E à Serena, pelas suas boas opiniões. À Jan, por todo o seu
amor, entusiasmo e montagens/gráficos. Um enorme agradecimento à Emily
Wittig por fazer a capa do livro ganhar vida na minha cabeça e por ser uma
querida.
P.S. — Se gostaram de Um Milhão de Beijos, seria incrível se pudessem deixar a
vossa opinião no site onde compraram o livro ou no Goodreads. Muito
obrigada!

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