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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO – UNIFESP


Escola de Filosofaa Letras e Ciências Humanas – EFLCH
Departamento de Filosofa – Filosofa Geral
Texto de Merleau-Ponty: aulas expositivas
Sílvio Rosa Filho

EM TODA E NENHUMA PARTE1

I – A Filosofi e o “Fori”

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Pode parecer um empreendimento inocente compor uma obra
coletiva sobre os fllsofos célebres. No entantoa não se pode
tentá-lo sem escrúpulosa pois coloca em discussão a ideia que
devemos ter da histlria da flosofa e da prlpria flosofa.

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Afnala o leitor encontrará aquia entre fsionomias e anedotasa a
vida visível dos fllsofos. Lerá em poucas páginasa e de autores
diferentesa o esboço do que tentaram dizer em muitos volumes.
Mesmo que cada vez a vida e a obra – melhor ainda: a totalidade
de uma vida e de uma obra – tivesse sido perfeitamente
decifradaa estaríamos diante de uma histlria da flosofa. Neste
casoa o presente trabalho seria infel à grande preocupação que
tiveram: a posse de uma verdade capaz de ultrapassar as
opiniões.

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Como um livro coletivo pode ter uma perspectiva central? Oraa
para que fliaçõesa progressosa recuos possam aparecer é preciso
que uma mesma questão seja colocada para todos os fllsofos e
que o desenvolvimento do problema seja balizado passo a passo.
Não podemos traçar a genealogia dos fllsofosa nem o devir da
verdadea de sorte quea neste livroa a flosofa arrisca-se a ser
apenas um catálogo de “pontos de vista” ou de “teorias”. Uma
série de retratos intelectuais deixará no leitor o sentimento de
uma tentativa inútila cada fllsofo oferecendo como verdade
manias inspiradas por seu humor ou pelos acidentes de sua vidaa
retomando questões em seu início para deixá-las inteiras aos
seus sucessoresa sem quea de um universo mental a outroa seja
possível uma comparação. Se os mesmos termos – ideiaa
liberdadea saber – não têm o mesmo sentido aqui e acoláa e se
falta uma testemunha única capaz de reduzi-los ao mesmo
denominadora como veremos crescer uma flosofa através dos
fllsofos?

1 Introdução para um livro coletivo – Les Philosophes Célèbres – de Lucien Mazenod


(nota do editor francês). Tradução de Marilena Chauí do original francês Partout et
nulle part.
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Para respeitar o que buscaram e falar dignamente delesa não
seria necessárioa ao contrárioa tomar suas doutrinas como
momentos de uma única doutrina em curso e salvá-lasa à moda
hegelianaa dando-lhes um lugar na unidade de um sistema?

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É bem verdade quea à sua maneiraa o sistema é bastante
desenvoltoa poisa se as incorpora numa flosofa integrala é porque
pretende conduzir a tarefa floslfca melhor e mais longe do que
elas o fzeram. Uma flosofa que desejou exprimir o Ser não está
salva ao sobreviver como um momento da verdade ou como um
primeiro esboço de um sistema fnal que não é ela. Quando
“ultrapassamos” uma flosofa do “interior”a roubamos sua almaa
fazemos-lhe a afronta de guardá-las sem suas “limitações”a das
quais nos arvoramos em juízesa isto éa sem suas palavrasa seus
seus conceitosa como se os meandros do Parmênides ou o curso
das Meditações pudessema sem perdaa ser reduzidos a um
parágrafo do Sistema.

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Na realidadea o Sistema os supõe conhecidos: eis porque pode ir
mais longe… Mesmo que os concluaa não os inclui. É na escola
dos outros que aprendemos todo o sentido da flosofa hegelianaa
que pretende ir além. O movimento dos contraditlrios que
passam um no outroa o positivo que explode em negação e o
negativo que se verifca positivoa tudo como com Zenãoa com o
Sofstaa com a dúvida de Descartes. O Sistema começa com eles.
É o fogo onde se concentram os raios de muitos espelhosa que
tenderiam para o grau zero se parassema um sl momentoa de
dardejá-lo com suas luzes. Há transgressãoa transcrescença do
passado no presente. A Verdade é um sistema imaginárioa
contemporâneo de todas as flosofasa que conserva sem perda
sua potência signifcativaa e do qual uma flosofa existente é
apenas um esboço sem forma…

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Hegel também sabia disso. “A histlria da flosofa”a diz elea “está
toda presente”. Isto signifca que Platãoa Descartesa Kant não são
verdadeiros somente naquilo que virama exceção feita do que não
viram. Os desvios que prepararam a flosofa hegeliana não estão
superadosa continuam permitidosa mais ainda: permanecem
necessáriosa porque são o caminhoa e a Verdade é apenas
memlria daquilo que foi encontrado durante o percurso. Hegel
fecha a histlria em seu sistemaa porém as flosofas passadas
continuam a respirar e agitar-se ali dentro: com elasa encarcerou
também a inquietaçãoa o movimentoa o trabalho da contingência.
Dizer que o Sistema é a verdade daquilo que o precedeua é
também dizer que as grandes flosofas são “indestrutíveis” 2a não
por terem visto parcialmente aquilo que o sistema iria descobrir
totalmentea mas por terem implantado marcos – a reminiscênciaa
as ideias de Platãoa a physis de Aristltelesa o gênio maligno de
Descartes – por onde a posteridade não cessaria de passar.

2 Martial Guéroult.
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Certa veza Sartre opôs o Descartes que existiua viveu esta vidaa
pronunciou estas palavrasa escreveu estas obras – bloco
inquebrantávela limite indestrutível – ao cartesianismoa “flosofa
errante” que muda incessantemente nas mãos dos herdeiros.
Tinha razão. Nenhuma fronteira indica até onde vai Descartes e
onde começam seus sucessoresa e enumerar os pensamentos que
estão em Descartes e os que estão neles teria tanto sentido
quanto fazer o inventário de uma língua. Feitas estas restriçõesa
realmente o que conta é a vida pensante que chamamos
Descartes e cujas obras são a esteiraa felizmente conservada. Se
Descartes está presente é porquea rodeado de circunstâncias
hoje abolidasa atormentado com preocupações e com algumas
ilusões de seu tempoa respondeu a esses acasos de tal maneira
que nos ensina a responder aos nossosa embora diferentesa e
diferente nossa resposta.

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Ninguém entra para o Panteon dos fllsofos por se dedicar
somente a ter apenas pensamentos eternosa pois o tom da
verdade sl vibra longamente quando o autor interpela sua vida.
Não é o espírito das flosofas do passado que sobrevivea como se
fossem momentos do sistema fnal. Seu acesso ao intemporal não
é entrada para o Museu. Ou duram com suas verdades e
loucurasa como tentativas globaisa ou não duram de modo algum.
O prlprio Hegela essa cabeça que quis conter o Sera vive hoje e
nos dá o que pensara não somente por suas profundezasa mas
também por suas manias e tiques. Não há uma flosofa que
contenha todas as flosofass em certos momentosa a flosofa está
inteira em cada uma delas. Para retomar a expressão famosa: seu
centro está em toda parte e sua circunferênciaa em nenhuma.

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Destartea a verdadea o todo ali estão desde o princípio – mas
como tarefa a cumprira ea portantoa ainda não estão ali. Esta
relação singular da flosofa com seu passado esclarecea em
gerala suas relações com o “fora”a por exemploa com a histlria
pessoal e social. Como as doutrinas passadasa ela vive de tudo o
que acontece ao fllsofo e ao seu tempoa poréma descentrando-oa
transportando-o para a ordem dos símbolos e da verdade
proferidaa de modo que não há mais sentido em julgar a obra
pela vidaa do que a vida pela obra.

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Não somos obrigados a escolher entre aqueles que pensam que a
histlria do indivíduo ou da sociedade detém a verdade das
construções simbllicas do fllsofoa e aqueles que pensama ao
contrárioa que a consciência floslfca tema por princípioa as
chaves da histlria social e pessoal. A alternativa é imagináriaa
tanto assim que os defensores de uma dessas teses sempre
recorrem sub-repeticiamente a outra.

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Sl se pode pensar em substituir o estudo interno das flosofas


por uma explicação slcio-histlrica se houver referência a uma
histlria cujo curso e sentido acredite-se conhecer com evidência.
Pressupõe-sea por exemploa uma certa ideia do “homem total” ou
um equilíbrio “natural” do homem com o homema e do homem
com a natureza. Nesse casoa esse telos histlrico estando dadoa
toda flosofa pode ser apresentada como digressãoa alienaçãoa
resistência frente a esse futuro necessário oua ao contrárioa como
etapa e progresso rumo a ele. Masa donde vem e o que vale a
ideia diretriz? A questão não deve ser posta: colocá-la já é
“resistir” a uma dialética que está nas coisasa é tomar partido
contra ela. Poréma como sabeis que está aí? Por flosofa.
Simplesmentea é uma flosofa secretaa disfarçada de Processo.
Nunca se opõe ao estudo interno das flosofas uma explicação
slcio-histlricaa mas sempre uma outra flosofa escondida sob
ela.

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Mostra-sea por exemploa que Hegel concebeu a alienação como
concebeua porque tinha sob os olhos a alienação da sociedade
capitalista e pensava de acordo com ela. Esta “explicação” sl
acertaria as contas com a alienação hegeliana e sl faria dela um
episldio do capitalismoa se se pudesse mostrar uma sociedade
onde o homem se objetiva sem se alienar. Para Marxa tal
sociedade era apenas uma ideia. Quanto a nlsa o máximo que
podemos dizer é que ela ainda não é um fato. Não se opõe a
Hegel um fatoa porém uma ideia do relacionamento entre o
homem e o todo social. Sob o nome de explicação objetivaa há
sempre um pensamento que contesta um outro pensamento e o
denuncia como iluslrio. Se se responder que a ideia marxistaa
como hipltese histlricaa esclarece a histlria do capitalismo antes
e depois de Marxa passa-se para o terreno dos fatos e da
possibilidade histlrica. Será precisoa entretantoa neste terreno
“experimentar” da mesma maneira a ideia hegeliana da alienação
e vera por exemploa se não ajuda a compreender até mesmo as
sociedades fundadas sobre a ideia marxista. Exclui-se
precisamente tal pesquisaa quando se declara doutamente que a
ideia hegeliana da alienação é um produto da sociedade onde
Hegel vivias já não nos mantemos no terreno dos fatosa e a
“explicação” histlrica é apenas uma maneira de flosofar sem dar
na vistaa disfarçar as ideias em coisas e pensar sem precisão.
Uma concepção da histlria sl explica as flosofas sob a condição
de tornar-se também flosofaa e flosofa implícita.

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Do seu ladoa os fllsofos mais agarrados à interioridade
estranhamente faltam aos seus princípios quando convocam para
seus tribunais culturasa regimes julgando-os do exteriora como se
a interioridade deixasse de ser importante desde que não seja a
sua.

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Assima sob nossos olhosa os partidários da flosofa “pura” e os da
explicação socioeconômica trocam seus papeiss não somos
obrigados a participar do seu eterno debatea não temos que
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tomar partido entre uma falsa concepção do “interior” e uma


falsa concepção do “exterior”. A flosofa está em toda partea até
mesmo nos “fatos”a e em parte alguma e em domínio algum acha-
se preservada do contágio da vida.

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Há muito a fazer para que se possam eliminar os mitos gêmeos
da flosofa pura e da histlria puraa e para encontrar suas
relações efetivas. Precisaríamosa inicialmentea de uma teoria do
conceito ou da signifcação capaz de tomar a ideia da flosofa tal
como é: nunca sem o lastro das importações histlrias e nunca
redutível às suas origens. Como as novas formas da gramática e
da sintaxea nascidas dos destroços de um antigo sistema
linguístico ou dos acasos da histlria geral e quea no entantoa se
organizam segundo uma intenção expressiva que faz deles um
novo sistemaa a ideia floslfcaa nascida do fuxo e refuxo da
histlria pessoal e sociala não é somente um resultado e uma
coisaa mas um começo e um instrumento. Discriminando um novo
tipo de pensamento e um novo simbolismoa constitui um campo
de aplicação incomensurável com suas origens e sl pode ser
compreendida de dentro. A origem não é um pecado nem
tampouco um méritos é o conjunto na sua maturidade que deve
ser julgado de acordo com miras e tomadas que nos oferece a
experiência. A abordagem histlrica serve menos para “explicar”
uma flosofa e mais para mostrar o excesso de sua signifcação
sobre as circunstâncias e como fato histlricoa transmuta sua
situação inicial em meio para compreendê-la e compreender
outras. O universo floslfco reside no momento e no ponto em
que as limitações de um fllsofo investem numa outra histlria
que não é paralela à dos fatos psicollgicos ou sociaisa mas que
ora se cruza com elaa ora se afasta delaa ou melhora não pertence
à mesma dimensão.

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Seria preciso modifcar a nossa ideia de gênese psicollgica ou
histlrica para compreender esta relação. Seria preciso repensar
a psicanálise e o marxismo como experiência onde os princípiosa
as medidas estão sempre em questão diante do medido. Não se
trata de classifcar os homens ou as sociedades segundo sua
aproximação do cânone da sociedade sem confitos: estas
entidades negativas não podem servir para pensar uma
sociedade ou um homem existentes. Seria precisoa
principalmentea compreender o funcionamento de suas
contradiçõesa o tipo de equilíbrio instável em que se instalam
bem ou mala saber se os paralisa ou se os vivifcaa sob todos os
aspectosa levando em contaa na psicanálisea o ofício e o trabalho
tanto quanto a vida sexuala ea no que concerne ao marxismoa as
relações vividas tanto quanto a produçãoa os papeis sociais
clandestinos tanto quanto os regulamentos ofciais. Se
comparações deste gênero puderem fundar uma preferência e
uma escolhaa não fornecem por isso uma série genética ideala
nem a relação de uma formação histlrica com uma outraa assim
como a relação entre um tipo de homem e um outro nunca será a
relação simples entre o verdadeiro e o falso. O homem “sadio”
não é tanto aquele que eliminou de si as contradiçõesa mas sima
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aquele que as utiliza arrastando-as em seu trabalho vital. 3 seria


preciso também relativizar a ideia marxista de uma pré-histlria
que deve ceder lugar à histlriaa de uma iminência da Sociedade
total e verdadeiraa onde o homem se reconcilia com o homem e
com a naturezaa poisa embora seja esta a experiência de nossa
crítica sociala na histlria não existe força que esteja predestinada
a produzi-la. A histlria humana não estáa desde jáa fabricada de
maneira a marcar um dia e de uma sl vez todos os quadrantesa o
pleno meio-dia da identidade. O progresso da histlria
socioeconômicaa até mesmo suas revoluçõesa não são tanto uma
passagem à sociedade homogênea ou sem classesa quanto a
buscaa através dos aparelhos de cultura sempre atípicosa de uma
vida que não seja inviável para a maioria. Entre esta histlriaa que
caminha sempre do positivo para o positivo e nunca se supera na
negação puraa e o conceito floslfcoa que nunca rompe seus laços
com o mundoa as relações são tão estreitas quanto se queiras não
que um mesmo sentido habitea sem equívocoa o racional e o reala
como Hegel e Marx o pensavam de formas diferentesa mas
porque o “real” o “racional” são recortados no mesmo estofo: a
existência histlrica dos homensa por cujo intermédio o real éa por
assim dizera prometido à razão.4

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Mesmo considerando um único fllsofoa pululam diferenças
interioresa e é através destas discordâncias que é preciso
encontrar seu sentido “total”. O Descartes absolutoa de que
falava Sartrea aquele que viveu e escreveu de uma vez por todas
há três séculosa cuja “escolha fundamental” temos difculdade
para encontrar porquea talveza o prlprio Descartes nunca tenha
coincidido com este que conhecemos pelos textosa este Descartes
sl existiu pouco a pouco por reação de si sobre si mesmoa e a
ideia de apanhá-lo inteiro em sua fonte talvez seja iluslriaa se
Descartes não for alguma “intuição central”a um caráter eternoa
um indivíduo absolutoa mas um discurso inicialmente hesitante
que se afrma pela existência e pelo exercícioa que se aprende a
si mesmo pouco a poucoa e que nunca deixa completamente de
visar mesmo aquilo que exclui resolutamente. 5 Não se escolhe
uma flosofa como um objeto. A escolha não suprime o que não
foi escolhidoa mas o mantém na margem. O prlprio Descartes
que distingue tão bem o que depende do entendimento puro e o
que pertence ao uso da vidaa traçaa no mesmo lancea o programa
de uma flosofa cujo tema principal seria a coesão das ordens
que acaba de distinguir. A escolha floslfca (e as outrasa sem
dúvida) nunca é simples. E a flosofa e a histlria se tocam
porque são ambíguas.6

3 Cf., também, Sartre, Questões de método e O idiota da família (nota da tradutora).


4 Cf. As aventuras da dialética, epílogo, e também o parágrafo final de O filósofo e sua
sombra (nota da tradutora).
5 Merleau-Ponty se opõe à leitura bergsoniana que reduz uma filosofia a uma “intuição
original” muda, cuja dificuldade de comunicação leva o filósofo a escrever tantos
volumes. Para Bergson, o texto apenas explicita um saber originário silencioso. Para
Merleau-Ponty, o texto é discurso, produção do pensamento e linguagem (nota da
tradutora).
6 Agora o alvo de Merleau-Ponty é Martial Guéroult. Numa nota de trabalho de O visível
e o invisível, Merleau-Ponty afirma o interesse de uma história da filosofia paralela à de
Guéroult e que, em lugar de se ocupar com a tematização explícita dos problemas,
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Eis aí o bastantea não certamentea para defnir a flosofaa mas
para absolver uma tentativa como estaa mistura de flosofaa
histlria e anedota. Esta desordem faz parte da flosofa que aí
encontra um meio para obter unidadea por digressão e retorno ao
centro. É o gênero de unidade de uma paisagem ou de um
discursoa7 onde tudo se vincula indiretamente por uma referência
secreta a um centro de interesse ou de perspectiva e que
nenhuma baliza indica inicialmente. Como a Europa ou a Áfricaa
a histlria da flosofa é um todoa embora tenha seus golfosa
cabosa relevosa deltas e estuários. Ea embora esteja toda alojada
num mundo mais amploa podemos ler nela os signos de tudo que
se passa alhures. Comoa portantoa algum tipo de abordagem seria
proibido e indigno dos fllsofos? Uma série de retratos não é por
si mesma um atentado contra a flosofa.

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A pluralidade das perspectivas e dos comentadoresa por sua veza
não romperia a unidade da flosofaa a menos que fosse uma
unidade de justaposição ou de acumulação. Masa como as
flosofas são linguagens que não podem ser traduzidas
imediatamente uma na outraa nem superpostas termo a termoa
uma vez que é por sua maneira singular que uma é necessária à
outraa a diversidade dos comentários aumenta muito pouco a da
flosofa. Aliása se pedirmos a cada uma como temos feitoa muito
mais do que um balanço “objetivo”a sua reação diante de um
fllsofoa talvez nesse cúmulo de subjetividade reencontremos
uma espécie de convergência e um parentesco entre as questões
quea num collquio íntimoa cada um dos contemporâneos coloca
para seu fllsofo célebre.

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Estes problemas não são regulamentados por um prefácio e não
é preciso que o sejam. Se a unidade da flosofa é feita de
diferença ou distância sucessivamente reduzidaa iremos
reencontrar a mesma difculdade para pensá-la a cada momento
deste livro. Quando tivermos que delimitar a flosofa com relação
ao pensamento do Oriente ou do Cristianismoa precisaremos
perguntar se o nome flosofa sl pertence a doutrinas que
traduzem a si mesmas em conceitosa ou se podemos estendê-lo a
experiênciasa sabedoriasa disciplinas que não vão até este grau
ou a este gênero de consciência. Ea assima reencontraremos o
problema do conceito floslfco e de sua natureza. Cada vez que
nos arriscarmos a traçar linhas de desenvolvimento que os
prlprios fllsofos seguramente não virama e a ordená-los em
torno de temas que seguramente não eram expressamente os
seus – em uma palavraa em cada parte de sua obra – teremos

como a segunda, procuraria o subentendido e o vínculo escondido que une os temas


opostos do filósofo. Naquela nota, Merleau-Ponty volta a falar sobre Descartes, e as
duas ordens distintas de que o presente ensaio fala reaparecem para sugerir que a
separação cartesiana da essência e da existência parte do pressuposto de sua unidade
(nota da tradutora).
7 Cf. A linguagem indireta e as vozes do silêncio, A dúvida de Cézanne e O olho e o
espírito (nota da tradutora).
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ainda de perguntar até onde vai nosso direito de colocar as


flosofas passadas num que é nossoa se podemos nos gabara como
dizia Kanta de compreendê-las melhor do que elas prlprias o
conseguirama e enfma até que ponto a flosofa é dona do sentido.
Entre nls e o passadoa entre nls e o Orientea entre a flosofa e a
religião precisaremosa cada veza aprender novamente a encadear
o hiato e reencontrar a unidade indireta. O leitor veráa entãoa
ressurgir a interrogação que formulamos no inícioa pois ela não é
prefácio à flosofaa mas a prlpria flosofa.

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