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O papel da mídia na formação de ideias e comportamentos violentos

Aline Padilha Martins e Silva1


Thainá Rodrigues Leite2

Como todos sabem, a mídia é a principal responsável por comunicar os


indivíduos a respeito de acontecimentos diários que ocorrem no Brasil e no mundo, os
quais estão relacionados a diversas áreas, a saber: política, saúde, segurança, cultura,
esporte, entre outras. Dito isso, apesar da ampla influência exercida pela mídia perante
a sociedade, a sua forma de divulgação não pode ser irrestrita, sendo impreterível que
sempre utilize os meios corretos e a linguagem apropriada para transmitir determinada
informação ao povo, sob pena de causar transtorno maior do que o esperado.
Aqui não se questiona o direito fundamental à liberdade de expressão
previsto no art. 5º, inciso IV, da Constituição Federal, pois é induvidoso que a
manifestação de pensamento é livre e somente se veda o anonimato. Pelo contrário,
defende-se que a mídia pode publicar todo conteúdo informativo, porém deve se ater à
forma de divulgação e precisa, ainda, selecionar cuidadosamente as palavras a serem
utilizadas para evitar qualquer efeito negativo sobre a sociedade. Em casos de
massacres, ataques e tiroteios em massa, principalmente, a cautela é indispensável.
A título de exemplo, pode-se citar o caso da Escola Estadual Thomazia
Montoro que ocorreu em 27 de março de 2023. Um adolescente de treze anos
esfaqueou quatro professoras e um aluno, o que resultou na morte da professora
Elisabete Tenreiro de setenta e um anos.
O choque causado à sociedade foi manifesto, porém também chocou a
todos a forma como a mídia divulgou o caso. À época do acontecimento, nada mais se
falava além do atentado à referida escola, tanto na televisão quanto em veículos de
comunicação escritos. Após os fatos, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de
São Paulo apontou que houve o aumento de denúncias sobre planejamentos de novos

1
Aline Padilha Martins e Silva (aline@nishizawa.adv.br) é advogada criminalista em Nishizawa
Advocacia, pós-graduada em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), membro
da Comissão de Ciências Criminais da OAB/DF, membro da Comissão de Diretos Humanos da OAB/DF
e membro da Comissão de Liberdade Religiosa da OAB/DF.
2
Thainá Rodrigues Leite (thaina@advocaciamac.com.br) é advogada criminalista em Machado de
Almeida Castro & Orzari Advogados, pós-graduanda em Penal e Processo Penal pela Associação
Brasileira de Direito Constitucional, membra da Comissão de Direitos Humanos e da Comissão de
Ciências Criminais, ambas da OAB/DF, e colaboradora no Instituto da Advocacia Social – INAS.
ataques em ambiente escolar. Em uma semana após o episódio, a Polícia Civil
registrou 279 possíveis casos. Para a Secretaria, o modo como foi divulgado o
atentado, com o compartilhamento de fotos e vídeos de violência, poderia servir de
gatilho para o cometimento de outros casos.3
Assim, dar voz a quem praticou o crime, publicando suas falas ou
declarações polêmicas, divulgar imagens do ataque e do suposto agressor são formas
de contribuir para a prática de novos atentados e desencadear um efeito contágio.
Diante disso, embora a mídia tenha a necessidade de informar a sociedade, não é
seguro que utilize amplamente o seu direito à liberdade de expressão sem se preocupar
com as consequências que seus atos podem causar.
A veiculação de episódios violentos desperta a curiosidade e a atenção no
ser humano, induzindo-o a coletar o maior número de informações sobre casos
noticiados. A partir disso, a mídia se torna palco principal para o espetáculo do
terrorismo ao auxiliar na disseminação do pânico e, assim, se tornar a principal arma
da guerra psicológica encabeçada pelos criminosos.
O estudo em âmbito nacional do papel da mídia na formação de ideias e
comportamentos violentos ainda é prematuro. O mundo, por sua vez, há muito já
discute a questão. Ao analisar os tiroteios em massa ocorridos entre 1º de janeiro de
2013 e 23 de junho de 2016, os americanos Michael Jetter e Jak K. Walker publicaram,
em 2018, o estudo intitulado “The Effect of Media Coverage on Mass Shootings”4 - O
efeito da cobertura da mídia nos tiroteios em massa.
No estudo, foi analisada a correlação entre matérias mencionando palavras-
chave reproduzidas no ABC World News Tonight e os tiroteios em massa que as
sucederam naquele período nos Estados Unidos. Na equação utilizada, a dupla incluiu
grandes desastres naturais ocorridos em épocas próximas aos massacres e, com isso,
puderam verificar que, quando o palco era dividido com outras notícias, os dias
subsequentes tiveram menos ataques do que quando o palco midiático se dedicava
exclusivamente aos tiroteios.
Defende a dupla que há uma relação causal entre a cobertura de tiroteios em
massa e novos ataques. Para eles, a cobertura substancial da mídia é responsável por
3
Disponível em: https://www.ssp.sp.gov.br/LeNoticia.aspx?ID=55264. Acesso em: 31 mai. 2023.
4
Disponível em: https://docs.iza.org/dp11900.pdf. Acesso em: 31 mai. 2023.
desencadear um efeito contágio em novos autores. Esse efeito que dura, em média, de
quatro a dez dias teve influência em 58% dos ataques analisados pelos autores.
Aqueles que cometem os massacres, em sua maioria, possuem histórico de
exclusão social e bullying. Ou seja, são pessoas socialmente invisibilizadas que, a
partir de ataques, buscam notoriedade e foco para si. Frente a essa realidade, a
principal responsável pela fama de quem pratica tais delitos pode ser a mídia, pois
outros potenciais criminosos quando observam demais autores sendo televisionados e
ganhando tamanha notoriedade, se sentem encorajados a cometer crimes parecidos
que, até então, estavam apenas no campo da cogitação.
A organização “Don’t name them”5 surgiu justamente para evitar que
autores de crimes tão bárbaros sejam a atração principal dos noticiários. Segundo a
página da organização, é possível que as pessoas se recordem do nome de alguns
autores de tiroteios em massa já ocorridos, mas é pouco provável que as pessoas se
recordem do nome de uma vítima.
Certamente, a mídia é responsável pela maior parte das pautas discutidas
em sociedade. Assim, a forma como transmite as informações está diretamente ligada
àquilo que será discutido entre as pessoas no dia a dia. Daí nasce a necessidade de se
modular o que se reporta, ou melhor, como se reporta.
Para diminuir o protagonismo de quem comete tais delitos, alguns dos
principais veículos de mídia se uniram e optaram por não divulgar informações e
imagens de autores de eventuais massacres. Tal movimento foi visto nas reportagens
referentes ao ataque do dia 5 de abril de 2023 ocorrido em Blumenau/SC. 6 Nesse dia,
um homem de 25 anos invadiu uma escola infantil, assassinou quatro crianças e deixou
cinco feridas.
De fato, embora seja reconhecida a importância de desviar o foco dos
autores dos massacres, ainda não se alcançou um consenso unânime na mídia em
relação a minimizar a exposição desses criminosos. Portanto, é necessário continuar
debatendo sobre o assunto, a fim de demonstrar a indispensabilidade da prudência,

5
Disponível em: https://www.dontnamethem.org/. Acesso em: 30 mai. 2023.
6
Disponível em: https://www.poder360.com.br/midia/veiculos-de-midia-decidem-omitir-nomes-de-
autores-de-massacres/. Acesso em: 31 mai. 2023.
sem comprometer, no entanto, o papel informativo essencial desempenhado pela
mídia.

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